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VIII CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 03 - CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS: ATORES,
PRÁTICAS E SOLULÇÕES ALTERNATIVAS.
O FINANCIAMENTO PÚBLICO DA GUETIZAÇÃO SOCIAL NA REGIÃO DO
ISIDORO EM BELO HORIZONTE: A PEVERSÃO DOS INSTRUMENTOS
URBANÍSTICOS DA OPERAÇÃO URBANA E DO PARCELAMENTO DO
SOLO
Julia Ávila Franzoni1
Natacha Rena2
Arthur Nasciutti Prudente3
Resumo: A região do Isidoro, localizada no vetor norte do município de Belo Horizonte, é palco de uma disputa emblemática pela produção e apropriação do espaço. Ocupações urbanas de moradia e área quilombola estão ameaçadas por projeto lastreado pela Operação Urbana do Isidoro que, mediante o objetivo de urbanizar a área, poderá promover a guetização socioterritorial ao promover projetos habitacionais populares e parcelamento do solo sem adequada contrapartida dos particulares beneficiados. O Isidoro é a última fronteira espacial com virtualidade econômica no principal vetor de expansão urbana da capital já valorizado por grandes obras públicas como a Linha Verde, o Aeroporto de Confins e a Cidade Administrativa. Da análise das alterações legais referentes à Operação Urbana do Isidoro denotam-se três mudanças estruturais desde a primeira edição, demonstrando como o caminho à perversão do instrumento urbanístico alia Estado e capital em projeto de expropriação do comum: o verde, as nascentes, a ordem comunitária das ocupações e a terra quilombola.
Palavras-chave: operação urbana; urbanismo neoliberal; lutas territoriais; guetização.
Sumário: 1. O conflito na região do Isidoro: o verde, o quilombo e as ocupações. 2. Histórico legislativo da Operação Urbana do Isidoro. 3. O financiamento público da guetização socioterritorial; 3.1. Implementação do sistema viário como contrapartida da Operação e não como exigência do parcelamento; 3.2 Isenção de contrapartidas ao empreendimento habitacional financiado por recurso público; 3.3 Irregularidade na aplicação da Transferência do Direito de Construir (“TDC”); 3.4 Violação dos pressupostos da OUI; 3.5 Isenção irregular de IPTU; 3.6 Irregularidade na transferência de áreas não edificáveis ao Município. 3.7 O engodo das contrapartidas. 4. Referências bibliográficas
1. O conflito na região do Isidoro: o verde, o quilombo e as ocupações
A região do Isidoro, localizada no vetor norte da capital mineira, é alvo de
emblemática disputa entre a apropriação do território pelo Estado-capital, mediada pela
lógica privatista, e outras formas de produção do espaço, realizadas por comunidades
1 Doutoranda em Direito Urbanístico na UFMG, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Indisciplinar, [email protected] Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade de São Paulo, Professora nível Adjunto III do Curso de Arquitetura da EAUFMG, [email protected] Mestrando em Direito Urbanístico na UFMG, pesquisador do Grupo de Pesquisa Indisciplinar, [email protected]
tradicionais ligadas ao quilombo remanescente na área e as ocupações urbanas de
moradia, cuja produção do espaço passa pela ordem do comum.4 Mediante a perversão
de instrumentos de política urbana, alavancada pelo mau uso da Operação Urbana do
Isidoro (“OUI”), evidencia-se claro patrocínio público para construção de gueto de
pobres na região, sem infraestrutura técnica e social adequada, financiado,
principalmente, pelo Programa Minha Casa Minha Vida e a instalação de famílias
removidas pelas obras de ampliação do Anel Rodoviário, no antigo sanatório existente
no local, abrigo que está sendo chamado de Vila de Passagem.
Grandes obras e grandes projetos urbanos associados à manipulação perversa de
instrumentos legais de política urbana que: (i) violam direitos de milhares de famílias
que ocuparam a área para fins de moradia, atualmente ameaçadas de despejo; (ii)
ameaçam a manutenção de comunidade quilombola remanescente na região e (iii)
arriscam a preservação de uma dos maiores áreas verdes urbanas do mundo.
Dessa forma, por abrigar diferentes conflitos pela produção do espaço que
traduzem, grosso modo, a expropriação do comum pelo Estado-capital, a região do
Isidoro representa um microcosmo da metrópole biopolítica5 englobando resistências
destituintes das arbitrariedades jurídico-políticas estatais, insurgências criativas e em
rede que mobilizam diferentes agentes na luta contra o urbanismo neoliberal e
experiências positivas de produção do comum nas ocupações do Isidoro, Rosa Leão,
Vitória e Esperança.
A área do Isidoro tem cerca de 10 milhões de m² e está localizado no vetor norte
do Município de Belo Horizonte, em área limítrofe ao Município de Santa Luzia. Sua
principal característica física é abrigar vultosa extensão de área verde preservada,
formando um ecótono de cerrado com mata atlântica, contendo cerca de 280 nascentes
de água, 64 córregos, incluindo o Córrego dos Macacos, último curso de água limpa da
capital. A rede hídrica da região liga o Córrego do Isidoro ao Ribeirão do Onça, que irá
abastecer e integrar a Bacia do Rio das Velhas, principal fonte de abastecimento de água
de Belo Horizonte.
