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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville SC – 2 a 8/09/2018 1 BE AN AIDORU: a indústria da fama no Japão 1 Mayara ARAUJO 2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Resumo Poucos estudos no Brasil privilegiam a análise da indústria da fama e de celebridades de nações mais distantes. É pensando sobre essa falta de compreensão acerca de outras indústrias que o presente artigo propõe discutir as noções de fama e celebridade sob o prisma do Oriente, representado aqui pelo Japão. Dessa forma, analisa-se brevemente a indústria de entretenimento nipônico, tomando como ponto-chave da discussão a construção e o desenvolvimento de seus aidoru (idols), uma categoria de artistas japoneses que têm conquistado milhares de fãs ao redor do globo. Palavras-chave Idols; Indústria da Fama; Celebridades; Japão Introdução Em fevereiro de 2013 a atenção da mídia internacional foi aguçada quando Minegishi Minami, uma das cantoras do grupo AKB48, divulgou um vídeo 3 onde se desculpava com os fãs com um gesto simbólico: raspando o próprio cabelo. Tal ato traz à luz elementos da cultura tradicional nipônica, quando os samurais cortavam o cabelo após perder uma batalha, representando a perda de sua honra. Para uma mulher japonesa, o ato foi ainda mais expressivo, pois representa o abandono de sua feminilidade, desistindo de ter relacionamentos até o dia em que sair do grupo. O motivo para tamanho escândalo deve-se ao fato da cantora ter sido fotografada por um paparazzi saindo da casa de um rapaz. 1 Trabalho apresentado no GP Comunicação, Música e Entretenimento, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestre em Comunicação e Consumo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGCOM-UERJ). pesquisadora efetiva do Laboratório Asian Club (Asian Club/IACS-UFF). Email: [email protected]. 3 Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-asia-21299324/

BE AN AIDORU: a indústria da fama no Japão1 · 2018. 4. 21. · Poucos estudos no Brasil privilegiam a análise da indústria da fama e de celebridades de nações mais distantes

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BE AN AIDORU: a indústria da fama no Japão1

Mayara ARAUJO2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Resumo Poucos estudos no Brasil privilegiam a análise da indústria da fama e de celebridades de nações mais distantes. É pensando sobre essa falta de compreensão acerca de outras indústrias que o presente artigo propõe discutir as noções de fama e celebridade sob o prisma do Oriente, representado aqui pelo Japão. Dessa forma, analisa-se brevemente a indústria de entretenimento nipônico, tomando como ponto-chave da discussão a construção e o desenvolvimento de seus aidoru (idols), uma categoria de artistas japoneses que têm conquistado milhares de fãs ao redor do globo. Palavras-chave Idols; Indústria da Fama; Celebridades; Japão Introdução

Em fevereiro de 2013 a atenção da mídia internacional foi aguçada quando

Minegishi Minami, uma das cantoras do grupo AKB48, divulgou um vídeo3 onde se

desculpava com os fãs com um gesto simbólico: raspando o próprio cabelo. Tal ato traz

à luz elementos da cultura tradicional nipônica, quando os samurais cortavam o cabelo

após perder uma batalha, representando a perda de sua honra. Para uma mulher japonesa,

o ato foi ainda mais expressivo, pois representa o abandono de sua feminilidade,

desistindo de ter relacionamentos até o dia em que sair do grupo. O motivo para tamanho

escândalo deve-se ao fato da cantora ter sido fotografada por um paparazzi saindo da casa

de um rapaz.

1 Trabalho apresentado no GP Comunicação, Música e Entretenimento, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestre em Comunicação e Consumo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGCOM-UERJ). pesquisadora efetiva do Laboratório Asian Club (Asian Club/IACS-UFF). Email: [email protected]. 3 Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-asia-21299324/

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Lull e Hinerman entendem que um escândalo midiático “occurs when private acts

that disgrace or offend the idealized, dominant morality of social community are made

public and narrativized by the media, producing a range of effects from ideological and

cultural retrenchment to disruption and change.” (LULL; HINERMAN, 1998, p. 3). O

comportamento de Minami contradiz a imagem esperada da artista por sua agência. Para

se tornar um aidoru (idol, no inglês), o candidato submete-se a uma vida controlada por

seus contratantes e devem ater-se a imagem designada para ele. Existe, inclusive, um

suposto “contrato contra relacionamentos”, que a maioria das agências nega a existência,

entretanto, é fato que os aidoru que se envolvem em escândalos por estarem em

relacionamentos amorosos, são punidos por seus contratantes.

