Upload
lymien
View
221
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
29
AVALIAÇÕES EXTERNAS E SEUS IMPACTOS NAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS NA DE ALFABETIZAÇÃO: PERCEPÇÕES E VISÕES
PRELIMINARES
Maria Océlia Mota3
RESUMO O presente trabalho tem como foco de estudo os impactos produzidos pelas
avaliações externas nas práticas pedagógicas nas séries iniciais do ensino
Fundamental – Ciclo Básico de Alfabetização. Investigar como essas avaliações tem impactado o cotidiano das salas de aula a ponto de modificar (ou não) as
práticas da equipe escolar e do/a professor/a em sala de aula, torna-se
imprescindível para compreendermos como esses processos se desenvolvem e quais suas conseqüências na aprendizagem dos alunos. Porém não basta
analisarmos os números, convêm que investiguemos o que se encontra por trás
deles, conhecermos a realidade desses alunos e dessas escolas que geram esses
índices. O que pensam os professores a respeito das avaliações externas? Como elas interferem no dia-a-dia do seu trabalho em sala de aula? Nesse sentido, esta
pesquisa se ancora na abordagem qualitativa, já que para Minayo (2010) ela
trabalha com o universo dos significados, dos motivos e das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. .A nossa pesquisa além das entrevistas, se
utiliza de análises de documentos e observações em sala de aula a fim de serem
confrontados todos os dados e assim compreendermos as tramas que se desenrolam
no interior da escola. Para efeito deste texto, focalizamos, apenas alguns dados empíricos colhidos em entrevistas. Refletir a respeito dos impactos dessas
avaliações na educação de nosso país, até que ponto elas são benéficas ou
maléficas ao nosso sistema de ensino, ou como irão modificar a educação de nossas crianças e jovens torna-se uma questão de urgência e de ampliação de pesquisas na
área.
O presente trabalho faz parte da minha dissertação de mestrado que tem como
foco principal analisar os impactos das avaliações externas nas práticas de letramento e
avaliação no Ciclo Básico de Alfabetização. Tratar da temática das avaliações externas,
focalizando meu olhar sobre os efeitos da Provinha Brasil no trabalho pedagógico do
professor tem origem, inicialmente em pesquisa sobre efeitos das avaliações externas
da qual faço parte desde 2009, como participante de grupo de pesquisa da universidade
a qual sou vinculada. Também colaboraram para o interesse por essa pesquisa a
participação em outro grupo de pesquisa, no qual sou pesquisadora voluntária.
3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias
Urbanas, da FEBF/UERJ. Pesquisadora Voluntária do Projeto Observatório das Periferias Urbanas,
INEP/CAPES. E-mail: [email protected]
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002913
Palavas-chave: Avaliações externas, Ensino Fundamental, Saeb, Provinha Brasil
30
Com o objetivo de analisar as práticas de alfabetização e Letramento no Ciclo
Básico de alfabetização, esta pesquisa faz parte do segundo foco de investigação, que
em um dos seus objetivos específicos que busca identificar e analisar como os
resultados de avaliações externas (Prova Brasil/IDEB) têm impactado a organização do
trabalho pedagógico nas práticas de letramento desenvolvidas na escola.
Nesse contexto, esta pesquisa se insere, pautada na problemática que as
avaliações externas se encontram nos dias atuais, se fazendo tão presente no cotidiano
da sala de aula e interferindo diretamente nas práticas pedagógicas desenvolvidas na
escola. A participação nos grupos de pesquisas serviu de base para fundamentar essa
pesquisa de Mestrado cujo foco de estudo se centra nos impactos produzidos pelas
avaliações externas nas práticas de letramento e avaliações nas séries iniciais do ensino
Fundamental – Ciclo Básico de Alfabetização. Investigar como essas avaliações tem
impactado o cotidiano das salas de aula a ponto de modificar (ou não) as práticas da
Secretaria Municipal, da escola e do professor em sala de aula, torna-se imprescindível
para compreendermos como esses processos se desenvolvem e quais suas
conseqüências na aprendizagem dos alunos e no trabalho pedagógico desenvolvido pelo
professores.
