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Bloodlines (livro 3) O feitiço azul - Richelle Mead

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Depois de um evento que mudou a vida de Syndey e Adrian para sempre, Sydney luta para traçar a linha entre os ensinamentos Alquimistas e os desejos de seu coração. Então ela conhece o sedutor Marcus Finch, um ex-Alquimista que a empurra para se rebelar contra o povo que a criou. E quando Sydney fica cara a cara com um usuário de magia negra, ela finalmente começa a abraçar a misteriosa magia que tem dentro de si…

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Nãoeraaprimeiravezquemearrancavamdacamaparaumamissãoimportantíssima.Maseraaprimeiraquemefaziamumaperguntatãopessoal.—Vocêévirgem?— Hein?— Esfreguei os olhos sonolentos para me certificar de que não era um

sonhobizarro.Umtelefonemaurgentehaviame tiradodacamacincominutosanteseestavadifícilpermaneceracordada.Minha professora de história, a sra. Terwilliger, se aproximou e repetiu num

sussurrodramático:—Pergunteisevocêévirgem.—Hum,sim…Agora eu já estava completamente desperta e olhava de um lado para o outro no

saguãodoalojamento,paragarantirqueninguémestavapertoobastanteparapresenciaraquelaconversamaluca.Nãotinhaporquemepreocupar.Tirandoarecepcionistacomarentediadodooutro ladodo saguão,nãohaviamaisninguém,provavelmenteporquenenhumapessoaemsãconsciênciaestariaacordadaàquelahoradamadrugada.Quandoasra.Terwilligermeacordou,tinhaexigidoqueeuaencontrasseali,poiseraumassunto“devidaoumorte”.Serinterrogadasobreminhavidapessoalnãoeraexatamenteoqueeuestavaesperando.Eladeuumpassoparatrásesuspirou,aliviada.—Sim,claro.Claroquevocêévirgem.Estreiteiosolhos,semsabersedeviamesentirofendidaounão.—Claro?Oqueasenhoraquerdizercomisso?Oqueestáacontecendo?Ela imediatamentevoltoua ficaratentaearrumouosóculos,queviviamdeslizando

pelonariz.—Não temos tempo para explicações. Precisamos ir.—Ela seguroumeu braço,

masresistiecontinueiondeestava.—Sãotrêsdamanhã!—Eentão,paraqueelaentendesseagravidadeda situação:

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—Nomeiodasemana!—Não importa.—Ela se voltou para a recepcionista, do outro lado da sala.—

Estou levandoSydneyMelrose.A sra.Weathers podebrigar comigo sobreo toquederecolheramanhã.A recepcionista pareceu assustada, mas não passava de uma estudante universitária

contratadapara ficar ali sentadadurante anoite.Elanãoeranadapertoda formidávelsra.Terwilliger, com seu porte alto e desengonçado e sua cara de passarinho.Quemrealmente tinha autoridade paramanter as garotas no alojamento era o segurança queficava do lado de fora. Ele, porém, deu apenas um aceno simpático quando a sra.Terwilliger passoume arrastando. Issome fez considerar quantas garotas ela já haviaraptadonomeiodanoite.— Estou de pijama— falei para ela. Foi a última queixa que consegui apresentar

enquantonos aproximávamosdocarrodela, estacionadoem localproibido.Eladirigiaum Beetle vermelho, com flores pintadas nos lados. Não sei por que isso não mesurpreendeu.— Não tem importância— ela disse, tirando as chaves de sua enorme bolsa de

veludo.Ao nosso redor, a noite desértica estava fria e silenciosa. Palmeiras altas pareciam

enormesaranhasescurascontraocéuao fundo.Acimadaspalmeiras,a luacheiaeumpunhado de estrelas brilhavam. Cruzei os braços para me aquecer, tocando o tecidomacio do meu roupão de microfibra. Debaixo dele, eu usava um pijama listrado demangacompridaepantufasfelpudasbege.Oconjuntofuncionavabemnoaconchegodomeu quarto, mas não era exatamente prático para uma noite em Palm Springs. Naverdade,sairdepijamanãoeraexatamentepráticoemlugarnenhum.Ela destravou o carro e entrei com cautela, desviando de copos de café usados e

revistasantigas.Meusensodeorganizaçãosecontorciadiantedeumabagunçadaquelas,masàquelaalturaesseeraomenordosmeusproblemas.—Sra.Terwilliger—eudissequandocomeçamosarodarpelasruas.—Oqueestá

acontecendo?—Agoraquetínhamossaídodoalojamento,eutinhaesperançadequeelacomeçasseafalarcoisacomcoisa.Eunãotinhameesquecidodocomentáriodequeeraumaquestão“devidaoumorte”eestavacomeçandoaficarnervosa.Seus olhos estavam concentrados na estrada à frente e rugas de preocupação

marcavamseurostomagro.—Precisoquevocêlanceumfeitiço.Congelei enquanto tentava processar essas palavras. Não muito tempo antes, essa

frase teriame causado repulsa eme feitoprotestar.Nãoque eume sentisse à vontadeagora.Magia aindamedava arrepios.Dedia, a sra.Terwilligerdava aulasno colégioparticular onde eu estudava— a Escola PreparatóriaAmberwood—, e de noite, eraumabruxa.Eladiziaqueeutambémtinhaumaafinidadenaturalparaamagiaederaumjeitodemeensinaralguns feitiços,apesardosmeusesforçospararesistir.Naverdade,eu tinha uma série de motivos para querer evitar tudo o que fosse mágico.Além de

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crençasenraizadasdequeusarmagiaeraerrado,simplesmentenãoqueriameenvolvercomoutrasquestõessobrenaturais.Jápassavameusdiastrabalhandoparaumasociedadesecretaquemantinhaosvampirosescondidosdomundohumano.Somadoàs tarefasdaescola,eramaisdoqueosuficienteparamemanterocupada.Noentanto,otreinamentomágicoquerecebidasra.Terwilligerhaviametiradode

algumas enrascadas um tempo antes, então eu já não o descartava tão rápido. Então asugestão dela de que eu usasse magia não era a coisa mais estranha que estavaacontecendoali.— Por que a senhora precisa que eu lance o feitiço? — perguntei. Havia pouco

movimento na rua, mas de vez em quando faróis de carros lançavam uma luzfantasmagórica sobre nós.—A senhora é mil vezes mais poderosa do que eu. Nãoconsigofazerumdécimodoqueasenhoraconsegue.—Poder é importante— ela admitiu.—Mas desta vez existem outros fatores e

limitaçõesemjogo.Nãopossolançaressefeitiçoemparticular.Cruzei os braços e me recostei no assento. Se continuasse me concentrando nos

aspectospráticos,poderiaignoraromedoquecresciacadavezmais.—Enãopodiaesperaratéamanhã?—Não—elarespondeu,séria.—Nãopodia.Algumacoisaemseutomdevozmedeuarrepios,efiqueiemsilênciopelorestodo

trajeto.Estávamosdeixandoacidadeeossubúrbios,entrandonasáreasmaisremotasdodeserto.Quantomaisnosdistanciávamosdacivilização,maisescuroficava.Depoisquesaímosdaautoestrada,nãohaviapostesoucasasàvista.Arbustosespinhososaolongodocaminho criavam formas escuras que lembravam animais peçonhentos prestes a dar obote.Nãotemninguémaqui,pensei.EninguémemAmberwoodsabequeestouaqui.Fiquei apreensiva aome lembrar da pergunta sobreminha virgindade. Será que eu

seriasacrificadaemalgumritualprofano?Desejeiquetivesselevadoocelular.Nãoqueeu pudesse contar aos alquimistas, a organização da qual eu fazia parte, que estavapassandotantotempocomumausuáriademagia—aqual,aindaporcima,estavameensinandoausá-la também.Melhorcorreroriscodesersacrificadadoqueenfrentarafúriadosalquimistas.Vinte minutos depois, a sra.Terwilliger finalmente estacionou no acostamento de

umaestradinhademãoúnicaqueparecialevardiretamentealugarnenhum.Elasaiudocarro e fez sinal para que eu fizesse o mesmo. Ali estava mais frio do que emAmberwood.Aolevantarosolhosparaocéu,perdiofôlego.Longedasluzesdacidade,as estrelas estavam em pleno brilho. Dava para ver aVia Láctea e uma dezena deconstelaçõesnormalmenteinvisíveisaolhonu.—Depois vocêolha para as estrelas—ela disse, seca.—Precisamos ser rápidas,

antesquealuaavancemais.Umritualsoboluar,numdesertoestéril,comsacrifíciodeumavirgem…ondeeu

tinhamemetido?Amaneiracomoasra.Terwilligermeimpeliaparaamagiasempretinhame irritado,mas nunca pensei que ela representasse uma ameaça.Agora eume

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repreendiaportersidotãoingênua.Elacolocouumasacoladelonanoombroeseguiuparaumtrechodesoladodeterra,

pontilhadoderochasevegetaçãoirregular.Mesmocomaqueleespetáculocelestial,nãohaviamuita luz ali; no entanto, ela caminhava resoluta, como se soubesse exatamenteaonde estava indo. Resignada, fui atrás, estremecendo enquanto atravessava o terrenorochoso.Minhaspantufasnãotinhamsidofeitasparaaqueletipodesolo.—Aqui—eladissequandochegamosaumapequenaclareira.Comcuidado,pôsa

sacolanochãoeseajoelhoupararemexerdentro.—Vaiterqueservir.Odeserto, tão implacavelmente quente de dia, ficava frio à noite.Ainda assim, eu

estava suando, mais por nervosismo do que pela temperatura ou pelo pijama quente.Amarrei o roupão mais firme, fazendo um nó perfeito.Achava esse tipo de detalherotineiroreconfortante.Asra.Terwilligertiroudabolsaumgrandeespelhoovalcomumamolduradeprata

ornamentada,colocou-onomeiodaclareira,olhouparaocéueentãomudouumpoucoaposiçãodoobjeto.—Venha aqui, srta.Melbourne.— Ela apontou para um ponto à frente dela, do

outroladodoespelho.—Sente-seefiquenumaposiçãoconfortável.EmAmberwood,eueraconhecidapelonomedeSydneyMelrose,emvezdeSydney

Sage,meunomeverdadeiro.Asra.Terwilligertinhaentendidoerradonoprimeirodiadeaulae, infelizmente,osobrenomepegou.Seguias instruçõesdela,pormaisquenãoconseguisse ficarmuito confortável ali. Estava quase certa de que tinha ouvido algumanimalgrandesemexendoatrásdosarbustoseacrescenteicoiotesàminha listamentaldeperigosqueestavaenfrentando,logoabaixode“usodemagia”e“faltadecafé”.—Bom,entãovamoscomeçar.—Asra.Terwilligermeexaminoucomolhosque

pareciamsombrioseassustadoresnanoitedeserta.—Vocêestáusandoalgumacoisademetal?Precisatirar.—Não,eu…Ah.Espera.Coloqueiasmãosemtornodopescoçoedesateiumacorrentedeourodelicadacom

umapequenacruz.Faziaanosqueeutinhaaquelecolar,masrecentementeohaviadadoa outra pessoa, para reconfortá-lo. Eleme devolvera pouco tempo antes, pormeio denossaamigaemcomum,JillMastranoDragomir.Aindaconseguiamelembrardoolharfuriosonorostodelaquandoveioatémimnaescolaeenfiouacruznaminhamãosemdizerumapalavra.Fiquei olhando para a cruz, que brilhava sob o luar. Senti um frio na barriga ao

pensaremAdrian,ogarotoparaquemeuhaviaentregadoocolar.Aconteceraantesdeeledeclararseuamorpormim,oquemepegaracompletamentedesprevenidaalgumassemanasantes.Mastalvezeunãodevesseterficadotãosurpresa.Quantomaisrecordavao passado, coisa que fazia o tempo todo, mais começava a encontrar indícios quedeveriam ter me alertado sobre os sentimentos dele. Eu simplesmente estivera cegademaisparapercebernaépoca.Claro,nãoteria importadomesmoqueeutivessepercebido.Adriannãoservianem

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umpoucoparamim,eissonãotinhanadaavercomseusmuitosvíciosouseupotencialpara a loucura. Ele era um vampiro.Tudo bem, era umMoroi—um dos vampirosvivos e benignos—,mas não fazia diferença. Humanos e vampiros não podiam ficarjuntos.EsseeraumpontoemqueosMoroieosalquimistasconcordavamplenamente.Eu ainda estava espantada por Adrian ter declarado aqueles sentimentos. Estavaespantadanãosóporeleteraquelessentimentos,mastambémporterreunidocoragemparamebeijar,pormaisqueobeijotivessemedeixadotontaesemfôlego.Tive que rejeitar oAdrian, claro.Meu treinamento nãome permitiria fazer outra

coisa. Nossa situação em Palm Springs nos obrigava a conviver constantemente emocasiões sociais,oqueestava sendodifícildesde adeclaração.Oproblema,paramim,não era só omal-estar que se estabelecera entre nós. Eu…Bem, eu sentia falta dele.Antes daquele desastre, éramos amigos e passávamos muito tempo juntos.Tinha meacostumadocomosorrisosarcásticodeleecomaspiadasquesemprefazíamosumcomooutro.Antesdeessascoisasdesaparecerem,nãotinhanoçãodoquantomeimportavacom elas. Do quanto precisava delas. Eu me sentia vazia por dentro… o que eraridículo,claro.Porqueeuestavadandotantaimportânciaparaumvampiro?Àsvezesissomedeixavafuriosa.Porqueelehaviadestruídoumacoisatãoboaentre

nós? Por queme fazia sentir tanta falta dele? E o que ele esperava que eu fizesse? Eledevia saber que era impossível ficarmos juntos. Eu não podia sentir nada por ele. Nãopodia. Se vivêssemos entre os Conservadores— um grupo de vampiros, humanos edampirosincivilizados—talvezpudéssemos…não.Mesmoqueeusentissealgumacoisaporele—eviviarepetindoamimmesmaquenãosentia—,eraerradoatéqueagentecogitasseumrelacionamento.AgoraAdrian falava comigo o mínimo possível. E sempre, sempre me observava

comtormentoemseusolhosverdes,oquemecausavaumadornocoraçãoe…—Ah!Oqueéisso?Tomeiumsustoquandoasra.Terwilligerdespejouumatigelacheiadefolhaseflores

secasnaminhacabeça.Euestavatãoconcentradanacruzenaslembrançasquefuipegadesurpresa.—Alecrim—ela respondeu prontamente.—Hissopo. Erva-doce.Não faça isso.

—Eutinha levantadoamãoparatiraralgumasfolhasdocabelo.—Vocêvaiprecisarparaofeitiço.—Certo—falei,voltandoameconcentrar.Comcuidado,coloqueiacruznochão,

tentandotiraraquelesolhosmuitoverdesdacabeça.—Ofeitiçoquesóeupossofazer.Porquemesmo?—Porqueprecisa ser feitoporumavirgem—ela explicou.Tentei não fazeruma

careta.As palavras da sra.Terwilliger implicavam que ela não era mais virgem e,mesmofazendosentidoparaumamulherdequarentaepoucosanos,nãoeraumaideiasobre a qual eu gostaria de pensar muito. — Além disso, a pessoa que estamosprocurandoseprotegeucontramim.Masporvocêelanãoestáesperando.Olheiparaoespelhoreluzenteeentendi.

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—Éumfeitiçodeclarividência.Porquenãofazemosoqueeujáfiz?Não que eu estivesse morrendo de vontade de repetir aquele feitiço.Meu objetivo

tinhasidoencontrarumapessoa,oquemeobrigaraaficarhorasolhandofixamenteparaumatravessacomágua.Noentanto,agoraquesabiacomousá-lo,tinhacertezadequepoderiafazerdenovo.Alémdomais,nãogostavanemumpoucodaideiadetentarumfeitiçosobreoqualnãosabianada.Palavraseervaseramumacoisa,masoquemaiselapoderiaexigirdemim?Queeuvendesseminhaalma?Dessemeusangue?— Aquele feitiço só funciona para encontrar alguém que você conhece — ela

esclareceu.—Estepermiteencontraralguémquevocênuncaviunavida.Franzi a testa. Por mais que não gostasse de magia, gostava muito de resolver

problemas,eosdesafiosqueamagiaapresentavaviviammeintrigando.—Comovousaberporquemprocurar,então?A sra.Terwilliger me mostrou uma foto. Meus olhos já haviam se acostumado à

escuridão, e observei o rosto de uma bela jovem.As semelhanças entre ela e minhaprofessoraeramimpressionantes,apesardenãosertãoóbviasinicialmente.Diferentedocabelo castanho e sem brilho da sra.Terwilliger, o daquelamulher era escuro, quasepreto. Ela também estava muito mais glamorosa, com um vestido de cetim pretocompletamente diferente das roupas hippies que a sra.Terwilliger costumava usar.Apesar dessas diferenças, as duas tinham as maçãs do rosto altas e os mesmos olhosaquilinos.Levanteiosolhos.—Elaésuaparente.— Minha irmã mais velha — a sra. Terwilliger confirmou, com a voz

surpreendentemente inexpressiva.Mais velha? Eu chutaria que aquelamulher era pelomenosunsdezanosmaisnova.—Ela está desaparecida?—perguntei.Quando usei o feitiço de clarividência pela

primeiravez,foiparaencontrarumaamigaquehaviasidosequestrada.Oslábiosdasra.Terwilligerseretorceram.—Nãodojeitoquevocêestápensando.—Desuasacoladelonaqueparecianãoter

fundo,elatirouumpequenolivrodecouroeoabriuemumapáginamarcada.Olhandopara onde ela apontou, consegui identificar palavras em latim escritas à mão quedescreviamo espelho e amistura de ervas que ela havia jogado em cima demim.Nasequência,estavamasinstruçõesdecomofazerofeitiço.Semderramamentodesangue,felizmente.—Parecesimplesdemais—comentei,desconfiada.Eutinhaaprendidoquefeitiços

compoucospassosecomponentesnormalmenteexigiammuitaenergiamental.Ooutrofeitiçodeclarividênciatinhamefeitodesmaiar.Elaassentiu,adivinhandomeuspensamentos.—Exigemuitaconcentração,maisdoqueoúltimo.Mas,apesardevocênãoquerer

ouvir isso, sua força cresceu tanto que imagino que vá achar estemais fácil do que ooutro.

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Franziatesta.Elaestavacerta.Eurealmentenãoqueriaouviraquilo.Ouqueria?Parte demim sabia que eu deveriame recusar a participar daquela loucura.Outra

parte estava commedo de que elame abandonasse no deserto se eu não a ajudasse. Eoutraparteaindaestavamorrendodecuriosidadedevercomoaquilotudofuncionaria.Depoisderespirarfundo,reciteioencantamentodolivroeentãocoloqueiafotono

centrodoespelho.Repetioencantamentoetireiafoto.Emseguida,medebruceisobreelee fiqueiolhandoparaasuperfície translúcida, tentandoclarearamenteeentraremsintonia como luar e a escuridão.Umaondade energia atravessoumeu corpo,muitomais rápido do que eu esperava. No entanto, nada mudou no espelho de imediato.Somente meu reflexo me encarava de volta, com a luz tênue desbotando meu cabeloloiro,queestavaterrívelporeuterdormidoemcimadeleepelomontedeervassecasemaranhadas.Aquela energia continuou a se acumular dentro de mim, tornando-se

surpreendentementequenteealegre.Fecheiosolhosemergulheidentrodela.Foicomoseestivesseflutuandosoboluar,comoseeufosseoluar.Poderiaficaraliparasempre.—Estávendoalgumacoisa?Avozda sra.Terwilligererauma interrupção indesejável àqueleestadodeeuforia,

mas, resignada, abri os olhos e me voltei para o espelho. Meu reflexo haviadesaparecido.Umanévoaprateadapairavaem frente aumacasa,maseu sabiaqueelanão era física. Era produzidamagicamente, uma barreiramental para impedir que euvisse o que havia atrás dela. Fortalecendo o meu desejo, fiz com que minha menteatravessasseabarreirae,depoisdealgunsinstantes,anévoasedesfez.—Vejo uma casa.—Minha voz ecoou insólita na noite.—Uma casa vitoriana.

Vermelho-escura, com uma varanda coberta e arbustos de hortênsia na frente. Umaplacatambém,masnãoconsigoler.— Consegue me dizer onde fica a casa? —A voz da professora parecia muito

distante.—Olheaoredor.Tentei me afastar para estender a visão além da casa. Demorou alguns segundos,

mas, aos poucos, a imagem se abriu como se eu estivesse assistindo a um filme,revelando as casas vizinhas, todasparecidas: vitorianas comgrandes varandas eplantastrepadeiras.Eraumbeloeperfeitofragmentodehistórianomundomoderno.—Nadaexato—eudisseaela.—Sóumaruaresidencialantiga.—Vámaisparatrás.Vejaopanoramageral.Obedeci. Era como se eu estivesse flutuando emdireção ao céu, observando aquele

quarteirão de cima comoumpássaro.As casas se estendiam a outros quarteirões que,por fim, davam lugar a áreas industriais e comerciais. Continuei me afastando. Essasáreas foram se tornando cada vez mais densas. Mais e mais ruas se cruzavam dentrodelas.Osprédiosforamficandocadavezmaisaltosatéque,porfim,sematerializaramnumhorizonteconhecido.—LosAngeles—eudisse.—AcasaficanosarredoresdeLosAngeles.

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Ouviumatomadadefôlegosúbita,seguidapor:—Obrigada,srta.Melbourne.Issoétudo.Derepente,umamãocruzoumeucampodevisão,desfazendoa imagemdacidade.

Também desfez o estado de euforia em que eu me encontrava. Não estava maisflutuando, tampouco era feita de luz. Caí com tudo na realidade, de volta para apaisagemdesérticaerochosaemeupijamaabafado.Estavaexaustaetrêmula,prestesadesmaiar.Asra.Terwilligermeentregouumagarrafatérmicacomsucodelaranja,quebebi com vontade. Assim que os nutrientes chegaram ao meu organismo e mefortaleceram,comeceiamesentirumpoucomelhor.Ousointensodemagiaesgotavaoaçúcarnosangue.—Foi útil?— perguntei, depois de beber toda a garrafa.Uma voz importuna na

minhacabeçacomeçouamerepreenderporcausadas caloriasno suco,mas a ignorei.—Eraissoqueasenhoraqueriasaber?Asra.Terwilligerabriuumsorrisotriste.—Foiútil,sim.Agora,seeraissoqueeuqueriasaber…—Elavoltouoolharpara

ohorizonte.—Não,nãoexatamente.Minhaesperançaeraquevocêvisseoutracidade.Umamuito,muitolonge.Pegueiminhacruzevolteiaprendê-lanopescoço.Aqueleobjetofamiliarmetrouxe

uma sensação de normalidade depois do que eu havia feito.Também fez com quemesentisse culpada, ao me lembrar da euforia que a magia tinha me proporcionado. Oshumanos nãodeveriamusarmagia,muitomenos gostar de usá-la.Aopassar os dedospelacruz,mepegueipensandoemAdrianoutravez.Seráqueeletinhachegadoausá-la?Ousóa tinhaguardadopara ter sorte?Seráque seusdedos tinhamtraçadoa formadacruzcomoosmeusviviamfazendo?Asra.Terwilligercomeçouajuntarsuascoisas.Quandoselevantou,fizomesmo.—Oque issoquerdizer exatamente?—perguntei.—O fatodeeu ter vistoLos

Angeles?Eua seguiatéocarroeelanãorespondeude imediato.Quandorespondeu, suavoz

soouestranhamentesinistra.— Quer dizer que ela está mais perto de mim do que eu gostaria. Quer dizer

também que, querendo ou não, você vai ter que aperfeiçoar suas habilidades mágicasmuito,muitorápido.Parei,sentindoumaraivasúbita.Aquilojáerademais.Euestavaexaustaecomdor

no corpo todo. Ela havia me arrastado até ali, no meio da noite, e agora tinha apresunçãodemefalarumacoisadessas,sabendocomoeumesentiaemrelaçãoàmagia?Opioreraqueaspalavrasdelameassustavam.Oqueeutinhaavercomtudoaquilo?Aquele feitiçoeradela,do interessedela.Noentanto,ela tinhamedadoaquelaordemcomtantaforçaefirmezaquepareceuqueeueraomotivodetermosidopararnomeiodonada.—Mas…—comecei.A sra. Terwilliger deu meia-volta e se aproximou até ficar a apenas alguns

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centímetros demim.Engoli em seco todas as palavras indignadas que estava prestes asoltar. Ela não estava exatamente assustadora, mas com uma intensidade no olhar,muito diferente da professora distraída com quem eu estava acostumada. Ela tambémparecia…amedrontada.Vidaoumorte.—Sydney—eladisse,usandomeuprimeironome,oqueerararo.—Garantoque

nãoénenhumtruquedaminhaparte.Vocêvaiaperfeiçoarsuashabilidades,querendoounão. E não é porque sou malvada, nem porque estou tentando realizar algum desejoegoísta.Nemmesmoporqueodeiovervocêdesperdiçarseupotencial.—Entãoporquê?—pergunteibaixinho.—Porqueprecisoaprendermais?Ovento soprava aonosso redor, fazendovoar algumas folhas e flores secasdomeu

cabelo.Assombrasqueprojetávamosassumiramumaaparênciasinistra,ealuzdoluaredasestrelas,antescomumaspectotãosublime,pareciaagorafriaeinóspita.—Porque—asra.Terwilligerdisse—éparasuaprópriaproteção.

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Asra.Terwilligerserecusouadizer qualqueroutracoisadepoisdisso.Elamelevoudevolta aAmberwoodquase semnotarque eu estava ao seu lado. Só ficoumurmurandosozinha coisas sem sentido, como “Não temos tempo suficiente” e “Preciso de maisprovas”.Quando finalmenteme deixou no alojamento, tentei pressioná-la para ver seconseguiamaisinformações.—Porqueasenhoradissequeprecisomeproteger?—perguntei.—Meproteger

doquê?Elaestacionouemlocalproibidodenovoeaindaestavacomacabeçaemoutrolugar.—Depoisexplico.Amanhã,nanossasessão.—Nãoposso—eua lembrei.—Vousair logodepoisdasaulasnormais, lembra?

Precisopegarumvoo.Faleiparaasenhoranasemanapassada.Eontem.Ehoje.Issochamouaatençãodela.— Falou?Nesse caso, faremos o que for possível.Verei o que posso adiantar para

vocêdemanhã.Voltei para a cama, mas não consegui dormir muito. Quando cheguei à aula de

história da sra.Terwilliger namanhã seguinte, ela cumpriu sua palavra.Antes que osinal tocasse, foi até a minha carteira e me entregou um livro antigo com uma caparachadade couro vermelho.O título estava em latime a tradução seria Elementos debatalha, o que me deu um calafrio. Feitiços para criar luz e invisibilidade eram umacoisa.Eles tinhamumanaturezapráticaqueeu quaseconseguiaaceitar.Mas feitiçosdebatalha?Algumacoisamediziaqueeuteriaressalvasquantoaisso.—Leitura para viagem—ela disse, com sua voz usual de professora atrapalhada.

Porém, dava para ver em seus olhos uma centelha da apreensão da noite anterior.—Concentre-seapenasnaprimeiraseção.Tenhocertezadequefaráotrabalhominuciosodesempre…eumpoucomais.Nenhumdos alunosque estavamchegandoprestou atenção ànossa conversa.Minha

últimaauladodiaeraumasessãodeestudoindependentesobrehistóriadaAntiguidade

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tardia, e a sra.Terwilliger eraminha orientadora.Namaioria das vezes, ela usava asessãocomoumamaneira indiretademeensinarmagia;por isso,medar livroscomoaquelenãoeraalgoforadocomum.—E—elaacrescentou—,seconseguirdescobrirondeficaaquelequarteirão,seria

muitoútil.Fiquei sem palavras por alguns segundos. Encontrar um quarteirão na área

metropolitanadeLosAngeles?— É… uma área bem grande— eu disse finalmente, escolhendo as palavras com

cuidadoagoraquehaviapessoasaoredor.Elaassentiueajeitouosóculosemcimadonariz.—Eusei.Amaioriadaspessoasnãoconseguiria.—E,comesseelogiodistorcido,

elavoltouparasuamesanafrentedasala.—Quequarteirão?—outravozperguntou.EddieCastilehaviaacabadodechegareseacomodavanumacarteirapertodaminha.

Eddie era um dampiro, o que significava que possuía um DNA misto de humano evampiro, passado adiante desde os tempos em que as duas raças se misturavam. Noentanto,paratodososefeitos,eleera indistinguíveldequalquerhumanonormal.Comcabelo e olhos castanho-claros, era também muito parecido comigo, o que ajudava asustentar a história deque éramos gêmeos.Na verdade,Eddie estava emAmberwoodcomoguarda-costasdeJill.ElaestavasendoperseguidapordissidentesdosMoroi,araçadela. Por mais que não tivéssemos visto nenhum sinal deles desde que chegáramos aPalmSprings,Eddieestavasemprealertaeprontoparaentraremação.Guardeidiscretamenteolivrodecourovermelhonabolsa.— Nem queira saber. Mais uma das tarefas malucas dela.— Nenhum dos meus

amigos, excetoAdrian, sabiaqueeuestava envolvida commagia sob instruçãoda sra.Terwilliger.Quer dizer, Jill também sabia, indiretamente.Todos osMoroi possuíamalgum tipo de magia elemental.A magia deAdrian era de um tipo raro e poderosochamado espírito, que conseguia realizarmilagres de cura. Ele tinha usado essamagiapara trazer Jill de volta à vida quando ela foi morta pormercenários.Assim, ela foi“beijadapelassombras”,oquecriouumlaçopsíquicoentreosdoisquepermitiaqueJillsentisseasemoçõesdelee,àsvezes,enxergasseatravésdosolhosdeletambém.Porisso,JillsabiamaissobreoqueaconteciaentremimeAdriandoqueeugostaria.Tireiaschavesdocarrodabolsae,relutante,entreguei-asparaEddie.Eleeraaúnica

pessoaemquemeuconfiavaparadirigirmeucarro,por isso sempre lheemprestavaoPingadoquandosaíadacidade,paraocasodeeleprecisarfazeralgumacoisapelogrupo.—Toma. É bom ele estar inteiro quando eu voltar. Não deixe aAngeline nem

chegarpertodobancodomotorista.Eleabriuumsorriso.—Pode deixar, eu dou valor àminha vida.Mas acho que nem vou precisar dele.

Temcertezadequenãoquerumacaronaatéoaeroportomaistarde?—Você teria que perder aula— eu disse.A única coisa queme permitia sair da

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escolamaiscedoeraocaráterpeculiardomeuestudoindependente.—Acredite,eunãoligo.Tenhoprovadeciências.—Elefechouacaraeabaixoua

voz.—Játinhaodiadofísicadaprimeiravez,sabia?Não consegui evitar um sorriso. Eu e Eddie tínhamos dezoito anos e havíamos

terminadooensinomédio,euestudandoemcasaeele,numaacademiadeeliteparaosMoroieosdampiros.Noentanto,nãodavaparafingirqueéramosalunossemassistiràsaulas. Embora eu não me importasse com o trabalho extra, Eddie não era tãoapaixonadoporconhecimentoquantoeu.—Não,obrigada—eudisse.—Pegoumtáxi.O sinal tocou e Eddie se aprumou na carteira. Enquanto a sra.Terwilliger pedia

ordemnasala,elemurmurouparamim:—Jillestábemtristepornãopoderir.—Eusei—respondiaossussurros.—Massabemosqueelanãopodeir.—Poisé—eleconcordou.—Oquenãoseiéporqueelaestátãobravacomvocê.Volteiaatençãoparaa sra.Terwilligereo ignoreidescaradamente. Jilleraaúnica

pessoa que sabia sobre a declaração de amor deAdrian, graças ao laço entre eles. Erauma das coisas que eu preferia que não fossem compartilhadas,masAdrian não tinhacomo evitar. Embora Jill soubesse que romances entre vampiros e humanos eramerrados, ela não conseguia me perdoar por ter magoado Adrian. Para piorar,provavelmenteestavasentindopartedosofrimentodelenapele.Apesar de os nossos amigos não saberem o que tinha acontecido, estava claro que

havia alguma coisa errada entre mim e Jill. Eddie havia percebido de cara e logocomeçouameinterrogar.Euderaumadesculpavaga,dizendoqueJillnãotinhagostadodealgumasregrasqueeuhaviaimpostoparaelanaescola.Eddienãoseconvenceu,masJilltambémficaramudasobreaquestão,deixando-ofrustradoesemsaberoqueestavaacontecendo.Odialetivopassourápidoelogoeuestavanotáxiacaminhodoaeroporto.Eulevava

poucas coisas— só tinha uma pequenamala demão eminha bolsa a tiracolo, ambasfáceis de carregar. Pelo que pareceu a centésima vez, tirei um pacotinho branco eprateado da bolsa e examinei seu conteúdo. Dentro, havia um enfeite caro de cristalreluzente,feitoparaserpenduradonasacadaounajanelaerefletiraluz.Eraentalhadocomduaspombasvoando,voltadasumapara aoutra.Depoisdeembrulhá-lonopapelde seda mais uma vez, voltei a guardá-lo na bolsa, torcendo para que fosse um bompresenteparaoeventoaoqualmedirigia.Euestavaindoparaumcasamentodevampiros.Nunca tinha ido a um casamento de vampiros antes.Acho que nenhum alquimista

tinha.EmboratrabalhássemoscomosMoroiparaprotegersuaexistência,osalquimistasdeixavam claro que não queriam nada além de um contato meramente profissional.Depois dos últimos acontecimentos, porém, os dois grupos decidiram que seria bommelhorarnossasrelações.Comoaqueleeraumcasamentoimportante,euemaisalgunsalquimistashavíamossidoconvidados.

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Euconheciaocasale,emtese,estavaanimadaparaassistiraocasamento.Eraorestodo evento queme deixava nervosa: uma reunião social gigantesca com váriosMoroi edampiros. Mesmo com outros alquimistas lá, estaríamos em grande desvantagem.Minha temporada emPalm Springs comEddie, Jill e os outros havia suavizadomuitomeussentimentosemrelaçãoàraçadeles.Eumedavabemcomaquelegrupoe,agora,os consideravameus amigos.No entanto, pormais liberal que eu fosse nesse sentido,aindacompartilhavamuitoda inquietaçãoqueosalquimistassentiamdentrodomundodos vampiros.OsMoroi e os dampiros podiam não ser as criaturasmaléficas que euimaginavaantes,masdefinitivamentenãoeramhumanos.PartedemimqueriaquemeusamigosdePalmSpringsmeacompanhassem,masisso

estava fora de questão.O grandemotivo para estarmos na Califórnia eramanter Jillescondidaeprotegidadaquelesque tentavammatá-la.TantoosMoroicomoosStrigoicostumavamevitar regiõesdesérticas e ensolaradas. Se ela aparecessede repentenumagrande festa Moroi, destruiria todo o objetivo da missão. Eddie eAngeline— outradampiraqueaprotegiaemAmberwood—precisavamsemanterafastadostambém.Sóeu eAdrianhavíamos sido convidadosparao casamento e, felizmente, íamos emvoosseparados.Sealguémnotassequeestávamosviajandojuntos,atrairiaatençãoparaPalmSprings, o que por sua vez poderia expor Jill.O voo deAdrian nemmesmo sairia dePalm Springs. Ele partiria direto de Los Angeles, a duas horas de viagem deAmberwood,paragarantirqueninguémsuspeitassedeumaligaçãoentrenós.Meu voo faria escala em Los Angeles, o que me lembrou da tarefa da sra.

Terwilliger. Encontrar umquarteirão nomeio da áreametropolitana de LosAngeles.Claro, semproblema.Aúnica coisa ameu favorerao fatode aquelas casas vitorianassereminconfundíveis.Seeuconseguisseencontraralgumasociedadehistórica,haviaumaboachancedequepudessemme indicar áreasquecorrespondessemàqueladescrição,oqueafunilariamuitominhabusca.ChegueiaoportãodeembarquedoAeroportoInternacionaldeLosAngelesumahora

antesdovoo.Tinhaacabadodeencontrarumaposiçãoconfortávelcomo livroda sra.Terwilligerquandoumavozanunciou:—Atenção,passageiraMelrose.Porfavor,compareçaaobalcãodeatendimento.Sentiumfrionabarriga.Junteiminhascoisasemedirigiaobalcão,ondefuiatendida

porumaalegrerepresentantedacompanhiaaérea.—Sintomuito,masseuvoosofreu overbooking—eladisse.Considerandosuavoz

animadaeograndesorrisoemseurosto,elanãopareciasentirtantoassim.—Oque issoquerdizer, exatamente?—perguntei, comumpavor crescente.—

Tenho um lugar confirmado.— Eu lidava com burocracias o tempo todo, mas voosc omoverbooking eram uma coisa que nunca havia entendido. Como isso podiaacontecer?Elessabiammuitobemonúmerodelugares.— Significa que a senhorita não entrará mais neste voo — ela explicou. —A

senhorita e alguns outros voluntários cederam seus lugares para acomodar aquelafamília.Senãoelesteriamqueviajarseparados.

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—Voluntários?— repeti, olhando para onde ela apontou.Na sala de espera, umafamíliacomsetecriançassorriunaminhadireção.Ascriançaseramlindaseadoráveis,com olhos grandes e aquele tipo de fofura que vemos em musicais sobre órfãos queencontram novos lares. Furiosa,me voltei para a funcionária.—Como vocês podemfazerisso?Eufizocheck-incomantecedência!Estouindoparaumcasamento,nãopossoperderessevoo!Amulhertirououtrobilhetedepassagemdobalcão.—Não se preocupe. Reservamos um lugar para a senhorita em outro voo para a

Filadélfia, que vai sair antes. E a senhorita vai de primeira classe para compensar otranstorno.— Pelo menos isso— eu disse.Ainda estava irritada com aquilo, por princípio.

Gostavadeordemedeseguirosprocedimentos.Qualquermudançaviravameumundode cabeça para baixo.Dei uma olhada na passagem e tomei um susto.—Está saindoagora!Elaassentiu.—Comoeudisse,vaisairantes.Eumeapressariasefosseasenhorita.Naqueleexatomomento,ouvioanúnciodaúltimachamadaparaomeuvoo,dizendo

quetodosospassageirosdeveriamestarabordoimediatamente,pois logofechariamasportasdacabine.Eunãocostumava falarpalavrões,masquase solteiumnaquelahora,aindamaisporquemeunovoportãodeembarqueeradooutroladodoaeroporto.Semdizer outra palavra, peguei asminhas coisas e desatei a correr omais rápido possível,fazendoumanotamentaldeenviarumacartadereclamaçãoàcompanhiaaérea.Comoque por milagre, cheguei um segundo antes de o avião fechar as portas para ospassageiros, e a funcionária que trabalhava no portãome disse com ar severo que, dapróximavez,eudeveriameorganizarparachegarmaiscedo.Ignoreiocomentárioeentreinoavião,onde fui recebidaporumaaeromoçamuito

maissimpática—aindamaisquandoviuminhapassagemdeprimeiraclasse.—Srta.Melrose,seulugaré logoali—eladisse,apontandoparaaterceirafilada

cabine.—Éumprazertê-laconosco.Elameajudouacolocaramalademãonocompartimentosuperior,oqueseprovou

umatarefadifícil,poisospassageirosquechegaramcedotinhamtomadoamaiorpartedo espaço. Exigiu muita criatividade para rearranjar o espaço e, quando finalmenteconseguimos,quasedesmaieinoassento,exaustapelaondainesperadadeadrenalina.Láseforaminhaviagemrelaxante.Maltivetempodeprenderocintoeoaviãojácomeçouaseprepararparaadecolagem.Umpoucomaiscalma,tireiofolhetodesegurançadosaquinhoparapoderacompanharaapresentaçãodaaeromoça.Pormaisqueviajassecomfrequência, sempre achava importante ficar a par dos procedimentos de segurança.Estava observando a aeromoça prendendo uma máscara de oxigênio quando senti umcheiroinebrianteefamiliaraomeulado.Emmeioatodoocaosparachegaraovoo,nãotinhamedadoaotrabalhodeexaminarquemestavanoassentoaoladodomeu.Adrian.

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Fiqueiolhandoparaele,semconseguiracreditar.Elemeobservava,sedivertindo,esemdúvidaestiveraesperandoparaverquantotempoeulevariaparanotarsuapresença.Nemmedeiaotrabalhodeperguntaroqueestavafazendoali.SabiaqueiaembarcarnoAeroporto Internacional de LosAngeles e, por uma reviravolta maluca do acaso, eutinhaidopararjustamentenovoodele.—Éimpossível—exclamei.Meuladocientistaestavaembasbacadodemaisparaque

eupercebesse a situaçãoconstrangedoraemquehaviamemetido.—Umacoisa é sertransferidaparaoutrovoo…Masirpararlogodoseulado?Sabequaissãoaschancesdeissoacontecer?Éinacreditável.—Alguns diriam que foi o destino— ele disse.—Ou talvez não existam tantos

voospara aFiladélfia assim.—Ele ergueuuma taça cheiadeum líquido transparenteparamim.ComoeununcatinhavistoAdrianbeberágua,tivequesuporqueeravodca.—Bomvervocê,aliás.—Ah,vocêtambém.Os motores ganharam vida, e o barulho me poupou da conversa por alguns

momentos.Comecei a cairna realidade.Euestavapresanumvoode cincohoras comAdrian Ivashkov. Cincohoras.Cincohorassentadaapoucoscentímetrosdele,sentindoo aroma daquela colônia cara e encarando aqueles olhos que diziammuito.O que eupodiafazer?Nada,claro.Nãohaviaparaondeir,nenhumarotadefuga,jáquemesmoos passageiros de primeira classe não tinham permissão para usar os paraquedas.Meucoração começou a bater mais rápido enquanto buscava alguma coisa para dizer. Eleestavameobservandoemsilêncio,aindacomaquelesorrisinhosarcástico,esperandoqueeuiniciasseaconversa.—Então—eudisseenfim,olhandofixamenteparaasmãos.—Comovai,ahn,o

seucarro?—Deixeinarua.Imagineiqueficariabemenquantoeuestivessefora.Levanteiacabeçarapidamente,boquiaberta.—Deixounarua?Vãochamaroguinchoseocarroficarláanoitetoda!Adrianestavarindoantesqueeuterminassedefalar.—Então é assimque se faz para despertar uma reação calorosa emvocê, hein?—

Elemeneouacabeça.—Nãosepreocupe,Sage.Euestavabrincando.Estáguardadinhoemsegurançanoestacionamentodoprédio.Sentimeurosto ficarquente.Odiava tercaídonapiadadeleeestava atéumpouco

envergonhadaportersurtadoporcausadeumcarro.Claro,nãoeraumcarroqualquer.Era um lindo Mustang clássico queAdrian havia comprado pouco tempo antes. Naverdade, ele tinha feito isso parame impressionar, e fingiu que não sabia dirigir comcâmbiomanualparapassarmaistempocomigoenquantoeuensinavaparaele.Euachavaocarro incrível,mas aindanãoacreditavaqueele tinha sedado tanto trabalho sóparaficarcomigo.ChegamosàaltitudedevooeaaeromoçavoltoucomoutrabebidaparaAdrian.—Algumacoisaparaasenhorita?—elaperguntou.

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—UmaCocaDiet—respondiautomaticamente.Adrianmerepreendeudepoisqueelasaiu:—Vocêpodiaterpegadoumadegraçanaclasseeconômica.Revireiosolhos.—Vou passar as próximas cinco horas sendo infernizada? Nesse caso, vou para a

classeeconômicaedeixoalgumpassageirosortudotomaromeulugar.Adrianergueuasmãosnumgestoapaziguante.—Não,não.Fiqueàvontade.Voumedistrairsozinho.Por “se distrair sozinho”, ele queria dizer fazer as palavras cruzadas de uma das

revistasdebordo.Pegueio livrodasra.Terwilligere tentei ler,masestavadifícilmeconcentrarcomAdrianaolado.Euficavaolhandodesoslaioparaele,emparteparaverse ele estava olhandoparamim e emparte só para examinar seu rosto.Era omesmoAdrian de sempre, com aquela beleza irritante, aquele cabelo castanho desgrenhado eaquele rosto belamente esculpido. Jurei que não voltaria a falar com ele,mas, quandopercebiqueelenãoestavaescrevendofaziaumtempoebatiaruidosamentecomacanetanamesinha,nãoconseguimeconter.—Quefoi?—perguntei.—“Inventordamáquinadescaroçadoradealgodão”,seteletras.—Whitney—respondi.Elesedebruçoueescreveuaresposta.—“DominaaescaladeMohs”,oitoletras.—Diamante.Cincopalavrasdepois,percebioqueestavaacontecendo.—Ei—eudisse.—Nãovoucairnessa.Elemeolhoucomcaradeinocente.—Cairnoquê?—Você sabe o quê.Você está me enrolando. Sabe muito bem que não consigo

resistira…—…mim?—sugeriu.Aponteiparaarevista.—Conhecimentosgerais.—Mevireidecostasparaeleeabriolivrocomumgesto

dramático.—Tenhotrabalhoafazer.SentiAdrianolhandoporsobremeuombroetenteiignoraraquelaproximidade.—Pelovisto Jackie aindaestá fazendovocê seesforçarpara a auladela.—Adrian

conhecera a sra.Terwilliger havia pouco tempo e eu não sabia como tinha aberto ocaminhoparatamanhaintimidade.—Issoestámaisparaumaatividadeextracurricular—expliquei.—Sério?Penseiquefossecontraseusprincípiosmexercomessascoisasmaisdoque

onecessário.Fecheiolivro,frustrada.— E é! Mas então ela disse…— Engoli as palavras, lembrando que não deveria

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conversar comAdrianmais do queo estritamente necessário.Eramuito fácil cair emvelhoshábitosamigáveiscomele.Pareciacerto,mas,obviamente,nãoera.—Eladisseoquê?—eleinstigou,gentilmente.Levantei os olhos para ele e não vi sinal de presunção ou sarcasmo. Não vi nem

mesmoaquelamágoadevastadoraquevinhameatormentandonasúltimassemanas.Elepareciasinceramentepreocupado,oque,porummomento,medistraiudatarefadasra.Terwilliger.Aquelaatitudefaziaumcontrastedrásticocomoquehaviaacontecidologodepois do nosso beijo. Eu estava tão nervosa com a ideia de viajar ao lado deAdrian,masaliestavaele,prontoparameapoiar.Porqueamudança?Hesitei,semsaberoquefazer.Desdeanoiteanterior,vinharepetindosempararas

palavrasdasra.Terwilligereaquelavisãonaminhacabeça,tentandodescobrirosentidodelas.Adrianeraaúnicapessoaquesabiadomeuenvolvimentocomelaecomamagia—com a exceção de Jill—e, até aquelemomento, eu não tinha percebido o quantoqueriaconversar sobreaquilocomalguém.Entãocedie contei aele todaahistóriadaminhaaventuranodeserto.Quandoterminei,fiqueisurpresacomaseriedadeemseurosto.—Umacoisaéelatentarensinarmeiadúziadefeitiçospravocê.Masarrastá-lapara

omeiodeumasituaçãoperigosaéoutracoisacompletamentediferente.Aintensidadedesuapreocupaçãomesurpreendeuumpouco,mastalveznãodevesse.—Pelojeitoqueeladisse,nãopareceserculpadela.Elapareciabastantepreocupada

com…bem,oquequerqueissotudosignifique.Adrianapontouparaolivro.—Eissopodeajudardealgummodo?—Achoquesim.—Passeiosdedossobreacapaesobreaspalavrasemlatim.—

Tem feitiços de proteção e ataque, coisas umpoucomais pesadas doque já fiz. Já nãoestougostandonemumpouco,eolhaquenemsãoosmaisavançados.Elamefalouparapulá-los.—Vocênãogostademagia,pontofinal—elemelembrou.—Mas,seos feitiços

puderemprotegervocê,talvezsejamelhornãoignoraroqueeladisse.Euodiavaadmitirqueeletinharazão,poissóoincentivavaacontinuar.— Sim,mas apenas queria saber do que estou tentandome proteger…Não.Não

podemosfazerisso.Sem perceber, eu tinha voltado a agir como antigamente, falando com Adrian

daquele jeito tranquiloe sossegadodeantes.Não só isso:estava tratandoAdriancomoumconfidente.Elepareceuassustado.—Fazeroquê?Pareidepedirajudanaspalavrascruzadas,nãoparei?Respireifundo,juntandoforças.Sabiaqueaquelemomentoiriachegar,pormaisque

quisesseadiá-lo.Sónãoesperavaquechegasseduranteumaviagemdeavião.—Adrian,precisamosconversarsobreoqueaconteceu—declarei.—Entrenós.Elepensousobreminhaspalavrasporalgunsmomentos.—Então…peloqueparece,nadaaconteceuentrenós.