4 O comum pode tanto os bens comuns como a água, o ar, as florestas, as praças e os parques, o comum material, quanto pode ser algo conectado à produção colaborativa em-comum, o trabalho em comum, comum imaterial. Segundo Hardt e Negri (2005) o poder Imperial abarca tudo aquilo que representaria o comum numa estratégia biopolítica, ou seja, expropriando as linguagens, os símbolos, imagens, enfim, todos os meios compartilhados pelos indivíduos, através dos quais estes se tornam capazes de se comunicar e de, assim, produzir algo em sociedade, ver Hardt e Negri (2005).
5 Sobre a metrópole como a nova fábrica, ver Negri (2002) e Rena (2014).
O interesse de preservação ambiental evidenciado pelas características da região
foi oficializado por leis municipais que a demarcaram como Área de Diretrizes
Especiais (ADE Isidoro, Lei Municipal 9.959/2010) e determinaram usos restritos que
se querem compatíveis com a sua proteção sustentável. Ocorre que, paralelo ao interesse
público de ordenação protetiva desse espaço, está o interesse do mercado imobiliário de
se apropriar da última grande área não parcelada em Belo Horizonte, levando à
instituição da segunda Operação Urbana para a área. Interesse este que, como se verá
adiante, encontra amparo e proteção legal, no emaranhado ambíguo de legislações que
buscam combinar proteção ambiental, urbanização técnica e social, habitação social e
obras de infraestrutura, para proveito unilateral do mercado imobiliário.
Note-se que, ainda, o vetor norte foi alvo de diversos investimentos realizados
pelo Poder Público, para alavancar projetos estratégicos, que impulsionaram sua
expansão e valorização: (i) obra de mobilidade da Linha Verde; (ii) implantação da
Cidade Administrativa e (iii) reforma e projeto de criação do Aeroporto Industrial de
Confins.6
A captura pelo mercado imobiliário da região Isidoro, pelo empreendimento
Granja Werneck e possível venda de lotes da área da OUI, implicará, portanto, a
apropriação das mais-valias fundiárias (a valorização econômica da terra) advindas de
inversão pública. Esse processo combinado de aproveitamento privado de investimentos
públicos e de desvirtuamento dos instrumentos urbanísticos7 corrobora e acentua a
desigualdade socioterritorial presente na Região Metropolitana de Belo Horizonte
(“RMBH”).
6 Sobre a produção do espaço na região metropolitana de Belo Horizonte e a expansão do vetor norte através da implementação das condições de produção pelo Estado ver: COSTA, Geraldo Magela; MAGALHÃES, Felipe Nunes Coelho. Processos socioespaciais nas metrópoles de países de industrialização periférica: reflexões sobre a produção do espaço metropolitano de Belo Horizonte, Brasil. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais v. 1 3, n. 1 / maio 2011. p. 9-25. 7 Sobre os instrumentos de política urbana e a necessidade de atrelá-los a sua vocação compartilhada e distributiva, conforme a ordem econômica, ver: FRANZONI, Julia Ávila. Política Urbana na Ordem Econômica. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014.
Fig. 01 – Mapa do Anexo XXXI, da Lei Municipal 7.166/96. Fonte: http://www.cmbh.mg.gov.br/leis/legislacao
O quilombo Mangueiras é território tradicional que atravessa processos de
reconhecimento público de titulação. Essa área está localizada no coração da região do
Isidoro e será impactada pelos principais empreendimentos a reboque da Operação
Urbana, o projeto habitacional “Granja Werneck” e a construção da via 540, que
atravessa a região no sentido leste-oeste.
A existência do quilombo se configurou como principal fato a possibilitar a
disputa da tipologia de projeto de urbanização a ser implementado na região. Com a
finalidade de garantir a sua preservação, o Ministério Público Federal (MPF), em 2010,
abriu inquérito civil para verificar os impactos dos projetos habitacionais e de
mobilidade destinados à região pela Lei Municipal 9.959/10. O MPF, ainda, por
intermédio da Ação Civil Pública nº 006.3658-88.2014.4.01.3800, questionou,
resumidamente, a) a ausência de destinação social do empreendimento habitacional
previsto e b) a situação da comunidade remanescente do Quilombo Mangueiras face às
intervenções urbanas planejadas para a área.
Essa intervenção ministerial culminou em Termo de Ajuste de Conduta (TAC)
que determinou ser de responsabilidade dos empreendedores garantirem a
sustentabilidade do território quilombola.8
Nesse contexto, a intervenção do parquet também proporcionou a revisão da lei
de 2010, ao questionar a inexistência de destinação social do empreendimento
habitacional previsto.
O ano de 2013 deu início ao processo de ocupação espontânea de parte do
Isidoro pelas ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, que estão identificadas no
8 Para informações mais detalhadas acesse: oucbh.indisciplinar.com
mapa abaixo.9 Atualmente, essa área abriga cerca de 8 mil famílias, em moradias já
consolidadas.
