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O Panóptico JEREMY BENTHAM ORGANIZADOR TOMAZ TADEU

BENTHAM, J. O Panóptico

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  • Jeremy Bentham, filsofo utilita-rista ingls do sculo XVIII, descreve,no seu livro, O Panptico, o projetode uma construo carcerria que sefundamentaria no "princpio da inspe-o". Segundo esse princpio, o bomcomportamento dos presos seria ga-rantido se eles se sentissem continua-mente observados. A melhor manei-ra de se obter essa vigilncia contnuaseria pela arquitetura. Para isso, Ben-tham previa a construo de dois edi-fcios circulares concntricos. No edi-fcio exterior ficariam situadas as celasdos presos, construdas de forma a es-tarem constantemente abertas vigi-lncia de inspetores situados na torrecentral, localizada no crculo interior.

    O Panptico tornou-se, desde aanlise que dele fez Foucault em Vigiare punir, o paradigma dos sistemas so-ciais de controle e vigilncia total. EmO Panptico, o controle se faz pormeio da visibilidade total e permanen-te das pessoas a serem controladas.Mesmo que, conforme muitas anlisesculturais contemporneas, o panpti-co aparea, hoje, sob a forma de c-meras de televiso estrategicamente co-locadas nas ruas da cidade, por exem-plo, seu princpio continua plenamenteativo. Ainda que apenas como metfo-ra, ele no perdeu sua atualidade.

    Da a importncia deste livro, queapresenta, pela primeira vez, a tradu-o para o portugus, feita a partir dooriginal, em ingls, das cartas que cons-tituem o principal texto de JeremyBentham sobre o projeto. As pessoasinteressadas em aprofundar o conhe-cimento desse tema tm agora, suadisposio, neste livro, um valiosssi-mo material de consulta.

    O livro se enriquece com a inclu-so de dois ensaios fundamentais,

    escritos por duas pessoas importan-tssimas em suas respectivas reas:Jacques-Alain Miller e Michelle Per-rot. O ensaio de Michelle Perrot, "Oinspetor Bentham", foi originalmentepublicado na edio francesa de O Pa-nptico, que inclua, tambm, comoprefcio, uma entrevista com MichelFoucault sobre esse tema. MichellePerrot nos proporciona, nesse en-saio, um interessantssimo perfil pes-soal e intelectual de Jeremy Bentham.

    O ensaio de Jacques-Alain Miller,"A mquina panptica de Jeremy Ben-tham", no indito em portugus,tendo sido publicado, originalmente,na revista de psicanlise Lugar, numatraduo de M. D. Magno. Com suapresente publicao, entretanto, eleestar disponvel, esperamos, a umcrculo mais amplo de leitores. Paracompletar, Simon Werrett lana, emseu ensaio, algumas dvidas sobrevrias interpretaes correntes sobreO Panptico, incluindo a de Foucault.

    Por suas amplas implicaes, otema de O Panptico tem despertadoo interesse de uma srie de disciplinasacadmicas: Histria, Educao, Socio-logia, Direito, Comunicao, Filoso-fia, apenas para falar nas mais bvias.As novas formas de controle socialcontidas nas chamadas "novas tecno-logias" (Internet, circuitos de vigilnciapor TV, cmeras escondidas) reno-vam tambm o interesse pelo temado panopticismo. para os estudio-sos e estudantes dessas reas que olivro ter um interesse primrio, masele no deixa de despertar interessetambm no cidado e na cidad emgeral, sitiados que esto pelos avata-res contemporneos dessa forma decontrole e vigilncia total institudospelo modelo de O Panptico.

    www.autenticaeditora.com.br0800 2831322

    9 7 8 8 5 8 6 5 8 3 7 5 9

    ISBN 978-85-86583-75-9

    " preciso, para comear, descrever o essencial do dispositivo.O dispositivo um edifcio. O edifcio circular. Sobre a circun-

    ferncia, em cada andar, as celas. No centro, a torre. Entre o cen-tro e a circunferncia, uma zona intermediria.

    Cada cela volta para o exterior uma janela feita de modo a dei-xar penetrar o ar e a luz, ao mesmo tempo que impedindo ver oexterior e para o interior, uma porta, inteiramente gradeada, detal modo que o ar e a luz cheguem at o centro.

    Desde as lojas da torre central se pode ento ver as celas. Emcontraposio, anteparos probem ver as lojas desde as celas.

    O Panptico no uma priso. um princpio geral de constru-o, o dispositivo polivalente da vigilncia, a mquina ptica univer-sal das concentraes humanas."

    Jacques-Alain Miller

    O P

    anptico

    JEREMY

    BENTHAM

    O Panptico

    JEREMY BENTHAMORGANIZADOR TOMAZ TADEU

  • O ensaio de Michelle Perrot, O inspetor Bentham, foi originalmente pu-blicado no livro Le panoptique, Paris: P. Belfond, 1977. Publicado aqui com a autorizao da autora.

    O ensaio de Jacques-Alain Miller, A mquina panptica de Jeremy Bentham, foi originalmente publicado na revista Lugar, n 8, 1976, com traduo de M. D. Magno. Publicado aqui com a autorizao do autor e do tradutor.

    O ensaio de Simon Werrett, Potemkim e o Panptico: Samuel Bentham e a arquitetura do absolutismo na Rssia do sculo XVIII, apareceu, originalmente, na pgina da Internet, The Bentham Project, http: //www.ucl.ac.uk/bentham-project/Werrett1.htm . Publicado aqui com a autorizao do autor.

    O texto original de Jeremy Bentham, em ingls, O Panptico, , de acordo com as leis e acordos internacionais em vigor, de domnio pblico.

  • O Panptico

    Jeremy Bentham

    Jacques-Alain Miller

    Michelle Perrot

    Simon Werrett

    OrganizaO

    Tomaz Tadeu

    Tradues

    Guacira Lopes Louro (Perrot) M. D. Magno (Miller)

    Tomaz Tadeu (Bentham e Werrett)

    2a edio

  • Copyright 2000 by Tomaz Tadeu

    projeTo grfiCo de Capa

    Teco de Souza

    reviso

    Alexandra da Costa Fonseca

    ediTorao eleTrniCa

    Conrado Esteves

    ediTora responsvel

    Rejane Dias

    Todos os direitos reservados pela autntica editora. nenhuma

    parte desta publicao poder ser reproduzida, seja por

    meios mecnicos, eletrnicos, seja via cpia xerogrfica sem a

    autorizao prvia da editora.

    AutnticA EditorA LtdA.

    rua aimors, 981, 8 andar . funcionrios30140-071 . Belo Horizonte . MgTel: (55 31) 3222 68 19 Televendas: 0800 283 13 22www.autenticaeditora.com.br

    dados internacionais de catalogao na Publicao (ciP) (cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. panptico : prises : punio : problemas sociais 364.6

    o panptico / jeremy Bentham... [et al.] ; organizao de Tomaz Tadeu ; tradues de guacira lopes louro, M. d. Magno, Tomaz Tadeu. -- 2. ed. -- Belo Horizonte : autntica editora, 2008.

    outros autores: jacques-alain Miller, Michelle perrot, simon Werrett

    Ttulo original: panopticon

    Bibliografia.

    isBn 978-85-86583-75-9

    1. arquitetura 2. Bentham, jeremy, 1748-1832 3. panptico 4. prises 5. punio - filosofia i. Bentham, jeremy. ii. Miller, jacques-alain. iii. perrot, Michelle. iv. Werrett, simon. v. Tadeu, Tomaz.

    08-09674 Cdd-364.6

  • A Jacques-Alain Miller e a Michelle Perrot pela gentil autorizao concedida para a publicao de seus respec-tivos ensaios. A M. D. Magno pela autorizao dada para a utilizao de sua traduo do ensaio de Jacques-Alain Miller. A Estanislao Antelo, pela edio mexicana da traduo de Le panoptique. A Luiz Armando Gandin, pelo envio da cpia de Le panoptique. A Eliane Marta Teixeira Lopes, pela traduo, para o francs, das cartas a Jacques-Alain Miller e pela ajuda no contato com Michelle Perrot. A Guacira Lopes Louro, pela traduo do ensaio de Michelle Perrot e tudo o mais.

    T. T.

    Agradecimentos

  • Sumrio

    Nota do organizador Tomaz Tadeu

    9

    O Panptico ou a casa de inspeoJeremy Bentham

    13

    A mquina panptica de Jeremy BenthamJacques-Alain Miller

    89

    O inspetor BenthamMichelle Perrot

    127

    Potemkim e o Panptico:

    Samuel Bentham e a arquitetura do absolutismo na Rssia do sculo XVIII

    Simon Werrett

    173

  • 8

  • 9Os escritos de Jeremy Bentham sobre o Panptico so forma-dos, essencialmente, pelas Cartas e por dois Ps-escritos. A presente edio inclui apenas a traduo, diretamente do ingls, das Cartas. Algumas observaes sobre algumas edies do Panptico em por-tugus e espanhol:

    1. El panoptico. Madri: Ediciones de La Piqueta, 1979 (1 ed.) e 1989 (2 ed.). Esta edio no , como o ttulo pode fazer acreditar, a traduo dos documentos originais de Jeremy Bentham, mas a reproduo em fac-smile da publicao de uma traduo para o espanhol (originalmente em Tratados de legislacin civil y penal.... Madri: T. V. Imprenta de D. Fer-min Villalpando, 1822) de uma sntese das idias de Jeremy Bentham, enviada j em francs (segundo ele, feita por um amigo, que seria Etienne Dumont, segundo afirma Michelle Perrot, no seu ensaio no presente livro) pelo prprio autor ao deputado M. M. Ph. Garran. Este, por sua vez, enviou-a Assemblia Nacional Constituinte francesa em 1791, sendo publicada pela Imprensa Nacional, nesse mesmo ano, com o ttulo de Panoptique, mmoire par Jrmie Bentham.

    2. A traduo para o portugus da mesma sntese em francs aci-ma referida aparece no peridico da As sociao Nacional dos Professores Universitrios de Histria, Revista Brasileira de

    Nota do organizador

  • 10

    Histria, Editora Marco Zero, v. 7, n 14, maro/agosto de 1987, p.199-229, com o ttulo Panptico Memorial sobre um novo princpio para construir casas de inspeo e, princi-palmente, prises. A traduo, de Ana Edite Ribeiro Montoia, precedida por um comentrio de Maria Stella Bresciani.

    3. H uma traduo em espanhol das cartas originais de Jeremy Bentham sobre o Panptico: El panptico. Tlahuapan, Puebla, Mxico: Premi, 1989. Trata-se, por sua vez, da traduo de uma edio das cartas para o francs (Le panoptique. Paris: P. Belfond, 1977), da qual faz parte uma entrevista com Michel Foucault, O olho do poder (que funciona como prlogo), e um ensaio de Michelle Perrot intitulado O inspetor Ben-tham (que funciona como posfcio), este ltimo includo na presente edio brasileira. Essa edio mexicana inclui tambm a j mencionada sntese enviada Assemblia Nacional francesa pelo deputado Garran. Ressalte-se que a traduo das cartas de Bentham que faz parte dessa edio mexicana foi feita a partir da traduo francesa publicada em Le panoptique, j mencionada, e no diretamente do ingls. Essa traduo, alm de reproduzir alguns erros da traduo francesa, acrescenta uma quantidade considervel de novos erros.

