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AVALIAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE DADOS SECUNDÁRIOS PARA O
PLANEJAMENTO DE TRANSPORTE DE CARGA URBANA
Luiza Franco Barroso
Leise Kelli de Oliveira
Leandro Cardoso Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia
Carlos Fernando Ferreira Lobo Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de Geografia
RESUMO
Tendo em vista a conflituosa realidade do sistema de transporte urbano, é fundamental a compreensão da real
demanda por fluxos de cargas para possibilitar um eficiente planejamento de transporte, e, consequentemente,
eficientes mudanças nas políticas públicas e na infraestrutura de transporte. Porém, os dados para compreender e
avaliar o sistema de transporte de carga urbana tradicionalmente é feita por meio de pesquisa de campo, cujo custo
de elaboração e operação é elevado, o que, muitas vezes, inviabiliza a obtenção das informações. O objetivo deste
trabalho foi avaliar, para o município de Belo Horizonte (MG), a existência de correlação entre a demanda por
transporte de carga e os dados socioeconômicos da população. Para desenvolvimento do trabalho foram utilizadas
ferramentas GIS e de análise estatística. Foi verificado que a geração de viagens de carga, principalmente para o
setor comercial de Bar e Restaurante, tem correlação com as características socioeconômicas da população na
cidade.
ABSTRACT
In view of this conflicting reality of the urban transport system, it is essential to understand the real demand for
urban goods transport in order to enable an efficient transport planning, and hence efficient changes in public
transport policies and transport infrastructure. However, the data to understand and evaluate of the urban freight
transport system traditionally is performed by means of field research that has a high cost of development and
operation, which often makes it unfeasible to obtain the information. The objective of this study was to evaluate,
in the city of Belo Horizonte (MG), the existence of correlation between the demand for freight transportation and
socioeconomic data of the population. In order to evaluate the correlations it was used GIS and statistical data
analysis tools. The results show that the freight trip generation, specially for the commercial sector of Bars and
Restaurants, has a strong correlation with population socioeconomic characteristic in the city.
1. INTRODUÇÃO
O transporte de cargas é essencial para a sociedade moderna. Segundo Hicks (1977), “toda área
urbana, para sua existência, depende de um fluxo massivo de mercadorias dentro, fora e através
de suas limitações”. Assim, é imprescindível a existência de um sistema de movimentação de
cargas para a subsistência, desenvolvimento e dinamicidade econômica dos centros urbanos.
No entanto, a realidade vivenciada nas cidades é de condições deficitárias para o tráfego de
carga, gerando sérios problemas, como impactos ao ambiente urbano, por meio de poluição,
congestionamento e ruídos; aumento do custo total de transporte de carga, afetando a
competitividade da economia e da indústria local, além do consequente aumento de custo dos
produtos consumidos na região. Com o objetivo de tornar eficiente a movimentação de
mercadorias em áreas urbanas e com o mínimo de impacto à população e ao meio ambiente, é
imprescindível a realização de um coerente planejamento de transportes.
O planejamento de transportes é uma área de estudo que visa adequar as necessidades de
transporte de uma região ao seu desenvolvimento de acordo com suas características estruturais.
Para se definir as políticas públicas de transporte, assim como o que deve ser implantado ou
melhorado no sistema de transporte, ou seja, a oferta de transporte, é necessário quantificar a
demanda dentro do horizonte de projeto e saber como a mesma vai se distribuir dentro da área
de estudo. No entanto, os profissionais e pesquisadores de transportes de carga se deparam
constantemente com a escassez de dados que permitam o estudo e análise dos problemas de
transporte no meio urbano. Isto impossibilita que as decisões e projetos sejam feitos de modo
satisfatório, em relação à logística urbana, durante o processo de planejamento do transporte.
Em sua grande maioria, essa carência se deve ao elevado custo de se coletar os dados em
pesquisas de campo, assim como sua complexidade operacional.
