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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PAULO AUGUSTO BANDEIRA BERNARDINO Estado e Educação em Louis Althusser: Implicações nos Processos de Produção e Reprodução Social do Conhecimento Belo Horizonte 2010

BANDEIRA_Estado e Educação Em Louis Althusser

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    PAULO AUGUSTO BANDEIRA BERNARDINO

    Estado e Educao em Louis Althusser: Implicaes nos Processos de Produo e Reproduo

    Social do Conhecimento

    Belo Horizonte 2010

  • PAULO AUGUSTO BANDEIRA BERNARDINO

    Estado e Educao em Louis Althusser: Implicaes nos Processos de Produo e Reproduo

    Social do Conhecimento

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Educao da Universidade Federal de Minas Gerais como

    requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Linha de Pesquisa: Poltica, Trabalho e Formao Humana

    Orientadora: Profa. Dra. Rosemary Dore Heijmans.

    Belo Horizonte 2010

  • B523e T

    Bernardino, Paulo Augusto Bandeira, 1980- Estado e educao em Louis Althusser : implicaes nos processos de produo e reproduo social do conhecimento / Paulo Augusto Bandeira Bernardino. - UFMG/FaE, 2010. 190 f., enc, il. Dissertao - (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educao. Orientadora : Rosemary Dore Heijmans. Bibliografia : f. 148-155. Anexos: f. 156-190. 1. Educao -- Teses. 2. Educao e estado -- Teses. 3. Althusser, Louis, 1918-. I. Ttulo. II. Heijmans, Rosemary Dore. III. IV. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educao. CDD- 370.193

    Catalogao da Fonte : Biblioteca da FaE/UFMG

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE EDUCAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO Dissertao intitulada Estado e Educao em Louis Althusser: Implicaes nos Processos de Produo e Reproduo Social do Conhecimento, de autoria do mestrando Paulo Augusto Bandeira Bernardino, aprovada pela banca examinadora constituda pelos seguintes professores:

    ________________________________________________

    Profa. Dra. Rosemary Dore Heijmans - Orientadora FAE/UFMG

    ________________________________________________ Profa. Dra. Daisy Moreira Cunha

    FAE/UFMG

    ________________________________________________ Profa. Dra. Ester Vaisman

    FAFICH/UFMG

    ________________________________________________ Profa. Dra Marlucy Alves Paraso

    Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Educao FAE / UFMG

    Belo Horizonte, 30 de outubro de 2010.

  • DEDICATRIA

    NO CONSIGO DESCREVER,

    APENAS COM ESTE ESPAO!

    Obrigado, Michelle, pela materializao de meu sonho!

  • AGRADECIMENTOS A todos os meus colegas que no sofreram comigo, mas torceram por mim.

    Aos membros de minha banca pela pacincia!

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES).

  • EPGRAFE

    D. Conto, mas estas coisas devem ser consideradas segredo. H pouco, Scrates perguntava a Querofonte a quantas vezes o comprimento das patas correspondia o pulo da pulga; uma delas tinha picado Querofonte na sobrancelha e saltado da para a cabea de Scrates. E. E como foi que ele mediu? D. Com a mxima percia. Derreteu cera, pegou a pulga e mergulhou na cera o par de patas; quando esfriaram, tinham-se formado em torno uns escapins persas; ento, descalou-os e mediu a distncia com eles.

    NUVENS ARISTFANES

  • RESUMO

    Nesta dissertao busca-se situar os escritos de Louis Althusser nas

    condies histricas educacionais do surgimento das denominadas Teorias da

    Reproduo. Ao ultrapassar essa contextualizao, visa-se ampliar a noo de

    Educao compreedendo-a como os processos de produo do conhecimento

    integrantes da Formao Humana. Neste percurso importante localizar o

    discurso de Louis Althusser na tradio marxiana para concluir se o mesmo

    participa de uma postura epistmica ou ontolgica nos processos de produo do

    conhecimento. O objetivo deste escrito no apenas comparar a interpretao

    althusseriana com os escritos de Karl Marx e do marxismo, retirando, assim, as

    consequncias da fidelidade ou no do Filsofo Franco-Argelino junto aos escritos

    de Karl Marx. Os autores da tradio marxista esto presentes, porm impem-

    se os escritos de Louis Althusser como fonte principal de um escrutnio crtico

    que visa relacionar o Estado, a Poltica e, principalmente, a compreenso da

    Educao. Apesar do objetivo principal deste trabalho no ser uma comparao

    entre Althusser e Marx, isto no retira a importncia das fontes textuais do

    filsofo alemo e de seus leitores, que sero tratadas como forma balizadora dos

    escritos de Louis Althusser. Este texto no tem o intuito de esgotar as questes

    suscitadas pela leitura de Louis Althusser referente aos aspectos educacionais,

    mas ampliar a recepo dos escritos deste filsofo no Brasil.

  • RSUM

    Dans cette dissertation on cherche situer les oeuvres de Louis

    Althusser dans les conditions historiques ducationnelles de lapparition des

    dnommes Thories de la Rproduction . En dpassant cette

    contextualisation, on prtend largir la notion dducation comprise en tant que

    procdures de production de la connaissance qui font partie de la Formation

    Humaine. En ce parcours, il est important de localiser le discours de Louis

    Althusser dans la tradition marxiste afin de conclure s'il adopte une position

    pistmique ou ontologique dans les procdures de production de la

    connaissance. Lobjectif de cet crit nest pas seulement comparer lintrpretation

    althusserienne avec les crits de Karl Marx et du marxisme, en tirant, ainsi, les

    consquences de la fidelit ou pas du Philosophe franco-argelien auprs des

    textes de Karl Marx. Les auteurs de la tradition marxiste sont prsents,

    nanmoins on impose les textes de Louis Althusserr comme source principale

    dun scrutin critique qui vise relationner ltat, la Politique et, surtout, la

    comprhension de lducation. Bien que lobjectif principal de ce travail ne soit

    pas une comparaison entre Althusser et Marx, cela n'enlve pas l'importance des

    sources textuelles du philosophe allemand et de ses lecteurs, qui serviront de

    balise des crits de Louis Althusser. Ce texte n'a pas l'intention d'puiser les

    questions suscites par la lecture de l'oeuvre de Louis Althusser rfrents aux

    aspects ducationnelles, mais agrandir la rception des crits de ce philosophe

    au Brsil.

  • Lista de Figuras

    FIGURA 2.1 Diagrama de Formalizao Epistemolgica Diante das

    Propostas de Louis Althusser ...................................

    93

    FIGURA 2.2 O Contedo Terico nos Estados Terico e Prtico ...... 99

    FIGURA 2.3 Divises e Subdivises das Percepes da Mente ....... 122

    FIGURA B.1 Runion du comit central 4 janvier 1966 .............. 190

    FIGURA B.2 Runion du comit central 11-13 mars 1966 ........... 191

  • Lista de Tabelas e Quadros

    QUADRO 2.1 Composio dos Aparelhos de Estado e Equivalncia

    Entre Ambos .........................................................

    56

    QUADRO 2.2 Subdiviso dos Aparelhos de Estado .........................

    62

    QUADRO 2.3 Demonstrao Argumentativa de Durkheim (1978,

    p.41) para a diviso social de classes e para a

    fundamentao do trabalho especializado .................

    69

  • Sumrio

    INTRODUO ............................................................. 21

    1 As Teorias da Reproduo, Louis Althusser e a Educao... 31

    2 ESTADO E EDUCAO EM LOUIS ALTHUSSER ................. 54

    2.1 Estado e Aparelhos Ideolgicos de Estado ...................... 54

    2.2 A articulao entre Estado e Educao ........................... 67

    2.3 A Instituio Educacional e a (Re)produo Social do

    conhecimento ............................................................. 77

    3 Perspectivas Crticas da Articulao Entre o Estado e a

    Educao em Louis Althusser ........................................ 129

    CONCLUSO .............................................................. 143

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................... 148

    ANEXO A TRADUO DO TEXTO: Problemas Estudantis, de Louis

    Althusser ................................................................... 156

    ANEXO B FICHAS DE REUNIO DO COMIT CENTRAL DO P.C.F.

    ................................................................................. 189

  • 21

    Introduo

    Esta dissertao de mestrado tem a finalidade de discutir o tema

    Estado e Educao em Louis Althusser: Implicaes nos Processos de Produo

    e Reproduo Social do Conhecimento.

    Relevncia do Tema

    A relevncia da discusso das implicaes do Estado e da Educao

    nos processos de produo e reproduo social do conhecimento, nos escritos de

    Louis Althusser, est presente na anlise histrica e filosfica do modo de

    compreender o processo de formao social.

    A partir das perspectivas de elaborao francesas, e suas perspectivas

    crticas que, no Brasil, as Teorias da Reproduo foram resumidas na concepo

    da Escola como produto das condies de produo Capitalistas e em sua

    operao de reafirmao das formas de dominao de classe e, claro, da classe

    dominante Cf. (SAVIANI, 1987); (TOMAZ TADEU, 1992); (SNYDERS, 1977),

    (GIROUX, 2004), (COUTINHO, 1972); (E.P.THOMPSON, 1981); (PERRY

    ANDERSON, 1984).

    Um dos fundamentos dessa perspectiva, e que no est presente nos

    intrpretes de Althusser, encontra-se em Sur la reproduction, de Louis Althusser

    (1995). J nas informaes ao leitor, Louis Althusser enuncia a tese principal

    deste escrito, que foi o escrito originrio para elaborao do artigo da La Pense-

    Idlogie et Appareils Ideolgicos dtat: O sistema que assegura a reproduo

    da relaes de produo o sistema dos aparelhos de Estado: aparelho

    repressivo e aparelho ideolgico. (ALTHUSSER, 1995, p.20, grifo nosso).

    Alm das crticas s teorias da reproduo, h tambm sua exaltao

    significativa1. As exaltaes acontecem, tal como a metfora do bate e assopra.

    As argumentaes significativas desenvolvem suas anlises sempre da mesma

    1 Nas palavras de George Snyders essa exaltao apenas um Primeiro momento de convergncia feliz entre

    Bordieu, Passeron, Baudelot, Establet e Ivan Illich.

  • 22

    forma: 1- os tericos da reproduo contriburam, em uma situao histrico-

    localizada, para o desenvolvimento de um pensamento crtico em relao

    escola nova, que compreendida por sua ao redentora dos males causados

    pelas relaes sociais da produo capitalista2 e 2- realizada a exaltao situada,

    clama-se por uma superao das tendncias crtico-reprodutivistas j que a

    tendncia da escola condenada deve ser superada.