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Crieicoragemparaolharparaele.— Exatamente. Desculpe pelo que aconteceu… pelo que eu disse, mas era tudo

verdade.Precisamossuperaraquiloeseguiremfrente.ÉpelobemdonossogrupoemPalmSprings.— Engraçado, porqueeu superei— ele disse.— É você quem está trazendo esse

assuntoàtonaagora.Volteiaficarvermelha.—Maséculpasua!Vocêpassouasúltimassemanastodotemperamentalechateado,

malfalandocomigo.Equandofalava,erasempreparasoltaralgumaindireta.—Numjantar algum tempo antes na mansão de Clarence Donahue, uma das aranhas maisassustadoras que já vi na vida entrouna sala.Reunindo toda aminha coragem,pegueiaquele bichinho abominável e o joguei no jardim.O comentário deAdrian sobremeuato de bravura foi: “Nossa, não sabia que você enfrentava as coisas que a assustam.Pensei que normalmente saísse correndo e gritando, e depois fingisse que elas nãoexistem”.—Vocêestácertasobreminhaatitude—eledisseagora,assentindo.Maisumavez,

pareciaextraordinariamentesério.—Medesculpe.—Sério?—Eunãoconseguiaformarfrasesdireito.—Então…vocêdeixoudelado

todasaquelas…coisas?Deixoude,hum,sentiraquilo?—Eunãoconseguiadizercomtodasasletras.Deixoudeestarapaixonadopormim?—Ah,não—eledisse,sorridente.—Dejeitonenhum.—Masvocêacaboudefalar…—Deixeide ficarmagoado—eledisse.—Deixeide ser temperamental…Quer

dizer, sempre soumeio temperamental. É isso que defineAdrian Ivashkov.Mas pareicomosexcessos.ElesnuncamelevaramalugarnenhumcomRose.Nãovãomelevaralugarnenhumcomvocê.—Nadavailevarvocêalugarnenhumcomigo!—exclamei.—Disso não tenho tanta certeza.— Ele assumiu um ar introspectivo que foi ao

mesmotempoinesperadoeintrigante.—Vocênãoéumacausatãoperdidaquantoela.Querdizer,comRoseeutinhaquesuperaroamorprofundoeépicoentreelaeumdeusda guerra russo. Nós dois só temos que superar algumas centenas de anos de tabus epreconceitosarraigadosentreasnossasraças.Tranquilo.—Adrian!—Euestavacomeçandoaperderacabeça.—Issonãoéumapiada.—Eusei.Pramimnãoémesmo.Eépor issoquenãovoudificultar ascoisaspra

você.— Ele fez uma pausa dramática.— Simplesmente vou amar você, quer vocêqueiraounão.A aeromoça voltou com toalhas quentes, interrompendo nossa conversa, deixando

aquelas palavras um tanto perturbadoras pairando entre nós. Eu estava confusa demaisparaconceberumarespostaantesdeelafinalmentevoltarpararecolherastoalhas.—Queiraounão?Oqueissoquerdizer?Adrianfezumacareta.

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—Desculpe. Sooumais assustador do que eu pretendia. Só quis dizer que nãomeimportosevocêdisserquenãovamosficarjuntos.Nãomeimportoseacharqueeusouumadascriaturasmaisperversaseabomináveisquecaminhamsobreaterra.Poruma fraçãodesegundo,aspalavrasdeleme levaramdevoltano tempo,parao

momentoemqueelehaviaditoqueeueraacriaturamaislindaquejátinhacaminhadosobrea terra.Aquelaspalavrascontinuavammeperturbandotantoquantodaprimeiravez.Penseiemnósdoissentadosnaquelasalaescura,sobaluzdevelas,eelemeolhandodeumjeitoqueninguémnuncatinha…Chega,Sydney.Foco.—Você pode achar o que quiser, fazer o que quiser —Adrian continuou, sem

desconfiar dos pensamentos que me traíam. Havia uma calma extraordinária em suavoz.—Simplesmentecontinuareiamandovocê,mesmosendoumcasoperdido.Não sei por que aquilo me escandalizou tanto. Dei uma olhada ao redor para ter

certezadequeninguémtinhaouvido.—Eu…Comoassim?Não.Vocênãopode!Eleinclinouacabeçaenquantomeobservavacomatenção.—Porquenão?Nãoamachucanemnada. Já faleiquenãovou incomodá-la senão

mequiser.Esequiser…Bem,seriaincrível.Entãoqualéoproblemadeeuamarvocêdelonge?Eunãosabiaexatamente.—Você…vocênãopode!—Porquenão?—Você… você precisa superar isso — consegui dizer. Sim, parecia um bom

motivo.—Precisaencontraroutrapessoa.Sabequeeunão…queeunãoposso.Enfim,vocêsabe.Estáperdendoseutempocomigo.Elesemantevefirme.—Otempoémeu.Façooquequisercomele.—Masissoéloucura!Porquevocêfariaumacoisadessas?—Porquenãoconsigoevitar—elerespondeu,encolhendoosombros.—E,ei,se

eu continuar amando você, talvez um dia consiga fazer você me amar também. Naverdade,tenhoquasecertezadequejáestámeioapaixonadapormim.—Nãoestou!Etudooquevocêdisseéridículo.Nãofazomenorsentido.Adrianvoltouparasuaspalavrascruzadas.—Bom,penseoquequiser.Massaibaque,pormaisqueascoisaspareçamnormais

entreagente,euaindaestareiaqui,apaixonadoporvocê,evoumeimportarmaiscomvocêdoquequalqueroutrocara,sejaelemalignoounão.—Nãoachoquevocêsejaperverso.—Viu?Ascoisas jáparecemumpoucomaispromissoras.—Elebateuacanetana

revistadenovo.—“Poetavitorianaromântica”,oitoletras.Não respondi.Adrian tinhame deixado sem palavras. Ele não voltou amencionar

esseassuntoperigosoduranteorestodovoo.Namaiorpartedotempo,ficounadelee,

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quando falava, era sobre assuntos perfeitamente seguros, como nosso jantar ou ocasamento. Qualquer pessoa que sentasse ao nosso lado nunca saberia que havia algoestranhoentrenós.Maseusabia.Aquilomeconsumia.Eraavassalador.E,conformeovoocontinuavae,mais tarde,

aterrissava, eu não conseguia mais olhar paraAdrian da mesma forma. Sempre quefazíamos contato visual, eu me lembrava das palavras dele: eu ainda estarei aqui,apaixonado por você, e voume importarmais com você do que qualquer outro cara .Partedemimsesentiaofendida.Comoelepodiadizer isso?Comopodia teraaudáciademeamar,querendoeuounão?Eutinhaditoparaelenãomeamar!Elenãotinhaessedireito.Eaoutrapartedemim…Aoutraparteestavacommedo.Seeucontinuaramandovocê,talvezumdiaconsigafazervocêmeamartambém.Eraridículo.Nãoerapossível fazerumapessoaamarvocêsóporquevocêaamava.

Não importava o quão charmoso, bonito e engraçado ele fosse. Um alquimista e umMoroinuncapoderiamficarjuntos.Eraimpossível.Tenhoquasecertezadequejáestámeioapaixonadapormim.Completamenteimpossível.

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3

Fielàsuapalavra,Adriannãovoltouamencionarnossarelação—ouafaltadela.Vezououtra,porém,eupodia jurarquevia algumacoisaemseusolhos,comoumecodadeclaração de que continuaria me amando. Ou talvez fosse só sua impertinência desempre.Depois de uma última escala e uma hora de carro, já era noite quando finalmente

chegamosàcidadezinhaturísticanasmontanhasPocono,ondeseriaocasamento.Aosairdocarro, tiveumasurpresa.DezembronaPensilvâniaeracompletamentediferentededezembroemPalmSprings.Fui recebidaporumventogélidoe cortante,do tipoquecongelaonarizeaboca.Umacamadadenevefrescarecobriatudo,brilhandosobaluzdamesma lua cheia que iluminaraminha sessão demagia com a sra.Terwilliger.Asestrelasestavamtãovisíveisaliquantonodesertoárido,emboraovento frioas fizessebrilharaindamaisforte.Adrian ficouno táxi,mas sedebruçouna janela quandoomotoristameentregou a

maleta.—Precisadeajuda?—eleperguntou.Suarespiraçãosoltouumanuvenzinhagelada

noar.Eraumaofertararavindodele.—Não,obrigada.Imaginoquevocênãovaificaraqui,vai?—perguntei,apontando

paraapousadaemfrenteàqualocarrohaviaparado.Adrian apontou para mais adiante na estrada, em direção a um grande hotel

iluminadoemcimadeumamontanha.—Láemcima.Éláondevãosertodasasfestas,seestiverinteressada.Devemestar

começandoagora.Sentiumcalafrioquenadatinhaavercomoclima.OsMoroinormalmenteviviam

num horário noturno, começando os dias ao pôr do sol.Aqueles que viviam entre oshumanos,comoAdrian,precisavamseadaptaraumhoráriodiurno.Masali,emumacidadezinha pequena que devia estar cheia de convidadosMoroi, ele teria a chance de

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voltaraohorárioque,paraele,eramaisnatural.—Anotado — eu disse. Depois de alguns segundos de silêncio constrangedor, a

temperatura me deu uma desculpa para fugir. — Melhor eu entrar, lá deve estarquentinho.Foi,hum,legalviajarcomvocê.Eleabriuumsorriso.—Igualmente,Sage.Atéamanhã.Aportadocarrosefechouederepentemesentisozinhasemele.Ocarropartiuna

direçãodohotelimponente.Minhapousadapareciaminúsculaemcomparação,maserabonita e conservada. Os alquimistas tinham feito minha reserva ali exatamente porsaberem que os convidados Moroi teriam outras instalações. Quer dizer, a maioriadeles.—Veio para o casamento, querida? — perguntou a dona da pousada enquanto

confirmavaminhareserva.—Algunsoutrosconvidadostambémestãohospedadosaquicomagente.Fizquesimenquantoassinavaanotadocartãodecrédito.Nãoeranenhumasurpresa

quealgunsacabariamficandonaquelapousada,mashaveriamuitomenosconvidadosalido que no outro hotel. Fiz questão de trancar a porta.Confiava nosmeus amigos emPalmSprings,mastodososoutrosMoroiedampiroseramsuspeitos.Cidadezinhas como aquela e suas pousadas sempre pareciam feitas para casais em

férias românticas.Meu quarto não era exceção.Tinha uma cama de casal coberta porumdossel fino,alémdeumabanheiradehidromassagememformadecoraçãoao ladoda lareira.Tudo parecia gritar amor e romance, o que me fez pensar emAdrian denovo. Fiz o possível para ignorar tudo aquilo e escrevi uma rápida mensagem paraDonnaStanton,umaalquimista importantequesupervisionavaminhamissãoemPalmSprings.ChegueiaoValePocono.Estounapousada.A resposta veio rápido: Ótimo.Atéamanhã .Uma segundamensagem chegou logo

emseguida:Tranquebemaporta.Stanton e um outro alquimista também tinham sido convidados para o casamento.

Mas eles já estavam na Costa Leste e chegariam para a cerimônia só no dia seguinte.Sentiinvejadeles.Apesar donervosismo, dormi surpreendentemente beme criei coragempara sair e

tomarcafédamanhã.Noentanto,nãohaviaporquemepreocuparcomosMoroi.Eueraaúnicapessoacomendonorestaurantebanhadopelosol.—Queestranho—adonadapousadacomentouenquantomeserviacaféeovos.—

Várioshóspedesficaramforaatétarde,maspenseiquepelomenosalgunsviriamcomer.—Então,paraenfatizaraestranhezadasituação,elaacrescentou:—Afinal,ocafédamanhãéporcontadacasa.OfatodeosMoroiaindaestaremnacamamedeucoragemparaexplorarumpouco

mais a cidade naquele dia. Por mais que tivesse levado botas e um casaco pesado, amudança de tempo ainda era um tanto surpreendente. Palm Springs haviamedeixado

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mal-acostumada.Nãodemoreiavoltarparaapousadaepasseiorestodatardelendoolivrodasra.Terwilligerao ladoda lareira.Devoreiaprimeira seçãoecontinueiatéadefeitiçosavançados,queelahaviameditoparapular.Talvezporseremproibidos,nãoconseguiaparardelersobreeles.Ostemasqueolivrodescreviaeramtãointeressantese abrangentes que quase pulei da cadeira quando ouvi uma batida na porta. Congelei,imaginando se algumMoroi confuso havia batido na porta errada atrás de um amigo.Oupior:deumfornecedor.De repente, meu telefone apitou com uma mensagem de Stanton: Estamos na sua

porta.Ditoefeito.Quandoabri,encontreiStantonaoladodeIanJansen,umalquimistada

minhaidade.Apresençadeleeraumasurpresa.NãoviaIandesdequeele,Stantoneeuhavíamos sido detidos por alguns Moroi para um interrogatório a respeito de umadampira fugitiva.Naqueles tempos, Ian tinhaumapaixãonãocorrespondidapormim.A julgar pelo sorriso bobo na cara dele, as coisas não haviam mudado muito. Eu osconvidei para entrar e fiz questão de trancar a porta.Assim como eu, os dois tinhamuma tatuagem de lírio dourado na bochecha esquerda. Era o sinal da nossa ordem:tatuagensinfundidascomsanguedevampiroquenosgarantiamumacicatrizaçãorápidae eram projetadas para nos impedir, magicamente, de conversar sobre assuntosalquimistascompessoasquenãosoubessemnadasobrevampiros.Stanton arqueou a sobrancelha ao ver a banheira em forma de coração e depois se

acomodounumacadeirapertodofogo.—Foifácilchegaraqui?Tirando a parte de viajar comum lindo vampiro que acha que está apaixonadopor

mim…— Foi tranquilo — respondi. Olhei para Ian, franzindo a testa. — Não estava

esperandovocêaqui.Querdizer,quebomqueveio,masdepoisdaúltimavez…—Fizuma pausa quando algome ocorreu.Olhei ao redor.—Nós três estamos aqui. Justonóstrêsqueficamosem,hum,prisãodomiciliar.Stantonassentiu.—Foidecididoque,seaideiaémelhorarasrelaçõesentrenossosgrupos,osMoroi

deveriamcomeçarpedindodesculpaespecificamenteanóstrês.Ian fechou a cara e cruzou os braços, se encostando na parede. Ele tinha olhos e

cabeloscastanhos,comumpenteadoperfeitamentearrumado.— Não quero desculpa nenhuma daqueles monstros depois do que fizeram com a

gente no verão passado.Mal consigo acreditar que estamos aqui! Este lugar está cheiodeles.Vaisaberoquepodeacontecerseumdelesbeberchampanhedemaishojeànoiteesairprocurandoumlanche?Aquiestamosnós,humanosfresquinhos.Queria dizer que aquilo era ridículo, mas, pela lógica alquimista, era uma

preocupaçãoperfeitamenteválida.E,me lembrandodequenãoconheciaamaioriadosMoroiali,percebiquetalvezosmedosdelenãofossemtãoinfundadosassim.—Achoqueprecisaremos ficar juntos,então—eudisse.Não foiumaboaescolha

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depalavras,considerandoosorrisoesperançosodeIan.Era raro os alquimistas terem tempo para socializar, e aquele dia não foi exceção.

Stantonlogonospôsparatrabalhar,revisandonossosplanosparaocasamentoequaleranosso objetivo ali. Um dossiê continha informações sobre a vida de Sonya eMikhail,comoseeunãosoubessenadasobreeles.MasminhaatualmissãoemeuhistóricocomSonya eram segredo para os outros alquimistas; por isso, por causa de Ian, tive queouvir todos aqueles fatos como se fossemnovidadesparamim, assim comoeramparaele.—Asfestividadesdevemdurarquaseatéoamanhecer—disseStanton,juntandoos

papéisapósterminardepassarasinformações.—Depois,Ianeeuvamosemboraenocaminhodeixamosvocênoaeroporto.Vocênãovaiprecisarpassarmaisumanoiteaqui.AexpressãodeIanficousombriaeprotetora.—Vocênãodeviaterpassadoanoiteaquisozinha.Deviateralguémparaprotegê-

la.— Posso cuidar de mim mesma — retruquei, um pouco mais áspera do que

pretendia. Quer eu gostasse ou não, o treinamento da sra. Terwilliger havia mefortalecido internaeexternamente.Nossassessões,somadasaocursodedefesapessoal,tinhammeensinadoaficaratentaaoambiente.AintençãodeIanpodiaserboa,maseunãogostavaqueele,ouquemquerquefosse,achassequeeuprecisavaserprotegida.— Sage está perfeitamente bem, como você pode ver — Stanton disse, seca.A

paixãode Iandeviaestarclaraparaela,e ficou igualmenteclaroparamimqueelanãovia utilidade nenhuma em algo tão infantil. Seu olhar se voltou para a janela, banhadapela luz vermelha e laranja do pôr do sol.— Bom, está quase na hora.Vamos nosarrumar?Elesjátinhamchegadocomostrajesformais,maseuaindaprecisavametrocar.Os

doisficaramconversandoenquantoeumeaprontavanobanheiro,mas,todavezquesaíaparapegaralgumacoisa,comoumaescovadecabelooubrincos,viaIanmeobservandocomaqueleolharbobo.Ótimo.Erasóoquemefaltava.Ocasamentoacontecerianaatração turísticamais famosadacidade:umgigantesco

jardimcobertoquedesafiavaotempogélidodoladodefora.Sonyaeracompletamenteapaixonadaporplantase flores,eaqueleerao localperfeitoparaocasamentodela.Asparedesdevidroquecercavamolugarestavamembaçadaspeladiferençadrásticaentreas temperaturas interna e externa. Nós três chegamos à entrada do jardim, onde sevendiambilhetesduranteohoráriodefuncionamentonormaldaestufa.Ali,finalmenteencontramososMoroiqueestiveramescondidosdemimàluzdodia.Havia umas duas dezenas deles andando de um lado para o outro na entrada, com

roupaseleganteseaquelabelezaexótica,comseustraçosesbeltosepálidos.Algunseramgarçons e outros atendentes que ajudavam a organizar o evento e guiar os convidadospara o átrio dentro da estufa.Amaioria dosMoroi eram apenas convidados normais,que paravampara assinar o livro de visitas ou conversar com amigos e familiares quenão viam fazia tempo.Ao redor, dampiros com ternos pretos e brancos alinhados

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ficavamdesentinela,atentosaqualquersinaldeperigo.ApresençadelesmelembroudeumaameaçamuitomaiordoqueumMoroibêbadonosconfundindocomfornecedores.Realizar o evento à noite nos expunha a ataques Strigoi.Os Strigoi eram um tipo

muitodiferentedevampiro,tãodiferentequeeuquasemesentiidiotaportermedodaspessoas ali.Os Strigoi eram imortais, o que conseguiam assassinando suas vítimas—diferente dos Moroi, que bebiam sangue de humanos voluntários apenas para sesustentar.OsStrigoieramselvagens,rápidosefortes,esósaíamànoite.Aluzdodia,que osMoroi achavammeramente desconfortável, era fatal para eles. Esses demôniosfaziam a maior parte de seus ataques contra humanos desavisados, mas Moroi edampiros eram seu alimento favorito. Um evento como aquele, com tantos Moroi edampirosreunidosemumsólugar,erapraticamenteumbanqueteparaosStrigoi.Ao olhar para os dampiros guardiões, porém, soube que qualquer Strigoi teria

dificuldades para invadir aquele evento. Os guardiões treinavam a vida toda,aperfeiçoando suas habilidades para combater os Strigoi. Como a rainha Moroicompareceria ao evento, suspeitei queos seguranças que eu tinha visto até então eramapenasapontadoiceberg.Váriaspessoasalireunidaspararamdefalarquandonosviram.NemtodososMoroi

sabiamsobreosalquimistasoucomotrabalhávamoscomseupovo.Porisso,apresençadetrêshumanosquenãoeramfornecedoreseraumtantoestranha.Mesmoaquelesquesabiam sobre os alquimistas deviam estar surpresos com a nossa presença, dada aformalidade das nossas relações. Stanton tinha experiência suficiente para não deixartransparecer seu nervosismo,mas Ian fez abertamente o sinal alquimista contra omalenquantotodososMoroiedampirosnosexaminavam.Conseguimemantercalma,masbemquequeriaquehouvessepelomenosumrostoconhecidonaquelamultidão.—Sra.Stanton?UmaMoroicommaçãsdorostopronunciadasseaproximourapidamente.—SouColleen, a coordenadorado casamento.Conversamospor telefone, lembra?

—Elaestendeuamão,quemesmoStantonhesitouummomentoantesdeapertar.—Sim,claro—disseStanton,comavozformaleimpassível.—Obrigadapornos

convidar.—ElaaapresentouaIaneamim.Colleenapontouparaaentradadoátrio.—Venham, venham.Estamos com seus lugares reservados.Eumesma acompanho

vocês.Ela nos guiou sob olhares curiosos.Ao chegarmos no átrio, me detive e, por um

instante, esquecios vampiros aonosso redor.Aestufaprincipal eramagnífica.O tetoera alto e abobadado, feito domesmo vidro das paredes.Tinham aberto uma área nocentroedispostobancoscomfloresentrelaçadas,demaneiramuitoparecidacomoquese veria num casamento humano.Um tablado diante dos bancos estava enfeitado comaindamaisflores—claramente,eraondeocasalfariaseusvotos.Masfoiorestodaestufaquemetirouofôlego.Eracomosetivéssemosentradoem

uma selva tropical. Árvores e outras plantas carregadas com flores de cores vivas

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ladeavamorecinto,enchendooarúmidodeumperfumequaseestonteante.Comonãohavia sol para iluminar a estufa, tochas e velas haviam sido posicionadas de maneiraengenhosaemmeioatodoaqueleverde,lançandoumaluzaomesmotempomisteriosaeromânticasobreoambiente.SenticomosetivesseentradoemalgumtemplosagradonaAmazônia.E,obviamente,quaseescondidosentreosarbustoseárvores,guardiõesdepretocaminhavamdeumladoparaooutro,vigiandotudo.Colleen nos guiou até três assentos à direita com plaquinhas deRESERVADO.Os

lugareseramquasenomeio,nãotãoimportantesquantoosreservadosàfamília,claro,mas o bastante para mostrar que os Moroi nos tinham em alta conta e realmenteestavamtentandodesfazeratensãocausadapelonossoconfinamento.—Possoserviralgumacoisaparavocês?—perguntouColleen.Percebientãoquea

efusividade dela era apenas nervosismo. Nós a deixávamos quase, quase tão nervosaquantoelaeosoutrosnosdeixavam.—Oquevocêsquiserem.—Não—Stantonrespondeupornós.—Obrigada.Colleenassentiu,ansiosa.— Se precisarem de qualquer coisinha, não hesitem em pedir. Só chamem os

atendentes e eles me avisarão imediatamente. — Ela ficou parada por mais ummomento,retorcendoasmãos.—Émelhoreudarumaolhadanosoutros.Lembrem-se:chamemseprecisaremdequalquercoisa.—Euprecisoédaroforadaqui—murmurouIandepoisqueelaseafastou.Eunão

disse nada; nenhuma resposta parecia segura. Se dissesse que estávamos em segurança,elemeolhariadesconfiado.Masseagissecomoseestivéssemoscorrendoriscodevida,estariamentindo.Minhaopiniãoestavaentreessesdoisextremos.Umdos atendentesmeentregouoprogramae Ian se aproximouum tantomais do

queeugostariaparalerporsobremeuombro.Oprogramadetalhavaalistademúsicaseleituras,alémdosparticipantesdacerimônia.PudeverpelacaradeIanqueeleestavaesperando encontrar “Derramamento profano de sangue” logo depois da leitura dosCoríntios.Oqueeledisseaseguirconfirmouminhasuspeita.—Elesfazemumbelotrabalhofingindoquesãonormais,né?—elecomentou,sem

seimportaremesconderarepugnâncianavoz.Fiqueiumtantosurpresacomamaldadeemseu tom.Nãome lembravadessecomportamento tãoextremistanoúltimoverão.—Comosefosseumcasamentodeverdadeoucoisaassim.Eletambémnãoestavaabaixandoavoz,eolheiaoredor,commedodequealguém

tivesseouvido.— Então você acha que não é um casamento de verdade? — respondi, com um

sussurro.Iandeudeombros,maspelomenosentendeuaindiretaeabaixouavoz.— Entre eles? Não importa. Eles não têm família ou amor verdadeiro. São uns

monstros.Foi irônico ele ter mencionado “amor verdadeiro”, pois naquele exato momento

Adrianeseupaiestavamsendoconduzidosatéoladoopostodoátrio.Adriansemprese

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vestia bem,mas eu nunca o tinha visto num traje tão formal.Odiava admitir,mas aroupa caía muito bem nele: um terno e um colete azul-marinho quase pretos,combinados com uma camisa azul-clara, além de uma gravata listrada azul e branca.Destoava dos ternos pretos e cinzas mais sóbrios que a maioria dos homens estavausando,masnãodemaneiraexageradaoucafona.Enquantooexaminava,Adrianvoltouos olhos para onde eu estava e encontrou osmeus. Ele sorriu e deu um aceno rápido.Respondicomoutrosorriso,masavozdeStantonmefezvoltaràrealidade.ObserveiAdrianpormaisuminstanteeentãodesvieioolhar.— Sr. Jansen— disse Stanton, com a voz severa.— Guarde suas opiniões para

você.Independentedavalidadedelas,somosconvidadosaquievamosnoscomportardemaneiracivilizada.Ian assentiu a contragosto, ficando um pouco vermelho e lançando um olhar de

soslaio paramim, como se receber uma bronca naminha frente pudesse arruinar suaschancescomigo.Masnãohaviaporquesepreocupar,jáquenuncateveamenorchancecomigo.Colleen mandou um atendente até nós e, enquanto ele falava com Stanton, Ian

cochichounomeuouvido.—Souoúnicoqueachaloucuraagenteviraqui?—Eleapontoucomacabeçapara

Stanton.— Ela acha que não tem problema,mas eles nosmantiveram em cativeiro .Issoéimperdoável.Vocênãoficacomraiva?Certamentenãotinhagostadonaépoca,masacabeientendendoporqueaquilohavia

acontecido.—Odeioquetenhamfeitoissotambém—menti,tentandoparecerconvincente.—

Ficobravasemprequelembro.Ianpareceualiviadoobastanteparaesqueceroassunto.Ficamossentadosnumsilênciomaravilhosoenquantooátriocontinuavaaseencher.

Quando a cerimônia estava prestes a começar, devia ter cerca de duzentas pessoas naestufa.Continueiprocurandoporrostosfamiliares,masAdrianeseupaieramosúnicosque eu conhecia. Então, no último minuto, uma figura de roupas brilhantes entrouapressada.Resmunguei enquanto Stanton soltou um“tsc” de desaprovação.AbeMazurhaviaacabadodechegar.EnquantoAdrian conseguia usar um traje formal colorido com estilo,Abe usava

coresparaofenderamoraldosoutros.Maseraprecisoadmitirqueaqueleeraumdosconjuntos mais básicos que eu já tinha vistoAbe usar: um terno branco, com umacamisa verde-kiwi e um lenço estampado. Ele estava com seus brincos dourados desempre, e o brilho do seu cabelo preto me levava a pensar que tinha aplicadoviolentamentealgumóleocapilar.AbeeraumMoroidemoralduvidosa,alémdepaidaminhaamiga—edampiraporquemAdrianforaapaixonado—RoseHathaway.Abemedeixavanervosaporque,nopassado,eu fizera alguns acordos secretos comele.Eledeixava Stanton nervosa porque era um Moroi que os alquimistas nunca conseguiamcontrolar.Abesesentounaprimeira fila,recebendoumolharhorrorizadodeColleen,

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que supervisionava tudo do canto da estufa. Eu suspeitava que aquele não era o lugardele.Ouviosomdeumtrompeteeaquelesqueestavamsentadosnasfileirasdosfundosse

ajoelharam de repente. Como uma onda, as pessoas sentadas no resto das fileirascomeçaram a fazer o mesmo. Stanton, Ian e eu trocamos olhares confusos. Então,entendi.—Arainha—murmurei.—Arainhaestáchegando.PudeverpelaexpressãodeStantonqueelanãohaviaconsideradoessapossibilidade.

Elateveumafraçãodesegundoparadecidiroprotocoloparaaquelasituação,demodoamanternossacondiçãodeconvidados“civilizados”.—Nãoseajoelhem—elasussurrou.—Fiquemondeestão.Era uma decisão válida, visto que não devíamos fidelidade à rainhaMoroi.Mesmo

assim, fiquei constrangida por ser uma das únicas pessoas que não estavam ajoelhadas.Ummomentodepois,umavozretumbantedeclarou:—SuaMajestadeReal,arainhaVasilisa,primeiradeseunome.AtéIanperdeuofôlegoquandoelaentrou.Vasilisa—ouLissa,comoAdrianeRose

insistiam em chamá-la— era o retrato da beleza etérea. Era difícil acreditar que elatinhaaminhaidade.Elacaminhavacomumacomposturaeumanobrezaquepareciameternas.SeucorpoaltoeesbeltosedestacavamesmoentreosMoroi,eseucabeloloiroplatinadoenquadrava seu rostopálidocomoumvéucelestial.Emboraestivesseusandoum moderno vestido de festa lilás, ela conseguia usá-lo como se fosse um grandiosovestido de baile vitoriano. Um rapaz de cabelo preto e olhos azuis penetrantescaminhava ao lado dela. Seu namorado, ChristianOzera, era sempre fácil de avistar,criandoumcontrastesombrioquecombinavaperfeitamentecomaluminosidadedela.Depois que o casal real se sentou na primeira fila, parecendo muito surpresos ao

encontrarAbeesperandoporeleslá,todosvoltaramaosseuslugares.Umvioloncelistaescondido começou a tocar, e todos retomaram o fôlego ao cair no ritual familiar docasamento.—Incrível,né?—murmurouIannomeuouvido.—Afragilidadedoreinadodela.

Bastaumdeslizeparaelescaíremnocaos.Nessepontoeleestavacobertoderazão,eesseeraomotivopeloqualasegurançade

Jill era tão importante.Uma antiga leiMoroi dizia que ummonarca precisava ter aomenosummembrodafamíliavivoparamanterotrono.Jilleraaúnicapessoarestantena linhagemdeLissa.AquelesqueseopunhamaLissaporcausade sua idadeede suasideiasperceberamquematar Jill seriamuitomais fácildoque ir atrásdeuma rainha.Muitos seopunhamà lei eestavamtentandomudá-la.Atéque isso acontecesse,ocaospolítico gerado pelo assassinato de Jill seria imenso. Os alquimistas, cuja função eramanteromundodosMoroiocultoeprotegido,precisavamevitarqueasociedadedelesentrasseemcrise.E,numnívelumpoucomaispessoal,euprecisavaevitaramortedeJill porque, por mais improvável que fosse, no curto período em que dividimos umquarto,passeiagostardela.

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Desvieiospensamentosdessasideiassombriasemeconcentreinoestágioseguintedocasamento.Madrinhas com vestidos de cetim verde-escuro guiavam a procissão, emeperguntei seAbe estava tentando combinar com elas usando aquela camisa. Se estava,haviafracassadocompletamente.Entreelas,vioprimeirorostoconhecidoalémdeAdrian.RoseHathaway.Nãoera

nenhumasurpresaelasermadrinha,jáquetinhasidoelaaresponsávelporjuntarosdoispombinhos.Elaherdaraocabeloeosolhosnegrosdopai,eeraaúnicadampiraentreasmadrinhas.Não precisei ver os olhares surpresos de alguns convidados para saber queaquilo não era nada convencional. Se Rose percebeu ou se importou, não deixoutransparecer.Avançou com altivez, a cabeça erguida e o rosto brilhando de alegria.Com aquela aparência dampira quase humana, ela era mais baixa do que suascompanheiras Moroi e tinha um corpo mais atlético que as Moroi magras e de seiospequenos.Rosetinhaumcorpomuitonormalesaudávelentrehumanos.Mesmoassim,quando

eumecomparavacomasMoroi,mesentiaenorme.Sabiaqueeraridículo,aindamaisporque eu usava um número menor do que Rose, mas era uma sensação difícil desuperar. Pouco antes,Adrian havia tido uma conversa incômoda comigo sobre isso, apontodedizerqueeuestavaàbeiradeumdistúrbioalimentar.Eutinhaficadofuriosaeditoparaelecuidardosprópriosproblemas…mas,desdeentão,comeceiaanalisarmaisseriamente minhas atitudes.Agora, tentava comer mais e tinha ganhado exatamentemeioquilo,oquemepareceuerradoetorturanteatémeuamigoTreycomentarqueeuestava“muitobonitaultimamente”.Issoreforçoua ideiadequealgunsquilinhosamaisnãomematariam, e poderiam atéme fazer bem.Não que eu fosse admitir isso paraAdrian.TodosnoslevantamosquandoSonyaentrou.Elaestavagloriosa,comumvestidode

seda cor demarfim e rosinhas brancas enfeitandoo cabelo flamejante.A rainha estavamagnífica,mashaviaumbrilhoemtornodeSonyaquediminuíaatéabelezadeLissa.Talvezfossealgo inerenteàsnoivas.Haviaumaauradeamoraoredordelaquea faziabrilhar.Fiqueisurpresaaosentirumapontadanopeito.Iandeviaterficadodesapontadoaonãovernenhumderramamentodesangue,masa

cerimônia foidoceecheiadeemoção.Nãoconseguiaacreditarna severidadedosmeuscolegasalquimistas—euestavaàbeirade lágrimasquandoocasaldeclamouosvotos.Mesmoseelesnãotivessempassadoporpoucaseboasparaficaremjuntos,acerimôniade Sonya eMikhail era daquelas de apertar o peito. Enquanto ouvia as juras de amoreterno que faziam um ao outro, me peguei desviando o olhar paraAdrian. Ele nãopercebeu que eu o estava observando,mas pude notar que a cerimônia estava tendo omesmoefeitosobreele.Eleestavaarrebatado.Ele tinha umolhar raro e doce nos olhos, eme lembroudo artista perturbadoque

vivia sobtodoaquele sarcasmo.Eugostavadissonele—nãoqueele fosseperturbado,mas da maneira como podia sentir as coisas com tamanha profundidade e depoistransformaressasemoçõesemarte.Eutinhasentimentos,claro,comotodasaspessoas,

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mas essa capacidade de expressá-los de forma criativa era uma área em que eu nuncateriamuitahabilidade.Não faziapartedaminhanatureza.Àsvezeseu tirava sarrodaartedele,especialmentedasobrasmaisabstratas.Mas,emsegredo,admiravamuitoseutalentoeadoravaasmuitasfacetasdesuapersonalidade.Enquanto isso, precisei me esforçar para manter uma expressão neutra, de uma

alquimistanormalquenãoligavanemumpoucoparaoseventosprofanosdosvampiros.Nenhumdosmeuscolegasmequestionou—então,pelojeito,consegui.Talvezlevassejeitoparaopôquer.Sonya eMikhail se beijaram e a multidão irrompeu em vivas.As pessoas fizeram

aindamaisbarulhoquandoeledeuumsegundobeijoardentenela,edepoisumterceiro.O estágio seguinte da cerimônia, a recepção, aconteceria no hotel em queAdrian e amaioria dos Moroi estavam hospedados. Sonya e Mikhail foram os primeiros a sair,seguidos pela rainha e outros nobres importantes. Stanton, Ian e eu esperamos,pacientes, até que dessem sinal para que nossa fileira se alinhasse para entrar naslimusines que levariam os convidados pelo trajeto de um quilômetro até o hotel.Nãoseriaumacaminhadatãoruim,mesmodesalto,nãofosseatemperaturacongelante.Nossavezchegoueentramosnofundodeumalimusine.—Agora só precisamos sobreviver à recepção — disse Ian quando o motorista

fechouaporta.—Pelomenostemosumcarrosóparanós.Derepente,aportaseabriueAbeentrourapidamente.—Temespaçoparamaisum?—EleabriuumsorrisoaoverStantoneeu.—Éum

prazer vê-las de novo. E você deve ser Ian. Prazer.—Abe estendeu amão. Por ummomento, tive a impressão de que Ian não a apertaria, mas um olhar cortante deStanton ordenou o contrário. Depois disso, Ian ficou olhando para a mão como seesperassequeelafossesoltarfumaça.O trajeto durou mais ou menos cinco minutos, mas pude ver no rosto dos

alquimistasque,paraeles,pareceudurarcincohoras.—Achomaravilhosovocêstrêsteremsidoconvidados—disseAbe,completamente

àvontade.—Considerandooquantotrabalhamosjuntos,devíamostermaisinteraçõesagradáveis como essa, não acham?Talvez vocês comecem a nos convidar para seuscasamentos também.—Elepiscouparamim.—Tenhocertezadequevocêdeve terumafiladepretendentes.Nem mesmo Stanton conseguiu se manter impassível. O horror no rosto dela

mostrava que havia poucas coisasmais profanas do que a presença de umvampiro emum casamento humano. Ela pareceu visivelmente aliviada quando chegamos ao hotel,mas ainda não estávamos livres de Abe. Alguém muito atencioso, provavelmenteColleen,havianoscolocadonumamesajuntocomele,talvezimaginandoqueseriabomficarmos sentadospertodeumMoroiqueconhecíamos.Abepareceu sedivertirmuitocomo constrangimento criado pela sua presença,mas eu precisava admitir que estavaaliviadaquealguémreconhecesseatensãoentrenósemvezdesimplesmentefingirqueestavatudobem.

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—Nãotemsangueaí—Abedissequandoojantarfoiservido.Nóstrêsestávamoshesitandoemcortarofrangoaomolhomarsala.—Sótemsanguenosdrinquesevocêprecisa pedir por eles no balcão. Ninguém vai colocar nada na bebida de vocês, e osfornecedoresestãoemoutrasala.Ian e Stanton ainda não pareciam convencidos. Percebi que precisava ser a corajosa

dos três e comecei a comer sem hesitar mais. Os vampiros podiam ser criaturasantinaturais, mas tinham um excelente gosto para comida. Um instante depois, osoutrosalquimistasmeimitaram,eatéelesforamobrigadosaadmitirqueestavamuitoboa.Quando os pratos foram tirados, Ian criou coragem para ir ao banheiro, dando a

Stantonumabrevechancedeseaproximarparapedirumrelatoemsussurros.—Estavatudobemquandovocêsaiu?—Comousemrelaçõestensas,nossamissão

demanterosMoroiestáveisnãohaviamudado.—Sim—respondi.—Estava tudo calmo lá.Nenhum sinal de problema.—Ela

não precisava saber sobre meus dramas pessoais. Mantendo o tom descontraído,perguntei:—Algumanotíciadosguerreiros?OudotalMarcusFinch?Stantonfezquenão.—Nenhuma.Masavisovocêsedescobrirmosalgumacoisa.Respondi com um sorriso educado, duvidando seriamente das palavras dela. Nem

sempre gostava das minhas missões alquimistas, mas passei a maior parte da vidaseguindo ordens sem questionar, pois acreditava que meus superiores sabiam o queprecisava ser feito e estavam agindo pelo bem maior. Os acontecimentos recentes,porém, tinham colocado isso em questão. Quando tivemos de combater algunscaçadores de vampiros malucos que se autodenominavam Guerreiros da Luz, Stantonhavia escondido informações de mim, comentando que só sabíamos o estritamentenecessário. Depois tentou pôr panos quentes na questão, me elogiando por ser umaexcelentealquimistaqueentendiaessetipodeconduta,masoincidentehaviamedeixadofervendode raiva.Eunãoqueria ser um fantochenasmãos deninguém.Podia aceitarque a causa maior às vezes exigia decisões difíceis, mas me recusava a ser usada oucolocada em situações de perigo por causa de mentiras “importantes”. Eu tinha dadominhavidaaosalquimistas,sempreacreditandoqueoqueelesfaziamemefalavameracerto.Achavaqueeuera importante,queeles sempre cuidariamdemim.Agora,nãotinhamaistantacerteza.Porém…oqueeupodiafazer?Estavapresaporjuramentoaosalquimistas.Gostando

ounãodoquefaziamcomigo,eunãotinhasaída,nãotinhacomoquestioná-los…AomenoseraoqueeupensavaatédescobriraexistênciadeMarcusFinch.Euficarasabendodelepoucotempoantes,logodepoisdedescobrirque,nopassado,

ele havia cruzado o caminho dos guerreiros para salvar umMoroi chamadoClarence.EmboraosguerreirosnormalmentesófossematrásdosStrigoi,umgrupodelesdecidiuatacar Clarence. Marcus havia defendido Clarence dos guerreiros, convencendo-os adeixarovampiroempaz.QuaseacrediteiqueClarenceestavainventandoahistóriaaté

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verumafotodeMarcus.Efoientãoqueascoisasficarammuitoesquisitas.Marcuspareciatercruzadocomos

alquimistas também. Na realidade, Clarence e um dos guerreiros haviam dado aentender queMarcus fora um alquimista no passado,mas não eramais.Não acrediteiatéverafotodele.Elenãotinhaumlíriodourado,masumagrandetatuagemtribalemtintaazul,detamanhosuficienteparacobriradouradaseestivessetentandoesconderolírio.Ver aquilomudou aminha vida. Eu não fazia ideia de que era possível tatuar por

cima de algo tão potente. Sem dúvida, nunca tinha pensado que alguém poderiaabandonarosalquimistasoumesmoquealguémpoderiaquererfazerisso,considerandoquenossoobjetivoerainfundidodentrodenósquasedesdeonascimento.Comoalguémpoderiaconsideraraideiadeabandonarnossasmissões?Comoalguémpoderiasetornarumrenegadoesimplesmentedarascostasparaosalquimistas?Oquehaviaacontecidoparaele fazerumacoisadessas?Seráquehaviapassadoporcoisasparecidascomasqueeutinhavivido?Eseráqueodeixaramirembora?Quando perguntara a respeito dele, Stanton dissera que os alquimistas não tinham

nenhumainformaçãosobreMarcus,maseusabiaqueelaestavamentindo.Elanãofaziaideiadequeeutinhaaquelafoto.Anovatatuagemdelepodiasergrandeobastanteparacobrirolírio,masdavaparavertraçosdoqueestavaporbaixo,oqueprovavaque,defato,elehavia sidoumdenós.E, se tinhaamarcaalquimista, semdúvidaeles sabiamquem ele era. Estavam encobrindo o caso, o queme deixou aindamais intrigada.Naverdade,euestavaumtantoobcecadaporMarcus.Alguminstintomediziaqueeleeraachaveparaosmeusproblemas,queelepoderiame ajudar adescobriros segredos e asmentirasqueos alquimistasmecontavam. Infelizmente, eunão fazia amenor ideiadecomoencontrá-lo.— É importante que ninguém aqui saiba o que você está fazendo, então não se

esqueça de ser discreta— acrescentou Stanton, como se eu precisasse ser lembrada.Umarugadepreocupaçãosurgiuentreassobrancelhasdela.—Euestavaespecialmentepreocupada com a vinda daquele Ivashkov para o casamento.Ninguémpode saber quevocêsdoissãomaisdoquemerosconhecidos.Detalhescomoessepodemcomprometernossamissão.—Ah,não—respondirapidamente.—NãoprecisasepreocuparcomAdrian.Ele

entende a importância do trabalho. Nunca faria nada que pudesse comprometer amissão.Ianvoltouenossaconversaseencerrouali.Ojantarlogodeulugaraobaile.Coma

atmosfera mais relaxada, vários Moroi vieram se apresentar. Eu me senti quase tãopopularquantoosnoivos. Ianapertou tantasmãosqueacabou ficando imuneaelas.E,pormaisconstrangedorquefosseparameuscolegas,pudenotarqueoeventorealmenteestavaatingindooobjetivodealiviarasrelaçõesentrealquimistaseMoroi.StantoneIanestavamlongedesetornaramigosdequalquerumdeles,masclaramentetiveramuma

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surpresaagradávelcomasimpatiaeagentilezadamaioriadosconvidados.— Estou contente por termos essa chance de ficar juntos— Ianme disse durante

umapausanasnossasrelaçõespúblicas.—Étãodifícilcomnossotrabalho,sabe?EstouemSt.Louisagora,nosarquivosdaunidadedelá.Paraondeelesmandaramvocê?OsigiloerafundamentalparaprotegerJill.—Estoufazendotrabalhodecampo,masnãopossodizeronde.Sabecomoé.—Claro, claro. Mas, sabe, se quiser fazer uma visita um dia… posso mostrar a

cidadeparavocê.Odesesperodeleeraquasefofo.—Tipo,paratirarférias?—Bom,é…Er,nãoexatamente.—Elesabiamuitobemqueerararoalquimistas

conseguiremférias.—Haverácerimôniasdefimdeano,sabe.Sequiser ir,hum,ésómeavisar.Os sacerdotes alquimistas realizavam cerimônias especiais de fim de ano nas

principais unidades.Algumas famílias alquimistas faziam questão de ir sempre. Faziatempoqueeunãocompareciaauma,jáqueminhasmissõesestavammelevandodeumladoparaooutroultimamente.—Melembrareidisso.Houveumalongapausa,eemseguidaelebalbuciou:—Queriatirarvocêparadançar,sabe.Masnãoseriacertonestelugartãoprofano.Forceiumsorriso.—Claro.Alémdisso,estamosaquiatrabalho.Precisamosnosconcentraremcriar

boasrelaçõescomeles.Ianiacomeçararesponderquandoumavozconhecidanosinterrompeu.—Srta.Sage?Levantamososolhos e encontramosAdrianparado ànossa frente, elegante em seus

vários tons de azul. Seu rosto era o retrato da polidez e do autocontrole, o quesignificavaquealgodesastrosoestavaprestesaacontecer.—Éumprazervê-ladenovo—eledisse,comosenãonosvíssemoshaviaumcerto

tempo, e eu assenti. Como eu garantira a Stanton,Adrian sabia que familiaridadedemais entre nós poderia criar um rastro até Jill.—Acho que acabei de ouvir vocêsfalandosobrecriarboasrelações.Éissomesmo?Euestavasempalavras,entãoIanrespondeupormim.—Exato.Estamosaquiparatornarascoisasmaisamigáveisentrenossospovos.—

Avozdele,porém,nãoeranadaamigável.Adrianassentiu,muitosério,comosenãotivessenotadoahostilidadedeIan.—Achoumaexcelenteideia.Epenseiemumexcelentegestopararepresentarnosso

futuro juntos.—O rosto deAdrian parecia inocente,mas havia uma faíscamaliciosaem seus olhos que eu conhecia muito bem. Ele estendeu a mão para mim.—Querdançarcomigo?

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4

Congelei.Nãoconfiavanaminhaprópriavoz.OqueAdrian tinhanacabeça?Alémde todoodramaentrenós,eraabsolutamente

imperdoável que ele me convidasse para dançar ali, na frente de outros Moroi ealquimistas.TalvezemPalmSprings,ondeasituaçãoeraumpoucomaistranquilacommeusamigos,não seriaumpedidotãomaluco.Masali?Eleestavacorrendooriscodeexpor nossa intimidade, o que, por sua vez, colocaria Jill em perigo. Pior: poderialevantar suspeitas de que ele sentia algo por mim. Mesmo se eu insistisse que nãocorrespondia aos sentimentos dele, o fato de a situação ter chegado até aquele pontopoderiametrazersériosproblemascomosalquimistas.Enquanto todosessespensamentos semisturavamnaminha cabeça,uma ideia ainda

maisinquietantesurgiu.Umbomalquimistanãodeveriasepreocuparcomessascoisas.Umbomalquimista simplesmente ficariahorrorizadocomoproblemamais imediato:dançar com um vampiro. Tocar em um vampiro.Ao perceber isso, rapidamente fizumaexpressãodechoque,esperandoparecerconvincente.Felizmente,todospareciamescandalizadosdemaisparaprestaratençãoemmim.As

boas relações tinham um limite. Stanton e Ian estavam com expressões sinceras dehorror. Os Moroi por perto, embora não tão espantados, pareciam perplexos com aquebradeetiqueta.Noentanto…tambémvialgumastrocasdeolharesquemostravamque eles não estavam inteiramente surpresos queAdrian Ivashkov sugerisse algo tãoindecoroso.Eraumaatitudemuitocomumemrelaçãoaele.Aspessoassempredavamdeombrosediziam:“Ah,éoAdrian…”.Ianfoioprimeiroarecuperaravoz.—Ela…Não!Elanãopode,dejeitonenhum!—Porquenão?—Adrianolhoupara todos, ainda sorridenteedespretensioso.—

Somostodosamigosaqui,nãosomos?Abe,queraramentesesurpreendiacomalgumacoisa,conseguiudisfarçarumpouco

dasuaperplexidade.