Em função da importância do tema e da carência geral de dados no que concerne o transporte
de carga em áreas urbanas, estudos se fazem necessários na busca de alternativas para obtenção
de dados e estimativa da demanda por transporte de carga, servindo assim de instrumento no
planejamento de transporte. Neste contexto, este trabalho tem como objetivo identificar
correlação entre a geração de viagens de carga e as características socioeconômicas da
população, que serão obtidos pelo censo demográfico do IBGE, no intuito de obter uma
ferramenta para análise do perfil da demanda pelo transporte urbano de mercadoria no
município de Belo Horizonte (MG). Para quantificar a demanda por transporte de carga foi
utilizado o Cadastro Municipal de Contribuintes (CMC), que contém informações sobre todos
os estabelecimentos comerciais do município, e o modelo de geração de viagens proposto por
Melo (2002). As próximas seções estão organizadas em quatro partes: após esta introdução são
apresentados na seção 2 os aspectos básicos referentes à distribuição urbana de mercadorias. A
seção 3 apresenta a metodologia de trabalho e a seção 4 mostra a aplicação da metodologia para
o município de Belo Horizonte (MG), com as discussões dos resultados obtidos. Por fim, as
considerações finais e conclusões são apresentadas na seção 5.
2. DISTRIBUIÇÃO URBANA DE MERCADORIAS
A distribuição urbana de mercadorias pode ser compreendida como a disponibilização da
mercadoria transportada para vários setores da economia, possibilitando que este produto seja
usado, processado, reparado, modificado, armazenado ou consumido, agregando assim valor
de lugar ao mesmo. Porém, além de estar no local certo, este transporte precisa atender também
aos requisitos de tempo e qualidade a fim de tornar o produto atraente ao consumidor. Sendo
assim, a eficiência da movimentação de mercadorias e dos sistemas logísticos dentro dos
centros urbanos pode fortalecer a estrutura econômica da região, assumindo um papel
significativo na competitividade daquele local no mercado, além de minimizar os impactos
sociais decorrentes do transporte de carga. Browne et al. (2005) apud Correia (2011) retratam
o transporte urbano de mercadorias como uma variável fundamental do desenvolvimento das
grandes cidades, pois:
Possui uma significativa importância na sustentação do estilo de vida da população;
Desempenha um papel importante na manutenção e conservação das atividades
industriais e comerciais;
Contribui para a competitividade industrial;
Acarreta efeitos nos custos dos produtos consumidos pela população, impactando
diretamente na eficiência econômica da região;
Traz consequências ao meio ambiente, relativos ao consumo de energia, poluição,
barulho, intrusão visual, entre outros.
Contudo, esta atividade traz vários transtornos à população urbana. Taniguchi et al. (2001)
identificam os principais impactos causados pela carga urbana, apresentados no Quadro 2.1.
Quadro 2.1: Tipos de Impactos da Distribuição e os Problemas Gerados
Tipo de Impacto Problema Gerado
Impactos Econômicos Congestionamento; ineficiência do transporte; desperdício de recursos.
Impactos Ambientais
Emissão de poluentes; uso de combustíveis não renováveis; descarte
inadequado de produtos como pneus; óleo e outros materiais; destruição do
habitat natural de espécies animais e vegetais.
Impactos Sociais
Consequências físicas da emissão dos poluentes para a saúde pública;
prejuízos e mortes resultantes de acidentes; ruído e poluição visual;
dificuldade de realizar viagens com carro ou transporte público; outras
questões referentes à qualidade de vida.
Fonte: Taniguchi et al. (2001).
Sendo assim, com a alta competitividade do atual mercado globalizado, a crescente
preocupação com a sustentabilidade, proteção do meio ambiente e a qualidade de vida da
população urbana, faz-se necessário uma reestruturação do sistema de distribuição urbana, de
modo que este melhore o desempenho logístico e reduza os efeitos externos negativos desta
atividade (Prata et al., 2012).
