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Bioquímica II Vol 2 - canalcederj.cecierj.edu.br · A Química da Antiguidade é essencialmente uma técnica: fabricação de cores, de bebidas fermentadas, de preparação de metais

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Andrea Thompson Da Poian

Debora Foguel

Marílvia Dansa Petretski

Olga Lima Tavares Machado

Volume 2 - Módulos 4, 5, 6 e 72a edição

Bioquímica II

Apoio:

Material Didático

Referências Bibliográfi cas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT.

Copyright © 2004, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação.

D111b Da Poian, Andrea Thompson. Bioquímica II. v. 2 / Andrea Thompson Da Poian. -- 2.ed. – Rio de Janeiro : Fundação CECIERJ, 2007. 270p.; 19 x 26,5 cm.

ISBN: 85-89200-46-9

1. Respiração celular. 2. Ciclo de Krebs. 3. Metabolismo de aminoácidos. 4. Uréia. 5. Metabolismo de carboidratos. 6. Degradação. Sintese de ácidos. 7. Glicose. 8. Biossintese. 9. Insulina. 10. Glicocorticóides. I. Foguel, Debora. II. Petretski, Marílvia Dansa. III. Machado, Olga Tavares. IV. Título.

CDD: 572

ELABORAÇÃO DE CONTEÚDOAndrea Thompson Da PoianDebora FoguelMarílvia Dansa PetretskiOlga Lima Tavares Machado

COORDENAÇÃO E REVISÃOAna Tereza de andrade

DESIGN INSTRUCIONAL E REVISÃOAlexandre Rodrigues AlvesCarmen Irene Correia de OliveiraJosé Meyohas

REVISÃO TÉCNICAMarta Abdala

2007/2

Fundação Cecierj / Consórcio CederjRua Visconde de Niterói, 1364 – Mangueira – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20943-001

Tel.: (21) 2299-4565 Fax: (21) 2568-0725

PresidenteMasako Oya Masuda

Coordenação do Curso de BiologiaUENF - Ana Beatriz Garcia

UFRJ - Masako Oya MasudaUERJ - Cibele Schwanke

EDITORATereza Queiroz

COORDENAÇÃO EDITORIALJane Castellani

REVISÃO TIPOGRÁFICAJane CastellaniKátia Ferreira dos Santos

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃOJorge Moura

PROGRAMAÇÃO VISUALEquipe CEDERJ

COORDENAÇÃO DE ILUSTRAÇÃOEduardo Bordoni

ILUSTRAÇÃOJefferson CaçadorSalmo DansaSami Souza

CAPAEduardo Bordoni

PRODUÇÃO GRÁFICAAndréa Dias FiãesFábio Rapello Alencar

Departamento de Produção

Universidades Consorciadas

Governo do Estado do Rio de Janeiro

Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação

Governador

Alexandre Cardoso

Sérgio Cabral Filho

UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIROReitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho

UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Nival Nunes de Almeida

UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitora: Malvina Tania Tuttman

UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Motta Miranda

UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitor: Aloísio Teixeira

UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles

Bioquímica II

SUMÁRIO Módulo 4

Aula 12 - Respiração celular ____________________________________7

Aula 13 - Ciclo de Krebs - Parte 1 ______________________________ 17

Aula 14 - Ciclo de Krebs - Parte 2 ______________________________ 29

Aula 15 - Metabolismo de carboidratos I _________________________ 51

Aula 16 - Metabolismo de carboidratos II ________________________ 65

Módulo 5

Aula 17 - A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia _________ 83

Aula 18 - Ciclo da uréia______________________________________ 95

Aula 19 - Metabolismo de aminoácidos ________________________ 103

Módulo 6

Aulas 20 / 21 - Degradação de lipídeos _______________________ 115

Aulas 22 / 23 - Síntese de ácidos graxos _______________________ 135

Módulo 7

Aula 24 - Via das pentoses-fosfato ____________________________ 149

Aula 25 - Degradação do glicogênio ___________________________ 159

Aula 26 - Biossíntese do glicogênio ___________________________ 167

Aula 27 - Regulação do metabolismo do glicogênio _______________ 175

Aula 28 - Introdução à gliconeogênese _________________________ 187

Aula 29 - A via gliconeogênica _______________________________ 199

Aula 30 - Regulação da gliconeogênese ________________________ 211

Aula 31 - Introdução aos hormônios ___________________________ 223

Aula 32 - Glucagon e adrenalina _____________________________ 235

Aula 33 - Insulina e glicocorticóides ___________________________ 249

Gabarito _______________________________________________ 265

Volume 2 - Módulos 4, 5, 6 e 7

Respiração celular 12AU

LA

BIOQUÍMICA II | Respiração celular

8 CEDERJ

Figura 12.1: Símbolo alquímico. Uma cobra devorando a própria cauda. O círculo for-mado s imbol iza o infi nito.

DA ANTIGUIDADE AO INÍCIO DA MODERNIDADE

A Química da Antiguidade é essencialmente uma técnica:

fabricação de cores, de bebidas fermentadas, de preparação de metais

etc. Alguns produtos, como a cal e o enxofre, já eram conhecidos. Nessa

época, os homens assumiam que a natureza era composta por quatro

elementos fundamentais: fogo, ar, terra e água (os quatro elementos

de Aristóteles); estes quatro elementos estavam associados a quatro

qualidades: calor, frio, secura e umidade.

No fi m da Antiguidade surge a Alquimia (século IX). O grande

objetivo dos alquimistas era a busca do ouro, a transmutação dos

metais. A interpretação das reações químicas acontecia através de um

“pensamento mágico”. Apesar do seu misticismo, a Alquimia teve um

papel central no progresso da Química.

A vontade de experimentar se acentua em meados do século XVII.

A noção de ácido (chamado spiritus salis por Livabius) é um pouco mais

bem defi nida por Robert Boyle. O antagonismo entre ácidos e bases é

mais bem estudado. A existência dos gases é revelada (chamado spiritus

sylvestris ou espírito indomável por Van Helmont). Torricelli e Pascal

demonstram a existência do vácuo.

Os “químicos” dessa época começaram a duvidar se as substâncias

seriam compostas apenas pelos quatro elementos e tentaram explicar por

que quando um corpo queimava suas propriedades físicas e químicas

se alteravam.

Figura 12.2: Um laboratório alquímico.

CEDERJ 9

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DU

LO 4

12

Outra verdade da época era a concepção de que o ar era único.

Contudo, já se faziam referências quanto à qualidade do ar, atribuindo-se

características de ar bom (defl ogisticado) e ar ruim (fl ogisticado), encontrados

nas montanhas e em ambientes confi nados, respectivamente.

Figura 12.3: Representação resumida da Teoria do Flogístico. A Terra era considerada um elemento pobre em fl ogístico, enquanto o metal era um elemento rico em fl ogístico.

Surgiu, então, em 1760, a Teoria do Flogístico ou Princípio do

Fogo, postulada por Georg Ernst Sthal, que unifi cava o pensamento da

época. Esta teoria propunha que todo corpo suscetível à combustão

contém um princípio de infl amabilidade (fl ogístico) que era liberado

durante a queima.

Assim, o fl ogístico existia não só na matéria inanimada como

também nos seres vivos. Neste caso, o fl ogístico ou alma da matéria

seria liberado durante a respiração no decorrer da vida, levando ao

envelhecimento.

TERRA (Pobre em flogístico)

METAL (Rico em flogístico)

FOGO (Flogiston)

PP

P

E E

BIOQUÍMICA II | Respiração celular

10 CEDERJ

LAVOISIER

Nesse contexto, o francês, economista e servidor público, Antoine

Laurent Lavoisier, iniciou, como hobby, seus estudos na área da Chymica.

Tido como conservador e metódico, introduziu métodos de trabalho

que lançaram as bases para a química moderna. Graças ao seu poder

econômico, pôde montar um laboratório, com instrumentos de precisão

bastante sofi sticados para a época e, até então, nunca utilizados em

pesquisa.

Lavoisier, interessado em entender os mecanismos da combustão

de diferentes substâncias, realizou diversos experimentos, entre os quais

um chamou particularmente sua atenção, conforme o enunciado que se

segue:

Figura 12.4: Antoine Laurent Lavoisier, cientista francês considerado o pai da química moderna. Lavoisier foi guilho-tinado durante a Revolução Francesa.Para saber mais consulte: http://scienceworld.wolfram.com/biography/lavoisier.html

“Por volta de oito dias atrás, eu descobri que o enxofre, ao ser

queimado, em vez de perder peso, ao contrário, ganha peso; o

mesmo acontece com o fósforo; este aumento de peso se deve a

uma prodigiosa quantidade de ar que é fi xado durante a combustão

e se combina com os vapores.

Esta descoberta, que eu tenho estabelecido por experimentos que

eu considero como decisivos, tem me levado a pensar que o que

é observado na combustão do enxofre e fósforo pode acontecer

no caso de todas as substâncias que ganham peso por combustão

e calcinação; e eu estou convencido de que o aumento no peso de

calxes metálicos é devido à mesma causa.”

Nota selada depositada na Secretaria da Academia Francesa

em 1º de novembro de 1772.

Para saber mais, acesse:

Teoria do Flogístico - http://www.hcc.hawaii.edu/hccinfo/instruct/

div5/sci/sci122/atomic/skepchem/phloggen.html

Lavoisier: Principais contribuições para a Ciência Moderna - http:

//www.lucknow.com/horus/guide/ec109.html#ec1092

Alquimia - http://143.107.237.20/~edsonro/index.htm

CEDERJ 11

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LO 4

12Conhecendo o contexto em que os resultados de Lavoisier foram

obtidos, pense sobre o que esses resultados indicam em relação à Teoria

do Flogístico.

Intrigado com a Teoria do Flogístico, Lavoisier resolve estudá-

la mais profundamente. Realiza experimentos com velas acesas e

camundongos confi nados em campânulas separadas e hermeticamente

fechadas. Observa que os camundongos em pouco tempo morriam e que

as velas rapidamente se apagavam.

Pense sobre isso!

Figura 12.5: Experimento inicial de Lavoisier. Campânulas são cubas de vidro que não deixam passar ar do meio externo para o ambiente onde estão a vela e o rato.

A que conclusões você acredita que Lavoisier deve ter chegado?

Intrigado com a função química do “ar ruim”, Lavoisier é

convidado para participar de uma Reunião Anual da Academia de

Ciências da França. Durante o encontro com o professor e presbítero

inglês Joseph Priestley, ele fi cou bastante interessado nos experimentos

do colega, que apresentamos a seguir.

Pense sobre isso!

BIOQUÍMICA II | Respiração celular

12 CEDERJ

Experimentos de Priestley

1. Calcinação

Hg + O2 2HgO

2. Decomposição do óxido

2HgO 2Hg + O2

3. Redução com adição de carvão

(também chamada de redução com phogistoal)

2HgO + C 2Hg + CO2

metal de

mercúriooxigênio

óxido de

mercúrio

metal de

mercúriooxigênio

óxido de

mercúrio

Símbolo utilizado para representar aquecimento brando.

Símbolo utilizado para representar aquecimento intenso.

metal de

mercúrio

óxido de

mercúrio

carvão

(carbono)

dióxido de carbono

ou “ar fi xado”

CEDERJ 13

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12O que você faria se fosse Lavoisier?

Paralelamente às experiências de caracterização do “ar bom” e do

“ar ruim”, Lavoisier observou que a queima de velas de tamanhos iguais

originava velas menores e de tamanhos diferentes quando aprisionadas

em campânulas de dimensões variadas.

Esse resultado despertou no cientista o interesse em relacionar o

tamanho da vela com a liberação do fl ogiston. Assim, percebeu que o

critério de pesar a vela poderia ser de grande utilidade.

Com balança de alta precisão, pôde realizar diversos experimentos

de medidas de peso e obteve a seguinte tabela:

Tabela 12.1: Resultados do peso do sistema vela + ar + campânula antes e após a queima da vela.

Peso antes da queima Peso depois da queima

CONJUNTO X X

VELA + AR* Y < Y (perde peso)

CAMPÂNULA W > W (ganha peso)

* ar antes = defl ogisticado; ar depois = fl ogisticado

Que fenômeno deve estar ocorrendo?

A partir desse resultado, Lavoisier formula a seguinte reação:

Lavoisier, dessa forma, postula que “Na natureza nada se cria, nada

se perde, tudo se transforma” ou “a energia não pode ser criada nem

destruída, a vida se mantém graças à transformação de energia”.

Posteriormente, esta idéia é fi rmada cientifi camente como a Teoria

da Conservação das Massas.

Nessa época, Lavoisier trabalha com seu aplicado aluno La Place.

Nos meses que se seguiram, ambos dedicaram-se a comprovar a idéia

de que a combustão da vela e a respiração eram na realidade o mesmo

fenômeno.

Considerando a reação descrita acima, que componente faltava ser

verifi cado para que Lavoisier e La Place resolvessem esse problema?

Pense sobre isso!

Pense sobre isso!

matéria orgânica + ar respirável CO2 + água + calor

Pense sobre isso!

BIOQUÍMICA II | Respiração celular

14 CEDERJ

Após diversas tentativas de observar o calor na forma de luz nos

órgãos respiratórios de camundongos e moribundos, Lavoisier percebe

que o calor liberado pela respiração não poderia ser medido com os

aparelhos que possuía, e resolve construir o equipamento abaixo:

Figura 12.6: Calorímetro de Lavoisier e La Place. O aparelho apresenta três câma-ras: a mais interna (1) é a câmara que abriga a vela ou a cobaia; a do meio (2) é preenchida por gelo e contém uma saída (a) por onde escoa o gelo derretido pelo calor liberado pela queima ou pela respiração; a câmara mais externa (3), também é preenchida por gelo e apresenta uma saída (b) para escoar o gelo derretido.

Este é o calorímetro de gelo de Lavoisier e La Place (Figura 12.6);

aparelho utilizado para obter medidas quantitativas do calor produzido

durante a queima de uma vela e da respiração de uma cobaia (geralmente

utilizavam porquinho-da-índia).

Após realizar diversos experimentos com tempos de queima e de

respiração fi xos, os cientistas obtiveram o seguinte resultado (Tabela 12.2):

Tabela 12.2: Relação entre produção de CO2 e peso derretido após a queima de matéria orgânica e a respiração de uma cobaia.

Produção de CO2 Gelo derretido Gelo/ CO2

Matéria orgânica 112,35g 2998g 26,69g

Cobaia 11,87g 330,30g 27,80g

a

1

2

3

b

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12Esses resultados foram capazes de esclarecer a dúvida que restava

em relação à combustão e à respiração?

Descreva sua opinião sobre os dois fenômenos, baseada nos

resultados mostrados até aqui.

Esta aula foi baseada no material organizado pelo Departamento de Bioquímica Médica, CCS, UFRJ.

RESUMO

Nesta aula você acompanhou como Lavoisier chegou à equação geral da respiração

celular, aceita até hoje (matéria orgânica + ar respirável CO2 + água + calor).

Pense sobre isso!

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, nós continuamos a história. Falaremos mais especifi camente

do ciclo do ácido cítrico e como ele foi sendo elucidado. Com as informações

apresentadas na Aula 13, você mesmo construirá o ciclo, antes de ser apresentado

a ele, o que ocorrerá na Aula 14. Foi o que Krebs fez e, por isso, o ciclo do ácido

cítrico é chamado ciclo de Krebs. Então, vamos lá...

Ciclo de Krebs - Parte 1 13AU

LA

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1

18 CEDERJ

Como vimos na aula anterior, o resultado da genialidade de Lavoisier, somada

ao trabalho de Laplace e Priestley, resultou na seguinte equação geral da

respiração celular:

Matéria orgânica + O2 CO2 + H2O + ENERGIA

Mas a história não parou por aí. A partir de agora você conhecerá outros

personagens da história da Bioquímica. Eles contribuíram para a descoberta

dos passos da respiração celular.

INTRODUÇÃO

A HISTÓRIA DO CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO

Comecemos com OTTO WARBURG, um eminente bioquímico

alemão durante a primeira metade do século XX. Filho de militar da

mais alta patente do exército, era possuidor de uma disciplina rígida e

personalidade forte. Alguns relatos contam que, para dar continuidade

a seus experimentos no período recessivo da Primeira Grande Guerra,

dividia boa parte de seus ganhos com a alimentação de suas cobaias.

Estava interessado em entender as etapas da equação de Lavoisier,

em diferentes tecidos. Para esta fi nalidade, desenvolveu, por volta de

1918, um método manométrico (baseado em medidas de pressão) para

medir o consumo de oxigênio e a produção de CO2. Este aparelho foi,

mais tarde, batizado de respirômetro de Warburg, em sua homenagem

(Figura 13.1).

O respirômetro de Warburg teve ampla aplicação na Bioquímica e,

ainda hoje, é utilizado na determinação de CO2 produzido por diferentes

preparações biológicas.

Em 1935, Albert Szent-Györgyi, um pesquisador húngaro,

começou a publicar uma série de importantes trabalhos sobre a

respiração de suspensões de músculo de peito de pombo. Sendo um

músculo muito solicitado no vôo, ele requer muita energia e possui uma

capacidade oxidante excepcionalmente alta. Szent-Györgyi estudou, em

particular, o comportamento metabólico dos ácidos dicarboxílicos C4

(ácidos com quatro carbonos que possuem dois grupos carboxílicos). Ele

também estava interessado em estabelecer a conexão entre fermentação

e oxidação, como fi ca claro na seguinte passagem:

OT T O HE I N R I C H WA R B U R G

Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1931, por suas descobertas a respeito da natureza e do modo de ação das enzimas respiratórias.

CEDERJ 19

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OXIDAÇÃO E FERMENTAÇÃO

Tomemos como exemplo a fermentação láctica em células

musculares. Neste processo, a molécula de hexose é fragmentada

em duas moléculas de ácido láctico. Juntas, estas duas moléculas

de ácido láctico contêm menos energia que a molécula de hexose

original. Esta pequena diferença de energia é o ganho da célula.

Alternativamente a molécula de hexose pode ser submetida

à combustão, gerando CO2 e H2O. No último caso, grande

quantidade de energia livre é desperdiçada.

A fermentação é o mais simples dos dois processos. Ao mesmo

tempo ele é pouco econômico, pois a maior parte da energia da

molécula de hexose permanece nas moléculas de ácido láctico.

Por volta de 30 vezes mais energia é liberada por oxidação.

Conseqüentemente, a fermentação pode manter somente as formas

de vida mais simples. Nesse ponto, pode existir uma pequena dúvida

de que a fermentação não é somente o mais simples, mas também

o processo mais antigo, precedendo a oxidação na história da vida.

O desenvolvimento de formas de vida mais complexas tornou-se

possível somente depois que a oxidação pelo oxigênio molecular foi

“inventada” pela natureza. Esta seqüência de eventos se refl ete em

nossas células, nas quais nós encontramos oxidação e fermentação

intimamente misturadas e entrelaçadas em um sistema produtor

de energia.

A íntima relação entre os dois processos tem ocupado muitos

bioquímicos, como Pasteur, a descobrir suas interdependências

quantitativas, agora conhecidas como “Reação de Pasteur”. Pasteur

descobriu que existe algum tipo de equilíbrio entre oxidação e

fermentação. Se a oxidação é suprimida por remoção do oxigênio,

a fermentação se inicia. Se nós promovemos outra vez a oxidação,

a fermentação cessa. O mecanismo desta relação tem sido um dos

mais atraentes quebra-cabeças da Bioquímica desde então.

ALBERT VON SZENT-GYÖRGYI, Ph. D., M.D.

Professor de Química Orgânica e Biológica,

Universidade de Szeged, Hungria.

ALBERT SZENT-GYÖRGYI

Nasceu em Budapeste. Em 1937 recebeu o Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina por suas descobertas na área dos processos de combustão biológica, particularmente com respeito à vitamina C e ao ácido fumárico. Ele não é uma gracinha? É o meu favorito.

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1

20 CEDERJ

HANS ADOLF KREBS, um bioquímico alemão, testou os mesmos ácidos

orgânicos que Szent-Györgyi (ácidos dicarboxílicos C4) em fatias de

córtex de rim e obteve o seguinte resultado (veja a Tabela 13.1):

Substrato adicionado Consumo de O2

(µmols/g de peso seco)Bicarbonato formado(µmols/g de peso seco)

Sem adição 670 0

Acetato 1340 393

Succinato 1520 555

Fumarato 1290 705

Malato 1340 756

Piruvato 1070 318

Note que Krebs usou o respirômetro de Warburg e mediu tanto o

consumo de O2, pela diminuição da pressão e conseqüente deslocamento

da coluna do respirômetro, quanto a formação de CO2, pela medida da

quantidade de bicarbonato formada no poço central do respirômetro.

Desta forma, Krebs mostrou que qualquer um dos substratos utilizados

aumentava a taxa de respiração em relação ao controle (sem adição do

substrato). Como nos músculos de pombo de Szent-Györgyi, Krebs viu

que o rim também era capaz de respirar, utilizando como substratos

ácidos dicarboxílicos de quatro carbonos (succinato, fumarato e malato),

além de acetato (dois carbonos) e piruvato (três carbonos).

Enquanto isso, no laboratório de Warburg, após um acidente

experimental com um de seus respirômetros, os tecidos de músculo foram

carbonizados e, por descuido do seu técnico, o mesmo respirômetro foi

utilizado em um outro experimento. Qual não foi a surpresa de Otto

Warburg, quando constatou um grande aumento na respiração do tecido.

Análises do material contido nas paredes do respirômetro mostraram

altos níveis de um composto orgânico associado ao ferro. Warburg

prosseguiu seus estudos com a intenção de identifi car este fator, que

chamou “Atmungsferment” (enzima), pois, uma vez inativado, todo o

processo de respiração cessava.

Tabela 13.1: Oxidação e formação de bicarbonato a partir de ácidos orgânicos em lâminas de rins de porquinho-da-índia.

O que sugere este experi mento?

!

SI R HA N S AD O L F KR E B S

Nasceu em Hildesheim, Alemanha. Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1953.

CEDERJ 21

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LO 4

13A próxima etapa desse quebra-cabeça foi resolvida por David

Keilin, em 1925, que redescobriu uma substância que ele denominou

cytochrome (CITOCROMO). Esta substância, como o Atmungsferment,

estava intimamente ligada aos processos oxidativos. Segundo Keilin, o

citocromo era diretamente oxidado na sua forma divalente para a forma

trivalente (férrica). Os dois sistemas, Atmungsferment e Cytochrome,

foram denominados sistemas W.K. (sistema Warburg-Keilin).

Szent-Györgyi sabia do envolvimento do O2 nos processos

oxidativos e fi cou intrigado com o fato de que a oxidação do succinato

era especialmente bloqueada por um ácido dicarboxílico (C3), o ácido

malônico. Resolveu, então, investigar o que aconteceria com a respiração

em duas situações: 1) ao bloquear a oxidação do succinato; 2) ao incluir

pequenas quantidades de fumarato, normalmente presente no tecido.

Assim Szent-Györgyi descreveu seus resultados:

“Os resultados foram surpreendentes. Pequenas quantidades de

malonato envenenam a respiração quase como o cianeto. Ácido

fumárico estimula fortemente a respiração. A respiração rapidamente

declinante dos tecidos in vitro pode ser mantida constante por

longos períodos pelo ácido fumárico. Como Baumann & Stare têm

mostrado no Laboratório de Keilin, igualmente alguns poucos γ de

fumarato (γ = uma milionésima parte do grama) foram ativos.

Foram consumidos vários anos de trabalho pesado para ajustar as

observações contraditórias em uma teoria. A teoria é esta: os ácidos

dicarboxílicos C4 são uma ligação na cadeia respiratória entre o

alimento e o sistema W.K. Sua função é transferir o hidrogênio

do alimento ao citocromo e reduzir por este hidrogênio seu ferro

trivalente à forma divalente. Falando mais precisamente, o citocromo

oxida dois átomos de hidrogênio da molécula de ácido succínico.

Pela perda de dois átomos de hidrogênio, o ácido succínico é

convertido a ácido fumárico. Estes dois átomos de H perdidos são

recolocados novamente por hidrogênios oriundos do alimento. O

alimento, entretanto, não cede seus dois hidrogênios imediatamente

ao ácido fumárico. Ele cede seus 2 átomos de hidrogênio para o

ácido oxaloacético, que é também um ácido dicarboxílico (C4). Por

tomar 2H, o ácido oxaloacético volta a ácido málico. Ácido málico,

então, cede seus dois hidrogênios ao ácido fumárico, e, assim, o

ácido fumárico é convertido a ácido succínico. Este pode ser outra

vez oxidado por citocromo, enquanto o ácido málico, após ceder

seus 2Hs, torna-se ácido oxaloacético, que pode tomar hidrogênio

do alimento novamente, e assim o jogo recomeça, hidrogênios

sendo transmitidos todo o tempo do alimento via oxaloacético

– málico – fumárico – succínico ao sistema W.K.”

CI T O C R O M O S

Os citocromos foram primeiro descritos

como mio-hematina e histo-hematina

por MacMunn. Essa história você verá

com mais detalhes na Aula 15.

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1

22 CEDERJ

O resumo esquemático da história está a seguir:

Fermentação

Esquema 13.1: Esse esquema geral você já conhece.

Respiração

Esquema 13.2

Levando em conta o esquema proposto por Szent-Györgyi, que transformações você verifi ca em cada etapa desta seqüência de reações?Qual o papel das trioses nos processos fermentativos e oxidativos propostos por Szent-Györgyi? O que ocorreria nesta seqüência de reações na presença e na ausência de O2?

!

Ácido láctico

C O HCOH

CEDERJ 23

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13Chegamos então ao primeiro esquema que tentava explicar como

ocorre a respiração celular (ver Esquema 13.2). O próximo passo foi a

observação de que a adição de pequenas quantidades de ácidos orgânicos

ativava tremendamente essa via. Este efeito, chamado efeito catalítico, já

havia sido observado por Krebs durante a descoberta do ciclo da uréia

(que você conhecerá na Aula 18).

A respeito da oxidação dos ácidos orgânicos e o efeito catalítico

do ácido succínico, Krebs escreveu:

Szent-Györgyi reportou experimentos em 1935 e 1936 que sugeriam

que o ácido succínico e seus derivados ácido fumárico, ácido málico

e ácido oxaloacético cataliticamente promovem oxidação em

tecidos musculares. Provas conclusivas deste efeito catalítico foram

apresentadas por Stare & Baumann em dezembro de 1936. Estes

autores mostraram que pequenas quantidades destas substâncias

eram sufi cientes para provocar um aumento na respiração e que o

aumento é um múltiplo da quantidade de oxigênio necessária para

a oxidação das substâncias adicionadas. Além disso, a substância

adicionada não foi usada, mas pode ser subseqüentemente

detectada no meio. Assim, não permanece nenhuma dúvida de

que o ácido succínico e substâncias relacionadas podem atuar como

catalisadores na respiração.

Fonte: KREBS H. A.; CAMBRIDGE, M. A.; HAMBURG M. D.

The intermediate metabolism of carbohidrates.

De acordo com esta passagem, tal efeito catalítico exercido pelos ácidos orgânicos C4 pode ser explicado com a seqüência de reações proposta por Szent-Györgyi?A seqüência de reações de Szent-Györgyi explica convenientemente a equação de Lavoisier?

!

EFEITO CATALÍTICO DO ÁCIDO CÍTRICO

O passo seguinte foi a descoberta de que o ácido cítrico também

atua como ativador catalítico (Krebs e Johnson, 1937). Adicionado ao

músculo em pequenas quantidades, ele acelera a oxidação de carboidratos

da mesma maneira que o ácido succínico. A análise experimental deste

efeito revelou não somente o mecanismo da ação catalítica do ácido

cítrico, mas também do ácido succínico e compostos relacionados. Em

adição, isto levou à elucidação dos principais passos na degradação

oxidativa de carboidratos.

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1

24 CEDERJ

O DESTINO DO ÁCIDO CÍTRICO

O ácido cítrico, por longo tempo, foi conhecido como sendo

facilmente oxidável em tecidos vivos, embora os detalhes de seu

metabolismo intermediário tenham permanecido obscuros até março de

1937, quando Martius e Knoop descobriram que o ácido α-cetoglutárico

é um produto da oxidação do ácido cítrico.

O destino do ácido no corpo já era bem conhecido. Esta substância

tinha grande interesse fi siológico, já que apareceu como um intermediário

na degradação de ácido glutâmico, de prolina e de histidina. Já se sabia

que ele forma, na oxidação, ácido succínico e dióxido de carbono.

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13Considerando a junção das duas reações imediatamente anteriores,

é possível passar do ácido cítrico ao ácido succínico, e esta reação pode

ser diretamente demonstrada se ácido malônico é adicionado. ÁCIDO

MALÔNICO inibe especifi camente a oxidação do ácido succínico, mas não

inibe a degradação do ácido cítrico e ácido α-cetoglutárico.

Qual a relação entre tais reações e a seqüência de reações de Szent-Györgyi?

!

Krebs sabia que a síntese de ácido cítrico, a partir de ácido

oxaloacético, era conduzida pela condensação com uma segunda

substância, cuja natureza química não era ainda conhecida. Supunha-se

que a segunda substância fosse derivada de um carboidrato e apostava-se

que seria o ácido pirúvico. A condensação desta segunda substância com

o acido oxaloacético para formar ácido cítrico foi formulada da seguinte

maneira por Krebs (veja reação a seguir):

ÁC I D O M A L Ô N I C O

Ou malonato é um inibidor da respiração celular, no passo de formação do succinato no ciclo do ácido cítrico.

PS. A nomenclatura das moléculas apresentadas é aquela utilizada nos trabalhos da época.

3

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1

26 CEDERJ

“Este esquema, ainda que suportado por evidência experimental, é, em parte, hipotético e, por esta razão, vamos abster-nos da discussão de detalhes; mas deve ser enfatizado que o efeito fi nal, que é a síntese de ácido cítrico na presença de ácido oxaloacético, é um fato experimental.

Martius e Knoop

Baseado nos resultados mostrados acima e nas citações, proponha um esquema de reações que explique o efeito catalítico do ácido cítrico e do α-cetoglutarato, integrando as trioses nesta seqüência.

!

A SUBSEQÜENTE ELABORAÇÃO DO CICLO DOS ÁCIDOS TRICARBOXÍLICOS

O esquema básico de 1937 tem resistido ao teste do tempo.

Existem evidentemente grandes vazios em relação ao mecanismo da

formação do citrato a partir de oxaloacetato e piruvato.

Citado em H. Krebs (1970) The history of the tricarboxylic acid

cycle. Perspect. Biol. Med. 14: 151-170

A solução deste problema esperou pela descoberta da coenzima A

(CoA) por Lipmann, na década de 1940. No mesmo período, Ochoa e

Lynem mostraram que a acetil- coenzima A (acetil-CoA) é o intermediário

que reage com o oxaloacetato para formar citrato.

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13Além disso, a coenzima A foi também encontrada como

participante na formação de succinato a partir de α-cetoglutarato,

formando succinil coenzima A (succinil-CoA) como intermediário.

Com base nessas informações, construa o seu esquema representando o ciclo do ácido cítrico.

!

Se você acompanhou o texto e conseguiu construir seu ciclo

com base nas informações apresentadas, parabéns. Isso não é fácil. Se

você não conseguiu, consulte os tutores de Bioquímica e discuta suas

difi culdades com eles. Ao chegar ao fi nal desta aula, você já conhece o

ciclo do ácido cítrico ou grande parte dele. Neste caso, a próxima aula

será apenas para detalhar o que você já sabe. Nela você verá cada reação,

o nome das enzimas, co-fatores e outros papéis metabólicos que o ciclo

apresenta. Não esqueça que os exercícios virão no fi nal do módulo.

R E S U M O

Nesta aula nós vimos a história do ciclo do ácido cítrico, seus principais personagens

e as etapas iniciais de elucidação dessa via. A evolução do conceito de Lavoisier

até chegar aos principais intermediários e reações do ciclo.

Ciclo de Krebs - Parte 2

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Conhecer a origem da molécula de acetato, na forma de acetil-CoA, a qual inicia o Ciclo de Krebs.

• Aprender a importância das vitaminas hidrossolúveis como formadoras de coenzimas, importantes para a atividade de complexos multienzimáticos.

• Conhecer as reações do Ciclo de Krebs.

• Caracterizar as enzimas envolvidas nessas reações.

• Identifi car as etapas de conservação da energia gerada durante as reações do Ciclo de Krebs.

• Conhecer as vias de reposição de componentes do ciclo.

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objetivos

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

30 CEDERJ

INTRODUÇÃO Como você viu na Aula 12 o ciclo do ácido cítrico foi descoberto por Hans

Krebs e, portanto, é também denominado de Ciclo de Krebs.

Você viu nas Aulas 9 e 10 que algumas células obtêm energia por processos

fermentativos em que a molécula de glicose é quebrada na ausência de

oxigênio. Para a maioria das células eucarióticas e para algumas bactérias, sob

condições aeróbicas, seus combustíveis orgânicos são transformados em CO2

mais água, sendo a glicólise o primeiro estágio da degradação completa da

glicose. Após esse estágio, você viu que a molécula de piruvato poderia seguir

diversos caminhos metabólicos; entre eles, podia ser convertida em etanol e em

lactato, se a célula estivesse na ausência de oxigênio. No entanto, a molécula

de piruvato pode também ser convertida a acetil-CoA. Na realidade, o grupo

acetil, na forma de acetil-CoA, é um intermediário comum ao metabolismo de

quase todos os compostos biológicos. Ele pode ser formado a partir de glicídios,

lipídeos e proteínas (veja a Figura 14.1).

Figura 14.1: Esquema de formação de acetil-CoA.

Lembre-se de que o metabolismo pode ser dividido em três estágios. Você

verá que o Ciclo de Krebs é um desses estágios. Não se preocupe ainda com

os nomes das moléculas que aparecerão no estágio 2 (Figura 14.2), ou seja,

no Ciclo de Krebs, pois é sobre isso que falaremos nesta aula. O estágio 3 será

estudado nas Aulas 15 e 16.

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Figura 14.2: Estágios do metabolismo.

graxos

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

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A oxidação de grupos acetila é um dos principais processos metabólicos, e mais

de dois terços dos ATPs utilizados pelas células são produzidos como resultado

da transferência de elétrons de grupos acetila para o oxigênio molecular na

mitocôndria.

Durante o metabolismo, os grupos acetila são ligados como tioéster à coenzima

A, um tiol que tem como função transportar grupos acetil dentro da célula.

Qualquer que seja a fonte, grande parte da molécula de acetil é convertida

em CO2 mais água, mas qualquer excesso pode ser utilizado para a síntese de

ácidos graxos, corpos cetônicos e colesterol.

A oxidação completa de acetil-CoA para CO2 e água ocorre em uma série de

reações conhecidas como ciclo do ácido cítrico, ciclo do ácido tricarboxílico ou

Ciclo de Krebs. É sobre essas transformações que falaremos nesta aula, que

começa com a conversão da molécula de piruvato em acetil-CoA e pela entrada

dos grupos acetil no Ciclo de Krebs. Nós então analisaremos as reações do Ciclo

de Krebs e as enzimas que as catalisam. Como alguns desses intermediários

podem também ser usados por outras vias, nós falaremos de algumas vias de

reposição desses intermediários.

PRODUÇÃO DE ACETATO – FORMAÇÃO DA MOLÉCULA DE ACETIL-COA

Em organismos aeróbicos, glicose e outros açúcares, ácidos

graxos e muitos aminoácidos são oxidados em CO2 e água via ciclo do

ácido cítrico e cadeia respiratória. Antes de entrar no Ciclo de Krebs

os esqueletos dessas moléculas são degradados aos grupos de acetil da

molécula de acetil-CoA, a forma por que o ciclo aceita a maioria do seu

combustível.

Os aminoácidos podem entrar no Ciclo de Krebs através de outros

intermediários do Krebs, como veremos mais adiante.

A estrutura da coenzima A e o processo de formação da

molécula de acetil-CoA são mostrados na Figura 14.3. Essa coenzima

complexa é abreviada como CoA ou CoASH. Ela é composta por β-

mercaptoetanolamina, pela vitamina ácido pantotênico, pela adenosina

difosfato (ADP). A coenzima A existe na forma reduzida (CoASH) e atua

como transportadora de grupos acil.

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14

Nós vamos inicialmente enfocar nossa atenção na molécula de

piruvato, derivado de glicose e de outros açúcares. Ela é oxidada em acetil-

CoA pelo complexo enzimático piruvato desidrogenase. Esse complexo

enzimático está localizado exclusivamente na matriz mitocondrial. Está

presente em altas concentrações em tecidos como o músculo cardíaco e

os rins. Nas condições fi siológicas o ΔGo é muito negativo e portanto a

reação é irreversível.

A reação catalisada pelo complexo piruvato desidrogenase é

esquematizada abaixo.

Piruvato + NAD + CoASH Acetil-CoA + CO2 + NADH + H +

(ΔGo= - 8kcal\mol)

piruvato desidrogenase

Esta reação é uma descarboxilação oxidativa, um processo

irreversível no qual o grupo carboxila é removido do piruvato como

uma molécula de CO2 e os dois carbonos, remanescentes formam o

grupo acetil da molécula de acetil-CoA.

Como vimos, nessa reação ocorre a formação de uma molécula de

NADH. Os elétrons transportados por essa molécula serão transferidos

para o oxigênio na cadeia transportadora de elétrons, levando à formação

de ATP. Esse assunto você estudará nas Aulas 14 e 15.

A desidrogenação combinada com a descarboxilação da molécula

de piruvato em acetil-CoA requer a ação seqüencial de três enzimas e

cinco coenzimas diferentes ou grupos prostéticos, que são: 1) tiamina

pirofosfato (TPP); 2) fl avino adenino dinucleotídeo (FAD); 3) coenzima

A (CoA); 4) nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD); 5) ácido lipóico.

Veja a Figura 14.4.

Figura 14.3: Estrutura da coenzima e formação da molécula de acetil-CoA.

β- Mercaptoetanolamina

Coenzima A (CoA ou CoASH)

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

34 CEDERJ

Quatro vitaminas hidrossolúveis diferentes são necessárias na

nutrição humana e são componentes vitais neste sistema. Essas vitaminas

são: 1) tiamina na TPP; 2) ribofl avina no FAD; 3) niacina no NAD; 4)

pantotenato na CoA.

NAD e FAD são transportadoras de hidrogênios, a tiamina tem um

papel importante na clivagem de ligações adjacentes a grupos carbonila.

A coenzima A contém pantotenato, que possui um grupamento tiol

reativo. Esse grupamento é crítico na formação de um tioéster com

grupamentos acila. É através dessa associação que os grupamentos

acila são transportados. A energia de hidrólise da ligação tioéster é

relativamente alta, permitindo a doação de grupamentos acila para

diversos compostos. Assim, podemos dizer que a molécula de coenzima

A associada com grupamentos acila atua como uma molécula ativada

para transferência desses grupos.

O quinto co-fator da piruvato desidrogenase, o lipoato, possui

dois grupos tióis (SH) que são importantes na oxidação reversível de uma

ponte de enxofre, semelhante àquelas das cisteínas em proteínas.

Assim, o complexo piruvato desidrogenase contém três enzimas, a

piruvato desidrogenase (E1), a diidrolipoil transacetilase (E2) a diidrolipoil

desidrogenase (E3). Cada uma delas está presente em múltiplas cópias.

A Figura 14.5 mostra esquematicamente como o complexo piruvato

desidrogenase conduz as cinco reações consecutivas na descarboxilação

e desidrogenação da molécula de piruvato. Na etapa 1 o piruvato é

descarboxilado e, na forma de aldeído, é ligado ao grupamento hidroxila

da tiamina. Na etapa 2 o grupamento aldeído é oxidado em acetato. Os

dois elétrons removidos nessa oxidação reduzem o grupamento –S–S– de

um grupo lipoil na enzima E2 a dois grupamentos tióis (-SH). O acetato

produzido nessa reação de óxido-redução é esterifi cado em um grupo SH

do lipoil e então transesterifi cado em coenzima A para formar o acetil-

CoA (etapa 3). A energia de oxidação leva à formação de um tioéster

de alta energia do acetato. As reações remanescentes catalisadas pelo

complexo piruvato desidrogenase (etapas 4 e 5) são de transferências de

elétrons necessárias para regenerar a forma oxidada do grupo lipoil da

enzima E2 e assim preparar a enzima do complexo para um novo ciclo

de oxidação. Os elétrons removidos do grupo hidóxil-etil derivado do

piruvato passa através do FAD para o NADH.

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14

Figura 14.4: Co-fatores do complexo piruvato desidrogenase.

Acetaldeídoativado

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

36 CEDERJ

Figura 14.5: Representação do complexo piruvato desidrogenase e das etapas de descarboxilação da molécula de piruvato.

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14AS REAÇÕES DO CICLO DE KREBS

Para começar a primeira volta do ciclo, a molécula de acetil-

CoA doa seu grupo acetil para um composto de quatro carbonos, o

oxaloacetato, para formar a molécula de citrato com seis carbonos.

Citrato é então transformado em isocitrato, uma molécula também com

seis carbonos. Essa molécula é desidrogenada, com perda de CO2 para

produzir um composto com cinco carbonos, o α-cetoglutarato. Essa

molécula perde CO2, produzindo um composto com quatro carbonos,

chamado succinato. O succinato é então convertido enzimaticamente, em

três etapas, regenerando a molécula de oxaloacetato, a qual está pronta

para reagir novamente com outra molécula de acetil-CoA. Como você

pôde ver, duas moléculas de CO2 foram formadas e serão eliminadas.

Uma molécula de oxaloacetato foi utilizada, mas foi regenerada ao fi nal

do processo. Assim, em teoria, uma molécula de oxaloacetato poderia

ser utilizada infi nitamente no ciclo; de fato, oxaloacetato está presente

nas células em baixíssimas concentrações. Quatro das oito etapas desse

ciclo são oxidações nas quais a energia de oxidação é conservada na

forma das coenzimas reduzidas NADH e FADH2. Um resumo dessas

etapas é apresentado na Figura 14.6.

Figura 14.6: Etapas do Ciclo de Krebs.

succinil-CoA

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

38 CEDERJ

Embora o Ciclo de Krebs possua um papel fundamental nas vias

metabólicas produtoras de energia, alguns intermediários com quatro

e cinco carbonos podem ser utilizados como precursores de outras

moléculas. Para repor compostos do ciclo, as células empregam reações

anapleróticas (reposição) que serão apresentadas no fi nal desta aula.

Agora, nós vamos examinar cada uma das oito etapas do ciclo com

maior detalhe, dando ênfase às transformações químicas, observando as

etapas de oxidação com formação de CO2 e de coenzimas reduzidas.

Etapa 1 – Formação do citrato

A primeira etapa ou reação do ciclo é a condensação do acetil-CoA

com oxaloacetato para formar citrato, catalisada pela citrato sintase.

Nesta reação, o grupamento metil (CH3) do grupo acetil é ligado ao grupo

carbonila do oxaloacetato, formando um intermediário instável, o citroil

CoA, que permanece ligado ao sítio ativo da enzima. Esse intermediário

é rapidamente hidrolisado, liberando a coenzima A e uma molécula de

citrato. A hidrólise desse tioéster de alta energia torna a reação altamente

exergônica. A grande variação de energia livre nesta reação é essencial

para o funcionamento do ciclo, pois, como vimos anteriormente, a

concentração de oxaloacetato é muito baixa. A coenzima A liberada

nessa etapa é reciclada para participar de outra reação de descarboxilação

oxidativa de uma molécula de piruvato. Veja a Figura 14.7:

Figura 14.7: Primeira etapa do Ciclo Reação de formação do citrato.

Etapa 2 – Formação do isocitrato via cis-aconitato

O citrato contém um álcool terciário que é muito difícil de ser

oxidado, por isso essa molécula é convertida no seu isômero, isocitrato,

pela enzima aconitase. Essa enzima catalisa a transformação reversível

do citrato em isocitrato, que é mais fácil de ser oxidado.

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14A reação envolve sucessiva desidratação e hidratação, através da

formação de um intermediário, o cis-aconitato, que normalmente não

se dissocia do sítio ativo da enzima.

Essa reação é impulsionada no sentido de formação do isocitrato,

pois essa molécula é constantemente consumida na etapa seguinte do

ciclo. Veja Figura 14.8.

Figura 14.8: Reação de formação do isocitrato.

Etapa 3 – Oxidação do isocitrato a α-cetoglutarato e CO2

Nesta etapa, a isocitrato desidrogenase catalisa a descarboxilação

oxidativa do isocitrato para formar α-cetoglutarato. Existem duas

diferenças entre a piruvato desidrogenase e a isocitrato desidrogenase:

a primeira requer NAD como aceptor de elétrons e a segunda pode

utilizar tanto NAD como NADP; a piruvato desidrogenase, dependente

de NAD, ocorre somente na matriz mitocondrial, enquanto a isocitrato

desidrogenase ocorre na matriz e no citosol. Na matriz ela atende ao

Ciclo de Krebs e no citosol ela é importante para regenerar a molécula

de NADPH, que é essencial para as reações redutivas anabólicas. Veja

a Figura 14.9.

Figura 14.9: Reação de formação do α-cetoglutarato.

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

40 CEDERJ

Etapa 4 – Oxidação do α-cetoglutarato a succinil-CoA e CO2

Nesta etapa, ocorre uma outra descarboxilação oxidativa, na

qual o α-cetoglutarato é convertido em succnil CoA e CO2, pela ação

do complexo α-cetoglutarato desidrogenase. Nessa reação o NAD serve

como aceptor de elétrons e a coenzima A como um carreador do grupo

succinil. A energia de oxidação do α-cetoglutarato é conservada na

formação do tioéster da molécula de succinil-CoA.

Essa reação é semelhante à reação catalisada pelo complexo

piruvato desidrogenase, tanto na estrutura quanto na função. Ele inclui

enzimas e coenzimas homólogas às do complexo piruvato desidrogenase

(Figura 14.10).

Figura 14.10: Reação de formação do succinil-CoA.

Etapa 5 – Conversão do succnil-CoA a succinato – fosforilação em nível de substrato

A molécula de succinil-CoA tem uma ligação tioéster semelhante à

da molécula de acetil-CoA, ou seja, uma ligação com uma forte energia

livre padrão de hidrólise (ΔGo = -36kJ/mol) . A energia liberada na quebra

desta ligação é utilizada para a síntese de uma ligação fosfoanidrido de

uma molécula de ATP ou de GTP (guanosino trifosfato), liberando ainda

2,9 kJ/mol. O succinato é formado nesse processo. A enzima que catalisa

essa reação é a succinil CoA sintetase.

A formação de ATP ou de GTP à custa da energia liberada na

descarboxilação oxidativa do α-cetoglutarato é uma fosforilação em

nível de substrato, semelhante às reações de síntese de ATP que você viu

na via glicolítica. O GTP formado nessa reação perde seu grupamento

fosforil terminal para uma molécula de ADP, formando uma molécula

de ATP. Veja as Figuras 14.11 e 14.12.

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Figura 14.11: Reação de formação do succinato.

Figura 14.12: Esquema representativo da reação onde ocorre a fosforilação em nível de substrato.

Succinato

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

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Etapa 6 – Oxidação do succinato a fumarato – desidrogenação fl avino-dependente

O succinato é oxidado em fumarato pela fl avoproteína succinato

desidrogenase (Figura 14.13). Em eucarióticos, a succinato desidrogenase

está fortemente associada à membrana interna mitocondrial. Em

procarióticos, está associada à membrana plasmática. Ela é a única enzima

do Ciclo de Krebs associada à membrana. Ela possui uma fl avino adenino

dinucleotídeo (FAD) ligada covalentemente. A estrutura dessa coenzima

nos estados reduzido e oxidado é apresentada na Figura 14.14.

