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260 Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 GRIPE ESPANHOLA EM CURITIBA EM 1918 Autor: Marjory Schlottag Orientadora: Maria Ignês Mancini de Boni INTRODUÇÃO “Um homem eu caminho sozinho nesta cidade sem gente as gentes estão nas casas a grippe” (Valêncio Xavier) 1 Quando doenças atacam uma população e não são tratadas adequadamente, podem causar a morte. É o caso de doenças como sarampo, caxumba, pneumonia, malária, tuberculose e até mesmo a gripe, entre outras. Atualmente os governos como forma preventiva fazem campanhas de vacinação e orientam a população referente ao tratamento correto de enfermidades. Mesmo com tais medidas surgem de vez em quando doenças desconhecidas, como foi o caso da AIDS que foi descoberta em 1981, epidemias como a de gripe aviária que assolou principalmente o continente Asiático no ano de 2005 e recentemente a gripe H1N1 ou conhecida como gripe Suína que teve um grande surto no ano de 2009 e que ainda fez vítimas esse ano. Esses acontecimentos atuais chamaram-me a atenção para a 1 XAVIER,Valêncio. O mez da Grippe e outro livros. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 13. história das doenças, principalmente epidemias que assolaram diversas populações e também sobre a questão de salubridade em épocas diferentes. Passei a ler diversos artigos sobre o assunto, até que me deparei com um que falava sobre a epidemia de gripe espanhola de 1918 e me interessei grandemente pelo assunto. A gripe matou em torno de 20 milhões de pessoas em todo o mundo, os países mais afetados foram os europeus, como a Espanha e a França. Mas não ficou somente na Europa se espalhou rapidamente pelo globo através dos portos, poucas semanas depois do primeiro surto ela já atravessava o oceano e encontrava soldados em treinamento para guerra nos Estados Unidos. Outros países começaram a se mobilizar para que a epidemia não os alcançasse, mas isso não adiantou. Assim como os outros, nosso país não ficou de fora e foi atingindo brutalmente, as cidades portuárias foram as mais prejudicadas. A capital paranaense, apesar de não ser uma cidade portuária foi também grandemente atingida; a população curitibana entrou em desespero e passou a seguir todas as recomendações expressas pelo governo. Isso ocorreu porque toda vez que há algum tipo de perigo, principalmente o de morte, as pessoas tentam se afastar ou prevenir o mal que está por vir, assim hábitos que estavam acostumados a seguirem e que poderiam representar algo perigoso em determinada situação, passam a ser evitados e novos hábitos são acrescentados à rotina, como por exemplo o cuidado com

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260Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

GRIPE ESPANHOLA EM CURITIBA EM 1918

Autor: Marjory Schlottag

Orientadora: Maria Ignês Mancini de Boni

INTRODUÇÃO

“Um homem eu caminho sozinho nesta cidade sem gente as gentes estão nas casasa grippe” (Valêncio Xavier)1

Quando doenças atacam uma população e não são tratadas

adequadamente, podem causar a morte. É o caso de doenças como

sarampo, caxumba, pneumonia, malária, tuberculose e até mesmo a

gripe, entre outras. Atualmente os governos como forma preventiva

fazem campanhas de vacinação e orientam a população referente ao

tratamento correto de enfermidades.

Mesmo com tais medidas surgem de vez em quando doenças

desconhecidas, como foi o caso da AIDS que foi descoberta em 1981,

epidemias como a de gripe aviária que assolou principalmente o

continente Asiático no ano de 2005 e recentemente a gripe H1N1 ou

conhecida como gripe Suína que teve um grande surto no ano de 2009

e que ainda fez vítimas esse ano.

Esses acontecimentos atuais chamaram-me a atenção para a

1 XAVIER,Valêncio. O mez da Grippe e outro livros. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 13.

história das doenças, principalmente epidemias que assolaram diversas

populações e também sobre a questão de salubridade em épocas

diferentes. Passei a ler diversos artigos sobre o assunto, até que me

deparei com um que falava sobre a epidemia de gripe espanhola de

1918 e me interessei grandemente pelo assunto. A gripe matou em

torno de 20 milhões de pessoas em todo o mundo, os países mais

afetados foram os europeus, como a Espanha e a França. Mas não ficou

somente na Europa se espalhou rapidamente pelo globo através dos

portos, poucas semanas depois do primeiro surto ela já atravessava o

oceano e encontrava soldados em treinamento para guerra nos Estados

Unidos. Outros países começaram a se mobilizar para que a epidemia

não os alcançasse, mas isso não adiantou. Assim como os outros,

nosso país não ficou de fora e foi atingindo brutalmente, as cidades

portuárias foram as mais prejudicadas. A capital paranaense, apesar

de não ser uma cidade portuária foi também grandemente atingida; a

população curitibana entrou em desespero e passou a seguir todas as

recomendações expressas pelo governo. Isso ocorreu porque toda vez

que há algum tipo de perigo, principalmente o de morte, as pessoas

tentam se afastar ou prevenir o mal que está por vir, assim hábitos

que estavam acostumados a seguirem e que poderiam representar

algo perigoso em determinada situação, passam a ser evitados e novos

hábitos são acrescentados à rotina, como por exemplo o cuidado com

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 261Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

a saúde e a higiene. Decidi verificar em que medida esses cuidados

se tornaram importantes tanto para o governo e para a população

curitibana com a chegada da Gripe Espanhola em 1918.

Assim sendo a pesquisa teve como objetivos verificar como a

população curitibana e os governantes reagiram frente à epidemia

e que medidas tomaram para se proteger no referente aos cuidados

da saúde e higiene. Para auxiliar e me guiar nesse trabalho utilizei

vários textos de Michel Foucault, publicados em vários livros desse

autor como: Microfísica do Poder, Nascimento da Clínica e Vigiar

e Punir, nos quais aborda questões referentes à saúde, medicina e

sociedade, assim como o controle disciplinar do governo sobre a

população.

Segundo Foucault a partir do mercantilismo surge uma preocupação

maior com a saúde da população, principalmente na Alemanha, na

França e Inglaterra, chamada de medicina social, cujo objetivo era

manter uma população sadia o que significava uma mão de obra mais

ativa resultando em um aumento produtivo e gerando mais lucro para

os países. Assim várias medidas foram tomadas em relação à saúde

da população, como o treinamento de médicos, normalização do

saber médico, sistema de quarentena e organização das cidades, entre

outras.2 Esses modelos foram seguidos por diversos países, inclusive

pelo Brasil, onde é possível perceber esses elementos quando são

abordadas questões de salubridade dos estados brasileiros e quando

o país foi afetado por algum tipo de epidemia. Foi o caso da Gripe

Espanhola, quando o governo passou de todas as formas a alertar e

procurar um meio de proteger a sua população, sendo por meio de

jornais, leis e decretos.

2 FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Medicina Social, In: Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado, 14. ed. Rio de Janeiro. Edições Graal. 1999 p .79-98.

Foucault também defende que o encontro da doença com o corpo

humano pode ser considerado um dado histórico, e além da doença

possuir essa característica histórica, ela tem espaços por onde se

reproduz. A identificação, tanto dos espaços como da doença é chamado

espacialização. Segundo ele existem três tipos de espacialização, a

primeira é a identificação da doença no corpo do paciente por meio

de comparações de sintomas com outras doenças já registradas. Já na

segunda além de identificar a doença, o paciente passa a ser tradado

de forma singular levando em conta as características individuais de

cada paciente. Na terceira espacialização a doença passa a atacar não

somente pacientes isolados, mas toda uma sociedade, a partir desse

momento um conjunto de gestos contra a epidemia começam a ocorrer

na sociedade, nesse contexto vão surgir lutas políticas reivindicações,

tudo com objetivo de buscar uma solução para o problema.3 Seguindo

essa linha foi possível identificar qual tipo de espacialização ocorreu em

Curitiba devido à gripe espanhola.

Para embasar a pesquisa foram utilizadas como fontes, jornais da

época como o “Diário da Tarde” e “A República”, relatórios e mensagens

enviados ao governo. Contrapondo esses dois tipos de fontes, foi

possível visualizar o que se passava na cidade de Curitiba na época

estudada, além de bibliografia referente ao tema.

Esse trabalho está estruturado em dois capítulos, no primeiro busco

contextualizar o período anterior à epidemia em Curitiba, mostrando

como a capital se encontrava em questões de salubridade a partir do

ano de 1900 até as ultimas reformas do Prefeito Cândido Abreu; já no

segundo procuro me ater à epidemia mostrando sua trajetória mundial

até chegar ao Brasil, passando pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná

3 FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977. p 16.

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262Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

até chegar a Curitiba, verificando as medidas tomadas pelo governo

e população com relação à epidemia e as mudanças nos cuidados da

saúde e higiene da população.

Segundo Foucault, é necessário escrever a história de epidemias

de forma detalhada, já que é um fenômeno coletivo. Faz-se necessário

cruzar informações de pontos de vista diferentes, para que se chegue ao

resultado final4. Foi o que procurei fazer nesse trabalho.

1 CURITIBA NO INÍCIO DO SÉCULO XX

“Positivamente a vida humana não vale um caracol”Comércio do Paraná5

Não há como falar de Curitiba sem antes falar do Paraná, já que

a capital era o seu reflexo. No início do séc. XX o Paraná era um Estado

em pleno desenvolvimento, com uma economia baseada na exportação

de erva mate e na criação de gado, além da indústria madeireira. O

transporte da produção era feito através de estradas e ferrovia até o

porto de Paranaguá, de lá seguiam os produtos para países da América

Latina, Chile e países platinos.