    4. A anlise mais conhecida do projeto do Panptico de Bentham , sem dvida, a de Michel Foucault em Vigiar e punir (publica-do no Brasil pela editora Vozes): captulo III da Terceira Parte, intitulado O panoptismo. A entrevista com Foucault, feita por Jean-Pierre Barou e Michelle Perrot, que aparece como prlogo do livro Le panoptique, acima citado, est traduzida em Michel Foucault. Microfsica do poder, publicado pela editora Graal (O olho do poder, p. 209-228).

    5. Na traduo das cartas sobre o Panptico (primeira parte do livro) procurei, em geral, conservar o sabor arcaico do estilo de Bentham. Afastei-me dessa norma apenas nos casos em que as intercalaes de inmeras sentenas subordinadas, a utilizao freqente de expletivos e eufemismos ou as aluses extremamente indiretas complicavam muito a compreenso do texto. Nesses casos, optei por uma atualizao do fraseado

  • 11

    benthamiano. A atualizao completa do texto (a traduo francesa vai mais nessa direo) certamente contribuiria para torn-lo mais legvel, mas perder-se-ia, por outro lado, o estilo original do criador do Panptico.

    Podem ainda ser teis as seguintes referncias:

    BOZOVIC, Miran. An utterly dark spot. Ensaio introdutrio recente edio, em ingls, publicada pela editora inglesa, das Cartas e do Ps-escrito I, de Jeremy Bentham. (BENTHAM, Jeremy. The Panopticon Writings. Londres: Verso, 1995).

    SEMPLE, Janet. Benthams prison. A study of the Panopticon Penitentia-ry. Oxford: Clarendon Press, 1993. Provavelmente o mais completo estudo sobre o projeto Panptico de Bentham j publicado.

    Tomaz Tadeu

  • O Panptico ou

    a casa de inspeo

    Jeremy BenthamTraduo de Tomaz Tadeu

  • O PANPTICO;OU,

    A CASA DE INSPEO:CONTENDO A

    IDIA DE UM NOVO PRINCPIO DE CONSTRUO

    APLICVEL A

    qUALqUER SORTE DE ESTABELECIMENTO, NO qUAL PESSOAS DEqUALqUER TIPO NECESSITEM SER MANTIDAS SOB INSPEO;

    EM PARTICULAR S

    CASAS PENITENCIRIAS,

    PRISES, CASAS PARA POBRES, LAZARETOS, CASAS DE INDSTRIA, MANUFATURAS, HOSPITAIS, CASAS DE TRABALHO, HOSPCIOS, E ESCOLAS:

    COM

    UM PLANO DE ADMINISTRAO

    ADAPTADO AO PRINCPIO:

    EM UMA SRIE DE CARTAS,ESCRITAS NO ANO DE 1787, DE CRECHEFF, NA RSSIA

    BRANCA, A UM AMIGO NA INGLATERRA.

    POR JEREMY BENTHAM,DE LINCOLNS INN, ESqUIRE.

  • A idia do princpio da inspeo

    Plano para uma casa de inspeo penitenciria

    Extenso para um nico edifcio

    O princpio estendido a reas descobertas

    Pontos essenciais do plano

    Vantagens do plano

    Casas penitencirias custdia segura

    Usos casas penitencirias reforma

    Casas penitencirias economia contrato plano

    A escolha dos ofcios deveria ser livre

    A multiplicao dos ofcios no necessria

    Controles sobre os poderes do contratador

    Meios de extrair trabalho

    Disposies para os presos libertados

    A perspectiva de economia com este plano

    Casas de correo

    Prises meramente para a custdia segura

    Manufaturas

    Hospcios

    Hospitais

    Escolas

    Prefcio

    Carta I

    II

    III

    IV

    V

    VI

    VII

    VIII

    IX

    X

    XI

    XII

    XIII

    XIV

    XV

    XVI

    XVII

    XVIII

    XIX

    XX

    XXI

  • 17

    Prefcio

    A moral reformada; a sade preservada; a indstria revigorada; a instruo difundida; os encargos pblicos aliviados; a economia assentada, como deve ser, sobre uma rocha; o n grdio da Lei sobre os Pobres no cortado, mas desfeito tudo por uma simples idia de arquitetura! Tudo isso arrisquei-me a dizer ao repousar a pena; tudo isso deveria eu, talvez, ter dito ao tomar a pena, se desde o incio eu tivesse visto a totalidade do caminho que se estendia diante de mim. Tratava-se de um novo modo de garantir o poder da mente sobre a mente, em um grau nunca antes demonstrado; e em um grau igualmente incomparvel, para quem assim o desejar, de garantia contra o exagero. Esse o mecanismo, esse o trabalho que pode ser feito com ele. Cabe ao leitor decidir em que medida as expecta tivas assim suscitadas foram cumpridas.

    As cartas que compem o corpo deste tratado foram escritas em Crecheff, na Rssia, e dali enviadas Inglaterra no ano de 1787, aproximadamente na mesma poca que A defesa da usura. Elas foram endereadas a uma pessoa particular, tendo em vista um estabelecimento particular (sobre o qual fui informado por inter-mdio de um jornal ingls), ento sob considerao, sem qualquer inteno imediata ou muito determinada de v-las publicadas. Se elas agora vm luz por intermdio da imprensa irlandesa porque a ateno do pblico da Irlanda tinha sido atrada pela observao feita, h no muito tempo, pelo Ministro do Tesouro,

  • 18

    de que havia uma disposio, por parte daquele governo, de fazer um teste do sistema penitencirio.

    Elas so impressas tais como foram ini cialmente escritas, sem qualquer outra alterao que no a supresso de algumas passagens sem importncia e o acrscimo de um Ps-escrito apresentando no-vas idias, que so o fruto de um exame mais detalhado e crtico, feito tendo em vista, principalmente, o estabelecimento particular antes mencionado, e auxiliado por informaes e conselhos profissionais.

    Ao percorrer a parte descritiva das cartas, o leitor achar con-veniente lembrar que foram feitas certas alteraes, tal como men-cionado no Ps-escrito, embora ele no deva, nesse momento, se preocupar em saber quais so elas, uma vez que, sob quaisquer de suas formas, os detalhes serviro tanto para a ilustrao do princpio geral quanto para a demonstrao das vantagens que dele se pode extrair.

    No que concerne ao sistema peniten cirio, pode-se ver que discuti, com bastante mais liberdade do que a que talvez seja ge-ralmente aceitvel, uma variedade de medidas que foram ou esta-belecidas ou propostas pelos senhores que trabalharam na mesma linha, tarefa essa que eu teria alegremente evitado; mas, de outra forma, no se teria feito completa justia ao plano aqui proposto, nem seu direito preferncia teria sido colocado sob uma perspec-tiva satisfatria. Entre as noes assim tratadas, mais com prazer do que com pesar que vejo vrias que, em ocasies anteriores, eu prprio havia sugerido ou apoiado. Digo com prazer, vendo o incidente como uma prova de que no fiz nada diferente daquilo que foi feito por outros, uma considerao que, espero, possa servir como um pedido de desculpas aos senhores em questo, reforando sua disposio em me recomendar ao seu perdo. Se, em virtude da crtica recproca, me for possvel retificar quaisquer erros meus que ainda me tiverem escapado, a correo, em vez de ser evitada como uma punio, ser recebida como uma recompensa.

    Em termos de mtodo e de compreenso, algo se ganharia se o todo as Cartas e o Ps-escrito, em conjunto tivesse sido reescrito e se o material suplementar tivesse sido incorporado ao original. Mas

  • 19

    o tempo urgia; e, se a inveno aqui descrita vale alguma coisa, o relato que dela se faz no ser menos divertido ou menos instrutivo por ser apresentado de um ponto de vista histrico e progressivo.

    A Carta de concluso sobre as Escolas uma espcie de jeu desprit que dificilmente teria se apresentado de uma forma to leve em qualquer momento que no fosse o de sua concepo, sob o fluxo de idias que os atrativos da novidade so suficientemente capazes de inspirar. Como tal, ela pode servir para aliviar o tdio de uma discusso rida e, por conta disso, obter o perdo, se no conseguir receber a aprovao, daquela classe mais sria de leitores.

    CarTa i

    A idia do princpio da inspeo

    Crecheff, Rssia Branca, 1787

    Caro ***, vi, outro dia, em um de seus jornais ingleses, que se falava, em um anncio, de uma Casa de Correo, planejada para *****. Ocorreu-me que o plano de um edifcio concebido por meu irmo que, sob o nome de Casa de inspeo ou Elaboratrio, ele est para construir aqui, para propsitos, sob alguns aspectos, similares aos daquela casa, pode proporcionar algumas sugestes para o estabelecimento acima mencionado.1 Em conseqncia, obtive alguns desenhos relativos a esse plano, os quais anexo a esta carta. Com efeito, por razes que voc logo perceber, eu o vejo como capaz de aplicaes da mais ampla natureza.

    Para dizer tudo em uma palavra, ver-se- que ele aplicvel, penso eu, sem exceo, a todos e quaisquer estabelecimentos, nos quais, num espao no demasiadamente grande para que possa ser controlado ou dirigido a partir de edifcios, queira-se manter sob inspeo um certo nmero de pessoas. No importa quo diferentes, ou at mesmo quo opostos, sejam os propsitos: seja o de punir o incorrigvel, encerrar o insano, reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o desocupado, manter o desassistido, curar o doente, instruir os que estejam dispostos em qualquer ramo da indstria, ou treinar a raa em ascenso no

  • 20

    caminho da educao, em uma palavra, seja ele aplicado aos propsitos das prises perptuas na cmara da morte, ou prises de confinamento antes do julgamento, ou casas penitencirias, ou casas de correo, ou casas de trabalho, ou manufaturas, ou hospcios, ou hospitais, ou escolas.

    bvio que, em todos esses casos, quanto mais constante-mente as pessoas a serem inspecionadas estiverem sob a vista das pessoas que devem inspecion-las, mais perfeitamente o propsito do estabelecimento ter sido alcanado. A perfeio ideal, se esse fosse o objetivo, exigiria que cada pessoa estivesse realmente nessa condio, durante cada momento do tempo. Sendo isso impossvel, a prxima coisa a ser desejada que, em todo momento, ao ver razo para acreditar nisso e ao no ver a possibilidade contrria, ele deveria pensar que est nessa condio. Esse aspecto, como voc pode imediatamente ver, completamente assegurado pelo plano de meu irmo; e, penso eu, parecer igualmente evidente que no pode ser abrangido por nenhum outro ou, para falar mais apropriadamente, que se for abrangido por algum outro, ele o ser apenas na medida em que esse outro possa dele se aproximar.

    Para abreviar o assunto tanto quanto possvel, considerarei, imediatamente, suas aplicaes para aqueles propsitos que, por se-rem os mais complexos, serviro para exemplificar o poder e a fora mxima do dispositivo preventivo, isto , aqueles que so sugeridos pela idia de casas penitencirias, nas quais os objetos da custdia segura, do confinamento, da solido, do trabalho forado e da instruo, devem, todos eles, ser considerados. Se todos esses objetivos podem ser alcanados em conjunto, naturalmente o sero com, no mnimo, igual certeza e facilidade em qualquer nmero menor deles.

    CarTa ii

    Plano para uma casa de inspeo penitenciria

    Antes de ver o plano, tenha, em palavras, uma idia geral dele.

    O edifcio circular.

    Os apartamentos dos prisioneiros ocupam a circunferncia. Voc pode cham-los, se quiser, de celas.