    Ao reafirmar o papel significativo das teorias que consideram a escola

    como um instrumento de reproduo, Snyders interroga atnito: como podemos

    acreditar durante tanto tempo que, numa sociedade dividida em classes, a escola

    iria oferecer a todos iguais oportunidades de promoo social e de afirmao

    social? (SNYDERS, 1977, p.32). Se Snyders no nomeia as fontes, pode-se citar

    Talcott Parsons com aquele que afirma claramente a perspectiva meritocrtica do

    funcionamento da instituio escolar. (Cf. PARSONS, 1968, p.75)

    no mbito dessa concepo que o principal escrito de Louis Althusser

    recebido no Brasil. H, porm, uma distino entre o escrito de Althusser

    Ideologia e Aparelhos Ideolgicos de Estado, divulgado no Brasil, constituindo

    um althusserianismo, e a leitura efetiva de outros escritos que compem o

    pensamento do autor. A possibilidade de investigao de outros escritos

    publicados por Louis Althusser impulsiona o desenvolvimento deste trabalho.

    Os principais intrpretes da corrente althusseriana, Baudelot e Establet

    (1978, p.242), citam ou utilizam diretamente a noo de Ideologia presente no

    escrito Ideologia e Aparelhos Ideolgicos de Estado, de Louis Althusser. Na

    perspectiva de uma participao no formalizada de autoria do escrito de

    Baudelot e Establet percebe-se, mais uma vez, uma participao direta de

    Althusser. Fato relevante a relao de Louis Atlhusser com Bourdieu, Baudelot

    e Establet. Destaca-se o conselho e convite de Louis Althusser a Bourdieu para

    participar de um seminrio em 1964 que, a partir da, foi organizada a obra Les

    hritiers (Cf. ALMEIDA, 2008, p.182). J a relao de Louis Atlhusser tanto com

    Baudelot quanto com Establet estabeleceu-se pela convivncia entre professor e

    alunos-pesquisadores, j que na declarao de Baudelot:

    2 Ao reafirmar o papel significativo das teorias que consideram a escola como um instrumento de reproduo,

    Snyders interroga atnito: como podemos acreditar durante tanto tempo que, numa sociedade dividida em classes, a escola iria oferecer a todos iguais oportunidades de promoo social e de afirmao social? (SNYDERS, 1977, p.32). Se Snyders no nomeia as fontes, pode-se citar Talcott Parsons como aqueles que afirmam claramente a perspectiva meritocrtica do funcionamento da instituio escolar. (Cf. PARSONS, 1968, p.75)

  • 23

    Fizemos pesquisa, enquetes; fomos incentivados no s por

    Bourdieu, mas tambm por Althusser, cujos cursos eram tambm

    bastante coletivos. Ler O Capital foi realmente uma atividade

    coletiva, isto , supe-se que os estudantes so capazes no

    somente de escutar e se saciar com o que lhes dito, mas tambm

    de participar, de trazer sua parte ativa para a pesquisa e para a

    construo de objetos de pesquisa sobre a realidade social, para a

    elucidao do mundo social. (ALMEIDA, 2008, p.185)

    Observa-se, a partir dessa interlocuo entre Louis Althusser e os

    Socilogos da Educao, uma fonte, mesmo que reinterpretada, para a

    elaborao de propostas educacionais que consideram a relao entre as

    relaes sociais e meios institucionais com a finalidade da produo do

    conhecimento veiculado na totalidade social.

    Levando em considerao a relevncia do tema para o autor deste

    trabalho, o tema proposto o fim e, ao mesmo tempo, o incio de um percurso

    traado desde o curso de Graduao em Filosofia na Universidade Federal de

    Minas Gerais. Durante este trajeto, sempre foi uma preocupao compreender os

    processos ou a Formao do Homem enquanto ser social e o papel de sua

    formao terica recebida na Universidade. Tendia sempre a conjugar aplicao

    desses contedos tendo em vista o real. Recebia a resposta pela forma do

    silncio! Portanto, a categoria filosfica da prxis, compreendida no como um

    conceito, mas como constituinte num processo de formao/transformao

    contnua do ser que esteve presente nesse percurso acadmico, resultando no

    interesse pelo tema. Ainda na graduao, freqentando as aulas de Ontologia, foi

    possvel conhecer aspectos que trouxeram fundamentos para discutir a noo de

    existncia e suas condies gerais. Autores como Quine, Terence Parsons e

    Meinong3 foram centrais para empreender os fundamentos citados.

    3 O texto de Quine a que me refiro trata-se do Sobre o que h e o de Terence Parsons intitula-se A

    Prolegomenon To Meinongian Semantics e Nuclear and Extranuclear Properties, Minong, and Leibniz. Um exemplo espistmico examinado na disciplina citada : Poderamos contar quantos anjos existem na cabea de um alfinete? De acordo com Quine empregamos existir, conforme o senso comum, querendo dizer que entidades como anjos ou Pgaso no existem de modo algum no espao e no tempo. Se anjos ou Pgaso existissem porque essas palavras tm conotaes espao-temporais e no, como diz Quine, porque existe tenha conotaes espao-temporais. Assim, a falta de referncia espao-temporal para a palavra anjo porque ela no uma coisa espao-temporal e, portanto no pode ser contada, como tambm comparada, afinal, quantos anjos so semelhantes ou quantos so diferentes? Ou, ainda, o que conta como o mesmo anjo e o que no conta como o mesmo anjo? De acordo com Meinong, os indivduos no so um conjunto de propriedades. Mas, correspondente a cada indivduo existe um nico conjunto de propriedades - o conjunto de

  • 24

    Epistemologicamente, as discusses acerca da constituio dos seres existentes

    fizeram com que o interesse fosse despertado, mas ainda faltava algo! Questes

    surgiam, naquele momento, como por exemplo, se o conhecimento fruto

    exclusivo da razo humana, pois no era perceptvel, nos autores citados, a

    discusso de uma ontologia social. Era presente a questo sobre o que ou quais

    os fatores constituam condies de possibilidade para existncia do homem

    enquanto ser social e poltico. Esses questionamentos estavam longe de serem

    alcanados nas discusses desses autores estudados at ento, mesmo porque

    eles no se propuseram a efetiv-los, essa exigncia era minha.

    Desde a graduao em Filosofia, os projetos desenvolvidos na

    Faculdade de Educao despertaram profundo interesse e, no incio de 20054 foi

    dado incio a uma participao no projeto dessa faculdade intitulado Laboratrio

    de Produo de Material Didtico PROMAD.

    A integrao ao Ncleo de Estudos Sobre Trabalho e Educao NETE

    aconteceu em 2006, com a pesquisa intitulada Referenciais Terico-

    Metodolgicos de Pesquisas em Trabalho e Educao financiada pela Fapemig5.

    Ainda no curso de Filosofia, na disciplina de Filosofia das Cincias

    Sociais foi possvel ter contato com alguns clssicos da sociologia como E.

    Durkheim6 e Max Weber7. Alm desses autores consagrados da sociologia, com

    os escritos de J. Chasin8, foi possvel compreender aspectos fundantes da histria

    material dos escritos de K. Marx. Esses aspectos perpassaram desde a crtica da

    verso kautskyana do trplice amlgama na formao do pensamento original de

    propriedades que o indivduo tem. Esse conjunto de propriedades o que Terence Parsons chama de correlato do indivduo. Tendo em vista isso, segundo Terence Parsons, h supostos objetos que no existem. Esses sero simplesmente conjuntos de propriedades que no so os correlatos de nenhum indivduo. Os supostos objetos em questo podem ser incompletos ou completos. Por exemplo, a montanha de ouro incompleta e no existe. Alternativamente, se um personagem em um romance fosse completamente descrito e se tal personagem no existe, ento a completa descrio especificaria um objeto completo, mas um que no existe. No caso dos anjos, eles so supostos objetos incompletos e que no existem, so fictcios, segue-se da a impossibilidade cont-los. 4 Especificamente de 04/2005 a 12/2005 por meio da Pr-Reitoria de Graduao no Programa Acadmico

    Especial (PAE). 5 Conforme o Projeto apresentado ao Edital Universal de projetos de Pesquisa para 2005, n. 001/2005

    Fapemig. 6 Particularmente os Prefcios da primeira e segunda edies, a Introduo e os Captulos I, II, III da As Regras

    do Mtodo Sociolgico. Col. Os Pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1973. 7 Refiro-me ao texto A Objetividade do Conhecimento na Cincia Social e na Cincia Poltica 1904. In:

    Metodologia e Cincias Sociais. So Paulo: Corts Editora, 1992. 8 Obra de J. Chasin. A Determinao Ontonegativa da Politicidade. Marx Estatuto Ontolgico e Resoluo

    Metodolgica.. So Paulo: Editora Ensaio, 1995.

  • 25

    Marx at sua viragem terica9, formulada a partir dos aspectos polticos que

    foram evidenciados e criticados pelo mesmo.

    Participando do Seminrio de Filosofia Contempornea II, sob o tema

    Marx e Freud e a Crise do Sujeito foi estabelecido um contato com a vertente

    marxista francesa representada por Louis Althusser10. A importncia dessa

    disciplina justificada pelas discusses sobre a noo de Ideologia e por mostrar

    como propostas tericas distintas, como as de Marx e Freud, puderam ser

    relacionadas, salvas as diferenas do objeto de discusso proposto por ambos.

    Dentro do Programa de Ps-Graduao FAE/UFMG, em 2007, a

    disciplina Marx, o Marxismo e a Educao oferecida dentro da linha de pesquisa

    Poltica, Trabalho e Formao Humana possibilitou o estudo de algumas obras de

    K. Marx que suscitaram fecundas discusses e implicaes para o campo

    educacional. O estudo da obra de Marx: Crtica da Filosofia do Direito de Hegel

    Introduo permitiu destacar aspectos da crtica de Marx filosofia de Hegel,

    observar qual a perspectiva de Marx em relao ao Estado e paralelamente o

    mbito poltico situando-a no perodo de 1843 e 1844 e ainda, notar os aspectos

    ontolgicos do processo de produo e reproduo social do conhecimento.

    Essa trajetria pessoal buscou conjugar a Filosofia com a Educao. O

    objetivo desse estudo foi de diminuir a distncia formal entre esses dois modos

    de conhecer, modificando assim, as pretenses pessoais sob a denominao de

    uma Filosofia da Educao.

    Objetivos Gerais

    Um dos objetivos desta dissertao de situar os escritos de Louis

    Althusser nas condies histricas da perspectiva educacional diante das Teorias

    da Reproduo. Nesse percurso, importante resgatar alguns escritos de Louis

    Althusser com o intuito de identificar se o mesmo participa de uma postura

    epistmica ou ontolgica nos processos de produo do conhecimento.

    9 Essa viragem a que me refiro encontra-se no texto: Marx a determinao ontonegativa da politicidade. In:

    Ensaios ad hominen.tomo III. So Paulo : Estudos e edies ad hominen, 2000. 10

    Discusso amparada por Althusser em: Marx e Freud In: Freud e Lacan; Marx e Freud. Traduo e Notas de Walter Jos Evangelista. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1984.

  • 26

    Os autores da tradio marxista estiveram presentes, porm, impem-

    se os escritos de Louis Althusser como fonte principal de um escrutnio crtico

    que visou relacionar o Estado e a Educao. Apesar do objetivo principal

    deste trabalho no ser apenas uma comparao entre Althusser e Karl Marx, isto

    no retira a importncia das fontes textuais do filsofo alemo e de seus leitores,

    que sero um recurso balizador junto aos escritos de Louis Althusser.