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—Tenho certeza de que não é nada demais.— Seu tom não demonstrava tantacerteza assim. Ele sabia queAdrian não era um completo estranho para mim, mascertamente imaginou que eu teria as mesmas hesitações de todo alquimista. Comoaquela noite havia demonstrado, a maioria de nós ainda tinha problemas com merosapertosdemão.Stantonparecianomeiodeumabatalhamental.Eutinhacertezadequeelaachavao

convite descabido… mas sabia da necessidade de manter a paz naquela situação. Elaengoliuemseco.—Pode…podeserumbomgesto.—Elamelançouumolharsolidárioqueparecia

dizer:“Àsvezeséprecisosofrerpelobemdogrupo”.Iansevoltouparaelaimediatamente.—Vocêestámaluca?— Sr. Jansen — ela retrucou, transmitindo uma rígida advertência naquelas

palavras.Todososolharessevoltaramparamimquandoperceberamque,nofimdascontas,a

decisão era minha. Nesse momento, não sabia se deveria ficar escandalizada ou commedo, e a ideia de dançar comAdrian fazia eume sentir dos dois jeitos.Encontrei osolhosdeStantonedeiumlentoacenocomacabeça.—Claro.Tudobem.Boasrelações,nãoé?Orostode Ian ficouvermelho,masoutroolhar contundentedeStantonomanteve

quieto. EnquantoAdrian me conduzia até a pista de dança, ouvi alguns sussurros deMoroicuriosossobre“aquelapobrealquimista”ecomo“àsvezeseleétãoimprevisível”.Adrianpôsobraçoaoredordaminhacintura,perfeitamenterespeitáveledistante.

Tenteinãopensarnaúltimavezqueestivenosbraçosdele.Mesmocomodevidoespaçoentre nós, nossas mãos ainda estavam unidas, nossas posturas ainda eram íntimas. Euestava completamente atenta ao toque de seus dedos sobre meu corpo. Era macio edelicado,maspareciatransmitirumcaloreumaintensidadeforadocomum.— O que você tem na cabeça?— perguntei enquanto nos movíamos ao som da

música.Euestavameesforçandoparaignorarotoquedesuasmãos.—Sabeaencrencaemquepodetermemetido?Adrianabriuumsorrisolargo.—Nah.Elesestãomorrendodepenadevocê.Vocêvaivirarumamártirdepoisde

dançarcomumvampirocrueleperverso.Comempregovitalícioentreosalquimistas.—Acheiquevocênãofossemepressionarcom…sabe…aquelascoisas…Oolharinocentedelevoltou.— Falei alguma palavra sobre isso? Só convidei você para dançar como um gesto

político, nada mais.— Ele fez uma pausa para criar impacto.— Parece que é vocêquemnãoconseguetirar“aquelascoisas”dacabeça.—Paredeusarminhaspalavrascontramim!Issonão…nãoénadacerto.—Você devia ver a cara dessa Stanton olhando para a gente — ele comentou,

divertido,olhandoatrásdemim.

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—Está todomundoolhandoparaagente—resmunguei.Nãoeracomoseo salãointeiro tivesse parado para olhar, mas definitivamente havia vários olhares pasmos ecuriosos com a visão impensável de umMoroi e uma humana (uma alquimista, aindaporcima)dançandojuntos.Eleassentiuemefezrodarumavez.Eleeraumexcelentedançarino,oquenãome

surpreendia.Ele podia ser impetuoso e impertinente,mas sabia bemos passos.TalvezaulasdedançafossemcomunsparacriançasdaeliteMoroi.Outalvezelesimplesmentetivesse um talento natural para usar o corpo. Aquele beijo sem dúvida haviademonstradoessetalento…Argh.Adrianestavacerto.Eraeuquemnãoconseguiasuperar“aquelascoisas”.Semdesconfiardosmeuspensamentos,elevoltouaolharparaStanton.—Elaestácomcaradeumgeneralqueacaboudemandaroexércitonumamissão

suicida.— Que bom que ela se importa— eu disse. Por um momento, esqueci minhas

afliçõesnapistadedançaenquantomelembravadapolíticaderetençãodeinformaçõesdeStanton.—Possopuxarvocêmaisparaperto,sequiser—eledisse.—Sóparaveroquanto

elaseimporta.Estousempredispostoaajudar,sabe.—Queótimoparceirovocêé—ironizei.—Semecolocaremriscoforpelobem

maior,Stantonprovavelmentenãovaifazernadasevocêderemcimademim.OsorrisosarcásticodeAdriansedesfez.—Elachegouafalaraverdadesobreaquelecaraquevocêestavatentandoencontrar?

Martin?—Marcus—corrigi, franzindo a testa.Amentiradela aindame incomodava.—

Elacontinuafalandoquenãosabenadasobreele,enãopossoinsistirmuito,senãoelavaidesconfiar.—Penseinumjeitodevocêencontraressecara—Adriandisse.Euteriaachadoque

erabrincadeirasesuaexpressãonãoestivessetãoséria.— Você pensou? — perguntei. Os alquimistas tinham inúmeros dados à sua

disposição, de todo tipo de agência ou organização. Eu andara vasculhando tudo nasúltimas semanas,e achava improvávelqueAdrian tivesse acesso a algumacoisaqueeunãotinha.— Sim.Você tem a foto dele, não tem? Não pode fazer aquelemesmo feitiço da

outranoite?Localizarocaradaquelejeito?Fiquei tãosurpresaquequasetropecei.Adrianmeapertoucommais forçaparaque

eu não caísse. Senti um calafrio quando esse pequeno gesto nos aproximou.A tensãoentrenósaumentouaindamaisepercebique,assimcomonossoscorpos,nossos lábiostambémestavammaispróximos.Tiveumpoucodedificuldadepararesponder,porestartãopróximadeleetambém

poraindaestaratordoadacomoqueelehaviadito.—É…uau…nãoéumamáideia…

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—Eusei—eledisse.—Atéeuestoumeiosurpresotambém.As circunstâncias de fato não eram diferentes de quando procurei a irmã da sra.

Terwilliger. Eu precisava localizar alguém que nunca tinha visto na vida.Tinha umafoto,queeraoqueofeitiçoexigia.Adiferençaeraqueeumesmacomeçariao feitiço.Era umamagia complexa, e eu sabia que as instruções da sra.Terwilliger tinhammeajudado.Tambémhaviaodilemamoraldepraticaresse tipode feitiço sozinha.Minhaconsciêncialidavamaistranquilamentecomamagiaquandoeumesentiacoagidaausá-la.— Não posso tentar até o mês que vem— eu disse, me lembrando do livro de

feitiços.—Querdizer,tenhoafotoaquicomigo,masofeitiçoprecisaserfeitodurantea lua cheia. Hoje é a última noite de lua cheia deste mês, e eu nunca conseguiria osingredientesatempo.—Doquevocêprecisa?Eulisteieeleassentiu,jurandoqueconseguiriaencontrá-los.Deiumrisozombeteiro.—Ondevocêvaiconseguirerva-doceehissopoaestahoradanoite?Nestacidade?—Aqui é cheio de boticários estranhos.Tem uma lojinha de coisas naturais que

vende saboneteseperfumes feitosde tudooquevocêpode imaginar.Tenhocertezadequelátemoquevocêprecisa.—Eeutenhocertezadequejáestáfechada.—Elemefezdarmaisumavoltacheia

defloreios,eeumantiveoritmocomperfeição.Amúsicaestavachegandoao fim.Otempovooumaisrápidodoqueeu imaginara.

Tinhame esquecido dos olhares curiosos.Tinhame esquecido até que estava com umvampiro. Simplesmente estavadançando comAdrian,oqueparecia simples enatural,desdequeeunãopensassenaplateiaaonossoredor.Elevoltouaassumiraquelearmalandro.—Nãoprecisasepreocupar.Possoacharadonaeconvencê-laaabrirumaexceção.Resmunguei:—Não. Nada de compulsão.— Compulsão era uma habilidade que os vampiros

tinham de forçar os outros a fazer sua vontade.Todos os vampiros a possuíam emdeterminado grau, e nos usuários de espírito ela eramais forte.Amaioria dosMoroiconsideravaaquiloimoral.Paraosalquimistas,eraumpecado.A música terminou, masAdrian não me soltou imediatamente. Ele se aproximou

maisumpouco.—VocêqueresperarmaisummêsparaencontrarotalMarcus?—Não—admiti.Oslábiosdeleestavamaumcentímetrodosmeus.—Entãomeencontredaquiaduashorasnaentradadeserviçodohotel.—Deium

leve aceno e ele recuou, soltandominhas mãos.— Eis mais um sinal de nossas boasrelações.—ComumareverênciaquepoderiatervindodiretamentedeumromancedeJaneAusten, ele apontou para o bar e falou bem alto.—Obrigado pela dança. Posso

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acompanhá-laparapegaralgumabebida?Segui sem dizer uma palavra, com a cabeça girando enquanto pensava no que

precisaria fazer dali a duas horas. No bar, Adrian me surpreendeu ao pedir umrefrigerante.— Está se contendo, hein?— comentei, lembrando que ele precisava ficar sóbrio

parausaroespírito.Torciparaquejánãotivessebebidodemais.Paraele,aúnicacoisamelhorqueumopenbarseriaummaçodecigarrosaparecendonasuaporta.—Souummestredoautocontrole—eleafirmou.Eu não tinha tanta certeza quanto a isso, mas não argumentei.Tomei um gole da

minhaCocaDiete ficamosaliparadosemumsilêncio agradável.EntãodoisMoroi seaproximaram do balcão, conversando com o volume e a desinibição daqueles que nãotinhamhesitadoemaproveitarasbebidasgrátis.—Bom,pormaisliberalqueameninaseja,elaérealmenteumcolírio—umdeles

disse.—Eupodiaficarodiainteiroolhandopraela,aindamaisnaquelevestido.Oamigodeleconcordou.—ÉumbeloavançodepoisdaTatiana.Éumapenaoqueaconteceucomela,mas

talvez a mudança tenha sido pra melhor. Aquela velha sabia sorrir? — Os doisgargalharamcomapiada.Ao meu lado, o sorriso deAdrian se desfez e ele ficou completamente quieto.

Tatiana, a antiga rainha Moroi, era tia-avó deAdrian. Ela havia sido brutalmenteassassinadanoverãoanteriore,emboraAdrianquasenuncafalassesobreela,ouviváriaspessoas dizerem que eles eram próximos. Ele cerrou os dentes e começou a se virar.Rapidamente,agarreisuamãolivre,segurando-acomforça.—Adrian,não—eudisse,baixinho.—Sydney,elesnãopodemfalarumacoisadessas.—Haviaumaexpressãoagressiva

norostodelequeeununcatinhavistoantes.Aperteicommaisforça.—Eles estãobêbados, e sãodois idiotas.Nãomerecem seu tempo.Por favor,não

comeceumabrigaaqui.PorSonya.—Hesitei.—Epormim.O rosto dele ainda estava cheio de fúria e, por um momento, pensei que ia me

ignorar e atirar um copo naqueles dois. Ou pior. Já tinha visto usuários de espíritofuriosos,eeramassustadores.Masaraivafoidiminuindo,esentiamãodelerelaxarnaminha. Ele fechou os olhos por um instante e, quando voltou a abri-los, estavamembaçadosedesfocados.—NinguémconheciaTatianadeverdade,Sydney.—Atristezanavozdelepartiu

meucoração.—Todosachamqueelaeraumavaca.Nãosabemcomoelaeraengraçadaoucomosabia serdoce.Vocênão tem ideia…não tem ideiadecomosinto faltadela.Elanãomereciamorrerdaquele jeito.Era aúnicapessoaquemeentendia…maisquemeusprópriospais.Elameaceitava.Viaoquetinhadebomnaminhaalma.Eraaúnicapessoaqueacreditavaemmim.Eleestavanaminhafrente,masnãoestavacomigo.Reconheciocaráterdesconexoe

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devoradordoespírito.Mexiacomacabeçadosusuários.Àsvezesosdeixavadispersosedistantes,comoeleestavaagora.Àsvezespunhaemxequesuanoçãoderealidade.E,àsvezes,criavaumdesesperodeconsequênciasdevastadoras.—Elanãoeraaúnica—eudisse.—Euacreditoemvocê.Elaestáempazagorae

nadaqueelesdisseremvaimudarquemelaera.Voltepramim,porfavor.Eleestavaolhando fixamenteparaumpontoqueeunãoconseguiaenxergar.Depois

dealgunssegundosdeterror,piscouevoltouasefocaremmim.Seurostoaindaestavatriste,mas,pelomenos,eleestavanocontroledenovo.—Estouaqui,Sage.—Adrianmesoltoueolhouaoredorpara tercertezadeque

ninguém havia percebido que estávamos demãos dadas. Felizmente, os noivos tinhamido para a pista, e todos estavam hipnotizados demais observando o casal. — Duashoras.Eletomouorestodorefrigeranteeseafastou.Fiqueiolhandoatéeledesaparecerno

meio da multidão e, então, voltei para a mesa, olhando o relógio no caminho. Duashoras.Iansaltoudacadeiraquandocheguei.—Vocêestábem?Nenhum convidado Moroi estava por perto, então Stanton era a única perto o

suficienteparaouvir.Elapareciaigualmentepreocupada.— Sinto muito por você ter que passar por isso, srta. Sage. Como sempre, sua

dedicaçãoaotrabalhoéadmirável.—Façoopossívelparaajudar—respondi.AindaestavapreocupadacomAdriane

torciparaquenãovoltasseacairnasgarrasdoespírito.—Elemachucouvocê?—Ianperguntou,apontando.—Suasmãos?Olhei para baixo e percebi que estava esfregando asmãos umana outra.Elas ainda

estavamcálidaspelotoquedeAdrian.— Oi?Ah, não. Só, hum, estou tentando tirar a mácula. Na verdade, acho que

deverialavarasmãos.Jávolto.Elespareceramacharessaideiaperfeitamenteplausívelenãomedetiveramenquanto

eu seguia apressada para o banheiro. Livre da preocupação deles, soltei um suspiroaliviado.Haviadesviadodedoisproblemas,nãodeixandoosalquimistassaberemqueeueraamigadeumvampironemqueestavatramandomagiacomele.—Sydney?Eu estivera tão distraída no caminho para o banheiro que não percebera Rose ali

perto,juntocomDimitriBelikov.Elesestavamdebraçosdados,sorrindocomaminhasurpresa.NãotinhavistoDimitrinaquelanoite,eseutrajepretoebrancodeguardiãodeixouclaroporquê.Eleestavaaliaserviçoe,semdúvida,tinhasidoumadassombrasquevisemoveremnomeiodasárvoresdaestufa,supervisionandotudo.Eledeviaestarnumintervaloagora,senãojamaisestariatãoàvontade,mesmocomRose.Claroque,mesmo “à vontade”, Dimitri poderia pular no meio de um combate a qualquermomento.

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Elesformavamumcasallindo.Ocabeloeosolhoscastanhosdelecombinavamcomosdela,eosdoistinhamumabelezaestonteante.NãoeranenhumasurpresaqueAdriantivesse se apaixonado por ela, pensei, e fiquei surpresa com quanto essa ideia meincomodou.AssimcomoSonyaeMikhail,haviaumlaçodeamorentreRoseeDimitriqueeraquasepalpável.—Vocêestábem?—Roseperguntou,gentil.—NãoconsigoacreditarqueAdrian

fezaquilocomvocê.—Elareconsiderou.—Naverdade,achoqueconsigo,sim.— Estou bem — respondi. — Acho que os outros alquimistas ficaram mais

horrorizadosdoqueeu.—Então lembreique,emboraRoseeDimitri soubessemqueeu conheciaAdrian de Palm Springs, não podia parecer muito à vontade.Voltei aassumir a expressão de consternação. — Mesmo assim, aquilo foi completamentedescabido.—DecoronuncafoiofortedoAdrian—Dimitricomentou.Roseriucomoeufemismo.—Se faz você se sentirmelhor, vocês ficarammuito bonitos dançando juntos. Foi

difícilacreditarquesãoinimigosmortais…ouseja láoqueosalquimistaspensam.—Elaapontouparaomeuvestido.—Estavamcombinando.Havia me esquecido completamente da minha roupa. Era um vestido de seda de

mangacurta,quase inteiramentepreto,excetoporalguns salpicosdeazul-realna saia.Eraumacormaisousadadoqueasqueeucostumavausar,masopretoequilibrava.Aome lembrar dos tons de azul de Adrian, percebi que, de fato, nossas paletas secomplementavam.Vocêsficarammuitobonitosdançandojuntos.Nãoseicomoestavaminhaexpressão,masRoseriunovamente.—Nãoentreempânico—eladisse,comumafaíscanoolhar.—Foibomveruma

humanaeumMoroiquepareciamcombinartantoumcomooutro.Combinartantoumcomooutro.Porqueela ficavadizendoessascoisas?Aquelaspalavrasestavammeatrapalhandoa

manterumacondutafriaeracional.Eusabiaqueelaestavafalandonaqueletomcordialediplomáticoquetodosseesforçavamparausarali.Mas,pormais liberaisqueRoseeDimitri fossem, tinha certeza de que até mesmo eles ficariam escandalizados sesoubessemaverdadesobreossentimentosdeAdrianesobreaquelebeijoincrível.Passeiorestodarecepçãocomumnónagarganta.Felizmente,nãopreciseiesconder

comomesentia.TantoosMoroicomoosalquimistasesperavamqueeuficassedaquelejeito.Aliás, não demorou para que Stanton tivesse que suportar sua própria cota de“diplomacia” quando um Moroi de meia-idade a convidou para dançar, obviamenteseguindoademonstraçãodeboasrelaçõesdeAdrian.Pelovisto,pormaisultrajantequetivessesidoocomportamentodele,pelomenosumMoroiachouquetinhasidoumaboaideia e quis seguir o exemplo. Stanton não teve como recusar depois de ter meincentivado,e foipara apistadedança rangendoosdentes.Ninguémchamou Ianparadançar,oqueprovavelmentefoimelhor.Elenãopareceunemumpoucodecepcionado.

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Adriannãoestavaporperto; imagineiqueestivesse juntandoos ingredientesparaofeitiço.O tempo foi passando e, quando amarca das duas horas estava perto, lembreique, embora tivesse levado a foto deMarcus comigo na viagem (raramente a deixavalongedevista),ahaviadeixadonomeuquarto.PedilicençaaIan,dizendoqueprecisavavoltar para a pousada para trocar de sapato e que pegaria um dos carros quetransportavamosconvidadosdocasamentopelacidade.OrostodeIanimediatamenteassumiuumarprotetor.—Querqueeuvácomvocê?Nãoéseguroláfora.—Não—respondi—,vocêprecisaficaraqui.Stantonestácorrendomaisperigo.

—Elaestavapertodobar,conversandocomdoisMoroi.Imagineiseteriaalgumaoutradançanofuturopróximo.—Alémdisso,aindaécedo;temmaisvampirosaquidoqueláfora.Pelomenosapousadaéadministradaporhumanos.Ian não teve comodiscordar daminha lógica alquimista e, ainda que relutante,me

deixouir.Foi fácilencontrarumtáxieconsegui fazerotrajetode idaevoltaquasenotempoperfeito.Chegueiatéatrocarossapatosparacomprovarminhahistóriadepois.Embora tivesse usado salto alto para o casamento, tinha colocado umpar de sandáliasbaixas na mala para alguma eventualidade — um bom planejamento para qualquerocasião.Quando cheguei à entradade serviço, porém,percebi quemeuplanoperfeito tinha

uma falha.Com a pressa e o nervosismo, havia deixadomeu xale quente e pesado nocarro, que a essa altura já devia estar longe.Agora, esperando porAdrian no friocortantedaPensilvânia,coloqueiosbraçosaoredordocorpoetorciparanãocongelarantesqueeleaparecesse.No entanto, ele foi fiel à palavra e chegou exatamente na horamarcada, com uma

sacolaatiracolo.Melhorainda:tinhavoltadocompletamenteaonormal.—Tudopronto—elemedisse.—Sério?—perguntei,batendoosdentes.—Encontroutudo?Eledeuumtapinhanasacola.—Vocêpede,euentrego.Agora,ondevamosfazerisso?—Em algum lugar afastado.—Olhei ao redor.Depois do estacionamento, havia

umterrenobaldioquepareciaservir.—Lá.Atravessar o estacionamento asfaltado não foi nenhum problema, mas quando

entramos no campo coberto de neve, nemmesmominhas sandálias práticas serviramparaalgumacoisa.Estavacomtantofrioqueimagineiqueminhapeleestivessetãoazulquantoovestido.—Espere—Adriandisseacertaaltura.—Precisamosirmaisparalá—resmunguei.Ele,quehaviatidoobomsensodecolocarumcasacodelã,começouatirá-lo.—Toma.—Vocêvaificarcomfrio—protestei,masnãooimpedidedarumpassoàfrentee

meajudaravesti-lo.Adrianeramaisaltodoqueeu,demodoqueocasaco,queiaaté

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seus joelhos, felizmente me cobriu por inteiro. Cheirava a um misto de cigarro ecolônia.—Pronto.—Ele apertou o casaco commais força aomeu redor.—Estou com

umacamisademangalongaeoterno.Agoravamos.Rápido.Ele não precisou falar duas vezes.Além da temperatura, precisávamos terminar o

feitiço antes que alguém nos visse. Nem mesmo eu teria como explicar aquilo aosalquimistas.A lua ainda estava clara e reluzente quando finalmente encontramos um lugar

aceitável.Examinei a sacoladeAdrian, admiradapor ele ter conseguido tudo,desdeoespelho até as ervas e flores secas. Ele ficou em silêncio enquanto eu ajeitava tudo, sóabrindoabocaquandoeuestavaquaseprontaparacomeçar.—Possoajudaremalgumacoisa?—perguntou,atencioso.—Sófiquedeolhoaberto—respondi.—Emesegureseeudesmaiar.—Comprazer.Eu havia decorado o feitiço quando a sra.Terwilliger e eu fizemos juntas.Mesmo

assim, estava nervosa por fazer aquilo sozinha, ainda mais porque o ambiente nãoajudava.Erameiodifícil reunir aconcentraçãomentalnecessária ajoelhadanomeiodaneve. Então me lembrei de Stanton e das mentiras que os alquimistas me contavam.Uma centelha de fúria se acendeu emmim, gerando um calor diferente que usei paradirecionar meus pensamentos enquanto olhava fixamente para a foto de Marcus. Eletinha a idade de Adrian, com o cabelo loiro na altura dos ombros, olhos azuis emelancólicos.A tatuagem em sua bochecha era um entrelaçado de meias-luas azul-escuras.Aospoucos,fuimergulhandonofeitiço.Senti aquelamesmaeuforia enquantoo espelho se transformavana imagemdeuma

cidade.Nenhumanévoamebloqueou,pois,comoeradeseimaginar,Marcusnãoestavausandoomesmotipodemagiaprotetoraqueairmãdasra.Terwilliger.Apaisagemàminhafrentemostravaoquepareciaumpequenoapartamentomuitosimples.Haviaumcolchão sem estrado, e umaTV antiga ficava num dos cantos. Olhei ao redorprocurandoalgumacaracterísticamarcante,masnãoencontreinada.Aúnica janeladocômodo finalmentemedeuumapista.Ao fundo, pudedistinguir umedifício de estiloespanhol que parecia uma igreja ou mosteiro. Era de reboco branco, com torres decúpulas vermelhas.Tentei olhá-la mais de perto— voar, como tinha feito no outrofeitiço —, mas subitamente senti o frio da Pensilvânia entrando no meu corpo.Aimagemsedesfezempedaçoseeuestavadenovoajoelhadanomeiodaneve.—Argh—resmunguei,colocandoamãonatesta.—Porpouco.—Viualgumacoisa?—Adrianperguntou.—Nadaqueajude.Me levantei umpouco tonta,mas consegui ficardepé.PudeverqueAdrian estava

prontoparamepegarcasoeurealmentecaísse.—Vocêestábem?—Achoquesim.Sóumpoucozonzapelaquedadeaçúcarnosangue.—Devagar,

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fui pegando o espelho e a sacola.—Devia ter falado para você trazer suco de laranjatambém.—Talvezissoajude.—Eletiroudobolsodoternoumcantilprateadoeoestendeu

paramim.EratípicodeAdrianoferecerálcoolsolicitamente.—Vocêsabequenãobebo—eudisse.—Algunsgolinhosnãovãodeixarvocêbêbada,Sage.Eestaésuanoitedesorte:é

Kahlúa.Umlicorcheiodeaçúcar,comsabordecafé.Vai,experimenta.Relutante,deiasacolaparaeleepegueiofrascoenquantocomeçávamosavoltarpara

ohotel.Tomeiumgoledemávontadeefizumacareta.— Issonão tem sabor de café.— Por mais que as pessoas enchessem as bebidas

alcoólicas de firulas, eu sempre achava o gosto horrível. Não entendia comoAdrianconseguiabebertanto.Maspercebiogostodoaçúcare,depoisdealgunsgoles,mesentimaisestável.Nãobebinadaalémdisso,poisnãoqueriaficartontaporoutrosmotivos.—Oquevocêviu?—Adrianperguntouquandochegamosaoestacionamento.Descreviocenárioqueviduranteofeitiçoesolteiumsuspirodefrustração.—PodeserqualquerlugarnaCalifórnia.OunoSudoeste.OunoMéxico.Eleparouecolocouasacolanoombro.—Talvez…—Ele tirouo celular do bolso do terno e digitou algumas coisas. Eu

tremiaetentavamanterapaciênciaenquantoelebuscavaoquequeria.—Pareciacomesselugar?Olheiparaatelaesentimeuqueixocair.Estavaolhandoparaumafotodoedifícioda

minhavisão.—Sim!Oqueé?—ÉaantigaMissãodeSantaBárbara.—Logodepois,paraocasodeeuprecisarde

ajuda,eleacrescentou:—FicaemSantaBárbara.—Comosabiadisso?—exclamei.—Querdizer,comoconheceesselugar?Eledeudeombros.—JáfuiparaSantaBárbara.Ajuda?Meudesânimoanteriorsetransformouemeuforia.—Sim!Pelaposiçãodajanela,possoterumaboaideiadeondeficaoapartamento.

AchoquevocêencontrouMarcusFinch.—Tomadapelaalegria,afagueiobraçodele.Adrianpousouamãoenluvadaemmeurostoesorriuparamim.—EpensarqueAngelinedissequeeuerabonitodemaisparaserútil.Parecequeeu

tenhoalgumacoisaparaofereceraomundo,afinal.—Econtinuabonito—eudisse,sempensar.Maisumdaquelesmomentosintensos

pairou entre nós, com o luar iluminando os traços marcantes do rosto dele. Então omomentofoiquebradoporumavoznaescuridão.—Quemestáaí?Ambos tomamosumsustoedemosumpassopara trásquandoumvultovestidode

brancoepretopareceusematerializarnas trevas.Umguardião.Nãoeraninguémque

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euconhecia,masmedeicontadecomohaviasidobobadeacharquepoderíamossaireentrarfurtivamentenohotelsemsermosvistos.Aregiãodeviaestarcheiadeguardiões,vigiando o local contra os Strigoi. Eles não teriam se importado com duas pessoassaindo,maseraóbvioquenossoretornocausariasuspeitas.—Eaí,Pete—Adriandisse,abrindoseusorrisosimpático.—Quebomvervocê.

Tomaraquenãoestejapassandomuitofrioaquifora.O guardião pareceu relaxar um pouco ao reconhecer Adrian, mas ainda estava

desconfiado.—Oqueestãofazendoaquifora?—Só estou trazendo a srta. Sage de volta—disseAdrian.—Ela precisou pegar

umacoisanoquartodela.Lanceiumolharconfusoparaele.Apousadanemeranaqueladireção.Petepareceu

distraídoporummomento.Então,fezquesimcomacabeça.—Entendi.Bom,émelhorentraremantesquecongelem.—Valeu — ele disse, me levando dali. — Não deixe de fazer um intervalo e

experimentaroscanapés.Estãoincríveis.—Vocêusoua compulsãonoguardião—murmurei,depoisqueestávamosauma

distânciasegura.— Só um pouquinho— ele disse, parecendomuito orgulhoso de simesmo.—E

estar aqui fora para acompanhar você é ummotivo válido, em que ele não vai pensarmuitodepois.Compelir alguéma acreditarnumahistória funcionamelhor se temumpoucodeverdade…—Adrian?Sydney?Tínhamosquase chegado à porta dos fundosdohotel e agora estávamos cara a cara

comuma figura vestidade cordemarfim. Sonya, envoltanumaestoladepele, estavadiante de nós.Mais uma vez, fiquei admirada com a beleza e o brilho que ela pareciairradiar.Elanosabriuumsorrisointrigado.Ambos perdemos a fala.Adrian não tinha mais palavras ou truques agora. Sonya

tambémeraumausuáriadeespírito,eacompulsãonãofuncionarianela.Muitonervosa,procurei alguma desculpa que não fosse Estávamos usando magia ilícita para revelarsegredosqueosalquimistasnãoqueremqueeusaiba.—Porfavor,nãodiganada—faleiderepente,erguendoocantil.—Adrianestava

medeixandobeberumpoucodaKahlúadele.Stantonvaimematarsedescobrir.Comoeradeseesperar,Sonyapareceusurpresa.—Penseiquevocênãobebesse.—Anoiteestámeioestressante—eudisse,oqueestavalongedesermentira.—Eédecafé—Adriancomentou,comosepudesseajudarmeuargumento.NãotivecertezaseSonyasedeixouconvencer,entãotenteimudardeassunto.—Parabéns,aliás.Nãoconseguifalarcomvocêantes.Estálinda.Sonyadeixouacuriosidadedeladoemeabriuumsorriso.— Obrigada. É meio surreal. Eu e Mikhail passamos por tanta coisa… houve

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momentosemqueacheiquenuncachegaríamosaqui.Eagora…—Elabaixouosolhosparaodiamantequereluziaemsuamão.—Bom,aquiestamosnós.—Oquevocêestáfazendoaquifora,sra.Tanner?—Adrianhaviaserecuperadodo

sustoeretomadoaextroversão.—Nãodeviaestarládentroadmirandoseumarido?Elariu.—Ah, temos uma vida inteira pela frente. Pra ser sincera, só precisava sair um

poucodomeiodamultidão.—Sonyainspiroufundoaquelearfrioecortante.—Masestá na hora de voltar. Daqui a pouco vou atirar o buquê.Você não vai perder essachance,vai?—Essapartefoiparamim.Euri.—Achoquevoudeixarpassar.Jácauseiespeculaçõesdemaishoje.—Ah, sim.Vocês dois e sua dança infame. — Sonya olhou de mim para ele,

recuperando um pouco da perplexidade.—Vocês ficam muito bem juntos.— Umsilêncio constrangedor reinoupor alguns segundos e, então, ela limpou a garganta.—Bom, vou voltar lá pra dentro, que estámais quentinho.Tomara quemude de ideia,Sydney.Eladesapareceupelaportadeserviço,eresistiàvontadedebateracabeçanaparede.—Elasabequeagenteestavamentindo.Elaconsegueveressascoisas.—Usuários

de espírito erambons em interpretar gestos sutis e Sonya eraumadasmelhores entreeles.—Provavelmente—Adrianconcordou.—Masduvidoqueimaginequeestávamos

fazendomagianomeiodaneve.Umpensamentoterrívelmepassoupelacabeça.—Ai,meuDeus.Eladeveacharquesaímospara…vocêsabe…fazercoisas,tipo,

hum,românticas…Adrianachoumuitomaisgraçadessaideiadoquedeveria.—Viu,lávemvocêdenovo.Éaprimeiracoisaemquevocêpensa.—Elebalançou

a cabeça, melodramático. — Nem dá para acreditar que vive dizendo que eu sou oobcecadoaqui.—Nãoestouobcecada!—exclamei.—Sóestoufalandoqueéaconclusãoóbvia.—Óbviaparavocê.Maselaestácerta sobreumacoisa:precisamosentrar.—Ele

tocouocabelo,ansioso.—Achoquemeugelcongelou.Devolviocantilparaeleeabriaporta.Logoantesdeentrar,hesiteiemevolteipara

ele.—Adrian?Obrigadapelaajuda.—Amigos são para essas coisas.— Ele segurou a porta e fez sinal para que eu

entrasse.—Poisé,masvocêfoimuitoalémporumacoisaquenãotemnadaavercomvocê.

Agradeço muito por isso. Não tinha obrigação de me ajudar. Não tem os mesmosmotivosqueeuparadesmascararosalquimistas.Semsaberoquemaisdizer,fizumacenoeentrei.Enquantoéramosenvolvidospelo

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calor e pelo barulho damultidão, pensei ter ouvidoAdrian dizer:“Meusmotivos sãooutros”.

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FuiemboraumpoucodepoiscomosalquimistasenãoesperavaverAdrianporumbomtempo. Ele passaria mais alguns dias na Pensilvânia com os outros Moroi, então nãohaviachancesdepegarmosoutrovoojuntos.MinhaviagemdevoltaparaaCalifórniafoitranquila, embora minha mente estivesse acelerada com todos os acontecimentos dosúltimos dias. Entre o aviso enigmático da sr.Terwilliger e minha nova pista sobreMarcus,eutinhamuitocomquemeocupar.Recebi umamensagem de Eddie enquanto chamava um táxi no aeroporto de Palm

Springs:VamoscomernoMarquee’s.Quervir? Uma segundamensagemchegou logoem seguida:Vocêpodenos levarpra casano seu carrodepois . Pedi ao taxista quemelevasseparaobairrodooutroladodacidade,emvezdaáreadeAmberwood,emVistaAzul.Estavacomfome,poisnãotinhamservidojantarnaclasseeconômica;alémdisso,querialogomeucarrodevolta.Quando cheguei ao restaurante, encontrei Eddie eAngeline sentados num lado da

mesa,eJillnooutro.Imediatamenteentendiporquehaviamescolhidocomertãolongeda escola.A distância significava que poderiam sair comoum casal. EmAmberwood,todos achavamque éramosparentes.Eddie, Jill e eu fingíamos ser irmãos, eAngelineera nossa prima. Eddie eAngeline tinham começado a namorar havia pouco tempo eprecisavam esconder a relação dos nossos colegas para não levantar suspeitas.Aparentemente,jáatraíamosatençãodemaissemisso.Angeline estava encostada no braçodeEddie.Até ele parecia estar se divertindo, o

queera gostosodever.Ele levava as responsabilidades tão a sério e estava sempre tãotensoquepareciafaltarpoucoparaquequebrassenomeio.Angeline—apesardemeiorude,imprevisívelemuitasvezesinconveniente—vinhafazendomuitobemaele,pormaisincrívelquefosse.Naturalmente,issonãootornaramenosaplicadoaseusdeveresdeguardião.As coisas estavam um pouco diferentes do outro lado da mesa. Jill parecia

completamenteinfeliz,afundadanobancodebraçoscruzados.Seucabelocastanho-claro

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estavacaídoparaafrente,cobrindopartedorosto.Depoisdenamorosfracassadoscomumcaraquequeria serStrigoiecomocolegadequartodeEddie, JillhaviapercebidoqueEddie poderiamuito bem ser o garoto certo para ela.Teria sido perfeito porque,durantemuito tempo,elenutriraumapaixãosecretaporJill,dedicando-seaelacomoum cavaleiro apaixonado que servia à sua donzela soberana. Ele nunca achou que fossedignodeJille, semrecebernenhumsinaldoamordela, sevoltouparaAngeline,bemquando Jill havia mudado de ideia e começado a gostar dele. Às vezes, parecia umacomédiadeShakespeare…atéeuolharparaorostodeJill.Entãoficavadivididaporquesabiaque,seEddievoltasseagostardela,Angelineéqueficariacomaqueleartristonho.Era uma confusão que me deixava feliz por estar livre de qualquer relacionamentoamoroso.— Sydney!— Jill se iluminou ao me ver, tirando o cabelo do rosto.Talvez ela

precisasse da distração ou, talvez, a nova atitude deAdrian em relação a mim haviamelhorado o humor dela também. De todo modo, fiquei feliz com o retorno de suasimpatia,emvezdaquelesolharesemburradoseacusadoresquevinhalançandonaminhadireçãodesdequeeuorejeitara.—Oi,gente—cumprimentei,mesentandonobancoaoladodela.Imediatamente,

abrioálbumdefotosdocelular,poiselalogoperguntariasobreocasamento.Apesardetoda aquela intriga, eu conseguira tirar algumas fotos sem que os outros alquimistaspercebessem.Sabiaque,mesmosetivessevistopartedocasamentoatravésdosolhosdeAdrian,Jillgostariadeexaminartodososdetalhes.Elasoltavasuspirosdealegriaenquantoolhavaasfotos.—Olhem só a Sonya.Ela está tão linda!—Angeline eEddie se debruçarampara

ver.—Ah,eaquiestãoRoseeLissa.Estãomuitobonitastambém.—Haviaumtomestranho na voz de Jill. Ela era amiga de Rose, mas sua meia-irmã ainda era ummistério. Jill e Lissa nem sabiam que eram irmãs até pouco tempo antes, e o climapolítico instável vinhaobrigandoLissa a se comportarmais como rainhadoque comoirmãparaJill.Eraumarelaçãodifícilparaasduas.—Foidivertido?—Eddieperguntou.Considereiminharespostaporalgunssegundos.— Foi interessante.Ainda hámuita tensão entre os alquimistas e osMoroi, então

algumaspartesforammeioestranhas.—PelomenosAdrianestavalá.Devetersidobomteralguémquevocêconhecia—

Angelinecomentou,bem-intencionada,entãoapontouparaafotoqueeuhaviatiradodarecepção. O objetivo tinha sido registrar a vista do salão para Jill, mas, por acaso,Adrian passara no meio do enquadramento, com a pose e a perfeição de um modelocontratado para embelezar o evento.—Lindo como sempre.—Angeline balançou acabeça.—Comotodomundo lá.Achoque significaquenão tevenenhumabrigaparacelebrarocasamento,né?Ofatodeeladeduzir isso tãorápidoeraumsinaldoprogressoquehavia feito.Seu

povo, os Conservadores, vivia nas florestas daVirgínia Ocidental, e sua abertura a

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romances entre vampiros,dampiros ehumanos era apenasumdos seus costumesmaisestranhos. Lutas entre amigos eram comuns, e Angeline teve que aprender quecomportamentosassimnãoeramaceitáveisnamaiorpartedosEstadosUnidos.—Nãoenquantoeuestavalá—respondi.—Masquemsabenãoaconteceualguma

coisadepoisqueeusaí?—IssofezJilleEddieabriremumsorrisolargo,eosolhosdeAngelinebrilharemdeesperança.Agarçoneteseaproximou,epediumaCocaDieteumasalada.Podiaterrelaxadona

minhacontagemrígidadecalorias,masjuravaqueaindapodiasentirogostodeaçúcardobolodecasamentoquecomidepoisdofeitiço.AngelineapertouobraçodeEddiecommaisforçaesorriuparaele.—Seumdiavocêforparacasa,podelutarcommeuirmãoJoshparamostrarqueé

dignodemim.Preciseiconteroriso.EutinhavistoacomunidadedosConservadoresesabiaqueela

estavafalandosério.—Vocês não estão quebrando ummonte de regras namorando sem ter feito isso

ainda?Angelineassentiu,parecendoumpoucotriste.— Minha mãe faria um escândalo se descobrisse. Mas acho que é um caso

excepcional.Eddie sorriu para ela, indulgente.Acho que às vezes ele pensava que exagerávamos

em relação aos Conservadores. Ele teria uma bela de uma surpresa se realmente osvisitassealgumdia.—Talvezeupossalutarcomváriosparentesseuspracompensar—eledisse.— Pode ser que precise mesmo — ela respondeu, sem perceber que ele estava

brincando.Nãoeraumaconversaexatamenteromântica,masJillpareceuincomodadaaoouvi-

losdiscutirarelação.Elasevirouparamim,claramentetentandonãoolharparaeles.—Sydney,oquevamosfazernoNatal?Encolhiosombros,semsaberexatamenteoqueelaestavaperguntando.— O de sempre, acho. Dar presentes. Cantar músicas. Fazer duelos pagãos. —

Angelinesorriucomessaúltimaparte.Jillrevirouosolhos.—Não, quis dizer que teremos férias de inverno daqui a algumas semanas. Existe

algumachance…existealgumachancedeirmosparacasa?Haviaumtomtristenavozdela,eatéEddieeAngelinepararamdeseadmirarpara

cravarosolhos emmim.Fiquei incomodada sob seusolhares.Angelinenãoestava tãopreocupadaemvisitarosConservadores,maseusabiaqueEddieeJillsentiamfaltadosamigosedafamília.Queriaterdadoarespostaqueelesqueriamouvir.—Sintomuito—falei.—VocêsvãoficarnamansãodeClarenceduranteasférias.

Nãopodemoscorrerorisco…bom,vocêssabem.—NãoprecisavafrisaraindamaisasegurançadeJill.Todosconhecíamosmuitobemesserefrão.OcomentáriodeIansobre

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afragilidadedotronohaviamelembradodaimportânciadanossamissão.OrostodeJillesmoreceu.AtémesmoEddiepareceudecepcionado.— Imaginei— ela disse.— Só tinha a esperança… quer dizer, estou commuita

saudadedaminhamãe.—Achoquepodemosmandarumamensagemparaela—eudissebaixinho.Sabiaquenãoeraamesmacoisa.Àsvezes,conseguialigarparaaminhamãe,eouvir

a voz dela eramil vezesmelhor do que qualquer e-mail.Vez ou outra, até conseguiafalarcomaminha irmãmaisvelha,Carly,oquesempremedeixavacontente,porqueelaeramuitoalegreedivertida.Minhairmãmaisnova,Zoe…bom,eraoutrahistória.Elanãoatendiameustelefonemas.Zoeestiveraprestesaseriniciadanosalquimistas—paraassumiraquelamissão,aliás—quandoapegueiemseulugar.Tinhafeitoissoparaprotegê-ladoenvolvimentocomosalquimistastãocedo,maselasesentiaofendida.AoolharparaorostotristedeJill,sentiumapertonocoração.Elaestavapassando

por tanta coisa. Seu novo status real. Estar na mira de assassinos.Adaptar-se a umaescola humana. Seus romances desastrosos e mortais. E, agora, aguentar Eddie eAngeline.Elahavialidadocomtudoissocomumaforçaextraordinária,sempredecididaacumpriroqueprecisavafazermesmoquandonãoqueriafazê-lo.Lissaeraelogiadaporser uma rainha exemplar, mas havia uma realeza e uma força em Jill que muitossubestimavam.QuandoolheiparaEddie,percebiuma faíscaemseusolhosquepareciaindicarqueeletambémreconheciaeadmiravaissonela.Depoisdo jantar, levei todosparaAmberwoode fiquei contenteemvermeucarro

emperfeitoestado.EudirigiaumaperuaSubaruchamadaPingado,eEddieeraaúnicapessoaemquemeuconfiavaatrásdovolante.Deixei-onoalojamentomasculinoe,emseguida, leveiAngeline e Jill de volta ao nosso.Quando estávamos entrando, avistei asra.Santos,umaprofessoraqueeuconheciadevista.—Vãonafrente—faleiparaJilleAngeline.—Vejovocêsamanhã.Elassubirameeuatravesseiosaguão,esperandopacientementeatéqueasra.Santos

terminasseumaconversacomaresponsávelpeloalojamento,asra.Weathers.Quandoasra.Santoscomeçouadarmeia-voltaparasair,chameiaatençãodela.—Sra.Santos?SouSydneyMelrose.Estavapensandosepoderia…—Ah,sim—eladisse.—Seiquemvocêé,minhafilha.Asra.Terwilligersempre

elogiavocênasreuniõesdodepartamento.—Asra.Santoseraumamulherdeardoce,comcabelocastanhojágrisalho.Diziamqueelaestavaprestesaseaposentar.Fiqueiumpoucovermelhacomoelogio.—Obrigada.— Ela e a sra.Terwilliger eram professoras de história, embora o

focodasra.Santosfossehistórianorte-americana,nãomundial.—Asenhoratemumminuto?Queriaperguntarumacoisa.—Claro.Saímosdosaguão,afastando-nosdovaivémdoalojamento.—Asenhorasabemuitacoisasobreahistórialocal,nãoé?DosuldaCalifórnia?Elaassentiu.

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—Sim.Nasciecresciaqui.— Estou interessada em arquitetura não tradicional na área de LosAngeles— eu

disse, soltandoumamentiraatrásdaoutra. Já tinhapensadonoque iadizer.—Querdizer,estilosquenãosãocomunsnosudoestedosEstadosUnidos.Vocêconhecealgumbairroassim?Ouvifalarqueháalgunsvitorianos…Elaabriuumsorriso.—Ah,sim.Claro.Éumassuntofascinante.Vitoriano,CapeCod,colonial…todos

os estilos.Não tenho todas as informações aqui comigo,maspossomandarume-mailparavocêassimquechegaremcasahoje.Váriosseidecabeça,econheçoumhistoriadorquepodeajudarcomosoutros.—Seriaótimo.Muitoobrigada.—Ésemprebomajudarumaalunaprodígio.—Eladeuumapiscadinhaenquantose

afastava.—Talveznopróximosemestrevocêfaçaumestudoindependentecomigo.Istoé,seconseguirselivrardasra.Terwilliger.—Voulembrardisso—eudisse.Assim que ela foi embora,mandei umamensagem para a sra.Terwilliger. A sra.

Santos vaime falar sobrebairroshistóricos. A resposta chegou rápido: Ótimo.Venhapara cá agora. Fiz uma careta enquanto escrevia: Acabei de chegar. Nem entrei noquarto.Aoqueelarespondeu:Entãovaichegaraquimuitomaisrápido.Atépodiaserverdade,masmesmoassimfuiatéoquartodeixaramalaetrocarde

roupa.A sra.Terwilliger morava bem perto da escola e parecia estar andando emcírculosquandochegueiàcasadela.—Finalmente!—elaexclamou.Olheiparaorelógio.—Fazsóquinzeminutos.Elameneouacabeçaeestavacomamesmaexpressãocarregadadequandoestávamos

nodeserto.—Quinzeminutospodemserdemais.Venhacomigo.A casa da sra.Terwilliger era pequena e podia se passar por uma loja de produtos

esotéricosouumabrigodegatos.Ograudebagunçamefaziarangerosdentes.Livrosde feitiços, incenso, estátuas, cristais e todo tipode itensmágicos estavamempilhadosem todos os cômodos da casa. Só a oficina dela, o cômodo para onde me levou, eraimpecável— organizado a um nível que até mesmo eu aprovava.Tudo era limpo eordenado,comrótuloseemordemalfabética.Umagrandemesadetrabalho ficavanocentrodocômodo,completamentevaziaexcetoporumlindocolarqueeununca tinhavistoantes.Acorrenteerafeitadeelosdeourointrincadoseopingenteeraumapedrapreciosavermelha-escuraentrelaçadanumaarmaçãodeouro.—Granada?—perguntei.—Muitobem—eladisse,erguendoocolar.Aluzdasvelasnaoficinapareciafazer

comquetodasasfacesdapedrabrilhassem.—Élindo—eudisse.

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Elaestendeunaminhadireção.—Éparavocê.Deiumpassoparatrás,constrangida.—Para…mim?Querodizer,obrigada,masnãopossoaceitarumpresentedesses.—Nãoéumpresente—eladisse.—Éumaexigência.Umaquepode salvar sua

vida.Pegueecoloque.Merecuseiatocarnaquilo.—Émágico,nãoé?—Sim—elarespondeu.—Enãomeolhedessejeito.Nãoédiferentedenenhum

dosamuletosquevocêmesmajáfez.—Só que qualquer coisa que a senhora faça—engoli em seco, olhando fixamente

paraa joiavermelho-sangue—serámuitomaispoderosadoquequalquercoisaqueeupossacriar.—Éexatamenteessaaideia.Agora,tome.—Elaaproximoutantoocolardemim

queacorrentebalançouequasebateunaminhacara.Enchendo-medecoragem,estendiamãoeoapanhei.Nãoaconteceunada.Nenhuma

faíscaoufumaça.Nenhumadoragonizante.Aonotaroolharcheiodeexpectativadela,prendiocolarnopescoço,fazendocomqueagranadarepousassejuntoàcruz.Elasoltouumsuspiro,visivelmentealiviada.—Exatamentecomoeuesperava.— O quê? — indaguei.Apesar de não notar nada de especial, sentia o peso da

granadanopescoço.—Estáocultando seupodermágico—ela respondeu.—Ninguémqueolharpara

vocêvaisaberqueéusuáriademagia.—Nãosouusuáriademagia—eualembrei,seca.—Souumaalquimista.Elaentreabriuumsorriso.—Claro que é, uma alquimista que usamagia. E, para uma pessoa poderosa, isso

seriaóbvio.Amagiadeixaumamarcanosanguequepermeiatodoocorpo.—Comoassim?—Eunãoteriaficadomaischocadaseelativesseditoqueeuhavia

contraídoumadoençaincurável.—Asenhoranuncamefaloudissoantes!—Não era importante—ela disse, dando de ombros.—Até agora. Preciso que

vocêfiqueescondida.Nãotireessecolar.Nunca.Pusasmãosnacintura.—Nãoestouentendendo.—Tudoseráreveladoemseudevidotempo…—Não—eudisse.Naquelemomento,era como seestivesse falandocomStanton

ou qualquer uma das várias pessoas que haviamme usado e escondido informações demimduranteaminhavidainteira.—Tudoserárevelado agora.Seasenhoramemeteuemalgumasituaçãoperigosa,precisametirardissooudizercomopossosairsozinha.Asra.Terwilligerficoumeolhandoemsilêncioporváriossegundos.Umgatocinza

malhadoroçounaminhaperna,arruinandoagravidadedasituação.