  • 21

    Essas celas so separadas entre si e os prisioneiros, dessa forma, impedidos de qualquer comunicao entre eles, por parties, na forma de raios que saem da circunferncia em direo ao centro, estendendo-se por tantos ps quantos forem necessrios para se obter uma cela maior.

    O apartamento do inspetor ocupa o centro; voc pode cham-lo, se quiser, de alojamento do inspetor.

    Ser conveniente, na maioria dos casos, se no em todos, ter-se uma rea ou um espao vazio em toda volta, entre esse centro e essa circunfe-rncia. Voc pode cham-lo, se quiser, de rea intermediria ou anular.

    Cerca do equivalente da largura de uma cela ser suficiente para uma passagem que vai do exterior do edifcio ao alojamento.

    Cada cela tem, na circunferncia que d para o exterior, uma janela, suficientemente larga no apenas para iluminar a cela, mas para, atravs dela, permitir luz suficiente para a parte correspondente do alojamento.

    A circunferncia interior da cela formada por uma grade de ferro sufi cientemente fina para no subtrair qualquer parte da cela da viso do inspetor.

    Uma parte suficientemente grande dessa grade abre-se, na forma de uma porta, para admitir o prisioneiro em sua primeira en-trada; e para permitir a entrada, a qualquer momento, do inspetor ou qualquer de seus assistentes.

    Para impedir que cada prisioneiro veja os outros, as parties devem se estender por alguns ps alm da grade, at a rea inter-mediria: eu chamo essas partes protetoras de parties prolongadas.

    Pensa-se que a luz, vindo dessa maneira atravs das celas e, assim, passando pela rea intermediria, ser suficiente para o alo-jamento do inspetor. Mas para esse propsito, ambas as janelas nas celas e aquelas que lhes correspondem no alojamento devero ser to largas quanto o permita a resistncia do edifcio e o que se possa considerar como uma necessria ateno economia.

    As janelas do alojamento devem ter venezianas to altas quanto possa alcanar os olhos dos prisioneiros por quaisquer meios que possam utilizar em suas celas.

  • 22

    Para impedir uma luz plena, pela qual, no obstante as venezia-nas, os prisioneiros pudessem ver, a partir das celas, se h ou no uma pessoa no alojamento, o apartamento dividido em quatro partes, por parties formadas por dois dimetros do crculo, cruzando-se em ngulos retos. Para essas parties podem servir os materiais mais finos; e elas devem ser feitas de forma que possam ser removidas quando se queira; sua altura deve ser o suficiente para impedir que os prisioneiros se vejam mutuamente a partir das celas. As portas dessas parties, se deixadas abertas em qualquer momento, podem produzir uma luz plena. Para impedir isso, divida cada partio em duas, em qualquer parte que for preciso, fazendo com que a distncia entre elas seja igual metade da abertura de uma porta.

    Essas janelas do alojamento do inspetor abrem-se para uma rea intermediria, na forma de portas, em tantos lugares quanto se julgarem necessrios para que ele possa se comunicar prontamente com qualquer das celas.

    Lmpadas pequenas, no exterior de cada janela do alojamento, tendo por trs um refletor para lanar luz nas celas correspondentes, estendero noite a segurana do dia.

    Para poupar o esforo problemtico de voz que poderia, de outro modo, ser necessrio, e para impedir que um prisioneiro saiba que o inspetor est ocupado, a distncia, com outro prisioneiro, um pequeno tubo de metal deve ir de uma cela ao alojamento do inspetor, passando atravs da rea, indo, assim, at o lado da janela correspondente do alojamento. Por meio desse implemento, o me-nor murmrio de um pode ser ouvido pelo outro, especialmente se ele for orientado a aplicar seu ouvido ao tubo.

    Com respeito instruo, nos casos em que ela no possa ser devidamente ministrada sem que o instrutor esteja prximo ao tra-balho, ou sem que ele possa colocar sua mo nele, como exemplo, diante do rosto do aprendiz, o instrutor deve, aqui, como, na ver-dade, em outros casos, mudar seu lugar to freqentemente quanto for possvel para atender diferentes trabalhadores; a menos que ele convoque os trabalhadores para que cheguem at ele, o que, em alguns dos casos em que esse tipo de edifcio aplicvel, tal como o de indivduos aprisionados, no pode ser feito assim to facilmente.

  • 23

    Mas em todos os casos em que instrues, dadas verbalmente ou a distncia, so suficientes, esses tubos podero ser considerados teis. Eles evitaro, por um lado, o esforo de voz que seria necessrio, por parte do instrutor, para ministrar instruo aos trabalhadores sem deixar seu posto central no alojamento; e, por outro, a con-fuso que se seguiria se diferentes instrutores ou diferentes pessoas no alojamento estivessem falando com as celas ao mesmo tempo. E, no caso de hospitais, o silncio que pode ser assegurado por esse pequeno dispositivo, por menos importante que possa parecer primeira vista, propicia uma vantagem adicional.

    Um sino, destinado exclusivamente aos propsitos de alarme, ficar suspenso em um campanrio com o qual se coroa o edifcio, comunicando-se por meio de uma corda com o alojamento do inspetor.

    A forma mais econmica, e talvez a mais conveniente, de aquecer as celas e a rea, seria por tubos em torno delas, com base no princpio dos existentes nos viveiros. Uma necessidade total de por todos os meios produzir calor artificial poderia, em um clima como o que temos, algumas vezes, na Inglaterra, ser fatal s vidas dos prisioneiros; em qualquer hiptese, seria, com freqncia, totalmente incompatvel com seu trabalho em qualquer atividade sedentria. Os tubos, entretanto, e as fornalhas correspondentes, em vez de ficarem no exterior, como nos viveiros, devero ficar no interior. Por esse meio, no haver nenhum desperdcio de calor, e a corrente de ar que correria em todos os lados atravs das celas, para fornecer as chamas feitas pelo fogo, atenderia, at aqui, ao propsito da ventilao. Mas mais sobre isso ser dito no captulo dos Hospitais.2

    CarTa iii

    Extenso para um nico edifcio

    At aqui, as partes caractersticas do princpio de construo. Voc pode agora, talvez, estar curioso para saber em que extenso um edifcio baseado nesse princpio capaz de ser construdo, de forma consistente com os vrios propsitos para os quais ele pode

  • 24

    vir a ser aplicado. Cabe apenas aos arquitetos de profisso falar com confiana sobre esse assunto. Permita-me, entretanto, que arrisque algumas poucas palavras.

    quanto s celas, elas sero, naturalmente, mais espaosas ou menos espaosas, de acordo com o uso que se planeja fazer delas.

    quanto ao edifcio como um todo, se for demasiadamente pe-queno, a circunferncia no ser grande o suficiente para permitir um nmero suficiente de celas; se for demasiadamente grande, a profundidade a partir das janelas exteriores ser demasiadamente grande; e no haver luz suficiente no alojamento.

    quanto a esse edifcio individual de meu irmo, suas dimenses foram determinadas pela considerao das dimenses mais convenientes das madeiras (sendo esse, no caso dele, o material mais barato) e por outras consideraes locais. Ele ter dois andares e o dimetro do edifcio inteiro ser de 100 ps de fora a fora.

    Meramente para ajudar no planejamento, tomarei esse tama-nho como exemplo de um edifcio desse tipo que ele prope para a Inglaterra.

    Tomando o dimetro de 100 ps, isso admite 48 celas, com 6 ps de largura cada no exterior, paredes includas; com uma passagem atravs do edifcio de 8 ou 9 ps.

    Comeo supondo dois andares de celas.

    No andar inferior, a espessura das paredes de 2 ps e meio.

    A partir da, a profundidade livre de cada cela desde a janela at a grade de 13 ps.

    Da, at o final das paredes da partio, mais 3 ps; o que d o comprimento das parties prolongadas.

    Largura da rea intermediria: 14.

    Total desde o exterior do edifcio at o alojamento: 32 ps e meio.

    O dobro disso, 65 ps, deixa 35 ps para o dimetro do alojamento, incluindo a espessura de suas paredes.

    No andar superior, as celas no passaro de 9 ps de profundidade; a diferena entre isso e os 13 ps, que sua profundidade no andar infe-rior, ser tomada por uma galeria que rodeia as parties prolongadas.

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    Essa galeria fornece, no andar superior, o lugar de uma rea interme diria naquele andar; e por meio de degraus, dos quais tratarei em seguida, faz a comunicao entre o andar superior das celas s quais est ligada e o andar inferior das celas, juntamente com a rea intermediria e o alojamento.

    O ponto mais remoto do lugar de onde vem a luz, quero dizer, o ponto cntrico do edifcio e do alojamento, no ter uma distncia maior do que 50 ps daquele lugar; uma distncia que no maior, imagino, do que a que s vezes existe em igrejas, mesmo naquelas que no sejam equipadas, como este edifcio, com janelas em toda parte do permetro exterior. Mas as janelas do inspetor no distaro mais do que 32 ps e meio da luz aberta.

    Ser conveniente, acredito, sob muitos aspectos, e na maior parte dos casos, fazer com que um andar do alojamento sirva para dois andares das celas; especialmente em qualquer situao em que o ter-reno valioso, o nmero de pessoas a serem inspecionadas grande, o espao necessrio para cada pessoa no muito considervel e a frugalidade e a necessidade mais importantes que a aparncia.

    Para esse propsito, o cho do andar inferior do alojamento elevado a cerca de 4 ps e meio do cho do primeiro andar das celas. Por esse meio, o olho do inspetor, quando est de p, estar no nvel, ou um pouco acima, do nvel do cho do acima menciona-do andar superior das celas; e, de qualquer forma, ele controlar tanto aquele quanto o andar inferior das celas sem dificuldade e sem mudana de postura.

    quanto rea intermediria, seu cho fica no nvel no do cho do alojamento, mas no nvel do andar inferior das celas. Mas no andar superior das celas, seu lugar, como j mencionei, fornecido pela acima mencionada galeria; de forma que a altitude desta rea desde o cho at o teto igual de ambos os andares das celas considerados juntos.

    O cho do alojamento, no estando no mesmo nvel de qual-quer dos andares de celas, mas entre ambos, deve ser, em espaa-mentos convenientes, provido de escadas, que descem ao andar inferior das celas pela rea intermediria e sobem para o primeiro andar das celas pela galeria. As escadas ascendentes, ligadas s descendentes,

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    permitem que os empregados da casa possam ir ao andar superior das celas, passando pelo apartamento do inspetor.

    quanto altura do todo e das diversas partes, supe-se que 18 ps possam servir para os dois andares de celas, a serem inspecionadas, como acima, por um andar do alojamento. Este comportar 96 pessoas.

    36 ps para quatro andares de celas, e dois do alojamento: este comportar 192 pessoas.

    54 ps para seis andares de celas, e trs do alojamento: este comportar 288 pessoas.

    E pensa-se que 54 ps no sero uma elevao demasiada.

    Os desenhos que, acredito, acompanharo estas cartas, supem que quatro seja o nmero de andares das celas.

    Voc ver, sob o captulo dos hospitais, as razes pelas quais penso que mesmo uma altura menor do que 9 ps, deduzindo a espessura do andar sustentado pelos arcos, poder ser suficiente para as celas.