O Paraná não possuía uma agricultura de abastecimento para sua

população; foi com a chegada dos imigrantes, já no final do séc. XIX, que

isso foi possível, diferente do restante do país onde eram direcionados

às lavouras de exportação, aqui eles tinham a oportunidade de obter

terras onde poderiam cultivar e através do comércio de produtos

garantirem o sustento de suas famílias. Foram utilizados também, como

força de trabalho na construção de estradas e ferrovias.

4 FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977. p 275 XAVIER,Valêncio. O mez da Grippe e outro livros. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.16

Essa oportunidade atraiu novos moradores para o Estado, muitos

desses eram reimigrantes, isto é migravam de outros estados para o

Paraná com perspectiva de uma vida melhor. Isso gerou um crescimento

populacional tanto no estado como na sua capital como vemos na

tabela abaixo:

TABELA 1 – CRESCIMENTO ANUAL DA POPULAÇÃO DE CURITIBA E DO PARANÁ – 1890/1920ANOS POPULAÇÃO DE CURITIBA POPULAÇÃO DO PARANÁ1890 24553 2494911900 50124 3271361910 60800 5723751920 78986 685771

Fonte: Dados extraídos de: DE BONI, M.I.M.. O espetáculo visto do auto: Vigilância e punição em Curitiba (1890 – 1920). Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998. p. 11.

Dá ultima década do século XIX ao início do século XX o contingente

populacional de Curitiba praticamente dobrou. Esse crescimento trouxe

mudança à composição da população da Capital. Grande parte desses

novos moradores foi atraída pela oferta de mão de obra das pequenas

indústrias de beneficiamento do Mate, da madeira e da agricultura de

abastecimento.

A maior economia do estado era a erva mate, como na mesma

proporção que era o café para São Paulo e a borracha para o Amazonas

e o Pará. Isso proporcionou o inicio de uma “nova classe econômica”

chamados de “barões do mate”, que com o crescimento da indústria do

mate conseguiu reestruturar as relações sociais da região igualando-se

e até mesmo sobrepondo-se aos antigos senhores rurais, essa nova

classe passou a e exigir do estado reformas para a reordenação do

espaço urbano6. Procuravam construir suas casas, que pareciam mais

6 PEREIRA, Magnus R. de Mello. Semeando iras rumo ao progresso. Curitiba: Editora da UFPR, 1996. p.10-11

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palacetes, em bairros mais estruturados e afastados do centro, pois

eram menos populosos e mais higiênicos7. Dessa forma a configuração

urbana da cidade foi se definindo, divida entre a elite curitibana e a

população mais pobre.

Foi através da economia de erva-mate, e do crescimento

populacional que a preocupação com o desenvolvimento da cidade

começou a ser maior. Desse modo a capital do Estado passaria por

diversas transformações no início do século XX.

1.1 Curitiba uma cidade “moderna”

Curitiba no início do século XX era considerada por muitos autores

contemporâneos, uma cidade moderna e passível de ser comparada

com outras cidades do país como São Paulo, Rio de Janeiro e até

mesmo com cidades da Europa. Segundo palavras de Rocha Pombo

em 1900 a respeito de Curitiba:

A nossa capital é uma das mais belas, das mais opulentas e grandiosas do Sul. Quem viu aquela Curitiba acanhada e sonolenta, de 1853, não reconhece a Curitiba suntuosa de hoje, com suas grandes avenidas e boulevards, as suas amplas ruas alegres, as suas praças, os seus jardins, os seus edifícios magníficos. A cidade é iluminada a luz elétrica. É servida por linhas de bonde entre o Batel e o Fontana e a estação da estrada de ferro, aproveitando quase toda a área urbana. O tráfego diário conta, além do que fazem os bondes, com mais de 100 veículos diversos. Há plena atividade, dentro do quadro urbano, mais de trezentas fábricas e oficinas e no município todo perto de 600! Já se funde em Curitiba tão perfeitamente como Rio. Já se grava e já se fazem, em suma todos os trabalhos de impressão tão bem como os melhores da Europa. O movimento da cidade é extraordinário, e a vida de Curitiba é já a vida afanosa de um grande centro. Existem para mais de trinta sociedades, clubes e instituições de ordem popular. Contam-se seis colégios

7 DE BONI, M.I.M.. O espetáculo visto do auto: Vigilância e punição em Curitiba (1890 – 1920). Curitiba: Aos Quatro Ventos,1998. p. 27.

particulares, cinco livrarias, nove tipografias, muitas de primeira ordem, e uma litografia importantíssima. Entre os estabelecimentos de ensino, além do Ginásio e da Escola Normal, que são oficiais, contam-se a Escola de Artes e Indústrias, o Conservatório de Belas Artes, o Seminário Episcopal, etc. Publicam-se presentemente na capital paranaense oito jornais, sendo quatro diariamente (...) Curitiba como São Paulo, como tantas cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, é um centro cosmopolita. 8

A Capital estava em pleno desenvolvimento, as características

de uma cidade pequena estavam ficando para trás. Possuía fábricas,

edifícios modernos, linhas de bonde, faculdades, colégios, clubes entre

outras coisas. A oferta de trabalho frente ao desenvolvimento aumentava

atraindo mais pessoas para Curitiba.

A situação de Curytiba em face da estatistica demogragraphica das demais cidades brasileiras e mesmo de outros paizes, - é de um magnífico destaque (...). E’ Curytiba a sétima, dentre as capitães de Estados da República quanto a população.Em 1900 tinha 49.755 habitantes, em 1910, 60.800 e, 1920 – 78.9896, Vê-se, dahi, o seu rápido desenvolvimento.9

Mesmo assim alguns problemas não estavam sendo resolvidos,

pois a capital ainda não possuía saneamento básico, e nem um sistema

de coleta de lixo e, além disso, várias ruas ainda não eram calçadas.

Como mostra esse pequeno trecho do Jornal Diário da tarde de junho

de 1900:

Falta-nos tudo: não temos água potável; não existem esgotos para detritos de nossa já não pequena população; muitas ruas de grande trânsito exigem calçamento; o nosso passeio público, único logradouro que possuímos, está quase que abandonado; as nossas praças e vias mostram-se sujas e descuidadas; a limpeza pública não satisfaz.10

8 POMBO, Rocha. ap. DE BONI, M. I. M.. op. cit. p.129 MARTINS, Alfredo Romário. Curytiba de outr’ora e de hoje. Curitiba: Prefeitura Municipal, 1922.10 Diário da tarde. 15/06/1900.

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Apesar de Curitiba ser considerada “Moderna” por alguns autores,

essa não era a realidade que a população presenciava todos os dias.

Curitiba necessitava de várias reformas estruturais e sanitárias, a situação

que a capital se encontrava era precária, tendo uma população em

constante crescimento e sem uma estrutura cabível para comportá-la.

As pessoas que chegavam a Curitiba não tinham onde se

estabelecer por isso construíam casas provisórias e ficavam nelas até

que encontravam lugares melhores para se estabelecer.11 Essa situação

precária possibilitava a proliferação de doenças que muitas vezes

viravam epidemias.

O governo não havia realizado muitas ações a respeito disso apesar

de ter criado em 5 de dezembro 1892 um órgão que deveria ficar

responsável por examinar assuntos do interesse não só dos governantes

como também da população, o Conselho de Saúde Pública:

Fica creado na Capital um conselho de saúde publica sob autoridade do governador do Estado; compor-se-a este conselho de sete membros: O inspector de Hygiene, como presidente; o Lente de Sciencias naturaes do Gynasio paranaense; O Prefeito Municipal; O secretário do Interior; O Engenheiro da Câmara Municipal; O Director do Hospital de Misericórdia; O Delegado chefe do Setor Sanitário do Exercito, a convite do Governador(...).12

Mas apesar disso nenhuma providência vinha sendo tomada

por parte do conselho que fosse do interesse popular, talvez porque

o conselho era composto somente por membros da elite. A atitude

que tomavam era fiscalizar através da polícia sanitária e punir os que

estavam irregulares. É o que Foucault chama de junção entre: “Controle

policial e a do saber médico”. Há uma combinação entre a polícia que

tem a função de vigiar, fiscalizar e punir e o conhecimento médico.

11 REIS, Trajano Joaquim dos. apud BONI. M.I.M de. op. cit. p. 3412 PARANÁ, Coleções de leis, 1892. p 245.DEAP

Esse modelo de “polícia médica” foi aplicado na Alemanha no final

do século XVIII e início do século XIX, e consistia em uma contabilidade

de casos de doenças em comparação ao contingente populacional,

normalização por parte do Estado da profissão médica antes da do

doente, uma organização administrativa que tinha como objetivo

controlar as atividades médicas, nomeação de médicos responsáveis por

regiões, distritos para que ocorresse a fiscalização eficaz da população.

13, esse modelo foi seguido por diversos países, inclusive o Brasil.