A razão para a existência dessa regra deve-se ao fato de que as agências constroem

uma imagem de disponibilidade e proximidade dos idols para com os fãs. Ao envolver-

se amorosamente com alguém, os aidoru perdem a imagem de inocência e pureza que os

fãs almejam, assim como os distanciam, uma vez que se tornam inalcançáveis (no sentido

amoroso). Inúmeros são os casos de celebridades japonesas que foram obrigadas a “se

graduar4” de seus grupos ou que foram rechaçados pela mídia por conduta inadequada.

Para citar outros exemplos: Nozomi Tsuji do grupo Morning Musume, que possuía uma

imagem brincalhona, surpreendeu o Japão ao anunciar que estava grávida aos 19 anos.

Apesar de ter sido “perdoada”, foi obrigada a deixar o grupo. Yaguchi Mari também foi

obrigada a deixar o grupo após descobrirem seu namoro com o ator Oguri Shun. Os

exemplos não se limitam ao envolvimento amoroso. Kago Ai, do mesmo grupo, foi

colocada em prisão domiciliar por ter sido pega fumando duas vezes antes da maior idade.

Em seguida, foi esquecida pela mídia e tentou suicídio diversas vezes. Tsuyoshi

Kusanagi, da banda SMAP, foi afastado após ser preso ter andado bêbado nu em um

parque em Tóquio. “The media in Japan can and often do put celebrities’s careers on

hold (if not ruinning them completely) by turning audiences with the way scandals are

presented and framed” (PRUSA, 2012, p. 58).

Diante desse breve contexto, o presente artigo objetiva uma melhor compreensão

acerca da relação entre a indústria japonesa da fama, os aidoru e os fãs. Para tal, o artigo

encontra-se ancorado em três partes, além da introdução e das considerações finais. A

4 Diversos grupos de idols japoneses possuem o sistema de admissão e graduação de membros, na qual os integrantes entram e saem dos grupos. As entradas costumam ser feitas anualmente, para manter o grupo jovem. A graduação pode ocorrer por conta de uma falha de conduta de um integrante ou por conta da idade.

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primeira busca apresentar a lógica da indústria japonesa da fama, conhecida como sistema

jimusho. A segunda parte procura explicar o que significa ser um aidoru, além de recorrer

a um breve contexto histórico para maior compreensão do fenômeno. E, por fim, a última

parte do artigo explora a relação entre as agências, os fãs e os aidoru. Pretende-se, dessa

forma, oferecer uma introdução ao universo da indústria de celebridades japonesas que

ainda carece de interesse por parte dos pesquisadores.

Entendendo a lógica japonesa: o sistema jimusho

A palavra jimusho, em português, poderia ser traduzida como “escritório”. Trata-se das

agências de gestão de artistas. Os jimusho, no Japão, possuem profunda influência cultural

em todos os campos que requerem performances – televisão (dramas de TV e programas

de variedades), propaganda, música, filmes, etc.

Diferente das agências norte-americanas, os jimusho contratam os seus artistas

como trabalhadores assalariados, normalmente oferecendo salários baixos e renegociando

contratos ao passar dos anos. (MARX, 2010, online). Dessa forma, os direitos autorais

pertencem 100% aos escritórios e o sucesso das produções não determinam um “bônus”

na verba recebida pelo artista. Em contrapartida, as agências investem uma grande quantia

na criação de uma nova estrela.

Os jimusho são responsáveis não somente por manejar a carreira do artista, mas,

também por ensiná-los a dançar, cantar, atuar, se comportar em público, a sua maneira de

falar e de vestir. Os jimusho assumem o controle sobre a aparência dos artistas (inclusive

recorrendo a cirurgias plásticas) e de sua personalidade. “Idols are products of their

jimusho, and the jimusho work to create idols who have the greatest economic potential”

(MARX, 2012, p.37). O retorno financeiro ocorre, normalmente, com a estreia oficial da

nova estrela. Até esse momento, os jovens artistas costumam aparecer performando no

backstage de aidoru mais experientes. A partir da estreia, os aidoru começam a

maximizar sua aparição em público, principalmente cedendo sua imagem à propaganda.

Como pontua Kaji Yusuke (2001), no Japão, a propaganda na televisão vem sofrendo de

uma dependência de celebridades (yuumei tarento izonshoo). Estrelas que aparecem na

televisão possuem mais chances de se tornarem um aidoru (MARX, 2012).

