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7/29/2019 BIOARTE E EXPERINCIAS DA RESISTNCIA
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19ENCONTRO DAASSOCIAONACIONAL DEPESQUISADORES EMARTESP STICENTRETERRITRIOS 20 A 25/09/2010 CACHOEIRA BAHIA B AS
BIOARTE E EXPERINCIAS DA RESISTNCIA
Marta Luiza StrambiUnicamp
RESUMO
Este artigo pretende refletir sobre o que se convencionou chamar de Bioarte, uma artebiolgica, de carter experimental, que tem como meio a matria viva, usada como prticada arte. Produzida em laboratrios cientficos e estdios criados pelos artistas, suaferramenta a biotecnologia. Este trabalho trata tambm de procedimentos que evocam arelao entre arte e cincia, entre arte e vida, atravs de uma potica de relacionamentos
que incluem procedimentos de botnica e a manipulao de materiais sensveis.Palavras-chave: Artes Visuais;Bioarte, Arte/Cincia
ABSTRACT
This article reflects about what has being called, by convention, Bioart, a biological art form,on experimental character, that uses living matter on it's practices. Produced in scientific labsand studios created by the artists, bioart's tool is the biotechnology. This work also deals withprocedures that evoke the relationship between art and science, art and life, through relation
poetics that includes botanical procedures and the manipulation of sensitive materials.
KEY WORDS:Visual Arts; Bioart, Art/Science
Introduo
A verdade jamais pura e raramente simplesOscar Wilde
A partir da dcada de 90 alguns artistas comearam a trabalhar com uma arte
biolgica, de carter experimental, estritamente viva. Chamada de bioarte, ela se
deu no sculo 20, mas comeou a ser amplamente praticada no incio do sculo 21.
Eduardo Kac e George Gessert, expoentes da bioarte, usam o corpo como lugar de
confluncia, entre matria humana e tecnologia.
Geralmente a bioarte produzida em laboratrios cientficos e estdios criados pelos
artistas. Nesses laboratrios os artistas so muitas vezes consideradosEstrangeiros , o que dificulta sua experincia nesse tipo de ambiente. Ela tem
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como meio a matria viva, usada como prtica da arte, onde sua ferramenta a
biotecnologia por exemplo, a engenharia gentica e a clonagem. Os bioartistas
utilizam-se de clulas, protenas, DNA, bactrias, tecido vivo, sangue e congneres
e defendem o limite da categoria no estrito tpico das formas vivas. Alm de
artistas dessa nova mdia eles tambm podem ser vistos como cientistas.
Entre os principais expoentes da bioarte se encontram Eduardo Kac, Joe Davis,
George Gessert, Hunter Cole, Oron Catts, Ionat Zurr, Natasha Vita-More, Stelarc,
Adam Zaretsky, Julia Reodica, Kevin Jones, Kathy High, Marta de Menezes entre
outros.
1. Entre as Artes e asCincias
Surgida do impacto cultural, do avano e acessibilidade da biotecnologia, como
pesquisas genticas, a bioarte trs como produo algumas obras de arte/cincia
que podem ser consideradas mais suaves, mas a maioria delas, por natureza, so
consideradas contundentes, uma vez que em suas formas radicais manipulam os
processos da vida, dando a elas uma criao e inveno inusitadas, inventando e
transformando assim os organismos vivos, extrapolando os limites tnues entre o
natural e o artificial. Os bioartistas criam obras que perturbam as tradicionais
distines entre arte e cincia atravs da combinao de processos cientficos e
artsticos. Geralmente tais obras tendem reflexo social, transmitindo a crtica
poltica e antropolgica.
Dentre as obras da produo da bioarte podemos citar Time Capsule de Eduardo
Kac, criada em 1997, obra-experincia que apresenta um novo procedimento nas
poticas visuais, com um vis tecnolgico. Time Casule se consistiu de ummicrochip (que contm um nmero de identificao programada integrado a uma
bobina e a um capacitor, todos lacrados hermeticamente em vidro biocompatvel)
implantado no tornozelo esquerdo do artista em ocasio ao evento realizado nas
Casa das Rosas em So Paulo. Com esse implante intradrmico, a inteno do
artista foi a de registrar-se na Web em um banco de dados localizado nos Estados
Unidos inaugurando o primeiro exemplo de um ser humano adicionado a um
banco de dados. Com isso ele humaniza o processo de armazenamento de
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memria e relata seu intuito de antropomorfizar as mquinas, tornando-as mais
como ns, uma reflexo sob o ponto de vista do humano.
