Benci Economia Crista Governo Escravos

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  • 7/22/2019 Benci Economia Crista Governo Escravos

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    Ttulo da Obra e Edio

    BENCI, Jorge Economia Crist dos Senhores no Governo dos Escravos(livro brasileiro de 1700) (Estudo preliminar) Pedro de Alcntara Figueira;Claudinei M.M. Mendes. So Paulo: Grijalbo, 1977.

    ECONOMIA CRIST DOS SENHORES NO GOVERNO DOS ESCRAVOS

    INTRODUO

    1. Que sendo o gnero humano livre por natureza, e senhor no smente

    de si, seno tambm de todas as mais criaturas (pois todas elas as sujeitou

    Deus a seus ps, como diz David) (a) Omnia subiecisti sub pedibus eius. Psal. 8,8

    (p.47).Comentrio: A citao literal do texto do salmo 6, 7 e 8, conforme a Bblia de Jerusalm,

    : E o fizeste pouco menos do que um deus [anjo], coroando-o de glria e beleza. Para que

    domine as obras de tuas mos sob seus ps tudo colocaste: Na traduo grega e latina, ao

    invs da palavra deus, se coloca anjo),chegasse grande parte dele a cair na servido

    e cativeiro, ficando uns senhores e outro servos, foi sem dvida um dos efeitos

    do pecado original de nossos primeiros pais Ado e Eva, donde se originaram

    todos os nossos males.[[ Com essa primeira premissa, Benci coloca por terra a

    legitimidade da escravido. Para ele a escravido consequncia do pecado.

    A escravido um pecado e efeito de um pecado. A escravido vai contra a

    prpria natureza do homem que deve ser senhor de si mesmo e senhor domeio ambiente, ser criado por Deus para ser dominador e no dominado. A

    escravido viola essa natureza original do homem.]]

    2. O certo que se Ado perseverasse no estado da inocncia, em que

    Deus o criou, no haveria no mundo cativeiro, nem senhorio; porque, como

    doutamente discorre S. Toms, ento se entende ser algum servo, quando as

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    suas aces se dirigem, no ao bem prprio seu, seno de quem o domina. E

    porque cada um naturalmente apetece o bem prprio, e conseguintemente se

    entristece, quando v que o bem, que devia ser seu, passa a ser alheio, Por

    isso o tal domnio no pode deixar de ser penoso e molesto aos que servem;

    pela qual razo no estado da inocncia (estado livre de toda a pena e molstia)

    no podia haver domnio e senhorio de.um homem para com outro homem. (b).

    Tunc ergo aliquis dominatur alicui ut servo, quando eum, cui dominatur, ad propriam utilitatem

    sui, scilicet dominantis, refert, Et quia unicuique est appetibile proprium bonum, et per

    consequens contristabile est unicuique, quod illud bonum, quod deberet esse suun, cedat alteri

    tantum; ideo tale dominium non potest esse sine pna subiectorum; propter quod in statu

    innocenti non fuisset tale dominium hominis ad hominem. D. Thom. I. p. q. 96, art. 4, in c(p. 48). Comentrio: A citao que Benci faz da Summa Theolgica, 1Parte, Questo 96,

    art. IV, n 3. A traduo portuguesa da Suma Teolgica, editada em So Paulo em 1948, vem

    assim formulada: Assim pois quando algum domina a outrem como servo, f-lo servir a sua

    utilidade. E como todos desejam o bem prprio e, por conseqencia se contristam quando

    cedem a outrem o bem que devera ser prprio, da vem que tal domnio no pode deixar de

    ser acompanhado da pena dos que so sujeitos; e por isso, no estado de inocncia, no

    existia tal domnio de um homem sobre o outro. O Artigo IV se intitula Se um homem no

    estado de inocncia, tinha domnio sobre outro (Cf. Suma Teolgica, 1Parte, Questo 96, Art.

    IV, no. 3, p. 176-178). [[ Essa afirmao de que o homem deve ser senhor de si

    mesmo vai de encontro idia de homem como senhorio de outro homem. Nos

    Evangelhos, em nenhuma parte, se encontra algum texto que diga que Jesus

    tenha transmitido a autoridade de um homem sobre outro homem. Ele

    transmitiu a diaconia, o servio. A diferena que o servio de quem

    senhor de si mesmo e espontaneamente serve. A servido peculiar a quem

    no senhor de si mesmo e obrigado a servir. Na servido o servo aliena a

    sua personalidade a outrem. O que deveria ser seu passa a ser alheio.]]

    3. Donde vemos que quando deu o supremo Senhor o domnio a Ado e

    Eva: Dominamini(c) Gen. I, 28. (p.48). Comentrio: A citao por extenso do Gnesis, 1, 28

    : Deus os abenoou e lhes disse >.lho restringiu para com os animais: Piscibus maris, et volatilibus

    coeli; para que entendessem que o seu domnio no passava dos brutos, e que

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    no se estendia aos mais homens, que deles haviam de nascer: Rationalem

    factum ad imaginem suam noluit nisi irrationabilibus dominari: non hominem

    homini, sed hominem pecori escreveu S. Agostinho:(d) D. Aug. Lib. 29, de Civit.

    Dei, c. 15. (p.48). Comentrio: A citao da Civitas Dei, A Cidade de Deus, de Santo

    Agostinho. Benci no o cita diretamente mas o faz atravs da citao que Santo Toms de

    Aquino insere em sua Suma Teolgica, 1Parte, Questo XCVI, Art. IV, no. 1. Mas, na citao

    de Santo Thoms figura o Livro 19 e no o 29 da Cidade de Deus. (Cf. Santo Agostinho : A

    Cidade de Deus Contra os Pagos. So Paulo, 1990, Parte II, Pgina 405.). A traduo

    portuguesa a seguinte: Quis que o homem racional, feito sua imagem, dominasse

    unicamente os irracionais, no o homem ao homem, mas o homem ao irracional. O Captulo

    15, que aqui citado, tem como ttulo A Liberdade Natural e a Servido do Pecado.

    [[Desdobrando, ainda, a sua idia central, Benci mostra que o homem, como

    senhor de si mesmo, deve dirigir as suas aes para o seu bem, ou seja para a

    sua realizao pessoal. Benci afirma que Deus deu ordem ao homem para

    dominar os animais, mas no deu domnio de um homem sobre outro homem.

    Essa idia de homem superior natureza existiu desde o Gnesis, segundo o

    qual Deus criou todas as coisas dentro da natureza, mas, quis criar um ser

    livre, capaz de louvar e servir a Deus, livremente. A escravido a negao

    dessa liberdade. A importncia desse primeiro trecho de Benci porque eleest condenando a escravido pela raiz bblica. Considerando sua obra como

    um documento pblico da Igreja onde, naquela poca, no se encontrava uma

    condenao da escravido como instituto, a obra de Benci condenava a

    escravido pela raiz, por ser perversa e m, no devendo existir. Nesse

    sentido, as premissas da obra so bem avanadas.]]

    4. 0 pecado, pois, foi o que abriu as portas por onde entrou o cativeiro nomundo; porque rebelando-se o homem contra seu Criador, se rebelaram nele e

    contra ele os seus mesmos apetites. Destes tiveram sua origem as dissenses

    e guerras de um povo contra outro povo, de uma nao contra outra nao, e

    de um Reino contra outro Reino. E porque nas batalhas, que contra si davam

    as gentes, se achou que era mais humano no haver tanta efuso de sangue

    introduziu o direito das mesmas gentes que se perdoasse a vida aos que no

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    resistiam, e espontaneamente se entregavam aos vencedores; ficando estes

    com o domnio e senhorio perptuo sobre os vencidos, e os vencidos com

    perptua sujeio e obrigao de servir aos vencedores. [[Esse segundo

    argumento de Benci depois do belo argumento inicial, vai de encontro ao

    primeiro, pois, se escravizar era pecado, como dizer que era mais humano? Se

    o pecado gerou a dominao do homem sobre o homem, como um pecado, e

    se essa dominao consequncia da guerra (outro pecado), como, da guerra,

    nascer o lado o humano da escravido? Manuel Ribeiro da Rocha, cinquenta

    anos depois, escrever O Etope Resgatado onde ele contesta essa prtica

    decorrente da escravido dos prisioneiros de guerra. Mais tarde vo distinguirque podero ser escravizados somente os prisioneiros de guerra justa. Mas, o

    que vem a ser uma guerra justa? Logo, dizer que era mais humano aprisionar

    do que matar, destoa da argumentao introdutria. No conceito bblico

    original, humano ser livre, autnomo, e desumano perder a liberdade no

    gesto pecaminoso da guerra. Com esse segundo argumento, Benci se baseia

    no direito das gentes, anterior ao direito romano, vlido alm do ecumenes

    (territrios dominados pelos romanos). Era o direito natural, anterior ao direito

    romano. O direito positivo o direito sistematizado. Isto , filosoficamente

    discutido e oficializado. Esse segundo argumento sugere que a sujeio dos

    vencidos em troca de no matar como a aplicao da mxima dos males o

    menor s que essa mxima aplicada negativamente porque o mal sempre

    erro.]]

    5. Isto se colhe do mesmo nome de servo, que vale o mesmo que servatus;

    porque, como diz o Imperador Justiniano, os servos se apelidam assim dopatrocnio e conservao, com que os Imperadores os livravam da morte. (e)

    Servi autem ex eo appellati sunt, quod Imperatores captivos vendere, ac per hoc servare

    dicuntur, nec occidere solent. Serv. Instit., de iure person. (p. 49). Comentrio: Flavius

    Petrus Sabbatius Justinianus foi imperador bizantino do ano 527 a 565. Empreendeu ele uma

    grande obra de codificao jurdica que foi compendiada no Corpus Juris Civilis que, por sua

    vez, compreendia o Codex o Digesto ou Pandectas e as Institutas. A citao, no presente caso,

    parece ser do Corpus Juris Civilis, quando ele trata do instituto da servido (Cf. Noes de

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    Direito Romano de Magela Cantalice, Salvador, 1977, p. 65-68).Sendo pois o senhorio

    filho do pecado: que maravilha (1) No texto: Maraviglha (p.49)que nasam dele

    culpas e resultem ofensas de Deus, pelas sem-razes, injustias, rigores e

    tiranias, que praticam os senhores com os servos? [[ Assim, prevalece a idia

    de que no humana a escravido decorrente do direito do vencedor.

    consequncia do pecado, pois envolve o senhorio do homem sobre o homem.

    Justiniano explica que a palavra servatussignificava preservado (preservado

    da morte), mas o fato de ter sido preservado no justificaria o fato da

    escravido. Assim, a origem inicial da palavra servo, vem de preservado mas

    depois tomou o significado de escravo.]]

    6. E para atalhar estas culpas e ofensas, que cometem contra Deus os

    senhores, que no usam do domnio e senhorio que tm sobre os escravos,

    com a moderao que pede a razo e a piedade Crist: tomei por assunto, e

    por empresa dar luz esta obra, a que chamo Economia Crist: isto , regra,

    norma e modelo, por onde se devem governar os senhores Cristos para

    satisfazerem `as obrigaes de verdadeiros senhores. [[ Quando Benci diz que

    os muitos senhores no usam do domnio e senhorio com moderao, ele

    admite o senhorio que era dado pela lei do direito romano que considerava o

    escravo como uma res(coisa) da qual o senhor poderia usar e abusar. Contra

    esse abuso, ele introduz a idia crist de que o escravo era uma pessoa

    humana. S a pessoa humana pode servir, o escravo no pode servir pois a

    condio do escravo de subservincia. Para servir preciso ser-se Senhor

    de si mesmo. Essa moderao de que fala a piedade crist vai ver o escravo

    como uma pessoa humana ]]. Parece que cuidam muitos senhores que, porrazo do senhorio, tm to livre e absoluto domnio sobre os servos, como se

    fossem jumentos; de sorte que assim como ao jumento nenhuma obrigao

    deve seu dono, assim tambm, nenhuma obrigao deve o senhor ao servo.

