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1 Conheça a Capela Pombo, santuário de mais de 200 anos em meio à moderna Belém dos 400. PÁG. 4 e 5 Um convite à memória Diário do Pará QUINTA-FEIRA Belém-PA,07/02/2013 POSTAIS COLECIONÁVEIS BELÉM ONTEM E HOJE

Belém 400

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Page 1: Belém 400

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Conheça a Capela Pombo, santuário de mais de 200anos em meio à moderna Belém dos 400. PÁG. 4 e 5

Um convite à

memória

Diário do ParáQUINTA-FEIRA Belém-PA,07/02/2013

POSTAIS

COLECIONÁVEIS

BELÉM ONTEM

E HOJE

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Diário do ParáQUINTA-FEIRA Belém-PA,07/02/20132 3

DIVA POP

Ouça um trecho da entrevista com Dona Onete e o carimbó chamegado.

Dançar carimbóao som da guitarra e do trompeteExperimentações sonoras dão nova cara ao carimbó e inserem o ritmo popular no cenário midiatizado e global

EDITORIAL

ExPEDIENTE

O primeiro número da revista Belém 400 vem a público, oportuna-mente, após o aniversário de 397 anos dessa cidade que povoa o imaginário não só de seus habitantes, mas também de muitos que a visitam. O ano de 2016 é o marco do quarto centenário, mas a proposta da Belém 400 é mostrar as histórias oficiais e oficiosas antes, durante e depois dessa data emblemática, buscando sempre novos olhares, novas vozes e novas cores sobre assuntos pouco ou muito conhecidos.

No primeiro número, você conhece um pouquinho de Belém antes de ser Belém, passeia por suas ruas e descobre uma arquitetura peculiar. Você também pode se amedrontar com os contos macabros do Palácio do Rádio e se emocionar com histórias reais, ainda mais macabras. Mas, com certeza, vai se deleitar com a profusão cultural da capital paraense, a eterna princesi-nha do Norte e a imortalizada Cidade das Mangueiras. Aproveite!

Dilermando Gadelha eLuena Barros – editores responsá[email protected], [email protected]

Este é um projeto da Escola Diário de Jornalismo Edição: Dilermando Gadelha e Luena Barros Produção e reportagem: Dilermando Gadelha, Isis Cordovil, Lilian Campelo e Luena Barros Fotos: Bruno Carachesti, Daniel Pinto, Edvaldo Pereira, Lilian Campelo, Luena Barros, Marcelo Lelis e Thiago Gomes Ilustrações: Italo Gadelha e Wilson Levy Projeto gráfico e diagramação: D’Angelo Valente Revisão: Ana Lídia Campos

Diário do Pará: Diretor Presidente Jader Barbalho Filho / Diretor de Redação Gerson Nogueira / Coordenação da Escola Diário de Jornalismo Lázaro Magalhães / Diretora Geral Jandira Lúcia Melo dos Santos / Gerente Comercial Nilton Lobato / Gerente de Circulaçao Hamilton Pinheiro Júnior / Conselho Editorial: Jader Barbalho Filho, Gerson Nogueira, Mauro Bonna, Fernando de Castro Jr. e Guilherme Augusto Souza

LiLian camPeLo

O trecho é da música “Amor Brejeiro”, de Dona Onete, conhecida cantora de carimbó no Pará. O ritmo, que mescla a batida forte e intensa do hip hop, o trompe-te e o estilo vocal chamegado da artista são resultado

de uma experimentação sonora que também deu origem à “Pai-xão Cabocla”, esta adaptada ao estilo underground da banda

Coletivo Rádio Cipó, cuja vertente musical é o rock. O último álbum da banda, “Formigando na Calçada do

Brasil”, foi lançado em 2005, no Teatro Waldemar Henri-que. Uma das características da obra é a produção casei-

ra, o que personaliza a identidade do grupo como uma banda alternativa.

BorBuLhinho cuLturaLO Coletivo Rádio Cipó existe há 12 anos e já

participou de diversos festivais de música no ce-nário nacional e internacional. Em 2010, a banda tocou no Rio de Janeiro, no projeto Oi Futuro Som. E, em terras de rainhas e princesas, eles participaram do festival de música experi-mental londrino London International Festi-val of Exploratory Music (LIFEM), realiza-do em 2009.

O vocalista Ruy Montalvão – mais co-nhecido como Rato Boy – explica que o Coletivo é um núcleo de produção de mí-dias digitais que alia tecnologia digital “ca-seira” na produção de pesquisas sonoras,

vídeos experimentais e artes integradas. O grupo possui influências de expressões artís-

ticas culturais e estilos musicais como os ritmos eletrônicos, o groove funk, o samba rock e nuances

MAIS

Não tentamos interpretar as canções dos grandes mestres. Tentamos inseri-los dentro do nosso contexto, pegar a voz do velho, a voz da velha, o banjo do carimbó do Bereco e colocar no nosso molhoRuy Montalvão, vocalista

dub do mundo do músico e produtor jamaicano Lee Perry. Todo esse mix de ritmos caracteriza o estilo do co-letivo, denominado como eletro-funkdub.

A banda é composta por MC Rato Boy e MC Jamant nos vocais, pelo guitarrista Renato Chalu, o percus-sionista Luís Bolla, o guitarrista e baixista Jarede das Arabias, além de Carlinhos Vas, Mestre Laurentino, Mestre Bereco e Dona Onete.

A participação de personagens populares no grupo mostra um pou-co do processo de transformação da cultura popular paraense ao longo do tempo. É a simbiose musical de rit-mos populares com traços da con-temporaneidade – batidas eletrôni-cas ao som do hip hop.

Ruy Monltavão afirma que o di-ferencial do grupo é inserir os gran-des mestres da cultura popular na batida eletrônica da banda. “Não tentamos interpretar as canções dos grandes mestres. Tentamos inseri-

Fundação de Belém

1600155015001616

“Procurando um grande amor, viajei

nesse meu Brasil inteirojuro que não encontrei

o amor maravilhoso que sonhei...