Outra obra de impacto criada por Eduardo Kac foi GFP Bunny, de 2000, umacoelha transgnica apresentada publicamente pela primeira vez em Avignon, na
Frana. Alba , o nome da coelha, a criao de um animal quimrico que no
existe na natureza, um trabalho de arte transgnica que compreende a criao de
uma coelha verde fluorescente por meio da protena que lhe confere essa cor, ela
somente reluz quando iluminada sob uma lmpada de raios ultravioleta. Na criao
de Alba, Kac injetou um gene da protena fluorescente em uma gua-viva e integrou
este gene nessa coelha viva. Isto levou a coelha a se tornar verde-brilhante capaz
de brilhar ao ser iluminada.
Outra produo de Eduardo Kac, datada de 2003 a 2008, so os registros de
Edunia, obra intitulada de "Histria Natural do Enigma", uma planta artificial, pois
no podemos encontr-la na natureza, cujo nome uma mistura do nome do artista
com a flor petnia: Eduardo com petnia = Edunia. Edunia se formou atravs de
um gene do sangue do artista acrescentado ao DNA da planta original, produzindo
uma protena somente na rede venosa da flor. Essa planta de Kac tem suas veiasvermelhas e ptalas cor de rosa, uma manipulao molecular, cujo resultado uma
imagem viva de sangue humano correndo nas veias de uma flor.
Outro artista da bioarte, que vale destacar, Joe Davis, que desenvolve pesquisa
nos campos da biologia molecular, bioinformtica, arte espacial e escultura. Entre
suas obras relaciono aqui um Microscpio de udio,de 2000.Esse trabalho possui
detectores pticos, as condies especiais de iluminao e microscpios, de modo a
permitir que a luz refletida das superfcies dos espcimes analisados penetre nas
lentes de suas objetivas. Esses sinais pticos so ento transduzidos em sinais
eltricos, atravs de detectores montados nas binoculares dos microscpios. Os
impulsos eltricos so subsequentemente convertidos em som, atravs de
equipamentos de udio comuns. O artista se utiliza ento de tais leituras, de modo a
construir uma perspectiva sinestsica individual de cada espcime, mostrando o
interior de, por exemplo, uma clula, de maneira sonora.
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George Gessert, artistaamericano,desenvolveu um projeto de criao envolvendo
streptocarpuses, um gnero de planta cultivado por suas flores ornamentais. O
projeto, que comeou em1995, est agora em sua 8 gerao, eproduziu mas de
dez mil hbridos, dos quais mais de 1.800 foram documentados. A famlia "Mark
Tobey" consiste de 39 hbridos documentados, e produziu 6 geraes.
Cada hbrido identificado com um nmero. Mark Tobey (1890 - 1976) foi um pintor
americano cujo trabalho ajudou a aproximar a China e o Ocidente.
Hunter Cole, tanto uma artista quanto uma geneticista experiente, reinterpreta a
cincia como a arte de viver obras de arte. Cole chama a ateno para o ciclo da
vida e da morte, para nossa prpria mortalidade atravs de uma srie de Desenhos
Vivos, de 2004/05, que controla utilizando bactrias bioluminescentes. As bactrias
crescem no ambiente de acolhimento e se tornam colaboradoras na arte, atuando
num processo onde elas crescem e morrem. Hunter utiliza os nutrientes disponveis
para que elas apaream como luz brilhante no desenho onde so fotografadas,
depois, as bactrias vo morrendo gradualmente ao longo de um perodo de duas
semanas.
Oron Catts e Ionat Zurr desenvolvem tecidos vivos em estatuetas de vidro, e atravsde uma montagem digital podem ver diferentes tipos de clulas em crescimento no
microscpio. Em cima do tecido conjuntivo podemos ver tambm o crescimento dos
tecidos da pele. As cores so obtidas utilizando diferentes corantes e filtros. Em
seguida vemos crescer o tecido muscular sobre bi-polmeros. Numa prxima etapa
os artistas faro crescer as clulas musculares e neurnios ao longo de bi-
polmeros. A inteno desses artistas no futuro trabalhar com o cultivo de rgos,
que uma forma mais complexa de cultura de uma coleo de tecidos. Eles utilizamtecidos de coelhos e ratos e preferem chamar o que esto criando de tecidos
derivados". H muito que falar sobre a clonagem e a engenharia gentica, mas h
outros aspectos biolgicos relacionados com as tecnologias que vo ser bastante
dominantes no futuro. Esses artistas acreditam que um deles vai ser engenharia de
tecidos, que o uso das estruturas construdas artificialmente, em que voc atribui
clulas normalmente para substituir um defeito ou partes do corpo ferido.
