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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP
BANCOS PÚBLICOS E DESENVOLVIMENTO Uma Agenda em Aberto
Daniela Saka
MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA
2010
BANCOS PÚBLICOS E DESENVOLVIMENTO
Uma Agenda em Aberto
Daniela Saka
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política, PEPGEP, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos de Moraes
São Paulo Agosto de 2010
BANCOS PÚBLICOS E DESENVOLVIMENTO Uma Agenda em Aberto
Daniela Saka
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA DA PONTIFÍCIA DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM ECONOMIA. Examinada por:
_________________________________
_________________________________
_________________________________
SÃO PAULO, SP – BRASIL Agosto de 2010
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.
FICHA CATALOGRÁFICA
Saka, Daniela Bancos Públicos e Desenvolvimento. Uma Agenda em Aberto / Daniela
Saka. – São Paulo: PEPGEP/PUC-SP, 2010. IX, 108 p.: il.; 29,7 cm. Orientador: Antônio Carlos de Moraes. Dissertação (mestrado) – PUC-SP/ Departamento de Economia/Programa
de Economia Política, 2010. Referências bibliográficas: p. 99-108.
1. Bancos Públicos. 2. Crédito. 3. Desenvolvimento. 4. Sistemas Financeiros. I. Moraes, Antônio Carlos de. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Departamento de Economia, Programa de Pós-graduação em Economia Política. III. Bancos Públicos e Desenvolvimento. Uma agenda em aberto.
Dedico ao meu saudoso avô, Massayuki Odahara (in memorian)
Agradecimentos
Ao meu orientador Prof. Dr. Antônio Carlos de Moraes pela paciência com que tolerou
minha insistência em deixar tudo para última hora, violando prazos e, principalmente,
pela liberdade e confiança para a realização deste trabalho.
A todos os funcionários da PUC-SP pela solidariedade que só se aprende com a
práxis, considero-me privilegiada por crescer ao lado da benevolência “pucana” e de
seu método dialético, que se tornaram permanentes em vários aspectos da minha
vida. Agradeço também ao conhecimento compartilhado nas disciplinas cursadas,
pelos alunos, professores do PEPGEP e àqueles dos tempos de graduação, em
especial o Prof. Benedito Z. Maia, que me ajudou no ingresso ao Mestrado, tornando
este sonho possível. Através dessa vivência, fiz grandes amizades: Gilsa, Marina T.,
Vivi e Toni, vocês fizeram todos os momentos valerem muito a pena.
Aos amigos da vida, com os quais eu vivo momentos de alegria e compartilho as
tristezas: Cris, Marina K., Paula G., Ricardo e Alexandre, amo cada um de vocês em
todas as suas complexidades, imperfeições e perfeições! Algumas pessoas marcaram
este processo de realização pessoal: Sérgio Hiroo, Maria Inês, Anderson, Shigue,
Carol Ceccato e Sr. Francisco, muito obrigada pela força e apoio emocional de última
hora! Nando, sem o seu incentivo eu continuaria sendo uma versão inacabada de mim
mesma. Fábio, obrigada por ter me ensinado a ‘respirar’, aprendendo a viver mais no
‘agora’, às vezes, o fim é necessário para que haja um recomeço. E, enfim, “Quinta
Poesia, com Janaína Cordeiro e Renato Bock me aliviaram da aridez da pesquisa.
Aos Professores João M. Borges Neto e Jason Borba, pelas argutas sugestões na
Banca de Qualificação, indispensáveis à consecução deste trabalho, e aos
professores que participaram da Banca Examinadora.
Ao Banco do Brasil, pela viabilização financeira no primeiro semestre de 2010, aos
meus superiores, Régis e Clóvis, pela oportunidade e liberação das férias para sua
realização e à equipe “5”: Rafael Satake, Ricardo, Leopoldo, Luciana, e especialmente
ao estímulo do Marcelo Leandro e à ajuda do Marcelo Fares na reta final do trabalho.
Por fim, aos amigos, familiares e, principalmente aos meus pais, pelo amor, apoio e
reconhecimento incondicionais. Meus agradecimentos sinceros a todos que me
inspiraram de uma forma ou de outra a recriar todo o foco, paciência e coragem tão
necessárias na realização intensa desta dissertação. Afinal de contas, o que importa
mesmo é honrar os nossos destinos, assumindo nossas escolhas.
Resumo
Saka, Daniela; Moraes, Antônio Carlos de. Bancos Públicos e Desenvolvimento Econômico: uma agenda em aberto. São Paulo, 2009. 108 p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Economia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Este trabalho desenvolve o debate sobre o papel do banco público no desenvolvimento econômico dos mercados emergentes, através de uma análise teórico-histórica e revisão bibliográfica. Além disso, busca compreender as recomendações políticas dirigidas aos países emergentes, particularmente se estas são amparadas por fundamentos teóricos sólidos, concluindo que a base teórica recente, nem sempre abarca os aspectos-chave dos bancos públicos num sistema financeiro volátil, parcialmente capaz de alocar crédito de modo mais produtivo, específico ao contexto das nações subdesenvolvidas. Neste sentido, a prática usual do crédito bancário oferece lições importantes aos formuladores de políticas públicas, sendo que qualquer reforma do sistema financeiro deveria se fundamentar, além das considerações sobre “eficiência”, na análise cuidadosa do coeficiente de transferência e redistribuição de recursos, proporcionada por estes agentes. Embora as resultantes sociais observadas historicamente corroborem os resultados previstos analiticamente, no “desenvolver” dos governos e das governanças nos países periféricos, a agenda continua em aberto. Fechar esta agenda depende da superação de uma ideologia de slogans rumo ao pensamento crítico e profundo das propostas alternativas em matéria de política econômica, relativas não somente à funcionalidade como também ao peso de cada ator institucional no conjunto de causalidades que fazem da complexa ligação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, uma relação em processo.
Palavras-chave
Bancos públicos, bancos estatais, crédito, desenvolvimento econômico, sistema financeiro.
Abstract
Saka, Daniela; Moraes, Antônio Carlos de. Public Banks and Development: an open agenda. São Paulo, 2009. 108 p. Dissertation of Master - Departamento de Economia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
This paper explores the debate about the role of public banks in the economic development of emerging markets, through a theoretical and historical analysis and literature review. In addition, it evaluates political recommendations to the emerging countries, and whether those recommendations were supported by solid theoretical foundations. It concludes that recent theoretical basis, not always encompasses the key aspects of public banks in a volatile financial system, partially able to allocate credit the most productive uses, specific to the context of underdeveloped nations. In this sense, the usual practice of bank credit offers important lessons for policymakers, and any reform of financial system should be based, in addition to considerations of "efficiency" in the careful analysis of the transfer coefficient and redistribution of resources, provided by these agents. Even though, the social results observed historically corroborated the analytical findings, the agenda remains open for the “development” of governments and governances in peripheral countries. Closing this agenda is dependent on overcoming an ideology of slogans, and moving towards the establishment of an ideology based on critical thinking and depth of the alternative proposals on economic policy, concerning not only the functionality, but also the weight of each actor in the institutional set of causalities that make the complex linkages between financial development and economic growth, a relationship in progress.
Keywords
Public banks, State-Owned banks, credit, economic development, financial system.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................1
I. O PAPEL DOS BANCOS PÚBLICOS: JUSTIFICATIVAS TEÓRICAS BASES CONCEITUAIS E EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS.............................9
1.1. Imperfeições de mercado e os fundamentos da “visão social”................12
1.2. Aspectos teórico-históricos da “visão desenvolvimentista”......................16
1.2.1. A formação internacional dos modelos bancários ...................................20
1.3. Críticas da “visão política” ao governo benevolente................................24
1.4. A problemática da “visão de agência”…..................................…………..28
II. PERSPECTIVAS E ABORDAGENS TEÓRICAS DAS FORMAS DE INTERVENÇÃO ESTATAL NO SISTEMA FINANCEIRO.......................35
2.1. Shaw-McKinnon e a “Política da Repressão Financeira”........................39
2.2. Novos-keynesianos e o paradigma da “Economia da Informação”...…...43
2.3. Pós-keynesianos: “preferência pela liquidez” e “fragilidade financeira”.
..................................................................................................................48
2.4. Em busca de uma definição do papel dos bancos públicos no sistema financeiro.................................................................................................52
III. CRÉDITO BANCÁRIO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO-FINANCEIRO: UMA RELAÇÃO EM PROCESSO ........... 63
3.1. A importância de Wicksell na obra de Schumpeter..................................68
3.2. Schumpeter e o marco teórico do desenvolvimento .............................. 70
3.2.1. A teoria dos ciclos econômicos de crescimento de Schumpeter e a abordagem neo-schumpeteriana ...................................................................... 71
3.2.2. As conexões entre a inovação e o crédito bancário ............................... 75
3.2.3. O papel dos bancos e o mercado de capitais ........................................ 78
3.3. As condições keynesianas: financiamento, investimento, poupança e funding .................................................................................................... 79
3.4. A importância do crédito bancário no desenvolvimento econômico: derivações para o Brasil..........................................................................85
CONCLUSÃO....................................................................................................95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................99
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Estratégias bancárias para disciplinar o mercado .................... 32
Figura 2 - Forma de atuação no mercado financeiro aceita por Shaw e
McKinnon ................................................................................................. 42
Figura 3 - Banco Público versus Banco Privado ...................................... 59
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Variação de Bancos Públicos ao redor do mundo .................. 61
Gráfico 2 – Evolução das Operações de Crédito BB e CEF (1994-2009)
................... ...............................................................................................90
Gráfico 3 - Evolução das Operações de Crédito BB (1994-2009) ............ 90
Gráfico 4 - Evolução das Operações de Crédito CEF (1994-2009) .......... 91
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Grupos de justificativas para a intervenção estatal no mercado
financeiro ................................................................................................. 57
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Participação dos bancos públicos no total dos ativos bancários.....86
Tabela 2 – Razões e Títulos Contábeis das Operações de Crédito................. 89
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BACEN - Banco Central do Brasil
BB - Banco do Brasil
BC-PE - Banco Comercial Público Estadual
BC-PF - Banco Comercial Público Federal
BD - Banco de Desenvolvimento
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
BNH - Banco Nacional de Habitação
BPL - BPL
CI - Crédito Imobiliário
CMN - Conselho Monetário Nacional
CEF - Caixa Econômica Federal
Cosif - Plano Contábil das Instituições Financeiras
EM/MF - Exposição de Motivos do Ministro de Estado da Fazenda
FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador
FBCF - Formação Bruta de Capital Fixo
F&A - Fusões e Aquisições
FED - Federal Reserve Board
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FMI - Fundo Monetário Internacional
IF - Intermediário ou Instituição Financeira
LFT - Letras Financeiras do Tesouro
ORTN - Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional
NEI - Nova Economia Institucional
PAC - Programa de Aceleração do Crescimento
PAEG - Plano de Ação Econômica do Governo
P&D - Pesquisa e Desenvolvimento
PIB - Produto Interno Bruto
PNB - Produto Nacional Bruto
PROER - Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional
PROES - Programa de Redução da Presença do Setor Público Estadual na Atividade Financeira Bancária
SFN - Sistema Financeiro Nacional
S.A. - Sociedade Anônima
TDP - Teoria dos Direitos de Propriedade
TEP - Teoria da Escolha Pública
Olhe: o que deveria de haver, era de se reunirem-se os sábios, políticos, constituições gradas, fecharem no definitivo a noção – proclamar por uma vez, artes assembléias, que não tem diabo nenhum, não existe, não pode. Valor de lei! Só assim davam tranqüilidade à boa gente. Por que o governo não cuida? Ah, eu sei que não é possível. Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil e tantas misérias... Tanta gente – dá susto se saber – e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons...
Graciliano Ramos, Grande Sertão: Veredas.
INTRODUÇÃO
A formação dos bancos públicos ocorreu na situação de
monopólio do mercado e/ou através da encarnação do papel de
autoridade monetária que emana do poder estatal. De qualquer forma, a
intervenção estatal direta no mercado financeiro através destes agentes
desperta curiosidade, pois implica numa relação de poder e dependência
em relação ao sistema bancário.
No início do século XX, o circuito financeiro pertinente aos
sistemas bancários da Europa Ocidental e da América do Norte era
centralizado, ditado pelas autoridades governamentais. Foi justamente
nesta época que ocorreu a disseminação das organizações financeiras
estatais, junto às rápidas transformações do período entre guerras1 (1914-
1945), que tiveram inúmeras implicações na estrutura econômica e social
destas partes do globo.
Nas regiões de alta renda, o sistema bancário concentrava-se
amplamente na satisfação das necessidades financeiras e de consumo
das famílias, dos pequenos aos grandes negócios. Já nas regiões em de-
senvolvimento, não havia um sistema bancário formal, que atendesse
prontamente as necessidades da sociedade incipiente. Então, aos poucos
foram se criando arranjos tradicionais, direcionados às prioridades de uma
elite bastante reduzida, e, mais tarde, alguns mecanismos próprios, rigo-
rosamente controlados e/ou subsidiados pelo Estado. Sem suprir as fissu-
ras do fluxo de crédito, inicialmente se priorizavam apenas determinados
estratos sociais, setores e regiões econômicas centrais para a atividade
exportadora, gerando entraves e atrasos na modernização destas eco-
nomias.
1 Hermann (2009) e Novaes (2007) citam exemplos de países como o Japão (1919), Bélgica (1919), Finlândia (1928), Hungria (1928) e Itália (1933) que criaram instituições financeiras estatais até mesmo antes do período de reconstrução pós-II Guerra Mundial.
2
Após o final da II Guerra Mundial, um regime de acumulação
fordista2 se sucedeu por pelo menos duas décadas e meia, até
aproximadamente os anos de 1970. A relativa prosperidade advinda dos
parâmetros introduzidos com o novo modo de regulação trouxe consigo
diversas mudanças, dentre as quais nas formas de intermediação
financeira, dado que a sociedade apresentava uma demanda crescente
pela diversificação do consumo.
Com a derrocada do ambiente institucional, propício ao acordo
de Bretton Woods (1944-1971), e, posteriormente, o fim da paridade
dólar-ouro, centrado num regime cambial fixo e ajustável, houve uma
seqüencia de falências no sistema bancário, devido às flutuações das
taxas de câmbio, a crescente desregulamentação das relações
financeiras e, principalmente, com o alastramento do fenômeno da
securitização, que tornaram os sistemas monetários maiores e mais
complexos. Desde então, as opções de crédito das grandes corporações
estão cada vez mais líquidas e diversificadas.
Já nos anos de 1980, as altas taxas de juros instabilizaram o
sistema, gerando bolhas especulativas. Diante disso, as velhas estruturas
bancárias sucumbiram e os ditames do Consenso de Washington, a partir
do final do ano de 1989, propagaram uma série de medidas políticas e
econômicas de cunho neoliberal.
A centralidade desta ideologia desembocou num conjunto de
reformas nos países periféricos, lideradas pelo governo dos EUA e do
FED, acopladas a um movimento internacional em direção à maior
liberalização financeira, a partir da retirada de restrições e do
concomitante movimento de entrada dos bancos estrangeiros, em parte
pela difusão da globalização e das inovações tecnológicas.
2 Arienti (2003) entende que a combinação entre produção e consumo massificados do regime de acumulação fordista voltou-se principalmente para os compromissos salariais e de classe, ampliação das ações estatais, reorientação política, etc. No pós-guerra, a combinação destas estruturas econômicas e sociais reduziu a instabilidade econômica e controlou as tensões sociais nas economias capitalistas avançadas.
3
Em decorrência dos impactos da liberalização, os países cujos
traços econômicos, sociais e institucionais se caracterizavam pela
intervenção estatal direta em todas as instâncias do processo de
intermediação financeira - na oferta de crédito, na alocação da poupança,
no controle dos fluxos de capitais e na delimitação de papéis para as
instituições financeiras - alteraram profundamente a visão do papel do
Estado na economia e a proporção de BPLs no setor bancário foi
abalada, com o desencadeamento da onda de privatizações3 e F&A.
Os resultados em termos de crescimento e desenvolvimento
econômicos foram bastante heterogêneos, variando de país para país,
entretanto, foram determinantes para a consolidação de um sistema
bancário privado internacional [free banking system]. Neste contexto, as
buscas desenfreadas por inovações financeiras dispensaram a atenção
quanto ao modo como as atividades e operações bancárias afetam e, ao
mesmo tempo, são afetadas pelo sistema socioeconômico como um todo,
atribuindo-se ao grau de amplitude bem como ao tempo de
implementação das reformas, as razões do sucesso e do fracasso das
experiências pós-privatização.
A motivação para a realização deste trabalho é, portanto, o
resgate da análise do papel e importância do banco público, de modo a
compreender a discussão em torno de sua influência, estrutura e dos
fatores envolvidos no processo de financiamento do desenvolvimento
econômico. Neste sentido, a propriedade pública existente no setor
bancário pode atuar contra – ciclicamente em duas direções principais: na
manutenção do nível de emprego e no crédito direcionado. Isto acarreta
no aumento de responsabilidade dos BPLs, de fiéis depositários,
facilitadores e, enfim, criadores da emissão dos meios de pagamento,
3 No fim dos anos de 1980 acentuou-se a queda na quantidade de BPLs em diversas regiões do mundo. Nas palavras de Yeyati, Micco & Panizza (2007), nos anos de 1970 o estado detinha 40 por cento dos ativos dos maiores bancos dos países industrializados e 65 por cento nos países em desenvolvimento, “… In the mid-1990s, about one-quarter of the largest banks’ assets in industrial countries and 50 percent of the largest banks’ assets in developing countries were still under state control. (YEYATI, MICCO & PANIZZA, 2007, p. 248).
4
rumo a “eficiência social4”, com o aumento qualitativo dos fundos
intermediados, retenção e prospecção de clientes “desbancarizados”.
No entanto, o debate sobre o cumprimento e a atualidade deste
papel imposto aos BPLs pelos governos de nações específicas produz
controvérsias, principalmente no que se refere ao grau de completude dos
mercados financeiros, à suposta eficiência na alocação dos recursos e à
perda líquida de bem–estar, levando-se em consideração o viés no
financiamento por via dos subsídios, canalizados por estas organizações.
Contudo, é quase consensual que o advento do neoliberalismo
há quarenta anos levou ao agravamento das crises sistêmicas, sob
condições abrangentes de tensão social e fragilidade financeira5, dada a
inexistência de regras ao se criarem novas formas de dinheiro (crédito) e
produtos bancários pelos bancos múltiplos e comerciais privados.
Portanto, na mesma medida em que revisitar o papel do BPL necessita de
aprofundamento teórico, também é factível que se considere as lições
históricas. Através da tendência contrária a um “laissez faire” não
intervencionista, ainda em curso, percebe-se um movimento de retomada
da discussão sobre o Estado desenvolvimentista nos países emergentes.
Deste modo, as exigências advindas do próprio
desenvolvimento financeiro permitem assinalar que a missão traçada para
os BPLs gera uma tensão um pouco mais complexa que o receituário
executado pelos bancos centrais (metas monetárias de inflação e taxas
de câmbio). Além disso, requer-se certa independência na atuação que
não se verifica no banco de desenvolvimento (BD) de alguns países, se
comparado a um BPL múltiplo e comercial, somente para exemplificar
quão enrijecidas são as margens de manobra.
O propósito central deste trabalho é destacar, em primeiro
lugar, a discussão sobre o papel estratégico que desempenha o BPL na
4 Dymski (2007) define “eficiência social” como sendo um benchmark, uma comunidade humana é socialmente eficiente à medida que seus membros são capazes de fazer uso completo de suas capacidades, esforços e ativos, facilitando o alcance de novas capacidades por parte das famílias de baixa renda, aumentando sua base de recursos. 5 Esta ideia é o núcleo central das proposições de Hyman Minsky sobre as crises financeiras.
5
mediação entre a incessante inovação dos fatores financeiros,
desencadeados pela agressiva busca por novas oportunidades de lucro
pelos grandes bancos múltiplos e comerciais privados, de modo a
apreender o embate sobre a atuação direta do Estado na intermediação
financeira. Em segundo lugar, busca-se tecer considerações a respeito
dos desafios impostos pelas exigências de novas atribuições e estratégias
de operação ao BPL no processo de desenvolvimento, um tanto distintas
das razões que outrora impulsionaram sua atuação.
Como se sabe, há outras formações históricas mais recentes,
concorrentes e/ou complementares do BPL no que tange ao
financiamento da economia, entretanto, a despeito da sofisticação do
mercado de capitais, a relevância do setor bancário como um todo e do
BPL em especial continua sobresselente nas economias em
desenvolvimento. Logo, este trabalho busca analisar a classe institucional
do BPL sob outro ângulo, nos seus possíveis vínculos com o crédito, o
Estado e o sistema financeiro, à luz das peculiaridades e obstáculos que
configuram o estágio de desenvolvimento atual. Uma definição simples de
banco público, doravante BPL, é que este se refere ao intermediário ou
instituição financeira (IF) na qual se originam operações de crédito, sob
o controle estatal. Para Hermann (2009), por exemplo, uma definição
possível é que BPLs são instituições pragmáticas e idiossincráticas,
voltadas para o crescimento ou para o desenvolvimento.
Conforme a abordagem microeconômica considera-se que os
intermediários financeiros, em geral, são monitores delegados que
atuam em benefício dos poupadores, onde o custo de obtenção e/ou
processamento de informações é reduzido devido à economia de escala,
e, tratando-se de uma aplicação do modelo agente/principal, a
possibilidade de saques por parte dos depositantes (principal) pode
funcionar como mecanismo de incentivo para que os IF (agentes)
desempenhem de forma eficaz sua função (DIAMOND, 1984).
Nota-se que, no plano macroeconômico, os bancos não são
apenas meros intermediários, são criadores de crédito e liquidez na
6
economia ao concederem empréstimos, exercendo um importante papel
em economias empresariais, pois há transformações sociais significativas
amparadas pelas atividades desempenhadas por estas organizações
financeiras controladas pelo estado, que vão desde BPLs comerciais
típicos (BC-PE e BC-PF) até bancos de desenvolvimento. Também
existem os bancos comerciais estatais e federais híbridos, que, por ser
um conceito autônomo, são produtos da cooperação coletiva em torno de
um objetivo compartilhado, devido ao balanceamento da oscilação entre a
execução financeira do governo e daqueles interesses prioritários, que
afetam diretamente os stakeholders6, shareholders, trabalhadores e
sociedade.
A hipótese que tratamos no transcorrer deste trabalho é que a
criação destas instituições foi encorajada pela inter-relação dos seguintes
aspectos: a) evolução da teoria monetária e do sistema financeiro; b)
alterações na percepção acerca da intervenção do Estado na economia;
c) quebra de paradigmas no padrão concorrencial entre as firmas por
alterações na escala, estrutura e organização da indústria; d) mudanças
nas tendências de crescimento populacional e urbano; e, por fim, e)
aumento significativo no grau de incerteza das políticas que afetam as
decisões em níveis macro e microeconômico. Deste modo, a estrutura
desta dissertação compreende quatro capítulos. Na consecução de cada
capítulo buscou-se obedecer à seguinte composição: introdução, análise,
e, por fim, críticas em relação aos aspectos mais relevantes para a
construção do objeto deste estudo.
O primeiro capítulo consiste em demarcar as “visões” acerca do
debate que justifica a importância do BPL em cenários diversos,
especialmente nos países em desenvolvimento. Há quatro visões acerca
da temática em questão: social, desenvolvimentista, política e agência.
Observa-se que esta divisão nem sempre é coincidente entre os
estudiosos que a utilizam (MICCO & PANIZZA, 2005; GLAESER ET AL.,
6 O termo “stakeholder” é originário dos EUA, englobam os clientes, shareholders, empregados (colaboradores) e comunidades onde operam as S.As. Observa-se que a globalização mudou as expectativas formadas pelos grupos de “stakeholders”, legitimando uns grupos em detrimento de outros.
7
2004; LA PORTA et al. 1999; etc.), existindo autores que definem a visão
desenvolvimentista como uma variante sutil da visão social. No nosso
modo de entender não se trata do mesmo olhar, em virtude destas visões
se utilizarem de balizas teóricas bem diferenciadas. Embora se atribua um
conteúdo marcadamente ideológico a cada visão, por detrás destas
visões há teorias positivas e normativas que se propuseram a abordar os
fatores determinantes da intervenção estatal no processo de
intermediação financeira, de forma a reforçar a discussão entre os que
defendem e aqueles que refutam os argumentos favoráveis a este tipo de
dominação.
Portanto, após as breves explanações do primeiro capítulo,
buscar-se-á no segundo capítulo explicitar os enfoques teóricos que se
concentraram no caráter dual do banco público, como conglomerado e
instrumento legítimo do Estado, transmissor de propostas políticas
financeiras do governo. Estas teorias percorrem linhas claras, que se
interceptam vez ou outra e formam novas categorias de análise, em face
do próprio avanço do sistema financeiro. Contudo, para a finalidade que
se propõe nosso estudo, ao invés de nos prendermos na dicotomia entre
a ortodoxia neoclássica e as demais perspectivas, pretende-se concentrar
esforços no referencial teórico monetário da produção.
Conforme o entendimento keynesiano7, as teorias monetárias
da produção consideram que o dinheiro desempenha um papel próprio na
economia, como unidade de troca e reserva de valor, afetando motivos e
decisões; de modo que a previsão do curso da moeda depende da
análise comportamental da “preferência pela liquidez”, determinante do
sub-investimento e do desemprego de fatores. Portanto, deve-se analisar
o comportamento econômico a partir das tomadas de decisões dos
7 Segundo Davidson (1994), Keynes e posteriormente os pós-keynesianos tiveram que abandonar três axiomas da teoria neoclássica para conceber um sistema que enfatiza a não neutralidade da moeda: o axioma da substitubilidade bruta, que afirma que todos os bens e serviços são substitutos entre si, o axioma dos “reais”, segundo o qual os objetivos de agentes racionais não incluem variáveis nominais e o axioma da ergodicidade, que assume a estacionariedade nos processos econômicos. O modelo proposto por Keynes (1936) considera em substituição a tais axiomas, elementos como: i) não neutralidade da moeda; ii) não ergodicidade do sistema econômico e iii) existência de contratos futuros denominados em moeda.
8
agentes, para então conhecer o modo de funcionamento das economias
empresariais8 diante da incerteza.