Diferentemente de outros países, no Japão, ser uma celebridade que se torna “a

cara” (image character) de uma companhia de telefone celular, por exemplo, é

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considerado o cúmulo do prestígio e do sucesso (KARLIN, 2012). Porém a aparição

dessas celebridades nas propagandas é distante do modelo que países ocidentais

costumam oferecer. De forma geral, esses image characters apenas “emprestam” o seu

rosto para o produto, sem fazer nenhuma menção direta a ele. Essas celebridades são

escolhidas simplesmente porque a sua imagem complementa a imagem da marca, através

de uma associação mútua. Essa lógica opera em consonância ao que Morin (1989) explica

acerca de quando os atores de Hollywood se libertam de seus papéis para se tornarem

estrelas: o intérprete é mais importante do que o personagem. Nesse caso, o intérprete é

tão importante que se faz desnecessário criar um personagem. Seu rosto já basta.

Além disso, essa ênfase em propaganda pode ser financeiramente interessante

para as agências: Appearing in a single ad campaign for a major corporation or retail chain will guarantee a high source of revenue for the jimusho through a relativity small amount of work. Compare this with the hard-to-obtain music hit: promoting singles takes millions of dollars in marketing to the public. (MARX, 2012, ps. 49-50)

Outra característica particular é o fato da maioria das agências preferirem artistas

que atuem em vários campos (que possam ser cantores, atores, modelos) por terem uma

boa aparência, ao invés de serem verdadeiramente talentosos em alguma dessas áreas.

Assim, boa parte dos aidoru podem ser excelentes ferramentas de promoção para os

consumidores, que podem consumir produtos com essas imagens mesmo sem se

interessar por seus talentos artísticos (MARX, 2012).

Aproveitando-se das notícias de paparazzis, as agências também se posicionam

para defender sua “marca”. Escândalos envolvendo idols raramente aparecem, mas

quando ocorrem, os jimusho imediatamente castigam os seus artistas, afastando-os dos

holofotes por algum tempo ou até mesmo encerrando contratos5. Isso ocorre

principalmente devido ao fato das empresas (de propaganda) se aproveitarem da imagem

“clean” dos idols para representar os seus produtos.

Nota-se, portanto, que os jimusho possuem um poder considerável dentro da

indústria de entretenimento japonesa, uma vez possuem o controle dos direitos autorais e

5 Cabe ressaltar que uma vez que o aidoru seja desligado ou desligue-se de uma agência, o contrato com as demais torna-se praticamente inacessível, uma vez que os conglomerados empresariais se protegem.

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percebem a dependência dos meios de comunicação de massa por celebridades6. Marx

(2010; 2012) e Aoyagi (2005) sugerem que a máfia japonesa (yakuza) também exerce um

importante papel na construção desse poder. Entretanto, como os autores pontuam, é

impossível de se provar. O que se sabe é que se uma nova agência aparece, ela

rapidamente é absorvida pelo keiretsu7 (conglomerado de empresas) em segredo.

(MARX, 2012). This secretive stance is under-lined by ‘the tendency of jimusho to keep financial information private, change official firm names on a frequent basis, and splinter into informal groupings creat an industry environment in which improper financial transactions can go easily undetected (MARX, 2012, p. 45).

Tendo em vista essa breve descrição acerca da lógica envolta na indústria da fama

japonesa, parte-se agora para uma melhor compreensão acerca dos verdadeiros

protagonistas desse sistema: os aidoru.

Aidoru: Viver para (a)parecer

A palavra aidoru (アイドル) remete à leitura japonesa do inglês idols. A aparição

da palavra no Japão foi devido ao filme francês Cherchez l’idole em 1963. A partir de

então, passou a ser associada majoritariamente à artistas jovens (que iniciam a carreira ao

redor dos dez anos de idade e sobrevivem como tal até em torno dos 25) que cantam,

posam para fotógrafos e aparecem frequentemente na mídia. “They are popular and

project themselves as clean, healthy and energetic” (GALBRAITH, KARLIN, 2012, p.

5).

Aidoru são diferentes dos outros artistas japoneses devido ao fato de serem

recrutados por agências e possuírem foco em propaganda. Esse tipo de celebridade

japonesa pode ser analisada sob o mesmo ponto de vista de Chris Rojek (2008): tratam-

se de mercadorias, no sentido de que os consumidores desejam possuí-las.