Para resolver os problemas relacionados à distribuição urbana de mercadorias, surgiu o conceito
de logística urbana, que se refere aos processos e operações logísticas que ocorrem dentro das
áreas urbanas. Seus conceitos nasceram da necessidade de mudança no planejamento de
transporte que equilibrasse a eficiência requerida pelo transporte de carga urbano e os custos
sociais envolvidos. Taniguchi et al. (2001) definem logística urbana como um processo de total
otimização das atividades de logística, realizadas por entidades (públicas e privadas) nas áreas
urbanas, considerando fatores como tráfego, congestionamento, segurança, consumo de
energia, dentre outros. As soluções de logística urbana visam o equilíbrio entre a
sustentabilidade, mobilidade e qualidade de vida urbana, por meio de tecnologias de
comunicação e informação e sistema inteligente de transporte; planejamento da cidade;
planejamento do uso do solo; planejamento do transporte de carga urbano e subsídios do poder
público.
2.1. Importância do Planejamento do Transporte de Cargas
Para que as iniciativas de logística urbana sejam implementadas nas cidades, é vital que haja
planejamento do transporte de carga. Essa área de estudo visa adequar as necessidades de
transporte de uma região ao seu desenvolvimento de acordo com suas características estruturais,
resultando na implantação de novos sistemas ou melhoria dos existentes. Para que essas
implantações ou melhorias sejam eficazes, dentro do horizonte de projeto, faz-se necessário
quantificar a demanda por transporte e saber como a mesma vai se distribuir dentro da área de
estudo.
O procedimento clássico para planejamento de transportes de uma região consiste, inicialmente,
na coleta de dados com o objetivo de definir o padrão de viagens e uso do solo na área de estudo
e o diagnóstico sobre o sistema de transporte existente. De posse dos dados necessários, parte-
se para fase de identificação da demanda futura, informação que irá direcionar e dimensionar
todas as intervenções a serem feitas. Entretanto, em se tratando de mercadorias, poucos são os
dados disponíveis sobre a atividade, o que dificulta o diagnóstico dos problemas e,
consequentemente, a proposição de soluções (Silva, 2006).
2.2. A Estruturação do Espaço Urbano e a Demanda por Transporte
Tendo em vista esta dificuldade de obtenção de dados, é bastante estudada a relação existente
entre a estruturação do espaço urbano e a distribuição neste espaço da demanda por transporte.
É possível representar a inter-relação entre uso do solo e o comportamento relacionado a
viagens através do ciclo aonde a distribuição do uso do solo, tais como residencial e comercial,
afeta a localização das atividades humanas, provocando uma dispersão das atividades no meio
urbano, que, por sua vez, requer a realização de viagens. Raciocínio análogo pode ser aplicado
para viagens de carga, uma vez que esta é desencadeada pela necessidade de suprimento das
atividades humanas, quer estas sejam comerciais, de lazer ou de trabalho.
Entretanto, ao examinar os efeitos das características de uso de solo e variáveis
socioeconômicas no comportamento das viagens, muitas vezes é observado que as variáveis
socioeconômicas estão mais fortemente associadas a viagens (PITOMBO, 2007). O mesmo
autor sugere que as políticas de uso e ocupação do solo não podem alterar significativamente a
demanda por viagens, a menos que essa seja seguida de mudanças nas características
socioeconômicas.
3. METODOLOGIA DA PESQUISA
A metodologia proposta neste trabalho utiliza-se da determinação do número de viagens de
carga atraídas pelos estabelecimentos comerciais de uma área urbana e das características
socioeconômicas de sua população e seus domicílios, a fim de verificar se existe algum tipo de
correlação entre esses dados. Todo o desenvolvimento e manipulação dos dados foram feitos
utilizando o Sistema de Informação Geográfica, através do programa ArcGis da Environmental
Systems Research Institute.