O Estado não buscava uma solução para o problema, buscava

remedia-lo através da fiscalização e punição trazendo de certa forma

mais sofrimento para a população. Em relação às doenças que

afetavam a cidade quase nada foi feito. Obras de saneamento básico

começaram a ser realizadas em 1904, sob o governo do prefeito Luiz

Antônio Xavier, pois era nas palavras de Joaquim P. Pinto Chichorro Jr.

secretário do Estado dos Negócios e Obras Públicas e Colonização:

Uma das necessidades mais urgentes da cidade de Curytiba, aquella que mais de perto interessa a seus habitantes, – porque se relaciona directamente com a vida destes, – é sem dúvida o serviço de abastecimento d’agua potavel á sua população e consequente evacuação das aguas carregadas de materias nocivas à saúde. Cidade que se vae desenvolvendo dia a dia, e cuja população augmenta consideravelmente, determinando a densidade crescente de suas edificações, Curytiba não pode adiar por mais tempo a realização desse melhoramento, indispensavel a toda populaçao urbana de certa importancia.14

Para essas obras foram contratados dois engenheiros, Álvaro de

Menezes e Augusto Machado de Oliveira, que deram início as obras,

13 FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Medicina Social, In: Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado, 14. ed. Rio de Janeiro. Edições Graal. 1999 p .80-8514 PARANÁ, Governo, Relatório apresentado por Joaquim P. Pinto Chichorro Junior, Secretário dos Negócios de Obras Públicas e Colonização. Curitiba, 1904, p. 11. DEAP

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mas não concluíram no prazo deixando vários defeitos na tubulação,

sendo o contrato rescindido em dezembro de 1907. Um novo contrato

foi assinado no mesmo mês, com os doutores Luiz de Oliveira Lins

de Vasconcellos e Gabriel Dias da Silva, ficando estes responsáveis a

concluírem a obra iniciada em 1904.

Nesse ínterim vários surtos de doenças como meningite, sarampo,

varíola, tuberculose entre outras começaram a surgir em algumas

cidades do Estado como na capital. Muitos governantes não haviam

se preocupado com as doenças, pois acreditavam que a salubridade

no estado e em suas cidades era ótima, principalmente por causa

do clima ameno, confundiam saúde com salubridade. Segundo

Foucault: “salubridade não é a mesma coisa que saúde, e sim o estado

das coisas, do meio e seus elementos constitutivos, que permitem a

melhor saúde possível. Salubridade é a base material e social capaz

de assegurar a melhor saúde possível dos indivíduos.”15 Se o meio

não proporciona uma salubridade, não atende as necessidades dos

indivíduos, então ele é insalubre e não é possível obter a melhor saúde.

A capital se encontrava nesse estado, pois não garantia à população as

necessidades básicas: saneamento básico e higiene, que estava sujeita

a vários tipos de doenças.

Dessa forma a saúde pública não poderia ser somente assegurada

pelo clima, mas era necessário tomar outras providências. Isso foi

notado pelo secretário Luiz Antônio Xavier em 1908:

Felizmente o nosso clima, de uma real salubridade, tem collaborado até hoje com a população paranaense ao abrigo das grandes invasões mórbidas, e as epidemias, por vezes importadas, nunca conseguiram tomar vulto. Não convém, entretanto, confiar a saúde pública exclusivamente à essas excepcionais condições climatericas. Já é tempo de estabelecermos um serviço regular de hygiene preventiva, tando na capital como nas nossas principaes cidades (...)16

15 FOUCAULT, Michel. op. cit. p. 9316 PARANÁ, Governo. Relatório apresentado ao Dr. Francisco Xavier da Silva,

A preocupação com uma higiene preventiva foi tardia e demorou

a ser aplicada. No relatório de 1909 o secretário comenta: “A

organização actual do nosso serviço de hygiene, falha e incompleta,

sob todos os pontos de vista, esta reclamando uma inadiável e urgente

reforma, que colloque esse importante ramo de administração ao nível

das necessidades publicas.” 17 A situação a respeito da higiene sanitária

em Curitiba estava deplorável e com várias falhas, além de não receber

verba suficiente, não possuía funcionários para todas as funções a

serem exercidas e nem material necessário para realizar ações anti-

epidêmicas.

A solução sugerida pelo secretário era uma reforma urgente na

“repartição central com o augmento do pessoal medico e subalterno,

de modo a poder a cidade ficar dividida em três districtos sanitários,

pelo menos, estabelecendo-se os póstos, a mais possivel no centro

de cada districto.”18 Além dessa primeira reforma proposta fazia-se

necessário a construção de novos postos sanitários não só na capital,

mas também em outras cidades, como Paranaguá e Ponta Grossa, para

que pudesse haver um controle de entrada de pessoas que poderiam

estar contaminadas com algum tipo de doença protegendo a capital

pelo litoral e interior.

Não era somente reformas no serviço sanitário que precisavam ser

feitas, a questões de saneamento básico, moradia e calçamentos ainda

não tinham sido totalmente resolvidas.

O coaxar penetrante e plagente daquela vasta população batráquia, desde o escurecer, a péssima iluminação pública, ainda a gaz-globo, as

pelo secretário dos Negócios do Interior, Justiça e instrução Pública. Coronel Luiz Xavier. Curitiba. 1908 p.10. DEAP17 PARANÁ, Governo. Relatório apresentado ao Dr. Francisco Xavier da Silva, pelo secretário dos Negócios do interior, Justiça e Instrução Pública. Coronel Luiz Xavier. Curitiba. 1909. p. 10. DEAP18 id. ib. p. 11

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perigosas valas, em tempo de chuva de muitos trechos da cidade, quase toda ela ainda por calçar, o mugido das vacas, ás vezes, em estábulos próximos, quando não andassem soltas de mistura com numerosa cavalhada, tudo isso dava a Curitiba ainda feição flagrante de aldeia.19

Nessa descrição de Nestor Victor em 1912, a cidade ainda não

possuía uma iluminação pública adequada em todas as ruas, várias

ainda não estavam calçadas e a maioria das casas ainda não recebiam

o sistema de saneamento, por isso havia valas em céu aberto para

escoar o esgoto e a situação piorava quando chovia, enchentes eram

comuns acontecer devido a topografia da cidade.

A capital estava necessitando urgentemente de reformas e foi

com João Antônio Xavier, prefeito em exercício em 1912 que algumas

começaram a ser feitas, entre elas projeto de expansão da rede de

esgotos, que na época atendia somente 1/3 das casas e edifícios da

região urbana, construção do Palácio Municipal e instalação de novas

linhas de bondes elétricos, pois a maioria ainda era a cavalo.

Novas obras começaram a ser erguidas remodelando a cidade; para

incentivar novas construções o governo promoveu uma campanha que

daria prêmios em dinheiro para os que erigissem edifícios destinados

ao comércio e moradia durante o ano de 1913. Todas essas reformas

ajudaram a melhorar a condição de vida em Curitiba, mas muita coisa

ainda precisava ser feita.20

1.2 Curitiba e as reformas de Cândido de Abreu

Cândido de Abreu foi nomeado a prefeito de Curitiba no ano de

1913, pelo então presidente de Estado Carlos Cavalcanti, sem passar

19 VICTOR, N. A terra do futuro – impressões do Paraná. RJ. Typ. Do Jornal do Comércio 1913, p.10020 CARNEIRO, Newton. ap.. DE BONI, M.I.M. op.cit. p.41

por nenhum tipo de eleição. O presidente do estado se justificava em

mensagem enviada ao congresso legislativo em 1º de fevereiro de

1913:

O regimen instituído pela lei n. 1142 de 26 de março, conciliando o principio da autonomia municipal com o da responsabilidade que inevitavelmente cabe ao governo pela situação da cidade que gosa dos fóros de sua séde tornou-se da confiança do poder executivo o cargo de prefeito da capital. Não é preciso encarecer as vantagens da transformação operada pela citada lei na constituição do administrativo municipal, bastando salientar a de abrandar em grande parte os effeitos do patidarismo que, segundo a lamentável regra geral, difficultam-lhe a marcha, annullando em muitos casos as mais admiraveis diposições.(...)21

O governo demonstrava uma preocupação com o estado em que

se encontrava a capital, e para resolver o problema queria uma união

administrativa e política entre os governos municipais e estaduais para

que não ocorressem impasses entre eles que pudessem impedir o

desenvolvimento da cidade. Segundo palavras de Carlos Cavalcanti a

pessoa qualificada para exercer o cargo de Prefeito da capital era o

então senador Candido de Abreu:

Cargo de importância essencial para o futuro do nosso Estado, deveria ser exercido por um cidadão que reunisse qualidades de caráter, de competência e de prestígio taes que o indicasse capaz de realizar o plano de remodelação que vos eu havia prometido[grifo meu], para fazer verdadeiramente modelar e digno do Paraná, o seu primeiro município. Esse cidadão, tive a felicidade de encontrar no Senador Candido Ferreira de Abreu que promptamente accendeu o convite do governo para desempenhar a difficil tarefa, mostrando mais uma vez, que seu amor a essa terra só é comparável á superior e rara abnegação com que se desprende das commodidades e altas posições para prestar serviços ao torrão natal.22

21 PARANA, Governo. Mensagem ao Congresso Legislativo do Paraná dirigida pelo Exmo. Sr. Dr. Carlos Cavalcanti de Albuquerque Presidente do Estado. Curitiba. 1913, p. 22. DEAP22 PARANA, Governo. Mensagem ao Congresso Legislativo do Paraná dirigida pelo Exmo. Sr. Dr. Carlos Cavalcanti de Albuquerque Presidente do Estado.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 267Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Nessa citação o presidente do Estado declara que já havia realizado

planos de remodelar a capital, isso demonstra o grande interesse que o

governo tinha pela cidade. Por isso quem ocuparia o cargo de prefeito

teria que ser alguém de sua confiança para que seguisse seus planos

sem contestações e fosse qualificado para a função.

Cândido de Abreu era formado em engenharia e trabalhou em

diversos projetos como a construção da estrada de ferro Madeireira-

Mamoré na Amazônia, e na construção de Belo Horizonte, além de

vários projetos arquitetônicos. Exerceu cargos como de Secretário de

Obras Públicas e Indústria, Secretário dos Negócios e Colonização

entre outras funções. Não era a primeira vez que exerceria o cargo já

havia sido eleito Prefeito de Curitiba de 1892 a 1894, renunciando ao

cargo por limitações impostas pelo Legislativo Municipal.