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—Vocêtemrazão—eladisseporfim.—Eulhedevoumaexplicação.Sente-se.Senteinumdosbanquinhosaoredordamesaeelasentoudiantedemim,juntandoas

mãosàsuafrente.Pareciaestarencontrandodificuldadesparaorganizarospensamentos.Preciseimeesforçarparamanteracalmaeapaciência—casocontrário,opânicoquevinhameremoendodesdeodesertomeconsumiriaporcompleto.—Vocêselembradaquelamulherqueviunafoto?—elaperguntou,enfim.—Suairmã.—Sim.Veronica.Ela é dez anosmais velha que eu e parece termetadedaminha

idade, como você deve ter visto. Claro, não é difícil criar uma ilusão. Se eu quisesseparecer jovem e bonita, poderia; e a palavra-chave aqui é parecer. Mas Veronicarealmenteconseguiumanterocorpo jovemevibrante.Éumtipoavançadoeperigosodemagia.Não dá para resistir à idade desse jeito sem fazer alguns sacrifícios.—Elafranziuassobrancelhasemeucoraçãodisparou.Amanutençãodajuventudeeraalgoquedespertava todos os meus temores alquimistas. Era quase tão terrível quanto aimortalidade Strigoi; talvez até pior, já que estávamos falando de uma humana. Essetipo de magia perversa não tinha lugar nesse mundo. O que ela disse em seguidaconfirmouaperversidadedaquilotudo.—Ou,nocasodela,semosacrifíciodeoutraspessoas.Sacrifício.Aprópria palavra pareceu envenenar o ar.Ela se levantou e foi até uma

estante, de onde tirou um recorte de jornal. Sem dizer uma palavra, o entregou paramim.Eraumamatériarecente,detrêsdiasantes,falandosobreumaalunadedezenoveanos daUCLA que havia sido encontrada inconsciente em seu dormitório. Ninguémsabia a causa e a menina estava hospitalizada, sem dar nenhum sinal de quando ou seacordaria.—Oqueéisso?—perguntei,semsabersequeriadescobriraresposta.Examineiamatériacommaisatenção;tambémcontinhaumafoto.Aprincípio,me

perguntei porqueo jornalmostraria uma senhoradormindo.Então, ao ler a legenda,descobri que a vítima do coma exibia alguns sintomas físicos inexplicáveis: cabelogrisalho e pele seca e enrugada. Os médicos estavam investigando doenças raras nomomento.Eumeencolhiderepulsa,semconseguiracreditarnosmeusprópriosolhos.Ameninaestavahorrendaenãoconseguiolharparaelapormuitotempo.Derepenteentendi.Veronicanãoestavasacrificandoasvítimascomfacasealtaresde

pedra. Ela estava conduzindo algum ritual de magia perverso naquelas meninas quedistorcia as leis da natureza, deixando-as naquele estado pavoroso. Meu estômago serevirouemesegureinamesaparanãodesmaiar.—EssameninaéumadasvítimasdeVeronica—asra.Terwilligerconfirmou.—

Éassimqueelamantémajuventudeeabeleza:tirando-asdeoutraspessoas.Quandoliisso,pensei…quasetorciparaquealgumaoutrausuáriademagiafosseresponsávelporisso. Não que eu desejasse isso para qualquer pessoa. Mas seu feitiço de clarividênciaconfirmouqueelaestána área,oque significaqueéminha responsabilidade lidar comela.

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Tomei coragem para olhar o artigo de novo e senti a náusea subir outra vez.Amenina tinha dezenove anos. Como seria a sensação de ter a vida sugada de você tãojovem?Talvezocomafosseumabênção.Ecomoalguémpoderiasertãocruelapontodefazeralgoassimaoutrapessoa?Eunãosabiaexatamentecomoasra.Terwilligeria“lidar”comairmãenãosabiase

queriadescobrir.Noentanto, seVeronicaestava fazendocoisasdesse tipocomgarotasinocentes, então alguém— como a sra.Terwilliger—precisava detê-la.Um ataquemágico dessamagnitude era uma das coisasmais terríveis que eu conseguia imaginar.Faziaaflorartodososmeusmedosenraizadossobrecomoamagiaeraerrada.Comoeupoderia justificar seu uso quando era capaz de produzir tamanho horror?Velhas liçõesalquimistas voltaram à minha mente: Parte do que torna os Moroi especialmenteperigososésuacapacidadedeusarmagia.Ninguémtemodireitodesubverteromundodessejeito.Éerradoepodefacilmentefugirdocontrole.Volteiparaopresente.— E onde eu entro nisso tudo? Já descobri onde ela está. Por que estou correndo

risco?— Sydney — a sra.Terwilliger começou, me lançando um olhar estranho. —

Existempoucas jovensnomundocomsuashabilidades.Alémdabelezaeda juventude,elaquersugaramagiadavítimaparaficarmaispoderosa.Você,querida,seriaapresaideal.— Ela é como os Strigoi — murmurei, sem conter um arrepio. Embora os

vampirosmortos-vivospudessem se alimentardequalquerpessoa,preferiamosMoroiporque havia magia no sangue deles. Beber sangue Moroi tornava os Strigoi maispoderosos. Uma ideia terrível me atingiu de repente. — Ela é quase uma vampirahumana.—Algoassim—asra.Terwilligerconcordou.—Esseamuletodeveesconderoseu

poder,mesmodeumausuáriatãopoderosa.Elanãodeveconseguirencontrá-la.Umagata felpudapulounamesa epassei amão sobre seupelomacio,me sentindo

reconfortadapelocontatorápido.—Vocêmedeixanervosacomtodosesses“deve”.Porqueelaprocurariavítimasem

PalmSprings?Jásabesobremim?—Não.Massabequeeuestouaquiepodevirmeinspecionardevezemquando,por

isso preciso esconder você, caso ela apareça.Mas estou numa situação difícil. PrecisoencontrarVeronica,masnãopossoempreenderabuscaativamente.Seelaficarsabendoqueestou investigando,vaidescobrirqueestoucientedeseuplano.Nãopossodaressavantagemaela.Setiverasurpresaaomeulado,tereimaischancesdeimpedi-la.—Elafranziuatesta.—Prafalaraverdade,estousurpresaqueelatenhachegadotãopertodemim,naCalifórnia.Dequalquermodo,precisoserdiscretaatéahoradoataque.A sra.Terwilliger me lançou um olhar significativo e senti um frio na barriga

quandocomeceiaentenderaondeelaqueriachegarcomaquilo.—VocêquerqueeucaceVeronica.

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—Nãoexatamentecaçar,masrecolheralgumasinformações.Vocêéaúnicapessoaemquempossoconfiarparaisso.Veronicaeeupodemossentirapresençaumadaoutrase chegarmosmuitoperto, pormais que tentemosocultar nossamagia.E sei que issovaisoarsurpreendente,masaverdadeéqueacho melhorvocêiratrásdela,mesmoquesejaumalvoempotencial.Vocêéumadaspoucaspessoasemquemconfioplenamente,eéespertaobastanteparaconseguirfazerumacoisadessas.—Mas eu estariame colocando em risco.Você acabou de falar que eu seria uma

presaidealpraela.—Ovaivémdaquelaconversaestavamedeixandoconfusa.—Sim.Foiporissoquefizesseamuleto.Elanãoconseguirásentirsuamagiasevocê

o usar. E, se tomar cuidado durante a investigação,Veronica não terá motivos paranotarsuapresença.Euaindanãoestavaentendendoalógicadela.—Masporqueeu?Vocêtemumclã.Senãopode iratrásdelapessoalmente,deve

haveralgumaoutrapessoa,umabruxamaispoderosa,quepossacaçaressamulher.—Doismotivos—eladisse.—Oprimeiroéquevocêtemexcelenteshabilidades

investigativas,melhoresdoquepessoasmaisvelhasdoquevocê.Éinteligenteesabesevirarsozinha.Ooutro…bom,équesealgumaoutrabruxaforatrásdela,podemuitobemmatá-la.—Seriaumacoisatãohorrívelassim?—Eunãogostavanemumpoucodemortee

violência, mas nesse caso poderia ser justificável se pudesse salvar a vida de outraspessoas.—Vocêdissequeia“lidarcomela”.—Se eu não tiver escolha… se precisarmatarVeronica,matarei.—Ela pareceu

tristeeporummomentosenticompaixão.Amavaminhasduas irmãs.Oque fariase,umdia, estivessenumconflitomortal comumadelas?Claro, eradifícil imaginarZoeouCarly cometendo esse tipode atrocidade.—No entanto, existemoutrosmeios deneutralizarumausuáriademagia.Sehouverumjeito,qualquerjeito,defazerisso,éoquefarei.Meuclãnãopensariadamesmaformaeporissoprecisodasuaajuda.—Nãoposso.—Afasteiobanquinhoelevantei,quasepisandonumgato.—Deve

haver outras maneiras de fazer isso. Você sabe que já estou cheia de questõessobrenaturaispararesolver.—Naverdade,nãoconseguiaadmitiroverdadeiromotivode querer evitar aquela missão. Era mais do que simplesmente arriscar a vida.Atéentão, todas as minhas interações mágicas tinham sido com a sra.Terwilliger. Seaceitasseessamissão,estariamergulhandonomundodasbruxas,algoquehavia juradonuncafazer.Asra.Terwilligerapontouparaoartigoesuavozestavacalmaquandofalou:—Você seria capazdedeixar isso acontecer comoutrasmeninas sabendoquepode

impedirVeronica? Nunca soube de uma vítima que acordou depois. Para o feitiçofuncionar, ela precisa renová-lo de tempos em tempos e isso requer cinco vítimas emmenos de um mês. Ela já fez isso uma vez antes e fui pega de surpresa. Dessa vez,sabemosqueestáacontecendo.Outrasquatropessoaspodemsofreressedestino.É issoquevocêquer?

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Pronto.Ela tocouemoutropontoquevinhame incomodando,porquemeconheciabemdemais.Eunãopodiadeixarpessoasinocentessofrerem,mesmoquesignificassemearriscar ou enfrentarmedos queme assombravam. Se tinha como impedir aquilo, eraminhaobrigação.Ninguémmereciaodestinodameninanojornal.—Claroquenão.—Enãovamosesquecerquevocêpodeacabarsendoumadasvítimas.Toqueinagranada.—Vocêdissequeeuestavaoculta.—Eestá,porenquanto.Etorçoparaquecontinueassim.—Nuncaatinhavistotão

séria e era difícil ouvi-la falar daquele jeito. Estava acostumada com sua naturezatagarela,desastradaesemfrescuras.—Masvoucontarumacoisaquenuncadisseantessobrecomoasusuáriasdemagiasentemapresençaumasdasoutras.Eu havia aprendido ao longo dos anos que, quando alguém dizia “vou contar uma

coisaquenuncadisseantes”,nuncaeraalgobom.Meprepareiparaopior.—Usuárias demagia não treinadasmanifestamuma aura diferente do que asmais

experientes— ela explicou.— Existe algo um tanto, hum, selvagem na magia quecerca você, algo que é fácil para bruxas avançadas identificarem. Meu clã rastreiausuáriasdemagianovatas,masesses sãosegredosmuitobemguardados.Veronicanãotem acesso a esses nomes,mas existem feitiços que ela pode usar que identificam essamagia indomada se estiver perto dela. Deve ter sido assim que encontrou essa pobremenina.—Asra.Terwilligerapontouparaamatéria.A ideia de ter uma auramágica“selvagem” era tão terrível quanto descobrir que a

magiadeixavaumamarcaemmeusangue.—Quandoelaabsorveumavítima—asra.Terwilligercontinuou—,recebeuma

rajadadessa forçaselvagem.Elasedissipa logo,mas,enquantoVeronicaestáempossedesse poder, sua capacidade de encontrar outra vítima não treinada aumenta por umbreve momento. Quanto mais vítimas ela toma, mais aumenta esse poder. Existe achance — a sra.Terwilliger disse, muito séria — de que possa ser suficiente pararomperagranada.Nãosei.—Eladeudeombros.—Entãoestámedizendoque…acadavítimaqueelaataca,aumentamaschancesde

meencontrar?—Sim.—Certo.Vouajudá-laacaçaressamulher.—Deixeideladotodososmeusmedos

edúvidas.Muitacoisaestavaem jogo.Aminhavida,adeoutrasmeninas…Veronicaprecisavaserdetida,pelobemdetodas.Alguémcomoelanãopoderiacontinuaràsolta.—Temmais—acrescentouasra.Terwilliger.Sério?—Maisdoquecaçarumabruxamalignaquequerdrenarminhavidaemeupoder?— Se pudermos impedirVeronica de encontrar outras vítimas menos poderosas,

limitaremos a capacidade dela de encontrar você.—Ela pegou uma pequena bolsa develudo e a esvaziou sobre a mesa, deixando cair vários círculos de ágata. — Estes

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amuletos têm certa capacidade demascarar amagia.Não são tão poderosos quanto agranada; levaria tempodemais.Mas sãodeumamagiamais simplesquepode salvar avidadeoutrasmeninas.Entendiaondeelaqueriachegar.—Evocêquerqueeuosentregueaelas.—Desculpe.Seiqueestoulhedandoalgumastarefasdifíceis…Aquiloestavaficandocadavezpior.— Difíceis? Difíceis é pouco.Além de você querer que eu encontre uma mulher

capazde sugarminhavida, tambémtemodetalhezinhodequeosalquimistas ficariamfuriosossesoubessemqueestouenvolvidanisso.A sra.Terwilliger não respondeu de imediato. Ficou apenasme olhando.Um gato

preto pulou ao lado dela e tambémme encarou.Aqueles olhos amarelos cravados emmimpareciamdizer:Façaacoisacerta.—Por onde começo?— perguntei, finalmente.—Encontrar o bairro é parte do

trabalho,certo?—Sim.Evoudizerondeencontraraspotenciaisvítimas,sevocêsedispuseraavisá-

las.Meuclãtemoregistrodelas.Sãomeninasmuitoparecidascomvocê:meninascompoder que se recusam a treinar e não têm nenhum mentor que as auxilie. QuandosoubermosexatamenteondeaprópriaVeronicaestá…—Oolharda sra.Terwilligerendureceu.—Aíeuassumo.Maisumavezmepergunteiserealmentequeriasaberosignificadodisso.Ummomentodepois,elaacrescentou:—Ah,eacheiqueseriaumaboaideiaocultarsuaaparênciatambém.Fiquei mais contente. Não saberia explicar por que, mas aquilo fez eu me sentir

muitomelhor.—Existemmuitos feitiçospara isso, certo?—Eu tinha visto vários durantemeus

estudos.Mesmoquetivessequeusarmagia,seriamelhorterumaaparênciadiferente.— Sim… — Ela tamborilou os dedos na mesa. — Mas o amuleto pode não

conseguirocultarumfeitiço“ativo”,oquedestruiriatodoodisfarce.Naverdade,estavapensandoqueseu“irmão”,Adrian,poderiaajudar.Minhaspernasfraquejaramevolteiamesentar.—PorqueAdrianseenvolverianisso?—Bom,eleparecedispostoafazerqualquercoisaporvocê.—Olheinosolhosdela,

procurando algum duplo sentido naquelas palavras. Mas seu olhar estava distante,concentrado em seus próprios pensamentos. Ela tinha dito cada palavra honestamente.—Veronica não seria capaz de detectar magia de vampiro. O poder dele… aqueleelemento, o espírito, de que ele estavame falando… pode confundir a mente, certo?Afetaroqueaspessoasveem?—Sim…Elavoltouaseconcentraremmim,assentindo,satisfeita.— Se ele puder acompanhar você, ajudar a confundir a mente de quem você

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encontrar…bom,seriaumnívelextradeproteção.Ainda não sabia tudo que teria de fazer para encontrar a irmã da sra.Terwilliger,

mas,pelo jeito,nomínimoteriaque ir aLosAngelesembreve.Eu,presanumcarrocomAdrian,enquantoelecontinuavacomaquele“amoràdistância”irritante.Estavatãoperturbada com essa ideia que levei um tempo para perceber a questãomaior emqueestavamedeixandoenvolver.—Vocêentendeagravidadedoqueestámepedindo?—eudissebaixinho,voltando

a tocaragranada.—Para fazerpartedisso,vouprecisarmeexporàmagiahumana evampírica.Tudooquesempretenteievitar.A sra.Terwilliger bufou e, pela primeira vez naquela noite, assumiu aquele seu ar

irônicodecostume.—Amenosqueeuestejaenganada,vocêvemseexpondoaosdoistiposdemagiajá

fazumbomtempo.Então,nãoestaráindo tantoassimcontraosseusprincípios.—Elafezumapausaenfática.—Nomáximo,vaicontraosprincípiosalquimistas.—Osprincípiosalquimistassãoosmeusprincípios—retruqueirápido.Elaarqueouumasobrancelha.—Ah,é?Euesperavaqueseusprincípiosfossemosseusprincípios.Nuncatinhapensadonessestermosantes,mas,derepente,quismuitoqueaspalavras

delafossemverdade.

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6

Segui direitinho as instruções da sra.Terwilliger . Não tirei a granada em nenhummomento, nemmesmo enquanto dormia ou tomava banho.Durante a aula namanhãseguinte, deixei a pedra embaixo da camiseta para evitar perguntas.Não era evidentequesetratavadeumamuletomágico,massemdúvidachamavaaatenção.Paraminhasurpresa,asra.Terwilligernãoapareceunoprimeirohorário,oquemelevouapensarquetalvezestivesseinvestigandoporcontaprópria.—Asra.Testáemalgumamissãosecreta?Tive um sobressalto e percebi que estava perdida em meus pensamentos.Ao me

virar, encontreiTrey agachado ao lado da minha carteira.A aula ainda nem tinhacomeçadoeumaprofessorasubstitutacomarconfusoestavatentandoentenderocaosdamesadasra.Terwilliger.Treysorriucomaminhasurpresa.— Q-quê? — perguntei. Será que ele havia descoberto sobreVeronica? Tentei

manteracalma.—Porquedizisso?— Estava só brincando— ele respondeu.— É o segundo ano em que faço uma

matéria com ela e ela nunca perdeu uma aula sequer. — Ele me lançou um olharconfuso.—Anãoserquevocêsaibadealgumacoisaqueeunãosei.—Não—respondiautomaticamente.—Estoutãosurpresaquantovocê.Trey ficou me examinando por alguns momentos. Éramos bons amigos em

Amberwood,emborahouvesseumpequenoprobleminhaentrenós.AfamíliadeleestavaligadaaosGuerreirosdaLuz.No mês anterior, os guerreiros haviam tentado matar Sonya num ritual bárbaro.

Trey havia sido um dos competidores pela “honra” de executá-la, embora tivessedesistidodo combatenoúltimominuto.Eu tentara apelar aos guerreirospara libertarSonya, mas eles não me deram ouvidos. Nós duas fomos salvas quando um grupoarmado de dampiros apareceu e derrotou os guerreiros. Stanton havia ajudado aorquestrar a invasão,mas não tinha se dado ao trabalho deme informar que eu seriausadacomodistração.Erapartedoquehaviaalimentadominhadesconfiançaemrelação

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aelaeaosalquimistas.Treyhavia levadoaculpapor termeenvolvidonoritualeosguerreirosobaniram

— assim como a seu pai. Da mesma forma que eu sempre fui pressionada pelosalquimistas,Trey teve a doutrina dos guerreiros incutida dentro dele durante toda avida.Seupai sentia tantavergonhapelobanimentoquequasenão falavamaiscomele.Eu sabia comoTreydesejava a aprovaçãodopai, equeesse silêncioeramaisdolorosoparaeledoqueapuniçãodosguerreiros.Nossas lealdades dificultavam as coisas. Quando eu tentara insinuar que havia

questõesmalresolvidasentrenós,elemerespondeucomumsorrisotriste.“Nãoprecisasepreocupar”,Treymedissera.“Não estou escondendonenhumplano secretode vocêporquenãoseimaisdenenhum.Elesnãonosdizemmaisnada.Achamquenãosoumaisumdeles.Fuiexpulsopara sempree seriaprecisoummilagrepara aceitaremaminhafamília de volta.”Algo em seus olhos castanhos me dizia que, se ele encontrasse essemilagre, o agarraria com todas as forças.Eu tinha tentadoperguntar a respeito disso,maselenãoqueriadiscutirmaissobreoassunto.“Queroserseuamigo,Melbourne”,eledissera.“Gostodevocê.Nuncavamosresolvernossasdiferenças.Melhor ignorá-las, jáqueprecisamosnosvertododia.”O surpreendente era que nossa amizade conseguia sobreviver a todo esse drama.A

tensão sempre estava lá, pairando oculta entre nós, mas tentávamos ignorá-la. Claroque,emboraelesoubessedomeuenvolvimentonomundodosvampiros,nãofaziaideiade que, nos bastidores, eu estava tendo aulas de magia com a nossa professora dehistória.Seeleachouqueeuestavamentindosobreaausênciadasra.Terwilliger,nãoinsistiu

noassunto.Apontoucomacabeçaparaasubstituta.—Aauladehojenãovaidaremnada.Desvieiospensamentosdetodaaintrigamágica.Depoisdeestudaremcasadurante

a maior parte da vida, alguns detalhes do mundo letivo “normal” ainda eram ummistérioparamim.—Comoassim?—Normalmenteosprofessoresdeixamumplanodeaulaparaossubstitutos,coma

matéria que eles precisam dar. Vi o plano que a sra. Terwilliger deixou. Dizia:“Distraiaos alunos”.—Treymeneou a cabeça fingindo solidariedade.—Tomaraquevocêconsigalidarcomessedesperdíciodetempoacadêmico.Querdizer,éprovávelqueeladiga:“Façamaliçãodecasa”.Masninguémvaifazer.Eleestavacerto.Nãosabiaseconseguirialidarcomaquilo.—Porquenão?Elepareceusedivertirimensamentecomapergunta.—Melbourne, às vezes você é o únicomotivo para eu vir para a aula.Aliás, vi o

plano que ela deixou para o seu estudo independente também. Dizia que você nemprecisaficarnaescola.Estarálivreparafazerumaloucura.Eddie,queestavasentadoporperto,ouviuaconversaezombou:

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—Vaiparaabiblioteca?Os dois riram, mas minha mente já estava girando com as possibilidades. Se

realmente não precisasse assistir à última aula, estaria livre para sair do campusmaiscedo.Poderia ir paraLosAngeles procurarVeronica e…não.Adrian ainda não tinhavoltado.Porummomento,considereifazerainvestigaçãosemajudadamagiadele,masasadvertênciasdasra.Terwilligerecoaramnaminhacabeça.Acaçadateriadeesperar.MaseuaindapoderiaprocurarMarcusFinch.EramduashorasdeviagematéSantaBárbara,oque significavaqueeu teria tempo

suficiente para ir até lá, investigarMarcus e voltar tranquilamente antes do toque derecolher da escola. Eu não estava pensando emprocurar por ele até o fim de semana,mas percebi que não deveria perder a oportunidade.A missão da sra. Terwilligertambémme afligia, mas não havia nada que eu pudesse fazer até queAdrian voltassenaquelanoite.MarcusFincheraummistérioparamimdesdequeeudescobriraqueeleeraumex-

alquimista.Medarcontadequeeupoderiaencontraralgumasrespostasnaquelemesmodia fez meu coração acelerar. Uma coisa era suspeitar que os alquimistas estivessemescondendo informações de mim. Outra completamente diferente era aceitar que eupoderia estar prestes a ter essas suspeitas confirmadas. Na verdade, era um tantoassustador.Comopassardodia, fui ficandocadavezmaisdecididaa fazeraviagem.Precisava

enfrentar aquilo cedo ou tarde, e seria melhor acabar com a dúvida de uma vez portodas.Afinal,tudooqueeusabiaeraqueMarcusestiveraemSantaBárbara.Elepoderiajátersaídodelá.Eunãoqueriarepetirofeitiço,sepudesseevitar.De fato,quando apareciparaoquenormalmente seriameuestudo independente ao

fimdodia, aprofessora substituta (parecendoextremamentecansadadepoisdeumdiaseguindo os passos da sra.Terwilliger) me disse que eu estava livre para ir embora.Agradeci e corriparao alojamento, cientedequeo tempoestavapassando.Não sabiaexatamenteoqueesperaremSantaBárbara,masqueriaestarpreparadaparaqualquereventualidade.TroqueiouniformedeAmberwoodporcalçajeanseumablusapretalisa.Depoisme

ajoelheietireidedebaixodacamaumagrandecaixademetal.Àprimeiravista,pareciaumkitdemaquiagem.Noentanto,tinhaumafechaduracomplexaqueexigiaumachaveeumacombinaçãonumérica.Dentroeuguardavaumacoleçãodesubstânciasquímicasalquimistas, que, caso fosse encontrada, provavelmente me levaria a ser expulsa docolégio, uma vez que parecia um kit para produção de drogas ilegais. Para falar averdade,algunsdoscompostoseramrealmentesuspeitos.Pegueialguns itensbásicos.Umeraumafórmulanormalmenteusadaparadissolver

corposdeStrigoi.EunãoestavaesperandoencontrarnenhumStrigoiemSantaBárbara,mas o composto tambémpoderia ser usadopara desintegrarmetal facilmente.Escolhimaisalgumasmisturas,comoumaquepoderiacriarumanuvemdefumaçadignadeumespião,easembrulheicomcuidadoantesdecolocá-lasnabolsa.Entãotranqueiacaixa

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outravezeaenfieiembaixodacama.Depois de considerar por um momento, respirei fundo e peguei outra caixa

escondida. Essa era nova naminha coleção.Continha vários amuletos e poções que euhavia feito sob as instruções da sra.Terwilliger.Olhando para o conteúdo dela, sentimeuestômagoserevirar.Nemnosmeussonhosmaisloucoseuteriaimaginadoqueumdiaviria a terumkit comoaquele.Nocomeço, sócriava talismãs sobasordensdela.Agora,tinhafeitováriosporlivreeespontâneavontade,e,seoqueelahaviaditosobrea irmã era verdade, logo precisaria fazer mais. Muito relutante, peguei alguns e osembrulhei como havia feito com as substâncias alquimistas. Hesitei um momento eentãocoloqueialgunsnobolso,paraacessorápido.O trajeto para Santa Bárbara era tranquilo àquela hora do dia. Dezembro havia

refrescado o clima quente do sul da Califórnia, mas o sol ainda estava forte, fazendoparecermaisquentedoquerealmenteestava.E,conformemeaproximavadacosta,odesertofoidandolugaraumclimamaisameno.Aschuvasaumentavamnocentroenonorte do estado naquela época do ano, tornando a paisagem verde e exuberante. EugostavadePalmSpringsedeAmberwood,masnãoligariaseamissãodeJillnostivesselevadomaisparaonorte.EncontraraantigaMissãodeSantaBárbaranãofoidifícil.Eraumaatraçãoturística

bastante famosa emuito fácil de avistar quando se chegava perto.A grande igreja eraexatamentecomoeutinhavistono feitiço,excetopelo fatodeestar iluminadapelosolvespertinoenãopelocairdanoite.Estacioneinaruadeumbairroresidencialelevanteiosolhosparaaquelaobra-primadeestuqueeterracota.Queriatertempoparavisitá-la,mas,comosempreacontecia,meusdesejospessoaisprecisavamficaremsegundoplanoemrelaçãoaumobjetivomaior.Agoravinhaapartemaisdifícil:descobrirondepoderiaseraquitinetequeeutinha

visto.Oquarteirãoemqueestacioneidavaparaumavistadaigrejaparecidacomaqueladofeitiço.Entretanto,osângulosnãoeramexatos,eaquelaruasótinhacasas.Eutinhaquasecertezadequeo lugarque tinhavisto ficavanumprédioresidencial.Mantendoaigreja nomeu campo de visão, dirigi por algumas ruas e encontrei o que queria: umquarteirãocomcomplexosdeapartamentos.Um dos prédios parecia chique demais. O apartamento que eu vira era simples e

antigo.Osoutrosdoisnaquelaruapareciamcandidatosmaisprováveis.Estacioneipertodeles e caminhei ao redor, tentando imaginar comopoderia sero ângulovistodeumajanela mais alta. Era uma pena não ter conseguido ver o estacionamento durante ofeitiço.Teriamedadoumaideiamelhordolugar.Depoisdepensarmuito, finalmentededuziqueoapartamentoficavanoterceiroouquartoandar.Comoumdosprédiossótinhadoisandares,tiveumaideiamelhordequalseriaolugarcerto.Aoentrarnoprédio,fiqueicontenteportercolocadoantissépticonabolsa.Osaguão

parecianãotersidovarridohaviamaisdeumano.Asparedesestavamsujas,eatinta,lascada.Haviaumpoucodelixoespalhadopelochão.Teiasdearanhadependuravam-seemalguns cantos, e rezei paraque as aranhas fossemosúnicos habitantes rastejantes e

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repulsivosdolugar.Sevisseumabarata,eraprovávelquesaíssecorrendoemdisparada.Oprédionão tinhaumporteiroqueeupudesse interrogar,entãochameiuma senhorademeia-idadequeestavadesaída.Elaparou,meolhandodesconfiada.—Oi—eudisse,esperandonãoparecerumaameaça.—Estoutentandoencontrar

umamigo,masnãoseiemqueapartamentoelemora.Vocêoconhece?OnomedeleéMarcus.Ele temuma tatuagem azul no rosto.—Aonotar o rosto inexpressivodela,repetiaperguntaemespanhol.Elapareceuentender,mas,quandotermineiapergunta,suaúnicarespostafoiumcurtonãocomacabeça.Nemtivetempodemostrarafoto.Passei a meia hora seguinte fazendo a mesma pergunta sempre que via moradores

entrando ou saindo do prédio. Fiz isso do lado de fora, preferindo uma área públicailuminada àquele interior imundo. Algumas pessoas eram meio suspeitas, e algunshomensmelançaramolharesdequedefinitivamentenãogostei.Estavaprestesadesistirquando um menino se aproximou de mim. Ele parecia ter uns dez anos e estiverabrincandonoestacionamento.—Conheçoohomemquevocêestáprocurando—elemedisseeminglês.—Maso

nomedelenãoéMarcus.ÉDave.ConsiderandoadificuldadeparaencontrarMarcus,nãoeraumagrandesurpresaele

estarusandoumnomefalso.—Temcerteza?—pergunteiaomenino.Mostreiafotoparaele.—Éesseaqui?Elefezquesim.—Éelemesmo.Eleébemnadele.Minhamãedizquedeveestar fazendoalguma

coisaerrada.Ótimo.Erasóoquemefaltava.—Vocêsabeondeelemora?Omeninoapontouparacima.—Noúltimoandar,número407.Agradecieentrei,subindoescadasquerangeramtodoocaminhoatéoquartoandar.

O apartamento ficava perto do fim do corredor, ao lado de outro do qual saía umamúsicairritanteemuitoalta.Batino407enãotiveresposta.Semsaberseomoradortinhameouvido,baticommaisforça.Nada.Olhei para a maçaneta, considerando derretê-la com os ácidos alquimistas. Logo

depois, descartei a ideia.Mesmo num prédio de reputação questionável como aquele,algum vizinho poderia ficar preocupado ao me ver invadir o lugar. Eu não queriachamaratenção.Asituaçãoestavaficandocadavezmaisfrustranteeeunãopodiaficaraliodiatodo.Considereiminhaspossibilidades.Todosdiziamcomoeuerainteligente.Deviahaver

algumasoluçãoquefuncionasseali,masqual?Ficaresperandonocorredornãoeraumaopção. Não tinha como saber quanto tempo Marcus, ou “Dave”, demoraria paraaparecer. E, para falar a verdade, quanto menos tempo eu passasse naquele corredorimundo, melhor. Se ao menos houvesse uma maneira de entrar que não envolvessedestruir…

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Foientãoqueencontreiaresposta.Solteiumresmungo.Nãogostavamuitodaideia,maspoderiafuncionar.Saínovamenteecumprimenteiomenino,queestavapulandodecimadosdegraus.—Daveestavaemcasa?—eleperguntou.—Não.Eleassentiu.—Normalmentenãoestámesmo.Pelomenosissoajudariameunovoplanomaluco.Deixeiomeninoefuiatéalateral

do prédio, que felizmente estava deserta. Lá, encostada à parede, estava a saída deincêndiocommaisriscodedesabarqueeujátinhavistonavida.Considerandoarigidezdos padrões de segurança da Califórnia, fiquei surpresa por aquilo não ter sidodenunciado. Claro, mesmo se fosse, parecia improvável que o dono do prédio agisserápido,julgandopelascondiçõesdorestodolugar.Depois de confirmar que ninguém estava por perto, fiquei à sombra da saída de

incêndio,torcendoparaqueelameocultasse.Tireidabolsaumdosamuletos:umcolarfeito de ágata e penas de corvo. Coloquei-o ao redor do pescoço e recitei umencantamento em grego. Senti o calor damagia perpassarmeu corpo,mas não houvenenhumamudançaaparente.Teoricamente,euestariainvisívelparaquemnãoestivesseme procurando. Se isso realmente havia acontecido, eu não sabia. Imaginei quedescobriria se alguém passasse e me perguntasse por que eu estava entrando numapartamentopelasaídadeincêndio.Quando comecei a subir, porém, quase abortei o plano.Toda a escada rangia e

balançava.Os andaimesestavam tãoenferrujadosqueeunão ficaria surpresa se eles sedesintegrassem sobmeus pés. Fiquei parada onde estava, tentando criar coragem paracontinuar. Lembrei que essa poderia serminha única chance de encontrarMarcus.Omenino no estacionamento havia confirmado que elemorava ali. Eu não podia perderaquelachance.Engoliemsecoecontinueisubindo,angustiada,deandaremandar.Quandocheguei

aoquarto,olheiparabaixo,espantada,semconseguiracreditarqueaescadaaindaestavaintacta.Agoraeutinhaumnovoproblema.HaviadescobertoondeficavaoapartamentodeMarcus,queeraasegundajaneladepoisdaescadaria.Adistâncianãoeratãogrande,mas, sobre uma borda estreita, pareciam quilômetros. Igualmente intimidador era ofatodequeeuteriaqueatravessarajanela.Elaestavafechada,oquefaziasentidoseeleestavaforagido.Eutinhaalgunsamuletoscapazesdederreterovidro,masnãoconfiavanaminhacapacidadedeusá-losenquantomeequilibravaemcimadaquelabordaestreita,oquesignificavaqueteriadetestaroquãoboaminhamiratinhasetornadonaeducaçãofísica.Aindacientedoestadoprecáriodaescadadeincêndio,pegueiumabolsinhadepóna

bolsa.Medindoadistância,atirei-acomforçanadireçãodajanela,recitandoumfeitiço.E errei.A bolsinha atingiu a parede do prédio, estourando numa nuvem de poeira, ecomeçouacorroeroreboco.Meencolhidiantedaparededissolvida.Ofeitiçoacabouse

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extinguindo,masdeixouumburacoperceptível.Porém,nãoatravessouaparedetodaepenseique,considerandooestadodoprédio,eraprovávelqueninguémnotasse.Eu só tinhamais uma bolsinha.A vidraça era relativamente grande e eu não podia

errardessa vez.Atirei com força—e acertei.Opó atingiuo vidro, espalhandoumareação e começando a fundi-lo imediatamente. Derreteu como gelo no sol.Agora,observandoansiosa,queriaqueareaçãocontinuasseomáximopossível.Precisavadeumburacograndeobastanteparapoderpassar.Felizmente,quandoparou, senti que seriasuficiente—seeuconseguissechegaratélá.Não tinha medo de altura, mas, enquanto engatinhava pela borda, senti como se

estivessenotopodeumarranha-céu.Estavacomocoraçãonabocaepenseiquaisseriamaschancesdesobreviveraumaquedadequatroandares.Minhasmãoscomeçaramasuareordeneiqueparassem.Nãotinhachegadoatéaquelepontoparaelasescorregaremnoúltimominuto.No fim, foi meu pé que escorregou. O mundo deu uma volta, e estendi o braço

desesperadamente, por pouco conseguindo segurar o lado interno da janela.Me jogueiparacimae,comumaexplosãodeesforçomovidapelaadrenalina,conseguipassarumapernapelajanela.Respireifundoetenteiacalmarmeucoração.Estavaemsegurança.Euia conseguir… Um momento depois, consegui passar a outra perna pela beirada,entrandonoquarto.Caínochão;minhaspernasestavamfracasetrêmulasenquantoeumeesforçavapara

acalmararespiração.Tinhasidoporpouco.Semeusreflexostivessemsidomaislentos,teria descoberto exatamente o que uma queda de quatro andares poderia fazer com ocorpohumano.Pormais quegostassede ciência, essenão eraumexperimentoque euestava ansiosa para realizar. Talvez passar tanto tempo perto de dampiros tivessemelhoradominhashabilidadesfísicas.Depois queme recuperei, consegui examinar o ambiente.Ali estava eu, nomesmo

apartamento que tinha observado na visão. Olhando para trás, avistei a igreja, everifiquei se era o mesmo ponto de vista. Sim. Exatamente o mesmo. Lá dentro,reconheciocolchãoeospoucospertencesdeMarcus.Dooutroladodoquarto,aportaque dava para o corredor tinha várias fechaduras novas e modernas. Dissolver amaçanetanãoteriadadoemnada.—Eagora?—murmurei.Euhaviaconseguidoentrar.NãotinhaacessoaMarcus,

mas, teoricamente, tinha acesso ao apartamento dele. Não sabia bem o que estavaprocurando,masdeviacomeçarporalgumlugar.Primeiro, examinei o colchão, sem esperarmuita coisa. Não tinha como esconder

alguma coisa embaixo, como o meu.Tinha, porém, como ocultar ratos e sabe Deusmais o quê. Com cuidado, levantei um canto, sabendo que devia estar fazendo umacareta—masnãohavianadaali,vivoounão.Meualvoseguintefoiumapequenapilhade roupas desordenadas.Vasculhar as roupas sujas (porque imaginava que estivessemsujasseestavamnochão)nãofoimuitomaispromissordoqueolharsobocolchão.Umcheiro de amaciante me disse que, na verdade, aquelas peças tinham sido lavadas

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recentemente.Eramroupasmasculinasnormais,provavelmentedeumjovem,oqueseencaixava no perfil de Marcus. Jeans. Camisetas. Cuecas. Quase comecei a dobrá-lasenquantoremexianapilhaepreciseimelembrardequenãoqueriadeixarnenhumsinaldaminhapassagem.Sebemqueajaneladerretidaeraumaevidênciaumtantoóbvia.Haviaalgunsitenspessoaispertodocolchão:umaescovadedenteseumdesodorante

com um aroma descrito, sabe-se lá por quê, como “ fiesta oceânica”.Além de umacadeira de madeira velha e daTV antiga, só havia outra fonte de conforto eentretenimentonaquelecômodosemgraça:umacópiagastadeOapanhadornocampodecenteio.—Ótimo—murmurei, tentandoadivinharoque issodizia sobre alguémquenão

possuíanenhumoutroobjetopessoal.—MarcusFinchéumintelectualpretencioso.Obanheiro era claustrofóbico e quase não havia espaço para o boxe do chuveiro, o

vasoeapia,queestavapingando.Ajulgarpelamanchadefungonochão,deviaespirrarmuita água quando o chuveiro estava ligado. Uma grande aranha preta correu paradentrodoraloerecueirápido.Derrotada, fui investigaraportaestreitadoúnicoarmárionoapartamento.Depois

detodoaqueletrabalho,tinhaconseguidoencontrarMarcusFinch,masnãooencontraraempessoa.Minhabuscanãohaviadadoemnada.Eutinhapoucotempoparaesperare,sinceramente,sefosseeleeencontrasseumajaneladerretidaemcasa,dariameia-voltaesumiriadaliparasempre.Seelefugisse,eunãoteriaescolhaalémdecontinuarfazendofeitiçosdeclarividênciae…—Ahh!Algopulouemcimademimquandoabriaportadoarmário,enãoeraumratoou

umabarata.Eraumhomem.Oarmárioeratãominúsculoqueeraummilagreelecaberalidentro.Masnãotive

tempo para processar a logística espacial porque seu punho disparou e me atingiu nacara.Naminhavida,játinhasidoprensadacontraparedesemordidaporumStrigoi.Mas

nunca havia levado um soco e não era uma experiência que gostaria de repetir.Cambaleei para trás, tão surpresa que demorei para reagir. O rapaz avançou contramim,segurandomeusbraçosemechacoalhandoenquantoseaproximava.—Comovocêsmeencontraram?—eleexclamou.—Quantosoutrosestãovindo?Apesardadorque irradiavadomeu rosto, consegui recuperaros sentidos.Nomês

anterior, tinha feito um curso de defesa pessoal com um criador de chihuahuas meiomaluco que parecia um pirata. Apesar do comportamento pouco convencional deMalachiWolfe, ele realmente havia me ensinado algumas técnicas legítimas, que meforamúteisnaquelemomento.Deiumajoelhadanabarrigadomeuagressor.Seusolhosazuis se arregalaram enquantome soltava e caía no chão. Porém, não ficou caído pormuito tempo. Com dificuldade, se reergueu e partiu para cima demim,mas, a essaaltura,eu já tinhapegadoumacadeiraeaestavausandoparamantê-loafastado,como

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umdomadordeleões.—Fiquelonge—eudisse.—Sóquero…Ignorando minha ameaça, ele avançou e puxou uma das pernas da cadeira,

arrancando-ademim.Depoismeencurralounumcantoe,apesardealgunstruquesqueEddie haviame ensinado, eu não tinha confiança suficiente para dar um soco.Mesmoassim,medefendibemquandoMarcustentoumesegurardenovo.Nósnosatracamosecaímosnochão.Euchutavaearranhava loucamente,dificultandoascoisasaomáximo.Foisóquandoeleconseguiumesegurarnochãocomtodoopesodeseucorpoquepareidemedebater.Noentanto,tinhaliberdadedemovimentoobastanteparacolocarumamãonobolso.—Quemenviouvocê?—eleperguntou.—Ondeestãoosoutros?Não respondi.Emvez disso, tirei umpequeno frasco do bolso e abri a tampa com

umamão. Imediatamente, saiu um vapor amarelo nocivo com a consistência de geloseco. Estendi o frasco para o rosto dele. Marcus se contorceu com repulsa, lágrimasescapando dos olhos.A substância em si era relativamente inofensiva, mas o gás agiacomo uma espécie de spray de pimenta. Eleme soltou e, com uma força que eu nãosabiaquetinha,conseguirolarparacimadeleemantê-lonochão.Deiumacotoveladanopulsodeleeelesoltouumresmungobaixodedor.Comooutrobraço,empunheiofrascodemaneiraameaçadora,comosefosseumfacão.Issonãooenganariapormuitotempo,mas, felizmente,medeutempoparareavaliarasituação.Agoraqueeleestavaparado, finalmente conseguidarumaboaolhadanele e fiquei aliviada aoverque tinhaatingidomeuobjetivo.Ele tinhaumrostobonitoe jovem,comumatatuagemazulnabochecha. Era um desenho abstrato que parecia uma treliça demeias-luas. Um tênuebrilhoprateadosaíapelasbordasdealgumaslinhasazuis.—Éumprazerconhecervocê,Marcus.Então, a coisa mais surpreendente aconteceu. Com os olhos lacrimejantes, ele

também estava tentando olhar direito para mim. Pareceu me reconhecer ao piscar efocaravisão.—SydneySage—eleexclamou,admirado.—Andeiprocurandovocê.Nãotivetempoparaficarsurpresaporque,subitamente,ouviocliquedeumaarma

esentiocanodelaencostarnaminhanuca.—Saiadecimadele—ordenouumavoz.—Esolteabombadefumaça.

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7

EupodiaestardeterminadaaencontrarMarcus,masdefinitivamentenãoiaargumentarcontraumaarma.Ergui asmãos e levantei devagar, de costas para a recém-chegada. Com omesmo

cuidado,saídecimadeMarcusepusofrasconochão.Aindaestavasoltandogás,masareaçãologoseesgotaria.Entãocrieicoragemparaolharparatrás.Quandoviagarotaqueestavalá,malpudeacreditaremmeusprópriosolhos.—Vocêestábem?—elaperguntouaMarcus.Eleestavaselevantandocambaleante.

—Saíassimquevocêligou.—Évocê!—Nãoconseguidizernadamaisarticulado.Agarotaàminhafrentetinhamaisoumenosaminhaidadeelongoscabelosloirose

desgrenhados. Ela ainda estava com a arma apontada para mim, mas entreabriu umsorriso.—Éumprazervê-ladenovo.O sentimento não eramútuo.A última vez que tinha visto aquelamenina fora na

arena,duranteocombatecontraosGuerreirosdaLuz.Elatambémportaraumaarmanaocasião epassarao tempo todo comuma careta no rosto.Haviame empurradodeumladoparaooutroemeameaçado,semdisfarçarqueachavaumaheresiaeudefenderSonya.Emboraparecessemaiscalmaagoradoquequandoestavacomaquelesfanáticos,não conseguia ignorar quem ela era, ou as implicações disso. Olhei para Marcus,incrédula.Eleestavaesfregandoopulsoqueeutinhaacotovelado.—Você…vocêestácomeles!EstádoladodosGuerreirosdaLuz!Achoquenunca fiquei tão decepcionada na vida.Eu tinha apostado todas asminhas

fichas em Marcus. Ele havia se tornado um ser quase mítico na minha cabeça, umsalvador rebelde que me contaria todos os segredos do mundo e me libertaria de sermais uma engrenagem na máquina dos alquimistas. Mas era tudo mentira. Clarencemencionara que Marcus tinha convencido os guerreiros a deixá-lo em paz. Eu tinhapensadoqueMarcustinhaalgumpoderdebarganha incrívelcontraosguerreiros,mas,

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pelojeito,osegredodesuainfluênciaeraqueelefaziapartedogrupo.Elelevantouosolhosparamim.—Quê?Aquelesmalucos?Claroquenão.Quase levantei a mão para apontar para a menina, mas achei melhor não fazer

nenhummovimento brusco. Preferi acenar com a cabeça na direção dela e notei quetodas as fechaduras naporta haviam sidodestravadas.Estivera tão concentradana lutacomMarcusquenemtinhaouvido.—Sério?Entãoporqueumaguerreiraacaboudesalvarvocê?— Não sou uma guerreira. —A voz dela era quase descontraída, mas a arma

contradiziaseutom.—Querdizer,suponhoqueseja,mas…—Sabrinaéumaespiã—Marcusexplicou.Elepareciamuitomaisàvontadeagora

queeunãoestavapulandoemcimadele.—Umabela espiã.Ela estádisfarçada entreeleshámaisdeumano.Foielaquemmecontousobrevocê.Mais uma vez, era difícil responder àquilo. Eu também não tinha certeza se

acreditavanaquelahistóriadeespiã.—Oqueeladisseexatamente?Ele me abriu um sorriso de estrela de cinema. Seus dentes eram tão brancos que

fiqueimeperguntando se tinha feito clareamentodental.Não combinavamuito comaimagem de rebelde foragido, mas nada naquele dia estava acontecendo como euesperava.— Ela me contou sobre uma garota alquimista que defendeu umaMoroi e depois

ajudoualiderarumgrupodedampirosinvasores.Liderar? Longe disso.Ninguém,muitomenos Stanton, havia achado necessáriome

informar sobre a invasão até que eu estivessenomeiodela.Mas eunãoqueria revelarmaisdoqueonecessário.—Osalquimistasautorizaramainvasão—afirmei.—Vicomovocêfalou—Sabrinadisse.SeuolharpassoudemimparaMarcus,com

intensidadeparamimeadmiraçãoparaele.—Foi inspirador.Eobservamosvocêporum tempo, sabe.Você passou um longo período com osMoroi e dampiros em PalmSprings.—Émeutrabalho—eudisse.Elanãopareceramuitoinspiradanaépoca.Parecera,

sim,decepcionadapornãopoderdispararcontramim.Marcusabriuumsorrisoespertinho.—Peloquemecontaram,vocêeaquelesMoroipareciamquaseamigos.Eaquiestá

você agora, procurando por mim. Definitivamente é a dissidente que estávamosesperando.Não, aquilo não estava saindo nem um pouco como o planejado. Na verdade, era

quase o oposto dos meus planos.Tinha ficado tão orgulhosa da minha capacidade derastrearMarcus,quando,naverdade,elejáestavadeolhoemmim.Nãogosteinemumpouco disso. Fez com que me sentisse vulnerável, por mais que ele estivesse dizendoalgumas das coisas que eu queria ouvir. Com a necessidade deme sentir no controle,

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tenteimanteracalmaebancaradurona.—Outrosalquimistaspodemestarprestesaaparecer—eudisse.—Eles já estariam aqui a essa altura— ele respondeu, percebendomeu blefe.—

Nãomandariamvocê sozinha…apesar de eu ter entrado empânico quando a vi.Nãopercebiquemeraeacheiquehaviaoutrosjuntocomvocê.—Elefezumapausaeseuarpetulante se transformou em constrangimento.— Desculpa por, hum, ter dado umsocoemvocê.Sefazvocêsesentirmelhor,vocêfezalgumacoisabemgravecommeupulso.OrostodeSabrinaseencheudepreocupação.—Ah,Marcus.Vocêprecisairaomédico?Eletentoumoveropulsoefezquenãocomacabeça.—Vocêsabequenãoposso.Nuncasabemosquempodeestardeolhonumhospital.