Porém, não basta analisarmos os números, convêm que investiguemos o que se
encontra por trás deles, conhecermos a realidade desses alunos e dessas escolas que
geram esses índices. O que pensam os professores a respeito das avaliações externas?
Como elas interferem no dia-a-dia do seu trabalho em sala de aula? Que tipo de pressão
sofrem? Que modificações provocam na sua forma de trabalhar?
Um breve olhar sobre as avaliações externas
Não é de agora que a avaliação tem se tornado um tema bastante recorrente nos
debates e pesquisas acadêmicas. Além disso, uma de suas variantes, a avaliação em
larga escala do desempenho de alunos tem assumido relevância na educação brasileira,
desde as reformas educacionais ocorridas nos anos 1990, seguindo as políticas de
diversos países como EUA, Inglaterra, México, Chile, dentre outros, informa que,
independentemente de seu lugar no „sistema mundial‟, diferentes países estão a
percorrer caminhos bastante semelhantes que podem caracterizar-se , genericamente,
pela imposição de um crescente controle nacional sobre os processos avaliativos ,como
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002914
31
também, pela crescente importância e alargamento das fronteiras do campo de ação da
avaliação educacional estandardizadas.
O que se verificou nesses países foi que, quando os resultados das provas
padronizadas foram tomados como a grande medida da qualidade de ensino, vários
problemas começaram a surgir. Um deles foi a utilização de burlas, por sistemas e
escolas, para mascarar os verdadeiros resultados das provas. Cassasus (2009, p.75) faz
um importante alerta, quando denuncia as formas como as escolas podem criar
estratégias diversas para alterar resultados de forma positiva.
Acionando as notas (como demonstram os sistemas de acesso às universidades). Não incluindo os “maus” alunos
quando se tem que dar um teste (quando este conceito de
“mau” não tem um conteúdo específico, é apenas uma interpretação). Dando aos alunos as respostas às questões
colocadas nas provas. Treinando os alunos na resposta às
provas. Os alunos são livres para responder aleatoriamente.
(CASSASUS, 2009, p.75)
Segundo reportagem “O quebra-cabeça da avaliação”, da revista Educação
(nº172), são várias as manifestações contra testes de alto impacto que surgem em vários
países e apontam para a precariedade da apropriação pedagógica dos resultados das
provas. Na Inglaterra, o boicote contra o Standart Assessment Test (SAT) atingiu um
quarto das escolas em 2010. Nos EUA, vários movimentos contra esse tipo de teste
estavam programados para acontecer no final de julho de 2010, em Washington DC.
No Brasil, um grupo de educadores criou o “Movimento Contra Testes de Alto
Impacto”, chancelado por 82 pesquisadores conhecidos no país e dois estrangeiros. Um
dos objetivos do movimento é alertar pais, alunos, administradores e o próprio governo
de que esse tipo de avaliação é imprecisa e que não dá conta de avaliar a complexidade
da escola em seus diversos aspectos.
No Brasil, o Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) foi
implantado pelo governo federal no início dos anos noventa com o objetivo de obter
dados para subsidiar políticas públicas. O SAEB foi criado a fim de conhecer melhor a
realidade e disparidades educacionais, tendo em vista os altos níveis de reprovação e
evasão, principalmente, nos anos 1980, período em que houve aumento de alunos nas
redes públicas.
Para compreender de forma mais específica e de forma mais abrangente, a partir
de 2005, o SAEB conta com duas avaliações complementares: ANEB (Avaliação
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002915
32
Nacional da Educação Básica) e ANRESC (Avaliação Nacional do Rendimento
Escolar). A primeira trabalha a perspectiva amostral das escolas públicas e privadas na
área rural e urbana, propondo dar uma visão do desempenho escolar dos alunos do 5º ao
9º ano do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio, em testes que privilegiam a
leitura e compreensão, no componente Língua Portuguesa e a solução de problemas,
em Matemática. Além disso, conta com a coleta de informações sobre o ambiente
cultural e escolar dos alunos por meio de questionários..