    Mas engano manifesto, diz S. Joo Crisstomo, porque tambm os senhores

    so servos dos mesmos que os servem (f) Servorum servus dominus este. D.

    Chrysost., hom. 79, in c. Joan. 17.(p.50). Comentrio: So Joo Crisstomo viveu de 344 a 405

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    ou 407. Ele figura entre os quatro grandes Padres do Oriente. Deixou uma grande obra escrita

    que se divide em trs classes: homilias; tratados e cartas. As homilias se dividem em homilias

    sobre o Antigo Testamento, sobre o Novo Testamento e homilias dogmticas e polmicas. Acitao, no caso, das homilias do Novo Testamento, sobre o Evangelho de So Joo.) E a

    razo disto porque senhor e servo so de tal sorte correlativos, que assim

    como o servo est obrigado ao senhor, assim o senhor est obrigado ao servo.

    [[ A idia do servus servorum Dei,da qual So Gregrio I utilizou como lema

    do seu ofcio de pontfice romano, e da qual vai falar So Joo Crisstomo,

    muito tempo mais tarde, uma idia evanglica e baseada na mstica de

    servio de Cristo: o Grande Servo de Jav. Jesus disse: vim para servir e no

    para ser servido. toda uma mstica do servio na qual senhor e servo so de

    tal forma correlativos, numa comunho de servios que, assim como o servo

    est obrigado ao senhor, tambm, o senhor est obrigado ao servo. Com

    Cristo, a idia evanglica veio substituir o conceito de servido pelo conceito de

    servio, porque permanecendo o conceito de servio desaparece o conceito de

    servido. A servido o servio violentado e o servio para quem senhor

    de si mesmo, obrigado pela lei da caridade.]]

    7. Esta mtua e recproca correspondncia de obrigaes entre os senhores e

    os servos reconhece o Apstolo na Epstola aos Colossenses. E por isso,

    depois de intimar aos servos que se sujeitem em tudo e obedeam a seus

    senhores com simplicidade de corao, no tanto para agradarem aos olhos

    dos homens a quem servem, como aos olhos de Deus a quem temem(g) Servi

    obedite per omnia dominis carnalibus, non ad oculum servientes, quasi hominibus placentes,

    sed in simplicitate cordis, timentes Deum. Coloss. 3, 22. (p.50). Comentrio: A citao por

    extenso da Epstola aos Colossenses, segundo a Bblia de Jerusalm, a seguinte: Servos,

    obedecei em tudo aos senhores desta vida, no quando vigiados, para agradar a homens, mas

    em simplicidade de corao, no temor do Senhor [Cristo]. No texto bblico, o Apstolo, nos

    versculos 23, 24 e 25 continua dizendo: Em tudo o que fizerdes ponde a vossa alma, como

    para o Senhor e no para homens, sabendo que o Senhor vos recompensar como a seus

    herdeiros: Cristo o Senhor a quem servis. Quem faz injustia receber de volta a injustia, e

    nisso no h acepo de pessoas) passa a falar com os senhores, e lhes

    encomenda que se hajam de sorte com os servos, que no faltem s

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    obrigaes da justia e equidade; (h) Domini, quod justum est, et quum, servis

    prstate. Coloss. 4, 1. (p.50). Comentrio: A citao de Benci continua o argumento anterior, j

    se dirigindo aos senhores: Senhores, dai aos vossos servos o justo e equitativo, sabendo quevs tendes um Senhor no cu.) que foi o mesmo que dizer-lhes (comenta S.

    Anselmo) que lhes guardassem o direito natural e da razo: Quod ius naturae,

    vel rationis exigit(i) D. Anselm. Hic. (p.50).De maneira que a diversidade, que h

    entre o senhor e o servo, no consiste em que o servo esteja obrigado ao

    senhor e no o senhor ao servo; mas na diversidade das obrigaes, que

    recprocamente devem um ao outro. [[ Fica posta a idia de Benci sobre a

    servido. Fica claro que ambos, patro e escravo, tm obrigao de servio.

    Porm, o tipo de servio de cada um que vai ser diferente. Essa noo,

    aplicada junto com o entendimento da lei de ouro, destri por dentro a idia de

    escravido. O cristianismo primitivo no pretendeu fazer uma revoluo social

    a partir de fora. No era sua pretenso, dentro do Imprio Romano, destruir as

    estruturas mas sim, lanar o fermento e transformar. Assim, a mstica do

    servio transformar. Entretanto, ao mesmo tempo em que Benci fala das

    obrigaes que so mtuas, e introduz uma lgica humanstica, ele sugere

    uma lgica desumana posto que na realidade colonial a obrigao do escravoera trabalhar e a ao do senhor era obrigar o escravo a trabalhar e se

    apropriar dos frutos daquele trabalho. Era, portanto, um pensamento

    contraditrio, mas bem aos moldes daquela realidade colonial. Era um

    pensamento revolucionrio na sua origem crist, pois o que est dito destri a

    possibilidade da escravido. Quando ele diz, citando o Apstolo, sobre como

    os servos devem agradar aos olhos de Deus a quem temem, ele auxilia o

    patro, mas no manda ser subserviente, no manda prestar servido, mandaservir. Servir a idia motriz que est posta. S serve quem senhor de si

    mesmo. importante destacar, porque ele est introduzindo uma coisa nova

    que diferente da servido a mstica do servio. O servio incompatvel

    com a servido. O escravo colonial no prestava servio, prestava servido.

    Numa situao de subservincia. Introduzindo essa mstica do servio ele

    subverte a servido pois ela envolve uma comunho de servios. Segundo a

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    idia evanglica, o servio inerente pessoa humana: quem no vive para

    servir, no serve para viver, diz o provrbio... Na histria da palavra ficou uma

    diferenciao entre o servio e a servido: a servido como coisa compulsria

    e o servio como prtica de liberdade. A despeito da mesma origem, a

    conotao passou a ser diferente uma vez que servido subtende o trabalho

    compulsrio e o servio subtende a noo de senhorio isto , daquele que

    senhor e tem liberdade: s senhor porque sabe servir, porque pratica o

    exerccio do servio. Quando Benci se refere a essa questo e argumenta, ele

    no usa a palavra escravo e sim, servo que era a palavra clssica, tanto da

    traduo latina como no direito romano. Escravo palavra posterior, medieval,de quando se escravizavam os eslavos. Ele vai usar a palavra escravo

    somente quando se refere situao especfica da Colnia.

    8. Mas que obrigaes pode dever o senhor ao servo? 0 mesmo Esprito

    Santo no-las dir; o qual distinguindo no Eclesitico o trato que se h de dar ao

    jumento e ao servo, diz que ao jumento se lhe deve dar o comer, a vara, e a

    carga:Cibaria, et virga, et onus asino(1) Eccli. 33, 26 (p.51) Comentrio: O versculo 25

    do Eclesistico, na Bblia de Jerusalm, diz o seguinte: Para o asno forragem, chicote e carga;

    para o servo po, correo e trabalho; e que ao servo se lhe deve dar o po, o

    ensino e o trabalho: panis, et disciplina, et opus servo (m) Ibid Comentrio:

    Continuando, o Livro do Eclesistico, no seu versculo 26, diz: Faze teu escravo trabalhar e

    encontrars descanso; deixa livre as suas mos e ele procurar a liberdade. Deve-se (diz o

    Eminentssimo Hugo) o po ao servo, para que no desfalea, panis, ne

    succumbat; o ensino, para que no erre, disciplina, ne erret;e o trabalho, para

    que se no faa insolente,opus, ne insolescat (n) Hugo Cardin. In hunc locum. (p.51). [[Cita Benci o Eclesistico que vai ser o termo de referncia para toda a

    sua exposio. Aquela trilogia de procedimento com o escravo, que po,

    disciplina e trabalho. Para o jumento o comer, a vara e a carga. Ele cita o

    Eclesistico, mas h uma diferena muito grande entre o Eclesistico e a

    consumao da Revelao em Cristo Jesus, citada pelo Apstolo Paulo. No

    se pode misturar as duas pocas. O Eclesistico est ainda em um nvel de

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    evoluo anterior, no tendo ainda chegado plenitude da revelao em Cristo

    Jesus. A comparao feita entre o servo e o jumento s faz mostrar que, na

    realidade, os dois deveriam ser tratados como iguais. Apesar da idia de po,

    ensino e trabalho, como elementos de conotao mais cultural, e de comida,

    vara e carga como elementos de conotao mais natural, no h basicamente,

    diferena nenhuma. No Eclesistico, a diferena entre o jumento e o escravo

    no fundamental. A diferena vai aparecer com a Revelao em Cristo,

    atravs do Apstolo Paulo com as palavras de Jesus que disse: no princpio

    no era assim Deus no criou o homem para que fosse igual ao jumento, mas,

    no princpio Deus criou o homem para ser senhor de si mesmo e dos animais.Assim, o Eclesistico marca uma poca de evoluo, diferente do Gnesis, e,

    ao mesmo tempo, uma deformao da revelao primitiva. Alm disso, o

    discurso de Benci no acrescenta, nessa trilogia, um quarto elemento, qualquer

    que seja, que diferencie o servo do jumento ou que acrescente mais

    humanidade ao servo, como havia, na revelao primitiva, no Gnesis: o ser

    humano, como pessoa livre e senhor de si mesmo e que tem o poder de

    dominar a criao, e no, de ser dominado.]].

    9. Estas mesmas obrigaes, que achou nos senhores o Eclesistico por

    instinto do Esprito Santo, alcanou Aristteles com a luz da razo natural.

    Porque, dando as instrues necessrias aos pais de famlias para a boa

    administrao de suas casas, chegando ao ponto de como se h de haver o

    senhor com os servos, diz que lhes deve trs coisas, que so o trabalho, o

    sustento e o castigo: e que todas trs so igualmente necessrias, para queplena e perfeitamente satisfaa ao que como senhor deve ao servo. Porque

    sustentar ao servo sem lhe dar ocupao e castigo, quando o merece, quer-

    lo contumaz e rebelde; e mand-lo trabalhar e castigar, faltando-lhe com o

    sustento; coisa violenta e tirana:tria vero curn snt opus, cibus et castigatio;

    cibus quidern sine castigatione et opera petulantem reddit; opus vero et

    castigatio sine cibo violenta res est (o) Aristot. Lib. I. Aeconom. Cap.6. (p.51).

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    Combinai agora um texto com outro texto, o profano com o sagrado; cotejai o

    paniscom o cibus, o disciplina com o castigatio, e o opuscom o opus: e vereis

    que ou o Pregador (que isso tambm quer dizer Eclesistico) (P) Eccl. Id est,

    Concionator, Tirin. in lit. Eccli. (p.52) filsofo ao divino, ou que o Filsofo, posto que

    no divino, Pregador. Essas trs idias de Aristteles so muito

    semelhantes s idias do Eclesistico. Porm, so bem pobres em relao

    Revelao Crstica e tambm em relao origem da revelao, contida no

    Gnesis. Em a Poltica...... Por mais que a gente veja em Aristteles e em

    Plato uma elevao do pensamento no que se refere ao humano eles esto,

    ainda, num estgio anterior plenitude que viria com Cristo. Igualmente oAntigo Testamento. Por exemplo, nos Dez Mandamentos, quando se fala em

    no desejar a mulher do prximo, est subentendido: a mulher, o jumento, os

    bens, os servos todas essas coisas eram as coisas do prximo. O servo, bem

    como a mulher, era um objeto no meio daqueles objetos. O ser humano ainda

    no alcanara a plenificao da condio humana. S a partir de Cristo que,

    referindo-se ao que estava escrito, completava: Eu porm vos digo, que vai

    haver a dignificao da pessoa humana. Assim, os textos do Eclesistico, de

    Plato e Aristteles, do direito das gentes e, depois, do direito romano foi o

    ensejo necessrio para a escravido. Pela lei de ouro no haveria escravido.