-los dentro do nosso contexto, pegar a voz do velho, a voz da velha, o ban-jo do carimbó do Bereco e colocar no nosso molho”.

chameGado hiP hoP Mas o que é o carimbó chamega-

do? Dona Onete canta para explicar: “Que carimbó é esse de toque manei-ro, gostoso brejeiro, donde é que tu vens? Vim do baixo Tocantins, pra cantar aqui em Belém... Sou carimbó da água doce, muito diferenciado, porque tenho um toque maneiro, meu swing é chamegado”.

A música chamegada tem um som leve e denota um ar sensual, percebi-do nas letras e no ritmo. Dona Onete conta que o carimbó chamegado nas-ceu na localidade do Baixo Tocantins. Por isso, também é conhecido como carimbó de águas doces e se diferen-cia do carimbó da Zona do Salgado, originário das cidades de Marapa-nim, Curuçá e Algodoal.

A artista explica que a nova versão do ritmo é uma junção de outras cul-turas como o lundu, banguê, carimbó, siriá, tambor de nagô e toadas de boi bumbá. A dança também é diferente. “Você pode dançar até agarrado o ca-

rimbó, que você dança”, explica. Aliar o estilo chamegado à batida

eletrônica, entretanto, não foi assim tão simples para Dona Onete. Ela afirma que estranhou a nova sonori-dade da música logo que iniciou as gravações do álbum do coletivo. “Eu me senti perdida nos primeiro dias, aquele baque. Eu cantando ela cha-megada. Mas tinha gente de primeira grandeza que estava tocando, como o Delatuche, tocando trompete”.

Dona Onete e Coletivo Rádo Cipó

FOTO

S: Ma

RCELO

LELIS

Descobrimento do Brasil

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condições de reformar e mantê-la”.Em 2012, a Universidade Federal

do Pará (UFPA), por meio do Fórum Landi, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) anunciou a compra da capela. De acordo com o coorde-nador do Fórum Landi, Flávio Nas-sar, as negociações já foram consumadas e há disponibilidade orçamentária da UFPA, responsável pela aquisição do prédio.

A restauração será custeada pelo Iphan e ainda não tem data marcada. Para Flávio Nassar, o objetivo não é que o processo seja rápi-do, mas que a res-tauração funcione como meio de aprendizado e de conhecimento da própria história da cidade para os habi-tantes de Belém. “Pretendemos fazer um canteiro aberto, o qual, em alguns períodos, as pessoas possam visitar e conhecer o processo de restauração”.

hiStÓriaO objetivo da construção da ca-

pela, além de homenagear o Senhor dos Passos, era criar um local de culto para a família, amigos e escra-vos de Ambrósio Henriques. À épo-ca, a construção de pequenos santu-ários e capelas nas propriedades dos

Capela Pombo diLermando GadeLha

A história é digna de um dos grandes mitos reli-giosos da nossa época. Em uma das viagens do

português Ambrósio Henriques ao Brasil, uma tempestade abateu o mar e ameaçou destruir a em-barcação em que ele e a família se encontravam. Então, o senhor de engenhos fez uma promessa a Bom Jesus dos Passos. Se os sal-vasse do perigo, Ambrósio iria construir uma igreja, capela ou ermida em homenagem ao Cris-to. Nos finais do século XVIII, ele cumpriu a promessa e construiu a Capela Pombo, um pequeno san-tuário localizado na travessa Cam-pos Sales, no bairro do Comércio.

Apesar de existir há mais de 200 anos, a ação do tempo quase esconde a fachada da construção creditada a Antônio Landi. O esta-do interno da capela também é preocupante. Infiltrações nas pa-redes laterais, plantas crescendo dentro do espaço, goteiras e forro ruindo levaram o atual proprietá-rio e parente longínquo de Am-brósio, Augusto Pombo, 75 anos, a colocá-la à venda em 2010.

Augusto virou proprietário do espaço em 1974, quando a capela já estava em mau estado. Segundo ele, uma reparação emergencial na ca-pela custaria em torno de R$ 300 mil, quantia que não poderia pagar. Por isso resolveu vender a proprie-dade. “A capela é minha história e da minha família, mas eu não tenho

senhores de engenho no Brasil era comum por causa da distância entre as propriedades, muitas vezes rurais, e as igrejas da cidade.

Augusto Pombo conta que, durante muito tempo, a capela era uma das pa-radas obrigatórias da procissão de Bom Jesus dos Passos. Devido ao desgaste e

à retirada dos san-tos e objetos, hoje a procissão não passa mais por lá. “Outra coisa que muito pouca gen-te lembra é que, antes de a rua ser chamada de Campos Sales, ela era conhecida como Rua do Pas-sinho, por causa da capela”, revela.

A Capela Pombo não irá perder sua fun-ção devocional. Após a restaura-ção, ela será rea-

berta para os fiéis. O acesso ao interior da capela estava impedido por uma grade e, há mais ou menos seis meses, ela foi comple-tamente fechada. Segundo Augusto Pombo, a intenção era impedir a en-trada de mendigos e ladrões.

O espaço também será aproveitado para o resgate de outro pedaço da histó-ria de Belém: o Canto Gregoriano, espé-cie de cântico religioso fundado por São Gregório. O cântico foi tradicional em Belém no século XVIII, quando chegou a existir um coro composto por indígenas.

antÔnio LandiApesar de não existir nenhum

documento que revele o nome do criador, Flávio Nassar afirma que a construção é um ‘pequeno di-cionário da arquitetura de Landi’. “Lá podemos encontrar todos os elementos que são característicos dos trabalhos de Landi. Só não há a assinatura, mas a capela tem o DNA de Landi.”