O governo estadual juntamente com o poder municipal assumiu a

responsabilidade de remodelar a cidade e resolver os problemas dos

serviços públicos que não estavam em perfeitas condições para atender

a população. Em 1913 Curitiba, possuía somente 2.371 instalações

domiciliares de água e esgoto, com essa quantidade era impossível

atender uma população de 65.000 habitantes, somente um quarto da

população se beneficiava desse serviço.23

A iluminação pública e particular também não era das melhores:

“apezar do grande augmento que tem tido o numero de focos

empregados, ainda assim esse número não é proporcional a área cada

vez mais extensa da cidade que exigiria a triplicação na intensidade da

luz existente”. 24 Além da péssima condição relatada no documento, a

empresa “The South Basilian Railways Limited” que administrava o serviço

de iluminação cobrava taxas consideradas abusivas pela população.Curitiba. 1913, p. 22. DEAP23 id. ibid. p. 2324 id. ibid. p. 23

Dessa forma uma das primeiras ações que Cândido de Abreu

realizou foi nomear uma comissão de melhoramentos da capital,

que garantia poder total para que pudesse, sem restrições, executar

os projetos solicitados pelo presidente do estado Carlos Cavalcanti.

Formando uma união total dos poderes estaduais e municipais.

O primeiro ano de mandato de Candido de Abreu foi um ano de

preparação para as reformas urbanísticas, vários logradouros de ruas

foram alterados e varias vias foram remodeladas com o sistema de

pavimentação de macadamização25. Por isso algumas redes de esgoto

já existentes tiveram que ser rebaixadas e com isso ocorreram falta

de água em diversos pontos da cidade, para amenizar a situação a

prefeitura autorizou a abertura de poços artesianos até que o problema

fosse resolvido.

Nessa época a reforma urbanística da cidade foi confundida com

reforma sanitária, assim além de remodelar ruas, revitalizar fachadas,

o poder público queria “purificar o espaço urbano”26, isso consistia em

retirar do centro da cidade as pessoas pobres que faziam das casas

antigas moradias coletivas, essas não poderiam continuar ali pois

não se adequavam a elite Curitibana. Além de a população pobre ser

expulsa, pensões, bares de baixa categoria também foram retirados.

Regulamentações pra evitar as moradias coletivas e construções de

edifícios fora dos padrões previstos começaram a ser feitas, e quem

não cumprisse a regulamentação era multado27.

Vários prédios começaram a ser demolidos para o alargamento

de ruas. O centro de Curitiba sofreria grandes alterações, com a

reforma do Teatro Guaíra, construção do Palácio Municipal e do Novo

25 Sistema de pavimentação com uma camada de mais ou menos 30 cm de pedra brita compactada.26 FOUCAULT, Michel . op. cit. p. 9427 BONI. M.I.M de. op. cit. p. 43

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268Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Mercado que ficaria localizado entre as ruas Comendador Araújo e

Coronel Dulcídio, construção da Avenida do Contorno que teria 14

quilômetros de extensão e 16 metros de largura além de outras obras.

Para essas, equipamentos tiveram que ser importados da Europa e dos

Estados Unidos, como no caso de compressores e betoneiras para a

pavimentação das ruas.

Curitiba foi remodelada tanto na parte estética quanto na parte

social, pois foi dividida em 3 zonas:

A zona central foi palco das reformas estudadas nesse trabalho; era onde a fiscalização tornava-se mais rigorosas e as edificações deveriam ser de alvenaria. A segunda zona era destinada às indústrias e a terceira, às moradias dos operários e pequenos sitiantes.28

As classes mais pobres foram retiradas do centro da cidade e

levadas para a periferia, reorganizando a capital entre os ricos e pobres.

Segundo Foucault isso acontece por que “sentiu−se necessidade, ao

menos nas grandes cidades, de constituir a cidade como unidade, de

organizar o corpo urbano de modo coerente, homogêneo, dependendo

de um poder único e bem regulamentado.” As razões para isso segundo

o autor é que a cidade se torna um lugar onde há a centralização de

relações comerciais não só no nível local, mas nacional e internacional

surgindo novos interesses e poderes, o controle do poder pelo governo

fica ameaçado se não existir uma regularização e reorganização coerente

e homogênea. Outro motivo seria pela aglomeração de proletários,

que derivam de classes econômicas mais pobres, aumentando a tensão

entre ricos e menos abastados.29.

28 SÊGA, Rafael Augustus. Melhoramentos da Capital: A reestruturação do quadro urbano de Curitiba durante a gestão do prefeito Cândido de Abreu (1913 – 1916). 1996. 110f. Dissertação (Mestrado em História) –Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1996.29 FOUCAULT, Michel. op. cit. p 93

Era necessário haver uma reorganização estrutural e social que

fosse regulamentada para obter uma facilidade na administração da

cidade, pois ela estava se desenvolvimento rapidamente; todas as

obras realizadas pelo prefeito e todas as leis implantadas ajudaram a

estabelecer essa ordem.

O jornal “A República” acompanhou durante todo o mandato de

Cândido de Abreu as obras realizadas na capital criteriosamente e as

publicava enaltecendo o prefeito. Durante os anos de 1914 e 1915 as

obras continuaram em pleno vapor, em outubro de 1915 a maioria

das obras foram concluídas. O Jornal “A República” no dia 19 e 20 de

outubro publicava:

(...) considerando cada quadra, cada faixa, remendada como uma rua (nas avenidas Iguaçu e outras, essas tem uma largura de 8 metros e 50 centímetros) obtemos um total de 254 faixas macadamizadas, revestidas a paralelepípedos e recalçadas além de 50 em andamento adiantado, o que resulta o elevado total de 304 faixas (...)30

(...) Infere-se, desse mesmo quadro terem sido calçadas, recalcadas e macadamizadas vias públicas numa área total de 272.163,64 m² e macadamizadas e ensaibradas avenidas, praças e refúgios numa área total de 21.360,96 m², isto é, uma média mensal de mais de 10.000 m² nos 28 meses de trabalho efetivo de acordo com sua soma total de revestimento que dá 293.524,60 m². Tendo fixado em 300.000 m² segue-se que já está quase atingindo esse desideratum e que será ele regularmente ultrapassado.31

Além das obras de pavimentação mencionadas nessa publicação,

as obras de canalização de rios, melhorias e construções de praças,

mercados, no passeio público e linhas de bondes estavam praticamente

concluídas. Tanto é que no mês de Novembro de 1915 o jornal “A

30 A REPÚBLICA, 19/10/1915. Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em:18/10/201231 A REPÚBLICA, 20/10/1915. Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em:18/10/2012

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República” pouco menciona a respeito das obras. No ano seguinte

algumas obras sem muita importância foram sendo concluídas até a

inauguração do Paço Municipal em 24 de Fevereiro de 1916, essa foi

umas das ultimas obras a serem concluídas e pode se dizer que foi um

marco de encerramento da gestão de Candido de Abreu.

2 A GRIPE ESPANHOLA

“Famílias inteiras. Não houve casa que não tivesse alguém doente. Parecia a cidade dos mortos”Dona Lúcia32

Conhecida também como “A Influenza” se espalhou pelo mundo

em 1918 chegando a um resultado catastrófico de óbitos em todo

mundo. As estimativas variam, mas especialistas calculam que cerca de

20 milhões de pessoas morreram, 1,5% da população mundial, número

que não pode ser confirmado, pois não existia um exame definitivo

que comprovasse a doença. Comparando o número de mortos ela foi

responsável por matar e em um curto período de tempo mais que a

1ª Guerra Mundial (1914-1918) que teve um total de 9,2 milhões de

mortos em combate.

Na França aproximadamente meio milhão de soldados contraíram

a doença vindo a falecer 31 mil, na Inglaterra e no País de Gales estima-

se 200 mil mortes, nos Estados Unidos a taxa de mortandade gripal foi

aproximadamente de 500 mil pessoas. Na Índia essa taxa subiu para

5 milhões de óbitos devido a gripe.33 Na Nova Zelândia apesar de

32 XAVIER, Valêncio. O mez da Grippe e outro livros. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 2133 KAPLAN, Martin M. e WEBSTER, Robert G. In: BERTOLLI FILHO, Claudio. A Gripe espanhola em São Paulo,1918: epidemia e sociedade. São Paulo: Paz e Terra,2003. p 72.

estar distante da Europa 25% da população morreu por ocorrência da

gripe.34

A gripe teve três ondas de propagação, a primeira surgiu no

começo do ano de 1918, mais precisamente em fevereiro, os primeiros

casos apareceram em uma pequena cidade na costa da Espanha,

San Sebastián, muitos turistas eram atraídos para cidade em busca de

esquecer os “calores” da guerra. Os primeiros sintomas da enfermidade

pareciam de uma gripe comum, dores pelo corpo e mal estar e com um

agravante: febre por uns três dias. Nada muito preocupante, o problema

é que estava se tornando bem contagiosa, cerca de dois meses depois

já havia 8 milhões de enfermos em toda Espanha inclusive o Rei Afonso

XIII; muitos órgãos governamentais fecharam suas portas, bondes

pararam de circular, as pessoas evitavam sair de suas casas.35

Mas não apenas na Espanha, a primeira onda de gripe já havia

se espalhado por vários países da Europa, Ásia e até mesmo Estados

Unidos. Enquanto esses países tentavam abafar as notícias sobre a

doença, na Espanha não era segredo que existia, talvez por isso que

veio a ser conhecida como Gripe Espanhola em desprezo à nação onde

os primeiros casos apareceram. Essa primeira onda de gripe apesar de

ser bastante contagiosa não era fatal, e durou até meados de junho e

desapareceu.

