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António Hohlfeldt mudar por completo as ênfases da hipótese da espiral de si- lêncio como até aqui desenvolvidas. Seja como for, não apenas como desdobramento ou apli- cação do agenda setting, a hipótese da espiral de silêncio é um campo de pesquisa que nos deve alertar para o fato de que todos os que trabalhamos com a comunicação social não podemos ser nem preconceituosos nem ingénuos: a mídia, se não tem aquele poder absoluto que se lhe emprestou até a dé- cada dos anos 20, por certo possui uma força ainda de todo não dimensionada, graças às diferentes estratégias com que é sucessivamente apropriada por diferentes grupos, políticos ou não, em nossa sociedade. E cabe a nós, que trabalhamos com este processo, mantermo-nos permanentemente alertas e preparados para compreendê-lo e aprofundar nosso conhe- cimento sobre ele. 240 6. A PESQUISA EM COMUNICAÇÃO NA AMÉRICA LATINA Christo Bergei* São demandas políticas e sociais, mais do que inquieta- ções científicas, o que impulsiona a produção de conheci- mento em comunicação na América Latina- o que aconte- ceu, também, com a Communicatión Research nos Estados Unidos, cuja motivação foi o impacto social dos meios de comunicação de massa, e com a produção da Escola de Frankfurt, na Alemanha, que teve o nazismo como fenóme- no inspirador de seus estudos sobre a Indústria Cultural. Na América Latina, as marcas da dependência estrutural, que evoca uma cultura do silêncio e da submissão mas, também, de resistência e de luta, são o pano de fundo da busca por compreender o que acontecia com a comunicação e demarca as fronteiras do emergente campo de estudo. Observar o desenvolvimento dos estudos de comunica- çãona^América Latina, portanto, é considerar, em primeiro lug^r/as relações'que estes têm com o contexto da época. Nlúitos caminhos podem ser seguidos para contar esta histó- ria, que ainda é recente. Nós vamos contá-la identificando^os cenfrosjde estudo, as publicações e os autores que fundaram e"3ê7ám_rump ao^campo, jájjue esse se esjruturou na conjun- çacTénírje, a^afirmação disciplinaria doj_estudos^ejua institu- cjonalização no interior da universidade. 241 * Professora da UFRGS.

BERGUER, Christa - Pesquisa em Comunicação na América Latina

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António Hohlfeldt

mudar por completo as ênfases da hipótese da espiral de si-lêncio como até aqui desenvolvidas.

Seja como for, não apenas como desdobramento ou apli-cação do agenda setting, a hipótese da espiral de silêncio éum campo de pesquisa que nos deve alertar para o fato deque todos os que trabalhamos com a comunicação social nãopodemos ser nem preconceituosos nem ingénuos: a mídia, senão tem aquele poder absoluto que se lhe emprestou até a dé-cada dos anos 20, por certo possui uma força ainda de todonão dimensionada, graças às diferentes estratégias com que ésucessivamente apropriada por diferentes grupos, políticosou não, em nossa sociedade. E cabe a nós, que trabalhamoscom este processo, mantermo-nos permanentemente alertase preparados para compreendê-lo e aprofundar nosso conhe-cimento sobre ele.

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6. A PESQUISA EM COMUNICAÇÃO NAAMÉRICA LATINA

Christo Bergei*

São demandas políticas e sociais, mais do que inquieta-ções científicas, o que impulsiona a produção de conheci-mento em comunicação na América Latina- — o que aconte-ceu, também, com a Communicatión Research nos EstadosUnidos, cuja motivação foi o impacto social dos meios decomunicação de massa, e com a produção da Escola deFrankfurt, na Alemanha, que teve o nazismo como fenóme-no inspirador de seus estudos sobre a Indústria Cultural. NaAmérica Latina, as marcas da dependência estrutural, queevoca uma cultura do silêncio e da submissão mas, também,de resistência e de luta, são o pano de fundo da busca porcompreender o que acontecia com a comunicação e demarcaas fronteiras do emergente campo de estudo.

Observar o desenvolvimento dos estudos de comunica-çãona^América Latina, portanto, é considerar, em primeirolug^r/as relações'que estes têm com o contexto da época.Nlúitos caminhos podem ser seguidos para contar esta histó-ria, que ainda é recente. Nós vamos contá-la identificando^oscenfrosjde estudo, as publicações e os autores que fundarame"3ê7ám_rump ao^campo, jájjue esse se esjruturou na conjun-çacTénírje, a^afirmação disciplinaria doj_estudos^ejua institu-cjonalização no interior da universidade.

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* Professora da UFRGS.

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uirisfa Beiger

Ao empreendermos a viagem de retorno ao nosso passa-do teórico, buscando as pegadas deixadas pelos fundadores,observamos com Beltranloieesdea década de 30 ^_encontram-se esfoHp^spjjreT o jpjnalismo vinculados à dis-cussão sobre a liberdadejie imprensa e legislação. Os méto-dos historiográfico e bibliográfico preponderam e nada indi-ca que um campo de estudo específico se faz necessário. Épela tradição de transpor e incorporar questões alheias que ainfluência norte-americaria ingressa na América Latina, tra-zendo, junto com os temas e os métodos, p Centro que iráoportunizar os primeiros estudos de^comunicasão najregi ao- cTCiespal (Centro Internacional de"Es^dios_g^peri orêsjdeTêTTõcIisrriõ^pãrã America Latina), fundado no contexto dãAliança para o Progresso, quê era a resposta do governoKennedy ao novo cenário latino-americano. A revolução cu-bana obrigou os Estados Unidos a revisarem sua política ex-terior: eles deviam, a qualquer custo, impedir a expansãodeste movimento. Durante o governo de John F. Kennedy,foi idealizado um plano de ajuda à América Latina em maté-ria de saúde^ educação e de melhoria para as zonas rurais.

Criado_emJ_959, pela Unesco, OEA e governo do Equa-dor, o Ciespal se instala em Quito, oferecendo cursos para oaperfeiçoamento de profísslonãís~que atuam em comunica-ção de massa da região. Na sequência, são realizadas pesqui-sas e seminários com pesquisadores reconhecidos, comoWilbur Schramm, Raymond Nixon, JoHn McNelly, JacquesKayser e Joffre Dumazedier, marcando tanto os temas esco-lhidos — comunicação e modernização, rádio e^teleeducação, li-derança de opinião -, como as metodologias - pesquisaquantitativa e análise de conteúdo -, além da formação dasprimeiras gerações de pesquisadores. Adescrição predomi-nou_sobrejaanálise e ali foi desenvolvido o modelo dirusTcT-nista, instrumental adotãdopara a comunicaçãoilmramfodaaAmérica Cãtina^que originou a <^ojtojnjâ comunica-ção ou extensão^ problematizadaj. posteriormente, por PauloFreire no Chile.

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A pesquisa em comunicação na América Latina

Diz Bettrán: "As áreas que recebem influência mais diretada orientação norte-americana, são a difusão de inovações naagricultura, a estrutura e função dos meios impressos e eletrô-nicos, as; experiências de comunicação educativa, os progra-mas especiais de educação rural" (1976). O Ciespal jbi, du-rantejrausjde duas décadas, a principal ponte wi'fre^especia-listas, as escorETe"os diversos centros de reflexãp_e,_com a di-fusão de suas publicações,'iniciou e sustentou um importanteesforço de reflexão sobre os problemas da comunicação, alémde ter formado um centro de documentação especializado, re-gistrando a memória histórica sobre os meios da região.

Em um seminário na Costa Rica, em 1973, que marcou aprodução teórica na região, pois foi o primeiro encontro or-ganizado entre os pesquisadores latino-americanos, o Cies-pal foi avaliado e redirecionado. Conta Beltrán, sobre as crí-ticas ao Centro:

,.>••••

'Primeiro, que lhe falta um marco conceituai próprio; se-gundo, quê a adoção se deu sem juízo crítico; terceiro,que lhe falta um mínimo de sistematização; quarto, quehá uma ênfase exagerada no descritivo e quantitativocom exclusão de uma visão qualitativa profunda; quinto,que se prefere analisar os fenómenos de comunicaçãofora do contexto das variáveis políticas, sociais, econó-micas e culturais; sexto, que há uma preferência por te-mas limitados de pesquisa e uma excessiva concentra-ção em meios massivos e especialmente na imprensa;sétimo, que há uma ausência total de políticas e planospara orientar a pesquisa em geral, ou seja, a pesquisa éacidental, não é racional; oitavo, que há uma falta de co-ordenação que tem como resultado o desconhecimento,a duplicação de esforços, o desaproveitamento de expe-riências e a perda de sentido; e, em nono, que se traba-lha, de preferência, de forma não interdisciplinar masem enclausuramento de disciplinas (1981).