Os elétrons passam do succinato através do FAD por centros ferro-

enxofre (Fe – S) antes de entrar na cadeia de transporte de elétrons. Você

verá o funcionamento da cadeia de transporte de elétrons e a formação

de ATPs decorrentes da fosforilação oxidativa nas próximas aulas.

Figura 14.13: Reação de formação do fumarato.

Figura 14.14: Estrutura da coenzima FAD reduzida e oxidada.

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14Etapa 7 – Hidratação do fumarato a malato

A hidratação do fumarato que resulta em malato é catalisada pela

enzima fumarase (Figura 14.15).

Figura 14.15: Reação de formação do malato.

Etapa 8 – Regeneração do oxaloacetato

Na última reação do ciclo, a enzima malato desidrogenase, ligada

ao NAD, catalisa a oxidação do malato em oxaloacetato.

O equilíbrio dessa reação fi ca muito longe das condições de

equilíbrio termodinâmico, mas como nas células intactas o oxaloacetato

é constantemente removido, pela reação seguinte, catalisada pela citrato

sintase e altamente exergônica (etapa 1), as concentrações de oxaloacetato

permanecem muito baixas, impulsionando a reação catalisada pela

malato desidrogenase no sentido de formação do oxaloacetato. Veja a

Figura 14.16.

Figura 14.16: Reação de formação do oxaloacetato.

L-malato oxaloacetato

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

44 CEDERJ

A energia de oxidação do ciclo é conservada de modo muito efi ciente

A Figura 14.17 apresenta as oito etapas do Ciclo de Krebs

ressaltando as estruturas dos compostos formados. Podemos verifi car

que um grupo com dois carbonos, na forma de acetil-CoA, entra no ciclo

por combinação com o oxaloacetato. Os dois carbonos emergem do ciclo,

na forma de CO2, na descarboxilação do isocitrato e do α-cetoglutarato.

A energia liberada dessas descarboxilações foi conservada na redução de

três NAD+ e um FAD e na produção de um ATP ou GTP. No fi nal do

ciclo uma molécula de oxaloacetato foi regenerada. Embora somente um

ATP tenha sido formado em nível de substrato, as coenzimas reduzidas,

três NADH e um FADH, fornecem um grande fl uxo de elétrons na cadeia

de transporte de elétrons, formando um grande número de moléculas de

ATP durante a fosforilação oxidativa.

Um processo cíclico, com oito etapas, parece, à primeira vista,

ser uma via muito complexa para a oxidação de uma molécula de dois

carbonos em CO2. No entanto, o papel do ciclo do ácido cítrico não está

confi nado à oxidação do acetato. Essa via desempenha um papel central

no metabolismo intermediário; seus produtos de quatro e cinco carbonos

em determinadas circunstâncias metabólicas servem como combustíveis

para outras vias. Podem, por outro lado, ser pontos de entrada de

intermediários formados em outras vias de degradação; por exemplo,

oxaloacetato e α-cetoglutarato são produzidos a partir do aspartato e do

glutamato, respectivamente, quando proteínas são degradadas.

O ciclo do ácido cítrico, como outras vias metabólicas, é

produto da evolução onde uma boa parte ocorreu antes do advento

dos organismos aeróbicos. Ele não representa o caminho mais curto do

acetato até CO2, mas é a via que confere maior vantagem seletiva. Alguns

seres anaeróbicos usaram algumas das reações dessa via em processos

biossintéticos; alguns microorganismos modernos ainda usam o Ciclo

de Krebs de modo incompleto não como fonte de energia, mas como

precursor biossintético. Tais microorganismos usam as três primeiras

reações do ciclo para produzirem α-cetoglutarato, mas não têm a enzima

α-cetoglutarato desidrogenase e, portanto, não dão prosseguimento ao

ciclo. Eles usam o composto formado para vias biossintéticas. Eles

possuem as enzimas que catalisam as etapas reversíveis de conversão de

oxaloacetato a succinil-CoA.

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Figura 14.17: Etapas do Ciclo de Krebs e estrutura dos componentes formados.

REAÇÕES ANAPLERÓTICAS

São reações para a reposição de intermediários do ciclo que são

removidos para vias biossintéticas.

Em mamíferos, a reação mais importante para reposição de

intermediários do Krebs é a reação catalisada pela piruvato carboxilase.

Ela ocorre no fígado e nos rins.

Em organismos aeróbicos, o ciclo do ácido cítrico é uma via

anfi bólica, ou seja, serve tanto para processos catabólicos como para

processos anfi bólicos. Além de seu papel no catabolismo oxidativo de

carboidratos, ácidos graxos e aminoácidos, o ciclo fornece precursores

para muitas vias biossintéticas. Como podemos observar na Figura 14.19,

α-cetoglutarato e oxaloacetato servem como precursores dos aminoácidos

glutamato e aspartato. Esses aminoácidos podem ser usados para síntese

de outros aminoácidos ou para síntese de bases nitrogenadas, purinas e

acetil

succinil-CoA

Condensação

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

46 CEDERJ

Figura 14.18: Principais papéis biossintéticos do ciclo de Krebs.

pirimidinas. Oxaloacetato pode ser convertido a glicose, em processos

gliconeogênicos (formação de glicose) quando os níveis de glicose

estão abaixo daqueles considerados normais. Esse aspecto será mais

bem estudado nas últimas aulas desta disciplina. O succinil-CoA é o

intermediário central na síntese do anel porfi rínico de grupos heme que

atuam como transportadores de oxigênio. Grupos heme fazem parte das

moléculas de hemoglobina, da mioglobina e de carreadores de elétrons,

como os citocromos.

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14Regulação do ciclo do ácido cítrico

A regulação das enzimas-chave em vias metabólicas, por

efetores alostéricos e por modulação covalente, assegura a produção de

intermediários e de produtos na velocidade requerida para manter a célula

em um estado estável, evitando a superprodução de um intermediário. O

fl uxo de átomos de carbono do piruvato é fi namente regulado em dois

níveis: em nível de formação do acetil-CoA e em nível de formação de

citrato. O ciclo é também regulado em nível das reações catalisadas pelas

enzimas isocitrato desidrogenase e da α-cetoglutarato desidrogenase.

Veja a Figura 14.20.

O complexo piruvato desidrogenase é modulado por dois tipos de

regulação. Primeiro, dois produtos da reação da piruvato desidrogenase,

acetil-CoA e NADH, inibem o complexo (Figura 14.21). Segundo, o

complexo piruvato desidrogenase existe de duas formas: 1) um ativo,

desfosforilado; 2) um inativo, fosforilado (Figura 14.21). A inativação

do complexo é feita por uma proteína quinase que está fortemente ligada

ao complexo. A reativação é catalisada por uma proteína fosfatase que

desfosforila o complexo (Figura 14.21).

Resumindo esse processo de regulação, podemos dizer que quando

a situação energética da célula é alta, ou seja, quando os níveis de ATP,

acetil-CoA e NADH são altos, os produtos de reação catalisados por esse

complexo enzimático, o complexo enzimático é inibido. O que também

ocorre quando os níveis de ácidos graxos estão aumentados. Essa inibição

ocorre porque ácidos graxos podem ser convertidos em acetil-CoA no

processo de β-oxidação que você irá estudar na Aula 22 desta disciplina.

Por outro lado, quando os níveis energéticos da célula estão baixos, ou

seja, quando os níveis de AMP (adenosina monofosfato), NAD+ e CoA

estão reduzidos, ocorre uma ativação alostérica do complexo piruvato

desidrogenase.

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

48 CEDERJ

Figura 14.19: Principais fatores reguladores do ciclo do ácido cítrico.

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Figura 14.20: Regulação do complexo piruvato desidrogenase por fosforilação e por desfosforilação.

BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2

50 CEDERJ

Ciclo do glioxalato – uma variante anabólica do ciclo

Metabolicamente, células vegetais e microorganismos diferem em

muitos aspectos importantes. De interesse neste momento é que as células

vegetais e microorganismos não podem sintetizar carboidratos a partir de

gorduras. Essa conversão é crucial para o desenvolvimento das sementes,

pois estas apresentam reservas de triacilgliceróis. Quando as sementes

germinam, triacilgliceróis são quebrados para serem convertidos em

açúcares, para servir de fonte de energia para o crescimento da planta. As

plantas sintetizam açúcares usando o ciclo do glioxalato, o qual pode ser

considerado um variante anabólico do Ciclo de Krebs (Figura 14.21).

Figura 14.21: Ciclo do glioxalato.

Metabolismo de carboidratos I 15A

UL

A

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I

52 CEDERJ

RESPIRAÇÃO CELULAR

Agora, que você conhece o ciclo do ácido cítrico, sua história e o

conhecimento atual, vamos acompanhar um pouco da descoberta dos

citocromos e da cadeia transportadora de elétrons mitocondrial. Esta

etapa é fundamental para entender o processo completo da respiração

celular, uma forma mais efi ciente de extração de energia utilizada pelos

organismos aeróbicos. É nesta etapa que os NADHs e os FADH2s

reduzidos no ciclo do ácido cítrico se reoxidam gerando energia para a

síntese de aproximadamente 30 moléculas de ATP.

O conhecimento de como isto acontece, veio aos poucos.

Acompanhe nesta aula os passos históricos fundamentais e, na

próxima, acompanhe o processo completo, tal como é entendido

hoje. Nesta aula, você irá encontrar questões que não tem uma

resposta correta, que pode ser mais ou menos elaborada e, por isso,

não apresentamos gabarito. A aula não é essencial para entender o

tema (respiração celular), mas é importante que você tente entender a

história, mergulhando nela. Discuta com seu tutor e seus colegas. Fica

muito mais interessante.

A DESCOBERTA DOS CITOCROMOS

No fi nal do século passado, um pesquisador inglês chamado

MacMunn descreveu, sob os nomes mio-hematina e histo-hematina,

um tipo de pigmento respiratório, identifi cado em músculos e outros

tecidos de animais das mais diferentes espécies. Ele observou que este

pigmento, no estado reduzido, apresentava um ESPECTRO característico

composto por quatro bandas de absorção. No estado oxidado, o

mesmo não apresentava as mesmas bandas. Em 1889, Levy reproduziu

cuidadosamente os experimentos de MacMunn, obtendo os mesmos

resultados. Entretanto, Levy interpretou o pigmento encontrado por

MacMunn como uma hemoglobina. Esta interpretação dos resultados

de Levy foi apoiada por Hoope Seyler que observou a presença de CO

na preparação de derivados de hemoglobina. Apesar de insistentes

réplicas e argumentos de MacMunn, a discussão foi encerrada e o

pigmento respiratório de MacMunn foi gradualmente esquecido.

ES P E C T R O

Ver na aula de fotossíntese (Aula 6) o espectro de luz visível.

CEDERJ 53

AU

LA

DU

LO 4

15

Figura 15.1: As observações de MacMunn se basearam no espectro observado quando um feixe de luz visível atravessa o material biológico e é decomposto por um prisma.

Na segunda década do século XX, David Keilin, durante seus

estudos sobre a respiração em vermes e insetos parasitas, mostrou

que o pigmento mio-hematina ou histo-hematina não só existia, como

também possuía distribuição e importância bem maiores que as supostas

anteriormente por MacMunn!

Após meticuloso estudo de microespectroscopia em células e

tecidos de insetos, vermes, aracnídeos, moluscos, levedura e vegetais

superiores, Keilin propôs o nome Cytochrome (que signifi ca pigmento

celular), para defi nir o ubíquo composto que representava claramente um

característico espectro de absorção composto por quatro bandas, as quais

denominou a, b, c e d, correspondentes ao estado reduzido do citocromo.

O espectro do pigmento no estado oxidado não apresentava bandas

distintas de absorção. A Figura 15.1 mostra, de forma esquemática,

o dispositivo experimental de Keilin, usando um microespectroscópio

ocular de Zeiss para estudar o espectro nos músculos torácicos de um

inseto (abelha). Na Figura 15.2 você vai encontrar o resultado observado

por Keilin.

No lugar de MacMunn, o que você faria para ratifi car sua descoberta frente às críticas sobre uma provável contaminação dos tecidos analisados, com derivados da hemoglobina?

!

Espectro de absorção

Prisma

Lente

Lente

Objeto

Estágio do microscópio

Fonte de luz

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I

54 CEDERJ

Figura 15.2: Espectro de absorção da luz visível de músculos de abelha (a). As linhas mais escuras são as linhas de absorção que aparecem sobre um espectro de luz visível de fundo característico (b).

Sabendo-se da propriedade oxirredutora dos citocromos e do possível envolvimento com o fenômeno da respiração, o que você espera que aconteça com o espectro de absorção quando a abelha movimenta as asas e quando esta permanece quieta?

Keilin também trabalhou com suspensão de levedura. O que você espera ter acontecido quando Keilin borbulhou ar na cubeta contendo uma suspensão de levedura?

!

Keilin verifi cou ainda que o aparecimento ou não das bandas

era grandemente afetado pela presença de agentes como o monóxido

de carbono e o cianeto. Alguns anos mais tarde, Keilin e Hartree, um

de seus colaboradores, utilizando estes inibidores observaram que cada

conjunto de faixas do espectro de absorção não surgia ou desaparecia

ao mesmo tempo. Perceberam que após a adição de cianeto existia uma

ordem seqüencial para o aparecimento das bandas que sempre se repetia:

d, a, c e b.

No lugar de Keilin e Hartree, o que você concluiria a partir destas observações?Qual o destino fi nal dos elétrons após o último citocromo?

!

O envolvimento dos citocromos no processo de oxidação dos

açúcares e consumo de oxigênio começava a ser desvendado. Os

citocromos foram designados posteriormente, na ordem de sua seqüência

no processo de transporte de elétrons como: citocromo b, citocromo c,

citocromo a e citocromo a3 (ou citocromo oxidase).

a

b

CEDERJ 55

AU

LA

DU

LO 4

15Pouco tempo depois, o ciclo dos ácidos tricarboxílicos (ciclo

do ácido cítrico) foi elucidado por Sir Hans Krebs, mas ainda havia

muita discussão sobre os mecanismos que acoplavam as oxidações ao

fornecimento de energia para os seres vivos.

Neste contexto, dois pesquisadores russos, Belitser e Tsybakova,

em 1939, estabeleceram uma possível relação entre a glicólise e as reações

de oxidação e redução associadas à fosforilação. Suas descobertas foram

assim descritas:

O MECANISMO DE FOSFORILAÇÃO ASSOCIADO À RESPIRAÇÃO

V. A. Belitser e E. T. Trybakova

Laboratório de Química Fisiológica, Universidade de Moscou,

U.S.S.R. (Submetido em 10 de junho de 1939)

A síntese de adenosinatrifosfato e fosfagen (fosfocreatina) ocorre no

músculo à custa da energia derivada da glicólise ou da respiração

celular. Entretanto, através de algumas descobertas indiretas,

parece que alguns processos oxidativos podem estar ligados com

a fosforilação sem ter qualquer conexão direta com a glicólise.

Braunshteyn e Severin mostraram que a oxidação do ácido pirúvico,

cetobutírico e ácido glutâmico, bem como de alanina, causa uma

estabilização da adenosina trifosfato em eritrócitos nucleados.

Grimlund encontrou que a oxidação do ácido lático, ácido pirúvico

e ácido succínico aumenta a capacidade de trabalho de um músculo

no qual a glicólise foi obliterada. Isto também foi encontrado por

Meyerhof e seus colaboradores para o caso do ácido lático e

também declarou que a oxidação lática causa a estabilização do

fosfagen em músculos envenenados por iodoacetato.

Levando em consideração estes achados em que etapa está ocorrendo o armazenamento de energia na forma de “fosfagen” (ésteres de fosfato)?

!

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I

56 CEDERJ

Assim, Belitser e Tsybakova interessados em investigar a síntese

de ésteres de fosfato (fosfagen) realizaram o seguinte experimento:

incubaram preparações de músculos de pombo na presença ou ausência de

ácido pirúvico (o substrato respiratório) e mediram fosfagen sintetizado

e taxa respiratória (Figura 15.3).

Figura 15.3: Síntese de Fosfagen na presença de ácido pirúvico (músculo de pombo). I: antes da incubação; II: em N2 sem ácido pirúvico; III: o mesmo com ácido pirúvico; IV: in O2 com ácido pirúvico; V: o mesmo sem ácido pirúvico. Nesta e nas ilustrações seguintes, o fosfagen sintetizado é expresso em mg de P2O5 e a taxa respiratória é expressa em µL de O2 por 30 minutos, por grama de tecido.

O que sugere este resultado?!

Observe que na presença de ácido pirúvico e O2 (IV) tanto a síntese

de fosfagen quanto a taxa de respiração celular são maiores que nas

outras situações experimentais e, além disso, são proporcionais.

Os mesmos autores também mostraram, no mesmo trabalho, que

praticamente todo o ácido pirúvico era oxidado durante a respiração.

Além disso, eles investigaram o efeito de outros substratos

respiratórios (ácido cítrico, ácido fumárico, α-cetoglutarato e ácido

succínico) na síntese de fosfagem e no consumo de oxigênio, como

mostrado abaixo (Tabela 15.1).

6,0

5,0

4,0

3,0

2,0

1,0

100,0

200,0

300,0

400,0

500,0

I II III

IV

V

Res

pir

ação

, LO

2Fo

sfag

en, m

gP 2O

5

CEDERJ 57

AU

LA

DU

LO 4

15

Datas dos Experimentos Tecido Substrato Respiração em µL O2

por 1 g de tecido por 30 minutos

Aumento de fosfagem em mg de P3O2 por g de tecido

Sem substrato

Com substrato

Sem substrato

Com substrato

1939

1° de abril

19 de abril

05 de maio

07 de abril

1938

03 de junho

16 de maio

26 de outubro

10 maio

Coração de coelho

Coração de coelho

Coração de coelho

Coração de coelho

Músculo de pombo

Músculo de pombo

Músculo de pombo

Músculo de pombo

Ácido cítrico

Ácido Fumárico

α - cetoglutarato

Ácido Succínico

Ácido málico

Ácido lático

Ácido pirúvico

Ácido acético

263

95

120

206

280

252

214

170

399

386

540

956

420

387

420

153

4,00

0,20

0,45

2,30

0

0

0

0

7,25

5,62*

3,40*

4,26

1,84

1,56

2,34

0

Tabela 15.1: Síntese de fosfagen ligada à oxidação de vários substratos.

* na presença de 0,02 de NaF

Que conclusões você tiraria deste experimento?

Repare que na presença do substrato há um aumento na síntese de

fosfagen e na taxa respiratória. Apenas quando o substrato respiratório

era o ácido acético não foi observado um aumento signifi cativo na

presença do substrato.

Cerca de dois anos mais tarde, 1941, Fritz Lipmann postulava o

conceito de “ligação fosfato rica em energia”, como descreveu a seguir.

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I

58 CEDERJ

GERAÇÃO METABÓLICA E UTILIZAÇÃO DA ENERGIA

LIGADA AO FOSFATO

Fritz Lipmann

Laboratório de Pesquisa Bioquímica, Hospital Geral de

Massachusetts e Departamento de Química Biológica – Escola

Médica de Harvard, Boston, Massachusetts

I- Introdução Histórica

Por um longo período a descoberta de Harden e Young, a

fosforilação de hexose na fermentação alcoólica, foi considerada

com signifi cado apenas como uma forma de modelar a molécula

de hexose para ajusta-lá à quebra fermentativa. Entretanto, como

resultado de um estudo intensivo das reações intermediárias da

fermentação e a relação entre ação muscular e metabolismo,

tornou-se evidente que a ligação éster fosfato primária da hexose

transforma-se metabolicamente em um novo tipo de ligação

fosfato de alta energia. (...) Durante vários processos metabólicos

o fosfato é introduzido em compostos não meramente, ou no

mínimo não somente, para facilitar sua quebra, mas como um

provável carreador de energia. Resumir a geração metabólica e

a circulação deste peculiar tipo de energia química é a proposta

primária deste trabalho.

Logo foi reconhecido o papel do ATP como um carreador de energia nos processos metabólicos. Mas, qual o sítio de síntese de ATP na célula? O que você faria para responder a esta questão?

!

Em 1949, devido ao desenvolvimento tecnológico propiciado

pela Segunda Grande Guerra, E. P. Kennedy e A. L. Lehninger utilizam

centrífugas refrigeradas e submetem variando de 1.500 X g (1g = 9,8m/s2,

aceleração da gravidade) até 20.000 g.

CEDERJ 59

AU

LA

DU

LO 4

15

Fração Substrato Consumo deoxigênio (µM)

Mitocôndria Citrato

α-cetoglutarato

Piruvato + oxaloacetato

Nada

7,1

6,3

7,1

0,18

Precipitado Nuclear

Sobrenadante

Citrato

α-cetoglutarato

Piruvato + oxaloacetato

Nada

Citrato

α-cetoglutarato

Piruvato + oxaloacetato

Nada

1,9

1,7

0,98

0,0

0,54

0,0

1,4

0,31

ACELERAÇÃO FRAÇÃO CELULAR

1.000 X g: Precipita células íntegras e núcleo.

de 5.000 até 15.000 X g: Precipita grandes vacúolos, cloroplastos e mitocôndrias.

de 50.000 até 150.000 X g: Precipita microssomas de retículo endoplasmático.

Acima de 500.000 X g: Precipita algumas proteínas solúveis.

Desta forma, Kennedy e Lehninger isolam diferentes frações e

obtêm o seguinte resultado (Tabela 15.2):

Tabela 15.2: Atividade das frações subcelulares de fígado de rato na oxidação de compostos intermediários do ciclo de Krebs.

Comparando a taxa respiratória (consumo de oxigênio) das três frações obtidas (mitocôndria, precipitado nuclear e sobrenadante), qual das frações celulares está envolvida com a respiração, e como você integraria os resultados obtidos por Keilin e Belitser & Tsybakova?

Como você comprovaria o seu esquema?

!

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I

60 CEDERJ

Kennedy e Lehninger mediram paralelamente o consumo de

oxigênio e o fosfato esterifi cado, utilizando vários substratos respiratórios.

A Tabela 15.3 apresenta estes resultados. Observe que, em comparação

com o controle (sem adição de substrato), existe um aumento tanto na

taxa respiratória quanto no fosfato esterifi cado quando são utilizados

citrato, alfa-cetoglutarato, piruvato + oxaloacetato ou octanoato como

substratos.

Experimento Substrato Consumo deoxigênio

1 Nada

Citrato

α−cetoglutarato

Piruvato + oxaloacetato

0,18

7,1

6,3

7,1

2 Nada (0,0001 M malato presente)

Octanoato

0,5

4,5

µM

Fosfato esterifi cado

24,2

106

113

113

37

121

y

32Pi esterifi cado

0,67

31,3

39,3

32,6

3,2

27,8

%

Tabela 15.3: Esterifi cação de fosfato acoplado à oxidação na mitocôndria.

Anos mais tarde, no laboratório de A.L. Lehninger, foi verifi cado

que nucleotídeos de diidro-difosfopiridina (DNPH2 na nomenclatura

antiga, atualmente conhecido como NADH) aumentavam a incorporação

de 32Pi (fosfato inorgânico radioativo) em um composto com a propriedade

ÁCIDO LÁBIL como a adenosina trifosfato (ATP). Tal incorporação não

ocorria na presença de N2 ou na ausência de íons Mg2+.

Consumo de O2 por DPNH2

Utilizando preparação mitocondrial de fígado de rato, Lehninger

fez os experimentos mostrados nas Figuras 15.4 e 15.5. No primeiro

experimento (Figura 15.4), ele testou o efeito da concentração de

citocromo c na velocidade de consumo. (lembre que é NADH).

ÁC I D O LÁ B I L

Propriedade “ácido lábil” signifi ca que o composto é sensível a meios ácidos. Usa-se lábil em contraposição a resistente. Temos ainda termolábil em contraposição a termorresistente.

CEDERJ 61

AU

LA

DU

LO 4

15

O que sugere o experimento da Figura 15.4?!

Os resultados mostram que, na ausência de citocromo, o consumo

de oxigênio é basal e que a adição de citocromos à preparação de

mitocôndria de fígado de rato aumenta a taxa respiratória.

No segundo experimento (Figura 15.5), ele testou o efeito da

concentração de citocromo c na velocidade de oxidação de DPNH2

(lembre que é NADH).

Figura 15.4: Efeito da concentração de citocromo c na velocidade de oxidação de DPNH2.

1 – sem adição de citocromo

2 – adição de 5 x 10-6 M

3 – 1,0 x 10–5 M

4 – 5 x 10–5 M

5 – 1,5 x 10-4 M

10 20 30 40 50

Mic

roát

om

os

de

oxi

gên

io c

on

sum

ido

tempo em minutos

Consumo de O2 / DNPH2 adicionado

0 5 10 15 20

Mic

roát

om

os

de

O2 co

nsu

mid

oM

icro

mo

ls D

PN f

orm

ado

ou

DPN

H2

des

apar

ecid

o

tempo em minutos25 30

Figura 15.5: Correlação entre o consumo de oxigênio, o desaparecimento de DNPH2

e o aparecimento de DPN durante a oxidação do DNPH2.

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I

62 CEDERJ

Qual a relação entre o desaparecimento de NADH2 e o consumo de oxigênio na Figura 15.5?

!

A seguir, Lehninger mediu simultaneamente a relação entre DPNH2

e fosfato (orto-fosfato) no ensaio de respiração (Tabela 15.4).

Tabela 15.4: Medidas da razão Pi/DPNH2.

Experimentonúmero

Tipo deenzima

Citocromoc (M)

2 H2O 4 X 10-4

0,003M

DPN

Tempo(minutos)

0

8

15

0

17

Orto-fosfato(µM)

4,72

2,81

1,96

7,43

7,27

DPNH2

(µM)

4,94

3,92

3,13

P/DPNH2

1,89

1,52

Tubos duplicados contendo 0,005M de MgCl2, 0,005M de KCl, 0,002M a 0,004M de ADP, 0,02M de tampão glicil-glicina pH 7,4, citocromo c, ortofosfato, DPNH2, na concentração indicada na tabela e 0,03M de NaF. Cada tubo recebeu 0,30 ml da suspensão da partícula indicada (partículas derivadas de 50 mg de fígado de rato) para um volume total de 2,0 mL. A temperatura nos diferentes experi-mentos variou de 17 – 24o C.

Observando as medidas de A.L. Lehninger na Tabela 15.4, sugira o papel do NADH2 durante a oxidação da glicose e relacione com a síntese de ATP.

!

Observe que a concentração de DPNH2 cai e a de fosfato

também, conforme aumenta o tempo de ensaio. Entretanto, a relação

fosfato e DPNH2 parece não ser muito alterada, o que sugere que

a utilização do fosfato (provavelmente para a síntese de ATP) e a

diminuição na concentração de DPNH2 (provavelmente oxidado a

DPN) são eventos acoplados.

CEDERJ 63

AU

LA

DU

LO 4

15

Figura 15.6: A estrutura do 2,4-dinitrofenol (DNP), um veneno metabólico.

Em 1948, Loomis e Lipmann publicam um trabalho

investigando o acoplamento entre o consumo de oxigênio e

a fosforilação, com o efeito do 2,4-dinitrofenol (DNP):

Tabela 15.5: Efeito do DNP no consumo de oxigênio e fosfato em homogenatos de rim de coelhos.

Adições Consumo de oxigênio

Nenhuma

8 X 10 -4 MDNP

8,0

7,9

Consumo de fosfato

17,5

1,3

RazãoPi: O

2,2

0,2

Todas as amostras contêm 10 ml da preparação de uma enzima similar àquela de Green et al., preparada por centrifugação de homogenato de rim de coelho em tampão KCl-NaHCO3 e lavagem do resíduo 2 vezes com o tampão fresco. A isto foi adicionado 0,1 ml de hexoquinase de levedura e 0,0067M de MgCl2.

Clinon foi o primeiro a mostrar que o dinitrofenol em baixas

concentrações bloqueia completamente as reações sintéticas sem

interferir na oxidação. Outros autores têm mostrado que esta droga

inibe a assimilação de nitrogênio, crescimento e diferenciação, a

formação de enzimas adaptativas, e Hotchkiss tem reportado

dados prelimirares mostrando que o DNP previne consumo de

fosfato durante a respiração de células de levedura. Estes resultados

parecem indicar que DNP atua no mecanismo básico da célula

pelo qual a geração de ligações fosfato está acoplada a reações de

oxidação.

Loomis & Lipman, 1948

Que conclusões você tiraria destes dados?!

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I

64 CEDERJ

É interessante que o DNP (Tabela 15.5) não afeta o consumo de

oxigênio, mas inibe drasticamente o consumo de fosfato. Isso signifi ca

que, embora os dois processos estejam acoplados, eles são independentes

(ver hipóteses de acoplamento de energia na próxima aula).

Durante muitos anos, o DNP foi prescrito para uso em tratamento da obesidade, pois os pacientes que o utilizavam mostravam uma rápida diminuição em seu peso. Como você explicaria este fenômeno do ponto de vista bioquímico? Você acharia adequado tal tratamento?

!

Os resultados mostrados até aqui dão uma idéia do que ocorre

na mitocôndria e que resulta em transformação da energia química do

alimento em energia química da molécula de ATP. Este processo é vital

para os organismos aeróbicos. Na aula seguinte, vamos mostrar como

isso acontece. Não esqueça que o que sabemos é resultado desta história

e de muitas outras que não caberiam aqui. Muita gente trabalhou e

continua trabalhando para entender como este processo ocorre.

Metabolismo de carboidratos II

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Entender os processos de oxirredução dos componentes da cadeia transportadora de elétrons.

• Compreender o processo de síntese de ATP.

16AU

LA

objetivos

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II

66 CEDERJ

Da história contada na aula anterior podemos extrair as idéias fundamentais

que explicam como a energia contida no alimento pode ser transformada

em ATP nas células, na presença de oxigênio. O pigmento respiratório

de MacMunn ou os citocromos de Keilin; o processo de transferência de

elétrons; a relação entre a oxidação de hexoses e a fosforilação de Belitser

e Tsybakova; o conceito de ligações fosfato de alta energia de Lipmann; a

esterifi cação de fosfato acoplado à oxidação na mitocôndria de Kennedy

e Lehninger; o papel do NADH de Lehninger: esses são apenas alguns

personagens importantes e essas pistas nos dão uma idéia do que acontece

nas nossas células. Agora vamos passo a passo mostrar com mais detalhes

esse processo conhecido como cadeia transportadora de elétrons.

CONCEITOS INICIAIS

A cadeia transportadora de elétrons (CTE) é um conjunto de

reações que ocorre nas cristas mitocondriais (ver Aula 14) e fornece

energia para outro processo, a fosforilação oxidativa.

Cadeia transportadora de elétrons e fosforilação oxidativa

são, portanto, eventos relacionados, ou melhor, acoplados.

Entretanto, cada um deles pode ocorrer independentemente e

tem componentes e produtos diferentes.

A cadeia transportadora de elétrons utiliza os aceptores (NADH

e FADH2) reduzidos em outras vias metabólicas tais como glicólise

ou ciclo do ácido cítrico. A síntese de ATP por fosforilação oxidativa

é dependente da energia gerada durante o transporte de elétrons da

cadeia mitocondrial.

Antes de começar a explicar como isso acontece, vamos calcular

o saldo de NADHs, FADH2 e ATPs que temos no processo de respiração

celular após a quebra total de uma molécula de glicose (glicólise e ciclo

do ácido cítrico). Tente fazer isso, olhando as aulas anteriores de

glicólise (Aulas 10 e 11) e ciclo do ácido cítrico (Aula 14).

Figura 16.1: O fluxograma mostra que a energia usada pelo corpo em suas diversas atividades é, em última análise, energia química do a l imento. Esta energia é primeiro convertida em NADH e FADH2 e, posteriormen-te,convertida em ATP. ATP é energia química disponível e acessível para as atividades celulares.

INTRODUÇÃO

A cadeia transportadora de elétrons resulta na síntese de água

A fosforilação oxidativa resulta na síntese de ATP

Energia para o corpo

Alimento

CEDERJ 67

AU

LA

DU

LO 4

16E agora confi ra o resultado que você encontrou.

Durante a glicólise – saldo de 2 ATPs e 2 NADHs.

No ciclo do ácido cítrico – saldo de 2 ATPs (1 para cada volta

no ciclo), 6 NADHs (3 para cada volta no ciclo) e 2 FADH2 (1 para

cada volta no ciclo).

O que foi gerado no ciclo do ácido cítrico encontra-se na matriz

mitocondrial, onde ele acontece. O que foi gerado na glicólise está no

citoplasma da célula. Portanto, para que o NADH, reduzido durante a

glicólise, possa estar disponível para a cadeia transportadora de elétrons,

ele precisa atravessar as membranas mitocondriais, particularmente

a interna, que é menos permeável. Para isso, existem transportadores

específi cos na membrana interna mitocondrial. O NADH glicolítico pode

entrar na mitocôndria por dois caminhos diferentes, ou seja, existem dois

transportadores capazes de carregar esta molécula do citoplasma para

a matriz mitocondrial. Estes transportadores são chamados lançadeira

malato-aspartato e lançadeira do glicerofosfato.

AS LANÇADEIRAS

A lançadeira malato-aspartato

Este sistema usa as moléculas de malato e aspartato para

transportar os hidrogênios que estão associados ao NADH no citoplasma

da célula. Envolve também outras moléculas normalmente presentes na

matriz mitocondrial e no citoplasma. Um hidrogênio ligado ao NADH

é transferido para o oxaloacetato (que você já conhece), formando

malato no citoplasma da célula. A membrana interna mitocondrial tem

um transportador de malato do tipo ANTIPORTA que leva o malato do

citoplasma para dentro da mitocôndria e, simultaneamente, transporta

α - cetoglutarato da matriz mitocondrial para o citoplasma. Na matriz

mitocondrial, o malato volta a oxaloacetato, transferindo o hidrogênio

para o NAD+ mitocondrial, formando novamente NADH. Note que

apenas os hidrogênios foram transportados. O NAD+ citoplasmático não

é capaz de atravessar a membrana interna mitocondrial. Como resultado

da transferência do hidrogênio para formar NADH, o malato volta a

ser oxaloacetato na matriz mitocondrial. Este oxaloacetato é convertido

em aspartato, que pode então sair da mitocôndria por um transportador

(antiporta) que, em troca, transfere glutamato do citoplasma para a

matriz mitocondrial (o resumo do mecanismo de transporte pode ser

AN T I P O RTA

Reveja as aulas de transporte através de membranas em Biologia Celular I.

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II

68 CEDERJ

visto na Figura 16.2). Assim, todo NADH reduzido na glicólise (dois

NADH) pode estar disponível na matriz mitocondrial para participar

da cadeia transportadora de elétrons.

A lançadeira do glicerofosfato

O segundo caminho para entrada dos elétrons na matriz

mitocondrial é a lançadeira do glicerofosfato ou fosfoglicerol. Nesse

caso, os hidrogênios associados ao NADH reduzido na glicólise são

transferidos para a diidroxiacetona-fosfato (DHAP) formando o 3-

fosfoglicerol no citoplasma. A enzima que catalisa esta reação é a

3-fosfoglicerol desidrogenase. A enzima fl avoproteína desidrogenase

catalisa a transferência deste hidrogênio para o FADH2 (o resumo do

mecanismo de transporte está na Figura 16.3).

Diidroxiacetonafosfato

Figura 16.2: Lançadeira malato-aspartato.

Figura 16.3: Lançadeira do glicerolfosfato.

CEDERJ 69

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16Assim, cada NADH reduzido na glicólise será transformado em

FADH2 para participar da CTE na mitocôndria. Neste caso, portanto,

temos uma diferença essencial quanto ao saldo de ATPs após a CTE.

Lembre que cada NADH gera energia sufi ciente para a síntese de 3 ATPs,

enquanto o FADH2 apenas para 2 ATPs.

Agora temos todo NADH na matriz mitocondrial. Além do

FADH2, é claro. Estes aceptores são o ponto de partida para a síntese

de ATP. Cada NADH que transfere seus hidrogênios para a cadeia

transportadora gera energia sufi ciente para a síntese de 3 moléculas de

ATP. Cada FADH2 gera energia para a síntese de apenas 2 moléculas

de ATP.

Se você chegou a 38 moléculas de ATP, ótimo (veja Tabela 16.1).

Você já sabe que se o NADH gerado durante a glicólise for

transportado pela lançadeira do glicerofosfato, uma molécula de ATP

terá que ser utilizada para o transporte. Assim, dois ATPs serão gastos

para levar as duas moléculas de NADH reduzidas na glicólise para

a matriz mitocondrial. Neste caso, do total de 38 moléculas de ATP

teremos apenas 36 moléculas de ATP, após a degradação completa de

uma molécula de glicose. Você encontrará em alguns livros 36 ATPs e

Agora faça os cálculos... quando uma molécula de glicose sofre oxidação completa, quantas moléculas de ATP podem ser geradas por fosforilação oxidativa?

Quantas moléculas foram geradas por fosforilação no nível do substrato, na glicólise e no ciclo do ácido cítrico?

Qual o total de moléculas de ATP sintetizado por molécula de glicose durante o processo completo de respiração celular?

Etapa da respiração celularFosforilação

substratoFosforilação oxidativa

Glicólise

Piruvato Acetil-CoA

Ciclo do ácido cítrico

2 ATP

2 ATP

2NADHx3=

2NADHx3=

6NADHx3 =

2FADH2x2 =

6 ATP

6ATP

18 ATP

4 ATP

Total = 38 4 34

Tabela 16.1: Balanço energético da respiração celular em cada uma das etapas a partir da oxidação completa de uma molécula de glicose.

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II

70 CEDERJ

em outros 38 ATPs, como produto fi nal da respiração celular. Agora,

você já sabe de onde vem esta aparente discrepância. Além disso, após

1991, verifi cou-se que a relação de 3 ATPs por NADH e 2 ATPs por

FADH2 não é exata. Alguns trabalhos mostraram que a relação é de 2,5

moléculas de ATP para cada NADH reoxidado na cadeia transportadora

de elétrons e de 1,5 molécula de ATP para cada FADH2.

Agora vamos à cadeia transportadora de elétrons mitocondrial.

Sua organização e seu mecanismo de funcionamento se assemelham à

cadeia transportadora de elétrons presente no cloroplasto que vimos

nas aulas de fotossíntese (Aula 6). Na membrana interna mitocondrial

existem partículas organizadas em uma seqüência defi nida. Esta organização

obedece a um padrão baseado no potencial redox de cada um dos

componentes. Alguns componentes são complexos protéicos integrais

de membrana, outros são componentes móveis.

Os componentes da cadeia transportadora de elétrons

Como já vimos anteriormente, a membrana interna mitocondrial

é rica em proteínas. A maior parte dessas proteínas é componente da

cadeia transportadora de elétrons. As proteínas estão organizadas em

quatro complexos protéicos responsáveis pelas reações de oxirredução

que ocorrem nesta membrana. São eles:

Complexo I – também chamado NADH desidrogenase ou

NADH: CoQ oxidorredutase.

Complexo II – também chamado succinato desidrogenase ou

succinato: CoQ oxidorredutase.

Complexo III – também chamado citocromo bc1.

Complexo IV – também chamado citocromo oxidase.

Além desses complexos protéicos, existem dois componentes

móveis da cadeia: a ubiquinona (também chamada coenzima Q e

representada como UQ ou CoQ) e o citocromo c.

A CADEIA TRANSPORTADORA DE ELÉTRONS (CTE)

CEDERJ 71

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16A seqüência de transporte de elétrons

Vejamos agora mais detalhadamente cada um dos complexos

protéicos e o papel que eles desempenham na cadeia transportadora de

elétrons.

O complexo I tem atividade NADH desidrogenase, ou seja,

usa NADH como substrato para uma reação de desidrogenação. Este

complexo apresenta, como co-fator, fl avina mononucleotídeo (FMN),

além de centros ferro-enxofre. Sua estrutura protéica é composta

por mais de 30 subunidades totalizando uma massa molecular de

aproximadamente 850 kDa. No complexo o percurso dos elétrons é:

NADH FMN Fe-S UQ FeS UQ

O alvo fi nal dos elétrons é a ubiquinona (UQ). O complexo

transporta dois elétrons para a ubiquinona e quatro prótons da matriz

mitocondrial para o espaço intermembranar.

Figura 16.4: O complexo I da cadeia transportadora de elétrons. Os elétrons são transferidos do NADH para o FMN, formando FMNH2. Dois elétrons percorrem ainda os centros ferro-enxofre até atingirem a ubiquinona. Quatro prótons são bombeados da matriz mitocondrial para o espaço entre as membranas interna e externa.Fonte: Garret & Grisham. Biochemistry. 2ª ed. fi g. 21.6. Saunders College Publishing. Disponível online em: http://www.people.virignia.edu/~cmg/slides_download.html

O complexo I - NADH desidrogenase ou NADH: CoQ oxidorredutase

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II

72 CEDERJ

O complexo II é um complexo independente, que aceita elétrons

apenas do FADH2 e os transfere também para a ubiquinona.

O complexo está presente na membrana interna mitocondrial

e também participa do ciclo de Krebs através de sua atividade

succinato desidrogenase. Na sua estrutura estão presentes quatro cadeias

polipeptídicas, incluindo duas proteínas ferro-enxofre e fl avoproteínas

2 (FP2) onde o FAD (fl avina dinucleotídeo) encontra-se covalentemente

ligado. Você já sabe, das aulas de fotossíntese, que existem diferentes

tipos de centros ferro-enxofre ligados a proteínas. Estes podem ser do

tipo 4Fe-4S, 3Fe-4S ou 2Fe-2S (ver ferredoxina, na Aula 6 do módulo

fotossíntese), dependendo do número de átomos de ferro e de enxofre

presentes nos complexos.

A reação que ocorre no complexo é a seguinte:

Succinato + UQ Fumarato + UQH2

O percurso dos elétrons é o seguinte:

Succinato FADH2 2Fe2+ UQH2

Entretanto, a ubiquinona (UQ) pode ser parcialmente reduzida

e formar um radical semiquinona (UQH*). A redução deste radical

leva à formação de ubiquinol (UQH2). Em condições fi siológicas,

a quantidade de semiquinona formada é muito pequena, pois toda

semiquinona é rapidamente convertida a ubiquinol (veja Figura 16.6).

Figura 16.5: O complexo II da CTE. Este complexo recebe os elétrons do FADH2 reduzido no ciclo do ácido cítrico e os transfere para a ubiquinona através de seu centro ferro-enxofre. Fonte: Garret & Grisham. Biochemistry. 2ª ed. fig. 21.6. Saunders College Publishing. Disponível online em:http://www.people.virginia.edu/cmg/slides_download.html

O complexo II - succinato desidrogenase ou succinato: CoQ oxidorredutase

CEDERJ 73

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16Em situações especiais pode haver um acúmulo de semiquinona, que é

considerado um radical livre e, portanto, é capaz de reagir fortemente

com várias biomoléculas, causando danos à sua estrutura. A cadeia

transportadora de elétrons é, em potencial, um dos caminhos pelos

quais os radicais livres são gerados.

O complexo III - citocromo bc1O principal componente do complexo III é uma proteína

transmembrana chamada citocromo b. Você conheceu a história

dos citocromos na aula anterior. Este citocromo se caracteriza por

apresentar como grupo prostético um grupamento heme bL e outro

grupamento heme bh. Estas moléculas são apresentadas na Figura 16.7

e distinguem-se pelos diferentes tipos de citocromo apenas nas cadeias

laterais (ver Figura 16.7).

Figura 16.6: Ubiquinona é par-cialmente reduzida formando um radical semiquinona que é nova mente reduzido, formando ubiquinol.

Figura 16.7: O grupamento heme ou ferro-protoporfi rina IX é o grupo prostético dos citocromos. A) molécula encontrada no citocromo b; B) a molécula encontrada no citocromo c; C) a molécula encontrada no citocromo.

Se você não se lembra do con ceito de grupo pros tético, volte às aulas de proteínas, em Bioquímica I.

!

A B C

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II

74 CEDERJ

UQH2 + UQH*+ 2H+ + CITOCROMO (oxidado) UQH2 + 2H+ + UQ + CITOCROMO (reduzido)

O ciclo Q

A coenzima Q (CoQ) ou ubiquinona (Q ou UQ) passa seus

elétrons para o citocromo c (e bombeia prótons) num ciclo redox único

chamado ciclo Q. A coenzima Q é uma benzoquinona ligada a várias

unidades isoprenóides (normalmente 10 em células de mamíferos e 6

em bactérias). A cauda isoprenóide dá à molécula seu caráter apolar,

que permite à CoQ difundir-se rapidamente pela membrana interna

mitocondrial. A CoQ tem a habilidade de aceitar um par de elétrons

(aceptor dieletrônico) e passá-los, um de cada vez, através de um

intermediário semiquinona até o complexo III. Isso ocorre em duas

etapas: a primeira etapa é a migração do ubiquinol (UQ2) para o sítio

Qp da citocromo c redutase. Dois elétrons e dois prótons são liberados,

resultando em uma oxidação a um intermediário semiquinona (UQH*)

e, fi nalmente, à ubiquinona (UQ), que pode deixar o sítio e entrar no

pool da membrana. Um elétron é passado a uma proteína ferro-enxofre

através do citocromo c1 e, fi nalmente, ao citocromo c móvel no espaço

intermembranas. O outro elétron passa através dos citocromos bL e

bH, reduzindo a ubiquinona a semiquinona no sítio Qn da enzima.

A primeira etapa do ciclo Q pode ser resumida através da

seguinte equação:

UQH2 + CITOCROMO C (oxidado) UQH* + 2H + CITOCROMO C (reduzido)

Na segunda etapa do ciclo, outro ubiquinol (UQ2) entra no

sítio Qp e é oxidado a ubiquinona, doando um novo par de elétrons

para o citocromo c. Entretanto, desta vez o segundo elétron é usado

para reduzir o intermediário semiquinona a ubiquinol, bombeando

dois prótons da matriz para o espaço intermembranas e retornando

ubiquinol para o pool da membrana. O resultado fi nal dessas reações

é o bombeamento de quatro prótons para cada molécula de ubiquinol

que é oxidada. A razão para a complexidade deste processo é que a

cadeia precisa transferir dois elétrons do ubiquinol para duas moléculas

carreadoras de um elétron (aceptor monoeletrônico), o citocromo c.

A segunda etapa do ciclo Q pode ser resumida na equação a seguir:

Para relembrar o conceito de unidades isoprenóides, veja aula de outros lipídeos em Bioquímica I.

!

CEDERJ 75

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16

UQH2 + CITOCROMO C (ox.) UQH* + 2H+fora + CITOCROMO C (reduz.)

UQH2 + UQH* + 2H+dentro+ CITOCROMO C (ox.) UQH2

+ 2H+fora + UQ + CITOCROMO C (reduz.)

UQH2 + 2H+dentro+ 2 CITOCROMO C (ox.)

2e- 4 H+

fora + 2 CITOCROMO C (reduz.) + UQ

4 CITOCROMO C (red.) + 4H+ + O2 4CITOCROMO (ox.) + 2H2O

O resumo do ciclo está no Esquema 16.1, a seguir:

Na Figura 16.8, apresentamos um esquema do ciclo Q.