Esseslugaressãomuitofáceisdemonitorar.—Vocêrealmenteestáseescondendodosalquimistas—eudisse,admirada.Elefezquesim,parecendoquaseorgulhoso.—Estavaduvidando?Imagineiquejásoubessedessaparte.—Eususpeitava,maselesnãomecontaram.Disseramquevocênemexistia.Ele pareceu achar graça naquilo. Na verdade, parecia achar graça em tudo, o que

considereiumtantoirritante.—Sei.Foioqueosoutrosdisseramtambém.—Queoutros?— Outros como você. — Aqueles olhos azuis se cravaram em mim por um

momento,comosepudessementrever todososmeus segredos.—Outros alquimistasquequeremsairdorebanho.Eusabiaqueestavadeolhosarregalados.—Existem…existemoutros?Marcusseacomodounochão,recostando-seàparede,aindaesfregandoopulso.— Vamos sentar. Sabrina, guarde a arma. Não acho que Sydney vá nos dar

problemas.Sabrina nãopareceumuito convencida,mas, depois de alguns segundos, obedeceu e

sentounochão,posicionando-sedemaneiraprotetorapertodele.— Prefiro ficar em pé— eu disse. De jeito nenhum sentaria naquela imundície.

DepoisderolarnochãocomMarcus,queriatomarumbanhodeantisséptico.Eledeudeombros.—Como quiser.Você quer respostas?Vai ter queme dar algumas primeiro. Por

queveiomeprocurarsemqueosalquimistassoubessem?Eu não gostava de ser interrogada, mas de que adiantava ficar ali e não entrar na

conversa?—Clarencemecontousobrevocê—respondi,finalmente.—Elememostrousua

fotoeviquevocêtinhatatuadoporcimadolírio.Nemsabiaqueissoerapossível.—Atatuagemnuncaseapagava.

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—Clarence Donahue?—Marcus pareceu sinceramente alegre.— Ele é um caralegal.SuponhoquetenhaficadoamigadeleemPalmSprings?Euiadizerquenãoéramosamigos,masentãoreconsiderei.Oquemaisseríamos?—Conseguirissonãoéfácil—Marcuscontinuou,apontandoparaatatuagemazul.

—Vaitermuitotrabalhosequiserfazertambém.Deiumpassoparatrás.—Calmaaí.Nuncadissequequeriaisso.Porqueeufariaumacoisadessas?—Porquevai libertarvocê—elerespondeu, simplesmente.—Elaevitaquevocê

discuta sobre vampiros, não é?Você não acha que isso é tudo que ela faz, acha? Pensebem.Oqueimpedeatatuagemdeexerceroutrasformasdecontrole?Tivede abandonar todas as expectativas sobre aquela conversa, porque cada assunto

eramaismalucoqueoanterior.—Nuncaouvinadasobreisso.Enuncasentinadaassim.Elasómeimpededefalar

sobreosvampiros.Norestodotempo,soueuquemestánocontrole.Eleassentiu.—Talvez.Aprimeira tatuagemnormalmente só tem a compulsãode fala.Eles só

começam a retocar com outros componentes se têm motivos para se preocupar comvocê. Às vezes as pessoas resistem contra os retoques e, nesse caso… bom, elas sãomandadasparaareeducação.As palavras dele me causaram um arrepio e coloquei a mão na bochecha, me

lembrandodoencontroquetiveraaoreceberamissãodePalmSprings.— Fui retocada faz pouco tempo…mas foi coisa de rotina.— Rotina. Normal.

Nadaparecidocomoqueeleestavasugerindo.—Talvez.—Ele inclinouacabeçaeme lançouumolharpenetrante.—Você fez

algumacoisaerradaantesdisso,querida?Comoajudarumadampirafugitiva?—Dependedoquevocêentendeporerrado.Os dois riram.A risada deMarcus era alta, descontraída e até contagiosa, mas a

situaçãoeragravedemaisparaqueeumejuntasseaeles.—Eles devem ter reforçado sua lealdade ao grupo, então—ele disse, ainda rindo

baixinho.—Masounãofoimuitoforteouvocêlutoucontraela,senãonãoestariaaqui.—EleolhoudeesguelhaparaSabrina.—Oquevocêacha?Sabrinameexaminoucomumolharcrítico.Euaindaestavaachandodifícilacreditar

nopapeldelaemtudoaquilo.—Acho que ela seria umbom reforço. E, como ainda está lá dentro, pode ajudar

comaquela…outraquestão.—Tambémacho—eleconcordou.Cruzeiosbraços.Nãogostavaquediscutissemsobremimcomoseeunãoestivesse

ali.—Umbomreforçoparaquê?— Para o nosso grupo — ele respondeu. Depois se virou para Sabrina. —

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Precisamos mesmo de um nome, sabia.— Ela bufou e ele se voltou para mim.—Somosumamistura.Algunssãoex-guerreirosouagentesduplos,comoSabrina.Outrossãoex-alquimistas.—Eoquevocêsfazem?—Fizumgestoindicandooapartamento.—Issoaquinão

pareceexatamenteumabasedeoperaçõesaltamentetecnológicaparaumgruposecreto.— Olha só você. Bonita e divertida — ele disse, parecendo encantado. — Nós

fazemosoquevocêfaz…ouquerfazer.GostamosdosMoroi.Queremosajudá-los,masseguindo nossos próprios termos. Em tese, os alquimistas também querem ajudá-los,mastodossabemosquenofundoissosebaseiaemmedoeintolerância,semmencionarnum controle rígido de seus membros. Então trabalhamos em segredo, já que osalquimistas não gostam muito daqueles que se desgarram do rebanho. Não gostamespecialmentedemim,eéporissoquevenhopararemlugarescomoesse.—Ficamosdeolhonosguerreirostambém—Sabrinadisse.Elafezumacareta.—

Odeio ficarcomaqueles lunáticos, tendoque fingirqueconcordocomeles.Elesdizemque sóqueremdestruirosStrigoi,mas,bom, as coisasque jáouvi falaremdosMoroitambém…Umadasminhaslembrançasmaisperturbadorasdaarenadosguerreirosmevoltouà

mente. Eu tinha ouvido um deles fazer um comentário misterioso sobre como, nofuturo,tambémlidariamcomosMoroi.—Masoque vocês realmente fazem?—Falar sobre rebeliões e operações secretas

eraumacoisa,mas fazeralgumamudançaconcretaeraoutra.Eu tinhavisitadominhairmãCarlynafaculdadeumavezevistováriosgruposdeestudantesquequeriammudaro mundo.A maioria deles ficava sentada bebendo café, conversando muito e fazendopouco.MarcuseSabrinaseentreolharam.—Nãopossocolocarvocêapardasnossasoperações—eledisse.—Nãoatésaber

queestádispostaaromperatatuagem.Romper a tatuagem.Havia algo sinistro e definitivo nessas palavras e, de repente,

fiquei semsaberoqueestava fazendoali.Quemeramaquelaspessoasdeverdade?Porque eu continuava falando com elas? Então, outro pensamento perturbadorme passoupelacabeça:Seráqueestouduvidandodelesporcausadocontroledatatuagem?Seráqueelaestámedeixandocéticaemrelaçãoaqualquerpessoaquequestioneos alquimistas?SeráqueMarcusestáfalandoaverdade?—Também não entendi essa parte— eu disse para os dois.—O que quer dizer

“romper”atatuagem?Ésócolocartintaporcima?Marcusselevantou.—Cadacoisaemseutempo.Agora,precisamosdaroforadaqui.Mesmoquevocê

tenha sido discreta, imagino que tenha usado recursos alquimistas parame encontrar,certo?Hesitei. Ainda que eles estivessem sendo sinceros e tivessem boas intenções em

relaçãoaosMoroi,eudefinitivamentenãorevelariameuenvolvimentocommagia.

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—Maisoumenos.—Tenhocertezadequevocêédobem,masnãopodemoscorrerorisco.Esselugar

está comprometido. — Ele lançou um olhar nostálgico para a quitinete. Para sersincera,achavaqueeledeveriameagradecerporlhedarummotivoparairembora.Sabrinatambémselevantou,comorostomaissevero.—Vougarantirqueoabrigosecundárioestejapronto.—Vocêéumanjo,comosempre—eledisse.—Ei,comosabiaqueeuestavachegando?—perguntei.—Vocêtevetempodese

esconder emandar umamensagem para ela.—O que eu realmente queria saber eracomo ele tinha me visto através do feitiço de invisibilidade. Eu sentira a magia mepreencher.Tinhacertezadequehavialançadoofeitiçocorretamente,maselehaviamedescoberto.O feitiço não funcionava se alguém estivesse procurando você, então seráque ele tinha olhado pela janela justo quando eu estava subindo pela saída de incêndio?Piorcoincidênciaimpossível.—Tonymeavisou.—Marcusmeabriuaquelesorrisodeslumbrante.Achoqueele

queriaqueeusorrissedevolta.—Eleéumbommenino.Tony? Foi então que entendi. O menino do estacionamento. Ele havia fingido me

ajudareentãomedenunciara.Deviater faladocomMarcusenquantoeusubiaaescadadeincêndio.TalvezMarcussóabrisseaportacomalgumabatidasecreta.Pelomenoseutinhao confortode saberque lançarao feitiçodireito. Sónão tinha funcionadoporqueMarcusforaavisadoqueumagarotaestavaatrásdele.Elecomeçouaguardarseuspoucospertencesnumamochila.— Aliás, O apanhador no campo de centeio é um livro ótimo.— Ele deu uma

piscadinha.—Talvezumdiadessespossamosterumaconversasobreliteratura.Eu não estava interessada. Quando olhei para ele, vi que continuava esfregando o

pulso.Eunãoconseguiaacreditarquehaviacausadoumferimentotãograveemesentiumpoucoculpada,apesardetudooquehaviaacontecido.—Vocêdeveriacuidardisso—eudisse.Sabrinaconcordoucomacabeça.Elesuspirou.—Nãoposso.Pelomenosnãopormétodosconvencionais.Osalquimistastêmolhos

emtodaparte.Métodosconvencionais.—Hum,possoajudarvocêasetratarpormétodosnãoconvencionais—eudisse.—Vocêconhecealgummédicodiscreto?—Sabrinaperguntou,esperançosa.—Não.MasconheçoumMoroiusuáriodeespírito.Marcusficouparalisado,egosteiumpoucodesurpreendê-lo.—Sério?Ouvimos falardeles,masnuncaconhecemosnenhum.Aquelamulherque

eles tinham capturado… Sonya? Ela é uma, não é? Ela sumiu antes que pudéssemosdescobrirmais.Falar sobreAdrianme deixava nervosa,mas Sabrina já deveria saber da existência

deleseestavamevigiando.

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—Sim,éumausuária,eexisteoutroemPalmSprings.Posso levarvocêatéeleepedirquecureseumachucado.OrostodeMarcusseencheudeentusiasmo.Sabrinaolhouparaele,horrorizada.—Vocênãopodesimplesmentesaircomela.—Eraciúmeoupreocupaçãonavoz

dela?—Porquenão?—eleperguntou.—Elaestáconfiandoemnós.Devemosomesmo

a ela.Além do mais, estou louco para conhecer um usuário de espírito. E o abrigosecretonãoé longedePalmSprings.Você fazospreparativosparaque tudoestejaemordememebuscadepois.Sabrinanãogostounemumpoucodaideia.Talvezeuaindanãoestivesseentendendo

a dinâmica do grupo,mas estava claro que ela o via como líder e era obcessivamenteprotetora. Na verdade, suspeitei que os sentimentos dela não fossem apenasprofissionais.Elesficaramdiscutindosobreasegurançadeleaosaircomigo,eosescuteisemdizerumapalavra.Enquantoisso,fiqueimeperguntandose euestariasegurasaindocomumcaradesconhecido.Clarenceconfiavanele , tenteimetranquilizar. Eeleébemparanoico.Alémdisso,comopulsodeMarcusmachucado,achavaqueconseguiriamedefender.ElefinalmenteconvenceuSabrinaadeixá-loir,masnãosemqueelasoltasse:—Sealgumacoisa acontecercomele,eu acabocomvocê.—Aparentemente, sua

fachadaduronanaarenanãotinhasidocompletamentesimulada.Nós nos despedimos, e logo eu eMarcus estávamos na estrada para Palm Springs.

Tenteiarrancarmaisinformaçõesdele,maselenãomordiaaisca.Emvezdisso,ficavameelogiandoedizendocoisasqueestavamaumpassodecantadasbaratas.Pensandoemcomoelehavia flertadocomSabrina também,nãoacheiquehavianadadeespecialemmim.Imagineiqueelesóestavaacostumadoa termulheresaseuspés.Eleerabonito,eutinhaqueadmitir,masseriaprecisomuitomaisparameconquistar.O sol estava se pondo quando estacionamos diante do prédio doAdrian e só então

penseiquedeveriateravisadoqueestávamoschegando.Agoraeratardedemais.Caminhamosatéaportaebatitrêsvezes.—Estáaberta—umavozgritoudedentro.Entrei,eMarcusmeseguiu.Adrianestavatrabalhandonumapinturaabstrataquepareciaumcastelocristalinode

ummundofantástico.—Quesurpresa—eledisse.SeusolhospousaramemMarcusesearregalaram.—

Caramba.Vocêoencontrou.—Graçasavocê—eudisse.Adrianolhouparamim.Umsorrisocomeçouaseformaremseurostoe,então,se

desfezinstantaneamente.—Oqueaconteceucomseurosto?—Ah.—Toqueideleveoinchaço.Aindadoía,masnãotantoquantoantes.Soltei

aspalavrasseguintessempensar.—Marcusmebateu.Eu nunca tinha vistoAdrian se mover tão rápido. Marcus não teve tempo para

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reagir, talvez porque estivesse exausto depois da nossa luta.Adrian empurrouMarcuscontra a parede e, parameu espanto completo, deu um soco na cara dele. Uma vez,Adrianmedissera brincandoquenunca sujava asmãos, então eu não estava preparadaparaaquilo.Naverdade,seAdrianfosseatacaralguém,euimaginavaquefariaalgocommagiaeinduzidopeloespírito.Noentanto…quandoolheiparaele,percebiquealgotãodelicadocomoamagianãopassavanempertodasuacabeça.Eleentraranummododeaçãoprimitivo:verumaameaça,partirparacimadela.Eraoutro ladosurpreendente,masfascinante,doenigmaqueeraAdrianIvashkov.Marcus logoserecuperouerespondeunamesmamoeda.EleempurrouAdrianpara

trás,retraindo-seumpoucodedor.Mesmomachucado,eleaindaeraforte.—Oquefoiisso?Quemévocê?— Um cara que vai acabar com você por ter machucado Sydney — Adrian

respondeu.Ele tentoudaroutro soco,masMarcus se esquivoue acertouumque jogouAdrian

emcimadeumdoscavaletes.QuandoMarcussepreparouparadaroutrogolpe,AdrianoevadiucomumamanobraqueaprenderanocursodeWolfe.Euteriaaplaudidosenãoestivesse tão estarrecida com a situação. Sabia que algumas garotas achavam sexy terhomensbrigandoporelas,masnãoeraomeucaso.—Ei,vocêsdois,chega!—gritei.—Ninguémmachucavocêesaiimpune—Adriandisse.—Oqueaconteceuentreagentenãotemnadaavercomvocê—Marcusretrucou.—Tudooqueacontececomelatemavercomigo.Osdoisficaramsemedindo,àesperaqueooutroatacasse.—Adrian—exclamei—,foiumacidente!—Paramimnãopareceumacidente—elerespondeu,semtirarosolhosdeMarcus

emnenhummomento.—Vocêdeveriaouviroqueelaestáfalando—Marcusgrunhiu.Ocararelaxadoque

euhaviaconhecidodesapareceu,masachoque seratacado faria issocomqualquerum.—Podepoupá-lodeterseurostinhobonitoarrebentado.Quantotempolevapradeixarseucabeloassim?—Pelomenospenteioocabelo—Adrianretrucou.Marcus avançou,mas não diretamente contraAdrian.Ele pegouumquadro de um

cavaleteeousoucomoarma.Adrianconseguiuseesquivardenovo,masapinturanãoresistiu.AtelasepartiunomeioeMarcusajogouparaolado,prontoparaopróximogolpe.Adrianolhoudesoslaioparaatela.—Agoravocêrealmentemeirritou.— Chega!—Algo me dizia que eles não dariam ouvidos à razão.Aquilo exigia

intervençãodireta.Atravesseiasalaemecoloqueientreosdois.—Sydney,saiadafrente—Adrianordenou.— É verdade — concordou Marcus. — Finalmente disse alguma coisa que faz

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sentido.—Não!—Estendi os braços para separá-los.—Vocês dois, para trás, agora!—

Minhavozecooupeloapartamentoemerecuseiasairdolugar.—Paratrás—repeti,enunciandoaspalavrasdevagar.—Sydney…—AvozdeAdrianestavaumpoucomaishesitantedoquequandome

disseparasairdafrente.Mevireideumparaooutro,lançandoumolharseveroparaosdois.—Adrian, realmente foi um acidente.Marcus, esse é o cara que vai ajudar você,

entãomostreumpoucoderespeito.Maisdoquequalqueroutracoisa,minhaspalavrasdeixaramosdoisconfusos.—Espere—Adriandisse.—Vocêdisse“ajudar”?Marcusestavaigualmenteatônito.—Essebabacaéusuáriodeespírito?—Vocês dois estão agindo como idiotas— repreendi. Da próxima vez que não

tivesse nada para fazer, pesquisaria em algum livro sobre comportamento causadoportestosterona.Eraummistérioparamim.—Adrian,podemosconversaremparticular?Noquarto,porexemplo?Adrian concordou, mas não sem antes disparar um último olhar ameaçador para

Marcus.EudisseparaMarcus ficarondeestavae torciparaquenão fosseemboranemchamasseoutrapessoaarmada.Adrianmeseguiuatéoquartoefechouaportaatrásdenós.—Sabe—eledisse—,emcircunstânciasnormais,vocêmechamarparaoquarto

seriaopontoaltodomeudia.Cruzei os braços e sentei na cama. Fiz isso pormero cansaço,mas, ummomento

depois,medeicontadoqueestavafazendo. ÉaquiqueAdriandorme.Estouencostandonoslençóisqueenvolvemseucorpoànoite.Oqueelevesteparadormir?Seráquevestealgumacoisa?Melevanteiemumsalto.—Foimesmoumacidente—eudisse.—Marcusachouqueeuestavalápararaptá-

lo.Adrian, sem ter nada contra a cama, sentou. Então soltou um resmungo de dor,

provavelmenteporcausadosoconoestômago.—Sealguémcomovocêaparecesseparameraptar,eudeixaria.Mesmosentindodor,elenãoparava.—Estoufalandosério.Foiporinstinto,eelepediumildesculpasnocarrodepoisque

descobriuquemeuera.Issochamouaatençãodele.—Elesabiaquemvocêera?Fizumresumodomeudia emSantaBárbara.Eleouviu comatenção, assentindoe

alternandoentreumaexpressãodeconfusãoeoutradesurpresa.—NãoimagineiquevocêacabariamachucandoMarcusquandootrouxeparacá—

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eudisse,depoisdeterminarahistória.—Estavadefendendo suahonra.—Adrian abriu aquele sorrisodespreocupadoque

sempreconseguiamedeixar furiosaeencantada aomesmo tempo.—Muitomásculo,nãoacha?—Muitomesmo—respondi, seca.Eunãogostavadeviolência,maso fatodeele

ter feito algo tão inesperado pormim eramesmo incrível.Não que eu fosse dar essegostinhoparaele.—Wolfeficariaorgulhoso.Achaqueconseguenãodarmaisnenhumademonstraçãode“masculinidade”enquantoMarcusestáaqui?Porfavor?Adrianabanouacabeça,aindasorrindo.—Jádisseváriasvezesquefariaqualquercoisaporvocê.Sóficotorcendoparaque

umdiavocêpeçaalgocomo“Adrian,vamosparaumabanheiradehidromassagem?”ou“Adrian,melevaparacomerfondue?”.— Bom, às vezes a gente precisa…Você disse fondue? —Algumas vezes era

impossívelseguiralinhaderaciocíniodele.—Porqueeudiriaumacoisadessas?Eledeudeombros.—Eugostodefondue.Não sabia como responder a isso. Aquele dia estava ficando cada vez mais

desgastante.—Desculpepornãoestarpedindoumacoisatãochiquequantoqueijoderretido,mas

agora preciso descobrir mais informações sobre Marcus e o grupo dele… e sobre atatuagem.Adrianreconheceuagravidadedasituação.Levantouetocoudeleveolírionaminha

bochecha.—Não confio nele. Pode estar usando você.Mas… tambémnão gosto da ideia de

issocontrolarvocê.—Somosdois—admiti,perdendoumpoucodaposturarígidadeantes.Ele traçouocontornodomeurostopor alguns segundosofeganteseentãodeixoua

mãocair.—Talvezvalhaapenaajudarocarapraconseguiralgumasrespostas.—Prometequenãovaientraremmaisnenhumabriga?Porfavor?—Prometo—elerespondeu.—Desdequeelenãomeprovoque.—Vou pedir para ele prometer também. — Só me restava torcer para que a

“masculinidade”delesnãofossemaisforte.Enquantopensavaemtudoaquilo,outracoisaque tinha quase esquecidome veio àmente.—Ah…Adrian, tenho que pedir outrofavor.Umgrandefavor.—Fondue?—eleperguntou,esperançoso.—Não.Ésobreairmãdasra.Terwilliger…Conteioquehaviadescoberto.A ironiaemseurostodesapareceue se transformou

emincredulidade.—Evocê sómenciona isso agora?—eleexclamouquando terminei.—Queuma

bruxasugadoradealmasestáatrásdevocê?

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—Elanemsabequeeuexisto.—Fiqueisurpresacomoquãodefensivamesentiderepente. — E sou a única pessoa que pode ajudar, pelo menos segundo a sra.Terwilliger.Elaachaqueeusoualgumtipodesuperdetetive.— Bom, você tem um quê de Sherlock Holmes— ele disse.A brincadeira não

durou; ele estava incomodado demais.—Mas você devia ter me contado! Podia terligado.—EstavameioocupadacomMarcus.—Agorasuasprioridadessãooutras. Issoémuitomais importantequeogrupinho

deVingadoresdele.Seprecisamosacabarcomumafeiticeiradomalantesqueelapeguevocê,claroqueajudo.—Elehesitou.—Comumacondição.Olheiparaele,desconfiada.—Qual?—Medeixecurarvocêtambém.Deiumpuloparatrás,quasemaischocadadoque ficariaseele tivessesugeridome

daroutrosoco.—Não!Dejeitonenhum!Nãoprecisa.Estoumelhorqueele.—VocêquervoltarparaAmberwoodcomacaraassim?Nãovaiconseguiresconder

esseroxo,Sage.EseCastilevir,comcertezavaiatrásdeMarcus.—Adriancruzouosbraçoscomardedesafio.—Esseéomeupreço.Ele estava blefando, e eu sabia disso.Talvez estivesse sendo egocêntrica,mas tinha

certezadequeelenãomedeixariaentrarnumasituaçãoperigosa sozinha.Noentanto,ele estava certo.Eu aindanão tinha visto amarca queMarcus havia deixado,masnãoqueriaterqueexplicaraquilonaescola.E,sim,haviaumaboachancedeEddiedecidircaçar meu agressor. Ser espancado por um dampiro vingativo poderia dificultar otrabalhocomMarcus.Mas…comoeupoderiaaceitar?Quandoeuusavamagia,pelomenos,eranosmeus

própriostermos.E,emboraminhatatuagemcontivessetraçosdesanguedevampiro,eumeconsolavacoma ideiadequeestava ligada aosquatroelementos“normais”,queeuconseguia entender. O espírito ainda era uma entidade desconhecida, com habilidadesquesemprenossurpreendiam.Comoeumepoderiamesujeitaraessamagiavampírica?Adivinhandomeudebateinterior,aexpressãodeAdrianseabrandou.—Euvivofazendoisso.Éumfeitiçosimples.Semsurpresas.—Talvez—eudisse,relutante.—Mascadavezquevocêusaoespírito,temmais

chancesdeficarlouco.—Jásouloucoporvocê,Sage.Pelomenosesseeraumterritórioconhecido.—Vocêdissequenãovoltariaafalardesseassunto.Elesimplesmenteficoumeolhando,semdizernada.Porfim,abriosbraços.—Tudo bem— eu disse, commais coragem do que realmente sentia.—Acabe

logocomisso.Adriannãoperdeutempo.Deuumpassoàfrente,estendeuobraçoepousouamão

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naminhabochechaoutravez.Prendiarespiraçãoemeucoraçãoacelerou.Seriamuito,muito fácil para ele me puxar e me beijar outra vez. Um calorzinho formigante seespalhoupelaminhapelee,porummomento,penseiquefossesóminhareaçãonormalaotoquedele.Masnão.Eraamagia.Seusolhossefixaramnosmeuse,porumafraçãodesegundo, ficamossuspensosnotempo.Depois,ele tirouamãoedeuumpassoparatrás.—Pronto—eledisse.—Foitãoruimassim?Não, não tinha sido nada ruim.A dor latejante havia desaparecido.Tudo o que

restava era a voz constante na minha cabeça repetindo que o que havia acabado deacontecer era errado.Essamesma voz tentoumedizer queAdrian havia deixadoumamáculaemmim…maseradifícildeacreditarvindodele.Volteiarespirar.—Obrigada—eudisse.—Nãoprecisava.Eleabriuumdaquelessorrisinhosdele.—Ah,acredite,precisava.Umsilêncioconstrangedorpairouentrenósporummomento.Pigarreei.—Bom.PrecisamosvoltarparafalarcomMarcus.Talveztenhamostempodejantar

antesdeSabrinaaparecerevocêsdoispodemfazeraspazes.—Duvidoquemesmoumacaminhadasoboluarváresolvernossosproblemas.Suas palavras me lembraram de outra coisa que eu queria falar com ele quando

voltasseàcidade,algoquetinhaumaprioridademuitomenor.—Seucasaco;vocênuncapegoudevoltadepoisdocasamento.Estánomeucarro.Elefezumgestodedesdém.—Podeficarcomele.Tenhooutros.—O que vou fazer com um casaco de lã?— perguntei.—Aindamais aqui em

PalmSprings?—Durmacomele—sugeriuAdrian.—Pensandoemmim.Pusasmãosnacinturaetenteilançarumolharintimidador,oquenãoeranadafácil

considerandoaalturadele.Alémdisso,aspalavrasdelesubitamentetrouxeramdevoltaasensaçãodesnorteantequetiveraaomesentaremsuacama.—Vocêprometeuquenãovoltariaafalardecoisasromânticascomigo.—Issofoiromântico?—eleperguntou.—Sóestavafazendoumasugestãoporqueo

casacoépesadoequentinho.Imagineiquefossepensaremmimporqueessefoiumgestomuitolegaldaminhaparte.Maisumavezévocêquemestáinterpretandotudooqueeufalodemaneiraromântica.—Nãoestou.Vocêentendeuoqueeuquisdizer.Elemeneouacabeça,fingindocompaixão.— Sabe, Sage, às vezes acho que sou eu quem precisa de uma ordem de restrição

contravocê.—Adrian!Maselejáhaviasaídopelaporta,suarisadabrincalhonaecoandopelocorredor.

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8

Sedependessedele,Adrianteriasaídoàcaçadairmãdasra.Terwilligernaquelamesmahora.MasotoquederecolherdeAmberwoodnãopermitiria;alémdomais,eupreferiaempreenderaquelabuscaàluzdodia.PelomenoselecurouMarcussemquesaíssemnobraçodenovo,oqueeraumavanço.Marcusperdeuumpoucodahostilidadee tentoupuxar conversa comAdrian sobre o que o espírito era capaz de fazer.Adrian deurespostascurtasepareceualiviadoquandoSabrinaapareceupara levarMarcusembora.Ele se despediu de mim com ar misterioso, dizendo apenas que me mandaria umamensagem em breve sobre o“próximo estágio”. Eu estava cansada demais para pedirmaisdetalhesevolteiaoalojamentoparadescansaremerecuperardaquelediamaluco.Fuiacordadaaoromperdodiacombatidasviolentasnaporta.Olheiparaorelógio,

fazendoumacaretaaonotarquefaltavaumahoraparaohorárioemquecostumavamelevantar.Continuei na cama, torcendo para que a pessoa desistisse. Se algo realmenteurgente tivesse acontecido, teriam me ligado no celular. Mas a tela não mostravanenhumaligaçãoperdida.Infelizmente,asbatidasnãopararam.Comumpressentimentoruim,finalmenteme

levantei,quasetemendooqueencontrariaatrásdaporta.EraAngeline.—Finalmente—eladisse,entrandosemqueeuaconvidasse.—Penseiquenunca

fosseabrir.— Desculpe — eu disse, fechando a porta atrás dela. — Estava muito ocupada

dormindo.Elacaminhoudiretamenteparaacamaesentoucomosefossedonadoquarto.Eunão

fazia a menor ideia do horário dela, masAngeline sempre me parecera alguém quedormiaatétarde.Pelojeito,nãoeraocasonaqueledia.Elaestavausandoouniformedaescola, com o cabelo vermelho-vivo amarrado atrás da cabeça no que era, para ospadrõesdela,umrabodecavaloatéquecaprichado.Meu medo cresceu. Liguei a cafeteira, que eu sempre deixava pronta com grãos

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frescoseágua.Algomediziaqueprecisariadeumaxícaraparapassarporaquilo.—Qual é o problema?— perguntei,me acomodando na cadeira da escrivaninha.

Nem tentei adivinhar.Quando se tratava deAngeline, podia ser qualquer coisa, desdeatirar uma carteira através da sala num acesso de raiva até acidentalmente derrubarácidoclorídricoemoutroaluno.Ambostinhamacontecidopoucotempoantes.—Vourepetiremmatemática—elarespondeu.Era uma notícia desagradável, mas não totalmente inesperada.A comunidade de

Angelinenasmontanhas,emboraeducasseascrianças,nãoalcançavaosaltospadrõesdocurrículo deAmberwood. Ela tinha problemas em muitas matérias, mas, até então,estavaconseguindosevirar.— Já estou com problemas em espanhol— ela acrescentou.—Mas aquela piñata

quefizmedeualgunspontosextras,entãoestouaguentandobem,porenquanto.Tinhammefaladosobreapiñata.Angelineatinhafeitoparaafeiracultural,ehavia

sidotãocuidadosacomopapelmachêquenenhumdosseuscolegasconseguiraquebrá-lapormeiosnormais.Angelineacabarajogandoa piñatacontraumaparedeeprecisouserimpedidapelaprofessoraquandotirouumisqueirodobolso.—Mas,sereprovaremespanholeemmatemática,possoserexpulsa.Aquilomefezesquecerapiñatainflamávelevoltarparaopresente.—Ugh— resmunguei, sem saber um jeitomelhor de articular as ideias.O lado

ruim de uma escola que tinha altos padrões era que… bom, ela tinha altos padrões.Problemas emumamatéria poderiam ser tolerados,masnão emduas.E, seAngelinefosse expulsa, teríamos um nível de segurança a menos para Jill, sem contar que euprovavelmentelevariaaculpaportudoaquilo.—Asra.Haywarddissequeprecisodeumtutor.Eladissequeprecisomelhorarou,

pelomenos,mostrarqueestoumeesforçando.Isso era promissor, pensei. Mesmo se um tutor não pudesse ajudar, com sorte a

escolaseriamaistoleranteporcausadoesforçobem-intencionadodela.—Estábem—eudisse.—Vamosconseguirumtutorpravocê.Elafranziuatesta.—Porquenãopodeservocê?Vocêéinteligente.Éboaemmatemática.Porqueeunãopodia?Bom,primeiroporquetinhaqueimpedirumafeiticeiradomal

de sugar a juventude e o poder de garotas inocentes. Depois, precisava descobrir ossegredoseasmentirasqueaorganizaçãodaqualeu faziapartedesdeque tinhanascidoestavamecontando.Emvezdisso,respondi:—Andomeioocupada.—Masprecisaservocê.Seriamoleza—elaprotestou.—Muitoocupada—reiterei.—ÉumasurpresaEddienãopoder.Amençãoaonomedelefezbrotarumsorrisonorostodela.—Ele se ofereceu,mas as notas dele são sómedianas. Preciso de alguém que seja

muitobom.

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—Entãovouarranjaralguémmuitobom.Eumesmanãopossoagora.Angelinenãogostounadadaresposta,maspelomenosnãodestruiuminhamesa.—Tá.Tudobem.Massejarápida.—Sim,majestade—murmurei,observando-asairmal-humorada.Pelo menos os problemas acadêmicos deAngeline eram um pouco mais fáceis de

resolver do que as outras intrigas sobrenaturais que ocupavammeu tempo. Como jáestava acordada e havia tomado café, achei que não fazia sentido voltar para a cama.Tomei banho e me vesti, depois fiz alguns trabalhos extras para a escola enquantoesperavapelocafédamanhã.Quandoorefeitórioabriu,desciasescadaseespereipertoda entrada. Demorou apenas cinco minutos para que minha amiga Kristin Sawyerchegasse.Elasempresaíaparacorrerantesdasaulase,depois,costumavaseraprimeiranafilaparaocafédamanhã.Elafaziacálculoavançadocomigo.— Ei — cumprimentei, sem conseguir acompanhar o ritmo dela. — Foi boa a

corrida?— Foi ótima— ela respondeu. Sua pelemorena ainda estava um tanto suada.—

Muitomelhor agoraqueo tempoestámais fresco.—Elameolhou comcuriosidade.—Nãocostumovervocêaquitãocedo.Aliás,nemcostumovervocêtomandocafédamanhã.—É a refeiçãomais importante do dia, não é?—Pegueimingau de aveia e uma

maçã.—Alémdisso,precisopedirumfavorpravocê.Kristinquasederrubouopratocomovosmexidosqueumdosatendentesentregava

paraela.Seusolhoscastanhossearregalaram.—Precisapedirumfavorpramim?Emborameusamigoshumanosnão fossemminharesponsabilidadedomesmomodo

queosMoroieosdampiros,eutomavacontadelesmesmoassim.HaviaajudadoKristindiversasvezes.—Sim…MinhaprimaAngelineprecisadeumtutordematemática.Kristinmeolhoucomexpectativa,comoseestivesseesperandoqueeu terminassea

história.Entãoelaentendeu.—Quem,eu?Não.Dejeitonenhum.—Ah, por favor. Seriamoleza.—Eu a segui até umamesa,me apressandopara

acompanhar seu ritmo.Talvez ela tenha pensado que, se andasse rápido o bastante,poderia fugir do meu pedido.—Angeline está em matemática básica.Você poderiaajudá-lacomasmãosnascostas.Kristinsentouemelançouumolhardemorado.— Sydney, vi sua prima bater num homem adulto e atirar um microfone numa

pessoa.Vocêrealmenteachaquevouaceitarumtrabalhoquevaiobrigá-laafazeroqueelanãoquer?Eseficarfrustradacomoqueeudisserpraela?Comovousaberquenãovaimefurarcomumcompasso?— Não dá para saber — admiti. — Mas acho improvável.Acho mesmo. Ela

realmentequermelhoraranota.Senão,podeserexpulsa.

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—Sintomuito.—Kristinpareciasincera.—Sabequeeufariaquasequalquercoisaporvocê,masnãoisso.Vaiterqueencontraralguémquenãotenhamedodela.Pensei nas palavras dela várias vezes enquanto ia para a aula de história. Ela tinha

razão.MasasúnicaspessoascompletamenteàvontadecomAngelineeramEddieeJill,eeles estavam fora da lista de possíveis tutores. Cogitei que talvez devesse oferecerdinheiroaalguémquandofosseparaaauladecálculomaistarde.—Srta.Melbourne.Asra.Terwilliger tinhavoltadoàativa,semdúvidaparaoalíviodasubstituta.Ela

mechamouatésuamesacaóticaemeentregouumafolhadepapel.—Aquiestáalistadequefalei.Examinei a página.Continha o nome e o endereço de seismeninas.Deviam ser as

garotas que ela havia mencionado, com aptidão mágica mas sem clã ou mentor paracuidardelas.TodososendereçoseramnaregiãometropolitanadeLosAngeles.—Asra.Santoslheenviouasinformaçõesdequeprecisavaparaoprojeto,não?— Sim, enviou.—A sra. Santos havia memandado um e-mail sobre os bairros

históricosqueconhecia,eeuhaviareduzidoalistaadoiscandidatosprováveis.—Voucomeçaratrabalharno,hum,projetonofimdesemana.Asra.Terwilligerarqueouumasobrancelha.—Porquesónofimdesemana?Acheiquevocênuncaadiasseumatarefa.Fiqueiumtantodesconcertada.—Bom, normalmente não.Mas isso vai demorar um pouco…Precisarei viajar e

nãotenhomuitotempolivrenosdiasdesemana.—Ah—eladisse,entendendorápido.—Bom,nessecaso,podeusarohoráriodo

estudoindependentepara isso.Vai lhedarumtempinhoextra.Edireiàsra.Weathersque talvez você cheguedepois do toquede recolher.Tomarei as providências para queelaconcorde.Esseprojetoédeimportânciamáxima.Nãohaviacomoprotestar.—Começareihoje,então.Enquantovoltavaparaminhacarteira,umavozdisse:—Caramba,Melbourne.Bemquandoeuachavaqueaqueleseuestudoindependente

nãopodiaficarmaisfácil…agoravocênemprecisairmaispraaula?Parei e sorri paraTrey.Ele era o assistente da sra.Terwilliger naquelamatéria, o

quesignificavaqueviviaorganizandoexerocandopapéis.—Éumatarefamuitoimportante—eudisse.—Imagino.Qualé?—Nãoqueroentediarvocê.—Olheidenovoparaorostodele.Nempreciseime

esforçarparamudardeassunto.—Oqueaconteceucomvocê?Osolhosdeleestavamvermelhos,eoestadodesgrenhadodoseucabelopretosugeria

que não tinha tomado banho naquela manhã. Sua pele normalmente bronzeada estavacomumacorpálida,quasedoentia.Eleentreabriuumsorrisoeabaixouavoz.—OirmãodoCraigLolevouumascervejaspragenteontemànoite.Eramdeuma

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microcervejaria.Eramboas.Solteiumsuspiro.—Trey,penseiquevocêfossemelhordoqueisso.Treymelançouoolharmaisindignadoqueconseguiuemmeioàsuaressaca.—Ei, algumas pessoas se divertemde vez em quando.Você deveria experimentar

umahoradessas.JátenteijuntarvocêeBrayden,masvocêestragoutudo.— Não estraguei nada! — Brayden era um barista que trabalhava comTrey e

compartilhava meu amor pelos estudos e por conhecimentos gerais. Nosso breverelacionamentotinhasidorepletodeinformações,masvaziodepaixão.—Foielequemterminoucomigo.—Ninguém adivinharia. Sabia que ele vive escrevendo poemas apaixonados sobre

vocênosintervalos?Issomepegoudesurpresa.— Ele… escreve? — Brayden havia terminado comigo porque minhas várias

obrigações com os vampiros viviam interferindo no nosso relacionamento, o que melevava a dar menos atenção a ele e cancelar muitos compromissos.— Fico mal porsaberquefoitãopesadoparaele.Éumasurpresaeleterum…acessodepaixãodesses.Treyriu.—Nãoseiseépaixão.Elesepreocupamaiscomaformadospoemaseficasentado

comlivrossobrepentâmetroiâmbicoeanálisedesonetos.—Tá,agoraparecequeestamosfalandodamesmapessoa.—Osinalestavaprestes

atocar;fizmençãodevoltarparaomeulugarquandopercebiumacoisanacarteiradeTrey.—Aindanãoterminouisso?Era uma lista de exercícios que tínhamos de resolver para a aula de química, com

vários problemas complicados sobre ácidos e bases. Precisávamos entregar no horárioseguinte, e parecia improvável queTrey fosse conseguir, já que tudo o que havia nopapelatéagoraeraonomedele.—Não…Euiaterminarontemànoite,mas…—Claro.A cerveja. Se divertir.—Nemme dei ao trabalho de esconderminha

desaprovação.—Éumaparteenormedanota.— Eu sei, eu sei.— Ele olhou para os papéis com um suspiro.—Vou fazer o

máximopossívelatélá.Créditoparcialémelhorquenenhumcrédito.Fiquei examinando-o por um instante e, então, tomei uma decisão que ia contra

muitos dos meus princípios mais básicos. Enfiei a mão na bolsa e tirei meu trabalhoterminado.—Toma—eudisse.Elepegouasfolhas,franzindoatesta.—Tomaoquê?—Éaminhalição.Useasminhasrespostas.—Eu…—Oqueixodelecaiu.—Vocêtemnoçãodoqueestáfazendo?—Sim.

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—Achoquenãotem.Vocêestámedandosualição.—Sim.—Emedizendoparafingirqueéminha.—Sim.—Masnaverdadenãofuieuquefiz.—Querounãoquer?—perguntei, frustrada.Comeceiapegarospapéisdevolta,

maseleosseguroucomforça.—Ah, eu quero— ele disse.— Só gostaria de saber o que você quer em troca.

Porqueissonãocompensameubanimentoentremeusamigoseaminhafamília.—Elemanteveotomamigável,masnoteiumanotadeamarguraemsuavoz.Nãotinhajeito.Pormaisquegostássemosumdooutro,nossasrespectivasfiliaçõesaosguerreiroseaosalquimistas sempreestariamentrenós.Poderia serumapiada agora…mas algumdiatalveznãofossemais.—Precisodeumfavor—expliquei.—Umfavorzinho,naverdade.Nãotemnada

avercom…aquelascoisas.Comoeradeseesperar,Treyficoudesconfiado.—Quefavor?Osinaltocou,entãofaleirápido.—Angelineprecisadeumtutordematemática,senãovaireprovar.E,sereprovar,

vaiserexpulsa.Seriabemfácilpravocê.Epegariabemnoseucurrículoprafaculdade.—Sua prima é umpouquinhomaluca—ele disse.Mas não recusou, o que tomei

comoumbomsinal.—Vocêachavaelabonita—euolembrei.—Sim,masissofoiantes…—Elenãoterminouafrase,maseuentendi.Antesde

eledescobrirqueela eraumadampira.Osguerreiros tinhamosmesmos tabusqueosalquimistasquantoarelacionamentosinter-raciais.—Tudo bem—eu disse.—Entendi.Vou pegarmeu trabalho e voltar promeu

lugar.—Estendiamão,maselenãomedevolveuasfolhas.— Espera. Eu topo. Mas, se ela me machucar, tomara que você se sinta muito

culpada.Atemporadadebasqueteacaboudecomeçaremeutimevaidesmoronarseeuficarnobancoporcausadela.Abriumsorrisolargo.—Euficariaarrasada.Angeline não se animou muito quando lhe contei durante o almoço. Na verdade,

ficou vermelha de raiva e parecia prestes a atirar a bandeja para o outro lado dorefeitório.—Você quer que eu estude com aquele… aquele… caçador de vampiros?— ela

perguntou.Fiqueiimaginandoseelatinhaoutronomeemmente,masseconteve,numademonstração impressionante de autocontrole. — Ainda mais depois do que elestentaramfazercomSonya?—Treynãoécomoosoutros—defendi.—EleserecusouamatarSonyaeatéteve

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o trabalho deme colocar lá dentro para ajudá-la, o que, aliás, acabou ferrando com avidadele.Eddiepareciaestarsedivertindo,apesardoassuntodesagradável.—Vocêesqueceudemencionarqueeleestáloucopravoltarparaaquelavida.AponteimeugarfoparaEddie.—NãovenhamedizerquetambémachaTreyumamáopção.—Para tutor?—Ele balançou a cabeça.—Não, ele é o.k. Só estou dizendo que

vocênãodeveria acreditarqueestá tudo àsmilmaravilhas comele.Émuitoprovávelqueogrupodeleestejatrabalhandocontraagente.—Eleémeu amigo—eudisse, torcendoparaquemeu tomdevozpusesse fimà

discussão.Depois de darmais alguns argumentos,Eddie convenceuAngeline a estudarcomTrey,lembrandoqueelaprecisavamanterasnotasaltas.Apesardisso,aspalavrasdeEddiemeperturbaram.Eu tinhacerteza absolutadequeTreyerameuamigo,masnãosabiaseaquelarixaentrenósumdiaviriaàtona.QuandoEddieeAngeline saíramparaasaulasda tarde,pedipara Jill ficarnamesa

pormaisumminuto.—OqueAdrianestáfazendoagora?—Estánaauladepintura—elarespondeuprontamente.—Olaçodeveestarfortehoje,hein?—perguntei.Emalgunsdiasasvisõesqueela

tinhadamenteedasexperiênciasdeleerammaisclarasdoqueemoutros.Elaencolheuosombros.—Não,massãoonzedamanhãdeterça-feira.—Claro—eudisse,me sentindo idiota.Eu sabiaoshoráriosde todomundo;era

necessárioparaomeu trabalho.—Devia ter imaginado.Você achaque elepoderá seencontrarcomigodepoisdaaula?—Praircaçarbruxas?Sim,eledeveestarsaindoagora.JillsabiaoqueAdriansabia,oquesignificavaquejáestavaapardaminhabuscapor

Veronica. Embora eu tivesse aprendido a aceitar que contar meus segredos aAdriansignificavacontaraJillindiretamente,aindaeraumpoucochocanteouviressesassuntosproibidos discutidos tão abertamente.Ao ver minha reação atordoada, Jill abriu ummeiosorriso.—Não se preocupe— ela disse.— Eu guardo os segredos deAdrian. E os seus

também.—Aamarguranavozdelatambémmepegoudesurpresa.—Você está brava comigo?—perguntei, sem entender.—Você não está…não

está chateada ainda por causa do que aconteceu entremim eAdrian, está? Pensei quetivessedeixadoissopralá.—EmboraadeclaraçãodeAdriandequemeamariaapesarde todos os obstáculos tivesse sido perturbadora, sua atitude mais relaxada tinhacontaminadoJillatéentão.—Adriandeixouumpoucopralá—eladisse.—Nãovêoperigodevocêsairpor

aícomoutrocara.Fiqueisementender.