    Para entender a Poltica e suas influncias sobre os processos

    educacionais, necessrio considerar o mbito Poltico da relao entre Trabalho

    e Educao. Compreendida a dimenso que abarca Estado e Sociedade nos

    processos de produo e reproduo social do conhecimento, processos pelos

    quais se define a Educao, e como se efetiva esta relao, pode-se deduzir qual

    a concepo de Louis Althusser sobre esses mbitos que se coadunam.

    A forma derradeira de compreender este escrito de ultrapassar a

    noo de Educao presente nos escritos de Louis Althusser entendendo como os

    processos de produo do conhecimento integrantes de uma Formao Humana

    ampliada.

    O objetivo proposto no mbito desta pesquisa o de compreender as

    relaes entre Estado e Educao nos escritos de Louis Alhtusser, identificando

    as crticas referentes a esta articulao. Com base no entendimento da

    correlao entre Estado e Educao, delimitar-se-o as caractersticas da

    Instituio Educacional e como mesma participa da produo ou reproduo

    social do conhecimento.

    A caracterizao do Processo de Trabalho feita por Louis Althusser

    suscita alguns questionamentos: sua posio sobre a Categoria Trabalho,

    compreendida, em sua concepo, como uma filosofia do trabalho descartaria a

    possibilidade de a mesma ser parte integrante da Formao Humana? A

    categoria no um modelo de prxis social? Se o Trabalho no parte

    constitutiva de sua prpria formao, ento o homem deve os mritos de sua

    constituio apenas s suas Faculdades Intelectuais ou ao empobrecimento da

    mesma? Essas questes sero discutidas no decorrer deste trabalho.

  • 27

    Metodologia

    A metodologia de trabalho utilizada neste trabalho inicia-se pela

    anlise das obras de Louis Althusser sob um critrio no linear, mas, sempre que

    possvel, menciona-se a localizao temporal de seus escritos. Uma localizao

    temporal dos escritos de Althusser foi realizada visando identificar se houve uma

    diferena de postura ou viragem em relao a seus primeiros artigos.

    (primeiras obras Lire le Capital e Pour Marx, ambas publicadas originalmente em

    1965)

    Foram consultadas fichas de registro das reunies do comit central do

    Partido Comunista Francs (P.C.F), presentes neste texto, no Anexo B, partido

    do qual Louis Althusser foi membro desde outubro de 1948. As fichas foram

    utilizadas para identificar a relao entre Althusser e o P.C.F.

    Uma localizao dos escritos de Althusser na perspectiva educacional e

    na tradio marxista realizada ao longo deste trabalho. A leitura de

    comentadores, estudiosos da rea da Educao, foi realizada para compreender

    de que maneira o(s) escritos de Althusser foram tratados por esses

    comentadores. Uma exegese de autores de cunho marxista e marxiano foi

    elaborada com o objetivo de realizar uma fundamentao que resgata a

    argumentao de autores que analisam o tema proposto nesta dissertao, mas

    sem utiliz-los apenas para ratificar qualquer tese. Foram utilizados, tambm, de

    forma frequente, alguns escritos de Karl Marx que foram balizadores para os

    resultados alcanados nesta pesquisa.

    Objetivos Especficos

    Os objetivos especficos deste trabalho sero tratados de forma

    localizada em cada captulo. Ao longo do Captulo 1, o texto apresenta a

    repercusso dos escritos de Louis Althusser na perspectiva da Histria da

    Educao sob denominao das Teorias Crtico-Reprodutivistas. Esse captulo

    tem como objetivo localizar o discurso de Louis Althusser nos textos Sur la

  • 28

    reproduction (ALTHUSSER, 1995) e L'avenir dure longtemps: suivi de, Les faits

    (ALTHUSSER, 2007) diante das crticas s Teorias da Reproduo na perspectiva

    Educacional e apresentar os fundamentos desta crtica examinando as obras: A

    Sociologia da Educao na Frana: um Percurso produtivo (VASCONCELLOS,

    2003); A Sociologia da Educao do final dos anos 60/incio dos anos 70: o

    nascimento do paradigma da reproduo (NOGUEIRA, 1990); Os paradigmas

    perdidos ensaio sobre a Sociologia da Educao e seu objeto (DANDURAND;

    OLLIVIER, 1991); Educao e Sociologia (DURKHEIM, 1978); Escola, Classe e

    Luta de Classes (SNYDERS, 1977); Estruturalismo e Educao Brasileira

    (SAVIANI, 1986); Tendncias e Correntes da Educao Brasileira (SAVIANI,

    1987); Escola e democracia: teorias da educao, curvatura da vara, onze teses

    sobre a educao poltica (SAVIANI, 2009); O que produz e o que reproduz em

    educao: ensaios de sociologia da educao (SILVA, 1992); Teora Y Resistencia

    En Educacin (GIROUX, 2004); La Escuela Capitalista (BAUDELOT; ESTABLET,

    1978); Gramsci e o Debate Sobre a Escola Pblica no Brasil (DORE, 2006);

    Louis Althusser e o Papel Poltico/Ideolgico da Escola (CASSIN, 2002) e O

    discurso da Educao nos Anos 70 e 80 no Estado de So Paulo, Sob a Influncia

    do Pensamento Althusseriano (SANTOS, 1992).

    O Captulo 2 tem por objetivo definir as noes de Estado e Educao

    em Louis Althusser. Para empreender tal esforo, define-se qual mbito abarca o

    Estado e seus Aparelhos Ideolgicos. Faz-se necessria essa trajetria para que

    seja possvel articular a noo de Estado e Educao nos escritos de Louis

    Althusser. Apresentada a definio do Estado e da Educao em Louis Althusser,

    possvel responder se a instituio educacional apenas reproduz as relaes de

    produo Capitalistas.

    Foi a perspectiva da Escola que levou diversos intrpretes a considerar

    os autores etiquetados na Tendncia Crtico-Reprodutivista como aqueles que

    definem a instituio escolar apenas como formas reprodutoras das relaes

    capitalistas de explorao. Ainda no Captulo 2, so apresentados os aspectos

    das anlises de Louis Althusser que diferenciam a Escola, Instituio Escolar, da

    Educao como uma Formao Humana Ampliada. Busca-se, tambm,

    compreender o entendimento da Poltica e suas influncias nos processos

    educacionais, ressaltando a necessidade do mbito Poltico perante a relao

    entre a Categoria Trabalho e a Educao e fazendo os seguintes

    questionamentos: Como procede a articulao entre Estado e Educao? A escola

  • 29

    estaria, para Louis Althusser, restrita a essa forma de reproduo Capitalista? A

    escola seria, para ele, passvel desse derrotismo institucional? A escola seria

    responsvel por ratificar as relaes Capitalistas, sendo necessrio, em primeiro

    lugar, modificar as estruturas para depois modificar a prpria escola? Ou para

    Althusser, a escola seria, ao contrrio, a fora significativa capaz de transformar

    as relaes sociais capitalistas? Althusser ultrapassou ou superou definitivamente

    a tendncia teoricista no que tange aos processos de produo do conhecimento?

    Para responder tais questes, so percorridos ao longo do captulo os seguintes

    escritos de Louis Althusser: Sur la reproduction (1995); Note sur les AIE

    (1995b); Problmes tudiants (1964); Idologie et Appareils Idologiques d tat

    (1970) ; Pour Marx (1977) ; lments d' Autocritique (1974) ; Lo que no puede

    durar em el Partido Comunista (1978) ; Lire le Capital (1969a) e (1969b) ;

    Lnine et la Philosophie (1969c) ; Philosophie et Philosophie Spontane des

    Savants (1974b) ; Soutenance d Amiens (1976) ; crits philosophiques et

    politiques ( 1997a) e (1997b) ; Sobre a reproduo (1999) e Sur le travail

    thorique (2006) ; Sur Marx et Freud (1993) e na Note sur les AIE (1995b).

    O Captulo 3 desta dissertao apresenta uma perspectiva crtica da

    relao entre Estado e Educao a partir de uma interpretao polmica de Louis

    Althusser, suscitada pela classificao das obras de Karl Marx mediante critrio

    de atuao estatal. A partir dessa crtica proposta uma forma de considerar o

    Estado como um dos provedores das condies de existncia humana. Dessa

    forma, apresenta-se um Estado que est entre uma forma opressora de

    interveno e uma forma destituda de responsabilidades sociais emergentes.

    Esse captulo tem por objetivo apontar a perspectiva que Louis

    Althusser compreende sobre Estado e ultrapass-la, criticamente, mediante a

    concepo ontolgica necessria para que os processos de produo do

    conhecimento sejam passveis de realizao. Para tal questionamento, so

    utilizadas as obras de Louis Althusser Pour Marx (1977) e Politique et Histoire, de

    Machiavel Marx: Cours lcole normale suprieure de 1955 1972 (2006b).

    Alm disso so utilizadas, como forma elucidativa contempornea, a noo de

    Estado e Sociedade Civil presente nos textos de Boaventura Santos A Gramtica

    do Tempo: Para um nova Cultura Poltica (SANTOS, 2006) e Reinventar a

    democracia: Entre o pr-contratualismo e o ps-contratualismo (SANTOS, 2000).

    Alm disso, desenvolvida uma exposio da concepo e da relao entre o

    Estado e a Sociedade Civil presente em Marx, em O 18 Brumrio de Lus

  • 30

    Bonaparte (1990); Glosas Crticas Marginais ao Artigo "O Rei da Prssia e a

    Reforma Social". De um prussiano (1995) e na Crtica da Filosofia do Direito de

    Hegel Introduo (1977) e, em Hegel, nos Fundamentos de la Filosofia del

    Derecho (1993).

  • 31

    Captulo I

    As Teorias da Reproduo, Louis Althusser e a Educao

    O objetivo deste Captulo de situar o aspecto histrico e receptivo

    dos escritos de Louis Althusser classificados sob a denominao das Teorias da

    Reproduo na perspectiva Educacional.