    A passagem pode ter, para sua altura, ou a altura de um andar, ou de dois andares de celas, dependendo do nmero delas: se duas ou quatro. A parte sobre a passagem pode, em qualquer dos casos, ser adicionada ao alojamento, ao qual daria, assim, uma comunica-o, em cada extremidade, com o mundo sem portas, e garantiria que um guarda no corresse o risco de acabar prisioneiro entre seus prisioneiros.

    Caso se pudesse pensar que, dessa forma, o alojamento no tivesse luz suficiente, para a convenincia de um homem de uma posio capacitada para o cargo, a deficincia poderia ser fornecida por um espao vazio deixado naquela parte, de baixo a cima. Voc pode cham-la, se quiser, de rea central. Caso se deseje, janelas po-dem ser abertas nesse espao, desde os apartamentos do alojamento. Ela pode ou ficar aberta no topo, ou coberta com um teto solar. Mas esse expediente, embora possa constituir um acrscimo, sob certos aspectos, convenincia do alojamento, no deveria aumentar, consideravelmente, a quantidade e o custo do edifcio.

    Por outro lado, ajudaria na ventilao. Aqui, tambm, seria um lugar apropriado para a capela: os prisioneiros permanecendo em suas

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    celas, e as janelas do alojamento, que quase todo feito de janelas, sendo completamente abertas. Como as vantagens que derivam disso, em questo de luz e ventilao dependem de se conservar a capela desocupada, ela no pode nunca ser destinada a qualquer uso profano. Ela pode, portanto, com grande propriedade, ser destinada ao servio divino e receber uma consagrao regular. O plpito e a placa acstica podem ser mveis. Durante o perodo de servio, o teto solar, em todas as outras ocasies mantido to aberto quanto possvel, deve ser fechado.

    CarTa iV

    O princpio estendido a reas descobertas

    Em minhas duas ltimas cartas, eu lhe dei as idias na medida em que estava em meu poder d-las a voc por palavras deste novo plano de construo, considerado em sua forma mais simples. Umas poucas palavras mais a respeito de quais extenses adicionais ele pode admitir.

    O nmero mximo de pessoas que pode ser acomodado em um nico edifcio desse tipo deve ser consistente com os propsitos de cada uma das diversas instituies; certo que, para aumentar o nmero dessas pessoas, o nmero de edifcios deve ser, natural-mente, tambm aumentado. Suponha o requisito de duas dessas rotundas: essas duas poderiam, por uma galeria coberta, construda de acordo com os mesmos princpios, ser consolidada em uma casa de inspeo. E pela ajuda de uma galeria coberta desse tipo, o campo de inspeo pode ser dilatado em qualquer medida.

    Se o nmero de rotundas fosse estendido a quatro, uma rea descoberta regular poderia, dessa forma, ser fechada; e sendo rode-ada por galerias cobertas, seria controlada, dessa forma, de todos os lados, em vez de ser controlada apenas de um.

    A rea assim fechada poderia ser ou circular, como os edifcios, ou quadrada, ou oblonga, dependendo de qual dessas formas fosse melhor adaptada s idias prevalecentes de beleza ou convenincia local. Uma cadeia de qualquer comprimento, composta de casas de

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    inspeo adaptadas ao mesmo ou diferentes propsitos, poderia ser, dessa forma, construda em torno de uma rea de qualquer extenso.

    Nesse plano, ou um inspetor poderia servir para duas ou mais rotundas ou, se houvesse um para cada uma, a fora inspecional, se posso usar tal expresso, seria maior num edifcio composto desse tipo, do que em qualquer deles considerado isoladamente, uma vez que cada inspetor poderia, ocasionalmente, ser substitudo por qualquer um outro.

    Na rea descoberta, assim colocada sob o campo de inspeo, utilizaes feitas fora, ou quaisquer atividades que exijam um espao coberto maior do que aquele que a forma geral de construo possa permitir, podem ser conduzidas de acordo com o mesmo princpio. Um jardim-cozinha pode, ento, ser cultivado para o uso de toda a sociedade, por uns poucos membros de cada vez, para os quais tal oportunidade de ter um arejamento e de se exercitar representaria um alvio e uma gratificao.

    Muitos escritores tm dissertado, com grande fora e justi-a, sobre o carter impopular e pouco edificante daquele tipo de disciplinamento que, em termos de situao e tratamento, pouco discrimina, confundindo a sorte daqueles que podem provar sua inocncia com a daqueles que foram provados culpados. O mesmo teto, tem-se dito, no deve encerrar pessoas que esto em situaes to dessemelhantes. Em uma combinao de casas de inspeo, essa diferenciao deve ser observada, sem qualquer diminuio daquela vigilncia que diz respeito a uma custdia segura, a qual, em ambos os casos igualmente indispensvel.

    CarTa V

    Pontos essenciais do plano

    Poder ser de utilidade, entre todas as particularidades que voc viu, que se compreenda claramente quais circunstncias so e quais no so essenciais ao plano. Sua essncia consiste, pois, na centralidade da situao do inspetor, combinada com os dispositivos mais bem conhecidos e eficazes para ver sem ser visto. quanto forma

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    geral do edifcio, a mais apropriada, para a maioria dos propsitos, parece ser a circular, mas esta no uma circunstncia absolutamente essencial. De todas as figuras, esta , entretanto, a nica que permite uma viso perfeita, e a mesma viso, de um nmero indefinido de apartamentos das mesmas dimenses; que permite um ponto desde o qual, sem qualquer mudana de posio, um homem pode es-crutinar, com a mesma perfeio, o nmero total de apartamentos e, com no mais do que uma mudana de postura, a metade do nmero total ao mesmo tempo aquele nmero que, dentro de determinados limites, contm a maior quantidade de quartos; que coloca o centro menor distncia possvel da luz; que d s celas naquela parte na qual, por causa da luz, possa se desejar, para os propsitos do trabalho, o mximo de luz a maior largura possvel; e que reduz ao mnimo possvel o caminho tomado pelo inspetor, ao passar de cada parte do campo de inspeo a qualquer outra.

    Voc ficar satisfeito em observar que, embora o ponto mais importante seja, talvez, o de que as pessoas a serem inspecionadas devam sempre sentir-se como se estivessem sob inspeo ou, pelo menos, como tendo uma grande possibilidade de estarem sob ins-peo, essa no , de forma alguma, a nica possibilidade. Se fosse, a mesma vantagem poderia ser atribuda a edifcios de praticamente qualquer forma. O que tambm de importncia que, para a mxima proporo de tempo possvel, cada homem deve realmente estar sob inspeo. importante, em todos os casos, que o inspetor possa ter a satisfao de saber que a disciplina realmente tenha o efeito para o qual planejada: e mais particularmente importante naqueles casos em que o inspetor, alm de ver que eles se confor-mam s regras em vigor, tem que lhes fornecer aquelas instrues transientes e incidentais que so necessrias no incio de qualquer tipo de atividade. E penso que no necessria muita argumentao para provar que a atividade de inspeo, como qualquer outra, ser exercida a um grau maior de perfeio na medida em que menores forem os problemas causados por seu exerccio.

    No apenas isso, mas quanto maior for a probabilidade de que uma determinada pessoa, em um determinado momento, esteja re-almente sob inspeo, mais forte ser a persuaso mais intenso, se

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    assim posso dizer, o sentimento que ele tem de estar sendo inspecio-nado. Apesar da pouca disposio, de todas as formas, que a maior parte das pessoas assim situadas possa ter para ficar imaginando coisas, dificilmente poder se evitar que alguma forma tosca de imaginao possa, sob essas circunstncias, se insinuar na mais rude das mentes. A experincia, infligida inicialmente aps transgresses leves, e assim por diante, em proporo ao sucesso, aps transgresses cada vez maiores, no deixar de lhe ensinar a diferena entre uma inspeo frouxa e uma inspeo rigorosa.

    por essas razes que no posso ver qualquer outra forma que no seja a circular como uma possvel opo.

    Um ponto muito importante que seja concedido um espao ao alojamento que permita adapt-lo ao propsito de uma habitao completa e constante para o inspetor principal ou guarda-mor e sua famlia. quanto mais numerosa a famlia, tanto melhor, uma vez que, por esse meio, haver, na verdade, tantos inspetores quantos forem as pessoas da famlia, embora apenas uma seja paga por isso. Para que elas se entreguem a essa atividade de vigilncia, nem sequer ser necessrio que o inspetor lhes d qualquer ordem particular nesse sentido. Segregadas s vezes por sua situao, de qualquer outro objeto, elas daro a seus olhos, naturalmente, e de uma forma inevitvel, uma direo que se conformar quele propsito, em qualquer intervalo momentneo de suas ocupaes cotidianas. Essa atividade tomar, em seu caso, o lugar daquela gran-de e constante ocasio de distrao do sedentrio e do desocupado em pequenas cidades o ficar olhando pela janela. A cena, mesmo que em situao confinada, ser bastante variada e, por isso, talvez, no totalmente sem atrativos.

    CarTa Vi

    Vantagens do plano

    Regozijo-me com o fato de que h, agora, pouca dvida de que o plano possui as vantagens fundamentais que venho atribuindo a ele: quero dizer, a aparente onipresena do inspetor (se os telogos

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    me permitirem a expresso), combinada com a extrema facilidade de sua real presena.

    Uma vantagem colateral que ele possui e por causa de sua economia trata-se de uma vantagem muito importante aquela que diz respeito ao nmero de inspetores exigidos. Se este plano exigisse mais do que um outro, o nmero adicional constituiria uma objeo, a qual, se a diferena fosse de um grau considervel, poderia chegar a um ponto to alto que seria conclusiva. Entretan-to, longe disso, um nmero maior do que jamais foi alojado em uma nica casa pode ser inspecionado por uma nica pessoa, pois h uma diminuio do trabalho de inspeo sem que seu rigor seja diminudo.

    Outra vantagem importante, quaisquer que sejam os propsitos aos quais o plano possa ser aplicado, particularmente onde ele aplicado aos propsitos mais severos e coercivos, que os subguar-das ou subinspetores, os empregados ou subordinados de qualquer tipo, estaro sob o mesmo e irresistvel controle do guarda-mor ou inspetor-mor, da mesma forma que os prisioneiros ou outras pessoas a serem governadas. Nos planos comuns, que meios, que possibilida-des tem o prisioneiro de apelar humanidade do diretor para tomar medidas contra a negligncia ou opresso de subordinados naquela rgida esfera a no ser as poucas oportunidades ou, como muitos guardas julgam apropriado, simplesmente nenhuma que, em uma priso superlotada, o guarda mais consciencioso pode permitir-se? quo diferente seria sua sorte no presente plano!

    Em nenhum caso poderiam seus subordinados exercer ou deixar de exercer seu dever, mas ele deve saber a hora e o grau e a maneira de faz-lo. Isso d uma resposta, e uma resposta satisfatria, a uma das questes polticas mais intrigantes quis custodiet ipsos custodes [quem guarda os prprios guardas]? E, na medida em que o cumprimento de seu dever se tornaria to mais fcil do que jamais foi at agora, da mesma forma qualquer desvio poderia e deveria ser punido com a severidade mais inflexvel. essa circunstncia que torna este plano to benfico para aquilo que chamado de liberdade quanto ele o para a necessria coero; to poderoso como um controle sobre o poder subordinado quanto como uma

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    preveno da delinqncia; to eficiente como uma proteo inocncia quanto como um castigo para o culpado.