3.1. Identificação e tratamento de dados secundários
O processo de coleta de informações por meio de consulta a documentos e pesquisas já
existentes, aqui nomeados como dados secundários, deve ser feita de maneira cautelosa, de
modo a garantir a consistência, a confiabilidade e a utilização de dados recentes. Para obtenção
das características socioeconômicas da população optou-se por utilizar os dados do
levantamento censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, pois, além da
sua consistência, seu acesso é público. Foram escolhidos três dados socioeconômicos do Censo
de 2010 para compor este trabalho: rendimento mensal total em salários mínimos, nível de
instrução e adequabilidade das moradias. A escolha por estes dados deveu-se ao vínculo destes
com a condição socioeconômica dos moradores e domicílios, tornando mais provável que estes
tenham alguma influência na geração de viagens de carga dos estabelecimentos comerciais.
O tratamento dos dados será feito de forma a se extrair informações quantitativas que
possibilitem a mensuração das características da população, permitindo assim a realização de
comparações e análises de correlação, objetivo principal do trabalho. Além disso, optou-se por
agrupar os dados pelas suas respectivas áreas de ponderação, como definidas pelo IBGE, com
o intuito de obter informações representativas das áreas, e possibilitar a análise comparativa
entre esses dados e os valores de demanda por transporte de carga, uma vez que se utiliza a
mesma unidade de medida (área de ponderação). Desta forma, as manipulações necessárias,
para cada uma das características avaliadas, são:
Rendimento mensal total em salários mínimos: será calculada a média simples dos
valores de rendimento mensal total em salários mínimos por área de ponderação. As
pessoas que declararam não ter renda (desempregadas) também serão incluídas no cálculo,
pois permite assim levar em consideração a influência de alguma variação de incidência de
desempregados entre as áreas estudadas.
Nível de instrução: será determinada a porcentagem dos indivíduos que possuem o Ensino
Superior completo por área de ponderação. Para cálculo dessa porcentagem será
considerado como universo a população com mais de 25 anos de idade (Jannuzzi, 2009).
Adequabilidade das moradias: moradia adequada pode ser definida como uma habitação
satisfatória no que tange aos quesitos de saneamento e infraestrutura básica. Para
classificação dos domicílios, assumiu-se os critérios apresentados no Quadro 1Erro! Fonte
de referência não encontrada..
Quadro 1: Variáveis consideradas na determinação de domicílio adequado
MORADIA ADEQUADA MORADIA NÃO ADEQUADA
ABASTECIMENTO DE ÁGUA ABASTECIMENTO DE ÁGUA
FORMA CANALIZAÇÃO FORMA CANALIZAÇÃO
- Rede geral de distribuição
- Poço ou nascente na
propriedade
- Poço ou nascente fora da
propriedade
- Água da chuva armazenada
em cisterna
- Sim, em pelo menos
um cômodo
- Carro-pipa
- Água da chuva armazenada
de outra forma
- Rios, açudes, lagos e igarapés
- Outra
- Poço ou nascente na aldeia
- Poço ou nascente fora da
aldeia
- Branco
- Sim, só na
propriedade ou
terreno
- Não
- Branco
ESGOTAMENTO SANITÁRIO – TIPO ESGOTAMENTO SANITÁRIO – TIPO
- Rede geral de esgoto ou pluvial
- Fossa séptica
- Fossa rudimentar
- Vala
- Rio, lago ou mar
- Outro
- Branco
ENERGIA ELÉTRICA – EXISTÊNCIA ENERGIA ELÉTRICA – EXISTÊNCIA
- Sim, de companhia distribuidora
- Sim, de outras fontes
- Não existe energia elétrica
Branco
RESÍDUOS SÓLIDOS – DESTINO RESÍDUOS SÓLIDOS – DESTINO
- Coletado diretamente por serviço de limpeza
- Colocado em caçamba de serviço de limpeza
- Queimado (na propriedade)
- Enterrado (na propriedade)
- Jogado em terreno baldio ou logradouro
- Jogado em rio, lago ou mar
- Tem outro destino
- Branco
Fonte: Adaptado de IBGE (2013)
Seguindo assim esse critério, dentre o número de domicílios particulares permanentes, será
determinado o percentual dos domicílios considerados adequados por área de ponderação. Além
disso, será determinado o Índice Geral, medida comparativa obtida através da mesma
metodologia utilizada no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (PNUD), que
combina as três características socioeconômicas em estudo.