O arquiteto Antônio José Landi nasceu na cidade de Bolo-nha, na Itália, em 1713. O pouco reconhecimento que teve no país natal fez com que, em 1754, acei-tasse o convite da Coroa Portu-guesa para vir ao Brasil como de-senhista de cartas geográficas. A Belém, chegou em 1755 e pouco depois tornou-se o arquiteto ofi-cial da Administração Portugue-sa no Pará, o que explica a gran-de quantidade de construções creditadas a ele no Centro Histó-rico, como as Igrejas de Santo Alexandre e das Mercês e a fina-lização da construção da Cate-dral de Belém.

MAIS

Por dentro

Veja na galeria de fotos detalhes do interior da Capela Pombo

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Após anos resistindo no bairro do Comércio, a construção histórica projetada por Antônio Landi será restaurada

Dançar carimbó

Lá podemos encontrar todos os elementos que são característicos dos trabalhos de Landi. Só não há a assinatura, mas a capela tem o DNA de LandiFlávio Nassar, coordenador do Fórum Landi

“Infiltrações na paredee um altar vazio marcam a Capela Pombo

Criação da Casa de Haver o Peso

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Primeiro Círio oficial

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Na Belém subterrânea,

Luena BarroS

A área sobre a qual se as-senta o Centro Históri-co de Belém não conta apenas a história da ci-

dade. Enterrados em uma ‘mancha’ de solo escuro, rico em fósforo, cálcio e magnésio, pesquisadores encontraram cerca de 40.000 indí-cios de povos que viviam aqui an-tes da chegada dos colonizadores. São fragmentos de cerâmica, arte-fatos em pedra e objetos inteiros, como vasilhas, pratos e panelas, encontrados a uma profundidade de 60 centímetros a um metro, em escavações pontuais feitas no Lar-go do Carmo, Feliz Lusitânia e Es-tação das Docas.

De acordo com o arqueólogo

Concorrendo com supermercados, dono da Casa Cuia Verde mantém comércio com cem anos de história no

centro de Belém

Da

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O Centro Histórico guarda vestígios dos tupinambás

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Luena BarroS

O s primeiros clientes do dia chegavam do interior nos barcos que aporta-vam no Ver-o-Peso, ainda

de madrugada. Homens e mulheres, muitos sem tomar café da manhã, pa-

ravam no estabelecimento para to-mar mingau na cuia preta e cachaça na cuia verde. Ou talvez fosse mingau na cuia verde e cachaça na preta. Ál-varo Gouveia, 47, atual proprietário da Casa Cuia Verde, já não recorda ao certo a história que o pai contava so-bre os primórdios do negócio da fa-

mília, no início do século XX, mas o mantém, com sucesso, há 25 anos.

Álvaro lembra da infância atrás do balcão da loja no Mercado Bolonha. As férias escolares eram o período de traba-lho - e de se fartar com os refrigerantes de garrafa. Foi ele, o caçula dos três filhos do português Álvaro Gouveia, que seguiu os caminhos do pai no que ele chama de ‘a Universidade do Ver-o-Peso’.

Com o passar do tempo, Álvaro cres-ceu e a cidade mudou. O que era um ‘jar-dim’ à beira do rio transformou-se em feira livre. A família, que desde meados de 1940 mantinha a loja no Mercado Bo-lonha, teve de se mudar em 2007 devido à reforma do prédio. Outro ponto comer-cial foi criado na travessa Oriental, ao lado do mercado, reaberto em 2011.

“Sobrevivemos a todos os planos [econômicos]. Cuia Verde é do tem-po dos réis”, conta. Mas não sem so-frer alterações. Quando surgiram as grandes redes de supermercado na década de 1980, a loja teve que se re-adequar ao mercado. “Agora nós só vendemos o milho para fazer min-gau”, brinca Álvaro. Os cereais e sal-gados em geral, pesados nas antigas balanças inglesas que ele mostra com orgulho, cederam lugar aos ar-tigos industrializados de confeitaria, chocolates e alumínios que pessoas de fora de Belém e do Pará vêm com-prar porque só os encontram no es-tabelecimento.

A história dos Gouveia acompanha também a história da clientela. A todo momento, o dono aponta para os clien-tes que chegam à loja: “Esse aqui vinha de cueca para cá, acompanhando as compras da mãe”, e todos recordam, dando risadas. Alguém chega a dizer: “Eu vinha aqui quando criança. Teu pai me dava rosquinha”. O costume é man-tido pelo filho, que agrada as crianças com bombons e chocolates.

Todos os confeiteiros, salgadeiras, pipoqueiros e trabalhadores infor-mais lhe conhecem. E quando não co-nhece, ele já sabe: “O nome pesa mui-to. Quando falo da Cuia Verde para alguém que não conheço, a pessoa já me conhece há não sei quantos anos”.

Ele reclama do trabalho cansativo que o mantém em pé das 7h ao final da tarde. Mas a reclamação não dura muito. Logo ele remenda: “O trabalho é uma de-lícia. Saio cansado com o maior prazer.”

a história dos povos antigos

Adesão do Pará à Independência

1820181018001823

Acima do chão, Belém comemorou 397 anos. Centímetros abaixo, a pré-história da região permanece escondida

Fernando Marques, os artefatos são, possivelmente, resquício dos índios Tupinambá. Os objetos são decorados com linhas e pontos, que formam desenhos geométri-cos característicos do grupo indí-gena Tupi-Guarani. “A cerâmica não é exclusiva da região. O grupo estava espalhado pela costa brasi-leira e foi ‘migrando e deixando rastros’”, explica o pesquisador. À época da colonização, eles soma-vam mais de um milhão de habi-tantes ao longo da costa e a práti-ca do ritual antropofágico – a ingestão da carne de guerreiros indígenas vencidos em batalhas – estarreceu os colonizadores.

Atualmente, parte do material está em exposição no Museu do Encontro, no Forte do Castelo. ‘O material indígena foi importantís-

simo até na formatação do Museu, que mostra o encontro do portu-guês com o nativo. Antes, o objeto principal era a fortificação. Com as escavações, a proposta museográ-fica se modificou para contemplar os dois lados: a fortificação portu-guesa e a presença dos índios”, re-lata o arqueólogo. No museu tam-bém é possível observar a janela arqueológica – uma abertura no solo em que se notam as camadas de ocupação da terra e vestígios ar-queológicos na posição original em que foram encontrados.