Fig. 02 – Mapa das Ocupações da Região do Izidora. Fonte: http://oucbh.indisciplinar.com/?page_id=861
As ocupações são alvo de 4 (quatro) Ações de Reintegração de Posse, com
ameaça iminente de despejo. 1) Ação de Reintegração de Posse nº 2427246-
06.2013.8.13.0024, distribuída em 24/07/13 e proposta pelo Município de Belo
Horizonte. 2) Ação de Reintegração de Posse nº 2978891-13.2013.8.13.0024,
distribuída 30/07/13 e proposta por Paulo Henrique Lara Rocha e outros. 3) Ação de
Reintegração de Posse nº 3042606-29.2013.8.13.0024, distribuída em 08/08/13 e
proposta pela Granja Werneck S/A. 4) Ação de Reintegração de Posse nº 3135046-
44.2013.8.13.0024, distribuída em 03/09/13 e proposta por Ângela Maia Furquim
Werneck.
2. Histórico legislativo da Operação Urbana do Isidoro
Há pouco mais de um século o Município de Belo Horizonte doou área
pertencente à região do Isidoro, à época qualificada como suburbana ou rural, para a
família Werneck, sob a condição de ali ser construído um sanatório modelo. Trata-se do
Decreto nº 82 de 1914 que foi revogado pela Lei Municipal 6.370/1993.
A Lei Municipal 8.137 de 2000, que alterou o Plano Diretor do Município de
Belo Horizonte de 1996, estabeleceu a Operação Urbana do Isidoro (OUI) com
objetivo primordial de promover a urbanização sustentável da região.
Os primeiros questionamentos que podem ser apresentados dessa primeira
versão do instrumento da OUI dizem respeito à utilização da Operação Urbana para fins
9 Este mapa é uma versão aproximada da situação real e foi desenvolvido nas ações de copesquisa dos pesquisadores do Grupo Indisciplinar.
de urbanização10 e, ainda, o tratamento destacado da abertura da Via 540, não
considerada como obra de implantação de nova via de circulação necessária para
implantar o loteamento pretendido na área do Isidoro. A abertura da Via 540 é, nos
termos da OUI, contrapartida do empreendedor em troca dos benefícios gerados pelo
instrumento de política urbana e não obra integrante do sistema viário estabelecido pelas
diretrizes de parcelamento do solo expedidas pelo município.
O interesse público expresso na OUI instituída pela Lei Municipal 8.137 de 2000
é a implantação de sistema viário (construção da Via 540) e de equipamentos que dotem
a região de infraestrutura necessária ao seu desenvolvimento econômico, ambiental e
urbano, e promover uma ocupação ordenada da área. Já o interesse particular é a
utilização de parâmetros urbanísticos mais permissíveis que os do zoneamento vigente
(em especial, maior coeficiente de aproveitamento, e menor quota de terreno por
unidade habitacional). Essa operação possuía o prazo de vigência de 06 anos, não tendo
sido implantada no prazo de validade da OUI (art. 116, da Lei Municipal 8.137/00).
Em 2010, a Lei Municipal 9.959/10, instituiu tanto a Área de Diretrizes
Especiais de Interesse Ambiental do Isidoro (“ADE Isidoro”), quanto nova Operação
Urbana do Isidoro. A definição de Área de Diretrizes Especiais de Interesse Ambiental
está no art. 86 da Lei Municipal 7.166/96:
Art. 86 - A ADE de Interesse Ambiental é constituída por áreas nas quais existe interesse público na preservação ambiental, a ser incentivada pela aplicação de mecanismos compensatórios, por apresentarem uma ou mais das seguintes características:I - presença de cobertura vegetal relevante;II - presença de nascentes, cursos d’água, lagoas e represas;III - existência de áreas cujo lençol freático seja subaflorante, configurando ecossistema de brejo;IV - existência de expressivo contingente de quintais arborizados;V - existência de terrenos com declividade superior a 47% (quarenta e sete por cento), vegetado ou não;VI - existência de áreas degradadas, ainda não ocupadas, em processo de erosão ativa e/ou cuja vegetação tenha sido suprimida ou submetida a degradação.
De acordo com os parâmetros propostos para a área (arts. 86-A a 86-N, que
foram incorporados à Lei Municipal 7.166/96), o Coeficiente de Aproveitamento seria
de 0,5 (cinco décimos) para o uso não residencial na ADE de Interesse Ambiental do
Isidoro e, ainda, seriam válidos para essa ADE os parâmetros urbanísticos referentes às
demais ADEs de Interesse Ambiental do Município. 10 Para entender as críticas sobre a impossibilidade de se utilizar as operações urbanas para fins de urbanização, ver Olbert (2011).
Frisa-se o disposto no art. 86-A em que a área da ADE Isidoro poderá ser objeto
de Operação Urbana, desde que respeitados os parâmetros específicos da ADE. Assim,
os parâmetros urbanísticos da ADE do Isidoro não poderiam ser alterados por Operação
Urbana estabelecida para a área.
A Lei Municipal nº 9.959 de 2010 alterou o Plano Diretor de BH e, nas suas
disposições transitórias, instituiu nova OUI radicalmente diferente da OUI prevista pela
Lei nº 8.137 de 2000. O novo plano urbanístico da Operação previu adensamento
prioritário para população de classe média e alta e contou com projeto urbanístico
elaborado pelo arquiteto Jaime Lerner.