O documento final afirmava:

Com uma metodologia esboçada por latino-americanos: para América Latina, com um instrumento de trabalho

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Christa Berger

muito mais depurado e crítico, se deve chegar ao desco-brimento de toda a inter-relação económica, política, so-cial e cultural que configura as estruturas de dominaçãoe poder que, muitas vezes, condicionam e determinamos sistemas de comunicação imperantes. Estes critériosnão traduzem uma ótica regionalista ou localizada, aocontrário, sinalizam difnensões básicas para o progressoda ciência da comunicação. Neste sentido, o contexto

,,.,, "\l das sociedades chamadas do Terceiro Mundo pode^^ contar com a possibilidade privilegiada de desenvolver'•^ novos caminhos, tanto teóricos como metodológicos

,/ ,' (apud Beltrán, ibiderri).'f"—E a partir desta avaliação, critica e ambiciosa, que o Ci-

espal busca raízes na América Latina, introduzindo em seuscursos a preocupação pela comunicação popular, pela pes-quisa participante, substituindo os professores estrangeirospor argentinos (Daniel Prierto), chilenos (Eduardo Contre-ras Budge), brasileiros (Luiz Gonzaga Mota), com a inten-ção de propiciar uma compreensão mais afinada com a rea-lidade da região.

Na década de 60, a Venezuela se sobressaía na AméricaLatina por aliar as vantagens oferecidas pela indústria petro-leira e o desabrochar da democracia, sendo um dos primeirospaíses do mundo a ter televisão com investimentos comer-ciais significativos. É também com a televisão que os inves-timentos norte-americanos se fazem presentes na IndústriaCultural, primeiro na Venezuela e depois, com o mesmo mo-delo, por toda a América Latina. Assim, em 1959, ao mesmotempo em que o Ciespal é criado no Equador, surge o Institu-to Venezuelano de Investigaciones de Prensa de Ia Universi-dad Central, cuja primeira pesquisa buscou saber Quê publi-co Ia prensa venezolana durante Ia dictadura?, comprovan-do a procedência oficial do noticiário. Este centro será a ori-gem do ININCO (Instituto de Investigaciones de Ia Comuni-cación), fundado em 1973, que terá por objetivo: "a pesquisada comunicação social ou.de massas, que compreende tantoo estudo teórico e metodológico dos problemas da comuni-

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A pesquisa em comunicação na América Latina

cação, como a análise permanente dos diferentes meios e desua incidência no âmbito nacional" (Aguirre, 1981). AntónioPasquali será o nome mais importante do ININCO, mas naVenezuela se sobressaem também outros pesquisadores,como Marta Colomina, Hector Mújica, Eleazar Dias Rangele Lu do viço Silva. Desta fornia, Venezuela e Equador são asprimeiras sedes das pesquisas em comunicação. Ciespal ex-pandindo, na primeira fase, sua perspectiva desenvolvimen-tista por toda a região e ININCO dando guarida à preocupa-ção pela introdução acrítica das novas tecnologias, aprofun-dando, assim, as raízes da dependência.

Com a vitória de Salvador Allende no Chile, em 1970, écriado o CEREN (Centro de Estudos da Realidade Nacio-nal), vinculado à Universidade Católica do Chile. Coordena-do por Armand Mattelart e integrado por Hector Schmucler,Hugo Assmann, Michele Mattelart, Mabel Piccini e ArielDorfman, este centro terá uma importância fundamental naregião por realizar pesquisas sobre o domínio das multina-cionais na comunicação latino-americana, desde uma pers-pectiva marxista, introduzindo conceitos como ideologia, re-lações de poder, conflitos de classe. Esta perspectiva, inau-gurada no Chile da Unidade Popular, já vinha sendo ensaia-da pelo grupo desde 1965, com as pesquisas antropológi-cas/demográficas/comunicacionais, e contava, também, coma participação de Paulo Freire, estendendo-se, posteriormen-te, por toda a América Latina e marcando a fisionomia dosestudos latino-americanos da comunicação.

Como consequência do golpe militar chileno, este grupose desfaz. Mas, alguns de seus membros, bem como a pers-pectiva teórica ali iniciada, voltam a se encontrar no México,em torno do ILET (Instituto Latinoamericano de EstúdiosTransnacionales). O núcleo do Instituto era formado por exi-lados chilenos (Juan Somavia - seu diretor —, Fernando Re-yes Mata e Diego Portales), argentinos (Hector Schmucler eMabel Piccini) e o peruano Rafael Roncagliolo. O conselhoassessor contava.com experts como Beltrán, Capriles, Ha-melink, Mattelart, Pasquali e Schiller. Praticamente as duas

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Christa Bergei

primeiras gerações de pensadores da comunicação da Amé-rica Latina encontraram-se no ILET, que teve a receptivida-de do governo mexicano do presidente Echeverría e apoio deinstituições europeias, como a Fundação Dag Hammarskjolde o Foro do Terceiro Mundo. A capacidade académica e o re-nome de seus integrantes fez com que o ILET se transfor-masse na principal instituição latino-americana difusora depropostas alternativas para a democratização dos meios decomunicação no continente, sendo seu diretor convidado aparticipar da Comissão McBride da Unesco.

Este quadro situa o início institucional da pesquisa naAmérica Latina, que se organizou em torno dos Centros dePesquisa:

CENTRO DEPESQUISA

Ciespal

Ciespal

Instituto Vene-zuelano deInvestigacionesde Prensa

ININCO

CEREN

ILET

LOCAL

Quito

Quito

Venezuela

Venezuela

Chile

México

PERÍODO

1959-1973

1973-

1 959- 1973

1973-

1970-1973

1976-1985

ORIENTAÇÃO

Divulgação do modelonorte-americano, exten-sionismo e inovações.

Referencial latino-ame-ricano. Diagnóstico eplanejamento em comu-nicação.

Pesquisa sobre históriae legislação da impren-sa.

António Pasquali — pes-quisa crítica e propositi-va.

Teoria da dependên-cia, crítica ao sistemainternacional de comu-nicação.

Informação internacio-nal e estrutura transna-cional - livre fluxo deinformação, democrati-zação da comunicação.

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A pesquisa em comunicação na América Lotina

O desenvolvimento da pesquisa nestes centros permiteobservar algumas questões:

1. é o funcionalismo, através do difusionismo e do ex-tensionismo, que encontra abrigo no Ciespal, inau-gurando as preocupações com a comunicação na re-gião;

2. as rupturas com esta perspectiva ocorrem entre ofinal dos anos 60 e início dos anos 70 - propiciadaspelo encontro da Costa Rica, redirecionando o Ci-espal, e fortalecidas através do ININCO e CEREN;

3. o estudo da comunicação inicia pela preocupaçãoem compreender a imprensa, tanto nas pesquisas pio-neiras e independentes como no Ciespal e no insti-tuto que dá origem ao ININCO;

4. funcionalismo e marxismo disputam a abordagemda comunicação, mas também a sociologia e a se-miologia reivindicam para si o problema.

É entre o final dos anos 60 e início dos 70 que se inaugurauma reflexão efetivamente latino-americana sobre a comu-nicação, pois as condições estruturais do subdesenvolvimen-to passam a ser consideradas e incorporadas na análise dosmeios. A marca da reflexão é o panorama político da região.E não era por acaso, pois na década de 60, como ensinaHobsbawm (1995), o centro de gravidade do consenso quefaz fluir a história girou para a esquerda. Se na Europa oMaio de 68 aponta este giro, na América Latina primeiro épara Cuba, depois para o Chile, que os olhares se dirigem. Gi-rar para a esquerda, na América Latina, significava opor-seao american way oflifè e sonhar e propor uma nova socieda-de. A efervescência libertadora que tomo^ conta do conti-nente (não de forma homogénea, é claro) passava tanto pelaspropostas dos movimentos guerrilheiros como pelas revi-sões do que se entendia por cultura, educação, vida política.Naquele período, as concepções de mundo colocavam-se empólos opostos:

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Chiista Berger

- frente ao exército oficial se propunham milícias po-pulares;

- frente à Igreja oficial, a teologia da libertação;

-frente aos sindicatos pelegos, organizações de base;

— frente aos meios de comunicação e à cultura trans-nacional a denúncia e, ao mesmo tempo, a criação deformas alternativas na comunicação popular (Entel1995).