6 A mídia japonesa depende dos jimusho para ter acesso às celebridades, o que faz com que críticas ao sistema possa resultar em acesso limitado. Por isso, tópicos que abordem essa lógica “intra-industrial” dos jimusho não são debatidos na imprensa e deixado apenas para os tabloides. (MARX, 2012, p.53) 7 O mais famoso e lendário keiretsu é representado pela Johnny’s and Associetes, que são especializados em grupos de idols masculinos. Dentre os quais, pode-se citar os grupos Arashi, SMAP e Kat-kun.

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Os aidoru são criados para serem um espelho para a sociedade, um objeto de

fantasia e de desejo que afetam profundamente os seus seguidores (GALBRAITH,

KARLIN, 2012, p. 2). Assim, suas imagens são construídas para atenderem alguns ideais:

as meninas devem ser puras e angelicais; os meninos são treinados para se tornarem

ikemen (cavalheiros ou homens muito bonitos com aura de príncipe encantado). Mas o

que vale para ambos é a necessidade de se parecer inocente, o que significa que os aidoru

devem parecer sexualmente e romanticamente inexperientes. Idols can be male or female, and tend to be young, or present themselves as such; they appeal to various demographics, and often broad cross sections of society. Idols perform across genres and interconnected media platforms at the same time. They are not expected to be greatly talented at any one thing, for example singing, dancing, or acting; they are interchangeable and disposable commodities that “affiliate with the signifying processes of Japanese consumer capitalism” (GALBRAITH, KARLIN; 2012, p. 2).

Dessa forma, aqui também vale a explicação de Boorstin (1992) sobre

celebridades: o ponto-chave para ser um aidoru é o fato de sua imagem e de seu nome

possuírem mais valor do que seus talentos.

Figura 01: Grupo de Idols – Arashi (masculino) e Morning Musume (feminino)

A história dos aidoru começa nos anos 1960, mas é somente a partir dos anos 1980

que essa categoria de artistas passa a ser popular no Japão. Nessa década, que ficou

conhecida como “A era de ouro dos idols”, a indústria cresceu a ponto de lançar 50 novos

idols todos os anos no mercado e explodiu com a aparição de Saiko Matsuda, que se

tornou a “eterna idol japonesa”. Outra característica importante para justificar a enorme

popularidade desses artistas nessa década foi o aumento da visibilidade dos animês, onde

os idols eram convidados para cantar as músicas de abertura e encerramento, além de

dublar os personagens. Assim, os idols deixaram de ser apenas cantores que apareciam

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na televisão apresentando suas canções, mas artistas diretamente envolvidos com a

indústria de animês.

Esses marcos ocorreram por conta de uma política local para proteger o mercado

cultural doméstico no Japão, ajudando, inclusive, a combater os fluxos de mídias globais

(GALBRAITH, KARLIN, 2012)8.

Entretanto, nos anos 1990, a popularidade dos idols diminuiu consideravelmente

por conta da ascensão de outros ritmos no mercado fonográfico, como o J-Rock9 e o

Visual Kei10, afastando os idols para mercado de nicho. Assim, foi preciso que eles se

reinventassem, especializando-se cada vez mais no mercado dos animês e, no caso dos

grupos femininos, em se tornarem gravures (idols que tiram fotos de biquíni), além de

investir em bairros específicos como Akihabara e Harajuku, regiões de tendências

tecnológicas e de moda feminina.

A força do J-Rock e do Visual Kei, no entanto, diminui nos anos 200011. Nesse

período, grupos de aidorus exponentes continuaram surgindo, dentre eles o Morning

Musume, produzido pela agência Hello! Project. Cabe ressaltar que a premissa do

Morning Musume era de se tornar o maior grupo feminino da história do Japão.

Percebendo o sucesso do grupo, o Hello! Project passou a investir em outras áreas para

além da música, juntando diversas artistas agenciadas e criando, por exemplo, um grupo

de futsal “Gatas brilhantes HP” (em português mesmo), que consistia em várias meninas

jogando futsal juntas. Na ala masculina, Johnny Kitagawa, responsável pela Johnny’s

Entertainment, reuniu alguns garotos que eram júniores em sua agência e criou o grupo

Arashi, que se tornou o grupo responsável pela retomada dos idols no mercado da música.