A última alteração legislativa referente à OUI maculou a própria lógica do
instrumento da Operação Urbana. A Lei Municipal nº 10. 705/14, que também altera o
PDBH, dispôs em suas disposições transitórias que não haverá necessidade de
contrapartidas adicionais ao particular caso o empreendimento a ser instalado se digira à
habitação de interesse social. Uma vez que o empreendimento passa a ter caráter social
as demais contrapartidas previstas em lei deixariam de ser exigidas.
3. O financiamento público da guetização socioterritorial
A realidade territorial da região do Isidoro alterou radicalmente entre o período
de 2010, ano de instituição da segunda OUI e 2013, ano que ocorreram as ocupações do
Isidoro, Rosa Leão, Vitória e Esperança. Ocorre que, ao invés de rever o texto da OUI
adequando-o às transformações espaciais ocorridas, o Município de Belo Horizonte
optou por simplesmente destinar parte da área à empreendimentos do Minha Casa
Minha Vida, com a edição da Lei Municipal nº 10. 705/14. Pergunta-se, por que se deve
remover famílias que ocupam a área para realoca-las em empreendimento a ser
construído por empreendedores privados? Para que demolir para depois construir?
Corre-se o que risco de, como afirma Milton Santos, se promover uma
urbanização corporativa, em que “o próprio poder público torna-se criador privilegiado
de escassez; (...) incapaz de resolver o problema da habitação, empurra a maioria da
população para a periferia; e empobrece ainda mais os pobres” (SANTOS, 2008, P.123).
Mediante o apontamento de diversas irregularidades do instrumento urbanístico
da Operação Urbana e do parcelamento do solo pretende-se, no trecho que segue,
discutir como essas perversões contribuem para o financiamento público de um
processo de guetização socioterritorial na região do Isidoro, em beneficio da captura dos
instrumentos pela iniciativa privada.
3.1. Implementação do sistema viário como contrapartida da Operação e não como
exigência do parcelamento
Conforme disposto no art. 61 das DT da Lei Municipal nº 9959/10, o sistema
viário principal da região do Isidoro é composto pelas vias 540 e Norte Sul (039).
Art. 61 - O sistema viário básico da Região do Isidoro é composto por: I - sistema principal, representado no mapa constante do Anexo XXXI desta Lei, objeto de diretrizes para projeto, elaboradas pelo Executivo, e constituído pelas vias: a) Via 540, definida como o ponto 038 do Programa de Estruturação Viária de Belo Horizonte - VIURBS -, que fará a interligação entre a Rodovia MG-20 e a Avenida Cristiano Machado/Rodovia Prefeito Américo Gianetti, de forma a promover a melhoria da articulação interna da Região Norte do Município;b) Via Norte-Sul, definida como o ponto 039 do VIURBS, que cortará a Região Norte do Município, no sentido norte-sul, e fará a interligação entre a Via 540, e a Região do Bairro Jaqueline; II - sistema secundário, constituído pelas vias arteriais, coletoras e locais a serem previstas nos projetos de parcelamento, conforme diretrizes específicas a serem fornecidas pelo Executivo.
Depreende-se do texto legal que apenas o sistema secundário de vias será objeto
dos projetos de parcelamento definidos para região, conforme diretrizes do Poder
Executivo Municipal. Dessa forma, a implantação do sistema principal de vias - 540 e
norte-sul - ficaria fora das exigências legais destinadas ao loteamento da área. Ou seja,
os particulares loteadores não teriam a obrigação de arcar com os custos referentes à
abertura das vias do sistema principal.
Ocorre que, nesse caso, há uma ginástica legislativa para substituir o que é
exigência do loteamento da área para sua configuração como contrapartida dos
particulares na Operação Urbana.
A previsão normativa que separa os sistemas viários do Isidoro em principal e
secundário esconde o fato de que tanto a via 540, quanto a Norte-Sul, têm quase a
totalidade de seu comprimento concentrado no interior do perímetro da Operação
Urbana do Isidoro. Além disso, o sistema viário principal é o eixo estruturador que
garante, de forma si ne qua non, o acesso às áreas internas do Isidoro, sem o qual
qualquer empreendimento na região seria inviável, tal como o empreendimento
habitacional Granja Werneck. Dessa forma, a implantação da via 540 e Note-Sul são
essenciais ao loteamento, não podendo ser divorciadas na discussão do parcelamento.
Destaca-se, ainda, que o loteamento proposto para região implica forte
adensamento da área, o que, por si só, reforça o argumento de que as vias principais são
condições necessárias para sua viabilidade e não apenas política de mobilidade do Poder
Público Municipal.
A abertura, modificação e o prolongamento de vias públicas e construção de
logradouros públicos são obrigações que todo particular deve assumir no processo
administrativo de loteamento. A partir de diretrizes de parcelamento do solo que são
expedidas pelo Município em cada caso, ou pelo órgão metropolitano responsável, na
hipótese da área a ser loteada pertencer a Município integrante de região metropolitana,
os proprietários que irão efetuar abertura de lotes são responsáveis por custear a
instalação das vias essenciais ao seu loteamento e, ainda, determinadas infraestruturas.
Conforme Lei Federal nº 6766/79 e Lei Municipal nº 7166/96 essa exigência é a
característica que diferencia o loteamento do desmembramento:
Art. 2. § 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
Correspondente na Lei Municipal, art. 15, §1º da Lei nº 7.166:
§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação que implique a abertura, o prolongamento, a modificação ou a ampliação de vias de circulação ou de logradouros públicos.