O primeiro obstáculo à concretização do sonho socialistana América Latina foi a implantação de ditaduras militaresno Cone Sul, interrompendo processos avançados, como noChile, ou em gestação, como no Brasil, Argentina e Uruguai.E, com1 elas, a experiência da perseguição, da expulsão e daintegração forçada pelo exílio, propiciando a criação de cen-tros de estudo como o ILEf, no México.

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E neste contexto contraditório - de sonho e luta pelo so-cialismo e de intervenção militar e do capital norte-america-no - que a Comunicação de Massa, como investimento eco-nómico e projeto de dominação, é introduzida e sedimentadano continente. Comunicação identificada com a televisão (eesta com modernização), e com financiamento norte-ameri-cano (e este com desenvolvimento), formando o pano defundo e a motivação para a produção de uma pesquisa críticasobre o projeto de comunicação massiva que se instalava eganhava adesões.

1. As revistas inaugurais

Se as ideias necessitam de: um suporte físico para circu-lar, este suporte também é parte da história de seu tempo. Asrevistas académicas são o modo como as descobertas, os con-ceitos, as críticas e os pesquisadores se tornam conhecidos.As revistas de comunicação estiveram inicialmente ligadasaos centros de estudo, assim como hoje estão ligadas aosprogramas de pós-graduação.

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A pesquisa em comunicação na América Latina

Duas revistas expressam a preocupação com a comuni-cação, marcando claramente suas posições: Comunicación yCultura (n. l, julho de 1973), ligada ao CEREN, eLenguajes(n. l, abril de 1974), da Associação Argentina de Semiótica.Neste período, a sociologia e a semiologia disputavam a he-gemonia na explicação do mundo e as duas revistas repre-sentavam esta oposição.

Ambas tinham em comum a preocupação pelo papel dosintelectuais nos processos de transformação. No número lde Lenguajes, o comité editorial sustentava que, frente à con-tradição entre processos de mobilização popular e luta políti-ca pela libertação e os saberes provenientes dos países quedetinham a dominação, os intelectuais deviam fazer um es-forço para interpretar as contradições com produção de co-nhecimentos próprios. Inspirados no estruturalismo e na se-miologia, propunham: i

Nosso campo de trabalho será o da produção social dasignificação, este campo que a ideologia burguesa cha-ma "a cultura". Daremos também uma importância par-ticular às chamadas "Comunicações Massivas". Quantoà modalidade, sublinhamos ao mesmo tempo a necessi-dade de inserçãç na estratégia das lutas populares contraa exploração interna e externa e a necessidade de produ-ção de teoria, de conhecimento. Ambas necessidades são,a nosso ver, igualmente prioritárias: se desprezamos aprimeira, nos instalamos automaticamente no ciclo bemconhecido por boa parte da produção "intelectual" lati-no-americana: marginalização crescente da luta política,orientação crescente aos centros internacionais de pro-dução de conhecimento, dissociação completa da reali-dade nacional. Se desconhecemos a segunda, não tere-mos mais que escolher entre dois caminhos também bas-tante trilhados: a mistificação intelectual ou o oportunis-mo político.

Althusser, Barthes, Greimas foram autores de referênciaimportante para as duas revistas.

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Chrisío Berger

Também Comunicación y Cultura reivindicava a produ-ção teórica aliada à prática - a crítica e a militância andandode mãos dadas. Diziam os editores, no primeiro número:

A função que se propõem cumprir Comunicación y Cul-tura é a de se estabelecer como órgão de vinculação e deexpressão das diversas experiências que estão sendogestadas nos países latino-americanos no campo da co-municação massiva. Evidentemente, não se trata de as-sumir qualquer experiência, mas as que favorecem aosprocessos de libertação total de nossas sociedades de-pendentes. Esta norma de prioridade política será a linhade demarcação que traçará a revista para recolher suastemáticas, seus centros de interesse, seus leitores e cola-boradores.

Comunicación y Cultura foi a revista pioneira dedicadaexclusivamente à pesquisa em comunicação. Mattelart, quefoi seu editor na fase chilena, recorda:

Eu me lembro bem da polémica entre as posturas de Ve-rón versus Schmucler e Matterlart ou de Comunicacióny Cultura contra Lenguajes. Tínhamos, por um lado,uma visão inspirada na análise do discurso e, por outro,uma visão inspirada na economia política. Na minhaopinião, foi um período histórico fecundo, apesar dasoposições que se refletiam em todas as partes, por exem-plo, o campo da comunicação dominado pela economiapolítica se constituiu contra ou em oposição à análisecultural e uns e outros reprovavam tanto ser demasiadomaterialista como idealista (in: Causas y Azares, inver-no de 1996).

A revista continuou existindo mesmo depois de encerra-das as atividades do CEREN, primeiro em Buenos Aires, de-pois na cidade do México, publicando treze edições, a últimaem março de 1985.

Chasquí, publicada por Ciespal, acompanhou a trajetóriado centro. Na sua segunda etapa, a revista anunciava que en-tre seus temas prioritários estariam a comunicação alternati-

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A pesquisa em comunicação na America Lanna

vá e a democratização da informação. Chasquí cumpriu umimportante papel na discussão dos currículos de comunica-ção para as escolas da região, bem como divulgou experiên-cias nacionais e populares de comunicação, tornando conhe-cidos os autores destas propostas e os autores das perspecti-vas teóricas latino-americanas. Inovou, também, no sentidode não só trazer artigos, como sessões de debate, relato deexperiências e longas entrevistas.

O ILET não chegou a editar uma revista, mas publicou,durante treze anos, os Cuadernos dei ILET, que, sem perio-dicidade definida, alimentaram o debate político sobre a co-municação, revelando o caráter militante do centro. Os Cua-dernos defendiam que "a transnacionalização dbs meios decomunicação, responsável pela homogeneização da cultura,exigia novas abordagens". Segundo o ILET, é no campo po-lítico e não técnico que se dá a luta contra a transnacionaliza-ção (apud Motta, 1989).

Diálogos de Ia Comunicación é a revista da Felafacs quevem desempenhando a função de tornar visíveis as problemá-ticas e os autores latino-americanos e se apresenta como a "re-vista teórica das faculdades de comunicação". Três áreas sedestacam em suas edições: a discussão de temáticas atuais, oensino de comunicação e informes de pesquisas.

No México surgiram duas revistas, no final dos anos 80:Comunicación y Sociedad, editada pelo Departamento deEstudos de Comunicação Social da Universidade de Guadala-jára com Q "objetivo de socializar os resultados e avanços dasinvestigações", e Culturas Contemporâneas, do ProgramaCultural da Universidade de Colima, enfatizando os fenóme-nos sociais e comunicacionais desde a perspectiva da cultura.

Em 1999, a Cátedra Unesco, sediada no Brasil sob a res-ponsabilidade de José Marques de Melo, criou uma revistadigital, chamada Pensamento Comunicacional Latino-Ameri-cano, ligada ao Acervo do Pensamento Latino-Àmericanoda Universidade Metodista de São Bernardo.

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Christa Berger

2. Os pais fundadores

Numa enquête realizada com 50 pesquisadores latino-ame-ricanos, por Gómez Palácios em 1992 (apud Fuentes Navar-ro, 1992), sobre as principais influências teóricas na região,o resultado aponta: em primeiro lugar estão os trabalhos de.Armand Mattelart e seu grupo no Chile; em segundo, Antó-nio Pasquali, da:Venezuela; em terceiro, Luis Ramiro Bel-trán, da Colômbia; em quarto, Eliseo Verón, da Argentina e,em quinto, Paulo Freire, do Brasil, mas com seus trabalhosproduzidos desde o Chile. Todos imbuídos de uma aborda-gem crítica da comunicação, vinculando-a à realidade deseus países e na perspectiva do continente unificado. De cer-ta forma, esse resultado confirma o que dissemos no iníciodo texto: a comunicação, quando pensada na América Lati-na, foi sempre uma questão de política.