    Ao tempo de Cristo os especialistas na lei mosaica conseguiram extrair na

    Bblia 313 mandamentos. Vem Jesus e diz Eu vos dou um novo mandamento.

    No o 314. um mandamento que contm todos os outros, que envolve

    todos os outros: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao prximo como a si

    mesmo. Quem quer ser escravo? Ningum. Ento, pela lei de ouro eu no

    posso escravizar ningum, uma vez que a lei de ouro pode ser consideradacomo a essncia da revelao crist: Deus Amor e quem permanece no

    Amor, permanece em Deus. Assim, procurando interpretar as categorias

    tericas da pedagogia crist, que percorreu toda a histria do cristianismo,

    observa-se que elas foram construdas com base nesse Mandamento que

    engloba os demais. O que no leva ao amor, no cristo, est distorcido e

    deve ser reformulado. Portanto, pena que depois de uma bela argumentao

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    sobre a dignidade da pessoa humana nas suas origens, na criao, essa

    dignidade na sua plenificao em Cristo que o Apstolo Paulo transmite ele

    venha a se deter no estgio de pensamento do Eclesistico e de Aristteles.

    10. E assim, nestas trs palavras, panis, disciplina, opus, se compreendem

    todas as obrigaes, que no so poucas as que devem os senhores aos

    servos. Por isso nelas fundarei os discursos desta Economia Crist, em que

    pretendo instruir aos senhores, e especialmente aos do Brasil, no modo com

    que devem tratar os escravos, Para que faam distino entre eles e os

    jumentos; a qual certamente no fazem os que s procuram tirar deles o lucro,que interessam no seu trabalho. [[Benci diz, explicitamente, que a diviso da

    sua obra vai se basear no Eclesistico. Apesar de todo o preparo que ele tinha

    das obras clssicas e do conhecimento das fontes bblicas, ele se ateve ao

    Eclesistico e a Aristteles e esqueceu-se de utilizar uma pedagogia,

    igualmente religiosa, que j tinha sido preconizada por Jesus Cristo baseada

    no mandamento que j contm todos: amar ao prximo como a si mesmo. Vez

    por outra ele cita essa verso mas, fundamentalmente, se baseia no

    Eclesistico, inclusive na diviso dos discursos.

    11.Usar o senhor dos escravos como de brutos, coisa to indigna, que

    Clemente Alexandrino julgou que no podia caber em homem de razo e de

    juzo (q). Neque vero tamquam jumentis famulis utendum est ei, Qui fuerit san mentis.

    Clem. Alexand., Lib. 3, Pdag. Cap.11. ( P.52). E se isto no obra de homem

    racional, muito menos o pode ser de homem Cristo, a quem o mesmo Cristo

    encomendou tanto o amor e caridade com o prximo.

    Panis, et disciplina, et opus servo. Eccli. 33DISCURSO 1

    Em que se trata da primeira obrigaodos senhores para com os servos

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    [[Esse discurso abre-se com as palavras do Ecclesistico, captulo 33: Panis,et disciplina, et opus servo. Ou seja para o servo, o po (o po do corpo que o sustento em geral, a roupa, o abrigo e o po espiritual), a disciplina(corretivo) e o trabalho. Esse lema a fundamentao de toda a exposioque Benci vai fazer. Todo o tema do livro discursado a partir desta tradepo, disciplina e trabalho ficando o elemento po desdobrado em doisdiscursos: o po como alimento e o po da doutrina. Ou seja, o po do corpoe o po espiritual. No po do corpo ele engloba a roupa, e o sustento emgeral. Essa orao obrigao dos senhores para com os servos subtende, luz da poca, um progresso face ao direito romano onde, praticamente, osenhor no tinha obrigaes para com o servo, que era equiparado com umacoisa, uma res.O senhor tinha o direito absoluto de usar e abusar do servo.Com a cristianizao do direito romano, se introduziu, em primeiro lugar, aidia de que o servo era uma pessoa humana. Hoje se diria, servo como

    pessoa com os direitos inerentes pessoa humana mas, naquele contexto,no se falava em direitos, mas sim, nas obrigaes que o patro tinha.Quando se fala em obrigaes no sentido do direito romano cristianizado,que toma em considerao os servos que teriam direitos acima do patro.Assim, o patro deixaria de exercer direitos absolutos sobre o servo que,como pessoa humana, passaria a ter um referencial superior ao patro que Deus e sua Revelao e o direito natural.]]

    12. A primeira palavra, sobre que havemos de discorrer, o Po: panis.Deve o senhor ao servo o po, para que no desfalea: panis, ne succumbat.E debaixo deste nome de po, conforme a frase hebreia, se compreende

    primeiramente tudo aquilo que conduz para a conservao da vida humana,ou seja o sustento, ou o vestido, ou os medicamentos no tempo daenfermidade (r) Panis hoc loco pro re quavis ad vitam necessaria sumitur juxtaHebraecorum phrasim. De Pina, Comment. In Eccl. Ethol. 268, n. 6. (P.53).E issomesmo o que pedimos a Deus na orao do Padre Nosso, dizendo: panemnostrum. quotidianum da nobis hodie, o po nosso de cada dia nos d hoje(s) Luc. 11, 3. (P.53). Comentrio: O Apstolo se refere a Cristo que ensina os discpulos aorao do Pai-Nosso dizendo: o po nosso cotidiano d-nos a cada dia...) In hocintelliguntur(diz Lira)peti omnia vitae necessaria (t) Lyra in c. 6. Matth. (P.53).Eque tudo isto devam tambm os senhores aos servos, eu o mostrarei porpartes.

    [[ A roupa, a veste e o medicamento, fazem parte desse sustento que simbolizado pelo po. O po simboliza algo mais do que simples alimento.Benci diz que est baseando na frase hebria, onde nesse caso a palavrapo talvez tenha esse significado amplo, de sustento, de necessidadesbsicas. Nesse momento ele est citando De Pia que comenta oEclesistico. O enfoque maior de Benci mais no Eclesistico do que naplenificao em Cristo. A idia central a de que o po significa asnecessidades vitais, no apenas alimentcias, mas vitais. Ao se referir ao PaiNossoele articula o Eclesistico com a palavra de Jesus e coloca o servotambm como filho que pede o po nosso.]]

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    Do Sustento, que devem os senhores aos servos

    13. A primeira obrigao que se inclui no nome de po, que o senhordeve ao servo para que no desfalea, panis, ne succumbat, o sustento.Esta obrigao no se funda somente em alguma lei positiva, seno tambmna mesma lei natural, que, obrigando a cada um a procurar o sustento daprpria vida; como o servo, por dever a seu senhor todas as obras de seuservio, o no possa granjear para si, obriga a que lho d o mesmo senhor.[[ A, alm da Revelao, ele acrescenta um argumento novo que a lei,apresentando a distino entre direito positivo e lei natural. Lei positiva aquela que foi estabelecida, promulgada, determinada. Lei natural aquelaque est na natureza das coisas, na natureza ntima do homem. Para ele aobrigao do sustento faz parte da prpria lei natural. Mesmo que a leipositiva no a determine, a lei natural a faz. a lei da sobrevivncia. Como o

    servo no pode granjear seu prprio sustento, isto obriga a que o senhor ofaa. Assim, o elemento novo que ele traz a fundamentao na lei naturalque, de acordo com o pensamento da poca, vem de Deus que gravou nocorao das coisas, do homem, todos os povos a tinham gravado nocorao, na sua interioridade profunda e, ao mesmo tempo, na natureza dascoisas. Era uma espcie de declogo que todos os povos teriam, da leinatural. Esse conceito de lei natural, depois, vai ser muito criticada pelosiluministas e positivistas. A Igreja sempre sustentou radicalmente a existnciade um direito natural que era algo de sagrado para ela, mas, na reviso ps-conciliar, na reviso da teologia moral do sculo XVI, e com a consolidaodo Direito Cannico, em vez do direito natural, comeou-se a empregar a

    palavra normatividade antropolgica, sobretudo aplicada cultura humana.Porque antes se falava em uma lei natural extensiva aos animais, mas aexpresso normatividade antropolgica uma expresso mais rica e designificado cultural, que se refere especificamente ao ser humano. Agora, amaneira como vai se normatizar, vai variar de cultura para cultura. Assim,pressupe a comparao entre todas as culturas.]]

    14. Reconheceram os legisladores do Direito comum ser to forosa estaobrigao, que acharam que devia ser preferida [[preferida quer dizeranteposta, prioritria, sendo mais importante do que o pai sustentar o filho ]] mesma obrigao tem o pai de sustentar ao filho; pois ainda que o servo

    tenha pai livre, determinaram que ao senhor, e no ao pai pertencia aliment-lo (u). Text. in L.. Si neget 7, ff. de agnoscend. et allend. lib.(P.54) Comentrio: As citaesdo texto no so seguidas de referncias bibliograficas. Ele cita, supondo a erudio do leitorda obra) E a razo desta determinao porque no podendo o pai tirarproveito algum do filho cativo, no era justo que experimentasse o incmodode o sustentar; pedindo a razo natural, e a mesma natureza, que quem tira oproveito de alguma coisa, esse mesmo e no outro, experimente e padeaos incmodos dela (x).Reg. 55. Qui sentit de reg. jur. in. 6. (P.54)[[Ele continua a raciocinar com argumentos jurdicos, se refere ao direitopositivo (comum) e na segunda parte ele se refere razo natural. O direitonatural era a expresso da razo natural. Benci est concluindo a partir da

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    prpria natureza das coisas, o que se chamava, ento, de direito natural e elechama de razo natural, mas anteriormente, no item 13, ele falou em uma leinatural]]

    15. Nem s concorre para declarar a fora desta obrigao o Direitohumano, mas tambm o divino: o qual proibindo severamente no Levtico,no s que nenhum estrangeiro, mas nem ainda o hspede ou mercenrio doSacerdote comesse coisa alguma das que o povo oferecia a Deus (y) Omnisalienigena non comedet de Sanctificatis: inquilinus Sacerdotis, et mercenarius non vescenturex eis. Levit. 22, 10. (P.55). Comentrio: O texto do Levtico est redigido da seguinteforma: Nenhum estranho comer das coisas santas: nem o hspede do sacerdote e nem oservo assalariado comero das coisas santas);exceptuou desta lei ao servo, que oSacerdote comprasse com o seu dinheiro, ou lhe nascesse em casa (z) Quemautem Sacerdos emerit, et qui vernaculus domus ejus fuerit, hi comedent ex eis. Ibid. 11.(P.55). Comentrio: Continuando o texto diz, no versculo 11: Contudo, se um sacerdoteadquire uma pessoa, a dinheiro, esta poder comer da mesma forma que aquele que nasceuna sua casa; comem, realmente, do seu prprio alimento ). Pois o que Deus nopermite aos livres, h-de permiti-lo aos escravos? Sim. E razo, a deu FiloHebreu to prpria, que no pode ser melhor ao nosso intento:Quia senusniffil lucratur, nisi ex domino, cuius ipse est possessio, ut necesse sit ali exsacris proventibus (a) Lib. 2, de Monarch. (P.55). Porque como o servo no tenha,nem possa ter alguma outra coisa, seno o que lhe d seu senhor e como oSacerdote no tivesse outro sustento, seno aquele que lhe vinha das ofertase sacrifcios, se o servo no pudesse comer delas, ficava desobrigado oSacerdote do dbito que tem qualquer senhor de dar o sustento ao escravo.Porm como esta obrigao nasce da mesma natureza, por isso proibindo

    Deus aos mais que no comessem nem das ofertas nem dos sacrifcios, quelhe faziam, declarou que no compreendia nesta lei aos servos dosSacerdotes, por que estes livremente podiam comer e sustentar-se delas:Quem autem Sacerdos emerit, et qui vernaculus domus eius fuerit, hicomedent ex eis.[[Depois de ter argumentado tomando por base o direito positivo e o direitonatural, ele vai agora argumentar tomando por base o direito divino, segundoo Livro do Levtico. Essa insero de que as ofertas no podiam ser comidaspor ningum, exceto pelos servos, evidencia uma relao humanizante nasociedade bblica referida. Mostra o direito humano do servo prioritrio sacralidade das oferendas. No Evangelho, Jesus vai referendar no ato da

    cura realizada no dia de sbado, quando Ele pergunta: no dia de Sbado lcito fazer o bem ou o mal? o sbado foi feito para o homem, e no o homempara o sbado. a prioridade do homem sobre a sacralidade das oferendase, mais do que isso, Benci lembra que nesse caso, a exceo para o menordos menores, que o servo. como se fosse a restituio de umahumanidade que lhe est sendo negada.]]