A gripe reapareceu em meados de agosto e passou a atacar países

que antes não haviam sido atingidos, a segunda onda veio de uma forma

avassaladora e mais fatal, as pessoas morriam em poucos dias depois

de a contraírem. Muitos infectados acabavam contraindo pneumonia

mais grave juntamente com a gripe, que enchia os pulmões de fluídos

o que dificultava a respiração. Em pouco tempo ela já alcançava as 34 POOL, D. I. In: BERTOLLI FILHO, Claudio. Op.cit. p. 7235 KOLATA, Gina Bari. Gripe: a história da pandemia de 1918. Tradução de Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 19-21

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270Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

linhas de frente da batalha na Europa, que estava devastada pela guerra e agora teria que enfrentar mais esse mal. Os soldados que já passavam por situações precárias nas trincheiras e já sofriam com doenças como a cólera, a tifo, teriam mais esse inimigo a enfrentar.

Nos Estados Unidos tropas que estavam reunidas com objetivo de se dirigirem para Europa para reforçar as frentes de batalha foram impedidas de prosseguirem por causa da enfermidade36. Uma carta de um médico datada de 29 de setembro de 1918, que foi destinado a um dos vários campos de treinamento, foi encontrada 60 anos depois da epidemia e foi publicada no Bristish Medical Journal em 1979, registrando o que havia ocorrido no Fort Devens em Massachusetts.

Camp Devens fica perto de Boston e tem cerca de 50.000 homens, ou melhor, tinha, antes desta epidemia correr solta (...). Os soldados desenvolvem rapidamente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada, têm manchas castanho-avermelhadas nas maças do rosto (...). A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados é horrível. Pode-se ficar olhando, um, dois ou vinte homens morrerem, mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como moscas deixa qualquer um exasperado. Temos registrado cerca de 100 mortes por dia e este índice ainda se mantém. (...) São necessários trens especiais para levar os mortos. Por vários dias não havia caixões e os corpos empilhados pareciam algo bárbaro, e nós costumávamos descer para o necrotério e olhar os rapazes estirados em longas fileiras. Isso supera qualquer coisa que eles tenham visto na França após uma batalha.37

36 KOLATA, Gina Bari. Op.cit p.24 -2537 BRITISH MEDICAL JOURNAL, 22 a 29 de Dezembro de 1979. In. KOLATA, Gina Bari. op.cit p.25-26

Dessa vez a gripe mostrou toda a sua força em pouco tempo a

epidemia se alastrava pelo globo, na primeira semana de outubro a

epidemia já havia atingido praticamente todos os países e até mesmo

o Brasil. Em Ottawa, no Canadá, bondes que costumavam a estar

lotados passaram a se tornar vazios, cinemas e casas noturnas foram

desativadas, na Cidade do Cabo, África do Sul, havia falta de caixões

e os corpos das vítimas eram enrolados em lençóis e sepultados em

valas comuns; o terror se espalhava pelo mundo e os países ainda não

alcançados pela gripe tentavam se proteger de todo jeito.38

O grande tráfego de pessoas recorrente a 1ª Guerra Mundial

contribuiu para que a epidemia se espalhasse rapidamente, outro

fator importante além da situação precária que os países envolvidos

na guerra, era que os cientistas não tinham conhecimento sobre os

vírus, o principal causador das gripes; eles trabalhavam com a teoria

microbiana e tinham uma leve ideia sobre outro elemento causador de

doenças. O microscópio eletrônico ainda não havia sido inventado,

e era impossível fazer um isolamento de uma partícula tão pequena

como o vírus, por isso como modo de prevenção contra da gripe,

os médicos faziam uma mistura de sangue e muco dos pacientes já

contaminados com a doença, a filtravam e injetavam no braço das

pessoas, muitos acreditavam que isso fazia efeito, mal sabiam que

poderiam estar contaminando as pessoas que estavam sãs.39

A terceira onda de gripe aconteceu em 1919 de fevereiro a maio,

e assemelhou-se a primeira, sendo mais branda não acarretou um

grande número de óbitos. Países que não tinham sido atingidos nem

pela primeira e nem segunda, como a Austrália, não escaparam da

terceira.

38 KOLATA, Gina Bari. op.cit p.3339 CROSBY. In. KOLATA, Gina Bari. op.cit p.36

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2.1 A gripe no Brasil e no Paraná

Os primeiros brasileiros serem atingidos pela pandemia não se

encontravam em território brasileiro estavam em uma missão médico-

militar enviada à Europa, mas nem chegaram ao seu objetivo, pois

quando atracaram o navio em Dacar na África, não sabiam que essa

cidade já estava infectada pelo mal, e em poucos dias a maior parte da

esquadra brasileira já estava enferma, em setembro decidiram retornar

para o Brasil com os sobreviventes.

O governo tomou a providência, por decreto no dia 24 se setembro

de 1918, de ativar o Lazareto de Ilha Grande que passou a ter a

função de inspecionar as embarcações vindas de portos Africanos. 40

O problema é que embarcações vindas de outros locais não estavam

passando por esse controle, eram somente examinadas e desinfectadas

quando chegavam aos portos brasileiros. No dia 14 de setembro

de 1918 um vapor inglês chamado Demerara já havia chegado ao

território brasileiro, ele saiu de Liverpool, fez escala em Lisboa e atracou

em três portos, Recife, Salvador e por ultimo no Rio de Janeiro, trazendo

consigo a temida Gripe Espanhola.41 No jornal Correio da Manhã o

Diretor geral da saúde Carlos Seidl comentou o caso:

Quando aportou no Rio de Janeiro, o “Demerara”, tive ocasião, de não ver confirmadas suspeitas que surgiram. Fui pessoalmente a bordo e examinei os livros do registro, conferenciei com o médico do navio, indaguei quanto pude e fiquei convencido que não havia motivos de intranquilidade, porquanto basta referir que, em um paquete trazendo um mez de viagem na peores condições Moraes, pelos sustos da navegação actualmente, e deficientes condições materiaes, dentre os 562 passageiros da 3ª classe enfermaram poucos e só faleceram cinco,

40 GAMA, Arthur Saldanha da. In: BERTOLLI FILHO,Caudio. op.cit. p. 7341 BERTUCCI, Liane Maria. Influenza, a medicina enferma: ciência e práticas de cura na época da gripe espanhola em São Paulo. Campinas: Editora da UNICAMP,2004. p 96.

entre creanças e adultos. Desses cinco um apenas teve o diagnóstico de influenza. Desta vez nada houve [grifo meu] e apezar de tudo, precauções foram tomadas, no caso do “Demerara”42

Apesar desta declaração, foi esse acontecimento que deu partida

a epidemia no Brasil, pois passageiros que estavam doentes foram

permitidos a desembarcar, alguns foram levados a hospitais e logo

depois vieram a falecer.43 Outros navios vindos da África, e Europa

atracaram em portos brasileiros com passageiros infectados pela gripe

espanhola, em poucos dias os jornais já noticiavam casos de gripe na

Bahia e em Pernambuco.44

A epidemia se espalhava rapidamente por todo país, os Estados do

Rio de Janeiro e São Paulo foram os que mais sofreram com o mal, no

Rio as pessoas evitavam sair de casa, as fábricas, oficinas e o comercio

fecharam suas portas por falta de empregados.

Quase todas as casas commerciaes estão lutando com a falta de

empregados que se acham doentes com a “hespanhola”. Nas principaes

firmas do alto commercio resente-se a falta de pessoal e alguns

estabelecimentos, fecharam hoje por estarem os chefes e empregados

atacados pela “hespanhola”. O botequim da Rua da Quitanda n.

38 fechou, a barbearia da rua do Carmo n.6 cerrou as suas portas;

também a barbearia da rua Lavradio n. 187 está fechada.45

As aulas nas escolas foram suspensas para evitar que o mal continuasse se espalhando. Em telegrama ao prefeito do Rio de Janeiro, o diretor geral de saúde Carlos Seidl dizia o seguinte:

42 CORREIO DA MANHÃ. 23/09/1918 - Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em 16/10/2012.43 A ÉPOCA. 25/09/1918. Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em: 16/10/1244 A ÉPOCA. 27/09/1918. Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em: 16/10/1245 A NOITE. 14/10/1918 .Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em: 16/10/12

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272Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

(...)Entendo que v. ex. dispondo de numeroso corpo de inspectores médicos escolares e tendo ao seu lado o diretor de Hygiene Municipal não precisa de indicações ou conselhos meus, questões de interesses, saúde, colectividade escolar. Todavia se a palavra do Director de Saúde pública Federal é necessária, informo a v. ex. a grande conveniência da suspensão temporária dos trabalhos escolares.(...)46

Vários problemas foram acarretados pela gripe como o aumento

de preços de produtos alimentícios como verduras e carnes, já que

vários comércios estavam fechados, falta de remédios nas farmácias e

também a alta nos preços desses, remédios como o quinino e aspirina

eram vendidos a preços exorbitantes.47 Outro problema que passava a

ser enfrentado, era a questão de onde sepultar os mortos, pois veículos

de saúde pública não davam conta dos chamados para recolhê-los. No

jornal Correio da Manhã do dia 19 de outubro de 1918, foi publicado

um artigo em forma de protesto a essa situação:

(...)Os armazéns fecharam-se, os açougues fecharam-se, falta o leite de que se alimentam as creanças e os enfermos. (...) Estão saindo para os serviços de assistência pública traquitanas de tempos immemoriaes, deque ninguém mais tinha notícia, porque os vehiculos aproveitáveis e aproveitados não satisfazem ao pedido que deles são feitos. Os corpos ficam insepultos no necrotério, a Santa Casa proclama que sua tarefa de contrucção de ataúdes e de fornecimento de material para enterros chegou ao ultimo limite, os cemitérios fazem greves, e o governo manda dizer que não há nada, encerra o ponto em todas as repartições e decreta que o Rio se transforme numa necrópole! (...)48

A população estava revoltada, pois o governo não tomava atitudes

eficazes para o combate da epidemia, só sugeria o isolamento do

46 CORREIO DA MANHÃ 15/10/1918 . Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em: 16/10/1247 CORREIO DA MANHÃ 15/10/1918 .Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em: 16/10/1248 CORREIO DA MANHÃ 19/10/1918 .Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em: 16/10/12

doente, e apenas a profilaxia individual que era “desinfecção da boca

e das fossas nasaes”49 com sais de quinino como forma preventiva.