Armand Mattelart, presente no Chile desde o princípio dogoverno da Unidade Popular, coordena o CEREN, onde, a pe-dido do presidente Salvador Allende, é realizada a primeirapesquisa sobre multinacionais, intitulada Agressão desde oespaço. Esta pesquisa buscava identificar e compreender acampanha internacional contra o governo socialista realizadaatravés da SIP (Sociedade Interamericana:de Prensa), as agên-cias internacionais de notícias e outras publicações. O Centro,editando os Cuadernos de Ia Realidad Nacional, enfatizou aquestão da comunicação, em várias edições, tomando conhe-cido Mattelart, que passou a refletir, sistematicamente, nela. Onúmero três foi dedicado aos meios de comunicação. Matte-lart participava com três ensaios, que logo se transformaramem leitura obrigatória para-a crítica dos meios: "El marco deianálisis ideológico", "Estructura dei poder informativo y de-pendência" e "La mitologia de Ia juventud en un diário oficial".No primeiro, Mattelart faz uma crítica contundente à pesquisaem comunicação proveniente dos Estados Unidos:

Com efeito, estas pesquisas surgiram principalmentei como resposta a uma demanda de empresas comerciais

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A pesquisa em comunicação na América Latina

publicitárias (...) Assim, pois, a perspectiva originalconsiderou a pesquisa sobre os meios de comunicaçãodesde o ponto de vista dos estudos de mercado. Daí seucaráter preponderantemente instrumental (in: Maltelart,1981).

Também na revista Comunicación y Cultura, Mattelartpublica sistematicamente. Já na primeira edição ele escrevia"Prefiguración de Ia ideologia burguesa", e no segundo,"Los médios de comunicación de masas: Ia ideologia de Iaprensa liberal en Chile". Muitos anos depois, falando sobresua experiência no Chile, ele dizia:

Y es a partir de esa experiência que aprendi una cosaesencial: que no hay una teoria de Ia comunicación sinuna teoria de Ias clases sociales, sin una teoria dei Esta-do, sin una teoria de Ias ideologias. Pêro más aún: he lle-gado a Ia conclusión de que no habrá teoria crítica ypráctica crítica de Ia comunicación, si no empezamos aligar el problema de Ia comunicación con el problema deIa teoria dei partido, con Ia teoria de Ia organización demasas (1981).

O mais importante nestes escritos iniciais de Mattelart edos intelectuais que trabalharam com ele é a busca de apor-tar elementos conceituais para tomar distância frente aosfenómenos mediáticos e de propor novos modos de fazercomunicação.

António Pasquali, professor de filosofia e ética da Uni-versidade Central da Venezuela, participa da fundação da es-cola de jornalismo e, trabalhando com teorias audiovisuais,escreve para a primeira antologia do curso - "Os intelectuaise a linguagem audiovisual" —, iniciando, ali, seu percurso deteórico da comunicação. Já no primeiro livro, Comunicacióny cultura de masas (1963), dá início à análise dos mecanis-mos de dependência cultural que, anos mais tarde, retomaráem Compreender Ia comunicación (1970), quando as rela-ções entre comunicação e política estão mais entrelaçadas.Nesta obra, ele comenta a importância da Escola de Frank-furt, dizendo:

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Para quem se ocupa da fundamentação teórica das co-municações, Frankfurt é uma obrigatória estação detrânsito e reflexão. A seus principais autores devemos,saibamos ou não, quase todos os argumentos críticosque hoje passam por lugares comuns e um descobrimen-to destinado a marcar época: a de que a livre e competiti-va Indústria Cultural (fórmula cunhada por eles) repro-duz, mutaíis mutandis., os esquemas da manipulação au-toritária teorizados e praticados por Goebbels (1979).

Pasquali considerava que a bibliografia frankfurteanaera toda uma "mina ainda inexplorada" que agora estava aoalcance dos pesquisadores latino-americanos. Para AliciaEntel1, Pasquali é um dos estudiosos da comunicação desteperíodo mais influenciado pelos frankfurtèanos, principal-mente por Marcuse, tentando, inclusive, cruzar em seus estu-dos a teoria crítica com a teoria da dependência:

Por específicas e bem conhecidas razões, a América La-tina é hoje um dos principais cenários mundiais da dialé-tica dependência-independência, o que a converte defato em um dos mais importantes campos de confrontoentre a razão instrumental, iluminista e de dominação, ea razão crítica, ética e libertadora (1999).

Na sua obra, Pasquali denuncia o movimento existenteentre a estrutura transnacional de poder e a instalação daIndústria Cultural na América Latina e a concomitante ne-cessidade de defesa da identidade cultural regional.

Em 1973 foi criado o ININCO, onde, junto com Pasqua-li, o grupo de pesquisadores desenvolveu, além de estudosteóricos, projetos de políticas de comunicação para a Vene-zuela, como é o caso do Projeto Ratelve de Radiodifusão, emque eram analisadas quatro possibilidades para implantar umsistema misto entre serviços privados e públicos.

1. Alicia Entcl escreveu um livro sobre a Escola de Frankfurt em que, no capítulo dedicadoà sua influência na América Latina, a Venezuela é reconhecida como um dos centros maisexpressivos.

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A pesquisa em comunicação na América Latina

O terceiro citado é Luis Ramiro Beltrán, cujo trabalhoprincipal é o livro Comunicação dominada, apresentado noBrasil pela editora Paz e "terra como "inscrevendo-se noconjunto dos trabalhos pautados na busca incessante da iden-tidade cultural (...), procurando integrar o fenómeno da co-municação no conjunto das políticas de dominação econó-mica e política sem fugir ao domínio específico dos meios decomunicação como instrumentos de intervenção cultural"(1982). Na página 29, encontramos: "O imperialismo cultu-ral através da comunicação não é um fenómeno ocasional efortuito. Para os países 'imperiais', trata-se de um processovital destinado a assegurar e manter a dominação económicae a hegemonia política sobre os demais. Este é, evidentemen-te, o caso das relações (entre os Estados Unidos e a AméricaLatina". A partir desta compreensão, busca identificar os me-canismos que transmitem a influência noríe-americana: asagências internacionais de notícia e de publicidade, as firmasinternacionais de opinião pública, as pesquisas de mercado erelações públicas, os exportadores de materiais de programa-ção impressos, auditivos e audiovisuais, entre outros, dandocomo exemplo que no Chile de Allende "surpreendentemen-te" havia aumentado a importação de programas de TV nor-te-americanos.

A ironia do "surpreendentemente" fica por conta do in-vestimento da burguesia chilena na aquisição da programa-ção norte-americana com o objetivo de confrontá-la com aprodução realizada no governo de Allende e que começava aser bem recebida. Beltrán irá produzir os primeiros balançosda área como Premisas, Objetosy métodos fôramos en Ia in-vestigación sobre comunicación en América Latina — comuma versão em 1976, outra em 1978 e publicado em versãomais completa na coletânea coordenada por Moragás Spá(1989) - e Estado y perspectivas de Ia investigación en co-municación social en America Latina — apresentado na Se-mana Internacional de Comunicação, em Bogotá, em 1980.Em 1999, a Universidade Católica da Bolívia criou a Cátedra

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Christa Berger :

Luis Ramiro Beltrán, em reconhecimento à trajetória destepesquisador. O primeiro resultado encontra-se no livro Inves-tigación sobre comunicación en Latinoamérica (Inicio, tras-cendencia y proyección).

Na Argentina, Eliseo Verón apresenta, em um semináriode linguística, em 1967, um texto de análise da imprensa. Oque ele faz ali é retirar a problemática ideológica do marcoda sociologia do conhecimento, trazendo-a para a análise dacomunicação. É no Centro de Investigaciones Sociales deiInstituto Torcuato: di Telia que Verón, Prieto e Masotta de-senvolverão a preocupação pela interpretação ideológica dosmeios e buscarão uma síntese teórica entre psicanálise, mar-xismo e linguística estrutural, que encontrou ampla reper-cussão em toda a América Latina. A possibilidade de tornaraparente o que até então estava oculto dá à pesquisa semióti-ca um caráter progressista e comprometido* principalmentepela apropriação do conceito de ideologia. Para Verón, "aideologia é o modo natural de existência da dimensão signi-ficativa dos sistemas de relações" (1968).

Mattelart e Verón, por caminhos diferentes, concorda-vam que o modo de produção é que determina a forma comoo ideológico opera e que a análise deveria buscar esclarecer oseu princípio organizativo. Concluíam que o princípio orga-nizativo era exatamente o que não podia aparecer, não eramanifesto nem acessível à consciência das pessoas, e, muitomenos, às técnicas convencionais da análise de conteúdo.