    16. Sendo porm a obrigao, que tm os senhores de sustentar osescravos, imposta pela lei natural, e to autorizada pelo Direito humano, emuito mais pelo divino; contudo tal a crueldade de alguns senhores, que at

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    o sustento, que to liberalmente do aos animais brutos, negam aos cativos.Quem no v (diz S. Ambrsio) como nas casas de alguns senhores andammui luzidos e gordos os ces; e pelo contrrio plidos e amarelos os servos,e to consumidos da fome, que se no podem ter em p (b) Vides enim innonnullorum domibus nitidos, et crassos canes discurrere; homines autem pallidos,titubantesque incedere. D. Amb., Serm.33. (P.56). H tal desigualdade! Que sejapossvel que se no falte aos brutos com o sustento, ainda custa doescravo; e que se no d ao escravo, que homem racional e Cristo, o quese d aos brutos! E j que aos servos se lhes d o trabalho, opus, no mais que tirana e brbara injustia, negar-lhes o sustento do que trabalham?[[ O que chama a ateno que ele est mostrando uma norma e umarealidade que choca com esta norma. Uma norma que procede do direitonatural, do direito positivo e do direito divino, no entanto, a realidade tochocante que o ser humano passa a se parecer com os animais. Santo

    Ambrsio foi um dos Padres da Igreja mais preocupados com os problemassociais de sua poca. Ele foi um cristo tardio e como catecmeno ainda, foiproclamado pelos cristos como bispo, prevalentemente por sua profundasensibilidade para com os problemas da escravido e da pobreza. Temtextos que ainda hoje so considerados dos mais interpelantes sobre essasquestes. ]]

    17. Foi preceito de Deus na Lei velha, e registado no Deuteronmio, o deque faz meno S. Paulo: Non alligabis os bovi trituranti (c) 1 Cor. 9,9.(P.56).Comentrio: Na Epstola aos Corntios, segundo a Bblia de Jerusalm, est dito: Comefeito, na Lei de Moiss est escrito: . AcasoDeus se preocupa com os bois? No , sem dvida, por causa de ns que ele assim fala?Sim; por causa de ns que isso foi escrito, pois aquele que trabalha deve trabalhar comesperana e aquele que pisa o gro deve ter a esperana de receber a sua parte., conformeBenci j havia citado recorrendo Epstola de So Paulo.)Guarda-te (1 No texto:Guar-te)(diz Deus) de tapar a boca ao boi, quando na eira debulha o trigo. E porqueprobe o Senhor o tapar-se nesta ocasio a boca ao boi? A razo (diz Lira)porque trabalhando o boi no trigo para dar de comer a seu dono, parecia queera espcie de injustia impedir-lhe o comer (d). Ad aliquam enim injustitiampertinere videtur irrostrare bovem, ut nom possit de frugibus, in quibus actualiter laborat,comedere. Lyra in cap. 25. Deuter. (P.56). Comentrio: O versculo 4, do Captulo 25, doDeuteronmio diz: no amordaars o boi que debulha o trigo).E no ser manifestainjustia, se trabalhando o escravo de sol a sol, para que coma e se regale

    seu senhor, no lhe de o mesmo senhor o sustento daquilo mesmo quetrabalha? Quem o duvida? E mais quando o escravo (ainda com ser incapazde todo o domnio, porque tudo o que adquire, adquire para seu senhor) temrigoroso direito para haver do senhor o sustento do que trabalha, como coisaprpria e sua. [[ Sabe-se de tabus alimentares que eram usuais na pocacolonial, e aos quais alguns autores atribuem ao medo incutido nos senhorespara que os escravos no assaltassem as plantaes noite. Outra prticaera a de alguns senhores que permitiam cultivo de pedaos de terra pelosescravos para as suas subsistncia, s que, um grande nmero deles spermitia essa licena aos domingos e dias santos de guarda, prejudicando oescravo nos seus deveres religiosos. A expresso de Benci de que o escravo

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    trabalha de sol a sol para que coma e se regale o seu senhor, revela comoera tpica essa situao naquele contexto, e como era desumano o dia a diado escravo. Benci faz meno a So Paulo para mostrar e comparar que se oboi deveria ter sua rao garantida, mais ainda o escravo, homem. Assim,indiretamente, o autor est denunciando uma gritante desumanidade em queat os animais estavam em situao antecedente aos humanosescravizados.]]

    18. Assim o declarou o mesmo Deus a Ado, quando rebelando-secontra seu Criador, o condenou como vil escravo a trabalhar na terra: Insudore vultus tui vesceris pane tuo,com o suor do teu rosto comers o teupo (e) Gen. 3, 19 (P. 57). Comentrio: O texto bblico diz: Com o suor do teu rostocomers teu po. [[Essa leitura que Jorge Benci faz de que o trabalho uma

    maldio divina, por causa do pecado original, no uma leitura positiva. Otrabalho no Gnesis uma beno bblica, pois Deus, depois de criar anatureza, concedeu ao homem a faculdade de continuar a sua obra criadora:crescei, multiplicai-vos e dominai toda a natureza. Portanto, o trabalho nodeve ser considerado como uma maldio bblica. Maldio bblica seria oaspecto doloroso decorrente das circunstancias sociais do trabalho. Otrabalho no deveria ser especfico do escravo e sim, especfico do filho deDeus. Porm, no tempo de Benci, a idia era a de que o trabalho eradegradante, como pode-se observar nas Constituies Primeiras doArcebispado da Bahia que usam a expresso corriqueira: trabalho vil ebaixo, numa poca em que os clrigos eram proibidos de fazer qualquertrabalho vil e baixo, como, por exemplo, cavar a terra, pois, segundo asConstituies, isso era um ato indigno do ministrio do altar. Assim, esseconceito de trabalho vil e baixo, como o que era feito pelos escravos, foiuma deturpao do sentido bblico do trabalho, em uma leitura feita a partirdo ponto de vista do senhor. O conceito de trabalho de Jorge Benci , nestetexto, um conceito negativo, Outro contexto e outra leitura poderiacompreender que, na verdade, o trabalho prprio dos homens livres eoriginou-se, na leitura bblica, como uma bno, como um meio de auto-realizao do homem, como construo da sociedade e como domnio sobreas foras da natureza. Com o advento do pecado original entraram algunscontrapontos ao trabalho como, por exemplo, a ociosidade, ou seja a fuga aodever de trabalhar, a instrumentalizao do trabalho humano pelosdominadores e a adorao do produto do trabalho ocupando o lugar de Deus.Cristo vai recapitular a dignidade do trabalho, quando assume apersonalidade do trabalhador, como trabalhador e filho de trabalhador, umcarpinteiro. ]] Reparo que diga Deus a Ado, que o po era seu, e que neletinha direito, como em coisa sua, pane tuo. No Deus o que d a todos osustento, como Senhor universal de todos? Assim , diz David: Omnia a teexpectant ut des illis escam in tempore (f) Psal. 103, 27. P. 57). Comentrio: NaBblia de Jerusalm, a citao de Benci corresponde ao Salmo 104, versculo 27, que canta:Eles todos esperam de ti que a seu tempo lhes ds o alimento: tu lhes ds e eles orecolhem, abres tua mo e se saciam de bens).Pois se Deus o que nos d o po,

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    que comemos, como diz a Ado que o po era seu, pane tuo? Advirtam naspalavras antecedentes, que nelas descobriremos a razo: In sudore vultus tuivesceris pane. Havia Ado de trabalhar, havia de cavar a terra, havia de suarpara granjear o sustento; e o que trabalha, o que sua Ado, ainda que Deus,como Senhor absoluto de tudo, tenha nisso domnio, contudo no o reputapor seu, mas julga-o por prprio de Ado, que o trabalha e sua: In sudorevultus rui vesceris pane tuo. [[ Segundo a leitura da poca, Deus condenouAdo ao trabalho. O trabalho, nesta poca, era visto como uma penalidade.Aos olhos de hoje o trabalho no uma pena. Naquele contexto, o trabalho,a labuta, era espinhoso e vil. Porm, no sentido bblico original, o prprioDeus trabalhou na criao, e descansou, deixando ao homem aincumbncia de continuar o Seu trabalho: crescei e multiplicai-vos e dominaia terra. Nesse sentido, o trabalho era considerado como uma participao dohomem na obra criadora de Deus, devendo, pois, ser considerado como uma

    dignidade e no como uma penalidade. A pena o aspecto doloroso dotrabalho enquanto castigo imposto. Assim, essa leitura do trabalho comocastigo tem que ser compreendida naquela sociedade onde a idia decastigo era decorrente de como vai se dar as condies de trabalho(trabalho escravo). A frase com o suor do teu rosto comers o teu poenfoca o direito que o escravo deveria ter ao fruto do seu trabalho. O produtodo seu trabalho deveria ser dele (do escravo). Vieira tambm vai se referiraos escravos: vocs so como as abelhas, vocs trabalham mas o fruto dotrabalho no para vocs. Isso seria uma inverso de uma lei natural. Todoo enfoque deste pargrafo, pois, sobre a inverso do trabalho do africanoescravizado, cujos frutos eram apropriados pelo patro. No eplogo, Benci ir

    dizer que: no cristianismo primitivo os escravos pagos que eram batizadosadquiriam a liberdade, mas nas circunstncias em que vivemos [diz Benci] euno vou exigir isso de vocs patres. Mas se vocs fizessem isso: dessem aliberdade por serem cristos, no estariam fazendo nada mais do que fizeramos verdadeiros cristos. Por outras palavras, esta adaptao, feita naColnia, no uma situao ideal, mas uma situao de cristos noverdadeiros. Os verdadeiros cristos no fariam isso. Voltando-se preleoao leitor, Benci sabia qual era o verdadeiro caminho, quando disse: se scristos e tens escravos... A carta magna da liberdade humana, que era oEvangelho, todos conheciam. O grande problema era definir o que erapossvel ser feito naquela realidade. O que Benci no faz canonizar uma

    realidade que deturpa o verdadeiro sentido do cristianismo. Ele tolera, aceita,sem aprovar.]]