A ANRESC – mais conhecida como Prova Brasil, é mais extensa e detalhada do
que a ANEB. Ela é aplicada censitariamente para alunos de 5º e 9º anos do ensino
fundamental público, nas redes estaduais, municipais e federais, de área rural e urbana,
em escolas que tenham no mínimo 20 alunos matriculados na série avaliada. A Prova
oferece resultados por escola, município, Unidade da Federação e país que também são
utilizados no cálculo do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que é o
resultado entre as médias das notas de Língua Portuguesa e Matemática, considerando-
se, ainda as taxas de aprovação, reprovação e evasão escolar.
Após duas edições da Prova Brasil, ao se constatar que os níveis de leitura,
compreensão e conhecimentos matemáticos ainda eram baixos, foi criada, em 2008, a
Provinha Brasil. Inicialmente, foi aplicada com a finalidade de verificar o nível de
letramento dos alunos no 2º ano do ensino Fundamental. Conforme o MEC, Sua
finalidade é oferecer informações que viabilizem a intervenção, quando ainda há tempo
para melhorar o ensino para as crianças para que, ao término do segundo ano de
escolarização - no máximo, aos oito anos de idade-, estejam alfabetizadas.
Trata-se de uma avaliação diagnóstica, ou seja, um instrumento elaborado para
auxiliar professores, coordenadores e gestores a identificar o nível de alfabetização das
crianças das redes públicas de ensino, após um ano de escolaridade. A Provinha Brasil
é realizada duas vezes ao ano: no início do ano letivo com o objetivo de informar sobre
o nível de alfabetização, do aluno, no início do processo de aprendizagem e
diagnosticar, precocemente, possíveis insuficiências das habilidades de leitura e escrita.
No final do ano letivo, serve para que professores e gestores avaliem as superações das
aprendizagens, concorrendo para a melhoria da qualidade de ensino e redução das
desigualdades, em consonância com as metas e políticas estabelecidas pelas diretrizes
da educação nacional. Os objetivos e finalidades da Provinha Brasil aqui descritos são
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002916
33
definidos pelo MEC e encontram-se disponível no site da Instituição, o que não
significa que os mesmos são atingidos.
No Brasil, segundo Werle (2010, p.26), há três planos de
segmentação/superposição das avaliações em larga escala com foco na educação básica,
a autora se refere aos “planos de segmentação e superposição” aos processos que se
desenvolvem em âmbito federal, assim como nos dos estados e em alguns municípios.
Muitos estados, aliás, já apresentam uma longa tradição em avaliações externas, como o
Paraná e o Rio Grande do Norte, que desde 1988 já tiveram experiências realizadas
nessa área. Minas Gerais e Ceará em 11922, seguindo a tendência mundial foram
pioneiros em criar o próprio esquema de verificação da aprendizagem em âmbito
estadual . Hoje, 19 das 27 unidades da federação têm ou já tiveram algum tipo de
instrumento de sondagem de larga escala.
As diferentes modalidades de avaliação em larga escala praticadas no sistema
educacional brasileiro, apontadas por Werle (2010, p.34), “ acompanham um discurso
de ênfase na qualidade , políticas de descentralização, avaliação de produto, resultados e
um discurso de atendimento à pressão social”.
Seguindo a linha de outros estados da Federação, o Rio de Janeiro, preocupado
com a sua colocação no “ranking nacional do Ideb”, implantou em 2008 o SAERJ -
Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro com a finalidade de
monitorar o padrão de qualidade do ensino e colaborar com a melhoria da qualidade da
educação. O SAERJ segue a mesma lógica do SAEB e da Prova Brasil: avaliar o
desempenho dos alunos da rede pública em Língua Portuguesa e Matemática. O
governo usou o ranking da avaliação do Saerj de 2011 para premiar os 3.000 melhores
alunos com notebooks, com o resultado, segundo a página do Saerj, a secretaria de
Estado de Educação pode avaliar individualmente cada escola, identificando pontos
positivos e o que precisa ser melhorado.