O terceiro e último capítulo pretende proceder a um panorama
do marco teórico do crédito no desenvolvimento econômico, diferenciando
desenvolvimento financeiro, mensurado pelo volume e diversificação dos
negócios privados, de crescimento da produção, relativo às partes
constitutivas do PNB; e, finalmente, de desenvolvimento econômico, como
um movimento histórico-estrutural de ascensão do sistema social
coetâneo. Sendo assim, este capítulo realiza uma revisão bibliográfica
dos principais autores sobre a temática do papel do crédito no
desenvolvimento, para daí então introduzir questionamentos referentes às
mudanças nas economias periféricas. Em especial, buscar-se-á analisar
brevemente alguns aspectos da experiência brasileira, através do
confronto entre as vertentes teóricas analisadas ao longo do texto com os
reflexos sociais e econômicos neste país.
Nas considerações finais, reflete-se sobre a necessidade de
outro espelho, que considere o rearranjo entre Estado e mercado. Sendo
assim, vislumbram-se alternativas ao modelo vigente sugerindo pesquisas
que permitam enveredar por outros caminhos, de modo a aprofundar ou
complementar o presente trabalho. É importante frisar, ainda, que este
trabalho volta-se às questões relacionadas às políticas nacionais, não
abrangendo políticas de cooperação multilaterais. Também se faz
necessário observar que o esforço na realização desta dissertação não se
baseia na demonstração da validade empírica das análises convergentes
e divergentes referentes ao papel do BPL, almejando-se apenas
esclarecer as ideias que de uma forma ou outra agregaram conhecimento
ao fenômeno dado pela caracterização do Estado no sistema bancário,
através das instituições financeiras públicas ou predominantemente
estatais.
8 As características básicas destas economias são: a propriedade privada dos meios de produção e a natureza monetária das transações econômicas.
I. O PAPEL DOS BANCOS PÚBLICOS: JUSTIFICATIVAS TEÓRICAS, EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS E BASES CONCEITUAIS
O primeiro banco estatal voltado especificamente para o
financiamento da indústria surgiu na Holanda [Netherlands] em 1822,
chamado “Société Général pour Favoriser de L’Industrie National”.
Embora se saiba que a origem da atividade bancária seja relativamente
antiga, as teorias da intermediação financeira9 são bem recentes, e não
existe uma delimitação teórica específica, referente aos BPLs ou estatais.
Após este preâmbulo inicial, pretende-se explorar a relevância
da participação destes agentes em cenários diversos, que continua
instigando estudiosos das mais diversas correntes teóricas. Como vimos
na introdução a este trabalho, há quatro visões diferenciadas a respeito
desta questão: social, desenvolvimentista, política e agência. Apesar das
peculiaridades de cada olhar, há um denominador comum, relativo à
classificação do mercado em que surgiram os BPLs, “... ‘mercados
financeiros’ incompletos, isto é, caracterizados pela inexistência ou grave
insuficiência de determinados segmentos de operação.” (HERMANN,
2009, p. 2).
Gurley & Shaw10 (1955) foram os primeiros estudiosos a
fornecerem um substrato sólido para a criação de uma teoria dos
mercados incompletos, demonstrando que as IFs apresentam menores
custos na administração de recursos, justamente por obterem ganhos de
9 Para um estudo da moderna teoria da intermediação financeira vide Freixas e Rochet (1999),Goldsmith (1969), Levine (1997) e Mishkin (2003), entre outros. 10 Estes autores foram responsáveis por retomar a análise dos vínculos entre a estrutura financeira e as variáveis reais da economia do modelo keynesiano. Dentre as três opções de financiamento pelas empresas, o autofinanciamento ocorre quando o próprio agente financia seus déficits (reservas de caixa ou lucros retidos); o financiamento direto é a situação na qual os agentes deficitários emitem títulos primários, negociando-os diretamente no mercado; e o financiamento indireto é aquele em que os IFs adquirem os títulos dos agentes deficitários e criam instrumentos da dívida para comercialização.
10
escala. Ao diminuir o custo, estimula-se o desenvolvimento financeiro11
devido ao alto nível de especialização adquirido através da
institucionalização dos mecanismos de poupança, do aumento do
investimento agregado e da disponibilidade de fundos emprestáveis. Por
conseguinte, obtém-se um maior alcance de mercado, pelas melhorias na
eficiência alocativa. É importante acrescentar que a investigação original
de Gurley e Shaw teve mérito em superar a visão convencional acerca
dos intermediários financeiros,
Os bancos não são, portanto, um mero entreposto entre tomadores e depositantes. Eles compatibilizam as necessidades (de financiamento) dos investidores com os desejos (de poupança) dos poupadores, transformando ativos ilíquidos e de mais longa maturidade (empréstimos) em ativos líquidos e de curta maturidade (depósitos); por isso, são conhecidos como transformadores de maturidades. (MODENESI, 2007, p. 65).
Portanto, o que se discute nesta dissertação é até que ponto os
BPLs podem contribuir para tornar os sistemas financeiros ainda mais
funcionais ao processo de desenvolvimento econômico. Na opinião de
Studart (1995), um sistema financeiro funcional é aquele capaz de integrar
as dimensões macro e microeconômicas de eficiência, expandindo o
provimento de recursos financeiros na economia de modo flexível, ou
seja, minimizando os riscos da fragilidade financeira e, ao mesmo tempo,
reduzindo custos de financiamento. Sendo assim, um BPL apto a
contribuir para o funcionamento do sistema financeiro é aquele que
identifica as necessidades e limitações do processo de intermediação
financeira, de acordo com os respectivos governos e períodos históricos.
Por este motivo, se propõe um resgate das concepções por
trás da formação dos BPLs, para compreender as linhas de raciocínio
referentes à evolução do papel e de suas respectivas (des)
11 Posteriormente, o teorema de Modigliani & Miller (1958) demonstrou a irrelevância do padrão de financiamento no crescimento econômico, devido à passividade da variável “financiamento”. Conforme este teorema os agentes deficitários não encontram restrições e a oferta de fundos é inelástica. Entretanto, a condicionante de não substituição entre os passivos bancários invalidou estas proposições de Modigliani e Miller, reafirmando as condições teóricas para a existência da transmissão da política monetária através do canal de empréstimos bancários.
11
funcionalidades. Vale salientar que a solução de precariedades, a fim de
amenizar as imperfeições e incompletudes dos mercados, constitui um
problema constante, intrínseco aos períodos cíclicos do sistema
capitalista e mais permeáveis nos países em desenvolvimento.
Neste sentido, a concepção denominada “visão social” refere-
se ao BPL como um dos instrumentos utilizados pelo Estado na
compensação das falhas12 de mercado, principalmente em relação à
inexistência de informação perfeita acerca das inúmeras oportunidades de
investimento, ao baixo nível de FBCF e à incapacidade do sistema
financeiro em mobilizar recursos e fornecer acesso ao crédito para
financiamento de projetos arriscados e regiões geográficas de baixa
renda.
A “visão desenvolvimentista” apoia-se de forma mais
contundente na intervenção governamental no setor bancário,
considerando que esta é benéfica ao desenvolvimento das economias
atrasadas. Esta concepção descende dos estudos seminais de
Gerschenkron (1962) sobre as naturezas dos vínculos entre bancos,
indústria, governos e capacidades empresariais na questão do
financiamento ao desenvolvimento, tendo implicações decisivas sobre o
processo de reestruturação e transformação industrial. Gerschenkron
havia observado que as economias europeias apresentavam alto nível de
exigências financeiras advindas do processo de industrialização e, mais
tarde, uma tendência à queda na medida em que o fenômeno se
intensificava e os mercados tornavam-se menos incompletos. Portanto,
credita-se a formação dos BPLs às características peculiares dos países
em desenvolvimento, em princípio, à escassez de recursos financeiros, ou
seja, a falta de poupança e crédito de longo prazo a taxas reduzidas.
Inversamente às duas visões anteriores, a “visão política” tem
implícita a carga ideológica neoliberal, cujo olhar cínico em relação aos
12 Para Hermann (2009), as falhas de mercado são condições impeditivas (transitórias ou permanentes), nas quais os preços e volumes negociados não são ajustáveis em tempo real, de modo que não refletem o conjunto de informações necessárias à avaliação dos benefícios, custos e riscos de cada ativo.
12
governos e governantes, reduz os BPLs a um campo fértil de proliferação
das práticas fraudulentas, endêmicas nos países pobres devido às
instituições pouco desenvolvidas na defesa dos direitos de propriedade.
Dado que os governantes prezam por angariar sua permanência no
poder político, deduz-se que o BPL direciona o crédito subsidiado de
forma a praticar um negócio paralelo, em troca de votos. De forma
sucinta, os críticos dos BPLs ressaltam que se retira do mercado parcelas
importantes do crédito, provocando distorções na distribuição de recursos
e desigualdades sociais.
No meio termo, se encontra a “visão de agência”, que destaca
o distanciamento entre a utópica busca na resolução das falhas do
mercado financeiro e o cumprimento de tais aspirações, dado que, em
face de uma burocracia governamental que muitas vezes opõe-se ao bom
desempenho das organizações financeiras estatais, incorrem altos custos.
Desta forma, a trajetória e o padrão de desenvolvimento díspar
entre as nações, o viés político dos governos e as justificativas
econômicas, formam questões complexas, as quais se buscarão introduzir
no debate exposto neste capítulo. Uma análise mais acurada sobre o
papel do BPL requer não somente entender o debate sobre sua
relevância, condicionante fundamental para diagnosticar e propor a
fórmulas políticas alternativas no desenvolver dos países retardatários,
como também parte da reflexão acerca da dinâmica inserida no processo
de intermediação financeira, que compete acirradamente pelas fatias do
mercado. Logo, esperamos com este capítulo contribuir para uma melhor
compreensão das lacunas impostas pela complexidade da temática em
questão.
1.1. Imperfeições de mercado e os fundamentos da “visão social”
A visão social é assim denominada pela busca de bem estar
social atribuída a estes agentes (BPLs), sendo que esta ideia é oriunda
das imperfeições intrínsecas aos mercados financeiros, que submetem
13
uma economia empresarial a risco de falência. No que concerne a este
trabalho, salienta-se que a concepção “social” justifica a criação dos BPLs
pela derivação de uma falha “incontornável” do mercado financeiro, a
informação assimétrica. Para Hermann (2009), não existem meios de
suprimir esta falha até níveis considerados desprezíveis, então, a única
saída consiste na transferência dos custos decorrentes da assimetria da
informação às instituições financeiras, implicando na seguinte hipótese:
...a informação assimétrica impede o banco de distinguir os tomadores em termos do real valor esperado de seus projetos. Como resultado, todos os projetos passam a ter o mesmo valor esperado sob o ponto de vista do banqueiro. (MODENESI, 2007, p. 45).
Com o advento da economia da informação, a partir do artigo
de Stiglitz & Weiss (1981), intitulado Credit Rationing in Markets with
Imperfect Information, os problemas causados pela distribuição
assimétrica da informação entre os agentes volta-se exclusivamente para
as ineficiências do mercado financeiro, demonstradas através de um
teorema associado à concessão e ao “racionamento de crédito” da firma
bancária. Conforme Sobreira (2007), isto significa que o comportamento
otimizador das instituições financeiras, em geral, ocasiona menor
probabilidade de sucesso de um dado projeto de investimento na medida
em que a taxa de juros cobrada nas operações de crédito se eleva,
afetando a natureza da transação.
Retomaremos e aprofundaremos os efeitos do “racionamento
de crédito” na seção 2.2 deste trabalho. Por enquanto, é importante
destacar que o modelo de Stiglitz & Weiss (1981) lida com os
fundamentos microeconômicos dos fatores financeiros para daí então
demonstrar que a assimetria da informação gera um desequilíbrio
competitivo no processo de intermediação financeira, deixando de garantir
a alocação ótima de recursos.
Neste sentido, Stiglitz (1998) também observa que o principal
fator explicativo para que algum grau de intervenção estatal direta ou
indireta se estabeleça no mercado financeiro é justificado pelo fato de os
14
custos para supervisionar e regular o cumprimento dos contratos
financeiros e obter informações serem mais baixos ao utilizar-se do poder
coercitivo do Estado13, capaz de restringir as decisões econômicas dos
agentes e elevar o bem estar social. Sob esta ótica, o fio condutor da
análise de Stiglitz reside na alocação eficiente14 dos recursos,
proporcionada pelos instrumentos de fomento (BPLs), desde que os
retornos sociais possam exceder os retornos privados.
Os críticos da visão social não concordam com o tratamento
especial conferido ao setor bancário no que tange ao efeito destas falhas
no mercado, argumentando que esta visão retarda a expansão do
financiamento via mercado de capitais. Stiglitz (1998) refuta esta crítica,
argumentando que mesmo em mercados avançados e altamente
regulamentados, as firmas consideram que o mercado de capitais é uma
opção de financiamento secundária,
The central role of information imperfections is to restrict a firm's ability to raise equity funds in external capital markets. The empirical evidence suggests that firms simply do not resort to equity markets for raising working capital; overall, new equity issues represent a small fraction of capital raised by firms. (STIGLITZ, 1994, p. 78).
Todavia, Stiglitz (1998) se posiciona de maneira neutra em
relação à presença do BPL, dando preferência a restrições mais
moderadas, logo, aponta para outras questões valiosas:
…Although limitations on markets are greater in developing countries, so too, many would argue, are limitations on govern-ment. […] The extent to which the success of the rapidly grow-ing economies of East Asia is attributable to extensive govern-ment intervention in financial markets […]. What is clear is that a simple ideological commitment to liberalization of financial markets cannot be derived either from economic theory or from
13 O conceito mais difundido de Estado pertence a Weber (2004), que analisou a deten-ção do monopólio da coação física legítima por parte do governo e dos governantes. A análise destas formas de dominação levou Weber a explorar o conceito de "sistematiza-ção flexível" da articulação entre Estado, burocracia e capitalismo. 14 Segundo Possas, Pondé & Fagundes (1997), na economia há quatro conceitos de eficiência: produtiva, distributiva, alocativa e seletiva. A eficiência alocativa tornou-se sinônimo de eficiência econômica desde o primeiro teorema do bem estar mostrando que um estado social atinge o ótimo de Pareto se, e somente se, for impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de outra (VISCUSI, VERNON & HARRINGTON, 2000).
15
an examination of a broad base of experience… (STIGLITZ, 1994, p. 22).
Em recente estudo, Novaes (2007) defende a ideia de que a a-
tribuição de objetivos sociais ao BPL não é por si só suficiente para justifi-
car a propriedade pública no mercado financeiro, já que se pode optar pe-
la simples celebração contratual com o segmento privado. Para Novaes
(2007), os conceitos pertinentes à moderna teoria dos contratos incomple-
tos15 são aplicáveis mediante o entendimento de como isto irá afetar futu-
ramente os incentivos para se oferecer um determinado serviço financeiro
com qualidade, diante dos custos de ofertá-los. Sendo assim,
...quando se admite a possibilidade de os contratos serem incompletos16. Nesse caso, o governo não consegue antecipar, regular ou estipular exatamente o que deseja. Um dos fatores que tornam os contratos incompletos é a dificuldade de medir a qualidade do serviço oferecido. É difícil para o governo, por exemplo, observar a qualidade do ensino ou o tempo de espera para ser atendido em um banco. (NOVAES, 2007, p. 42).
Em suma, o cerne da visão social se concentra na resolução
das falhas do mercado financeiro, dando margem às críticas que
trataremos no tópico 1.3 desta pesquisa, que versa sobre a prevalência
de ineficiências em governos centralizados, típicas de países em
desenvolvimento. Entretanto, para os adeptos da “visão social” na figura
do BPL ou na combinação entre este e/ou outras formas intervencionistas
incide uma função socialmente reconhecida, dado que, ao fortalecerem os
alicerces estruturais para financiamento do crescimento econômico,
também proporcionam benefícios significativos na operacionalização e
fornecimento dos empréstimos aos investimentos produtivos (projetos de
15 Para uma análise detalhada sobre esta teoria, que surgiu nos anos de 1990, vide Hart, Shleifer & Vishny (1996). 16 A ideia geral de incompletude contratual é motivada por duas suposições, a primeira é a ausência de barreiras racionais e a segunda são os custos de transação. Isto pressu-põe que em um mundo ideal, as partes especificam no contrato o contingente necessário para cada situação, se assim fosse, os custos de contrato seriam proibitivamente caros. Então, decide-se pelo contrato incompleto, ao passo que ocorrem renegociações pos-teriores. Para Hart (1995), há uma tensão entre estas “suposições-padrão”, referentes aos custos de transação ex-ante, por isso há contratos inteligentes, com troca constante de informações. Conclui-se que a teoria dos “contratos incompletos” não é mais convin-cente, criando-se então um modelo de graus de incompletude parcial, que depende da capacidade das partes para descrever e, assim, antecipar a natureza do comércio.
16
infraestrutura, por exemplo), já que o retorno esperado deverá ser
superior aos custos associados em cada instância da intervenção estatal.
1.2. Aspectos teórico-históricos da visão desenvolvimentista
No início dos anos de 1950 surgiram as primeiras teorias do
desenvolvimento econômico, com destaque para W. A. Lewis, A.
Gerschenkron17, G. Myrdal, A. O. Hirschman e R. Prebisch18, este último
representante do pensamento cepalino latino-americano. Todos esses
proeminentes economistas se preocuparam em estudar as características
sui generis dos países subdesenvolvidos, atribuindo um papel
fundamental ao governo no processo de desenvolvimento econômico.
Através destas teorias, foi possível identificar as características básicas
dos países periféricos: a) alta concentração de renda; b) oferta ilimitada
de mão-de-obra ou desemprego disfarçado19 e c) escassez de capital e
recursos financeiros precários.
Para o foco deste trabalho, o tópico “(c)” é certamente um traço
importante, atribuído geralmente à formação dos BPLs. Conforme o
preâmbulo a este capítulo, esta visão destaca o caráter resiliente na
provisão de financiamento pertencente às instituições financeiras estatais
em fases e estágios cruciais, podendo afetar e estabilizar o crescimento
do produto e do emprego nos países coetâneos, principalmente naqueles
que ainda são dependentes de tecnologia/capital externo ou estão em
desenvolvimento.
17 Vale mencionar que as ideias de Gerschenkron também influenciaram as recomendações do Banco Mundial aos países em desenvolvimento nos anos de 1970, no que tange a organização institucional e ao incentivo na adoção de bancos universais do sistema financeiro (FRY, 1988, p. 242-3). 18 A industrialização tardia inspirou a tese de Raúl Prebisch (1949) sobre a apropriação desigual do progresso técnico mediante o conceito de “deterioração dos termos de troca”, mecanismo resultante da existência de monopólios em uns mercados e concor-rência perfeita em outros. 19 Para Lewis (1969), há oferta ilimitada de trabalho nos países onde a população é tão numerosa em relação ao capital e recursos naturais que não seria necessária uma produtividade nula ou ínfima para que se identificassem mais um caso de desemprego disfarçado. Bastaria que a oferta de trabalho excedesse a demanda ao nível do salário vigente.
17
No entanto, a percepção sobre quais seriam os melhores
instrumentos governamentais para gerar o incremento produtivo, variam
de autor para autor. De um lado, Lewis (1969) não descarta a
possibilidade de financiamento através da inflação e posterior elevação
dos impostos, com as devidas ressalvas. De acordo com o autor, a
condição que precede a formação de capital deve se valer do aumento do
investimento produtivo. No excerto a seguir denota-se claramente qual é a
importância do governo:
The domestic element consists of the maintenance of home demand in the face of stagnant world trade in primary products, so that the economy can continue to go forward instead of collapsing. Much of the responsibility for maintaining momentum then falls on the government, given its large share of the cash economy, and also the extent to which it regulates or supports the private sector. It has to carry the responsibility for a large investment program (private and public) in human and physical capital. (LEWIS, 1980, p. 563).
Por outro lado, Gerschenkron (1962) argumenta que mediante
a variabilidade dos resultados observados e das peculiaridades das
diversas experiências, o fator de maior peso recai, sobretudo, na
expectativa de ultrapassar a barreira de retenção da riqueza, sob a forma
de poupança. Em outras palavras, como ferramenta de governo o BPL é
um dos principais determinantes do estímulo à criação de ativos
monetários domésticos, sem incorrer na aceleração dos ganhos
inflacionários. No entanto, Gerschenkron (1962) ressalta que os países
subdesenvolvidos apresentam sistemas financeiros precários:
By contrast, in a relatively backward country capital is scarce and diffused, the distrust of industrial activities is considerable, and, finally, there is greater pressure for bigness because of the scope of the industrialization movement, the larger average size of plant, and the concentration of industrialization processes on branches of relatively high ratios of capital to output. To these should be added the scarcity of entrepreneurial talent in the backward country. (GERSCHENKRON, 1962, p. 14).
Seria de se supor, portanto, que a industrialização pioneira na
Inglaterra provocasse a profusão de BPLs, entretanto, o estudo
demonstrava que, contrariamente, foram as empresas privadas individuais
18
que impulsionaram os lucros e a poupança, congruentes com a fase
embrionária do capitalismo efervescente da época. Sendo assim, de
acordo com os resultados e evidências extraídas com a realização da
pesquisa (GERSCHENKRON, 1962) e na hipótese de haver carência de
capital, a análise histórico-institucional dos países em ascensão da época,
como se observou nos casos da Rússia e Alemanha, a formação do BPL
é benigna ao desenvolvimento econômico. Entretanto, quando há
mudanças constantes nas regras econômicas e os recursos das
empresas são abundantes, como no período de grandes transformações
vivenciado pela Inglaterra nas décadas de 1920 a 1940, os BPLs nem
sempre se figuraram atores principais neste processo.
Depois destes estudos de casos na Europa, verificou-se que a
expansão industrial dos latecomers não poderia prescindir de uma
interferência direta do BPL, sem o qual as empresas destas economias
não seriam capazes de enfrentar as pressões competitivas das
economias já industrializadas, portanto, o BPL tinha um papel duplamente
importante, tanto no provimento de capital como no estímulo à
capacidade empresarial. Ressalta-se ainda, que esta dupla importância foi
crucial para o aumento dos níveis de poupança20, problema típico dos
países que adentraram tardiamente no processo histórico de
industrialização.
Na obra “Estratégia e Desenvolvimento Econômico”,
Hirschman21 (1961) demonstrou originalidade quanto aos conceitos e
estratégias indutores do desenvolvimento, notoriamente conhecidos pela
20 Lewis (1969) identifica três pontos da razão dos países subdesenvolvidos pouparem pouco: a) a magnitude do setor capitalista nestes países é pequena se comparado aos países desenvolvidos; b) a desigualdade de renda provém da assimetria de interesses em prol dos rendimentos da terra em detrimento dos lucros capitalistas; c) a inexistência da classe capitalista, cujos determinantes são difíceis de averiguar. 21 As críticas às teorias do desenvolvimento se dirigem, sobretudo, à hipótese da reciprocidade das vantagens sendo que Raúl Prebisch foi um dos únicos economistas a refutar esta ideia. Segundo Hirschman (1986) há dois postulados fundamentais da teoria do desenvolvimento: a recusa do princípio monoeconomista e a afirmação do princípio da reciprocidade das vantagens. O primeiro indica que há diferenças na metodologia de análise dos países subdesenvolvidos. O segundo postulado significa que é possível articular as relações entre os dois grupos de países (subdesenvolvidos e desenvolvidos) na rede de trocas internacionais. De acordo com esta ideia, Lewis (1969) argumenta em favor da “exportação de capitais” para países com mão-de-obra em abundância.
19
seqüencia de investimentos, os “encadeamentos para frente” –
mecanismos de pressão da demanda por atividades e insumos primários -
e, “para trás”, ou seja, - demandantes de indústrias de toques (produtos)
finais do processo produtivo [forward linkages] -, que explicam o
crescimento desequilibrado. Hirschman (1961) conclui que nos países em
desenvolvimento deve-se priorizar uma combinação entre os
encadeamentos “para trás”, pois estes propiciam mais encadeamentos, e,
“para frente”, ligados às atividades-chave, a exemplo da infraestrutura, ou
produtos-chave (ferro e aço), pois o impacto social disso certamente seria
superior à média do conjunto de setores da economia, afetando a
produtividade positivamente ao criar interdependência e impulsionar o
crescimento econômico.
Portanto, este conjunto de países pouco explora o conceito de
“escassez disfarçada”, ou seja, mais importante que a constatação da
ausência dos fatores de produção é o modo como se lida com a
subutilização dos fatores de produção. Conforme o autor,
Quando o pensamento se orienta para a ação, não brilha frequentemente pela coerência. A economia do desenvolvimento não escapa a essa regra [...] é verdade que o sucesso do Plano Marshall induziu a erro os economistas, fazendo-os crer que uma boa transfusão de capital, reforçada por uma boa programação dos investimentos, poderia fabricar o crescimento e bem-estar de uma ponta a outra de nosso planeta. (HIRSCHMAN, 1986, p. 65-6).
Para Hirschman (1961), somente quando os desafios se
transformarem em incentivos será possível superar o estado estacionário,
baseando-se na conciliação entre os interesses individuais e sociais.
Neste sentido, Hirschman (1961) entende que a expectativa exagerada
em torno da obtenção de vultosos recursos externos e o excesso de
“preferência pela liquidez”, ou seja, de opções conservadoras de
investimento, expressam o principal obstáculo na superação do
subdesenvolvimento, devido à incapacidade de tomar decisões. Logo, isto
requer a descoberta dos mecanismos de indução pelos quais há
capacitação do capital humano no processo decisório.
20
Conclui-se que a diferença entre a visão social e a
desenvolvimentista reside no fato da primeira centrar-se na assimetria de
informação, oriunda das falhas de mercado, enquanto a visão
desenvolvimentista se concentra na assimetria entre nações, que
englobam o sistema social como um todo. Uma vez realizada esta
análise, pretende-se tecer considerações sobre a fase originária dos
sistemas bancários modernos na próxima seção. Observa-se que houve
uma sinergia de interesses entre o desenvolvimento político e econômico,
em ascensão nas regiões européias, proporcionando o crescimento e
desenvolvimento econômico nestas regiões. Sendo assim, busca-se
compreender de que modo as organizações financeiras estatais
interagiram nestas estruturas, à luz de dois modelos distintos, o modelo
inglês versus o nipo-germânico.