    Outra vantagem, ainda atendendo aos mesmos fins, a grande carga de problemas e desgostos que tira dos ombros daqueles ocasio-nais inspetores de uma posio superior, tais como juzes e outros magistrados, os quais, tendo sido convocados para essa insignificante tarefa desde os escales superiores da vida, s podem sentir uma repugnncia equivalente quanto ao seu cumprimento. Compare o que ocorre com eles nos presentes planos com o que ocorre mesmo nos melhores planos at agora concebidos! As celas, no importa como sejam construdas, devem se houver novecentas delas (como haveria no plano da casa penitenciria) ser abertas aos visitantes, uma a uma. Para realizar qualquer de suas tarefas, eles devem chegar perto de cada habitante e quase entrar em con-tato com ele. Por isso, se a situao desses habitantes for vigiada de acordo com os frouxos mtodos de inspeo presentemente praticados, ser necessria, por parte desses superintendentes oca-sionais, uma investigao muito minuciosa e trabalhosa. Por este novo plano, essa desvantagem inteiramente evitada e o incmodo de entrar num quarto como esse no maior do que o incmodo de entrar em qualquer outro quarto.

    Se Newgate3 estivesse funcionando de acordo com este plano, Mr. Akerman no gastaria mais do uma visita de 15 minutos para inspecion-la em sua totalidade.

    Entre as outras causas daquela relutncia, nenhuma , no presente, to imperiosa, nenhuma to desafortunadamente funda-mentada, nenhuma tal que permita uma desculpa to natural nem uma razo to forte contra a aceitao de qualquer desculpa quanto o perigo de infeco uma circunstncia que acarreta a morte em uma de suas mais tremendas formas, desde a posio do culpado at a posio da justia, envolvendo em uma catstrofe comum o violador e o guardio das leis. Mas em um lugar assim construdo, e com tal disciplina, como surgiria a infeco? Ou como ela persistiria? Contra qualquer perigo desse tipo, qual casa privada pobre ou, quase poderamos dizer, mesmo a mais opulenta que pode estar igualmente segura?

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    Neste plano, o carter desagradvel da tarefa do superintendente no diminui na mesma proporo em que aumenta sua eficcia. Em todos os outros planos, se ocorrer que a visita do superintendente seja alguma vez inesperada, e seus movimentos demasiadamente rpidos, haver sempre um tempo para preparaes que escondam o estado real das coisas. Das novecentas celas, ele no poderia visitar mais do que uma de cada vez e, nesse meio tempo, as piores das outras poderiam ser arranjadas, seus habitantes ameaados e instrudos sobre como receb-lo. No presente plano, assim que o superintendente anunciado, toda a cena abre-se instantaneamente sua viso.

    Ao mencionar inspetores e superintendentes que o so por ofcio, no devo esquecer aquele sistema de inspeo que, embora pouco considerado, no menos til e eficaz: refiro-me parte que os indivduos podem estar dispostos a assumir na tarefa, sem querer, talvez, ou mesmo sem pensar em quaisquer outros efeitos de suas visitas que no o da gratificao de sua prpria e particular curiosidade. Aquilo que a famlia do inspetor ou do guarda para ele, aquilo, e mais, esses visitantes espontneos sero para o supe-rintendente: assistentes, substitutos, na medida em que ele seja fiel; testemunhas e juzes, caso ele seja alguma vez infiel sua confiana. Conquanto eles estejam l, saber quais os motivos que os levaram at l completamente irrelevante: no importa se foi o alvio de suas ansiedades pela viso de seus respectivos amigos e parentes assim detidos em confinamento ou se foi meramente a vontade de satisfazer aquela curiosidade geral que um estabelecimento, por causas variadas, to interessantes aos sentimentos humanos, pode naturalmente esperar estimular.

    Voc v, dou por contado, como uma questo resolvida, que sob os regulamentos necessrios para impedir a interrupo e a perturbao, as portas desses estabelecimentos sero tal como sem razes muito especiais em contrrio as portas de todos os estabelecimentos pblicos deveriam ser: completamente abertas ao corpo do curioso em geral o grande e aberto comit do tribunal do mundo. E quem jamais objetar a essa abertura ao pblico, onde ela for praticvel, se no aqueles cujos motivos para objeo permitem as mais fortes razes para ela?

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    CarTa Vii

    Casas penitencirias custdia segura

    Detalhando o plano, tomarei agora a liberdade de oferecer umas poucas e separadas consideraes, aplicveis aos diferentes propsitos para os quais ele parece capaz de ser aplicvel.

    Uma casa penitenciria mais particularmente (desculpe, devo me corrigir e dizer: deveria ser) o que toda priso poderia e, em algum grau, ao menos deveria ser: planejada ao mesmo tempo como um local de custdia segura e como um local de trabalho. Todos esses locais devem necessariamente ser, quer seja planejado ou no, um hospital um local onde, no mnimo, haver pessoas doentes, mesmo que no se ofeream meios para seu alvio. Considerarei este plano em sua aplicao a esses trs diferentes propsitos.

    Contra fugas e, em particular, tanto antes quanto depois da sentena, as tentativas de fuga por parte de indivduos de toda sorte, que, por causa da desesperana de sua situao, so mais particularmente detectadas ele permitir um grau de segurana que, talvez, tenha sido, at aqui, raramente obtido em concepo e muito menos na prtica. Dominar o guarda requer uma unio de mos e um concerto entre mentes. Mas que unio, ou que concerto, pode haver entre pessoas, nenhuma das quais ter posto os olhos em quaisquer das outras desde o primeiro momento de sua entra-da? Derrubar paredes e forar barras de ferro exige, em geral, um concerto entre as pessoas envolvidas, alm de um espao de tempo livre de interrupes. Mas quem pensar em comear um trabalho de horas e dias, sem qualquer possibilidade tolervel de fazer um nico movimento nessa direo sem ser observado? Essas tentativas tm raramente sido feitas sem a ajuda de instrumentos introduzidos por cmplices de fora. Mas quem se exporia at mesmo mais leve das penas, ou at mesmo mortificao do desa pontamento, sem uma chance mnima de escapar da deteco instantnea? quem pensaria em trazer, diante do rosto do guarda, at mesmo uma pequena lima ou um tubo de aqua fortis, para uma pessoa no preparada para re-ceber quaisquer dessas coisas, nem em condio de fazer uso delas?4 Em todos os planos at agora tentados, as mais espessas paredes tm

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    sido ocasionalmente ineficazes: neste plano, a mais fina parede ser suficiente uma circunstncia que dever funcionar, em um grau impressionante, para uma diminuio dos custos.

    Nesta, como em qualquer outra aplicao do plano, voc ver que sua tendncia benevolente to evidente quanto sua tendncia coer-civa, a tal ponto que se voc for perguntado sobre quem teria a maior razo para querer sua adoo, voc se veria em dificuldades para decidir se os prprios malfeitores ou aquelas pessoas que esto fora da priso.

    Deste ponto de vista, estou certo de que voc no pode deixar de ver o efeito que ele ter em tornar desnecessria aquela inexau-rvel fonte muitas vezes desnecessria e sempre impopular de desproporcional severidade, para no dizer tortura, representada pelo uso de ferros. Confinado em uma dessas celas, com qualquer movimento dos membros e todo msculo da face expostos viso, que motivo haveria para expor a essa severidade o mais violento malfeitor? Gratificado com uma perfeita liberdade no espao que lhe foi concedido, de que pior forma poderia ele expressar sua raiva do que batendo sua cabea contra as paredes? E quem, a no ser ele mesmo, sofreria com essa tolice? O rudo, a nica falta por meio da qual um homem assim determinado poderia causar problemas para si prprio (uma falta, alis, contra a qual os prprios ferros no propi ciariam nenhuma segurana), poderia, caso fosse considerado incorrigvel por outro meio, ser controlado pelo amordaamento um modo extremamente natural e eficaz de preveno, bem como de punio, e cuja possibilidade j seria provavelmente suficiente para tornar sua aplicao desnecessria. A punio, mesmo em suas formas mais repulsivas, perde seu carter odioso quando existe a certeza de que ela ser aplicada: quando sabe que ela certa, nem mesmo o mais duro facnora vai querer se expor possibilidade de sua aplicao. Se um exemplo for necessrio, pense no meio utili-zado pela to admirada lei da Inglaterra, em um de seus ramos mais admirveis meio que funciona no com os criminosos, mas com a classe dos juzes. qual esse meio, se no a morte? E no a morte comum, mas a morte como o resultado necessrio, mas lento, de uma longa tortura. E, contudo, que reprovao mereceu essa lei? quando foi ela, alguma vez, acusada de crueldade?

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    CarTa Viii

    Usos casas penitencirias reforma

    Na minha ltima carta, esforcei-me por lhe mostrar, no plano do edifcio proposto, as vantagens prometidas por uma construo desse tipo quando aplicada a lugares de confinamento e considerada apenas desse ponto de vista. Conceda-me permisso, agora, para consider-la como aplicvel aos propsitos conjuntos da punio, da reforma e da economia pecuniria.

    No que respeita s pessoas da categoria daquelas s quais as punies da natureza em questo so destinadas, um fato pouco contestado o de que a solido , em sua natureza, conveniente ao propsito da reforma, assim como o sua tendncia a atuar em acrscimo quantidade de sofrimento. Mas que, neste plano, aquele propsito ser realizado, ao menos to completamente quanto em qualquer outro, voc no pode perceber primeira vista. Na con-dio de nossos prisioneiros (pois assim devo cham-los por questes de brevidade), voc pode ver o paradoxo do estudante, nunquam minus solus quam cum solus [nunca menos s do que quando est s], realizado de uma nova forma: para o guarda, uma variedade, embora no uma multido; para eles prprios, eles so indivduos solitrios e segregados.

    Ainda mais: voc ver este propsito atendido mais comple-tamente por este plano do que possivelmente por qualquer outro. No necessrio considerar a que grau de solido foi proposto que eles fossem reduzidos nas casas penitencirias dos outros planos. Nesses planos em edifcios de qualquer forma , suas normas expressas julgavam que se poderia dispensar a lei da solido cada vez que os prisioneiros fossem receber os benefcios da freqn-cia aos servios religiosos. Mas nas casas penitencirias circulares de meu irmo, eles podem receber esses benefcios, em qualquer circunstncia, sem se mexer de suas celas. Nenhuma aglomerao, nenhum acotovelamento, no caminho entre o local de trabalho e o local destinado devoo; nenhuma briga, nenhuma conspira-o, nenhuma trama de fuga; nem, tampouco, qualquer chicote ou cadeia para impedi-las.

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    CarTa iX

    Casas penitencirias economia contrato plano

    Chego agora ao artigo da economia pecuniria. Na medida em que essa a grande dificuldade com a qual esbarrou o plano peni-tencirio original, tal como eu o compreendo, no posso resistir tentao de fornecer algumas sugestes relativamente forma de administrao que eu considero como a mais conveniente desse ponto de vista. Essa forma no poderia, entretanto, como voc ver, ter sido funda mentada, com a mesma vantagem, em qualquer outro princpio que no o da inspeo tal como formulado por meu irmo.