Esse “novo tempo”, no entanto, foi marcado pelo maior acesso as tecnologias da

comunicação e informação, tornando cada vez mais difícil para os aidoru esconder seus

“eus”, uma vez que a mídia japonesa se faz ainda mais presente. Aliado ao fato da imagem

construída para esses artistas almejarem a “perfeição”, ao não erro, qualquer pequeno

deslize de conduta pode se tornar um escândalo. Além disso, os fãs também são

8 É interessante lembrar que nessas décadas o Estados Unidos possuía forte presença no território japonês por conta do pós-guerra. 9 J-Rock é o termo utilizado para se referir a um nicho musical que abriga vários estilos. 10 Dentro do cenário do rock japonês, existe uma vertente denominada de Visual Kei. Trata-se de um movimento musical que mistura diversos estilos e a banda utiliza-se de um visual (roupas e maquiagem) e performance extravagantes. 11 Essa força diminui devido ao encerramento de bandas exponenciais do movimento.

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condicionados a acreditar que essas imagens são reais, causando ainda mais problemas

de relacionamento que envolve a tríade idol-agência-fã.

A relação entre audiência, agências e aidoru

Muitas vezes associados à imagem dos otaku12, os fãs japoneses podem se

aproximar de suas contrapartes ocidentais mais do que se espera. Altamente engajados

nas mídias sociais e dispostos a apoiar seus aidoru, esses fãs recebem parcela de

responsabilidade pela audiência da televisão no século XXI e, principalmente, de seus

comerciais. “By building a prolonged relationship with a particular idol or celebrity

through a process of branding, the consumer/fan seeks greater engagement across media

platforms, including the watching of commercials” (KARLIN, 2012, p. 86).

Conectados, esses fãs alimentam o diálogo a respeito de um aidoru nas redes,

compartilham informação, clamam por mais detalhes e navegam na Internet a fim de

conhecê-los melhor. Fiske (1992) ressalta que esse diálogo é responsável por boa parte

do prazer da comunidade de fãs. Trata-se do que o autor denomina como “produtividade

enunciativa”, que descreve as formas de interação social através do consumo. “A

produtividade enunciativa inclui ainda formas prazerosas de comunicação não verbal

como a reprodução da imagem de um artista ou o uso de botons para demonstrar afeto

(...)” (SANDVOSS, 2013, p. 24). Esse tipo de prática, cabe ressaltar, é bastante recorrente

dentro do fandom japonês e, inclusive, é fomentado pelas agências.

Para apoiar seus aidoru preferidos, os fãs participam ativamente dentro da

comunidade, disponibilizando legendas em inglês para shows, programas de variedades

e dramas de TV, uma vez que materiais como DVDs e CDs dificilmente saem do Japão,

dificultando a entrada desses artistas no Ocidente. Além disso, a maioria dos aidoru

possuem fã-clubes oficiais, onde os fãs também participam ativamente. Fazer parte desses

clubes proporcionam, inclusive, algumas facilidades como a compra de ingressos mais

baratos para shows ou obter alguns itens especiais, como fotografias autografadas, por

exemplo. (JÓNDÓTTIR, 2013).

12 A palavra otaku, literalmente, significa “na sua casa”. O termo, no Japão, é utilizado para se referir a pessoas obcecadas por determinado objeto, a ponto de não conseguirem se relacionar com outras pessoas. Para mais informações, ver Barral (2000)

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The organization of fandom by and around commercial industries in Japan does not lessen the emotional grip among members or invalidate its community of ardent fans. The charisma of a popular singer may (or may not) be individually derived but its maintenance by a profit-seeking music industry forms the basis of fandom in Japan (YANO, 1997).

Figura 02: Handshake Events com Idols

As agências, em parceria com as empresas de mídias japonesas, ao perceber em a

movimentação dos fãs, organizam sites e fóruns de discussão oficiais onde compartilham

os supostos bastidores da gravação, apelando para uma aproximação maior entre os

aidoru e os fãs. Esse sentimento de aproximação e de intimidade vem por conta desse

excesso de exposição dos idols na mídia, que passam a imagem de que o conjunto de suas

atuações retratam o seu self. Dyer (1980 apud LITTER, 2015) afirma que a mídia possui

um papel crucial para essa construção de um “eu privado”. Essa aproximação é a chave

que proporciona um “acesso íntimo” a estrela.

Estratégias de marketing também são pensadas para contemplar a importância

dessa comunidade para a indústria – ocultada pela imagem dos grupos de idols. Um bom

exemplo dessa “reverência”, foi um tour realizado pelo Arashi, onde os integrantes da

banda pediram aos fãs que votassem nas músicas que queriam ouvir ao vivo. “Giving fans

direct opportunities to affect their favorite aidoru, whether it is concerts or handshake

events (amongst other things), can give them a certain purpose as well as benefit the

aidoru themselves” (JÓNDÓTTIR, 2013, p.15). Assim, a autora explica que os aidoru se

apoiam nos fãs e que estes são essenciais para possibilitar a sua existência. Entretanto,

entende-se aqui que, na verdade, são, novamente, as agências que se apoiam no fandom

para continuar cultivando a indústria de aidoru no Japão. Nesse sentido, as celebridades

parecem atuar apenas como porta-vozes desses escritórios, com discursos perfeitamente

construídos para atingir maiores níveis de audiência.