A estratégia de deslocar o sistema viário principal do processo administrativo de
parcelamento do solo possibilita que os particulares envolvidos na OUI utilizem a
implementação das vias 540 e Norte-Sul como contrapartida da Operação Urbana. Caso
isso ocorra, haverá clara violação à lei de parcelamento federal e municipal e, ainda,
diminuição das compensações a serem arrecadas para Operação que constituiriam o
fundo a ser revertido em obras de infraestrutura técnica e social na área.
A argumentação de que as vias 540 e Norte-Sul são estruturantes do Município
e, dessa forma, obra de responsabilidade do Poder Público, não se sustenta. A
essencialidade desse sistema viário para os empreendimentos do Isidoro condicionam
sua abertura por parte dos particulares, naquilo que for correspondente à demanda de
seus empreendimentos.
3.2 Isenção de contrapartidas ao empreendimento habitacional financiado por
recurso público
A Lei Municipal nº 10. 705/14, que também altera o PDBH, dispôs em suas
disposições transitórias que não haverá necessidade de contrapartidas adicionais ao
particular caso o empreendimento a ser instalado se digira à habitação de interesse
social. Uma vez que o empreendimento passa a ter caráter social as demais
contrapartidas previstas em lei deixariam de ser exigidas. Se não, veja-se:
“Art. 67 - [...]§ 6º - Não se sujeitam ao pagamento da contrapartida prevista no caput deste artigo os empreendimentos cujas unidades residenciais sejam integralmente vinculadas ao atendimento da demanda da Política Habitacional do Município, observada a seguinte proporção:I - no mínimo 70% (setenta por cento) das unidades habitacionais destinados a beneficiários com renda familiar mensal de até 3 (três) salários mínimos;II - percentual restante das unidades habitacionais destinado a beneficiários com renda familiar mensal superior a 3 (três) até 6 (seis) salários mínimos;§ 7º - A configuração da hipótese prevista no § 6º deste artigo não isenta o empreendedor da realização das obras de urbanização e tampouco da transferência de percentual da gleba em decorrência das exigências relativas ao parcelamento do solo. [...]§ 11 - A execução das obras de infraestrutura e a implantação dos equipamentos urbanos e comunitários correspondentes aos Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social, exceto se decorrentes do licenciamento do empreendimento e da consequente aprovação do parcelamento do solo, ficarão a cargo do Município.”.
Essa alteração legal perpetrada pela Lei Municipal nº 10.705/14 viola o
patrimônio público, pois fere de morte a possibilidade de contrapartida justa por parte
dos particulares beneficiários da OUI que irão realizar o MCMV em parte da área do
Isidoro. Trata-se, aqui, do projeto levado a cabo pela empresa Direcional Engenharia, na
área da Granja Werneck, cuja licença de instalação (LI) já fora concedida pela
Secretaria de Meio Ambiente de MG.
Há, por essa razão, clara violação à ordem urbanística evidenciada sob dois
aspectos principais: a mudança legal que isenta o empreendedor de contrapartida tem
que ser declarada nula sob pena de, desnaturando o caráter da contrapartida, (i) não só
violar a justa distribuição dos ônus e benefícios apregoada pelo instrumento da
Operação Urbana Simplificada, como, ainda, (ii) deixar a cargo do Poder Público
Municipal o ônus de efetivar a infraestrutura técnica e social que seria, antes da
mudança legislativa, decorrência da contrapartida dos particulares.
A mudança no caráter do empreendimento habitacional na região do Isidoro,
voltando agora à execução do Programa MCMV no Granja Werneck, via Direcional
Engenharia, é o motivo que justificou a alteração legal que isentou esse empreendedor
privado de contrapartida da OUI, conforme Lei Municipal nº 10.705/14.
Ocorre que, nesse caso, o empreendimento habitacional não estará sendo
financiada pelo próprio empreendedor, como era de se esperar, mas sim mediante
recurso federal e municipal. O programa habitacional MCMV é custeado na sua maior
parte, por recursos advindos da Caixa Econômica Federal (CEF) e complementado pelo
Município de Belo Horizonte para construção de infraestrutura técnica e social na área.
Conforme relato colhido de representantes da Direcional Engenharia em reunião
realizada no dia 04 de maio de 2015, na Cidade Administrativa, com representantes das
Ocupações Vitória, Rosa Leão e Esperança, além do repasse da CEF para construção
das unidades habitacionais, o Município de Belo Horizonte irá complementar o
financiamento para custear a instalação de infraestrutura social no empreendimento.
Ainda, segundo o depoimento citado, por cada unidade habitacional a empresa
Direcional receberá R$ 85.000,00 reais, sendo R$ 65.000,00 da Caixa/Ministério das
Cidades e mais R$20.000 do Município de Belo Horizonte. Ou seja, a Direcional não
está, de fato, arcando com nenhuma contrapartida a que seria obrigada pela lei que rege
a OUI. Com o recurso obtido a Direcional construiria como infraestrutura a atender os
conjuntos habitacionais uma caixa d’água, rede de esgoto, água e drenagem. A rede de
energia elétrica seria feita pela CEMIG.