    19. Agora argumento assim: Se Deus, quando manda trabalhar a umservo to rebelde como Ado, no s no lhe nega o sustento, mas declaraque seu: pane tuo, como vs, senhores, mandando trabalhar os vossosescravos, lhes tirais o sustento? Sois por ventura mais senhores ou tendesmais domnio nos escravos, que o mesmo Deus? Claro est que no. Poiscomo dizeis ao escravo:In sudore vultus tui vescar pane tuo?Com o suor doteu rosto ( no texto: rostro (p.58) hei-de comer ainda o teu po, ainda o teu

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    sustento? [[Esse pargrafo contm uma advertncia muito importante, poisse o prprio Deus d direito ao homem de viver do fruto do seu trabalho,como pode o homem ter a ousadia de colocar-se acima de Deus que dissecomers o teu po com o suor do teu rosto e dizer eu, patro, vou comer doteu po e o teu sustento. Ainda que fosse impossvel para Benci pregar umaidia de libertao, seu discurso avanado e tem germes de libertao. Noentanto, ele lana premissas que levariam a um pensamento libertrio.Haveria, aos poucos, de por por terra o prprio conceito de escravido que a instrumentalizao do trabalho do outro. Na forma retrica barroca, auxilia sua idia o contraponto de que, sendo Deus quem , fazer pelo ser humano oque ele fez, e sendo o homem quem , menor do que Deus, querer fazerdiferentemente de Deus. Benci denuncia a ousadia de o patro querercolocar-se acima do prprio Deus. Isto ele faz em um estilo que teria muitomais efeito para aqueles leitores a quem o discurso se destinava do que se

    fosse um estilo meramente filosfico.]]

    20. E isto o que dizem com as obras (quando o no digam com aspalavras) os senhores, que no do o sustento a seus servos, ou lhes nodo tempo suficiente, em que o possam buscar. Digo que lhes no do osustento ou tempo suficiente, em que o possam buscar; porque eu nocondeno (antes louvo muito) o costume, que praticam alguns senhores nesteBrasil, os quais achando grande dificuldade em dar o sustento aos escravos,que os servem das portas a fora nas lavouras dos Engenhos, lhes do emcada semana um dia, em que possam plantar e fazer seus mantimentos,com os quais os que se no do preguia tm com que passar a vida. [[

    Quando ele diz que no condena, pelo contrrio, louva os senhores quepermitem o cultivo, ele mostra que era aquele um momento em que a prticadaqueles que permitiam era uma prtica rarefeita. Mas adiante ele vai falarsobre aqueles que permitiam, porm, no Domingo. Assim, quando ele louva,ele exclui estes ltimos.]]

    21. E quem lhes tira esse tempo (me direis vs) se no proibimos anossos escravos, que nos domingos e dias santos busquem sua vida etrabalhem para si? Nos Domingos! Nos dias Santos! Dizei-me, senhoresmeus: onde vivemos? Em Berberia entre os Mouros de Argel ou no Brasilentre os Cristos da Baa? J vejo que me respondeis que entre os cristos.

    E haver algum Cristo, que no saiba que Deus manda santificar as festase guardar os dias santos; e que pecado mortal, fora do necessrio epreciso, mandar que se trabalhe nestes dias? Logo, se por faltar com osustento aos escravos, os obrigais a procur-lo nos domingos e dias santos:no vedes que pecais gravemente, contra o terceiro Mandamento da Lei deDeus? [[Aqui ele fala da maioria, aqueles senhores que davam o dia deDomingo para que os escravos trabalhassem a terra para tirar o sustento,pondo em prejuzo a guarda do dia santo, como reza o terceiro Mandamento.Alm disso, ele relembra que est falando para cristos da Bahia em umtempo onde tudo girava em torno da religio, com prtica religiosa obrigatria

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    e eivada pela f, apesar das contradies daquela poca. Nesse caso, eletenta recuperar a condio de cristo daqueles senhores. Ele diz que, naprtica, aqueles so piores do que os da Berbria. Compreende-se da, que um tempo de muita f mas uma f que, se por um lado nega o ateismo e afalta de f, por outro lado, na prtica, se negava completamente o Credo quena missa eles professavam. O fato de ele elogiar aqueles senhores quedavam um dia da semana, sabe-se que os jesutas praticavam o sustento dosescravos pelo seu prprio trabalho (Frei Hugo vai dar o texto).

    22. Quanto mais que desocupando do servio os escravos nestes dias, edando-lhes liberdade para que trabalhem para si, nem por isso ficaisdesobrigados de lhes dar o sustento. E a razo disto , porque tendes duasobrigaes mui distintas e mui diversas: a primeira no ocupar os servosnos domingos e dias santos; a segunda, dar-lhes o sustento. E assim,

    desocupando-os nestes dias do servio, cumpris com a primeira obrigao;porm fica ainda em p a segunda, porque direito mui claro, que com umas paga no se pode satisfazer a duas dvidas totalmente distintas ediversas. H-de ser pois uma de duas, se quereis cumprir com a obrigao,que tendes como senhores: que ou lhes haveis de dar o sustento, ou lheshaveis de dar tempo suficiente (e esse distinto dos domingos e dias santos)em que o possam granjear. [[

    23. De outra sorte que h-de suceder, seno o que ordinariamenteacontece? Ou morrem os escravos fome ou furtam o alheio parasustentarem a vida! E em qualquer caso destes, quem no v os pecados,

    com que agrava o Senhor a sua conscincia? Porque se o servo perde a vidaconsumido da fome, o senhor homicida do mesmo servo; pois direitoexpresso, que no s comete homicdio quem mata espada ou comqualquer outro instrumento ofensivo tira a vida, mas tambm quem nega osalimentos devidos (g). Necare videtur, qui alimoniam denegat. Lib. 4, ff. de agnoscend.et alend. lib. (p.59). Pareceu a S. Ambrsio, que quem negava a esmola aopobre necessitado, deixando-o perecer, era ru na morte do mesmo pobre (h)Si non pavisti, occidisti. D. Ambr. apud Gratian. Dist. 76, cap. Pasce. (P.59). Pois seincorre no homicdio quem nega a esmola ao pobre, faltando somente caridade; como no ser homicida o senhor, que negando o sustento aoservo, no s falta caridade, mas tambm justia? Com quanta maior

    razo se pode dizer deste senhor: Si non pavisti, occidisti! No destes aoservo o necessrio sustento? Logo mataste-lo e sois homicida. [[ JorgeBenci, no s por ser italiano, e por isso no submisso aos imperativos daCoroa Portuguesa, no s por ser jesuta, mas, por ser jesuta e por ter tidouma condio de estudo intelectual que o transformou em um telogo econhecedor da histria bblica, detm uma conscincia e um posicionamentomoral que no se limita apenas ao senso comum temporal vigente na Bahiacolonial, porm, trabalha com argumentos que esto alm daquela realidadeimediata. Ele v a histria como um grande processo e no apenasestaticamente no aqui e agora do sculo XVIII.]]

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    24. Este verdadeiramente o caso, em que se verifica um texto mui

    dificultoso do Eclesistico, que diz assim: Quem derrama o sangue doinocente e quem defrauda ao trabalhador o seu jornal, so como irmos (i).Qui effundit sanguinem et qui fraudem facit mercenario, frates sunt: Eccli. 34, 27.(P.60).Comentrio: Esse contedo corresponde aos versculos 20 a 23, na traduo da Bblia deJerusalm: Como o que imola o filho na presena de seu pai, assim o que oferece umsacrifcio com os bens dos pobres. Escasso alimento o sustento do pobre, quem dele opriva um homem sanguinrio. Mata o prximo o que lhe tira o sustento, derrama sangue oque priva do salrio o diarista. Um constri, outro destri). Isto (dizem Lira eRabano) cometem igual crime e semelhante pecado (1).Similes et pene pares inscelere. Lyra, et Raban. Hic. (P.60). Mas quem no v a dificuldade destacomparao? Quem nega ou diminui o jornal ao jornaleiro tira-lhe a fazenda;quem derrama o sangue do inocente tira-lhe a vida. Pois se o pecado de tirara vida, sem comparao maior do que o de tirar a fazenda; como diz oEsprito Santo que so iguais e como irmos, Fratres sunt? Desfazadmiravelmente esta dificuldade a verso dos setenta nesta forma: Quem tirao sustento, de cuja falta se segue a morte do prximo, mata-o; e quem tira o

    jornal ao jornaleiro, derrama-lhe o sangue (m). Qui aufert victum occidit proximum; etqui fraudat mercedem mercenarii, effundit sanguinem. In Veteri Testamento juxta LXX.Latine red. et jussu Sixti V edito.(P.60). [[ Ele continua reafirmando, agora mediantea citao bblica, que negar o sustento um verdadeiro assassinato. Averso dos setenta foi a traduo do Antigo Testamento, feita para o grego,por setenta padres, em Alexandria, alguns sculos antes de Cristo.............

    25. Parece-me que nestas palavras argumenta o Esprito Santo destasorte: quem tira o jornal ao jornaleiro (1) No texto: jornaliero, nas diversas vezes queaqui aparece (p. 60), que disso vive, tira-lhe o sustento; quem tira o sustento,mata aquele a quem o tira; logo quem falta com o jornal ao jornaleiro, mata-o.Quem duvida logo que igualmente peca quem no paga ao jornaleiro e quemtira a vida ao prximo, porque ambos matam, um espada, e outro fome?Pergunto agora. H jornaleiros mais pobres e necessitados, que osescravos? Ou h jornal mais justo e mais devido, que o sustento aos servos?Merces servicibus est, diz Aristteles: 0 sustento o jornal, que deve ao servo o senhor(n)

    Arist. Lib.I Oecon., cap. 5.(P.61). Logo quem pode negar, que negando o senhor osustento ao servo, faz o mesmo que se o matara; pois se o no mata ...espada, mata-o ... fome? Qui aufert victum, occidit proximum; et qui fraudatmercedem mercenarii, eflundit sanguinem.

    26. E se o servo obrigado da necessidade furta para sustentar a vida; aindaque ele no cometa -pecado, poi como diz o provrbio, a necessidade notem lei; quem duvida que peca o senhor, que por faltar ao escravo com osalimentos necess rios, o necessitou a furtar o alheio? E a razo -evidente.'Porque, -como diz o Direito, aquele faz o dano, que ocasio e causa de sefazer o tal dano: Verum, est, eum, qui causam prebuit damni dandi,daninum dedisse (o)L. Pretor. 4 sed et si quis ff. de vi bonor. raptor.(P.60).. Sendo

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    pois os senhores,que faltam aos servos com o sustento, a causa dos furtosque eles cometem; quem duvida que ficam obrigados ... restituio destesfurtos, e a refazer todas as perdas e danos, que deles se seguem; e que nopode haver confessor, que os absolva destes pecados, sem que restituamprimeiro o que furtaram seus escravos constrangidos da fome? Logo, se noquereis cair nestes pecados, e na obrigao destas restituies, dai de comera vossos servos, ou dar-lhes tempo conveniente em que o possamgranjear.

    27. Senhores h , que no faltam aos escravos com a rao quotidiana; masesta to limitada e escassa, que mais serve para que no Morram ... fomedo que Para que sustentem a vida. Se ao servo se lhe medisse o trabalhopela mesma medida, com que se lhe mede o sustento, calara-me eunesse ponto. Porm que haja o escravo de trabalhar Como mouro, e comer

    como formiga: no sei que direito o permita! 0 que sei que o sustento doescavo deve ser em tanta quantidade, que antes lhe sobeje do que lhe falte.Assim 0 notou S. Joo Crisstomo comene tanto as palavras do Apstolo,em que manda aos senhores que guardem aos escravos o que -justo eracion vel (p) Domini, quod justum est et quum, servis prstate. Coloss. 4, 1.(P.62).Comentrio: As palavras do Apstolo Paulo a que se refere Benci, so as seguintes: Quemfaz injustia receber de volta a injustia, e nisso no h acepo de pessoas. Senhores, daaos vossos servos o justo e eqitativo, sabendo que vs tendes um Senhor no cu ). Masque o que convm e justo que guardem os senhores para com os servos?pergunta S. Joo Crisstomo:Quid vero iustum est? Quid xquum? Dar-lhes osustento com tanta abundncia, que no necessitem de recorrer a outros.