Os médicos disponibilizados pelo governo não eram suficientes para

atender toda a população e muitos estavam ficando doentes, o estoque

de remédios nas farmácias estavam se esgotando, e o governo não

possuía um estoque de remédios disponível para população.

As pessoas estavam em pânico e apesar de reivindicarem medidas

do governo pouca coisa era feita. Com toda essa pressão no dia 17

de outubro de 1918 o Diretor geral de saúde pública, Dr. Carlos Seidl,

pediu demissão do cargo e foi nomeado em seu lugar o Dr. Theophilo

Torres que como primeiras providências referente à epidemia decidiu

transformar 10 delegacias de saúde e 10 postos de profilaxia rural em

postos de socorro público e nas fábricas de tecido estabeleceu postos

médicos para auxiliar no atendimento da população.50 Com essas

medidas houve uma melhora no quadro do Rio de Janeiro, mas a

epidemia em outros estados estava apenas começando.

Em todo o Brasil a gripe se alastrou a partir dos portos, em

direção ao interior, no Paraná a primeira cidade a ser infectada foi a

de Paranaguá. No relatório enviado ao Secretário do Interior, Justiça e

Instrução Pública no dia 8 de janeiro de 1919, o diretor Geral do Serviço

Sanitário Dr. Trajano Reis, conta como a epidemia chegou ao Paraná a

partir da cidade de Paranaguá através de uma festa de casamento.

Em Paranaguá, n’aquella época ia effectuar-se o casamento de uma filha do syrio Barbosa. Do Rio de Janeiro vieram assistir às bodas alguns syrios que estavam com o mal incubado. De Antonina e Morretes seguiram para aquella cidade com o mesmo fim dos do Rio, alguns patrícios do Sr. Barbosa. Folgaram juntos e cada um dos residentes em

49 CORREIO DA MANHÃ 15/10/1918 Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em: 16/10/1250 CORREIO DA MANHÃ 18/10/1918. Disponível em: memoria.bn.br. Acesso em: 17/10/12

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Antonina e Morretes trouxe consigo o germen do mal, que se dissiminou com rapidez entre as populações das referidas cidades. Em Paranaguá, por sua vez, os hospedes fluminenses, não só padeceram da moléstia como também transmitiram ao patrícios e à população. 51

Durante a festa os convidados do Rio de Janeiro, que estavam

contaminados com o vírus da gripe, o transmitiram para as outras

pessoas e no decorrer dos dias que estiveram em Paranaguá espalharam

o vírus pela cidade, e em consequência desse episódio a gripe começou

a espalhar-se pelo Paraná. Por causa dessa propagação o Dr. Trajano

Reis recebeu um pedido de ajuda do prefeito de Paranaguá.

No dia 10 de Outubro próximo findo recebi pedido do Exmo. Snr. Prefeito de Paranaguá, de um desinfectador, o qual seguio no dia 11 com apparello e desinfectantes. E que falecera no “ Hotel Silverio” um gripado vindo do Rio de Janeiro. Foi feita a desinfecção do Hotel, mas compreende-se que a moléstia fora transmitida algumas pessoas.52

Esse que falecera, se tratava de uns dos convidados do casamento

da filha do Sr. Barbosa, a partir dessa data outros casos foram

registrados em Paranaguá, Morretes e Antonina e frente ao ocorrido

medidas foram tomadas pelo diretor geral da saúde pública:

“defesa do nosso território por terra e mar. Os passageiros vindo por mar de procedência suspeita, seriam levados para a Ilha da Cobras, onde passariam por uma rigorosa desinfecção, pessoas e cousas e ficariam de observação por uns cincos dias. Os que entrassem por via terrestre seriam submetidos a mesmas condições de defesas (...)”53

51PARANÁ, Governo. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Afonso Alves Camargo, presidente do Estado. Pelo Dr. Eneas Marques dos Santos, Secretário d’Estado dos negócios do interior, da Justiça e instrução Públicas. Curityba, Typ. D’a República. 1919. p. 145. DEAP52 Id. Ibid. p.14553 PARANÁ, Governo. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Afonso Alves Camargo, presidente do Estado. Pelo Dr. Eneas Marques dos Santos, Secretário d’Estado dos negócios do interior, da Justiça e instrução Públicas. Curityba, Typ. D’a República. 1919. p. 146. DEAP

Foram enviados ao socorro dessas cidades os Dr. Manoel Carrão

à Paranaguá e o Dr. Gomes de Faria levando consigo auxiliares às

cidades de Morretes e Antonina e algumas medidas preventivas

foram tomadas na cidade portuária como o: “expurgo dos navios,

internamento em hospitais dos doentes de bordo a vigilância dos

passageiros suspeitos”.54 Outra medida tomada pelo governo foi

a fiscalização da Estrada de Ferro que ligava Paranaguá a Curitiba,

através da verificação e desinfecção de passageiros e bagagens, tendo

sendo designados para esse serviço o Dr. Eduardo Wirmond Lima

com outros auxiliares. Todas essas providências foram tomadas com

objetivo de frear o mal que poderia alastrar-se por todo o estado, o que

infelizmente não foi possível.

O surto, particularmente violento de gripe espanhola, alastrou-se do Porto de Paranaguá a Curitiba e tomou conta da cidade. Qual um cavaleiro do apocalipse desgarrado da sua tropa após a finalização dos combates, a peste adentra em furiosa cavalgada dizimando uma população empobrecida cuja a principal esperança era o fim das hostilidades55

2.2 A gripe em Curitiba e a educação higiênica da população

O tráfego de pessoas entre os estado de Rio de Janeiro, São Paulo

e Paraná era frequente e a proliferação da doença na capital se deu

pela passagem de pessoas que estavam incubadas com o vírus, vindas

de cidades que estavam contaminadas pela gripe. O primeiro caso

registrado de “Influenza Hespanhola” foi um hospede de um oficial do

54 Id. Ibid. p 14655 GODINO CABAS, Antonio; MACHADO, Dorothy Rocha Evelcy Monteiro; DE BONI, Maria Ignês Mancini; COSTA NETO, Pedro Leão. BOSCHILA, Roseli. Paraná, o século, o asilo. Curitiba: Criar Edições, 2004. p. 39

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274Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

exercito vindo do Rio de Janeiro que adoeceu em sua casa contaminado

as outras pessoas que residiam ali. Segundo relato do Dr. Trajano Reis:

O primeiro doente notificado, como vindo do Rio de Janeiro, foi um hospede de distincto oficial do Exercito, residente à rua Conselheiro Barradas n. 115. Na mesma casa foram outras pessoas atacadas e daquele fóco espalhou-se por toda a rua Cons. Barradas e pelas adjacentes. Outros gripados mais ou menos na mesma época vieram do Rio de Janeiro, subiram para esta Capital e disseminaram o flagelo. Por via terrestre S. Paulo e Rio nos forneceram não pequenos contingentes.56

No dia 16 de outubro de 1918, já existiam vários boatos de pessoas

contaminadas com o terrível mal que assolava o Rio, os governantes e

até muitos médicos tentavam esconder da população que a epidemia

havia chegado a Curitiba, diziam que os casos que apareciam eram

de gripe benigna, ou seja, comum e que não era necessário nenhum

alarde por parte da população57. Já no dia seguinte o Diretor Geral do

Serviço Sanitário publicou nos jornais um artigo com o título: “conselhos

ao povo”, que tentavam amenizar os boatos, mas que acabaram

confirmando as suspeitas da população.

A influenza ou gripe, agora com o qualificativo de “hespanhola”,

desde mui remotos é moléstia conhecida. Como todas as moléstias

infectuosas de quando em vez manifesta-se sob a forma epidêmica,

mas ou menos intensa, mais ou menos extensa, mais ou menos grave.

(...) a influenza se tornou edemica em Coritiba e anualmente ataca a

população.

E’ de presumir que agora, como ella viaja pelo mundo, com suas

hostes malfazejas, faça também entre nós a suas demonstrações de

56 PARANÁ, Governo. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Afonso Alves Camargo, presidente do Estado. Pelo Dr. Eneas Marques dos Santos, Secretário d’Estado dos negócios do interior, da Justiça e instrução Públicas. Curityba, Typ. D’a República. 1919. p. 146. DEAP.57 DIÁRIO DA TARDE 16/10/1918. Acervo: Biblioteca Pública do Paraná.

força e poder reforçando elementos que aqui possui, com legiões novas e frescas.

Para evitar os seus golpes traiçoeiros, invisíveis, damcsons, cumpra que cada um observe os conselhos geraes comuns à todas as moléstias infectuosas. Se assim fizerem evitarão ou pelo menos suavizarão os seus ataques (...)58

Não há dúvida que ao publicar esse aviso o Dr. Trajano Reis tinha suspeitas que a gripe já estava entre os Curitibanos, e tentava por meio de suas colocações acalmar a população dizendo que a gripe já era característica da capital.