1.2.1. A formação internacional dos modelos bancários
Para iniciar a discussão deste tópico, expõe-se que o
alargamento dos bancos estatais do começo do século XIX ocorreu,
basicamente, para dar suporte à expansão dos mercados, em face da
Revolução Industrial (1795-1834) e do estabelecimento de uma economia
de mercado22. Desde então, cumpre verificar que a difusão da expertise
adquirida pelas instituições financeiras públicas na provisão de
financiamento de longo prazo ocorreu em grande parte da Europa
Continental. Ademais, este modelo não ficou circunscrito à Europa,
também foi adotado na Ásia, especificamente no Japão, e,
posteriormente, na Índia.
Sendo assim, não é a toa que o aparato institucional de alguns
países - Alemanha, Japão, França, Índia - se tornou mais forte na
presença de grandes BPLs, devido à própria natureza destes agentes,
22 Este sistema de mercado efervescente se baseou no tripé “comércio internacional livre, mercado de trabalho competitivo e padrão-ouro”, característica do poder hegemônico britânico que atingiu seu ápice nas três últimas décadas do século XIX. A acumulação de capital típica desta economia levou ao protecionismo comercial, que por sua vez estimulou o crescimento da S.A., uma vez que se buscava o monopólio dos mercados.
21
como formuladores e executores de políticas de crédito, dado que o
financiamento à indústria afetou positivamente o nível de investimento
nestes países, através das externalidades23. Aghion (1999) assinala que:
However, it was in France24 that some of the most significant
developments in long-term state-sponsored finance occurred. In this respect, the creation in 1848–1852 of institutions such as the Crédit Foncier, the Comptoir d’Escompte, and the Crédit Mobilier, was particularly important. The involvement of the Crédit Mobilier in Continental European railway investment demonstrates how these institutions contribute both to industrial and to financial development. In the case of the latter, the Crédit Mobilier acquired substantial expertise in long-term finance as a result of railway investments. (AGHION, 1999, p. 85-6; grifo nosso).
Se por um lado houve uma expansão dos empréstimos e
financiamentos de médio e longo prazo naqueles países, por outro lado, o
modelo inglês apresentava um perfil totalmente diferente. É interessante
notar que neste país o desenvolvimento econômico não se deu por via do
crédito bancário voltado ao financiamento de longo prazo. Em linhas
gerais, a evolução das firmas capitalistas durante a industrialização foi
notável, refletindo no autofinanciamento e na expansão incessante das
forças produtivas. Segundo Gerschenkron (1962),
The industrialization of England had proceeded without any substantial utilization of banking for long-term investment purposes. The more gradual character of the industrialization process and the more considerable accumulation of capital, first from earnings in trade and modernized agriculture and later from industry itself, obviated the pressure for developing any special institutional devices for provision of long-term capital to industry. (GERSCHENKRON, 1962, p. 14).
A título de curiosidade, ocorre que na Inglaterra até mesmo o
banker´S bank, criado em 1694, foi formado através da junção de capitais
individuais (particulares), sendo que seus diretores eram escolhidos em
Assembléia pelos shareholders, “At the same time, the Bank throughout
23 Uma definição adequada para o conceito externalidade, seria que esta se constitui de “... um efeito externo de uma decisão econômica, que beneficia ou prejudica uma pessoa que não era partidária da decisão.” (STIGLER, 1975, p. 104). 24 De acordo com Aghion (1999), o Crédito Nacional da França, estabelecido em 1919, foi crucial como BD industrial no período inter e pós-guerras. Atualmente, o seu papel vem decrescendo em importância, devido aos novos intermediários privados que emergi-ram nas quatro últimas décadas.
22
its long history has had close associations with the state. (MACKENZIE,
1947, p. 2). Este modelo, posteriormente, inspirou a adoção de um
modelo segmentado nos EUA, formando um sistema financeiro baseado
predominantemente no mercado de capitais.
Conforme Akiüz (1993), na Inglaterra e Estados Unidos as
empresas emitem ações para financiarem seus gastos com investimento.
A pulverização destas empresas limita a capacidade e o incentivo para
que os acionistas controlem e disciplinem os administradores. Para Akiüz
(1993), a contribuição dos mercados de capitais nos países em
desenvolvimento só se torna importante em estágios mais avançados do
processo de industrialização.
De forma oposta, a criação das instituições bancárias públicas
no Japão e na Alemanha25 (nipo-germânica) ocorreu de forma similar
após a II Guerra Mundial, sendo que os gastos decorrentes da
canalização de recursos para a reconstrução do pós-guerra e os elevados
custos para reparação de danos físicos, concomitantes à dificuldade de
arrecadação, levaram estes governos a pensar estratégias de longo prazo
para aumento da propensão a poupar, sem ter que arcar com os elevados
custos sociais de uma desordem financeira típica, inconvenientes pelo
excesso na emissão de dinheiro sem lastro (inflação) ou letras do tesouro.
Posteriormente, conquistou-se o mercado internacional, o
Kreditanstalt fur Wiederaufbau (KfW) 26 alemão incentivou a circulação
monetária na Alemanha, encorajando o comércio e a indústria, dando
garantias aos depositantes e gerando um círculo virtuoso na economia
com a participação dos investidores institucionais e dos demais
conglomerados bancários estatais. Além disso, o KfW também se via na
25 Conforme Chang (1997), a regulação nestes países enfatizava o aumento de produtividade e a capacitação tecnológica no contexto de suas políticas industriais. Pode-se dizer que o arcabouço teórico schumpeteriano, cujos elementos principais são: o relacionamento entre o mercado financeiro e o setor produtivo, as dinâmicas organizacionais, as práticas e as rotinas administrativas, assim como o espírito empreendedor, influenciaram amplamente as construções políticas nestes países. 26 Novaes (2007) observa que a consolidação do BPL alemão se deu em duas fases. Na primeira, teve início em 1846, como regulador, o Estado tinha o monopólio de emitir moeda, depois, numa segunda fase, também como fiel depositário da poupança do público.
23
obrigatoriedade de participar dos arranjos de co-financiamento junto aos
demais conglomerados financeiros, relativos aos programas identificados
como prioritários ao processo de industrialização. Conforme Yasuda
(1993) apud Aghion (1999) outro exemplo de parceria é o Banco Industrial
do Japão,
First, ownership of development banking institutions was often dispersed among numerous financial intermediaries. Second, many of these institutions had founding charters in which it was stated that they could only provide supplementary finance, thus, necessitating co-financing arrangements with other financial in-termediaries. (YASUDA, 1993 apud AGHION, 1999, p. 86).
Para Akiüz (1993), no caso do Japão a primazia do crédito
bancário na estrutura de financiamento viabilizou a alocação e o custo
dos empréstimos como instrumento de controle do governo. Na
Alemanha, o relacionamento entre bancos e indústrias, compeliu-as à
"disciplina financeira" e ao monitoramento sistemático. Nestes países, a
volatilidade dos preços e das taxas bem como a ocorrência de colapsos
bancários é inferior aos Estados Unidos.
Segundo Tavares (1997), a característica dos conglomerados
financeiros alemães consiste na maior articulação orgânica entre a esfera
real e a financeira. Para Polanyi (2000), a ligação entre a haute finance
com a indústria pesada (organização-chave), estreita apenas na
Alemanha, associava-se aos demais ramos da indústria de forma muito
entrelaçada, para permitir que um único grupo social determinasse sua
política. Em suma, Gerschenkron (1962) assinala que os BPLs alemães
veicularam a transferência da poupança para o crescimento da estrutura
produtiva e promoveram a centralização do capital industrial:
It was the mergers in the field of banking that kept placing Banks in the positions of controlling competing enterprises. […] From the vantage point of centralized control, they were at all times quick to perceive profitable opportunities of cartelization and amalgamation of industrial enterprises. In the process, the average size of plant kept growing, and at the same time the interests of the banks and their assistance were even more than before devoted to those branches of industry where cartelization opportunities were rife. (GERSCHENKRON, 1962, p.16).
24
Sendo assim, conclui-se que a estratégia de apoio ao
desenvolvimento sócio-econômico do modelo nipo-germânico consiste na
diversificação da produção, vis-à-vis as necessidades internas e as
condições de mercado. Este conjunto de fatores estimulou o crescimento
da demanda, a partir de um centro financeiro com poder de emissão e na
constante manutenção do controle de poupança27 e do poder de
acumulação, em favor das economias de “aglomeração”.
1.3. Críticas da visão política ao governo benevolente
A visão benevolente dos governos correspondente à figura do
BPL é considerada exagerada, atraindo críticas. Aproveitaremos este item
para comentar estas críticas em relação às visões sociais e
desenvolvimentistas, referidas anteriormente. Basicamente, a crítica
refere-se ao fato de que nem sempre é racional projetar um
comportamento em prol do interesse público28 aos “bancos dos
governos”.
Convém frisar, ainda, que a assunção quanto à prevalência de
BPLs nos países em desenvolvimento não protege os BPLs dos ataques
dos adeptos da visão política, que não concordam com a interferência do
governo no setor bancário e com o peso demasiado que a visão social
atribui às imperfeições do mercado financeiro.
É importante notar as similaridades com a visão
desenvolvimentista, principalmente no que se refere a propriedade pública
27 Segundo a concepção de Keynes (1982), o nível da poupança agregada está associado ao nível de renda corrente e à propensão a poupar dos diferentes grupos sociais. Ressalta-se no trabalho aqui exposto que tanto na Alemanha quanto no Japão estas condicionantes endógenas convergiram para um bom nível de poupança. 28 Para um melhor entendimento da dicotomia entre o interesse público versus privado, vide Bobbio (1985) em Estado, Governo e Sociedade.
25
que está intrinsecamente ligada aos mercados financeiros pouco
desenvolvidos, ademais, com instituições ineficientes29,
The two views of economic and political development share some important similarities. They both emphasize the need for secure property rights to support investment in human and physical capital, and they both see such security as a public policy choice. However, the institutional view sees the pro-investment policies as a consequence of political constraints on government, whereas the development view sees these policies in poor countries largely as choices of their – typically unconstrained – leaders. (GLAESER et al., 2004, p. 3).
Embora o modelo de liberalização financeira e as privatizações
tenham se apoiado em considerações estritamente econômicas, é
necessário verificar que houve motivações, sobretudo de ordem política:
In summary, political considerations generally not only strengthen the case for privatization, but actually are the crucial reason for it in the first place. Elimination of politically motivated resource allocation has unquestionably been the principal benefit of privatization around the world. Government corruption raises a number of concerns about the design of privatization programs, but in most cases also strengthens the case for private provision… (SHLEIFER, 1998, p. 144).
De acordo com esta ideia, o exame do BPL deveria considerar
as mudanças efetivas alcançadas pós-privatização, em prol dos regimes
privados. Estas mudanças nas estruturas e variáveis econômicas e as
descontinuidades nos regimes econômicos (fiscais e monetários) tiveram
repercussões nas percepções dos agentes, e, já que não foram ações
isoladas, inexistem razões para se esperar que a presença do BPL
continue sendo justificada de acordo com as antigas concepções de
“mercados incompletos”, não mais imperantes. Se assim fosse, os
agentes estariam sendo sistematicamente incapazes de perceber as
alterações na oferta de financiamento e este comportamento violaria o
pressuposto da racionalidade econômica e da maximização do agente.
29 Desde que se concebeu esta ideia, vários autores como Zysman (1983), King e Levine (1993), Levine (1997) e Stiglitz (1994 e 1998) buscaram validar empiricamente o grau de correlação entre bancos públicos, desenvolvimento e padrão de desempenho do mercado de capitais. Entretanto, observou-se que estes métodos não representam fielmente os conceitos contidos nas teorias econômicas e não há respostas conclusivas sobre a relação entre a expansão financeira e o crescimento econômico.
26
A fim de esclarecer a diferença da visão política em relação às
outras, cumpre observar, sobretudo, em que consistem seus argumentos,
que partem do pressuposto que em bancos estatais “... os projetos são
escolhidos, sobretudo por interesses políticos, e não em razão de sua
viabilidade econômica.” (NOVAES, 2007, p. 40). Por este motivo, para La
Porta, López-de-Silanes & Shleifer (2002), políticos trocam empregos,
subsídios e outros benefícios aos adeptos em troca de votos,
contribuições político-partidárias e “bribes” (LA PORTA, LÓPEZ-DE-
SILANES & SHLEIFER, 2002). Logo,
This political view contends that politicians create and maintain state-owned (henceforth, public) banks not to channel funds to socially efficient uses, but rather to maximize the politicians personal objectives. Specifically, state ownership of banks is dictated by redistributive politics and the politicians interest in appropriating the rents that may be derived from the control of bank funds. (YEYATI, MICCO & PANIZZA, 2007, p. 249).
Há, todavia, duas condições para que esta troca mantenha
coerência, primeiro, deve interessar aos políticos a manutenção do
controle do mercado financeiro, com vistas a permanecerem no poder
(SHLEIFER & VISHNY, 1997). Se esta condição for aceitável, pressupõe-
se que as empresas de propriedade pública sejam ineficientes não só
porque os seus dirigentes têm poucos incentivos para reduzir custos, mas
porque a ineficiência é resultante de uma política deliberada do governo
de transferência de recursos mediante “votos”.
As críticas contundentes se dirigem principalmente à criação e
viabilização de projetos de investimento através do mecanismo do crédito
direcionado, que nada mais é que um mecanismo fácil, corrupto e
inesgotável de distribuição de vantagens com subsídio do governo.
Conforme La Porta, López-de-Silanes & Shleifer (2002), a forte presença
dos BPLs em países subdesenvolvidos, provoca o efeito deslocamento
[crowding-out30]. Através do mecanismo de transmissão entre o mercado
monetário e o mercado de bens e serviços, reduz-se o nível de 30 Crowding-out significa uma redução no consumo e/ou investimento privado, podendo este ser financiado por um aumento dos impostos ou das taxas de juros. Esta expressão também é usada para se referir à prestação de serviço ou venda de um bem público que seria uma boa oportunidade de negócio para o segmento privado da economia.
27
investimentos totais, prejudicando alguns setores devido à elevada
sensibilidade do mercado à redistribuição de recursos,
A government can participate in the financing of firms in a variety of ways: it can provide subsidies directly, it can encourage private banks through regulation and suasion to lend to politically desirable projects, or it can own financial institutions, completely or partially, itself. The advantage of owning banks – as opposed to regulating banks or owing all projects outright – is that ownership allows the government extensive control over the choice of projects being financed while leaving the implementation of these projects to the private sector. (LA PORTA, LÓPEZ-DE-SILANES & SHLEIFER, 2002, p. 267).
Apesar das exigências da visão política apresentar forte
impacto sobre a mídia e a sociedade em geral, nota-se que há uma
lacuna teórica sobre o padrão de controle estatal no setor bancário, que
não integra a TEP (public choice31) ao comportamento rent-seeking32 do
governo, que causam distorções e reprimem novas contratações. Isto se
deve essencialmente ao fato do comércio de imperfeições do mercado
financeiro não apresentar evidências mensuráveis dos motivos pelos
quais os burocratas do governo promovem alguns setores em detrimento
de outros.
Para os adeptos da visão política, as probabilidades subjetivas
do comportamento rent-seeking do governo não precisam corresponder
às funções objetivas, sendo este um caso particular. Mesmo que esta
lacuna fosse preenchida, a problemática teórica da TEP é que esta se
baseia em pressupostos utilitaristas e oportunistas, dado que consideram
os políticos como indivíduos maximizadores do interesse próprio,
tratando-se da racionalidade limitada dos agentes e reduzindo a disputa
política ao cálculo econômico. Convém lembrar que a macro-análise
31 A primeira teoria a abordar a regulação foi a TEP, que surgiu com a obra de Niskanen em 1971 Bureaucracy and Representative Government. Neste trabalho, apresenta-se um modelo de monopólio bilateral, formado por burocratas-governantes, sendo que os governantes são compradores de fórmulas políticas em matéria de regulação e ofertantes de contrapartidas. 32 Nas palavras de Souza (2009), o rent-seeking serve para designar a busca de ganhos de atividades/rendas improdutivas, estando ligado à parcela do excedente do consumidor que certo grupo social (lobista) recebe como se fosse monopolista.
28
permite superar o conceito de racionalidade limitada, embutido no
interesse próprio da abordagem utilitarista, pela racionalidade situada33.
Entretanto, como vimos nesta seção, a proliferação da
corrupção nos governos centralizados, a elevação dos déficits em má
gestão dos contratos e a concomitante dificuldade dos menos favorecidos
em obter vantagens fortalece a ideia de Estado mínimo. Num estudo
sobre o mercado de crédito agro-rural, aponta-se que:
In summary, there may be good arguments for intervention, and some may be based on market failure. But as one unpacks each argument, the realization grows that, given the current status of empirical evidence on many relevant questions, it is impossible to be categorical that an intervention in the credit markets is justified. Empirical work that can speak to these issues is the next challenge if the theoretical progress on the operation of rural credit markets is to be matched by progress in the policy sphere. (BESLEY, 1994, p. 387).
Conclusivamente, os defensores da visão política apregoam
que deve haver a extinção ou a eliminação gradativa da presença dos
BPLs em prol de um sistema mais “justo”, através da regulamentação da
intermediação financeira e em menor grau da criação de preços relativos,
dado que o crédito direto é considerado um “negócio” dirigido
paralelamente pelo governo.
1.4. A problemática da visão de agência
A visão de agência se encontra no meio termo, entre duas
alternativas, banco privado com regulação não discricionária
(regulamentação e subsídios), denominado “laissez-faire regulamentado”
e/ou a capacitação do BPL para desempenhar bem a sua missão. É
importante ressaltar que embora o discurso tenha sido este, na realidade
a visão de agência comumente é utilizada em defesa da
desregulamentação, já que teve início na década de 1960, a partir da 33 Este conceito, pertencente à metodologia do “estruturalismo aberto” aplicada à sociologia de Bourdieu (2000), entende o dilema estrutura-agente de forma que as diferentes espécies de capital não atuam somente de forma indireta, através dos preços, exercendo também um efeito estrutural.
29
teoria estadunidense dos direitos de propriedade (TDP34), ganhando força
nos anos de 1970, com a teoria positiva da agência (TPA35) e, mais
recentemente, com a teoria dos contratos.
Desta forma, o desempenho das instituições financeiras, sejam
estas públicas ou privadas, é medido em termos de eficiência e
rentabilidade. No plano positivo, estas teorias relativizam a separação
entre propriedade e controles das firmas e, no plano normativo, reafirmam
a preponderância dos acionistas [shareholder value36], estando de pleno
acordo com a ideologia neoliberal.
Sendo assim, a visão de agência coloca em evidência dois
problemas constantes na literatura econômica: a seleção adversa37 e a
34 A TDP religou o comportamento das firmas ao sistema de direitos de propriedade com base na difusão da noção de custos de transação. Entende-se que os mercados financeiros devem desempenhar um papel disciplinador, na medida em que uma gestão muito desfavorável aos acionistas seria sancionada pela desvalorização do valor de mercado. Para um aprofundamento da TDP vide Coase (1961), Demsetz (1966) e Alchian (1965), o avanço desta teoria consta em Eirik Furubotn e Steve Pejovich (1974). 35 A TPA (Teoria Positiva da Agência ou Principal-Agente), cujas figuras marcantes são Jensen & Meckling (1986) e Fama (1980) defendem que a empresa é um conjunto de contratos entre fatores de produção, no qual cada qual deve desempenhar um papel pré-determinado. De acordo com essa ideia, busca-se sanar os efeitos das assimetrias informacionais através de uma série de relações hierárquicas verticais: acionistas-administradores, burocratas-administradores e governo-burocratas. A proposta da TPA é estabelecer regras contratuais nas quais o principal incentive a performance do agente, supondo-se que o alinhamento de interesses se dá através de mecanismos internos, principalmente do Conselho de Administração, cuja função seria a de reduzir os custos de agência, decorrentes do fato do principal não poder controlar totalmente as ações dos agentes. Recentemente, a TPA tornou-se a teoria normativa da agência, dado que passou a se pautar na teoria das escolhas públicas (Public Choice), no emprego de modelos matemáticos e microeconômicos de otimização dos contratos e na maximização da função utilidade dos acionistas, entendendo-se que a relação entre acionistas e gestores parte da atuação dos segundos no exclusivo interesse dos primeiros. 36 Para muitos estudiosos, a ideologia do shareholder value representa um processo de convergência mundial em torno do estilo de governança americano, que apregoa que os dirigentes das corporações devem defender o interesse dos acionistas [shareholders]. Nota-se que a associação negativa entre a propriedade estatal e o desenvolvimento financeiro surge justamente nos anos de 1990, década em que esta corrente ideológica difundiu a ideia que os padrões de rentabilidade do mercado devem primar pelo status preponderante dos acionistas. Aglietta & Rebérioux (2004) refutam tal afirmação, na opinião destes autores, a concepção holística ou de parceria da empresa e de sua governança vai de encontro aos processos econômicos produtivos, estando de pleno acordo com a criação de valor de dentro da organização para toda uma sociedade. 37 A seleção adversa é um tipo de risco ex-ante, dado que o BPL não consegue obter informações completas dos tomadores de empréstimos, inadimplentes em potencial.
30
moral hazard38, no que tange à supervisão e ao controle dos gestores do
BPL pelos governantes e sociedade.
Além disso, se a regulação39 também é imperfeita, pois a firma
regulada age no sentido de se beneficiar das lacunas e incompletude da
regulação, usando o estado para tirar proveito dos seus próprios
propósitos, a atenção volta-se para a transparência dos processos
internos e dos sistemas de governança corporativos40. Acredita-se que,
com isso, haveria menos custos de transação41 e de informação por parte
do regulador e seria assegurada a proteção dos direitos de propriedade,
ao criarem-se novos normativos e convenções sociais.
Conforme este raciocínio é crível que a boa prática dos
princípios de gestão também potencialize o desenvolvimento financeiro
dos países periféricos. Contudo, uma das ressalvas à esta hipótese
simplificadora é expressa na observância contida na passagem abaixo:
However, it may not be advantageous to introduce models of corporate governance from developed economies into developing economies for the reason that different corporate systems may have evolved to deal with different types of economic activities. (CARLIN & MAYER, 2000, apud ARUN & TURNER, 2003, p. 189).
Em suma, a problemática da visão de agência é que se tem de
um lado, os riscos na gestão dos contratos das organizações financeiras
públicas, diminuindo as oportunidades de lucros devido aos custos de
agência, operação42 e transação, além dos riscos de inadimplência ser
38 A moral hazard ou risco moral é um risco ex-post, por exemplo, o risco de quebra do contrato de financiamento pelo tomador de recursos. 39 A regulação bancária se fundamenta na proteção dos depositantes, do sistema de
pagamentos e do sistema financeiro em geral contra os efeitos do risco moral. 40 A governança corporativa tem como espinha dorsal o conjunto de relações entre a gestão, o Conselho de Administração e os acionistas, que considera o shareholder value, a proteção ao acionista, a composição e o papel do Conselho de Administração, as práticas contábeis e os normativos baseados em controles internos. 41 Em geral, são considerados os custos de transação os custos de processamento das informações, proteção aos direitos de propriedade e cumprimento dos acordos contratuais. Conforme Williamson (1985), a transação é a unidade básica de análise da firma e a estrutura de governança define os mecanismos estratégicos pelos quais tal transação é realizada. Esta análise dos custos de transação foi largamente influenciada pela teoria da organização industrial. 42 Micco & Panizza (2005) ressaltam que a informação tem certas características de bem público (não rivalidade no consumo e exclusividade custosa) e muitas vezes
31
elevado. Por outro lado, pretende-se reduzir os custos monetários de
transação, dificultados, em parte, pela não convexidade das tecnologias
de transação, pela dificuldade de programar um programa eficaz de
monitoramento de clientes, entre outros fatores.
Em linhas gerais, este problema implica que, se de um lado o
papel do Estado torna-se fundamental para melhorar a eficiência alocativa
em mercados financeiros, devido à dificuldade dos demandantes em obter
acesso ao financiamento, por outro lado, há hipóteses referentes ao:
…trade-off between allocative efficiency and internal efficiency (namely, the ability of public enterprises to carry out their mandate), asking whether agency costs within government bureaucracies offset the social gains of public participation in the presence of market imperfections. (YEYATI, MICCO & PANIZZA, 2007, p. 249).
Neste sentido, a discussão se desloca do “por que” da visão
social, do “para que” da visão desenvolvimentista e do “para quem” da
visão política, para finalmente buscar a compreensão do “como” o BPL
deve intervir no mercado. Apesar de a ideia ser boa, em razão do
desenvolvimento financeiro se prejudicar na hipótese de haver falhas na
gestão de riscos, muitos autores são pessimistas quanto à capacidade
dos BPLs conseguirem diminuir estes custos, se comparados com a
eficiência dos bancos privados.
Com efeito, as dificuldades que está sujeita a implementação
do mandato43, devido aos custos de manutenção de uma burocracia
governamental, potencialmente podem anular possíveis ganhos através
da intervenção, afetando adversamente os outros mercados44. Em outras
palavras, “os custos de operação de qualquer instituição dentro da
supõem um custo fixo de aquisição, por isto os mercados competitivos fornecerão informações insuficientes, abaixo das necessidades, e os custos fixos se traduzirão numa concorrência imperfeita no setor bancário. 43 Aqui mandato significa poder político outorgado ao banco público. Em democracias, a implementação de um projeto de governo envolve a representatividade do partido na Assembléia e o período de mandato. 44 Segundo Pinheiro (2007) a intervenção do Estado consome recursos para a sua execução quando envolve a concessão de subsídios, cujo financiamento exige que ele tribute, de maneira direta ou indireta outros setores, criando distorções que reduzem a eficiência de outros mercados, além de gerar ineqüidades distributivas.
32
burocracia governamental podem superar em muito os ganhos sociais da
participação estatal” (MICCO & PANIZZA, 2005, p. 147).
Sendo assim, a minimização do “risco de captura” da firma
bancária pelos agentes oportunistas ou pelos interesses pessoais dos
dirigentes, parte da criação de mecanismos de estímulo à inovação
financeira, bem como nas medidas complementares para promover a
disciplina45. Estas estratégias são condizentes com o escopo do Conselho
de Administração, visto como órgão disciplinar que cumpre a função de
assegurar a qualidade da gestão empresarial. A Figura 1 mostra a
internalização das engrenagens microeconômicas como elemento
estratégico dos bancos para inibir o oportunismo dos agentes.
FIGURA 1 – Estratégias bancárias para disciplinar o mercado
Fonte: Elaboração própria.