    Omnia abunde (responde o mesmo Santo Doutor) suppeditare, et non ita utaliarum ope indigeant (q). Crysost. Hom. 10. in cap. 4. Epist. ad. Coloss.(P.62).

    28. Que bem entendeu esta doutrina aquela Mulher forte to celebrada nosProvrbios! Por isso as raes que repartia pelas escravas, no as mediapelo singular, seno pelo plural: Et cibaria ancillis suis. Porque no lhes davao sustento com mo escassa, mas mui liberal; nem s lhes dava o po, mastambm o conduto, cibaria ancillis suis (r) Prov. 31, 13) Comentrio: O trecho quefala da prodigalidade da perfeita dona de casa diz o seguinte: Noite ainda, se levanta Paraalimentar os criados. E d ordens s criadas... Estende a mo ao pobre, ajuda o indigente.Se neva, no teme pela casa, porque todos os criados vestem roupas forradas.... Porquecomo possvel que o escravo ou escrava, andando em contnua lida etrabalho, sustente a vida com uma rao escassa de farinha de pau, semoutra coisa que a ajude a levar? Se verdade que no pode o homemsustentar a vida unicamente com po, ainda sendo o pode trigo: Non in solopane vivit horno (s) Matth. 4, 4.Comentrio: O texto se refere resposta de Jesus aodemnio, no deserto: Nem s de po vive o homem, mas de toda palavra que sai da bocade Deus); como se h-de sustentar o miservel escravo sem outra coisa maisque uma triste rao de farinha de pau? No vedes que isto faz-los comerterra? Porque, vendo-se to perseguidos da fome e do trabalho, a comem, eacabam miseravelmente a vida (1)

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    29. E j que estamos neste ponto, no quero deixar de dizer aossenhores do Brasil, que bem podiam aprender dos antigos Romanos a noser to escassos nas raes que do aos servos, como o no so nasdistribuies das tarefas. Eram os servos em Roma tratados de seussenhores com tanta abundncia no sustento (como escreve Donato nocomento de Terncio) que s em po lhes davam cada ms trs medidas detrigo, a que chamavam mdio. Cada mdio, pela calculao de Berlinch,continha dezasseis sextrios, e cada sextrio quinze onas de trigo (t) Donat.

    Apud Berlinch. in Theat. Vit. hum. Lit. S., verb. servor, victus et dicta. Apud. eund. lit. M, verb.Mensura. (P.63). ; e assim, pela conta dos arrteis de Portugal, cada mdiovinha a ter quinze libras de trigo.- E dando os senhores aos escravos trsmdios de trigo em cada ms, vinham estes a ter quarenta e cinco libras detrigo, que com o crescimento da gua com que se amassa, do sustentomui abundante par qualquer trabalhador.

    30. E porque em tempos de Juvenal havia em Roma certo pai, que entre osmais documentos que dava a um seu filho para que no desperdiasse afazenda era que cortasse Pela rao dos escravas, falsificando a medida;Ponderou a ambio deste pai o Poeta, e com liberdade disse assim:

    Servorum ventres modio castigar iniquo(u). Juvenal., Sat 14.

    No se hajam desta sorte os senhores do Brasil, e dem aos escravos osustento com tal medida, que no dem causa a que os ventres dosmesmos servos famintos e queixosos murmurem da misria do senhor, e no

    cheguem a desfalecer fome: panis, ne succumbat.

    IIDo vestido, que devem os senhores aos servos

    31. Debaixo do nome de os senhores aos servos po, que devem ossenhores aos servos, se entende tambm o vestido, sendo que por boarazo parece que deviam andar todos despidos, visto que a servido ecativeiro teve sua primeira origem do ludbrio, que fez Cam, da desnudez deNo seu Pai. Sabido , que dormindo este Patriarca corri menos decnciadescoberto, vendo Cam, e escarnecendo desta desnudez a foi publicar logo a

    seus irmos; e em castigo deste abominvel atrevimento foi amaldioado doPai toda a sua descendncia, que no sentir de muitos a mesma gerao dospretos que nos servem (x) Joan Leo African. in descript. Afric, lib. I. (P.65).; eaprovando Deus esta maldio, foi condenada ... escravido e cativeiro:Maladictus Chanaan; servus servarum erit fratribus sitis (Y) Gen. 9, 25.(P.65). Comentrio: Otexto se refere maldio lanada a Cam e a toda a sua descendncia, pelo seu pai, No,pelo desrespeito que ele tivera consigo: Quando No acordou de sua embriaguez, soube oque lhe fizera seu filho mais jovem. E disse: > E disse tambm: >. Justo era logo, que tivessem os escravos, e

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    singularmente os pretos, em lugar do vestido a desnudez, para ludbrio seu eexemplar castigo da culpa cometida por seu primeiro Pai.

    32. Mas com parecer isto assim, verdade indubitvel e certa, que noso menos obrigados os senhores a dar aos servos o alimento, com que semantenham e sustentem, do que so obrigados a dar-lhes tambm o vestido,com que se cubram. Assim ;:) entendeu Jacob. Espertou Jacob doprodigioso sono, em 'que' viu aquela escada composta de mais mistrios quedegraus; e diz o texto, que fizera a Deus este voto: se Deus me der po paracomer e vestido para me cobrir, prometo de o reconhecer sempre por meuDeus e meu Senhor (z) Vovit etiam votum, dicens: Si Deus dederit mihi panem advescendum, et vestimentum ad induendum, erit mihi Dominus in Deum. Gen. 28, 20 et21. (P.65). Comentrio: O texto em portugus, diz assim: Jac fez este voto: >.E porque no se contentava Jacob com o sustento, seno quepara ser servo do Deus com quem falava, queria tambm o vestido? Nobasta que Deus lhe d po, para que o reconhea e sirva como a seusenhor? No. E porque no? A razo : porque a obrigao do senhor no s dar o sustento ao servo para se alimentar, mas tambm o vestido parase cobrir. Eu fao voto, diz Jacob, Vovit etam votum, de reconhecer a DeusPor meu senhor,erit mihi Dornirtus;porm h-de ser como condio, que med po para comer,si dederit mihi Panem ad vescendurn;e vestido para mecobrir,et vestimenturn ad induendum.Assim pacteava Jacob Com Deus; eassim o executou Deus com Ado.

    33. Pelo pecado ficou Ado, de senhor que era, escravo e -bem escravo.Deu-lhe Deus o sustento, como j disse, in sudore vultus tui vesceris panetuo(a) Gen. 3, 19. (P.66). Comentrio: O texto se refere perdio de Ado e ao castigoque lhe foi dado por Iahweh: Com o suor do teu rosto comers teu po e, para semostrar senhor verdadeiro e perfeito, deu-lhe tambm, assim a ele como asua mulher, o vestido.Fecit quoque Dorninus Deus Adce et uxori eiustunicas pelliceas et induit eos(h). Ibid. 21.(P.66). Comentrio; Iahweh Deus fez parao homem e sua mulher tnicas de pele, e os vestiu.0 meu reparo est naquelefecit,que Deus mesmo com suas mos lhes fizesse o vestido. No podia o Senhormandar a Ado que matasse algumas feras, e que com as peles delas sevestisse a si e a sua mulher? Quem o duvida? Pois porque lhes faz omesmo Deus com a sua mo os vestidos,fecit Dorninus Deus?A razo estnaquela palavra Dorninus, Senhor. Porque sendo Deus o verdadeiroexemplar e norma dos senhores, quis satisfazer cabal e perfeitamente obrigao de senhor. Se Ado caara as feras, era mostrar que o escravodevia buscar o com que se vestir. Pois no seja assim; corte-lhe o mesmoDeus com sua mo o vestido, j que Senhor - Fecit quoque Dominus Deus

    Adae et uxori eius tunicas pelliceas - para que saibam e entendam ossenhores que a eles pertence dar o vestido aos escravos, e no aosmesmos escravos o procur-lo.

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    34. Sendo pois obrigao precisa do senhores vestir aos servos:

    como se acham senhoras, que no dando com que se vistam ...s escravas,as querem mui bem trajadas? E de que sorte ho-de buscar elas estes trajose estes vestidos? Pedindo-os de esmola? Se vs, que lhos deveis, de

    justia, lhos no dais: como lhos h-de dar por caridade quem lhos nodeve? Sabeis o que isto? querer que elas o comprem a preo depecados. E queira Deus que o no faam melhor, ou pior, do que eu o digo!Seno, dizei-me: de que e com que se traja a maior parte das escravasde todo o Brasil, seno ousta das ofensas que cometem contra Deus? Ehaver senhores e senhoras, que obriguem ou consintam que suas escravasse trajem com as ofensas de Deus, e faam gala de sua culpa? Tomarasaber onde est aqui o brio, o timbre e o pundonor dos Portugueses (1)! Em1700, quando se escreveu este livro, no Brasil chamavam-se Portugueses

    no s os nascidos em Portugal, mas todos os nascidos no Brasil, que nofossem ndios nem Pretos.(P.67).

    35. Bem sei que o ornato 'dos servos crdito dos senhores; porque, comodiz S. Joo Crisstomo, o senhor que consente que seus escravos andemindecentemente despidos, ou to rotos, que mais serve o vestido de osdescobrir que os cobrir, a si mesmo se desonra (c) Qui servos suos indecorenudos, ac detritis obsoletisque vestibus esse sinit, sui corporis bonam partem dedecoreafficit. Chrisost. Apud Salazar. Comment in Prov. Salom. C. 31, v. 21, n. 122. (p.67).Comentrio: So Chrissostomo................ Na traduo usada no presente texto, o trecho dosProvrbios diz o seguinte: . E pela contrrio, tanto redunda em crdito do

    senhor o bom trajo do servo, que julga o Santo Doutor ser s vezes melhorvestido do servo a melhor gala do Senhor(d). Ita ut nonnumquam expediat servos,ac domesticos alios splendidius indui, et conversari, quam dominos. Ibid.(P.68).Mas istose deve entender, os que lhe do o vestido. Por sendo o senhor e a senhoraque verdadeiramente no sei que honra seja levar a senhora atrs de si umgrande nmero de escravas, trajadas todas com a libr do pecado, to vrianas sedas, e nas cores, como so vrias as mos de quem a receberam.

    36. A libr, h-de d-la o senhor e a senhora; e se eles a do, logo sedivisa pela mesma cor em todos os servos. Dos servos daquela Mulher forte(que por tais se devem entender os domsticos, na opinio de Jansnio) diz

    o texto no original hebreu, que todos se vestiam da mesma cor carmesim(e)Omnes domestici ejus vestiti sunt coccineis. Prov. 31, 21, juxta Hebr.(P.68). Comentrio:Na Bblia de Jerusalm, o versculo (22) completo diz assim: Se neva, no teme pela casa,porque todos os criados vestem roupas forradas. Mas por que razo da mesmaCor? Porque a todos teceu esta Mulher forte a libr e talhou o vestido comsuas mos (f) Qusivit Lanam et linum, et operata est consilio manuum suarum, Proverb. 31, 13. (P.68). Comentrio: A traduo correspondente diz: Adquire a l e o linho, etrabalha com mos hbeis.E como todos estes vestidos vinham da mesma mo,diz Salazar (g) Ex telis, quas ipsa manibus suis contextuit, vestimenta eisdem partitur. Salazar, ubi supra n. 123.(P.68)., por isso todos eram da mesma cor: Omnes

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    domestici vestiti sunt coccineis.E eis a a razo porque as vestidos de vossasescravas so de to diversas cores, porque saem de diversas mos.