Stelarc, artista performtico, investiga visualmente e amplifica acusticamente o seu
corpo. Realiza filmes sobre o interior do corpo. Utiliza-se tambm da suspenso
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corporal, de dispositivos mdicos, prteses, robtica e sistemas de realidade virtual,
a Internet e a biotecnologia para explorar interfaces alternativas, ntimas e
involuntrias com o corpo. Praticou performances com uma terceira mo, um
brao virtual, uma escultura estomacal e construiu cirurgicamente uma orelha
extra no seu brao, que ligada Internet, tornando-a um rgo acstico acessvel
s pessoas localizadas na rede de computadores.
Adam Zaretsky, com seu senso de humor, passou 48 horas tocando Engelbert
Humperdincksde "Greatest Hits" em uma colnia de clulas (com capacidade de
produzir antibiticos) e bactrias para determinar se as vibraes ou sons
influenciavam o crescimento bacteriano. Observando o aumento da produo de
antibiticos, Zaretsky decidiu que talvez as clulas fossem importunadas pela
sujeio constante de lounge music em volume alto, e dessa forma tentassem
combater o mal da nica maneira que podia. Em seus cursos destina-se a expor os
artistas a laboratrios, um aluno pode pintar com bactrias geneticamente
modificadas ou incorpor-la em uma obra de arte viva.
Essa arte envolve o cultivo de tecidos e transgnicos, processos de engenharia
gentica da qual o material gentico de um organismo alterado pela adio desntese ou transplantados a partir de material gentico de outro organismo.
Julia Reodica, na srie hymNext hymens", de 2004, produz uma srie de hmens
artificiais, combinando novos meios e mtodos de escultura com o cultivo de tecidos.
Para a elaborao dos hmens elautilizou suas prprias clulas vaginais e amostras
de tecidos de ratos. Com essa srie de obras Reodica visa enfrentar a sexualidade
moderna, provocando a reflexo sobre o corpo feminino e a nfase da virgindade em
nossa cultura. Em outros projetos trabalha uma srie que ela chama de "esculturas
vivas", criando uma coleo de embries sintticos de criaturas mticas.
Os trabalhos de Kevin Jones exploram a biotecnologia. Quase todas as peas esto
vivas, e os meios utilizados incluem bactrias bioluminescentes e frutas podres, j
Kathy High se envolveu com a bioarte atravs de seu interesse nas questes
centradas no processo de parto/nascimento e as tecnologias reprodutivas.
Marta de Menezes criou o seu primeiro projeto de arte biolgica Nature ?,em 1999,
ao modificar o padro das asas de borboletas vivas, constitudas apenas por clulas
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normais, sem pigmentos artificiais ou cicatrizes, mas desenhadas pela artista.Marta
usa uma agulha fina acoplada a um gerador de calor, enquanto as borboletas esto
em seus casulos, para alterar ligeiramente o seu desenvolvimento, provocando
assim mudanas nos padres de suas asas atravs de uma tcnica chamada
microeautrio. Pode-se apagar ou criar "ocelos" nas asas, e os resultados
geralmente podem ser controlados. As mudanas no ocorrem em nvel gentico e
no so transmitidas descendncia. Os genes das borboletas no so modificados
com a interveno artstica. Esses novos padres nunca apareceram antes na
natureza e esta forma de arte literalmente vive e morre. um exemplo de arte com
um perodo limitado de vida a durao da vida da borboleta. Marta desde 1999 tem
se utilizado de diferentes tcnicas, incluindo ressonncia magntica funcional docrebro para criar retratos onde a mente pode ser observada em Functional
Portraits, de 2002.
Junior Return de Philip Ross um conjunto de cpsulas de vidro que proporcionam
uma miniatura de planta, um sistema que a mantm fechada em um estado ano.