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Os aidoru, por sua vez, são os produtos criados por esses escritórios. Treinados

para agirem de acordo com os ideais de perfeição, sua única forma de reação contra as

normas pregadas pela indústria, seja, talvez, os próprios escândalos, que acabam

“humanizando” suas imagens perante o público e rentabilizando, ainda mais, as empresas

de mídia que lucram em cima disso. “The media scandal is one proven means to stimulate

public outrage and corporate profits” (LULL & HINERMAN, 1998, p. 28).

Percebe-se, como aponta Marx (2010), que a audiência possui um papel crucial

para a compreensão desse sistema, pois reside nela a força para rejeitar ou aceitar os

modelos comercializados pelos jimusho.

Considerações Finais

Buscou-se, nesse artigo, trazer um primeiro olhar acerca da indústria da fama

japonesa, tomando as dinâmicas entre jimusho-aidoru-fã como o ponto privilegiado de

análise. É importante enfatizar que tal assunto ainda carece de pesquisas que busquem

uma melhor compreensão acerca do fenômeno13, tanto por parte de pesquisadores

ocidentais quanto orientais. Justamente por conta dessa carência que as análises se tornam

difíceis: a bibliografia disponível é escassa e, no que tange a esfera das comunidades de

fãs, nem sempre os principais teóricos da área (como Jenkins (2009), por exemplo) dão

conta de sua complexidade, que, ainda que possua pontos de convergência, algumas vezes

operam com uma lógica diferente da qual estamos acostumados no Ocidente14.

Compreende-se aqui que as agências – jimusho – fabricam uma imagem para os

seus contratados – aidoru – que seja compatível com as normas e os valores da sociedade

nipônica. Para tal, enfatiza-se características que remetam a inocência, a juventude e a

um bom comportamento. Mas isso não quer dizer que todos os aidoru sejam iguais. Pelo

contrário: desde que atendam esses valores, cada um tem uma imagem devidamente

construída para atingir o maior número de público possível. Além disso, percebe-se que

as agências possuem forte envolvimento com as empresas de mídia e de propaganda, que

também se utilizam da boa performance dessas celebridades a fim de conquistar mais

consumidores para os seus produtos. Por essas razões, um erro de conduta por parte dos

13 Refere-se, aqui, ao fenômeno como um todo: faltam pesquisas que discorram acerca das dinâmicas das agências e da lógica do sistema, dos aidoru como objeto de consumo e das próprias dinâmicas dos fãs japoneses e – por que não - brasileiros. 14 Ver, por exemplo, Nagaike (2012).

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aidoru, pode comprometer a boa execução desse sistema e, quando ocorre, esse indivíduo

é imediatamente afastado.

Apesar do “rosto do sucesso” ser dos aidoru, a relação entre esses artistas com

suas agências é desigual, uma vez que os escritórios detêm a maior parte dos direitos

sobre eles.

Não obstante, entende-se aqui que a relação das celebridades com os fãs

japoneses, é, na verdade, uma relação mediada pelas agências, uma vez que são esses

quem rigidamente determinam como os aidoru devem se comportar e o que dizer para a

audiência. Os fãs, por sua vez, adotam determinadas posturas para demonstrar apoio aos

aidoru, seja divulgando sua imagem e produções ou questionando a veracidade da mídia

quando escândalos ocorrem. Entretanto, não há estudos disponíveis que ofereçam pistas

de que os fãs nipônicos questionem as condutas dos jimusho. Em uma primeira análise,

também não há indícios de que os fãs produzam em cima dos elementos culturais

provenientes desses aidoru no intuito de sanar possíveis “buracos” deixados pelo

mercado, pelo contrário: as produções dos fã japoneses parecem justamente querer

reafirmar esse mercado e expandir o seu potencial de alcance, como uma maneira

simbólica de demonstrar apoio as suas celebridades favoritas.

Por fim, se faz relevante ressaltar que esse artigo apresenta reflexões introdutórias

de um campo de pesquisa ainda pouco explorado. Análises mais profundas se fazem

necessárias a fim de melhor decifrar a indústria da fama japonesa.

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