O complexo IV - citocromo oxidase

Na seqüência da cadeia transportadora temos até agora dois

citocromos reduzidos. Eles são componentes móveis da cadeia que,

em seguida, sofrerão oxidação, enquanto passam seus elétrons para

o próximo componente, o complexo IV, também chamado citocromo

oxidase. Essa enzima é composta de dez subunidades, mas grande parte

da sua estrutura ainda hoje é desconhecida. Sabe-se que a citocromo

oxidase utiliza dois hemes (a e a3) e dois sítios de cobre. O papel da

citocromo oxidase é aceitar elétrons do citocromo c e usá-los para reduzir

o oxigênio, formando duas moléculas de água. O complexo é responsável

também pelo último ponto de bombeamento de prótons da cadeia.

Figura 16.8: O ciclo Q. Em A, a primeira etapa do ciclo com a transferência de dois elétrons do ubiquinol para o citocromo c e a for-mação do intermediário semiquinona.Em B, a segunda etapa do ciclo com a transferência de elétrons de outro ubi-quinol, formando ubiqui-nona. Quatro prótons são bom-beados da matriz para o espaço intermembranas. Cyt c = citocromo c.

A B

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II

76 CEDERJ

A redução de uma molécula de oxigênio para formar duas

moléculas de água requer quatro elétrons. Entretanto, o citocromo

c, como vimos anteriormente, transporta apenas um elétron de cada

vez. A redução incompleta do oxigênio pode gerar peróxidos ou radicais

livres de oxigênio, espécies altamente reativas. O funcionamento efi ciente

da citocromo oxidase impede a formação desses radicais pela incompleta

redução do oxigênio.

Em resumo:

O oxigênio é o aceptor fi nal dos elétrons na cadeia transportadora.

A redução do oxigênio resulta na síntese de água.

Figura 16.9.b: O complexo IV ou citocromo oxidase ou citocromo a, a

3.

Figura 16.9.a: A organização molecular do heme e átomos de cobre no complexo IV.

Figura 16.10: A função do citocromo oxidase.

CEDERJ 77

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16

A ATP sintase é uma enzima que catalisa a síntese de ATP. Você

já viu uma enzima parecida na fotossíntese (veja fase clara, Aula 6).

No processo de respiração celular, esta enzima é responsável pela etapa

chamada FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA. Nesta etapa, a energia do

fl uxo de elétrons é convertida em ATP.

Até o complexo IV, o resultado da cadeia transportadora de

elétrons é a síntese de duas moléculas de água e um aumento da

concentração de prótons no espaço intermembranas. Lembre que esses

prótons foram bombeados pelos complexos I, III e IV. O bombeamento

de prótons estabelece um gradiente de prótons através da membrana

mitocondrial interna (veja na Figura 16.11).

Este gradiente protônico é também um gradiente eletroquímico,

pois ocorre uma diferença de potencial (ddp) entre um lado e outro da

membrana mitocondrial interna (Figura 16.12). Em outras palavras, a

concentração de prótons em um lado da membrana determina que este

lado seja mais positivo que o outro.

O COMPLEXO V - ATP SINTASE

O complexo V - ATP sintase

Figura 16.11: Os pontos de bombeamento de prótons da matriz para o espaço intermembranas durante a cadeia transportadora de elétrons.

Figura 16.12: O gradiente dos prótons formado durante a cadeia transportadora de elétrons.

A FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA

PETER D. MITCHELL

Prêmio Nobel de Química de 1978,

por sua contribuição ao entendimento dos processos de transferência de

energia em sistemas biológicos através da formulação da Teoria

Quimiosmótica.http://www.nobel.se/chemistry/laureates/

1978/mitchell-bio.html

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II

78 CEDERJ

A membrana mitocondrial interna não é permeável a prótons

e, portanto, qualquer movimento deles requer um transportador

específi co. O complexo ATP sintase tem uma estrutura complexa: parte

da enzima funciona como um canal de prótons e é por ali que estes

retornarão à matriz mitocondrial, desfazendo o gradiente. Segundo

Peter Mitchell, a ATP sintase usa a energia do gradiente de prótons

para sintetizar ATP, a partir de ADP e Pi. Esta teoria é chamada Teoria

Quimiosmótica, e é a mais aceita nos dias de hoje.

Você lembra de quando dissemos, no início da aula, que a cadeia

transportadora de elétrons e a fosforilação oxidativa eram eventos

acoplados? Pois bem, veja um esquema completo, representando tal

acoplamento na Figura 16.13.

A ATP sintase é uma enzima constituída por duas partes com

atividades distintas, chamadas F1 e F0. Por este motivo ela também é

chamada F1- F0 – ATPase. A estrutura tridimensional da proteína pode

ser vista na Figura 16.14.

Figura 16.13: Acoplamento entre a cadeia transportadora de elétrons e a fosforilação oxidativa.

Figura 16.14: Estrutura tridimensional da ATP sintase. Em (a) uma vista lateral e em (b) uma visão frontal da estrutura da proteína. Note o arranjo das subunidades. Fonte: Biochemistry. 2a ed. Garrett e Grisham, Saunders College Publishing.Disponível online em: http://www.people.virginia.edu/~cmg/slides_download.html

a b

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16

Os componentes da cadeia transportadora de elétrons estão

organizados segundo seu potencial de oxirredução (Figura 16.15). O

potencial de redução padrão dos diferentes componentes da membrana

interna mitocondrial permite a progressiva passagem dos elétrons do

NADH e do FADH2 do menor ao maior potencial de redução padrão.

Conforme os elétrons atravessam sucessivamente os complexos I, II e

IV, é gerada energia livre sufi ciente para a síntese de uma molécula

de ATP. No caso do FADH2, o complexo II não é capaz de bombear

prótons. Assim, a energia livre gerada na reoxidação desta molécula é

menor, e portanto menos ATP é gerado por molécula de FADH2.

A SEQÜÊNCIA DA CADEIA DE TRANSPORTE DE ELÉTRONS REFLETE OS POTENCIAIS REDOX DE SEUS COMPONENTES

Figura 16.15: O potencial de redução padrão dos componentes móveis e dos complexos é indicado pela escala à esquerda. Também estão indicados os pontos onde a energia liberada é sufi ciente para sintetizar ATP e os sítios dos vários inibidores respiratórios (rotenona, amital, antimiciana A e cianeto). Os complexos I, II e IV não sintetizam diretamente ATP, mas capturam a energia livre necessária para a síntese de ATP pelo bombeamento de prótons que gera o gradiente utilizado como força eletromotriz pela ATP sintase.

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II

80 CEDERJ

A cadeia transportadora de elétrons é regulada pela disponibilidade

dos substratos, NADH, FADH2, ADP, Pi e oxigênio. Assim, ela e a

fosforilação oxidativa estarão inibidas nas seguintes situações:

a) NADH/NAD+ – baixa – nesta situação o poder redutor é baixo

e existe uma baixa concentração de doadores de elétrons para a CTE.

ATP/ADP – alta – nesta situação a carga energética da célula é

alta, e, portanto, a síntese de ATP não precisa ser estimulada.

O2 – baixo – o oxigênio é o aceptor fi nal dos elétrons e, na

ausência dele, os transportadores fi cam saturados e não são mais

capazes de aceitar novos elétrons, paralisando a cadeia transportadora.

É por isso que precisamos respirar oxigênio.

Você já sabe que a CTE e a fosforilação oxidativa são eventos

acoplados, interdependentes. Para que a mitocôndria sintetize ATP, é

necessário que os elétrons passem através dos componentes da cadeia e

que os prótons sejam bombeados.

Entretanto, em alguns casos é possível desacoplar os dois processos.

Isso pode ocorrer com a utilização de substâncias químicas chamadas

desacopladores, como o 2,4-dinitrofenol (DNP) ou o carbonilcianeto-p-trif

luorometoxifenilhidrazona (FCCP) (ver Figura 16.16). Estas moléculas, por

serem capazes de atravessar facilmente a membrana interna mitocondrial

por difusão, podem levar os prótons do espaço intermembranas de volta

para a matriz, desfazendo o gradiente eletroquímico. Na presença dessas

substâncias, então, a cadeia transportadora de elétrons funciona sem que

haja síntese de ATP.

A REGULAÇÃO DA CADEIA TRANSPORTADORA DE ELÉTRONS E FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA

DESACOPLAMENTO

Figura 16.16: Mecanismo de ação dos desacopladores DNP e FCCP.

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16O DNA foi utilizado, por algum tempo, no tratamento da

obesidade. Você pode imaginar por quê?

Você acha que este tipo de tratamento não é efi ciente para o que ele se propõe? Por quê?

Por outro lado, existem situações fi siológicas especiais em que

o desacoplamento ocorre. Esse é o caso do tecido adiposo marrom de

recém-nascidos e organismos hibernadores, nos quais o desacoplamento

é um importante mecanismo para manter o corpo aquecido. Nesses

tecidos, a membrana interna mitocondrial apresenta uma proteína

desacopladora conhecida como termogenina. Esta proteína é um canal

de prótons que, como os desacopladores químicos, deixa passar os

prótons de volta para a matriz mitocondrial, desfazendo o gradiente

eletroquímico. A energia, neste caso, é dissipada em forma de calor.

Figura 16.17: A termogenina, proteína desacopladora presente na membrana interna mitocondrial do tecido adiposo marrom.

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II

82 CEDERJ

A respiração celular é o processo pelo qual uma molécula de glicose é quebrada

totalmente em CO2 e H2O na presença de O2. Este processo resulta na conversão

da energia contida nas moléculas de glicose em ATP. A síntese de ATP ocorre nas

mitocôndrias por fosforilação oxidativa e é um evento dirigido pela energia do

gradiente de prótons formado na cadeia transportadora de elétrons mitocondrial.

A cadeia transportadora de elétrons (CTE) tem como substrato NADH e FADH2,

gerados no ciclo de Krebs e na glicólise. Os elétrons passam através dos componentes

da CTE, que estão organizados segundo seu potencial de oxirredução. O aceptor

fi nal desses elétrons é o oxigênio, formando água. Os complexos I, III e IV da CTE

são também bombas de prótons. Estes complexos retiram os prótons da matriz

mitocondrial e jogam para o espaço intermembranas, gerando um gradiente

eletroquímico. A ATP sintase, presente na membrana interna mitocondrial, é

capaz de utilizar a energia deste gradiente eletroquímico e convertê-la em ATP. O

processo é regulado pela disponibilidade do substrato (ADP, Pi, NADH e FADH2).

EXERCÍCIOS

1. Descreva a rota seguida pelos elétrons da glicose até o O2.

2. Explique como se dá o acoplamento entre cadeia transportadora de elétrons

e fosforilação oxidativa.

3. Como os dois processos podem ser desacoplados?

4. Explique o caminho percorrido pelo NADH reduzido na glicólise até a cadeia

transportadora de elétrons.

5. Quais as vantagens e desvantagens do metabolismo baseado no oxigênio?

6. Faça um paralelo entre o metabolismo oxidativo de carboidratos (glicólise,

ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons e fosforilação oxidativa)

e a fotossíntese, destacando diferenças e semelhanças. A que conclusões você

chegou a respeito dos princípios básicos que norteiam os mecanismos utilizados

pelos organismos para obtenção de energia?

7. Explique por que a mitocôndria de uma célula hepática contém menos cristas do

que a mitocôndria da célula do músculo cardíaco.

RESUMO

A oxidação dos aminoácidos

e a produção de uréia

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Identifi car as situações metabólicas nas quais ocorre o catabolismo dos aminoácidos.

• Conhecer o destino do grupamento amino (NH3) presente nos aminoácidos.

• Conhecer o destino do esqueleto de carbonos dos aminoácidos.

• Conhecer as principais vias de modifi cação do grupamento amino, formado em tecidos extra-hepáticos, e de seu transporte para o fígado.

Pré-requisitos

Conhecimento da estrutura e da simbologia dos aminoácidos obtido em Bioquímica I

(Módulo 2, Aulas 8 a 10).Conhecimento do ciclo de Krebs obtido nas

Aulas 13 e 14 desta disciplina.

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objetivos

BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia

Agora, nós voltaremos nossa atenção para o processo de obtenção de energia

a partir da oxidação dos aminoácidos. A fração de energia metabólica que

pode ser obtida dos aminoácidos provenientes das proteínas da dieta ou das

proteínas musculares varia consideravelmente com o tipo do organismo e com

as condições metabólicas do mesmo. Carnívoros, logo após a alimentação,

podem obter até 90% dos seus requerimentos energéticos da oxidação dos

aminoácidos, enquanto os herbívoros podem obter pouca energia dessa rota

metabólica. Microorganismos podem obter aminoácidos do meio e aproveitá-los, já

as plantas raramente oxidam aminoácidos para obter energia; a maior parte da

sua energia metabólica é obtida da degradação de carboidratos. A concentração

dos aminoácidos nas plantas é ajustada para atender à síntese de proteínas, de

ácidos nucléicos e de outras moléculas necessárias ao seu crescimento.

Em animais, os aminoácidos sofrem o processo oxidativo em três diferentes

circunstâncias metabólicas:

1. Durante a síntese e degradação normal das proteínas, que recebe o nome

de turnover de proteínas, alguns aminoácidos obtidos pela degradação são

utilizados para a síntese de novas proteínas.

2. Quando a dieta é rica em proteínas, e a ingestão excede as necessidades

do corpo para a síntese de suas próprias proteínas (após um churrasco, por

exemplo), tal excesso é degradado, visto que os aminoácidos não podem

ser estocados.

3. Durante o jejum ou em doenças como a diabetes melito, quando os

carboidratos já não estão mais disponíveis ou não podem ser utilizados, as

proteínas celulares são utilizadas como combustível.

Em todas essas condições metabólicas, os aminoácidos perdem seus

grupamentos amino para formar alfa-cetoácidos (moléculas como aquelas

que você aprendeu ao estudar o ciclo de Krebs, Aula 14). Os “esqueletos de

carbonos”, ou seja, a cadeia carbônica dos aminoácidos, formam os α-cetoácidos.

Como você aprendeu (Aula 14), os alfa-cetoácidos podem ser degradados a

CO2 e H2O ou, com maior freqüência, podem fornecer esqueletos com três ou

quatro unidades de carbono que serão convertidos em moléculas de glicose,

combustível necessário ao cérebro, músculo e outros tecidos. Esse processo é

feito através de uma rota metabólica, denominada gliconeogênese, que você

aprenderá na Aula 30. As vias de degradação dos aminoácidos são muito

parecidas em diversos organismos; o foco desta aula será o catabolismo que

ocorre em vertebrados. De um modo geral, as vias de degradação convergem

para vias metabólicas centrais.

84 CEDERJ

INTRODUÇÃO

Você pôde observar, nas Aulas de 9 a 11, que a degradação dos carboidratos

forneceu piruvato, que, por sua vez, foi convertido a acetil-CoA; a degradação

de ácidos graxos também gerou moléculas de acetil-CoA que foi oxidada no

ciclo de Krebs.

Um ponto importante para distinguir o metabolismo dos aminoácidos

do processo de degradação dos ácidos graxos e dos carboidratos é que

todos os aminoácidos contêm grupamento amino; logo, seu processo

de degradação inclui uma etapa chave, na qual o grupamento amino

é separado do esqueleto de carbonos e desviado para vias específi cas de

utilização de aminoácidos. Veja um resumo esquemático da transformação

dos aminoácidos na Figura 17.1. Nela, podemos observar que os aminoácidos

podem vir tanto da dieta quanto de outras proteínas intracelulares. A cadeia

de carbonos é utilizada em rotas metabólicas que você já conhece, enquanto a

parte nitrogenada dos aminoácidos, na forma de amônia, é processada

em uma via denominada “ciclo da uréia”, que será abordada em detalhes

na Aula 18.

CEDERJ 85

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LO 5

17

Figura 17.1: Visão geral do catabolismo dos ami-noácidos em mamíferos.

BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia

86 CEDERJ

DESTINO METABÓLICO DOS GRUPAMENTOS AMINO

O nitrogênio molecular existe na natureza, em bastante quantidade;

no entanto, antes de ser utilizado pelos animais, ele deve ser “fi xado”,

isto é, reduzido da forma de N2 para NH3 por microorganismos e plantas.

A amônia é então incorporada, por esses organismos, em aminoácidos

e proteínas.

Você aprendeu em Bioquímica 1 que alguns AMINOÁCIDOS são

considerados ESSENCIAIS, pois não podem ser sintetizados pelo organismo,

e, portanto, devem ser ingeridos na dieta. Os não-essenciais podem ser

produzidos no nosso organismo a partir dos essenciais. Humanos não

podem sintetizar 11 dos 20 aminoácidos necessários à síntese de proteínas

endógenas. Os carbonos dos aminoácidos entram no metabolismo

intermediário em um dos pontos apresentados a seguir: AMINOÁCIDOS

denominados GLICOGÊNICOS (poderão formar glicose) são metabolizados

em piruvato, 3-fosfoglicerato, α-cetoglutarato, oxaloacetato, fumarato

ou succinil-CoA; AMINOÁCIDOS CETOGÊNICOS (que podem formar corpos

cetônicos) produzem acetil-CoA ou acetoacetato. O metabolismo de

alguns aminoácidos resulta em mais de um dos pontos apresentados e,

assim, alguns aminoácidos podem ser tanto glicogênicos como cetogênicos.

Veja, na Figura 17.2, os pontos de entrada dos aminoácidos glicogênicos

e cetogênicos nas rotas metabólicas.

AM I N O Á C I D O S E S S E N C I A I S

São aqueles que devem ser ingeridos na dieta. As células não possuem enzimas para sintetizar seu esqueleto carbônico. Em mamíferos são: isoleucina, leucina, valina, lisina, treonina, triptofano, fenilalanina, metionina e histidina.

DE S T I N O D O E S Q U E L E T O D E C A R B O N O S D O S A M I N O Á C I D O S

Os aminoácidos, quando desaminados, produzem α-cetoácidos que, diretamente ou através de reações adicionais, rendem componentes do ciclo de Krebs. Os aminoácidos podem ser agrupados em duas classes: glicogênicos e cetogênicos.

Figura 17.2: Pontos de entrada dos aminoácidos no ciclo de Krebs. Nas caixas estão registrados os pontos de entrada dos aminoácidos gli-cogênicos. Aminoácidos cetogênicos produzem acetil-CoA ou aceto-ace-til-CoA. Em negrito estão destacados os aminoáci-dos essenciais.

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AM I N O Á C I D O S G L I C O G Ê N I C O S

Os esqueletos carbônicos dos

aminoácidos glicogênicos

são degradados em piruvato ou

intermediários, de 4 e 5 carbonos,

do ciclo de Krebs. Os aminoácidos

glicogênicos são as principais fontes

de carbono da gliconeogênese

quando os níveis de glicose caem. Eles

podem ser degradados para produzir energia ou ser convertidos em

glicogênio ou ácidos graxos para estocar

energia.

AM I N O Á C I D O S C E T O G Ê N I C O S

Os esqueletos de carbonos dos

aminoácidos cetogênicos são

degradados em acetil-CoA e acetoacetato.

O esqueleto carbônico dos aminoácidos

cetogênicos pode ser catabolizado para a produção de energia ou ser convertido a corpos cetônicos ou

ácidos graxos.

Até este ponto da aula você aprendeu que os aminoácidos, para

serem utilizados como fonte de energia, perdem seus grupamentos amino

e são convertidos em intermediários do ciclo de Krebs e que a amônia

pode ser convertida em uréia para ser eliminada. Na realidade, a amônia

pode ser eliminada como amônia nos animais aquáticos, como ácido

úrico em aves e répteis e como uréia em muitos vertebrados terrestres.

Assim, daremos prosseguimento à nossa aula, apresentando inicialmente

as formas de transferência do grupamento amônia (NH3) e em seguida o

processo de formação da uréia, que será aprofundado na Aula 18.

Os aminoácidos da dieta são a principal fonte de grupos amino;

a maioria é metabolizada no fígado. Alguma amônia gerada nesse

processo é reciclada e usada em diversas vias biossintéticas. O excesso

é eliminado como uréia, amônia ou ácido úrico. O excesso de amônia

gerado em outros tecidos também é transportado para o fígado para ser

convertido em sua forma de excreção. Para entendermos o mecanismo

de oxidação dos aminoácidos, devemos considerar alguns aspectos

importantes que serão abordados de forma integrada; no entanto, você

deverá ler com atenção os tópicos destacados nas caixas laterais, para

fi xá-los separadamente. Abordaremos os seguintes pontos:

1. A importância das transaminases e a formação do glutamato.

2. O papel da glutamina no processo de desintoxicação.

3. A importância da alanina para o transporte de grupamentos amino

gerados pelo catabolismo dos aminoácidos em tecidos extra-hepáticos,

como os músculos.

Glutamato e glutamina têm um papel crítico no metabolismo

do nitrogênio. A maioria dos grupamentos NH3 dos aminoácidos é

transferida para o alfa-cetoglutarato, formando o íon glutamato. O íon

glutamato é então transportado para a mitocôndria, onde o grupamento amino é removido para

formar o íon amônio (NH4+).

O excesso de amônia gerado em outros tecidos é convertido em grupamento amida da

glutamina, a qual passa para o citosol dos hepatócitos e desse para a mitocôndria do hepatócito.

Na maioria dos tecidos, glutamina ou glutamato ou ambos estão presentes em concentrações

maiores do que qualquer outro aminoácido.

No músculo, o excesso de grupamentos amino gerado é transferido para o piruvato,

formando alanina, uma outra molécula importante para o transporte de grupamentos amino

para o fígado. A transferência de grupamentos amino é catalisada por enzimas denominadas

aminotransferases ou transaminases. Observe um exemplo genérico dessas reações na Figura 17.3.

As transaminases apresentam outros papéis, que são destacados na caixa lateral.

BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia

88 CEDERJ

Figura 17.3: Reação catalisada por uma transaminase ou aminotransferase – enzimas que catalisam a transferência reversível de um grupo amino entre dois α-cetoácidos.

A Figura 17.4 mostra como os amino grupos da alanina e do ácido

aspártico são transferidos para o α-cetoglutarato para formar glutamato.

Nessa reação, o piruvato produzido fornece carbonos para formar glicose

(gliconeogênese, você verá na Aula 30) ou pode ser descarboxilado a

acetil-CoA (Aula 14) para entrar no ciclo de

Krebs e gerar energia. A transaminação é a

reação mais comum envolvendo aminoácidos;

somente dois aminoácidos, lisina e treonina,

não participam de reações de transaminação.

Observe novamente a Figura 17.4 e note que

o par α-cetoglutarato e glutamato está sempre

presente; o que muda é o aminoácido a ser

transformado e, conseqüentemente, o novo α-

cetoácido formado.

Figura 17.4: A) Reação catalisada pela alanina aminotransferase; B) Reação catalisada pela aspartato aminotransferase. Observe em A que a alanina doa seu grupamento amino sendo convertida no α-cetoácido, o piruvato; em B o aspartato doa seu grupamento amino sendo convertido no α-cetoácido, o oxaloacetato; em ambas as reações o α-cetoglu-tarato recebe o grupamento amino, tornando-se o aminoácido glutamato.

DE S A M I N A Ç Ã O D E A M I N O Á C I D O S

Além de equilibrar os grupamentos amino entre α-cetoácidos, as transaminases recolhem o grupamento amino do excesso de aminoácidos da dieta e transferem para aqueles aminoácidos que podem ser desaminados, como por exemplo o glutamato.O esqueleto de carbonos dos aminoácidos, que podem ser desaminados, pode ser catabolizado para obter energia ou ser usado para a síntese de glicose ou ácidos graxos para estocar energia. Somente alguns aminoácidos podem ser desaminados diretamente.

Transaminases são enzimas que transferem grupamentos amino de

aminoácidos para α-cetoácidos.

Essas enzimas equilibram os grupamentos amino entre os α-cetoácidos.

Elas permitem a síntese de aminoácidos não-essenciais a partir de outros

aminoácidos. Assim, o balanço entre diferentes aminoácidos é mantido, e

várias proteínas podem ser sintetizadas.

A

B

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17Assim, por exemplo, no caso da alanina o produto formado é o piruvato;

se o aminoácido for o ácido aspártico, na forma de aspartato, o produto

gerado será o oxaloacetato.

As transaminases são enzimas que apresentam como co-fator

o grupamento piridoxal fosfato, a forma funcional da vitamina B6. O

sítio ativo das transaminases contém piridoxal fosfato associado, por uma

ligação covalente, ao grupo ε-amino do aminoácido lisina, denominado

base de Schiff. É esse grupamento que se encarrega de transportar o

grupamento NH3 dos aminoácidos. A Figura 17.5 (letras “A”a“D”)

apresenta o esquema de formação da base de Schiff e do mecanismo de

reação catalisado por transaminases, o primeiro passo para o catabolismo

da maioria dos aminoácidos.

Figura 17.5: A) Estrutura do piridoxal fosfato – O grupo prostético das transaminases é o piridoxal fosfato (PLP), um derivado da vitamina B6.

Figura 17.5: B) Enzima (Lys) – PLP – No estado de repouso, o grupamento aldeído do piridoxalfosfato está ligado ao gru-pamento ε-amino do resíduo de lisina da transaminase.

Figura 17. 5: Aminoácido – PLP na forma de uma base de Schiff – C) O α-amino grupo do substrato aminoácido desloca lisina da enzima, para formar uma base de Schiff com o PLP. D) Esse tipo de ligação promove a posterior hidrólise, liberando o α-cetoácido derivado do aminoácido, o piridoxal fosfato é convertido em uma piridoxaminafosfato.

A

B

CD

BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia

90 CEDERJ

Como vimos até aqui, o glutamato atua como o transportador da

amônia de muitos aminoácidos para o fígado. Como os amino grupos

do glutamato são removidos para serem excretados?

Nos hepatócitos, o glutamato é transportado do citosol para

as mitocôndrias, onde sofre uma desaminação oxidativa (retirada do

grupamento amônia com perda de hidrogênios), catalisada pela ENZIMA

L-GLUTAMATO DESIDROGENASE. Em mamíferos, essa enzima pode utilizar

tanto NAD+ como NADP+ como aceptor de equivalentes redutores.

A reação catalisada pela L-glutamato desidrogenase é apresentada na

Figura 17.6.

FU N Ç Ã O D A E N Z I M A

L-G L U TA M AT O D E S I D R O G E N A S E

Retirar do aminoácido glutamato o íon amônio (NH3), proveniente de diversos aminoácidos, para que amônia tóxica seja utilizada na formação da uréia.

Figura 17.6: Reação catalisada pela glutamato desidrogenase. A gluta-mato desidrogenase remove os grupamentos N do pool de aminoácidos. Ela é uma das poucas enzimas que podem utilizar tanto NAD+ como NADP+ como aceptor de elétrons.

A amônia é muito tóxica para o tecido animal. Em muitos animais

ela é convertida em componentes não-tóxicos antes de ser exportada dos

tecidos extra-hepáticos para o sangue, para ser levada para os rins ou

fígado. Novamente o glutamato é crítico nessa etapa. Ele recebe mais

um grupamento amino, sendo convertido em glutamina, a qual exerce

essa função de transporte. Observe que, nesse caso, houve a formação

de uma amida. Vale ressaltar que a amônia, gerada em muitos tecidos,

como o cérebro, por exemplo, pode ser produzida pelo metabolismo de

outras moléculas, como os nucleotídeos. A enzima que combina a amônia

livre com o glutamato para formar a glutamina é a glutamina sintetase.

Essa reação requer ATP (já que é uma reação de síntese, onde ligações

químicas são formadas) e ocorre em duas etapas. Veja a Figura 17.7.

ME C A N I S M O S P O S T U L A D O S PA R A A T O X I C I D A D E D A A M Ô N I A

1 - Altas concentrações de amônia deslocam o equilíbrio da reação catalisada pela glutamina sintetase no sentido de formação de glutamina. Isso leva a um consumo aumentado do glutamato, um neurotransmissor e precursor para a síntese de um outro neurotransmissor, o ácido gama-amino butírico (GABA).2 - O consumo de glutamato e altas concentrações de amônia poderiam deslocar o equilíbrio da reação catalisada pela glutamato desidrogenase no sentido reverso, ou seja, no sentido de consumir α-cetoglutarato, um intermediário essencial para o ciclo de Krebs. Isso limita o metabolismo energético do cérebro.

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Figura 17.7: Reação catalisada pelas enzimas glutamina sintetase e glutaminase. As duas primeiras etapas são catalisadas pela enzima glutamina sintetase. Observe que há consumo de ATP na primeira. A terceira etapa é catalisada pela enzima glutaminase.

glutamato

BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia

92 CEDERJ

A glutamina não só transporta a amônia para ser eliminada como

também pode ser usada como fonte de amônia para reações biossintéticas.

O nitrogênio na forma de amida é liberado como amônia por uma enzima

denominada glutaminase (Figura 17.7), que está presente somente no

fígado e no rim. No fígado, essa enzima fornecerá o íon amônio (NH4+)

para alimentar o ciclo da uréia. O íon amônio liberado nos rins pela

ação da glutaminase não é transportado pelo sangue nem é convertido

em uréia, ele é eliminado diretamente na urina.

Devemos ressaltar ainda a importância do aminoácido alanina

no transporte de grupamentos NH3. O músculo, ao degradar uma de

suas reservas energéticas, o glicogênio, produz glicose. Esta por sua vez

é degradada a piruvato para produzir energia. Esse assunto foi abordado

nas Aulas de 9 a 11. O piruvato é uma molécula que pode ser utilizada

para regenerar glicose. Esse processo ocorre no fígado. Por outro lado,

o músculo degrada também proteínas, gerando aminoácidos. Uma

solução econômica, para transportar tanto o piruvato quanto a amônia

dos aminoácidos gerados nos músculos para o fígado, é sintetizar o

aminoácido alanina a partir desses componentes. Veja um resumo dessas

informações no ciclo glicose-alanina, apresentado na Figura 17.8.

FU N Ç Ã O D A E N Z I M A G L U TA M I N A S I N T E TA S E

Introduzir um grupamento NH3 no aminoácido glutamato para sintetizar o aminoácido glutamina. Esta reação ocorre para reduzir a concentração da amônia livre.

FU N Ç Ã O D A E N Z I M A G L U TA M I N A S E

Retirar a amônia que estava sendo transportada pela glutamina. Essa reação ocorre para alimentar vias biossintéticas e para alimentar o ciclo da uréia.

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Figura 17.8: Ciclo glicose-alanina. A alanina atua como um carreador de amônia e de esqueletos de carbonos do piruvato dos músculos para o fígado. A amônia é excretada e o piruvato é reutilizado para formar glicose, a qual retorna ao músculo.

RESUMO

• A amônia é extremamente tóxica para o organismo e, portanto, deve ser

eliminada.

• A amônia, apesar de solúvel em meio aquoso, por ser tóxica para o organismo,

não pode ser transportada livremente pelo sangue.

• Para ter sua toxicidade reduzida, o grupamento NH3 dos aminoácidos é

transportado associado ao α-cetoglutarato, formando o glutamato. Essa etapa é

catalisada por enzimas denominadas transaminases.

• O excesso de íons amônio é associado ao íon glutamato, formando o aminoácido

glutamina pela ação da enzima glutamino sintetase.

BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia

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EXERCÍCIOS

1. Faça uma distinção entre aminoácidos essenciais e aminoácidos não-essenciais.

Indique os principais pontos de entrada desses aminoácidos no ciclo de Krebs.

2. O que são aminoácidos glicogênicos e cetogênicos? Dê exemplos.

3. Represente reações catalisadas por transaminases, glutamato desidrogenase,

glutamina sintetase. Escreva sobre a importância de cada uma dessas enzimas.

4. Pesquise, em outras fontes, razões que expliquem a toxicidade dos íons amônia.

5. Pense no tipo de alimento e no ambiente em que vivem os peixes, aves e

mamíferos e procure responder: por que esses animais eliminam a amônia de

diversas maneiras, ou seja, peixes como amônia; aves como ácido úrico; mamíferos

como uréia?

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, nós detalharemos o processo de desintoxicação da amônia que

ocorre em mamíferos e em muitos outros animais vertebrados; nós estudaremos

a formação da uréia que ocorre em um processo cíclico e, portanto, denominado

“ciclo da uréia”.

• Os grupamentos NH3 provenientes do catabolismo dos aminoácidos das

proteínas musculares podem ser transferidos para o piruvato, composto gerado

pela degradação de glicose, formando o aminoácido alanina. A alanina é então

transportada para o fígado e lá pode liberar o íon amônio, que será convertido

em uréia e eliminado na urina, enquanto o esqueleto de carbonos poderá ser

reutilizado para formar glicose.

Ciclo da uréia

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Entender as etapas de formação da uréia.

Pré-requisito

Conhecimentos adquiridos na Aula 17.

18AU

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objetivo

BIOQUÍMICA II | Ciclo da uréia

Na Aula 17, você aprendeu que a amônia é um composto tóxico e que precisa

ser eliminada pelo organismo. Vimos que em vários animais o produto de

excreção é a uréia. Na aula anterior, foram apresentadas algumas reações

para a canalização de íons amônio, de diversos aminoácidos, até o fígado,

local onde o processo de desintoxicação ocorre. Falamos da importância das

reações de transaminação, desaminação oxidativa e do transporte da amônia

na forma de alanina e glutamina. Nesta aula, discutiremos sobre as reações de

formação da uréia, o principal produto fi nal do catabolismo do nitrogênio, no

homem. Um indivíduo humano consome em torno de 300g de carboidratos,

100g de gordura e 100g de proteínas, diariamente; excreta cerca de 16,5g

de nitrogênio, sendo 95% na urina e 5% nas fezes. A uréia pode constituir

cerca de 90% do nitrogênio excretado. O ciclo da uréia e o ciclo dos ácidos

tricarboxílicos (TCA) foram descobertos por Hans Krebs e colaboradores. De

fato, o ciclo da uréia foi descrito antes do ciclo TCA. Em mamíferos, o ciclo da

uréia é o mecanismo de escolha para a excreção de amônia. Veja a estrutura

da uréia na Figura 18.1.

VISÃO GERAL DO PROCESSO DE SÍNTESE DA URÉIA

A síntese de 1 mol de uréia requer 4 moles de ATP. Os dois

nitrogênios de uma molécula de uréia (Figura 18.1) são derivados de duas

fontes: amônia livre e amino grupo do aspartato. Cinco enzimas catalisam

o processo de formação da uréia. Seis aminoácidos são intermediários

do ciclo. Alguns deles você já conhece: arginina e aspartato. Citrulina,

ornitina e argino-succinato não são aminoácidos protéicos; existem

somente como aminoácidos livres no organismo. N-acetil glutamato

funciona somente como um ativador enzimático. Os outros funcionam

como carreadores dos átomos que fi nalmente formam a uréia.

A amônia, primeira fonte de nitrogênio, entra no ciclo após a

condensação com o bicarbonato para formar carbamoil-fosfato, o qual

reage com a ornitina para formar citrulina. O aspartato, segundo doador

de nitrogênio para formar uréia, reage com a citrulina para formar argino-

succinato, o qual é clivado para formar arginina e fumarato. A arginina

é hidrolisada para formar uréia e regenerar a ornitina. Como veremos,

a biossíntese da uréia é um processo cíclico, ou seja, um dos compostos (a

ornitina) é consumido em uma reação e é regenerado em outra (reações 2

e 5, respectivamente, conforme apresentaremos mais adiante, nesta aula).

Figura 18.1: Estrutura da uréia.

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INTRODUÇÃO

Não há perda ou ganho efetivo de ornitina, de citrulina, argino-succinato

e arginina. Todavia, íon amônio, CO2, aspartato e ATP são consumidos.

Algumas reações da síntese da uréia ocorrem na mitocôndria, enquanto

outras ocorrem no citosol. A uréia é então transportada para o rim e

eliminada na urina.

REAÇÕES DO CICLO DA URÉIA

1a reação: síntese do carbamoil-fosfato

A biossíntese da uréia começa com a condensação do dióxido de

carbono, com a amônia, utilizando ATP para formar carbamoil-fosfato.

Tal reação é catalisada pela carbamoil-fosfato sintase I (Figura 18.2).

A formação de carbamoil-fosfato requer dois moles de ATP.

Um ATP ativa o bicarbonato e o outro doa o grupo fosfato para formar

o carbamoil-fosfato. A carbamoil-fosfato sintase I ocorre na matriz

mitocondrial, usa amônia como doador de nitrogênio e é absolutamente

dependente de N-acetil glutamato para a sua atividade.

A ação conjugada da glutamato desidrogenase e da carbamoil-

fosfato sintase I forma um intermediário com alto potencial de

transferência de grupo, ou seja, um composto rico em energia.

A síntese do carbamoil-fosfato, aparentemente

complexa, ocorre em etapas, como descrito a seguir. Na

primeira etapa, ocorre a reação do bicarbonato com o

ATP formando o carbonil-fosfato e ADP. Na segunda

etapa, a amônia desloca o ADP, formando carbamato

e ortofosfato. Finalmente, ocorre a fosforilação do

carbamato pelo segundo ATP, formando o carbamoil-

fosfato. A carbamoil-fosfato sintase I é a enzima do

ciclo da uréia, limitante da velocidade, ou marcapasso.

Essa enzima regulatória é ativa somente na presença do

ativador alostérico N-acetil-glutamato, cuja ligação induz

uma mudança conformacional, que aumenta a afi nidade

da enzima pelo ATP. Veja a Figura 18.2.

Figura 18.2: Reação catalisada pela car-bamoil-fosfato sintase tipo I. A enzima catalisa a reação em três etapas.

Se você tiver dúvi das sobre com posto rico em energia, releia as Aulas 1 e 2.

!

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BIOQUÍMICA II | Ciclo da uréia

2a reação: carbamoil-fosfato mais ornitina formam a citrulina

A síntese da citrulina ocorre na mitocôndria e é catalisada pela

L-ornitina transcarbamoilase. Esta enzima catalisa a transferência do

grupo carbamoil-fosfato para a ornitina, e com isso forma a citrulina.

Nesta reação, ocorre a liberação de fosfato inorgânico (Pi). Observe a

etapa 2 da Figura 18.3. A citrulina é transportada da mitocôndria para o

citosol, onde ocorrem as outras reações do ciclo. A citrulina, o composto

utilizado nesta reação, foi formada no citosol e de lá foi transportada para

a mitocôndria. Tanto a entrada da ornitina para a mitocôndria quanto a

saída da citrulina da mesma mitocôndria, portanto, envolvem sistemas

de transporte pela membrana interna mitocondrial (Figura 18.4).

Figura 18.3: Ciclo da uréia. A reação 1, catalisada pela carbamoil-fosfato sintase I, foi apresentada na fi gura anterior. As outras reações encontram-se enumeradas de 2 a 5; a reação 2 ocorre na mitocôndria e é catalisada pela ornitina transcarbamilase; as reações de 3 a 5 ocorrem no citosol e são catalisadas pelas enzimas do citosol: respectivamente arginino-succinato sintase; arginino succinase; arginase.

98 CEDERJ

3a reação: citrulina mais aspartato formam argino-succinato

A 3a reação é catalisada pela argino-succinato sintase, que liga

o aspartato à citrulina, via aminogrupo do aspartato (Figura 18.3),

e fornece o segundo nitrogênio. Tal reação requer ATP e envolve a

formação intermediária de citrulil-AMP. O deslocamento subseqüente

do AMP pelo aspartato, então, forma o argino-succinato. Esta é uma

reação de condensação, onde a argino-succinato sintase requer a hidrólise

de um ATP, o qual é hidrolisado em adenosina monofosfato (AMP) mais

pirofosfato inorgânico (Ppi).

4a reação: a clivagem do argino-succinato forma arginina e fumarato

A clivagem do argino-succinato, catalisada pela argino-succinase,

retém nitrogênio no produto arginina e libera o esqueleto aspartato

como fumarato (Figura 18.3). A adição de água ao fumarato forma

o L-malato, e a oxidação subseqüente do malato, uma reação NAD+

dependente, forma o oxaloacetato. Essas duas reações, embora análogas

às do ciclo de Krebs (Aula 14), são catalisadas pela fumarase e pela

malato desidrogenase citosólicas. A transaminação do oxaloacetato pelo

glutamato, então, forma novamente o aspartato. O esqueleto carbônico,

tanto de aspartato como de fumarato, atua como um carreador no

transporte de nitrogênio do glutamato para um precursor da uréia.

Figura 18.4:Transporte de citrulina e de ornitina.Em cada ciclo, a citrulina deixa a mitocôndria e a ornitina entra na matriz mitocondrial. Proteínas carrea-doras presentes na membrana interna mitocondrial facilitam o fl uxo trans-membrana de citrulina e de ornitina.

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BIOQUÍMICA II | Ciclo da uréia

5a reação: a clivagem da arginina libera uréia e regenera ornitina

A reação fi nal do ciclo da uréia, a clivagem hidrolítica do grupo

guanidino da arginina, catalisada pela arginase hepática, libera uréia.

O outro produto, a ornitina, torna a penetrar na mitocôndria hepática,

para participar das etapas adicionais do ciclo da uréia. Veja a etapa 5

da Figura 18.3. Quantidades menores de arginase também ocorrem no

tecido renal, no cérebro, nas glândulas mamárias e na pele.

Regulação da síntese de uréia

A carbamoil-fosfato sintetase requer N-acetil glutamato como

ativador alostérico. Este composto é sintetizado a partir do glutamato

e do acetil-CoA, pela enzima N-acetil glutamato sintetase, a qual, por

sua vez, é ativada por arginina. Acetil-CoA, glutamato e arginina são

necessários para fornecer intermediários ou energia para o ciclo da

uréia, e a presença de N-acetil-glutamato indica que todos eles estão

disponíveis.

A indução das enzimas do ciclo da uréia ocorre (10 a 20

vezes) quando a liberação de amônia ou de aminoácidos para o

fígado aumenta. A concentração dos intermediários também tem um

papel importante nessa regulação. Um alto teor de proteínas na dieta

(excesso de fornecimento de aminoácidos), bem como situações de

jejum (aumento da degradação de proteínas endógenas) resultam na

indução de enzimas do ciclo da uréia.

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EXERCÍCIOS

1. Que composto formado no ciclo da uréia pode ser utilizado no ciclo de Krebs?

2. Explique a razão pela qual são consumidas moléculas de ATP no processo de

formação da uréia.

3. Pesquise algumas explicações para que os animais tenham escolhido diferentes

compostos para eliminar o “nitrogênio tóxico”: amônia em animais aquáticos;

uréia em vertebrados e na maioria dos animais terrestres; ácido úrico em aves.

4. Faça um resumo das reações do ciclo da uréia.

• A maioria dos animais terrestres converte o excesso de nitrogênio em uréia

antes de excretá-lo.

• A uréia é menos tóxica do que a amônia.

• O ciclo da uréia ocorre principalmente no fígado.

• Os dois átomos de nitrogênio entram no ciclo da uréia como NH3, produzido

principalmente pela glutamato desidrogenase e como N do aspartato.

• A amônia (NH3) e o bicarbonato (HCO3-) que irão formar a uréia são incorporados

inicialmente ao carbamoil-fosfato.

• O ciclo da uréia é composto por cinco reações.

• A biossíntese da uréia é um processo cíclico, ou seja, um dos compostos (a ornitina)

é consumido no início do processo e é regenerado na última reação. Não há perda

ou ganhos efetivos de ornitina, de citrulina, argino-succinato e arginina.

• O íon amônio, o CO2, o aspartato e ATPs são consumidos.

• Algumas reações da síntese da uréia ocorrem na mitocôndria, enquanto outras

ocorrem no citosol.

• A uréia é formada no fígado, transportada para o rim e eliminada na urina.

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RESUMO

Metabolismo de aminoácidos

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Conhecer alguns erros do metabolismo geral dos aminoácidos e suas conseqüências.

• Conhecer experiências que permitam demonstrar que a uréia é sintetizada no fígado, que os aminoácidos fornecem nitrogênio para a molécula de uréia, que a partir dos aminoácidos se forma a amônia e a partir da amônia é sintetizada a uréia.

• Analisar criticamente os resultados obtidos em experiências realizadas ao longo do século passado sobre o ciclo da uréia, relacionando-os.

• Explicar mudanças na atividade das transaminases no soro, relacionando-as com possíveis lesões celulares hepáticas, cardíacas e erros metabólicos.

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objetivos

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos

Na última aula, vimos os principais caminhos pelos quais o esqueleto

carbonado de aminoácidos pode ser obtido e como o nitrogênio é excretado

em mamíferos. Agora, conheceremos alguns defeitos metabólicos relacionados

ao ciclo da uréia e suas conseqüências. Ao fi nal, apresentaremos uma série

de temas para discussão. Estes temas são importantes, pois reproduzem

vários experimentos científi cos a partir dos quais você entenderá como o

ciclo da uréia foi descoberto e por que o metabolismo de aminoácidos é tão

importante. Como em aulas anteriores, o conteúdo das discussões não é

essencial para se entender o ciclo da uréia ou os erros inatos do metabolismo.

É apenas uma oportunidade de refl etir e pensar sobre o universo científi co,

sua lógica e suas histórias.

ERROS INATOS DO METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Desordens do ciclo da uréia

A ausência completa de qualquer uma das enzimas do ciclo da

uréia resulta na morte do indivíduo pouco tempo após o seu nascimento.

Entretanto, em indivíduos vivos, têm sido identifi cados quadros clínicos

que resultam da defi ciência dessas enzimas, quer seja por uma redução

no nível de expressão, quer seja por uma alteração na atividade. Essas

defi ciências são chamadas desordens do ciclo da uréia ou simplesmente

DCUs, erros inatos do metabolismo. Em geral esses erros são doenças

raras, mas representam causa substancial de danos cerebrais e morte entre

recém-nascidos e crianças. A estimativa exata da incidência de DCUs

é desconhecida e, provavelmente, subestimada, pois ainda hoje existe

grande difi culdade em diagnosticar tais desordens, e muitas crianças

morrem antes de um diagnóstico defi nitivo.

Figura 19.2: Recém-nas-cidos são vítimas prefe-renciais das desordens do ciclo da uréia, que podem acarretar danos cerebrais ou mesmo levar à morte.

Figura 19.1: Você sabe o que é o teste do pezinho e o que ele tem a ver com o metabolismo de ami-noácidos? Veja em: http://www.yourgenesyourhealth.org/ygyh/mason/gyh.html.syndrome=pku

104 CEDERJ

INTRODUÇÃO

Os sintomas aparecem nas primeiras 24 horas de vida. O recém-

nascido mostra-se inicialmente irritado e, a seguir, aparecem vômitos

e um aumento da letargia. Logo depois, observa-se hipotonia (tônus

muscular defi ciente) e angústia respiratória que podem levar ao coma.

Em alguns casos, os sintomas podem aparecer tardiamente durante a

infância ou mesmo durante a vida adulta.

Existem sete principais DCUs. Cada uma delas recebe uma

denominação relacionada às iniciais da enzima defi ciente. Assim:

• CPS- defi ciência na carbamoil-fosfato sintetase.

• NAGS- defi ciência na N-acetilglutamato sintetase.

• OTC- defi ciência na ornitina transcarbamilase.

• AS- defi ciência na ácido arginino-succínico sintetase (citrulinemia).

• AL/ASA- defi ciência na arginino-succinato liase (arginino-succínico

aciduria).

• AG- defi ciência na arginase.

• AO- defi ciência na ornitina aminotransferase.

As defi ciências são, quase todas, conhecidas como hiperamo-

nemias, porque o diagnóstico detecta um alto nível de amônia no sangue.

Isso não ocorre apenas no caso da defi ciência de ornitina aminotransferase.