Para estimativa das gerações de viagens de cargas, será utilizado o dado secundário do Cadastro
Municipal de Contribuintes de Tributos Mobiliários – CMC, que é o cadastro de pessoas
jurídicas que exercem atividades no município. Foram selecionados para o estudo cargas dos
seguintes segmentos comerciais: supermercado, vestuário, comércio varejista, bar/restaurante,
material de construção e combustível. Estas atividades comerciais são as consideradas no
estudo de Melo (2002), aonde foram classificadas segundo o critério apresentado no Quadro 2.
Quadro 2: Classificação dos estabelecimentos comerciais
Atividade Comercial Critérios adotados
Supermercado Supermercados envolvendo pequenos, médios e grandes distribuidores
Vestuário Segmento das lojas de roupas, calçados, tecidos e acessórios para o vestuário
Comércio Varejista Envolve lojas de presentes, lojas de departamentos, lojas de conveniência e outras
Bar / Restaurante Bares e restaurantes localizados nas ruas ou dentro de áreas fechadas
Material de Construção Materiais de construção brutos e acabados, como lojas de iluminação, de móveis e
de eletrodomésticos
Combustível Postos de abastecimento de derivados de petróleo e gás natural
Fonte: Adaptado de MELO (2002)
A partir dessa distinção dos segmentos a serem estudados, é possível aplicar o modelo de
geração de viagens Melo (2002), estudo compatível com a realidade de Belo Horizonte e que
utiliza como variável apenas a área do estabelecimento, para estimar o número de viagens
atraídas por estabelecimento. As equações de geração de viagens diárias por tipo de atividade
comercial definidas por Melo (2002) e que serão utilizadas neste trabalho estão apresentadas
no Quadro 3.
Quadro 3: Equações de Geração de Viagens Diárias
Atividade Comercial Equação R²
Supermercado V = 1,1522 + 0,0012 Ac 0,557
Vestuário V = 1,7499 - 0,0003 Ac 0,009
Comércio Varejista V = 0,9260 + 0,0010 Ac 0,881
Bar/Restaurante V = 1,3334 + 0,0019 Ac 0,797
Materiais de Construção V = 0,0035 + 0,0046 Ac 0,584
Combustível V = 0,4858 + 0,000038 Ac 0,331
Fonte: Adaptado de Melo (2002)
Nas equações apresentadas no Quadro 3, a variável V significa o volume de viagens de veículos
de carga diário e, Ac é área construída de cada empreendimento.
3.3. Medidas de Correlação
Após o tratamento dos dados socioeconômicos e a determinação das viagens geradas por cada
tipo de atividade comercial para cada área de ponderação estudada, será feito uma análise
estatística para verificação da existência ou não de associação entre os dados avaliados.
O coeficiente de correlação é a maneira quantitativa de se verificar essa existência de correlação
entre duas variáveis, indicando o grau de intensidade em que as mesmas se correlacionam, bem
como em que sentido estas se relacionam (positivo ou negativo). A medida de correlação mais
conhecida é a obtida através do coeficiente de Pearson (r), medida parametrizada do quanto
uma associação pode ser descrita como uma função linear. O outro coeficiente de correlação
utilizado é o de Spearman (𝑟𝑠) que, por realizar uma associação não parametrizada, pode ser
empregado nas situações em que a relação entre os pares de dados não seja linear. Este indica
o quão bem uma relação pode ser descrita como uma função monotônica, que é quando uma
das variáveis aumenta ou diminui sistematicamente quando a outra decresce, com associações
que podem ter forma linear ou não linear.