    As Teorias da Reproduo11 datam do final dos anos 60 e incio dos

    anos 70 do sculo XX e, particularmente, destaca-se a Frana12 como maior

    desenvolvedora dessas teorias. No enlace do imediato ps-guerra, nos trinta

    anos de prosperidade13 econmica, surge, no campo educacional, uma srie de

    relatrios ingleses, norte-americanos e franceses14 conhecidos na Sociologia da

    Educao como frutos de um Empirismo Metodolgico. O objeto dessas 11

    Ao longo deste trabalho atribui-se, de forma alternada, essa nomenclatura em substituio classificao de uma Tendncia Crtico-Reprodutivista (SAVIANI, 1987, p.39). Encontra-se ainda, em Saviani (2009), a classificao de Teorias Crtico-Reprodutivistas. Pode-se localizar esta classificao em Giroux (2004) denominando a perspectiva tratada aqui de teorias da reproduo. 12

    Observa-se, aqui, a afirmao genrica da origem das Teorias da Reproduo tendo como nascimento os anos 60 e 70 do sculo XX. Nota-se que a segunda parte da sentena permanece Verdadeira, j que mile Durkheim um exmio inaugurador da Sociologia da Educao Francesa (Cf. VASCONCELLOS, 2003, p.554) 13

    Os trinta gloriosos a adjetivao francesa, ou A Era de Ouro, denominao atribuda por anglo-americanos (Cf. HOBSBAWM, 1995, p. 253). Essas eram as expresses com que os economistas internacionais denominavam o perodo ps-guerra, desde a dcada de 40 e por um perodo aproximado de mais 25 anos. (Cf. HOBSBAWM, 1995, p. 253). Cabe observar o contexto histrico de regime militar no Brasil que vai de 1969 a 1973, um perodo de muita represso no pas. Apesar dessa caracterizao negativa, o regime militar trouxe transformaes econmicas e, conseqentemente, um aparente crescimento industrial nesse perodo, decorrente da poltica econmica do Ministro da Fazenda Delfim Netto, que caracterizou o perodo como um Milagre Econmico. nesse contexto histrico-poltico que aprovada a lei 5.692/71, imposta pelo governo quase sem discusso e sem participao de estudantes, professores e outros setores sociais. Com a lei 5.692/71, no artigo 1, temos a seguinte definio: Art. 1 - O ensino de 1 e 2 graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formao necessria ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realizao, qualificao para o trabalho e preparo para o exerccio consciente da cidadania. (BRASIL, 1971). Observa-se, com essa lei, uma reforma que reduziu a educao em nvel mdio a cursos profissionalizantes, adequando-a, assim, ao modelo de desenvolvimento econmico presente no pas. Por essa lei de diretrizes, observamos nitidamente uma proposta de reforma da educao imposta pelo capital estrangeiro e, mais precisamente, pelo acordo MEC-USAID. Uma dessas propostas de reforma baseou-se no tpico educao e segurana, que trouxe a criao das disciplinas de Educao Moral e Cvica em cursos mdios, incentivando, assim, uma formao bsica profissionalizante. Essa formao acabou por reafirmar uma ausncia definida das classes de Filosofia como tambm de Sociologia. 14

    So eles: ROBINS-1963 e PLOWDEN-1967 na Gr-Bretanha; COLEMAN-1966 nos Estados Unidos. Na Frana, essas prticas dominantes de estudos empricos na Sociologia da Educao assumiro a forma de uma demografia escolar que tem origem nos trabalhos desenvolvidos pelo INED (Institut National d'tudes Dmographiques) criado em 1945 (NOGUEIRA, 1990, p.55 H um destaque enqute francesa realizada por Alain Girard et al que revela os efeitos das diferenas de origens sociais e profissionais dessa populao sobre o desenrolar de suas escolaridades (abandonos, repetncias, nvel e tipo de estudos alcanados etc.). (VASCOCELLOS, 2003, p.555).

  • 32

    pesquisas era analisar as desigualdades educacionais e a democratizao do

    ensino. Na tentativa de compreender o objeto de estudo e compor esses

    relatrios:

    Calculava-se assim as taxas de escolarizao segundo as categorias

    scio-econmicas; estabelecia-se correlaes entre o desempenho

    escolar e uma srie de fatores sociais tais como: idade, sexo, habitat,

    profisso e nvel escolar dos pais, tamanho da famlia etc; buscava-

    se identificar os elementos responsveis pela carncia cultural das

    crianas e jovens provenientes dos grupos sociais desfavorecidos

    para se chegar a solues compensatrias. (NOGUEIRA, 1990, p.54)

    Porm, essa srie de relatrios no explicava as disparidades quanto

    s oportunidades tanto de sucesso quanto de acesso escola e:

    as pesquisas, no decorrer deste perodo, permanecem

    profundamente marcadas pelo funcionalismo para o qual a escola

    cumpre duas funes essenciais: a socializao e a seleo. A

    socializao garante saber e moral, a seleo assegura mobilidade e

    distribuio. (DANDURAND; OLLIVIER, 1991, p.127)

    Apesar desses relatrios no explicarem a relao conflituosa entre os

    meios educacionais e as relaes sociais concretas, os dados presentes nos

    mesmos indicavam e marcavam, a partir da, o estudo das desigualdades

    educacionais no referido perodo, associando-as a fatores que ultrapassam o

    prprio saber institucionalizado15.

    A generalizao da contextualizao terica e metodolgica das Teorias

    da Reproduo pode ser contraposta a uma identificao, precedente, marcada

    pelos escritos de mile Durkheim (Cf. DURKHEIM, 1978). esse Funcionalismo

    educacional, marcante e desenvolvido por Durkheim (1978), que associado s

    Teorias da Reproduo. Para identificar a concepo educacional-funcionalista da

    perspectiva de Durkheim, necessrio compreender que o mesmo pressupe

    15

    So exemplos desses fatores no-institucionalizados: idade, sexo, habitat, profisso e nvel escolar dos pais, tamanho da famlia (Cf. NOGUEIRA, 1990, p.54). Ao comentar a enqute realizada por Alain Girard, Maria Drosila Vasconcellos (2003, p.556) destaca a importncia deste estudo que criticam o funcionamento da escola ultrapassando, assim, espaos formais escolares.

  • 33

    uma diviso social do trabalho16, a qual tarefa da funo educativa. Qual a

    funo educativa reivindicada por Durkheim? A socializao, preparao e a

    seleo das crianas, justificadas pela diviso social do trabalho, para as funes

    que as mesmas exercero. (Cf. DURKHEIM, 1978, p.38 e 39). A distino entre

    teoria e prtica, deduzida do postulado cientfico elaborado por Durkheim,

    conduz o socilogo a justificar a diferenciao entre Educao e Pedagogia (Cf.

    DURKHEIM, 1978, p.57 e 58). A educao consiste em aes (DURKHEIM,

    1978, p.57 e 58), j a pedagogia percorre o campo da teoria (DURKHEIM,

    1978, p.57 e 58), a qual tem as prticas educacionais como matria

    (DURKHEIM, 1978, p.57 e 58). Para contrapor-se perspectiva de Durkheim,

    resta descentralizar a distino entre a pedagogia e a educao e consider-las

    como elementos que pertencem a um conjunto ampliado da Formao Humana.

    Essa alternativa devolve o estatuto negativo da diferenciao entre teoria e

    prtica como uma mera formalidade do discurso17.

    No entanto, o tema sociolgico das estruturas sociais que determinam

    as relaes educacionais a contribuio marcante de mile Durkheim que

    pretende inserir a educao num complexo social localizado, porqu:

    As prticas educativas no so fatos isolados uns dos outros; ao

    contrrio, para uma mesma sociedade, esto ligados num mesmo

    sistema em que todas as partes concorrem para um fim nico: o

    sistema de educao prprio desse pas e desse tempo.

    (DURKHEIM, 1978, p.61, grifo nosso)

    16

    A diviso social do trabalho derivada de um estatuto descritivo da concepo de Teoria, diferenciada de uma Prtica e rechaando qualquer possibilidade da noo de Prxis: No podemos, nem devemos nos dedicar, todos, ao mesmo gnero de vida; temos, segundo nossas aptides, diferentes funes a preencher, e ser preciso que nos coloquemos em harmonia com o trabalho que nos incumbe. Nem todos somos feitos para refletir; e ser preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ao. Inversamente, h a necessidade de homens que tenham, como ideal de vida, o exerccio e a cultura do pensamento. Ora, o pensamento no pode ser desenvolvido seno isolado do movimento, seno quando o indivduo se curve sobre si mesmo, desviando-se da ao exterior. (DURKHEIM, 1978, p.34, grifo nosso). Essa distino apresenta os principais aspectos criticados por Marx que diferenciam o trabalho manual do trabalho intelectual, j que: A diviso do trabalho s se torna realmente diviso a partir do momento em que surge uma diviso entre trabalho material e [trabalho] espiritual. A partir desse momento, a conscincia pode realmente imaginar ser outra coisa diferente da conscincia da prxis existente, representar algo realmente sem representar algo- a partir de ento, a conscincia est em condies de emancipar-se do mundo e lanar-se construo da teoria, da teologia, da filosofia, da moral etc. puras. (MARX, 2007a, p.35-36). 17

    Soluo apresentada por Karl Marx ao criticar a distino entre os objetos sensveis e os objetos do pensamento em sua primeira Tese Ad Feuerbach (MARX, 2007b, p.533).

  • 34

    O esforo de Durkheim dirige-se compreenso do sistema

    educacional caracterizando-o como um produto18 das relaes sociais e

    nomeando-as como suas Estruturas. neste sentido que se considera a

    perspectiva educacional de Durkheim como um conjunto de prticas que:

    No so, como por tanto tempo se acreditou, combinaes mais ou

    menos arbitrrias e artificiais, cuja existncia fosse devida

    influncia caprichosa de vontades sempre contingentes. Constituem,

    ao contrrio, verdadeiras instituies sociais. No h ningum que

    possa fazer com que uma sociedade tenha, num momento dado,

    outro sistema de educao seno aquele que est implicado em sua

    estrutura; da mesma forma que impossvel a um organismo vivo ter

    outros rgos e outras funes seno os que estejam implicados em

    sua constituio. (DURKHEIM, 1978, 59 e 60, grifo nosso).

    A associao Biolgica utilizada para caracterizar a relao entre

    sistema educacional e sua estrutura no uma mera analogia. O que Durkheim

    define como Cincia ou um conjunto qualquer de estudos (DURKHEIM, 1978,

    p.58) engloba trs caractersticas fundamentais: 1- Os estudos devem recair

    sobre os fatos que comeamos, que se realizam e sejam passveis de

    observao; 2 - preciso que esses fatos apresentem entre si

    homogeneidade suficiente para que possam ser classificados numa mesma

    categoria. e 3 - A cincia estuda os fatos para conhec-los, e to somente

    para conhec-los, de modo absolutamente desinteressado. (DURKHEIM, 1978,

    grifo nosso, p.58 e 59). Dessa maneira, a associao do sistema de educao a

    um organismo vivo pressupe uma forma segura de correlao metodolgica

    proveniente do que Durkheim atribuiu como Cincia - um molde das Cincias

    Naturais, transposto para a emergente Cincia Social, integrada pela Sociologia

    da Educao, para bradar um estatuto seguro de sabedoria: Pouco importa que

    o sbio trate de fixar tipos19, mais que de descobrir leis; que ele se limite a

    18

    Dito de outra forma, o resultado indiscutvel das relaes sociais comparvel a qualquer outro fato social. (Cf. DURKHEIM, 1978, p.59 e 60). Maria Drosila Vasconcellos (2003, p.555 e 568) argumenta sobre a grande contribuio de Durkheim, mesmo diante de crticas, por uma concepo da escola integrada ao restante das instituies sociais. 19

    Referncia noo de tipo ideal elaborada por Max Weber. Para Weber o tipo ideal um construto mental que de forma alguma pode existir na realidade emprica. Segue-se disso que o tipo-ideal no pode se avaliado nem como verdadeiro nem como falso ele dever ser analisado de acordo com sua utilidade (WEBER, 1992, p.138).