1º Não se comuniquem com os doentes, nem frequentem casa infectadas;2º as pessoas, residentes em casa infectadas, tenham a caridade de não frequentar aquellas que não estão;3º evite todas as causa de refriamento;4º não frequente os locaes onde haja agglomeração de pessoas;5º mantenham rigoroso asseio mas habitações, quintaes, etc. fazendo inerar o lixo e extinguindo todos os depositos de aguas estagnadas ou servidas;6º mantenham os apprelhos sanitarios bem desinfectados com creolina ou leite de sal;7º isolem os doentes das pessoas da familia, desinfectando diariamente todos os aposentos e dependencias com creolina ou outro qualquer desinfectante;59

Esses conselhos a respeito de evitar contato e isolar doentes, o

cuidado com a higienização pessoal e das residências, era mais uma

afirmação que a epidemia realmente havia chegado a Curitiba.

8º bebam agua filtrada e fervida;9º usem alimentos leves e bem cosidos;10º não usem fructos verdes, e os maduros lavem muito bem antes de se servirem d’elles.11º só usem verduras cosidas;

58 A REPÚBLICA 17/10/1918. Disponível em : memoria.bn.br. Acesso em:18/10/2012.59 id. ibid.

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12º fervam o leite e refervam antes de o ingerir;13º evitem gelados;14º não façam excessos de qualquer natureza;15º fervam as roupas retiradas da cama e do corpo dos doentes;16º desinfectem todas as excreções dos doentes;17º mantenham o mais escrupuloso asseio corporal, lavem a bocca, garganta e fossas nasaes com desinfectante, diversas vezes por dia e principalmente antes das refeições, que nunca devem fazel-as nos aposentos infectados;18 lavem frequentemente as mão, sobretudo antes de usar qualquer alimento.19º façam-se vaccinar e revaccinar, contra a variola; porque se tal vaccina beneficiar contra influenza, tanto melhor, e, se não produzir effeito, pelo menos ficará a população preparada para resistir à referida variola;20º usem chá de eucalyptus e de qualquer sal de quinina; as casa de collectividade devem immediatamente retirar dos seus estabelecimentos qualquer pessoa que adoecer.Os senhores professores, directores de collegio devem fazer a mais activa vigiloncia para isolar qualquer creança que ficar doente.60

O Governo orientava a população, como se a gripe ainda não

tivesse chegado a cidade, mas que estava a caminho, ao contrário

disso vários casos já estavam ocorrendo na cidade. O jornal “Diário

da Tarde” no dia 19 de outubro de 1918, noticiava que várias pessoas

que haviam vindo do Rio de Janeiro para capital paranaense ficaram

enfermas, e que vários funcionários do Banco do Brasil acabaram

adoecendo e ao mesmo tempo e por isso o banco resolveu fechar suas

portas por falta de funcionários.61 Não havia dúvida a gripe já fazia

suas primeiras vítimas em Curitiba.

Mesmo com esses dados o Serviço Sanitário, negava a existência de

casos de Influenza na cidade. Em declaração ao “Diário da Tarde” no

dia 21 de Outubro de 1918 dizia o seguinte:

60 id. ibid.61 DIÁRIO DA TARDE 19/10/1918. Acervo: Biblioteca pública do Paraná

A directoria do Serviço Sanitário desta Capital nos informou hoje que até a data presente não foi communicado àquella repatição caso algum de moléstia identica à que se tem manifestado em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Assim a capital foi dividida em quatro zonas, onde um médico e

seus auxiliares ficariam responsáveis por uma zona, a polícia sanitária

passou a examinar prédios e pedir melhoramentos.62 Como os jornais

continuavam a publicar reportagens a respeito da gripe dizendo

que o mal já estava instalado na capital, o governo decidiu censurar

reportagens. Foi o caso da reportagem do jornal “Diário da Tarde” de 22

de outubro de 1918 em que uma reportagem de capa foi censurada.

FIGURA 1

62 PARANÁ, Governo. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Afonso Alves Camargo, presidente do Estado. Pelo Dr. Eneas Marques dos Santos, Secretário d’Estado dos negócios do interior, da Justiça e instrução Públicas. Curityba, Typ. D’a República. 1919. p. 147. DEAP

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O governo tentava de todas a maneiras esconder a situação real

que a capital estava passando, mas chegou ao ponto que não tiveram

mais como negar que a epidemia já estava em Curitiba. Apesar de

ainda que não tivessem sidos registrados, ou divulgados nenhum óbito

por gripe, o governo se antecipou e proibiu que enterros a partir daquele

dia fossem realizados à mão e com acompanhamento.63

No dia 24 de outubro o prefeito de Curitiba, João Antônio Xavier

assinou o decreto de nº 122 que dizia o seguinte:

O Prefeito do Municipio da capital, tendo em vista que as directorias dos Serviços Sanitários da capital de São Paulo e deste Estado, bem como da Capital Federal, aconselham insistentemente que evite agglomeração, principalmente a noite a fim de impedir a propagação da grippe hespanhola, ora reinante em diversas localidades do paiz, resolve como medida preventiva contra a invasão dessa epidemia, suspender o funccionamento dos cinemas e outras casas de diversões desta Capital. O Secretário faça intimar, por intermedio do Fiscal Geral, os proprietarios ou emprezarios dos alludidos estabelecimentos nesta resolução.64

Se a epidemia ainda não tivesse chegado a Curitiba, esse decreto

provavelmente não teria sido assinado, era óbvio que a gripe já estava

presente na capital, esse decreto teve como objetivo prevenir a propagação

da doença e não de evitar que ela aqui chegasse. No dia seguinte foram

suspensas as aulas em todas as escolas e no dia 26 foi decretado que

igrejas, também deveriam ficar fechadas e não realizar cultos religiosos.65

Vários funcionários do “Diário da Tarde” e do “Comércio do Paraná”

foram atingidos pela gripe, desfalcando o serviço nos jornais.66

O cotidiano, e o cuidado com a saúde da população Curitibana

começou a se alterar, as pessoas evitavam sair de suas casas, remédios

63 XAVIER, Valêncio. op.cit. p. 1564 DIÁRIO DA TARDE. 25/10/1918. Acervo: Biblioteca Pública do Paraná.65 DIÁRIO DA TARDE. 26/10/1918. Acervo: Biblioteca Pública do Paraná.66 DIÁRIO DA TARDE. 31/10/1918. Acervo: Biblioteca Pública do Paraná.

e desinfetantes como a creolina começaram a ter uma procura ainda

maior, farmácias faziam plantões para tentar atender mais pessoas;

tudo para evitar o contágio da epidemia.

A forma como a população e o governo estavam agindo é chamado

por Foucault de “Espacialização Terciaria”:

Chamar-se-á espacialização terciaria o conjunto dos gestos pelos quais a doença, em uma sociedade, é envolvida medicamente investida, isolada, repartida em regiões privilegiadas e fechadas, ou distribuída pelos meios de cura, organizados para serem favoráveis. Terciaria não significa que se trate de uma estrutura derivada e menos essencial do que as precedentes; ela implica um sistema de opções que diz respeito a maneira como um grupo, para se manter e se proteger, pratica exclusões, estabelece as formas de assistência, reage ao medo da morte, recalca ou alivia a miséria, intervém nas doenças ou as abandona a seu curso natural. Mais do que as outras formas de espacialização, ela é, porem, o lugar de dialéticas diversas: instituições heterogêneas, decalagens cronológicas, lutas politicas, reivindicações e utopias, pressões econômicas, afrontamentos sociais.67

Segundo ele existem três tipos de espacializações, a primária,

secundária e terciária. Na primária os médicos identificam por meio de

comparações de sintomas que o doente apresenta com semelhanças

existentes em históricos de outras doenças, para conseguir identificar

qual doença está acometendo o corpo do paciente. A espacialização

secundária não fica somente na comparação de semelhanças entre

sintomas, mas passa a tratar a doença de forma singular, trata o doente

individualmente e de forma mais pessoal, o médico fica mais próximo

do paciente, não trata a doença no coletivo, mas individualmente e leva

em consideração as características individuais do paciente.

Já na espacialização terciária a doença já não está somente situada

no corpo do paciente, mas na sociedade, por isso a espacialização 67 FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977. p 16.

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passa a ser um conjunto de gestos que essa sociedade vai tomar

para combater a doença e se proteger dela, é nesse contexto que vão

surgir debates, lutas políticas e reivindicações com o objetivo de achar

uma solução para o mal que assola a sociedade. Era isso que estava

acontecendo em Curitiba tanto o governo como a população buscavam

um meio de combater a epidemia, seja em forma de reinvindicações

expressas nos jornais, por decretos do governo, pela profilaxia individual

ou por outros meios, todos queriam que a epidemia acabasse.

Segundo o relatório do Dr. Trajano Reis, a primeiro óbito ocasionado

pela gripe foi no dia 1º de Novembro de 1918.

Começou o mez de novembro com um óbito por grippe, no dia primeiro, Dahi em diante o mal tomou proporções assustadoras, espalhou-se de modo aterrador, invadiu por assim dizer, todas as casas, todas as classes sociais.68

No mesmo dia foram publicados nos jornais, conselhos referentes

ao combate à gripe pelo Serviço de Profilaxia Rural do Paraná que já

haviam sido publicados em edições anteriores.