Paulo Freire é incluído entre os pesquisadores da comu-nicação por um livro — Comunicação ou extensão^-, escritoem 1968, no Chile. Sem tratar da comunicação massiva, estelivro orientou muitas interpretações na área, pois nele estácontida a crítica principal aos meios de comunicação de mas-sa: de corísistirem em meros instrumentos de transmissão, detratarem os destinatários como receptores passivos e de im-possibilitarem relações dialógidas. O livro Pedagogia do opri-mido confirma Paulo Freire entre os que buscavam compre-

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A pesquisa em comunicação na América Latina

ender os processos latino-americanos pela história não-oficial.Ele dedicava seu livro "aos desamparados do mundo e aquem, descobrindo-se entre eles, com eles sofrem e com eles

, lutam". Tanto Armand Mattelart como Jesus Martin Barberoafirmam, em suas obras, a contribuição de Freire à constru-ção de suas perspectivas teóricas.

Na maioria dos textos produzidos nesta girada à esquer-da percebe-se que a pesquisa, na perspectiva crítica, confun-de-se com o comprometimento político: era preciso denun-ciar o funcionalismo, a televisão comercial, os fluxos inter-nacionais da notícia, as histórias em quadrinho, as políticasde comunicação (ou a falta delas), as corporações multina-cionais, a Indústria Cultural, a estrutura transnacional de in-formação, o cinema de Hollywood, a manipulação ideológi-ca, a publicidade e as pesquisas de opinião, as novas tecnolo-gias, a miséria da informação, o imperialismo cultural. Estassão as modalidades discursivas que (d)enunciam a comuni-cação de massa nos anos 60/70. O panorama resultante daspesquisas, nesta perspectiva, era sombrio: da economia polí-tica à semiologia, dos marxistas aos estruturalistas, da uni-versidade aos centros de pesquisa, tudo desembocava na crí-tica aos meios — sua estrutura produtiva, sua programação,suas mensagens e sua recepção. A convergência da análiseideológica com a da teoria da dependência económica torna-va clara e concreta a complexa rede de dominação. E nistotodos estavam de acordo, quando escreviam naquele tempo,tanto na teoria da comunicação como na literatura: os Esta-dos Unidos eram os nossos inimigos e as palavras eram asnossas armas. Por isso, se escrevia tanto, se publicava tanto.

Neste sentido, vale lembrar o livro Bom dia para os de-funtos, do peruano Manuel Scorza, que descreve o conflitoentre os moradores de um pequeno povoado e uma compa-nhia de mineração norte-americana (Cerro de Pasco Corpo-ration), entre 1950 e 1962, e que é exemplar da visão lati-no-americana sobre as intenções dos norte-americanos de seinstalarem aqui e da função destinada à literatura.

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O fato de o termo Indústria Cultural estar presente emtodos os textos de comunicação da época não imprime uni-dade de análise aos autores, nem os filia, automaticamente, àEscola de Frankfurt, que assim conceituou o fenómeno. Paraalguns, o termo permite a descrição do funcionamento daprodução industrial da cultura. Para outros, a cultura se trans-forma em ideologia, ao ser veiculada na Indústria Cultural.Para outros, ainda, é o caráter mercantil da cultura industrialque merece a designação.

Resumidamente, podemos dizer que a pesquisa que esta-mos analisando concentrou-se em duas áreas temáticas:

l. estudo da estrutura de poder dos meios de comuni-cação — transnacional e nacional — e as estratégiasde dominação dos países capitalistas;

2. estudo sobre as formações discursivas e as mensa-gens da cultura de massas desde suas estruturas designificação.

Os pesquisadores latino-americanos consideraram, em suasanálises, a estrutura e a função mercantil dos meios, bemcomo reconheceram, na cultura, expressão das contradiçõesdominantes. Em ambos os casos - nos que buscam revelar osaspectos estruturais do discurso de massas na sua articulaçãocom a ideologia dominante e naqueles que acentuam' a relaçãode dependência entre economia e cultura — se acumulou umconsiderável material empírico. Material, portanto, de análi-ses conjunturais, mas estas destacaram mais a unidade globalda dominação, enfatizando a homogeneidade das formas depoder do que as especificidades que o material empírico podiafornecer, favorecendo as interpretações generalistas.

São exemplares destas duas perspectivas os livros Para lero Pato Donald, de Armand Mattelart e Ariel Dorfman, Q O im-pério norte-americano das Comunicações, de Herbert Schiller.E exemplar, também, que as duas obras que cristalizaram a po-sição crítica na América Latina tenham sido escritas por estran-geiros: Mattelart é belga e Schiller é norte-americano.258

A pesquisa em comunicação na América Latina

Mattelart conta como surgiu o livro:

Devido ao estatuto de garantias constitucionais que Allende: havia assinado^ com a democracia cristã e devido ao con-trato da editora do Estado, os trabalhadores da UP quetrabalhavam ali deviam seguir prodiizindo os materiaisdo inimigo: deviam publicar as tiras cómicas de WaltDisney e outros produtos que se produziam ali anterior-mente. E se realizamos este estudo sobre um dos produ-tos mais famosos de Disney não foi porque estivéssemosobcecados por ele, mas porque o considerávamos umsímbolo de toda a ofensiva ideológica cotidiana do im-perialismo contra o Chile e todos os povos oprimidos.Assim, esta pesquisa se realizou a partir de uma discus-são que tivemos com os trabalhadores, sobre o fato deque eles deviam seguir publicando materiais que iamcontra sua consciência política. Uma vez realizado, esteestudo foi utilizado como mais um material para discus-sões em grupos sobre o que significava a ideologia doimperialismo e sua penetração através de meios tão"inocentes" (l981).

Em uma entrevista para Causas y Azares, o autor diz queeste livro teve o privilégio de ser censurado nos Estados Uni-dos e que nele já estava interiorizado o problema.da recep-ção. O livro foi transformado em:um clássico e tornou-se umdos mais vendidos na América Latina: foram 30 edições emespanhol e 15 em línguas estrangeiras, totalizando l milhãode exemplares (1996).

Na mesma perspectiva, era publicado na Argentina um li-vro representativo desta inquietação: Neocapitalismoy comu-nicación de masa, de Heriberto Muraro (1974). Sua caracte-rística principal é a descrição minuciosa das formas de pro-priedade dos meios incluídos num sistema macroeconômico,analisado com referências a Barán, Sweezy e Celso Furtado.Mas, também, com referências a Adorno e Horkheimer, paraadentrar na análise ideológica. Há um capítulo do livro dedi-cado à teoria da manipulação comunicacional em que o autor

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Chrisío Berger

revisa as teses de Marcuse e expressa a preocupação pelaspossibilidades de manipulação das opções políticas.

Da Argentina, ainda que Verón tenha sido o autor maisinfluente, a perspectiva de análise que recai sobre a econo-mia e a política teve impacto e seguidores, com obras comoLa dominaciôn imperialista en Ia Argentina, de Carlos Vi-las, t Dependência y empresas mulíinacionales, de SalvadorLozada. Sem contar que Schmucler e Landi também con-quistaram lugar de destaque ao relacionar cultura política emeios de comunicação.

Retornando, outra vez, aos autores citados como referên-cia e que estamos considerando como a geração que, desde acomunicação, pensou a América Latina, ou desde a AméricaLatina compreendeu o processo de comunicação massiva,observamos que todos tiveram a preocupação de explicar odesenvolvimento cultural na relação corri o desenvolvimentodo capitalismo — da indústria cultural latino-americana como imperialismo norte-americano -, destacando-se, tanto nosanalistas da estrutura de poder como nos analistas do discur-so, o conceito de ideologia. Com as análises conjunturais, es-ses autores pensavam dar sequência ao pensamento marxis-ta, pois complementavam com pesquisa empírica as refle-xões propositivas iniciais.