Entretanto, a implementação destas engrenagens não é por si
só, suficiente para resolver problemas de alinhamento, advindo de
incentivos gerenciais fracos por parte do governo e da sociedade em
relação aos dirigentes dos bancos estatais. Isto ocorre porque o BPL
45 Galindo, Loboguerrero & Powell (2005) definem a disciplina de mercado como sendo a reação dos credores dos bancos (depositantes e outros detentores de passivos) diante de aumentos do risco bancário, já a disciplina em si é considerada eficaz quando os bancos adotam medidas corretivas imediatas para limitar ações negativas reais ou potenciais por parte dos credores.
Supervisão, Monitoramento eTransparência na
Divulgação de Informações
(Auditoria Interna,Classificação de Risco
de Crédito, etc.)
Oportunismo dos
Dirigentes
Oportunismo dos
Agentes
33
também deve cumprir sua função macroeconômica, que pode ser
conflitante com a eficiência microeconômica.
Por esta razão, é facultada a ênfase entre uma intervenção
estatal indireta, através do reforço do marco regulatório e da disciplina de
mercado e direta, por meio do BPL. Porém, tanto a visão política como a
visão de agência deveriam ter em mente que a ausência da participação
estatal no mercado financeiro poderia acentuar as imperfeições do
mercado, dado que envolve a interação entre grupos com diferentes auto-
interesses: tomadores versus credores, sociedade, governo e firmas,
pressupondo-se que todos apresentem comportamentos maximizadores e
oportunistas, os custos das minorias se organizarem e obterem
financiamento seriam exorbitantes, impossibilitando o crescimento da
economia em longo prazo e a universalização do acesso, já precária nos
países em desenvolvimento.
Basicamente, temos na visão de agência a ideia de que é
preciso avaliar o trade - off entre a eficiência na distribuição de recursos,
atacando os fundamentos microeconômicos da economia, mas também é
necessário considerar que os retornos sociais advindos de intervenções
estatais na circulação superam os custos de promover a eficiência interna.
Ademais, em termos práticos, é impossível mensurar os efeitos destes
trade-offs, porque a organização faz parte de um sistema complexo e,
muitas vezes, não transparente.
Conclui-se que é limitada e parcial a compreensão de quais
são os mecanismos internos e externos de para contribuir decisivamente
ao baixo nível de desenvolvimento financeiro em países
subdesenvolvidos. Como se sabe, o sistema político, as leis (Justiça), a
burocracia, os poderes e a falta de proteção dos direitos dos credores e
de propriedade são importantes, mas não suficientes. Por esta razão, os
aspectos legais e o termo “regulação46” ou regulamentação dos mercados
46 Segundo Coutinho (1990), há cinco mecanismos que regulam a atividade econômica, garantindo o regime de acumulação e caracterizando o padrão de desenvolvimento da economia: i) a forma de configuração de uma relação salarial; ii) a forma de gestão da moeda; iii) as estruturas das organizações do mercado ou as formas de concorrência inter-capitalista; iv) o modo de inserção na economia mundial; e v) a forma de
34
financeiros está sendo amplamente utilizado, principalmente a partir dos
anos de 1980, junto a um movimento de reestruturação do setor bancário
em diversas regiões do mundo e a construção de um ambiente legal com
vistas ao estímulo do desenvolvimento do mercado de capitais. Cabe
então revisitarmos no próximo capítulo as teorias a respeito das formas de
intervenção estatal47 no mercado, que, como veremos adiante, também
consta na seleção de textos clássicos da obra keynesiana.
intervenção do Estado, enquanto regulador e estimulador das atividades econômicas. Nesse sentido, a presença do Estado na economia é apenas um dos fatores que regulam a atividade econômica, sendo que a forma de atuação que se dá através de normas e regras setoriais deveria se chamar “regulamentação” (BOYER, 1990, p. 22). 47 Na opinião de diversos autores, há duas noções tradicionais e distintas sobre a intervenção estatal, assunto que trataremos no próximo capítulo. A primeira noção, chamada Welfare State (Estado do bem-estar), concomitante à modernização e à expansão do Welfare Economics, reflete a tendência democrática atuando na redistribuição de recursos. A segunda, mais propensa a governos intervencionistas e centralizados, defende a interferência direta no mercado financeiro, com vistas à prosperidade nacional. Vale salientar que a visão intervencionista surge em função da reformulação da teoria monetária, formalizada por John M. Keynes (1883-1946) no Tratado da Moeda (1930).
II. PERSPECTIVAS E ABORDAGENS TEÓRICAS DAS FORMAS DE INTERVENÇÃO ESTATAL NO SISTEMA FINANCEIRO
A influência do BPL e das outras formas de intervenção estatal
está inserida no debate sobre a dualidade liberalização/repressão
financeira que se buscará entender neste capítulo. Sendo assim, reflete-
se sobre o manejo discricionário dos preços ocasionado pela execução de
objetivos associados ao papel do BPL que consiste basicamente nas
seguintes funções: i) provisão de financiamento de longo prazo; ii)
atendimento dos interesses sociais, através do estímulo às inversões
econômicas e iii) regulação do sistema financeiro. Como se sabe, o peso
que cada um destes objetivos teve nas mais diversas fases do
desenvolvimento econômico variou bastante de país para país, a
depender dos recursos disponíveis e programas políticos dos governos,
ainda que sempre houvesse projetos de relevante interesse econômico e
social.
Convém lembrar que mesmo nos países em desenvolvimento,
a solução institucional adotada no processo de intermediação foi bem
distinta. Logo, a opção por BPLs variou em grau, gênero e quantidade, a
depender de decisões governamentais em torno das políticas monetárias
e financeiras, que interagem na dinâmica do mercado ao promoverem
ajustes na oferta de financiamento. Na prática, faz-se com que a
funcionalidade dos BPLs coincida com as diversas percepções sobre as
formas de atuação do Estado no mercado.
De modo a introduzir este debate, dado que não se pretende
formar um tratado acerca de um novo consenso, o que nos concerne
neste capítulo é o entendimento das interrelações entre Estado e fatores
financeiros, com ênfase no exame da estrutura e relevância do segmento
bancário público neste sistema. Em termos teóricos temos que: a)
defendem-se políticas financeiras liberalizantes e uma atuação mínima e
36
não intervencionista do Estado no setor bancário, conforme o modelo de
Shaw-Mckinnon; b) justificativas quanto às formas de atuação do Estado
no mercado financeiro de acordo com as abordagens de filiação
keynesiana, baseadas em argumentos das escolas novo-keynesiana e
pós-keynesiana.
Portanto, tem-se de um lado que as implicações decorrentes da
assimetria de informações sobre o funcionamento dos mercados
financeiros e da incerteza sobre o comportamento dos agentes constituem
o cerne da linha de investigação do chamado “Paradigma da Economia
da Informação” e da corrente pós-keynesiana. Por outro lado, a
recomendação explícita em defesa da intervenção direta há tempos não é
mais consensual, resultando no “Paradigma da Repressão Financeira”.
Este paradigma ficou latente após a derrocada do conjunto de
ideias dominantes da “Revolução Keynesiana48” e de sua credibilidade
incontestável até os anos de 197049. Sendo assim, mesmo com a inclusão
do BPL em cenários de ampla credibilidade, estas instituições não
estiveram livres das contestações advindas do processo de abertura e
internacionalização da economia. Neste ínterim, a política dominante da
repressão financeira dirige-se agressivamente aos mercados financeiros
emergentes, conforme as ideias contidas nos livros seminais de Shaw &
McKinnon (1973). Para estes autores, os mercados se tornam mais
imperfeitos mediante as distorções advindas do excesso de controle
administrativo do Estado sobre os mercados e não o contrário.
Portanto, Hermann (2009) compreende que este modelo se
opôs à política monetária e financeira adotada desde o pós-guerra (1950-
48 Deane (1980) destaca que um dos efeitos da Revolução Keynesiana na doutrina econômica foi a integração da teoria monetária ao núcleo de uma teoria geral da atividade macroeconômica, ao invés de tratar a moeda com um véu artificial que poderia ser convenientemente ignorado, ou neutralizado, pelos que procuravam analisar as forças reais que impulsionavam a economia capitalista. Esta revolução se processou em dois níveis: teórico, ao se pautar no nível de atividade econômica ao invés de se deter no nível de preços, e, metodológico, ao entender que o desequilíbrio provocado pelo desemprego, que implicava em corte de salários pela teoria clássica, poderia na prática aumentá-lo, ao reduzir o nível de demanda efetiva. 49 O movimento de recuperação das ideias liberais de atuação mínima do Estado teve início em meados dos anos de 1970, refletindo na metodologia da macroeconomia, que passou a enfatizar modelos dinâmicos a partir de microfundamentos.
37
1970), por entender que os BPLs compartilham de uma das causas da
precariedade inercial nos países periféricos, mas que, na realidade, reflete
a percepção dos agentes de que o governo persiste com uma política
incompatível com o desenvolvimento de longo prazo, mantendo-se os
mercados incompletos. Em outros termos, ao invés de estimular, as
políticas adotadas nestes países - taxas de juros administradas e crédito
direto - reprimem o desenvolvimento financeiro em função da redução da
oferta de fundos emprestáveis devido à diminuição das taxas de juros
(reais), patrocinados pelo governo e liderados pelo crédito público.
Além disso, estas políticas expansionistas causam a
fragmentação do mercado de capitais, de modo que os excedentes
financeiros derivados dos projetos de investimento menos produtivos,
que, por sua vez, funcionariam como hedge contra a inflação, não são
alocados eficientemente.
É óbvio que o rol de argumentos em favor da relevância do
papel do Estado no mercado financeiro, na prática, teve seus prós e
contras, mas o debate nem sempre foi calcado em evidências empíricas,
sendo até mais contundente em relação às perspectivas teóricas. Por este
motivo, não obstante a dificuldade de atender aos critérios estipulados
para a boa gestão das propriedades públicas observa-se que o papel do
BPL não se circunscreve ao avanço da estrutura formada pelos bancos
privados por duas razões principais, primeiro, pela perspectiva pós-
keynesiana, dada a vulnerabilidade do sistema bancário sujeito a
incertezas e crises, e, segundo, na concepção novo-keynesiana, pelo fato
de que os bancos podem racionar o crédito.
No entanto, há posições divergentes, como o Banco Mundial e
o FMI, que são críticos vorazes da intervenção direta, por meio dos
bancos estatais. No livro do Banco Mundial, Finance for Growth (2001),
afirma-se que a propriedade estatal no setor bancário é prejudicial à
formação de preços e alocação seletiva do crédito, ampliando as
desigualdades de renda e gerando entraves ao crescimento econômico.
Já o BID, em seu relatório sobre o progresso econômico-social da
38
América Latina de 2005, intitulado “Libertar o Crédito”, adota uma postura
neutra, declarando que embora haja certa veracidade quanto ao fato dos
BPLs não serem alocadores ótimo de crédito, os resultados das
pesquisas de base empírica não exprimem taxativamente que há uma
inibição do desenvolvimento econômico e financeiro provocada pela
presença destes agentes.
Permite-se inferir então, que a questão do controle estatal de
firmas bancárias é mais complexa do que aparenta, pois envolve o
alcance e o impacto das políticas de concessão de subsídios, em
benefício de algumas empresas e em detrimento de outras, trazendo
repercussões positivas e deletérias à sociedade. A rigor, porém, a
ausência total destes instrumentos do Estado poderia ser tão ou mais
perversa para o desenvolvimento pelo fato da liberalização desordenada
das medidas financeiras comprometer a composição dos fatores de
produção, dependente da ponderação consciente do acesso ao
empréstimo e financiamento.
Por todas as razões acima relacionadas, o debate sobre as
formas de intervenção estatal necessita de um melhor aprofundamento
teórico. Sendo assim, as principais questões do debate referem-se à
prevalência da propriedade pública em determinados mercados
financeiros emergentes, que não conseguem se desvencilhar da
participação relativamente ampla e ativa dos BPLs, e se isto afeta o
desenvolvimento econômico e financeiro negativa ou positivamente.
As correntes teóricas que veremos a seguir envolvem o debate
acadêmico em torno da liberalização financeira, entretanto, o mérito da
discussão consiste na transição de observâncias conclusivas sobre o
comportamento do Estado no mercado financeiro para a formação de
análises sobre o papel da intervenção direta na economia.
39
2.1. Shaw-Mckinnon e a “Política da Repressão Financeira”
Os trabalhos de Shaw-Mckinnon em 1973 tratam da “Política
da Repressão Financeira”, que esteve implícita nas bases do processo de
liberalização financeira, no plano doméstico e de privatização dos bancos
comerciais, influenciando inúmeras pesquisas50 sobre as políticas
financeiras. A ideia-chave de McKinnon (1973) é que a demanda por
moeda nos países subdesenvolvidos se dá em razão dos mercados de
capitais serem imperfeitos, e a concepção de Shaw (1973) converge com
a de McKinnon, razão pela qual nos referimos neste tópico ao modelo de
Shaw-McKinnon. Neste sentido, para ambos os autores, as autoridades
monetárias exercem um importante papel na administração direta da taxa
nominal de juros dos depósitos e no controle da oferta nominal de moeda.
Em princípio, admite-se a hipótese de autofinanciamento das
empresas, significando que as exigibilidades da acumulação prévia de
poupança são desestimuladas na hipótese da taxa de retorno real pela
posse da moeda ser pouco atrativa ou até mesmo negativa (McKinnon,
1973, p. 52-3). De acordo com esta rationale, a crença difundida é que
para o estabelecimento de uma alocação ótima entre poupança e capital
produtivo, as forças do mercado devem atuar livremente no mercado
financeiro, permitindo que a poupança determine o investimento.
McKinnon (1973) mostra que em economias precárias e
fragmentadas, com baixo nível de formação de capital fixo e
financiamento de investimentos produtivos, não se obedece aos modelos
neoclássicos de equilíbrio geral walrasiano51, onde todos os agentes têm
pleno acesso às informações disponíveis52. Basicamente, Hermann
50 Um dos primeiros teóricos a realizarem pesquisas sobre este paradigma foi Fry (1982), cujos modelo demonstrava que as taxas de juros livres maximizam a taxa de crescimento econômico no estado estacionário, através do impacto sobre a oferta real de crédito. 51 O equilíbrio walrasiano é conhecido por igualar a oferta e a demanda por empréstimos, no qual a intermediação financeira deve se limitar a transferir recursos entre os poupadores e investidores, isto pressupõe a existência de mercados eficientes e completos, que atuem em concorrência perfeita. 52 Hermann (2009) assinala que no mercado de ativos, a informação a respeito das condições de retorno e risco dos ativos é escassa, limitando a função-utilidade, “Neste mercado, portanto, o equivalente da alocação ótima de recursos que define a eficiência
40
(2009) identifica que o modelo Shaw-Mckinnon apoia-se em três
proposições teóricas centrais:
... a) o financiamento do investimento e, por extensão, do crescimento e do desenvolvimento econômico, requer, fundamentalmente, disponibilidade de poupança agregada (argumento da poupança prévia); b) o fluxo de poupança agregada é uma função positiva da taxa real de juros; c) mercados financeiros livres (desregulamentados) conduzem a taxa real de juros, a poupança agregada e a taxa de crescimento a seus níveis ‘ótimos’. (HERMANN, 2009, p. 6).
Nota-se que, na opinião de Hermann (2009), apesar das
críticas ao modelo neoclássico53, o modelo de Shaw-McKinnon sintetiza a
“hipótese de mercados eficientes” na terceira proposição central (c), por
considerar que existe uma taxa de retorno real que otimiza a acumulação
de capital pela posse de moeda. Em síntese, conforme Fry (1978),
Shaw maintains that expanded financial intermediation betweens savers and investors resulting from financial liberalization, i.e., higher real institutional interest rates, increases incentives to save and invest and raises the average efficiency of investment. Financial intermediaries raise real returns to savers and, at the same time, lower real costs to investors by accommodating liquidity preference, reducing risk through diversification, reaping economies of scale in lending, increasing operational efficiency and lowering information costs to both savers and investors through specialization and division of labor. Financial intermediation is repressed and suboptimal when interest rates are administratively fixed below their equilibrium levels. When interest rates are employed as rationing devices, i.e., are allowed to find their equilibrium levels, financial intermediaries can use their expertise to allocate efficiently the larger volume of investable funds which is then forthcoming. (FRY, 1978, p. 471).
Para melhor compreender os pressupostos para um aumento
das taxas de juros reais domésticas e maior propensão a poupar do
modelo de McKinnon, cumpre explicar no que consistem as hipóteses
implícitas a este modelo. Primeiramente, considera-se que todas as
de Pareto no mercado de bens é a utilização ‘plena e correta’ da informação disponível.” (HERMANN, 2009, p. 6). 53 No modelo neoclássico supõe-se que: a) há uma correlação positiva entre a qualidade do estoque de capital (expressa pela taxa média de retorno) e a taxa de retorno real pela posse de moeda; b) há uma relação de complementaridade entre demanda por saldos monetários reais e por capital físico; e c) há uma taxa de retorno real pela posse de moeda que otimiza a acumulação de capital.
41
unidades econômicas estão confinadas ao autofinanciamento, e, em
segundo lugar, despesas com investimentos são mais irregulares do que
gastos com consumo (FRY, 1978, p. 470), causando desestímulos à
poupança pelo viés para o consumo presente e alocação para ativos de
baixo retorno social. Além disso, considera-se que o governo não visa a
acumulação de capital, portanto, somente as empresas necessitam de
saldos monetários para investimento.
A única diferença entre Shaw e McKinnon é que este último
admite um modelo de complementaridade entre moeda e capital físico, no
qual os preços são totalmente flexíveis e a intermediação financeira entre
poupadores e investidores privados é inexistente [outside money54 e in-
vestimentos autofinanciados]. Shaw, por outro lado, parte de um modelo
com moeda, explorando melhor a importância dos empréstimos bancários
para o investimento produtivo do setor privado, dado que um aumento nas
taxas de juros reais está associado ao aumento nos depósitos bancários
que, por sua vez, podem ampliar o crédito voltado aos investimentos.
Como se pode verificar, do ponto de vista de McKinnon, apesar
de se reconhecer a importância dos intermediários financeiros, considera-
se que nos países em desenvolvimento o sistema bancário não atende a
totalidade dos demandantes, além disso, as taxas de juros reduzidas lide-
radas pelos bancos estatais e a fixação de tetos pelos governos compe-
lem a baixa captação de depósitos, diminuindo a demanda por moeda e,
por conseguinte, o volume de fundos emprestáveis.
O primeiro passo para dissolução deste quadro de “repressão
financeira” é na opinião dos autores o incentivo a um ambiente financeiro
competitivo. Para McKinnon (1973), isso só se torna possível através do
êxito alcançado na estratégia de aumento das taxas de juros reais para
expandir a poupança e o nível do investimento, precedida pela estabilida-
54 Este termo em inglês significa que há geração de dinheiro através de empréstimos ao governo, dado que a suposição simplificadora de autofinanciamento do modelo não coaduna com o regime real de liberalização financeira, em que o financiamento externo é incentivado, sendo a razão pela qual os intermediários financeiros são relevantes.
42
de nos preços, equilíbrio fiscal e controles sobre o influxo de capitais ex-
ternos de curto prazo.
A adoção destas medidas busca diminuir as expectativas de
inflação futura e elevar a taxa de retorno real pela posse de moeda,
promovendo a expansão do crédito bancário e a demanda por bens e
serviços. Com base nestas argumentações, verifica-se na Figura 2 que
conforme o modelo de Shaw-McKinnon o BPL não tem espaço para
intervir no mercado financeiro, sendo primordial apenas que se
assegurem os direitos de proteção ao poupador/credor e um regime
monetário livre.
FIGURA 2 – Forma de atuação no mercado financeiro aceita por Shaw- McKinnon
Fonte: Elaboração própria com base em Hermann (2009).
Em suma, conforme a linha de pensamento de Shaw e
McKinnon, deve haver supressão dos mecanismos de repressão
financeira, ou seja, criticam-se os tetos nas taxas de juros, a alocação
direcionada do crédito, a disparidade e incompatibilidade entre as taxas
de juros de empréstimos e a inflação, derivadas da administração
discricionária e dos efeitos adversos da presença dos BPLs. Com isso, o
desenvolvimento e aprofundamento financeiro são estimulados através de
uma política mais flexível: a autorregulação supervisionada pelo
Sistema Jurídico Eficiente
SUPERVISÃO DAS ATIVIDADES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
ESTABILIDADE
Monetária
Cambial
REGIME MONETÁRIO
LIVRE
Assegurar os Direito de
Propriedade
Viabilizar a execução de garantias de crédito no
cumprimento dos contratos
43
mercado, que opera com regras próprias e operações de mercado aberto,
queda das barreiras à entrada nos mercados financeiros e remuneração
das reservas compulsórias. Embora os países latino-americanos tenham
seguido estas regras, que remonta a liderança chilena na década de
1970, ainda não há constatação que a desregulamentação do setor
financeiro amplie o montante e a eficiência dos investimentos.
2.2. Novos-keynesianos e o paradigma da “Economia da Informação”
Em função do desmantelamento das estratégias
governamentais influenciadas pelo paradigma da repressão financeira
que explanamos no item anterior, observou-se que houve abusos nas
taxas de juros praticadas, promovendo as crises da dívida externa na
década de 1980 em toda a América Latina. Além disso, a
desregulamentação das operações das instituições financeiras não
garantiram o alongamento dos prazos de empréstimo e tampouco o
fortalecimento do mercado de capitais, provocando o desmantelamento
dos mecanismos de intermediação financeira de longo prazo.
Em parte, devido ao insucesso dos regimes financeiros
adotados e da improbabilidade que taxas de juros reais advindas da
liberalização financeira sejam socialmente ótimas, o foco de análise se
desloca para as proposições fundamentais da teoria da informação e dos
incentivos, baseada no artigo de Stiglitz & Weiss (1981). Diversos autores
como Akiüz & Kotte (1991) dão ênfase à importância do controle sobre a
alocação e as condições do crédito bancário como instrumento de uma
política industrial ativa comandada pelo estado. Akiüz & Kotte justificam
esta ação com base nas restrições de informação dos mercados
financeiros.
Vale ressaltar que as contestações dos novo-keynesianos
guiam-se por um ponto de vista essencialmente macroeconômico,
defendendo que as recomendações de liberalização do sistema financeiro
tornaram-se deveras especulativas e a principal lacuna no modelo de
44
Shaw-Mckinnon reside no fato deste modelo atribuir um caráter
extremamente restrito às falhas existentes no mercado financeiro.
Para melhor compreensão destas falhas, cumpre demonstrar
que no enfoque dos novo-keynesianos propõe-se uma teoria com base
nos efeitos das assimetrias de informação sobre o funcionamento dos
mercados financeiros. Conforme esta nova abordagem, verifica-se que os
custos de informação são decorrentes do processamento sistemático das
operações financeiras. É justamente pela observância que as operações
do mercado financeiro implicam em assimetrias da informação e
concorrência imperfeita que a governabilidade faz-se necessária na
promoção do bem estar social. Além das autoridades monetárias, existem
as demais instituições extramercado e os bancos públicos, especializados
na administração dos contratos financeiros e na redução dos custos.
O paradigma da economia da informação contida na obra de
Stiglitz & Weiss (1981) demonstra que as assimetrias de informação entre
credor versus devedor afetam negativamente a elevação das taxas de
juros através de dois comportamentos frente aos riscos dos demandantes
de crédito: a seleção adversa e o risco moral ou moral hazard.
Conforme Modenesi (2007), na seleção adversa devido a um
aumento na taxa de juros é provável que bons tomadores – cujos projetos
são menos arriscados – com poucas chances de ficarem inadimplentes –
sejam deslocados do mercado de crédito por maus tomadores, cuja
probabilidade de inadimplência é maior. Isso ocorre porque, a partir de
determinado nível de taxa de juros, somente os projetos potencialmente
mais rentáveis, e, portanto mais arriscados, podem remunerar o
empréstimo; consequentemente, a razão entre bons e maus
demandantes de crédito se reduz, ampliando a probabilidade de que
maus tomadores sejam (adversamente) selecionados pelo banco.
Além disso, é provável que um aumento da taxa de juros eleve
o risco moral embutido na relação risco versus retorno, ao induzir o
tomador a executar projetos de investimento mais rentáveis e, portanto,
arriscados, reduzindo a expectativa de lucro do credor e ampliando “... a
45
probabilidade de os devedores ficarem inadimplentes e, assim, também
se eleva o risco de crédito do banco.” (MODENESI, 2007, p. 79).
Enfatiza-se então a possibilidade de equilíbrios não-
walrasianos, ou seja, os bancos optam pelo racionamento quantitativo do
crédito extrapreço através de alterações nas condições (exigências de
colaterais) e prazos de maturação dos empréstimos ou estipulação de
graus mínimos de autofinanciamento, já que as taxas de juros55 não
refletem apropriadamente a produtividade marginal do capital.
Em linhas gerais, Freixas & Rochet (1999) definem o
“racionamento do crédito” como a possibilidade em que há tomadores de
recursos que demandam crédito, e, independentemente da disposição em
aceitar as cláusulas do contrato da dívida, o preço de um aumento da
taxa de juros acima do preço de reserva dos ofertantes e das exigências
de colateral, mesmo assim estes demandantes não são atendidos pelos
bancos.
A solução encontrada para diminuir os riscos de assimetria é a
fixação de um “teto” para a taxa de juros, ao contrário das recomendações
de Shaw-McKinnon. Porém, se os credores optam por racionar o crédito e
elevar a taxa de juros até um “teto”, pelos efeitos da seleção adversa, os
tomadores avessos ao risco são expulsos e aqueles mais propensos são
atraídos para o mercado, aumentando a probabilidade de default e
reduzindo o retorno esperado do credor. Analogamente, Hermann (2009)
atribui ao modo disfuncional dos agentes um comportamento pró-cíclico
dos bancos em geral:
Nas fases de maior crescimento econômico, os bancos (assim como outros agentes econômicos) tornam-se mais otimistas e mais propensos a assumir riscos. [...] nas fases recessivas (pessimistas), os bancos tendem a ser mais cautelosos, racionando o crédito e agravando a tendência a retração econômica. (HERMANN, 2009, p. 9).
55 Bernanke & Gertler (1989) assinalam que os custos de agência no mercado de crédito variam contra - ciclicamente, pois dado um aumento das taxas de juros que porventura gere uma contração econômica, causará uma deterioração do balanço patrimonial da firma.