Seguindo o exemplo do Rio de Janeiro, a cidade de Duque de Caxias, localizada
na região metropolitana, vem criando formas de avaliação nos moldes da Prova Brasil ,
exemplo disso foi a Prova Caxias, aplicada em 2011 aos alunos da rede municipal de
ensino e o Projeto Con-seguir, ambos com o objetivo de melhorar os índices do IDEB.
O projeto apresenta, segundo alguns professores, uma característica de “treinamento”
dos alunos do 5º ano para realizar a Prova Brasil, com apostilas trazendo questões nos
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002917
34
mesmos moldes dos testes, os alunos são retirados de sala e ficam com estagiários
contratados pela Prefeitura
Com a centralidade da avaliação na melhoria dos resultados, ela tem, nesses
últimos tempos, se tornado uma verdadeira febre no nosso país. São tantos tipos de
avaliação a qual os alunos são submetidos que terminam ficando boa parte do tempo
escolar realizando provas e mais provas: fazem simulados semanais na escola, fazem
provas organizadas pela secretaria e fazem a Prova Brasil. Os governos ficam
desesperados para melhorar seus índices na pontuação e se esquecem que “subir” ou
“cair” no ranking é uma situação superficial que não contribui em nada para uma
educação de qualidade. Nesse sentido, Cassasus (2009, p.75) denuncia que “pensar que
um sistema educativo melhora (ou piora) porque sobem (ou descem) as pontuações, é o
mesmo que pensar que a saúde é melhor quando se põem termômetros aos doentes
depois de lhes ter dado aspirinas ou aplicado compressas de água fria”.
Todas essas ações vêm confluir com as idéias de Freitas (2010) quando defende
que
O IDEB é mais um instrumento regulatório do que um definidor de
critérios para uma melhor aplicação dos recursos da União visando
alterar indicadores educacionais. O resultado de cada município e de cada estado será (e já está sendo) utilizado para ranquear as redes de
ensino, para acirrar a competição e para pressionar, via opinião
pública, o alcance de melhores resultados. Ou seja, a função do MEC
assumida pelo governo Lula mantém a lógica perversa vigente durante doze anos de FHC. (FREITAS,2002 967).
O autor alerta para o risco das avaliações externas, como é o caso do SAEB e da
Prova Brasil, serem utilizadas de forma equivocada, apenas para ranquear as escolas e
não para ser um definidor de aplicação das políticas públicas voltadas para a educação
de qualidade.Sousa (2008, p. 35) alerta que o desafio é colocar a avaliação a serviço da
democratização da escola, e que esta deve ser assumida como processo capaz de
contribuir para o avanço do conhecimento sobre o contexto em análise. A autora
enfatiza que essa avaliação deve informar sobre a realidade, revelando
intencionalidades, evidenciando tendências da prática, produzindo subsídios para a
construção de respostas e propostas de intervenção, que potencializem a concretização
da escola para todos.
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002918
35
Nesse contexto, a Provinha Brasil também se insere, até por ser um instrumento
criado por conta dos impactos causados pelas avaliações externas nas escolas, só que
com outra abordagem, porém não deixa de ser um tipo de avaliação regulatória.
Sua construção se deu a partir da uma matriz curricular: a “Matriz de Referência
para Avaliação da Alfabetização e do Letramento Inicial”. Na matriz, é visível a
preocupação com a dimensão social do letramento, porém podemos constatar que a
descrição dos níveis de proficiência em Língua Portuguesa enfatiza as habilidades
individuais de leitura. De acordo com Soares (1999, p. 86), “os critérios segundo os
quais os testes são construídos é que definem o que é letramento em contextos
escolares: um conceito restrito e fortemente controlado, nem sempre condizente com as
habilidades de leitura e escrita e as práticas sociais fora das paredes da escola.
