Upload
duongdieu
View
219
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
BE 180 – INTRODUÇÃO À ECOLOGIA/ BE 181 – ECOLOGIA DE CAMPO
1
Breve resumo do método científico
Autores: André Mouro D’Angioli; André Giles; Anna Abrahão; Peter Groenendijck.
Introdução
Vocês receberão uma sequência de cinco textos que poderão ser
usados como base para desenvolver os projetos das disciplinas BE180 –
Introdução à Ecologia/ BE181 – Ecologia de Campo. Os textos abordarão
temas que foram ou serão tratados em sala de aula. Iniciaremos a sequência
relembrando os passos fundamentais do método científico, em seguida
abordaremos os componentes estruturais e linguísticos que devem ser
empregados em um texto científico, e no terceiro texto serão abordados os
componentes estruturais e visuais que poderão ser usados em apresentações
orais. O quarto texto conterá informações básicas sobre análises estatísticas,
que auxiliará na análise dos dados coletados em campo. Por fim, o quinto texto
tratará de apresentações em painéis para auxiliá-los na etapa final do último
projeto.
É fundamental a compreensão do método científico para se executar e
escrever um bom projeto. Escrever um projeto é reportar cada passo do
processo científico, de forma clara, objetiva e convincente. Portanto, neste
primeiro texto serão relembrados os passos e conceitos fundamentais deste
processo. Para isto, utilizaremos exemplos de importantes passagens
históricas para ilustrar cada passo. No final do texto, esperamos deixar clara a
importância da comunicação na Ciência, e motivá-los a escrever bons textos
científicos.
2
O conhecimento prévio é a base para o conhecimento novo
Conhecimento refere-se à familiaridade ou entendimento de algo (fato,
informação, descrição, etc.) relacionado à realidade em que vivemos. As
atitudes que tomamos, individuais ou coletivas, são guiadas pelos
conhecimentos que possuímos sobre o funcionamento do nosso planeta e dos
organismos que o habitam. É o nosso conhecimento sobre o comportamento
de grandes mamíferos predadores, por exemplo, que nos induz a evitar o
contato ou aproximação com estes animais. Da mesma forma, é o nosso
conhecimento sobre o clima terrestre que nos permite fazer previsões
relevantes para a agricultura ou abastecimento de água, garantindo a produção
de alimentos e a disponibilidade de recursos. O conhecimento é, portanto, uma
ferramenta poderosa capaz de garantir nossa sobrevivência e bem-estar.
O conhecimento não é construído de uma única forma. Existem
diferentes métodos que levam à formação de distintas formas de conhecimento
e concepções de realidade (e.g. Religião, Filosofia e Ciência). O conhecimento
religioso distingue-se do conhecimento filosófico e científico por aceitar a
existência de uma verdade já concebida (alcançada). Portanto, este tipo de
conhecimento é imutável. Se o conhecimento religioso propõe que a verdade já
seja conhecida, não há motivos, condições ou necessidade de que este
conhecimento seja alterado. Já a Filosofia e a Ciência propõem que existam
verdades ainda desconhecidas, e que devem ser buscadas. Desta forma, o
esforço de filósofos e cientistas está na formulação de explicações que mais
aproximem nosso conhecimento das verdades. Como as explicações
propostas são aproximações da verdade, e não a verdade propriamente dita,
elas estão sujeitas a modificações ou refinamentos. Portanto, tanto o
3
conhecimento filosófico como científico são provisórios e estão em constante
progresso.
Tabela 1: Diferentes metodologias para construção de conhecimento
METODOLOGIA CARACTERÍSTICAS BÁSICAS
CIÊNCIA Provisório Explicativo Lógico Empírico
FILOSOFIA Provisório Explicativo Lógico
RELIGIÃO Definitivo Explicativo Lógico
*Adaptado de Volpato (2011).
Para serem propostas mudanças ou refinamentos nas teorias científicas
e filosóficas é fundamental que se esteja familiarizado com o conhecimento
contemporâneo. O progresso científico e filosófico só é alcançado quando
construído sobre um conhecimento já estabelecido. Portanto, o primeiro passo
para a Ciência e Filosofia é ter conhecimento aprofundado e atualizado sobre o
assunto a ser tratado. Seria ingenuidade aceitarmos que a concepção da
máquina à vapor, por exemplo, tenha surgido no séc. XVIII após James Watt
observar o vapor d’água em ebulição levantar a tampa de uma chaleira.
Estórias como estas dão a impressão de que o progresso do conhecimento
seja realizado graças à simples observações feitas por gênios inatos. Na
realidade, James Watt possuía conhecimentos prévios sobre física e era
especialista em montagem e manutenção de equipamentos científicos de alta
precisão. Além disso, na época em que viveu, já era conhecida a força que o
vapor d’água é capaz de exercer sobre um objeto. Inclusive, já existiam
máquinas à vapor naquele período. Devido ao seu conhecimento prévio em
Física e sua experiência na montagem de equipamentos científicos, James
4
Watt observou uma baixa eficiência na máquina à vapor existente, e propôs
importantes modificações no projeto original. Estas modificações levaram à
construção de uma máquina muito mais eficiente.