46
De acordo com esta ideia, Greenwald, Stiglitz & Weiss (1984)
demonstram que o endividamento através dos intermediários financeiros é
menos problemático que o mercado de ações, que apresenta agravantes
informacionais por dois motivos principais. Primeiro que o mercado
acionário56 tem menos ferramentas referentes ao monitoramento dos
gerentes na lucratividade das empresas, na avaliação dos riscos de
crédito e na mediação das relações, em segundo lugar, a opinião do
mercado pode induzir a sinalização adversa sobre a “imagem de
mercado” da firma, provocando uma queda abrupta e indesejada do seu
“valor de mercado”. Salienta-se que isto pode ter um efeito altamente
destrutivo do crédito destas empresas perante todo o sistema financeiro e
tratando-se de informações, os danos podem ser irrecuperáveis.
Neste sentido, os efeitos alocativos do sigilo bancário e o papel
de estabilizador automático, função exercida, sobretudo pelo BPL
engendram questões relevantes sobre a importância destes agentes, que
serão devidamente complementadas pelo enfoque pós-keynesiano que
será tratado na próxima seção. De acordo com a perspectiva novo-
keynesiana, os riscos e as informações assimétricas são cruciais para o
entendimento do papel do BPL.
Sendo assim, com o advento da economia da informação
permite-se pensar na superação destes problemas em nível
microeconômico. Além disso, a extensa literatura57 sobre os custos de
monitoramento e a relativa vantagem dos mutuários vis-à-vis os
prestamistas enfatiza a superioridade dos tomadores em relação à
imposição de sanções sociais, assim, o monitoramento por indução entre
pares e grupo de tomadores, podem reduzir a taxa de juros e mitigar os
efeitos da seleção adversa e do risco moral.
Além de tudo, os riscos das operações de crédito no mercado
de capitais, através de operações realizadas em elevados montantes
56 A única vantagem deste mercado em relação ao bancário é que de certa forma há vantagens na pulverização/repartição dos riscos neste tipo de capital. 57 Para um enfoque sobre monitoramento ex-post ver Besley & Coate (1995) e Aghion (1999), entre outros.
47
pelos investidores institucionais, na maioria das vezes, por bancos
privados de investimento, fazem com que, neste caso, o BPL atue de
forma a proteger o sistema bancário dos riscos sistêmicos e de crédito,
dado que este último tende a optar por operações avessas a riscos e, por
este motivo, menos rentáveis. Na opinião dos novos-keynesianos, na
hipótese de crises financeiras, há prejuízos não somente das instituições
bancárias, das firmas como principalmente da sociedade, que paga os
custos decorrentes do uso indevido da informação, vulnerável aos riscos
sistêmicos58 associados às assimetrias da informação presentes no setor
bancário.
É importante argumentar ainda, que devido à especificidade
dos ativos, as assimetrias e os altos custos de informação no mercado
financeiro reproduzem-se num ambiente competitivo baseando-se em
microfundamentos relativos à coleta de informações sobre o
financiamento de projetos, o risco de inadimplência, etc. No entanto, isto
não é suficiente para garantir a estabilidade monetária. Greenwald, Stiglitz
& Weiss (1984) criticam o caráter central dado às taxas de juros e à
armadilha da liquidez pelos pós-keynesianos no nível de investimento, ao
vincular as oscilações cíclicas do investimento e variáveis
macroeconômicas às variações do custo marginal efetivo do capital (custo
marginal de endividamento) que, segundo os autores, é definido como a
composição da taxa de juros e do aumento marginal da expectativa do
custo de falência associada à dívida.
Portanto, à luz desta perspectiva, as limitações institucionais, a
ausência ou precariedade de mercados futuros e as restrições financeiras
causadas pelas informações imperfeitas esclarecem a aversão aos riscos
das firmas nos mercados em desenvolvimento, afetando decisões de
produção e investimento. Logo, embora o BPL exista para exercer
influências sobre a alocação eficiente dos recursos, entende-se que o
58 Por “risco sistêmico” Hermann (2009) entende que é o risco agravado pela “... possibilidade de geração de ‘bolhas’ (valorização excessiva de ativos) ou de crises de crédito (forte e abrupta escassez) em segmentos específicos do mercado e o possível contágio destes segmentos sobre outros.” (HERMANN, 2009, p. 10).
48
desenvolvimento financeiro também depende do acesso à tecnologia e à
disponibilidade de capital humano.
2.3. O enfoque pós-keynesiano: “preferência pela liquidez” e “fragilidade financeira”
O enfoque pós-keynesiano, que tem como principais autores
Paul Davidson, Hyman Minsky, Jan Kregel, Jennifer Hermann, entre
outros, se concentra na crítica à hipótese de mercados eficientes e é
ainda mais pessimista quanto ao bom funcionamento do mercado
financeiro sem a intervenção sistemática do Estado. Este enfoque parte
da concepção de que expectativas de renda futura envolvem riscos e
incertezas [shifting disequilibrium]. Por hora, enunciaremos alguns tópicos
destas análises, que se centram na incerteza quanto ao futuro das
transações monetárias e nos riscos inerentes à demanda por moeda em
mercados organizados em torno da liquidez, destacando-se o que Keynes
chamou de comportamento convencional59. Neste sentido, o predomínio
da “especulação sobre o empreendimento”, leva novamente à
centralidade da proposição keynesiana de “preferência pela liquidez”,
como proteção aos riscos inconvenientes da incerteza.
Os postulados da Teoria Geral (1936) assumem que o nível de
atividade econômica e as variações no volume de emprego podem ser
explicados por três fatores psicológicos fundamentais: a propensão a
consumir, a preferência pela liquidez e a expectativa futura. Para Keynes
(1982), a definição da taxa de juros em uma economia monetária, parte
da sua relação com o conceito de entesouramento, como primeira
aproximação da “preferência pela liquidez”: “... razão pela qual o juro tem
sido usualmente considerado como uma recompensa por não gastar60,
[...] ele é a recompensa por não entesourar.” (KEYNES, 1982, p. 142).
59 Este comportamento para Keynes indica que é melhor para a reputação fracassar junto com o mercado do que vencer contra ele. 60 Keynes (1982) refere-se ao pensamento neoclássico, que vê o retorno do capital como uma remuneração ao capitalista pelo adiamento do consumo e na qual a moeda é
49
Em princípio, a preferência pela liquidez dos bancos é uma
questão central tanto para Keynes quanto para os pós-keynesianos. A
teoria da preferência pela liquidez é vista não somente como a demanda
por moeda, mas principalmente como uma estratégia bancária que tem
por detrás uma “teoria da determinação de balanços61”.
Consecutivamente, esta abordagem explica a estratégia de balanço
mais do que uma escolha de ativos. Sendo assim, Kaldor (1980) apud
Carvalho (2007) e Davidson (1978), ressaltam a importância de notar que:
Liquidez não é uma qualidade natural, mas resulta da criação de instituições de mercado específicas. [...]. A padronização, portanto, permite que os mercados sejam criados, aumentando o prêmio de liquidez daquela mercadoria e alterando seu valor aos olhos do investidor. (CARVALHO, 2007, p. 17).
A questão da preferência pela liquidez dos bancos instiga os
analistas de mercado, afinal, confunde-se a liquidez do ativo, sob a forma
de moeda, com as reservas bancárias, em termos de estoque de
depósitos à vista. Hermann (2009) assinala que além das funções
relativas à organização e operação do sistema de pagamentos da
economia, as instituições financeiras assumem os riscos das operações
de crédito. A responsabilidade no cumprimento dessas funções faz jus à
apropriação das rendas de “intermediação” pelo setor financeiro. Além
disso, Carvalho (2007) critica a dicotomia entre ativos líquidos versus
ilíquidos, empréstimos versus reservas, sendo que, exceto para os pós-
keynesianos, os banqueiros pesam a lucratividade contra a liquidez,
tratando-se de graus de liquidez associados aos diversos ativos ao
alcance dos bancos.
É interessante notar que embora o próprio Keynes não tenha
se detido na análise do modo pelo qual os consumidores financiam as
compras no mercado de ativos, Minsky (1975) se preocupou em realizar
exógena, ou seja, não afeta as variáveis econômicas reais. Para entendimento do ponto de vista neoclássico sobre o problema, vide Baltensperger (1980). 61 Esta abordagem implica numa discussão sobre a endogeneidade da moeda: “Uma economia no auge requer uma crescente concentração das aplicações de um banco em ‘adiantamento a clientes’ [...]. Por outro lado, sua liquidez menor, quando comparada com outras aplicações mais líquidas, [...], é compensada por maior lucratividade.” (CARVALHO, 2007, p. 19).
50
uma diferenciação no perfil temporal de entradas e saídas de dinheiro,
dada uma lista de ativos e passivos no balanço. Através deste estudo foi
possível compreender o componente keynesiano de “estado de
confiança62” contido na noção de fragilidade financeira de Minsky.
Neste contexto, o que concerne aos pós-keynesianos,
... é a proposição de que os ativos são diferenciados de acordo com as combinações de retorno monetário e prêmios de liquidez que oferecem, não porque uns são inteiramente líquidos e outros inteiramente ilíquidos. (CARVALHO, 2007, p. 8-9).
Para melhor compreender esta abordagem, Minsky (1975)
escreve que numa economia capitalista, cada unidade econômica
caracteriza-se por seu próprio portfólio:
In the terminology that Keynes uses, both assets and liabilities are annuities: they set up cash receipts or expenditures over some fixed or variable future time period. In today´s language, assets and liabilities a dated sequence of anticipated cash flows, i.e., cash receipts or cash payments. Various assets and liabilities differ in the nature of the cash flows they set up. The cash flows for any asset or liability may be dated, demand, or contingent; they may be associated with owning or using an asset, or with the purchase or sale of an asset. (MINSKY, 1975, p. 70).
Como vimos na seção anterior, os altos custos de informação e
transação explicam as barreiras à entrada e a alta concentração do setor
bancário. Em relação a este último ponto, entende-se que há um “trade -
off entre o grau de concentração e a estabilidade do sistema financeiro”
(MODENESI, 2007, p. 78). Uma vez que o BPL deveria atuar sempre no
sentido de impedir o avanço do crédito nas fases de expansão do ciclo
econômico e facilitar a concessão de crédito nas recessões, um banco
qualquer, ao contrário, vai conceder mais crédito nas expansões e
dificultar a concessão de crédito nas recessões, tal como observado por
62 O termo é empregado por Keynes (1982) para chamar a atenção sobre a influência que o estado de confiança exerce na curva da eficiência marginal do capital e na demanda por investimento. Segundo Keynes (1982) o estado da expectativa em longo prazo não depende exclusivamente do prognóstico mais provável que possamos formular, também depende da confiança com a qual fazemos este prognóstico.
51
Minsky (1982; 1986). Liquidez63, assim, se torna a habilidade de honrar
compromissos de saída de caixa contratualmente fixados. Neste caso, o
poder de disposição sobre o ativo é apenas uma das formas através das
quais as condições de liquidez podem ser providas, onde “o ‘prêmio de
liquidez’ [...], isto é, o valor reconhecido pelo detentor de ativos do
poder de disposição sobre ela, depende muito da natureza das
obrigações emitidas para financiar sua compra.” (CARVALHO, 2007, p. 9).
Atualmente, ainda que a experiência acumulada na
administração das taxas de juros tente criar um ambiente artificialmente
confiável aos agentes, o impacto da incerteza e das expectativas entra em
colapso com a preferência pela liquidez. Isto se deve não somente pelo
fato das formas e proporções dos ativos e passivos bancários terem se
diversificado, mas em razão da hipótese desenvolvida por Minsky (1982),
sobre o tratamento da volatilidade dos depósitos bancários na questão da
fragilidade financeira, sujeita a crises. Conforme a análise de Minsky
(1986), que classificou os investidores entre hedgers, especuladores ou
Ponzi, nos mostra que “um banco comercial não pode ser unidade
financeira hedger” (MINSKY, 1986, p. 207).
Em relação aos programas de crédito federais, Davidson
(1994) centra a sua crítica nos modelos neoclássicos e quaisquer
desdobramentos da teoria da firma, compatíveis com algum tipo de
comportamento maximizador. Particularmente, dirige-se ao modelo de
custos de transação de Williamson64 (NEI), que para Davidson (1994)
63 De acordo com Carvalho (2007) liquidez significa que para um determinado estado de expectativas, ”...as preferências pela liquidez dos bancos determinarão o perfil desejado de ativos que compram e seus preços, isto é, a taxa de retorno que cada tipo de ativo deve oferecer para compensar pelo seu grau de iliquidez.” (CARVALHO, 2007, p. 15). Sendo assim, dentre as mudanças estruturais que mais afetaram as escolhas dos bancos com relação à liquidez, talvez a mais importante seja o rápido crescimento do mercado de derivativos, devido ao fenômeno da securitização, que muda a natureza da operação desempenhada pelo banco. 64 Para Williamson (1985) a organização das atividades econômicas incorre em dispêndios (custos de transação) de recursos na coordenação de agentes oportunistas e limitados em conhecimento, capacidade de previsão, habilidade e tempo. Zylbersztajn (1995) apresenta três razões para o agente não agir de forma oportunista, a) garantias legais correspondem ao ambiente institucional formal, de forma que o principal pode recorrer ao sistema judicial contra o agente oportunista, b) princípios éticos correspondem ao ambiente institucional informal de forma que o agente pode ter sua reputação abalada em função de sanções sociais, levando-o a custos maiores para
52
parte dos mesmos pressupostos ortodoxos, pois a informação existe sob
a forma imutável (ergódica) de distribuição de probabilidades, na qual os
custos de transação são mais elevados para os credores do que para os
devedores. Nas palavras de Davidson (1994):
In the real world, federal credit programs do not apply to lenders who make only one (small) unit loan per period and make no additional loans until the initial loan is repaid. Government policies involve lenders who make a multitude of loans every day. Government credit programs exist despite the possibility of self-insurance by such lenders. […] Even if debt contracts could be actuarially insured, however, most real world multiloan lenders still are faced with a liquidity problem. Large lenders borrow short and lend long. Consequently, at any future moment, these lenders may need to liquify a significant portion of their diversified performing loan portfolio before maturity dates to meet a sudden surge in the short-term demand for liquidity by their creditors. (DAVIDSON, 1994, p. 546-7).
Isto significa dizer (DAVIDSON, 1994), que a inadimplência não
obedece a um padrão e as garantias governamentais no mercado de
crédito não são estatisticamente previsíveis e, categoricamente, não são
autofinanciáveis. O governo só pode assegurar o fluxo de caixa aos
credores, porque, nos termos da lei civil, o governo dita as regras quanto
ao cumprimento das obrigações contratuais. Como a maioria dos agentes
cumpre a lei, o governo garante a liquidez dos credores em larga escala,
proporcionando um mercado secundário para os principais componentes
das carteiras de credores. Neste sentido, Hermann (2009) afirma que as
medidas corretivas não são tão eficazes quanto à atuação compensatória,
que enquadra o BPL às políticas de crédito direcionado com apoio de
recursos públicos.
2.4. Em busca de uma definição do papel dos bancos públicos no sistema financeiro
A coexistência do BPL pós-liberalização com estabilidade
econômica é vista pelos autores pós-keynesianos como uma prova de
transacionar com membros do grupo, c) reputação pressupõe freqüência nas transações e a consciência do agente de que seu oportunismo pode levar ao rompimento do contrato e a interrupção do fluxo de renda futura.
53
que o importante, em termos de desenvolvimento, não é a quantidade,
mas sim a “qualidade” da atuação destas instituições no mercado
financeiro. De fato, o setor bancário está em constante mutação e ao que
tudo indica os BPLs não estão desaparecendo, mas sim se adaptando às
exigências das economias em desenvolvimento.
Entretanto, de um lado, em consonância com a macroanálise65,
o governo atribui ao BPL um importante papel para financiamento
adicional dos investimentos reais, aumentando o nível de emprego e
gerando incrementos nas instalações produtivas futuras, resolvendo
assim o problema crônico de subemprego de capital e trabalho. Por outro
lado, Chang (2003) salienta que o aparato analítico subordina-se às
armadilhas ideológicas da ortodoxia do liberalismo. Dessa forma, todo o
instrumental teórico arranja-se de forma a apontar resultados congruentes
com as postulações ideológicas.
Segundo esta linha de pensamento, nos moldes de Shaw-
McKinnon66, a crise financeira do Estado (via déficit público), aspecto
central para tornar imprescindível a sua reforma, teve como causa
primária e única o excessivo intervencionismo do Estado, gerador de
ineficiência alocativa, reduzida taxa de produtividade e gastos
desnecessários. A solução imediata para o problema foi o corte de
despesas via privatização, acelerando a recuperação da dívida pública.
Chang (2003) menciona que com a transferência de parte das fatias do
mercado outrora considerada de propriedade pública para o mercado
concorrencial, através da privatização, o Estado apenas muda de figura,
deixando de cumprir o papel de provedor do serviço e passando a
assumir as responsabilidades de regulador.
65 Conforme Schumpeter (1954), a macroanálise trata de uma concepção ou “visão” sobre as características específicas do objeto de estudo em análise, não se trata então de uma “previsão”. 66 Shaw-McKinnon preferem um modelo de autorregulação supervisionado à outras formas intervencionistas. Modelo este baseado em um único elemento-chave: o sistema jurídico eficiente. É importante frisar que de acordo com este modelo, a ampliação do livre mercado é interessante não somente por expandir a órbita financeira como também por propiciar a diferenciação crescente das necessidades, tornando possível influenciar o poder político a partir do ideário econômico.
54
No tocante às economias periféricas, as consequências são
drásticas e, muitas vezes, catastróficas, porque pela sua posição
retardatária na economia capitalista mundial, abstrai-se de si mesmo o
importante e decisivo papel do Estado, aderindo à dupla-ideia arranjada:
“Política boa e Instituições boas” de interesse dos países dominantes.
Uma das boas ideias que permeou a discussão é garantir a proteção aos
direitos de propriedade.
Conforme Micco & Panizza (2005), “A garantia é um
mecanismo essencial para lidar com os diversos tipos de incerteza que
inibem a expansão do crédito.” (MICCO & PANIZZA, 2005, p. 24).
Entretanto, a supervisão não substitui a regulamentação, na análise de
Galindo, Loboguerrero & Powell (2005), mesmo com o papel
desempenhado pela disciplina de mercado, é imprescindível que a
supervisão privada do setor bancário esteja acompanhada da
regulamentação, pois esta é um complemento estratégico na terminologia
microeconômica moderna. O dilema entre custo versus benefício deste
modelo consiste em que o tratamento pode depender dos tipos de
choques que atinjam o sistema bancário: “Se os choques tendem a ser de
natureza macroeconômica, afetando o risco percebido de todo o sistema
bancário [...] então a disciplina e mercado pode ser contraproducente.”
(GALINDO, LOBOGUERRERO & POWELL, 2005, p. 113).
Nesse sentido, Sen (2005) sugere adotar uma abordagem múl-
tipla do desenvolvimento, pois essas questões relacionam-se estreitamen-
te à necessidade de equilibrar o papel do governo e outras instituições po-
líticas, econômicas e sociais com o funcionamento dos mercados, rejei-
tando uma visão compartimentalizada do processo de desenvolvimento,
por exemplo, ao se optar pela liberalização financeira.
Diante deste quadro, de um lado, Hermann (2009) sucintamen-
te pondera que as formas de atuação do Estado no mercado financeiro
devem-se à formulação de políticas macroeconômicas em conjunto com
uma combinação de regulamentação e políticas financeiras (restrições
versus incentivos), além dos possíveis vínculos com os programas de
55
crédito direcionado, em grande parte administrados pelo BPL, dado que
as outras formas de intervenção são, basicamente, por indução. Neste
sentido, Hermann (2009) sintetiza que cabe ao BPL o seguinte objetivo
geral:
... conter e, idealmente, compensar a tendência curto-prazista do mercado, de modo a ampliar a disponibilidade de crédito para atividades cujos ativos sejam, em regra, identificados (pelas instituições financeiras e poupadores privados) como ativos de baixa liquidez, por conta de retornos e riscos muito incertos – basicamente, aqueles mesmos setores, antes mencionados, como mais propensos a sofrerem racionamento de crédito. (HERMANN, 2009, p. 12).
De acordo com Aghion (1999), a maioria dos projetos de longo
prazo envolvem montantes elevados e custos irrecuperáveis [sunk costs],
levando ao co-financiamento dos agentes financeiros e induzindo a um
problema de parasitismo e uma visão “curto-prazista” por parte do
mercado. De um lado, Aghion (1999) verifica que num modelo
descentralizado do sistema bancário, os bancos são levados a investir
menos em projetos de longo prazo e, mesmo num modelo centralizado, a
escassez de fontes alternativas e/ou do barateamento do financiamento
de longo prazo levam alguns países a continuarem optando pela
presença do BPL. Por outro lado, intermediários financeiros públicos
descentralizados contribuem para: a) melhorar os termos de captação e a
eficiência no uso dos recursos externos; b) sinalizar taxas de juros e
spreads para regular o mercado dos excessos cometidos pelas
instituições financeiras privadas.
Isto se deve ao fato dos bancos privados não abarcarem
setores econômicos pouco atrativos para o financiamento de longo prazo
(custo versus benefício67), principalmente nos países periféricos, onde o
grau de concessão creditício não é profundo o suficiente para atender os
demandantes por crédito de forma satisfatória. Além da escassez de
67 Uma razão para as instituições financeiras privadas não ofertarem uma categoria particular de serviço financeiro, ou fazer um empréstimo “é evidente: as taxas esperadas de default são elevadas, e, a uma taxa de juros alta o suficiente para ‘cobrir’ estes defaults, o empréstimo pode tornar-se simplesmente inviável.” (ANDRADE & DEOS, 2007, p. 4).
56
financiamento de longo prazo, o comportamento curto-prazista do
mercado agrava ainda mais o elevado risco de fragilidade financeira (risco
de “iliquidez”) que está sujeito o sistema monetário. Segundo Minsky
(1973),
… A private investment dependence is fraught with inflationary contingencies. The rising desire to consume which is induced by capital gains during booms makes it likely that the growth in aggregate demand will outpace aggregate supply. This generates a demand-pull inflation. In addition, the investment strategy can impel a special type of cost-push inflation […] Thus, the private investment strategy has four flaws: -it breeds fragile financial relations that threaten full employment and financial stability; -it evokes inflationary pressures; -it enlarges capital income in total income; -it fosters inequality in labor income. (MINSKY, 1973, p. 98).
Além disso, dada as condições precárias de financiamento nos
países em desenvolvimento é de suma importância sustentar um patamar
de crescimento que viabilize o padrão de reestruturação produtiva. Deste
modo, pressupõe-se a criação de mecanismos através dos quais os
BPLs, por exemplo, compensem as tendências de curto-prazo do
mercado e onde a supervisão é meramente complementar a este
combate. A principal função dos BPLs, neste sentido, é o estímulo ao
investimento em setores estratégicos, de forma a romper com os
impasses no financiamento. Conforme Hermann (2009):
... basta que o banco seja capaz de disponibilizar, de forma regular, linhas de financiamento de longo prazo, a custos mais baixos (mas não necessariamente subsidiados) que os exigidos pelas instituições privadas (caso entrassem nesse mercado). (HERMANN, 2009, p. 15).
A fim de sintetizar os principais grupos de justificativas para o
papel do BPL, o Quadro 1 caracteriza quais os principais objetivos,
justificativas, papel e a quem se dirige a atuação do BPL. Nota-se que
este Quadro foi construído com base num caráter central às instituições
financeiras públicas, com o objetivo de reduzir as incertezas provenientes
do sistema financeiro. Frequentemente, atribui-se ao papel do BPL as
funções relacionadas no grupo III, ou seja, na necessidade de
financiamento de projetos cujo risco impede que o mesmo seja viabilizado
57
pelo segmento privado, em razão de não obedecerem à lógica privada de
rentabilidade financeira.
QUADRO 1
Grupos de justificativas para a intervenção estatal no mercado financeiro
Grupo I Grupo II Grupo III Grupo IV
Justificativa
Manter a segurança e a
solidez do sistema bancário
Abrandar falhas de mercado
causadas pela assimetria de informações
Desenvolver políticas de
financiamento e investimentos de
LP
Promover a universalidade de acesso aos
serviços bancários
Papel
Instrumento de apoio à liquidez
das demais instituições
Proteção dos prejuízos advin-dos da fragilida-
de bancária
Apoio em proje-tos de investi-
mentos selecio-nados aos agen-tes prioritários
Oferta de crédi-to/serviços para residentes de re-giões longínquas
e/ou isoladas
Objetivos
1) Mitigação de riscos contra a tendência de
alavancagem de alguns
investimentos;
2) Intervenção governamental, em períodos de
atividade econômica reduzida
(recessão)
1) Redução da instabilidade a-través do contro-le do grau de fragilidade finan-ceira com que opera o merca-do, devido ao al-to custo e uso in-tensivo da in-formação no se-tor bancário
1) Provisão de assistência fi-nanceira às in-dústrias em de-clínio;
2) Estímulo aos setores com spill-overs tecno-lógicos ou pro-cessos produti-vos novos, relati-vos à infra-estrutura
1) Disponibilida-de e extensão de produtos e servi-ços aos agentes, afetando positi-vamente a taxa de crescimento da economia;
2) Geração de externalidades positivas
Público-alvo
Tomadores e Credores de
recursos financeiros
Tomadores e Credores de re-cursos financei-
ros
Parcelas minori-tárias (microem-presas, agricultu-ra familiar, em-
pregos informais, etc.)
Moradores de regiões distantes do centro finan-
ceiro
Observações
É difícil para instituições financeiras
privadas internalizar uma
política monetária
expansionista
A informação é um ativo intangí-
vel, facilmente destruído na hi-pótese de que-bras bancárias
Neste caso o funding é dife-
renciado (recur-sos fiscais e para- fiscais, subsídio à
taxa de juros e flexibilidade nas
garantias)
Aumento da ca-pilaridade da re-de de agências
de BPLs
Fonte: Elaboração própria, com base em diversos autores.
58
Em geral, as atribuições pertinentes à intervenção do Estado
no mercado financeiro atual são impostas como “verdades absolutas”,
inibindo a reflexão sistemática sobre as razões e realidades em que estas
instituições atuam.