  • 35

    descrever, ou bem que procure explicar. Desde que o saber, seja ele qual for,

    seja procurado por si mesmo, a a cincia comea. (DURKHEIM, 1978, p.59).

    Percebe-se uma suposta Hiptese afirmativa deduzindo da mesma uma Tese

    contundente e verificvel nos moldes das Cincias Naturais, seguindo uma forma

    indutiva de aplicao teoricista aos demais casos particulares presentes nas

    relaes sociais concretas.20

    Sob uma forma localizada na sociedade norte-americana21,

    desenvolve-se a perspectiva explcita da escola funcionalista com a

    argumentao de Talcott Parsons. Nota-se uma bela relao de continuidade da

    perspectiva de Durkheim, j que a escola visa desenvolver responsabilidades22,

    capacidades e aplicar esses Recursos Humanos dentro da estrutura hierrquica

    da sociedade adulta. A classe, ou a sala de aula, um agente de socializao do

    ponto de vista funcional 23 (PARSONS, 1968, p. 47). Se, por um lado, a escola

    um agente de socializao que se adapta a uma estrutura social dada, por

    outro lado, essa instituio devolve ao indivduo-aluno os frutos de sucesso ou

    fracasso escolar, atua como veculo de seleo e agente de socializao e a

    operao real das escolas (PARSONS, 1968, p. 74).

    A adaptao a uma estrutura social retoma o tema de atribuir escola

    a funo de reproduo das condies de produo capitalistas, engessando-a

    neste modo de produo24. J a restituio de responsabilidade individual25 ao

    aluno, caracteriza um aproveitamento meritrio (PARSONS, 1968, p.71) do

    mesmo: Verifica-se tambm que o processo seletivo naturalmente um

    classificador de grupos. Como acontece virtualmente a quaisquer processos

    semelhantes, fatores de origem bem como realizao individual influenciam o

    20

    vlido insistir em explicitar a perspectiva de Cincia e seu Mtodo compreendidos por Durkheim: Mas, quando cientificamente investiga, ele se desinteressa das conseqncias prticas. Ele diz o que . Verifica o que so as coisas, e fica nessa verificao. (DURKHEIM, 1978, p.59). 21

    A localizao espacial norte-america a qual Parsons analisa est presente ao longo de seu escrito. (Cf. PARSONS, 1968, p. 48, 67, 71, 74 e 60) 22

    Talcott Parsons exemplifica quais so as duas responsabilidades a serem desenvolvidas: 1- a responsabilidade da implantao dos valores gerais da sociedade e 2- responsabilidade do desempenho de um tipo especfico de funo dentro da estrutura da sociedade. (PARSONS, 1968, p.48). 23

    Dito de outra forma: a seus futuros desempenhos funcionais. (PARSONS, 1968, p.48) 24

    A necessidade de exposio de Talcott Parsons faz-se necessria j que suas anlises quanto instituio escolar foram correlacionadas com a forma de classificar Louis Althusser como um funcionalista: Assim, como ocorre com Althusser, nos oferecido um tosto ideolgico, sujo do uso burgus, como se fosse ouro marxista. O companheiro gmeo desse tosto ainda est sendo passado todos os dias nos sistemas parsoniano e estruturalista-funcional: atrs da definio e distribuio de (...) lugares e funes de Althusser. (THOMPSON, 1981, p.164). 25

    Em outras palavras a sua habilidade individual (PARSONS, 1968, p.49-50)

  • 36

    resultado! (PARSONS, 1968, p.49). No discurso de Parsons h uma

    pressuposio de igualdade de oportunidades nas relaes sociais concretas e, a

    partir destas, a formao do homem opera como resultado exclusivo de suas

    capacidades intelectuais, alm de desprezar o fato de que essa pressuposio

    mascara de forma significativa as desigualdades sociais26.

    Parsons identifica uma forma de inter-relao entre as habilidades

    individuais e a relao famlia-escola, concluindo que dentro de qualquer setor

    de habilidade existe uma relao entre as pretenses e a ocupao do pai.

    (PARSONS, 1968, p.49-50). A relao entre esses trs elementos, proposta por

    Parsons, fundamentada em argumentos que so invlidos por restringir o fator

    da mobilizao social. Essa restrio pode ser ultrapassada quando se

    compreende que a ascenso social no s financeira como tambm uma

    elevao intelectual27. Isto no quer dizer que a famlia no exerce uma ntima

    relao nas formas de desenvolvimento scio-educacional, porm:

    nenhum fator explica por si s o sucesso dos alunos: avs no-

    operrios, uma relativa estabilidade profissional e uma comodidade

    financeira de um pai mais para operrio qualificado, uma me ativa

    ou com uma situao profissional mais elevada do que o pai, uma

    famlia pouco numerosa, uma trajetria de imigrao dos pais..., tudo

    isso pode contribuir para explicar certas trajetrias escolares mas

    nenhum desses investimentos se mostra claramente determinado.

    (LAHIRE, 2004, p.287, grifo nosso)

    ntida a diferena conclusiva a que chega Bernard Lahire (2004,

    p.287) sobre a relao famlia-escola. Confrontando as posies de Parsons com

    a de Lahire, compreende-se o quanto restrita, para Parsons, tanto a instituio

    escolar, quanto a famlia como agente de Formao Humana. Parsons aponta

    suas prprias crticas em relao s possibilidade restritas de acesso e sucesso

    26

    Observar a forma afirmativa das igualdades de oportunidades: Existe assim um raciocnio bsico de que a classe da escola elementar seja um representante ao vivo do valor ideal americano da igualdade de oportunidades, conferindo valor tanto igualdade inicial como ao aproveitamento diferencial. (PARSONS, 1968, p. 63, grifo nosso). 27

    Utiliza-se essa forma de expressar essa elevao intelectual tomando como referncia a expresso que Gramsci utiliza no Caderno 11, traduzida pela a formao de uma elite de intelectuais. (GRAMSCI, 2006, p.104), mas que rompe com pretenses dos intelectuais tradicionais salvaguardando o intelectual orgnico (Cf. GRAMSCI, 2006 b, p.23).

  • 37

    escolar, mas no deixa de reafirmar uma determinao significativa entre a

    origem social e as possibilidades de sua ascenso, isto porqu:

    existe um critrio de seleo relativamente uniforme, operando para

    diferenciar os contingentes universitrios e os no-universitrios, e

    que para um setor muito importante do grupo de idade a operao

    desse critrio no uma tarefa ilusria no simplesmente um

    meio de afirmar um status de origem previamente determinado.

    (PARSONS, 1968, p.50, grifo nosso)

    Mesmo que as justificativas demonstradas por Talcott Parsons no

    sejam passveis de uma avaliao dedutiva justa, a contribuio histrico-

    educativa da desconfiana apontada por sua bifurcao social mediante o

    ingresso Universidade resulta na diferenciao econmica dos alunos.28.

    O que prevalece entre alguns intrpretes29 das Teorias da Reproduo

    uma descrio das mesmas, de forma necessria, como aquelas que

    reproduzem as condies de produo Capitalista, estagnando os indivduos em

    suas estruturas pr-dominantes. Assim, a Escola seria apenas uma das formas

    de atuao desses aparelhos reprodutores. Um dos fundamentos dessa

    perspectiva aparecer em Sur la reproduction de Louis Althusser (1995). J nas

    informaes ao leitor, Louis Althusser enuncia a tese principal deste escrito, que

    foi o escrito originrio para elaborao do artigo da La Pense - Idlogie et

    Appareils Ideolgicos dtat: O sistema que assegura a reproduo da relaes

    de produo o sistema dos aparelhos de Estado: aparelho repressivo e

    aparelho ideolgico. (ALTHUSSER, 1995, p.20, grifo nosso).

    A tendncia crtico-reprodutivista, em sua compreenso mais

    genrica, resume-se na explicao da escola como um instrumento puro e

    simples de reproduo social (Cf. SNYDERS, 1977, p.10). Por instrumento de

    reproduo social deduz-se uma instituio escolar marcada pelo derrotismo

    (SNYDERS, 1977, p.11) diante das formas capitalistas que organizam a

    28

    A concluso de Parsons estabelece que existam agentes de reproduo estabelecidos nos percursos educacionais que definem uma trajetria de estudos ditada por processos de seleo social estabelecidos pelos processos institucionais escolares, haja vista que: o principal processo de diferenciao (que a seleo, de outro pronto de vista) que ocorre durante o curso primrio segue um eixo principal nico de aproveitamento. De maneira geral, a diferenciao conduz, sobretudo atravs da escola secundaria, a uma bifurcao dos caminhos, daqueles que iro para a universidade e daqueles que no iro. (PARSONS, 1968, p.51.) 29

    Cf. (SAVIANI, 1987 ); (SILVA, 1992); (SNYDERS, 1977), (GIROUX, 2004), (COUTINHO, 1972); (E.P.THOMPSON, 1981); (PERRY ANDERSON,1984).

  • 38

    sociedade. A escola estaria subordinada s estruturas que a determinam e, dessa

    maneira, sua participao na transformao social perde sua significao

    atuante: a escola deixaria de ser o local onde o combate pela democracia

    socialista possvel e necessrio (SNYDERS, 1977, p.10). As estruturas renem

    tanto as superestruturas quanto as infra-estruturas. Dessa reunio qualitativa,

    objetiva-se apenas afirmar que a escola determinada por algo externo sua

    composio e transformao. Como conseqncia dessa forma atribuda

    instituio escolar, segue-se o derrotismo presente na mesma. Pode-se

    demarcar, aqui, a diferenciao entre os termos estrutura e estruturalismo. O

    estruturalismo, includo o de Louis Althusser, caracterizado por E.P. Thompson

    por duas especificidades fundamentais:

    (i) que por mais variveis que se introduzam e por mais complexos

    que sejam suas permutas, essas variveis mantm sua rigidez

    original como categorias: com Smelser, o sistema de valores, os

    fatores de produo, disposies polticas e a diferenciao

    estrutural (motriz); com Althusser, a economia, poltica,

    ideologia e a luta de classes (motriz). Assim, as categorias so

    categorias de estase, mesmo que postas em movimento como partes

    mveis. (ii) O movimento s pode ocorrer dentro do campo fechado

    do sistema ou estrutura; isto , por mais complexos e mutuamente

    recprocos que sejam os movimentos das peas, esse movimento

    est encerrado dentro dos limites gerais e determinaes pr-dadas.