Na página http://www3.ncbi.nlm.nih.gov/Omim/searchomim.html você

pode entrar com o nome da doença genética (em inglês) e ver sintomas,

características metabólicas e diagnóstico laboratorial. Esse é um banco de

dados do National Center for Biotechnology Information. Neste centro

de informações, você pode acessar o Online Mendelian Inheritance in

Man da Johns Hopkins University. Dê uma olhada quando puder.

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BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos

Veja na Tabela 19.1, um resumo de algumas dessas desordens.

Tabela 19.1: Principais DCUs.

DCU Enzima Defi ciência Sintomas/Comentários

Hiperamonemia do tipo I - CPS

Carbamoil-fosfato sintetase I

24h - 72h após o nascimento o recém-nascido torna-se letárgico, necessitando de estímulo para comer, apresentando vômito, aumento da letargia, hipotermia e hiperventilação; o recém-nascido irá morrer caso não ocorra o diagnóstico por medidas do nível de amônia sérica e intervenção apropriada: tratamento com arginina que ativa N-acetilglutamato sintetase.

Defi ciência de N- acetilglutamato sintetase - NAGS

N-acetilglutamato sintetase

Hiperamonemia severa; hiperamonemia suave associada com coma profundo, acidose, diarréia recorrente, ataxia, hipogli-cemia, hiperornitinemia. Tratamento inclui administração de carbamoil-glutamato para ativar a CPS.

Hiperamonemia do Tipo 2 - CPS

Ornitina transcar-bamilase

A DCU mais comum é ligada ao cromossomo X. Níveis de amônia e aminoácidos elevados no soro; aumento do ácido orótico no soro devido ao carbamoil-fosfato mitocondrial ser liberado no citoplasma e incorporado em nucleotídeos do tipo pirimidina, o que leva a um excesso de produção de produtos catabólicos. Tratamento com dieta rica em carboidratos e pobre em pro-teínas; detoxifi cação de amônia com fenilacetato de sódio ou benzoato de sódio.

Citrulinemia clássica - AS

Arginino-succinato sintetase

Hiperamonemia episódica, vômito, letargia, ataxia, convulsão, coma eventual. Tratamento com administração de arginina para aumentar a excreção de citrulina e também com benzoato de sódio para detoxifi cação de amônia.

Arginino-succínico acidúria - AL/ASA

Arginino-succinato liase (arginino-succinase)

Sintomas episódicos similares à citrulinemia clássica; níveis de argino-succinato elevados no plasma e fl uido espinhal cerebral. Tratamento com arginina e benzoato de sódio.

Os efeitos do aumento dos níveis de amônia circulante são vários.

A alteração do pH do sangue é apenas um deles. Mas, o mais importante

é que a amônia pode atravessar a barreira hematoencefálica (BHE).

No cérebro, ela pode ser convertida em glutamato, por ação da enzima

glutamato desidrogenase. Entretanto, essa ação “depleta”, ou seja, faz

com que o cérebro perca substâncias importantes como α-cetoglutamato,

o substrato da enzima. Como conseqüência deste fato, há uma diminuição

dos níveis de oxaloacetato e uma queda drástica na atividade do ciclo do

ácido cítrico. Você pode imaginar o que isso signifi ca para o cérebro?...

A queda da atividade respiratória causa sérios e irreparáveis danos aos

tecidos neurais, levando-os à morte. Além disso, o excesso de glutamato

Figura 19.3: A barreira hematoencefálica (BHE).

Hiperargininemia- AG

Arginase DCU rara, quadriplegia progressiva e retardo mental; alto nível de amônia e arginina no fl uido espinhal e no soro; altos níveis de arginina, lisina e ornitina na urina. Tratamento inclui dieta de aminoácidos essenciais, excluindo arginina e dieta pobre em proteínas.

Neurotoxicidade associada à amônia

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posteriormente ativa a formação de glutamina. Isso resulta numa queda

da concentração dos estoques de glutamato. O glutamato é, no tecido

neural, um neurotransmissor e também um substrato para a síntese de

outro neurotransmissor, o γ-aminobutirato.

Fenilcetonúria (PKU)

Além dos erros inatos ligados diretamente às enzimas do ciclo da

uréia, algumas outras doenças genéticas são conseqüências de outras

alterações no metabolismo de aminoácidos. A fenilcetonúria (PKU) é

uma delas, que se caracteriza por uma inabilidade do corpo de utilizar

o aminoácido essencial, fenilalanina. A PKU ocorre quando a criança

herda dois genes mutantes para a enzima fenilalanina hidroxilase

(PAH). Essa enzima, normalmente, converte moléculas de fenilalanina

em tirosina. Tal reação usa O2 como substrato e requer o co-fator tetra-

hidrobiopterina (THB) como agente redutor. Fenilalanina é hidroxilada

produzindo tirosina, enquanto o THB transfere átomos de hidrogênio

para reduzir um segundo átomo de hidrogênio em água. No processo,

o THB é oxidado a diidrobiopterina (DHB).

Figura 19.4: Fenilce-tonúria é a incapacidade de converter fenilalanina em tirosina.

Figura 19.5: A estrutura da fenilalanina hidroxi-lase (PAH).

Uma das causas do autismo é a PKU não tratada!Para saber mais sobre autismo, verh t t p : / / w w w. a u t i s m -society.org

!

Sem esta enzima, a fenilalanina e os produtos de sua

quebra por outra rota enzimática se acumulam no sangue

e nos tecidos do corpo. Um aumento na concentração

de fenilalanina no sangue leva à sua transaminação em

fenilpiruvato ou descarboxilação a feniltilamina.

Figura 19.6: Estrutura da biopterina, co-fator da PAH.

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BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos

A inabilidade de remover

o excesso de fenilalanina do

sangue, e o conseqüente acúmulo

daqueles produtos durante a infância, produz uma variedade de problemas, incluindo o retardo

mental. Felizmente, um teste simples (o teste do pezinho) feito logo após o nascimento pode

identifi car esse defeito genético e, com muita atenção à quantidade de fenilalanina em sua dieta,

a criança pode desenvolver-se normalmente.

Figura 19.7: Produtos catabólicos da fenilalanina que são acumulados na fenilcetonúria.

Uma defi ciência da fenilalanina hidroxilase causa acúmulo de

fenilalanina, de ácido fenilpirúvico, de fenilacetato e outros derivados. Um

excesso de fenilalanina bloqueia o

seqüestro de outros aminoácidos

no cérebro. O ácido fenilpirúvico

inibe a piru vato descarboxilase no

cére bro e interfere na formação

de mielina.

Fenilalanina

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Temas para refl exão e discussão e um pouco da história

A seguir apresentaremos alguns temas para você pensar em

casa e discutir com seus colegas ou com seu tutor no pólo. Vários

dos experimentos que serão apresentados são parte da história que

nos levou ao conhecimento mostrado, nas aulas anteriores, sobre o

metabolismo de aminoácidos. A idéia dessas discussões, como você já

sabe, é desenvolver a lógica e o pensamento científi co. Encare como

um quebra-cabeça e então, divirta-se...

Tema 1. Suponha uma população de animais que requerem fenilalanina

na dieta, mas não requerem tirosina para o seu crescimento normal. Antes

do início da experiência, eles foram mantidos com uma dieta carente em

tirosina e fenilalanina.

1.1. Desenhe as curvas que você esperaria encontrar, mostrando a

evolução do peso médio da população de animais, nos seguintes

casos:

a) Administração de uma dieta de tirosina e uma semana após uma dieta

de fenilalanina.

b) Administração de uma dieta de fenilalanina e uma semana após,

supressão dessa dieta e administração de uma dieta de tirosina.

c) Administração dos dois aminoácidos juntos e supressão de ambos

após uma semana.

d) Administração dos dois aminoácidos juntos e supressão de fenilalanina

após uma semana.

e) Administração dos dois aminoácidos juntos e supressão de tirosina

após uma semana.

1.2. Discuta os conceitos de aminoácidos essenciais e não-essenciais,

lembrando as aulas de Bioquímica I e com base nas informações

dadas no início da questão.

Figura 19.8: Cães foram e são até hoje utilizados para experimentos como este apresentado na questão.

Para lembrar Bioquímica I...Sabendo-se que o ácido glutâmico é um aminoá-cido e o ácido pirúvico não, identifique quem é quem nas duas fi guras abaixo.

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Pense sobre isso!

BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos

Tema 2. Incubando-se homogeneizados de diferentes tecidos com os

ácidos glutâmico e pirúvico, observa-se que:

a) O ácido glutâmico desaparece em parte, e aparece o aminoácido

alanina.

b) O ácido pirúvico também desaparece em parte, e aparece o ácido

α-cetoglutarato. A velocidade desta reação é aumentada após a adição

de fosfato de piridoxal (vitamina B6), que não é consumido durante a

reação.

2.1. Monte o esquema de reação que os dados sugerem e analise o

provável papel da vitamina B6.

2.2. A constante de equilíbrio desta reação é próxima de 1. Qual seria

a conseqüência deste fato?

Tema 3. A enzima L-glutamato desidrogenase apresenta um comportamento

alostérico, existindo em duas formas (monomérica – menos ativa, e

polimérica – mais ativa) e sendo regulada por ATP, GTP, ADP e GDP. Dois

desses moduladores são ativadores e induzem a polimerização da enzima.

3.1. Diga quais e por quê.

3.2. Faça um gráfi co de velocidade enzimática, em função da concentração

de ácido glutâmico na presença e na ausência de ativador. Discutir

o papel dessa enzima na economia metabólica.

Tema 4. Qual o signifi cado da elevação do nível de transaminases no

soro? Faça um gráfi co mostrando a evolução do nível de GTP no soro de

um paciente com hepatite, que primeiro vai melhorando e após um mês

sofre uma recaída. Discuta o papel das transaminases no metabolismo

geral dos aminoácidos.

Tema 5. Quando o fígado de um cachorro é extirpado, ele pode viver alguns

dias, desde que alimentado com uma dieta sem proteínas. No entanto,

morre rapidamente se a carne é incorporada à dieta. Na hora da morte,

ele apresenta elevadas concentrações de NH4+ no sangue e na urina e,

praticamente, nada de uréia nos mesmos líquidos biológicos. O que sugerem

estes dados? Que experiências você proporia para testar sua hipótese?

Figura 19.9: Estrutura tridimensional da aspar-tato aminotransferase. http://cwx.prenhall.com/horton/medialib/media_portfolio/17.html

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Tema 6. Observe a seqüência de resultados abaixo:

a) Entre 1894-1897, CHARLES RICHET verifi cou que o fígado que foi

macerado e deixado para apodrecer formava uréia, cuja quantidade

aumentava à medida que o tempo transcorria, com simultânea e notável

liberação de arginina.

b) Em 1904, Kossel e Darkin mostraram a existência de um fermento obtido

a partir de conteúdo intestinal, capaz de catalisar a reação a seguir:

c) Na mesma época, Antônio Clementi mostrou que esse fermento

(enzima) estava presente no fígado de mamíferos (nos quais a uréia é

a principal forma de excreção de nitrogênio) e ausente em pássaros e

répteis (que eliminam nitrogênio sob forma de ácido úrico).

d) Em 1917, Wilhelm Loffl er mostrou que a produção de uréia estava

associada ao consumo de oxigênio no fígado.

e) Em 1931, Kase não teve êxito quando tentou produzir uréia numa

preparação acelular de fígado.

6.1. Que conclusões você tiraria dessas experiências?

Na época, embora o papel e a relevância da arginase na formação de

uréia fossem evidentes, não era quantitativamente possível acreditar que

a grande formação de uréia no fígado se processasse somente através da

hidrólise da arginina presente nas proteínas. Por outro lado, existiam

dados que indicavam que outros aminoácidos eram a fonte de uréia e

que esta podia ser sintetizada a partir de amônia.

6.2. Discuta esses dados e sugira uma hipótese.

Figura 19.10: A estrutura do ácido úrico, principal forma de excreção de nitrogênio em pássaros e répteis.

CH A R L E S RI C H E T

Nasceu em Paris em 1850. Tornou-se

doutor em Medicina em 1869, doutor em Ciências em 1878 e

professor de Fisiologia da Faculdade de

Medicina em 1887. Ganhou o prêmio

Nobel de Medicina em 1913.

http://www.nobel.se/medicine/laureates/

1913/richet-bio.html

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BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos

Tema 7. Em 1932, Hans Krebs e Kurt Henseleit fi zeram um conjunto

de experiências memoráveis para testar essa hipótese. Eles incubaram

fatias de fígado num aparelho de Warburg, na presença de lactato e de

tampão bicarbonato a pH 7,4 e adicionaram quantidades conhecidas de

diferentes aminoácidos. Observaram que a produção de uréia ocorria,

como esperado, de acordo com o conteúdo de N da molécula dos

diferentes aminoácidos. No caso da arginina, no entanto, a produção

de uréia era superior àquela observada pela ESTEQUIOMETRIA da reação.

O que sugerem esses dados? Que experiência você faria? Pense

bem antes de passar ao ponto seguinte.

Tema 8. Numa outra experiência, o resultado foi mais surpreendente

ainda. Incubando fatias de fígado na presença de lactato, e adicionando

12mg/ml de amônia, eles encontraram uma produção de uréia de

1,94mm3 de uréia-CO2 por mg de tecido seco por hora (determinada

manometricamente após hidrólise com urease que libera CO2 e NH3).

Quando adicionaram ornitina (2mg/ml) a produção de uréia subiu para

9,32mm3.

8.1. Por que este resultado era inesperado? O que você postularia então?

8.2. Olhe agora para as moléculas de arginina e ornitina, cujas estruturas

estão na atividade 6b. Como encaixar esses resultados com os já

discutidos até agora?

8.3. Torne a olhar as moléculas de arginina e ornitina. O que você

procuraria agora? Por quê?

ESTEQUIOMETRIA

A palavra estequiometria deriva do grego stoicheon, que signifi ca “a medida dos elementos químicos”, ou seja, as quantidades envolvidas de cada substância em uma reação química. Veja a discussão da página http://www.cdcc.sc.usp.br/quimica/experimentos/estequi.html

112 CEDERJ

Tema 9. Em 1930, Mitsouri Tada chegou à fórmula de um composto

chamado citrulina, que já havia sido isolado do suco da melancia em

1924.

9.1. O que, nesta estrutura, chama a atenção?

9.2. O que você faria com esta informação, ou seja, com aquilo que lhe

chamou a atenção?

9.3. Proponha uma experiência predizendo seu resultado.

9.4. Compare agora as fórmulas da citrulina e da arginina e tire uma

nova conclusão.

9.5. Descreva o processo de formação de uréia no fígado, empregando

apenas os conhecimentos obtidos até aqui.

Tema 10. Continuando a história... Em 1954, Sarah Rathner mostrou

que, na conversão de citrulina em arginina, o nitrogênio adicionado não

era proveniente diretamente do NH4, mas de uma transferência catalisada

enzimaticamente. O grupo amino do ácido aspártico era exclusivamente

responsável por um dos nitrogênios da molécula, numa reação que

requeria ATP. Nesta reação, forma-se um composto intermediário não

fosforilado, AMP e pirofosfato (PPi), que é rapidamente hidrolisado por

uma pirofosfatase.

Em 1955, Mary Ellen Jones, Leonard Spector e FRITZ LIPMANN

mostraram que a ornitina não reagia diretamente com NH3 e CO2 para

dar citrulina, mas com o carbamil-fosfato, um intermediário fosforilado

formado a partir de NH3,CO2 e ATP.

Utilize o conhecimento adquirido até agora, para descrever

todo o processo.

FR I T Z AL B E RT L I P M A N N

Nasceu na Alemanha em 1899. Cientista e médico ganhador

do prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina

de 1953.http://www.nobel.se/

medicine/laureates/1953/lipmann-

bio.html

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BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos

Você viu nesta aula alguns dos erros inatos do metabolismo de aminoácidos que

levam a doenças que, em muitos casos, acarretam a morte de recém-nascidos,

crianças e adultos. A maior parte dos danos provocados por estas desordens

do ciclo da uréia é conseqüência da toxicidade dos altos níveis de amônia

(hiperamonemias), principalmente no cérebro. Nesta aula, pudemos também

discutir aspectos experimentais do ciclo da uréia, mostrando os principais pontos

da história da elucidação desta via metabólica.

Nesta aula não apresentaremos exercícios: você já usou neurônios sufi cientes

por ora.

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RESUMO

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Conhecer os mecanismos e as reações envolvidas na degradação dos ácidos graxos, em especial do palmitato.

objetivo

Degradação de lipídeos 20/21A

UL

AS

BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos

Vimos em Bioquímica I como é extenso o grupo dos lipídeos. Existem vitaminas

de natureza lipídica, como as vitaminas A, D; existem o colesterol e outros

fosfolipídeos que formam as membranas das células; existe a testosterona, as

ceras, os sais biliares, enfi m, uma enorme variedade de lipídeos.

Nesta aula, vamos conhecer como os lipídeos são degradados quando nosso

organismo precisa de energia. Entretanto, ao contrário do que era de se esperar,

não são todos os lipídeos que são metabolizados com o intuito de fornecer

energia para o nosso organismo, mas sim um grupo particular de lipídeos

denominado ácidos graxos. Os ácidos graxos (AG) fi cam acumulados no tecido

adiposo. Lá estão aquelas gordurinhas ou “pneuzinhos” que tanto incomodam

a gente! Quando fazemos regime e, portanto, comemos menos calorias do

que precisamos, nosso organismo vai buscar energia nas suas reservas, isto é,

nas gorduras do tecido adiposo. Estas gorduras são “quebradas” e utilizadas

como fonte de energia. Nesse caso, a gente até emagrece!

Funciona igualzinho a uma caderneta de poupança. Quando nosso salário

é menor do que nossas contas a pagar, precisamos usar nossas reservas de

dinheiro para saldar nossas dívidas. O organismo faz o mesmo: se comemos

menos do que o necessário para nos mantermos funcionando, não tenha

dúvida! Utilizamos nossas reservas de energia e é aí que entram os lipídeos,

mais especifi camente os ácidos graxos!

Agora vamos mergulhar nas nossas células e ver como a coisa acontece!

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INTRODUÇÃO

OS ÁCIDOS GRAXOS SÃO ESTOCADOS NOS ADIPÓCITOS

O tecido adiposo é formado por células que se chamam adipócitos.

Estas células são curiosas, ao microscópio eletrônico, pois possuem

uma enorme vesícula cheia de gordura dentro do seu citoplasma. Veja

a fi gura abaixo:

Nestas gotas fi ca armazenado o triacil glicerol (TAG). Você já

estudou esta molécula em Bioquímica I, na Aula 27. Se estiver esquecido,

dê uma olhada rápida nessa aula.

O TAG nada mais é do que três moléculas de ácido graxo unidas

a uma molécula de glicerol. O próprio nome já diz isso para a gente:

triacil glicerol! Veja na fi gura abaixo o TAG.

Figura 20.1: Adipócito.

Figura 20.2: Triacil glicerol.

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BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos

Quando precisamos de energia, nosso organismo libera um

hormônio chamado glucagon. Este hormônio age como uma espécie

de maestro sinalizando para o organismo que é a hora de utilizar suas

reservas. Nesta situação, o glicogênio e os lipídeos devem passar a ser

utilizados como combustível. Poderíamos dizer, então, que o glucagon

é o hormônio da fome, isto é, ele é liberado quando nosso organismo

está com fome. Mas não se preocupe com isto agora, pois, mais à frente,

você estudará melhor este hormônio e o que ele faz no nosso organismo

quando é liberado pelo pâncreas e cai na corrente sangüínea. No momento,

precisamos saber que esse hormônio é liberado tão logo a glicemia (taxa

de açúcar no sangue) cai.

O glucagon circulante no sangue, então, se liga a um receptor

(proteína) presente na membrana do adipócito e dispara uma série de

reações que levam à ativação de uma enzima chamada lipase, que está

dentro do adipócito. Também veremos em aulas mais à frente que reações

são essas disparadas pelo glucagon. Aguarde!

Mas o que então acontece quando esta lipase é ativada pelo glu-

cagon? A lipase é uma enzima que degrada os TAG. Em outras palavras,

poderíamos dizer que a lipase é uma espécie de tesoura que corta o TAG

em pedaços. Veja:

Conforme vimos na aula de lipídeos em Bioquímica I (Aula 26),

os AG também são um grupo muito grande de moléculas, podendo ter

4, 5, 6, 7, 8,... 22, 23, 24... átomos de carbono. Além disto, eles podem

possuir apenas ligações simples (AG saturados) ou podem possuir dupla

ligação (AG insaturados). No caso da espécie humana, o AG majoritário

estocado como reserva é o palmitato. O palmitato é um AG que possui

16 átomos de carbono e nenhuma dupla ligação. Passaremos a utilizar

o palmitato como exemplo a partir daqui, pois é ele que é degradado na

espécie humana quando precisamos de energia.

triacil glicerol lipase 3 ácidos graxos + 1 glicerol

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Veja a Figura 20.3, que resume o até então descrito:

Agora, o palmitato livre sai dos adipócitos e cai na corrente sangüínea.

Como os AG de um modo geral são insolúveis em solução aquosa (e o

sangue é uma solução aquosa), eles não podem “viajar” livremente pela

corrente sangüínea. Existe uma proteína chamada albumina que possui

uma espécie de bolso que aloja o palmitato, de modo que eles se escondem

da água e viajam tranqüilamente pelo sangue. Poderíamos dizer que a

albumina funciona como uma espécie de ônibus para o palmitato.

O palmitato é, então, distribuído por todos os tecidos do corpo.

Vamos agora tomar como exemplos o fígado e o músculo para

estudar o destino do palmitato que lá chega.

Figura 20.3: O glucagon se liga a um receptor de membrana e ativa a lipase. Veja a molécula do palmitato.

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BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos

Os AG chegam aos hepatócitos e aos miócitos

Depois de passar pela membrana dos hepatócitos (célula hepática)

e dos miócitos (célula muscular), o palmitato é levado para a mitocôndria,

que é o local da célula onde ele será degradado. Nas mitocôndrias, estão as

enzimas responsáveis pelo processo de quebra ou degradação dos AG.

Entretanto, a entrada do palmitato para dentro das mitocôndrias

ocorre de maneira curiosa. Vejamos: ainda fora da mitocôndria, o palmi-

tato sofre ativação recebendo uma molécula de coenzima A. Quem “pen-

dura” esta molécula de coenzima A (CoA) no palmitato é uma proteína

chamada acil-CoA sintase. Entretanto, esta reação ocorre com o consumo

simultâneo de uma molécula de ATP, ou seja, pendurar a coenzima A no

palmitato não é de graça, não! A célula precisa pagar um preço para isso

e, nesse caso, utiliza um ATP. O palmitato com a coenzima A pendurada

passa a se chamar palmitoil-CoA. Veja como é a reação:

Observe que o ATP é quebrado em AMP e PPi (pirofosfato), o que

indica que duas ligações de alta energia são consumidas para pendurar a CoA

no palmitato. (O ATP tem três ligações de alta energia. Se uma for utilizada,

forma-se ADP + Pi. Se duas forem utilizadas, forma-se AMP + PPi).

Embora o palmitato já esteja ativado, ou seja, na forma de

palmitoil-CoA, ele ainda necessita passar por outras reações antes de

entrar, de fato, na matriz mitocondrial.

Existe uma outra enzima que fi ca próxima à membrana interna

da mitocôndria que se chama carnitina-acil transferase I (CAT I). Essa

enzima reconhece o palmitoil-CoA e troca a CoA, que está pendurada

no palmitoil, por carnitina. Forma-se, então, palmitato-carnitina e a

CoA é liberada no citoplasma da célula, podendo ser usada outra vez

pela acil-CoA sintase. Veja.

Agora, temos o palmitato ligado à carnitina. A carnitina é

uma pequena molécula conforme mostrado ao lado. Este complexo

(palmitatocarnitina) é reconhecido por um translocador, que está presente

na membrana interna da mitocôndria.

Acil-CoA sintase

palmitato + CoA + ATP palmitoil-CoA + AMP + PPi

CAT I

palmitoil-CoA + carnitina palmitato-carnitina + CoA

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Esse translocador, como o próprio nome diz, transloca o palmitato-

carnitina para dentro da mitocôndria, colocando, ao mesmo tempo,

carnitina livre para fora da mitocôndria.

Ufa!!! Após esta seqüência de reações, o palmitato-carnitina fi nal-

mente chega dentro da mitocôndria. Vale a pena lembrar que isto ocorre

porque a mitocôndria possui duas membranas e, portanto, o palmitato

precisa cruzar essas duas membranas antes de chegar à matriz mitocon-

drial e se encontrar com as enzimas responsáveis pela sua degradação.

Dentro da mitocôndria, o palmitato-carnitina que chega precisa

ser reconvertido em palmitoil-CoA de novo e, para isso, precisa perder

a carnitina e ganhar novamente uma coenzima A (CoA).

Dentro da mitocôndria existe uma enzima chamada carnitina

acil transferase II (CAT II) que faz essa reação. Veja:

Veja a fi gura abaixo que traduz o até então descrito.

CAT II

palmitato-carnitina + coenzima A palmitoil-CoA + carnitina

Para tentar compreender melhor a entrada do palmitato na

mitocôndria, poderíamos imaginar que, para fazer isso, a molécula

precise “comprar um passaporte”, da mesma forma que nós precisamos

desse documento para viajar para o exterior. Assim, primeiro o palmitato

é ativado, e para isso a célula gasta energia na forma de ATP. Em

seguida, o palmitato recebe o “passaporte”, ou seja, a carnitina, que

permite sua entrada na mitocôndria, já que a Polícia Federal (no caso

o translocador) só permite que moléculas entrem na mitocôndria se

possuírem passaporte.

Figura 20.4: Entrada do palmitato para dentro da mitocôndria.

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Obviamente, a pergunta que não quer calar é: por que o palmitato não

entra na mitocôndria ligado à CoA, já que lá dentro ele vai se ligar

novamente a essa coenzima? Se olharmos a molécula de coenzima A,

veremos como ela é enorme! Seu tamanho faz com que ela não atravesse

as membranas biológicas. Logo, o palmitoil-CoA que se forma fora da

mitocôndria não poderia jamais entrar nessa organela devido ao tamanho

da coenzima A. Além disso, veremos, com o passar das aulas, a impor-

tância da coenzima A nas reações metabólicas da célula. Existe uma

população de coenzima A no citoplasma e outra dentro da mitôcondria.

A célula não mistura essas duas populações para não prejudicar as

reações que lá ocorrem. Se o palmitoil-CoA entrasse na mitocôndria

na forma de palmitoil-CoA, levaria consigo a CoA do citoplasma para

dentro da mitocôndria, misturando as populações de CoA. Sendo assim,

a CoA é pendurada na molécula do palmitato apenas para que a CAT I

possa trocá-la por carnitina, despejando de volta a CoA do citoplasma

no citoplasma.

Agora temos palmitoil-CoA dentro da mitocôndria pronto para

seguir seu destino. Vejamos.

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O destino do palmitoil-CoA dentro da mitocôndria: a β-oxidação

Uma vez na matriz mitocondrial, o palmitoil-CoA passará por

uma seqüência de quatro reações, conhecida como β-oxidação, conforme

Figura 20.5:

Figura 20.5: A β-oxidação. Em cada reação, preste atenção na caixa em torno do pedaço da molécula que sofre transformação.

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Na primeira reação, uma enzima chamada acil-CoA desidrogenase

retira dois H da molécula do palmitoil-CoA e os entrega para o FAD (fl avina

adenina dinucleotídeo), formando FADH2. Dizemos que a molécula que

perde os H sofre oxidação, ao passo que a molécula que recebe esses H

sofre redução. Assim, o palmitoil-CoA se oxida enquanto o FAD se reduz.

Como produto desta primeira reação, forma-se o trans-Δ2-enoil-CoA.

Este Δ indica que se forma uma dupla ligação entre os carbonos 2 e 3

da molécula do palmitoil-CoA.

Na segunda reação, a enzima enoil-CoA hidratase, conforme seu pró-

prio nome sugere, hidrata o enoil-CoA formando o L-3-hidroxiacil-CoA.

Observe que nesta hidratação, a molécula de água é inserida de modo que

a hidroxila (OH) fi ca pendurada no carbono 3 e o H no carbono 2. Assim,

a dupla ligação se desfaz. Veja com atenção a Figura 21.5.

Na terceira reação da β-oxidação, a enzima L-3-hidroxiacil-CoA

desidrogenase oxida mais uma vez a molécula, mas, neste caso, utiliza NAD+,

que, ao receber os H da molécula do hidroxiacil-CoA, passa a NADH + H+.

Observe que se forma uma nova dupla ligação na molécula, agora entre o

carbono 3 e o oxigênio. Este composto se chama 3-cetoacil-CoA.

Até agora, após estas três reações, o palmitoil-CoA continua com

seus 16 carbonos, não tendo sofrido nenhuma quebra em sua molécula.

É justamente na quarta e última reação da β-oxidação que se dá a quebra

da molécula propriamente dita. Esta reação é catalisada pela β-ceto tiolase

ou tiolase. Como produtos desta reação temos o miristoil-CoA (ácido

graxo com 14 átomos de carbono) e o acetil-CoA, que tem dois átomos

de carbono. Observe que a tiolase, ao introduzir uma nova coenzima

A na molécula, é capaz de quebrar a molécula do 3-cetoacil CoA, que

tem 16 átomos de carbono. Esta enzima recebe esse nome porque ela é

capaz de fazer uma lise (quebra) através da inserção de um grupamento

tiol (no caso, a CoA). Lembre-se que uma hidrolase é, por analogia, uma

enzima capaz de fazer uma lise pela entrada de uma molécula de água,

assim como uma fosforilase é uma enzima capaz de fazer uma lise pela

entrada de um grupamento fosforil.

Poderíamos resumir as quatro reações da β-oxidação da seguinte

maneira:

1o – oxidação mediada pelo FAD

2o – hidratação

3o – oxidação mediada pelo NAD+

4o – tiólise

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E agora? O que fazemos com o novo ácido graxo formado, que

tem 14 átomos de carbono (miristoil-CoA)? Ele passa por uma nova

seqüência de quatro reações, idênticas às que acabamos de descrever, e,

no fi nal, forma-se uma nova molécula de acetil-CoA (que possui dois car-

bonos) e um ácido graxo com 12 átomos de carbono. E agora? A mesma

coisa! Esse ácido graxo com 12 carbonos passa por uma nova rodada

de β-oxidação, gerando uma nova acetil-CoA e um outro ácido graxo

com 10 carbonos e assim sucessivamente até que todo o palmitoil-CoA

vire uma “sopa” de acetil-CoA. Uma vez que o palmitoil-CoA apresenta

16 carbonos, podemos dizer que a sua completa oxidação através da

β-oxidação gera 8 moléculas de acetil-CoA (8 x 2 =16); 7 moléculas de

FADH2 e 7 moléculas de NADH + H+. Em suma temos:

DESTINOS DOS PRODUTOS DA β-OXIDAÇÃO

Podemos dizer que os produtos da β-oxidação são todos os

compostos que estão escritos no lado direito da equação acima. Vejamos

agora o destino de cada uma dessas moléculas:

• Acetil-CoA: conforme você já viu na aula sobre metabolismo de

açúcares, o acetil-CoA é uma molécula central no metabolismo celular. O

acetil-CoA é a porta de entrada do ciclo de Krebs, juntando-se ao oxala-

cetato (que tem 4 carbonos) para formar o citrato (que tem 6 carbonos).

Esta é a primeira reação deste ciclo. Desta forma, o acetil-CoA formado

a partir da β-oxidação pode entrar no ciclo de Krebs, mas para que isto

ocorra é necessário que haja oxalacetato disponível. Esta informação é

muito importante, conforme veremos a seguir.

Vamos agora investigar o que acontece com o acetil- CoA que se

forma no músculo e no fígado a partir da β-oxidação. Lembre-se que

estes tecidos são capazes de degradar ácidos graxos no jejum ou em

intenso exercício, quando a demanda de energia é muito grande, como

no caso do músculo.

Palmitoil-CoA + 7 FAD + 7 NAD+ + 7 CoA + 7 H2O 8 acetil-CoA + 7 FADH2 + 7 NADH + 7 H+

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Nesse caso, todo o acetil-CoA formado a partir do palmitoil-CoA

é jogado no ciclo de Krebs, uma vez que a concentração de oxalacetato

lá presente permite que isto ocorra. A entrada do acetil-CoA no ciclo

de Krebs vai gerar NADH+ + H+ e FADH2, que vão para a cadeia de

transporte de elétrons transferir seus elétrons gerando ATP, conforme

já vimos em aulas anteriores.

No fígado, acontece uma situação muito particular, já que este

órgão, no momento de jejum, utiliza o oxalacetato para produzir glicose,

conforme veremos na aula sobre gliconeogênese mais à frente. Desta

forma, o acetil-CoA que vem da oxidação do palmitato no fígado não

pode ser jogado no ciclo de Krebs, já que, conforme vimos, para que

isso ocorra é necessário que haja oxalacetato disponível. O que fazer,

então, com este acetil-CoA formado? O acetil-CoA é transformado em

corpos cetônicos, conforme veremos logo a seguir.

• FADH2 e NADH: antes de vermos como se formam os corpos

cetônicos no fígado, vamos analisar o destino dos 7 FADH2 e 7 NADH

formados durante a β-oxidação. Você teria alguma sugestão para esta

questão? Ou seja, qual será o destino destas duas coenzimas, o FADH2

e o NADH? A resposta é simples. Essas coenzimas, na forma reduzida,

são direcionadas para a cadeia de transporte de elétrons, onde entregarão

seus elétrons para formar ATP, ou seja energia para a célula.

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FORMAÇÃO DOS CORPOS CETÔNICOS

Uma vez que no fígado a concentração de oxalacetato é muito baixa,

já que esta molécula é utilizada na produção de glicose, o acetil-CoA vindo

da β-oxidação tem outro destino: a formação de corpos cetônicos.

Corpos cetônicos (CC) são compostos solúveis em água e consistem

basicamente de acetoacetato e β-hidroxibutirato. Veja essas duas moléculas

na fi gura abaixo.

Figura 20.6: Acetoacetato e β-hidroxibutirato.

A formação dos CC também ocorre dentro da mitocôndria e se

dá da seguinte forma.

Primeiro, duas moléculas de acetil-CoA se condensam (juntam)

e formam acetoacil-CoA (contém 4 carbonos). A enzima que catalisa

esta reação é a β-cetotiolase. O acetoacil-CoA se condensa com uma

nova molécula de acetil-CoA, formando β-hidroxi-β-metilglutaril-CoA

(HMG-CoA) através da enzima HMG-CoA sintase. Este composto

sofre clivagem pela enzima HMG-CoA liase formando acetil-CoA e

acetoacetato. O acetoacetato sofre redução gerando β-hidroxibutirato

através da enzima β-hidroxibutirato desidrogenase. Parte do acetoacetato

sofre descarboxilação espontânea, gerando acetona. A Figura 20.7

resume o que foi descrito.

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Tanto o acetoacetato quanto o β-hidroxibutirato são lançados

na corrente sangüínea, viajando livremente pelo sangue, já que são

altamente solúveis. Os “tecidos famintos”, incluindo músculo cardíaco

e esquelético, pulmão e tecido nervoso, captam esses compostos e os

transformam de volta em acetil-CoA, que é, então, lançado no ciclo de

Krebs, gerando energia para esses “tecidos famintos”.

Figura 20.7: Formação de corpos cetônicos.

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Estamos aqui chamando os tecidos de “famintos” pois estamos numa

situação de fome, ou seja, baixa de energia nas células e no organismo

como um todo. Veja as reações de transformação do acetoacetato em

acetil-CoA na Figura 20.8.

Figura 20.8: Transformação do acetoacetato em acetil-CoA nos “tecidos famintos”.

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DEGRADAÇÃO DOS DEMAIS ÁCIDOS GRAXOS

Até agora estudamos como o palmitato, que é um ácido graxo com

16 átomos de carbono, é degradado. Entretanto, existem outros ácidos

graxos maiores e menores que o palmitato, ou que possuem dupla ligação

e que também precisam ser degradados. O que acontece nesses casos?

A maioria dos ácidos graxos insaturados de origem biológica

contém apenas ligações duplas nas posições entre os carbonos 9 e 10.

Um exemplo de ácidos graxos insaturados é o ácido oléico. Veja este

ácido na Figura 20.9.

Figura 20.9: Ácido oléico.

Esses ácidos também são oxidados através da β-oxidação.

Entretanto, para que isto ocorra, a dupla ligação precisa ser removida.

Para tal, existem enzimas, como a enoil-CoA-isomerase, que modifi cam

estas duplas ligações transformando as moléculas em substratos naturais

para as enzimas da β-oxidação que vimos anteriormente.

Além dos ácidos graxos com dupla ligação (ácidos insaturados),

ainda temos os ácidos graxos com número ímpar de átomos de carbono.

Esses ácidos são freqüentes em plantas e organismos marinhos, por

exemplo. E neste caso? Será que esses ácidos também podem ser

quebrados através da β-oxidação? A resposta é positiva. Todos os ácidos

graxos são oxidados nas células pela β-oxidação.

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Entretanto, o que vai diferir neste caso é o produto da última volta da

β-oxidação. Vejamos. Tomemos como exemplo um ácido graxo com 15

átomos de carbonos. Depois da primeira rodada de β-oxidação (que

envolve as quatro reações mencionadas anteriormente), o ácido graxo

passa a ter 13 átomos de carbono (pois haverá perdido uma molécula de

acetil-CoA). Esse ácido com 13 átomos de carbono vai passar por uma

nova rodada de β-oxidação, gerando um ácido graxo com 11 átomos de

carbono e assim por diante, até que se formará um ácido com 5 átomos de

carbono. Agora é que temos a diferença. Esse composto com 5 átomos de

carbono é quebrado em acetil-CoA (2 carbonos) e propionil-CoA (3 átomos

de carbono). O propionil-CoA, no entanto, não pode mais passar por uma

nova rodada de β-oxidação. O propionil-CoA é convertido a succinil-CoA

(4 carbonos), conforme reações mostradas na Figura 20.10.

Figura 20.10: Conversão de propionil-CoA em succinil-Col-A. Observe que há gasto de ATP na primeira reação catalisada pela propionil-CoA-carboxilase.

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Se nos recordarmos da aula sobre ciclo de Krebs, veremos que o

succinil-CoA é um intermediário deste ciclo. Logo, quando se forma

o succinil-CoA a partir do propionil-CoA, temos um aumento da

concentração dos intermediários do ciclo de Krebs e, por conseguinte, de

oxalacetato. Agora temos a seguinte situação: um ácido graxo de número

ímpar sendo quebrado pela β-oxidação que gera acetil-CoA. Além disso,

a quebra desse ácido graxo gera propionil-CoA, que se transforma em

succinil-CoA, que se transforma em oxalacetato. Em suma, temos a

formação de acetil-CoA e a formação em última instância de oxalacetato.

O que ocorre, então, com a produção de corpos cetônicos? Vimos que

os corpos cetônicos são produzidos quando falta oxalacetato. Se há um

excesso de oxalacetato, há um grande decréscimo na produção de corpos

cetônicos quando um ácido graxo de número ímpar é metabolizado. Veja

a Figura 20.11 que resume o que acabamos de descrever.

Figura 20.11: O acetil-CoA tem duas “portas de entrada”: o ciclo de Krebs (porta 1) e a formação de corpos cetônicos (porta 2). A porta 1 fi cará fechada se falta oxalacetato. Neste caso, o acetil-CoA entrará pela porta 2 formando corpos cetônicos. Se houver grande disponibilidade de oxalacetato, a porta preferencial será a 1 e, com isso, a produção de corpos cetônicos diminui. Isso ocorre, por exemplo, quando o fígado oxida ácidos graxos com número ímpar de átomos de carbono.

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Na aula de hoje vimos as reações envolvidas na oxidação do palmitato. Lembre-se

que oxidar um composto signifi ca “quebrá-lo” em compostos menores. No caso

do palmitato, vimos que este composto é quebrado em 8 moléculas de acetil-CoA

gerando, durante esta quebra, 7 moléculas de FADH2 e 7 moléculas de NADH. Essas

coenzimas reduzidas vão para a cadeia de transporte de elétrons entregar seus elétrons

para formar ATP. O acetil-CoA (2 carbonos), ao se juntar ao oxalacetato (4 carbonos)

forma o citrato (6 carbonos), que roda no ciclo de Krebs, gerando mais FADH2 e NADH,

que também vão formar mais ATP na cadeia de transporte de elétrons. Entretanto, no

fígado, devido à ausência de oxalacetato (irá formar glicose na gliconeogênense), o

acetil-CoA formado na β-oxidação é transformado em corpos cetônicos (acetoacetato

e β-hidroxibutirato). Esses compostos, por serem altamente solúveis, “viajam” pelo

sangue, sendo captados pelos demais tecidos. Lá, eles são reconvertidos em acetil-CoA,

que roda, então, no ciclo de Krebs, gerando energia. Quando ácidos graxos de número

ímpar de átomos de carbono são quebrados no fígado, há uma menor produção de

corpos cetônicos, já que temos a formação de oxalacetato que acaba por consumir o

acetil-CoA que seria utilizado na formação dos corpos cetônicos.

EXERCÍCIOS

Refl ita e responda:

1. Vimos que, no fígado, o acetil-CoA formado pela β-oxidação do palmitato forma

corpos cetônicos e não entra no ciclo de Krebs, conforme o esperado para o acetil-CoA.

Se o ciclo de Krebs não está funcionando no fígado, neste momento, como o

fígado consegue energia para “se manter vivo” no momento do jejum?

2. Por que o fígado não manda para os “tecidos famintos” o acetil-CoA formado

na β-oxidação, mas sim acetoacetato e β-hidroxibutirato?

3. Explique com suas palavras por que os ácidos graxos com número ímpar geram

menos corpos cetônicos que os ácidos graxos de número par?

4. Na sua opinião, qual é a importância, do ponto de vista energético, da última

volta da β-oxidação, ou seja, da tiólise? Compare a reação catalisada pela tiolase

com a reação catalisada pela acil-CoA sintase, que é a enzima que pendura CoA

no palmitato quando este precisa entrar na mitocôndria.

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RESUMO

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Conhecer as principais reações envolvidas na síntese de ácidos graxos, em especial, do palmitato.

objetivo

Síntese de ácidos graxos 22/23A

UL

AS

BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos

ASPECTOS HISTÓRICOS

A síntese de ácidos graxos foi desvendada depois que as principais

reações da β-oxidação haviam sido descritas. Só para lembrar, é através da

β-oxidação que o palmitato é quebrado em acetil-CoA. A β – oxidação é

composta por quatro reações: desidrogenação dependente de FAD; hidratação;

desidrogenação dependente de NAD+ e tiólise. Você se lembra?

Os pesquisadores interessados em conhecer a síntese de ácidos

graxos acreditavam que esta via era o reverso da β-oxidação, ou seja,

eles acreditavam que havia um único conjunto de enzimas que era capaz

de quebrar o palmitato em determinadas situações, ou fazer o palmitato

em outras. Essa crença baseava-se no fato de que as quatro enzimas

envolvidas na degradação do palmitato mostraram-se reversíveis quando

purifi cadas. Logo, parecia simples: se as enzimas da β-oxidação podem

catalisar reações reversíveis (substrato produto), então, elas também

deveriam ser capazes de sintetizar o palmitato. Entretanto, embora se

tenha tentado sintetizar palmitato incubando-se o acetato (composto

com 2 carbonos) com as mitocôndrias (lembre-se que é na mitocôndria

que ocorre a β-oxidação), nunca se observou o aparecimento deste ácido

graxo. Logo, havia algo de errado com aquela crença inicial.

O impasse foi resolvido quando Stadman & Barker e Brady & Gurin,

na década de 1950, observaram a síntese de palmitato em uma fração solúvel

da célula, ou seja, no citoplasma das células. Pôde-se, então, concluir que a

síntese de palmitato ocorria no citoplasma, ao passo que a degradação do

palmitato (β-oxidação) ocorria nas mitocôndrias. O que demonstrava que

a síntese e a degradação eram vias totalmente distintas!

Agora que já vimos um pouco o aspecto histórico da descoberta

da síntese, vamos responder à seguinte pergunta: em que situação o

nosso organismo vai sintetizar ácido graxo (palmitato)? Se pararmos para

pensar, os ácidos graxos são as reservas do nosso organismo, junto com

o glicogênio. Se fi zermos uma analogia com a caderneta de poupança,

concluiremos que nosso organismo vai sintetizar suas reservas quando

houver excesso de nutriente. Nós também só guardamos dinheiro na

caderneta de poupança depois que pagamos todas as nossas contas do

mês. Ninguém deposita dinheiro na poupança se estiver devendo alguma

coisa. O organismo é assim também. Vai produzir suas reservas depois

que a demanda de energia das células já estiver suprida. E é por isso que

a gente engorda!

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Quando comemos mais do que o necessário, o excesso é convertido em

ácidos graxos (palmitato) que se acumulam no tecido adiposo, formando

aqueles “pneuzinhos” na barriga que a gente tanto detesta...

Vamos estudar agora como ocorre a síntese do palmitato (e a

formação dos tais pneuzinhos...). Então, mãos à obra!

SÍNTESE DO PALMITATO

O citrato

A síntese do palmitato ocorre a partir do acetil-CoA (2 átomos

de carbono). Entretanto, o acetil-CoA é uma molécula mitocondrial e,

conforme acabamos de ver, a síntese do palmitato ocorre no citoplasma

das células. Logo, o acetil-CoA precisa chegar ao citoplasma para que

haja a síntese do palmitato.

Conforme discutimos na aula passada, a coenzima A é muito

grande para atravessar as membranas biológicas e, por isso, o acetil-

CoA não pode cruzar as membranas da mitocôndria para chegar ao

citoplasma. Como, então, o acetil-CoA chega ao citoplasma para dar

início à síntese do palmitato? Vejamos.

Quando comemos muito açúcar, a taxa de glicose do nosso sangue fi ca

elevada. A glicose (6 átomos de carbono) entra nas células e é degradada

pela glicólise, dando origem a duas moléculas de piruvato (3 átomos de

carbono). Se você não se recorda bem de como ocorre a glicólise, reveja

a aula sobre esse assunto.

O piruvato formado no citoplasma entra na mitocôndria através

de um translocador localizado na membrana interna mitocondrial.

Na mitocôndria, o piruvato é convertido em acetil-CoA através da

piruvato desidrogenase. O acetil-CoA (2 átomos de carbono) se junta

ao oxalacetato (4 átomos de carbono) para formar o citrato (6 átomos

de carbono) que segue pelo ciclo de Krebs.

Quando há excesso de glicose, todas essas reações aqui descritas

ocorrem em grande abundância, já que há excesso e fartura de glicose.

Nesta situação, há uma grande formação de citrato, que se acumula

dentro da mitocôndria. A concentração de citrato aumenta tanto que o

citrato acaba vazando da mitocôndria, caindo no citoplasma.

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BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos

A saída do citrato da mitocôndria se dá através de um translocador de

citrato localizado na membrana mitocondrial interna.

No citoplasma, o citrato é quebrado em acetil-CoA e oxalacetato

pela ação da citrato liase. Veja:

Agora sim! Temos acetil-CoA no citoplasma para ser utilizado

na síntese do palmitato. Podemos, então, concluir que o acetil-CoA sai

da mitocôndria “disfarçado” de citrato. O citrato, quando chega no

citoplasma, é quebrado formando o acetil-CoA e o oxalacetato (lembre

que o citrato é formado pelo união do acetil-CoA com o oxalacetato.

Logo, a quebra do citrato gera acetil-CoA e oxalacetato).