Ludovico Silva, em Teoria y practica de Ia ideologia,explicita os caminhos da reflexão proposta:

Como é possível estudar à ideologia que se difunde nosubdesenvolvimento, isolada do subdesenvolvimento?Isolar a televisão de seu contexto, o subdesenvolvimen-to, é praticar o mesmo absurdo teórico, entre outras ra-zões porque a televisão juntamente com outros meiosmassivos constitui a mais genuína expressão ideológicado subdesenvolvimento (1971)

Se a reflexão dos ano-* 7U não se filia automaticamente aEscola de Frankfurt, tomando-a rnais como inspiração do quecomo método, são estes textos e autores que atuaiizam a teoriacrítica no que ela oferece de possibilidades em primeiro lu-

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ippr

A pesquisa em comunicação na América Latina

gar, de pensar a comunicação com as teorias da sociedade(com mais ênfase ora nos aspectos económicos, ora nos políti-cos), mas, sempre, com o- tom de perplexidade na busca pordecifrar as relações culturais existentes no capitalismo.

Com o contexto favorável à crítica e com a pressa comque estes contextos pedem respostas, os estudiosos tomaram acomunicação como fenómeno evidente para demonstrar suashipóteses teóricas e provar seu ponto de vista político. Mas,esta posição, pela repetição, pela simplificação e pelo mecani-cismo da abordagem, esgotou-se: foi quando denunciar já nãobastava - nem na política, nem na teoria. Foi quando, também,se confundiu a teoria crítica da Escola de Frankfurt com asapropriações ligeiras e se passou a criticar indistintamenteúrria e outras. Entre as inúmeras apreciações e balanços daépoca, destaca-se a revisão sistemática realizada por JesusMartin Barbero, primeiramente, apontando as dificuldades dopensamento crítico em romper com o funcionalismo:

A pesquisa crítica em ciências sociais e particularmenteno que se refere à comunicação de massa foi definidaquase sempre na América Latina por sua ruptura com ofuncionalismo. Mas talvez essa ruptura tenha sido maisafetiva que efetiva. Ao funcionalismo se o desqualifica"em teoria", mas segue-se trabalhando a partir dele naprática. Frequentemente rompeu-se somente com seu jar-gão, mas não com a racionalidade que o sustenta. E assimseguimos presos em seu esquema (...) o instrumentalismofuncionalista, por mais que se revista da terminologia mar-xista, não pode romper com o verticalismo e a unidirecio-nalidade do processo comunicativo, pois alimenta-se dis-so (...) Porque, o que o modelo funcionalista impede pen-sar é a história e a dominação, precisamente o que ele ra-cionaliza, isto é, oculta e justifica (1980).

3. A terceira geração aponta alternativas

Naquele período - segunda metade dos anos 70 - na bus-ca por sair do impasse da crítica teoricista e acompanhando

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itnnsra cerger

as circunstâncias históricas, dois caminhos se apresentaramaos estudiosos da comunicação.

Por uma trilha, os pesquisadores da comunicação desem-barcam na Comissão Internacional para o Estudo dos Proble-mas da Comunicação, proposta pela Unesco em 1977, queproduz o relatório denominado Nova Ordem Mundial da In-formação e da Comunicação — NOMIC — onde aflora umaAmérica Latina pensada desde o Estado - altiva, solidária,esperançosa de reverter o processo em curso para descoloni-zar a informação e retirar o entretenimento do limbo da alie-nação. Com dois latino-americanos na comissão (GabrielGarcia Márquez, da Colômbia, e Juan Somavia, do Chile),entre os dezesseis membros, o documento final, de 500 pági-nas, previa fontes de informação alternativas para cobrir osacontecimentos: o fluxo de informação atravessaria os paí-ses através do nosso olhar - subdesenvolvidos, mas em pro-cesso de libertação. A democratização da informação acom-panharia o ressurgimento da democracia política e o desen-volvimento de projetos económicos nacionais na região. AAmérica Latina aparece vitoriosa nos textos de proposiçãodas políticas de Comunicação para os países subdesenvolvi-dos ou em desenvolvimento. À cultura latino-americana seinsurgiria contra a dominação cultural estrangeira, lutandocontra a desigualdade nos fóruns internacionais2.

OILET (Instituto Latinoamericano de Estúdios Transna-cionales), sediado no México, representa, e sustenta estaperspectiva. Ao enfatizar o conceito de dependência, analisao fenómeno da dominação através da estrutura e funciona-mento do sistema transnacional de comunicação, da infor-mação internacional e, considerando o relatório da Unesco,aponta possibilidades de resistência, via, por exemplo, agên-cias regionais de notícias. Estas reflexões foram reunidas nolivro A informação na nova ordem internacional (1976),também um marco das publicações latino-americanas.

2. O relatório foi publicado cm livro, Um mundo e muitas vozes, publicado no Brasil pelaFundação Getúlio Vargas cm conjunto com a Uncsco, em 1985.

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A pesquisa em comunicação na América Latina

Por outra trilha, os pesquisadores latino-americanos de-sembarcam nos projetos de comunicação popular e alternati-va3. Contreras Budge observa:

Seja pelos vaivéns políticos da região, pelas oportunida-des perdidas, pelo próprio cansaço de um teoricismo es-téril, pelo fluxo e refluxo das modas comunicacionais, ofato é que de repente foram descobertas as práticas dacomunicação popular. Descoberta do mesmo modo comose descobriu a América, pensando que se tratava daíndia. E descobertas no sentido de destaparmos os olhosdo teoricismo e contemplar, admirados, aquilo que ha-víamos ignorado (1984).

Por todos os lados surgiam experiências de inversão dosusos dos meios. O cassete-fórunvde Mário Kaplun no Uru-guai, as rádios mineiras na Bolívia, a imprensa alternativa noBrasil, evidenciavam um outro acesso e uma nova possibili-dade para os meios. A esquerda académica, em crise políticae teórica, abraçou com entusiasmo esta "outra" comunica-ção, protagonizada pelas classes subalternas, buscando, atra-vés dela, a possibilidade de se transformar no intelectual or-gânico descrito por Gramsci que começava a substituir as re-ferências a Frankfurt, ocorrendo, posteriormente, o mesmofenómeno de esvaziamento da teoria pela apropriação super-ficial e mecanicista. A pesquisa-denúncia dos anos 70 foisendo substituída pela pesquisa-ação, nos anos 80, uma pers-pectiva não só comprometida como também militante para otrabalho académico.

Na sequência da denúncia em relação à comunicaçãotransnacional e dominadora havia, por um lado, alternativasde políticas nacionais de comunicação, pensadas na luta portransformar o Estado, e, por outro, perspectivas de alteraçãodesde políticas de comunicação popular. Projetos políticos,

3. Na America Latina este é um tema fartamente tratado, principalmente através de artigos.Máximo Gririberg escreveu um dos primeiros livros, A comunicação alternativa na Améri-ca Latina, situando o tema. São referências importantes: Maria Cristina Mata, Alfredo Pai-va, Rosa Maria Alfaro, Patrícia Anzola.

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Christo Berger

mais que propostas teóricas, mobilizaram pesquisadores efrutificaram junto a setores organizados da sociedade.

O que se observa, então, é que não há coincidência entreo surgimento da comunicação popular e o interesse académi-co despertado por ela. Formas populares de expressão, de re-sistência e de contestação existiram desde sempre, assimcomo alternativas à cultura dominante. Mas é ao final dosanos 70, início dos 80, que estas formas são transformadasem objeto de estudo. Todavia, isso não; aconteceu gratuita-mente nem como mero fenómeno de moda, mas como resul-tado do contexto social. As lutas populares estavam sendoredimensionadas pelos grupos políticos e a atividade do re-ceptor revista pelos estudiosos da comunicação. O receptordeixava de ser identificado com a massa amorfa e uniforme,passiva e manipulável, passando a ocupar o lugar do domi-nado — o trabalhador organizado, a feminista, o militante -,cujas apropriações expressavam um receptor crítico.

A introdução do estudo da comunicação popular alteroua pauta da teoria da comunicação: solicitou outras referên-cias teóricas e metodológicas; propiciou um deslocamentodo espaço universitário (precisou ir aos bairros popularespara pesquisar); deixou de lado a exclusividade de tratar demeios, canais e mensagens, para tratar da cultura. A incorpo-ração do popular à teoria da comunicação propiciou rever acomunicação de massa, estudada em si, para pô-la em pers-pectiva, em relação.