    Para ir imediatamente ao ponto, eu faria tudo por contrato. Eu faria uma cesso dos lucros, dos no-lucros ou, se quiser, das perdas, quele que, sendo em outros aspectos pouco excepcional, oferecesse as melhores condies. Considerando-se o tipo de pessoas a serem submetidas sua administrao e sob essas circunstncias, assumir um empreendimento novo com sucesso, com todas as suas implicaes, pode ser comparado a uma inveno, merecendo ser recompensado exatamente da mesma forma que o sucesso em outras invenes: pelo lucro que um monoplio, assegurado pela patente, permite a um homem, em proporo ao sucesso que constitui seu mrito. Ele dever auferir esse lucro quando houver bom comportamento; o que, voc sabe, equivale a dizer que, a menos que haja casos especficos de mal comportamento, suficientemente flagrantes para tornar sua demisso necessria e desde que possam, de forma legal, ser-lhe atribudos, ele deve ter o contrato por toda sua vida. Alm disso, estando assim assegurado, ele pode permitir-se oferecer o melhor preo pelo contrato. Voc ver a seguir outros importantes fatores que contrabalanaro a aparente falta de economia em conceder-lhe um contrato que pode mostrar-se demasiado longo. Sob outros aspectos, os termos do contrato devem, naturalmente, depender da proporo de capital que o contrato lhe permitiu utilizar. Supondo que o adiantamento equivalha a todo o capital do empreendimento, ele deve, naturalmente, ou pagar algo por seu contrato ou contentar-se com uma parte do lucro bruto, em vez do total, a menos que se deduza desse lucro um juro sobre o capital que lhe foi assim adiantado.

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    Neste caso, ningum, suponho, relutaria em conceder-lhe o lucro lquido total calculado aps essa deduo, mesmo que a taxa de juro estivesse muito abaixo da taxa de juros costumeira: a diferena entre essa taxa de juros reduzida e a costumeira constituiria o total do custo pago pelo pblico. Suponha, para dar um exemplo ao acaso, que esse custo chegasse a 6.000, 8.000 ou 10.000 libras ao ano, para os 300 convictos que, calculou-se, seria o nmero fixo a ser mantido na Inglaterra.5 Posso imaginar que no se relutaria em conceder-lhe mesmo uma soma alta como esta. Imagino que uma excurso a Botany Bay,6 da qual sou um apreciador, seria muito mais cara. No que me parea que a nao deveria ser agravada com um custo como este a longo prazo ou, na verdade, a qualquer prazo. Mas direi mais sobre isso adiante.

    Em seguida, eu daria a meu contratador todos os poderes que seu interesse poderia faz-lo desejar, a fim de possibilitar que ele possa tirar o mximo proveito de sua negociao, com apenas algumas leves reservas, que mencionarei depois; pois voc ver que elas so bastante leves e que podem se mostrar necessrias ou mesmo teis, tendo em vista a preveno de abusos.

    Mas quanto maior liberdade ele tiver em tomar tais medidas, menos ele relutar em deixar saber quais so as medidas que ele re-almente toma, sabendo, ao mesmo tempo, que nenhuma vantagem poder ser tirada desse conhecimento, como, por exemplo, demi-tindo-o no caso de seu sucesso e colocando um outro para colher os frutos de seu empreendimento. Eu exigiria, pois, que ele revelasse, e at mesmo imprimisse e publicasse seus relatrios todo o processo e os detalhes de sua administrao, a histria toda da priso. quer dizer, eu exigiria que ele, sob pena de perda do contrato ou outra punio adequada, publicasse esses relatrios e isso sob juramento. No tenho dvidas de que ele publicar alguns relatrios, porque, se o tempo passar e alguns relatrios no forem publicados um fato facilmente comprovvel , a punio naturalmente ocorrer. Tambm no tenho dvidas de que os relatrios, quando publi-cados, sero verdadeiros; porque, tendo o poder para fazer qualquer coisa que lhe seja vantajosa, no h nada que seja de seu interesse esconder; dada a punio por perjrio, evidente seu interesse em

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    nada esconder, ainda mais na medida em que posso examin-lo e reexamin-lo viva voce, sob juramento, a qualquer momento.

    para afastar, tanto quanto possvel, qualquer motivo de inte-resse pecunirio que poderia lev-lo a qualquer tipo de ocultao ou de reserva a respeito de quaisquer de seus expedientes para aumentar seus lucros que eu lhe confiaria os prisioneiros por toda a vida.

    A partir da informao assim dele extrada, eu deduzo a se-guinte vantagem: no caso de seu fracasso, eu vejo suas causas, e no somente eu, mas todas as pessoas que quiserem podem v-las; e entre os restantes, tambm as vero aqueles que, no caso em que tomarem a administrao de suas mos, tiverem um interesse em serem familiarizados com essas causas a fim de preveni-las ou evit-las. Mais do que isso: se seu fracasso for devido sua incapacidade, e se essa incapacidade for tal que, se continuada, possa aumentar minhas despesas acima do previsto, eu posso fazer com que ele pare a tempo uma medida em relao qual ele pode ter to pouca objeo quanto eu prprio; pois uma das vantagens deste plano que, seja l qual erro ocorrer, ele deve ter mais do que consumido todos os lucros dele antes de chegar aos meus.

    Se ele tiver xito, tambm poderei perceber suas causas; e todo mundo as perceber, assim como as percebero, entre outras, todas as pessoas que poderiam pretender estar numa situao similar dele, e que, neste caso, prometeriam a si prprias, no evento de estarem nessa situao, um xito igual ao dele ou at superior, pois esta a presuno e a vaidade natural do homem.

    Sem essa publicao, com quem eu poderia contar, alm dele? Certamente, em comparao, no mais do que com uns poucos; no mais do que com os que eu tinha no incio, em termos naturalmente desvantajosos, como no incio, pois termos desvantajosos, inicialmente, enquanto tudo est na escurido, eles certamente o sero.

    Depois dessa publicao, com quem eu contarei, ento? Eu contarei com todo mundo; todo mundo que, por sorte, experi-ncia, julgamento, disposio, deve conceber-se como capaz, e encontrar-se inclinado a envolver-se num negcio como este; e cada pessoa, vendo que vantagem resultou, e como, estaria disposta

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    a fazer uma oferta proporcional. que situao seria mais favorvel para se conseguir os melhores termos?

    Esses melhores termos, pois, eu conseguiria, por ocasio de sua morte, at mesmo pelo estabelecimento que era dele por contrato; mas bem antes disso, se eu tiver outros candidatos disposio, posso conseguir, igualmente, bons termos para todos os outros estabeleci-mentos. Assim, eu fao da sua a minha vantagem, no apenas depois que deixou de ser sua, mas quase to logo comea a s-lo. Fico, assim, com seu xito em tudo o mais, pagando apenas pelo xito em uma nica coisa e no mais do que o que for necessrio pagar.

    Mas contratadores, voc dir, talvez, ou ao menos se voc no disser, haver muitos que diro, so um conjunto de pessoas que no prestam; e por que deveramos ser explorados por eles? Um deles co-meteu perjrio h no muito tempo, e ns o pusemos no pelourinho. Eles so o mesmo tipo de gente que so chamados de camponeses-gerais na Frana, e publicanos no Evangelho, onde eles so classificados junto dos pecadores; e ningum gosta deles em parte alguma.

    Tudo isso , com certeza, muito verdadeiro. Mas se voc pe um deles no pelourinho, voc pe outro no correio; e se na devotada cidade cinco homens direitos salvaram todo o bando da maldio exigida pelas atrocidades de noventa e cinco homens maus, por que no deveriam os mritos de um Palmer ser suficientes para com-pensar os demritos de vinte Atkinson? Os cavalheiros, em geral, gostam de um raciocnio rigoroso, e aqui eles o tm. Pode parecer que eu estaria fugindo do assunto se eu arriscasse acrescentar que os cavalheiros que esto no comrcio do milho, ou em qualquer outro comrcio, no tm, em geral, tantas testemunhas de suas negociaes quantas as que o meu contratador teria da administrao da sua casa.

    CarTa X

    A escolha dos ofcios deveria ser livre

    Em minha ltima carta, eu o incomodei com minhas opinies sobre a durao do primeiro contrato, bem como sobre o grande tema da transparncia pblica na administrao, que meu motivo

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    para admitir durao to ilimitada. Mas bem antes que meu contra-tador e eu tivssemos chegado a qualquer acordo sobre esses pontos, ele teria encontrado vrias questes para me propor. Uma coisa que ele no deixaria de me dizer : em que ofcios ponho os meus homens quando os tiver?. Minha resposta imediata: quaisquer que voc puder persuadi-los a abraar. Agora, ento, senhor, vamos pensar por um momento, se me permite, em que ofcios seria a ele mais vantajoso coloc-los, e em que ofcios, portanto, ele deveria, com mais probabilidade, estar disposto a coloc-los.

    Para que ele possa examin-los melhor, eu os coloco em quatro categorias. Na primeira, coloco aqueles que j possuem algum ofcio capaz de ser exercido com vantagem na priso; na segunda, aqueles treinados em ofcios que, embora no sejam capazes em si mesmos de serem exercidos dentro de um espao to limitado, tornam mais fcil, contudo, pela similaridade de sua operao, a aprendizagem de ofcios que podem a ser exercidos; na terceira categoria, eu colocaria aqueles que foram de fato treinados em algum ofcio, mas em ramos que no cabem nos que acabei de mencionar, tais como, por exemplo, carregadores em geral, transportadores de carvo, jardineiros e agricultores. Na ltima, eu colocaria homens regularmente treinados na profisso do roubo e outros que nunca foram treinados em qualquer tipo de ocupao. Posso tentar, ou no, encontrar alguns nomes para essas diferentes categorias; pois eles devem ter algum nome quando entrarem em sua morada; e se eu mesmo no realizar essa tarefa, algum dever faz-lo para mim. Eu os chamarei de trabalhadores bons; trabalhadores capazes; trabalhadores promissores; e inteis. quanto aos trabalhadores capazes, eles sero, naturalmente, mais teis quanto mais os ofcios que eles dominarem se aproximarem daqueles dos trabalhadores bons; em outras palavras, o menos difcil ser ensinar aos ltimos o ofcio dos primeiros. A mesma observao aplica-se, naturalmente, aos trabalhadores promissores, na medida em que a vantagem que uns possuem por hbito os outros parecem possuir por disposio. No vou tentar faz-lo entrar em ainda mais detalhes.

    Vocs tm, na Inglaterra, uma lei bem curiosa uma lei que pretende enriquecer o pas mantendo os rapazes atrasados e impedindo

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    que os homens sigam os ofcios em que poderiam ter xito. Se eu tivesse receio de que a Rssia se tornasse demasiadamente rica e se tornasse capaz de comprar uma quantidade demasiadamente grande de nossos bens, eu tentaria fazer com que uma lei como essa fosse introduzida aqui, entre essa gente estpida, a qual no teve, at agora, a idia de pensar qualquer coisa parecida com isso. No tendo esse tipo de sentimento relativamente a qualquer pas e muito me-nos relativamente minha prpria Utopia, eu imploraria para que essa lei fosse banida do interior de minhas fronteiras. Imagino que o meu contratador estar igualmente satisfeito com a sorte que lhe toca. Na medida em que a mesma indulgncia tem sido concedida a outras pessoas de cuja ocupao no se parece ter nenhuma gran-de inveja, tais como soldados e marinheiros, no tenho qualquer temor de que essa indulgncia me ser negada. No se extrai muito trabalho, dessa forma, acredito, de soldados e marinheiros; e menos ainda, acredito, seria extrado de meus heris.

    Removidas essas dificuldades, a primeira coisa que, eu ima-gino, meu contratador faria seria pr a trabalhar seus trabalhadores bons, aos quais ele acrescentaria tantos de seus trabalhadores capazes quantos ele fosse capaz de arregimentar.