O destino do acetil-CoA

Agora, temos o acetil-CoA no citoplasma! Entretanto, a síntese do

palmitato utiliza o malonil-CoA (composto com 3 átomos de carbono).

Desta forma, o acetil-CoA será convertido em malonil-CoA

pela ação da enzima acetil-CoA carboxilase. Essa é a primeira enzima

envolvida na síntese do palmitato. Como o próprio nome diz, a

acetil-CoA carboxilase “pendura” um CO2 no acetil-CoA, isto é,

ela “carboxila” o acetil-CoA, que passa a formar malonil-CoA, um

composto com 3 átomos de carbono. Veja:

A acetil-CoA carboxilase é uma enzima dependente de biotina.

A biotina (veja ao lado) está presente em todas as carboxilases, pois é o

grupo que se especializou na carboxilação de determinadas moléculas.

A Figura 22.1 mostra a saída do citrato da mitocôndria e a

formação de acetil-CoA e oxalacetato. Alguns detalhes desta fi gura

serão descritos mais à frente.

citrato + ATP + CoA acetil-CoA + oxalacetato + ADP + Pi

acetil-CoA + CO2 + ATP malonil-CoA + ADP + Pi

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O complexo do ácido graxo sintase

A segunda enzima que participa da síntese de lipídeos é o complexo

do ácido graxo sintase (AGS). Esta enzima é bastante grande, sendo capaz

de desempenhar diversas funções, conforme veremos a seguir.

A AGS possui dois grupamentos funcionais: uma fosfopantoteína

e uma cisteína. A fosfopantoteína fi ca ligada à proteína carreadora de

acilas (PCA). Veja a Figura 22.2.

Figura 22.1: Saída do citrato na mitocôndria e formação de acetil-CoA no citoplasma.

Figura 22.2: Complexo do ácido graxo sintase e a fosfopantoteína.

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oxalacetatooxalacetato

Citosol

BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos

A fosfopantoteína e a cisteína possuem grupamentos SH que servem

para ligar os diversos substratos dessa enzima. O funcionamento dessa

enzima é sensacional! Vejamos.

Primeiro, um acetil-CoA se liga à cisteína. Em seguida, o malonil-CoA

se liga à fosfopantoteína. Vale ressaltar que, no momento da ligação, tanto

o acetil-CoA quanto o malonil-CoA perdem a CoA antes de se ligar à

AGS e se ligam como acetato e malonato. Nesse momento, a enzima está

carregada com seus dois substratos principais: o acetato (ligado à cisteína)

e o malonato (ligado à fosfopantoteína). Em seguida, o acetato “pula”

para cima do malonato com a ajuda de um componente do complexo

chamado enzima de condensação. O produto desta condensação seria um

composto com 5 átomos de carbono, já que o acetato possui 2 átomos de

carbono e o malonato possui 3 átomos de carbono. Entretanto, ao mesmo

tempo que ocorre essa condensação, ocorre uma descarboxilação e, com

isso, o produto formado possui 4 átomos de carbono (2 + 3 = 5 – 1 = 4).

Vale ressaltar que este produto se forma sobre a fosfopantoteína e, por

isso, se chama acetoacetil-PCA.

Em seguida, o acetoacetil-PCA sofre uma redução dependente

de NADPH (veja o NADPH ao lado). Quem catalisa essa reação é uma

redutase presente no complexo da AGS. O NADPH cede seus H para o

acetoacetil formando NADP+. E o produto formado se chama hidroxi-

butiril-PCA (já que ainda está ligado à fosfopantoteína da PCA).

Agora, o hidroxibutiril sofre uma desidratação também catalisada

por uma desidratase presente no complexo da AGS. O produto desta

reação é o butenenoil-PCA.

A quarta reação é uma nova redução catalisada por uma outra

redutase presente no complexo. Esta redutase também utiliza NADPH,

formando NADP+ e butiril-PCA.

Todas essas quatro reações ocorrem com o composto de quatro

carbonos ligado à fosfopantoteína. Entretanto, até agora, o composto

tem apenas 4 átomos de carbono e, conforme sabemos, o palmitato

tem 16 átomos de carbono. Falta, portanto, que o butiril cresça até

formar o palmitato.

Desta forma, o butiril-PCA é transferido para a cisteína, deixando a

fosfopantoteína livre para a entrada de uma nova molécula de malonato.

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Na segunda rodada do complexo, a situação é a seguinte: o butiril

(composto com 4 átomos de carbono) se encontra ligado à cisteína e o

malonil-CoA perde seu CoA e se liga como malonato à fosfopantoteína.

Em seguida, o butiril “pula” para cima do malonato com a

ajuda da enzima de condensação. Ocorre uma nova descarboxilação

do malonato dando origem a um composto com 6 átomos de carbono

(4 + 3 = 7 – 1 = 6).

Da mesma forma que descrito anteriormente, esse composto vai

sofrer uma redução dependente de NADPH, uma desidratação e uma

nova redução dependente de NADPH.

Tudo isso ocorre sobre a fosfopantoteína. Agora, esse composto

com 6 átomos de carbono é transferido de volta para cisteína deixando

a fosfopantoteína livre para a entrada de um novo malonil-CoA.

Esse processo se repete 7 vezes, até que o palmitato se forma dentro

do complexo da AGS. Como o palmitato é uma molécula muito grande

(16 átomos de carbono), a afi nidade do complexo AGS por ele é muito

pequena e, com isso, o complexo libera o palmitato. Esse palmitato pode

ser transportado para o tecido adiposo onde permanecerá até que seja

necessária a sua utilização como reserva energética.

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BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos

Veja a Figura 22.3 que resume o que foi descrito.

Figura 22.3: A síntese do palmitato no complexo do ácido graxo sintase.

Conforme vimos, a primeira reação catalisada pelo complexo da AGS

é a união de um acetil-CoA com um malonil-CoA. A partir daí, em cada

rodada do complexo, uma nova molécula de malonil-CoA é consumida,

fazendo o composto crescer até fi car com 16 átomos de carbono.

Podemos concluir, então, que para haver síntese de palmitato é

necessário que haja muito malonil-CoA disponível. É aí que entra a acetil-

CoA carboxilase. Conforme vimos anteriormente, a acetil-CoA carboxilase

é “uma fábrica” de malonil-CoA. Esse malonil-CoA é utilizado pelo com-

plexo da AGS. Se faltar malonil-CoA, não há síntese de palmitato!

142 CEDERJ

Desta forma, o produto da acetil-CoA carboxilase (malonil-CoA)

é substrato da AGS. Veja.

Acetil-CoA carboxilase complexo AGS

Acetil-CoA malonil-CoA palmitato

substrato produto

substrato produto

Não podemos deixar de mencionar, mais uma vez, que o

complexo da AGS utiliza acetil-CoA apenas na primeira reação.

Logo, o acetil-CoA que vem da quebra do citrato serve tanto como

substrato da acetil-CoA carboxilase quanto como substrato do

complexo da AGS.

Em resumo, a síntese do palmitato, a partir do acetil-CoA e do

malonil-CoA, envolve as seguintes reações:

1- condensação

2- redução dependente de NADPH

3- desidratação

4- redução dependente de NADPH

Regulação da síntese de palmitato

Conforme mencionado anteriormente, a síntese de palmitato

ocorre quando há fartura de nutrientes. Vimos acima que a glicose

excedente é convertida em piruvato, que se transforma em citrato, que,

por sua vez, é convertido em acetil-CoA, que serve de matéria-prima

para a síntese de palmitato. Fica claro, então, por que quando comemos

muito açúcar engordamos. O açúcar excedente se transforma em gordura

(palmitato) que se acumula no tecido adiposo.

Conforme podemos prever, a síntese de palmitato precisa ocorrer

na hora correta. Obviamente, só podemos sintetizar palmitato quando

existem nutrientes em excesso, e por isso, a célula precisa controlar

precisamente as enzimas envolvidas com a síntese.

A acetil-CoA carboxilase é altamente controlada, já que é ela

que vai gerar o malonil-CoA, que é o principal substrato para a síntese

de palmitato.

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BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos

A acetil-CoA carboxilase sofre dois controles. O primeiro é

exercido pelo próprio citrato, que atua como um modulador da atividade

desta enzima. A acetil-CoA carboxilase possui um sítio de ligação ao

citrato (sítio alostérico). Quando o citrato ocupa este sítio, a acetil-

CoA carboxilase sofre uma mudança conformacional que resulta na sua

polimerização. Na verdade, a acetil-CoA carboxilase existe na forma de

monômeros isolados, quando não há citrato no citoplasma da célula.

Mediante ligação ao citrato, esses monômeros “dão as mãos”, formando

um fi lamento longo, conforme visto na Figura 22.4. A polimerização

funciona exatamente como se fosse um colar de pérolas: as pérolas

isoladas seriam os monômeros de acetil-CoA carboxilase e o colar

de pérola inteiro seria o fi lamento.

Figura 22.4: Microscopia eletrô-nica dos fi lamentos da acetil-CoA carboxilase obtidos na presença de citrato.

Entretanto, curiosamente, a acetil-CoA carboxilase, na forma

fi lamentosa, apresenta uma atividade bem maior do que a acetil-CoA

carboxilase na forma de monômeros.

Dessa forma, podemos concluir, que o citrato é capaz de ativar

a acetil-CoA carboxilase ao induzir sua polimerização. Quando, então,

o citrato chega ao citoplasma, uma pequena parte dele se liga à acetil-

CoA carboxilase, ocasionando a polimerização da enzima com a sua

concomitante ativação.

citrato

monômeros da acetil-CoA fi lamento

carboxilase (muito ativo)

(pouco ativos)

144 CEDERJ

O segundo controle da acetil-CoA carboxilase é a fosforilação

induzida pelo hormônio glucagon. Conforme você verá nas aulas de regu-

lação hormonal, o glucagon, um hormônio que é liberado no momento do

jejum, ativa uma proteína cinase que fosforila (pendura um grupamento

fosfato) diversas enzimas, dentre as quais a acetil-CoA carboxilase.

Quando fosforilada, a acetil-CoA carboxilase passa a fi car inibida.

Desta forma, quando estamos em jejum sob a ação do glucagon, a acetil-CoA

carboxilase está completamente inibida, já que se encontra fosforilada.

enzima defosforilada ativa

-P enzima fosforilada inibida

Em resumo, podemos dizer que a acetil-CoA carboxilase possui

dois controles: o citrato, que ativa a enzima, e a fosforilação induzida

por glucagon, que leva à sua inativação.

NADPH

Antes de terminarmos, falta compreender de onde vem tanto NADPH

que é necessário para manter a síntese do palmitato. Lembre-se de que em

cada rodada do complexo da AGS há consumo de duas moléculas

de NADPH.

Vimos anteriormente que, quando a concentração de citrato

está muito aumentada na mitocôndria, o citrato vaza, alcançando o

citoplasma.

Esse citrato é convertido em acetil-CoA e oxalacetato pela ação

da citrato liase. O acetil-CoA ou será convertido em malonil-CoA pela

acetil-CoA carboxilase ou será utilizado na primeira rodada do complexo

da AGS para formar palmitato.

E o oxalacetato (OA)? Qual o destino desta molécula?

O OA pode ser convertido em malato pela malato

desidrogenase, que utiliza NADH. O malato formado pode ser

convertido em piruvato por uma enzima chamada enzima málica.

Na conversão de OA em piruvato, há formação de NADPH. Veja:

OA + NADP+ piruvato + CO2 + NADPH

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BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos

Este NADPH formado a partir da enzima málica pode ser

utilizado na síntese do palmitato. Entretanto, esse NADPH não é

sufi ciente para manter a síntese, havendo necessidade de mais NADPH.

Conforme veremos em aulas mais à frente, existe uma via chamada via

das pentoses fosfato, que ocorre junto com a síntese de palmitato, e

que forma NADPH para manter a síntese do palmitato. Desta forma,

parte do NADPH necessário para a síntese do palmitato vem da enzima

málica, e outra parte, da via das pentoses fosfato.

Tanto o piruvato quanto o malato podem voltar para a mitocôndria

através de transportadores específi cos, sendo reconvertidos em OA. Veja

a Figura 22.5.

Figura 22.5: O transporte de citrato para fora da mitocôndria gera OA, que, ao retornar para a mitocôndria na forma de piruvato, gera poder redutor (NADPH) para a síntese do palmitato.

146 CEDERJ

oxalacetato

Citosol

oxalacetato

Síntese de palmitato x degradação do palmitato

Antes de terminarmos, vale a pena comparar a síntese de palmitato

com a sua degradação (β-oxidação).

β-oxidação Síntese do palmitato

1. oxidação dependente de FAD 1. condensação

2. hidratação 2. redução dependente de NADPH

3. oxidação dependente de NAD+ 3. desidratação

4. tiólise (quebra) 4. redução dependente de NADPH

Se pararmos para pensar, podemos concluir que a síntese do palmitato

envolve reações químicas que são o contrário das reações da β-oxidação.

Não estamos dizendo que a síntese é o reverso da β-oxidação, mas apenas

que essas duas vias são quimicamente o reverso uma da outra.

Não poderia ser diferente, pois, quando sintetizamos o palmitato, que

é uma molécula com vários grupos CH2, utilizamos o malonato, que é uma

molécula que possui carbono ligado ao oxigênio. Esse oxigênio precisa sair

da molécula para a entrada de H e formação do CH2. É por isso que ocorrem

reduções com o uso de NADPH, que cede seus H gerando NADP+.

Na β-oxidação a situação é o contrário. Temos o palmitato,

rico em grupos CH2, e queremos formar o acetil-CoA, uma molécula

que possui oxigênio ligado ao carbono. Logo, neste caso, precisamos

inserir oxigênio na molécula, ou seja, precisamos oxidar a molécula.

É por isso que precisamos de FAD e NAD+, que recebem os H vindos

do palmitato formando FADH2 e NADH. Além disto, na síntese do

palmitato há uma reação de desidratação que remove o oxigênio da

molécula, ao passo que na β-oxidação há uma etapa de hidratação que

insere oxigênio na molécula. Por fi m, enquanto na β-oxidação temos a

tiólise, ou seja, a quebra do palmitato em unidades de dois carbonos

(acetil-CoA), na síntese do palmitato temos a condensação de moléculas

pequenas, como o malonil-CoA, visando formar uma molécula grande

como o palmitato.

Tabela 22.1: Comparação da síntese do palmitato e sua degradação.

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BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos

148 CEDERJ

Nesta aula, vimos como o palmitato é sintetizado a partir de precursores pequenos

como o acetil-CoA e o malonil-CoA. Existem duas enzimas-chave que participam

do processo de síntese do palmitato: a acetil-CoA carboxilase e o complexo da

ácido graxo sintase (AGS). A acetil-CoA carboxilase sintetiza malonil-CoA com

gasto de ATP. O complexo da AGS possui dois grupamentos muito importantes,

que são a fosfopantoteína e uma cisteína. O acetil-CoA se liga como acetato à

cisteína, ao passo que o malonil-CoA se liga como malonato à fosfopantoteína.

Há uma reação de condensação que é acompanhada de uma descarboxilação, o

que resulta na formação de um composto com quatro átomos de carbono. Esse

composto sofre redução dependente de NADPH, desidratação, e uma nova redução

dependente de NADPH.

Em seguida o composto, já reduzido na forma de butiril, passa para a cisteína,

deixando livre a fosfopantoteína para a entrada de um novo malonil-CoA. Esse

ciclo se repete até que o palmitato se forme dentro do complexo da AGS, sendo,

em seguida, liberado para o meio.

RESUMO

EXERCÍCIOS

1. Descreva com suas próprias palavras o processo de síntese de palmitato a partir

do acetil-CoA.

2. Como o acetil-CoA chega ao citoplasma, local onde ocorre a síntese de

lipídeos?

3. Quais são os controles da síntese de lipídeos?

Via das pentoses-fosfato

Nesta aula, você vai conhecer a via das pentoses-fosfato, um desvio da via glicolítica necessário às células que realizam reações de biossíntese redutoras. Você vai ser apresentado a todas as reações que fazem parte desta via, mas o mais importante é que você aprenda como o poder redutor é garantido nos momentos de biossíntese, como é sintetizado o NADPH e como pentoses são fornecidas para a formação de nucleotídeos.

Pré-requisitos

Seria interessante que você relesse as aulas sobre glicólise, ciclo de Krebs e síntese de ácidos graxos

antes de começar. Vamos retomar alguns pontos dessas vias metabólicas nesta aula.

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objetivos

BIOQUÍMICA II | Via das pentoses-fosfato

O ATP é considerado a “moeda energética” da célula. A incorporação do fosfato

à molécula de ADP, formando o ATP, se dá às custas da energia liberada na

oxidação dos nutrientes, enquanto a síntese das biomoléculas muitas vezes

depende da hidrólise do ATP. Entretanto, como vimos quando estudamos a

síntese de ácidos graxos, nem sempre apenas o ATP é sufi ciente para as reações

de biossíntese. Uma outra “moeda” também é necessária: o poder redutor.

Muitas reações celulares, como a síntese de ácidos graxos e de colesterol,

requerem NADPH além do ATP.

Atenção! Você não deve confundir NADH com NADPH. Estas duas coenzimas

diferem apenas pela presença de um grupamento fosfato a mais na molécula

de NADPH. Entretanto, elas desempenham papéis bastante diferentes na célula.

O NADH participa indiretamente da síntese do ATP, transferindo os elétrons

liberados nas reações de oxidação dos nutrientes para a cadeia transportadora

de elétrons. O NADPH está envolvido na utilização da energia livre das reações

de oxidação para as reações de biossíntese redutivas. Esta diferenciação é

possível graças à especifi cidade das enzimas por suas coenzimas.

Bem, voltando às reações de biossíntese, estávamos dizendo que elas

requerem, além da energia armazenada na molécula de ATP, o poder

redutor do NADPH.

Na aula de hoje, você vai aprender como o NADPH é formado

nas células.

Você já aprendeu que o NAD+ é reduzido a NADH em uma

série de reações de oxidação catalisadas por enzimas chamadas

desidrogenases. O NADPH também é reduzido em reações de oxidação

catalisadas por desidrogenases; neste caso, outras desidrogenases que

usam como coenzima o NADP+ e não o NAD+. Vamos, agora, conhecer

estas reações, que fazem parte da via metabólica que chamamos via das

pentoses-fosfato.

A via das pentoses-fosfato pode ser dividida em duas etapas, o ramo

oxidativo e o ramo não-oxidativo. O ramo oxidativo começa com a glicose-

6-fosfato (glicose-6P), que é desviada da via glicolítica, sendo convertida a

uma pentose-fosfato. Como o nome diz, pentoses são açúcares contendo

5 carbonos. Você já sabe que a glicose-6P possui 6 carbonos. Então, tente

responder: que tipo de reação deve ocorrer no ramo oxidativo da via das

pentoses de forma a gerar um açúcar de 5 carbonos?

A glicose-6P deve perder 1 carbono, o que ocorre através de uma

reação de descarboxilação.

Para relembrar como são as reações catalisadas pelas desidrogenases, você pode retornar às aulas que trataram das reações da glicólise e do ciclo de Krebs, e observar as reações catalisadas pelas enzimas gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase, isocitrato desidrogenase, α-cetoglutarato desidrogenase, ou malato desidrogenase.

Para simplifi car, vamos substituir a palavra fosfato pela letra P nas nomenclaturas usadas a partir de agora. Assim, glicose-6-fosfato passa a ser denominada glicose-6P, frutose-6-fosfato passa a ser frutose-6P, ribose-5-fosfato passa a ser ribose-5P e assim por diante.

150 CEDERJ

INTRODUÇÃO

O RAMO OXIDATIVO DA VIA DAS PENTOSES-FOSFATO

Observe, em seguida, as reações que compõem o ramo oxidativo

da via das pentoses-fosfato na Figura 24.1:

Como você pode observar, no ramo oxidativo ocorrem duas

reações de oxidação, cujas enzimas usam o NADP+ como coenzima,

sendo a última uma reação de descarboxilação também.

A descarboxilação oxidativa catalisada

pela enzima fosfogluconato desidrogenase é semelhante à

reação catalisada pela isocitrato

desidrogenase, enzima do ciclo de Krebs.

A primeira reação é catalisada pela enzima glicose-6P desidrogenase,

que converte a glicose-6P em 6-fosfoglucono-δ-lactona. Esta enzima é

específi ca para NADP+ e esta reação é a etapa mais regulada da via, como

veremos mais à frente. Em seguida, na segunda reação do ramo oxidativo,

a 6-fosfoglucono-δ-lactona é hidrolisada, formando 6-fosfogluconato.

Esta reação é catalisada pela enzima 6-fosfogluconolactanase. A última

reação do ramo oxidativo é uma descarboxilação oxidativa catalisada

pela enzima fosfogluconato desidrogenase, levando à redução de NADP+,

à liberação de CO2 e à formação da pentose ribulose-5P. Esta reação

é irreversível em condições fi siológicas (no ambiente intracelular, a

conversão de ribulose-5P de volta a 6-fosfogluconato não ocorre).

Assim, o ramo oxidativo da via das pentoses gera duas moléculas

de NADPH para cada molécula de glicose-6P.

Figura 24.1: Reações do ramo oxidativo da via das pentoses-fosfato.

6-fosfogluconato

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BIOQUÍMICA II | Via das pentoses-fosfato

O RAMO NÃO-OXIDATIVO DA VIA DAS PENTOSES-FOSFATO

O ramo não-oxidativo é composto por uma série de reações, todas

elas reversíveis. Ele começa com a conversão de moléculas de ribulose-5P

em duas outras pentoses: a ribose-5P ou a xilulose-5P, como mostrado

na Figura 24.2:

Figura 24.2: Conversão de ribulose-5P em ribose-5P e xilulose-5P.

A ribose-5P é um componente dos nucleotídeos, podendo ser usada

na formação destes compostos. Entretanto, nem sempre o requerimento

de poder redutor para as reações de biossíntese coincide com a necessidade

de ribose-5P. Assim, as reações do ramo não-oxidativo são responsáveis

pela conversão das pentoses formadas em intermediários comuns do

metabolismo, que podem ser usados em outras vias metabólicas.

Mas como isso ocorre?

As pentoses-fosfato são convertidas em intermediários da via

glicolítica através de uma série de reações de rearranjo. Essas reações

consistem na clivagem e na formação de ligações C – C, como veremos a

seguir. Em última análise, duas moléculas de xilulose-5P e uma molécula

de ribose-5P são convertidas em duas moléculas de frutose-6P e uma

molécula de gliceraldeído-3P, ambos intermediários da glicólise.

isomerase

152 CEDERJ

Figura 24.3: Reações do ramo não-oxidativo da via das pentoses-fosfato.

ribulose P

isomerase

sedoheptulose

gliceraldeído 3P

gluconolactona

4P

Assim, os 15 carbonos presentes nas três pentoses são rearranjados

como duas moléculas de 6 carbonos (2 frutose-6P) e uma molécula de 3

carbonos (o gliceraldeído-3P), somando 15 carbonos. Estas reações são

catalisadas por dois tipos de enzimas, as transaldolases e as transcetolases.

As transaldolases transferem fragmentos de 3 carbonos e as transcetolases

transferem fragmentos de 2 carbonos. Acompanhe a série de reações

mostradas na Figura 24.3:

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BIOQUÍMICA II | Via das pentoses-fosfato

À primeira vista, este conjunto de reações assusta, pois parece muito

complicado. Mas se você prestar atenção, o que ocorre nada mais é do que

a troca de pedaços entre uma molécula e outra. Primeiro, um fragmento de

2 carbonos é transferido da xilulose-5P para a ribose-5P. Esta transferência

resulta em uma molécula de 7 carbonos, a sedoheptulose-7P, e uma

molécula de 3 carbonos, o gliceraldeído-3P. Então, um fragmento de

3 carbonos é transferido da sedoheptulose-7P para o gliceraldeído-3P,

formando uma molécula de 4 carbonos, a eritrose-4P, e uma molécula

de 6 carbonos, a frutose-6P. Finalmente, o fragmento de 2 carbonos é

transferido de outra molécula de xilulose-5P para a eritrose-4P, formada

na reação anterior, gerando mais uma molécula de gliceraldeído-3P e mais

uma molécula de frutose-6P. O resultado fi nal, como já mencionamos, é

a conversão de 3 pentoses-fosfato em duas moléculas de frutose-6P e uma

molécula de gliceraldeído-3P, que podem seguir pela via glicolítica.

Veja, agora, o esquema geral de como isso ocorre dentro da célula

na Figura 24.4.

Figura 24.4: Visão esquemática da via das pentoses-fosfato na célula.

154 CEDERJ

REGULAÇÃO DA VIA DAS PENTOSES-FOSFATO

O fl uxo através da via das pentoses-fosfato e, conseqüentemente, a

taxa de redução de NADP+ a NADPH são regulados essencialmente pela

atividade da glicose-6P desidrogenase. Esta enzima é regulada pelos níveis

de NADP+, um de seus substratos. Quando a célula consome NADPH,

quando começa a sintetizar lipídeos, por exemplo, a concentração de

NADP+ aumenta, favorecendo a atividade da glicose-6P desidrogenase,

regenerando o NADPH.

Um outro aspecto importante da regulação desta via requer uma

visão mais integrada do metabolismo. Vamos relembrar o que ocorre

durante a síntese de ácidos graxos. O citrato, em excesso na mitocôndria,

é transportado para o citoplasma, onde irá fornecer acetil-CoA para o

início da síntese de ácidos graxos. Ao mesmo tempo, o citrato funciona

também como um regulador da atividade de duas enzimas citoplasmáticas:

a acetil-CoA carboxilase, que se polimeriza na presença de citrato, se

tornando ativa; e a fosfofrutocinase (PFK), enzima da glicólise, que é

inibida por citrato. A inibição da PFK permite o acúmulo de glicose-6P,

que pode, então, seguir pela via das pentoses-fosfato. Para compreender e

integrar melhor todas estas informações, observe com cuidado o esquema

mostrado na Figura 24.5.

Figura 24.5: Integração da via das pentoses-fosfa-to à glicólise e à síntese de ácidos graxos.

Se você tiver difi culdade de

acompanhar esta parte, volte à aula que trata

da síntese de ácidos graxos e relembre

os principais pontos abordados.

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BIOQUÍMICA II | Via das pentoses-fosfato

A VIA DAS PENTOSES EM DIFERENTES TECIDOS E DIFERENTES SITUAÇÕES FISIOLÓGICAS

Os principais produtos da via das pentoses-fosfato são NADPH e

ribose-5P. As reações das enzimas transaldolases e transcetolases servem

para converter o excesso de ribose-5P em intermediários da glicólise, quando

há mais requerimento de NADPH do que de ribose-5P. A frutose-6P e

o gliceraldeído-3P podem seguir a via glicolítica, sendo completamente

oxidados. Isto ocorre quando há predominância da síntese de ácidos

graxos na célula em relação ao requerimento de nucleotídeos, nos

principais tecidos que realizam a síntese de ácidos graxos, como o

fígado, as glândulas mamárias em lactação e tecido adiposo, ou em

tecidos que sintetizam hormônios esteróides (que são lipídeos), como

os testículos ou o córtex da glândula adrenal. Por outro lado, o músculo,

por exemplo, não realiza síntese de lipídeos, e não necessita, portanto de

NADPH. Neste tecido, a ribose-5P necessária para a síntese de nucleotídeos

é formada a partir de frutose-6P e gliceraldeído-3P, através das reações

do ramo não-oxidativo da via das pentoses-fosfato, que ocorrem no

sentido inverso.

Um outro tipo celular precisa muito da via das pentoses-fosfato:

as hemácias. Estas células apresentam altos níveis de glutationa, um

antioxidante fundamental para a proteção dos fosfolipídios de sua

membrana frente a danos oxidativos. A síntese de glutationa depende

de NADPH, fornecido pela vias das pentoses. Por isso, a via das pentoses

é muito ativa nas hemácias, garantindo a integridade destas células.

DEFICIÊNCIA NA GLICOSE-6P DESIDROGENASE

Quando algumas drogas aparentemente não perigosas, como drogas

antimalária, antipiréticos ou antibióticos de sulfa, são administradas em

alguns pacientes, uma anemia hemolítica aguda pode ocorrer após 48

a 96 horas. Isso pode acontecer devido a uma defi ciência genética na

enzima glicose-6P desidrogenase. Estas drogas atacam a membrana das

hemácias, cuja integridade depende da manutenção da glutationa reduzida,

que, por sua vez, depende do NADPH produzido na via das pentoses,

como comentamos anteriormente. Assim, as hemácias de indivíduos com

defi ciência na glicose-6P desidrogenase não são capazes de se proteger da

hemólise causada pelas drogas em questão.

156 CEDERJ

As células usam NAD+ nas reações oxidativas e NADPH nas biossínteses redutivas.

O NADPH é sintetizado através de um caminho alternativo de oxidação da

glicose, a via das pentoses-fosfato. Esta via pode ser dividida em duas fases: o

ramo oxidativo e o ramo não-oxidativo. O ramo oxidativo tem como função a

redução de NADPH para as reações de biossíntese, assim como a formação de

pentoses-fosfato para a síntese de nucleotídeos, através da oxidação da glicose-

6P. A velocidade desta via é determinada pela atividade da enzima glicose-6P

desidrogenase, controlada basicamente pelos níveis de NADP+. A capacidade das

enzimas de distinguirem NADH (que é essencialmente utilizado no metabolismo

energético) de NADPH (utilizado essencialmente como poder redutor das reações

biossintéticas) permite que as reações de síntese e de degradação sejam reguladas

independentemente. O ramo não-oxidativo permite a conversão das pentoses

formadas em intermediários da via glicolítica, possibilitando sua utilização em

outras vias do metabolismo da célula.

EXERCÍCIOS

1. Em que tecidos a via das pentoses-fosfato pode ocorrer?

2. Imagine um hepatócito sintetizando ácidos graxos ativamente. De que maneira

a via das pentoses-fosfato contribui para este processo e quais os produtos por

ela gerados nesta situação?

3. As células musculares não realizam a síntese de ácidos graxos, mas podem

precisar de nucleotídeos. A ribose-5P, um dos produtos da via das pentoses, é

um dos componentes dos nucleotídeos. Explique como a ribose-5P é formada no

músculo sem que haja produção concomitante de NADPH.

4. Qual é a importância da via das pentoses-fosfato nas hemácias?

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RESUMO

Degradação do glicogênio

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Compreender as vias de degradação do glicogênio.

Pré-requisitos

Ter compreendido a estrutura da célula vegetal (Aula 5) e ter pleno conhecimento da organização dos meristemas primários e secundários (Aula 6),

bem como dos sistemas fundamental (Aula 8) e vascular – xilema (Aula 9).

25AU

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objetivo

BIOQUÍMICA II | Degradação do glicogênio

A degradação do glicogênio em glicose ou glicose-1P denomina-se

glicogenólise e a glicogênese refere-se à síntese do glicogênio. Esses

processos são de extrema importância em quase todos os tecidos, mas

especialmente no fígado e nos músculos.

O fígado é o principal órgão para estocar o glicogênio. Em humanos bem

alimentados, o conteúdo de glicogênio do fígado pode contribuir para cerca de

6% a 10% do peso seco deste órgão. Os músculos estocam uma quantidade

menor, em torno de 1 a 2% do seu peso seco. Entretanto, como a massa

muscular é maior do que a massa hepática, na maioria das pessoas o teor

de glicogênio muscular pode corresponder a cerca de duas a quatro vezes o

teor de glicogênio hepático. Veja a Tabela 25.1.

Glicogênio hepático 4,0 % 72g1

Glicogênio muscular 0,7 % 245g2

Glicogênio extracelular 0,1% 10g3

1 Peso do fígado = 1800g2 Massa muscular = 35 kg3 Volume total = 10l

Os estoques de glicogênio hepático e muscular apresentam papéis diferentes.

No músculo, o glicogênio serve como combustível para a síntese de ATP,

enquanto o glicogênio do fígado funciona como uma reserva de glicose para

a manutenção dos níveis sangüíneos desta substância. Os níveis de glicogênio

hepático variam com a ingestão de alimento, acumulando altos níveis logo após

a alimentação. Após 12 a 18 horas de jejum, o fígado torna-se quase totalmente

desprovido de glicogênio (veja a Figura 25.1), já o glicogênio do músculo só

diminui após exercício vigoroso prolongado. As reservas de glicogênio hepático

são, portanto, úteis para o intervalo entre as refeições.

Elas mantêm-se um pouco mais elevadas para atender o jejum noturno.

Tabela 25.1: Armazenamento de carboidratos em homens adultos normais (70 kg) (MURRAY, Robert K. et al. Haper : Bioquímica. 8. ed. São Paulo: Atheneu, 1998.)

160 CEDERJ

INTRODUÇÃO

O glicogênio do músculo é uma fonte de ATP para aumentar a atividade

muscular. A maioria da glicose do glicogênio muscular é consumida dentro

das células musculares sem a formação de glicose livre como intermediário.

O glicogênio do fígado é convertido em glicose para que esta alcance

a corrente sangüínea no momento de jejum. A conversão de glicose em

glicogênio no músculo é mais importante do que a glicogênese hepática para

diminuir os níveis de glicose sangüínea após as refeições.

Os grânulos de glicogênio são abundantes no fígado de animais bem

alimentados, mas são bem reduzidos no fígado de animais após 24 horas

de jejum. Veja a Figura 25.1. Exercícios intensos causam a mesma perda de

glicogênio muscular. Os grânulos de glicogênio correspondem a agregados de

moléculas de glicogênio e possuem massa molecular em torno de 2x107 Da.

Figura 25.1: Micrografi a eletrônica mostrando grânulos de glicogênio (pontos pretos) no fígado de um rato bem alimentado (a) e a ausência relativa de tais grânulos no fígado de um rato em jejum por 24 horas (b).(DEVLIN, Thomas M. Textbook of Biochemistry : with clinical correlations. 4.ed. New York: Wiley-Liss, 1997.)

A fi gura foi originalmente fornecida pelo Dr. Robert R. Cardell do Depart-ment of Anatomy at the University of Cincinnati.

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25

BIOQUÍMICA II | Degradação do glicogênio

Glicogênio fosforilase

não-redutor

GLICOGENÓLISE

A glicogênio fosforilase catalisa a primeira etapa da degradação do glicogênio

A glicogênio fosforilase catalisa a fosforólise (clivagem pela entrada

de um fosfato) do glicogênio, uma reação na qual um Pi é usado na

clivagem de uma ligação α-1,4-glicosídica para render glicose 1-fosfato

(Figura 25.2). Essa clivagem sempre ocorre no terminal não-redutor da

molécula de glicogênio.

Figura 25.2: Reação catalisada pela glicogênio fosforilase.

A próxima etapa da degradação do glicogênio é catalisada pela

enzima fosfoglicomutase, uma enzima que transfere o fosfato da posição 1 da

molécula de glicose1-P para a posição 6, formando uma molécula de glicose

6-P. Essa reação permanece próxima ao equilíbrio em condições celulares,

permitindo que ela ocorra tanto no sentido de formação de glicose 1-P

(quando a síntese de glicogênio é necessária) ou no sentido de formação de

glicose 6-P quando há necessidade glicose na corrente sangüínea ou quando

a glicólise para a produção de energia é necessária (Figura 25.3).

162 CEDERJ

A próxima enzima envolvida na glicogenólise depende do tecido

em consideração, veja a Figura 25.4. No fígado, a glicose-6-fosfato é

hidrolisada em glicose e Pi. Desse modo a glicose liberada pode ser

transportada da célula hepática para a corrente sangüínea e ser conduzida

para diversos tecidos extra-hepáticos. O músculo não possui a enzima

glicose-6-fosfatase; por isso a glicose-6-P formada

é utilizada pela própria célula muscular. A

Figura 25.4 mostra um esquema da glicogenólise,

destacando o destino dos produtos de degradação

do glicogênio no fígado e nos tecidos periféricos.

Note que o piruvato formado pode ser degradado

em CO2 + H2O (o que ocorre nos músculos

que operam em aerobiose como o coração,

por exemplo) ou em lactato, o que ocorre nos

músculos que recebem menos oxigênio.

Como você deve

se lembrar, pois foi vis to

em Bioquímica I, o glico-

gênio é uma molécula

ramifi cada. A primeira

enzima envolvida na

de gra dação do glico-

gênio, a glicogênio fos fo-

rilase, é específi ca para

ligações glicosídicas α-1,4. Entretanto ela deixa de

atuar quando se aproxima (4 resíduos antes) dos

pontos de ramifi cação (ligações glicosídicas α-1,6).

A molécula residual da hidrólise do glicogênio

pela enzima glicogênio fosforilase é denominada

dextrina limite.

Figura 25.3: Reação catalisada pela enzima fosfo-glicomutase.

Figura 25.4: Glicogenólise no fígado e em tecidos periféricos.

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BIOQUÍMICA II | Degradação do glicogênio

Figura 25.5: Ação da enzi-ma desramifi cadora.

Para que a clivagem dessa dextrina limite ocorra, faz-se necessária a ação

de uma enzima desramifi cadora. A enzima desramifi cadora é uma enzima

bifuncional, que catalisa duas reações necessárias para desramifi car o

glicogênio. A primeira ação é uma atividade 4-α-D-glicanotransferase

na qual uma fi ta com três resíduos glicosil é removida do quarto resíduo

a partir da ramifi cação da molécula de glicogênio (Figura 25.5). A fi ta

permanece covalentemente ligada à enzima até que ela seja transferida

para o grupo 4-hidroxil de um resíduo glicosil do terminal da mesma

molécula de glicogênio ou de uma molécula adjacente. O resultado é

a formação de uma cadeia maior de amilose com somente um resíduo

glicosil permanecendo em uma ligação α-1,4. Essa ligação é

clivada pela segunda ação da enzima desramificadora,

que é uma atividade amilo-α-1,6 glicosidase. A

ação cooperativa entre a glicogênio fosforilase

e a enzima desramificadora resulta em

completa fosforólise e hidrólise do

glicogênio. As doenças de

estoque de glicogênio

ocorrem quando

uma dessas

enzimas é

defi ciente.

164 CEDERJ

A degradação dos estoques de glicogênio (glicogenólise) ocorre através da ação

da glicogênio fosforilase. A ação desta enzima é remover fosforoliticamente

um resíduo de glicose a partir da quebra de uma ligação α1,4 da molécula de

glicogênio. O produto desta reação é a glicose-1-fosfato.

A glicose-1-fosfato produzida pela ação da fosforilase é convertida em glicose-6-

fosfato pela fosfoglicomutase.

A conversão de glicose-6-fosfato em glicose, que ocorre no fígado, rim e intestinos,

pela ação da glicose 6-fosfatase, não acontece no músculo esquelético devido à

falta desta enzima. No fígado, a ação desta enzima conduz a glicogenólise para

geração de glicose livre e a manutenção da concentração desta no sangue.

A fosforilase não remove resíduos de glicose a partir das ligações α1,6 do

glicogênio. A atividade da fosforilase cessa a quatro resíduos de glicose do

ponto de ramifi cação. Para a remoção de glicose destes pontos é necessária a

ação da enzima desramifi cadora (também conhecida por glucan transferase), que

contém duas atividades: glicotransferase e glicosidase. A atividade de transferase

remove um bloco de três grupamentos glicosil de uma ramifi cação para outra. A

glicose em uma ligação α1,6 da ramifi cação é removida pela ação da glicosidase.

Teoricamente, a glicogenólise ocorre no músculo esquelético e pode gerar alguma

glicose livre para entrar na corrente sangüínea. No entanto, a glicose livre é

imediatamente fosforilada e entra na via glicolítica para produzir ATP quando a

demanda energética é baixa.

Os exercícios referentes às Aulas 25, 26 e 27 serão propostos após a Aula 27.

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RESUMO

Biossíntese do glicogênio

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Compreender as vias de biossíntese do glicogênio.

Pré-requisito

É fundamental rever os assuntos ligados à estrutura e função dos carboidratos, abordados

nas Aulas 32, 33 e 34 de Bioquímica I.

26AU

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objetivo

BIOQUÍMICA II | Biossíntese do glicogênio

Em diversos organismos, o excesso de glicose é convertido em formas poliméricas

para fi ns de estoque e em dissacarídeos para fi ns de transporte. Como você

aprendeu em Bioquímica I, a principal forma de estoque de glicose em

vertebrados e em microorganismos é o glicogênio, enquanto em plantas

é o amido. Em vertebrados, a própria glicose é transportada no sangue; em

plantas, a forma de transporte é a sacarose; e em insetos é a trealose.

Muitas das reações nas quais as hexoses são transformadas ou polimerizadas

envolvem nucleotídeos ligados a açúcares, compostos nos quais o carbono

anomérico do açúcar é ativado pela ligação do nucleotídeo, através de uma

ligação fosfo-diéster. Assim, os açúcares-nucleotídeo são os substratos para a

polimerização dos monossacarídeos em dissacarídeos e polissacarídeos.

168 CEDERJ

INTRODUÇÃO

Figura 26.1: Estrutura da UDP glicose (Uridina difosfato – glicose).

A BIOSSÍNTESE DO GLICOGÊNIO ENVOLVE UM NUCLEOTÍDEO ESPECIAL DA GLICOSE

A glicose é fosforilada a glicose 6-fosfato (=glicose 6-P), uma

reação que é comum à primeira reação da via glicolítica. Esta reação é

catalisada pela hexoquinase no músculo e pela glicoquinase no fígado.

Então a glicose 6-P é convertida em glicose-1-P na reação catalisada pela

fosfoglicomutase. Esta enzima, a fosfoglimutase, é fosforilada e o grupo

fosfato participa na reação reversível em que a glicose-1,6-bifosfato é

um intermediário da reação. Veja a reação abaixo:

ENZ-P + Glicose-6-PP ENZ + Glicose-1,6-biP Enz-P + glicose-1-P

A seguir, a glicose 1-P reage com a uridinatrifosfato (UTP) para

formar o nucleotídeo ativo, a uridina-difosfato-glicose (UDPGlicose, ou

UDPGlc). Essa reação é catalisada pela enzima UDP-Glc-pirofosforilase.

Veja a estrutura da UDPGlicose na Figura 26.1. Observe a reação:

UTP + Glicose-1P UDP Glicose + PPi

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26

BIOQUÍMICA II | Biossíntese do glicogênio

A hidrólise subseqüente do pirofosfato inorgânico (PPi) pela

pirofosfatase inorgânica desloca o equilíbrio da reação para a direita

da equação.

Pela enzima glicogênio sintase, o carbono 1 da glicose ativada,

UDPGlc, forma uma ligação glicosídica com o carbono 4 da glicose

terminal do glicogênio que está sendo formado, liberando uma uridina

difosfato (UDP). Um resumo da via de síntese do glicogênio é apresentado

na Figura 26.2. Uma molécula de glicogênio preexistente, ou primer de

glicogênio, deve estar presente para iniciar a reação.

Figura 26.2: Via de síntese do glicogênio.

170 CEDERJ

Até recentemente, a fonte da primeira molécula de glicogênio

que podia atuar como um primer na sua síntese era desconhecida.

Recentemente, foi descoberto que uma proteína conhecida como

glicogenina e que está localizada no centro da molécula de glicogênio,

pode ajudar nesta questão. A glicogenina tem uma propriedade

incomum: a de catalisar a sua própria glicosilação, fi xando o carbono-1

da UDP glicose a um resíduo de tirosina na enzima. A glicose fi xada

pode servir como um primer requerido pela glicose sintase.

UDPGlicose + (C6)n UDP + (C6)n+1

(primer do glicogênio) (glicogênio)

CRESCIMENTO DA RAMIFICAÇÃO DA CADEIA DE GLICOGÊNIO

A adição de um resíduo de glicose em uma cadeia de glicogênio

preexistente, ou primer, ocorre na extremidade não redutora da molécula,

de modo que as ramifi cações da árvore de glicogênio tornam-se alongadas

pela formação de ligações de glicose α1 4 sucessivas (veja Figura

26.3). Quando a cadeia for alongada em 11 resíduos de glicose, uma outra

enzima, a enzima de ramifi cação, isto é, a (amido [1 4 1 6]

transglicosidase) transfere parte da cadeia 1 4 (mínimo de seis resíduos

de glicose) para uma cadeia adjacente, para formar uma ligação 1 6,

estabelecendo assim um ponto de ramifi cação na molécula. As ramifi cações

crescem por novas adições de unidades de glicose 1 4 e formam-se

novas ramifi cações. Como aumenta o número de resíduos terminais não

redutores, também aumenta o numero total de sítios reativos da molécula,

acelerando tanto a glicogênese como a glicogenólise.

A glicogenólise e a glicogênese ocorrem no citosol das células

hepáticas e musculares. Assim, como o intermediário glicose-1P é

gerado na glicogenólise e este mesmo intermediário pode ser usado para

a glicogênese, há necessidade de um mecanismo de regulação muito

ajustado para que sítios fúteis (degradação e biossíntese de glicogênio

simultaneamente) não ocorram em uma mesma célula. É sobre esse

processo de regulação que falaremos na Aula 27.

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BIOQUÍMICA II | Biossíntese do glicogênio

Figura 26.3: Ação da enzima ramifi cadora.

(7) UDP glicose

172 CEDERJ

• A síntese do glicogênio a partir da glicose é executada pela glicogênio sintase.

Esta enzima utiliza como substratos: a UDP glicose e o estado fi nal não reduzido

do glicogênio com outro substrato.

• A ativação de glicose, para ser usada pela síntese de glicogênio, é executada

pela UDP glicose-pirofosforilase. Esta enzima troca o fosfato do carbono-1 da

glicose-1-fosfato por UDP. A energia da ligação fosfoglicosil da UDP glicose é

utilizada pela glicogênio-sintase para catalisar a incorporação de glicose em uma

molécula preexistente do glicogênio. A molécula de UDP é subseqüentemente

liberada da enzima. As ramifi cações α-(1,6) na glicose são formadas pela ação da

amilo-(1,4-1,6)-transglicosilase, também designada por enzima de ramifi cação.

Esta transfere um fragmento terminal dos resíduos 6-7 da glicose (de um

polímero de no mínimo 11 resíduos de glicose) para um resíduo interno na

posição hidroxil C-6.

• A glicogenina, uma proteína de 37 kDa, atua como um primer para a síntese

do glicogênio.

Detalhes sobre as Aulas 25 e 26 podem ser obtidos no site:

http://www.icb.ufmg.br/~lbcd/prodabi3/grupos/grupo5/grupo5.html

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RESUMO

Regulação do metabolismo do glicogênio

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Aprender sobre as vias de regulação do metabolismo de glicogênio.

• Reforçar os conceitos adquiridos sobre regulação alostérica, regulação por modulação covalente e regulação hormonal.

Pré-requisito

Conhecimentos adquiridos nas Aulas 2, 3, 25 e 26 de Bioquímica II.

27AU

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objetivos

BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio

Na Aula 25 você viu uma fi gura (25.1) que comparava os grânulos de glicogênio,

presentes no citosol de um hepatócito de rato bem alimentado, com os grânulos

existentes em um hepatócito de um rato em jejum. Você aprendeu, nas Aulas

25 e 26, que a degradação do glicogênio e a sua síntese ocorrem próximo a

estes grânulos, e, portanto, no citosol. Assim, podemos deduzir que as duas

enzimas chaves do metabolismo do glicogênio, a glicogênio fosforilase e a

glicogênio sintase, estejam distribuídas no citosol.

Agora pensemos juntos...