Para escolha do método de correlação adequado é necessário verificar se a distribuição de
probabilidade associada ao conjunto de dados utilizados (Renda Média, Nível Instrução e
Domicílio Adequado, Índice Geral, e Viagens de Carga) pode ser aproximada pela distribuição
normal por meio de testes de normalidade.
Por convenção, Pestana e Gageiro (2003) sugerem a seguinte interpretação para os valores do
coeficiente de correlação: valores entre 0,10 e 0,39 podem ser considerados fracos; entre 0,40
e 0,69 podem ser considerados moderado, e valores entre 0,7 e 1 podem ser interpretados como
fortes. Além disso, para se atribuir uma correlação linear entre as duas variáveis, é necessário
que o p-valor seja menor que o nível de significância adotado (5%), pois assim é possível
afirmar que a chance dessa relação ser devida ao acaso é pequena.
4. APLICAÇÃO E RESULTADOS
A metodologia proposta nesta pesquisa foi aplicada no município de Belo Horizonte (MG). A
região apresenta economia ativa que possui o quarto maior Produto Interno Bruto (PIB) do
Brasil, com cerca de 38,21 bilhões de reais e mais de 100 mil empresas (IBGE, 2010), porém
sofre com os crescentes congestionamentos, resultado do elevado aumento de automóveis
particulares em circulação.
4.1. Identificação e tratamento de dados secundários
Os dados socioeconômicos selecionados do Censo de 2010 foram tratados, por meio do
programa ArcGis, segundo os critérios propostos na metodologia e agrupados por área de
ponderação. Assim, para cada uma das 67 áreas de ponderação do município, tinham-se quatro
informações: a renda média em salário mínimo da população; a porcentagem dos indivíduos
que declararam ter concluído o ensino superior; a porcentagem das moradias que podiam ser
classificadas como adequadas e o Índice Geral, que corresponde a uma classificação média das
três características socioeconômicas apresentada na área de ponderação.
Para visualização dos dados, foram criados seus respectivos mapas temáticos, através da
ferramenta Natural breaks (“quebra natural”), que é um método de classificação de dados
projetado para determinar o melhor arranjo de valores em diferentes classes, reduzindo a
variação dentro das classes e maximizando a variância entre as classes.
No processo de determinação da demanda por transporte de carga, foram selecionados do CMC
os estabelecimentos comerciais que correspondiam aos setores da economia em estudo
(supermercados, vestuários, comércios varejistas, bares, restaurantes, materiais de construção e
combustíveis), e a partir da área construída desses estabelecimentos foi feita a estimativa das
viagens atraídas para cada estabelecimento, por meio das equações de Melo (2002).
Após essa estimativa, foram agrupadas as viagens geradas por tipo de atividade comercial para
cada área de ponderação do município, podendo, assim, ser obtidos dados do tipo: “para a área
de ponderação x, são geradas: a viagens de carga pelos estabelecimentos do setor de
Supermercado, b viagens de carga pelos estabelecimentos do setor de Vestuário,...” e assim
sucessivamente para cada um dos seis setores, para cada uma das 67 áreas de ponderação
existentes na cidade de Belo Horizonte.
Para uma melhor visualização, optou-se pelo modelo de densidade de Kernel para geração do
mapa temático, pois é plotada a intensidade pontual das viagens de carga para cada
estabelecimento, permitindo assim uma análise geográfica do comportamento de padrões.
4.3. Medidas de Correlação
Foi aplicado o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov (Triola, 2005) para os quatro dados
socioeconômicos e para os seis dados de viagens de estudo, e apenas para os dados de Índice
Geral e os dados de viagem do setor de Combustível não se tem evidências para rejeitar a
hipótese de normalidade. Portanto, como a maioria dos dados não apresentam distribuição
normal, foi utilizado o Coeficiente de Correlação de Spearman para a análise de correlação dos
dados por meio do software Action.