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—Outrocara?Vocênãoestáfalandodo…Marcus,está?Issoéloucura.—Émesmo?—Jillperguntou.Olaçoeramuitoestranhoàsvezes.Jillestavacom

ciúmenolugardeAdrian.—Eleéhumano,vocêéhumana.Vocêsdoistêmesselancedealquimistasrebeldes.Eeuviocara.Eleébembonito.Nãodáparasaberoquevaiacontecer.—Bom, eu sei o que vai acontecer: nada— eu disse.Mesmo através de um laço

psíquico, Marcus conseguia seduzir as garotas.—Acabei de conhecê-lo. Nem sei seconfio nele direito e definitivamente não sinto nada por ele. Olha, entendo que vocêqueira ajudarAdrian,masnãopode ficarbrava comigopeloque aconteceu.Você sabepor que o rejeitei, ainda mais depois do que aconteceu com Micah.— Micah era ocolegadequartodeEddiee,emboraelasoubessequenãopoderiahaverrelacionamentossérios entre humanos e vampiros, havia se surpreendido com a complexidade e adificuldadedasituação.—É…—Elafranziuatesta,visivelmentedivididaentreossentimentosdeAdriane

oqueela sabia ser certo.—Mas talvez comAdrian…sei lá.Talvez as coisaspossamserdiferentes.Outalvezaomenosexistaumjeitodefazercomqueelesoframenos.Desviei o olhar, sem conseguir encará-la. Não gostava de saber queAdrian estava

sofrendo,masoqueeupoderiafazer?Oqueelesqueriamqueeufizesse?Osdoissabiamdasregras.—Sintomuito—eudisse,pegandominhabandejaelevantando.—Nuncaquisque

nadadissoacontecesse.Adrianvaimeesquecer.—VocêrealmentequerqueAdrianaesqueça?—elaperguntou.—Comoassim?Porquevocêfariaumaperguntadessas?Elanãorespondeu;emvezdisso,fezumacenamexendoseupurêdebatata.Quando

percebiquenãoiaresponder,sacudiacabeçaecaminheiemdireçãoàsaída.Podiasentiro olhar dela pesando nas minhas costas enquanto aquela pergunta ecoava na minhacabeça:VocêrealmentequerqueAdrianaesqueça?

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Como Jill haviadito,Adrian estavamais do que disposto a partir para a caça naquelatarde.Tantoque,quandofinalmentefaleicomele,seofereceuparamebuscarquandoasaulas terminassem para maximizar nosso tempo. Não vi problema, já que issosignificava que eu viajaria noMustang.Claro que preferiria ir dirigindo,mas teria deservir.—Quandovocêvaidarumnomeproseucarro?—pergunteiquandojáestávamos

naestradaparaLosAngeles.—Éumobjetoinanimado—elerespondeu.—Nomessãoparapessoasebichinhos

deestimação.FizcarinhonopaineldoMustang.—Nãoouveoqueeleestádizendo.—DepoismevolteiparaAdrian.—Aspessoas

vivemdandonomeparabarcos.—Tambémnãoentendoisso,mastalvezcompreendessesemeuvelhomearranjasse

agranaparaumiateparticular.—Elemelançouumolharrápidoedivertidoantesdevoltaraatençãoparaaestrada.—Comoumapessoafriae lógicacomovocêpodesertãoobcecadacomalgofútildessejeito?Nãosabiaquepartemeincomodavamais:serchamadadefriaoudeobcecada.—Sóestoudandoodevidorespeitoaumalindamáquina.—Vocêdeuumnomedecaféproseucarro.Issoésinalderespeito?—Domaisaltorespeito—respondi.Eledeuumarisadaincrédula.—Certo,então.Vocêdáonome.Aceitooquevocêquiser.— Sério? — perguntei, um tanto atordoada. De fato eu estivera importunando

Adrian para que desse um nome ao carro, mas não sabia se queria esse tipo deresponsabilidadenasmãos.—Éumadecisãomuitoimportante.—Uma questão de vida oumorte— ele disse, inexpressivo.—Melhor escolher

comcuidado.

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—Sim,masvocêéa“mentecriativa”aqui!—Ébomvocêirtreinando.Fiqueiemsilêncioduranteamaiorpartedaviagem,desorientadacomaseriedadedo

dilemaquetinhaà frente.Oqueonomedeveriarefletir?Acoramarelabrilhante?Aslinhascurvilíneas?Omotorpotente?Eraumatarefaavassaladora.Adrian me tirou dos meus pensamentos quando começamos a nos aproximar dos

bairrosresidenciaisnosarredoresdeLosAngeles.—Nãovamosentrarnacidade,vamos?— Hein?— Eu estava dividida entreVento Estival e Pó de Ouro.—Ah, não.

Vamosparaonorte.Pegueapróximasaída.A sra. Santos tinhame falado sobredois bairros conhecidospor suas casasde estilo

vitoriano.Euhaviafeitoumavastapesquisasobreosdoisnainternet,chegandoaolharimagens de satélite. Por fim, escolhi um que se pareciamais como daminha visão ecruzeiosdedosparaquetivesseamesmasortequetiveraaoprocuraroapartamentodeMarcus.Ouniversodefinitivamenteestavamedevendoalgunsfavores.Infelizmente, as coisas não pareceram tão promissoras quando enfim chegamos ao

endereçoque eu tinha anotado.Erauma área residencial calma, cheia de casas naqueleestilo característico, mas nenhuma igual à que eu tinha visto através do feitiço.Percorremosaruadecimaabaixoenquantoeuexaminavaosdoislados,torcendoparaquepudesseterdeixadoalgumacasapassardespercebida.—Argh—eudisse,meafundandonobanco.Semsorte.Pelojeito,ouniversotinha

medeixadonamãodessavez.—Vamos terqueolharooutro lugar,mas, sério,nãopareciaolugarcerto.— Bom, não vai doer se… —Adrian fez uma curva abrupta, entrando numa

travessaquequasepassaradespercebida.Leveiumtrancoquandoocarrobateunaguia.—Oquevocêestáfazendo?Cuidadocomospneus!—Veja.—Elefezoutracurva,entrandonaruaparalela.Amaioriadascasaserade

estilocontemporâneo…masumquarteirãotinhaoutrascasasvitorianas.Perdiofôlego.—Ali!Adrian parou o carro do outro lado da rua, em frente à casa daminha visão. Era

igualzinha,desdeavarandacobertaatéosarbustosdehortênsia.E,agora,soba luzdodia, eu conseguia ler a placa no jardim: POUSADA DOVELHOMUNDO . Letrasmenoresidentificavamacasacomoumlugarhistórico.— Bom, aqui vamos nós. — Adrian estava visivelmente satisfeito com sua

descoberta,apesardodanoaosseuspneus.—Talveza irmãdeJackieestejahospedadaaqui.—Escolhapeculiarparaumabasedeoperaçõesmágicasabomináveis—comentei.—Nãosei,não.Jáquenãotemnenhumcastelomal-assombradonobairro,porque

nãoumapousada?Respireifundo.—Certo.Vamos investigar.Tem certeza de que consegue confundir a mente das

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pessoasquemevirem?— Fácil — ele respondeu. — Seria ainda mais fácil se você estivesse usando a

peruca.—Ai, caramba. Esqueci.—Abaixei e peguei uma peruca castanha na altura dos

ombros que a sra. Terwilliger havia me dado. Mesmo com a magia de Adrian,queríamos tomarcuidadosextras.Embora fossebomque aspessoas recebessemvisitasde uma loira de quem não conseguiriam se lembrar direito, seria ainda melhor serecebessem visitas de umamorena de quem não conseguiriam se lembrar direito.Coloquei a peruca, torcendo para que ninguém tivesse visto minha transformação.Levanteiacabeça.—Estáboa?OrostodeAdrianmostrouaprovação.—Estálinda.Vocêpareceaindamaisnerddoqueeuachavapossível.Saímosdocarro,efiqueipensandoserealmentequeriaparecernerd.Muitagentejá

me achava sem graça.O cabelo loiro talvez fosse a única coisa interessante emmim.Então pensei por um minuto na minha experiência recente de subir uma escada deincêndio,invadirumapartamentoesairnobraçocomumfugitivo.Semmencionarqueestava caçando uma bruxa perversa e poderosa ao lado de um vampiro capaz decontrolaramentedaspessoas.Bom,talvezeunãofossetãosemgraçaassim.Entramos num saguão pequeno e bonitinho, onde havia uma mesa ornamentada e

uma sala de espera com móveis de vime. Coelhos empalhados em roupas de festaenfeitavam as prateleiras, e pinturas a óleo da rainhaVitória estavam penduradas nasparedes. Pelo jeito, os donos levavam o estilo da casa bem a sério, embora eu nãosoubesseexatamentequaleraarelaçãocomoscoelhos.Umameninadaminhaidadeestavasentadaatrásdamesaelevantouosolhosdeuma

revista, surpresa. Ela tinha cabelo curto platinado e óculos de aro grosso.Dezenas decolares estavam pendurados em seu pescoço, formando um conjunto espalhafatoso quecontrariava meu senso estético minimalista. Contas rosa-shocking, uma estrela verdereluzente,ummedalhãodeouroediamante,umachapadeidentificação…eradedarnónacabeça.Piorainda:elaestavamascandochicletebemalto.—Oi—eladisse.—Possoajudar?Tínhamostodoumdiscursoplanejado,masAdrianimediatamentefugiudoroteiro.—Sim—eledisse,passandoobraçoaomeuredor.—Estávamosprocurandoum

lugar para dar uma fugidinha no fim de semana, e uma amiga nossa jurou que estapousada é a melhor em questão de romance.— Ele me puxou para mais perto.—Nosso aniversário de namoro está chegando. Estamos juntos faz um ano, mas, cara,passoutãorápido.—É verdade— eu disse, tentando não deixar o queixo cair. Forcei um sorriso e

torciparaqueestivesseparecendocontente.Ameninaolhoudemimparaele,suaexpressãocadavezmaisgentil.—Quefofo.Parabéns.

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—Podemosdarumaolhadanasacomodações?—Adrianperguntou.—Querdizer,setiveralgumquartovago.—Claro—eladisse, levantando.Ela cuspiuo chicletenuma lata de lixo e foi até

nós.—SouAlicia.Meustiossãososdonosdaqui.—Taylor—eudisse,apertandoamãodela.—Jet—Adriandisse.Quasesolteiumresmungo.Poralgummotivoinexplicável,

“Jet Steele” era um pseudônimo queAdrian adorava usar.Mas no ensaio naquele dia,tínhamosdecididoqueelesechamariaBrian.Alicia olhou para nós de novo, com uma ruguinha na testa que logo desapareceu.

Imaginei que fosse a compulsão deAdrian, confundindo um pouco as percepções delasobrenós.—Venhamcomigo.Temosalgunsquartosvagosquevocêspodemdarumaolhada.

—Depoisdemaisumolharconfusoparanós,elasedirigiuparaaescada.— Não é ótimo, querida?—Adrian perguntou alto enquanto subíamos a escada

rangente.—Seiquevocêadoracoelhos.Vocênão tinhaumquandoeracriança?Qualeraonomedelemesmo?Pulinho?— Isso— respondi, resistindo à vontade de dar um soco no braço dele. Pulinho?

Sério?—Melhorcoelhodomundo.— Que legal —Alicia disse. — Então vou mostrar a vocês primeiro a Suíte

Coelhinho.A Suíte Coelhinho tinha mais coelhos empalhados e bem-vestidos como parte da

decoração.Acolchaquecobria a camadecasal tambémtinhaumabordadecoelhosecoraçõesalternados.Haviavárioslivrossobrealareira,incluindo AsaventurasdePedroCoelhoeCoelhocorre.Atéaquelemomento,nuncapensaraoquãoabsurdoumquartotemáticopoderiaser.—Uau—Adriandisse.Elesentounacamaetestouamaciezdocolchão,aprovando

comacabeça.—Éincrível.Oquevocêacha,florzinha?—Estousempalavras—respondihonestamente.Eledeuumtapinhanolugaraoladodele.—Querexperimentar?Respondi com um olhar e fiquei aliviada quando ele levantou. Adrian e camas

acendiamsentimentoscontraditóriosdentrodemim.Depoisdisso,AlicianosmostrouaSuíteGlória-da-manhã,aSuíteVeludoeaSuíte

Londres, todas competindo para superar umas às outras em questão de breguice. Noentanto, apesar da artimanha absurda deAdrian, o tour me deu a oportunidade deanotarmentalmenteonomedasoutrasportasnocorredor.SeguimosAliciaatéoandardebaixo.—NãopodemosveraSuíteSafiraouaSuítePríncipeAlberto?—perguntei.Aliciafezquenão.— Sintomuito, estão ocupadas. Posso dar um folheto com algumas fotos se vocês

quiserem.

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Adrianmeabraçououtravez.—Docinho, não era na SuítePríncipeAlberto que aVeronica estava?Ela não está

maisaqui,está?—Não sei—respondi.Essa parte, pelomenos, era parecida comoque tínhamos

ensaiado.OlheiparaAlicia.—Vocênãopodenosdizer,né?SenossaamigaVeronicaestáaqui?Elaémuitobonita,temcabelopretoelongo…—Ah, sim—Aliciadisse, sorrindo.—Claroqueme lembrodela.Ela estavana

SuíteVeludo,masfechouacontaontem.Resisti àvontadededarumchutenamesa.Tãoperto.TínhamosperdidoVeronica

porumúnicodia!Sim,ouniversoestavadefinitivamentecontramim.Eunãopoderialançarofeitiçodeclarividênciaatéapróximaluacheia,queseriadaliaummês.—Ah,quepena—Adriandisse,aindacomaquelesorrisosimpático.—Achoque

sóvamosencontrarVeronicanoNatalmesmo.Obrigadopelaajuda.—Vocêsnãoqueremreservarumquarto?—Aliciaperguntou,esperançosa.—Ligamospravocêdepois—respondi.NãoqueriacorreroriscodedeixarAdrian

reservar um e depois dizer que fazia parte do disfarce.—Vamos dar uma olhada emoutros lugares. A gente não quer tomar nenhuma decisão precipitada pro nossoaniversáriodeumano.— Mas —Adrian disse, dando uma piscadinha para ela — estou com um bom

pressentimentosobreaSuíteCoelhinho.AlicianoslevouatéasaídaearregalouosolhosquandoviuoMustang.—Uau,quecarrolindo!—Éfantástico—eudisse.—Éonossobebê…querdizer,atétermosumbebêdeverdade.Vocênãoachaque

eleprecisadeumnome?—Adrianperguntou.—EstoutentandoconvenceraTaylor.—Maisumaveztivedelutarcontraavontadededarumsoconele.—Ah,claro—Aliciadisse.—Essetipodecarro…éarealezadosautomóveis.—Viu só?—Adrianmeencarou, triunfante.—Eolheque aAlicia é especialista

emrealeza.Vocênãoviutodosaquelesquadros?—Obrigadapelaajuda—eudisse,empurrando-oparaafrente.—Depoisagente

entraemcontato.Entramosnocarroe,depoisdedartchauparaAlicia,Adriandeupartidanomotor.

Fiqueiolhandoparaafrentesemreaçãoenquantonosafastávamos.—AssimcomonaSuíteCoelhinho,estousempalavrasparadescreveroqueacabou

deacontecer.Oquefoiaquilo?Aniversáriodenamoro?Jet?—JetcombinamaiscomigodoqueBrian—eleargumentou.—Eeraumahistória

muitomelhordoquealegarqueíamosfazerumavisitasurpresanoaniversáriodanossa“amiga”Veronica.— Isso eu não sei.Mas conseguimos a informação de que precisávamos… e não é

nadaboa.Adrianficousério.

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—Tem certeza?TalvezVeronica tenha deixado a região.Talvez você e as outrasmeninasnãoestejammaiscorrendoperigo.— É, seria bom… tirando o detalhe de que outra garota em algum outro canto

sofreria emnosso lugar e não teríamos como impedir.—Tirei da bolsa a lista que asra.Terwilligertinhamedado.—UmdessesendereçoséemPasadena.Nãocustanadadarumapassadalánocaminhoeavisaragarota.AmeninaqueprocurávamossechamavaWendyStone.Elaestudavano Institutode

TecnologiadaCalifórnia,oquepareciaumaestranhavocaçãoparaumabruxaaprendiz.Claro,asra.Terwilligerhaviameditoqueessasmeninasnãoestudavammagia,esupusque o fato de não teremmentoras sugeria que pudessem, na verdade, ser resistentes asuashabilidadesinatas…umpoucocomoeu.Wendymoravanumprédiopertodocampusquefoifácildeachar.Eraocupadoem

sua maioria por estudantes, mas parecia um palácio perto do prédio de Marcus.Enquantopassávamosporjovenscommochilasnascostasconversandosobresuasaulas,senti uma pontada de tristeza que não experimentava havia muito tempo. Me tornaruma alquimista significava que eu não podia frequentar a universidade. Era um sonhoqueeutinhafaziatempo,emboramematricularemAmberwoodtivessediminuídoumpoucoessatristeza.Agora,nomeiodaquelealvoroçouniversitário,umaondadeinvejasurgiudentrodemim.Comoserialevaressetipodevida?Devotarseusdiasunicamenteàbuscaporconhecimento,semnenhumaintrigaouperigo?AtémesmoAdrian,comseucursodeartedemeioperíodo,conseguiateralgumtipodeexperiênciaacadêmica.—Nãofiquetriste—eledissequandochegamosaoandardeWendy.—Vocêainda

podeentrarnafaculdadeumdia.Olheiparaele,assombrada.—Comosabeoqueeuestavapensando?—Conheçovocê—eledissesimplesmente,semnenhuma ironia.—Suaauraestá

triste,entãoimagineiqueestarnocampusdeumafaculdadetinhaalgoavercomisso.Nãoconseguiencará-loevireiorosto.—Nãogostodisso.—Doquê?Dealguémsaberoquerealmenteimportanasuavida?Sim, era exatamente isso. Mas por que me incomodava? Porque esse alguém era

Adrian,medeiconta.Porqueumvampiromeentendiatãobem?Porquenãoumdosmeusamigos?Porquenãoumdosmeusamigoshumanos?—VocêpodeserJetsequiser—eudissebruscamente,tentandotomarasrédeasda

situaçãoeescondermeussentimentosconturbados.Afinal,nãoerahorade terapia.—Masnãovamosposardecasaldenovo.—Tem certeza? — ele perguntou. Seu tom ficou descontraído outra vez, e ele

voltou a ser o velhoAdrian que eu conhecia.— Porque tenho vários outros apelidoscarinhososparausar.Quindinzinho.Bombonzinho.Pudinzinhodepão.—Porque todoseles sãocomidascalóricas?—perguntei.Nãoqueriaestimulá-lo,

masaperguntaescapouantesqueeupudesse impedir.—Epudimdepãonãoémuito

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romântico.TínhamoschegadoàportadeWendy.—Quer que eu chame você de aipo, então?— ele perguntou.— Não inspira a

mesmasensaçãoquenteecarinhosa.—QueroquemechamedeSydney.—Batinaporta.—Querdizer,Taylor.Umameninasardentacomcabeloruivoeencaracoladoabriuaporta.Elaestreitouos

olhos,desconfiada,quandonosviu.—Poisnão?—EstamosprocurandoWendyStone—eudisse.Elafechouacara.—Vocêssãodosetordegraduação?Porquejádissequeochequeestáacaminho.—Não.—Abaixeiavozemecertifiqueidequenãohavianinguémporperto.—

MeunomeéTaylor.Estamosaquiprafalarcomvocêsobre,hum,magia.A transformação foi súbita e surpreendente.Ela passou de desconfiada e cautelosa a

horrorizadaeindignada.—Não,nãoenão!Já faleimilvezesquenãoqueromeenvolver!Nãoacreditoque

vocêstêmacoragemdeaparecernaminhaportapratentarmeconverterprocircodehorroresqueéesseclãdevocês.Elatentoufecharaporta,masAdrianconseguiuimpedircomopé.Muitomásculo.—Espere—eledisse.—Nãoéessaaquestão.Suavidapodeestaremrisco.Wendyficouincrédula.—Vocêsvãomeameaçar,aindaporcima?—Não, não é nada desse tipo.Por favor— implorei.—Sónos escute por cinco

minutos.Depoisvamosemboraenuncamaisimportunaremosvocê.Wendyhesitoueentãofinalmentefezquesim,resignada.—Tá.Masvoupegarmeuspraydepimenta.Oapartamentodelaeralimpoeorganizado,excetoporumapilhadepapéiselivros

de engenharia espalhadospelo chão.Pelo jeito, tínhamos interrompido algum trabalhopara a faculdade, o que trouxeminha tristeza de volta. Ela cumpriu sua promessa depegarospraydepimentaeentãoficouparadananossafrentecomosbraçoscruzados.—Falem—ordenou.MostreiafotodeVeronica.—Jáviuessamulher?—Não.—Quebom.—Eramesmobom?OuseráquesignificavaqueVeronicapoderiater

marcadoWendy como futura vítima e estava esperando para dar o bote? — Ela éperigosa.Comopossodizer?Ela…— Ela encontra garotas com dons para a magia e suga as almas delas—Adrian

contribuiu,prestativo.Wendyestremeceu.—Desculpe,oquevocêdisse?

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—Não é exatamente assim— eu disse.—Mas émais oumenos isso. Ela buscameninascommagiaeroubaopoderdelas.—Mas eu não usomagia—Wendy argumentou.—Como disse pra vocês, não

querome envolver com isso.Tem uma bruxa emAnaheim que viveme dizendo quetenhopotencialequedeveriaviraraprendizdela.Sempredigonãoenuncanemtenteiumfeitiço.Essasugadoradealmasnãotemporqueviratrásdemim.Asra.Terwilligermeavisaraquealgumasmeninaspoderiamdizerisso.Naverdade,

disseraqueamaioriausariaesseargumento.—Nãoimporta—eudisse.—Issonãovaiimpedi-la.AgoraWendy estava horrorizada, e tinha motivos para isso. Minha reação fora

parecida.Erafrustrantesaberqueaquilodoqualvocêvinhatentandofugirpoderiaestarvindoatrásdevocê.—Entãooquedevofazer?—elaperguntou.—Bom,fujadelasepossível.Seelavieratrásdevocê…bom,nãodeixeelaentrar.

Nãofiquesozinhacomela.—Eraumconselhoumtantobobo.—Seavir,aviseaquelabruxa emAnaheim.Aliás… sei que não quer, mas, se eu fosse você, entraria emcontatocomaquelabruxaagoramesmoepediriaajudaaela.Seriabomaprenderalgunsfeitiçosdefensivostambém.Entendoquevocênãoqueira.Acrediteemmim,entendodeverdade.Masissopodesalvarsuavida.Alémdisso…—Estendioamuletodeágata.—Vocêprecisausarissootempotodo.Wendyolhouparaoamuletocomosefosseumacobravenenosa.—Issoé algumtruqueprame fazer aprendermagiadequalquer jeito?Viremaqui

comessahistorinhadeque,seeunãoaprender,podemsugarminhaalma?Denovotivequedarcréditoaela.Euteriapensadoexatamenteamesmacoisa.—Estamos falandoaverdade—insisti.—Nãotenhocomoprovar…oumelhor,

tenhosim.Mepasseseue-mailevoumandarumanotíciasobreumadasvítimas.Wendypareciaprestesausarospraydepimenta.—Achoqueteriaouvidofalarsealgumameninativesseaalmasugadapormagia.—Não ficouexatamenteóbvioparaquemnãoconheceomundomágico.Deixeeu

mandar pra você e aí você pode tomar suas próprias decisões. É o melhor que possooferecer.Relutante, ela aceitou e anotou o e-mail dela.Adrian deu um passo à frente para

pegar o papel, mas ele devia ter se movido rápido demais, porque ela subitamenteapontoualatadespraydepimentanadireçãodele.—Paratrás!—exclamou.Nomesmomomento,puleinafrentedele,commedode

que levasse ummonte de spray de pimenta na cara. Lancei o primeiro feitiço em queconsegui pensar, um feitiço simples que criava um espetáculo de luzes coloridas eflamejantes,mas inofensivas.Um feitiço de escudo teria sidomuitomais útil,mas euainda não tinha praticado nenhum. Era uma coisa a corrigir para o caso de nossasmissõesfuturasenvolveremmaisspraydepimenta.—Paratrásvocê!—avisei.

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Como eu esperava, o espetáculo luminoso foi assustador para uma pessoa avessa àmagia comoWendy. Ela recuou até o outro lado do apartamento e, felizmente, nãousouospray.—S-saiam—elagaguejou,comoolharapavorado.—Por favor, tome as precauções— eu disse. Pus o amuleto no chão.—E, por

favor,useisso.Voumandaroartigopore-mail.—Saiam—elarepetiu,semfazernenhummovimentoemdireçãoaoamuleto.EnquantoeueAdriansaíamosdoprédioeandávamossobosol,suspireialto.Estava

tãodecepcionadaquenemconseguiaficartristecomoambientedauniversidade.—Nãofoiexatamenteumsucesso—eudisse.Elepensouumpoucoeentãoabriuumsorriso.—Seinão,Sage.Vocêsecolocounamiradospraydepimentapramesalvar.Acho

quejáestáseapaixonandopormim.—Eu…imagineique seriaumapenaestragar seurostinhobonito—gaguejei.Na

verdade, não tinha pensado em nada tão específico.Tudo o que sabia era queAdrianestavaemperigo.ProtegerAdrianhaviasidoinstintivo.—Enfim,aquelefeitiçofoiincrível.Entreabriumsorriso.—Erainofensivoeessaéaquestão.Wendynãosabiadisso.Veronicavaiatrásdessas

meninas porque elas não têm nenhuma proteção mágica, e exatamente por isso nãoconseguem se defender. Não acho que um spray de pimenta vá ajudar, mas talvez oartigopossaconvencê-la.Ai,droga.Vouterquecriarume-mailfalsopraTaylor.—Nãosepreocupe—Adriandisse.—JetSteelejátemumquevocêpodeusar.Issoacaboumefazendorir.—Claroque tem.Pra falar com todas asmeninas que você conhecepela internet,

nãoé?Adrian não fez nenhum comentário, nem afirmativo nem negativo, o que me

incomodoumais do que deveria. Era para ser uma piada…mas e se não fosse? Se osboatosealgumasdasminhasobservaçõesfossemverdade,Adriantinhaexperiênciacommuitasmulheres.Muitas.Pensarnelecomoutrasmedeixouperturbada,muitomaisdoquedeveria.Quantasmeninaselejátinhabeijadocomamesmaintensidade?Quantasjátinhamestadonacamadele?Quantastinhamsentidoasmãosdeleemseucorpo?Elenãodevia ter amado todas. Algumas, provavelmente a maioria, tinham sido merasconquistas,meninasdecujorostoeleseesquecianamanhãseguinte.Atéondeeusabia,eueraapenasaconquistamáximaparaele,umtesteparasuashabilidades.Seriadifícilencontrarumdesafiomaiordoqueumahumanacomproblemasemrelaçãoavampiros.Mesmo assim, lembrando todas as coisas ditas e não ditas entre nós, tive quase

certezadequenãoerao caso.Pormaismalucoque fosse esse envolvimento amoroso,ele me amava… ou acreditava amar. Eu não era uma conquista qualquer. Seria atémelhor se fosse. Sem uma conexão emocional, ele acabaria desistindo e encontrandoconsolo facilmente nos braços de outra pessoa.Aquele seria um bom momento para

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sugeririsso,aliás.Masfiqueiquieta.

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10

Namanhãseguinte,procureiasra.Terwilligerantesdaaulaparafazerumresumodasaventuras do dia anterior. Ela ficou debruçada na mesa, bebericando um cappuccinoenquanto eu falava. Sua expressão foi ficando cada vez mais sombria à medida que ahistóriaavançava.— Hum, que pena — ela disse. — Fico contente que você tenha encontrado a

garota,mas não teremos outra pista sobreVeronica até a próxima lua cheia.Até lá,podesertardedemais.— Não tem nenhum outro feitiço de clarividência que a gente possa usar? —

perguntei.—Não—elarespondeu.—AmaioriaavisariaVeronicaqueestouprocurandopor

ela.Temumquepodememascarar…mastalveznãoconsigapenetraroescudoqueelaestáusandoparaseesconder.—Vale a pena tentar, não?—perguntei.O sinal tocou e os alunos começaram a

entrarnasala.Elameabriuumsorrisoenquantoseendireitava.— Ora, srta. Melbourne, nunca pensei que ouviria uma sugestão dessas vinda de

você.Mastemrazão.Vamosconversarsobreissomaistarde.Temumacoisaquequeriamostraravocê.Meu instintoantimagiacomeçouaapitar…masentãoparou.Emalgummomento,

contraaminhavontade,eutinhasidoenvolvidanaquilotudo.AgoraestavapreocupadademaiscomasoutrasvítimasdeVeronicaparadaratençãoaosmeusmedosdesempre.Aos olhos dos alquimistas, usarmagia era ruim.Aosmeus, era pior deixar inocentescorrendoperigo.Sem ter de combater mais nenhuma situação de perigo, senti o dia passar rápido.

Quandoencontreiasra.Terwilligerparanossoestudoindependente,elaestavacomsuascoisasarrumadas,esperandoqueeuchegasse.—Viagem de campo—elame disse.—Precisamos trabalhar nisso em casa.—

Um olhar melancólico perpassou seu rosto. — Pena que não podemos passar no

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Spencer’s.Cafeína emagianão semisturavam,oqueeraumbommotivopara ficar longeda

segunda.Comeceiadizerque,comoeunãofarianenhumamagia,nãotinhaasmesmasrestrições. Um momento depois, achei que seria maldade.A sra.Terwilliger tinhaproblemas suficientes com uma irmã sedenta por sangue à solta. Não precisava depiadinhasparacompletar.Os gatos estavam esperando na porta quando chegamos à casa dela, o que foi um

pouco assustador. Nunca tinha visto todos juntos e contei treze. Não pude deixar deimaginarseonúmeroeraproposital.— Preciso dar comida para eles antes — ela me disse enquanto os bichanos se

atropelavamaosseuspés.—Depoiscomeçamos.Fiz que sim, semdizer nada, achandoque era umbomplano. Se aqueles gatos não

recebessem comida logo, era provável que se voltassem contra nós e estávamos emmenornúmero.Depois que a comida os distraiu, descemos até a oficina. Não havia muito que eu

pudesse fazer além de observar. Normalmente, a pessoa que fazia o feitiço tinha derealizar todo o trabalho sozinha.Ajudei com algumas medições, mas só. Eu já tinhavisto a sra.Terwilliger lançar alguns feitiços rápidos e extravagantes,mas nunca nadadaquelamagnitude. Logo ficou claro que era uma façanha e tanto. Ela não tinha nadapara se ligar aVeronica, nenhum fio de cabelo ou foto.O feitiço exigia que a pessoausasseuma imagemmentaldequemestavabuscando.Osoutroscomponentes,ervaseóleos, ajudavam a fortalecer a magia, mas a maior parte do trabalho cabia à sra.Terwilliger.Assistir à preparaçãodela despertou sentimentos contraditórios dentrodemim.Ansiedadeeraum,claro,mastambémumfascíniosecretoemveralguémcomaforçadelalançarumfeitiço.Quando tudo estava em seu devido lugar, ela declamou o encantamento.Tive que

abafarumgritoquandosentiaondadepoderqueirrompeudela.Nuncatinhasentidoopoderdeoutrapessoaantes,eaintensidadequasemefezcair.Asra.Terwilligerestavaolhando fixamente para um ponto alguns metros à sua frente. Depois de um longomomento,umpontobrilhantesurgiunoar.Elefoiaumentandoatésetransformarnumdiscoplanoetremeluzente,quepairoucomoumespelho.Deiumpassoparatrás,comumpoucodemedodequefosseseexpandireconsumirocômodotodo.Porfim,odiscose estabilizou. Um silêncio tenso reinou na oficina enquanto ela contemplava aquelasuperfície brilhante. Um minuto se passou e, então, o disco oval foi diminuindo atédesaparecer.Exausta,asra.Terwilligersesegurounalateraldamesaparanãodesabar.Elaestavasuandomuitoelhedeiosucodelaranjaquetínhamospreparadoantes.—Asenhoraviualgumacoisa?—perguntei.Eunãotinhavistonada,mastalvezsó

quemlançasseofeitiçopudesseveroqueelerevelava.— Não— ela respondeu. — O feitiço não conseguiu entrar em contato com a

mentedela.Abarreiraqueelacrioudevesermuitoforte.—Entãonãopodemos fazernadaatéomêsquevem.—Sentiumfrionabarriga.

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Atéaquelemomento,nãohavianotadoquantoqueriaqueaquelefeitiçofuncionasse.Boaparte daminha vida envolvia solucionar problemas, eme sentia perdida quando ficavasemalternativas.—VocêeAdrianpodemcontinuaralertandoasoutrasmeninas—asra.Terwilliger

me disse. O rosto dela estava recuperando a cor.—Assim pelo menos reduzimos avelocidadedeVeronica.Olheiahoranomeucelular.Ofeitiçohavialevadomaistempodoqueeuimaginara.—Acho que não dá pra fazer outra viagem de ida e volta até LosAngeles hoje.

Amanhãfalocomele,etentamosacabarcomalista.Depoisquemeconvencidequeelanãodesmaiariaporexaustãomágica, fizmenção

desair.Elamedetevequandoeuestavaprestesapassarpelaporta.—Sydney?Olhei para trás, subitamente apreensiva. O problema de tantas pessoas me

chamarem por apelidos era que, quando alguém dizia meu nome verdadeiro,normalmentesignificavaquealgosérioestavaparaacontecer.—Sim?—Nósfalamossobreavisarasoutras,masnãoseesqueçadecuidardevocêmesma

também.Continue estudandoo livro.Aprenda a se proteger.Enunca deixedeusar oamuleto.Toqueiagranada,escondidasobablusa.—Sim,senhora.Voumecuidar.No caminho de volta para a escola, recebi a mensagem prometida de Marcus,

pedindoqueoencontrassenumfliperamaaliperto.Euconheciaolugareumaveztinhaidoaocampodeminigolfequeficavaaolado,entãonãofoidifícilchegaratélá.Marcusestavaesperandopormimjuntoàportae,felizmente,Sabrinanãoestavaporpertocomumaarma.Nuncatinhafrequentadofliperamasnavidaenãoentendiamuitobemagraçadeles.

Não combinavammuito com os padrões de criação domeu pai. Era uma sobrecargasensorial para a qual eu não estava preparada. O ar estava cheio do aroma de pizzaligeiramente queimada. Crianças e adolescentes animados corriam de um jogo para ooutro. E, por todos os lados, tudo parecia piscar e apitar. Pestanejei, pensando quetalvezmeupaiestivessecertoemevitaresseslugares.—Éaquiquevamosdiscutiratividadessecretas?—perguntei,incrédula.Elemeabriuumdaquelessorrisosdeestreladecinema.—Nãoéum lugar fácilpara aspessoasespionaremvocê.Alémdisso, faz anosque

nãojogoSkee-Ball.Aquelejogoédemais.—Quejogo?—Comoassim?—Foi legalpegarMarcusdesurpresaoutravez,mesmoporuma

coisatãotrivial.—Vocênãosabeoqueestáperdendo.Meempresteumdinheiroparaas fichas e eu mostro pra você.— Pelo jeito, ser um líder renegado e fugitivo nãopagavamuitobem.

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Ele logo encontrou as máquinas de Skee-Ball. Comprei um monte de fichas eentregueiparaele.—Fiqueàvontade.Ele imediatamente colocou uma ficha e atirou sua primeira bola. Ela caiu

completamenteforadosaroseMarcusfezumacareta.—Vocênãoperdetempo—comentei.Osolhosdeleestavamconcentradosnojogoenquantofaziaseusegundolançamento,

queerroudenovo.—Éumatáticadesobrevivência.Quandovocêpassatantotempofugindo…sempre

escondido… bom, aproveita esses momentos de liberdade. E quando sai com garotasbonitastambém.—Comosabequeestamoslivres?Comopodetertantacertezadequeosalquimistas

nãoestãomeseguindo?—perguntei.Naverdade,tinhaquasecertezadequenãoestavasendoseguidaesóqueriatestá-lo.—Porqueelesteriamaparecidonaqueleprimeirodia.Eletinharazão.Pusasmãosnacinturaetenteiserpaciente.—Quantotempovocêvaijogar?Quandovamospoderconversar?—Podemosconversaragora.—Suabolaseguinteacertouoarodedezpontos,eele

comemorou.—Possoconversarejogaraomesmotempo.Vaiperguntando.Revelareiomáximodesegredossurpreendentesquepuder.—Nãoé fácilmesurpreender.—Masnãoperderiaaquelaoportunidade.Olheiao

redor, mas ele tinha razão. Ninguém conseguiria nos escutar num lugar barulhentocomo aquele. Na verdade,mal conseguíamos ouvir um ao outro.—O que você fezparaserexpulsodosalquimistas?—Não fui expulso.Eu saí.—Apartida acabou, e ele inseriumais uma ficha.—

PorcausadeumaMoroi.Congelei,semconseguiracreditarnoquetinhaouvido.MarcusFinchhaviacomeçado

umagranderebelião…porquetinhaseenvolvidocomumaMoroi?Eramuitopróximodaminhaprópriasituação.Comonãodissenada,elesevirouparamimeexaminoumeurosto.—Ah,não,nadadessetipo—eledisse,sedandocontadoqueeuestavapensando.

—Nemeufariaumacoisadessas.—Claroquenão—eudisse,torcendoparaconseguirescondermeunervosismo.—

Quemfaria?Elevoltouaojogo.—Nóséramosamigos.FuimandadoparaAtenas,ondeelamoravacomairmã.Issodesviouminhaatenção.—Atenas?Você foiparaAtenas?Éumdos lugaresparaondeeuqueria ir.Emvez

disso, me mandaram pra São Petersburgo, mas eu sempre tinha a esperança de que,talvez, pudessemme transferir para a Grécia.Oumesmo para a Itália.— Eu estavaquasebalbuciando,maselenãopareceunotar.

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—QualéoproblemadeSãoPetersburgo?AlémdograndenúmerodeStrigoi…—OproblemaéquenãoéAtenasnemRoma.Meupaipediuespecificamentepara

e unão ser mandada para nenhum desses lugares. Ele achou que eu ficaria muitodistraída.Marcusparououtravezemeexaminoulongamente.Haviacompaixãoemseurosto,

comosetodaaminhahistóriaemeudramafamiliarestivessempassandodiantedosseusolhos.Eunãoqueriaqueelesentissepenademimedesejeinãoterfaladonada.Limpeiagarganta.—Então,mecontesobreessameninaemAtenas.Eleentendeuadeixa.—Comoestavadizendo,elaeraminhaamiga.Muitoengraçada.Sério,cara.Elame

fazia rolar de rir.A gente passava amaior parte do tempo juntos,mas você sabe queissoémeiorecriminado.Quaseri.“Meio”eraumeufemismo.AlquimistasnãodeveriaminteragircomMoroi

amenosquefosseabsolutamentenecessárioparaquestõesprofissionaisourelacionadasadeter ou esconder os Strigoi.A minha missão fugia um pouco das regras, visto queexigiaqueeufalassecomJillquasediariamente.—Enfim—elecontinuou.—Alguémpercebeuerecebimuitaatençãoindesejada.

Maisoumenosnamesmaépoca,comecei aouvirunsboatosdequealgunsalquimistasestavamprendendoalgunsMoroiàforça.Eatéquealquimistasestavaminteragindocomguerreiros.— Como assim? Impossível. Nunca trabalharíamos com aqueles lunáticos. —A

ideia de prisioneiros Moroi era absurda, mas foi a segunda parte que realmente medeixou pasma.Nem conseguia imaginar. Seria comodizer que os alquimistas estavamtrabalhandocomalienígenas.— Foi o que pensei.— Ele lançou outra bola, parecendo extremamente satisfeito

consigo mesmo quando conseguiu trinta pontos.— Mas continuei ouvindo rumores;então, comecei a fazer perguntas. Muitas perguntas. E, bom, foi então que as coisascomeçaramadesandar.Fazerperguntasnuncapegabem,aindamaissevocêincomoda.Penseinaminhaprópriaexperiência.—Éverdade.—Então, foi nessa época que saí.Oumelhor, fugi. Estava vendo os sinais.Tinha

ultrapassadoumlimiteesabiaqueerasóumaquestãodetempoatémemandaremumapassagemsódeidaparaareeducação.—Começououtrapartidaeelemechamoucomumgesto.—Quertentar?Estavatãoatordoadacomoqueelehaviaditoquedeiumpassoàfrenteepegueiuma

bola. Os alquimistas eram lógicos, organizados e racionais. Eu sabia que algunsgostariamde fazermaisparacombaterosStrigoi,masnãoerapossívelqueestivessemtrabalhandocomfanáticosarmados.—Stantonmedissequesótoleramososguerreiros.Quesóficamosdeolhoneles.—Foi o queme falaram também.—Elemeobservou enquanto eumepreparava

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paraajogada.—Demoraumtempopraaprender,aliás.Vocêpodelevaralguns…Lancei a bola e acertei o aro de cinquenta pontos.Marcus não conseguiu falar nada

poralgunssegundos,perdendoapresunçãodeantes.—Vocêdissequenuncatinhajogado!—exclamou.—Eéverdade.—Acerteioutranoarodecinquentapontos.—Entãocomovocêestáfazendoisso?— Não sei.— Cinquenta pontos de novo.— É só pensar no peso da bola e na

distânciaatéoaro.Nãoétãodifícil.Émeiosemgraça,naverdade.Marcusaindaestavaassombrado.—Vocêéalgumtipodesuperatleta?Quaseridedesprezo.—Nãoprecisaseratletaprajogarisso.—Mas…não…—Eleolhouparaosaros,entãoparamim,eentãodevoltaparaos

aros.—Éimpossível.Eujogoissodesdecriança!Meupaisempremelevavaaoparquedediversõesnoverãoeeupassavapelomenosumahorajogandotodavez.—Talvezdevesseterpassadoduas.—Lanceioutrabola.—Agoramecontemais

sobreosguerreiroseosalquimistas.Vocêconseguiualgumaprova?Eledemorouváriosmomentosatéconseguirretomaraconversa.—Não.Tentei.Atéme aproximei dos guerreiros por um tempo… foi assim que

conheci Clarence.Meu pessoal descobriu alguns podres dos alquimistas e salvou outroMoroidosguerreiros,masnuncaconseguimosfazerumaconexãoentreosdoisgrupos.—Elefezumapausadramática.—Atéagora.Peguei abola seguinte.Aquela atividade comumestavame ajudando a analisar suas

palavraschocantes.—Oqueaconteceu?—Foisorte,naverdade.Temumcaratrabalhandocomagenteagoraqueacaboude

sairdosalquimistaseromperatatuagem—eleexplicou.Ele falavacomosenãofossenadademais,maseuaindanãoconseguiamelivrardasensaçãoincômodaqueaideiade“romper a tatuagem”me causava.—Ele tinhaouvidouma coisa que batia comoutraqueSabrinadescobriu.Agorasóprecisamosconseguirevidênciasqueliguemasduas.—Comovãoconseguirisso?—Naverdade,évocêquemvaiconseguir.Elefalouissoenquantoeuestavaatirandooutrabola.Elapassoulonge,ultrapassando

osarcose até amáquina.Entãobateunaparedeecaiupertodealgumasmeninas,quelevaram um susto. Marcus foi atrás da bola e deu um sorriso de desculpas, e elasresponderamquenãotinhasidonadademais.Assimqueforamembora,murmureiparaMarcus:—Oquevocêdisse?—Você me ouviu. Quer entrar pro grupo? Quer romper a tatuagem? — Era

irritantecomoeleestavaconvencido.—Entãoissofazpartedoprocesso.—Nunca disse que queria fazer essas coisas!— sussurrei.— Só queria descobrir

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maissobreeles.— E aposto que adoraria saber se existem facções alquimistas trabalhando com os

guerreiros.Marcusestavacerto.Eurealmentequeriamuitosaber.Elesegurouminhamão.—Sydney,seiqueémuitacoisaparaabsorver.Nãoculpovocêporestaremdúvida,

e é exatamente por isso que preciso de você.Você é inteligente. Observadora.Vocêquestiona. E, assim como aconteceu comigo, esses questionamentos ainda vão causarproblemaspravocê,seéquejánãocausaram.Saiaagora,enquantopode,doseujeito.—Agenteacaboudeseconhecer!Nãovoufugirdogrupoquemecriou.—Soltei

minhamãodadele.—Estavadispostaaouviroquevocêtinhaadizer,masagoravocêfoilongedemais.Deimeia-voltaepartiemdireçãoàporta,semquererouvirmaisnada.Noentanto,

aspalavrasdele fervilhavamdentrodemim.Apesardeeu ter sidoabsolvidadepoisdemeu envolvimento comRose,minha ficha aindadevia estar suja.E, apesar de não terinsistidoemsabermaissobreMarcusFinch,seráqueosimplesfatodemencioná-lonãotinha deixado Stanton desconfiada?Quanto tempo levaria até que eles suspeitassem demim?Abriasportasesaísoba luz fulgurantedosol,queafugentouassombrasdoqueeu

tinhaacabadodeouvir.Marcusestavalogoatrásdemimetocoumeuombro.—Sydney,desculpa.Nãoestoutentandoassustarvocê—eledisse,agorasemaquela

atitude petulante. Ele parecia completamente sincero.—É só que percebo uma coisaem você… uma coisa com a qual me identifico.Acho que estamos do mesmo lado,queremos asmesmas coisas.Nós dois nos aproximamos dosMoroi e queremos ajudá-los,semquemintamparanósounosusem.Olheiparaele,desconfiada.—Continue.—Porfavor,ouçaoquetemosadizer.—Foioqueacabeidefazer.— Você me ouviu — ele corrigiu. — Quero que conheça os outros e ouça as

históriasdelestambém.Elesvãocontaroqueenfrentaram.Vãofalarsobreisto.—Eleapontouparaatatuagememseurosto.—E,quandoouvirmaissobreaquelatarefa…bom,achoquevaiquerernosajudarcomissotambém.—Ah,sim.Ograndemistérioquevaidesvendarumaconspiraçãoentrealquimistas

e guerreiros. — Ele continuou sério, o que me incomodou mais do que se tivesserevelado de repente que tudo não passava de uma grande piada.—E agora?Você vaichamarosoutrosevamostodospassarumdianofliperama?—Não— ele respondeu.— Seria muito arriscado.Vou juntar todo mundo em

outrolugareentãodigoavocêondenosencontrar,masvaiserdeúltimahoradenovo.Nãopossoarriscarquenosdescubram.—Nãopossopartirnumagrandeviagem—avisei.—Ninguémligamuitoquando

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vouaLosAngeles,mas atravessaroestadovai atrair a atenção indesejadadequevocêestavafalando.—Eusei,eusei.Vaiserperto.Sóprecisogarantirquesejaseguro.—Suaanimação

tinhavoltado.—Vocêvai?Conversarácomagente?Pormaisquenãoquisesse,estavacuriosa.Aindaquemerecusasseaacreditarnuma

conexão entre guerreiros e alquimistas, queria descobrir que pistas aquelas pessoasacreditavam ter.Também queria ver esse grupinhomisterioso dele. ComoAdrian ostinha chamado?Marcus e osVingadores? E, claro, tinha a tatuagem.Marcus vivia sereferindoaossegredosdela,masaindanãohaviamedadodetalhes.—Vou—respondi,finalmente.—Comumacondição.—Podefalar.—Quero levar uma pessoa comigo— eu disse.— Juro que ele é de confiança.

DepoisqueSabrinaapontouumaarmapramim,vocêdeveimaginarporqueestouumpouconervosadeverseuclubinho.Marcuspareciaprestesaaceitar,masderepenterecuou.—NãoéaqueleAdrian,é?— Não, não. Quem eu quero levar é um dampiro. Ninguém interessado em

entregarvocêsparaosalquimistas,aindamaisserealmenteestiveremtrabalhandoparaprotegerosMoroi.Vocêdizquetemumbompressentimentoemrelaçãoamim,certo?Entãoprecisaconfiarquandodigoquenãoprecisasepreocuparcomele.Elesóiriaparaeumesentirumpoucomaissegura.— Você é que não tem por que se preocupar — Marcus disse. — Não vamos

machucá-la.—Queroacreditarnisso.Masnãotenhotantaconfiançaquantovocê.Elenãodissenadadeimediatoeentãodesatouarir.— Nada mais justo. Leve seu amigo. — Ele apertou minha mão, como se

estivéssemosfechandoumótimonegócio.—Entroemcontatocomvocêparapassarosdetalhes.Vocênãovaisearrepender,Sydney.Prometo.