    Com seus trabalhadores promissores e seus inteis, ele estabele-ceria uma manufatura. O que seria, ento, essa manufatura? Pode ser isto, ou aquilo ou aquilo outro, diz a Lei do Trabalho Forado; pode ser qualquer coisa ou todas as coisas, digo eu.

    quanto questo que tipo de manufatura ou manufatureiro teria mais probabilidade de dar a melhor resposta?, uma discusso qual no o conduzirei, pois no proponho, no momento, entret-lo com um exame crtico das vrias possveis e reais manufaturas, esta-belecidas e estabelecveis na Gr-Bretanha. Ocorrer, eu imagino, que algum manufatureiro ou outro ser o homem que eu devo ter como meu contratador um homem o qual, estando envolvido em algum tipo de negcio que tenha sido fcil de aprender e indo bastante bem com tantos trabalhadores quantos ele tenha sido capaz de conseguir sob condies ordinrias, pode ir melhor ainda com um nmero maior, os quais ele pode conseguir sob condies muito melhores. Entretanto, dizer-lhe se existem manufatureiros desse

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    tipo, e quantos, o que no posso exatamente fazer, especialmente a essa distncia; mas, se voc pensa que vale a pena perguntar ao Mr. Daily Advertiser ou ao Mr. St. James Chronicle,7 imagino que no demorar muito para que voc tenha alguma resposta.

    Em minha Anlise do Projeto de Lei do Trabalho Forado, arrisquei-me a sugerir que os trabalhadores bons fossem colocados em seus pr-prios ofcios. No me lembro se foi feito qualquer uso dessa sugesto ou, se o foi, qual foi esse uso; pois nem a lei que foi aprovada poste-riormente, nem qualquer captulo daquela histria me acompanhou na minha viagem a Crecheff; nem tampouco tive sequer um simples pedao de papel para refrescar minha memria sobre aquela questo, a no ser a cpia de meu prprio panfleto que encontrei na estante de meu irmo. A idia geral, parecia-me, era a de que as pessoas de-veriam trabalhar como punio e que os trabalhos a lhes serem dados deveriam ser, de alguma forma, aqueles dos quais elas no gostam. A esse respeito, parece-me que a considerao da punio, juntamente com a da reforma, deixou a outra, a da economia, um pouco para trs. Mas no vejo nem grande perigo nem grande dano no fato de um homem gostar tanto de seu trabalho. E embora ele preferisse faz-lo em outro lugar e no na priso, o fato de que ele goste de faz-lo nessa ltima no algo indesejvel. Pressupondo que no exista nenhuma sbia lei feita por qualquer corpo legislativo que os obrigue a fazer este ou aquele tipo de trabalho, o trabalho para o qual eles natural-mente estariam destinados sob a superviso de um contratador seria aquele que, no importa qual, houvesse mais dinheiro a ser ganho; pois quanto mais o prisioneiro-trabalhador ganhar, mais o capataz poder extrair dele; de modo que, tendo isso em vista, no tenho qualquer dvida de que eles iro concordar. Tampouco vejo por que o trabalho seria mais reformador quanto menos fosse lucrativo. Pelo contrrio, entre os trabalhadores, especialmente entre trabalhadores para os quais a disciplina da casa os conservaria, de forma eficaz, longe de todo tipo de mau comportamento, devo confessar no conhecer nenhum outro teste de reforma to simples ou to seguro quanto a maior quantidade e o maior valor de seu trabalho.

    Parece, entretanto, que os autores da lei acima no tinham tanta f nesse arranjo quanto a que eu devo confessar ter. Pois a

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    escolha do ofcio no deveria ser deixada para o governador da priso, muito menos para o prisioneiro-trabalhador, mas deveria ser de responsabilidade dos comits superintendentes da justia e da paz. Ao escolher entre os empregos exemplificados, e outros similares (pois, se no estou enganado, acrescentou-se essa restrio da simila-ridade), foi, de fato, recomendado que esses magistrados adotassem aqueles empregos que mais conduzissem ao lucro. Mas o lucro que aqui se declarava ter em vista no era o lucro do trabalhador ou de seu capataz, o governador, mas um misterioso lucro do distrito, cuja convenincia (embora eu no saiba que outra convenincia possa existir alm da do lucro) foi outro elemento importante colo-cado sob seu controle. Se voc examinar os ofcios exemplificados (o que devo pedir-lhe para fazer agora), voc encontrar alguma dificuldade, acredito, em conceber que na escolha deles a questo do lucro deveria merecer a maior de todas as consideraes. Isto , tampouco, tudo; pois, alm de conceder, primeiramente, aos co-mits de justia, o privilgio da escolha dos empregos, os mesmos magistrados so convocados a exercer seu julgamento e engenho-sidade na diviso dos prisioneiros e das categorias; desse modo, quanto mais um homem permanecer na casa menos severo ser seu trabalho, com exceo dos casos de delinqncia, em cujo caso um homem pode ser, a qualquer tempo, rebaixado de uma categoria superior para uma inferior. Mas se a questo fosse deixada para o contratador e seus prisioneiros-trabalhadores, pode-se ter bastante certeza de que eles escolheriam e se apegariam quilo que mais poderia levar ao seu lucro e, por esse meio, ao lucro do distrito; e isso sem qualquer recomendao. A questo de saber se o efeito dessa recomendao teria sido igualmente certo se estivesse sob a alada dos referidos magistrados tem que ser decidida pela expe-rincia. Compreendendo que estou falando simplesmente de um magistrado de forma abstrata, voc me perdoar que eu diga que neste momento preciso no tenho uma confiana assim to grande no conjunto de senhores dessa casta quanto a que tenho naquela espcie de gente chamada de contratador. No vejo qualquer tipo de perigo de que o contratador tenha qualquer objetivo sobre a terra mais caro do que o de seu prprio interesse; mas vejo algum

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    perigo de que possa haver, de vez em quando, por acidente, algum outro objetivo bem mais caro ao magistrado. Entre esses objetivos rivais, mesmo que nem sempre possamos calcular o prazer que o magistrado ter de atormentar o contratador, caso eles no entrem em acordo, podemos, entretanto, muito freqentemente, calcular a atrao sobre ele exercida pela prtica de seu prprio poder e pela exibio de sua prpria sabedoria, dos quais o primeiro no lhe foi dado por nada nem lhe foi a ltima confiada sem causa. Voc deve, penso eu, em ocasies anteriores, ter encontrado exemplos de ho-mens que prefeririam ver um plano fracassar sob sua administrao do que prosperar sob uma outra.

    Mas se, sem se preocupar com teorias gerais sobre a natureza humana, voc tiver em mente um teste mais palpvel da propriedade deste raciocnio, voc poder abreviar bastante a discusso fazendo um experimento com um contratador, tentando verificar se ele lhe dar condies to boas nos casos em que essas restries fossem aplicadas quanto as que daria sem elas. Estou seguro de que, esti-vesse eu em seu lugar, no exigiria nenhum pequeno abatimento se, em vez de escolher os empregos de meus prprios homens, eu estivesse sujeito, cada vez, a v-los tirado de minhas mos para serem colocados em diferentes empregos, por A, B e C, hoje, e por X, Y e Z, amanh.

    Globalmente, voc no se espantar de saber que eu teria minhas dvidas, no momento, sobre se o plano pode ser muito melhorado por esses engenhosos, mas complicados, refinamentos. Eles me pareciam bastante bons na poca, pois quando eu via alguma engenhosidade, esperava um sucesso na mesma medida.

    CarTa Xi

    A multiplicao dos ofcios no necessria

    Agora, quanto escolha do tipo de atividade, relativamente s novas, no vejo nenhuma razo para multiplic-las: uma nica, bem escolhida, pode servir aos objetivos to bem quanto o faria uma quantidade maior. Menciono isto porque, embora possa ser fcil

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    encontrar uma espcie de manufatura, ou cinco, ou dez, que possa ser adequada a trabalhadores to amontoados, e em uma situao to confinada, pode no ser to fcil encontrar cinqenta ou cem. O nmero de trabalhadores para os quais se pode encontrar emprego dificilmente pode ser aceito como razo para multiplicar os tipos de manufatura. Em uma nao como a Gr-Bretanha, difcil imagi-nar que o maior nmero de trabalhadores que possa ser alojado em um tal estabelecimento seja grande o suficiente para inflacionar o mercado; e se esta nossa ilha no for suficientemente grande, este nosso globo ainda maior. Em muitos tipos de manufatura, o tra-balho exercido com mais e mais vantagem, como todo mundo sabe, quanto mais possa ser dividido; e, em muitos casos, o que coloca limites quela diviso antes o nmero de trabalhadores que o patro pode se permitir ter do que qualquer outra circunstncia.

    quando nos voltamos para a Lei do Trabalho Forado, temos a impresso de que seus criadores estavam ansiosos para descobrir atividades industriais que eles pudessem fazer em suas casas penitenci-rias e para tornar conhecido o resultado de suas descobertas. Ela, em conseqncia, prope considerao uma variedade de exemplos. Os seguintes seriam para os prisioneiros que precisam ser tratados de forma mais severa: 1. andar em uma roda; 2. girar uma manivela para movimentar um moinho ou outra mquina ou motor; 3. malhar o cnhamo; 4. lixar uma tora de madeira; 5. rasgar trapos; 6. serrar madeira; 7. trabalhar nas forjas; 8. derreter metais. Estes seriam para os que deveriam ser mais favorecidos: 1. fazer cordas; 2. tecer sacos; 3. trabalhar numa mquina de fiar; 4. tecer redes.

    Tenho certa dificuldade, entretanto, em imaginar a que uso se destina essa instruo, a menos que seja para a edificao daquela classe de legisladores mais freqentemente conhecida por sua riqueza que por seu conhecimento a classe dos senhores rurais. Para alguns senhores daquela respeitvel classe, pode representar, por tudo que sei, um consolo ver que a indstria pode assumir, neste estgio, tantas formas. Mas se a idia a de dar uma viso geral dos propsitos aos quais o trabalho manual pode ser aplicado, ela no vai muito lon-ge, existindo um nmero grande de publicaes que vo algumas centenas de vezes mais longe. O primeiro de seus dois captulos

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    pode ter sido pensado como uma lista de exemplos desses trabalhos particularmente duros que seriam capazes de ser impostos, com a mxima vantagem, ou com o mnimo adiantamento de capital, ou com a mxima segurana, a trabalhadores de carter to refratrio. Ou os dois captulos podem ter sido pensados como exemplos dos tipos de empregos que exigem o mnimo de espao. Em qualquer desses casos, o exemplo no parece ser muito feliz. Do primeiro e do segundo, andar em uma roda ou girar uma manivela para movimentar um moinho, nada pode ser dito com respeito produtividade pecu-niria, at que o moinho, a mquina ou o motor sejam especifica-dos; nem tampouco h qualquer coisa que se possa encontrar para distingui-los de outros empregos, exceto o espao e a despesa que tais implementos parecem, mais particularmente, exigir. O terceiro, malhar o cnhamo, um ofcio demasiadamente proverbial para que algum o desconhea e, naqueles estabelecimentos nos quais tem sido imposto, no tem mostrado at agora, creio eu, ser um ofcio muito lucrativo; e se posso acreditar em pessoas que so do ramo e que no tm qualquer interesse em me enganar, o cnhamo malhado mo, embora exija uma quantidade maior de trabalho, no alcana um preo to bom quanto aquele malhado em um moinho de gua. O quarto, lixar uma tora de madeira, um trabalho, como disseram Mr. Howard e outros, executado em algumas casas de trabalho da Holanda, acredito que com algum lucro. Mas tenho conhecimento de que tem sido executado da mesma forma por meio de primum mobiles naturais como, por exemplo, o moinho de vento, o qual, segundo me lembro, um inquilino seu utilizou dessa forma; e posso imaginar algumas operaes nas quais aquelas foras naturais prometem uma vantagem maior sobre a humana. A quinta, rasgar trapos, um trabalho que no atende a qualquer outro propsito que no o de fornecer materiais para os moinhos de papel, que no podem ser estabelecidos em lugar algum sem o fornecimento de gua corrente, um elemento que, estou seguro, em muitos moinhos de papel talvez em todos at aqui estabelecidos, permite que essa operao seja executada por meio de um primum mobile muito mais vantajoso que o trabalho humano. No sexto, stimo e oitavo exem-plos, a saber, serrar madeira, trabalhar nas forjas e derreter metais, no vejo