Esse trabalho procura investigar como as avaliações externas interferem nessas
práticas de Letramento dos professores desenvolvidas nos primeiros anos das séries
iniciais e em que contextos essa dimensão social do letramento descrita na matriz de
referência afeta o trabalho pedagógico em sala de aula.
Os caminhos da pesquisa
A pesquisa, segundo Bujes (2002, p.14) se constitui na inquietação, nasce
sempre de uma preocupação com alguma questão, ela provém, quase sempre, de uma
insatisfação com respostas que já temos, portanto, compreender o que esses números
revelam na realidade faz com que passemos a duvidar das explicações dadas, nos faz
ficar desconfortáveis em relações a crenças que, em algum momento, julgamos
inabaláveis.
Para Minayo (2010, p.24) o pesquisador que trabalha com estratégias
qualitativas atua com a matéria-prima das vivências, das experiências, da cotidianeidade
e também analisa as estruturas e as instituições, mas entendem-nas como ação humana
subjetivada. A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, ela se ocupa,
nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser
quantificado, por isso essa pesquisa se ancora na abordagem qualitativa, já que para
Minayo (2010) ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos e das
aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes.
A nossa inserção como pesquisadores nas escolas do município de Duque de
Caxias nos permitiu ouvir esses professores e as suas vozes nos fizeram parar e
repensar muitas questões. Silveira (2002, p.120) nos convida a olhar as entrevistas
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002919
36
como eventos discursivos complexos, forjados não só pela dupla
entrevistador/entrevistado, mas também pelas imagens, representações, expectativas que
circulam – de parte a parte – no momento e situação de realização das mesmas e,
posteriormente, de sua escuta e análise. Para Minayo (2010, p.65) as entrevistas como
fonte de informação pode nos fornecer dados que são objetos principais da investigação
qualitativa – referem-se, segundo a autora a informações diretamente construídas no
diálogo com o indivíduo entrevistado e tratam da reflexão do próprio sujeito sobre a
realidade que vivencia.
Os dados aqui apresentados são apenas resultados preliminares da pesquisa
realizada para a dissertação de mestrado que será defendida em 2013, vinculada ao
Programa de Pós-Graduação (Mestrado Acadêmico) em Educação, Culturas e
Comunicação nas Periferias Urbanas da FEBF/UERJ.
As entrevistas analisadas, bem como outros dados analisados como cadernos e
relatórios de alunos fazem parte da pesquisa “A hora e a vez do sucesso escolar:
concepções e práticas de avaliação para promover as aprendizagens”, já relatada
anteriormente e da qual faço parte como pesquisadora voluntária e serão utilizadas
como parte da pesquisa da dissertação. As escolas analisadas ficam localizadas em
bairros diferentes do município de Duque de Caxias, porém ambas localizadas bem
próximas ao centro da cidade. São escolas de médio porte e atendem especificamente
alunos das classes populares que moram em comunidades próximas. As escolas
receberam nomes fictícios a fim de serem preservadas as suas identidades. Os
professores ouvidos pela pesquisa serão identificados apenas por números, por exemplo
- P.1, também com o mesmo objetivo com que foram designadas as escolas.