Nota-se, dessa proposta, o claro desvirtuamento do que é uma Operação Urbana
Simplificada e o uso das contrapartidas. A Direcional receberá aportes públicos a partir
dos quais executará o empreendimento habitacional e a infraestrutura mínima. Esse
acordo trata-se de execução do contrato do MCMV e não de contrapartida da OUI.
Conclui-se através das questões apresentadas que há violação do patrimônio
público pela OUI, pois: a) a Lei Municipal nº 10.705/14 é ilegal ao violar a necessária
previsão de contrapartidas aos beneficiários das Operações Urbanas Simplificadas, não
podendo prever isenção que desvirtue as compensações exigidas pelos particulares e
empreendedores; b) a isenção de contrapartida com base na destinação do
empreendimento para habitação social, MCMV no caso, não se sustenta, pois o recurso
que financiará o empreendimento é público.
Ressalte-se, ainda, que a região do Isidoro irá abrigar Centro de Referência e
Vila de Passagem e Abrigamento Provisório de Conciliação, para receber os moradores
removidos de imediações do Anel Rodoviário e da BR 381m conforme acordos de
conciliação assinados em 2014. A área destinada está localizada na Granja Werneck, no
Recanto da Boa Viagem, local que já abrigou antigo sanatório e, posteriormente, asilo
da Paróquia da Boa Viagem.
Não se sabe ao certo quantos moradores serão destinados a esse abrigamento
provisório. Contudo, tendo em vista as irregularidades acima apontadas referentes ao
projeto habitacional para o Isidoro e a inexistência de contrapartidas suficientes a
custear a instalação de infraestrutura técnica e social na região, há o claro risco de
construção de um gueto isolado de pobres, sem adequado acesso à cidade.
3.3 Irregularidade na aplicação da Transferência do Direito de Construir (“TDC”)
A Transferência do Direito de Construir (TDC) é o instrumento de política
urbana pelo qual o Poder Público Municipal autoriza o proprietário de imóvel urbano a
alienar ou a exercer em outro local, o direito de construir previsto na Lei de
Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo relativo ao Coeficiente de Aproveitamento
Básico (CAb), nos termos do art. 60 do Plano Diretor do Município de Belo Horizonte
(PDBH), Lei Municipal nº 7165/1996.
O limite máximo de recepção da transferência do direito de construir é de 20%
(vinte por cento), exceto no caso de projetos urbanísticos especiais, conforme disposto
no art. 62, § 1º, do PDBH. Ressalte-se que, pela leitura do art. 65-E do Plano Diretor, as
Operações Urbanas não são consideradas projetos urbanísticos especiais, portanto, esses
instrumentos não podem ser confundidos para fins de majoração do TDC.
Art. 65-E - As Operações Urbanas e os projetos urbanísticos especiais que envolvam a autorização da Transferência do Direito de Construir poderão ser realizados com a contrapartida de transferência não onerosa de imóvel ao Município, sendo vedado, nessa hipótese, pagamento de indenização, a qualquer título, ao particular (gn).
Dessa forma, a possibilidade de recepção de potencial construtivo acima de 20%
em áreas de Operação Urbana só poderá ocorrer mediante contrapartida do particular ao
Município, uma vez que não se trata de projeto urbanístico especial, não sendo possível,
nessa hipótese, aplicação do art. 62, § 1º, do PDBH.
Os limites para recepção de TDC, de acordo com os arts. 47, 48, 49 e 52 das
disposições transitórias (DT) da Lei Municipal 9959/2010 são os seguintes:
Grau de ocupação e de
proteção ambiental da
Operação Urbana do
Isidoro
CAb CAb após a Recepção de Transferência de Direito de Construir
previsto nas DT da Lei Municipal 9959/2010
Limite de recepção de
acordo com o Plano Diretor do
Município de Belo Horizonte
Porcentagem de recepção previsto
pela Operação Urbana do Isidoro
Grau de Proteção 2 (art.
47)
1,00 1,2 1,2 20%
Grau de Proteção 2 (art.
48)
1,00 1,5 1,2 50%
Grau de Proteção 2 (art.
52)
1,00 1,7 1,2 70%
Grau de Proteção 3 (art.
49, ZP-2)
1,00 1,5 1,2 50%
Grau de Proteção 3 (art.
52, ZP-2)
1,00 1,7 1,2 70%
De acordo com a sistematização dos valores constantes na tabela acima, toda
flexibilização que permite recepção de TDC acima de 20% na OUI, sem previsão de
contrapartida, é irregular. Dessa forma, a OUI está aumentando o potencial de recepção
dos imóveis ilegalmente, pois, além de não se tratar de projeto urbanístico especial, o
aumento do grau de recepção de potencial construtivo deveria ocorrer mediante
contrapartida do particular, nos termos do art. 67, II do PDBH.
O aumento irregular do percentual de recepção de TDC nas áreas de Grau de
Proteção 2 e 3 indicadas acima, irá legitimar acréscimo CAb e possibilitar maior
adensamento da área, sem contar, todavia, com contrapartidas relacionadas à
infraestrutura técnica e social a suprir futura demanda da população residente. Trata-se,
no caso, de flexibilização de parâmetro que sustenta aumento do potencial de
construção que busca favorecer apenas os empreendedores privados.