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A geração dos mapas temáticos, a partir dos dados tratados por área de ponderação, possibilita
uma análise visual dos padrões de distribuição dos dados socioeconômicos da população
(Figura 1). As áreas que apresentam os maiores níveis de renda se concentram na regional
Centro-Sul e parte da regional Oeste (bairros Gutierrez e Buritis), seguidos pela regional da
Pampulha. Além disso, é possível observar que os valores de renda média apresentam uma
expressiva disparidade, aonde 34% das áreas de ponderação possuem renda média de até 1,72
salários mínimos (SM) e apenas 9% tem renda média acima de 7,87 SM, reforçando assim a
eminente desigualdade de renda do município. Quanto ao nível de escolarização, é possível
observar que os bairros Cidade Nova, União, Padre Eustáquio, Prado e Carlos Prates, além das
regionais Centro-Sul e Oeste (bairros Buritis e Gutierrez) apresentam maiores níveis de
instrução.
Em contraste com os mapas de renda média e escolaridade, observa-se uma mudança do padrão
de distribuição, explicado, principalmente, pela pequena variação da escala dos valores
apresentados de moradias adequadas, ou seja, os valores de moradia adequadas do município
de Belo Horizonte são relativamente homogêneos, o que incorre em perda de representatividade
da realidade socioeconômica da população.
Figura 1: Características socioeconômicas agrupadas por área de ponderação
Fonte: Censo 2010.
Pelo mapa da distribuição das viagens atraídas pelos setores econômicos estudados (Figura 2),
é possível observar que as concentrações de viagens, em sua maioria, estão no entorno dos
principais corredores viários da cidade (Figura 3), com um maior agrupamento na região
central. Comparando os resultados obtidos, nota-se uma concordância entre as áreas de
concentração das características socioeconômicas Renda Média, Escolarização e Índice Geral
e os dados de viagens de carga, fato que sugere a existência de correlação entre estes dados.
Os resultados obtidos da análise estatística
de correlação estão sintetizados no Quadro
4, que exibe o coeficiente de Spearman para cada correlação entre os valores de viagens de
carga por tipo de atividade comercial e os dados socioeconômicos, além de seus respectivos
valores de p da estatística. Analisando os resultados (Quadro 4), nota-se que as viagens geradas
pelo grupo de Bar e Restaurante, possuem associação forte com a Renda Média (𝑟𝑠 = 0,8217),
o Nível de Instrução ( 𝑟𝑠 = 0,8252) e, consequentemente, o Índice Geral ( 𝑟𝑠 = 0,8028),
indicando que quanto maior o valor apresentado para essas características, maior é a geração
de viagens pelos estabelecimentos de Bar e Restaurante.
Verifica-se ainda que os dados referentes à Moradia Adequada (MA) apresentaram os valores
mais baixos de correlação. Tal fato pode ser confirmado ao se analisar o mapa temático com a
distribuição desse dado (Figura 1) onde é observado um padrão diferente de concentração que
o mapa temático com as viagens atraídas pelo comércio (Figura 2). Além disso, é possível
observar que as viagens geradas pelo setor de Combustível não apresentaram distribuição
compatível com a característica socioeconômica dos moradores do local.
Figura 3: Principais corredores de Belo
Horizonte
Fonte: Prodabel, adaptado
Figura 2: Densidade de viagens de carga segundo
Modelo de Kernel
Fonte: Bases digitais do IBGE, derivado da malha de
Setores Censitários
Base de dados: Cadastro Municipal de Contribuintes e
Melo (2002)
Quadro 5.1: Resultados do Action para medida de correlação do coeficiente de Spearman
Matriz de Correlação Spearman
VIAGEM
Supermercado Vestuário Com.
Varejista Bar/Restaurante
Mat.