Ao manejar a bibliografia latino-americana sobre a "ou-tra" comunicação, :constatamos que as designações populare alternativa são usadas indiscriminadamente, porque sãoentendidas desde o objetivo de "buscar alterar o injusto, alte-rar o opressor, alterar a inércia histórica que traz dominaçõessufocantes" (Marta, 1983),

Os estudiosos da comunicação estavam aptos a reconhe-cer a comunicação popular e alternativa como um "dado" darealidade na América Latina - que não acontece "en el aire",

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A pesquisa em comunicação na América Latina

mas em situação de dominação, e, além do mais, não existeem estado "puro", mas, como qualquer outra manifestaçãocultural, é uma prática ambígua, fragmentária, "contamina-da". A pesquisa da comunicação popular e alternativa intro-duziu, também, uma preocupação com outras modalidadesde fazer pesquisa. Eduardo Contreras Budge afirma:

É necessário que os métodos de estudo concordem comos objetos. Se o objeto são práticas comunicativas alter-nativas, também deverá buscar-se a congruência meto-dológica. Os métodos não são simples instrumentos, sãopontos de vista, são cristalizações de enunciados teóri-cos (1984).

Daí surgir uma proposta de pesquisa-ação, pesquisa par-ticipativa, pesquisa militante. Aliás, é este o caráter da pes-quisa nos anos 80: a militância define desde a opção pelo ob-jeto até.a metodologia. Esgotada a pesquisa-denúncia, os es-tudiosos da comunicação foram a campo instrumentalizadose orientados pela pesquisa-ação.

Barbero (1984) identifica no surgimento do interesse peloestudo da comunicação popular não somente os limites domodelo hegemónico, mas a pressão dos acontecimentos eprocessos sociais que foram transformando tanto a relevân-cia social dos objetos-problema como os parâmetros desdeos quais era possível pensar os novos objetos. O interessepelo popular na pesquisa em comunicação, afirma o autor,surge a partir da valorização de setores críticos aos processosde democratização na América Latina. Valorização que seacha ligada ao conteúdo que o popular assumia: novas arti-culações e mediações da sociedade civil, sentido social dosconflitos para além das vinculações político-partidárias, re-conhecimento de experiências coletivas.

Assim, a década de 80, teve, claramente identificadas,duas linhas de pesquisa:

l. Políticas Públicas/Nacionais de Comunicação - re-atualizando a questão da dependência e ampliandoo tema, com a questão da tecnologia e da democra-

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uniou ociyci

cia, havia um projeto de intervenção na comunica-ção pública desde o Estado;

2. Comunicação Popular e Alternativa - ampliando anoção de comunicação para além da Indústria Cul-tural, havia um projeto de intervenção cultural des-de os movimentos sociais.

Mantendo a tradição dos estudos de comunicação deoposição entre isto ou aquilo, estes temas já continham asquestões que viriam pautar os rumos do período seguinte: aproblemática da cultura e da recepção esclarecidas pela no-ção de mediação.

4. O projeto é pensar desde a comunicação

Chegamos, assimj ao final dos anos 80 carregados de li-vros que discorriam sobre os sistemas de comunicação e seupoder de manipulação ideológica e outros que ensinavam aproduzir formas alternativas e populares de comunicação; nabagagem, se confundiam relatórios, projetos e cartas de in-tenção de intelectuais ativos e governantes (NOII, PolíticasNacionais de Comunicação) com manuais de outros intelec-tuais, também engajados, para produzir um jornal alternati-vo, um vídeo popular, uma rádio livre ou um mural com opovo. Os dois caminhos andados são devedores da pesquisarealizada nos anos 60 e 70 — o primeiro já se vislumbrava napreocupação por políticas públicas de comunicação desde oININCO e o segundo encontrava-se nas análises do CEREN,quando Mattelart sugeria a produção de quadrinhos alterna-tivos aos dominantes personagens imperialistas.

Se até os anos 80 os contornos que demarcavam o campoda comunicação conservavam bastante nitidez, pois se podiaidentificar com precisão os estudos sobre a estrutura transna-cional da comunicação, a comunicação participativa/populare a problemática das políticas públicas de comunicação, noinício dos anos 90 as fronteiras entre as linhas e a relação

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A pesquiso em comunicação na wiiemu LUIUIU

com as disciplinas já não são tão claras. A constatação da ne-cessidade, primeiro, de revisões e de releituras - logo, de no-vas proposições teórico-metodológicas — é a tónica deste pe-ríodo. Jesus Martin Barbero afirma que os pesquisadores en-contravam-se em um processo de construção de um novomodelo de análise, onde à cultura cabia o papel de mediaçãosocial e teórica da comunicação com o popular, com a vidacotidiana, com os meios. Desta convergência de preocupa-ções, conforme o autor (1983), a pesquisa em comunicaçãona América Latina receberia seu "tônus" caracterizador. Elesugeria que se começasse a estudar:

a) o ambíguo processo de gestação do massivo a par-tir do popular;

b) os modos de presença/ausência, de afirmação/ne-gação, de confisco e de de-formação da memóriapopular nos atuais processos de "massmediación";

c) os usos populares do massivo, tanto da assimilaçãoquanto da ressemantização.

Este caminho proposto por Barbero foi realizado por mui-tos pesquisadores na América Latina: por ele mesmo, porNéstor Garcia Canclini, por Maria Cristina Mata, por JorgeGonzalez, por Rosa Maria Alfaro. É quando a pesquisa se in-dependentiza do estudo dos meios para compreender a vidacotidiana, onde os meios ingressam detendo um lugar.

Barbero é considerado o "formulador das questões" e oimpulsionador do campo no sentido de sua renovação, pois,junto com as revisões, ele formulou um projeto transdiscipli-nar para pensar desde a comunicação. Desde a comunicação,diz Raul Fuentes (1999), são observados processos e dimen-sões que incorporam perguntas e saberes históricos, antropo-lógicos, estéticos; ao mesmo tempo que a história, a sociolo-gia, a antropologia e a ciência política se encarregam dos meiose dos modos como operam as indústrias culturais. Para ele, atransdisciplinaridade nos estudos de comunicação não signi-fica a dissolução de seus objetos nos objetos das ciências so-

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Christa Berger

ciais, mas a construção das articulações - mediações e inter-textualidades - que marcam sua especificidade.

A perspectiva que vai, então, se afirmando entre os pes-quisadores é: a comunicação deve ser tratada no cenário dacultura, que na América Latina encontra eco na sua formaçãohíbrida, que propicia múltiplas mediações na recepção dasmensagens. Neste enunciado estão postas as palavras-chaveque nomeiam as preocupações que dão a identidade da pes-quisa nos anos 90 e que vão sendo atualizadas pelos pesqui-sadores de referência.

A revisão que Armand e Michele Mattelart realizaram so-bre seu trabalho aponta nesta direção. Em uma entrevista rea-lizada por Mário Kaplun, cujo título é Los Mattelart hoy: en-tre Ia continuidady Ia ruptura, encontramos esta afirmação:

O que mudou em nossa trajetória nestes últimos quinzeanos é que finalmente aprendemos que a classe não re-solve tudo. Nem contém tudo. Junto à problemática declasse há outros interesses. E este é o aporte, o ensina-mento dos chamados movimentos sociais, o movimentofeminino, o ecológico, o dos direitos humanos. (...) Diriaque o novo está na incorporação do receptor como pólogravitante, ao que se reconhece por fim uma espécie deliberdade de leitura das mensagens que consome; umapossibilidade de apropriar-se destes produtos. E é muitoimportante sublinhar esta mudança, esta nova capacida-de de entender o processo bipolar da comunicação, quevem romper com o modelo linear de pensamento com oqual, antes, se abordava o problema (1988).

Há consenso, entre os estudiosos da comunicação, deque a pesquisa de recepção trouxe novas perspectivas para ocampo de estudo, não só por superar as limitações impostaspelas pesquisas de efeito, de audiências, de usos e gratifica-ções, como por propiciar a compreensão de todo o processo."Toda a problemática do mal-falado receptor está sendo re-pensada radicalmente" (Barbero, 1980). Existiria a cumpli-cidade dos receptores na dominação, mas também nas for-

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rA pesquisa em comunicação na América Latina

mas de resistência, afirma o autor, ainda que reconheça, emoutros momentos, a relatividade da resistência. Neste texto,Barbero incorpora os aportes da Escola de Birmingham4,como Canclini fez em As culturas populares no capitalismo(1982), e em Culturas híbridas (l998).(No México a pesqui-sa de recepção tem bom desenvolvimento, principalmentena relação com a educação, trabalhada por Guillermo Oroz-co(1987, 1988, 1989).