Retirar as construções de hoje para realizar escavações arqueoló-gicas seria absurdo. Mas, ao se rea-lizarem grandes reformas, é preci-so ter consciência de que no solo também está registrada a nossa história. ‘O acompanhamento de

arqueólogos é essencial. Precisa-mos atentar para a antiguidade que comporta o solo no Centro Histórico e salvaguardar as infor-mações. É por meio destes objetos que vamos estudar as pessoas da-quela época, observando os ‘res-tos’ que elas deixaram”, explica o arqueólogo.

Precisamos atentar para a antiguidade que comporta o solo no Centro Histórico e salvaguardar as informações. É por meio destes objetos que vamos estudar as pessoas daquela época”Fernando Marques, arqueólogo

PERFIL

Nome dePeso

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Pelas ruas de Belém:

Luena BarroS

E streitas ou amplas, pacatas ou movi-mentadas, no centro ou na periferia. De asfalto ou pedras, com ou sem sina-lização. Sem se dar conta, os morado-

res passam todos os dias por trechos da história de Belém. As ruas revelam as várias fases pelas quais a cidade passou e mostram que ela não só envelheceu, como também cresceu, ao longo de quase 400 anos.

No início, eram apenas quatro ruas e quatro travessas, um forte militar, uma igreja e algu-mas casas de taipa. Hoje, a cidade ocupa uma área de 1.059,406 quilômetros quadrados, in-

um percurso de quase 400 anosRuas, avenidas e rodovias representam as várias

fases de expansão que a metrópole passou

Revolta da Cabanagem

18401830

Siqueira Mendes,a primeira rua da cidade

18351850

grafo Márcio Amaral explica que é possível perceber períodos anteriores, quando o núcleo da cidade era menor. “O padrão de urbanização de Be-lém resulta de diferentes momentos de formação da própria cidade”, esclarece.

PrimeiroS anoSDe um lado, o Forte do Castelo. Do outro, o Largo

do Carmo. A Siqueira Mendes, antiga Rua do Norte, na Cidade Velha, é o retrato do período de fundação da ci-dade, no século XVII, e liga duas faces da colonização: a presença dos militares portugueses para impedir a entrada de invasores no território e a atuação de mis-sionários religiosos na catequização da população na-tiva. Apesar de estreita para os padrões de hoje, foi pri-meiro por ali que passaram soldados, religiosos e indígenas.

Com o passar do tempo e a povoação da cidade, a quantidade de ruas aumentou. “Toda a dinâmica da cidade estava ligada aos dois principais cursos flu-viais, a Baía de Guajará e o Rio Guamá. Então, a cida-de se estendia mais ou menos de onde é a Igreja dos Mercedários até o outro lado, próximo à entrada do Mangal das Garças, no sentido do próprio rio, con-tornando os cursos fluviais”, explica o geógrafo.

Até hoje a presença de portos, trapiches e lojas de equipamentos náuticos prevalecem na Siqueira Men-des. Jocimar Furtado trabalha como gerente opera-cional do Porto Arapari há 15 anos e afirma que a rua quase não tem moradores e é tranquila. “O movimen-to aqui é maior no rio”.

Nos portos, o movimento de pessoas é grande, principalmente nos períodos festivos, quando a pro-cura por cidades do interior se intensifica. Mais acos-tumado com o vaivém dos barcos, Jocimar, que traba-lha das 5h30 às 19h, se espanta com a rua deserta quando sai do porto. “Eu costumo dizer que, depois das 18h, todos se refugiam nos seus lares. Isso aqui fica triste”, conta. >>

cluindo os distritos de Icoaraci, Outeiro e Mosqueiro e 39 ilhas distribuídas na Baía do Guajará e no rio Guamá.

Mesmo sem ter mais para onde cres-cer, a metrópole continua expandin-do e influenciando

outras cidades da região por meio do poder econô-mico. Nas ruas, essa importância se traduz em trá-fego intenso, grande circula-ção de pessoas e aumento na oferta de servi-

ços. Em meio ao ce-nário caótico, o geó-

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CIDADE PLANEJADAEntre 1897 e 1911, o governo de

Antônio Lemos colhia os lucros do período áureo da borracha. A tão falada Belle Époque rendeu à cida-de um projeto de urbanização aos moldes franceses. A avenida XV de Agosto, ampla, rodeada de árvores e com opções de lazer e comércio, era o ponto central da Belém mo-derna. Ainda hoje, a avenida Presi-dente Vargas, no bairro da Campi-na, é uma das ruas mais movimentadas da capital.

“O acúmulo de recursos de gru-pos que atuam diretamente com a borracha vai permitir um maior po-tencial de consumo. Muitas casas comerciais são criadas para aten-der o consumo das elites”, explica Márcio Amaral. Além da constru-ção de praças e quiosques, calça-mento e iluminação das vias públi-cas, arborização e tantas outras ações para embelezar a cidade, sur-giram comércios, bares, cinemas, teatros e cafés para atender as de-mandas dos ricos.

A Presidente Vargas carrega as marcas deste período, como o Cine-ma Olímpia, o Theatro da Paz, o Bar do Parque, a Praça da República e o corredor de mangueiras. Até o ta-manho é um indício de que ela per-tenceu ao período e foi inspirada nos famosos bulevares franceses. Atualmente, a rua concentra uma grande quantidade de pontos de venda informal e lojas, que tomaram o lugar dos prédios históricos.

Entre a travessa Riachuelo e a

Aristides Lobo, uma pequena entra-da resiste ao avanço das grandes marcas. O relojoeiro Otávio Melo trabalha no local há 38 anos e la-menta a alteração ou retirada de prédios antigos. “Eu preservaria es-ses locais. Eles fazem parte da histó-ria, senão você perde aquela coisa do passado, aquela coisa boa.”