Outro problema relacionado à TDC diz respeito à extensão irregular de sua
aplicação para todo o Município. A redação original da Lei Municipal nº 9959/2010
estabelecia que somente 30% das UTDCs (unidades de transferência de direito de
construir) geradas pela área de Grau de Proteção 1 poderiam ser utilizadas fora do
perímetro da OUI.
Contudo, a alteração da redação do art. 79 das DT da Lei Municipal nº
9959/2010 pela Lei Municipal nº 10.705/2014, acabou com o limite de 30%,
autorizando a transferência de TDC para toda a cidade. Em outras palavras, as UTDCs
geradas pelas áreas de parque delimitadas no Anexo XXXI das DT da Lei Municipal nº
9959/2010, poderão ser utilizadas em qualquer lugar do município de Belo Horizonte.
Qual a consequência dessa alteração? A lógica da redação original estimulava a
prioridade do adensamento na área da Operação Urbana do Isidoro, o que permitiria a
diversificação de usos e de tipologias residenciais na área. Essa determinação legal é
pertinente e condizente com os conceitos de cidade compacta e de políticas de
promoção de integração social urbanas. Ao contrário, a possibilidade de transferência
das UTDCs para todo o Município permite que os empreendedores privados
determinem quais áreas da cidade serão adensadas, o que coloca em risco as prioridades
das políticas urbanas antes estabelecidas pelo Município.
3.4 Violação dos pressupostos da OUI
O art. 42 das DT da Lei Municipal nº 9959/10 indica os pressupostos do Plano
Urbanístico da Operação Urbana do Isidoro. Abaixo, destacam-se os pressupostos
concernentes à diversificação de usos do espaço e formas de sua ocupação.
Art. 42. Considerando a relevância ambiental que caracteriza a região objeto da Operação Urbana do Isidoro, em especial o grande número de nascentes e cursos d`água, a presença de vegetação expressiva, a incidência de áreas de alta declividade e de risco geológico, o Plano Urbanístico em que se fundamenta essa Operação Urbana tem como pressupostos: (...)VIII - assegurar que o processo de expansão urbana na região ocorra de modo sustentável, contemplando a implantação de toda infraestrutura necessária, bem como a construção de equipamentos urbanos e comunitários para atendimento à demanda da população local; (...)XI - viabilizar a oferta de terrenos urbanizados para implantação de unidades habitacionais, bem como para instalação de atividades econômicas compatíveis com as características de ocupação predominantemente residencial proposta para a área.
Da análise dos incisos VIII e XI do dispositivo citado depreende-se que a
premissa do plano urbanístico para uso e ocupação do território é a sustentabilidade
ambiental, a adequação à demanda da população local e a instalação de atividades não
residenciais que sejam compatíveis com o perfil de ocupação residencial proposto.
Há que se verificar aqui a existência de contradição legal entre dispositivos da
mesma lei. À revelia do que estabelece os pressupostos da OUI, foram previstos
tamanho de lotes mínimos de 5.000,00 m², nas áreas de Grau de Proteção 2 (arts. 47 e
48 das DT) e 2.000,00 m² nas áreas de Grau de Proteção 3 (art. 49 das DT).
Da comparação entre as premissas do plano urbanístico e o tamanho mínimo de
lotes não residenciais indicados para as áreas de Grau de Proteção 2 e 3 observa-se clara
incompatibilidade. A previsão de lotes mínimos para fins não residenciais do tamanho
indicado pela legislação é totalmente avessa ao pressuposto de adequação à demanda
local e o perfil de ocupação residencial proposto, voltado à habitacional social. Além
disso, lotes do tamanho indicado dizem respeito à instalação de empreendimentos de
grande impacto, cuja apropriação corre o risco de se concentrar em empreendedores e
comerciantes alheios à população local.
Por esse motivo, resta evidenciado que na área onde será construído o
empreendimento habitacional do MCMV haverá impossibilidade de desenvolvimento
de comércio local que atenda a demanda da população, contrariando os pressupostos do
plano urbanístico da OUI, conforme art. 42.
3.5 Isenção irregular de IPTU
O art. 59 das DT da Lei Municipal nº 9.959/2010 isenta de IPTU os imóveis
inseridos no perímetro da OUI até a obtenção da certidão de baixa de construção. Uma
vez que a OUI tem prazo de 12 anos (art. 77 das DT da mesma lei), os imóveis estão
isentos de IPTU até 2022, no caso de não obterem a referida certidão.
Esse montante não arrecadado pelo Município de Belo Horizonte à título de
isenção de imposto durante 12 anos aos proprietários de imóveis na área da Operação,
subverte toda a racionalidade do instrumento da Operação Urbana, ferindo de morte o
princípio da justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização,
previsto no inciso II, do art. 2, da Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).
Nesse instrumento urbanístico negocial da Operação Urbana, conforme dispõe o
Estatuto da Cidade, são os proprietários que devem pagar contrapartida ao Município e
não os demais contribuintes munícipes arcar com injusta e desigual isenção de IPTU,
que, no caso, age como uma contrapartida às avessas.