    37. E no vedes que cada cor destas . urna ndoa, que mancha avossa honra? a morte, cor do vosso brio e a esplndida mortalha do vossocrdito; porque estes trajos adquiridos e granjeados com o pecado dasescravas no so vestidos. E porque o no so? Porque no cobrem nemencobrem-o que deviam encobrir. 0 principal fim do vestido 'foi para ocultar oque no era decente que andasse exposto aos olhos de todos. Pois isto oque falta a essas galas fabricadas e cortadas na oficina do pecado; que emlugar de encobrir, manifestam a soltura das escravas, e conseguintemente amisria, com que os senhores e as senhoras se fazem cmplices dos pecadosdas servas.

    38. Pecou Ado, e tanto que ouviu a voz de Deus que o buscava no Paraso,diz o texto, que, fugindo da sua vista se escondeu,abscondit se(h) Gen. 3,8(P.69). Comentrio: A traduo hebraica a seguinte: Eles ouviram o passo de IahwehDeus que passeava no jardim brisa do dia e o homem e sua mulher se esconderam dapresena de Iahweh Deus, entre as rvores do jardim.). Pra, fugitivo, vem c :porque te escondes, Ado? Porque me vejo despido e descoberto, diz o

    mesmo Ado (i). Timui eo quod nudus essem, et abscondi me. Ibid. 10 (P.69).Comentrio: Continuando, os versculos 9 e 10 dizem: Ihaweh Deus chamou o homem: > Disse ele. >, respondeu o homem; >). Aqui reparo. Se Ado e Eva, logo quepecaram, e se lhes abriram os olhos para verem sua desnudez, se vestiram

    com folhas (1) Et aperti sunt oculi amborum cumque cognovissent se esse nudosconsuerunt folia ficus, et fecerunt sibi perizomata. Ibid. 7.(P.69).como diz Ado queestava despido? A razo se deve colher da mesma figueira, donde Ado eEva colheram as folhas, de que teceram o vestido, com que cobriram suadesnudez. Esta rvore, comum parecer, que foi a mesma rvore, por causade cujo fruto pecaram, diz Baslio de Selucia(m)Circa arborem prvaricati, ab ipsategumentum mutuantur. Orat. 3. In Adamum. (P.69).. E vestido, tirado da rvore'que foi ocasio do pecado, no encobre, descobre e manifesta mais aculpa: por isso ainda depois de vestido se achou Ado despido mais doque era dantes: timui eo quod nudus essem. Logo se as escravas tiramos trajos e as galas da ocasio do pecado, por mais vestidas e trajadas que

    andem, mais descobrem a sua dissoluo e conseguintemente a misria dequem, faltando-lhes com o vestido, concorre para as suas dissolues.

    39. Que se h logo de fazer? 0 mesmo que fez Deus com Ado e com Eva.Vestiu Deus a Ado e Eva, com temos dito, com peles de animais (n) Fecitquoque Dominus Deus Ad, et uxori ejus tunicas pelliceas, et induit eos. Gen. 3, 21.(P.70). Comentrio; Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher tnicas de pele, e osvestiu.) E no me admirara eu de que os vestisse, se os achara despidos;porm que os vestisse achando-os vestidos, isso o que me admira. Se Deusvestira a Ado e Eva, quando eles se viram despidos logo que se lhesabriram os olhos depois do pecado, fizera o que devia a Senhor, porm

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    depois de eles terem feito os seus vestidos de folhas, tomos a vestir e comvestidos de sua mo -Fecit quoque Dominus- Deus! - parece que satisfazmais a sua liberalidade, e excedeu as obrigaes de Senhor. Assim parece,mas no foi assim. No disse eu j que as folhas, com que Ado e Eva sevestiram, foram tiradas da rvore que ocasionou a culpa? Pois eis a a razo,que teve Deus para vestir de novo a Ado e a sua mulher. Vestidos estavamAdo e Eva; porm esse vestido era tirado da rvore, que havia sido aocasio do pecado e ofensa de Deus; e com semelhante vestido noconsente Deus que se trajem Ado e Eva, para que no faam gala de suaculpa; por isso os despe dessas folhas e lhes d novo vestido sua custa:

    Fecit quoque Dominus Deus Adce et uxori eius tunicas pelliceas.

    40. Pergunto agora: que so aquelas holandas, aquelas telas e

    primaveras, aquela redagem (1) Redagem. Como soa: vus, enfeites de redes outecidos de malha; talvez redagem tendo cado o til do e: ornatos opulentos de renda.(P.71).e oiro, com que se trajam as vossas escravas, seno folhagem de vaidade,tirada por fruto da ocasio do seu pecado? Tirai-lhes logo todos esses trajose dai-lhes o vestido que lhes deveis. Porque se vs-lho no dais, e elas ogranjeiam com ofensas de Deus: por conta de quem correm estes pecados?Por conta delas e vossa tambm; pois por lhes faltardes com o vestido,vindes a ser a principal causa de tantas culpas .

    41. A desculpa comua e vulgar dos senhores e senhoras do Brasil nestamatria, dizerem que suas posses no chegam a poder vestir tanto nmerode escravos e escravas. Boa razo era esta, se eu obrigasse a dar-lhesvestidos e galas de grande preo. Mas nem eu, nem Deus obriga a tanto,seno s a cobrir de tal sorte os escravos, e principalmente as escravas, queno andem indecentemente vestidos. E se houver quem diga que nem comesse vestido, assim decente e de pouco custo, pode acudir aos seusescravos; eu lhe responderei,. que se no tem posses para os vestir, notenha posses para os ter. E seno, dizei-me: se no tivesseis tom quepagar ao trabalhador o seu trabalho, haveis de o alugar? certo que no.Pois do mesmo modo: se no tendes com que vestir os escravos, justo queos tenhais? Tambm digo que no; porque igualmente devido o vestidoao escravo, e o jornal ao trabalhador.

    42. Alm de que os que isto dizem, no so comumente os mais pobres,porque estes no deixam de acudir aos seus os mais abundantes e ricos, aquem eu temo muito sejam do nmero daqueles ricos mentirosos, de que falao Eclesistico no Captulo vinte e cinco. Trs espcies de homens, diz oEclesistico que aborrece Deus e abomina e detesta suas almas (o) Tresespecies odivit anima mea, et aggravor valde anim illorum. Eccli. 25, 3.(P.72).Comentrio: A traduo, a partir do texto hebraico : H trs coisas que minha almadeseja, Que so agradveis ao Senhor e aos homens: a concrdia entre irmos, a amizadeentre vizinhos, um marido e uma mulher que vivam bem. Porm, o trecho a que se refereBenci encontra-se no versculo 2: Mas minha alma detesta trs tipos de pessoa; irrito-meprofundamente com o seu viver O pobre orgulhoso, o rico mentiroso, o ancio adltero e

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    estulto.).Deixando por agora o primeiro e o terceiro, vamos ao segundo, que o rico mentiroso, divitem mendacem (p)Ibid., 4 (P.72). Comentrio: Benci fala do ricomentiroso.

    43. Mas que rico mentiroso o de que fala aqui o Esprito Santo? No outro(diz S. Agostinho) seno aquele, que, por no satisfazer a suas obrigaes,diz que no pode; sendo que a verdade que no quer (q). Potest in iis, qu vult;in iis, qu non vult, non potest. D. Aug. apud in Quadrag. con. 22, 14. (P.72). Podegastar em jogos, pode gastar em galas,, pode gastar no sustento e regalo daconcubina; e tudo pode, por que quer, potest in iis, quec vult,mas no podeacudir com um retalho de pano ao seu escravo, que anda despido e nu; e arazo porque no pode porque no quer, in iis, quce non vult, non, potest.Entendam pois estes mentirosos ricos que no enganam, nem mentem aDeus; pois bem conhece que a razo, porque no querem podendo, o

    pouco caso que fazem de que, por falta do vestido, o ofendam os escravos.

    44. Direis ainda (e esta a segunda desculpa, das que costumam alegaros que buscam pretextos , para no satisfazerem ao que devem) que osescravos (e com maior razo as escravas) no se contentam com qualquersorte de vestidos, porque querem romper sedas e galas de subido preo, eno podem os cabedais 'dos senhores satisfazer a este luxo e vaidadedos servos. Esta razo, ainda que aparente, indigna de que a profira umsenhor, que tem obrigao de fazer que os servos se contentem com ovestido que lhes d . E quando no queiram contentar-se, deve fazer o quefazia certo senhor bem conhecido nesta Baa, onde isto escrevo.

    Costumava este dar aos seus escravos todo o necessrio para andaremdecentemente vestidos; e se acaso sabia que algum ou alguma se trajavacom outra libr, que ele lhe no houvesse dado, alm de lha queimar ... suavista, mandava que lhe dessem o merecido castigo.

    45. Oh! se quisesse Deus que todos os senhores do Brasil observassemeste bom costume, digno na verdade de que todos o observem! Quantas equantas ofensas de Deus se evitariam, principalmente nas escravas! Sejampois os senhores to tementes a Deus, que no facilitem as ofensas domesmo Deus aos escravos, negando-lhes o vestido que lhes devem; poisigualmente com o sustento se compreende o vestido na palavra po, sem oqual perecer o servo: panis, ne succumbat.

    IIIDo cuidado, que devem ter os senhores

    dos servos em suas enfermidades

    46. Ultimamente, debaixo do nome po, de que os senhores sodevedores aos servos, se incluem tambm os medicamentos e o cuidado,com que so obrigados a lhes ssistir no tempo da enfermidade. 0 objectomais prprio e para onde mais deve inclinar a piedade Crist, so osenfermos, e com singularidade os servos, por ser maior o seu desamparo

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    nas doenas; pois chegando o escravo ao lamentvel estado de enfermo noh bem algum, de que no fique privado.

    47. De todos os bens naturais o nico, de que goza o escravo a sade. 0bem da riqueza, no o alcana; porque nada tem de seu, pois pertence a seusenhor tudo o que lucra. Menos alcana o bem das delcias; pois vivecontinuamente entre os trabalhos e penalidades do cativeiro. No bem dahonra no tem parte alguma; porque pelo direito so os servos reputados econtados entre as pessoas infames. E assim, s lhes resta o bem da sade.Mas se este bem nico, que possuem, lho tira a enfermidade; quem no vque ento ficam desamparados de todo o bem e no estado da maior misria edesamparo? E se a misria quanto maior, merece mais compaixo, sendoo estado dos servos enfermos mais miservel que o de todos os outrosenfermos (aos quais, quando lhes faltam os mais bens, no falta ao menos o

    da liberdade para buscarem o amparo, da Santa Casa da Misericrdia,cuja porta se no abre aos Escravos) claro est que sobre todos os maisenfermos, merecem mais os servos que neles se empregue a piedade Crist.

    48. Sendo contudo isto assim; no Brasil (e queira Deus que s no Brasil) seacham senhores de entranhas to pouco compassivas e em tanta maneiraduras, que logo que vem os servos enfermos (principalmente se a doenapode cura dilatada e custosa) os desamparam, deixando-os discrio danatureza, e indiscrio e rigor da enfermidade. Que entre Cristos pudessehaver tirania e crueldade semelhante, eu o no crera, se a experincia notivesse manifestado a meus olhos espectcu-los to lastimosos nesta

    matria, que se podiam avaliar por grande excesso, ainda quando tivessemacontecido em Berberia nos escravos de Argel ou Tetuo. Que direi pois aestes senhores tiranos e brbaros, que com tanta inumanidade tratam aosservos enfermos? Duas coisas lhes hei-de dizer: a primeira que no sodignos do poder e domnio, que tm nos escravos; a segunda, que nomerecem ser contados no nmero dos Cristos, seno numerados entre osGentios.