    (THOMPSON, 1981, p.96 e 112)

    H, na perspectiva estruturalista, a ausncia da redefinio histrica

    que fica reduzida s determinaes histricas pr-fornecidas (Cf. THOMPSON,

    1981, p.97). Com a forma analtica, objetiva-se apenas afirmar que a escola

    determinada por algo externo sua composio e transformao. Como

    conseqncia dessa forma atribuda instituio escolar, segue-se o

    derrotismo presente na mesma:

    O que leva uns a abandonar toda a luta, outros a consagrar-se

    exclusivamente poltica, renunciando fachada pedaggica; se a

    escola se reduz a uma fraude total ou a um erro absoluto, a

    pedagogia diverso, iluso - e assim se manter at que a

    sociedade seja abalada. (SNYDERS, 1977, p.10, grifo nosso)

  • 39

    Na perspectiva de Durkheim (1978, p.36) no h ordem classificatria

    do tipo primeiro se muda a estrutura social e depois se transforma a escola,

    mas h um condicionamento da mudana da escola mudana da sociedade:

    Se se comea por indagar qual deva ser a educao ideal, abstrao

    feita das condies de tempo e lugar, porque se admite,

    implicitamente, que os sistemas educativos nada tm de real em si

    mesmos. No se v neles um conjunto de atividades e de

    instituies, lentamente organizadas no tempo, solidrias com todas

    as outras instituies sociais, que a educao exprime ou reflete,

    instituies essas, por conseqncia, que no podem ser mudadas

    vontade, mas s com a estrutura mesma da sociedade. (DURKHEIM,

    1978, p.36, grifo nosso)

    H apenas uma afirmao de Durkheim que conjuga o sistema

    educacional necessariamente vinculado estrutura social. Portanto, mesmo com

    a perspectiva funcionalista de Durkheim, no h um descrdito da instituio

    escolar frente s outras instituies sociais.

    Algumas condies histricas favorecem o surgimento das condies

    terico-metodolgicas que propiciaram a elaborao das Teorias da

    Reproduo como modelos explicativos da escola como um aparelho reprodutor

    do Estado. Dentre elas, destaca-se uma srie de conflitos, sejam raciais,

    culturais e entre naes que eclodiram principalmente ao final dos anos 60 at

    meados dos anos 70. Como exemplos, cita-se o Maio Francs, em 1968, contra

    o sistema de ensino vigente; na Inglaterra, movimentos de contracultura newleft

    (nova esquerda); e, nos Estados Unidos, o incio da Guerra do Vietn30 propiciou

    manifestaes de estudantes americanos31. As Teorias da Reproduo so um

    subproduto dessa contextualizao histrica. H um grande paradoxo entre a

    crescente oferta, em escala mundial, de oportunidades escolares e a frustrao

    de acesso a esses meios institucionais:

    Alm disso, medida que uma crescente proporo de populao

    em idade escolar tinha oportunidade de estudar - na Frana era de 30

    Alm da prpria condio de Guerra, destaca-se a hostilidade ao recrutamento militar. (Cf. HOBSBAWM, 1995, p.295). 31

    Antes da Segunda Guerra Mundial, no h percentuais significativos quanto ao estudo universitrio, mesmo na Alemanha, na Frana e Gr-Bretanha. J no final da dcada de 80, h taxas exorbitantes devido exploso das instituies implantadas no ps-guerra. (Cf. HOBSBAWM, 1995, p.290).

  • 40

    4% em 1950, 15,5% em 1970-, ir para universidade deixou de ser um

    privilgio especial que j constitua uma recompensa em si, e as

    limitaes que isso impunha a jovens adultos (geralmente sem

    dinheiro) deixavam-nos mais ressentidos. O ressentimento contra um

    tipo de autoridade, a universidade, amplia-se facilmente para o

    ressentimento contra qualquer autoridade, e, portanto (no Ocidente),

    inclinava os estudantes para a esquerda. Assim, no surpreende de

    modo algum que a dcada de 1960 se tenha tornado a dcada de

    agitao estudantil par excellence. (HOBSBAWM, 1995, p.295, grifo

    nosso)

    no contexto de crise cultural e turbulncia poltica que surgem as

    Teorias da Reproduo. De um otimismo marcado pelos trinta gloriosos

    encontra-se j, no incio da dcada de 70, um desencanto32 social patente.

    Inicialmente, existia um Estado que financiava massivamente os gastos pblicos

    com educao no ps-guerra, com o intento de promover igualdade social e

    camuflado pela urgncia de fora de trabalho qualificada. Agora, devido a crises

    econmicas mundiais, o desencanto se estabeleceu porque no houve uma

    reduo significativa das desigualdades de oportunidades escolares e nem uma

    alterao da relao que cada grupo social mantm com a cultura escolar.

    Emerge, nesse contexto, o tema da reproduo das estruturas

    sociais que ocupa um lugar privilegiado e tem como lema a proposio do

    homem como produto das estruturas que o determinam e no produto de sua

    ao (NOGUEIRA, 1990, p.54,). Atrelado a esse lema, surgem duas

    caractersticas desse perodo na anlise educacional: 1- que os conhecimentos

    veiculados na escola so sempre portadores de um ntido carter de classe, como

    a verso bourdieuniana cuja nfase uma viso culturalista e 2- e os agentes

    de produo das condies de reproduo das relaes de dominao entre as

    32

    Eric Hobsbawm nomeou esse perodo de um pano de fundo bao e escuro (HOBSBAWM, 1995, p.253). Cabe ressaltar que esse desencanto social patente foi apenas o resultado de um processo camuflado pela Era de Ouro. Um bom exemplo disso forma de contradio social das relaes de produo alimentcia: Curiosamente, o contraste entre os excedentes de alimentos de um lado e gente faminta do outro, que tanto revoltara o mundo durante a Grande Depresso da dcada de 1930, causou menos comentrio em fins do sculo XX. Foi um aspecto da crescente divergncia entro o mundo rico e o mundo pobre que se tornou cada vez mais evidente a partir da dcada de 1960. (HOBSBAWM, 1995, p.256). Os grandes responsveis pela produo, a comunidade europia, seguem categoricamente as regras do mercado, j suas providncias econmicas necessrias justificam plantar menos e vender seus produtos abaixo do preo de custo na dcada de 1980 para aquecer o mercado como estratgia forada de valorizao de sua quantidade exorbitante de produo. (Cf. HOBSBAWM, 1995, p.256).

  • 41

    classes sociais ou identificando a cultura escolar com a cultura dos grupos sociais

    dominantes, como a verso althusseriana, caracterizada como uma viso

    economicista33.

    A crtica de Snyders (1977) direciona-se quelas teorias que abdicam

    da validade cultural em que a escola se insere. Os representantes do

    derrotismo escolar so Bordieu, Passeron, Baudelot, Establet e ainda Ivan

    Illich. A classificao dos autores citados adquire uma significao fundamental

    para o tema do presente Captulo, pois a participao de Louis Althusser na obra

    A escola capitalista na Frana tem fora significativa, alm de declarativa:

    Devo falar aqui de uma iniciativa que alguns dentre ns tomamos na

    Primavera de 1967: aquela de fundar um grupo de trabalho ao qual

    atribumos o nome, claro, de Spinoza. A maior parte de meus amigos

    participou dele, membros do Partido ou no. Esta experincia foi

    interessante, com efeito, proftica. Estvamos convencidos ento

    que as coisas iriam se determinar na Universidade. Deveria surgir a

    partir disso um livro, assinado apenas por Baudelot e Establet,

    devido s razes de divergncia poltica sobre A Escola capitalista na

    Frana. (ALTHUSSER, 2007, p.399, grifo nosso)

    Dessa maneira, por uma deduo justificada34, Louis Althusser

    pertenceria ao grupo reunido pelo derrotismo, cuja abordagem terica da

    escola criticada por Georges Snyders. No entanto, a verso althusseriana para

    a anlise da instituio escolar de Christian Baudelot e Roger Establet identifica o

    discurso da relao entre a escola e a sociedade francesa como um meio de

    reafirmar o modo de produo capitalista que prescinde da base real do

    funcionamento da escola, principalmente a escola primria, no seio do Aparelho

    Escolar de Reproduo das relaes sociais de produo:

    33

    Classificao sob o nome de tendncia crtico-reprodutivista das obras de: Bourdieu e Passeron A Reproduo; Althusser Ideologia e Aparelhos Ideolgicos de Estado e Baudelot e Establet A Escola Capitalista na Frana (Cf. SAVIANI, 1987, p.39). Observa-se uma ciso classificatria um pouco distinta, desde a dcada de 80, entre as teorias da reproduo social representadas por Althusser, Bowles e Gintis, por outro lado, as teorias da reproduo cultural pelos trabalhos de Bourdieu e seus colegas e Basil Bernstein. (Cf. GIROUX, 2004, p.108.). De acordo com Maria Alice Nogueira, tem-se como representante da teoria da reproduo cultural principalmente Bourdieu, Passeron e seus seguidores. J representando a teoria da reproduo de filiao marxista, principalmente Althusser, Baudelot e Establet, Bowles e Gintis. (NOGUEIRA, 1990, p. 50). 34

    Utilizamos esta expresso porque Georges Snyders no atribui diretamente este derrotismo explicitamente Louis Althusser.

  • 42

    Esta base a diviso da sociedade em duas classes antagnicas e a

    dominao da burguesia sobre o proletariado. A democracia escolar,

    a unidade da escola, a escola nica, no so sonhos, nem iluses,

    nem mistificaes, nem projetos em curso de realizao: so

    realidades inscritas nas funes e no funcionamento mesmo da

    escola. A escola, desse ponto de vista da burguesia, j

    democrtica: mas, esta democracia no tem outro contedo, em uma

    sociedade capitalista, que a relao de diviso entre duas classes

    antagnicas e a dominao dessas classes sobre outras.

    (BAUDELOT; ESTABLET, 1978, p.20)

    Como soluo em favor da instituio escolar, Snyders (1977, p.11)

    galga inserir a escola na luta de classes e compreender como a mesma participa

    dessa luta. Por essa via de configurao da escola, nega-se desculpar a escola,

    apresentar a escola como libertadora, ou nica, ou acolhendo igualmente uns e

    outros e que h indistintamente to alunos entre os ricos como

    entre os pobres (SNYDERS, 1977, p.11).

    A considerao de Uma escola como puro e simples instrumento de

    reproduo, condenada a...35 (SNYDERS, 1977, grifo nosso, p.11) foi repetida

    por diversos autores36 para justificar as crticas tendncia crtico-

    reprodutivista (SAVIANI, 1987, p. 33, Nota 31). De forma simultnea, criticam-

    se as teorias da reproduo por seu fatalismo, pela falta de esperana e a

    responsabilizao dos docentes como causas desses efeitos circulares no

    processo educativo. Ao identificar a insuficincia do Estruturalismo como

    Concepo Filosfica e suas conseqncias negativas no ensino brasileiro,

    Saviani identifica que a partir da definio da filosofia como discurso, aplica-se a

    anlise estrutural ao exame das obras dos filsofos, deixando-se margem ou

    colocando-se em segundo plano, a dimenso crtica e critizadora da atividade

    filosfica. (SAVIANI, 1986, p.119). Como consequncia dessa definio filosfica

    estruturalista, tem-se uma forma de intensificao da crise de criatividade que se

    abate sobre a educao brasileira trazendo efeitos ao ensino de Filosofia porque

    haveria a reduo da atividade filosfica aplicao da anlise textual (Cf.

    SAVIANI, 1986, p.119).