Durante a degradação do glicogênio liberamos glicose-1-fosfato pela ação

da glicogênio fosforilase; esta molécula é usada na síntese do glicogênio,

pela ação da glicogênio sintase. Uma célula precisa, portanto, de sistemas de

regulação muito aprimorados para impedir a realização de ciclos fúteis, ou

seja, reações que aparentemente não conduziriam a lugar algum. Neste caso,

a glicose 1-P gerada na degradação do glicogênio para atender a necessidade

de aumento dos níveis de glicose sangüínea ou para alimentar a via glicolítica

poderia ser imediatamente utilizada para repor as reservas de glicogênio. Para

impedir tal ciclo fútil, nosso organismo desenvolveu mecanismos de controle

simultâneos para cada uma destas duas enzimas. São estes mecanismos que

serão abordados nesta aula.

176 CEDERJ

INTRODUÇÃO

REGULAÇÃO DA GLICOGÊNIO FOSFORILASE

Como você deve ter aprendido na Aula 25, a glicogênio fosforilase

degrada glicogênio para gerar glicose quando os níveis desta, na corrente

sangüínea, estão baixos. Assim, utilizamos glicogênio durante o jejum

(como, por exemplo, no intervalo entre as refeições) ou ainda quando

necessitamos de energia. Um indicativo para a célula de que a demanda

energética está baixa pode ser visualizado por aumentos nos níveis de

AMP ou por decréscimo na concentração de ATP. Em função destas

observações, é fácil compreendermos que a glicogênio fosforilase esteja

sujeita à ativação alostérica por AMP cíclico e à inibição por glicose e

ATP. Além da regulação alostérica, a glicogênio fosforilase está sujeita

também a uma regulação por modulação covalente.

A glicogênio fosforilase existe em uma forma “a”, ativa, e

em uma forma “b” que é inativa. Estas formas são interconvertidas

pela ação das enzimas glicogênio fosforilase quinase e fosfo proteína

fosfatase. A primeira enzima catalisa a adição de um fosfato na enzima

glicogênio fosforilase (lembre-se de que toda enzima classifi cada como

quinase catalisa reações de fosforilação), enquanto a fosfo-proteína

fosfatase retira este fosfato adicionado. Você pode então observar

que a glicogênio fosforilase quinase ativa a glicogênio fosforilase, e a

fosfo-proteína fosfatase inibe a glicogênio fosforilase. Essas reações de

fosforilação ou de desfosforilação (um tipo particular de modulação

covalente) promovem mudanças conformacionais na glicogênio

fosforilase, que têm como conseqüências a transformação da enzima

para um estágio catalítico mais ativo, quando fosforilada, ou um estágio

catalítico menos ativo, quando desfosforilada. Observe um resumo

destas informações na Figura 27.1.

Se você teve dúvida sobre o que é regulação alostérica e regulação por modulação covalente, leia novamente a Aula 3.

!

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BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio

A enzima glicogênio fosforilase quinase catalisa a reação de

adição de um fosfato, doado pelo ATP, à enzima glicogênio fosforilase,

sendo, portanto, responsável pela ativação desta ultima enzima.

Entretanto, a glicogênio fosforilase quinase está também sujeita à

regulação por uma proteína quinase A. Olhe novamente para a Figura

27.1 e observe estas afi rmações. Você pôde reparar que a glicogênio

fosforilase quinase também existe nas formas (a) e (b). A mudança da

forma (b) para a forma (a) ocorreu após a fosforilação catalisada pela

proteína quinase. Novamente o fosfato inorgânico (Pi) adicionado

veio de uma molécula de ATP.

Agora pense comigo: “Se a proteína quinase A estivesse sempre

ativa na célula, provavelmente ela ativaria a glicogênio fosforilase

quinase, que por sua vez ativaria a glicogênio fosforilase. Com a

glicogênio fosforilase ativa seria praticamente impossível estocar

glicogênio.” Logo, com certeza, deve haver um mecanismo para

regular a proteína quinase A, a enzima responsável por disparar o

processo de regulação das duas outras enzimas; é este o mecanismo

que estudaremos agora.

Figura 27.1: Regulação da glicogênio fosfo-rilase e da glicogênio fosforilase quinase por modulação covalente. A fosforilação converte as enzimas glicogênio fosforilase e glicogênio fosforilase quinase em suas formas ativas: glicogênio fosforilase (a) e glicogênio fosforilase quinase (a).

178 CEDERJ

REGULAÇÃO DA PROTEÍNA QUINASE A

A proteína quinase A é formada por quatro cadeias polipeptídicas,

ou seja, é um tetrâmero com duas subunidades reguladoras e duas

subunidades catalíticas que se encontram associadas, quando a enzima

está na forma inativa. Quatro moléculas de AMP cíclico (adenosina

mono-fosfato cíclica – cAMP) se ligam às subunidades reguladoras,

sendo duas por subunidade. Após a associação das moléculas de AMP

cíclico às subunidades reguladoras, as duas subunidades catalíticas são

liberadas, expondo seus sítios ativos. Neste caso dizemos que a proteína

quinase foi então ativada. Veja a Figura 27.2.

Figura 27. 2: Ativação da proteína quinase.

Todo o processo de ativação estaria resolvido se você soubesse quem

é a molécula AMP cíclico e como ela é formada. Vamos então conhecer

o processo de formação do AMP cíclico, uma molécula conhecida como

um segundo mensageiro celular.

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BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio

FORMAÇÃO DO AMP CÍCLICO

Antes de falarmos exatamente sobre a formação do AMP cíclico

é importante que você relembre as situações metabólicas nas quais um

organismo necessita utilizar suas reservas de glicogênio. Duas são as

principais situações: a primeira é no intervalo entre as refeições, onde

o glicogênio hepático é consumido para manter os níveis da glicose

sangüínea em valores normais; a segunda ocorre nos momentos em que

o organismo precisa de energia para movimentos, como por exemplo

durante o exercício, ou em uma situação de alerta. No primeiro caso,

normalmente o sinal endógeno é queda nos níveis de glicose sangüínea,

situação à qual o organismo responde liberando o hormônio glucagon; no

segundo caso o hormônio adrenalina é liberado. Os hormônios glucagon

e adrenalina são, portanto, os primeiros mensageiros. Estes hormônios

são liberados na circulação, se dirigem aos órgãos- alvos, mas não podem

atravessar a membrana celular. Assim, glucagon e adrenalina se ligam aos

receptores presentes no fígado, no caso do glucagon, e no músculo, no

caso da adrenalina. Os receptores de membrana estão associados a uma

proteína que pode se ligar ao nucleotídeo guanosina trifosfato (proteína

G). Após esta ligação, a proteína G se desloca através da membrana e

ativa uma enzima, a adenilato ciclase, que se encontra associada a esta

membrana. A adenilato ciclase converte ATP em AMP cíclico no citosol

das células hepáticas e musculares. Veja a estrutura do AMP cíclico na

Figura 27.3 e o seu processo de formação na Figura 27.4.

Figura 27.3: Estrutura da adenosina monofosfato (AMP Cíclico).

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Figura 27.4: Processo de formação do AMP cíclico.

BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio

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Para dar prosseguimento às reações catalisadas pela proteína

quinase A, uma molécula de ATP se associa ao sítio catalítico que foi

exposto em cada uma das duas subunidades, permitindo que a proteína

a ser fosforilada receba um fosfato desta molécula de ATP. A proteína

quinase fosforilada se dissocia da subunidade catalítica e está pronta

para ativar outras proteínas no interior da célula. No caso em análise,

a proteína a ser fosforilada para ser ativada é a glicogênio fosforilase

quinase. Esta enzima catalisa a ativação da glicogênio fosforilase que

atua diretamente sobre o glicogênio. Observe esta cascata de ativações

na Figura 27.5.

Figura 27.5: Cascata de ativação da glicogênio fosforilase.

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27REGULAÇÃO DA GLICOGÊNIO SINTASE

Bem, você já sabe que a glicogênio sintase catalisa a síntese da

molécula de glicogênio e que usa os componentes que são gerados na

degradação. Assim, a glicogênio sintase deve ser ativada no mesmo

momento em que a glicogênio fosforilase for inativada para que ciclos

de reação fúteis não ocorram na célula. Veja a forma efi ciente que a

célula adotou para solucionar esta situação: a mesma proteína quinase

que fosforila a glicogênio fosforilase quinase, ativando-a, fosforila a

glicogênio sintase, tornando-a inativa.

Podemos concluir então que os hormônios que dispararam o

processo de ativação das enzimas envolvidas nas etapas de degradação

do glicogênio, no caso o glucagon e a adrenalina, são capazes de inibir

a enzima-chave do processo de biossíntese.

Se você observar cuidadosamente a parte inferior das Figuras 27.1

e 27.6, notará que o hormônio insulina ativa a fosfoproteína fosfatase,

uma enzima que catalisa a hidrólise da ligação éster-fosfato de proteínas

que foram fosforiladas, tanto glicogênio sintase quanto glicogênio

fosforilase. Assim, a insulina é um hormônio que possui uma

ação sobre o metabolismo do glicogênio, antagônica ao

glucagon e à adrenalina. Ou seja, ela estimula os

processos que levem à síntese do glicogênio.

Este hormônio é liberado pelo nosso

organismo logo após as refeições para

que os estoques de glicogênio sejam

repostos. Este assunto será também

abordado nas Aulas 30, 31 e 32.

Figura 27.6: Regulação da glicogênio sintase por modulação covalente.A fosforilação converte glicogênio sintase a (ativa) em glicogênio sintase b (inativa).

BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio

• A degradação do glicogênio muscular ocorre quando a situação energética da

célula é baixa, ou seja, quando os níveis de ATP estão baixos e os níveis de AMP

estão elevados.

• O glicogênio hepático é utilizado no intervalo entre as refeições.

• A enzima chave do processo de glicogenólise é a glicogênio fosforilase. Esta

enzima é regulada por efetores alostéricos, por modulação covalente do tipo

fosforilação e por regulação hormonal.

• O AMP é um efetor positivo (ativador) da glicogênio fosforilase; já a glicose e

o ATP são efetores negativos.

• A glicogênio fosforilase existe em duas conformações: uma inativa, desfosforilada,

a forma b; uma forma ativa, fosforilada, a forma a. A enzima responsável por esta

fosforilação é a glicogênio fosforilase quinase.

• A enzima glicogênio fosforilase quinase é ativada por uma cascata de reações

disparada pelo aumento dos níveis de AMP cíclico dentro da célula.

• Os hormônios glucagon e adrenalina apresentam um mecanismo de ação

mediado por AMP cíclico. São hormônios cuja ação fi nal é acelerar o processo de

glicogenólise.

• A insulina é um hormônio que ativa a fosfo-proteína fosfatase, a enzima que

catalisa a reação de retirada de um fosfato da enzima glicogênio fosforilase,

inativando-a. A insulina é, portanto, um hormônio que interrompe o processo de

glicogenólise e ativa o processo de glicogênese.

A enzima chave do processo de glicogênese é a glicogênio sintase, a qual é

regulada também por fosforilação. No entanto, de maneira oposta à glicogênio

fosforilase, a glicogênio sintase é inibida por fosforilação. Ambas as enzimas estão

presentes no citosol e necessitam da proteína quinase A para serem fosforiladas.

Assim, o fato de a glicogênio fosforilase ser ativada por um mesmo processo que

inativa a glicogênio sintase permitiu à célula coordenar processos de degradação e

biossíntese do glicogênio, passando por intermediários comuns, dentro do mesmo

compartimento celular.

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RESUMO

EXERCÍCIOS REFERENTES ÀS AULAS 25, 26 E 27

1. Explique como as seguintes observações identifi cam o ponto de regulação da

síntese de glicogênio no músculo esquelético.

a) A medida da atividade da glicogênio sintase no músculo em repouso, expressa

em micromoles de UDP glicose usada por grama por minuto, é menor do que a

atividade da fosfo glicomutase medida também como micromoles de substrato

transformada por grama por minuto.

b) O estímulo da síntese de glicogênio leva a um decréscimo na concentração de

glicose 6-fosfato, a um grande decréscimo na concentração de UDP glicose e a

um substancial aumento de UDP.

Relacione as seguintes enzimas às situações apresentadas nas questões 2 a 5

(justifi que cada resposta).

A- Glicogênio fosforilase

B- Enzima desramifi cadora

C- Proteína quinase

D- Adenilato ciclase

E- Glicose 6-fosfatase

2. Quando os níveis de glucagon sangüíneo aumentam, quais enzimas aumentam?

3. Qual enzima é bifuncional?

4. Qual enzima não está presente nos músculos mas está presente no fígado?

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LO 7

27

BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio

5. Qual enzima catalisa a retirada de uma molécula de glicose1-P do glicogênio?

6. Quando os níveis de glicose são diminuídos há uma ativação da glicogênio

fosforilase. Faça um esquema desse processo.

7. Discuta sobre o processo que permite a síntese do glicogênio.

8. A fosforilação ativa quais das seguintes enzimas?

(justifi que cada resposta)

A- Glicogênio fosforilase.

B- Proteína quinase.

C- Fosforilase quinase.

D- Glicogênio sintase.

186 CEDERJ

Introdução à gliconeogênese

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Conhecer uma importante via metabólica que tem como função a manutenção dos níveis sangüíneos de glicose. Entretanto, o objetivo mais importante desta aula não será estudarmos em detalhe as reações que fazem parte desta via, mas sim começarmos a entender o metabolismo de nosso organismo de forma mais integrada.

Pré-requisito

Você deve ter acompanhado bem a matéria até agora, pois vai ser necessário retornar a vários

pontos explorados anteriormente.

28AU

LA

objetivo

BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese

Até agora, você conheceu diversos caminhos metabólicos responsáveis tanto

pela degradação dos nutrientes com conseqüente síntese de ATP, como

também pela síntese de macromoléculas fundamentais para o funcionamento

das células e do organismo. Para terminarmos nosso curso, ainda precisamos

estudar mais uma via metabólica, chamada gliconeogênese, que é o tema

de nossas próximas aulas. Entretanto, faremos isso de uma forma um pouco

diferente, pois usaremos o estudo desta via para começarmos a integrar todo

o conhecimento adquirido até agora, de forma que você consiga construir

uma visão de como funciona nosso corpo. Por isso, talvez, muitas vezes seja

necessário voltar às aulas anteriores para consultas, o que você deve fazer

sempre que sentir necessidade. Assim, esta parte da matéria também permitirá

que você revise e sedimente vários pontos anteriormente estudados.

Vamos começar com uma atividade que servirá para você relembrar os principais

aspectos relacionados à utilização de nutrientes pelo organismo e também para

introduzir o tema da aula.

ESTUDOS SOBRE O JEJUM PROLONGADO

Na década de 1960, uma corrente da Medicina pregava que a

melhor forma de tratar a obesidade era submeter os pacientes obesos a um

jejum prolongado assistido. Com isso, muitos indivíduos se internaram

por cerca de seis semanas, as quais passaram sem se alimentar. Além de

promover de fato o emagrecimento dos pacientes, esse tipo de tratamento

permitiu a obtenção de uma série de dados a respeito do comportamento

do organismo em decorrência da falta de alimentação. Desta forma, o

estudo do metabolismo durante o jejum possibilitou a compreensão

de uma série de regulações e adaptações metabólicas essenciais para

o entendimento do funcionamento do nosso corpo, mesmo em outras

situações bem mais freqüentes.

188 CEDERJ

INTRODUÇÃO

Tabela 28.1: Variações das concentrações plasmáticas de glicose e ácidos graxos e do conteúdo de glicogênio hepático de um paciente em jejum prolongado.

glicose] (mM)[ácidos graxos] (mM)Glicogênio hepático (g)

0

5,50,397

2 h

5,40,3584

4 h

5,00,470

1 dia

4,40,514

3 dias

3,81,18

3

7 dias

3,61,15

--

8 dias

3,51,58

--

10 dias

3,81,36

--

28 dias

3,61,44

--

Vamos, agora, observar a Tabela 28.1. Ela mostra algumas

medidas obtidas a partir do acompanhamento dos pacientes obesos

em tratamento.

Tente construir, a partir dos dados apresentados na tabela, um

gráfi co que relacione o tempo em jejum com a concentração sangüínea de

glicose e de ácidos graxos e com a quantidade de glicogênio no fígado.

hep

átic

o (

g)

Co

nte

úd

o d

e g

lico

gên

io h

epát

ico

(g

)

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BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese

Figura 28.1: Variações das concentrações plasmáticas de glicose e ácidos graxos e do conteúdo de glicogênio hepático de um paciente em jejum prolongado.

VARIAÇÕES NA CONCENTRAÇÃO SANGÜÍNEA DE ÁCIDOS GRAXOS DURANTE O JEJUM

Vamos começar analisando o que ocorre com a concentração de

ácidos graxos circulantes. Observando o gráfi co, vemos que ocorre um

aumento da concentração sangüínea dessas moléculas logo no início

do jejum. Isso se dá, como já vimos na aula que trata da degradação

dos ácidos graxos, devido à ativação da lipólise no tecido adiposo,

resultando na hidrólise dos triacilgliceróis armazenados e na liberação,

para a corrente sangüínea, de glicerol e ácidos graxos. Estes últimos

passam a ser utilizados como fonte energética exclusiva pela maioria dos

órgãos e tecidos, incluindo o fígado, os músculos e os rins. O aumento

da lipólise ocorre pela ativação da enzima lipase sensível a hormônio

(LHS) no tecido adiposo.

Até o momento fi cou claro o motivo do aumento da concentração

de ácidos graxos circulantes no início do jejum.

Confi ra se o gráfi co construído por você fi cou igual ao gráfi co

mostrado na Figura 28.1.

Co

nte

úd

o d

e g

lico

gên

io h

epát

ico

(g

)

190 CEDERJ

Indivíduo

12345

Idade (anos)

1921281620

Sexo

MMMFF

Inicial

125,2160,6178,6104,1108,9

Final

101,8138,2159,688,493,0

Diferença

23,4 22,4 15,7 15,7 15,9

Peso (kg)

Não. O motivo da estabilização é que, ao mesmo tempo em que

está ocorrendo a hidrólise dos triacilgliceróis e a liberação de ácidos

graxos do tecido adiposo, vários órgãos e tecidos estão consumindo esses

nutrientes como fonte de energia. É o caso do fígado, dos músculos, do

próprio tecido adiposo, dos rins etc. Por isso, ao longo de todo o jejum,

os triacilgliceróis vão sendo consumidos, de forma que o tecido adiposo

vai diminuindo e o indivíduo vai emagrecendo. Observe na Tabela 28.2

a perda de peso de vários indivíduos submetidos ao jejum como forma

de tratamento da obesidade na década de 1960.

Agora que você entendeu bem a utilização dos ácidos graxos ao

longo do jejum, podemos levantar uma outra questão.

Lembre-se de que as

reações da β-oxidação

dos ácidos graxos

levam à produção de

1 NADH e 1 FADH2

por cada dois carbonos

retirados da cadeia

do ácido graxo. Essas

coenzimas reduzidas

levam elétrons para

a cadeia respiratória,

contribuindo para

a síntese de ATP.

Além disso, as

várias moléculas de

acetil-CoA formadas

também podem

ser completamente

oxidadas no ciclo de

Krebs, gerando mais

ATPs.

Mas, e após alguns dias? Vemos no gráfi co que os níveis dessas moléculas se

estabilizam, permanecendo constantes ao longo de todo o jejum. Como você

explicaria essa observação? Será que o organismo de repente pára de usar os

ácidos graxos?

Será que todas as nossas células estão usando os ácidos graxos como fonte de

energia nessa situação?

Tabela 28.2: Caracterização dos indivíduos submetidos ao jejum prolongado.

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BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese

Para responder a essa pergunta, você precisa primeiro relembrar

mais alguns aspectos relacionados à β-oxidação dos ácidos graxos.

As enzimas que catalisam as reações dessa via se localizam na matriz

mitocondrial, onde se encontra todo o aparato oxidativo da célula.

Entretanto, nem todas as nossas células possuem mitocôndrias. O exemplo

mais conhecido é o das hemácias, que perdem todas as suas organelas ao

longo de seu amadurecimento. Podemos citar também algumas células

do olho, que, por estarem envolvidas com a captação de luz, não podem

conter muitas moléculas que absorvem luz na faixa do visível, como os

citocromos, uma vez que estes poderiam interferir no processo da visão.

Assim, estas células possuem pouquíssimas mitocôndrias.

Logo, essas células, por não possuírem mitocôndrias, não podem

realizar a β-oxidação nem o metabolismo oxidativo, e sintetizam suas

moléculas de ATP através do processo de fermentação láctica, cujo

substrato é a glicose.

Como você aprendeu em Bioquímica I, os

lipídeos, por serem moléculas apolares, e,

portanto, não solúveis em meio aquoso, circulam

no sangue associados a proteínas, formando

as lipoproteínas plasmáticas. Diferentes

lipoproteínas são responsáveis pelo transporte

dos lipídeos, dependendo da origem do lipídeo.

Os lipídeos obtidos da alimentação circulam

associados aos quilomícrons; os lipídeos

sintetizados no fígado circulam associados às

LDL ou VLDL (lipoproteína de densidade baixa

ou muito baixa, respectivamente); os ácidos

graxos liberados do tecido adiposo circulam

associados à albumina.

Mas não são apenas as células sem

mitocôndrias que realizam o metabolismo

anaeróbico, que são incapazes de utilizar

os ácidos graxos como fonte de energia. As

células do tecido nervoso se encontram isoladas

por um tecido especializado, chamado barreira

hemato-encefálica, que fi ltra o sangue antes que

este atinja o cérebro. Os ácidos graxos, que

circulam associados à albumina, não conseguem

atravessar essa barreira, e, por isso, não chegam

ao cérebro. Assim, o nutriente disponível para

o metabolismo cerebral é a glicose.

Para tirar qualquer

duvida sobre

fermentação

consulte as Aulas

10 e 11.

192 CEDERJ

VARIAÇÕES NA CONCENTRAÇÃO SANGÜÍNEA DE GLICOSE DURANTE O JEJUM

Vamos voltar ao nosso gráfi co.

Agora que você já sabe que existem alguns tipos celulares que,

por serem incapazes de usar os ácidos graxos, requerem a glicose como

fonte de energia, tente explicar a curva de variação da concentração de

glicose no sangue dos indivíduos em jejum.

Observe que, no início, a GLICEMIA cai um pouco. Entretanto, logo

após esse período inicial de jejum, a concentração sangüínea de glicose

se mantém estável.

De fato, a concentração sangüínea de glicose é sempre mantida

dentro de limites bastante estreitos, independentemente de qual seja o

consumo deste nutriente pelo organismo. Essa homeostase de glicose se

dá devido a uma série de mecanismos reguladores, que vamos estudar

em aulas mais à frente. Estes mecanismos são extremamente importantes,

já que disfunções na capacidade de manter a glicemia levam a graves

conseqüências: a diminuição acentuada dos níveis de glicose no sangue,

mesmo que por períodos curtos, pode causar graves distúrbios no cérebro,

e, se for prolongada, pode levar até à morte. E não é só durante o

jejum que a glicemia é mantida constante. A hiperglicemia por longos

períodos também provoca vários problemas metabólicos, como aqueles

observados em quadros de diabetes. Estudaremos também este aspecto

da homeostase de glicose em aulas mais à frente.

Mas como a glicemia é mantida?

Você já aprendeu que possuímos uma

reserva de glicose armazenada no fígado:

o GLICOGÊNIO, um polímero de glicose. A

degradação do glicogênio hepático leva à

liberação de glicose na corrente sangüínea.

Poderíamos pensar, então, que a degradação

do glicogênio hepático seria o mecanismo

responsável pela manutenção da glicemia

durante o jejum.

Será que isso é verdade?

GL I C E M I A

Concentração de glicose no sangue.

Para tirar qualquer

dúvida consulte

a aula sobre a

degradação de

GLICOGÊNIO.

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BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese

VARIAÇÕES NA QUANTIDADE DE GLICOGÊNIO HEPÁTICO AO LONGO DO JEJUM

Observe outra vez o gráfi co que você construiu. O que ocorre

com o glicogênio hepático do paciente em jejum?

Como você pode observar, a quantidade de glicogênio no fígado

diminui rapidamente, se esgotando no primeiro dia do jejum. Assim,

embora o glicogênio contribua para a manutenção da glicemia logo

nos primeiros momentos, uma outra via é necessária após períodos

maiores nos quais carboidratos não são ingeridos. Esta via é chamada

GLICONEOGÊNESE, que signifi ca “síntese da nova glicose”, e, nos mamíferos,

ocorre no fígado e no córtex renal.

A VIA GLICONEOGÊNICA

Na década de 1930, um casal de pesquisadores chamados Carl e

Gerti Cori, conhecidos como o casal Cori, começou a estudar a síntese

de glicose por células hepáticas. Eles prepararam um homogeneizado de

fígado, ou seja, bateram um fígado em uma espécie de liquidifi cador, de

forma que todas as células eram rompidas, obtendo-se uma suspensão

contendo todo o meio intracelular: organelas, enzimas, metabólitos etc.

Colocaram esse homogeneizado em um tubo de ensaio e adicionaram

lactato marcado radioativamente. Após um tempo, identifi caram os

compostos radioativos presentes no tubo de ensaio com o objetivo de

determinar qual era o destino metabólico do lactato nas células hepáticas.

Observaram que a radioatividade estava presente principalmente em

moléculas de glicose. A conclusão desta experiência foi que o lactato

podia ser transformado em glicose no fígado.

Não confunda

as palavras

GLICONEOGÊNESE, que

quer dizer síntese

(gênese) da nova

(neo) glicose, com

glicogenólise, que

signifi ca quebra ou

degradação (lise) do

glicogênio.

194 CEDERJ

E como isso ocorria?

Já se sabia, na época, que o lactato podia ser convertido em

piruvato através de reação reversível catalisada pela enzima lactato

desidrogenase, presente em vários tipos celulares, inclusive no fígado.

Veja a reação na Figura 28.2:

Figura 28.2: Reação catalisada pela enzima lactato desidrogenase.

Logo, o que estava de fato ocorrendo no homogeneizado prepa-

rado pelo casal Cori era a transformação de piruvato em glicose.

Esses achados levantavam a hipótese de que a via de formação de

glicose, ou seja, a gliconeogênese, seria a inversão da via glicolítica, que, como

você já sabe, converte a glicose em duas moléculas de piruvato. Entretanto, se

observamos atentamente as reações da glicólise, podemos encontrar algumas

que são irreversíveis nas condições fi siológicas. Veja a Figura 28.3, que

contém as variações de energia livre de Gibbs (ΔG) envolvidas em cada

reação da glicólise. Lembre-se de que quanto mais negativo forem os valores

de ΔG, mais energia é liberada na reação, e, conseqüentemente, mais difícil

será a sua inversão nas condições da medida.

A lactato desidrogenase

apresenta isoformas

expressas nos

diferentes tecidos.

Estas isoformas se

diferenciam com

relação ao seu KM

(levando a diferentes

afi nidades) para

seus substratos. Por

exemplo, a isoforma

presente no músculo

esquelético possui mais

afi nidade pelo piruvato

do que pelo lactato.

Por isso, quando o

músculo entra em

alta atividade, logo

após um pequeno

acúmulo de piruvato,

que não pode ser

completamente

oxidado devido a um

aporte insufi ciente de

oxigênio, o lactato é

produzido. Por outro

lado, a isoforma

hepática tem maior

afi nidade pelo lactato,

transformando este

em piruvato quando

sua disponibilidade

aumenta.

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BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese

Analisando a Figura 28.3, podemos concluir que três reações da

glicólise não podem ser revertidas nas condições fi siológicas: a conversão

de glicose em glicose-6P, catalisada pela enzima hexocinase; a conversão de

frutose em frutose-6P, catalisada pela enzima fosfofrutocinase-1 (PFK-1);

e a conversão de fosfoenolpiruvato (PEP) em piruvato, catalisada pela

enzima piruvato cinase. Portanto, essas etapas devem ser contornadas por

outras reações para que a gliconeogênese possa ocorrer. E é exatamente

isso que ocorre! A glicose é sintetizada através das mesmas reações da

glicólise, exceto pelas reações irreversíveis, que são contornadas por

outras reações, como veremos na próxima aula.

Figura 28.3: Resumo esquemático da via glicolítica mostrando os valores de ΔG (Kcal/mol) para cada uma das reações.

Piruvato

196 CEDERJ

Embora muitos órgãos e tecidos possam manter seus níveis de ATP essencialmente

através da oxidação de ácidos graxos, alguns tipos celulares dependem

exclusivamente ou preferencialmente da glicose como nutriente. Este é o caso

do cérebro, das hemácias e de algumas outras células em menor número no

organismo. Para a sobrevivência dessas células em situações nas quais a ingestão de

carboidratos é baixa ou nula, é necessária a síntese de glicose a partir de precursores

não-glicídicos, através de uma via metabólica chamada gliconeogênese.

A gliconeogênese pode ser considerada uma reversão parcial da via glicolítica,

uma vez que várias reações da glicólise são usadas na síntese de glicose. As reações

irreversíveis da glicólise, catalisadas pelas enzimas hexocinase, PFK-1 e piruvato

cinase, são substituídas por reações diferentes, catalisadas por outras enzimas,

na gliconeogênese.

RESUMO

EXERCÍCIOS

1. A homeostase de glicose é extremamente importante para nosso organismo.

Um dos motivos é a existência de alguns tipos celulares que requerem

exclusivamente ou preferencialmente a glicose como nutriente. Dê exemplos

de células que se comportam assim e justifique a dependência que elas têm

da glicose.

2. Justifi que o emagrecimento de um indivíduo mantido em jejum.

3. Por que a gliconeogênese não pode ser uma simples reversão da glicose?

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A via gliconeogênica

• Na aula passada, você aprendeu que a manutenção da glicemia é extremamente importante para a nossa sobrevivência. Você aprendeu, também, que isso é possível graças à gliconeogênese, uma via metabólica responsável pela síntese de glicose a partir de precursores não glicídios. Essa via é uma reversão parcial da via glicolítica, já que as reações reversíveis da glicólise são usadas no sentido inverso para a síntese de glicose. Entretanto, reações adicionais são necessárias para que as reações irreversíveis da glicólise sejam contornadas. Hoje aprenderemos que reações são essas.

Pré-requisito

Para seguir bem esta aula, você deve estar com uma boa visão geral das seguintes vias

metabólicas: glicólise, ciclo de Krebs, degradação de aminoácidos, síntese e

degradação de ácidos graxos.

29AU

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objetivo

BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica

Repare que o CO2 usado na formação de oxalacetato é, em seguida,

eliminado na formação de PEP. Isso parece um desperdício à primeira

vista, mas, na verdade, é uma forma de “ativação” do piruvato para que

seja possível sua conversão em um composto de mais alta energia, o PEP.

Essa ativação se dá à custa da hidrólise de um ATP, como mostrado na

Figura 29.1. A reação da piruvato carboxilase é bastante semelhante a

uma outra reação de carboxilação já estudada por você: a reação da

acetil-CoA carboxilase, na síntese de ácidos graxos.

A conversão de oxalacetato em PEP requer a hidrólise de um

GTP, com incorporação do fosfato à molécula do PEP. A hidrólise de

um GTP equivale à hidrólise de um ATP, uma vez que essas moléculas

se interconvertem. Dessa forma, para que seja contornada a reação da

piruvato cinase são gastas duas moléculas de ATP.

Assim como ocorre com a acetil-CoA carboxilase, a piruvato carboxilase contém biotina como grupo prostético. A biotina funciona como um carreador de CO2 nessas reações.

A conversão de piruvato em PEP na gliconeogênese custa para a célula duas moléculas de ATP, enquanto a conversão de PEP em piruvato durante a glicólise gera apenas uma molécula de ATP.

200 CEDERJ

A CONVERSÃO DE PIRUVATO A FOSFOENOLPIRUVATO (PEP)

A primeira reação da glicólise que deve ser contornada é a

conversão de fosfoenolpiruvato (PEP) a piruvato, catalisada pela enzima

piruvato cinase. A formação de PEP a partir de piruvato envolve uma

grande barreira energética, que para que seja superada necessita de duas

etapas. Na primeira, o piruvato é convertido em oxalacetato, através

da sua carboxilação, catalisada pela enzima piruvato carboxilase. Na

segunda, o oxalacetato é convertido a PEP, através de reação catalisada

pela enzima PEP carboxicinase (PEPCK).

Veja um esquema dessas duas reações na Figura 29.1:

Figura 29.1: Conversão de piruvato em oxalacetato e, então, em PEP.

A LOCALIZAÇÃO INTRACELULAR DAS DUAS PRIMEIRAS ETAPAS DA GLICONEOGÊNESE

A piruvato carboxilase é uma enzima de localização essencialmente

mitocondrial, de modo que a formação de oxalacetato a partir de piruvato

ocorre dentro da mitocôndria.

A localização da PEPCK varia entre as diferentes espécies.

No fígado de camundongos e ratos, ela se localiza exclusivamente

no citosol, enquanto em fígado de coelhos e pombos essa enzima é

mitocondrial. Já em humanos, a PEPCK é igualmente distribuída no

citosol e na mitocôndria das células hepáticas.

Quando a PEPCK usada é a isoforma mitocondrial, o oxalacetato

pode ser diretamente convertido a PEP dentro da mitocôndria, sendo

este transportado para o citosol através de uma proteína transportadora

presente na membrana mitocondrial. O PEP, então, segue pelas reações

reversíveis da via glicolítica, cujas enzimas se localizam no citosol, até

formar frutose-1,6-bisfosfato (frutose-1,6-BP).

Quando a PEPCK usada é a isoforma citoplasmática, o oxalacetato,

primeiramente, deve ser transportado para o citosol. Entretanto, não

existe transportador de oxalacetato na membrana mitocondrial. Assim,

neste caso, o que acontece é um pouco mais complicado. O oxalacetato

deve ser convertido em outra molécula, antes de ser transportado para o

lado de fora da mitocôndria. Isso pode ocorrer de duas maneiras, como

mostrado na Figura 29.2.

CEDERJ 201

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BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica

Uma possibilidade é a conversão do oxalacetato em aminoácido

aspartato pela ação da enzima aspartato aminotransferase. O aspartato

é, então, transportado para o citosol, onde é reconvertido em oxalacetato

pela mesma enzima, podendo fi nalmente ser convertido a PEP.

A outra forma de o oxalacetato ser transportado para o

citosol requer sua conversão em malato, através da ação da enzima

malato desidrogenase. Essa reação envolve a oxidação de um NADH

mitocondrial, formando NAD+, além de malato. O malato pode ser

transportado para o citosol, onde é reconvertido a oxalacetato. Nesse

momento, ocorre redução de NAD+ citoplasmático. Analise atentamente

a Figura 29.2 para compreender bem todas essas etapas.

A reação da malato desidrogenase é uma das reações do ciclo de Krebs, já estudada por você. Nesse caso, entretanto, ela ocorre no sentido inverso. Isso é possível graças ao aumento da concentração de oxalacetato em decorrência da ativação da reação piruvato carboxilase.

Você já aprendeu esta reação na aula que tratou do metabolismo dos aminoácidos. As transaminases são enzimas amplamente distribuídas nos diversos tipos celulares, ocorrendo tanto no citoplasma como na mitocôndria. Assim, se torna possível o transporte indireto do oxalacetato da mitocôndria para o citosol.

Figura 29.2: Transporte do oxalacetato da mitocôndria para o citosol. O oxalacetato pode ser transportado através de sua conversão em aspartato (1) ou em malato (2). O caso 2 envolve oxidação de NADH mitocondrial com concomitante redução de NAD+ citoplasmático, levando ao transporte simultâneo de equivalente de NADH da mitocôndria para o citosol.

202 CEDERJ

OS PRECURSORES PARA A GLICONEOGÊNESE

Vamos montar um esquema com o que já sabemos até agora para

que fi que mais fácil a visualização da gliconeogênese, tornando possível

a identifi cação dos precursores não glicídios usados na síntese de glicose.

Observe a Figura 29.3. Com base nos conhecimentos que você já adquiriu

nas aulas anteriores desta disciplina, tente sugerir possíveis precursores que

poderiam entrar na via gliconeogênica. Pense um pouco e tente responder

sozinho antes de prosseguir a leitura.

Se você se lembrou da experiência realizada pelo casal Cori (descrita

na aula passada), você foi capaz de identifi car o lactato como um dos

precursores. A enzima lactato desidrogenase, presente no citosol das células

hepáticas, converte o lactato em piruvato (veja a reação na Aula 28), e este

pode seguir o caminho metabólico discutido ao longo desta aula. Mas, de

onde vem esse lactato?

OxalacetatoOxalacetato

OxalacetatoOxalacetatoFosfoenolpiruvatoFosfoenolpiruvato

Figura 29.3: Esquema das etapas da gliconeogênese estudadas até o momento.

CEDERJ 203

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BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica

O lactato é produzido no metabolismo anaeróbico da glicose.

Na ausência de oxigênio, o piruvato não pode ser completamente

oxidado. Além disso, o NADH produzido na reação catalisada pela

gliceraldeído-3P desidrogenase, na glicólise, precisa ser reoxidado para

que esta via não pare por falta de NAD+. Assim, a reação da lactato

desidrogenase promove a reoxidação dos NADHs e produz lactato,

que é secretado pela célula (Figura 29.4). Este tipo de metabolização

da glicose ocorre nas células que não possuem mitocôndrias, como as

hemácias, ou quando o aporte de oxigênio não é sufi ciente para sustentar

o metabolismo aeróbico, como nos músculos em intensa atividade.

Figura 29.4: Esquema resumido da fermentação láctica.

204 CEDERJ

Olhando para nosso esquema, podemos perceber que a formação

de oxalacetato é uma etapa crucial da gliconeogênese. Então, moléculas

que possam gerar oxalacetato no seu metabolismo seriam inevitavelmente

precursoras para a síntese de glicose.

CEDERJ 205

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29Você já aprendeu que a maioria dos aminoácidos gera intermediários

do ciclo de Krebs quando transaminados. Esses intermediários podem ser

convertidos em oxalacetato se seguirem pelas reações do ciclo de Krebs.

Assim, todos os aminoácidos que gerem intermediários do ciclo de Krebs,

ou piruvato, após sua transaminação, são precursores para a síntese de

glicose. As únicas exceções são a leucina e a lisina, cujo metabolismo gera

acetil-CoA. Veja um esquema mostrando os produtos da transaminação

dos aminoácidos na Figura 29.5. Os aminoácidos usados na síntese de

glicose podem ser provenientes da alimentação, ou mobilizados a partir

da degradação das proteínas musculares.

Figura 29.5: Transaminação dos aminoácidos.

BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica

Quando o ácido graxo é oxidado, os carbonos são retirados de dois em dois, gerando várias moléculas de acetil-CoA. Se o ácido graxo possui número ímpar de carbonos, uma molécula de três carbonos, o propionil-CoA, sobra ao fi nal.

206 CEDERJ

Além dos aminoácidos, uma outra molécula também pode ser

convertida em um intermediário do ciclo de Krebs, e conseqüentemente

formar oxalacetato: o propionil-CoA proveniente da β-oxidação de

ácidos graxos de cadeia ímpar. O propionil-CoA é convertido a succinil-

CoA dentro da mitocôndria, entrando no ciclo de Krebs.

Por último, temos o glicerol. Essa molécula é liberada do tecido

adiposo durante a hidrólise dos triacilgliceróis e segue para o fígado,

onde é transformada em di-hidroxiacetona-P (DHAP), um intermediário

da glicólise, que pode seguir a via gliconeogênica.

Antes de prosseguir a leitura, copie, em uma folha à parte, o esquema

metabólico apresentado na Figura 29.3, e tente acrescentar a ele as reações

de entrada dos precursores na via gliconeogênica recém-discutidas. Agora,

compare o seu esquema com o mostrado na Figura 29.6.

Figura 29.6: Esquema da entrada dos precursores na via gliconeogênica.

CEDERJ 207

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LO 7

29VOLTANDO AO TRANSPORTE DO OXALACETATO PARA

O CITOSOL

Agora que você já descobriu quais são as moléculas que podem

ser usadas como precursoras para a síntese de glicose, vamos voltar ao

ponto onde estávamos quando discutíamos a Figura 29.2.

É bem provável que naquele momento você tenha pensado: “Isso

tudo parece muito complicado! Por que haveria necessidade de

termos duas maneiras diferentes de transportar o oxalacetato

para o citosol?”

Vamos, agora, tentar responder a essa questão.

Observe novamente a Figura 29.6. Se você prestar atenção, verá que

para que a reação catalisada pela enzima gliceraldeído-3P desidrogenase

seja revertida, é necessário que haja tanto 1,3-bisfosfoglicerato como

também NADH. Porém, lembre-se de que a maioria das reações de

oxidação, que levam à redução de NAD+ formando NADH, ocorre

na mitocôndria. A principal reação que reduz NAD+ no citoplasma

é justamente a reação catalisada pela gliceraldeído-3P desidrogenase

durante a glicólise. Para ser possível reverter esta reação, é necessário,

então, que exista uma outra fonte de NADH no citoplasma.

NADH pode ser formado no citoplasma durante a reação de

conversão do lactato em piruvato. Então, quando o lactato é o precursor

para a síntese de glicose, o problema está resolvido. Entretanto, quando

outros precursores são usados, não haveria maneira de se obter NADH no

citoplasma. Esse problema é resolvido justamente através do transporte

do oxalacetato para o citosol. Preste atenção na Figura 29.2 e veja que,

quando o oxalacetato é transportado via formação de malato, um NAD+

é reduzido no citosol.

BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica

208 CEDERJ

Concluindo: quando o precursor para a gliconeogênese é o lactato,

o PEP pode ser formado pela PEPCK mitocondrial e ser transportado

diretamente para o citosol, ou o oxalacetato pode ser transportado via

formação de aspartato. Por outro lado, quando os precursores são os

aminoácidos, o propionil-CoA ou o glicerol, o oxalacetato deve ser

transportado por intermédio da formação de malato, garantindo a

redução de NAD+ no citosol. Veja o esquema na Figura 29.7.

Figura 29.7: O transporte do oxalacetato e o balanço dos NADs.

CEDERJ 209

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29

contornada

AS OUTRAS REAÇÕES CONTORNADAS: AS CONVERSÕES DE FRUTOSE-1,6-BP EM FRUTOSE-6P E DE GLICOSE-6P EM GLICOSE

Figura 29.8: A via gliconeogênica.

Agora que você entendeu

a via gliconeogênica até este

ponto, fi cou faltando aprender

como outras reações irreversíveis

da glicólise, catalisadas pela

PFK e pela hexocinase, são

contornadas. Em vez de estas

duas reações serem revertidas

gerando ATP, o que seria

energeticamente desfavorável,

ocorre apenas a hidrólise

dos grupos fosfato, como

mostrado na Figura 29.8. As

enzimas que catalisam essas

reações são chamadas frutose-

1,6-bisfosfatase (FBPase) e

glicose-6-fosfatase (G6Pase),

respectivamente. Veja um

esquema da via gliconeogênica

completa na Figura 29.8.

BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica

Alguns precursores, como lactato, glicerol e aminoácidos glicogênicos, podem

ser usados para sintetizar glicose através da via gliconeogênica, que ocorre, nos

mamíferos, no fígado e no rim. Esses precursores são convertidos em oxalacetato,

que então é convertido em fosfoenolpiruvato (PEP). A formação de glicose a partir

de PEP se dá através de uma série de reações, muitas delas consistindo na reversão

das reações da via glicolítica. Apenas as reações da glicólise, que são irreversíveis

em condições fi siológicas, aquelas catalisadas pela PFK e pela hexocinase, são

substituídas por reações de hidrólise, catalisadas pela frutose-1,6-bisfosfatase

(FBPase) e pela glicose-6-fosfatase (G6Pase), respectivamente.

EXERCÍCIO

1. O consumo de álcool, especialmente por um indivíduo mal alimentado, pode

causar hipoglicemia. O álcool ingerido é convertido em acetaldeído no citoplasma

do hepatócito, em reação catalisada pela álcool desidrogenase:

NAD+ NADH

CH3−CH2−OH CH3−COH

Utilizando seus conhecimentos sobre a gliconeogênese, tente justificar a

hipoglicemia causada pela ingestão de álcool.

210 CEDERJ

RESUMO

Regulação da gliconeogênese

• Nesta aula, você vai compreender como é regulada a síntese de glicose no organismo, que funciona para garantir a produção de glicose em situações nas quais seus níveis, no sangue, estejam diminuídos.

Pré-requisitos

Para seguir esta aula, você deve ter compreendido bem as aulas sobre glicólise e as aulas sobre gliconeogênese. Tenha-as em mãos

para eventuais consultas ao longo da leitura.

30AU

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objetivo

BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese

As enzimas hexoquinase e fosfofrutoquinase catalisam duas etapas da glicólise.

Em todo este trecho, estamos comparando as reações da glicólise com as da gliconeogênese, principalmente com relação ao requerimento energético de cada etapa. Tenha as duas vias em mãos para compreender o que está sendo discutido.

212 CEDERJ

A REGULAÇÃO DA GLICONEOGÊNESE É NECESSÁRIA?

Imagine se a glicólise e a gliconeogênese ocorressem de uma forma

incontrolada. Uma das conseqüências seria um gasto desnecessário

de ATP. Os ATPs utilizados nas reações catalisadas pelas enzimas

hexoquinase (a conversão de glicose em glicose-6P) e fosfofrutoquinase

(a conversão de frutose-6P em frutose-1,6BP) não seriam ressintetizados

durante a gliconeogênese. Isto porque as reações que revertem estas etapas

(as duas conversões), e que são catalisadas pela G6Pase (conversão de

glicose-6P em glicose) e pela FBPase (conversão de frutose-1,6BP em

frutose-6P), não levam à síntese de ATP. O ATP sintetizado durante a

reação da fosfoglicerato quinase na glicólise seria gasto quando esta

reação fosse revertida na gliconeogênese. A síntese de PEP a partir de

piruvato gasta um ATP e um GTP, enquanto a reação da piruvato quinase

na glicólise leva à síntese de apenas um ATP. Assim, a ausência de um

controle sobre a glicólise e a gliconeogênese poderia levar a grandes

desperdícios de energia.

De fato, isso não ocorre. Ao contrário: a glicólise e a gliconeogênese

são reguladas reciprocamente, de acordo com as necessidades do

organismo.

Logo após a alimentação, os níveis de glicose no sangue se encontram

elevados, e nossas células metabolizam esse nutriente através da glicólise,

garantindo os níveis adequados de ATP e armazenando o excesso de

energia a partir da síntese de nossas reservas. No fígado, o glicogênio

é sintetizado, a glicólise é ativada, e o excesso de acetil-CoA produzido

segue, através da formação de citrato, para a síntese de ácidos graxos.

Por outro lado, quando não ingerimos carboidratos, o fígado

mantém os níveis sangüíneos de glicose, tanto através da degradação do

glicogênio como pela produção de glicose, graças à inibição da glicólise

e à ativação da gliconeogênese.

Se você se esqueceu da reação catalisada pela PIRUVATO DESIDROGENASE,

consulte a aula de ciclo de Krebs.

CEDERJ 213

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30PRINCIPAIS PONTOS DE REGULAÇÃO DA GLICONEOGÊNESE

Regulação da piruvato carboxilase

É importante assinalar: o controle da gliconeogênese começa com

a defi nição do destino do piruvato dentro da mitocôndria.

Você já aprendeu que a completa oxidação do piruvato começa

com sua conversão em acetil-CoA, catalisada pela PIRUVATO DESIDROGENASE.