Segundo Otávio, as mudanças não foram apenas nas construções. “Há alguns anos, tinha mais ‘pive-tes’. Agora, à noite, já tem marginais com coisas mais pesadas, drogas.” Apesar de reclamar da falta de segu-rança, ele persiste no local. “Pelo tempo que eu estou aqui, eu até gos-to. Tem muitos comerciantes que ainda conheço.” METRÓPOLE

A partir da década de 1950, a cidade ultrapassou o marco da 1ª Légua Patrimonial, cujo monu-mento ainda está fincado na ave-nida Almirante Barroso, em fren-te ao Bosque Rodrigues Alves. O motivo foi a abertura das grandes rodovias na Amazônia, como a Transamazônica e a Belém-Bra-sília. O que isso tem a ver com Belém? O pesquisador explica: “Belém tem que ser entendida em relação ao país e à região. O crescimento da metrópole está diretamente ligado com o que acontece na Amazônia”.

Com a integração viária ao resto do país, muitos imigrantes vieram para a região em busca de terras e emprego. Eles acabaram se fixando na capital, mais preci-samente ao longo das rodovias recém-abertas, como a Augusto Montenegro.

Atualmente, a rodovia que liga o Entroncamento a Icoaraci continua perdendo as áreas de mata e dando lugar às ‘invasões’, conjuntos residenciais e condo-mínios fechados. Com o inchaço no centro, as classes média e alta também passaram a procurar lu-gares mais afastados.

O desenvolvimento é tão in-tenso na área que ela é chamada de ‘Nova Belém’. Desde que nas-ceu, há 26 anos, o tecnólogo de

redes Álvaro Masayoshi mora no Conjunto Panorama XXI e sente os impactos do crescimento acelerado. “Quando eu era menor, tinha o costu-me de brincar na rua. Hoje, meus so-brinhos não podem fazer isso. É mui-to fácil encontrar ladrões armados”, relata.

Álvaro conta que, às margens da rodovia, o ambiente era ‘familiar’. Hoje, muitas casas se transforma-ram em pontos comerciais. Mas ele reconhece: “Antigamente, tinha o problema de se deslocar para o cen-tro. Agora, não. Eu noto que não ‘tá’ mais crescendo para o centro, e sim para cá”. >>

Quando eu era menor, tinha o costume de brincar na rua. Hoje, meus sobrinhos não podem fazer isso. É muito fácil encontrar ladrões armadosÁlvaro Masayoshi, morador

Márcio Amaral, geógrafo “

O acúmulo de recursos de grupos que atuam diretamente com a borracha vai permitir um maior potencial de consumo. Muitas casas comerciais são criadas para atender o consumo das elites

ALÉM DAS FRONTEIRASBelém cresce não apenas dentro

dos limites territoriais, mas adensa as relações com os municípios próximos. Até 1995, por exemplo, somente Ana-nindeua fazia parte da Região Metro-politana. De lá para cá, Benevides, Marituba, Santa Bárbara, Santa Izabel

e, recentemente, Castanhal foram in-cluídos na lista.

Segundo o pesquisador Márcio Amaral, a tendência é que haja mais investimentos em espaços de lazer e turismo na capital, além do remane-jamento de algumas atividades a ou-

tros municípios. Ele cita o exemplo da Plataforma do Guamá: o fluxo de mercadorias será concentrado em Inhangapi, próximo a Castanhal, e deixará de ser feito pelos portos lo-calizados na avenida Arthur Bernar-des. “Belém hoje é a acumulação de

diferentes tempos, embora o tempo dominante seja a tendência da me-trópole informacional. Em Belém, existem outras ‘Beléns’. Ela é a sín-tese desses vários momentos de pro-dução do espaço amazônico”, finali-za o geógrafo.

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S: LILIaN

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Belle Époque em Belém

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Inicia ciclo da borracha no Pará

R I O G U A M Á

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165ONÚCLEO INICIALO ponto central de Belém era o Forte do Castelo, de onde saíram as primeiras ruas;

1940PRIMEIRA LÉGUA PATRIMONIAL- A cidade se estendia até parte do que é hoje a avenida Almirante Barroso;- Limites dos bairros planejados: Marco e Pedreira;

ATUALMENTE - A cidade cresce em direção à rodovia Augusto Montenegro eBR-316, na fronteira com Ananindeua;- O fluxo de pessoas, transportes e mercadorias entre Belém eos municípios próximos é intenso; - Nova mancha urbana vai até Castanhal.

ATRAVÉS DO TEMPO

ANANINDEUA

BELÉM

1 23 4

FORTE DO PRESÉPIO CATEDRAL DE BELÉM

IGREJA DE SANTO ALEXANDRE IGREJA DO CARMO

RUA DO NORTERUA DO ESPÍRITO SANTORUA DOS CAVALEIROSRUA DE SÃO JOÃO

CAMPINAPÂNTANO DO PIRY

CIDADE VELHA

1

3 2

4

EDITORIA DE ARTE: ITALO GADELHA

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A história com alma feminina e coração de estudante

LiLian camPeLo

“Eu acho que meu cora-ção ainda é de estudan-te, como diz a música de Milton Nascimento.”

Assim Hecilda Fontelles começa a nar-rar a experiência que viveu durante o período da ditatura militar. Antes, tira da bolsa um lenço branco decorado nas bordas com pequenas flores coloridas. Põe em seu colo, lugar mais acessível às mãos, que livres poderá usá-lo caso precise.

O narrar da história se faz a partir da construção de fatos. É um desenrolar de lembranças de homens, mulheres e crianças que fazem parte desse enredo, mas o que se observa é que o protago-nista da memória oficial, ao longo de muito tempo, teve um narrador, a figura masculina.

eLaS não São de atenaS “Mirem-se no exemplo / Daquelas

mulheres de Atenas / Vivem pros seus maridos / Orgulho e raça de Atenas”. A música de Chico Buarque, em tom irô-nico, demonstra como a sociedade defi-ne o papel da mulher. Ao longo dos tem-pos, elas foram relegadas ao anonimato e ao esquecimento, o que se observa em um dos episódios mais recentes e bru-tais da história brasileira.