Na opinião de Hermann (2009), uma razão inerente ao
processo de desenvolvimento, que justifica a atuação de um BPL, é a
necessidade de autonomia68 financeira para a implementação de políticas
de desenvolvimento, pois as estratégias políticas com base em programas
de investimento público, financiados com recursos orçamentários e/ou via
emissão de dívida pública são limitadas pela restrição orçamentária do
governo, cujos recursos disponíveis sofrem ingerências políticas e legais
e são disputados por um elenco variado de ‘rubricas’. Em outros termos,
Ainda que se formule um orçamento de capital separado do orçamento corrente (de consumo), as necessidades de custeio e as obrigações financeiras do governo, que são despesas inelásticas em curto prazo, será, sempre, um limite potencial à alocação desses recursos a investimentos. (HERMANN, 2009, p. 15).
Para Pinheiro (2006), interessa à sociedade maximizar seu
bem estar, podendo então optar entre duas alternativas de intervenção
estatal: criar um banco público ou influir na atuação do banco privado.
Quando o banco é publico, o ministro decide a quê o banco se subordina,
quando o banco é privado, ele é determinado pelos seus proprietários, le-
vando em conta as regras e incentivos fixados pelo regulador. A atrativi-
dade relativa de cada opção depende da capacidade da sociedade pro-
mover a intervenção desejada em um ambiente de informação assimétri-
68 Hermann (2009) considera que a autonomia financeira do BPL tende a ser maior que a do governo, devido à possibilidade de recorrer a fontes de funding diversificadas: captação de poupança doméstica (voluntária ou compulsória), de empréstimos de outros bancos (nacionais ou estrangeiros) e, principalmente, reinvestimento do excedente operacional. Na opinião de Hermann (2009), estes tipos de funding, se comparados às fontes típicas de financiamento do STN (impostos e dívida pública), são socialmente mais justos. Isto porque o ônus do financiamento recai sobre grande parte da sociedade, e não apenas sobre os agentes com alguma capacidade de poupança; assim, a combinação de investimentos públicos convencionais com a atuação de um BPL tende a produzir uma melhor alocação de recursos.
59
ca, resultante da existência de três tipos de informação privada que influ-
em na decisão final dos agentes:
q = variáveis que refletem as características do banco ou influem na atratividade dos projetos a serem financiados, como o retorno espe-rado e o risco, a saúde financeira do tomador do crédito, a qualidade das garantias oferecidas. y = variáveis que influem nos benefícios sociais externos da ação executada pelo banco (isto é, na diferença entre os retornos sociais e privados de sua ação), mas que não afetam a sua lucratividade; e = variáveis que afetam a agenda privada do oficial de governo que supervisiona o banco (o ministro ou o regulador), mas não a atrativi-dade dos projetos do ponto de vista do banco ou da sociedade (ou seja, refletem a divergência entre os interesses do oficial de governo e da sociedade em geral).
FIGURA 3 – Banco Público versus Banco Privado
Fonte: Pinheiro (2006) adaptado de Shapiro e Willig (1990).
De um lado, em termos teóricos, o que os autores estão
assinalando é que, independente do desenvolvimento financeiro do
segmento privado, existe um fenômeno dado pela caracterização da
60
forma de atuação do Estado no sistema financeiro e que isto deve ser
levado em consideração para se pensar em crescimento econômico
sustentado. Por outro lado, em termos macroeconômicos, tanto a
qualidade do crédito quanto a forma adequada de direcionamento devem
contribuir para o aumento da produtividade, reforçando desta maneira o
processo de geração de renda.
De fato, o exame da influência das estruturas financeiras
nacionais sobre o padrão de desenvolvimento industrial69 depende da
análise sobre a atuação do Estado nos mercados financeiros e às demais
variáveis microeconômicas, além das condições macroeconômicas e
materialmente substantivas. Temos como exemplo a credibilidade das
políticas monetárias adotadas nos países mais avançados diante da ação
direta em fases recessivas, por meio dos gastos públicos. Contudo, as
estratégias econômicas governamentais e as coalizões políticas
contribuíram de modo significativo para a redução das incertezas,
servindo como estímulo às mudanças nos humores e atitudes [animal
spirits] do empresariado. Convém lembrar que para Keynes,
... a instabilidade econômica encontra outra causa, inerente à natureza humana, no fato de que grande parte das nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo do que de uma expectativa matemática, seja moral, hedonista ou econômica. [...] A iniciativa individual, porém, somente será adequada quando a previsão razoável for secundada e sustentada pelo dinamismo. [...] Isto significa, infelizmente, que não só as crises e as depressões têm a sua intensidade agravada, como também que a prosperidade econômica depende, excessivamente, de um clima político e social que satisfaça ao tipo médio do homem de negócios. (KEYNES, 1992, p. 133).
Cabe notar que cada vez mais os bancos em geral passam a
ser vistos como organizações ativas, que afetam o sistema econômico
69 Para um estudo detalhado, vide Zysman (1983), que a partir das peculiaridades dos sistemas financeiros de países selecionados, a exemplo do Japão e da França, chega à conclusão que um sistema financeiro assentado em créditos manejados discricionariamente pelo estado é capaz de ajustar-se ao desenvolvimento industrial, enquanto que essa prerrogativa não é passível de ocorrer em estruturas financeiras que gravitam em torno de um mercado de capitais competitivo, como é o caso dos Estados Unidos. A principal contribuição deste autor reside na definição de mercados enquanto “criações políticas”.
61
real através da supressão ou de incentivos no fornecimento dos meios de
pagamento, no provimento do “animal spirits” do empreendedor e na
regulação da atmosfera política e social. Sendo assim, a atuação do BPL
no mercado financeiro pode revelar-se inadequada ou adequada, realista
ou utópica, produtora de externalidades positivas e/ou negativas,
conforme a realização das principais funções designadas a estas
unidades econômicas.
Entretanto, as recentes análises empíricas apontam que há alta
correlação entre os ativos totais do sistema bancário e dos dez bancos
mais importantes de um determinado país. Na América Latina, o
decréscimo quantitativo de BPLs se deu de forma bem mais acentuada
comparada ao Sul asiático e Oriente Médio, que praticamente mantiveram
a sua participação de BPLs70. O Gráfico 1 ilustra esta variação, com base
na quantidade de ativos dos dez maiores bancos de cada país, por
região, em termos percentuais.
GRÁFICO 1: Variação de Bancos Públicos ao redor do mundo
Fonte: Yeyati, Micco e Panizza (2007) baseado em dados de La Porta, López-de-Silanes e Shleifer (2002).
Este fenômeno produz controvérsias, na medida em que se
chama a atenção para a representatividade do BPL no setor bancário
70 Segundo Megginson (2003), no período entre 1987 e 2003 foram privatizados mais de 250 bancos, em um equivalente a US$ 143 bilhões.
62
contrariar a efetividade da liberalização econômica. Além de justificar-se a
experiência bem sucedida de intervenção estatal na Ásia pelo fato de
nesta última o crescimento ter sido mais acelerado em relação à América
Latina. Enquanto a queda percentual dos BPLs no total de ativos fez
história, recentemente, a crise financeira internacional de 2008 parece ter
ampliado as nuances na percepção política e ideológica sobre a
relevância dos BPLs no mercado financeiro, em favor da demanda e do
crescimento econômico. Enfim, mesmo diante de turbulentos ataques
especulativos no mercado de capitais, em decorrência de crises
financeiras mundiais, o setor bancário brasileiro vem produzindo uma
espécie de redemoinho virtuoso de “destruição criativa71”, no que tange
aos aspectos regulatórios.
Em suma, a lição que tiramos de cada uma destas visões e
teorias é a necessária urgência na repactuação do compromisso em
direção ao desenvolvimento e de transformações estruturais nos países
em desenvolvimento. O funcionamento eficiente e estável de um sistema
financeiro pressupõe a estabilidade macroeconômica, a regulamentação
prudencial e a supervisão efetivas, além de um grau razoável de
competitividade no setor bancário. No que se refere ao BPL, quando a
concorrência não for por si só suficiente para prover, entre outras
condições, mecanismos que assegurem o financiamento de inovações e
de firmas entrantes no mercado de bens competitivos, faz-se necessário o
estabelecimento destas instituições e de controles sobre a alocação de
crédito72.
71 Esta famosa expressão de Schumpeter originalmente refere-se ao êxito do capitalismo (1870-1929). 72 Para uma perspectiva histórico-institucional focada nos países em desenvolvimento, vide Taylor (1993), Wade (1990), Akiüz e Kotte (1991) que enfatizam a importância dos controles sobre a alocação e os termos do crédito bancário articulada a uma política industrial ativa comandada pelo estado.
III. CRÉDITO BANCÁRIO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO-FINANCEIRO: UMA RELAÇÃO EM PROCESSO
É possível que o Estado burguês tenha criado o BPL para
garantia das condições sociais de reprodução do processo de
acumulação, dado que o crédito dita o compasso das economias
capitalistas. De fato, o papel do BPL esteve associado por um longo
período de tempo à transferência do capital agrário para o capital
industrial, ou seja, o crédito figurou como elemento dinamizador da
economia. Mais tarde, com a expansão da economia mundial, o
crescimento populacional, a oligopolização e a internacionalização
impuseram-se diversas estruturas e formatos institucionais de
organização financeira, refletindo na trajetória de cada nação.
Neste capítulo, trata-se da classe institucional bancária como
instrumento de centralização e difusão do crédito, que nada mais é que
uma junção de contratos capaz de realizar despesas. No que tange ao
desempenho das funções bancárias, observa-se que a concessão de cré-
dito significa para o banco a aquisição de um ativo. Ao concederem crédi-
tos os bancos estão tomando decisões cruciais quanto à composição de
seu portfólio (solidez) e quanto à sua liquidez.
Em relação ao conceito de desenvolvimento econômico há
duas definições, a primeira considera o desenvolvimento praticamente
sinônimo de desenvolvimento, a segunda entende que além do
crescimento da produção, o desenvolvimento envolve níveis de vida e
mudanças nas instituições, atitudes e políticas. Enquadra-se nesta
inspiração sobre o desenvolvimento os economistas do desenvolvimento,
que como vimos no capítulo 1 deste trabalho, tiveram o mérito de
destacar que o desenvolvimento implica nas interdependências entre
setores produtivos e nas transformações estruturais, visando eliminar os
pontos de estrangulamento do desenvolvimento. No contexto dos países
64
em desenvolvimento, este assunto torna-se ainda mais latente, devido a
real necessidade de não se perder de vista as iniciativas da política
pública na “criação de oportunidade social” (SEN, 2005).
Como vimos nos capítulos anteriores, a formação de bancos
públicos de desenvolvimento e, porquanto, a existência de intermediários
financeiros públicos justifica-se por diversas razões, dentre as tantas, a
principal é que dificilmente os mercados privados cobrem as
necessidades de financiamento dos investimentos de longo prazo e de
elevados retornos sociais. Até mesmo a liberalização financeira provou
ser inócua para pressionar o setor privado a exercer este papel, dado que
os prêmios de risco elevado são insuficientes para compensar as
enormes incertezas nas economias latino-americanas.
Portanto, para Hermann (2009) a expansão da oferta de crédito
das instituições financeiras privadas ainda não representa uma ameaça
letal à existência do crédito de BPLs nas economias em desenvolvimento.
Em geral, abaixar o preço das taxas de juros dos empréstimos bancários
é uma alternativa mais eficiente em relação aos demais instrumentos
protecionistas (tarifas, por exemplo). Porém, diversos autores destacam
que a experiência com bancos públicos de desenvolvimento apresenta
dois pressupostos básicos: controles políticos externos e taxas de juros
aproximadas do "custo sombra73” ou custo de oportunidade do capital.
Basicamente, o objetivo deste terceiro e último capítulo é, em
primeiro lugar, revisar alguns conceitos básicos sobre o marco teórico do
crédito no desenvolvimento e articulá-lo na análise dos ciclos de
crescimento econômico, a fim de compreender de que forma o crédito
pode contribuir ao processo de desenvolvimento. Nota-se que as
alterações nas condições de crédito não se refletem unicamente no nível
da taxas de juros, afetando também o lado real da economia. Portanto, a
73 Esta é definida como uma medida da disponibilidade dos bancos a pagar pelo capital,
uma vez que indica o montante que estes poupariam como resultado de um reforço da sua capitalização correlacionada com a taxa de juros do mercado e com o custo médio ponderado de financiamento dos bancos.
65
depender da análise que se faz do papel da moeda74, do canal do
crédito75, e das instituições76 que compõem o sistema bancário, uma ou
outra linha de argumentação será utilizada.
Como se sabe, nas teorias inspiradas em Keynes assim como
em Schumpeter, a forma moeda incorpora a referência universal do valor
que, por sua vez, é personificada através da atuação dos bancos, cuja
função creditícia é de natureza macroeconômica. De acordo com esta
ideia, a moeda é endógena77 e inerente ao sistema econômico real,
afetando as variáveis econômicas reais de forma permanente, dado que
os sujeitos da ação demandam por depósitos bancários.
A realização deste capítulo surge em função de duas
motivações. Em primeiro lugar, dado que a análise do crédito bancário
está relacionada ao comportamento da organização financeira perante o
sistema financeiro e à sociedade, é importante delimitar quais
determinantes de uma crise financeira se devem ao embate entre as
políticas monetárias e fiscais. Além disso, em segundo lugar busca-se
apreender as controvérsias suscitadas nos estudos recentes acerca da
suposta ligação entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento
econômico. No nosso modo de entender não se trata de um nexo causal,
mas de uma relação em processo.
Em segundo lugar, argumenta-se que a busca por um padrão
de desenvolvimento financeiro similar ao existente nos países
74 A literatura econômica que se refere aos fatores monetários como determinantes do
desenvolvimento econômico ainda é incipiente. Uma das hipóteses básicas para a existência desta lacuna está na ideia, de inspiração ortodoxa, que defende a neutralidade da moeda. No entanto, a moeda é peça-chave no processo de trocas, reflete em boa medida o que se passa na órbita da produção e das variações no produto e investimento, ou seja, a moeda não é um elemento neutro no sistema econômico, responsável apenas por representar o nível de preços da economia em geral. 75 O canal do crédito distingue os empréstimos bancários [bank lending channel] do balanço patrimonial [balance sheet channel], focando no estudo da maneira pela qual as mudanças nas taxas de juros dos empréstimos bancários afetam a demanda agregada e a transmissão da política monetária. 76 Os neo-schumpeterianos entendem as instituições como um sistema coletivo de cren-ças/valores, práticas/rotinas organizacionais e conhecimentos técnicos acumulados. 77 Nas palavras de Carvalho (2007), variáveis endógenas são aquelas cujos valores são determinados na solução de um modelo, a moeda (depósitos) é endógena porque é resultado da decisão privada dos bancos, independentemente de o banco central controlar a base monetária ou a taxa de juros.
66
desenvolvidos, muitas vezes utilizado como justificativa para o
desmantelamento dos BPLs nas regiões periféricas, além de constituir-se
de argumentos simplistas, dado que se considera nestes trabalhos
empíricos78 apenas uma amostra de dados selecionados, abstrai-se
também da noção de “dependência da trajetória” [path dependence], o
que significa dizer que as razões do desenvolvimento não são
necessariamente econômicas stricto sensu, mas, sobretudo
condicionadas e baseadas em características políticas e históricas,
tornando-se indispensável aos economistas interessados na temática do
desenvolvimento a análise pormenorizada dos fatores e determinantes
que fazem cada trajetória ímpar.
No que se refere à acepção do termo aqui empregado, as
instituições afetam o desenvolvimento e o crescimento das economias a
partir de estruturas formadas por fatores econômicos e sociais pré-
determinados, que não garantem que uma homogeneidade nos arranjos e
estruturas bancárias possam tornar uma dada economia eficiente e as
outras não.
Portanto, este capítulo se subdivide em basicamente quatro
seções. A primeira seção tem como princípio realizar uma breve análise
da teoria wickselliana. Este autor neoclássico rompe com o paradigma
estabelecido pela visão convencional, incorporando o papel da moeda no
processo de acumulação capitalista através do crédito. Embora se
desloque o plano de análise, a aplicação das técnicas marginais de
análise79 não permitiu um avanço no entendimento das relações da
moeda com o sistema produtivo capitalista no longo prazo, problemática
que Schumpeter se propôs a solucionar.
78 O debate teórico acerca desta temática re-ascende a partir da emergência de trabalhos empíricos, no âmbito internacional. O primeiro de uma série, intitulado Stock markets, banks and economic growth (LEVINE & ZERVOS, 1998) indica que a liquidez do mercado de ações e bancário exerce influências sobre o crescimento, em termos de PIB. No Brasil, as pesquisas de Araújo & Dias (2006), apontam para a capacidade das instituições financeiras de disponibilizarem serviços que facilitem e intensifiquem as transações financeiras dos agentes, sendo que a resultante impulsiona a taxa de crescimento. 79 O processo de crescimento econômico é encarado pelos neoclássicos como sendo um problema de equilíbrio estático e alocação eficiente de fatores de produção – capital (K), trabalho (L) e natureza (T), o resto constante (ceteris paribus).
67
Logo, a segunda seção tece uma revisão teórica dos ciclos de
crescimento econômico de Schumpeter, tratando-se do processo de de-
senvolvimento sob a perspectiva institucionalista e evolucionária80, sendo
institucionalista porque se sujeita aos ciclos periódicos de reorganização
dos atores sociais e das estruturas produtivas. A fim de melhor compreen-
der no que consiste a teoria schumpeteriana, o foco de análise também
irá se concentrar na relação entre os bancos e os empreendedores. Isto
se dá de duas maneiras, primeiro ao permitir que o crédito bancário aden-
tre nas transações do fluxo circular, de forma espasmódica, e, segundo,
através das inovações, distribuídas de forma anti-linear no decorrer do
tempo.
No tocante a esta questão, cumpre destacar que temos como
objetivo destacar a importância do financiamento ao desenvolvimento co-
mo um dos principais instrumentos de custeio ao crescimento econômico,
complementar à sua contribuição original (Schumpeter, 1982), com ênfase
no progresso técnico do ciclo de crescimento econômico, pois é essenci-
almente através das inovações lideradas pelos empreendedores e do
crédito, que o progresso técnico direcionou e impulsionou o capital.
A terceira seção deste capítulo tem-se como objetivo focar os
conceitos e aspectos teóricos do processo de finance-funding keynesiano
e apresentar uma breve retomada destes estudos, a partir dos anos 1990,
no âmbito da teoria macroeconômica. Por fim, a última seção busca
pincelar alguns tópicos do caso brasileiro, admitindo-se a possibilidade de
uma determinada política monetária apresentar efeitos sobre as forças
produtivas deste país.
80 A corrente evolucionária centra-se nas relações de produção/distribuição capitalistas irredutíveis a uma lógica puramente mercantil, de forma análoga à biologia.
68
3.1. A importância da teoria monetária de Wicksell
A importância da teoria wickselliana para os estudos
posteriores é inquestionável. Até então, os problemas de política
econômica com raízes no setor financeiro não eram tão prementes, e
podemos dizer que esta lacuna existiu no pensamento neoclássico pelo
menos até Knut Wicksell em Interest and Prices (1936) examinar a
relação entre a taxa de juros “real” e a de mercado. Conforme Wicksell
(1965) a diferença entre a taxa de juros de mercado e a taxa real, natural
ou normal de juros é que a primeira corresponde ao preço efetivo do
dinheiro emprestado, ou seja, o “juro”, já a segunda representa o
rendimento que se espera obter da aplicação do capital, do lucro,
equacionando casualmente a poupança e o investimento.
De acordo com Wicksell, como em Schumpeter, os
investimentos na economia capitalista são financiados pelo sistema
bancário através do crédito, sendo este independente do montante de
poupança existente na economia. Para Knut Wicksell só existe equilíbrio
entre poupança e investimento se a taxa real de retorno do capital for
igual à taxa de juros praticada pelo mercado (estabelecida pelos bancos),
pois se esta estiver abaixo da taxa natural (real), se atribui um “prêmio” à
despesa de empréstimo, elevando a demanda por crédito e o nível de
preços até que a falta de fundos emprestáveis equipare a taxa de
mercado à taxa real.
Portanto, o raciocínio wickselliano entra em desacordo com a
ideia de neutralidade da moeda de seus antecessores neoclássicos, pois
em seu modelo a moeda deixa de ser exógena, pelo menos no curto
prazo. Wicksell (1965) aponta que esta situação de equilíbrio é casual,
uma vez que a taxa de juros de mercado é altamente instável. Por esta
razão, Wicksell (1965) entende que os bancos e as instituições de crédito
exerceram apenas uma influência involuntária sobre os preços, por vezes
em uma direção favorável e noutras num sentido desfavorável.
69
A hipótese wickselliana é que através do mecanismo de
acumulação, referente à inflação81 originada pela criação de crédito
devido à baixa das taxas de juros, se constitui um verdadeiro processo
cumulativo de recursos à disposição da expansão da produção, auto-
impulsionado, denominado por Wicksell de “poupança-forçada82”.
Sinteticamente, Wicksell aponta que se determina uma redistribuição da
renda em prejuízo dos assalariados e em favor dos empresários, que
auferem lucros extraordinários. Ao contrário do raciocínio de Schumpeter,
que entende que o aumento dos preços permite o deslocamento dos
fatores de produção, sem efeitos sobre os lucros, ou seja, não há
“poupança-forçada”, mas redistribuição dos meios de produção entre os
talentos empresariais.
Ademais, diferente do entendimento wickselliano, na análise de
Schumpeter (1982) a instabilidade estrutural do capitalismo é devido a
mudanças endógenas, enquanto em Wicksell (1965) as variações da taxa
real são exógenas e a criação de crédito é um fenômeno que também
ocorre no estado estacionário. Embora Wicksell (1965) aceite que há
situações de desequilíbrio, manteve a ideia da ortodoxia neoclássica que
tal efeito seria apenas no curto prazo. Para Wicksell a oferta de crédito
depende da taxa natural de juros, ao passo que para Schumpeter a
quantidade de dinheiro circulante na economia se sujeita à atividade
empresarial. A diferença entre os dois autores ficará mais clara após as
explanações sobre a contribuição de Schumpeter ao desenvolvimento
econômico que veremos a seguir.
81 Para Wicksell (1965) a inflação ocorre independentemente das mudanças nas funções de produção, porque se a taxa de mercado estiver abaixo da taxa natural, a propensão a poupar diminui, aumentando, por conseguinte, o consumo e o preço dos bens de consumo; além disso, a oferta de dinheiro a uma taxa inferior aos lucros esperados pelos empreendedores torna os empresários mais atraídos a este nível de preços, dado que empresários são demandantes de fatores de produção. Este conjunto de fatores ocasiona um aumento geral no nível de preços. 82 A expressão de Wicksell é representativa da acumulação, refere-se ao mecanismo de poupança involuntária que deriva a redução dos salários reais em virtude da elevação dos preços mais do que proporcionalmente ao aumento dos salários monetários, elevando a taxa de lucro das empresas e estimulando novas inversões.
70
3.2. Schumpeter e o marco teórico do desenvolvimento do século XX
A análise do desenvolvimento econômico começa a ter
destaque somente após o final da II Guerra Mundial, com o crescente
interesse nas condições do mundo subdesenvolvido. Entretanto, o marco
teórico do conceito de desenvolvimento deve-se à publicação da “Teoria
do Desenvolvimento Econômico” em 1911, de Joseph A. Schumpeter, que
ao diferenciar o crescimento da economia, em termos de riqueza das
nações83, e o processo de desenvolvimento, coloca-se à frente de seu
tempo.
Ao contrário da teoria neoclássica, que considerou o produto
total da economia como dado, preocupando-se apenas em uma alocação
ótima de recursos, a teoria do crescimento cíclico de Schumpeter (1982)
buscou aperfeiçoar a percepção sobre o funcionamento do sistema
econômico ao identificar quais são as fontes de crescimento da
produtividade econômica, dentro de um “fluxo circular84” dinâmico. Para
Schumpeter (1982), o processamento deste fluxo deve-se a três fontes
endógenas: a adoção de inovações tecnológicas, a ação do empresário
inovador (empreendedor) e a utilização do crédito bancário.
Vale ressaltar, que o objetivo schumpeteriano em trazer luz à
rationale do comportamento econômico, ex-ante a psicologia dos agentes,
não se limitou a ser um esboço da história econômica. Para Schumpeter
(1982),
O que queremos analisar não é o modo como o processo econômico se desenvolve historicamente até o estágio em que efetivamente o encontramos, mas o funcionamento de seu mecanismo ou organismo em um dado estágio de desenvolvimento. (SCHUMPETER, 1982, p. 14).
Como Marx, o escopo da teoria schumpeteriana se
concentrava nas flutuações persistentes que caracterizam os ciclos
econômicos em fases de crise no processo de acumulação capitalista, de
83 O primeiro economista a se interessar pelas causas do crescimento econômico e da riqueza das nações foi Adam Smith, no livro The Wealth of Nations em 1916. 84 Para Schumpeter (1982), “fluxo circular” refere-se ao processo inercial de reprodução simples do sistema econômico.
71
onde se buscava o substrato para montar uma teoria do capitalismo que
se aproximasse da realidade. Porém, diferentemente de Marx, sua
metodologia com base na história da análise econômica, na sociologia e
na ciência política, não levava em consideração a filosofia:
I hold that the garb if philosophy is removable also in the case of economics: economic analysis has not been shaped at any time by the philosophical opinions that economists happened to have, though it has frequently been vitiated by their political attitudes. (SCHUMPETER, 1954, p. 31).
Neste sentido, o conceito de desenvolvimento surge quando
ocorrem imperfeições na competitividade, que permitem aos
empreendedores monopolistas85 auferir lucros supranormais frente aos
riscos assumidos, provocando uma série de descontinuidades no modus
operandi do circuito econômico.
Em termos da importância social da competitividade, contudo,
faz-se necessário discernir as proposições gerais de Schumpeter sobre o
êxito do comportamento competitivo no sistema capitalista e a hipótese
schumpeteriana particular, de que uma estrutura de mercado envolvendo
grandes firmas com poder de mercado considerável é o preço que a
sociedade precisa pagar para conseguir ter um avanço tecnológico
rápido.
3.2.1. A teoria dos ciclos econômicos de crescimento de Schumpeter e a abordagem neo-schumpeteriana
Conforme vimos na seção anterior, em Schumpeter (1982) o
desenvolvimento deve-se às rupturas no fluxo circular, provocadas pelas
inovações, imitações de arranjos diferenciados da produção de firmas
concorrentes, ou novas combinações dos meios de utilização da
produção, ou seja, é justamente no novo emprego dos fatores de
produção que se agrega valor. Isto significa que a mera execução dos
85 O conceito de poder de monopólio ou oligopólios são na visão schumpeteriana e neo-schumpeteriana situações provisórias, devido às vantagens tecnológicas adquiridas ou desenvolvidas que lhes dão a possibilidade de estabelecerem preços com markup sobre os custos médios.