Controlado por computador ele cria um ambiente hidropnico; razes das plantas
esto submersas em gua e em nutrientes, enquanto as luzes LED geram
fornecimento de iluminao necessria. Uma bomba ativada por um cronmetro
digital que passa ar e gua para a planta banhando suas razes. A energia para tudo
isso fornecida por uma bateria que conectada unidade. Esse sistema mantm
sua fbrica fornecendo apenas recursos suficientes para sobreviver, mas no
prosperar. Philip manteve por quase trs anos um brcolis (de mudas vivas) usando
esta tcnica, e quis formalizar esse comportamento em um dispositivo. A planta
neste recipiente poderia florescer no mais pobre dos ambientes, mas tambm seria
invisvel para ns em significado esttico e considerao.
2. A Vida que Insiste
O meu percurso como artista foi trabalhar, desde os anos 90, a questo do corpo,
como uma pele ligada ao corpuspoltico, objetos, performances e instalaes que
foram agregados a outros materiais como argila, silicone, chumbo e vidro.
Essa produo em derretimento continua sendo minha busca, que transformada emmatria traduziu-se em forma plstica, como se ao unir gotas no mrmore
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fssemos definindo caminhos, sentenas, ou mesmo, dvidas. O pensamento
submerso e pego assim se lana como vcuo, agregando massas, amalgamando
matrias, como uma rachadura que se abre a meio caminho.
Presa incansvel busca de trazer tona nossos modos de vida em desalinho,
realizo a fuso dessas matrias resistncia da vida, como uma forma de
aclamao. Mostro essa resistncia atravs das sries de trabalhos plsticos
produzidos entre 2007 e 2009, como em Copo, Copos, Fuso, Fundidos,
Derretidos, Acumulao, Acomodao, Fornaces e Oferenda sob
Metformina. Ainda em 2009 realizei algumas aes como In lavatrio e 2 dedos
de gua, uma experincia material atrelada a uma ao projetada sob a inteno de
conter, aparar ou remediar o plasma de vida: consistiu-se da ingesto de remdio
seguido de dois dedos de gua, vertidos de um copo derretido fixo parede.
Com a mesma inteno sigo hoje reunindo o tempo perdido, aparando o espao
mnimo e tentando reaver a vida pelos nfimos lugares ainda in vitae, atravs dos
trabalhos In resistncia e Vida que insiste como mostram as imagens abaixo.
Marta Strambi, Vida que insiste, 2010, copos fundidos e Ip
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Marta Strambi, Vida que insiste, 2010, copos fundidos e Ip
Marta Strambi, In resistncia, 2010, copos fundidos e Ips
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Marta Strambi, Vida que insiste, 2010, copos fundidos e Ip
Enquanto h uma bioarte que trabalha com seres transgnicos e reinventados, h
tambm possibilidades de se recuperar in vitroessas formas sensveis de viver, para
trazer tona ou apresentar um ltimo suspiro de vida, se ainda nos restar.
Escrever sobre o cuidado que se deve ter com essas vidas, reg-las diariamente,
coloc-las em local claro e arejado, ainda tudo que podemos fazer.
Referncias
CATTS, Oron. A desestetizao do vivo. Decepo e improdutividade. Revista Nada,Lisboa, n 7, 2006.
HEARTNEY, Eleanor. Art&Today. London: Phaidon, 2008.
KAC, Eduardo. Signs of Life: Bio Art and Beyond. Cambridge: MIT Press, 2007.
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MOURA, Leonel. Os Homens Lixo.Lisboa: Fenda, 1996.
RIEMSCHNEIDER, Burkhard e GROSENICK, Uta (Org.) Art the turn of the millennium.Colonia: Taschen, 1999.
SCHNECKENBURGER, Manfred. Escultura. InWALTHER, Ingo F. (Org.). Arte do sculoXX. Colonia: Taschen, 1999.
Marta Luiza Strambi
Artista Plstica. Membro do Grupo de Pesquisa Estudos Visuais, CNPQ/Unicamp. Ps-Doutoranda, IA/Unicamp. Doutora em Artes, Eca/Usp. Mestre em Artes, IA/Unicamp.
Especialista em Educao, Fe/Unicamp. Graduada em Artes Plsticas, Puccamp. Atua emreas terico-prticas da arte interpenetrando a rea da Educao. Trabalha com ValuOriaGaleria de Arte/SP e com a Galeria Sete, Coimbra/Portugal.