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Marcusdesapareceuacaminhodeseuesconderijomisterioso,eeu fuiparacasa.Oqueele haviame contado ainda parecia absurdo. Fiquei repetindo amimmesma que nadadaquilopodiaserverdade.Eramaisfácildelidarassim.De volta aAmberwood, encontrei o burburinho costumeiro da atividade estudantil

vespertina.Erareconfortantedepoisdaminhaexcursãocheiadesurpresas,semnenhumfanático ou feitiço misterioso por perto. Recebi umamensagem no celular assim queentreinoalojamento.EradeJill: Venhanosverquandovoltar .Pelo jeito,eunãoterianem umminuto de descanso.Deixei a bolsa no quarto e desci preguiçosamente até osegundoandar,semsaberoqueencontraria.Jillabriuaporta,parecendoimensamentealiviadaaomever.—GraçasaDeus.Temosumproblema.— Nóssempre temos um problema— eu disse. Entrei e viAngeline sentada no

chão,encostadanaparede,comumarangustiado.—Oqueaconteceu?Elalevantouosolhosrapidamente.—Nãofoiculpaminha.Meufrionabarrigaaumentou.—Nuncaé,né?Denovo:oqueaconteceu?ComoAngelineserecusavaafalar,Jilldisse:—ElacausouumaconcussãonacabeçadoTreycomumlivrodeálgebra.Antesqueeucomeçasseaentenderaquilo,Angelineselevantouemumsalto.—Omédicofalouquenãofoiumaconcussão!— Esperem. — Olhei para as duas, com um pouco de esperança de que elas

começassemarircomapeçaquedeviamestarpregando.—VocêfezalgumacoisacomTreyqueprecisoudecuidadosmédicos?—Malencosteinele—elainsistiu.SenteinacamadeJilleresistiàvontadedemeesconderdebaixodoslençóis.—Não.Você não pode fazer isso. Não de novo.O que o diretor disse?Ai, meu

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Deus. Pra onde vamos mandar você? — Depois queAngeline tinha saído no braçoduranteumaapresentaçãomusicalantidrogas,ficouclaroquemaisumabrigaafariaserexpulsa.—Eddieassumiuaculpa—Jilldisse.Umsorrisodiscretoperpassouseuslábios.—

Não tinha muitas testemunhas, então Eddie disse que eles estavam brincando nabiblioteca jogandoo livrodeum ladoparaooutro.Disseque sedescuidou e lançouolivrocomforçademais…equeacabouacertandoTreysemquerer.—É—Angelineinterrompeu.—Foioqueaconteceumesmo.—Não,nãofoi—Jillcontestou.—Eu vi.VocêficoubravaporqueTreydisseque

nãodeveriasertãodifícilentenderqueoxsempretemumvalordiferente.—Eleestavamechamandodeburra!Variáveis não pareciam um conceito tão complicado para mim, mas eu podia ver

que, sob a presunção deAngeline, ela realmente estava constrangida. Sempre tive aimpressão de que, entre os Conservadores,Angeline era algo como uma líder. EmAmberwood,tinhaqueseesforçarparaacompanharoritmoacadêmicoesocial,perdidanum mundo muito diferente daquele em que havia crescido. Isso deixaria qualquerpessoa insegura. E, pormais que achasse questionável queTrey a tivesse chamado deburra, conseguia entender como alguns de seus comentários sarcásticos poderiam serinterpretadosdessamaneira.— Eddie vai ter problemas por causa disso?— perguntei. Duvidava que ele fosse

expulso por algo assim, mas, considerando minha sorte, era bem possível que elerecebesseapuniçãodequelivraraAngeline.—Detenção—Jilldisse.—Eleaceitoucommuitacoragem—Angelineacrescentou.—Apostoquesim—falei,enquantomeperguntavasealgumadasduaspercebiaque

estavamcomamesmaexpressãodeadoração.—Angeline,seiquedeveser frustranteterumtutor,masvocêprecisamanteracalma,tá?Treysóestátentandoajudar.Elapareceucética.—Eleémeioarroganteàsvezes.—Eusei,masaspessoasnãoestãoexatamentefazendofilaprapreencheressavaga.

Precisamosdevocêaqui.Jillprecisadevocêaqui.Eddieprecisadevocêaqui.—Noteiquepartede sua indignaçãopassouquandomencionei seus amigose seudever.—Porfavor,tentetrabalharcomTrey.Meioacontragosto,elaassentiu,emelevanteiparasair.Jillmeseguiuapressadaaté

ocorredor.—Ei,Sydney?ComofoioencontrocomMarcus?— Nada de mais — eu disse. Definitivamente não compartilharia as revelações

bombásticasdeMarcus.—Foiinformativo.EaprendiajogarSkee-Ball.Jillpareceuquaseofendida.—Vocês jogaram Skee-Ball? Pensei que quisesse descobrir a história secreta dos

alquimistas.

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—Fizemosasduascoisasaomesmotempo—eudisse,nãogostandonadado tomdela.SaíantesqueelapudessefazeroutrocomentárioemandeiumamensagemparaEddie

quando cheguei ao dormitório.Ouvi o que aconteceu. Sinto muito. E obrigada . Arespostadelefoirápida:Pelomenosnãofoiumaconcussão.NocaminhoparaencontrarAdriannodiaseguinte,meprepareiparaoscomentários

sarcásticos.EraprovávelqueJilljátivessecontadoaelesobreoencontronofliperama,oqueprovavelmenteolevariaadizeralgocomo:“Bomsaberquevocêestátãodedicadaadescobriraverdadesobreosalquimistas.Ébomnãoperderojogodevista”.Quando estacionei em frente ao prédio doAdrian, ele já estava me esperando na

calçada.Assimqueviseurostosério,meucoraçãodisparou.Puleidocarro,quasesempararparatiraraschavesdaignição.—Oqueaconteceu?—perguntei,correndoatéele.Elepousouamãonomeuombro,maseuestavapreocupadademaisparaligarparao

toque.—Sydney,nãoqueroquepercaacalma.Nãovaiternenhumasequela.ExamineiAdriandecimaabaixo.—Vocêestábem?Semachucou?Porummomento,suaexpressãosombriasetornouconfusa.Entãoeleentendeu.—Ah,vocêachaquefuieu?Não,estoubem.Venha.Ele me levou até o fundo do prédio, onde ficava o estacionamento particular dos

moradores. Eu congelei, boquiaberta enquanto absorvia a cena terrível.Alguns outrosmoradoresestavamandandodeum ladoparaooutro,eumpolicial estavaparadoporperto, fazendo algumas anotações.Ao nosso redor, sete carros estacionados tinham ospneusfurados.IncluindooMustang.—Não!Corri até ele, ajoelhandoeexaminandoodano.Senti como se estivessenomeiode

umaguerra, segurandoumcompanheiromortono campodebatalha.Estavaprestes agritar:“Aguentefirme,amigo!”.Adrianseagachouaomeulado.—Ospneuspodemsertrocados.Achoqueoseguroatécobreisso.Euaindaestavahorrorizada.—Quemfezisso?Eleencolheuosombros.—Acho que foram uns pivetes. Fizeram a mesma coisa nuns carros no outro

quarteirãoontem.—Evocênãoachouquevaliaapenamecontar?—Não fazia ideiadequeviriamparacá também.Alémdisso, sabiaquevocê teria

umataqueeiaquererinstalarvigilânciavinteequatrohorasaqui.—Nãoémáideia.—Levanteiosolhosparaoprédio.—Vocêdeveriafalarcomo

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proprietáriosobreisso.Adriannãopareciatãopreocupadoquantodeveriaestar.—Nãoseiseeleaceitaria.Querdizer,essanãoéumaregiãomuitoperigosa.AponteiparaoMustang.—Entãocomoissofoiacontecer?EmborapudéssemosusaroPingadoparairatéLosAngeles,tivemosdeesperarofim

do trabalhodapolíciaedepoispedirumguincho.Fizquestãode falar aomotoristadoguinchoqueeramelhorelenãocausarnenhumarranhãonocarroe,então,observeicomtristeza enquanto o Mustang era rebocado para longe. Depois que o ponto amareloreluzentedesapareceunumaesquina,pergunteiparaAdrian:—Estáprontoparair?—Agentetemtemposuficiente?Olheiparaocelularesolteiumresmungo.Tínhamosgastadotempodemaislidando

comasconsequênciasdovandalismo.Apesardisso,euodiavaesperaratéodiaseguinte,considerandoquejátinhaperdidoodiaanteriorlidandocomMarcus.Ligueiparaasra.Terwilliger e perguntei se elame daria cobertura caso eu voltasse depois do toque derecolher.—Sim,sim,claro—eladisse,numtomquesugerianãoentenderporqueeutinha

medadoaotrabalhodeligar.—Falecomomáximodegarotasquepuder.A sra.Terwilliger havia me dado seis nomes. Já tínhamos avisadoWendy Stone.

Outrastrêsmoravamrelativamentepertoumadaoutraeeramnossoobjetivonaquelanoite.As duas últimas moravam perto da costa, e planejamos falar com elas no diaseguinte.Adrian tentou conversar comigo durante todo o trajeto, mas minha cabeçaaindaestavanoMustang.—Ai, meu Deus, sou uma idiota — eu disse quando estávamos perto do nosso

destino.— Nunca usaria esse termo para descrever você — ele disse prontamente. —

Articulada.Elegante. Inteligente.Organizada.Bonita.Usaria esses termos,masnunca“idiota”.Quase perguntei por que “bonita” vinha depois de “organizada”, mas então me

lembreidaminhaverdadeirapreocupação.—Nãoparo de pensar naquele carro enquanto a vida de garotas inocentes está em

risco.Souumaimbecil.Minhasprioridadesestãotodaserradas.Meus olhos estavam concentrados na estrada, mas pude perceber que ele estava

sorrindo.—Se suas prioridades realmente estivessem erradas, você teria seguido o guincho.

Masvocêestáaqui,indoajudarcompletasdesconhecidas.Issoéumacoisanobre,Sage.—Não se exclua dessa— eu disse.—Você está sendo bem nobre também, indo

nessasviagenscomigo.—Bom,nãoé amesmacoisaque jogarSkee-Ball,maséoqueposso fazer.Como

foi,aliás?Descobriualgumacoisa?

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— Sim, muitas… algumas bem inacreditáveis, na verdade. Mas ainda preciso deprovas.A sorte estava do nosso lado no começo.As duas primeiras meninas estavam em

casa,emboraareaçãodelastenhasidoparecidacomadeWendyStone.Dessavez,tiveocuidadodelevaroartigodejornalcomigo,comaesperançadecausarumaimpressãomaisforte.Aimagemmacabraasfezpararparapensar,massaísemsaberserealmentemelevariamasérioeusariamosamuletosdeágata.Nossa boa sorte acabou quando chegamos ao último nome. Ela também era uma

universitária, o que significava que visitaríamos outro campus. Seu nome era LynneTitus,emoravanarepúblicadeumafraternidade.Admitoque,enquantobatianaporta,estavacompletamentepreparadaparaencontrarumgrupodemeninasvestidasderosa,fazendo uma guerra de travesseiro na sala. Mas, quando nos deixaram entrar,encontramos uma casa organizada, não muito diferente do apartamento deWendy.Algumas meninas entravam e outras saíam, enquanto outras estavam sentadas comlivrosepapéis.—Lynne?—disseameninaqueabriuaporta.—Elaacaboudesair.Sabia que não deveria ficar surpresa.Aquelas meninas tinham suas próprias vidas.

Não estavam todas pacientemente esperando que eu chegasse e conversasse com elas.Preocupada,olheiparaumajanela,percebendoqueosolestavaprestesasepôr.—Temideiadequandoelavolta?—Não—ameninarespondeu.—Desculpe.Nãoseinemaondeelafoi.Adrianeeunosentreolhamos.—Vocêestálivredotoquederecolher—elemelembrou.—Eusei.Masnão significaquequeropassaranoite todaesperando.—Fizalguns

cálculosmentais.—Achoquepodemosficaraquialgumashoras.Três,nomáximo.Adrianpareceuadoraraideia,efiqueiemdúvidaseestavamaisanimadoporpassar

umtemponumcampus…ouporpassarumtempocomigo.— O que tem de divertido pra fazer aqui?— ele perguntou para nossa anfitriã,

observandoocalmoambienteacadêmicoaonossoredor.—Nenhumagrandefesta,né?Ameninalançouumolhardecensura.—Somosumafraternidademuitoséria.Seestãoprocurandofestas,comcertezatem

uma descendo a rua.Aquelasmeninas dão uma festa por noite.—Adrianme olhou,esperançoso.—Ah,sério?—eudisse.—Nãodápraprocurarummuseulegal?—Precisamos ficarporpertoparao casodeLynnevoltar—Adrian argumentou.

Algomediziaque,mesmosea festa fossedooutro ladodocampus,ele tambémteriainsistido.—Alémdisso, se quer tanto ir para a faculdade, precisa ver tudoo que elatemaoferecer.Enãoévocêquegostadecoisasgregas?Então,todasessasfraternidadestêmnomegrego.Definitivamente não era isso que eu tinha emmente, e ele sabia.Relutante, acabei

aceitando,maslogoaviseiqueelenãopoderiabeber.Euestavacomaperucamorenae

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imaginavaqueeleestivesseusandooespíritoparaaumentaraindamaismeudisfarce.Oálcooldiminuiriasuacapacidadedeusarmagia.Alémdomais,simplesmentenãoqueriaverAdrianbêbado.Foi fácil encontrar a casa onde ocorria a festa pela música vindo dela. Um casal

bebendocervejaemcoposdeplásticonosbarrounaporta.—A festa é só para fraternidades — a menina disse. Parecia prestes a cair do

banquinho.—Comquemvocêsestão?AponteivagamentenadireçãodafraternidadedeLynne.—Hum,comeles.— Ergo IamAlfa—Adrian disse, sem hesitar. Eu estava esperando que o casal

comentasse que algumas daquelas letras nem gregas eram.Mas, talvez porqueAdriantivessefaladocommuitaconfiançaouporqueelesjátinhambebidodemais,omeninofezsinalparaqueentrássemos.Eraquasecomovoltarparaofliperama—umaenchenteavassaladoradeestímulos.

Acasaestavalotadaebarulhenta;fumaçapairavanoareoálcoolestavaportodaparte.Muitas pessoas nos ofereceram bebidas, e umamenina nos convidou— três vezes—paraparticipardeumjogoestranhoqueenvolviaumabolinhadepingue-pongueecoposde cerveja, esquecendo que já tinha falado com a gente antes. Fiquei olhandoassombrada,tentandodisfarçararepulsa.— Que desperdício da mensalidade. Isso está arruinando todos os meus sonhos

universitários—griteiparaAdrian.—Temalgumacoisapra fazeralémdebeberouserbabaca?Eleexaminoua sala,conseguindoveralémporcausade suaaltura.Entãoabriuum

sorriso.—Aquilopareceinteressante.—Elesegurounaminhamão.—Venha.Numa cozinha surpreendentemente bonita e espaçosa, encontramos várias meninas

sentadasnochão,pintandocamisetas.Ajulgarpelotrabalhomalfeitoepelasmanchasdetinta,elastambémtinhambebido.Umameninatinhaumcopodecervejaaoladodeumcopoidênticodetinta,etorciparaquenãoconfundisseosdois.—Oqueestãofazendo?—perguntei.Umadasmeninaslevantouosolhosesorriu.—Camisetasparaofestivaldeinverno.Querajudar?Antesqueeupudessedizernão,Adrianjáestavaagachadoaoladodelas.—Claro.—Elepegouumacamisetabrancaeumpincelcomtintaazul.—Oque

estamospintando?—Otrabalhotoscodasmeninastornavaaperguntaválida.—Nossosnomes—umadelasrespondeu.—Coisasdeinverno—aoutracorrigiu.Isso bastou paraAdrian. Ele começou a pintar flocos de neve na camiseta. Sem

conseguirmeconter,meajoelheiparavermelhor.Apesardeseusdefeitos,Adrianeraum bom artista. Ele misturou algumas cores, pintando flocos de neve intricados eestilizados. Em determinado momento, parou para acender um cigarro de cravo,

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compartilhandoocinzeirocomumadasmeninas.Eraumhábitodequeeunãogostavamuito,mas, pelomenos, o resto da fumaça naquele lugar disfarçava a dele. Enquantoterminava e escrevia o nome da fraternidade, percebi que todas as outras meninastinhamparadoparaolhar.—Estálinda—disseumadelas,comosolhosarregalados.—Possoficarcomela?—Euquero—insistiuaoutra.—Voufazerumapracada—eleprometeu.Amaneiracomoelasoolhavameraum

lembrete incômodo da longa experiência dele commulheres.Me aproximei umpoucomais,paraqueelasnãopensassembesteira.Eledeuacamisetabrancaparaaprimeirameninaeentãocomeçouatrabalharnuma

azul. Depois que cumpriu sua promessa para cada uma delas, remexeu na pilha decamisetasatéencontrarumapretamasculina.—Precisoprestarhomenagemàminhafraternidade.—Claro—ironizei.—ErgoIamAlfa.Adrianassentiu,solene.—Umgrupodemuitatradiçãoeprestígio.—Nuncaouvifalardeles—disseameninaquepegouaprimeiracamiseta.—Elesnãodeixammuitagenteentrar—elecomentou.Comtintabranca,escreveu

asiniciaisdasuafraternidadedementira:EIA.—Nãoéissoqueosmarinheirosfalam?—perguntouumaoutra.— É que os IamAlfa têm origens náuticas— ele explicou. Para o meu espanto,

começouapintarumesqueletopiratanumamotocicleta.—Ah,não—resmunguei.—Nãoatatuagem.—Éonosso símbolo—eledisse.Certavez, tivemosde investigarumestúdiode

tatuageme,paradistrairodono,Adriantinhaentradoefingidoestarinteressadonumatatuagem que se parecia muito com o que estava desenhando agora. Quer dizer, euachavaqueeleestivessefingindo.—Nãoédahora?“Da hora” não era a expressão que eu usaria, mas, apesar de ser uma imagem

ridícula, ele realmente fez um belo trabalho. Sentei, abraçando os joelhos e merecostandonaparede.Ele logoparou comas piadas e ficou completamente absortonotrabalho,pintandoosossosdoesqueletometiculosamente, assimcomoosdoesqueletodepapagaionoombrodopersonagem.Fiqueiolhandoparaseurostoenquantopintava,fascinada pelo brilho em seus olhos.A arte era uma das poucas coisas que pareciamancorá-lonomundoetirá-lodaescuridãoquehaviadentrodele.Elepareciabrilharcomuma luz interior que realçava ainda mais seu rosto já bonito. Era mais um daquelesvislumbresrarosetocantesdanaturezaintensaepassionalquehaviaportrásdaspiadasquevivia fazendo.Essanatureza aparecia coma arte, ehavia aparecidoquandoelemebeijou.Derepente,Adrianolhouparamim.Nossosolharessecruzaram,esenticomoseele

pudesse ler minha mente. Com que frequência ele pensava naquele beijo? E, se erarealmente louco pormim, será que imaginava outras coisas além de beijos? Será que

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fantasiavacomigo?Emquetipodecoisaspensava?Seuslábiosnomeupescoço?Suamãonaminhaperna?Essapernaestavanua…?Fiquei com medo de que meus olhos me traíssem e desviei o olhar rápido.

Desesperada,procureialgumcomentárioengraçadinhoeimpessoal.—Nãoseesqueçadoninjaatirandoshurikens.—Claro.—Pude sentir o olhar deAdrian emmim pormais algunsmomentos.

Havia algo de tangível nele, um calor que me envolvia. Não voltei a olhar até tercerteza de que sua atenção estava de volta na camiseta. Ele acrescentou os shurikens eentãoseafastou,triunfante.—Bemlegal,né?—Nadamal—respondi.Naverdade,estavaincrível.— Quer uma também? — Ele sorriu de uma maneira que reacendeu aqueles

sentimentoscalorosos.Nãoconseguinãoretribuirosorriso.—Nãotemostempo—conseguidizer.—PrecisamosverseLynnejávoltou.—Façorapidinho.—Nadadepirata—adverti.Eleencontrouumapequenacamisetaroxaecomeçoua

pintá-la.—Roxa?— É a sua cor — ele insistiu. Essas palavras me deram um calafrio. Adrian

conseguiaenxergaraauradaspessoas,uma luzqueascercavaequeestava relacionadacomapersonalidadedelas.Elemedisseraqueaminhaeraamarela,umacorcomumatodosos intelectuais.Maseu tambémtinha tonsderoxo,oque indicavaumanaturezapassionaleespiritual.Nãoeramqualidadesqueeucostumavaacharquepossuía…mas,àsvezes,bemquegostariadetê-las.Observei, fascinada, enquanto elepintavaumgrande coraçãoprateado comchamas

deumlado.Todoodesenhoeraemestilocelta.Eralindo.— De onde tirou isso? — perguntei, maravilhada. Já tinha visto boa parte dos

trabalhosdele,masnuncaalgocomoaquilo.Seusolhosestavamcravadosnocoração,completamenteabsorvidosnotrabalho.— Só uma coisa que me passou pela cabeça. Me lembra você. Doce e ardente ao

mesmotempo.Umachamanaescuridão, iluminandomeucaminho.—Aquelavoz…aquelas palavras.Reconheci um de seusmomentosmovidos pelo espírito.Deveria terme incomodado,mas havia algo de sensual namaneira como ele falava, algo quemefaziaperderoar.Umachamanaescuridão.Eletrocouopincelprateadoporumpreto.E,antesqueeupudesseimpedir,escreveu

nocoração:EIA.Eabaixo,emletrasmenores:membrahonorária.—Oque você está fazendo?—gritei.O encanto havia se partido.—Estragou a

camiseta!Adriansevoltouparamimcomumolharmalandro.—Penseiqueficarialisonjeadaemseraceitacomomembrahonorária.—Comofaçoparaentrar?—umadasmeninasperguntou.Apesar da minha indignação, peguei a camiseta quando ele a estendeu. Ergui com

cuidadoparanãoestragarapintura.Apesardaspalavrasridículas,ocoraçãoemchamas

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ainda era espetacular. Ele se destacava, e não conseguia parar de admirá-lo. Comoalguém tão irreverente conseguia criar algo tão bonito? Quando finalmente voltei alevantarosolhos,deidecaracomAdrianmeobservando.Aqueletransedeantestomoucontademim,enãoconseguimemover.—Vocênãopintounada—eledissebaixinho.—Minhacriatividadeénula—eudisse.—Todomundotemumpoucodecriatividade—eleinsistiu.Entãomeentregouo

pincelprateadoeseencostounaparedetambém.Nossosbraçosepernassetocaram.Elepôs sua camiseta preta daEIA no colo.—Vai.Acrescente alguma coisa. Qualquercoisa.Fizquenãoemprotestoetenteidevolveropincel.—Nãoseidesenharnempintar.Vouestragartudo.—Sydney.—Ele colocouopincel de volta naminhamão.—Éumesqueletode

pirata,nãoaMonalisa.Vocênãovaidiminuirovalordele.Talvezfosseocaso,maseradifícil imaginaroqueeupoderiaacrescentaràquilo.Eu

sabiafazermuitascoisas,maspintardefinitivamentenãoeraumadelas,aindamaisemcomparação ao talento dele.No entanto, algo em seu olharmemotivou e, depois depensar muito, fiz o melhor que pude para desenhar uma gravata no pescoço doesqueleto.Adrianfranziuatesta.—Éumacorda?—Éumagravata!—esbravejei,tentandonãomesentirofendida.Eleriu,visivelmentesedivertindo.—Desculpe.— Ele pode ir a uma reunião executiva agora— acrescentei, achando necessário

defendermeutrabalho.—Estámuitoelegante.Adrianpareceugostaraindamais.—Claroquesim.Eleganteeperigoso.—Partedeseubomhumorfoidiminuindo,

eeleficoupensativoenquantomeexaminavalongamente.—Igualavocê.Tinha estado tão preocupada como desafio artístico que, até aquelemomento, não

havia percebido o quanto ele se aproximara de mim. De repente, vários detalhesentraramemfoco.Oformatodosseuslábios,alinhadoseupescoço.—Nãosouperigosa—murmurei.Eleaproximouorostodomeu.—Paramim,é.E, de algummodo, contrariando toda a lógica, nos beijamos. Fechei os olhos, e o

mundoaonosso redordesapareceu.Obarulho, a fumaça…tudo sumiu.Aúnica coisaque importavaerao sabordabocadele,ummistodecravoementa.Haviaumardorem seu beijo, um desespero… que retribuí, com a mesma ansiedade. Não o impediquando eleme puxou aindamais para perto, quase indo parar no colo dele.Ninguémnunca tinha me abraçado daquele jeito, e fiquei surpresa com a avidez com que meucorporespondeu.Seubraçoenvolveuminhacintura,mepuxandoaindamaisparaperto,

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e suaoutramãodesceupelaminhanuca, se emaranhandonomeu cabelo.Por incrívelquepareça,aperucacontinuouno lugar.Eletirouos lábiosdosmeusecomeçouadarbeijossuavespelomeupescoço.Inclineiacabeçaparatrás,perdendoofôlegoquandoabocadeleretomoua intensidade.Haviaumcaráterselvagemnaquelebeijoqueenviavaondas elétricas por todo o meu corpo. Uma voz alquimista me advertiu que eraexatamente assim que os vampiros se alimentavam, mas eu não estava com medo.Adriannãomemachucaria,eeuprecisavasabera forçacomqueelepoderiamebeijare…—Ai,meuDeus!Adrianeeunos separamoscomose tivessem jogadoumbaldedeágua friaemnós,

embora nossas pernas continuassem entrelaçadas. Olhei ao redor em pânico, quaseesperandoverStantonnosobservando,indignada.Emvezdisso,levanteiosolhoseviorostoapavoradodeumagarotadesconhecida.Elanemestavaolhandoparanós.—Vocês não vão acreditar noque aconteceu!—ela gritou, se dirigindo às outras

artistas. Ela apontou vagamente para trás. — Um pouco adiante na rua da Capa,encontraramumameninainconsciente.Elesnãoconseguemacordaracoitada.Nãoseioqueaconteceu,masparecequeelafoiatacada.Tematépolícialánafrente.Adrian e eu nos entreolhamos por um instante, atordoados. Então, sem dizer uma

palavra, nos levantamos. Ele segurou minha mão para me estabilizar até que minhaspernas trêmulas recuperassem a força. Estou fraca por causa da notícia, disse a mimmesma.Nãoporqueestavaficandocomumvampiro.Masoperigo e a embriaguezdaqueles beijos desapareceramquase instantaneamente

quandovoltamosà fraternidadedeLynne.Haviapessoasapavoradaspor todo lado,easegurança do campus ficava entrando e saindo, o que permitiu que entrássemos pelaportaaberta.—Oqueaconteceu?—pergunteiparaumameninamorenaaliperto.— Lynne…— ela disse, mordendo os lábios.—Acabaram de encontrá-la num

auditóriovazio.Algoemseutomdevozmedeixouapreensiva.—Elaestáviva?Elaassentiu.— Acho que sim, mas dizem que tem alguma coisa muito errada. Ela está

inconscienteeparece…seilá…velha.Me virei paraAdrian e percebi vagamente que ele estava com tinta prateada no

cabelo.Euaindaestavacomopincelnamãoquandooabraçara.—Saco—elemurmurou.—Tardedemais.Euqueria gritarde frustração.Estivéramos tãopertode avisá-la.Disseramqueela

havia saídopouco antes de chegarmos.E se tivéssemos chegado antes?E se tivéssemosvisitado Lynne antes das outras duas? Eu tinha escolhido a ordem ao acaso. Pior: e setivéssemosconseguidoencontrá-laemvezdeficarbrincandodepinturacomasmeninasbêbadasdafraternidade?

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EseeunãotivessebeijadoAdrian?Ou,talvez,tinhasidoelequemtinhamebeijado.Dequalquermodo,eunãotinhaexatamenteresistido.No entanto, quanto mais eu descobria, mais improváveis pareciam as chances de

termosconseguidoalgumacoisainvestigandonacasadeLynne.Ninguémsabiaaondeelahavia ido.Sóumapessoaatinhavistosair,umameninadecabelo loiroeencaracoladoquefrustrouapolíciadocampuscomrespostasvagas.—Desculpe—ela ficavarepetindo.—Nãoconsigo…nãoconsigomelembrarda

meninacomquemelasaiu.—Nada?—umdospoliciaisperguntou.—Altura?Idade?Cordocabelo?Ameninafranziuatesta,comosefizesseomaioresforçomentalpossível.Porfim,

desistiu,comumaexpressãoderrotada,emeneouacabeça.—Desculpe,masnãolembro.—Elatinhacabelopreto?—sugeri.Ameninaentreabriuumsorriso.—Talvez.Não,espere.Achoqueeracastanho.Não.Ruivo,talvez?Adrianeeunosafastamos,sabendoquenãohaviamaisnadaquepudéssemosfazer.—Aquela menina parece muito confusa— eu disse enquanto voltávamos para o

carro.—Semdúvida—eleconcordou.—Parecefamiliar?—Muito—murmurei,reconhecendoossinaisdemagia.Ninguém poderia negar.Veronica passara por ali. E nós tínhamos chegado tarde

demaisparadetê-la.

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12

Eumesentiumfracassoquando,nodia seguinte,deianotíciaà sra.Terwilligerantesdeasaulascomeçarem.Comosemblantepálidoecarregado,eladissequenãohavianadaqueeupudesseter

feito.Mas eu não sabia se deveria acreditar nisso.Continuavame angustiando com asmesmasdúvidasdanoiteanterior.EseeunãotivessepassadoooutrodiacomMarcus?EsenãotivesseperdidotantotempogarantindoqueoMustangfossebemtratado?Esenão tivessemeenvolvidonuma intensademonstraçãopúblicade afeto comAdrian?Eutinha deixado minhas questões pessoais interferirem no trabalho e uma garota pagaracomaprópriavida.Queria faltarnaaulaeavisarasoutras imediatamente,masasra.TerwilligermegarantiuqueVeronicanãoconseguiriaatacartãocedo.Elamedissequenãohaviamalemesperaratéatarde.Concordei, relutante, evolteipara aminhacarteira,pensandoem ler algumacoisa

antesdocomeçodaaula.Nãoachavaqueconseguiria.—Srta.Melbourne?—elachamou.Levanteiosolhoseviqueaexpressãotristedela

havia se iluminado um pouco. Ela parecia achar graça em alguma coisa, o que eraestranho,considerandoascircunstâncias.—Sim?—Talvezsejabomfazeralgumacoisacomoseupescoço.Nãoentendinada.—Meupescoço?Elaenfiouamãonabolsaemeentregouumespelhinho.Abrieanaliseimeupescoço,

ainda tentando entender do que ela estava falando. Então eu vi.Uma pequenamancharoxaavermelhadanalateraldopescoço.—Oqueéisso?—exclamei.Asra.Terwilligerriu.— Embora ninguém me dê um faz tempo, se não me engano é conhecido como

“chupão”.—Elafezumapausaearqueouasobrancelha.—Issovocêsabeoqueé,não?

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—Claro que sei!— Fechei o espelho.—Mas não tem como… quer dizer, nósmal…Elaergueuamãoparamecalar.— Não precisa justificar sua vida pessoal pra mim. Mas, nos próximos quinze

minutos,talvezqueiradarumjeitodemanterissoemsegredo.Eujáestavaempéquandoelaterminouafrase.Quandosaídoprédio,tiveaincrível

sortedeencontrarocirculardocampusparadobemnafrente.Corriatéelee,apesardeo caminho até o alojamento demorar só alguns minutos, parecia uma eternidade.Durantetodoessetempo,minhamentefervilhavacomoquehaviaacontecido.Estoucomumchupão.DeixeiAdrianIvashkovmedarumchupão.Como tinha deixado isso acontecer?A notícia devastadora sobre Lynne tinha feito

comqueeu ignorasseo impactodaquele lapso,masnãohaviamais como fugirdoquetinha acontecido. Contra todos os meus princípios, me deixei envolver nos beijos deAdrian. E não só nos beijos. Pensar na maneira como nossos corpos tinham sepressionadoumcontraooutromedeixavatãovermelhaquantonanoiteanterior.Não, não, não! Não podia pensar nisso. Devia esquecer que tinha acontecido.

Precisava garantir quenunca voltasse a acontecer.Oque tinha dado emmim?Eunãocorrespondia ao sentimento dele. Adrian era um Moroi. E, mesmo se não fosse,definitivamentenãoeraocaramaisadequadoparamim.Euprecisavadealguémsério,alguém com potencial de conseguir um emprego com plano de saúde.Alguém comoBrayden.É,eonamorodevocêsdeumuitocerto,né,Sydney?OqueaconteceracomAdriantinhasidoumerro.Claramenteumatopervertidode

luxúria, talvez incentivado pelo fato de ele ser tão proibido para mim. Só isso.Asmulheresgostavamdessetipodecoisa.Quandopesquisarasobrerelacionamentos,tinhavistoumlivroquesechamava Badboyseasmulheresqueseapaixonamporeles .Euohavia ignorado porque Brayden era praticamente o oposto de um badboy,mas talvezvalesseapenacomprá-loagora.Uma chama na escuridão. Eu precisava esquecer queAdrian tinha me chamado

assim.Tinhadeesquecer.Faltavamaisumminutoparachegaraoalojamento,entãomandeiumamensagemde

textorápidaparaAdrian: Estoucomumchupão!Vocêestáproibidodebeijardenovo .Sinceramente,nãoesperavaqueeleestivesseacordadoàquelahoradamanhã,então foiumasurpresareceberaresposta:Tudobem.Nãovoumaisbeijarseupescoço.Típico.Não!VocênuncamaisvaimebeijarEMLUGARNENHUM.Vocêdisseque

manteriadistância.Estoutentando,elerespondeu.Masévocêquenãomantémdistânciademim.Nãoacheiqueissomereciaumaresposta.Quandochegueiaoalojamento,pergunteiàmotoristaquantotempoelaesperariaaté

voltarparaocampuscentral.

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—Vousairagoramesmo—elarespondeu.—Porfavor—implorei.—Espereumminutinho.Eupago.Elapareceuofendida.—Nãoaceitosuborno.Mas,quandovoltei correndododormitório,usandoumagola rolê,ela aindaestava

lá.Conseguientrarnasaladasra.Terwilligernomesmoinstanteemqueosinaltocava.Elamelançouumolhardequemsabedascoisas,masnãodissenadasobreminhatrocaderoupa.Durante a aula, recebi uma mensagem de Marcus. Pode nos encontrar hoje? San

Bernardino,às16h.Bom,eletinhaavisadoqueseriaemcimadahora.SanBernardinoficavaaumahora

de viagem. Eu tinha falado com Eddie que o encontro seria naquela semana, e eleaceitara me acompanhar. Só torci para que não tivesse nada planejado naquela tarde.Respondiamensagemdizendoqueiríamos,eMarcusmeenviouoendereço.Depoisdaauladehistória,umameninadaauladeinglêsmechamouparaperguntar

se podia pegarmeu caderno emprestadoporque tinha faltadonodia anterior.Eddie játinha saído quando terminei de falar com ela, então só consegui perguntar sobre SanBernardinonahoradoalmoço.—Claro—eledisse,assumindoaposturarígidadeguardião.JilljásabiasobreaviagemporqueeuhaviacontadoaAdrian.Mesentiumpoucomal

por tirar Eddie dela. Na verdade, muito mal. Ficar sem Eddie era um risco grave,embora eu tivesse consciência de que ele nem sempre passava todos os segundos pertoela.Àsvezeseraimpossível,eporissohavíamosconvocadoAngeline.Mesmoassim,sealgum alquimista descobrisse que eu estava usando o principal guarda-costas dela paraviagens pessoais, eu estaria numa fria.Quer dizer, era provável que já estivesse numafria mesmo sem isso, considerando que estava indo me encontrar com um grupo derebeldes. Virei para Angeline, que estava tentando decifrar umas anotações sobreequaçõesdesegundograu.—Angeline, você precisa ficar com Jill até a gente voltar— eu disse.— E não

saiamdoalojamento,sóporsegurança.Nãofiquempasseandopelocampus.Jillfezquesim,masAngelinelevantouosolhos,consternada.—TenhoqueencontrarTreypraestudar.Comovocêquerqueeupasse?Eunãoconseguiaresistiraumargumentoacadêmico.—Estudemnosaguãodoalojamento.Ésegurolá.Jillpodeficarfazendoostrabalhos

delacomvocês.Angeline não pareceu inteiramente satisfeita com a alternativa, mas não voltou a

protestar.Elafezmençãodevoltarparaocadernoeentãoolhoudenovoparamim.—Porquevocêestácomessablusa?—elaperguntou.—Estácalorhoje.—Era

verdade.Astemperaturasquentesforadeépocahaviamvoltado.Paraminhasurpresa,Eddieconcordoucomela.—Estavapensandoamesmacoisa.

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—Ah,hum…— Por favor,não fiquevermelha,não fiquevermelha ,pedi amimmesma.—Sóestoucomfriohoje.— Que estranho— Jill disse, completamente inexpressiva. — Para alguém que

costumasertãofria,atéquevocêconsegueesquentarbemrapidinho.EraumafrasetípicadeAdrian.Jillsabiaperfeitamenteporqueeuestavacomagola

rolê, e lancei um olhar de recriminação para ela. Eddie e Angeline pareciamcompletamente confusos. Levantei, apesar demal ter tocado na comida. Isso ninguémestranharia.—Bom,precisoir.Encontrovocêdepois,Eddie.—Saíapressadaantesquealguém

pudessemequestionarmais.EstavaumpoucohesitanteemdeixarEddieconhecerMarcus.Eddiecertamentenãoo

denunciaria — e com certeza nãome denunciaria — para os alquimistas porconspiração.Ainda assim, não queria que Eddie pensasse que os alquimistas estavamenvolvidosemesquemasperversos contraosMoroi.Elepoderiamuitobemrepassar ainformação ao seu grupo, o que, por sua vez, poderia causar inúmeros problemasdiplomáticos.Amerasuspeitadequeosalquimistaspudessemestaremcontatocomosguerreiros era perigosa.Mas decidi que ter Eddie como proteção valia o risco de eleouvir algoquenãodevesseouvir.Ele erameu amigo, e eu confiavanele.Noentanto,preciseidaralgumasinformaçõesbásicasduranteotrajetoparaSanBernardino.—Quemsãoexatamenteessaspessoas?—eleperguntou.—Ex-alquimistas—eudisse.—Elesnãogostamde todososprocedimentos eda

burocracia.QuereminteragircomosMoroiedampirosàsuamaneira.—Nãoparecetãomau.—Eupodianotaracautelaemsuavoz.Eddienãoerabobo.

—Porquequisqueeufossecomvocê?—Nãoseimuitosobreeles,sóisso.Achoquetêmboasintenções,masvamosver.

—Escolhiaspalavrasseguintescomcuidado.Nãopodiadeixardeavisá-lo.—Elestêmmuitas teorias conspiratórias.Alguns até…hum…achamque pode haver alquimistastrabalhandocomosguerreiros.—Oquê?—Foiumasurpresaoqueixodelenãotercaído.— Eles não têm nenhuma prova concreta — acrescentei rápido. —Tem uma

guerreiraqueespionaparaeles.Elaachaqueouviualgumacoisa…mastudomeparecemeio estranho ainda. Eles querem que eu ajude a investigar,mas não acho que existamesmo algo do tipo.Quer dizer, os alquimistas ajudaram a arquitetar a invasão, nãofoi?Deterumaexecuçãoritualísticanãoajudariamuitoapromoverasrelaçõesentreosgrupos.—Nãomesmo—eleadmitiu,masficouclaroquenãoestavatotalmenteàvontade.Decidi passar para um assuntomais seguro.Não tinha por queme preocupar com

MarcuseosoutrosVingadores(nãoconseguiatirardacabeçaonomequeAdriantinhadado)atéouviroqueelestinhamadizer.—Comovãoas coisas?—perguntei.—ComAngeline?E Jill?Estou tãoocupada

com,hum,outrascoisasqueachoquenãoestamosconversandodireito.

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Eledemoroupararesponder.—Tudo calmo com Jill, o que é bom. Queremos que as coisas fiquem o mais

paradaspossívelpraela.AsituaçãocomMicahmelhoroutambém.Muitosamigosdelenão falavammais com ela depois do término.Mas ele superou bem e agora eles estãoamigos…então,osoutrosacharamquetambémpodiamsereaproximar.—Quealívio.Quando chegamos aAmberwood, Jill tivera problemas para se adaptar. Namorar

Micah abrira vários círculos sociais para ela, e eu estava com medo do que poderiaaconteceragoraqueelestinhamterminado.Ascoisashaviampioradoquandoeuaproibidemodelarparaumaestilistateimosa,LiaDiStefano,quearriscouexpô-la.ParaJill,foicomo se tivesse perdido tudo que conquistara, por isso fiquei contente ao saber que ascoisasestavamvoltandoadarcertoparaela.—ÉfácilgostardaJill—acrescentei.—Apostoqueamaioriadelesestáfelizpor

continuaramigodela.— Pois é. — Foi tudo o que ele disse, mas havia muitas emoções nessas duas

palavras.Mevolteiparaeleeencontreiumolharsonhadoremseurosto.MicahpoderiatersuperadoJill,masEddienão.Fiqueimeperguntandoseelemesmosabiadisso.—ComoestáAngeline?Oolharsonhadorsedesfezeelefranziuatesta.—Confusa.Euri.—Comosempre.— Ela vai de um extremo a outro. Quando começamos a sair, ela, hum, não

conseguia desgrudar demim.—Não sabia exatamente o que isso queria dizer, e nãoqueria pensarmuito a respeito.—Agoramal consigo um tempinhopra ficar sozinhocomela.Elacomeçouajogarbasqueteporalgummotivo.Achoqueestámeiofascinadapelojogotertantasregras,comparadoàsinsanidadesqueosConservadoresfazemprasedivertir. E está realmente dedicada a melhorar aquela nota de matemática também.Acho que isso é bom. — Ele não parecia ter tanta certeza. Já eu fiquei mais quesatisfeita.—Achoqueapossibilidadedeserexpulsarealmenteadeixoucommedo.Apesarde

toda a dificuldade pra se adaptar aqui,Angeline não quer voltar pra casa.—QuandoRose estava fugindo, eu a escondi com Dimitri entre os Conservadores. Foi lá queconheciAngelinee,mesmonaquelaépoca,ela tinha imploradoparaqueRosea tirassedaquele mundo rural. — Dê um tempo pra ela. Isso vai se resolver e o… hum…entusiasmodelavaivoltar.Chegamos ao endereço em San Bernardino, uma loja de ferragens que parecia um

localestranhoparaumareuniãosecreta.PareiocarronoestacionamentoemandeiumamensagemparaMarcusdizendoqueestávamoslá.Nãohouveresposta.—Queestranho—eudisse.—Tomaraqueelenãotenhamudadodeideia.Eddietinhadeixadoseusproblemasamorososdeladoeestavacomaqueleolharalerta

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deguardião.—Apostoqueestamossendoobservados.Seelessãotãoparanoicosquantovocêdiz,

a reunião não deve ser aqui. Elesmandaram você vir pra cá e estão procurando sinaisparaversefomosseguidos.Olheiparaele,admirada.—Nuncateriapensadonumacoisadessas.—Éporissoquevimtambém—eledisse,comumsorriso.Dito e feito. Dezminutos depois,Marcus memandou umamensagem com outro

endereço.Pelojeito,tínhamospassadonoteste.Onovolocaleraoutrolugarbarulhentoemovimentado:umrestaurante familiarcomatoresandandodeum ladoparaooutroemfantasiasdeanimaisgigantes.Eraaindamaisabsurdoqueofliperama,seéqueissoerapossível.—Elesempreescolheoslugaresmaisestranhos—comentei.Eddieestavaolhandoaoredor.—Égenial,naverdade.Barulhentodemaisparaalguémouvir.Umasaídanafrente

e outra nos fundos. E, se os alquimistas aparecessem, imagino que não fariam umescândalodiantedetantascrianças,fariam?—Achoquenão.Marcusnosencontrounaentradaenoschamoucomumgesto.—Oi, linda.Venha, temosumamesa.—EleparouparaapertaramãodeEddie.

—Prazer.Ésemprebomganharreforçosparaacausa.Eunão sabiaaocertooqueesperardosVingadores.Talvezumbandoderenegados

brutos, com cicatrizes de batalha e tapa-olho, comoWolfe. Em vez disso, o queencontramosfoiumcasaldividindoumpratodenuggets.Elestinhamlíriosdouradosnabochecha.Marcusnoslevouatéduascadeiras.—Sydney,Eddie.EstessãoAmeliaeWade.Noscumprimentamos.—Sabrinanãoestácomvocês?—perguntei.—Ah,elaestáaqui,sim—Marcusdisse,emumtomenigmático.Entendi a indireta e olhei ao redor. Eu não era a única que tinha levado proteção.

Sabrina estava escondida em algum lugar no meio da multidão, à espreita.Talvezvestindoumafantasiadeanimal.Fiqueimeperguntandoseelaterialevadoaarmaparaumlugarcomoaquele.Amelianosofereceuacomida.—Queremumpouco?Agentepediuumaporçãodequeijotambém.Recusei.Apesar da minha decisão de comer mais, frituras ainda estavam fora de

questão.—Vamosaoqueinteressa—eudisse.—Vocêsiammecontarsobreastatuagense

essatarefamisteriosaquetêmparamim.Waderiu.

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—Elajáquerpôramãonamassa.—Éaminhagarota—Marcusdisse,maseracomoseeledissesse: Épor issoque

precisamos dela para a causa. Ele esperou até que uma garçonete vestida de gatotrouxesse a porção de queijo e anotasse nossos pedidos. Pelomenos imaginei que fosseumagarçonete.Eradifícildefinirogêneroportrásdafantasia.—O processo da tatuagem é simples—Marcus disse, depois que a garçonete se

afastou.—FaleipravocêqueosalquimistasconseguemcolocarcompulsãoMoroinela,certo?Paralimitaracomunicação…entreoutrascoisas,senecessário.Eu ainda não sabia se deveria acreditar na ideia de controle mental através das

tatuagens,masdeixeiqueelecontinuasse.— Quando os Moroi ajudam a fazer a tinta com o sangue, os usuários de terra

colocamacompulsãoqueevitaque falemossobrevampiros.Amagiade terraestáemharmonia com os outros três elementos: ar, água e fogo. Essa harmonia dá poder àtatuagem. Então se você conseguir um pouco de tintamágica e pedir para umMoroidesfazeramagiadeterranela,issodestróiolaçocomosoutroselementoseacabacomqualquercompulsãoládentro.Ésóinjetaressatinta“rompida”natatuagemqueelavaiquebraraharmoniadosoutroselementostambém,oque,porsuavez,destróitodasasoutrascoerçõesqueosalquimistaspossamtercolocadonela.Eddieeeuficamosolhando.—É“só”issoqueeuprecisofazer?—perguntei,incrédula.—Émais fácil do que parece—Amelia disse.—Aparte difícil…Bom,Marcus

acrescentououtraetapaaoprocesso.Nãoéestritamentenecessária…masajuda.Estávamosalihaviadezminutos,eeujáestavacomdordecabeça.—Vocêdecidiuimprovisarumpouco?A risada queMarcus soltou era contagiante como sempre…exceto que,mais uma

vez, a situação não era muito engraçada. Ele fez uma pausa, parecendo esperar queríssemostambém.Quandonãorimos,retomouaexplicação.— É um ponto de vista. MasAmelia está certa: ajuda.Antes de deixar qualquer

pessoa romper a tatuagem, peço que realizem uma tarefa. Uma tarefa que vádiretamentecontraosalquimistas.Eddienãoconseguiumaisseconter.—Comoumritualdeiniciação?—Maisdoqueisso—Marcusrespondeu.—Tenhoumateoriadeque,aofazeralgo

assim,quedesafietodootreinamentoquevocêteve,acompulsãoenfraqueceumpouco.Normalmenteatarefaenvolveinfiltraçãoeajudaacausa.Esseenfraquecimentoajudaanova tinta a surtir efeito.Além disso, é um bom teste. Desativar a tatuagem nãosignifica que você esteja pronta pra sair.Não desfaz anos de condicionamentomental.Tento encontrar pessoas que se consideram prontas pra se rebelar, mas, às vezes, nahoraH,elasdãoparatrás.Melhordescobrirantesdemexernatatuagem.MevireiparaAmeliaeWade.—E vocês dois fizeram isso?Cumpriramumdesafio e então suas tatuagens foram

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desativadas?Osdoisassentiram.— Só precisamos selar com o azul agora. —Ao notar minha confusão,Wade

explicou: — Mesmo depois de romper os elementos, a tatuagem ainda pode serretocada.Alguémpoderiafazerissoàforçaecompelirvocê.Tatuaremcimacomtintaazulgarantequevocênuncavolteasercontrolado.—Eeuaquiachandoqueasuaerasóumaescolhaestética—eudisseaMarcus.Eletocoudistraidamenteasmeias-luas.—Ah,odesenhoé.Masatintaéobrigatória.Éumamisturaespecialbemdifícilde

conseguir;sóconheçoumcaranoMéxicoquefaz.VoulevarAmeliaeWadeparalánaspróximassemanas,praselaradeles.Vocêpodeircomagente.Ignoreiasugestãomaluca.—Essa tinta azul não deixameio óbvio para os alquimistas que alguma coisa está

acontecendo?—Ah,jásaímosdosalquimistas—Ameliadisse.—Nãoestamosmaiscomeles.Maisumavez,Eddieentrounaconversa.—Masvocês acabaramde falar sobre infiltração.Porquenãocontinuar realizando

missões secretas depois que os elementos estiverem rompidos?Ainda mais se isso jábastapara libertarvocês?Suas tatuagensestão iguais àsdaSydneyagora.Se realmenteacham que tem alguma coisa suspeita acontecendo, por que não trabalhar de dentro eesperarparaselaratatuagem?—Muitoarriscado—Marcusrespondeu.—Apessoapoderiacometerumdeslizee

dizeralgoqueatatuagemnãodeixariaantes.Ou,senãotomassecuidado,elespoderiamvê-la indo encontrar os outros. Então a mandariam para a reeducação, ondeconsertariamatatuagem.—Pramimparecequevalecorreresseriscopraconseguirmaisinformações—eu

disse.—Seapessoatomarcuidado…Marcusfezquenão,semobomhumordesempre.—Conheço pessoas que tentaram. Elas achavam que ninguém estava desconfiando

delas,eestavamerradas.Nãovamosmaiscometeresseerro.—Eletocouatatuagemde novo.— É assim que fazemos as coisas agora.Você completa a missão, rompe atatuagem,saidosalquimistaseselaatatuagem.Depois,trabalhamosdefora.Tambémnospoupaaperdadetempocomostrabalhinhosrotineirosdosalquimistas.—Entãoexistemoutros?—perguntei,entendendooqueelehaviainsinuado.—Claro.—Eleretomouobomhumor.—Vocênãoachouqueéramossónóstrês,

achou?Parafalaraverdade,eunãofaziaideia.— Então é isso que está me oferecendo: uma promessa duvidosa sobre a minha

tatuagem,massóseeucometerumatraiçãozinhaporvocês.—Estou oferecendo sua liberdade—Marcus corrigiu.—E a chance de ajudar os

Moroieosdampirossemfazerpartedenenhumaconspiração.Doseuprópriojeito.