72
meios de produção outrora subutilizados não irá propiciar crescimento
econômico.
Segundo Schumpeter (1982), as diferentes combinações dos
fatores de produção não surgem do nada, são incorporadas na figura dos
entrepreneurs, que não se restringem aos proprietários das empresas
(capitalistas que assumem riscos), mas daqueles que realizam as
inovações tecnológicas e levam-nas adiante. Há diversas formas de levar
estas inovações ao crescimento econômico, i) mediante a introdução de
novas mercadorias; ii) através de um novo modo de fabricar/comercializar
uma determinada mercadoria; iii) com a abertura/exploração de novos
mercados; iv) pela descoberta de uma nova fonte de matérias-primas; v)
pelo estabelecimento de novas formas de organização comercial ou
industrial.
A concorrência inter-capitalista explica a amplitude do
movimento em forma de onda: “... a grande maioria das combinações
novas não brotará das empresas antigas nem tomará imediatamente o
seu lugar, mas aparecerá a seu lado e competirá com elas.”
(SCHUMPETER, 1982, p. 149). Em outras palavras, o incessante
movimento de ascensão e queda das firmas no mercado é o processo
denominado pelo autor de “destruição criadora” da máquina capitalista,
que também pode significar a substituição de antigos produtos e hábitos
de consumir por novos. De acordo com Schumpeter (1982),
... as inovações no sistema econômico não aparecem, via de regra, de tal maneira que primeiramente as novas necessidades surgem espontaneamente nos consumidores e então o aparato produtivo se modifica sob sua pressão. Não negamos a presença desse nexo. Entretanto, é o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica e os consumidores são educados por ele, se necessário; são, por assim dizer, ensinados a querer coisas novas, ou coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham o hábito de usar. (SCHUMPETER, 1982, p. 48).
73
Nelson & Winter (1982), economistas evolucionários neo-
schumpeterianos86, buscam distinguir a abordagem schumpeteriana,
através dos pressupostos que trata a concorrência capitalista em um
processo amplo de mudança econômica, tecendo uma crítica direta aos
fundamentos87 da teoria do crescimento neoclássica. De acordo com a
teoria evolucionista de Nelson & Winter (1982), há alguns fundamentos
básicos do comportamento organizacional das firmas, retirados do “model
skilled behaviour88” dos indivíduos. Sendo assim, a questão central é que
com a descoberta dos caminhos que se abrem através deste
esclarecimento, os postulados da ortodoxia neoclássica provam ser um
paradoxo superficial, dado que esta ortodoxia trata do comportamento do
empresário como “maximizing choice” e esta escolha têm uma conotação
de “deliberação”, os autores, por outro lado, enfatizam a “automaticity”
do comportamento hábil seletivo e a supressão da escolha que isto
envolve.
Neste sentido, a análise das mudanças técnicas visando o
crescimento econômico requer a introdução do componente “inovação”,
proveniente da difusão tecnológica, e “imitação”, que aqui significa a
pesquisa de outras firmas do mercado. Resumidamente, Nelson & Winter
(1982) salientam que estes fatores resultam na modificação das
estruturas de custo e produção das firmas. Sendo assim, apontam que:
…New firms may enter the industry at positive capital stock if the profitability of the technique they were contemplating exceeds the target level. Thus, the next-period techniques of all firms are determined (probabilistically), and so are the next-period capital stocks. The ‘industry state’ for the next period then has been established. (NELSON & WINTER, 1982, p. 214).
86 Para Nelson & Winter (1982), a vasta influência de Joseph A. Schumpeter em seus trabalhos permitem a definição da corrente “neo-schumpeteriana” como uma designação apropriada da abordagem “evolucionária”. 87 Segundo os autores na teoria evolucionária a busca de lucro é motivada por ‘profit seeking’ ou ‘profit-motivated striving’, mas certamente não é pela maximização do lucro. (NELSON & WINTER, 1982, p. 31). 88 Esta expressão de Nelson & Winter (1982) significa as habilidades individuais como metáforas das rotinas organizacionais. A habilidade é a capacidade para uma seqüência de comportamentos coordenados, efetivos em relação aos seus objetivos, podendo ser: a) “programáticas”, porque envolvem uma série de passos; b) “tácitas”, uma vez que o indivíduo sabe, mas não tem noção dos detalhes necessários a realização do conhecimento; c) “escolhas”, pois a utilização da habilidade envolve diversas escolhas, mas as opções são em geral escolhidas automaticamente.
74
Deste modo, na visão de Nelson & Winter (1982), aquelas
empresas produtoras que não se adaptarem nem interagirem com o
progresso técnico serão expulsas. O progresso tecnológico, como se
sabe, é um motor de desigualdades e desequilíbrios, pois a luta por lucros
extraordinários estimula o surgimento das inovações. No entanto, os
autores deixam um pouco de lado o fenômeno da inovação organizacional
se preocupando com questões mais específicas sobre as implicações
políticas e empíricas extraídas nas vantagens de uma firma ser grande:
� Quanto maior a firma, maior sua habilidade em apropriar-se dos retornos de seus esforços e gastos em P&D;
� Quanto mais elevados forem os gastos em P&D de uma grande firma, maior será o nível de confiabilidade advindos dos avanços na produtividade, e menor o grau de vulnerabilidade a declínios, devido à ausência temporária de inovações;
� A estrutura de mercado per se é importante nas revelações de trade - offs, não necessariamente ‘o’ trade - off, mas aqueles que indicam que uma estrutura industrial relativamente concentrada oferece condições melhores para P&D do que uma mais fragmentada, dado que a produção e o avanço técnico podem ser mais eficientes em tal cenário;
� Numa indústria com tecnologia science-based, maior concentração significa trade - off para margens maiores para um gap menor entre a melhor prática [best practice] e técnica média e para um P&D mais eficiente;
� Resultados que mostram a tendência de firmas imitadoras agressivas de ganharem na competição com firmas que fazem P&D inovador não é muito discutido na literatura econômica, entretanto, o primeiro a entrar em um mercado ganhará vantagens em um interstício de tempo, e podem aproveitá-las aumentando o tamanho da firma.
Deste modo, o foco de Nelson & Winter (1982) é mais
consistente com a visão schumpeteriana apresentada na obra Capitalism,
socialism and democracy89 em 1942. Portanto, a principal diferença entre
89 Como um ciclo dinâmico, Schumpeter (1984) defendeu a ideia que não haverá uma nova rodada de êxito do capitalismo devido aos seguintes obstáculos: a) evaporação da
75
o modelo90 dos autores aqui tratados e os demais modelos competitivos,
é que as estratégias e políticas adotadas nas empresas não dependem
somente de cálculos maximizadores, ademais, a indústria não necessita
estar em equilíbrio para auferir lucros. Sobre este último aspecto
econômico, cabe destacar que Nelson & Winter (1982) argumentam que
as empresas não têm como saber ex ante se vale a pena tentar ser um
agente “inovador” ou “imitador”, nem tão pouco, que níveis de despesa de
P&D são apropriados. Na verdade, a resposta para essas perguntas para
qualquer firma individual depende das escolhas feitas por todas as outras
firmas e a realidade não permite qualquer teste de políticas antes de
serem adotadas. Assim, há poucas razões para se esperar um equilíbrio.
3.2.2. As conexões entre a inovação e o crédito bancário
Na visão de Schumpeter (1982) o cerne do crédito é salutar ao
processo de desenvolvimento: “... o crédito é essencialmente a criação de
poder de compra com o propósito de transferi-lo ao empresário, mas não
simplesmente a transferência de poder de compra existente.”
(SCHUMPETER, 1982, p. 74). Neste sentido, o ponto culminante da
análise schumpeteriana é que os bancos91 foram criados para dar forças
produtivas ao empresariado por meio da concessão de crédito às
substância da propriedade: o moderno homem de negócios tornou-se um mero colaborador da organização burocratizada e seu comprometimento com o negócio não é a mesma do homem que conhece a propriedade; b) desintegração da família burguesa: os indivíduos baseiam suas decisões numa contabilidade de custos e esse declínio da família diminui o padrão de acumulação; c) evaporação da propriedade do consumidor: o mesmo tende a “simplificar” sua pauta de consumo e hábitos de vida, buscando uma maior praticidade. Sendo assim, Schumpeter (1984) chega à conclusão que o sistema político e de produção seria substituído pelo socialismo democrático pelo fato dos três fatores enumerados acima estarem imbricados ao ciclo de crescimento econômico. 90 A eficiência seletiva é um conceito alternativo ao ótimo paretiano e tem base na interpretação neo-schumpeteriana que focaliza o mercado como ambiente seletivo, isto é, em sua capacidade enquanto ambiente competitivo de induzir e de ‘selecionar’ inovações de produto e de processo que possam levar à eventual redução futura de custos e preços e à melhoria de qualidade dos produtos. (POSSAS, PONDÉ & FAGUNDES,1997). 91 Para o autor, o banqueiro é um fenômeno do desenvolvimento, embora apenas quando nenhuma autoridade central dirige o processo social, “Ele torna possível a realização de novas combinações, autoriza as pessoas, por assim dizer, em nome da sociedade, a formá-las. É o éforo da economia de trocas.” (SCHUMPETER, 1982, p. 53).
76
inovações, por sua vez, isto envolve a aquisição e o emprego dos meios
de produção existentes na economia.
Convém sublinhar que para Schumpeter (1982) o
financiamento das inovações não decorre unicamente dos fundos
monetários, ou seja, da poupança prévia que advém de lucros anteriores,
propriamente ditos, mas do crédito. Isto significa que quando as
inovações não são mais passíveis de financiamento pelos rendimentos do
fluxo circular, que resultam no mecanismo de autofinanciamento92, então
os empresários persuadem o sistema bancário a lhes conceder o crédito
bancário, de modo que este componente monetário é a pedra angular da
moderna estrutura de crédito. Conforme Souza (2009), mesmo que os
bancos concedam preponderantemente créditos de curto prazo, e que os
investimentos de capital fixo sejam então financiados através de capital
próprio ou emissão de títulos, não se descarta a relação entre crédito e
inovação, porque a expansão dos meios de pagamento leva a um
processo inflacionário93 re-distributivo em favor dos empresários.
Schumpeter (1982) pontua que existe de um lado, uma relação
negativa entre a taxa de juros e a demanda empresarial por crédito, pois
quanto maior a taxa de juros cobrada pelos bancos por seus
empréstimos, menores os valores dos empréstimos tomados pelos
empresários. Por outro lado, a relação entre a taxa de juros e a oferta de
crédito é positiva, porque quanto maior os riscos para os bancos
92 Este termo significa a retenção interna de lucros anteriores pelas empresas (margem de lucro), que para Schumpeter (1982) deverá ser a primeira alternativa pela qual os novos empreendimentos são financiados, sendo necessário para tanto a inversão de lucros para investimentos. 93 Schumpeter (1982) observa que este é um tipo peculiar de inflação, diferente daquela ocasionada pelas necessidades orçamentárias do governo, que dependem da tomada de medidas econômicas para combatê-la. Esta inflação do crédito aumenta o estoque monetário na medida exata e necessária à satisfação dos empreendimentos, seu caráter é temporário. Como o preço repassado ao consumidor em um processo de expansão de investimentos aumenta, a tendência de disparo do processo inflacionário é amenizada com o surgimento de firmas concorrentes, via reprodução de processos produtivos e/ou imitação de produtos, com preços mais baixos. Ao reduzir a demanda por crédito, abre-se a possibilidade de poupar e o sistema bancário deixa de expandir os meios de pagamentos. Se dos dois lados houver redução, dos preços dos produtos e das taxas de juros, e, adicionalmente, não houver uma nova geração de inovações, a economia entra em um período recessivo, depressivo ou ambos, em etapas distintas.
77
estenderem o crédito aos empreendedores em potencial, maior a taxa de
juros.
Cumpre destacar, que de forma oposta às teses estacionárias,
das diversas modalidades de crédito existentes na economia (crédito para
consumo, capital de giro, entre outros), Schumpeter (1982) atribuiu um
significado limitado a qualquer classe de financiamento que não seja para
financiar as inovações dos meios de produção, ou seja, o crédito voltado
ao investimento. Entretanto, Schumpeter (1982) faz a seguinte ressalva:
Seria totalmente errôneo acreditar que o preço do crédito de curto prazo é uma questão indiferente para as novas empresas, uma vez que é crédito de longo prazo que elas precisam. Pelo contrário, em nenhum lugar se expressa tão claramente toda a situação econômica, em todos os momentos, quanto no preço dos empréstimos de curto prazo. O empresário não toma necessariamente um empréstimo para todo o período no qual precisa de crédito, mas à proporção que vai surgindo a necessidade e frequentemente quase que de um dia para o outro. (SCHUMPETER, 1982, p. 85-6).
Sinteticamente, Schumpeter (1982) chama a atenção para o
simples fato da satisfação das necessidades econômicas serem a razão
pela qual o mundo gira. A lógica schumpeteriana é que sem competição,
não há inovação, nem tampouco desenvolvimento; sem desenvolvimento,
não há lucro econômico puro derivado da diferenciação de produtos;
assim, o empresário não atinge o sobre-lucro, nem este último se dilui, na
medida em que a inovação é eliminada pelo processo de difusão e a
concorrência leva o crédito a assumir o caráter cíclico do processo
(períodos de expansão – superprodução - e recessão – contração). É
importante destacar que é nos momentos de boom94 que há criação do
novo poder de compra, sendo este um elemento indispensável ao papel
confiado aos bancos e mercado monetário que veremos a seguir.
94 O crédito é o único meio de financiamento capaz de tornar isso possível. Não há como sustentar financiamento de tamanha envergadura apenas pelo volume de poupanças depositadas nos bancos, visto que a massa de investimentos que provoca tais ondas é de grande porte.
78
3.2.3. O papel dos bancos e o mercado de capitais
Em princípio, Schumpeter (1982) chega a idealizar o BD e o
crédito voltado ao investimento, a despeito do crédito ao consumidor.
Além disso, destaca o papel do banco comercial, que detém o poder de
criar fundos de dinheiro e novos poderes de compra, acima das
poupanças e rendas correntes do fluxo circular.
Ademais, os bancos desempenham as seguintes funções: i)
obtenção de poupança dos agentes; ii) exame minucioso de projetos de
investimento e avaliação de políticas governamentais; iii) cálculo,
comparação e administração do risco (custo versus retorno); iv) facilitação
das transações, tão necessárias à inovação tecnológica e à origem de
novas indústrias. Neste sentido, o mercado monetário (mercado de
capitais) é oriundo do processo de desenvolvimento e só acontece uma
coisa que para Schumpeter (1982) é fundamental:
Pelo lado da demanda aparecem empresários e do lado da oferta produtores e negociantes de poder de compra, isto é, banqueiros, ambos com suas equipes de agentes e intermediários. O que acontece é simplesmente a troca de poder de compra presente por futuro. Na luta cotidiana de preços entre as duas partes é decidido o destino das novas combinações. [...] Enquanto em outros mercados a demanda, assim como a oferta, mostra certa constância, mesmo no desenvolvimento, aqui surpreendentemente aparecem dia a dia grandes flutuações. [...] O mercado monetário é sempre, por assim dizer, o quartel geral do sistema capitalista, do qual partem as ordens para as suas decisões individuais, e o que ali é debatido e decidido é sempre em essência o estabelecimento de planos para o desenvolvimento posterior. (SCHUMPETER, 1982, p. 85-6).
Deste modo, Schumpeter (1982) designa ao setor bancário um
papel explícito, essencial na promoção do crescimento capitalista, através
primordialmente do comércio creditício, com o propósito de financiar o
desenvolvimento. Por conseguinte, a função dos bancos, no sistema
econômico é selecionar e avaliar quais dentre os diversos
empreendimentos têm possibilidade de sucesso e merecem o seu apoio
financeiro. Por isso, a função bancária é crítica e admonitória.
79
3.3. As condições keynesianas: financiamento, investimento, poupança e funding
A ciência econômica considerava os bancos como entidades
passivas na determinação do nível de liquidez da economia, ou seja, o
desdobramento dessa percepção no fluxo financeiro é de não
interferência ou que esta seja em níveis bastante reduzidos, por
conseguinte, não pertencia aos bancos a decisão de expansão do crédito.
Como vimos, posteriormente o crédito passou a ser fundamental no
desenvolvimento das economias empresariais.
É possível destacar, portanto, pelo menos três aspectos
básicos pelos quais o crédito e o sistema financeiro desempenham um
papel central para o desenvolvimento: (i) propulsão do investimento e
acumulação de capital; (ii) financiamento da atividade inovadora; (iii)
redução da concentração de recursos e rompimento da dinâmica centro-
periferia. O crédito, portanto, é o ator principal no quadro de evolução dos
instrumentos bancários, pois se busca aumentar as margens de lucro
através das novas oportunidades de negócios. Entretanto, a respeito da
ambigüidade contida no conceito crédito, consta em Collected Writings:
Now, although changes in the quantity of bank loans may, subject to certain conditions, be equal to the changes in the quantity of bank money, the resemblance of this also to my theory would be only superficial. For it is concerned with changes in the demand for bank borrowing, whereas I am concerned with changes in the demand for money; and those who desire to hold money only overlap partially and temporarily with those who desire to be in debt to the banks. (KEYNES (a), 1973, p. 207).
Os autores que marcadamente enxergaram o processo
econômico como um circuito monetário, no qual não há subordinação dos
investimentos em relação às poupanças95 foram Keynes e Kalecki.
Particularmente após a publicação da obra A Treatise on Money em 1930,
Keynes (1971) enfatiza o papel da moeda bancária:
95 Para Wicksell, como para Schumpeter, a oferta de crédito não é limitada pelas poupanças. Keynes (1982) e Kalecki (1987) demonstram que o crédito não somente faz com que as poupanças dependam dos investimentos, como também não tenham limites intrínsecos.
80
The proportionate importance of State money and of member bank money, created as above, in making up the aggregate of current money varies widely at different periods and in different countries, according to the stage which has been reached in the evolution of monetary practice. But the tendency is towards a preponderant importance for bank money… (KEYNES, 1971, p. 27).
Com base no enfoque keynesiano, é possível que a criação de
meios de pagamento proporcionada por estes agentes minimizem o
caráter pró-cíclico do crédito ou atuem contra - ciclicamente, através do
compartilhamento da natureza de autoridade monetária96. Além disso, a
recorrência das crises bancárias mostraram a incapacidade de
autorregulação do mercado bancário.
Assim como Schumpeter97, Keynes se interessou nos
problemas de uma economia em estado de desequilíbrio. Entretanto, em
meados do século XX, a questão do desenvolvimento não esteve mais
focada nas crises da acumulação capitalista, mas intrinsecamente ligada
ao canal mais eficaz de transmissão de influências governamentais no
circuito financiamento-investimento-poupança-funding (keynesiano),
oscilando entre a política monetária e a fiscal. Segundo o excerto abaixo,
Keynes (1973) tece uma crítica ao corolário da poupança ser igual ao
investimento ex-ante, ao analisar o circuito da circulação do dinheiro:
…But they do not point out that is follows no less clearly from the definitions which they have adopted that the amount of saving which is taking place at the same time as the investment must be exactly equal to it (both being reckoned net). This corollary is not merely a neat truism. […] the reader is very likely to be led to false conclusions. For example, he might
naturally suppose – for anything the Committee98 say to the
contrary – that the right way to prepare for increase of investment is to save more at an appropriately prior date. Increased investment will always be accompanied by increased saving, but it can never be preceded by it. Dishoarding and credit expansion provides not an alternative to increased
96 Os bancos modernos, ao concederem empréstimos, criam os depósitos (meios de
pagamento) correspondentes aos ativos que adquirem, por este motivo, a autoridade monetária formal (BACEN), estabelecerá regras para a operação do sistema bancário, englobando tanto a regulação financeira quanto a criação das redes de segurança do tipo emprestador de última instância ou o seguro de depósitos. 97 Como se sabe, Schumpeter se posicionava de forma antagônica e até mesmo crítica em relação às doutrinas keynesianas. 98 A crítica se dirige ao Committee of Statistical Experts (1938) relacionadas à formação do capital.
81
saving, but a necessary preparation for it. (KEYNES, 1973, p. 281).
Ressalta-se que no circuito keynesiano o investimento precede
a poupança, de acordo com diversos autores pós-keynesianos isto se
deve ao desenvolvimento financeiro do sistema bancário, que confere aos
bancos certa autonomia, criando novos meios de pagamento e inovando
as finanças. Isto veio a culminar na emergência da macroeconomia
keynesiana, referente à aplicação do arcabouço teórico em fórmulas
políticas. Neste ínterim, os avanços da contabilidade nacional e dos
dados estatísticos, com o advento do quadro macroeconômico
keynesiano, puseram em evidência as diferenças entre países, em termos
de PIB e renda per capita.
Porém, o enfoque na demanda efetiva da teoria keynesiana, no
curto-prazo, não se propôs a explicar a problemática do desenvolvimento
econômico e financiamento no longo prazo, segundo assinalam diversos
autores. Cumpre ressaltar que a respeito desta lacuna, a percepção em
relação ao comportamento das instituições financeiras, em particular das
bancárias, é fundamental para a compreensão e análise do problema que
este trabalho se propõe.
Neste sentido, além da predisposição para investir, o problema
do financiamento do investimento é central, principalmente em países
emergentes. Em princípio, do ponto de vista keynesiano, a relação
investimento-poupança não apresentava nenhum elo exceto a taxa de
juros, sendo que esta é somente uma das variáveis condicionantes da
decisão de investir, reflexo de uma escolha entre poupança ou dinheiro
(preferência pela liquidez). Conforme o trecho extraído abaixo,
…It follows that, if the liquidity-preferences of the public (as distinct from the entrepreneurial investors) and of the banks are unchanged, an excess in the finance required by current ex-ante output (it is not necessary to write 'investment', since the same is true of any output which has to be planned ahead) over the finance released by current ex-post output will lead to a rise in the rate of interest; and a decrease will lead to a fall. (KEYNES, 1937, p. 665).
82
Posteriormente, o enfoque keynesiano distinguiu duas classes
de financiamento: finance e funding. Nos escritos posteriores, Keynes
(1973) escreve: “I use the term ‘finance’ to mean the credit required in the
interval between planning and execution.” (KEYNES (a), 1973, p. 216).
Nas palavras de Keynes (1973):
Thus, the terms of supply of the finance required by ex ante investment depend on the existing state of liquidity preferences (together with some element of forecast on the part of the entrepreneur as to the terms on which he can fund his finance when the time comes), in conjunction with the supply of money as governed by the policy of the banking system. (KEYNES (a), 1973, p. 217).
Basicamente, Carvalho (2007) entende que os motivos da
demanda por moeda constam no capítulo 15 da “Teoria Geral” são três:
transação, especulação e precaução, além do finance motive. Em razão
do motivo transação, necessita-se de moeda porque se planeja financiar
um projeto, sobre o motivo especulação, observa-se que a indefinição da
taxa de juros futura é orientada pela incerteza que leva a especular, ou
ainda em relação ao motivo precaução, devido às incertezas quanto ao
que o futuro nos reserva, é aconselhável reter alguma fração do que se
tem posse sob a forma monetária líquida.
Baer (1993) salienta que a proposição keynesiana centra-se na
relação entre “acesso ao financiamento” e poupança: “O finance é
concebido como um fundo rotatório [revolving fund] de recursos criados
pelo sistema bancário e que não tem sua origem em poupança.” (BAER,
1993, p. 26). Até então, nota-se que o pensamento predominante alegava
que não havia razão para a distinção entre poupança e investimento, e
mesmo a heterodoxia não dava muita importância ao finance motive99,
porém: “… the finance motive provides the link to demonstrate that the
aggregate demand for money function is not independent of events in the
real sector.” (DAVIDSON, 1965, p. 49).
99 Para Davidson (1965), o finance motive contribui na análise da trajetória, porque é um dos elementos dinâmicos no modelo keynesiano, “… Thus, according to Keynes, the finance motive was an important additional component of the aggregate money-demand function when the decision to change the level of investment occurred.” (DAVIDSON,1965, p. 47-8).
É justamente neste
bancário ganha relevância, porque o desenvolvimento do mercado fina
ceiro, especialmente do setor bancário traz consigo alternativas viáveis de
finance ou, senão rentáveis, para que os recursos financeiros, sob a fo
ma monetária, possam ser mantidos, restringindo a expansão dos inve
timentos pela expectativa de uma possível captação altamente vantajosa
de outros agentes econômicos.
Portanto, para Baer (1993) o ponto chave é proporcionar o
fortalecimento do sistema banc
sistema financeiro para criar um ciclo virtuoso, através da disponibilização
inicial das operações de
demanda por investimento.
keynesianos não há uma
financiamento, pois na prática esta linha é tênue, ainda mais em países
em desenvolvimento. O
disponíveis aos investidores produtivos por um
operacionalizado nesta ordem:
Sinteticamente, ainda que as decisões de investimento e de
poupança sejam totalmente independentes, é necessário que haja alguma
compatibilidade entre o volume de investimentos e a disponibilidade de
financiamento de longo prazo, supondo
condições: que exista um volume adequado de poupança para alavancar
o financiamento, e, que o volume global de poupança seja efetivamente
direcionado para suportar o processo de
atendimento da demanda por fi
questão crucial está na escolha do padrão de crescimento econômico,
que consiste numa decisão/atitude política. A segunda condicionante,
É justamente neste estágio do conhecimento que o sistema
bancário ganha relevância, porque o desenvolvimento do mercado fina
ceiro, especialmente do setor bancário traz consigo alternativas viáveis de
ou, senão rentáveis, para que os recursos financeiros, sob a fo
monetária, possam ser mantidos, restringindo a expansão dos inve
timentos pela expectativa de uma possível captação altamente vantajosa
de outros agentes econômicos.