Mulheres militantes que transgredi-ram a ordem e o progresso ditado pelo governo foram brutalmente torturadas. Por serem mulheres, as torturas tinham o objetivo de degradar a alma feminina. O corpo nu ficou à mercê do torturador, as humilhações, a violência psicológica e sexual não pouparam mães, freiras, jo-vens, nem mesmo grávidas.

Sim, grávidas. Foi o caso da paraense Hecilda Fontelles Veiga. “Quando fui presa, minha barriguinha de cinco me-ses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à Delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar in-formações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob so-

A militante Hecilda Fontelles Veiga fala sobre a situação das mulheres durante a ditadura militar

cos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer’.”

O testemunho está no livro “Luta, substantivo feminino”. A obra faz parte do relatório “Direito à memória e à ver-dade”, realizado pela Secretaria Espe-cial dos Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres. Nele, há histórias de vida e morte de 45 mulheres brasileiras que lutaram contra a ditatura militar e o testemunho de 27 sobreviventes que narram com coragem os horrores que passaram nos porões da ditatura.

Hecilda Fontelles Veiga lutou contra o regime juntamente com seu esposo Paulo Fontelles, assassinado em 11 de ju-nho de 1987, a mando da União Demo-crática Ruralista (UDR). Paulo, nessa época, advogava as causas camponesas e estava à disposição da Comissão Pas-toral da Terra (CPT) no sul do Pará.

mais difícil dos primeiros tempos, de lembrar. Mas eu acho que é preciso que a gente conte tudo isso para que não se repita mais. Poxa, quantas vidas inter-rompidas! A vida de uma geração. Até hoje fico muito comovida quando ouço a música 'Coração de estudante': ‘Po-daram seus momentos, desfiaram seus destinos’. A sensação que eu tenho até hoje é essa, de que eu estou correndo contra o tempo, por que eu tive a mi-nha vida acadêmica interrompida. Eu concluí meu curso depois de 15 anos. E, apesar disso, eu ainda posso dizer ‘ah, eu sobrevivi’, mas quantos outros não sobreviveram?”

Hecilda venceu os horrores da re-pressão e hoje é professora de Ciência Política na UFPA, local em que, por coincidência ou não, iniciou a carreira de militante antes de ir a Brasília. Como ela, muitas mulheres lutaram e busca-ram, com coragem, um país mais justo para todos os brasileiros, especialmente para as mulheres.

Hoje, ela conta sua história. Outras tiveram destinos parecidos, como Inês Etienne Romeu, a única sobrevi-vente da “Casa da Morte”, em Petró-polis. E, ainda, outras tiveram suas vi-das interrompidas durante um dos momentos mais obscuros da história brasileira, como a sindicalista rural Margarida Maria Alves, morta em 1983 na Paraíba por pistoleiros, a man-do de fazendeiros da região.

O que tiramos de tudo isso? Que os direitos das mulheres no Brasil foram conquistados em meio à luta, à dor e re-sistência e, em muitos casos, sob julgo e morte. O que moveu essas mulheres? O espírito de transformação, da indigna-ção ante a barbárie e a injustiça. E de to-das essas histórias ficará o ensinamento da professora Hecilda: é preciso contar sempre, para que episódios como esses nunca mais se repitam. Ao final, a pro-fessora devolveu o lenço à bolsa. Não precisou usá-lo.

A sensação que eu tenho até hoje é essa, de que eu estou correndo contra o tempo (...) E, apesar disso, eu ainda posso dizer ‘ah, eu sobrevivi’, mas quantos outros não sobreviveram?Hecilda Fontelles

“MAIS

DepoimentoHecilda Fontelles Veiga conta detalhes do que passou durante a ditadura na entrevista em vídeo.

Marido e mulher eram militantes na Ação Popular Marxista-Leninista (APML). O casal foi para Brasília, onde ficaria mais próximo dos acontecimen-tos políticos. Mas, em outubro de 1971, foram presos. Neste ano, começou a his-tória de coragem e luta pela dignidade humana não só de Hecilda, mas de mui-tas Marias, Anas, Lúcias, Teresas...

Lenço Branco Contar o que foi 68 faz parte da

memória coletiva. Enfrentar o passa-do é o primeiro passo para que a so-ciedade entenda os fatos ocorridos e, assim, não permita que crimes contra a humanidade voltem a acontecer, como relata Hecilda.

“Eu tinha certa dificuldade de falar sobre isso, mas já passou aquela fase

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Resistir é o primeiro passo

ARTIGO

Boletim Resistência faz 30 anos

“Resistir é o primeiro passo”. Sob tal palavra de ordem, circulou em Belém, capital do Pará, o Jornal Resis-tência. A Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos

Humanos (SDDH) serviu-lhe de ventre para que viesse ao mundo num sombrio 1978. A SDDH somava apenas um ano de vida.

Na vizinhança latina, a esquadra Argentina levantava o troféu de campeã de futebol do Mundo. Cinco anos antes, Allende era as-sassinado no Chile e Pinochet chefiava a ditadura no país. No Brasil, respirava-se o ocaso do milagre econômico. Uma tal de integração da Amazônia ao resto do país regia a vida na taba. Com a proteção do guarda-chuva do Estado, o capital adentrou a selva sem quase nenhum desconforto.

O Resistência configura-se, na história recente da sociedade pa-raense, como importante registro do avanço do capital sobre a fron-teira da Amazônia. O jornal é uma fonte inestimável sobre o abuso do poder econômico e político, que engendrou no Pará - tendo o Es-tado como indutor - mazelas como o massacre de camponeses, des-truição da floresta, grilagens de terras, hipertrofia do poder político e econômico de um segmento da sociedade. Além do Resistência no Pará, merecem registro na área de impressos os boletins Lamparina, produzido em Santarém, oeste do Estado, e o Grito da PA-150, edita-do na região de Marabá, a sudeste.