    35

    O uso da reticncia significativo porque est presente em Snyders e ainda indetermina o objeto ao qual a escola est condenada. Dessa maneira, a escola paradoxalmente um mero receptculo-reafirmador. 36

    Cf. (SAVIANI, 1987 ); (SILVA, 1992); (SNYDERS, 1977) e (GIROUX, 2004)

  • 43

    Georges Snyders ressalta de forma incisiva as contribuies dessas

    teorias: No h milagre escolar e acrescenta a escola como universo

    preservado, ilhu de pureza porta da qual se deteriam as disparidades e as

    lutas sociais, esse milagre no existe: a escola faz parte do mundo. (SNYDERS,

    1977, p.18-19). De outra forma, Bourdieu e Passeron37, Baudelot e Establet38 e

    Ivan Illich39, na perspectiva de Snyders, desconsideram a Luta de Classes em

    suas anlises sobre a escola. Por isso, a escola se reduz a uma fraude total, ou

    a um erro absoluto, a pedagogia diverso, iluso assim se manter at que a

    sociedade seja abalada. (SNYDERS, 1977, p. 10).

    As anlises de Snyders demonstram que a proximidade entre as

    expectativas escolares e o Capital Cultural apresentados por Bourdieu e Passeron

    podem apenas chegar concluso de que S as famlias material e

    culturalmente dominantes possuem um patrimnio prximo da cultura inculcada

    pela escola (SNYDERS, 1977, p.24). Essa concluso demonstra um desamparo

    entre os menos favorecidos e a cultura escolar institucionalizada. Na anlise da

    escola, Bourdieu e Passeron fazem uma crtica severa ao fator meritocrtico

    destituindo-o ou desmascarando-o, como uma pseudo-igualdade de

    conhecimentos que camufla o fator social como determinante de um sucesso ou

    fracasso na formao do indivduo: Ele [o sistema escolar] age por uma sutil

    absteno, fingindo considerar cada criana como igual ao seu vizinho e o filho

    do pedreiro como identicamente preparado, to apto como o filho do engenheiro

    a saborear a ementa escolar. (SNYDERS, 1977, p. 25). J a explicao de

    Baudelot e Establet tem o mrito de apresentar a escola e seus antagonismos:

    Todos os mecanismos escolares so comandados, partida, por

    aquilo que constituir o seu objecto, que parece o resultado

    esperado: a diviso social do trabalho e escusado pretender que

    se trata de >,

    deve na realidade ser descrita como > e a relao entre ambos , na verdade, a

    explorao de uma pela outra. (SNYDERS, 1977, p.27)

    37

    Principalmente os escritos: Sobre a Reproduo e Os Herdeiros. 38

    No escrito em comum denominado A Escola Capitalista na Frana. 39

    Destaque para o escrito A Sociedade Sem Escolas.

  • 44

    So os antagonismos dentro da instituio escolar que Baudelot e

    Establet visam denunciar e apontar a falsa conscincia ou iluso ideolgica

    (SNYDERS, 1977, p.26) da unidade escolar. Baudelot e Establet romperam com

    a perspectiva meritocrtica, dos talentos individuais e apontaram as formas

    mistificadas das oposies de classe na sociedade Capitalista:

    As diferentes direes em relao s quais a escola orienta os

    alunos no corresponde a talentos, as capacidades, a dotes, mas

    sim s propores de mo-de-obra, de quadros, de dirigentes que a

    sociedade estabelecida calcula como necessrios ao seu

    funcionamento e sua reproduo. (SNYDERS, 1977, p.27, grifo

    nosso)

    Quanto abordagem de Ivan Illich, Snyders (1977, p.28) ressalta a

    denncia da desproporo entre a garantia de oportunidades iguais de ensino e

    as reais possibilidades de acesso a esses meios institucionais. No entanto, Illich

    questiona a prpria forma institucional da escola como o nico meio de

    educao (SNYDERS, 1977, p.29). Assim, ou a escola forada a mudar ou o

    seu desaparecimento seria eminente.

    Rosemary Dore (2006, p.330) declara que as noes de Louis

    Althusser comeam a ser divulgadas em meados da dcada de 70 sob regime

    militar e que, a partir do incio dos anos 80, com uma maior abertura poltica, as

    manifestaes a favor da escola pblica, se expandiram, dando impulso s

    crticas aos limites das teorias de que a instituio educacional cumpria o simples

    papel de reproduo social e cultural. (DORE, 2006, p.335). A tese central de

    Rosemary Dore (2006, p.347) a de que por meio do referencial de Gramsci,

    principalmente nos anos 80, a dimenso e o papel da escola pblica puderam ser

    repensados frente s teorias da reproduo. Isto porque a escola pblica,

    considerada um aparelho ideolgico, fora desvalorizada. Dcio Saes (2007)

    tambm analisa o impacto do pensamento althusseriano no que se refere

    teoria da Histria. Contudo, ele delimita o objetivo de retornar s obras, seja de

    Althusser ou dos desenvolvedores de suas noes, ao distinguir uma literatura

    brasileira que fixa como objeto explcito os conceitos e as teses formulados pela

    corrente althusseriana. Essa literatura aquela que pensa sobre o pensamento

    althusseriano, ao invs de simplesmente utiliz-lo. (SAES, 2007, p.15). Porm,

    o objetivo deste trabalho no o de justificar ou de reafirmar as teses de Louis

  • 45

    Althusser, tal como o fez Marcos Cassin (2002) ao procurar recuperar seu

    referencial terico. No se trata disso, mas de identificar e realizar uma anlise

    crtica de seu aparato conceitual a partir de suas obras. De acordo com Walter

    Jos Evangelista (2003, p.211) imprescindvel a leitura da Nota sobre os

    aparelhos ideolgicos de Estado que se tornou pblico na Frana em publicao

    pstuma, apenas em 1999, e que esclarece uma srie de lacunas deixadas por

    Ideologia e Aparelhos Ideolgicos de Estado40.

    Para situar as condies histricas do Brasil em que difundida a

    produo dos autores cujas interpretaes sobre a escola so enquadradas na

    tendncia crtico-reprodutivista41, Saviani (1987, p.33-34) classifica essa

    tendncia como tendo um carter reacionrio, embora tenha mritos, seja com

    relao a uma tendncia tecnicista, quanto pedagogia oficial vigente:

    O mrito dessa tendncia foi promover a denncia sistemtica da

    pedagogia tecnicista implementada pela poltica educacional ao

    mesmo tempo em que minava a crena, bastante comum entre os

    educadores, na autonomia da educao em face das relaes

    sociais. (SAVIANI, 1987, p.39)

    No obstante seus mritos, a tendncia crtico-reprodutivista

    apresenta limitaes, levando ao pessimismo e ao imobilismo42:

    Entretanto, por considerar as relaes entre determinantes sociais e

    a educao de modo externo e mecnico, a referida tendncia

    acabou por acentuar uma postura pessimista e imobilista nos meios

    educacionais. Cumpre superar tais insuficincias, abrindo caminho

    atravs da tendncia dialtica, isto , captando o modo especfico de

    articulao da educao com conjunto das relaes sociais.

    Compreender-se-, ento, que o espao prprio da educao o

    espao da apropriao / desapropriao / reapropriao do saber e

    que esse espao est atravessado pela contradio inscrita na

    40 Essa Nota foi publicada no Brasil em 1983. (Cf. EVANGELISTA, 2003, p. 211). Esse escrito ser tratado com mais detalhes ao longo do Captulo 2 desta dissertao. 41

    Esta classificao, em Saviani, tambm qualificada como as anlises scio-estruturais da educao (SAVIANI, 1987, p.43). 42

    Deve-se corrigir o exemplo da metfora do bate e assopra para assopra e, em seguida, bate! Mas o importante, aqui, apontar a mesma forma metodolgica indicada anteriormente para anlise das Teorias da Reproduo.

  • 46

    essncia mesma do modo de produo capitalista: a contradio

    capital-trabalho. (SAVIANI, 1987, p.40, grifo nosso).

    A mesma perspectiva crtica das teorias da reproduo pode ser

    identificada no clssico43 de Saviani (2009), Escola e Democracia.

    H, pois, nessas teorias uma cabal percepo da dependncia da

    educao em relao sociedade. Entretanto, como na anlise que

    desenvolvem chegam invariavelmente concluso de que a funo

    prpria da educao consiste na reproduo da sociedade em que

    ela se insere, bem merecem a denominao de teorias crtico-

    reprodutivistas. (SAVIANI, 2009, p.14.)

    Um instigante paradoxo entre as condies materiais da leitura das

    obras de Louis Althusser e o contexto histrico de sua receptividade no Brasil

    pode ser colocado diante dos mritos da emergncia44 da tendncia crtico-

    reprodutivista: como numa ditadura militar no Brasil, os escritos de Althusser

    podem ser proibidos e ao mesmo tempo sua concepo educacional pode 43

    Clssico porque este escrito j est na 41 edio? 44

    necessrio recapitular que a tendncia crtico-reprodutivista emerge no Brasil, como Saviani aponta, na dcada de 70 (Cf. SAVIANI, 1987, p.39), porm estamos em plena da ditadura colhendo os frutos dos diversos Atos Institucionais decretados desde o incio da Ditadura Militar brasileira em 1964. Mesmo tratando do processo de censura especfico dos escritos de Rubem Fonseca, Deonsio da Silva (1989) demonstra a falsidade justificada pelo regime militar quanto proibio de obras de cunho marxista e que no foi prtica especfica deste perodo, isto porqu: O Marqus de Pombal retificou toda a censura com a criao da Real Mesa Censria, em 1768, afinal extinta depois de sua queda, no fim do sculo 18. Esse tipo de servio censrio foi abolido em 1821, restaurado em 1823 e finalmente suprimido em 1834. As reformas pombalinas da censura ironicamente ensejavam maior liberdade de expresso, advinda das polmicas com os jesutas. D. Maria I e D. Joo VI utilizaram a censura muito mais contra autores estrangeiros, com o intuito de preservar o pas das infiltraes do pensamento revolucionrio advindo da Frana e da Holanda, sobretudo. Quando, no governo Geisel, o ministro da justia proibiu um livro como A filosofia como arma da revoluo, de Louis Althusser, a histria nos era bem conhecida. (SILVA, 1989, p.58). Para localizar melhor a srie de livros proibidos ps-64 e especificamente de Louis Althusser e vrios autores da tradio marxista que foram classificados como uma literatura ficcional de cunho sexual, consultar a obra citada anteriormente. (SILVA, 1989, p.295-308). No entanto, para destacar os bastidores medocres de toda e qualquer censura, Deonsio da Silva justifica o quo ameno o adjetivo utilizado aqui: H ainda que se considerar o fato de que livros como os de Fidel Castro, Jos Serra, Fernando Henrique Cardoso, Lnin, Mao Tse-Tung, J. A. Guilhon de Albuquerque, Jos lvaro Moiss, Kurt Ulrich Mirow, Raimundo Pereira Rodrigues, Louis Althusser, Nelson Werneck Sodr, Adolf Hitler, Ernesto Che Guevara, Caio Prado Jnior, Rgis Debray- v-se que a censura misturava alhos com bugalhos no rol dos proibidos- no tiveram os respectivos vetos sustentados pelos pretextos que subjaziam na estrutura superficial dos decretos proibitivos. Nenhum dos citados tratou da sexualidade; nenhum deles foi proibido por obscenidades. Enfim, nenhum deles fez fico... (SILVA, 1989, p.43). Uma interessante forma de analisar as tendncias crtico-reprodutivistas em sua contextualizao brasileira na perspectiva da instituio escolar apresentada por Helosa Occhiuze dos Santos: Foi ento que comecei a querer pesquisar se de fato a escola capitalista, criticada por tantos que passaram por ela, tinha alguma contribuio de relevncia social, voltada para a populao de baixa renda, ou estava restrita funo reprodutora da ideologia dominante. (SANTOS, 1992, p. 11)

  • 47

    restringir a escola a Aparelhos Ideolgicos de Estado, interpretando a escola

    como derrotista, pessimista ou imobilista? Se a escola, na perspectiva de Louis

    Althusser, serve como ratificao dos propsitos do Estado, como determinaes

    externas de uma Direo do Estado em face instituio escolar, como o mesmo

    no incentivou a propagao de seus escritos?