Portanto, para Baer (1993) o ponto chave é proporcionar o
fortalecimento do sistema bancário e a acomodação da taxa de juros do
sistema financeiro para criar um ciclo virtuoso, através da disponibilização
inicial das operações de finance, ponto de partida para desencadear a
demanda por investimento. De acordo com a autora, para os autores pós
keynesianos não há uma linha demarcatória entre estes dois tipos de
financiamento, pois na prática esta linha é tênue, ainda mais em países
em desenvolvimento. O funding precede a poupança e mobiliza recursos
disponíveis aos investidores produtivos por um prazo mais longo, sendo
operacionalizado nesta ordem:
... Em primeiro lugar, a poupança tende a concentraraplicações financeiras de curto prazo ou ativos reais, podendo criar problemas para a cobertura das necessidades deEm segundo lugar, estas economias apresentam desajustes patrimoniais importantes e consequentementenecessidades de funding são em parte não desprezível para financiar estoques de passivos, e em menor medida projetos de investimentos produtivos. (BAER, 1993, p. 26).
Sinteticamente, ainda que as decisões de investimento e de
poupança sejam totalmente independentes, é necessário que haja alguma
compatibilidade entre o volume de investimentos e a disponibilidade de
financiamento de longo prazo, supondo-se que sejam atendidas duas
condições: que exista um volume adequado de poupança para alavancar
o financiamento, e, que o volume global de poupança seja efetivamente
para suportar o processo de funding. Com relação ao
atendimento da demanda por financiamento, Baer (1993) entende que a
questão crucial está na escolha do padrão de crescimento econômico,
que consiste numa decisão/atitude política. A segunda condicionante,
83
estágio do conhecimento que o sistema
bancário ganha relevância, porque o desenvolvimento do mercado finan-
ceiro, especialmente do setor bancário traz consigo alternativas viáveis de
ou, senão rentáveis, para que os recursos financeiros, sob a for-
monetária, possam ser mantidos, restringindo a expansão dos inves-
timentos pela expectativa de uma possível captação altamente vantajosa
Portanto, para Baer (1993) o ponto chave é proporcionar o
ário e a acomodação da taxa de juros do
sistema financeiro para criar um ciclo virtuoso, através da disponibilização
, ponto de partida para desencadear a
De acordo com a autora, para os autores pós-
linha demarcatória entre estes dois tipos de
financiamento, pois na prática esta linha é tênue, ainda mais em países
precede a poupança e mobiliza recursos
prazo mais longo, sendo
Em primeiro lugar, a poupança tende a concentrar-se em aplicações financeiras de curto prazo ou ativos reais, podendo criar problemas para a cobertura das necessidades de funding. Em segundo lugar, estas economias apresentam desajustes
consequentemente, as são em parte não desprezível para
financiar estoques de passivos, e em menor medida projetos de 1993, p. 26).
Sinteticamente, ainda que as decisões de investimento e de
poupança sejam totalmente independentes, é necessário que haja alguma
compatibilidade entre o volume de investimentos e a disponibilidade de
que sejam atendidas duas
condições: que exista um volume adequado de poupança para alavancar
o financiamento, e, que o volume global de poupança seja efetivamente
. Com relação ao
nanciamento, Baer (1993) entende que a
questão crucial está na escolha do padrão de crescimento econômico,
que consiste numa decisão/atitude política. A segunda condicionante,
84
associada internamente à primeira, se refere ao problema da distribuição
de renda100. Em relação à canalização desta poupança,
As vias são em geral quatro e se combinam de distintas maneiras: i) aplicações individuais ou através de fundos de poupança privada em mercados de capitais; ii) intermediação de recursos via sistema de crédito privado; iii) reinvestimentos dos lucros das próprias empresas101; iv) fundos de poupança compulsórias administrados pelo Estado e canalizados pelo Estado e para crédito de longo prazo. (BAER, 1993, p. 29).
Neste contexto, os avanços no sistema de pagamento não são
condizentes com as altas taxas cobradas nos empréstimos concedidos,
que constituem entraves ao financiamento de longo prazo como grande
obstáculo a ser ultrapassado para o crescimento sustentado. Por esta
razão, para evitar os efeitos negativos da polarização financeira, é
primordial conhecer a dinâmica do sistema financeiro e a evolução
histórica que moldou sua configuração à luz da problemática do acesso
ao funding, do papel dos BPLs e do mercado de capitais no financiamento
de longo prazo, da identificação dos agentes e de suas respectivas
necessidades, com vistas à inovação tecnológica e à articulação entre as
políticas públicas, monetárias, financeiras e fiscais que possam conferir:
independência, transparência, legitimidade e credibilidade no processo de
intermediação financeira.
100 Como assinala Minsky (1986) investimento cria valor e implica lucros. Se os gastos públicos servem para incrementar os lucros das empresas e/ou se referem ao pagamento de juros a rentistas, como estes tendem a ter uma propensão a poupar relativamente mais elevada, o impacto sobre a geração de renda pode ser menor que aquele derivado diretamente de investimentos públicos. As transferências do setor público para o privado só terão impacto equivalente ao investimento público direto se maior renda disponível ao setor privado for totalmente transformada em gastos. 101 Segundo Baer (1993), a reaplicação dos recursos gerados nas próprias empresas tende a ser a mais importante fonte de financiamento de longo prazo e nas economias desenvolvidas é complementada por um intenso desenvolvimento do mercado de capitais (fundos de pensão e companhias de seguros). Os fundos de poupança compulsória tendem a ser mais comuns em países que precisam fazer um esforço redobrado de investimentos de base, para os quais o fluxo de recursos fiscais tende a ser insuficiente.
85
3.4. A importância do crédito bancário no desenvolvimento econômico: derivações para o Brasil
A experiência brasileira é relevante por três motivos principais:
em primeiro lugar, o período que antecede o amplo rol de reformas no
sistema financeiro, é marcado por desequilíbrios fiscais e financeiros e
uma sucessão de planos econômicos (1977-1994). No entanto, as
medidas guiadas pela racionalidade formal102 das taxas de juros e pelo
fortalecimento institucional, através da abertura à entrada de bancos
estrangeiros103 no cenário nacional, por enquanto não surtiram efeitos
positivos nem mudanças substantivas no padrão de financiamento ao
desenvolvimento.
Segundo, a análise do sistema bancário brasileiro é
interessante devido à combinação da regulação institucional104 com
outras formas de atuação, e à relativa dominância da propriedade pública
no setor bancário, que apesar da queda relativa pós-privatizações ainda
são representativas. Conforme a Tabela 1, os dados de alguns países
selecionados mostra que a porcentagem de bancos públicos no período
recente (2003-2008) se manteve no Brasil, e, além disso, é superior à
média dos países da América Latina. Nota-se que a definição de BPL
neste banco de dados é a de 50% mais uma das ações com direito a
voto.
102 A racionalidade formal significa que a precificação das taxas de juros do sistema financeiro baseia-se em maximizar preços. 103 Em 1995, a EM/MF n° 311 estabelecia ser de interesse nacional o ingresso da partici-pação de IF estrangeiras no SFN. No entanto, esteve vinculado inicialmente à necessi-dade de aquisição de Bancos em estado de falência, como o Econômico, Bamerindus, Nacional, Mercantil, Banorte e Crefisul (Fonte: http://www.bcb.gov.br). 104 O termo “regulação” refere-se às restrições impostas a um determinado agente, ao passo que o termo “regulamentação” refere-se ao modo de efetuar esta restrição. Neste trabalho, a conotação do termo “regulação” trata da regulamentação, ou seja, das formas de atuação do Estado em restringir ou incentivar as atividades dos agentes financeiros.
86
Tabela 1 – Participação dos bancos públicos no total dos ativos bancários
País/Região 2008 2007 2006 2005 2004 2003
America Latina 3,76% 6,19% 6,48% 8,34% 9,39% 12,52%
Argentina 0,49% 0,47% 0,55% 0,58% 0,59% 0,86%
Brasil 30,11% 29,17% 30,28% 31,77% 33,14% 33,78%
México 5,52% 10,44% 12,47% 16,61% 19,67% 24,58%
Coréia 30,59% 30,91% 30,83% 31,36% 31,53% 31,51%
Tailândia 0,62% 7,52% 7,53% 7,48% 6,34% 11,17%
Índia 12,91% 11,70% 12,53% 13,68% 14,80% 9,88%
EUA 20,19% 10,78% 11,38% 12,20% 12,29% 12,75%
Japão 1,41% 3,39% 4,37% 4,50% 4,48% 3,82%
Alemanha 50,99% 52,80% 60,96% 68,42% 66,47% 68,38%
Suíça 11,66% 9,39% 8,96% 9,37% 9,75% 10,97%
França 4,59% 5,03% 8,50% 6,14% 8,04% 37,29%
Fonte: Bankscope
Em terceiro lugar, verifica-se que a minimização das incertezas
quanto à possibilidade do ambiente regulatório disciplinar o sistema
bancário para financiamento do desenvolvimento econômico, depende
acima de tudo do comportamento do Estado na formulação e condução
das políticas econômicas, conjugada ao estudo das finanças públicas, da
economia monetária, financeira e internacional.
Entretanto, há entraves historicamente traçados pelo fato do
mercado de crédito não se expandir e do mercado de capitais ser
incipiente no Brasil, dado que houve desmotivação para uma
aproximação entre o modelo de financiamento e o amplo processo de
industrialização, característico dos anos de 1960. Além disso, Baer (1993)
assinala que as dificuldades no processo decisório, derivadas de um
quadro inflacionário, de fato implicavam na retração do investimento e da
renda, e, consequentemente, do volume destinado ao autofinanciamento
(retenção de lucro pelas empresas).
87
Este encadeamento de fatores, por sua vez, serviu de incentivo
para o mercado bancário assumir uma posição defensiva e elevar os
custos bancários, a fim de incrementar a capilaridade na rede de
agências. Ao mesmo tempo, é paradoxal que embora as transformações
no modo de funcionamento do sistema financeiro tenham sido
relativamente acentuadas, não houve repercussões na estrutura bancária.
Ao que tudo indica, esta aparente apatia esteve em plena sintonia com a
concentração de renda e riqueza inter-setoriais no Brasil, relegando a um
segundo plano as questões relativas às mudanças estruturais mais
drásticas. Para Tavares & Assis (1985),
A estrutura enviesada que ia assumindo o sistema financeiro internamente ajustava-se como uma luva ao que, no cenário internacional105, era requerido como condição para a perfeita articulação da economia brasileira com o sistema financeiro internacional privado, em franca expansão. (TAVARES & ASSIS, 1985, p. 19).
Em síntese, na opinião de Bielschowsky (1996), o debate sobre
a reforma financeira não esteve orientado pela perspectiva de
reorientação profunda do padrão de desenvolvimento. Isto significa que
embora a ideologia desenvolvimentista tenha servido para promover o
debate acerca do desenvolvimento financeiro, não houve de fato a
assunção dos riscos associados aos setores da economia ligados às
mudanças estruturais, importantes no processo de desenvolvimento.
Após esta breve digressão, vale destacar que atualmente é
quase consensual que a estabilidade macroeconômica seja condição sine
qua non embora não suficiente para o desenvolvimento financeiro das
economias em desenvolvimento. No que se refere à temática específica
do financiamento de longo prazo, é recorrente o debate sobre a sua
tímida evolução no Brasil, mesmo após o programa bem-sucedido de
estabilização do nível de preços em julho de 1994, denominado Plano
105 Tavares e Assis (1985) referem-se ao surgimento do Euromercado na década de 1960, internacionalizando a economia do endividamento.
88
Real, a adoção do regime de câmbio flutuante e o programa de ajuste
fiscal, que trouxeram importantes mudanças institucionais106 desde 1999.
Ainda que os ganhos inflacionários exorbitantes dos bancos
tenha tido um fim e o sistema financeiro brasileiro tenha passado por
transformações igualmente importantes107, a proporção do crédito em
relação ao PIB ainda é baixo se comparado com os países desenvolvidos.
Como vimos ao longo da dissertação, as concepções convencionais que
se concentraram nesta problemática, associaram-na diretamente ao baixo
nível de poupança em países subdesenvolvidos, tornando o clássico
financiamento ao crescimento econômico objeto de grande interesse para
economistas voltados ao difícil acesso a recursos para investimentos.
No caso específico do Brasil, com efeito, Coutinho & Borges
(2007) apontam que:
...o sistema brasileiro persiste focado no curto e no curtíssimo prazos – resquício dos tempos de inflação elevada e altamente volátil -, com liquidez relativamente concentrada em poucos ativos e especializado em financiar o seu grande e sempre necessitado cliente, o setor público. (COUTINHO & BORGES, 2007, p. 345).
De acordo com a análise dos autores, “A simbiose entre
sistema financeiro e dívida pública pode ser muito bem resumida pelo
instrumento-síntese dessa coincidência de interesses: as LFTs”
(COUTINHO & BORGES, 2007, p. 345-6). Isto se deve ao fato de apenas
em 2004 as expectativas de inflação e a inflação observada começaram a
convergir, significando que apenas a partir de 2005-2006 se estabeleceu
o marco da estabilidade macroeconômica no Brasil. Portanto, para os
autores faz-se necessário estancar a alta da dívida pública mobiliária
interna, reduzir a taxa de juros real e diminuir a volatilidade do
crescimento econômico, três causalidades recíprocas de um círculo
virtuoso com vistas ao alcance do investment grade.
106 A Lei de Responsabilidade Fiscal e o sistema de metas de inflação. 107 PROER, do PROES e a adesão aos Acordos de Basiléia I e II
89
Sendo assim, Coutinho & Borges refutam a ideia que o crédito
direcionado e os mecanismos de poupança compulsória para financiar
gastos públicos, a exemplo do FGTS (oferta de crédito ao setor privado) e
do FAT, via BNDES, sejam os principais obstáculos do desenvolvimento
do SFB e do mercado de capitais, tratando-se de fontes de funding
amparadas pelo Estado por décadas. Na opinião dos autores a grande
vilã da história é a inflação, isto posto, defendem o aprimoramento dos
mecanismos de poupança compulsória como instrumentos adicionais para
o aprofundamento do crédito do mercado de capitais.
A importância do crédito bancário e a questão do
desenvolvimento trás à tona a urgência de uma agenda para o BPL, que
vem adquirindo importância crescente no debate brasileiro com o recente
envolvimento do BNDES no PAC e a evolução do crédito oriundo dos
principais bancos estatais brasileiros (CEF e BB) na última década.
Nos gráficos que apresentamos logo em seguida da Tabela 1
abaixo, faz-se uma breve descrição da evolução das sub-contas da conta
contábil Operações de Crédito (canal de empréstimos bancários) do BB,
BNDES e CEF no período de 1994-2009. A título de informação esta
conta compõe-se das seguintes sub-contas:
Tabela 2 – Razões e Títulos Contábeis das Operações de Crédito
Código Título contábil
1.6.1.00.00-4 Empréstimos e Títulos Descontados
1.6.2.00.00-7 Financiamentos
1.6.3.00.00-0 Financiamentos Rurais e Agroindustriais
1.6.4.00.00-3 Financiamentos Imobiliários
1.6.5.00.00-6 Financiamentos de Títulos e Valores Mobiliários
1.6.6.00.00-9 Financiamentos de Infra-Estrutura e Desenvolvimento
1.6.9.00.00-8 (-) Provisão para Operações de Crédito
Fonte: Site do BACEN: http:\\www.bacen.gov.br.
90
A fonte dos dados é o COSIF, sendo que nesta base de dados,
os bancos informam mensalmente os saldos das contas do seu balancete
contábil. Buscou-se para fins de simplificação considerar os dados
contidos nos gráficos apenas o último mês anual (dezembro).
Gráfico 2 – Evolução das Operações de Crédito BB e CEF (1994-2009)
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do COSIF divulgado no site do BACEN
Gráfico 3 – Evolução das Operações de Crédito BB (1994-2009)
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do COSIF divulgado no site do BACEN
0
50
100
150
200
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Milhões
Anos
BB
CEF
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Milh
õe
s d
e R
$
Anos
Rurais
Tít. Mobiliários
Imobiliários
Infraestrutura
91
Gráfico 4 – Evolução das Operações de Crédito CEF (1994-2009)
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do COSIF divulgado no site do BACEN
À medida que o sistema financeiro nacional se expande e
diversifica, exige-se dos BPLs a definição de novas estratégias de
operação. Assim, Hermann (2009) conclui com uma lista preliminar e
especulativa de algumas possíveis tendências de mudança nas formas e
no ambiente de atuação dos BPL em países com sistemas financeiros
gradativamente mais maduros:
� Os antigos setores nascentes apoiados pelos BPL tornam-se maduros. Esses setores gradativamente tornam-se focos de interesse do mercado monetário privado, surgindo novos rounds de expansão, é desencadeada a concorrência entre estas instituições privadas e os BPLs;
� O leque de operações “cativas” dos BPL tende, temporariamente, a estreitar-se. É possível que assistam a uma queda na demanda por seus serviços, especialmente, por parte das empresas de maior porte e boa reputação no mercado;
� As operações de menor risco presumido passam a ser compartilhadas, ou disputadas, com o setor privado. Aos BPL caberão, principalmente, os ativos emitidos pelos novos líderes do processo de desenvolvimento;
� O balanço dos BPL, portanto, tende a tornar-se mais concentrado em ativos de mais difícil avaliação de riscos – embora, não
0
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2004
2005
2006
2007
2008
2009
Milhões em R$
Anos
Infraestrutura
Crédito Imobiliário
92
necessariamente, de risco mais elevado – que são os mais restringidos pelo sistema financeiro privado;
� A tendência é a elevação do risco de crédito a que se expõem os BPL. Tal efeito, provavelmente tornará necessário rever os modelos e estratégias de administração de riscos do banco;
� A implementação de mudanças na gestão de riscos pode ser custosa e lenta e não existem instrumentos de hedge “perfeitos”, então é necessário que as potenciais mudanças na estrutura ativa dos BPL sejam também implementadas em ritmo lento e de forma bastante cautelosa.
Além disso, questionam-se as fontes alternativas usuais para
levantamento de recursos financeiros que são: a) as emissões primárias
de títulos de dívida, tais como debêntures e b) as notas promissórias ou
as emissões primárias de ações no mercado de capitais. Deste modo, a
manutenção de empresas e/ou setores de boa qualidade de risco na
carteira dos BPL, ainda que estes possam ser atendidos pelo mercado
privado em expansão, pode ser indicada não apenas como meio de
adaptação do banco às novas condições do mercado, mas como
instrumento regular de defesa da qualidade do risco de seu ativo. Uma
instituição pode ter várias funções, a função do mercado de capitais é
expandir o volume de negócios, aprofundando o desenvolvimento
financeiro de um país.
Deste modo, tendo em vista o problema do financiamento ao
desenvolvimento, Furtado (1983) salienta que as inovações nos países
em desenvolvimento tendem a ser de pequena escala, a escala é muito
importante, porque o desequilíbrio do fluxo circular precisa ser substancial
para gerar desenvolvimento econômico. Portanto, Furtado (1983)
considera a atividade inovadora e a acumulação de capital como
diretamente interligadas, posto que a inovação seja quase sempre fruto
da busca das empresas por aplicação de recursos acumulados. Por
necessitar de investimentos em pessoal especializado, modernos
laboratórios de P&D, entre outros gastos, a criação de inovações
tecnológicas põe em destaque o papel da acumulação de capital. Assim,
93
Uma teoria do desenvolvimento deve ter por base uma explicação do processo de acumulação de capital. A teoria das inovações é de enorme importância, mas conduz a equívoco pretender formulá-la independente da teoria da acumulação de capital. (FURTADO, 1983, p. 47).
Hermann (2009) argumenta que no contexto brasileiro, com a
expansão do crédito, não somente impulsiona-se o crescimento, como
também se promove uma melhor distribuição de renda do que o aumento
da arrecadação dos impostos (política fiscal). A amplitude em que se dá
esse processo será em função das regras que regem a preferência pela
liquidez, como também das influências da configuração do SFN e
mundial. Além disso, o desenvolvimento precisa se adequar às forças do
mercado e da geopolítica internacional (PEMPEL, 1999). Um problema
frequente nas teorias, no entanto, é de que o Estado muitas vezes é
tomado como uma mera abstração (FIORI, 1999).
Conforme SEN (2005), as economias que buscaram
comparativamente mais cedo a expansão em massa da educação, e,
mais tarde, dos serviços de saúde, mostram que o desenvolvimento
humano é, sobretudo, um aliado dos pobres, e não dos ricos e abastados.
Para Sen (2000),
Os indivíduos vivem e atuam em um mundo de instituições. Nossas oportunidades e perspectivas dependem crucialmente de que instituições existem e do modo como elas funcionam. Não só as instituições contribuem para nossas liberdades, como também seus papéis podem ser sensivelmente avaliados à luz de suas contribuições para nossa liberdade. Ver o desenvolvimento como liberdade nos dá uma perspectiva na qual a avaliação institucional pode ocorrer sistematicamente. (SEN, 2000, p. 168).
Na contramão dos acontecimentos que regem uma economia
guiada pelo mercado, a atuação do Estado no mercado financeiro através
de um BPLs se justifica por buscar-se estruturar aqueles mercados onde
o setor privado reluta em atuar, sendo assim uma peça central para os
objetivos e as estratégias de política pública. Portanto, de acordo com Mill
(1983), é preciso que as necessidades sócio-econômicas específicas
estabeleçam coerência entre a variedade institucional e as possibilidades
94
de ascensão social, em termos de igualdade de oportunidades. Mill (1983)
defende a seguinte ideia:
É somente nos países atrasados que o aumento da produção ainda é uma meta importante; nos mais avançados, o que se necessita economicamente é de uma melhor distribuição, e para isso um meio indispensável é a limitação maior da população. Só nivelar as instituições, sejam estas justas e injustas, não pode bastar; com isso poder-se-ia apenas fazer baixar os que estão muito em cima, porém não bastaria para fazer subir em caráter permanente os que estão na base da sociedade. (MILL, 1983, p. 253).
Com base nesta visão de Estado, que confere à burocracia do
Estado e ao projeto político as razões do sucesso da estratégia nacional
de desenvolvimento e na qual há primazia política perante a ação
econômica, não é possível identificar uma “estrutura bancária ótima”.
Portanto, propõe-se considerar várias trajetórias possíveis de
desenvolvimento diante das peculiaridades brasileiras no período recente.
CONCLUSÃO
Buscou-se neste trabalho uma definição para o papel dos
bancos públicos (BPLs) no processo de desenvolvimento econômico e
financeiro e a resposta a esta questão é que seu papel é de catalisador
do desenvolvimento díspar de cada nação. Logo, se houver um arranjo
jurídico-institucional baseado em conhecimento do processo de
acumulação do capital, articulação entre as políticas financeiras e fiscais
que estimulem a demanda, e alinhamento junto a um planejamento
econômico das políticas públicas e industriais, a intervenção estatal por
intermédio do BPL se tornará capaz de superar os desafios atuais que
parecem intransponíveis, principalmente no que tange a construção de
um novo esquema de financiamento do desenvolvimento.
Através de uma longa exposição das principais vertentes
teórica que se debruçaram em interpretar os vínculos entre o BPL, o
fatores financeiros e desenvolvimento econômico, buscou-se enfatizar os
argumentos que revelam a vulnerabilidaade dos fundamentos empíricos e
analíticos sobre os quais se apóiam os defensores da remoção do papel
do estado na economia. Além disso, tentou-se abarcar de modo mais
aprofundado as visões interpretativas sobre o padrão de organização
econômica, o êxito dos processos de desenvolvimento em que a
intervenção estatal deu-se através de políticas consistentes de promoção
de competitividade e de upgrading tecnológico, compatíveis e
cooperativas com o funciamento dos mercados.
Todavia, o êxito das políticas financeiras como instrumento de
desenvolvimento pressupõe entre outras condições: (1) uma burocracia
estatal qualificada para eleger corretamente os setores a serem
incentivados e cujas taxas sociais de retorno dos investimentos excedam
consideravelmente as taxas privadas de retorno; (2) medidas que inibam
o deslizamento abusivo para atividades de rent-seeking (tomando como
96
parâmetro para a concessão de subsídios, por exemplo, o desempenho
na produção e na exportação); (3) a existência de canais de comunicação
ágeis entre empresas e governo para que ambos disponham do máximo
de informações relevantes para a tomada de decisões; (4) a inserção
destas políticas numa estratégia mais ampla de desenvolvimento que as
combine com outros instrumentos de política para assegurar a conquista
de competitividade nos mercados mundiais.
Portanto, é necessário que os mecanismos indutores do
financiamento de longo prazo sejam desenvolvidos e à medida que o
processo de desenvolvimento financeiro evolui, espera-se que o BPL
passe a prover de fato o acesso ao crédito a setores, regiões e agentes
excluídos pelo segmento financeiro privado e, assim, alterando o mix de
setores e atividades fundamentais para sua continuidade.
Faz-se necessário então a reflexão e análise de uma política
de desenvolvimento de mercados e aprofundamento financeiro, isso
requer o estudo de políticas de parceria público-privado conjugadas a um
fortalecimento institucional baseado nas reais necessidades do país.
Entretanto, há evidências que num país em desenvolvimento, o
financiamento dos BPLs concentra-se em um segmento específico ou em
dois ou mais que tenham efeitos sinérgicos: agro-industrial, imobiliário,
infra-estrutura, exportações, além de outros.
Sendo assim, a superação dos entraves ao desenvolvimento
depende do abandono de falsos dilemas da relação entre Estado e
mercado. Nota-se em países periféricos que estes nem sempre se
calcaram predominantemente na coalizão de parcerias internacionais para
a atratividade de capitais. Há impulsos internos, advindos da necessidade
de formação de capital dentro de um sistema social complexo, pelos quais
se constrói, se organiza e se moldam instituições financeiras específicas.
Não se pode relegar a análise destes impulsos a um segundo
plano, mas enquanto não há mudanças na sociedade, nos parâmetros
econômicos e até mesmo na cultura de uma dada nação, é natural que os
97
agentes continuem se comportando conforme os antigos parâmetros,
mesmo que estes não sejam mais condizentes com a realidade.
Somente a partir da ampla introjeção, ou seria melhor dizer
“digestão” dos novos parâmetros, a partir da condução de novas regras
no regime político e das mudanças efetivas nas condições de
financiamento e da qualificação da mão-de-obra é que são criadas as pré-
condições para o desenvolvimento econômico, que tenha como objetivo
sanar os efeitos adversos da distribuição altamente desigual da renda,
geradora de injustiças sociais e pobreza generalizada. Esta mudança,
devido às incertezas futuras e fatores intrínsecos à incompletude dos
mercados financeiros, dependem de um planejamento das políticas
monetárias e fiscais, além de tudo, requer uma revisão do crédito no
processo de desenvolvimento e intermediação financeira, que como
vimos, se encontra em determinados textos clássicos.
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