Nele também podem ser encontrados inúmeros momentos de organização dos trabalhadores do campo e da cidade, mobilizações contrárias aos grandes projetos, como o Grande Carajás. E, na cena urbana de Belém, a luta pela meia-passagem. Em uma das capas, o Resistência enfoca o Tribunal da Terra, realizado em 1986, uma for-ma simbólica de pressionar o Estado contra as mortes de dirigentes sindicais do campo. Não são raros questionamentos sobre o cenário político da cidade, que aborda atuações de Alacid Nunes e Aloysio Chaves e mesmo apoio ao candidato a governo Jader Barbalho.

No cenário do que ficou conhecido como jornalismo alternativo no Brasil, em particular no regime de exceção (1964-1985), o Resis-tência rivaliza em importância na Amazônia com o boletim produ-zido no Acre, o Varadouro.

roGÉrio aLmeida

Rogério almeida é colaborador da redewww.forumcarajás.org.br é articulista do IBASE e Ecodebate.http://rogerioalmeidafuro.blogspot.com/

Governo de Magalhães Barata

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Diário do ParáQUINTA-FEIRA Belém-PA,07/02/201314 15

MAIS

TERROR

Ouça uma das histórias arrepiantes do Palácio do Rádio, contada por Marivaldo.

Assombro! iSiS cordoviL

“M as por onde você quer que eu co-mece?” É as-

sim que o porteiro Marivaldo Cor-rêa, que trabalha há 22 anos no Palácio do Rádio, aponta a grande quantidade de histórias que viu e ouviu ao longo dessas mais de duas décadas no prédio.

Construído em 1954, o edifício ganhou esse nome por abrigar, até a década de 80, a Rádio Clube do Pará. No clima de euforia e confiança do pós-guerra, o prédio foi um dos pri-meiros arranha-céus, em uma das principais ruas da Belém dos anos 50, a XV de Agosto, atual avenida Presidente Vargas.

O prédio é recheado de histórias curiosas e assombrosas. Barulhos inexplicáveis em apartamentos va-zios, sombras e vultos que surgem re-pentinamente e somem com a mesma velocidade. Situações reais ou fantás-ticas marcam o local.

As histórias, que podem apavorar alguns, fazem parte da rotina de Ma-rivaldo. “Eu já trabalhei de madruga-da e aconteceu de chamarem o meu nome e, quando eu vejo, não tem nin-guém”. Mas não é apenas o ‘oculto’ e o ‘além’ que acompanham o porteiro.

PaiXão aSSaSSina Um dos fatos marcantes que Ma-

rivaldo acompanhou foi a tragédia do décimo andar: o homem que matou a esposa e o filho. “Talvez esteja fazen-do 12 anos. O pai matou engasgada a esposa, a socos o filho e depois se en-forcou”, conta.

Os assassinatos aconteceram em uma sexta-feira e o suicídio, no do-mingo. Os corpos só foram descober-tos na segunda-feira à noite, com a chegada da polícia e dos bombeiros, após o mau cheiro se espalhar pelo andar. “Depois que arrebentaram a porta, o cheiro exalou. Encontraram a criança na cama com a boca ‘arreben-tada’ e ela [a mulher] estava inchada, na cama. Ele ainda estava pendurado. Eu segurei o corpo, mas o bombeiro disse que não tinha mais jeito”, des-creve tranquilamente.

O funcionário acredita que o cri-me foi motivado por ciúme. “Ela era

nova, tinha 30 anos, e ele, 75”. Desde o ocorrido, ninguém se atreveu a morar no local, que atualmente ser-ve como depósito de uma empresa. À época, um morador do aparta-mento vizinho, após saber do fato, saiu de casa e nunca mais voltou. Um mês depois, a mãe retirou os pertences do filho.

dÉcimo terceiro andarOutro caso inusitado é o da mu-

lher que se jogou do décimo tercei-ro andar, há cerca de cinco anos. “Ela se mudou daqui, mas mesmo assim ainda vinha visitar os amigos. [No dia] ela falou comigo, disse que estava com pressa e subiu. Eu achei que ia pra casa de alguém”. Pouco tempo depois, o porteiro e a síndica ouviram um barulho estranho. “A síndica me pediu para ver o que era e, quando um colega e eu chegamos ao local do barulho, era um corpo de mulher”.

Marivaldo só reconheceu a ex--moradora depois que a perícia che-gou. Ela foi encontrada debruçada sobre a laje com os braços quebrados e um ferimento na testa. Logo após o ocorrido, o porteiro descobriu que, há poucas horas, ela havia discutido com o marido. Era o aniversário dela.

Sem medoEm meio aos barulhos estranhos

e casos trágicos, Marivaldo trabalha 12 horas por dia e quatro vezes na se-mana, sempre com bom humor. Medo não é a palavra que define o porteiro. “Se me dessem o aparta-mento do ‘cara’ que se matou, eu mo-raria ali. Medo eu não tenho”.

Essas são apenas algumas das muitas histórias que povoam o ima-ginário dos prédios históricos da ci-dade. Você moraria lá?

Reais ou não, contos macabros fazem parte da história do Palácio do Rádio

Na Rede@

Jaqueline BrandãoÉs linda, morena trigueira e abrasiva/E tranquilizadora/Em tuas veias corre açaí,/Em teu peito um coração feito de “EMES”/Mangueiras, Mandiocas, Mangues, Misérias,/Mas resistes brava e fortemente,/Com alegria caboclamente indígena.

Sheyla MoraesPrincesa da Amazônia como não te amar. Tuas mangueiras me alimentam, tuas chuvas matam minha sede. Te amo Belém do Pará.

Márcio CruxO banger que vai pro carimbó/A paty que vai pro reggae/A Catuaba e a Sapupara/O Guaraná da Amazônia/Cerveja ao alvorecer no Veropa/Tapioquinha nas esquinas/Patchuli na roupa da vó/Morenas únicas/Sem Jacaré nas ruas/Manga City é tucupi.