Da mesma forma, a “descoberta” da gravidade por Isaac Newton não foi
decorrente da simples observação de uma maçã caindo de uma árvore. Seu
conhecimento prévio sobre Física o permitiu propor a existência de uma força
de atração entre corpos, que denominou gravidade. Newton sabia previamente
que um corpo em repouso permanecerá em repouso a menos que uma força
lhe seja aplicada. Ao observar a maçã caindo, Newton constatou que uma força
deveria estar sendo aplicada na maçã. Igualmente, era conhecimento
contemporâneo o fato de que um corpo em movimento se manteria em
movimento na mesma direção, a menos que uma força fosse aplicada sobre
este corpo. Newton previa, portanto, que a Lua deveria se distanciar da Terra
Figura 1: James Watt e a chaleira (Bates, 1886).
5
em uma linha reta, a menos que uma força de atração fosse aplicada pela
Terra sobre Lua. Unindo estas e muitas outras observações, Newton nomeou
como “gravidade” a força de atração que é exercida não só pela Terra, mas por
todos os corpos, sobre outros corpos.
Estes exemplos ilustram o ponto primordial da Ciência e da Filosofia: o
progresso é realizado baseado em conhecimentos e descobertas prévias e não
unicamente por genialidades e esforços individuais (‘Eurekas’). Logo, é um
empreendimento coletivo. Como dito por Newton: “Se enxerguei além, foi por
estar sobre o ombro de gigantes”.
Figura 2: Master Isaac Newton in His Garden at Woolsthorpe, in the Autumn of 1665, (Hannah, ~1856).
6
Figura 3: O gigante Orion carrega seu servo Cedalion em seus ombros para agir como seus olhos. Esta imagem ilustra a metáfora do anão sobre o ombro do gigante, que significa “a descoberta da verdade baseada em descobertas prévias” (Imagem de Domínio Público).
A observação identifica lacunas e as hipóteses propõem soluções
O conhecimento prévio guia o olhar de um observador para detalhes que
são relevantes, permitindo a observação de fenômenos que não são explicados
pelo conhecimento atual. É com base no olhar acurado que inadequações das
teorias vigentes são encontradas. Newton sabia que se uma maçã estivesse
em repouso, ela deveria permanecer em repouso. No entanto, Newton
7
observou que as maçãs caíam das árvores com o tempo. Igualmente, com
base no conhecimento contemporâneo, Newton esperava que a Lua se
distanciasse da Terra. Porém, as observações indicavam que a Lua girasse em
torno da Terra. Suas observações, confrontadas com o conhecimento prévio,
indicavam que haviam fenômenos que não eram explicados pelo conhecimento
contemporâneo e que demandavam respostas. O progresso inicia-se, portanto,
da observação aguçada.
Para que se dê o progresso científico, após a identificação de
fenômenos que não são explicados pelo conhecimento contemporâneo, é
necessário propor possíveis explicações. Estas explicações são feitas de forma
especulativa, ou seja, não são necessárias provas (por enquanto) que as
apoiem ou refutem. Estas explicações de caráter especulativo são as
hipóteses. Exemplificaremos a formulação de hipóteses através de um embate
que ocorreu na área médica.
O surgimento das primeiras cidades propiciou a formação de grandes
aglomerados humanos e o contato próximo com diversos tipos de animais. A
princípio estas cidades não possuíam sistemas de saneamento básico, o que
favoreceu a proliferação de doenças. Dentre essas doenças, o episódio mais
dramático registrado foi o da peste negra na Europa. Durante os anos da peste
não se sabia quais eram os agentes causadores das doenças em geral. Na
tentativa de encontrar soluções para a peste que se alastrava, os
pesquisadores da época especularam sobre possíveis explicações, ou seja,
formularam hipóteses. A ‘Hipótese do Miasma’, mais aceita na época,
propunha que as doenças eram causadas por um vapor fétido emitido de
corpos (matéria orgânica) em decomposição. Esta hipótese baseava-se na
8
observação de que ambientes em que os doentes eram mantidos (e.g. casa de
leprosos) ou locais com péssimas condições de higiene (e.g. campos de
batalha), emitiam um ‘vapor fétido’. Quando um indivíduo saudável entrava em
contato com estes locais, as chances de se contaminar eram muito altas.
Atribuiu-se ao vapor fétido o papel de agente causador de doenças.