Os pensares e as vozes do/as professores/as
Para Werle (2010, p.299), a avaliação nas práticas de sala de aula evidencia sua
servidão a serviço de outras políticas e de outras idéias: seleção, hierarquização,
controle de conduta. Saber até que ponto a Prova Brasil e agora Provinha Brasil
influenciam as práticas de letramento e as avaliações internas realizadas no ciclo básico
de alfabetização nos trazem elementos de suma importância para desvendarmos como
essas ações são subjetivadas pelos autores que constituem esse processo – alunos,
professores e equipe pedagógica. Será que buscam se adequar aos padrões das
avaliações externas? Esse fato fica bem explícito nas falas de algumas professoras do
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002920
37
Ciclo Básico de Alfabetização, ao serem questionadas a respeito de como se sentiam
quando os resultados do Ideb de sua escola eram divulgados, se refletiam a realidade de
sua sala de aula:
Eu me sinto meio que ... lesada, pois eu acho que os resultados não
condizem com a realidade da escola, a prova vem pronta e sem o
prévio conhecimento da escola, o contexto em que a escola é inserida,
do entorno , da clientela, então fica difícil você realizar a prova, pois muito do conteúdo que vem na prova às vezes não é possível passar
para os alunos.(P 1)
Eu não acho aquilo válido, não acredito fielmente nos resultados, pq
na maioria das vezes quem aplica aquilo ali somos nós mesmas,
muitas vezes o professor ajuda, dependendo da visão que o professor tem daquilo ali, ele ajuda ao aluno, então não acho que o resultado
seja fiel até por que o professor se sente avaliado, então ele não vai
deixar aquele resultado deixar transparecer o “fracasso dele” , já
teve algumas ocasiões de serem outras pessoas que aplicam a prova,
mas na maioria das vezes somos nós mesmas que aplicamos.(P 6)
A P 1 fala, claramente, que os resultados não condizem com a realidade da
escola, dos alunos e se sente até “lesada”, pois os números do IDEB não refletem o seu
trabalho. A P 6 chama a atenção para as possíveis burlas durante a aplicação da Prova a
fim de serem mascarados os resultados, pois os Professores “não vão deixar
transparecer o fracasso dele através daquele resultado”. Nesse sentido, Esteban ( )
confirma este sentimento da professora e alerta que
A centralidade no exame, mesmo que disfarçado de “provinha”, com a possibilidade de ser aplicado (mas não elaborado) pelo (a)
professor(a) regente da turma, direciona a ação pedagógica para a
obtenção dos resultados pré- fixados, o que diminui, na escola, a
possibilidade de percepção, compreensão e fortalecimento dos múltiplos processos de aprendizagem e de ensino ali realizados, bem
como dos diferentes conhecimentos que dão vida à sala de aula como
espaço de permanente aprendizagem( ESTEBAN, , p. 53)
O fato de não ser o professor/a o responsável pela elaboração desse tipo de
avaliação, que deveria servir como um “diagnóstico” de sua turma faz com se sintam
“lesados” na sua autonomia como profissionais da educação no lugar de sentirem
auxiliados por uma Prova que não condiz, em grande parte, com a realidade de sua
turma. Esteban (2009, p. 49) novamente ressalta que o próprio documento que apresenta
a Provinha Brasil mostra a redução do processo de alfabetização como prática sócio -
cultural para atender os estreitos limites das provas estandardizadas. Para a autora, não
se avalia o processo ensino –aprendizagem, mede-se o que se presta a ser verificado
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002921
38
através de um teste de múltipla escolha, ou seja, será que apenas as habilidades de
leitura devem ser levadas em consideração?
No depoimento abaixo, a professora apresenta a realidade de sua turma,
denunciando a distorção idade/série, crianças que estão no quinto ano que deveriam
estar no terceiro e que não são capazes sequer de interpretar um texto. Nesse sentido,
Werle (2010, p.23) alerta que a “os dados que tais avaliações fornecem podem servir
para a reflexão acerca do funcionamento e de como está sendo realizada a educação no
conjunto do sistema”.
As questões da provinha são bem formuladas, mas precisam de uma análise da criança, pois há uma defasagem muito grande. Nós temos
crianças de 5º ano, que na realidade ela deveria estar no 3º , pois tem
dificuldades para interpretar. Não consegue ler um texto, interpretar e responder as questões. Infelizmente, esta é a realidade da maioria das
turmas. (P 2)
Para Soligo (2010, p.120), “o professor enquanto parte do processo educativo
se constitui em agente e sujeito da educação, carregando consigo as prerrogativas de
sua imersão na realidade da escola, participando do jogo de poder e conflito, transitando
entre a indiferença e a militância”. Podemos verificar na fala dessa professora o conflito
em que se encontra diante de uma prova que ela considera que é bem formulada, no
entanto, reconhece a dificuldade dos alunos que não conseguem ler, interpretar e,
consequentemente, não conseguem responder às questões da prova.