Ai! Cidade das Mangueiras!Quem te vê e não te ama?O rio se curva e te ofertaum branco buquê de espuma.A noite deita nos becose a cuia da lua derrama.

Ai! Cidade das Mangueiras!Quem te vê e não te ama?Ruas de anjos com asasde verde beleza arcana.Ai! Mangueiras da Cidade,que o sol esculpiu na sombra,por vós o poeta implora,por vós a poesia clama…Ai! Cidade das Mangueiras!Quem te vê e não te ama?

Por que vagam na cidadeassassinos de mangueiras,matando-as por quererou matando de encomenda,matando à sombra da lei,essa lei sem lei, sem lenda?Essa triste lei da morteque tem na morte sua vida.Não deixem que passe impuneesse crime, essa desdita.Fotografem, multipliquemvosso “não” pela internet,pelos blogs, no youtube,nos orkuts, nos e-mails,nas asas dos passarinhosque estão perdendo seus ninhos,no peito dos que se amam,nos muros e nos caminhos…

Quem pode lavar a mãoolhando esse arvorecídio?Que frutos hão de brotarnos galhos da solidão?Que é feito do coraçãodesses que sem piedadearrancam pela raizas raízes secularesda alma desta cidade?

As mangueiras de Belém

Paes Loureiro nasceu em Abaetetuba, em 1939. Hoje é professor aposentado da UFPA. Foi secretário de Educação, Cultura, Desporto e Turismo; superintendente da Fundação Cultural Tancredo Neves e presidente do Instituto de Artes do Pará (IAP). Paralelamente, sagrou-se como um dos principais escritores paraenses. Publicou mais de 25 livros, entre poemas, romances, ensaios e obras acadêmicas. Temas recorrentes na obra do autor, premiado nacional e internacionalmente, são a cultura e a realidade amazônicas, como no trecho do poema que segue, no qual o artista homenageia a cidade e faz um pedido aos moradores.

Fábio Fonseca de CastroA Belém que completa 396 anos está quebrada, esgotada e humilhada. A prefeitura que termina, reconhecida pela opinião pública – de esquerda à direita, do PSol e do PT mais crítico aos tucanos mais cínicos e peemedebistas mais egoístas – como a pior de toda a história da cidade. A prefeitura que começa o faz sob maus augúrios e passos tortos, com as velhas práticas de nepotismo. Um Plano Belém 400 anos é urgente.

EM PROSA E VERSO

2000195019402016

400 anos de Belém

Ilustração: Levy

Ilustração: Levy

Page 9: Belém 400

Diário do ParáQUINTA-FEIRA Belém-PA,07/02/201316

diLermando GadeLha

Será que existe ordem na desorga-nização? No caso do Raio Que o Parta, sim! A aparente profusão de cores, formas e figuras presen-

tes em algumas casas de Belém confluem para um único fim: tornar as fachadas mais bonitas, com baixos custos. Pelo menos essa é a hipótese dos estudiosos que pesquisam so-bre o Raio Que o Parta, uma expressão arqui-tetônica tipicamente paraense, que surgiu nos tempos do modernismo.

Teodora Costa, 74, mora há mais de 40 anos numa casa com o Raio Que o Parta e conta que a decoração causava estranheza nos amigos e conhecidos. “As pessoas que vinham aqui per-guntavam por que a casa era toda decorada e co-lorida”. Ela explica que já comprou o imóvel dessa maneira, mas que nunca pensou em mu-dar e que nem ligava muito para as lajotinhas coloridas.

A primeira reforma aconteceu quando pre-cisou acrescentar uma garagem à frente da casa de dois andares. Então, as lajotas do primeiro piso, que emolduravam toda a fachada da construção, ficaram escondi-das por cimento e grades. Nessa época, dona Teodora nem sabia que aquelas pe-ças eram especiais. “Só fui conhecer o Raio Que o Parta quando professores e alunos vieram aqui em casa me perguntar sobre o assunto. Eu precisava fazer a gara-gem, por isso tive que tirar as lajotas da parte da frente”, revela.

mau GoSto?O Raio Que o Parta surgiu na década de

50, em Belém, como uma tentativa de trazer características modernistas para algumas casas da cidade. A professora Cybelle Salva-dor, da Faculdade de Arquitetura da UFPA, conta que, possivelmente, os mosaicos e a profusão de cores que caracterizam esse es-tilo teriam surgido do reaproveitamento de cacos de azulejos que sobravam de obras.

A expressão arquitetônica - que pode ser encontrada em casas nos bairros como Cremação, Guamá, São Brás, Reduto e Umarizal, e em outras localidades do Pará,

como em Cametá e no Ma-rajó – consiste na aplica-ção dos restos de azulejos nas fachadas das casas. Desenhos de animais, for-mas geométricas e raios eram aplicados nas plati-bandas, espécie de placas retangulares que ficam na parte superior das casas, escondendo o telhado.

A professora Cybelle afirma ainda que os dese-nhos não eram feitos por arquitetos, mas por enge-nheiros projetistas. “A atu-ação desses engenheiros

passou a ser vista com descrédito por alguns arquitetos. Essa manifestação era atribuída a um modismo e à falta de informação dos en-genheiros quanto ao contexto geral da arqui-tetura”, explica.

Mau gosto ou não, o fato é que o traçado e as formas desses azulejos multicolores con-tam um pouco da história de Belém e cha-mam muita atenção, como conta dona Teo-dora. “Quando eu pegava um táxi e dizia o endereço, os motoristas perguntavam logo: ‘É aquela casa toda decorada?’.”

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Contandocom formas e cores

Estilo ‘Raio que o Parta’ retrata um pouco da história do modernismo em Belém

A casa de Teodora Costa é uma das mais famosas no estilo

Quando eu pegava um táxi e ia dizer o endereço, os motoristas perguntavam logo: ‘É aquela casa toda decorada?’

Teodora Costa, moradora