Alternativamente, a ‘Hipótese dos Germes’ propunha que as doenças
eram causadas por organismos microscópicos, invisíveis a olho nu. Esta
hipótese baseava-se nas observações da geração de plantas e cogumelos
aparentemente do nada. Estas observações são ilustradas por Lucrécio (99
a.C. – 55 a.C.) no seu poema Sobre a Natureza, em que diz: ‘Existem muitas
sementes que sustentam a vida, e por outro lado, devem existir seres no ar que
causam doenças e mortes”. As “sementes” às quais Lucrécio se refere seriam,
por exemplo, os esporos de fungos, invisíveis à olho nu, mas capazes de gerar
uma estrutura visível aos nossos olhos (e.g. cogumelo).
Figura 4: À esquerda representação da epidemia de cólera no séc. XIX se alastrando como uma massa de ar venenosa (Seymour, 1831). À direita traje utilizado por médicos durante a epidemia de peste bubônica na Europa. Na extremidade da máscara eram utilizados frascos de perfume, não apenas para combater o mal cheiro, mas também para evitar a inalação do miasma.
9
Aceitar a Hipótese do Miasma ou dos Germes possui grande impacto na
eficiência da prevenção e tratamento das doenças. Se aceitarmos a Hipótese
do Miasma, as medidas de prevenção e tratamento de doenças estariam
relacionadas ao uso de ervas aromáticas, perfumes ou incensos para evitar a
inalação dos vapores tóxicos. Além disso, ambientes naturalmente fétidos,
como pântanos, deveriam ser evitados e, se possível, destruídos. Por outro
lado, se aceitarmos a Hipótese do Germes, deveríamos evitar o contato com
indivíduos doentes, portadores de micro-organismos causadores de doenças
(patógenos). Deveríamos entender a morfologia e a fisiologia dos patógenos
para o desenvolvimento de tratamentos e evitar a proliferação destes
organismos nos ambientes que habitamos. Mas como saber qual hipótese
devemos aceitar e qual devemos refutar?
A base empírica distingue a Ciência da Filosofia
A metodologia utilizada para aceitar ou refutar uma hipótese distingue a
Ciência da Filosofia. Na Ciência, esta decisão é apoiada sobre uma base
empírica, não necessária na Filosofia. Para isso, conduzimos experimentos,
amostragens ou observações que produzam resultados que serão usados
como evidências para aceitar ou refutar uma hipótese.
10
Para decidir qual hipótese, a do Miasma ou a dos Germes, seria aceita,
foram conduzidos diversos experimentos. O mais famoso deles foi conduzido
por Robert Koch. Koch comparou a composição de amostras de sangue de
ratos saudáveis e contaminados com antrax utilizando microscopia óptica.
Koch observou que o sangue de ratos doentes estava repleto de micro-
organismos que não eram observados no sangue de ratos saudáveis. Em
seguida, Koch inoculou sangue de rato contaminado em um rato saudável, que
passou a apresentar os sintomas do antrax. Ao observar uma amostra de
sangue do rato inoculado, Koch observou que os mesmos micro-organismos
observados no rato doente agora estavam presentes no sangue do rato
inoculado. Este experimento produziu resultados que apoiaram a hipótese de
que algumas doenças eram causadas por micro-organismos, Hipótese dos
Germes.
Figura 5: À esquerda, “O pensador” (Rodin, 1904) retrata a base final da Filosofia, na qual as hipóteses não são testadas, mas sua validade é verificada pela lógica, no plano das ideias. À direita “Newton” (Blake, 1795) retrata a base empírica da Ciência, na qual as hipóteses são testadas com base em experimentos, amostragens ou observações.
11
A comunicação como passo final do processo científico
Após testarmos hipóteses e obtermos resultados que tragam
importantes consequências ao conhecimento prévio, as demais pessoas não
saberão instantaneamente destes achados. Segue, então, o passo
fundamental para o progresso científico: a comunicação. Koch foi o primeiro
pesquisador a fornecer provas convincentes de que doenças eram causadas
por micro-organismos? Isto nunca poderá ser afirmado com certeza. O que
sabemos é que o primeiro trabalho de fácil acesso, amplamente divulgado, e
escrito de forma clara e convincente é dele. Este foi o trabalho considerado
pelos demais pesquisadores como o passo fundamental para o entendimento
das doenças, e sobre o qual outros estudos foram desenvolvidos. Isto quer
dizer que não basta apenas ter um aprofundado conhecimento prévio, boa
observação, boas hipóteses, bom desenho experimental e bons resultados. É
necessário conseguir comunicar suas conclusões de forma clara, convincente e
acessível para a maioria das pessoas. É através da comunicação que se
constrói o corpo do gigante sobre o qual outros se apoiarão para enxergar
além.
Referências
Chalmers, A.F. (1978). What is this thing called Science? (2ª ed.). University of
Queensland Press, Queensland, Australia.
Russel, B. (2016). História do pensamento ocidental. Nova Fronteira, Rio de
Janeiro, Brasil.
Volpato, G. (2011). Bases teóricas para redação científica. Cultura Acadêmica,
São Paulo, Brasil.