Analisando os níveis de proficiências em Língua Portuguesa atingidos pelo
município de Duque de Caxias, podemos constatar que estão bem abaixo do desejável e
refletem a preocupação dos professores em relação ao nível de leitura e interpretação
dos alunos. Os resultados encontram-se no nível 3, de 11 níveis definidos pelo MEC
para a proficiência em Língua Portuguesa.
Refletir a respeito dos impactos dessas avaliações na educação de nosso país, até
que ponto elas são benéficas ou maléficas ao nosso sistema de ensino, ou como irão
modificar para pior, ou melhor, a educação de nossas crianças e jovens torna-se uma
questão de urgência. Para Werle (2010,p.23 ), as avaliações em si, não transformam os
procedimentos pedagógicos, os técnico- administrativos, nem “melhoram” ou “pioram”
os sistemas educativos, visto que não expressam o detalhe e a multiplicidade dos
fazeres dos docentes e das escolas e suas comunidades. É preciso, como afirma Fischer
(2010, p.49) lembrar sempre que, em se tratando de avaliação da aprendizagem, a
obsessão pelo resultado pode obscurecer a importância do processo. Portanto,
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002922
39
acrescenta a autora, priorizar vivências de avaliação enquanto processo formativo pode
ser um modo adequado de resistir a supervalorização da pedagogia de resultados.
Referências Bibliográficas
CASASSUS, Juan. Uma nota crítica sobre a avaliação estandartizada: a perda da
qualidade e a segmentação social. Sísifo. Revista de Ciência da Educação, pp71-78,
2009.
ESTEBAN, Maria Teresa. Provinha Brasil: desempenho escolar e discurso normativo
sobre a infância. Sísifo. Revista de Ciência da Educação, 2009, pp 47-56 .
FISCHER, Beatriz T.Daudt. A avaliação da aprendizagem: a obsessão pelo resultado
pode obscurecer a importância do processo. IN: WERLE, Flávia O. Corrêa. (org.)
Avaliação em larga escala: foco na escola. São Leopoldo: Oikos; Brasília: Liber livro,
2010.
FREITAS, Luiz Carlos de. Eliminação adiada: o ocaso das classes populares no
interior da escola e a ocultação da (má) qualidade do ensino
www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a1628100.pdf acesso em 10 de Agosto 2010
FREITAS, A. Lúcia. Fundamentos, dilemas e desafios da avaliação na organização
curricular por ciclos de formação IN: ESTEBAN, Maria Teresa (org.). Escola,
currículo e avaliação. São Paulo: Cortez, 2003.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e
criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,
1999.
SOLIGO, Valdecir. A ação do professor e o significado das avaliações em larga escala
na prática pedagógica IN: WERLE, Flávia O. Corrêa. (org.) Avaliação em larga
escala: foco na escola. São Leopoldo: Oikos; Brasília: Liber livro, 2010.
SOUZA, Sandra Zákia. Avaliação, ciclos e qualidade do Ensino Fundamental: uma
relação a ser construída. Estudos Avançados, São Paulo, 2007.
SILVEIRA. Rosa M. Hessel. A entrevista na pesquisa em educação: uma arena de
significados. COSTA, Marisa Vorraber (org.). Caminhos investigativos II: outros
modos de pensar e fazer pesquisa em educação. 2 ed. Rio de janeiro: DP&A, 2002.
WERLE, Flávia O. Corrêa. (org.) Avaliação em larga escala: foco na escola. São
Leopoldo: Oikos; Brasília: Liber livro, 2010
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002923