Construção Combustível
RM 0,4355 0,6263 0,6649 0,8217 0,4926 0,2030
NI 0,4385 0,6216 0,6675 0,8252 0,4974 0,1967
MA 0,3072 0,4102 0,4337 0,5692 0,4226 0,2499
IG 0,3831 0,6154 0,6486 0,8028 0,4927 0,1765
VERMELHO – Fraco; AMARELO - Moderado; VERDE – Forte.
Matriz de P-valores
VIAGEM
Supermercado Vestuário Com.
Varejista Bar/Restaurante
Mat.
Construção Combustível
RM 0,0002638691 0,0000000321 0,0000000000 0,0000000000 0,0000292730 0,0994372220
NI 0,0002371852 0,0000000435 0,0000000000 0,0000000000 0,0000238953 0,1105000821
MA 0,0117188228 0,0006261272 0,0002815723 0,0000008261 0,0004133291 0,0416760049
IG 0,0014811154 0,0000000640 0,0000000054 0,0000000000 0,0000292000 0,1527578294
RM=Renda Média; NI = Nível Instrução; MA = Moradia Adequada; IG = Índice Geral
VERMELHO: p-valor < α = 0,05 e VERDE: p-valor > α = 0,05.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos principais instrumentos utilizado para o planejamento de transportes é a Matriz
Origem-Destino, para a qual se tem duas opções: desenvolver um método estimativo a partir
dos dados disponíveis ou coletar os dados diretamente dos transportadores. Entretanto, diante
da dificuldade em se realizar pesquisa de campo e da pouca disponibilidade de dados já
existentes, vê-se necessário a utilização de informações secundárias para possibilitar a
determinação de fluxos de origem e destino de mercadorias que permitam inferir nas questões
do planejamento de transporte.
Dentro dessa realidade, o objetivo desta pesquisa é a identificação de possíveis correlações
entre a demanda na distribuição urbana de mercadorias de Belo Horizonte e os dados
secundários do IBGE relativos às condições socioeconômicas de sua população.
No trabalho foram analisadas três características socioeconômicas da população e seis
segmentos comerciais. Na análise visual comparativa dos mapas temáticos de distribuição dos
dados socioeconômicos na área de estudo e da distribuição das viagens geradas pelos
estabelecimentos comerciais, observa-se uma concordância entre as regiões que apresentaram
um maior nível socioeconômico e as com maior geração de viagens, do mesmo modo que as
regiões com menores níveis socioeconômicos concentravam-se nos mesmos locais aonde o
valor estimado de viagens geradas foi baixo.
No cálculo estatístico de correlação através das medidas Spearman, verificamos que três pares
de variáveis apresentaram forte correlação: viagens geradas por Bar/Restaurante e a Renda
Média em salários mínimos (rS = 0,8217); viagens geradas por Bar/Restaurante e o Nível de
Instrução (rS = 0,8252); e viagens geradas por Bar/Restaurante e o Índice Geral (rS = 0,8028).
A partir dessas observações, conclui-se que é pertinente a afirmação de que existe correlação
entre características socioeconômicas e a demanda por mercadoria, apesar de não ser possível
afirmar a intensidade dessa correlação e nem a sua eficiência para fins de estimar
quantitativamente essa demanda.
É necessário, por conseguinte, prosseguir as pesquisas incluindo a investigação de variáveis
terceiras e seu impacto na demanda por mercadorias, a fim de aprimorar a correlação obtida
entre viagens de carga e as características socioeconômicas da população, ao minimizar as
relações espúrias. Como sugestão de variável tem-se as legislações de uso e ocupação do solo.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Prefeitura de Belo Horizonte pela concessão dos dados para a Análise,
a FAPEMIG – Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais, CAPES e CNPq – Conselho
Nacional de Pesquisa pelo suporte à pesquisa.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Correia, V. A. (2011) Análise econômica e ambiental de um esquema de centro de distribuição urbano de cargas
para o município de Belo Horizonte. Dissertação [UFMG] Belo Horizonte. 169 fl
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