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    nada que os distinga de forma muito marcante dos trezentos outros que poderiam ser mencionados, a menos que seja o grande espao que todos eles ocupam, o grande e caro edifcio que eles pressupem, ou as perigosas armas que eles colocam nas mos de qualquer traba-lhador que esteja disposto a coloc-las em ao. A nona, fazer cordas, que aparece no topo da categoria menos rdua, , entretanto, como sempre compreendi, marcadamente trabalhosa, tendo, alm disso, a particular propriedade de ocupar mais espao do que qualquer outro trabalho manufatureiro que jamais foi pensado. quanto aos trs l-timos artigos dos doze, tecer sacos, trabalhar numa mquina de fiar e tecer redes, no conheo quaisquer objees particulares que lhes possam ser feitas, no diferindo, nesse aspecto, de algumas dezenas de outros. Mas, sem me afastar muito da mesa na qual estou escrevendo, posso encontrar, na Inglaterra, muitssimos trabalhos que pagam melhor que esses trs ltimos (os quais so, sob outros aspectos, respeitveis) e que so to fceis de aprender, ocupam um espao to pequeno e exigem um capital to pequeno para implantar quanto eles. Ao vir para c, se no aprendi mais nada, aprendi a calcular de quanto a fora humana capaz quando no est limitada pelos regulamentos arbitrrios de uma poca pouco iluminada; e os senhores podem dizer o que quiserem, mas nunca me convencero de que na Inglaterra essas foras so, em qualquer medida notvel, inferiores ao que elas so na Rssia.8 Entretanto, no tendo o manto da legislao para me proteger, abstenho-me de especificar mesmo o que tenho sob meus olhos, sabendo que em Mr. Arthur Young,9 um cavalheiro do qual ningum pode acusar de esconder seus talentos, qualquer um que o queira pode encontrar um informante que, sobre isso, assim como sobre muitas outras importantes matrias, para cada migalha de informao que eu possa dar, poderia dar milhares.

    Mas sem qualquer desconsiderao por aquele cavalheiro, por cujos trabalhos, feitos com esprito pblico e talentos bem orienta-dos, nenhum homem sente mais respeito do que eu, existem outras pessoas, as quais, sobre as mesmas matrias poderiam dar, para esse propsito, ainda mais e melhores informaes do que ele, e que no seriam menos eloqentes: refiro-me, como antes, ao Mr. Daily Advertiser e seus confrades.

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    H duas coisas na poltica que so de soluo muito difcil. Uma delas convencer os legisladores de que eles no entendem mais de sapatos do que os sapateiros; a outra convencer os sapateiros de que eles no entendem mais de legislao do que os legisladores. A ltima particularmente difcil em nosso querido pas, mas a outra a mais difcil de todas as coisas difceis em qualquer lugar.

    CarTa Xii

    Controles sobre os poderes do contratador

    Tendo, pois, resolvido a questo de determinar em quais ofcios as pessoas podem ser empregadas, h uma outra pergunta que meu contratador far: que poderes ele ter em suas mos como meio de persuadi-los a adotar aqueles ofcios? A forma mais breve de responder a essa questo ser dizendo-lhe que poderes ele no ter. Em primeiro lugar, pois, ele no poder deix-los morrer de inanio. Ento, voc talvez dir, voc pensa que seria provvel que ele fizesse isso? Para falar a verdade, de minha parte no tenho grande temor de que isso acontea. Mas outros talvez o tenham. Alm disso, minha concepo de que a lei, ao se prevenir contra os homens, deveria fazer exatamente o contrrio daquilo que o juiz deveria fazer ao julg-los, especialmente onde no existe nada a perder com isso. A tarefa do juiz, como voc sabe, consiste em pressupor que so todos honestos at que ele seja forado a sus-peitar do contrrio; a tarefa da lei consiste em concluir que todos eles, sem exceo, so os maiores canalhas e viles que podem ser imaginados. Estou certo de que meu contratador uma boa parte deles, ao menos os faria morrer de inanio se dependesse apenas dele. Ele deixaria morrer de inanio, naturalmente, todos aqueles que ele no pudesse obrigar a pagar por sua penso nem por seus servios como contratador. Mas na medida em que ele no ganha nada com essa economia, podendo at perder alguma credibilidade por isso, no tenho qualquer preocupao de que isso possa ocorrer. Po embora to ruim e to integral quanto possa ser eles tero, pois, de sobra; isto e gua, e nada mais. Isto eles podem estar certos de que tero e o que muito mais importante todos que o

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    queiram podero se certificar de que eles o tero. Meus confrades da tribo dos reformadores podem ir e ver isso no padeiro: eles podem pes-lo, se quiserem, e compr-lo, e lev-lo para casa, e d-lo a seus filhos ou a seus porcos. Podem fazer com que sua distribuio seja acompanhada pelo som de trombetas, se quiserem; e passantes cristos podem se divertir ao verem po de m qualidade ser en-tregue a convictos, da mesma forma que embaixadores cristos se divertiam com a viso de sacos de dinheiro falso serem entregues a janzaros. Essa ltima maravilha eu vi; a outra, posso lhes assegurar, me daria muito maior prazer.

    Com esta clusula de salvaguarda, eu entrego os prisioneiros ao extorsionista, deixando que ele tire o mximo proveito deles. Deixemos que ele venda cerveja porter ao preo de vinho do porto e vinho do porto inferior a preo de vinho tokay imperial; seus clientes podem reclamar, mas no penso que voc o faria, e estou seguro de que eu no o deveria; pois para isso que eles so colo-cados ali. Nunca tema que o seu contratador possa agir como seu prprio inimigo a ponto de fixar um preo que ningum pagaria.

    Em segundo lugar, no sei se lhe concederia o poder de bater em seus prisioneiros nem, em suma, de castig-los de qualquer maneira. Em qualquer outro lugar, uma tal exceo teria sido vi-sionria e impraticvel. Sem castigo ou sem lucro obtido por meio dos frutos de seu trabalho um lucro que, para se impor a tantos outros motivos, deveria ser bem grande , como se pode assegurar que um homem faa um nico gesto de trabalho? E, mesmo com esse lucro, como se poder assegurar que ele no faa todo tipo de atos nocivos? quanto aos atos nocivos, j lhe fiz notar, sob o artigo da custdia segura, quo facilmente seu guarda pode lidar com esse assunto; e quanto ao trabalho, orgulho-me de que voc j tenha percebido que no preciso ter qualquer temor de que haja escassez de estmulos adequados a esse propsito.

    Se, afinal, for necessrio insistir na idia de que algum poder corretivo absolutamente necessrio por exemplo, no caso de um prisioneiro atacar um guarda ou um professor na hora de receber sua refeio ou sua instruo (um caso que, embora nunca muito provvel, ser sempre possvel) , esse poder, embora menos necessrio

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    aqui do que em qualquer outro lugar, poder, por outro lado, ser concedido com menos risco. que tirania poderia subsistir sob um sistema to perfeito de reclamao quanto o que resulta de um sis-tema to perfeito de inspeo? Mas sobre este tema depois do que eu disse sobre as vantagens gerais que advm desse princpio uma palavra suficiente. Deve-se manter um livro-de-correo, no qual todo caso de castigo, juntamente com o motivo pelo qual ele foi administrado, deve ser registrado; no registrar at mesmo o mais leve castigo ser considerado uma infrao. Se esses controles no forem suficientes, pode ser exigida, alm da presena daquela pessoa que administra o castigo, a presena de uma ou mais pessoas, como testemunhas do modo, da quantidade de correo e da suposta causa.

    Mas alm de impedir que ele os deixe morrer de fome ou que os utilize quando estiverem doentes, h uma outra coisa que eu estaria muito inclinado a fazer, a fim de que ele se convena de que de seu interesse tomar conta deles. Eu o faria pagar um tanto por cada um que morresse, sem me preocupar em saber se qualquer cuidado de sua parte poderia ter mantido o homem vivo. Ele certamente me faria depositar uma quantia equivalente quando da assinatura do contrato; mas uma vez que eu devo, posteriormente, receber essa quantia dele, o custo para mim a longo prazo no de grande importncia. Ele teria direito a juros por isso; mas deixemos que ele ganhe isso e que seja bem-vindo.

    Suponha trezentos prisioneiros; e que, na populao em geral, do nmero de pessoas de idade equivalente, dez, isto , um em cada trinta, morra a cada ano. Pode-se esperar que pessoas com o carter e com a condio dos prisioneiros morrero a uma proporo maior que a dos homens honestos. Digamos, portanto, um em cada vinte, embora eu acredite, do jeito que as prises esto no momento, que seja possvel que morra um em cada dez ou, por tudo que sei, pode-se pensar at mesmo em uma proporo maior. D ao contratador, pois, por cada homem que possa morrer, dez libras, por exemplo; essa soma, repetida por cada homem em vinte, entre trezentos, dar um total de cento e cinqenta libras. Sob essas condies, pois, no final do ano, faa com que ele pague dez libras por cada homem que tenha efetivamente morrido naquele perodo; poder-se-ia

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    acrescentar ou que se tenha evadido e ouso dizer que ele no faria nenhuma objeo a isso. Se, cuidando deles e tirando deles o mximo proveito, ele se encontrar no fim do ano algumas libras mais rico por causa desse cuidado, quem reclamar disso? Se voc tiver ainda qualquer dvida a respeito dele, em vez das dez libras voc pode estipular vinte; voc no vai ficar mais pobre por causa disso. No sei, pensando melhor, se algo desse tipo no foi coloca-do em prtica, ou ao menos proposto, para crianas abandonadas. Seja como for, torne o pagamento do contratador suficientemente grande e voc no ter nenhuma dvida de seu apego a esses filhos adotados; se algum deles, enquanto estiver sob seus cuidados, tiver que deixar este vale de lgrimas, pode estar certo de que, mesmo sem um velrio, ter pelo menos uma pessoa a chorar sua perda.

    Alguns podem talvez assinalar que, de acordo com meus prin-cpios, esse procedimento no teria nenhuma utilidade a no ser a de salvar os inteis, uma vez que o contratador, por si mesmo, sabe muito bem que deve tomar conta de uma vaca que d leite. Mas, com sua vnia, devo dizer que no se deve deixar morrer de fome nem os inteis; pois se os juzes tivessem julgado isso apropriado eles o teriam dito.

    Os patrocinadores da Lei do Trabalho Forado, procedendo com aquela cauo e aquele cuidado que atravessa todo o seu s