Por outro lado, o direcionamento do piruvato para a formação de glicose

pela via gliconeogênica depende, inicialmente, de sua conversão em

oxalacetato, catalisada pela piruvato carboxilase, como vimos na aula

passada. Veja o esquema mostrado na Figura 30.1.

Figura 30.1: Destinos do piruvato no interior da mitocôndria.

As duas enzimas, a piruvato desidrogenase e a piruvato carboxilase,

são reguladas pelo mesmo modulador: acetil-CoA. De forma a construir

um esquema metabólico coerente, procure determinar qual das enzimas

deve ser ativada e qual deve ser inibida por essa molécula. Refl ita um

pouco antes de prosseguir a leitura.

A piruvato desidrogenase é inibida por acetil-CoA e a piruvato

carboxilase depende inteiramente da presença deste modulador para

funcionar. Vamos ver se isso faz sentido.

Oxalacetato

BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese

214 CEDERJ

Quando a glicose está disponível e entra em uma célula capaz de

realizar o metabolismo oxidativo, ela segue pela via glicolítica até ser

convertida em piruvato. Este entra na mitocôndria, onde se transforma

em acetil-CoA, que entra no ciclo de Krebs, sendo condensado com o

oxalacetato, formando citrato, e assim por diante, como você já estudou.

Enquanto o ciclo de Krebs funcionar, os níveis mitocondriais de acetil-

CoA estarão baixos, e, conseqüentemente, a piruvato desidrogenase

continuará ativa e a piruvato carboxilase estará inibida (Figura 30.2).

Figura 30.2: Esquema da regulação do destino do piruvato durante o metabolismo oxidativo da glicose.

Quando os níveis de glicose no sangue começam a diminuir, uma

das primeiras respostas do organismo é o início da mobilização dos ácidos

graxos, que estão armazenados no tecido adiposo. Os ácidos graxos entram

nas diversas células e são transportados para o interior da mitocôndria,

onde são β-oxidados, formando acetil-CoA. No fígado, o oxalacetato está

sendo desviado, nessa situação, para a via gliconeogênica, de forma que o

acetil-CoA proveniente da β-oxidação não pode seguir pelo ciclo de Krebs

e, então, acumula-se no interior da mitocôndria.

Você estudou as reações de formação dos corpos cetônicos na aula de oxidação dos ácidos graxos.

CEDERJ 215

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30Assim, a piruvato desidrogenase fi ca inibida e a piruvato carboxilase fi ca

ativa, possibilitando a síntese de mais oxalacetato para a gliconeogênese

(Figura 30.3).

Figura 30.3: Esquema da regulação do destino do piruvato durante situações de baixa glicemia.

Destino do acetil-CoA no fígado: formação dos corpos cetônicos

Como acabamos de discutir, o desvio

do oxalacetato para a síntese de glicose leva

a um acúmulo de acetil-CoA na mitocôndria

dos hepatócitos. O excesso de acetil-CoA

é, então, convertido nos chamados corpos

cetônicos – acetoacetato, β-hidroxibutirato

e acetona, que são secretados pelo fígado,

caindo na circulação. Veja, na Figura

30.4, como os níveis sangüíneos de corpos

cetônicos aumentam em um indivíduo

mantido em jejum.

Figura 30.4: Variação da concentração plasmática de corpos cetônicos em um paciente em jejum prolongado.

Oxalacetato Oxalacetato

BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese

Os corpos cetônicos são compostos ácidos, de forma que, caso eles

atinjam concentrações acima da capacidade tamponante do sangue, podem

levar a uma diminuição do pH sangüíneo, levando ao que chamamos

acidose metabólica. A acidose metabólica pode se tornar bastante grave,

levando a sérias conseqüências, especialmente em casos de diabetes, nos

quais o quadro pode evoluir para o óbito do paciente.

Regulação da PFK e da FBPase

O principal ponto de controle da glicólise e da gliconeogênese se dá

sobre as enzimas PFK e FBPase. Vamos ver como isso foi descoberto.

Em 1980, um pesquisador chamado van Schaftingen e seus

colaboradores descobriram uma substância capaz de modifi car a atividade

da PFK isolada de fígado, como mostra a Figura 30.5.

Figura 30.5: Efeito do modulador isolado por van Schaftingen e colaboradores sobre a atividade da PFK.

Mais à frente você vai saber que substância é esta. Por enquanto, preste atenção apenas em seus efeitos.

216 CEDERJ

Veja que, em concentrações baixas de frutose-6P, que é o substrato

da PFK, a presença da substância descoberta alterava dramaticamente a

velocidade da reação catalisada pela PFK, levando a uma grande ativação

desta enzima.

CEDERJ 217

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30

Figura 30.6: Papel da frutose-2,6-bisfosfato na regulação recíproca da glicólise e da gliconeogênese.

Eles descobriram que essa substância é formada no fígado e

pode atingir concentrações bem altas em animais bem alimentados.

Por outro lado, ela é destruída após dietas pobres em

carboidratos. Observou-se ainda que esta mesma substância era

capaz de inibir a FBPase, quando em concentrações semelhantes

àquelas necessárias para levar à ativação da PFK.

Assim, esta substância é capaz de regular antagonicamente

a glicólise e a gliconeogênese, ou seja, enquanto uma via está

ativada, a outra está inibida e vice-versa.

Depois de muito tempo tentando identificar esta

molécula ativadora da PFK, o grupo de van Schaftingen

conseguiu mostrar que era frutose-2,6-bisfosfato, que a partir

de agora vamos designar por F2,6BP.

Cuidado, agora, para não fazer confusão! Esta molécula é

diferente do intermediário frutose-1,6-bisfosfato e não participa

diretamente nem da glicólise nem da gliconeogênese. A diferença

entre estas duas moléculas está apenas no carbono ao qual está

associado o grupamento fosfato.

Analise esses dados e procure integrá-los a um esquema

metabólico mais geral. Depois de refl etir um pouco sozinho,

observe o esquema mostrado na Figura 30.6.

BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese

A atividade das enzimas pode ser regulada por moduladores alostéricos ou por modifi cação covalente reversível. Os moduladores alostéricos se associam a regiões da enzima diferentes do sítio ativo, provocando uma mudança em sua estrutura que resulta na modifi cação da sua atividade. A regulação por modifi cação covalente reversível se dá pela ligação covalente de determinados grupamentos às cadeias laterais de alguns aminoácidos, resultando também na mudança conformacional da enzima e na modifi cação de sua atividade. Dentre as modifi cações covalentes mais comuns está a fosforilação e defosforilação de enzimas.

218 CEDERJ

Agora que você entendeu o papel da F2,6BP no controle das enzimas

PFK e FBPase, você deve estar se perguntando: como essa substância é

sintetizada ou degradada?

Os mesmos pesquisadores descobriram, em 1981, uma enzima

capaz de sintetizar F2,6BP a partir de frutose-6P à custa de ATP, à

semelhança do que ocorria na reação catalisada pela PFK anteriormente

conhecida. Para evitar confusão, as enzimas foram denominadas a partir

daí fosfofrutoquinase-1 (PFK-1), a clássica, e fosfofrutoquinase-2 (PFK-2),

a que sintetiza F2,6BP.

Além disso, o mesmo grupo de trabalho, em 1982, purifi cou, de

fígado de rato, uma enzima capaz de transformar F2,6BP em frutose-6P

e denominaram-na enzima frutose-2,6-bisfosfatase (F2,6B Pase). Assim,

fi cou claro que a ação coordenada das enzimas PFK-2 e F2,6BPase

determinava o nível de F2,6BP na célula e, conseqüentemente, direcionava

o fl uxo metabólico no sentido da glicólise ou da gliconeogênese.

Por muitos anos tentou-se isolar as duas enzimas, mas, fi nalmente,

descobriu-se que se tratava de uma única cadeia polipeptídica que

continha dois sítios ativos diferentes, um com atividade PFK-2 e outro

com atividade F2,6B Pase. Esta enzima bifuncional era capaz de catalisar

uma ou outra reação.

Surge, então, a pergunta: o que vai determinar se esta enzima vai

apresentar atividade PFK-2 ou F2,6BPase em um determinado momento?

Para compreender a aula a partir daqui, você vai ter que relembrar

o mecanismo de controle do metabolismo do glicogênio. Vamos fazer

uma pequena recapitulação do que vai ser importante agora.

Você aprendeu que as enzimas do metabolismo do glicogênio

são reguladas através de um mecanismo conhecido como modifi cação

covalente. Da mesma forma que ocorre com as enzimas do metabolismo

do glicogênio, a ligação covalente de um grupamento fosfato na enzima

bifuncional leva a uma modifi cação de sua atividade: a enzima fosforilada

apresenta atividade F2,6BPase, uma vez que a fosforilação provoca uma

mudança estrutural na enzima, expondo seu sítio fosfatásico e escondendo

seu sítio quinásico. Já a defosforilação da enzima bifuncional expõe o

sítio quinásico e esconde seu sítio fosfatásico.

Assim, a atividade da PFK2/F2,6BPase depende do seu estado

de fosforilação.

Você vai aprender mais sobre o GLUCAGON na

Aula 31.

CEDERJ 219

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30A fosforilação da enzima bifuncional PFK-2/F2,6BPase é catalisada

por uma importante proteína quinase, a proteína quinase dependente de

AMPc (PKA). Como seu nome diz, esta proteína quinase é regulada por

AMPc. Os níveis de AMPc aumentam dentro da célula em função de

um estímulo hormonal. Esse modulador, então, se liga às subunidades

regulatórias da PKA, liberando as subunidades catalíticas que fosforilam

uma série de proteínas, dentre as quais a PFK2/F2,6BPase.

Dentre os hormônios que regulam os níveis de AMPc dentro da

célula, podemos citar o GLUCAGON. Este hormônio é liberado pelo pâncreas

em decorrência da diminuição da concentração sangüínea de glicose.

Com esses novos dados, procure analisar o quadro metabólico quando a

gliconeogênese se encontra ativada ou inibida, levando em consideração

todas as informações fornecidas. Faça um resumo e mostre ao tutor. Essa

é uma boa maneira de estudar! Na próxima aula, quando estivermos

falando de glucagon, voltaremos a esse ponto.

Figura 30.7: Conversão de piruvato em PEP na gliconeogênese.

Regulação da piruvato quinase

A piruvato quinase, enzima que catalisa a conversão de PEP em

piruvato na glicólise, também é regulada por fosforilação pela PKA. Tente

atribuir, antes de prosseguir a leitura, um papel ativador ou inibitório à

fosforilação. Depois de refl etir um pouco, continue.

Observe a Figura 30.7 para relembrar como

o piruvato é convertido em PEP na

gliconeogênese.

BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese

220 CEDERJ

Como você viu na Aula 29, para que a reversão da reação da

piruvato quinase ocorra, são necessárias duas reações e são gastos

dois equivalentes de ATPs. O PEP formado no citoplasma poderia ser

reconvertido em piruvato pela ação da piruvato quinase se esta enzima

não estivesse inibida nesse momento. Assim, a inibição da piruvato

quinase através da sua fosforilação garante que todo o PEP formado

seja realmente convertido em glicose.

RESUMO

Nesta aula, você aprendeu como a glicólise e a gliconeogênese são reguladas,

garantindo que não haja desperdícios energéticos nas células capazes de realizar

essas duas vias metabólicas. Os principais pontos de regulação são as reações

catalisadas pelas enzimas piruvato carboxilase, PFK e FBPase, e piruvato quinase.

A piruvato carboxilase é ativada alostericamente por acetil-CoA. PFK e FBPase

são reciprocamente reguladas por frutose-2,6BP, que ativa a primeira e inibe a

segunda. Frutose-2,6BP é sintetizada e degradada por uma enzima bifuncional,

a PFK-2/F2,6B Pase, cujas atividades são reguladas por fosforilação desencadeada

pela ação de hormônios. A atividade da piruvato quinase também está sob controle

hormonal, sendo inibida por fosforilação.

EXERCÍCIOS

1. Indique ao lado do nome de cada enzima listada seu regulador alostérico e o

efeito promovido por ele na atividade enzimática (inibição ou ativação):

• piruvato carboxilase

• piruvato desidrogenase

• PFK

• FBPase

2. Correlacione a presença do composto frutose-2,6BP à regulação das vias

glicolítica e gliconeogênica. Agora explique como essa substância é formada e

degradada.

3. A figura abaixo foi retirada de um artigo científico publicado por Hue e

colaboradores, em 1981. Eles estudaram os efeitos do hormônio glucagon no

metabolismo de glicídeos em células isoladas de fígado de rato. Verifi caram alterações

dose-dependentes nos níveis de frutose-2,6BP e na atividade da enzima que catalisa

a degradação do glicogênio, a fosforilase a. Interprete a fi gura, ressaltando os efeitos

metabólicos no fígado em função dos resultados observados.

CEDERJ 221

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30

Introdução aos hormônios

• Na última parte de nosso curso, vamos conhecer melhor os hormônios, importantes substâncias responsáveis pela comunicação entre os diferentes tipos celulares de um organismo.

Pré-requisitos

As Aulas 13 e 14 de Biologia Celular I tratam de temas complementares aos que vamos abordar aqui. Seria interessante que você relesse essas

aulas antes de começar.

31AU

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objetivo

BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios

224 CEDERJ

INTRODUÇÃO Vamos começar esta aula com uma apresentação dos hormônios e de suas

características. Nas próximas duas aulas, vamos falar especifi camente dos quatro

hormônios que são os principais reguladores do metabolismo energético:

o glucagon, a adrenalina, a insulina e os glicocorticóides.

Uma característica essencial dos organismos multicelulares é a diferenciação

celular, que resulta na divisão de atividades entre seus órgãos e tecidos, que

desta forma desempenham funções especializadas. Para entendermos o papel

das diferentes vias metabólicas e de sua regulação, é preciso considerá-las

durante o funcionamento do organismo como um todo. A capacidade de os

tecidos especializados funcionarem de uma maneira integrada foi possível,

em grande parte, pelo aparecimento do sistema endócrino, que, juntamente

com o sistema nervoso, promove a coordenação das atividades metabólicas

dos organismos complexos, otimizando a distribuição de nutrientes e de

precursores para os diferentes órgãos e tecidos. Essa integração é mediada

por uma importante classe de mensageiros químicos, os HORMÔNIOS.

NATUREZA QUÍMICA DOS HORMÔNIOS

Os hormônios podem ser peptídeos, lipídeos ou derivados de

aminoácidos.

Os hormônios peptídicos são assim denominados por apresentarem

de 3 até 2.000 resíduos de aminoácidos. Variam com relação a tamanho,

composição, número de cadeias e grupos modifi cados. Podemos citar

como exemplo o glucagon, que apresenta uma única cadeia polipeptídica,

e a insulina, formada por duas cadeias polipeptídicas derivadas do

processamento proteolítico de um único produto gênico (pró-insulina)

(Figura 31.1).

HORMÔNIOS

Esta terminologia foi utilizada inicialmente para defi nir apenas as substâncias sintetizadas pelas glândulas endócrinas e secretadas na circulação, levando a respostas específi cas de um ou mais tecidos-alvo. Atualmente, o termo se refere a qualquer molécula sinalizadora, capaz de gerar uma resposta em determinada célula. Assim, podemos classifi car os hormônios como: (a) endócrinos – aqueles que circulam pelo corpo até atingirem o órgão-alvo; (b) parácrinos – aqueles que interagem com células vizinhas; e (c) autócrinos – aqueles que atuam sobre a própria célula secretora. Ou seja, os hormônios são classifi cados de acordo com seu raio de ação.

Figura 31.1: Exemplos de hormônios peptídicos: glucagon e insulina.

Insulina

Glucagon

CEDERJ 225

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31Os hormônios esteróides e as prostaglandinas são derivados dos

lipídeos colesterol e ácido aracdônico, respectivamente. Veja na Figura

31.2 alguns exemplos de esteróides derivados do colesterol.

Figura 31.2: Exemplos de hormônios esteróides.

Os derivados de aminoácidos incluem a adrenalina, a noradre-

nalina, a dopamina e os hormônios da tireóide, todos formados a partir

da tirosina (Figura 31.3).

Colestanos: 27 carbonosex: colesterol

Ácidos cólicos: 24 carbonos

Pregnanos: 21 carbonosex: progesterona

Andranos: 19 carbonosex: testosterona

Estranos: 18 carbonosex: estradiol

CH3

CH3

CH3

CH3

CH3

CH3

CH3

CH3

CH3

CH3

COOH

OH

CH3

CH2

CH

NH

OH

OH

OH

CH2

CH

NH2

OH

OH

HO O

H2N

CO2H

I

II

ABHO O

H2N

CO2H

I

I

I

I

5

3

5

3

Figura 31.3: Exemplos de hormônios derivados de aminoácidos.

Tiroxina (T4) Triiodotironina (T3)

Hormônios da tireóide

Adrenalina Noradrenalina

BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios

226 CEDERJ

SÍNTESE, LIBERAÇÃO E DEGRADAÇÃO DOS HORMÔNIOS

A liberação dos hormônios na circulação depende, muitas vezes,

apenas da sua produção. Esse é o caso dos esteróides, cuja liberação ocorre

imediatamente após sua síntese. Por outro lado, algumas glândulas possuem a

capacidade de armazenar quantidades consideráveis de hormônios, servindo

como reservatórios dessas moléculas. As células β do pâncreas, por exemplo,

podem armazenar insulina por vários dias.

Os hormônios da tireóide (T3 e T4), que não serão estudados no nosso curso, também são armazenados. Eles são produzidos a partir da clivagem de uma proteína, a tireoglobulina. Essa proteína possui vários resíduos de tirosina que são modifi cados pela adição de iodo, formando T3 e T4. Grandes quantidades de tireoglobulina podem ser armazenadas na tireóide, garantindo a produção de T4 mesmo em longos períodos de falta de iodo.

!

PROTEÍNAS TRANSPORTADORAS

DE HORMÔNIOS

Específi cas:• globulina ligadora de tiroxina (TBG)• globulina ligadora de corticosteróides (CBG)

Não-específi cas:• albumina• transtirretina

Os hormônios liberados podem circular livres ou associados a

proteínas transportadoras. Hormônios solúveis em água, em princípio,

podem circular sem necessitar de um sistema transportador específi co,

já que o sangue é um meio aquoso. Os insolúveis em água circulam

associados a proteínas plasmáticas, que garantem o acesso dessas

moléculas a todas as células. Algumas PROTEÍNAS TRANSPORTADORAS são

específi cas para determinados hormônios, enquanto outros hormônios

se ligam a sistemas gerais de transporte.

A fração ligada dos hormônios está sempre em equilíbrio dinâmico

com pequenas quantidades de hormônio livre, que, na maior parte dos

casos, é a fração biologicamente ativa. Dessa forma, as proteínas

transportadoras podem muitas vezes ser encaradas como reservatórios

circulantes de hormônios.

A degradação dos hormônios liberados na circulação é crítica para

a regulação de seus níveis em resposta às várias necessidades. A meia-vida

dos hormônios pode variar de poucos minutos (como nos casos da insulina,

do hormônio adrenocorticotrófi co (ACTH) e da adrenalina), a horas (como

ocorre com os hormônios esteróides), ou a dias (como a tiroxina).

CEDERJ 227

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LO 7

31MECANISMOS DE AÇÃO DOS HORMÔNIOS

Para atuar, os hormônios devem interagir com sítios específi cos,

altamente seletivos, presentes nas células-alvo: os receptores. Estes

devem desempenhar pelo menos duas funções: ter a capacidade de ligar

os hormônios com alta afi nidade e especifi cidade, distinguindo essas

moléculas entre as outras substâncias presentes; e também transmitir a

informação, levando ao desencadeamento da resposta celular. Entretanto,

a resposta a um determinado hormônio não depende apenas da presença

do receptor, mas também da presença dos sistemas de TRANSDUÇÃO DO SINAL

hormonal na célula-alvo.

A ação hormonal em tecidos específi cos pode ser direcionada ou

amplifi cada por vários mecanismos. A distribuição dos receptores pode

variar consideravelmente: enquanto o receptor da insulina está presente

em todos os tipos celulares, os receptores para mineralocorticóides são

encontrados apenas em células renais. A liberação de hormônios dentro

de um sistema de circulação restrita consiste em um outro mecanismo de

direcionamento hormonal. O fígado recebe mais insulina que os demais

tecidos, uma vez que a quantidade desse hormônio que chega ao tecido

hepático pelo SISTEMA PORTA é bem maior do que a que atinge os tecidos

extra-hepáticos pela circulação sistêmica.

Receptores hormonais podem ser subdivididos em dois grupos

principais: aqueles que se encontram na superfície celular, que vão mediar

respostas citoplasmáticas, e aqueles de localização intracelular, que vão

atuar geralmente no núcleo da célula-alvo (Figura 31.4).

TR A N S D U Ç Ã O

D E S I N A L

Para que uma célula responda a um determinado

hormônio, é necessário que a

ligação do hormônio a seu receptor

desencadeie uma série de reações

intracelulares que levem à modifi cação do metabolismo da

célula. Os eritrócitos, por exemplo, possuem

receptores para insulina, mas, pela falta de moléculas necessárias à sua

ação, não exibem respostas típicas a esse

hormônio.

SI S T E M A P O RTA-H E P Á T I C O

O sangue proveniente do trato gastro-

intestinal chega ao fígado pela veia

porta-hepática, cujas ramifi cações banham os lóbulos hepáticos. Assim, os nutrientes

provenientes da alimentação são

“fi ltrados” pelo fígado antes de atingirem a circulação sistêmica.

O mesmo ocorre com o hormônio

insulina, que também é liberado do pâncreas

na veia porta-hepática.

Hormônios esteróides

Hormônios tireoideanosVitamina D

TransmissoresHormônios peptídeos

Receptor de membrana

Receptor citoplasmático

Receptor nuclear

Síntese de proteína

Fosforilação

Regulação enzimática

RNAm

AMPc Ca2+

Figura 31.4: Mecanismos de ativação de uma célula-alvo pelos hormônios. Receptores de membrana para hormônios hidrossolúveis transmitem o sinal hormonal através de mensageiros intracelulares, como o AMPc ou o cálcio. Isso resulta na ativação de proteínas quinases que catalisam a fosforilação de diversas enzimas do metabolismo, regulando sua atividade. Hormônios lipossolúveis ativam receptores intracelulares que se ligam ao DNA, regulando a expressão gênica.

BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios

228 CEDERJ

Os hormônios peptídicos, as catecolaminas e as prostaglandinas

se ligam a receptores na superfície da célula-alvo, e a transmissão dessa

informação se dá através de mediadores intracelulares. Já os hormônios

da tireóide e os esteróides, devido à sua natureza hidrofóbica, são capazes

de atravessar a membrana plasmática, encontrando seus receptores no

interior da célula-alvo, onde o complexo hormônio-receptor interage

com elementos específi cos do DNA, induzindo mudanças na expressão

de determinados genes.

Hormônios que interagem com a superfície celular

Os experimentos de E. Sutherland foram importantíssimos para

a compreensão do mecanismo de ação de hormônios que atuam na

superfície celular. Esse pesquisador, ao descobrir o AMPc e seu papel

mediador da resposta dos hormônios glucagon e adrenalina, desenvolveu

o conceito de segundo mensageiro. O segundo mensageiro funciona

como um mediador intracelular do sinal extracelular, transmitindo o

sinal hormonal para a maquinaria enzimática celular.

Inicialmente, acreditava-se que o segundo mensageiro era sempre

uma pequena molécula orgânica, como AMPc, GMPc ou inositol fosfato,

mas atualmente sabe-se que pode ser um íon, como cálcio ou hidrogênio,

ou mesmo uma enzima que catalisa a fosforilação de proteínas, ou seja,

uma proteína cinase.

Muitas estruturas de receptores hormonais de membrana já foram

elucidadas, revelando quatro tipos básicos de receptores:

(a) receptores acoplados à proteína G;

(b) receptores que funcionam como canais iônicos;

(c) receptores com atividade enzimática intrínseca;

(d) receptores que interagem diretamente com enzimas intra-celulares.

Veja o esquema mostrado na Figura 31.5. Em todos os casos,

a ação do hormônio depende de segundos mensageiros.

Earl W. Sutherland Jr. (1915-1974) e sua equipe isolaram o AMPc em 1958, e assim o chamaram porque os átomos do único grupo fosfato da molécula de AMPc estão arranjados sob a forma de um anel. Sutherland Jr. foi agraciado com o Prêmio Nobel em Fisiologia e Medi-cina em 1971.

!

CEDERJ 229

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31

Figura 31.5: Principais classes de receptores de membrana para hormônios e neurotransmissores. A insulina e muitos fatores de crescimento se ligam a receptores de membrana que atuam como tirosinas cinases, catalisando a fosforilação de proteínas em seus resíduos de tirosina; o hormônio do crescimento, a prolactina e muitas citocinas se ligam a receptores que se associam a tirosinas cinases citoplasmáticas; uma terceira classe de agonistas se liga a receptores (R) que se acoplam a um efetor (geralmente enzimas que produzirão segundos mensageiros) (E) através de proteínas G (G); a quarta classe de receptores inclui aqueles associados a canais iônicos.

ClasseReceptor com

atividade cinásicaReceptores associados

a cinasesReceptores acoplados

à proteína GReceptores associados

a canais iônicos

Insulina, fatores de crescimento

Hormônio do crescimento,

prolactina, citocinas

Insulina, fatores de crescimento

Neurotransmissores, aminoácidos

Ligantes

Proteína tirosina ou serina cinase

Estrutura

Tirosina cinase associada ao receptor

Segundo mensageiro(AMPC IP3

íon)

Proteínas cinasescitoplasmáticas

Íon

Efeitos não-mediados por fosforilaçãoEfeitos mediados por fosforilação

Como a concentração dos hormônios peptídicos na circulação está

em torno de 10-12 a 10-9 M, as células-alvo devem não só reconhecer o

hormônio com alta afi nidade e especifi cidade como também devem ser

capazes de amplifi car o sinal hormonal, já que os processos metabólicos

operam na faixa de concentração milimolar (10-3 M). As cascatas de

mediadores intracelulares possibilitam essa enorme amplifi cação do sinal

extracelular, como exemplifi cado na Figura 31.6.

BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios

230 CEDERJ

Receptor1 molécula do sinalizador

Amplifi cação

Amplifi cação

Amplifi cação

Amplifi cação

Proteína GAdenilato ciclase ativada

GTP GTP GTP

ATP

AMPC

Proteína-cinase

Enzima X

Produtos da enzima X

Cada receptor ativa muitas proteínas G, que podem ativar muitas adenilato ciclases

Cada adenilato ciclase forma muitas moléculas de AMPC

Cada AMPC ativa uma proteína cinase

Cada cinase fosforila muitas cópias de uma enzima

Cada enzima fosforilada catalisa a formação de muitas moléculas do produto

Figura 31.6: Amplifi cação do sinal após o estímulo de um receptor associado à proteína G.

A Figura 31.6 mostra o mecanismo de ação de um ligante cujo

receptor promove indiretamente o aumento dos níveis intracelulares de

AMPc, como, por exemplo, o glucagon ou a adrenalina. As proteínas

intermediárias que acoplam esses receptores a seus sistemas efetores são

chamadas proteínas G, por dependerem de GTP para sua ação regulatória.

As proteínas G são heterotrímeros compostos por subunidades α, β e γ.

A ligação da molécula sinalizadora promove uma mudança

conformacional no receptor que, por sua vez, induz a ligação de GTP

à subunidade α da proteína G, que se dissocia das outras subunidades.

A subunidade α, então, migra através da membrana e interage com uma

enzima, a adenilato ciclase, ativando-a. A adenilato ciclase catalisa a

conversão de ATP em AMPc. Dessa forma, moléculas como o glucagon

ou a adrenalina promovem um grande aumento na concentração de

AMPc no interior de células que apresentem seus respectivos receptores.

CEDERJ 231

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LO 7

31A subunidade α apresenta atividade GTPásica,

convertendo o GTP em GDP, tornando-se

inativa e dissociando-se da adenilato ciclase.

Cada receptor pode interagir e ativar muitas

moléculas de proteína G, cada qual podendo

ativar uma molécula de adenilato ciclase.

Como cada molécula de proteína G permanece

na forma ativa por alguns segundos antes de

hidrolisar o GTP e voltar à forma inativa, a

adenilato ciclase também permanece ativa por

alguns segundos, o que permite a produção de

um grande número de moléculas de AMPc.

O AMPc se liga às subunidades regulatórias de

uma importante proteína quinase, a proteína

quinase AMPc dependente (PKA). Esta enzima

é um tetrâmero formado por duas subunidades

catalíticas e duas regulatórias que, quando

ligadas ao AMPc, se dissociam das subunidades

catalíticas, ativando-as. A PKA catalisa a

fosforilação de um grande número de enzimas,

estando, dessa forma, envolvida no controle de

diversas vias metabólicas. Assim, uma única

molécula sinalizadora extracelular pode causar

a alteração da atividade de milhares de enzimas nas células-alvo. Quando

o estímulo cessa, os níveis de AMPc diminuem em função da atividade da

enzima fosfodiesterase, que catalisa a hidrólise do AMPc, convertendo-o

em 5’-AMP.

Você já viu exemplos de enzimas reguladas através de fosforilação catalisada pela PKA em aulas anteriores.

!

ATP

Adenilato ciclase

Fosfodiesterase

AMPC

AMP

Hormônios que afetam a expressão gênica

Os hormônios de natureza química apolar ou hidrofóbica como,

por exemplo, os hormônios esteróides, hormônios da tireóide, a vitamina

D e o ácido retinóico, atuam de forma bastante diferente da daqueles

descritos até agora. Eles funcionam como fatores de regulação da

expressão gênica (Figura 31.7).

BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios

232 CEDERJ

Figura 31.7: Mecanismo de ação de hormônios esteróides. O esteróide (▲) chega à célula-alvo associado a uma proteína transportadora (PT). Os receptores (R) são proteínas intracelulares presentes no núcleo ou no citoplasma associados a proteínas de choque térmico (heat shock proteins, hsp), quando não ligados ao hormônio. O complexo hormônio-receptor se liga ao DNA em regiões específi cas, modulando a expressão gênica.

Esses hormônios atravessam a membrana plasmática da maioria

das células por difusão, embora mecanismos ativos de captação possam

ocorrer em alguns sistemas. Nas células-alvo, ou seja, células sensíveis

a esses hormônios, eles se ligam a receptores específi cos intracelulares,

localizados no citoplasma ou no núcleo. A ligação do hormônio promove

mudanças conformacionais no receptor, resultando na formação de um

complexo ativado, com alta afi nidade por determinados sítios do DNA.

Geralmente, a ligação do complexo hormônio-receptor a esses elementos

regulatórios afeta a expressão gênica, induzindo ou reprimindo a iniciação

da transcrição de genes específi cos. Os produtos da tradução dos RNA

mensageiros de síntese regulada por esses hormônios promoverão efeitos

metabólicos nas células-alvo como, por exemplo, o aumento dos níveis de

determinadas enzimas, como ocorre com a expressão dos genes de algumas

enzimas gliconeogênicas em células tratadas com glicocorticóides, levando,

neste caso, a um aumento da produção de glicose por essas células.

PT

R

R

R

R

R

R

R

hsp

RNAm

Proteína

Efeitos fi siológicos

CEDERJ 233

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31

R E S U M O

Nesta aula, você aprendeu que a comunicação entre as diferentes células de um

organismo, para que ele funcione de forma integrada, se dá graças aos hormônios.

Estas moléculas podem ser peptídeos, como é o caso da insulina e do glucagon;

lipídeos, como os hormônios esteróides; ou derivados de aminoácidos, como, por

exemplo, a adrenalina e os hormônios da tireóide. Você viu, também, que os

mecanismos de síntese, secreção e degradação dos hormônios podem ser muito

variados. Para fi ns didáticos, os hormônios podem ser agrupados em duas grandes

classes, de acordo com seu mecanismo de ação: aqueles cuja ação se dá a partir de

sua ligação à superfície celular e aqueles que se ligam a receptores intracelulares

e atuam sobre a expressão gênica.

EXERCÍCIOS

Os exercícios referentes às Aulas 31, 32 e 33 serão apresentados em conjunto ao

fi nal da Aula 33.

Glucagon e adrenalina

Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de:

• Apresentar dois hormônios: glucagon e adrenalina.

• Conhecer o mecanismo de ação desses hormônios.

• Estudar seus efeitos nos diferentes tecidos.

Pré-requisitos

Esta aula e a próxima vão explorar a integração hormonal do metabolismo. Por isso, será importante que você tenha uma

visão geral bem clara do metabolismo e das várias vias que o compõem. Aproveite para adiantar o estudo de toda a matéria antes

de começar a ler estas aulas. Assim, elas servirão para reforçar seus conhecimentos e poderão fornecer uma visão mais ampla do

funcionamento do nosso organismo.

32AU

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objetivos

BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina

236 CEDERJ

INTRODUÇÃO Nesta aula, vamos falar especifi camente de dois hormônios: o glucagon e a

adrenalina. Agrupamos estes dois hormônios na mesma aula, porque ambos

compartilham o mesmo mecanismo de ação. Entretanto, você vai ver que

estes hormônios vão atuar em resposta a situações diferentes, algumas vezes

em tecidos distintos.

GLUCAGON

Natureza química, síntese e secreção do glucagon

O glucagon é um hormônio peptídico secretado pelo PÂNCREAS,

glândula de fundamental importância para a digestão dos alimentos e

para a regulação do metabolismo de macronutrientes.

O pâncreas contém um grupo de células especializadas, as Ilhotas

de Langerhans. Nas Ilhotas de Langerhans, existem três subpopulações

de células distintas, as células α, as células β e as células γ, que são

responsáveis pela síntese e secreção dos hormônios glucagon, insulina e

somatostatina, respectivamente.

Uma vez sintetizado, o glucagon pode ser secretado diretamente ou fi car

estocado dentro de vesículas secretórias no interior das células α. Os principais

controladores fi siológicos da liberação de glucagon são a hipoglicemia, a

hiperaminoacidemia (aumento dos níveis de aminoácidos no sangue; neste

caso, principalmente aumento de arginina), baixos níveis circulantes de ácidos

graxos e estímulo do sistema adrenal (estresse ou exercício).

O receptor de glucagon

O glucagon, assim como os demais hormônios peptídicos, exerce

seus efeitos através da ligação a um receptor localizado na membrana

plasmática das células-alvo. O receptor de glucagon pertence à

superfamília dos receptores acoplados à proteína G (Figura 32.1).

PÂ N C R E A S

Para fi ns didáticos, o pâncreas pode ser estudado em duas porções:

Pâncreas exógeno: sintetiza e secreta enzimas responsáveis pela digestão de proteínas (tripsina, quimotripsina e carboxipeptidase), carboidratos (amilase) e lipídeos (lipase) provenientes da dieta, além de secretar bicarbonato de sódio.

Pâncreas endógeno: sintetiza e secreta os hormônios glucagon, insulina e somatostatina.

Você aprendeu sobre receptores acoplados à proteína G na Aula 31 de Bioquímica II e na Aula 14 de Biologia Celular I.

!

CEDERJ 237

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32

Figura 32.1: Representação esquemática do receptor de glucagon. As sete hélices transmembrana são exemplifi cadas na fi gura. A região superior corresponde às regiões extracelulares do receptor, enquanto a região inferior representa a porção intracelular. Associadas ao receptor estão esquematizadas as três subunidades da proteína G.

Ainda não temos uma defi nição exata de que tecidos apresentam

receptores de glucagon. Diversos trabalhos científi cos vêm mostrando que

os maiores níveis de expressão do receptor de glucagon são encontrados

no fígado, nos rins e nas ilhotas pancreáticas. Níveis intermediários de

expressão podem ser detectados no coração, tecido adiposo, duodeno

e estômago.

Mecanismo de ação do glucagon

Os principais efeitos conhecidos do glucagon são mediados por

um aumento dos níveis intracelulares de AMPc. Isso ocorre porque

o receptor de glucagon encontra-se associado a uma família muito

particular de proteínas, conhecida como família das proteínas G, como

já comentamos anteriormente.

Para relembrar o que são as proteínas G e como os níveis intracelulares de AMPc são controlados por elas, releia o fi nal da Aula 31 de Bioquímica II e a Aula 14 de Biologia Celular I.

!

A Figura 32.2 mostra a seqüência de eventos desencadeados pela

ligação do glucagon a seu receptor presente na superfície celular.

BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina

238 CEDERJ

Figura 32.2: Eventos desencadeados pela ligação do glucagon a seu receptor presente na superfície celular.

Mas como o aumento da concentração intracelular de AMPc vai

promover a alteração do metabolismo celular?

O AMPc se liga a uma importante proteína cinase, a proteína

cinase dependente de AMPc (PKA). Esta proteína é composta por quatro

subunidades: duas regulatórias, onde estão os sítios de ligação do AMPc,

e duas catalíticas, que podem fosforilar várias

enzimas do metabolismo. Quando a PKA está

na sua forma tetramérica, as subunidades

regulatórias impedem a atividade das

subunidades catalíticas. Quando o AMPc se

liga, as subunidades regulatórias se dissociam

das subunidades catalíticas, levando à ativação

dessa enzima. Veja o esquema na Figura 32.3.

Uma vez ativada, a PKA poderá catalisar

a fosforilação de diversas proteínas no interior

da célula, levando assim à ativação/inativação

de enzimas.

Figura 32.3: Esquema da regulação da PKA pelo AMPc.

ATP

AMPc

Adenilato ciclase

Proteína G

PKA

R R

C C

R R

C C

4 AMPC 4 AMPC

PKA inativa

PKA ativa

CEDERJ 239

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32Agora você deve estar se perguntando: afi nal, que enzimas são

essas e quais são os efeitos do glucagon no metabolismo energético?

Vamos responder a essa pergunta a seguir.

Ação do glucagon sobre o fígado

Sem dúvida, o principal órgão a sofrer os efeitos da liberação

de glucagon é o fígado. Em resposta a elevações bastante sutis nas

concentrações sanguíneas de glucagon, esse órgão modifica seu

metabolismo drasticamente. Graças a isso, o organismo é capaz de adaptar-

se a diferentes situações metabólicas, principalmente à hipoglicemia. As

principais vias metabólicas afetadas pelo glucagon no fígado são:

O metabolismo de glicogênio

Após uma refeição balanceada, cerca de 25% da glicose ingerida

é convertida em glicogênio no fígado. Os níveis de glicogênio no interior

de um hepatócito podem variar entre 1 e 100mg/g de tecido hepático

durante um ciclo normal de jejum/alimentação.

Antes de ser batizado com seu nome atual, o glucagon era conhecido como “fator hiperglicemiante glicogenolítico”. Isso se deveu a algumas experiências realizadas entre 1921 e 1938, que mostraram que extratos pancreáticos injetados em animais sem pâncreas provocavam rapidamente hiperglicemia, em decorrência da mobilização do glicogênio hepático. De fato, o primeiro efeito conhecido do glucagon foi o estímulo da degradação do glicogênio.

!

Como vimos anteriormente, a SÍNTESE E DEGRADAÇÃO DE GLICOGÊNIO

devem ser conjuntamente reguladas, de modo a evitar desperdícios de

energia decorrentes da realização de ciclos fúteis.

Através da ativação da PKA, um dos primeiros efeitos do glucagon

sobre a síntese de glicogênio é a inativação da enzima glicogênio sintase.

Aparentemente, tanto a própria PKA quanto as cinases ativadas por ela,

principalmente a glicogênio sintase cinase 3 (GSK-3), são capazes de

fosforilar esta enzima. Essa fosforilação faz com que a glicogênio sintase

passe de sua forma a (ativa) para a forma b (inativa).

A fosforilase cinase também é fosforilada pela PKA, tornando-se

ativa. Essa enzima catalisa a fosforilação da glicogênio fosforilase, a

enzima-chave da degradação do glicogênio. Quando fosforilada, a

glicogênio fosforilase sofre uma mudança conformacional, passando

da forma b (inativa) para a forma a (ativa).

Veja um esquema da regulação da síntese e da degradação do

glicogênio na Figura 32.4.

SÍ N T E S E E D E G R A D A Ç Ã O D E

G L I C O G Ê N I O

Se precisar, reveja as vias de síntese e de degradação

do glicogênio, assim como sua regulação,

nas Aulas 25, 26 e 27.

BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina

240 CEDERJ

Figura 32.4: Esquema da regulação das enzimas-chave da síntese (glicogênio sintase) e da degradação (glicogênio fosforilase) em resposta à ação do glucagon.

Assim, quando os níveis sanguíneos de glucagon aumentam,

a síntese de glicogênio é drasticamente diminuída e sua degradação

muito aumentada.

A degradação do glicogênio gera glicose-1-fosfato que, pela

ação da enzima fosfoglucomutase, é convertida em glicose-6-fosfato,

que por sua vez é substrato para a glicose-6-fosfatase presente no retículo

endoplasmático dos hepatócitos, formando, assim, glicose livre que pode

ser enviada para a corrente sangüínea.

Alteração da relação glicólise/gliconeogênese

Você já aprendeu que o fígado é o principal órgão dos mamíferos a

realizar a gliconeogênese. Por isso, é importante a existência, nesse órgão,

de um controle integrado da relação glicólise/gliconeogênese, de forma a

minimizar a ocorrência de ciclos fúteis e a perda de energia. O glucagon

desempenha um papel extremamente importante nessa regulação.

Reveja as reações e a regulação da via gliconeogênica nas Aulas 29 e 30.

!

Fosfoproteína fosfataseProteína cinase

Glicogênio sintase a (ativa)

Glicogênio fosforilase b

(inativa)

Glicogênio fosforilase b

(inativa)

Glicogênio fosforilase a (ativa)

P

P

P

P

CEDERJ 241

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32O principal efeito do glucagon sobre a glicólise/gliconeogênese acontece

sobre a enzima bifuncional fosfofrutocinase-2/frutose-2,6-bisfosfatase.

Como você já aprendeu na Aula 30, essa enzima catalisa duas reações distintas:

a conversão de frutose-6-fosfato (frutose-6P) em frutose-2,6-bisfosfato

(F2,6BP) e a reação reversa, a conversão de F2,6BP em frutose-6P.

A fosforilação da enzima bifuncional pela PKA leva a uma

modifi cação de sua atividade. A enzima fosforilada apresenta atividade

F2,6BPase, enquanto sua defosforilação inibe essa atividade fosfatásica

e ativa a porção PFK2 da enzima.

Mas o que faz F2,6BP? Tente lembrar e confi ra se sua resposta

estava correta lendo o texto a seguir.

F2,6BP é um potente ativador da fosfofrutocinase-1 (PFK-1),

enzima-chave da glicólise. Ao mesmo tempo, essa substância também

inibe a frutose-1,6-bisfosfatase, enzima da gliconeogênese.

Assim, quando a PKA é ativada devido à ação do glucagon, os

níveis intracelulares de F2,6BP diminuem, levando à inibição da PFK-1

e, conseqüentemente, da glicólise, e à ativação da frutose-1,6-bisfosfatase e,

conseqüentemente, da gliconeogênese.

Outro efeito importante do glucagon sobre a glicólise é a regulação

da enzima piruvato cinase (PK). Essa enzima catalisa a última reação

da glicólise, a conversão de fosfoenolpiruvato (PEP) em piruvato com

concomitante síntese de uma molécula de ATP. A fosforilação da PK

hepática é catalisada pela PKA e leva a uma drástica redução de sua

atividade. Com isso, a glicólise fi ca inibida. Essa regulação também

é importante para garantir que o PEP, formado na primeira etapa da

gliconeogênese, não seja reconvertido em piruvato (você já viu isso em

mais detalhes na Aula 30; se achar necessário, volte até lá).

O metabolismo dos ácidos graxos

Os ácidos graxos derivados dos triacilglicerídeos e estocados nos

adipócitos são a fonte de energia mais importante para os mamíferos.

O glucagon exerce um importante papel na regulação do metabolismo

de ácidos graxos, como veremos a seguir.

A primeira etapa da SÍNTESE DE ÁCIDOS GRAXOS é o transporte das

unidades de acetil-CoA, derivadas da oxidação da glicose ou dos

aminoácidos, da mitocôndria para o citoplasma. Estas unidades de

acetil-CoA saem da mitocôndria na forma de citrato, que no citoplasma

é convertido a oxaloacetato e acetil-CoA novamente.

SÍ N T E S E D E Á C I D O S G R A X O S

Reveja a síntese de ácidos graxos em

detalhes nas Aulas 22 e 23.

BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina

242 CEDERJ

Uma vez no citoplasma, a etapa seguinte da síntese de ácidos

graxos seria a conversão de acetil-CoA em malonil-CoA, catalisada pela

acetil-CoA carboxilase. Esta enzima-chave da biossíntese de ácidos graxos

é inibida por glucagon através de um mecanismo também dependente

de PKA, que catalisa a fosforilação dessa enzima, mantendo-a na sua

forma protomérica inativa.

Ação do glucagon sobre o adipócito

A mobilização das reservas de triacilgliceróis estocadas nos adipócitos

se dá através da ativação da lipase sensível a hormônio. Esta enzima catalisa

a hidrólise das ligações éster dos triacilgliceróis, gerando glicerol e ácidos

graxos, que seguirão pela corrente sangüínea associados à albumina até o

fígado ou outros tecidos capazes de realizar a β-oxidação.

A lipase sensível a hormônio é ativada por fosforilação catalisada

pela PKA. Embora ainda exista certa controvérsia na literatura científi ca a

respeito da presença ou não de receptores de glucagon no tecido adiposo,

uma série de dados vêm sustentando que, quando os níveis sanguíneos

de glucagon aumentam, a cascata de sinalização desencadeada por esse

hormônio promove a hidrólise dos triacilgliceróis, com conseqüente

liberação de glicerol e ácidos graxos por estas células.

Desta forma, podemos concluir que a liberação do glucagon na corrente

sanguínea promove a mobilização dos ácidos graxos, que passam a servir

como fonte de energia para a maioria dos tecidos. Por outro lado, o glucagon

também vai promover a liberação hepática de glicose, seja proveniente da

degradação do glicogênio, seja produzida pela via gliconeogênica. Veja, na

Figura 32.5, um esquema da integração do metabolismo dos vários tecidos

do nosso corpo durante uma situação de hipoglicemia.

CEDERJ 243

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32

Figura 32.5: Esquema do metabolismo em resposta à liberação de glucagon durante a hipoglicemia.

Pâncreas(células α)

Glucagon

Intestino

Veia porta

Enterócitos

Alanina Alanina

Proteína

Aminoácido

Glicose

Lactato Corpos cetônicos

Glicerol

Uréia

Fígado

Cérebro

Lipídeos

Tecido adiposo

Ácidos graxosAlanina

Lactato

HemáciasGlutamina

Tecido muscular

CO2 + H2O

CO2 + H2O

Glicerol

Aminoácido

Proteína

ADRENALINA

Natureza química e secreção da adrenalina

A adrenalina faz parte de um grupo de substâncias denominadas

catecolaminas, por suas estruturas derivarem do catecol (Figura 32.6).

BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina

244 CEDERJ

Figura 32.6: Estrutura do catecol e das catecolaminas.

A adrenalina é secretada pela glândula ADRENAL (de onde vem seu

nome), que se localiza acima dos rins e, por isso, é também conhecida

como glândula supra-renal.

Em resposta a situações de estresse agudo (estresse psicológico,

cansaço físico, jejum prolongado ou hipoglicemia, perda sangüínea e

diversas condições patológicas), ocorre ativação do sistema nervoso

simpático, que é parte integrante do sistema nervoso autônomo.