Mais tarde, o tema volta, repensado, à luz de outras avali-ações. "Os estudos de recepção, ao se transformarem em mo-dismo, esqueceram também que a comunicação é um pro-cesso, reduzindo o problema da recepção à audiência", afir-mou Michele Mattelart em Porto Alegre (4 de nov. de 2000).Na medida em que estes estudos enfatizaram o pólo receptor,isolado do processo de comunicação e fora do contexto emque se dá a recepção, a prometida ruptura não aconteceu.

As categorias com as quais ingressamos nos anos 90 nãosão mais nem a de ideologia, nem a de dependência, aindaque estas tenham sido incorporadas ao discurso como um todo,mas a de mediação e a de hibridação, que permitem repensara relação do popular com o massivo, da comunicação com osmovimentos sociais, do receptor com o meio, todas "media-das" pelas estruturas socioculturais.

Nos anos 90, o contexto é enunciado através da proble-mática da globalização e da mundialização. Como diz Octa-vio.Ianni:

Na medida em que o capitalismo continua a processar aglobalização do mundo, emergem relações, processos eestruturas próprias desse mundo. Este é um aspecto fun-damental da grande transformação que se acha em cursono mundo contemporâneo: o desenvolvimento extensi-

4. Os Cultural Studies ingressaram na América Latina, onde já se desenvolvia uma pesqui-sa de resgate da cultura popular e uma critica á divisão elitista entre alta e baixa cultura.Barbero e Canclini incorporam aportes evidentes de Williams e Hall, para traçar um pano-rama das Culturas Híbridas, mas, também na Argentina, principalmente através da revistaPúnto de Vista, esta escola se tomou conhecida.

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vo e intensivo do capitalismo continua a alcançar, absor-ver e reabsorver os mais diversos espaços, modos de vida,trabalho e cultura (1995).

Portanto, as razões de fundo que orientaram a denúnciados modos de atuação da comunicação na América Latinapermanecem, mas o modelo da "pesquisa-denúncia" ficoufora de lugar. Por outro lado, também os dois caminhos sub-sequentes se perderam: as ilusões do Estado' capazes detransformar o mundo da cultura, com a aquiescência de orga-nismos internacionais como a ONU e a Unesco, já foram en-terradas, e a comunicação popular e alternativa, capazes dese contraporem com êxito à Indústria Cultural, também jánão pertencem à agenda temática da área.

A nova década iniciou com os intelectuais perplexosfrente aos desdobramentos da comunicação em todas as ins-tâncias da vida social, legitimando o campo de estudo da co-municação como um campo transdisciplinar no interior dasciências sociais. Novamente é Barbero quem sintetiza os ru-mos da pesquisa:

Desde o começo dos anos 90, a configuração dos estu-dos de comunicação mostra mudanças de fundo, queprovêm não só, nem principalmente, dos deslizamentosinternos ao próprio campo mas de um movimento geralnas ciências sociais. Os processos impulsionados pelaglobalização económica e tecnológica ultrapassam porcompleto os alcances da teoria da dependência e do im-perialismo, obrigando a pensar uma trama nova de terri-tórios e de atores, de contradições e de conflitos. Os dês-'locamentos com que se buscará refazer conceituai e me-todologicamente o campo da comunicação virá da expe-riência dos movimentos sociais e da reflexão que propi-ciam os estudos culturais.

Inicia-se, então, uma expansão dos limites que demarca-vamlo campo da comunicação: as fronteiras e as topo-grafias não são as mesmas de apenas dez anos atrás. Aideia da informação, associada à inovação tecnológica,

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A pesquisa em comunicação na América Latina

ganha legitimidade científica e operacionalidade enquan-to a de comunicação se desloca e se aloja em camposdistantes: a filosofia, a hermenêutica. A brecha entre ootimismo tecnológico e o ceticismo político se agigantae encobre o sentido da crítica.

Abre-se caminho então à consciência crescente do esta-tuto transdisciplinar do estudo da comunicação, eviden-ciada pela multidimensionálidade dos processos comu-nicativos e sua gravitação cada dia mais forte sobre osmovimentos de desterritorialização e hibridações que amodernidade latina produz. Nesta nova perspectiva, "in-dústria cultural" e "comunicação massiva" são os nomesdos novos processos de produção e circulação da cultu-ra, que corresponde não só a inovações tecnológicas masa novas formas de sensibilidade. E que têm, senão suaorigem, pelo menos seu correlato mais decisivo nas no-vas formas de sociabilidade com que as pessoas enfren-tam a heterogeneidade simbólica e o crescimento da ci-dade. É desde as novas maneiras de juntar-se e exclu-ísse, de (des)conhecer e (re)conhecer-se, que adquireespessura social e relevância cognitiva o que passa em epelos meios e as novas tecnologias de comunicação.Pois é desde ali que os meios passaram a constituir o pú-blico, a mediar na produção de imaginários que de al-gum modo integram a desgarrada experiência urbanados cidadãos: seja substituindo a teatralidade de rua dapolítica pela sua espetacularização televisiva ou desma-terializando a cultura e retirando da história, mediantetecnologias que, como as redes telemáticas ou os ví-deo-games, propõem a hiperrealidade e a descontinuida-de como hábitos perceptivos dominantes (1999).

Novamente a pesquisa em comunicação é exemplar paraa observação, por um lado, do movimento da história políticae cultural do continente, e, por outro, das configurações dasciências sociais, porque seu objeto de estudo está fortementeancorado na vida cotidiana e porque aponta a direção hege-mónica deste mundo. Por isso, a reunião da tecnologia com oconsumo, e destas com a política e a cultura, inscrevem-se

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Girista Berger

entre os temas atuais que exemplificam a continuidade daspreocupações que fundaram o campo.

António Pasquali, o que primeiro falou criticamente dacomunicação produzida na América Latina e o segundo co-locado na pesquisa sobre as influências na região, reuniu ar-tigos e conferências suas no livro El ordén reina, onde per-gunta: "Que fazer depois de 25 anos de intensa atividadebuscando transformar o sistema de comunicação da AméricaLatina"? Na resposta, ele constata: "Todo este enorme traba-lho deve ser qualificado hoje, com lucidez, como um fracas-so". A primeira razão para o fracasso é, na opinião de Pas-quali, "porque esta pesquisa não soube convencer os poderesdemocraticamente constituídos, não soube convencer as for-ças políticas e as bases populares, consumidoras de bens cul-turais". Nesta nova fase, para ele, é "imperativo suscitar umdiscurso transacadêmico, transpolítico e transideológico,tanto sobre a comunicação como sobre a cultura" (1991).

Com esta observação de Pasquali, confirmamos a pre-missa de que a pesquisa na América Latina sobre a comuni-cação teve um compromisso político e que buscou ocuparum lugar nas lutas populares do continente:

a democratização da sociedade, a defesa de sua sobera-nia económica, política e cultural, e o desenvolvimentoem sua acepção mais ampla. Em função destes fins, des-te compromisso com o futuro da sociedade, a investiga-ção devia ser rigorosa, não voluntarista ou dogmática(Beltrán; Cardona, 1982).

Este compromisso ou preocupação continua presente emmuitos pesquisadores e nas formulações de pesquisas e proje-tos conjuntos, assumindo a modalidade de luta plausível parao novo milénio. Hoje, a pesquisa em comunicação é realizadanos programas de pós-graduação - mestrados e doutorados —que se expandem e devem propiciar a qualidade teórica e me-todológica reivindicada durante todo o percurso, deixandovislumbrar a tradição de compromisso social já sedimentada.

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A pesquisa em comunicação no Américo Latina

Raul Fuentes exemplifica o pesquisador académico quefaz questão de evidenciar as marcas do lugar de onde fala aoprojetar as perspectivas da pesquisa em comunicação para oséculo XXI:

... proponho um esforço comunitário centrado na formu-lação de um projeto que, a partir de uma definição ética(quer dizer, ideológica, político-moral) das funções so-ciais que pode desempenhar a pesquisa de comunicaçãono sistema mundo de transição histórica em que vivere-mos, pelo menos, nas próximas duas décadas, estabeleçaespaços de discussão e de construção coletiva, sistemáti-

• ca e rigorosa, das opções que no terreno teórico-metodo-lógico e epistemológico, por uma parte, e na organizaçãodas práticas de pesquisa, por outra, poderiam adotar-secomo utopia comunicacional, como produção social desentido sobre a produção social de sentido (1999).

Referências bibliográficas

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