    A educao ou os meios educacionais45, classificados como pessimistas

    e imobilistas46, mostram uma correlao direta entre as teses de Snyders (1977)

    e as de Saviani (1987), quando este classifica a instituio escolar como

    derrotista. Alm dessa fonte essencial para o desenvolvimento da crtica de

    Saviani concepo de Althusser sobre a escola, h outra identidade entre seus

    argumentos e os de Snyders no que diz respeito rejeio da tendncia crtico-

    reprodutivista: Tudo quanto posso afirmar que me esforcei por tomar a

    escola como local de contradies dialticas. (SNYDERS, 1977, p.13, grifo

    nosso). A identidade entre os argumentos de ambos os autores aparece, em

    primeiro lugar, na redundncia da formulao contradies dialticas e, em

    segundo lugar, na forma com que Saviani recorre anlise de Snyders para

    formular a soluo substitutiva da tendncia crtico-reprodutivista pela

    tendncia dialtica 47. Ao procurar substituir uma tendncia pela outra, Saviani

    apenas decompe a formulao redundante de Snyders. Isso ocorre no momento

    em que Saviani atribui a tendncia dialtica ao espao de um saber

    atravessado pela contradio inscrita na essncia mesma do modo de produo

    capitalista: a contradio capital-trabalho (SAVIANI, 1987, p.39).

    Outro aspecto da elaborao crtica de Saviani tendncia crtico-

    reprodutivista a forma atravs da qual ele associa e rene o conjunto

    45

    Lembrando que, para a contextualizao do surgimento da tendncia crtico-reprodutivista, no h meno a qualquer outra forma de educao que esteja alm da instituio escolar, que sinnimo tambm das propostas pedaggicas (SAVIANI, 1987, p.40). 46

    Brada Saviani: No h, pois, lugar para pessimismo ou imobilismo (SAVIANI, 1987, p.40). Em Escola e Democracia ao referir-se anlise da escola dualista proposta por Baudelot e Establet, Saviani afirma que: Se tais estudos tiveram o mrito de pr em evidncia o comprometimento da educao com os interesses dominantes, tambm certo que contriburam para disseminar entre os educadores um clima de pessimismo e de desnimo (SAVIANI, 2009, p.27, grifo nosso) 47

    Um dado importante que a primeira edio de Snyders da obra Escola, Classe e Luta de Classes de 1976, anterior ao texto de Saviani desenvolvido em 1977 (SAVIANI, 1987, p.20). A edio da obra de Snyders de 1976, alm disso, Saviani declara como referncia para a superao da tendncia crtico-reprodutivista o desenvolvimento da concepo dialtica presente no escrito de Snyders - Escola, Classe e Luta de Classes. Para demonstrar que Saviani deve seus mritos anlise de Snyders, basta recorrer s anlises da teorias crtico-reprodutivistas para constatar uma srie de citaes diretas anlise sobre a escola de Snyders: Eis porque Snyders resumiu sua crtica a essa teoria... (SAVIANI, 2009, p.19); Eis por que Snyders resume sua crtica teoria da escola dualista... (SAVIANI, 2009, p.26).

  • 48

    descritivo a tendncia crtico-reprodutivista. Os elementos pertencentes a esse

    conjunto caracterizam-se como: o grupo dos radicais americanos; da teoria do

    sistema de ensino enquanto violncia simblica, da teoria da escola enquanto

    aparelho ideolgico de Estado e da teoria da escola dualista (Cf. SAVIANI,

    1987, p.39). Nesse conjunto, no h qualquer lembrana da participao de

    Althusser no escrito de Baudelot e Establet (1978). Essa observao, marca a

    brevidade da reunio dos autores citados em uma tendncia crtico-

    reprodutivista. Isso no significa que a participao de Althusser no escrito de

    Baudelot e Establet resume sua concepo de educao. Alm disso o desprezo

    pela trajetria de Louis Althusser move Saviani em uma direo similar, em

    termos classificatrios, quela de Snyders (1977).

    Os argumentos debatidos neste captulo no se circunscrevem

    deduo justificada apresentada por Snyders. Eles tambm se direcionam a uma

    expresso literal classificatria, efetivada por Saviani (1987, p.39), do escrito de

    Louis Althusser, Ideologia e Aparelhos Ideolgicos de Estado, sob a tendncia

    crtico-reprodutivista. Trata-se de uma qualificao que tem uma fortssima

    influncia nas formas interpretativas e, diga-se de passagem, restritivas, dos

    escritos48 de Louis Althusser no pensamento brasileiro. Tendo em vista essa

    premissa, pode-se dizer que, as demais tendncias do pensamento educacional

    brasileiro devero ser substitudas por uma tendncia dialtica, j que o

    educador do Brasil de 1977, estando imbudo do iderio escolanovista

    (tendncia humanista moderna :

    obrigado a trabalhar em condies tradicionais (tendncia

    humanista tradicional) ao mesmo tempo em que sofre, de um lado,

    a presso da pedagogia oficial (tendncia tecnicista) e, de outro, a

    48

    Quando se verificam as citaes de Louis Althusser acontecem, elas se restringem ao escrito Ideologia e Aparelhos Ideolgicos de Estado. A ttulo de exemplo, pode-se citar o prprio Dermeval Saviani (1986; 1987 e 2009), Tomaz Tadeu da Silva (1992), Rosemary Dore (2006), o estudo norte-americano de Giroux (2004) e o artigo de Vasconcellos (2003). Quando muito, citam-se, principalmente nas pesquisas da rea de educao, os escritos Ler o Capital e A favor de Marx para classificar o filsofo francs em uma tendncia crtico-reprodutivista ou como anlises scio-estruturais da educao. Para no ser injusto e genrico, nesta nota, podem-se destacar, em comparao aos autores citados, os esforos de brasileiros como Marcos Cassin (2002), de Heloisa Occhiuze dos Santos (1992), Carlos Nelson Coutinho (1972), Jos Artur Giannotti (1975) e do estudo de Adolfo Sanchez Vazquez (1980) para recorrer s outras obras de Louis Althusser, buscando uma forma mais fidedigna, mesmo que crtica, de compreenso dos escritos de Althusser e, consequentemente, as dedues para a anlise educacional. Citam-se as crticas cidas e diretas de E. P. Thompson (1981), que apesar de empreender um grande esforo de retorno s afirmaes de Louis Althusser em Lire le Capital e Pour Marx atm-se nestas obras sem gastar tempo com sua numerosa prognie. (THOMPSON, 1981, p.12).

  • 49

    presso das anlises scio-estruturais da educao (tendncia

    crtico-reprodutivista). (SAVIANI, 1987, p.43).

    Dermeval Saviani (1986, p.111) conclui que a forma etimolgica do

    termo estrutura deriva, em sua melhor forma, do termo em latim construo.

    Sua argumentao tem o intuito de compreender melhor o que designa os usos

    da palavra estrutura. Diferenciado-a da concepo de modelo, a estrutura:

    confere a esta uma concretude que normalmente no lhe

    reconhecida pelos representantes da corrente denominada

    estruturalismo. Tais pensadores assumem uma postura terica que

    tende a identificar estrutura como modelo; na atividade prtica de

    pesquisadores, porm, eles acabam por evidenciar o carter

    irredutivelmente concreto das estruturas. (SAVIANI, 1986, p.112,

    grifo nosso).

    como se os prprios estruturalistas provassem, por aquilo que no

    escrevem, que as estruturas possuem um carter evidente de concreticidade? Os

    estruturalistas evidenciam e se contradizem por sua postura terica?

    Ao que parece os estruturalistas no se aperceberam, ou melhor,

    no se preocuparam em caracterizar a anlise estrutural como uma

    atitude que utiliza construtos com a finalidade de explicitar as

    estruturas (entenda-se concretas). Isto decorre, provavelmente, da

    influncia da Lingstica, o que acabou por privilegiar no seio do

    estruturalismo o signo em detrimento do objeto. (SAVIANI, 1986,

    p.112-113, grifo nosso)

    Diante das formas distintas de considerar o termo estrutura, Saviani

    (1986, p.111) afirma que esta no se confunde com modelos de conhecimento

    nem de ao. Para ele, a confuso entre estrutura e sistema no mbito da

    educao:

    No se deve, porm, inferir, da, que sistema se identifica com

    modelo (ou constructo) situando-se num plano exclusivamente

    terico. Sistema uma organizao objetiva resultante da atividade

    sistematizadora que se dirige realizao de objetivos comuns. ,

    pois, um produto da prxis intencional comum. Prxis entendida

  • 50

    como uma atividade humana prtica fundamentada teoricamente. Tal

    conceito implica, ento, uma unidade dialtica entre teoria e prtica,

    o que significa que se trata de uma atividade cujos objetivos no se

    realizam apenas subjetivamente; ao contrrio, trata-se de resultados

    que se manifestam concretamente. (SAVIANI, 1986, p.115, grifo

    nosso)

    As noes de teoria e de prtica de Saviani so confundidas com as

    concepes correntes entre marxistas de fundo epistmico e que esto presentes

    nos escritos de Mao Tse-Tung (1982) e de Lnin (2006). Saviani reclama a

    unidade dialtica entre teoria e prtica, mas recai numa diviso de dois campos

    diferenciados que, na radicalidade de uma concepo fundamentada, misturam-

    se entre si a ponto de haver uma diviso apenas formal entre teoria e prtica.

    Em Marx possvel observar que no existe teoria isolada da prtica e que no

    h prtica sem teoria. O termo constructo, discutido por Saviani, deve ser

    criticado no pela via do acrscimo da prtica teoria, mas pela via da

    dissoluo de ambas as esferas formais. Onde est a noo de concreto

    pensado elaborada por Karl Marx (1978a, p.116)? Aquilo que concreto s o

    que se manifesta alm do subjetivo49?

    Ao delimitar a significao para o termo sistema, Saviani identifica

    nos crculos educacionais atuais50 uma tendncia que derivada do chamado