    49. Digo primeiramente que no so dignos do mando que tm, nem de sersenhores, os que no cuidam dos servos enfermos; e digo bem. E no soueu s o que o digo, porque o dizem comigo as Leis Civil e Cannica; as quais

    em pena do grave delito que cometem os senhores desamparando aosservos no tempo da enfermidade e lanando-os brbaramente de casa paraos no curarem, decretaram que os mesmos senhores perdessem o domnioque tinham nos servos desamparados, e estes ficassem livres e forros. Ouvicomo gravemente fala o Direito Civil: Se algum lanar de casa ao seuservo enfermo, e o puser na rua, no tratando de o curar, ou no dandocomisso a outrem para que lhe assista; este tal servo, ainda contravontade de seu senhor, consiga no mesmo ponto a liberdade, e seja tido ehavido por cidado romano (r).Siquis servum suum gritudine periclitantem adomo sua publice ejecerit, neque ipsum procurans neque alteri commendans: talis itaque

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    servus libertate necessaria, domino etiam nolente, reipsa donatus, illico fiat civis Romanus. L. I Sed scimus cod. de Latin. Libert. Tollend. (P.75).

    50. Nem menos autoridade a sentena, que d neste caso o DireitoCannico; o qual depois de declarar, que o pai que enjeita o filho, perde odomnio paterno, que nele tinha; e o senhor que enjeita o escravo, perde osenhorio, que nele tem; acrescenta, que o mesmo se h-de dizer dos filhos edos escravos, de qualquer idade que sejam, quando so expostos edesamparados dos pais, e senhores em suas enfermidades (s) Quod deprdictis cujuscumque tatis languidis, si expositi fuerint, dicendum est. C. unic. deinfant, et languid. expositis.(P.76)..Vede logo se com razo dizia eu, que se fazemindignos do senhorio os que no tratam da cura dos seus servos enfermos;pois o Direito os julga to indignos do domnio a respeito dos servos, quelhes tira todo o que neles tinham.

    51. Digo mais, que semelhantes senhores devem ser contados entre osGentios e no no nmero dos Cristos. E assim ; vede-o claramente:Caminharam os exploradores del-Rei David em seguimento dos amalecitas;quando lhes apareceu vista um mancedo de todo j desfalecido e quasesem vida. Alentaram-no e alimentaram-no com o sustento, que entopuderam haver; e voltando para o Arraial o presentaram ao mesmo David.Perguntou-lhe este, quem era? e respondeu com estas palavras: Sou ummancebo natural do Egito, servo de um Amalecita, desamparado de meusenhor (t) Puer Aegyptius ego sum, servus viri amalecit: dereliquit autem me dominusmeus. I. Reg. 30, 13. (P.76).).Mas que motivo poderia ter seu Senhor para o

    deixar em um caminho pblico, exposto s injrias do tempo, e s crueldadedas feras? 0 motivo que teve, como disse o mesmo servo, foi adoecer nocaminho: Quia agrotare coepi nudiustertius(u) Ibid.(P.76).

    52. Vede, agora, quem so os que desamparam os servos enfermos. So osAmalecitas, que eram Gentios. E destes Amalecitas, destes Gentios, noest povoado todo o Brasil? Com quanta maior razo se deve fazer nestasregies a exclamao, que fazia em outras um Apostlico Portugus! Ah.Deus! E quantos Amalecitas. semelhantes h nesta terra! Ah Amalecitas,Gentios e Infiis! Porque o servo adoeceu, por isso o haveis de deixar em umtotal desamparo! (x) Oh Deus, et quam similes Amalecit sunt in hac regione! Oh

    Amalecit, Ethnici, et infideles! Quia servus grotare cpit, eum derelinquitis? Philip.

    Dias, Conc. Fer. 5 post. Cineres n. 14. (P.77)..

    53. Mas que digo Gentios, se sois ainda piores que os mesmos Gentios?Gentio era aquele nobilssimo Centurio, de que faz meno S. Mateus; econtudo vede o desvelo, com que tratava da sade de seu servo; pois elemesmo em pessoa lhe buscou o remdio, lanando-se aos ps de Cristo, epedindo-lhe com grandes rogos e mui deveras, que o sarasse: Puer meusiacet in domo paralyticus et male torquetur(y)Matth. 8, 6 (P.77). Comentrio: Bencirefere-se ao Evangelho de Sp Mateus que cita o centurio de Cafarnaum que dizia: Senhoro meu criado est em casa paraltico, sofrendo dores atrozes. Jesus lhe disse: eu irei cur-lo.

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    Mas o centurio respondeu-lhe: Senhor, no sou digno de receber-te sob o meu teto; bastaque digas uma palavra e o meu criado ficar so.. Ouvistes (diz Paludano) que nodisse o Centurio: In platea, sicut faciunt mali domini, qui servos reiiciunt,

    cum coeperint infirmari (z) Palud enarrat. 2 Dom. 2 post. Epiphaniam. (P.77).. Nodisse: o meu servo est na rua, para onde os maus senhores costumammandar os servos, quando adoecem, mas disse: in domo, em minha casa.Pois na casa de um Gentio acham abrigo os servos enfermos; e no oacharo em casa de Cristos?

    54. Aprendei, senhores, deste Centurio da coorteromana, constitudo por Deus Capito da MilciaCrist pois por tal o reconhece S. Pedro Crislogo (aCohortis Roman Centurio, dux factus est militi Christian. Chrisol. Serm. 15. de

    Centurione.(P.78). Aprendei, digo, a misericrdia e compaixopara Com os servos e servas, e o cuidado e desvelo,COM que os deveis tratar, quando adoecern, eenfermam;. e enfermam; Porque assim vo-loencomenda Origenes (b)Sic debent omnes, qui famulos et famulas habent,cogitare: Sic misereri, et condolere eis, suplicare, et curam habere de servis, vel de ancillissuis, sicut iste beatus Centurio fecit. Origen., homil. 5. In divers. (P.78).

    55, E quando no queirais imitar e seguir os passos

    deste bem-aventurado Centurio, cuidando do servoenfermo com desvelo igual ao seu; porque ao menosno tratareis da sade dos servos com o mesmocuidado corri que tratais da dos brutos? Que vosparece? -pergunta o mesmo Varo Apostlico e exttico Portugus, que pouco h citei(') Filipe Dias, religiosofranciscano, de Bragana, faleceu em Salamanca em 1601. Bom pregador e autor asceta,deixou obras impressas em espanhol e latim (cf. Grande Enciclopdia Portuguesa e

    Brasileira, VIII, 934). (P.78). Quem de pior condio, o vosso

    escravo Ou 0 vosso ginete? (c). Quis est pejoris conditionis,servus tuus, an equuos tuus? Philiph. Dias ubi supra num. 13.(P.78).. Quemduvida que uni bruto sem comparao muitoinferior? Pois Porque se h -de inverter* perverter aordem do trato corri um e outro, e avantajar * -brutoao racional? Se adoece o ginete, busca-se quemocure, e no se perdoa a gasto, para que sare; e seenferma o escravo, desampara-se, e busque ele o seu

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    remdio (d). Si grotat equus, veniant qui curent eum, et omnia consumuntur, utsanetur. Si infirmatur servus, qurat sibi remedium. Ibid.(P.78)

    56. E com estas obras de misericrdia e com estasvisitas de enfermos haveis de aparecer diante dotribunalde Cristo no dia do Juizo? Se us sseis destainurrranidade com qualquer outro pobre estranho (aquem nicamente pede a Caridade que se socoitra nanecessidade extrema,-qual a de uma grave doena) elhe falt sseis com o remdio, no 'havcis de ser

    julgados para o Inferno? Quem o dvida, se um dos 'cargos, que Jesus Cristo far aos rprobos no dia doJuizo, ser tambm que estando enfermo na pessoa.dos pobres o no visitaram (e)Infirmus eram et non visitastis me. Math. 25, 43. (P.79). Comentrio: O Evangelista se refere ao Juzo Final, quando os homenssero julgados segundo as suas obras, e o Ffilho do Homem dir aos malditos: Fui forasteiroe no me recolhestes. Estive nu e no me vestistes, doente e preso, e no me visitastes.

    Logo como esperais a salvao, tratando com tantacrueldade os servos, a ~quem. sois obr igados acudirno s por caridade, mas tambm de justia,

    estando eles enfermos? Adverti, pois, que, se nousais de misericrdia com estes miser veis, que tantoa merecem, quando esto enfermos; tambm Deusno h -de usar 'de misericrdia convosco, quandovos ju lgar; pois assim volo intima com forosa conse-quncia o Apstolo Santiago, dizendo: Iudicium sinemisericordia ill i, qui non fecit misericordiam (f).Jac. 2,13). E se h -cle ser julgado sem misericrdia quem

    faltou ... misericrdia,quanto mais quem no sfaltou ... misericrdia desampa rando os servosenfermos, mas,tambm ... justia?

    57. -E por ventura ~que no espere Deus -pela outra vida, mas ainda nestad o castigo ...queles senhores, que no acodem aos servos,desamparando-os em suas enfermid des. J dissemos, que os soldados deDavid lhe pre sentaram um mancebo escravo dos Amalecitas, que tinhamacaso encontrado no caminho quase morto e sem alento, porque o haviadesamparado seu senhor vendo-o gravemente enfermo. E oferecendo-se

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    como guia para lhe mostrar a derrota, que levava o exrcito dos mesmosAmalecitas, se p"s ElRei a caminho com seus soldados, e a poucas jornadasse achou com eles, que se ocupavam ento em banquetes e brindes, semtemor nem receio do que logo experimentaram. Porque mandando Davidavanar contra eles, oi com tal sucesso a investida, que de todo o exrcito deAmalec s ficaram vivos quatrocentos homens, que escaparam montadosnos camelos, que serviam de levar as bagagens e vitualhas do mesmoexrcito (9).

    58. j vejo, que estais todos admirados, e reparando como pudesse Davidcom to pequeno nmero de soldados (pois no passavam, de sei&centos)destroar e p"r a fio da espada o numeroso exrcito de Arnalec. Adverti,porm, que vitria to memor vel nem ao forte brao de David, nem ao valorde seus soldados se h -de atribuir, seno ao poder e fora do brao da

    divina Justia, que para castigar aos Amalecitas tomou por instrumento aDavid e seus soldados. Mas qual seria o pecado, de que queria Deus tomarvingana to severamente? No falta quem d iga, que o pecado foi haverum dos mesmos Amalecitas desamparado ao servo enfermo (de que j falmos) no lhe assistindo com o que devia como a servo, de quem erasenhor (h). E se um s senhor (pesai bem a consequncia) se um s senhor,por desamparar a um servo enfermo, irritou a indignao de Deus em talmaneira,(9) que este s pecado o castigou em todos os Amalecitas: que sercom os pecados de tantos senhores neste Brasil, que no acudindo nasenfermidades a seus escravos, os deixam morrer ao desamparo?

    59. Olhai bem, senhores, para a vossa obrigao e vede o que fazeis;porque faltando com o remdio e medicina ao,vosso servo no tempo daenfermidade, provocais contra vs e conea todos os vossos a -espada evingana eterna. E talvez que esta seria a causa e razo total, pela qualexperimentou o Brasil tantos e to not veis destroos das armas Holandesastrazidaspor Deus da Europa para runa e destruio da Amrica. Ainda ochora Olinda, feita cad ver e sepulcro de si mesma; a quem podeacompanhar a Baa, pois tambm viu cair por terra, destrudas ... vio-lncia dofogo, as mais ricas e opulentas f bricas dos ses acares.