Como parte dessa resposta adaptativa, há aumento da liberação de

catecolaminas pela adrenal. A liberação dessas substâncias no sangue e

sua atuação em órgãos periféricos, principalmente no caso da adrenalina,

promovem as conhecidas reações de “fuga ou luta”. Essas reações são

caracterizadas por dilatação pupilar, taquicardia, sudorese, tremores,

aumento da glicemia.

AD R E N A L

A adrenal pode ser dividida em duas partes: o córtex, que secreta glicocorticóides e mineralocorticóides (falaremos desses hormônios na Aula 33); e a medula, cujo principal produto de secreção é a adrenalina.

As ações dos produtos secretados pela adrenal têm grande correlação com as funções do sistema nervoso simpático. Dessa forma, freqüentemente usamos o termo sistema simpático-adrenal para ressaltar as inter-relações existentes entre o sistema nervoso autônomo e o sistema endócrino representado pela adrenal.

!

Dopamina

CatecolNorepinefrina

Epinefrina

CEDERJ 245

AU

LA

DU

LO 7

32Receptores adrenérgicos

A adrenalina é uma molécula polar e solúvel em meio aquoso e,

portanto, incapaz de atravessar a membrana plasmática das células.

Assim, uma vez liberada na circulação, a adrenalina exerce seus efeitos

intracelulares por intermédio da ação de receptores de membrana,

os chamados receptores α e β-adrenérgicos. Os receptores adrenérgicos,

assim como os receptores de glucagon, se encontram associados à

proteína G. Como você já deve estar suspeitando, a seqüência de eventos

que ocorrem a partir da ligação da adrenalina a seu receptor é semelhante

àquela descrita para a ação do glucagon.

É isso mesmo! Entretanto, a distribuição dos receptores

adrenérgicos entre os tecidos é diferente da distribuição dos receptores

de glucagon, de forma que os efeitos gerais sobre o metabolismo também

vão ser diferentes frente a um estímulo de adrenalina ou de glucagon.

Efeitos da adrenalina sobre o metabolismo hepático

Os principais efeitos da adrenalina no fígado são o resultado de

sua ligação a RECEPTORES β-ADRENÉRGICOS, com conseqüente aumento das

concentrações intracelulares de AMPc e a regulação de processos como

o metabolismo de glicogênio e o fl uxo glicólise/gliconeogênese.

Os efeitos da adrenalina sobre a síntese e a degradação do glicogênio

no fígado são muito semelhantes aos já descritos para a ação do glucagon.

Na verdade, o papel de ambos os hormônios foi elucidado na mesma série

de trabalhos, desenvolvidos ao longo da década de 1950 por Sutherland

e diversos colaboradores. Nesses trabalhos, os pesquisadores, utilizando

fatias de fígado de coelho, demonstraram que tanto o chamado “fator

hiperglicemiante” (glucagon) quanto a adrenalina eram capazes de causar

um aumento na atividade glicogenolítica hepática, in vivo e in vitro.

Os efeitos sobre a glicólise e a gliconeogênese, assim como sobre

a síntese de lipídeos, também são semelhantes àqueles desencadeados

pelo glucagon.

Assim, podemos concluir que, no fígado, adrenalina e glucagon

causam os mesmos efeitos metabólicos.

RE C E P T O R E S A D R E N É R G I C O S

São divididos em vários subtipos.

Primeiramente, são divididos em dois

grandes grupos: os receptores α e

β-adrenérgicos. Os receptores β se

dividem nos subtipos β1, β2, β3, este

último exclusivo do tecido adiposo.

Os receptores α são divididos em α1 ou

α2. Os receptores α1 podem ainda ser subdivididos em vários outros

subtipos: α1A, α1B etc.

BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina

246 CEDERJ

Efeitos da adrenalina sobre o músculo esquelético

Efeitos sobre o metabolismo do glicogênio

Nas células do músculo esquelético, assim como no tecido muscular

cardíaco, a adrenalina também exerce seus efeitos sobre o metabolismo

do glicogênio. Como já vimos no caso do fígado, a adrenalina promove

a ativação da glicogênio fosforilase muscular através da sua fosforilação.

A principal diferença entre os dois tecidos reside no destino da glicose-1-

fosfato produzida na fosforólise do glicogênio. As células musculares não

apresentam a enzima glicose-6-fosfatase, resultando no aprisionamento

da glicose-6-fosfato produzida pela reação da fosfoglicomutase. Esta

é uma importante adaptação funcional, uma vez que o coração e os

músculos, ao contrário do fígado, necessitam da glicose para a produção

de ATP para contração, em resposta a situações de estresse ou risco

iminente (que disparam o estímulo adrenérgico), e não têm papel na

manutenção da glicose plasmática. Assim, a glicose-6-fostato resultante

da degradação do glicogênio no músculo segue a via glicolítica, como

veremos a seguir.

Ação sobre o fl uxo glicolítico

Uma diferença fundamental ocorre entre o tecido muscular e o

tecido hepático, com relação ao papel da adrenalina sobre a glicólise.

No músculo, a enzima bifuncional PFK-2/F2,6BPase responde de maneira

totalmente inversa à fosforilação

promovida pela PKA; ou seja, no

músculo, a PFK-2 estará ativa quando

a enzima estiver fosforilada, enquanto

a atividade da F2,6BPase fi ca inibida.

Isso resulta em efeitos inversos da

adrenalina sobre as vias glicolíticas

muscular e hepática (Figura 32.7).

Figura 32.7: Ação da adrenalina sobre o metabolismo do glicogênio e sobre o fl uxo glicolítico muscular e hepático.

Glicogênio

Glicose

Fígado

Lipídeos

Tecido adiposo

Ácidos graxos

Corpos cetônicos

Glicose

Lactato

Tecido muscular

CO2

CO2

Glicogênio

CEDERJ 247

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32Efeitos da adrenalina sobre o músculo cardíaco

A adrenalina exerce efeitos bem característicos no músculo

cardíaco. Como já comentamos, situações de estresse muitas vezes

tornam necessário o aumento da freqüência cardíaca, o aumento da força

de contração e, por conseguinte, maior efetividade no bombeamento

de sangue, com oxigênio e nutrientes para todo o organismo. Isso só

é possível se ocorrer um aumento na taxa de metabolismo basal do

cardiomiócito, ou seja, aumento no consumo de oxigênio e aumento na

produção de ATP. Torna-se óbvio então que, nessa situação, ao contrário

do que ocorre em nível hepático, é necessário que a adrenalina promova

um aumento da glicólise cardíaca, a fi m de maximizar a produção de

energia para a contração muscular.

No cardiomiócito, a adrenalina também age via receptor

β-adrenérgico, com ativação da adenilato ciclase e de todos os outros

efeitos atrelados ao aumento nos níveis de AMPc, resultando na ativação

da PFK-1 pela F2,6BP, como ocorre no músculo esquelético.

Estudos recentes mostraram que, no tecido muscular cardíaco

sob infl uência de adrenalina, o glicogênio é utilizado preferencialmente,

seguido pela glicose exógena e, fi nalmente, pela oxidação de ácidos

graxos, que ocorre em níveis muito inferiores. Entretanto, a oxidação de

ácidos graxos continua sendo muito importante no suprimento energético

de outros tecidos, principalmente durante o jejum.

Efeitos da adrenalina sobre o tecido adiposo

No tecido adiposo, a adrenalina apresenta um importante papel

no processo de degradação dos triacilgliceróis armazenados. Como

comentamos anteriormente, a enzima lipase sensível a hormônio pode ser

substrato da fosforilação catalisada pela PKA. Essa fosforilação promove

a ativação da enzima. O resultado fi nal da sinalização da adrenalina é a

liberação de glicerol e de ácidos graxos dos adipócitos para o plasma.

Esses ácidos graxos serão transportados para utilização em diversos

tecidos, como importante fonte energética.

Outra enzima encontrada em adipócitos, que responde aos efeitos

da adrenalina, é a acetil-CoA carboxilase. Essa enzima catalisa o primeiro

passo comprometido da biossíntese de ácidos graxos, sendo regulada

tanto por efetores alostéricos (citrato), como pela inativação induzida

por fosforilação.

BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina

248 CEDERJ

Assim, podemos concluir que a adrenalina estimula a lipólise no

tecido adiposo, a glicogenólise e a glicólise muscular, além de aumentar

as concentrações plasmáticas de glicose, ao estimular a glicogenólise e

a gliconeogênese no fígado.

R E S U M O

Nesta aula, abordamos os principais aspectos relacionados aos hormônios glucagon

e adrenalina. Embora sejam secretados por glândulas diferentes, em resposta a

estímulos distintos, esses dois hormônios compartilham o mesmo mecanismo de

ação. Ambos se ligam a receptores associados à proteína G, ativando a produção

intracelular de AMPc, que, por sua vez, ativa a PKA. Essa proteína cinase vai catalisar

a fosforilação de uma série de enzimas, levando à modifi cação de sua atividade.

O glucagon é secretado pelas células α das Ilhotas de Langerhans do pâncreas,

em resposta à diminuição da glicemia. Ele age principalmente sobre o fígado

e também sobre o tecido adiposo. No fígado, os principais efeitos metabólicos

são: a ativação da degradação do glicogênio e da gliconeogênese, resultando na

produção de glicose, que é liberada na circulação sangüínea. No tecido adiposo,

a fosforilação da lipase leva à hidrólise dos triacilgliceróis, liberando ácidos graxos

e glicerol na circulação.

A adrenalina é secretada pela medula da glândula adrenal, em resposta a

estímulos do sistema nervoso. Os principais tecidos-alvo são o fígado, o músculo

e o tecido adiposo. No fígado e no tecido adiposo, os efeitos são semelhantes aos

do glucagon. No músculo, que não responde ao glucagon devido à ausência de

receptores, a adrenalina provoca a degradação do glicogênio e ativa a glicólise,

permitindo que as células musculares sintetizem ATP em anaerobiose.

EXERCÍCIOS

Os exercícios referentes às Aulas 31, 32 e 33 serão apresentados em conjunto ao

fi nal da Aula 33.

Insulina e glicocorticóides

• Chegamos ao fi nal do nosso curso. Nesta aula, vamos terminar o estudo do metabolismo, falando especifi camente de outros dois hormônios importantes na regulação do metabolismo energético: a insulina e os glicocorticóides. Com isso, acreditamos que você terá uma visão bem ampla do funcionamento do nosso organismo.

Pré-requisito

Esta aula também vai explorar a integração hormonal do metabolismo. Por isso, será

importante, novamente, adiantar o estudo de toda a matéria antes de começar a ler a aula, de

forma que você tenha uma boa visão geral do metabolismo e das várias vias que o compõem.

33AU

LA

objetivo

BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides

250 CEDERJ

Na Aula 32, falamos sobre as células que compõem as Ilhotas de Langerhans do pâncreas.

!

INSULINA

Características químicas da insulina

A insulina é uma pequena proteína com 51 resíduos de aminoácidos,

secretada pelas células β das Ilhotas de Langerhans do pâncreas. Ela é

sintetizada como uma forma inativa, chamada pré-pró-insulina. Essa

proteína apresenta uma única cadeia polipeptídica, tendo em sua porção

N-terminal uma seqüência de sinalização (Figura 33.1). Quando essa

seqüência é clivada devido à ação de proteases, há formação de três pontes

dissulfeto, dando origem à pró-insulina. Essa, então, é direcionada para

o Complexo de Golgi, onde será armazenada em vesículas.

Quando há estímulo para a secreção de insulina, enzimas específi cas,

denominadas pró-hormônios convertases 1, 2 e 3 (PC 1, 2 e 3), promovem

a hidrólise de duas ligações peptídicas na cadeia da pró-insulina, dando

origem à insulina madura e ao peptídeo C (Figura 33.1).

A forma ativa do hormônio, agora, apresenta duas cadeias peptídicas

unidas por pontes dissulfeto, e é transportada pelas vesículas secretórias

através do Complexo de Golgi, que é extremamente desenvolvido nas

Ilhotas de Langerhans, até a membrana plasmática onde será exocitada.

Figura 33.1: Processo de formação da insulina. A insulina madura é formada a partir de seu precursor pré-pró-insulina através de sucessivas reações de proteólise. A remoção de 23 aminoácidos (seqüência de sinalização) na região animo-terminal da pré-pró-insulina e a formação de três pontes dissulfeto produzem a pró-insulina. Posteriormente, nova proteólise remove o peptídeo C, formando a insulina madura, composta por duas cadeias – A e B.

Pré-pró-insulina

+NH3

+NH3

+NH3

Pró-insulina Insulina madura

Seqüência de sinalização

Cadeia A

COO- COO- COO-

-OOC

C B BS

S

S S

S S

S

S

S S

S S

+H3N

Cadeia B

Peptídeo CSeqüência de sinalização

CEDERJ 251

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33Secreção de insulina pelas células β

As células β do pâncreas secretam quantidades precisas de insulina

em resposta a sutis aumentos na concentração basal de glicose plasmática.

O principal estímulo fi siológico para a secreção de insulina é, portanto,

a glicose.

Quando nos alimentamos, a absorção dos nutrientes é um processo

gradual e contínuo, que se inicia aproximadamente 20 minutos após o

início da refeição. Os níveis plasmáticos de glicose após uma refeição

podem chegar a mais de 10mM, ou seja, o dobro dos níveis basais.

Portanto, é de suma importância que a secreção de insulina seja um

processo também gradual, acompanhando as oscilações dos níveis

plasmáticos de glicose.

Receptor e mecanismos de ação

O receptor de insulina faz parte da grande família dos receptores

tirosina cinase. É uma glicoproteína composta de duas subunidades

α, que contêm sítios de ligação para a insulina, e duas subunidades β,

que atravessam a membrana plasmática da célula e apresentam atividade

tirosina cinase em seus domínios citosólicos (Figura 33.2).

Figura 33.2: Diagrama esquemático do receptor da insulina. Os sítios de ligação da insulina estão mostrados na subunidade α e os sítios de fosforilação na subunidade β.

Existem algumas drogas, utilizadas no tratamento do diabetes, denominadas hipoglicemiantes orais, que também estimulam a secreção de insulina (estímulo clínico).

!

Insulina ligada

α α

β β

Tyr TyrTyr

ATP

TyrADPP

P

Proteína-alvo

Efeitos intracelulares

Sítio de autofosforilaçãoDomínio

tirosina cinase

BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides

252 CEDERJ

As subunidades α e β encontram-se unidas através de pontes

dissulfeto. Após a ligação da insulina no sítio das subunidades α, uma

rápida mudança conformacional se segue, provocando a autofosforilação

de vários resíduos de tirosina na porção citosólica das subunidades β.

A autofosforilação resulta no aumento da atividade tirosina

cinásica do receptor de insulina, iniciando a propagação de sinal através

de interações proteína-proteína.

Atualmente, a insulina é um dos hormônios mais bem estudados.

Entretanto, seu mecanismo de ação ainda está longe de ser completamente

esclarecido. Sabe-se que a cascata de sinalização da insulina é muito

complexa e cada vez mais novas proteínas são descritas.

Os estudos referentes ao mecanismo de ação da insulina têm grande importância face à alta prevalência de diabetes mellitus em todo o mundo. O diabetes é a terceira maior enfermidade, que acomete pelo menos 3% da população européia e norte-americana e 100 milhões de pessoas em todo o mundo.

!

Uma classe de proteínas, conhecidas como IRS (Insulin Receptor

Substrate, ou Substrato para o Receptor de Insulina), é diretamente

fosforilada pelo receptor em seus resíduos de tirosina. Quando essas

proteínas são fosforiladas, elas se associam a uma série de outras proteínas

presentes na célula, modifi cando sua atividade. Uma das principais enzimas

cuja atividade é modifi cada pela ligação ao IRS-1 é a fosfatidilinositol-3-

cinase (PI3K). Essa enzima introduz um grupamento fosfato na posição 3

do anel inositol dos fosfoinositídeos, que são fosfolipídeos localizados nas

membranas plasmáticas ou de organelas. A PI3K apresenta uma subunidade

regulatória (mais bem descrita) de 85kDa (p85α),

e uma subunidade catalítica de 110kDa (p110).

A subunidade p85α associa-se ao IRS-1 e

também à p110. A subunidade catalítica p110

é estimulada pela ligação à p85 α e, ainda mais,

quando esta última está associada ao IRS-1

(Figura 33.3).

Você aprendeu as caracte-rísticas e a importância dos fosfolipídeos na disciplina Bioquímica I.

!

Membrana plasmática

Insulina

Receptor de insulina

Fosforilação nos resíduos de tirosina

ATP

p110 p85α IRS-1

Fosfoditil inositol-3-cinase

Citoplasma

Figura 33.3: Esquema da transdução de sinal da insulina. O receptor da insulina ativo se liga temporariamente à IRS-1, fosforilando-a, e esta última se liga à subunidade regulatória p85α da PI3K. O complexo IRS-1/PI3K transloca-se para membranas, promovendo a fosforilação do fosfatidilinositol.

CEDERJ 253

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33Efeitos da insulina sobre a captação de glicose

Um dos principais efeitos promovidos pela PI3K é o aumento da

captação de glicose por determinadas células, principalmente células

musculares e células do tecido adiposo. Isso evita um aumento indesejável

da concentração plasmática desse açúcar. Mas como isso ocorre?

A entrada de glicose nas células se dá através de proteínas

transportadoras de glicose, que são chamadas GLUT (Glucose

Transporter, ou seja, transportador de glicose). Os diferentes tecidos

expressam diferentes tipos de GLUT (Tabela 33.1).

Tabela 33.1: Características dos transportadores de glicose

TransportadorKM aproximado

para glicose (mM)Distribuição Características

SGLT-1 0,2-0,5 Intestino e rimTransporte dependente de Na+; con-centra glicose através da membrana epitelial apical

GLUT-1 10Ampla distribuição, alta concen-tração nos eritrócitos e no endotélio

Transportador constitutivo de glicose

GLUT-2 20-42Fígado, células β do pâncreas, rim e

intestino delgado

Transportador de baixa afinidade e alta capacidade de transporte; funciona como um sensor de glicose

GLUT-3 1-5 Neurônios, placenta Transportador de alta afi nidade

GLUT-4 2-10Músculo esquelético e cardíaco,

tecido adiposoTransportador dependente de

insulina

GLUT-5 ---Intestino delgado, esperma, rim,

cérebro, adipócitos e músculoTransportador de frutose; afi nidade

muito baixa para glicose

GLUT-7 --- HepatócitosTransporta glicose através da mem-brana do retículo endoplasmático durante a gliconeogênese

Dentre os transportadores de glicose conhecidos, os GLUTs 4, que

são expressos nas células do tecido adiposo e do músculo esquelético,

são dependentes de insulina para captarem glicose. Isso se dá da seguinte

forma: em células não estimuladas com insulina, esses transporta-

dores encontram-se confi nados em vesículas, localizadas no citosol.

BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides

254 CEDERJ

Exercício

Cinase ativada por AMP ?

Estimulação do tranporte de glicose

Vesículas contendo GLUT-4 (responsivos ao exercício)

Translocação para membrana plasmática

GLUT-4

?

?

Vesículas contendo GLUT-4 (responsivos à insulina)

Membrana plasmática Receptor

de insulina

Insulina

ATP

Fosforilação nos resíduos de tirosina

p110 p85 IRS-1

Fosfoditil inositol-3-cinase

Citoplasma

Domínios SH2

Proteínas cinase B

(Akt)

Proteínas cinase C atípica

Cinases dependentes de fosfatidil inositol

Figura 33.4: Efeito da insulina sobre os GLUT4. A ligação da insulina a seu receptor induz um aumento da atividade tirosina cinásica deste último. Um dos principais substratos desse receptor é a proteína IRS-1 que, fosforilada, vai ativar a PI3K. A fosforilação do fosfatidilinositol na posição 3, catalisada por essa enzima, levará à migração das vesículas contendo GLUT4 para a superfície das células adiposas e musculares. Quando a insulina se desliga dos receptores, os transportadores de glicose GLUT4 são internalizados por endocitose e armazenados em vesículas citoplasmáticas.

Outros efeitos da insulina no metabolismo

Além de estimular a captação de glicose pelo músculo e pelo

tecido adiposo, a insulina provoca uma série de outros efeitos sobre

o metabolismo de diversos tipos celulares. Os mecanismos envolvidos

nesses efeitos não estão todos completamente elucidados. Optamos,

então, por listar apenas os efeitos finais, sem descrever as etapas

enzimáticas diretamente envolvidas na regulação pela insulina. Cabe

ressaltar que grande parte desses efeitos resulta da ativação de fosfatases

que defosforilam as enzimas que são fosforiladas pela PKA. Segue a lista

com os principais efeitos da insulina em diferentes tecidos:

A estimulação celular pela insulina promove a exocitose e translocação

das vesículas contendo GLUT4 para a membrana plasmática, resultando

em um aumento de até 30 vezes na captação de glicose por essas

células. Ainda não está muito bem esclarecido como esse mecanismo

ocorre. Alguns estudos mostraram que a associação da p110 da PI3K

às vesículas é uma possível resposta (Figura 33.4). Como os tecidos

adiposo e muscular correspondem, juntos, a aproximadamente 60%

da massa corporal, o controle exercido pela insulina sobre a captação

e utilização de glicose pelas células desses tecidos é fundamental para a

normalização da glicemia no período absortivo.

CEDERJ 255

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33Fígado:

– Ativação da glicólise e inibição da gliconeogênese;

– Ativação da síntese de glicogênio e inibição da sua degradação;

– Ativação da síntese de ácidos graxos;

– Ativação da via das pentoses.

Músculo:

– Aumento da captação de glicose;

– Ativação da síntese de glicogênio e inibição da sua degradação.

Tecido adiposo:

– Aumento da captação de glicose;

– Ativação da síntese de ácidos graxos;

– Ativação da via das pentoses.

Repare que todos os resultados da ação da insulina sobre as vias

metabólicas resultam em uma maior utilização da glicose, permitindo

uma rápida redução da glicemia e a produção de reservas energéticas

com o excedente de glicose.

GLICOCORTICÓIDES

Os corticóides são hormônios esteróides sintetizados exclusivamente

no CÓRTEX das glândulas supra-renais (adrenais). Esses hormônios podem

ser divididos em duas classes principais, os mineralocorticóides, assim

denominados por estarem envolvidos com a regulação do equilíbrio de

íons, principalmente sódio e potássio, dos quais não falaremos nesta aula,

e os glicocorticóides, assim denominados devido ao seu papel central

na regulação do metabolismo de carboidratos, mas que também estão

envolvidos na regulação de diversas outras vias metabólicas, como a via

de síntese e degradação de ácidos graxos, além de desempenharem papel

central na mediação da resposta imunológica.

Natureza química dos glicocorticóides

Os glicocorticóides são sintetizados a partir do colesterol por uma

série de reações químicas complexas que não serão exploradas nesta

aula. Os glicocorticóides naturais mais importantes são o cortisol e a

corticosterona (Figura 33.5). Um homem adulto produz diariamente de

10 a 30mg de cortisol e de 2 a 4mg de corticosterona.

CÓ RT E X

Em um indivíduo adulto, o córtex

compreende 90% do tamanho total da

glândula supra-renal, sendo os outros 10%

constituídos pela medula. Do ponto de

vista histológico, o córtex supra-renal pode

ser dividido em três zonas: (a) a zona mais

externa, chamada zona glomerular, responsável

pela síntese dos mineralocorticóides;

(b) a zona média, chamada zona

fasciculada, que é a maior das três zonas, constituindo cerca de

75% do córtex supra-renal; e (c) a zona mais

interna, denominada zona reticular.

As duas últimas são responsáveis pela síntese dos

glicocorticóides, dos androgênios e dos estrogênios

supra-renais.

BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides

256 CEDERJ

Figura 33.5: Estrutura química do cortisol.

Secreção de glicocorticóides

A produção de glicocorticóides é regulada pelo hormônio

adrenocorticotrófi co (ACTH), um hormônio peptídico produzido pela

GLÂNDULA PITUITÁRIA.

O controle da secreção de glicocorticóides se dá principalmente

em dois níveis. O primeiro nível pode ser considerado constitutivo,

e determina o ritmo circadiano de secreção dos glicocorticóides. Todos os

mamíferos apresentam um pico de secreção de ACTH (e posteriormente

de glicocorticóides) algumas horas antes do despertar. O horário dessa

secreção pode ser reajustado em poucos dias, adaptando-se a mudanças

nos hábitos noturno e diurno do indivíduo. Um segundo nível de controle

de secreção de glicocorticóides se relaciona à resposta ao estresse. Sabe-se

que estresses de qualquer natureza, como alimentar, hídrico, choques e

traumas, dentre outros, disparam a secreção de glicocorticóides.

A liberação de ACTH pela glândula pituitária, por sua vez, pode

ser regulada por um outro hormônio peptídico, o hormônio liberador de

corticotrofi na (CRH) (corticotrophin releasing hormone). Esse hormônio

é produzido no hipotálamo e levado à adeno-hipófi se por um sistema

de vasos do tipo porta. Assim, diz-se que a produção e a secreção dos

glicocorticóides se encontram sob o controle do eixo hipotálamo-

pituitária-adrenal.

GL Â N D U L A P I T U I T Á R I A

A glândula pituitária, também conhecida como hipófi se, às vezes recebe também o nome de glândula “mestra” do sistema endócrino, por controlar as funções das outras glândulas endócrinas. A glândula pituitária está localizada na base do cérebro, unida ao hipotálamo (uma parte do cérebro que infl ui na glândula pituitária) por meio de fi bras nervosas. Vários hormônios são produzidos pela hipófi se, como o hormônio do crescimento, a prolactina, o hormônio adrenocorticotrófi co (ACTH), o hormônio estimulante da tireóide (TSH), o hormônio folículo-estimulante (FSH), o hormônio luteinizante (LH),o hormônio estimulante dos melanócitos, o hormônio antidiurético (ADH) e a oxitocina.

CH2OH

C O

OH

CH3

CH3

HO

O

CEDERJ 257

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LO 7

33Mecanismo de ação dos glicocorticóides

Ao contrário dos hormônios peptídicos, os glicocorticóides não

necessitam ligar-se a receptores na membrana celular para desempenhar

seus principais papéis. Por serem lipídeos, esses hormônios apresentam

natureza hidrofóbica, podendo assim atravessar a membrana e encontrar

receptores específi cos intracelulares, localizados no citoplasma ou no

núcleo das células-alvo. A ligação do hormônio promove mudanças

conformacionais no receptor, resultando na formação de um complexo

ativado, com alta afi nidade por determinados sítios do DNA, chamados

elementos regulatórios. Geralmente, a ligação do complexo hormônio-

receptor a esses elementos regulatórios afeta a expressão gênica,

induzindo ou reprimindo a iniciação da transcrição de genes específi cos.

Os produtos da tradução dos RNA mensageiros de síntese regulada por

esses hormônios promoverão efeitos metabólicos nas células-alvo.

Lembre-se! Você já aprendeu na Aula 31 que receptores hormonais podem ser subdivididos em dois grupos principais: aqueles que se encontram na superfície celular e vão mediar respostas citoplasmáticas e aqueles de localização intracelular e que vão atuar geralmente no núcleo da célula-alvo.

!

Tabela 33.2: Efeito do exercício na glicemia de ratos-controle e adrenalectomizados.

CondiçãoConcentração de glicose sanguínea (mM)

controle adrenalectomizado

Repouso 6,12 ± 0,22 4,88 ± 0,38

Pós-exercício 5,63 ± 0,29 2,95 ± 0,41

Efeitos dos glicocorticóides no metabolismo

Um dos principais efeitos dos glicocorticóides se dá sobre a via glico-

neogênica. Analise os resultados experimentais descritos a seguir e tire suas

conclusões sobre os efeitos dos glicocorticóides sobre essa via metabólica.

Nesta experiência, Viru e colaboradores mediram a concentração

de glicose sangüínea em ratos-controle e ratos adrenalectomizados (cuja

adrenal foi retirada), antes e após um exercício intenso, obtendo os

resultados mostrados na Tabela 33.2.

BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides

258 CEDERJ

Esses resultados demonstram, de forma bastante clara, que a glicemia

é signifi cativamente menor nos ratos adrenalectomizados, sugerindo um

papel importante dos glicocorticóides na ativação da via gliconeogênica.

Mas quais seriam os mecanismos responsáveis por esse aumento

da atividade gliconeogênica induzida por glicocorticóides?

Vamos analisar outros resultados experimentais. Em 1960, Weber

e colaboradores estudaram os efeitos dos corticóides na atividade de

duas enzimas-chave das gliconeogênicas: GLICOSE-6-FOSFATASE E FRUTOSE-

1,6 BIFOSFATASE. Após administração de um glicocorticóide (dia sim,

dia não), eles sacrifi cavam animais de três lotes (controle, tratados

com glicocorticóide e tratados com glicocorticóide + actinomicina D,

um inibidor de transcrição). Extraíam o fígado e faziam os ensaios da

atividade enzimática no homogenato. Nos animais remanescentes,

continuavam a injetar cronicamente o glicocorticóide até o fi m da

experiência no 13º dia. Os resultados por eles obtidos podem ser

observados na Figura 33.6.

Figura 33.6: Atividade das enzimas gliconeogênicas durante tratamento com glicocorticóides. 100%: atividades obtidas nos animais controle; ( • ) tratados com glicocorticóide; ( o ) tratado com glicocorticóide + actinomicina D.

Que conclusões você pode tirar dessa experiência?

Agora, observe os resultados obtidos em outra experiência.

Você sabe que a gliconeogênese é uma via metabólica para

síntese de glicose a partir de precursores não glicídicos que têm,

como uma de suas etapas limitantes, a conversão de oxaloacetato em

fosfoenolpiruvato (PEP), catalisada pela enzima fosfoenolpiruvato

carboxicinase (PEPCK). Em 1986, Hoppner e colaboradores mediram

os níveis de RNA mensageiro para a PEPCK, em cultura de hepatócitos,

na presença ou ausência de dexametasona (um glicocorticóide sintético),

obtendo os resultados mostrados na Tabela 33.3.

GL I C O S E-6-F O S FATA S E E F R U T O S E-1,6 B I F O S FATA S E

Caso você tenha esquecido a importância das enzimas glicose-6-fosfatase e frutose-1,6 bifosfatase na gliconeogênese, volte às Aulas 29 e 30.

0.0 2.5 5.0 7.5 10.0 12.5 0.0 2.5 5.0 7.5 10.0 12.5

300

200

100

0

300

200

100

0

Dias de tratamento Dias de tratamento

Glicose-6-fosfatase Frutose-1,6-bifosfatase

% a

tivi

dad

e

% a

tivi

dad

e

CEDERJ 259

AU

LA

DU

LO 7

33

Com este experimento, podemos compreender que os glicocor-

ticóides são capazes de ativar a gliconeogênese através da indução da

transcrição e síntese da PEPCK, levando, assim, a um aumento dos níveis

celulares totais dessa enzima.

Além de ativarem a gliconeogênese, os glicocorticóides também

agem sobre o metabolismo de aminoácidos e proteínas.

O tratamento de células musculares com glicocorticóides aumenta

em, pelo menos, 20% a degradação de proteínas. Imagina-se que os

aminoácidos resultantes sejam secretados pelo músculo para a corrente

sangüínea, fi cando assim disponíveis para outros órgãos, principalmente

o fígado. Neste órgão, os aminoácidos podem ser utilizados como

substrato para a gliconeogênese ou como substratos para a síntese das

diversas proteínas hepáticas, cuja produção é justamente estimulada

pelos glicocorticóides.

A expressão de importantes enzimas relacionadas ao metabolismo

de aminoácidos, as TRANSAMINASES, também pode ser estimulada pelos

glicocorticóides. O aumento da síntese dessas enzimas pode ser observado

em diversos tecidos, mas principalmente no músculo e no fígado.

No músculo, acredita-se que esse efeito esteja relacionado ao aumento da

secreção de alanina e glutamina. Uma vez no plasma, esses aminoácidos

podem ser então captados pelo fígado e, com a ajuda das transaminases

recém-sintetizadas, convertidos a piruvato ou a intermediários do

ciclo de Krebs que podem ser utilizados como substratos para a

gliconeogênese.

Tabela 33.3: Níveis de RNA mensageiro para a PEPCK de hepatócitos em cultura, mantidos na presença ou ausência de glicocorticóides.

Condição RNA da PEPCK (% mRNA total)

Controle 0,023 ± 0,005

Dexametasona 0,052 ± 0,004

TR A N S A M I N A S E S

Você aprendeu sobre as transaminases nas

Aulas 17, 18 e 19.

BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides

260 CEDERJ

R E S U M O

Nesta aula, abordamos os principais aspectos relacionados aos hormônios insulina

e glicocorticóides.

A insulina é uma pequena proteína secretada pelas células β das Ilhotas de

Langerhans do pâncreas, em resposta ao aumento da glicemia. O receptor da

insulina tem atividade tirosina cinase que é ativada pela ligação da insulina.

O receptor se autofosforila e, então, fosforila algumas proteínas intracelulares em

seus resíduos de tirosina. A principal proteína fosforilada é o IRS-1. Essa proteína

se associa a várias enzimas, modifi cando sua atividade. Uma das principais enzimas

com atividade modulada pela ligação do IRS-1 é a PI3K. Os efeitos da insulina sobre

o metabolismo estão relacionados a um aumento na captação e utilização da

glicose pelas diferentes células do organismo. A captação de glicose pelo músculo

e pelo tecido adiposo é aumentada em muitas vezes. Esses tecidos passam a usar a

glicose e a produzir suas reservas, o glicogênio e os triacilgliceróis, respectivamente.

A utilização da glicose também é aumentada no fígado, que repõe suas reservas

de glicogênio e sintetiza ácidos graxos.

Os glicocorticóides são secretados pelo córtex da glândula adrenal em resposta

ao aumento nos níveis sangüíneos de ACTH, que, por sua vez, aumentam por um

estímulo do hipotálamo em decorrência de vários tipos de estresse. O principal

glicocorticóide humano é o cortisol. Por sua natureza lipídica, esses hormônios

atravessam a membrana da célula, ligam-se a receptores intracelulares e atuam

sobre a expressão gênica. As principais enzimas cujos genes são regulados pelos

glicocorticóides são as transaminases e as enzimas gliconeogênicas PEPCK, frutose-

1,6-bifosfatase e glicose-6-fosfatase. O resultado de sua ação é, principalmente,

o aumento da produção de glicose pelo fígado, especialmente a partir de

aminoácidos provenientes da degradação de proteínas musculares.

CEDERJ 261

AU

LA

DU

LO 7

33EXERCÍCIOS REFERENTES ÀS AULAS 31, 32 E 33

1. A meia-vida da maioria dos hormônios no sangue é relativamente curta. Por

exemplo, se injetarmos insulina marcada radioativamente em um animal, metade

do hormônio desaparecerá do sangue após 30min.

a) Qual é a importância dessa inativação relativamente rápida dos hormônios

circulantes?

b) Tendo em vista essa rápida inativação, como o nível de hormônios circulantes

se mantém constante em condições normais?

c) De que maneira é possível a ocorrência de mudanças nas concentrações de

hormônios circulantes?

2. Com base em suas propriedades químicas, os hormônios podem ser classifi cados

em duas categorias: aqueles que são muito solúveis em água, mas relativa-

mente insolúveis em lipídeos (por exemplo, a adrenalina); e aqueles que são

relativamente insolúveis em água, mas muito solúveis em lipídeos (por exemplo,

os hormônios esteróides). Comente as implicações entre as características químicas

dessas duas classes de hormônios e seu mecanismo de ação.

3. Ramachandran e colaboradores, em 1983, perfundiram fígados de rato com

diferentes concentrações de glucagon e determinaram a atividade da glicogênio

sintase, bem como o conteúdo de fosfato associado a ela. Os resultados estão

mostrados na fi gura a seguir:

a) Interprete a fi gura, correlacionando os resultados dos dois gráfi cos.

b) Quais seriam os resultados obtidos se fossem medidos os níveis de frutose-

2,6-bifosfato e a atividade da glicogênio fosforilase?

0 10-9 10-8 10-7 10-6

50

40

30

20

Glucagon (M)

Ati

vid

ade

da

glic

og

ênio

si

nta

se (

%)

0 10-9 10-8 10-7 10-6

Glucagon (M)

120

80

40

0Au

men

to n

o c

on

teú

do

de

32 p

(p

mo

l/un

idad

e)

BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides

262 CEDERJ

4. A adrenalina é um hormônio sintetizado na medula da glândula adrenal a

partir do aminoácido tirosina. Esse hormônio é secretado em resposta a diferentes

tipos de estresse. Os gráfi cos a seguir mostram o resultado de uma experiência na

qual células de músculo esquelético de rato foram incubadas com concentrações

crescentes de adrenalina.

a) Justifi que as alterações observadas nos níveis intracelulares dos diferentes

metabólitos.

b) Quais seriam as variações observadas, se essas células fossem incubadas com

glucagon? Justifi que.

5. Durante situações de “fuga ou luta”, a liberação de adrenalina promove a

degradação do glicogênio no fígado, no músculo esquelético e no coração.

O produto fi nal da quebra do glicogênio no fígado é a glicose, enquanto no

músculo é piruvato ou lactato.

a) Por que são observados diferentes produtos da degradação do glicogênio

nos dois tecidos?

b) Para o organismo, qual é a vantagem adaptativa de existirem esses dois

diferentes destinos do glicogênio em situações de “fuga ou luta”?

6. Com base nos conhecimentos adquiridos a respeito da ação da insulina sobre a

captação de glicose por alguns tipos celulares, explique os resultados obtidos no

experimento descrito a seguir:

Por volta de 1985, diversos pesquisadores fi zeram culturas de diferentes tipos de

tecidos para estudar a captação de glicose por essas células. Os ensaios foram

realizados a partir da adição de 3-metil-glicose (um análogo não metabolizado

da glicose) ao meio de cultura, contendo ou não insulina. Os resultados estão

dispostos na tabela seguinte:

0 10 20 30 40 50 60 70 80

0,6

0,4

0,2

0,0

Adrenalina

nm

ole

s/g

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Adrenalina

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Adrenalina

2,8

2,4

2,0

1,6

1,2

0,8

0,4

0,0

nm

ole

s/g

12

10

8

6

4

2

0

nm

ole

s/g

AMPc Frutose-2,6-bifosfato Lactato

CEDERJ 263

AU

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DU

LO 7

33

Tipo Celular3-metil-glicose 3-metil-glicose + insulina

g/diaµmol/g

tecido/ming/dia

µmol/g tecido/min

Fígado 107 0,3 104 0,3

Cérebro 110 0,31 112 0,3

Músculo esquelético 98 0,01 980 0,1

7. Descreva dois efeitos da insulina sobre o metabolismo energético diferentes

daqueles descritos no exercício anterior.

8. No gráfi co abaixo, a linha tracejada indica a administração de um composto

hipoglicemiante (diminui a concentração sangüínea de glicose).

a) Relacione a hipoglicemia com a variação observada na concentração de cortisol.

b) Descreva o mecanismo de ação dos glicocorticóides, ressaltando seu papel

na utilização de aminoácidos para a reposição da glicose sangüínea.

-80 -40 0 40 80 120

Tempo (min)

50,0

10,0

5,0

1,0

0,5

Co

nce

ntr

ção

de

Co

rtis

ol (

mg

/dl)

Bioquímica II

Gabarito

CEDERJ266

Aulas 31, 32 e 33

1. a) A inativação fornece uma maneira rápida de mudar a concentração sangüínea

do hormônio, permitindo um controle preciso de seus efeitos.

b) Os níveis dos hormônios podem ser mantidos constantes se suas taxas de síntese

e degradação são equivalentes.

c) Outras maneiras de variar a concentração de hormônios no sangue são o controle

sobre as taxas de liberação dos estoques intracelulares, de transporte, e de

conversão de um precursor do hormônio em sua forma ativa.

2. Os hormônios solúveis em água exercem seus efeitos a partir de sua ligação a

receptores presentes na superfície externa da célula, desencadeando a formação

de um segundo mensageiro no interior da célula; geralmente levam à modifi cação da

atividade de enzimas pré-existentes. Os hormônios lipossolúveis atravessam a

membrana celular e agem sobre moléculas-alvo ou receptores diretamente;

geralmente levam à modifi cação da expressão gênica, modifi cando o número de

enzimas disponíveis.

3. a) À medida que a concentração de glucagon no meio de perfusão aumenta, a

atividade da glicogênio sintase diminui, e a quantidade de fosfato associado

essa enzima aumenta. Isso ocorre porque o glucagon, ao se ligar ao seu receptor

na superfície dos hepatócitos, desencadeia uma série de eventos que culminam

com a ativação da PKA. Esta enzima catalisa a fosforilação de diversas enzimas,

dentre as quais a glicogênio sintase. Por isso, o conteúdo de fosfato associado

à enzima aumenta. A fosforilação da glicogênio sintase inibe sua atividade,

justifi cando o primeiro gráfi co.

b) A concentração hepática de frutose-2,6-bifosfato diminuiria, já que a fosforilação

da enzima bifuncional fosfofrutocinase2/frutose-2,6-bifosfatase ativa sua

porção frutose-2,6-bifosfatase, levando à conversão de frutose-2,6-bifosfato

em frutose-6-fosfato. A atividade da glicogênio fosforilase aumentaria, pois

esta enzima também é substrato para a PKA, sendo o efeito da sua fosforilação

a sua ativação.

CEDERJ 267

4. a) Os níveis de AMPc aumentam em resposta ao aumento da concentração de

adrenalina no meio de incubação. Isso ocorre porque a ligação da adrenalina

ao seu receptor celular desencadeia mudanças conformacionais no receptor que

alteram sua interação com a proteína G associada a ele, levando à dissociação

da subunidade α, que passa a interagir com a adenilato ciclase, ativando-a.

A adenilato ciclase catalisa a conversão de ATP em AMPc, aumentando, assim,

os níveis intracelulares deste metabólito.

Os níveis de F2,6BP aumentam em resposta ao aumento da concentração

de adrenalina no meio de incubação. Isso ocorre porque o AMPc se liga às

subunidades regulatórias da PKA, levando a sua dissociação das subunidades

catalíticas. Estas últimas passam a catalisar a fosforilação de uma série de

proteínas celulares, dentre as quais a enzima bifuncional PFK2/F2,6Bpase.

A fosforilação da isoforma muscular desta enzima promove a ativação de sua

atividade PFK e a inibição de sua atividade F2,6Bpase, levando à conversão de

F6P em F2,6BP.

Os níveis de lactato aumentam em resposta ao aumento da concentração de

adrenalina no meio de incubação. Isso ocorre porque F2,6BP é um potente ativador

da enzima glicolítica PFK, aumentando, assim, o fl uxo glicolítico. Como o aporte de

oxigênio é insufi ciente para a completa oxidação da glicose, o excesso de piruvato

formado na via glicolítica é convertido em lactato, permitindo a reoxidação dos

NADH formados na glicólise e a continuidade do metabolismo anaeróbico.

b) Não seria observado nenhum efeito já que as células musculares não possuem

receptores para glucagon.

5. a) As células do coração e do músculo esquelético não possuem a enzima glicose-

6-fosfatase. Assim, a glicose-6-fosfato produzida entra na via glicolítica, e,

em condições de defi ciência de oxigênio, é convertida a lactato via piruvato.

Cabe ressaltar, ainda, que a via glicolítica se torna bastante ativada pela

ação da adrenalina, uma vez que a isoforma muscular da enzima bifuncional

(fosfofrutocinase2/frutose-2,6-bifostase) passa a ter atividade fosfofrutocinase2

em decorrência de sua fosforilação pela PKA, levando a um aumento da

concentração de frutose-2,6-bifosfato, que, por sua vez, ativa a enzima-chave

da glicólise fosfofrutocinase1.

CEDERJ268

b) Intermediários fosforilados não podem sair da célula porque a membrana

não é permeável a moléculas carregadas. Em situações de “fuga ou luta”,

a concentração de precursores glicolíticos devem ser altas para garantir a

atividade muscular em anaerobiose. O fígado, por outro lado, deve liberar a

glicose necessária para manter a glicemia. A glicose-6-fosfato formada no fígado

é convertida em glicose pela enzima hepática glicose-6-fosfatase sendo, então,

liberada na corrente sangüínea.

6. A presença de insulina no meio de incubação promove um grande aumento

na captação de glicose pelas células musculares (~10 vezes), enquanto nenhuma

alteração é observada na captação de glicose pelo fígado ou pelo cérebro.

Os transportadores de glicose expressos nas células do músculo esquelético, os GLUTs

4, são dependentes de insulina para captarem glicose. Isso se dá da seguinte forma:

em células não estimuladas com insulina, esses transportadores encontram-se

confi nados em vesículas, localizadas no citosol. A estimulação celular pela insulina

promove a autofosforilação do receptor da insulina, o que resulta no aumento da sua

atividade tirosina cinase. O receptor catalisa, então, a fosforilação da proteína IRS-1,

que, quando fosforilada, associa-se a várias proteínas celulares, dentre as quais, a

PI3K. Esta enzima se torna ativa e catalisa a fosforilação do fosfatidilinositol presente

em membranas celulares. Este sinal leva à translocação das vesículas contendo GLUT4

para a membrana plasmática, resultando em um aumento na captação de glicose

por essas células.

Os GLUTs presentes nas células hepática e cerebrais se encontram constantemente na

superfície celular, possibilitando a captação de glicose mesmo na ausência de insulina.

7. Grande parte dos efeitos resulta da ativação de fosfatases que defosforilam as

enzimas que são fosforiladas pela PKA. Uma das conseqüências é a ativação da

glicogênio sintase e inibição da glicogênio fosforilase, resultando no aumento

da síntese de glicogênio e inibição da sua degradação, tanto no fígado como no

músculo. Podemos citar também a ativação da acetil-CoA carboxilase devido à sua

defosforilação. Isso resulta na ativação da síntese de ácidos graxos, tanto no fígado

como no tecido adiposo. De uma maneira geral, os resultados da ação da insulina

sobre as vias metabólicas resultam em uma maior utilização da glicose, permitindo

uma rápida redução da glicemia e a produção de reservas energéticas com o excedente

de glicose.

CEDERJ 269

8. a) A secreção de glicocorticóides pode se desencadeada em resposta a estresses

de diferentes naturezas, dentre os quais, a hipoglicemia. A baixa concentração

sanguínea de glicose é percebida por uma região especializada do hipotálamo,

induzindo a secreção de um hormônio peptídico, o hormônio liberador de

corticotrofi na (CRH) (corticotrophin releasing hormone). Este hormônio induz a

liberação de ACTH pela glândula pituitária. O ACTH atua na glândula adrenal,

estimulando a produção de glicocorticóides.

b) Os glicocorticóides são hormônios lipídicos, podendo atravessar a membrana

da célula e ligar a receptores intracelulares. O complexo formado pelo glicocor-

ticóide associado ao seu receptor atua sobre a expressão gênica. Assim, esses

hormônios são capazes de induzir a expressão de uma série de enzimas, dentre

as quais as transaminases, importantes enzimas relacionadas ao metabolismo

de aminoácidos. Isso favorece a conversão dos aminoácidos a piruvato ou a

intermediários do ciclo de Krebs, que podem ser utilizados como substratos

para a gliconeogênese. Os glicocorticóides também induzem a transcrição e a

síntese de várias enzimas da gliconeogênese, como a PEPCK, a F1,6BPase e a

G6Pase, levando, assim, a um aumento dos níveis celulares totais dessas enzimas.

Assim, o resultado da ação dos glicocorticóides é, principalmente, o aumento

da produção de glicose pelo fígado, especialmente a partir de aminoácidos

provenientes da degradação de proteínas musculares.