3.6 Irregularidade na transferência de áreas não edificáveis ao Município
A Lei Municipal de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo, Lei nº 7166/96,
estabelece as condições de transferência de área ao município nos loteamentos. De
acordo com o art. 21, §8º, as Unidades de Preservação e as áreas não edificáveis podem
ser transferidas ao Município, caso haja justificado interesse público de ordem
ambiental comprovado por laudo elaborado pelo órgão ambiental municipal, sendo
computada, para efeito do cálculo do percentual, apenas metade de sua área, até o
máximo de 5% (cinco por cento) da gleba parcelada.
Tem-se, portanto, que toda a área de preservação permanente e áreas não
edificáveis existentes na Região do Isidoro, poderão ser transferidas ao Município, mas,
independentemente de seu tamanho, elas poderão ser contabilizadas como no máximo
5% do total da área a ser loteada. Em outras palavras, a lei municipal estabelece que
toda a área de preservação e áreas não edificáveis existentes poderão corresponder no
máximo a 5% dos 15% exigidos no art. 21 da Lei Municipal nº 7166/96.
A OUI, em sentido contrário ao estabelecido pela Lei Municipal nº 7166/96, não
impõe limite à porcentagem das áreas de preservação permanente e das áreas não
edificáveis a serem doadas no parcelamento do solo:
Art. 53 (...)§ 4º - Serão consideradas no cômputo das áreas a serem transferidas ao Município, por força do parcelamento, as áreas não parceláveis e não edificáveis localizadas nas porções da gleba submetidas ao Grau de Proteção 1 destinadas à implantação de parques públicos, conforme delimitação contida no Anexo XXXI desta Lei.
Novamente, depara-se com outro parâmetro flexibilizado pela OUI, sem a
exigência de contrapartida do particular, violando o disposto no art. 67, II do PDBH,
que prevê a necessidade dimensionamento das obrigações dos particulares em relação
aos demais benefícios oriundos da Operação.
Em acréscimo, esse dispositivo não é ilegal apenas por flexibilizar parâmetro
sem se exigir contrapartida. A possibilidade de se transferir área de preservação
permanente e áreas não edificáveis é vedada pelo Decreto Estadual 44.646/2007.
Art. 11. O percentual de áreas públicas não poderá ser inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba total a ser parcelada, observando-se maiores restrições da legislação municipal. (...) § 6º As áreas não edificáveis não poderão ser computadas como áreas públicas.Art. 12. As áreas de preservação permanente e as faixas de servidão ao longo de linha de transmissão de energia elétrica poderão ser destinadas como áreas públicas, mediante autorização da autoridade competente.
§ 1º No caso de áreas de preservação permanente - APPs, deverão ser respeitados os impedimentos legais de uso e ocupação, sendo vedado o cômputo das mesmas no cálculo de áreas públicas do loteamento.
Dessa forma, a OUI não poderá permitir a transferência de áreas de preservação
permanente e de áreas não edificáveis no loteamento, tendo vista violação direta a
dispositivo constante da legislação estadual.
3.7 O engodo das contrapartidas
A lei que aprovar a Operação Urbana, nos termos do Plano Diretor de Belo
Horizonte, deverá constar as obrigações das demais partes envolvidas na Operação
Urbana Simplificada, a serem dimensionadas em função dos benefícios conferidos pelo
Poder Público (art. 67, VI) e nos casos da Operação Urbana Consorciada, a
contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores
privados, nos termos do disposto no inciso VI do art. 33 da Lei nº 10.257/01 (art. 69,
§4º).
A leitura atenta OUI demonstra que as contrapartidas previstas nada mais são
que obrigações decorrentes das obrigações de qualquer empreendimento de
parcelamento do solo, além de descontar do valor pecuniário contrapartidas por motivos
diferentes e de isentarem de forma irregular empreendimentos específicos.
A legislação federal, estadual e municipal estabelecem que a implantação do
sistema viário é de responsabilidade do empreendedor nos loteamentos. De acordo com
a OUI, o empreendedor poderá descontar do valor da contrapartida o valor de
implantação de trecho das vias 540 e Norte-Sul (art. 67, §1º, IV). Além disso, os
terrenos transferidos ao município no perímetro da OUI, outra obrigação decorrente do
loteamento, também poderá ser descontado dos valores das contrapartidas (art. 67, §1º,
IV). As áreas transferidas ao município (que, pela legislação de parcelamento do solo,
deve ser doadas ao município, independentemente de sua área) também estão sendo
descontadas das contrapartidas (art. 67, §1º, II). Além disso, o empreendedor está sendo
beneficiado duas vezes por cumprir a obrigação legal de transferência das áreas de
parque: as áreas têm seu valor descontado das contrapartidas e também são geradoras de
TDC, como compensação pela doação.
Por fim, o art. 67, §1º, I e III estabelece que o valor dos equipamentos urbanos e
comunitários para as áreas de saúde, educação e lazer, implantados progressivamente
pelo empreendedor, e o custo de implantação dos parques públicos poderão ser
descontados do valor da contrapartida. Ocorre que estes custos poderiam ser exigidos
pelo município como medidas mitigadoras no licenciamento ambiental, não havendo
necessidade de permitir seu desconto das contrapartidas. Ainda, a lei não exclui a
possibilidade de se descontar os custos de implantação dessas obras e ao mesmo exigi-
las como contrapartida do licenciamento ambiental, o que implica, em outras palavras,
que o município estará arcando com as contrapartidas do licenciamento dos
empreendimentos instalados na região.
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