Conselhos a população paranaense. E’ impossivel evitar a propagação da epidemia de “grippe” por não existir um preventivo seguro capaz de evitar a infecção.Aconselhamos, contudo o seguinte:TRAQUILIDADE, e confiança nas autoridades sanitárias.NÃO fazer visitas e evitar o contato com doentes de grippe, porque o contagio é directo, de individuo doente a individuo são.EVITAR toda a fadiga ou excessos physicos.FAZER refeiçõe leves e a horas certas e dormir tempo sufficiente.TOMAR um laxante a cada 4 dias, afim de trazer o tubo digestivo sempre desembaraçado.FUGIR das agglomerações, sobretudo à noite

68 PARANÁ, Governo. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Afonso Alves Camargo, presidente do Estado. Pelo Dr. Eneas Marques dos Santos, Secretário d’Estado dos negócios do interior, da Justiça e instrução Públicas. Curityba, Typ. D’a República. 1919. p. 147. DEAP.

EVITAR o uso de bebidas alcoólicas.LAVAR a bocca o nariz e gargarejar com agua salgada ou salicylada a 1 por 200, de manhã e de noite, e imstillar em seguida, 5 gottas de oleo gomenolado a 5 %, nas narinas, ou usar tampões de algodão com vazelina mentholada a 3%.PARA lavar a bocca e gargareja é excellente a agua com um pouco de tinctura de iodo.EVITAR as causas de resfriamentos, que facilitam a infecção.69 [grifos meus]

Esses conselhos vinham como forma de disciplinar à população,

pois o estado de peste em uma cidade, no pensamento de Foucault,

proporciona ao governo um exercício disciplinar sobre a sociedade,

que muitas vezes não é possível em um estado natural. Quando uma

epidemia assola uma cidade o governo passa a ser ouvido com mais

atenção, proporcionando o exercer do poder, de vigilância e disciplina

maior perante a sociedade.70 Ocorre um processo de isolamento de

doentes e pessoas sãs, a cidade passa a ser dividida para que se possa

ter um maior controle por parte das autoridades. As aglomerações de

pessoas, como casas noturnas onde poderiam ocorrer transgressões das

leis, se não fechadas passam a ser evitadas e as proibições estabelecidas

pelo governo passam a ser respeitadas com mais critério.

De forma implícita era o que as autoridades curitibanas estavam tentando

fazer com a população através desses conselhos, vigiar, disciplinar e de certa

forma punir. Em outra parte do artigo os conselhos continuavam, para que

caso alguém contraísse a moléstia soubesse como deveria proceder.

SENTINDO dores de cabeça e pelo corpo, com febre, deve ir immediatamente para a cama, fazer uso de purgante salino, ou de calomelanos e tomar aspirina e quinino a 0,3 centigrammos, para uma capsula. Tomar 3 por dia. Diecta lactea.

69A REPÚBLICA. 01/10/1918. Disponível em : memoria.bn.br. Acesso em:18/10/201270 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 16. ed. Petrópolis: Vozes. 1997. p.164-165

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SÓ LEVANTAR-SE quando não sentir mais nadaO REPOUSO ao leito, o regime lacteo, e essa medicação inicial, evitam complicações pulmonares, gastro-intestinais, ou nervosas que são muito graves.SO CHAMAR o medico para casos serios, afim de evitar que elles adoeçam pelo esfalfamento e venham faltar em momento mais diffíci, quando elles poderão prestrar maiores serviços à população.QUANTO a desinfecção basta passar um pano molhado em agua com creolina pelo soalho da casa do doente e desinfectar o seu escarro, também com creolina.O MAIS IMPORTANTE é a desinfecção da roupa de corpo e de cama do doente, diariamente, pela “fervura”A GRIPPE é moléstia muito séria quando descuidada.O DOENTE não deve receber visitas, a não ser do medico assistente. Recomendamos o maior rigor na defesa das pessoas edosas e creanças, contra infecção.AVISO. A homeopatia, o espiritismo e as hervas, não curam a grippe, como nenhuma outra moléstia infectuosa ou parasitaria.71[grifo meu]

O objetivo desses conselhos era informar a população de como evitar a gripe e ao mesmo tempo deixar claro que a gripe e outras doenças só poderiam ser assistidas por um médico, que saberia como lidar corretamente com a infecção. A ultima parte dos conselhos deixa claro que muitas pessoas buscavam a cura de doenças com curandeiros, no espiritismo e também no tratamento homeopático.72

A preocupação no cuidado com a higiene e saúde foi dobrada, muitos que não tinham costumes higiênicos passaram a cultivá-los diariamente. O lavar constante da boca e do nariz, que não era rotineiro fazer, passou a ser observado, o cuidado com a higiene do ambiente das casas também começaram a ser realizados com mais asseio.

Para ajudar no combate à epidemia foram criados postos de socorro para pessoas que não tinham condições de pagar médicos particulares.

71 A REPÚBLICA. 01/10/1918. Disponível em : memoria.bn.br. Acesso em:18/10/201272 A REPÚBLICA. 01/10/1918. Disponível em : memoria.bn.br. Acesso em:18/10/2012

Foram abertos hospitais de isolamento onde eram fornecidos remédios,

desinfetantes e alimentação aos necessitados73, até mesmo os estudantes

de medicina da Universidade Federal do Paraná foram enviados a dar

assistência médica e sanitária à população.74

Foi no mês de novembro que a gripe atingiu seu auge em Curitiba,

no dia 14 de novembro o total de mortes era de 24 pessoas por dia

sendo que a maioria era por gripe75. Os serviços funerários eram

requisitados constantemente, chegando a faltar caixões para enterrar

os mortos. 76

Apesar de todas as ações feitas pelo governo, a epidemia em

Curitiba só cessou no dia 10 de dezembro. Segundo o relatório do Dr.

Trajano Reis, somente na capital que na época tinha uma população

de 73.000 habitantes, foram registrados 45.249 casos de gripe e 384

óbitos. Sendo assim 60% da população de da capital paranaense foi

atingida por essa epidemia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“E assim vamos indo nessa estrada, tristonha de amarguras e miséria, deixando o corpo à podridão do nada” Ferreira Leal77

73 PARANÁ, Governo. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Afonso Alves Camargo, presidente do Estado. Pelo Dr. Eneas Marques dos Santos, Secretário d’Estado dos negócios do interior, da Justiça e instrução Públicas. Curityba, Typ. D’a República. 1919. p. 147 e 148. DEAP.74 GODINO CABAS,Antonio. MACHADO,Dorothy R.E.M.. DE BONI, Maria Ignês M..COSTA NETO, Pedro Leão. BOSCHILA, Roseli.Paraná, o século, o asilo. Curitiba: Criar Edições, 2004. p. 3975 DIÁRIO DA TARDE 14/11/1918. Acervo: Biblioteca Pública do Paraná.76 PARANÁ, Governo. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Afonso Alves Camargo, presidente do Estado. Pelo Dr. Eneas Marques dos Santos, Secretário d’Estado dos negócios do interior, da Justiça e instrução Públicas. Curityba, Typ. D’a República. 1919. p. 148.DEAP77 XAVIER,Valêncio. O mez da Grippe e outro livros. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 40

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Este trabalho permitiu visualizar que Curitiba estava realmente

despreparada para receber uma epidemia como foi a de gripe de 1918.

Apesar das questões de salubridade da cidade terem melhorado com

as reformas de Cândido de Abreu, havia muitas questões com respeito

à saúde que continuavam sem solução. A falta de postos de socorro

e de médicos para atendimento da população retrata a situação de

despreparo que a cidade se encontrava.

Quando a epidemia chegou a Curitiba o resultado não poderia ser

outro. Mesmo assim vimos a preocupação que o governo teve em alertar

e conscientizar a população em relação aos cuidados com a saúde e

com a higiene pessoal e do ambiente, através de jornais, conselhos,

decretos e leis, apesar de muitas vezes tentar esconder a situação real

que a cidade se encontrava.

A população por sua vez, também começou a demonstrar uma

maior preocupação com a saúde e sua higiene, verificada pela grande

procura de desinfetantes como a creolina nas farmácias da capital,

assim como remédios como os sais de quinino. Os hábitos frequentes

de visitar amigos e parentes, ir a lugares de aglomerações como as casa

noturnas, pelo menos nesse período foram evitados, a higienização da

mão, da boca e do nariz passou a ser constante, e todos passaram a

seguir as recomendações dos médicos sanitaristas.

A postura do governo e da população mudou drasticamente quando

se deparou com uma situação de risco. As formas como o governo

agiu frente à gripe e como age frente epidemias que nos assolam hoje

não se alterou muito, mesmo que as técnicas médicas tenham evoluído

muito de lá para cá. O governo continua tentando conscientizar a

população referente a importância da profilaxia coletiva e individual,

e lança campanhas de vacinação anualmente para prevenir surtos de

enfermidades.

Mas a importância dada aos cuidados com a saúde e com a

higiene continua sendo maior quando somos atacados por uma doença

desconhecida, um exemplo, em 2009 quando a epidemia de gripe H1N1

surgiu, parecia que a história da gripe de 1918 estava se repetindo, os

estoques de álcool em gel dos mercados e de outros estabelecimentos

muitas vezes se achavam em falta por causa da grande procura pelo

produto, tudo isso por que o medo de contrair a gripe obrigava a estar

constantemente higienizando nossas mãos com o álcool, até mesmo

depois de lava-las com água e sabão. Lugares com muitas pessoas eram

evitados e aulas em colégios e faculdades foram suspensas. O governo

passou a fazer campanhas publicitarias para alertar a população, além

de reportagens, cartazes em ônibus, tudo para evitar a propagação do

vírus. Nesse ano a história se repetiu, apesar do surto não ter sido tão

forte, a procura de vacinas e de remédios contra gripe em clínicas e

postos de saúde foi grande, ocasionando filas e falta de vacinas.

O cuidado com a higiene e saúde da população sempre ganha

mais importância quando esta está sob uma situação de risco. Essa

mesma importância deveria ser dada em todos os momentos, pois

muitas vezes as ações realizadas depois podem não ser suficientes.

FONTES

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