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Eddieeeunosentreolhamos.—Porfalaremconspiração—eudisse—,agoravocêspoderiammecontarsobre

essasupostaconexãoentrealquimistaseguerreiros…aquelaquevocêsprecisamqueeuprove.Otrionempercebeuosarcasmo,detãoempolgados.—Exato—Marcusdisse.—Contepraela,Wade.Wadeterminoudecomerum nuggetcobertocommolhorancheentãosedebruçou

sobreamesa.— Pouco antes deme juntar aMarcus, fuimandado para a base de St. Louis. Eu

trabalhavanasoperações,cuidandodoacessodevisitantes, fazendotours…nadamuitointeressante.Assenti. Pelomenos aquilome era familiar. Fazer parte dos alquimistas significava

cumprir todo tipo de função. Às vezes, isso implicava destruir corpos de Strigoi. Àsvezes,fazercaféparasupervisoresemvisita.Tudoemproldacausamaior.—Vimuitascoisas.Querdizer,vocêdeveimaginar.—Elepareceuconturbado.—

Asposturasseveras.Asregrasrígidas.AlgunsMoroivisitavam,sabe.Eugostavadeles.Ficava feliz por estarmos ajudando, apesar de todomundo aomeu redor agir como seajudar criaturas tão “malignas” fosse um destino terrível que éramos obrigados acumprir.Euaceitavaporquepensavaquenosdiziamaverdade.Enfim,certasemana…juro,houve ataquesdeStrigoi semparar em todoopaís.Acontece às vezes, sabe.Osguardiões mataram a maioria deles, e os alquimistas em campo estavam ocupadosacobertando tudo. Embora quase tudo estivesse resolvido, fiquei me perguntando porque sempre lidávamos só com as consequências se tínhamos tantos recursos.Tipo, eunão achava que deveríamos perseguir os Strigoi, mas deveria haver uma maneira deajudar osMoroi e guardiões a seremmais proativos. Então…mencionei isso aomeusupervisor.Marcus eAmelia estavam com expressões profundamente sinceras, e até eu estava

curiosa.—Oqueaconteceu?—pergunteibaixinho.OolhardeWadepareciavoltadoparaopassado.—Fuimuito repreendido.Meus superiores ficavam repetindo semparar como era

erradoterideiascomoessasobreosMoroi,quediráfalaressetipodecoisaemvozalta.Eles nãomemandaram para a reeducação,masme suspenderam por duas semanas e,tododia, eu tinhaqueouvir sermões sobre comoeraumapessoa terrível eque estavaprestes a ser corrompido.Terminada a suspensão, eu já acreditava neles… até queconheciMarcus.Elemefezperceberqueeunãoprecisavamaislevaraquelavida.—Entãovocêsaiu—eudisse,sentindoumrespeitoinesperadoporMarcus.—Sim.MasnãoantesdecompletaramissãoqueMarcusmedeu.Conseguipegara

listaconfidencialdevisitantes.Issofoiumasurpresa.Osalquimistassempreestavamcobertosdesegredos.Embora

amaioriadasnossas ações fosse registradadiligentemente,havia algumascoisasqueos

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líderesdoaltoescalãonãoqueriamqueorestodasociedadesoubesse.Tudo,claro,pelobemmaior.A lista confidencial detalhava as pessoas que tinham acesso a essas coisas,mas que os chefões queriam manter em segredo. Não era algo que um alquimistacomumpoderiaver.—Vocêéjovem—eudisse.—Nãoteriaacessoaalgoassim.Waderiu.—Claro que não. Por isso a tarefa foi difícil.Marcus nãomanda a gente cumprir

tarefasfáceis.Preciseifazermuitascoisasperigosas,coisasquemedeixaramfelizporterfugidodepois.Alistanosmostrouaconexãocomosguerreiros.— Estava escrito “Reunião ultrassecreta com caçadores de vampiros”? — Eddie

perguntou.Além de suas habilidades de proteção, era por causa de momentos comoaquelequeeugostavadetê-locomigo.Wadeficousemgraçacomaironia.—Não. Ela estava toda codificada.Quer dizer, não dava nomes completos, só as

iniciais.Nemeuconseguipegarosnomescompletos.MasumdosregistroseraZ.J.Marcus e seus Vingadores me olharam com expectativa, como se isso devesse

significar algo para mim.Voltei a olhar para Eddie, mas ele estava tão desorientadoquantoeu.—Oquequerdizer?—perguntei.—Zebulon Jameson—Marcus respondeu.Mais uma vez, houve ummomento de

expectativa. Não disse nada, e Marcus pareceu incrédulo. —Você esteve com osguerreiros.Nãoselembradele?MestreJameson?Eu lembrava, sim. Era uma das autoridades do alto escalão dos guerreiros, um

homemintimidadordebarbagrisalhaqueusavaummantodouradoantiquado.— Não sabia o primeiro nome dele— respondi.— Mas não é meio exagerado

deduzirqueelesejaotalZ.J.?Talvezseja,seilá,ZacharyJohnson.—OuZekeJones—Eddiesugeriu.Agatavoltoucomoutra limonadaparaMarcuse logo tiveaprovadequeerauma

mulher.— Obrigado, querida — Marcus agradeceu, abrindo um sorriso que quase a fez

perderossentidosederrubarabandeja.Quandoelesevoltouparanós,tinharetomadoaposturaprofissional.—ÉaíqueentraSabrina.PoucoantesdeWadeconseguiralista,elaouviumestreJamesonfalarcomumdeseuscomparsassobreumaviagemquefariaaSt.Louis,umaviagememquepoderiadescobrirpistassobreumameninadesaparecida.Foinamesmaépoca.—Éuma grande coincidência—eu disse.Mas, aomesmo tempo,me lembrei de

uma coisa que Sonya Karp sempre dizia sobre omundo dosMoroi e dos alquimistas:Nãoexistemcoincidências.— Quem é essa menina desaparecida de quem eles estavam falando? — Eddie

perguntou,cauteloso.Olhei para ele e imediatamente entendi o que estava pensando. Uma menina

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desaparecida em que os guerreiros estavam interessados. Havia uma meninadesaparecida em que os Moroi estavam muitíssimo interessados também. E que osalquimistasestavamdeterminadosemmanteremsegurança.ElaeraomotivopeloqualeuestavaalocadaemPalmSprings,aliás.Naverdade,euestavafingindoserirmãdela.Jill.NãodissenadaevolteiameconcentraremMarcus.Eleencolheuosombros.—Não faço ideia; só sei que encontrar essamenina causariamuitos problemas aos

Moroi.Osdetalhes aindanão importam.Antes,precisamosprovaro contato entreosgrupos.Os detalhes eram imensamente importantes para mim e Eddie, mas eu não tinha

certezadoquantoMarcuseseusamigossabiamsobreJill.Nãopodiademonstrarmuitointeresse.— E é isso que vocês querem de mim?— perguntei, me lembrando da conversa

anterior.—Ecomoeuconseguiria isso?Visitandomestre Jamesoneperguntandopraele?—Todos os visitantes são filmados quando passam pelas entradas de segurança—

Wade disse. — Mesmo os ultrassecretos.Você só precisa roubar uma cópia dessesvídeos.Estãotodosarmazenadosnoscomputadoresdeles.Aquelaspessoastinhamumaideiamuitodiferentedosignificadodapalavra“só”.—Eu sou uma alquimista a trabalho em Palm Springs— eu os lembrei.—Não

uma hacker. Nem fico em St. Louis! Como eu faria para entrar lá e roubar algumacoisa?Marcus inclinou a cabeça para me examinar, fazendo com que alguns fios de seu

cabelodouradocaíssemparaafrente.—Achoquevocêéperfeitamentecapazdeimprovisar.Nãoconsegueencontrarum

jeitodeirparaSt.Louis?Algummotivoprafazerumavisitaaalguém?—Não! Eu não teria como…—Minha voz foi perdendo a força enquanto eume

lembravadocasamento.Ian,comseuolharapaixonado,haviameconvidadoparavisitá-loemSt.Louis.Eletiveraaaudáciadeusarasfestasdefimdeanocomoumamaneiradeaumentarsuaschancescomigo.OsolhosdeMarcusbrilharam.— Já pensou em alguma coisa, não pensou?Você é genial, eu sabia. —Amelia

pareceuincomodadaaoouviroelogio.—Seriaarriscado—eudisse.—Ésempreassimcomagente—Marcusretrucou.Aindanãoestavaconvencida.—Conheçoalguémlá,masprecisariadepermissãoprair,oquenãoserianadafácil.

— Olhei para cada um deles. — Vocês sabem como é. Todos vocês já foramalquimistas.Sabemquenãopodemossimplesmentetirarfériasquandotemosvontade.WadeeAmeliativeramopudordeparecerconstrangidos,masMarcusnãosedeixou

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abater.—Você vai deixar essa chance passar? Mesmo que não queira se juntar a nós ou

alterar a tatuagem, pelo menos considere.Você viu os guerreiros.Viu do que sãocapazes.Podeimaginaroqueaconteceriasetivessemacessoaosrecursosalquimistas?—Étudocircunstancial—argumentouacientistadentrodemim.—Sydney—Eddiedisse.Mevireiparaeleevialgoemseuolharquejamaisesperaria:súplica.Elenãoligava

para as conspirações alquimistas ou para osVingadores deMarcus.Mas se importavacomJill,etinhaouvidoalgoqueofezpensarqueelapoderiaestaremperigo. Issoerainaceitável para ele. Ele faria qualquer coisa em seu poder paramantê-la segura,masmesmoele sabiaquenãoeracapazderoubar informaçõesdosalquimistas.Eutambémnão era,mas ele não sabia disso. Confiava emmim, e agora, silenciosamente, estavaimplorandoparaqueeuajudasse.Marcusaproveitouomomento:—Você não tem nada a perder… quer dizer, se não for pega. Se conseguir as

imagens e não encontrarmos nada… bom, que seja.Alarme falso. Mas se tivermosprovas concretasdeque Jamesonesteve lá,nãoprecisonemdizer a importânciadisso.Sejacomofor,vocêdeveriaromperatatuagemesejuntaranós.Alémdisso,depoisdeumafaçanhacomoessa,realmentegostariadecontinuarcomosalquimistas?—Elemeolhoufixamente.—Masadecisãoésua.Sónosajudecomissoporenquanto.Contrariandotodoomeubomsenso,minhamentejáestavacomeçandoapensarem

maneirasderealizaratarefa.—Euprecisariademuitasinformaçõessobreasoperações—murmurei.—Possoforneceressasinformaçõesavocê—Wadesevoluntariouprontamente.Nãorespondi.Aquiloeraumamaluquice—umaideiamalucadeumgrupomaluco.

Masolheipara a tatuagemdeMarcusepara amaneiracomoosoutroso seguiam…amaneira como a própria Sabrina o seguia. Eles tinham uma dedicação, uma confiançainabalável que nada tinha a ver com os flertes bobos de Marcus. Era possível querealmenteestivessemcertos.—Sydney—Eddiedissenovamente.Edessavezacrescentou:—Porfavor.Senti minha determinação enfraquecer. Uma menina desaparecida, que poderia

causarmuitos problemas se fosse encontrada. Se realmente estivessem falando de Jill,comoeupoderiacorreroriscodequealgumacoisaacontecesseaela?Maseseeufossepega?Nãosejapega,umavozinteriormedisse.Comumsuspiro,mevireiparaWade.—Certo—eudisse.—Mepasseasinformações.

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Wademecontoutudooquesabia .Eraminformaçõesúteis,maseunãotinhacertezaseseriamsuficientes.Primeiro,euprecisariairparaSt.Louis…eissojáeracomplicado.Estavamepreparandoparaostelefonemasqueteriadefazer,torcendoparaquetivesselábiasuficienteparaprocedercomoplano.Antes de empreender essa tarefa, só queria a normalidade e o conforto do meu

quarto.NocaminhodevoltaparaAmberwood,Eddieeeuanalisamostodososdetalhesdo encontro. Ele estava impaciente para fazermais algumprogresso, e prometi que omanteriaapardetudo.Eutinhaacabadodechegaràportaquandomeucelulartocou.Eraasra.Terwilliger.

Àsvezeseupodiajurarqueelatinhaumsensornafrentedomeuquartoqueaavisavanoinstanteemqueeuaparecia.—Srta.Melbourne—eladisse.—Precisamosnosencontrar.Meucoraçãoparou.—Nãoéoutravítima,é?Vocêdissetínhamostempo.— E temos— ela respondeu.— Por isso é melhor nos encontrarmos logo. Ler

sobrefeitiçoséumacoisa,masvocêprecisapraticar.MerecusoadeixarVeronicapegarvocê.As palavras dela desencadearam um misto de sentimentos dentro de mim.

Naturalmente, sentiminha reação automática contra a prática demagia.Mas ela logodiminuiu diante da descoberta de que a sra. Terwilliger gostava de mim e estavapreocupadacomaminhasegurança.Meuprópriodesejodenãoentraremcomatambémeraumamotivaçãoforte.—Quandoasenhoraquermeencontrar?—perguntei.—Amanhãdemanhã.Percebiqueodia seguinteera sábado.Mas já?Ondeminhasemana tinha idoparar?

Eu tinhaplanejado levarAdrianparabuscarocarrodelenamanhã seguinteeesperavaquenãofossedemorardemais.

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—Podeseraomeio-dia?Tenhoumcompromissodemanhã.—Tudobem—a sra.Terwilligerdisse, um tanto relutante.—Meencontre em

casaeentãoiremosparaoParquedaPedraSolitária.Euestavaprestesadeitarnacamamasparei.—Porqueprecisasernomeiododeserto?—OParquedaRochaSolitáriaeralonge

eraramenterecebiamuitosturistas.Eunãotinhameesquecidodomedoquesentiradaúltimavezqueelatinhamelevadoparaomeiodonada.Pelomenosdessavezseriaàluzdodia.—Bom,achodifícilconseguirmospraticarnaescola—elaargumentou.—Verdade…—Tragaseuslivroseoscomponentesemquevemtrabalhando.Desligamos e escrevi uma mensagem rápida paraAdrian: Precisamos ser rápidos

amanhã.Vou encontrar a sra. T ao meio-dia . A resposta dele não foi totalmenteinesperada:Porquê? Claro que ele precisava saber de tudo que estava acontecendo naminha vida.Respondi que a sra.Terwilliger queria trabalharminha proteçãomágica.Dessa vez ele realmente me surpreendeu: Posso assistir? Queria saber como ela estáprotegendovocê.Uau,Adrianpedindopermissão?Eletinhaumhistóricodesimplesmenteseconvidar

para os passeios. Hesitei, ainda confusa depois do nosso momento acalorado nafraternidade.Noentanto,elenãotinhatocadonoassuntodesdeentão,esuapreocupaçãomecomoveu.Respondiquesimeelemandouumacarinhafeliz.Nãosabiaexatamenteoquevestirparaum“treinamentomágico”,então,namanhã

seguinte,opteiporroupasconfortáveis.AdrianmeolhoudecimaabaixoquandoentrounoPingado.—Casual,hein?NãovejovocêassimdesdeostemposdoWolfe.—Nãoseioqueela tememmente—expliquei, fazendoumacurvaemUna rua

dele.—Imagineiqueseriaamelhoropção.—VocêpodiatervestidoacamisetadaEIA.—Nãoqueriasujar—eudisse,sorrindo.Emparte,eraverdade.Aindaachava lindíssimoocoraçãoemchamasqueelehavia

pintado.Massemprequeolhavaparaacamiseta,aslembrançasdaquelanoitevoltavamàminhamente.Comopudefazeraquilo?Haviamefeitoessaperguntaumacentenadevezes e toda resposta que encontrava parecia falsa. Minha teoria principal era que eusimplesmente ficara fascinada pela seriedade com queAdrian encarava a arte, pelamaneira como a emoção e a paixão tinham tomado conta dele.Asmeninas gostavamtanto de artistas quanto debad boys, não é? Mesmo agora, algo ardia em meu peitoquandopensavanaqueleolharextasiadoemseu rosto.Adoravaqueele tivesse algo tãopoderosodentrodesi.Mas, conforme vivia repetindo, não era desculpa para ter subido em cima dele e

deixadoelemebeijar,aindamais nopescoço!Eucomprarao livro sobre badboyspela

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internet,masnão tinha ajudado emnada. Finalmente, decidi que amelhor solução—senão amais saudável—era fingir que aquilonunca tinha acontecido.Não significavaqueeuhaviaesquecido.Tantoque, sentadaao ladodelenocarro, foidifícilnãopensarnasensaçãodocorpotãopertodomeu.Ouemcomoseusdedostinhamseemaranhadonomeucabelo.Ouemseuslábios…Sydney! Pare. Pense em outra coisa. Conjugue verbos em latim. Recite a tabela

periódica.Nada disso adiantou. Pelo menos Adrian continuou não comentando nada sobre

aquelanoite.Porfim,encontreiumadistraçãoaocontaraelesobreaviagemparaSanBernardino.Discutirsobreconspirações,gruposrebeldeseinvasõespraticamenteacaboucom todos os sentimentos ardentes que permaneciam emmim.Adrian não gostou daideia de que os alquimistas estivessem trabalhando com os guerreiros ou de que atatuagemestivessemecontrolando,mastambémnãoqueriaqueeumeenvolvessenumasituação perigosa.Tentei minimizar a quase impossibilidade de invadir a base de St.Louis,maseleclaramentenãoacreditouemmim.A sra.Terwilliger me mandou duas mensagens pedindo que eu não me atrasasse.

Fiqueideolhonorelógio,masocuidadocomoMustangeraalgoqueeulevavamuitoasério, e precisei me demorar na oficina para garantir que ele estava em perfeitascondições.Adrianqueriacomprarospneusbásicos,mas insistiparaquecomprasseunsdemelhorqualidade,convencendo-odequeocustoextravaleriaapena.E,depoisqueos inspecionei,me parabenizei pela escolha. Só depois deme certificar de que o carronãohavia sofridonenhumarranhãodesnecessário,deixeiqueelepagasse.Dirigimososdois carros atéVistaAzul, e fiquei contente quando chegamos bem na hora. Nãoestávamosatrasados,masasra.Terwilligerjáesperavapornósnaentrada.DesignamosAdriancomoomotoristadogrupo.—Céus—eudissequandoelaentrouapressadanocarro.—Asenhoratemqueira

algumlugardepois?Elameabriuumsorrisotenso,enãopudedeixardenotarapalidezemseurosto.—Não,mas temospouco tempo.Lanceiumfeitiçograndehojedemanhãquenão

vaidurarprasempre.Estamosemcontagemregressiva.Ela não disse mais nada até chegarmos ao parque, e esse silêncio me deixou

apreensiva,imaginandotodotipodecenárioassustador.Emboraconfiassenela,sentiumalíviosúbitoporterAdrianconosco.Apesar de não ser muito movimentado, o Parque da Rocha Solitária tinha alguns

excursionistas esporádicos. A sra. Terwilliger — que, aliás, estava com botas deexcursionista — caminhou pelo terreno rochoso em busca de um lugarconvenientemente afastado para fazermos o que tinha em mente.Algumas formaçõesrochosasestratificadaspontilhavamapaisagem,maseunãoconseguiaapreciardireitoabelezadelas.Namaiorpartedotempofiqueipensandosobrecomoestávamosnodesertosobosolapino.Mesmonãosendoverão,aindasofríamoscomocalor.OlheiparaAdrianenquantocaminhávamoseviqueeletambémestavaolhandopara

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mim.Dobolsodocasaco,tirouumprotetorsolar.—Sabiaquevocêiaperguntar.Estouquasetãopreparadoquantovocê.—Quase—eudisse.Eletinhaprevistomeuspensamentosdenovo.Porumafração

de segundo, fingi que éramos só nós dois em uma agradável caminhada vespertina.Parecia que a maior parte do tempo que passávamos juntos era em alguma missãourgente. Como seria só passarmos o tempo sem o peso domundo nas costas?A sra.Terwilligerlogonostrouxedevoltaàdurarealidade.—Aqui deve servir — ela disse, examinando o terreno ao seu redor. Ela tinha

conseguidoencontrarumadasáreasmaisdesoladasdoparque.Eunãoficariasurpresasevisseurubuscirculandonocéu.—Trouxetudooquepedi?— Sim, senhora. —Ajoelhei e vasculhei minha bolsa. Dentro estava o livro de

feitiços,alémdealgumasmisturaslíquidaseherbáceasqueeutinhafeitoapedidodela.—Pegueocombustíveldeboladefogo—elainstruiu.OsolhosdeAdriansearregalaram.—Vocêdisse“boladefogo”?Dahora.—Você vê magia de fogo o tempo todo — eu o lembrei. — Dos Moroi que

conseguemlançar.—Sim,masnuncaviumhumanofazerumacoisadessas.Nuncavi você fazeruma

coisadessas.Teria preferido que ele não parecesse tão impressionado, porque me lembrou da

gravidadedoqueestávamosprestes a fazer.Eu teriame sentidomelhor seele tratasseaquilocomosenãofossenadademais.Masaquelefeitiçoeramesmoassombroso.Uma vez eu lançara um feitiço que envolvia atirar um amuleto produzido

meticulosamente recitandopalavras queo faziamarder emchamas.Tinhaumenormecomponente físico. Jáesseeraumdosmaismentais eenvolvia,basicamente, a criaçãodefogodonada.Ocombustívelaqueasra.Terwilligerhaviasereferidoeraumabolsinhacomcinzas

demadeira de teixo queimada. Ela a pegou dasminhasmãos e examinou o conteúdo,murmurandoemaprovação:—Sim,sim.Muitobom.Uniformidadeexcelente.Vocêqueimoupelotempoexato.

—Eladevolveuabolsinha.—Mas,comotempo,nãovaimaisprecisardisso.Éoquetorna esse feitiço tãopoderoso.Elepode ser realizadomuito rápido, compouquíssimapreparação.Masvocêprecisapraticarmuitoparachegaraessenível.Fizquesimetenteiagircomoumaestudante.Atéaquelemomento,oqueeladizia

eraparecidocomoqueolivrotinhadescrito.Seeupensasseemtudoaquilocomoumexercícioextraclasse,erabemmenosintimidante.Nemumpoucoassustador.Asra.Terwilligerinclinouacabeçaeolhouatrásdemim.—Adrian?Talvezvocêqueiraficarmaislonge.Bemlonge.Tá.Talvezumpoucoassustador.Ele obedeceu e se afastou. Aparentemente, a sra. Terwilliger não temia por si

mesma,poiscontinuouapoucosmetrosdemim.

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—Agora—elacomeçou—,apliqueascinzaseestendaamão.Pus amão dentro da bolsinha, tocando as cinzas com o polegar e o indicador. Em

seguida, esfreguei de leve todos os dedos uns nos outros até que toda a palma damãoestivessecobertaporumafinacamadacinzenta.Coloqueiabolsinhanochãoeestendiamão,comapalmavoltadaparacima.Eusabiaoquevinhaa seguir,masespereipelasinstruções.—Reúnasuamagiapara invocarachamadascinzas.Semencantamento, sócoma

forçadevontade.Amagiasurgiudentrodemim.InvocarumelementomelembravadoqueosMoroi

faziam,oquefoiumpoucoestranho.Meuesforçoresultouemumafaíscavermelha,quepairouno ar sobre apalmadaminhamão.Aospoucos, foi crescendoe crescendo, atéficardotamanhodeumaboladetênis.Oêxtasedamagiatomoucontademim.Prendia respiração, mal conseguindo acreditar no que tinha acabado de fazer.As chamasvermelhas se retorciam e giravam e, embora eu pudesse sentir seu calor, não mequeimavam.A sra.Terwilliger soltou um resmungo que parecia ao mesmo tempo divertido e

surpreso.— Excelente. Às vezesme esqueço do seu talento natural. Essa ainda é vermelha,

mas algomedizquenãovaidemorarmuitoparavocêconseguirproduzirbolas azuis,semprecisardascinzas. Invocarelementosémais fácildoque tentar transformarumasubstânciaemoutra.Fiqueiolhandopara a bolade fogo, em transe,mas logopercebi que estava ficando

cansada.Aschamasbruxulearameforamdiminuindoatédesapareceremporcompleto.—Quantoantesvocêatirarabola,melhor—eladisse.—Vaiconsumirtodaasua

energia tentando sustentá-la. É melhor lançá-la contra o adversário e invocar outra.Tentedenovoe,dessavez,atire.Invoquei o fogo mais uma vez e senti uma pontada de satisfação ao ver que ele

assumiu um tom mais alaranjado. Eu havia aprendido logo nas primeiras aulas dequímicana infânciaque,quantomaisclaraachama,commaiscalorela ardia.Mesmoassim,aindapareciafaltarmuitoparachegaraoazul.Eentão…atirei.Quer dizer, tentei. Meu controle sobre a bola vacilou quando tentei lançá-la na

direção de um trecho descampado. Ela se desfez, e as chamas se transformaram emfumaça,quefoilevadapelovento.— É difícil — me justifiquei, sabendo como a desculpa soava esfarrapada. —

Segurar abola e atirarpareceumsimplesmovimento físico.Maspreciso fazer isso aomesmotempoquecontroloamagia.— Exato. —A sra.Terwilliger parecia muito satisfeita. — E é aí que entra a

prática.Felizmente, não precisei de muitas tentativas para descobrir como fazer tudo dar

certo aomesmo tempo.Adrianme aplaudiu quando consegui atirar uma bola de fogo

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direito, resultando emumbelo lançamento que atingiu comperfeição a pedra emqueestava mirando. Lancei um olhar triunfante para a sra. Terwilliger e esperei pelopróximo feitiço que treinaríamos. Para a minha surpresa, ela não pareceu tãoimpressionadaquantoeuesperava.—Denovo—eladisse.—Mas já aprendi— protestei.—Deveríamos praticar outro. Eu estava lendo a

segundapartedolivro…—Vocênãoestáprontaparaissoainda—elamerepreendeu.—Seachaessefeitiço

cansativo, desmaiaria só de tentar osmais avançados.Vamos.— Ela apontou para ochãoáridododeserto.—Denovo.Euqueriadizerque,paramim, era impossível não avançarna leituradeum livro.

Eracomoeufuncionavaemtodasasmatérias.Masalgomediziaquenãoeraomelhormomentoparafazeressecomentário.Elamefezpraticarolançamentoinúmerasvezes.Depoisqueficouconvencidadeque

eu tinha aprendido,me fez praticar o aumento do calor do fogo. Finalmente conseguichegaraumtomamarelo,masnãomaisqueisso.Entãopreciseirealizarofeitiçosemas cinzas. Quando cheguei a esse ponto, voltamos a praticar os lançamentos. Elaescolheudiversosalvoseacerteitodoscomfacilidade.—PareceSkee-Ball—murmurei.—Fácilesemgraça.—Sim—asra.Terwilligerconcordou.—Éfácilacertarobjetosinanimados.Mas

alvosemmovimento?Alvosvivos?Nãoétãofácilassim.Então,vamospassarparaessaparte?Aboladefogoqueeuestavasegurandodesapareceucomaminhasurpresa.—O que a senhora quer dizer?— Se ela esperava que eu começasse amirar em

pássaros ou roedores, estavamuito enganada. Jamais incineraria algo vivo.—O quevocêquerqueeuacerte?Asra.Terwilligerajeitouosóculoserecuoualgunspassos.—Eu.Espereieladizerqueeraumapiadaou,pelomenos,maisalgumaexplicação,masela

ficou em silêncio. Olhei paraAdrian atrás de mim, na esperança de que pudesse meexplicaraquilo,maselepareciatãoespantadoquantoeu.Olheiparaochãochamuscadoondeminhasoutrasbolasdefogohaviamacertado.—Asenhoranãopodemepedirparafazerisso.Elaentreabriuumsorriso.—Garantoqueposso.Váemfrente,nãovaimemachucar.Preciseipensarporalgunssegundosparaformularumaresposta.—Euatiromuitobem.Possoacertarasenhora.Elarespondeucomumarisadasincera.—Acertar,sim.Machucar,não.Váemfrenteeatire.Nãotemosmuitotempo.Eu não sabia quanto tempo havia se passado exatamente, mas o sol estava

definitivamente mais baixo no céu. Voltei a olhar para Adrian, pedindo ajuda em

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silêncioparalidarcomaquelainsanidade.Eledeudeombros.—Vocêétestemunha—disseparaele.—Ouviuqueelamemandoufazerisso.Eleassentiu.—Vocêécompletamenteinocente.Respirei fundo e invoquei a próxima bola. Estava tão exausta que ela se acendeu

vermelha e tive que me esforçar para aquecê-la. Então levantei os olhos para a sra.Terwilliger e me preparei para o lançamento. Era mais difícil do que eu tinhaimaginado, e não só porque eu estava commedo demachucá-la.Atirar algo no chãoquase não exigia pensamento.A concentração nesse caso ficava apenas na mira. Masenfrentarumapessoa,olharnosolhosdelaevê-larespirar…bom,elaestavacerta.Eracompletamentediferentedeacertarumobjetoinanimado.Comeceiatremer,semsaberseconseguiriafazeraquilo.—Estáperdendo tempo—elaadvertiu.—Estáconsumindosuaenergiadenovo.

Atire.Aordemmefezagir.Euatirei.Aboladefogovooudaminhamãodiretamentecontraela—masnãoencostou.Não

consegui acreditar nos meus próprios olhos. A uns trinta centímetros da sra.Terwilliger,abolaatingiuumabarreirainvisível,dividindo-seemchamaspequenasquelogosedissiparamemfumaça.Fiqueiboquiaberta.—Oquefoiisso?—exclamei.—Um feitiço de escudo poderosíssimo— ela disse, visivelmente satisfeita com a

minha reação. Ela ergueu um pendente que estava escondido sob a blusa.Não parecianadadeespecial, sóumacornalinaenvolta em fiosdeprata.—Fazerumdesses exigemuitoesforço…emantê-lo,aindamais.Oresultadoéumescudoinvisível,comovocêpercebeu,quequasenenhumataquefísicooumágicopodepenetrar.Adrianlogoestavaaomeulado.—Quer dizer que existe um feitiço que deixa você protegido de qualquer coisa e

você sópensouemmencionar agora?Vocênãoparade falarqueSydneyestá correndoperigo! Por que não ensina só esse?Assim sua irmã não poderá encostar nela. —EmboraAdrian não parecesse prestes a atacá-la como havia acontecido com Marcus,estavaquaseigualmentefurioso.Seurostoestavainflamado;seuolhar,duro.Elecerrouospunhos,masachoquenempercebeu.Eramaisumadaquelasreaçõesinstintivas.Asra.Terwilligerpermaneceufirmediantedaraivadele.— Se fosse tão simples, acredite, eu faria isso. Infelizmente, há muitas questões

envolvidas. Uma é que Sydney, apesar de ser um prodígio, não tem poder suficientepara lançaresse feitiço.Euquasenãotenhopodersuficiente.Outroproblemaéqueeleduramuitopouco,eéporissoqueestouinsistindotantonaquestãodotempo.Elesósemantém por seis horas e exige tanto esforço que não dá para simplesmente ativá-lo esustentá-lopelotempoquevocêquiser.Jáestouexaustaeficareiaindamaisdepois.Nãovou conseguir lançar esse feitiço, e acho que nenhum outro, por mais um dia… nomínimo.ÉporissoqueprecisoqueSydneyestejasemprepreparada.

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Adriane eunãodissemosnadade imediato.Euhavianotadoo cansaçodelaquandoelaentraranocarro,masnãotinhapensadomuitoarespeito.Aolongodotreino,havianotadoqueelaestavasuandoeparecendoaindamaiscansada,mastinhaculpadoocalorporisso.Sóagoraconseguiaentenderplenamenteaextensãodoqueelahaviafeito.—Porqueseesforçoutanto?—perguntei.—Paramantervocêviva—elarespondeu,seca.—Agoranãofaçacomquetenha

sidoemvão.Sótemosmaisumahoraatéofeitiçoperderaforçaevocêprecisamiraremalguémsempensarduasvezes.Vocêhesitademais.Elaestavacerta.Mesmosabendoqueelaestavaprotegida,eradifícilatacá-la.Eunão

conseguia aceitar o caminho da violência. Precisava esquecer todas as minhaspreocupaçõesinternasetrataraquilocomoumjogodeSkee-Ball.Mirar,atirar.Mirar,atirar.Nãopensedemais.Em pouco tempo, consegui combater meus medos e atirar sem hesitação.A sra.

Terwilliger até tentou semoverumpouco, paramedar uma sensaçãomelhor doqueseriacombateruminimigoreal,masnãoacheimuitodifícil.Afinal,elaestavacansadaenãoconseguiacorrerdeumladoparaooutrooudesviardasbolasdefogo.Naverdade,fiqueicompena.Elapareciaprestesadesmaiare sentiumapontadadeculpaenquantopreparavameupróximolançamento…—Ahh!Umachamasaiudaspontasdosdedosdasra.Terwilligerassimquelanceiabolade

fogo. Errei feio, e a bola desapareceu antes de chegar perto dela.A bola de fogo delapassou a menos de trinta centímetros de mim. Com um sorriso exausto, ela caiu dejoelhosesoltouarespiração.—Estãodispensados—eladisse.—Oquefoiisso?—perguntei.—Eunãotenhoumescudomágico!Elanãopareceuteramesmapreocupação.—Nem chegou perto de você.Tomei cuidado. Só queria mostrar que, por mais

“fácil e sem graça” que pareça, tudo vai pelos ares quando alguém realmente estáatacando você.Agora,Adrian, me faria o favor de trazer minha bolsa?Tenho umastâmarassecasqueachoquetantoeuquantoSydneyadoraríamoscomeragora.Ela estava certa. Eu tinhame concentrado tanto na lição que nem percebera como

estava cansada. Ela estava aindamais,mas o treino definitivamente tinhame afetado.Nuncausaramagiaportantotempo,emeucorpoestavafracoeexauridoporcausadaquedadeaçúcarnosangue.Comeceiaentenderporqueelahaviamealertadoparaficarlonge da parte realmente difícil. Praticamente engoli as tâmaras secas que ela havialevadoparanóse,emboraoaçúcarajudasse,estavaloucaparacomermais.Adriannosacompanhou gentilmente até a entrada do estacionamento, levando cada uma em umbraço.—Penaqueestamosnomeiodonada—resmungueidepoisqueentramosnocarro.

—Vocêficariasurpresocomoquantoeucomeriaagora.Achoquevoudesmaiarantesdevoltarmosparaacivilização.

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—Naverdade—Adriandisse—,deveserseudiadesorte.Achoqueviumlugarnãomuitolongedaquiquandoagenteestavavindo.Eu não tinha visto nada, mas estivera preocupada demais com a lição da sra.

Terwilliger para reparar. Depois de cinco minutos na estrada, vi queAdrian estavacerto sobre o restaurante. Ele pegou a saída em uma estradinha sombria, parando noestacionamentodecascalhodeumrestaurantepequeno,recém-pintadodebranco.Fiqueiolhandoincrédulaparaaplaquetaemfrente.—“TortaseTal”?—Vocêqueriaaçúcar—Adrianmelembrou.OMustangsoltoupoeiraecascalhonoar,emearrepieipelocarro.—Apartedo“Tal”nãoémuitoestimulante.—Penseiquevocêfosseficarmaisincomodadacomapartedas“Tortas”.Apesar da minha apreensão,Tortas eTal era um restaurante bonito e limpinho.

Havia cortinas de bolinha nas janelas, e a vitrine estava cheia de todo tipo de tortaimaginável, alémde coisas“tais” comobolosde cenoura ebrownies.Éramos asúnicaspessoascommenosdesessentaanosnolugar.Pedimos nossas tortas e nos sentamos numamesa de canto. Pedi uma de pêssego;

Adrian,dechocolate;easra.Terwilliger,denozes.E,claro,eueelapedimoscaféparaa garçonete assim que nos sentamos, uma vez que havíamos passado por uma duraabstinênciadevidoàmagia.Deiumgoleeimediatamentemesentimelhor.Adrian comeu sua fatia numritmo razoável, comoumapessoanormal,mas eu e a

sra. Terwilliger devoramos as nossas como se não comêssemos havia um mês.Conversarerairrelevante.Tudooqueimportavaeraatorta.Adriannosobservoucomprazer,enãointerrompeuatéquenósduastivéssemosquaselimpadooprato.Eleapontouparaomeupratovazio.—Maisumafatia?—Vou pedir mais café. — Olhei para o prato brilhando e não pude deixar de

perceberque aquelavozinha interiorquecostumava ficarme lembrandodaquantidadedecaloriasqueeu ingeria andavaquietanosúltimos tempos.Naverdade,nempareciaestar mais dentro de mim. Eu tinha ficado brava com a “intervenção” alimentar deAdrian,mas as palavras dele acabaram tendo um impactomaior do que eu esperava.Não que tivesse alguma coisa a ver especificamente com ele, claro. Diminuirminhasrestrições alimentares era simplesmente uma ideia sensata. Só isso. — Estou bemmelhoragora.—Eupegopravocê—elemedisse.Quandovoltou,traziaumacanecaparaasra.

Terwilligertambém.—Imagineiquetambémfossequerer.Elaagradeceucomumsorriso.—Obrigada.Vocêémuitoatencioso.—Enquantoelabebia,noteiqueaindaparecia

cansada,emborativéssemosacabadodenosreabastecerdeaçúcar.Elanãopareciamaisprestesadesmaiar,masestavaclaroquenãotinhaserecuperadotãorapidamentequantoeu.

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—Asenhoratemcertezadequeestábem?—perguntei.— Não se preocupe, vou ficar. — Ela deu mais um gole no café, com o rosto

pensativo.—Nãofaçoessefeitiçoháanos.Esquecioquantoeleexigedemim.Eu estava assombrada com o trabalho que ela havia tido por mim. Desde queme

identificara como uma usuária de magia em potencial, eu só vinha resistindo às suaspropostaseatémesmosendohostil.—Obrigada— disse para ela.— Por tudo… queria poder compensar a senhora

peloesforço.Elapôsacanecanamesaecolocoumaisaçúcar.—Ficofelizemfazerisso.Nãoprecisamerecompensar.Mas…depoisquetudoisso

tiver terminado, gostariamuitoquevocê conhecessemeuclã.Nãoestoupedindoparaentrar—elaacrescentou,rápido.—Sóconversar.SuspeitoqueachariaoStellemuitointeressante.—Stelle—repeti.Elanuncatinhachamadooclãpelonomeantes.—Estrelas.— Sim— ela concordou.—Nossas origens são italianas, embora, como você já

devetervisto,amagiaqueusamosvenhadediversasculturas.Euestavasempalavras.Ela tinha feito tantopormim…semdúvidanãoserianada

demaissóconversarcomoutrasbruxas,certo?Mas,seeraalgotãopequeno,porqueeuestavacomtantomedo?Arespostameocorreualgunssegundosdepois.Conversarcomoutrasbruxaseversuaorganizaçãolevariameuenvolvimentomágicoaoutronível.Euhaviaprecisadodemuito tempoparame acostumar àmagia que estavausando.Tinhasuperado muitos dos meus medos, mas parte de mim tratava a magia como umaatividade paralela. Como um passatempo. Conhecer outras bruxas mudaria tudo. Euteria que aceitar que fazia parte de algo muito maior do que um mero exercícioocasional.Conhecerumclãpareciadefinitivo.Eeunão sabia seestavaprontapara serconsideradaumabruxa.—Voupensar—eudisseporfim.Queriapoderoferecermais,masmeusinstintos

deproteçãohaviamassumidoocomando.—Jáestábom—eladissecomumpequenosorriso.Entãoseucelulartocou,eela

baixouosolhos.—PorfalaremStelle,precisoconversarcomumadasminhas irmãs.Encontrovocêsnocarro.—Elaterminouocaféesaiu.EueAdrianaseguimosalgunsminutosdepois.Euaindaestavaapreensivaemrelação

aoclãesegurei-opelobraço.Dissebaixinho:—Adrian, como cheguei a esse ponto? Estou tentando descobrir os segredos dos

alquimistas e praticandomagia no deserto!—No verão passado, quando estava comRosenaRússia, eumal conseguia tolerar a ideiadedormirnomesmoquartoqueela.Tinha ficado com vários mantras alquimistas se repetindo na minha cabeça, meadvertindo do perigo dos vampiros. E, agora, ali estava eu, aliada a vampiros equestionandoos alquimistas.AquelameninanaRússianão tinhanada emcomumcomessaemPalmSprings.Não,no fundo,ainda souamesmapessoa. Precisava ser…porque, senão,quemeu

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era?Adrianmeabriuumsorrisocompreensivo.—Acho que foi uma série demotivos. Sua curiosidade. Sua necessidade de fazer a

coisa certa.Tudo isso trouxe você até aqui. Sei que os alquimistas ensinaram você apensardeumjeito,masoqueestáfazendoagora…nãoéerrado.Passeiamãonocabelo.—Mesmoassim,apesardetudoisso,nãoconsigoterumaconversinhadenadacom

oclãdasra.Terwilliger.— Você tem limites. — Com carinho, ele arrumou uma das minhas mechas

teimosas.—Nãotemmalnenhumnisso.—Marcusdiriaqueéatatuagemqueestámeimpedindo.Adriandeixouamãocair.—Marcusdizmuitascoisas.—Nãoachoqueesteja tentandomeenganar.Eleacreditanacausa,eestoumesmo

preocupada com o controlemental…mas, pra falar a verdade, é difícil acreditar quealgo esteja me impedindo quando faço coisas como essa.—Apontei para fora, ondeestava a sra. Terwilliger. — O dogma alquimista diz que essa magia é errada eantinatural.OsorrisodeAdrianvoltou.—Sefazvocêsesentirmelhor,vocêpareciabemnaturallánoparque.—Fazendooquê?Atirandobolasdefogo?—Balanceiacabeça.—Nãotemnadade

naturalnisso.—Vocêpodenãoachar,mas…enfim.Vocêestava…incrível,lançandoaquelefogo

comoumaantigadeusadaguerra.Irritada,desvieioolhar.—Falasério.Eleseguroumeubraçoemepuxoudevoltaparaele.—Estoufalandosério.Engoliemseco,semconseguirdizernada.Sóconseguiapensarnaproximidadeentre

nós, e que ele estavame segurando a uma distância de poucos centímetros. Quase tãopertoquantonafraternidade.—Nãosouumaguerreiranemumadeusa—conseguidizer,finalmente.Adrianseaproximouaindamais.—Paramim,éasduascoisas.Eu conhecia aquele olhar.Conhecia porque já o tinha visto antes. Estava esperando

queelemebeijasse,mas,emvezdisso,elepassouosdedosnomeupescoço.—Aíestá,hein?Medalhadehonra.Demoreiumtempoparaperceberqueeleestavafalandodochupão.Tinhaperdidoa

cor,masnãodesapareceraporcompleto.Meafastei.—Não!Foiumerro.Vocêestavaforadesiquandofezissocomigo.Elearqueouasobrancelha.

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—Sage,me lembromuito bem de tudo o que aconteceu naquela noite.Você nãopareciatãorelutante.Estavapraticamenteemcimademim.—Nãomelembromuitodosdetalhes—menti.Eletirouamãodomeupescoçoetocouapontadodedonosmeuslábios.—Masposso ficar sónosbeijos sevocêquiser.Nãodeixomaismarcas.—Ele fez

mençãodeseaproximaremeafasteirapidamente.—Não!Issoéerrado.—Oquê?BeijarvocêoubeijarvocênoTortaseTal?Olheiaoredor,percebendosubitamentequeestávamosdandoumshowzinhoparaa

clienteladorestaurante,emboraelesnãopudessemouvir.Deiumpassoparatrás.—Asduascoisas—respondi,sentindominhasbochechasarderem.—Sefortentar

fazer algo inapropriado, o que, aliás, você disse que não tentaria mais, pelo menosescolhaumlugarmelhor!Eleriubaixinho,eobrilhoemseusolhosmedeixouaindamaisconfusa.—Estábem—eledisse.—Dapróximavezqueforbeijarvocê,prometoescolher

umlugarmaisromântico.—Eu…comoassim?Não!Nempensar!—Comeceiasairemdireçãoàportaeele

meseguiu.—Vocênãofalouquemeamariadelonge?Quenãovoltariaafalar,hum,nessas coisas? — Para alguém que teoricamente estava mantendo distância, ele nãoestavafazendoumbomtrabalho.Eeuestavamesaindoaindapioremfingirindiferença.Elemeultrapassouebloqueouasaída.— Disse que não falaria, se você não quisesse. Mas você está me dando sinais

contraditórios,Sage.—Nãoestou—eudisse,surpresaporconseguirdizeraquilonacaradele.Nemeu

acreditavaemmimmesma.—Vocêestásendopresunçosoearroganteeummontedeoutrascoisasseachaquemudeideideia.—Viu,éexatamente isso.—Aliestavaeledenovo,entrandonomeuespaço.—

Achoquevocêgostadas“outrascoisas”.Meesforceiparanãocairnadeleemeafastei.—Eugostodehumanos.Outra lição alquimista me veio à mente. Eles se parecem conosco, mas não se

engane.OsMoroi não têm amaldade dos Strigoi,mas criaturas que bebem sangue emanipulam a natureza não têm lugar no nosso mundo.Trabalhe com eles somente onecessário.Nãosomosiguaisaeles.Mantenhaomáximodedistânciapossível.Éparaobemdasuaalma.Adrian não pareceu acreditar naquilo também, mas se afastou e saiu. Eu o segui

alguns segundos depois, pensando que, naquele dia, havia brincado com fogo váriasvezes.

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14

O domingo começou calmo. Estávamos nos aproximando do próximo ataque deVeronica,esentiumfrionabarrigaaopensaremqualseriaopróximopassodela…eem como estávamos demãos atadas para impedi-la. Então, recebi ajuda de uma fonteinesperadaquandomeucelulartocoueumnúmerodesconhecidoapareceunatela.Normalmenteeunematenderia,masminhavidaestavamuito longedonormalnos

últimosdias.Alémdomais,ocódigodeáreaeradeLosAngeles.—Alô?—Oi!Porfavor,aTaylor?Leveiumtempoparamelembrardaminhaidentidadesecreta.Nãomelembrei,no

entanto, de ter dado meu número verdadeiro a nenhuma das meninas que tínhamosavisadosobreVeronica.—Poisnão?—respondi,desconfiada.—AquiéAlicia,daPousadadoVelhoMundo.—Oi—eudisse,aindasemsaberporqueoucomoelaestavameligando.Elaestavaanimadaealegre,comoquandonosconhecemos.—Queriasabersevocêsjátomaramumadecisãosobreoquartoparaoaniversário

devocês.—Ah…então.Aindaestamospensando.Mas,hum,achoquevamosescolheralgum

lugarmaispertodacosta.Sabecomoé,passeiosromânticosnapraiaetudoomais.— Entendo, claro — ela disse, embora parecesse decepcionada com a perda de

hóspedes.—Semudardeideia,meavise.Estamoscomumapromoçãoestemês,entãovocês poderiam alugar a Suíte Coelhinho a um preço muito bom. Lembro que vocêcomentouquefaziavocêselembrardoseucoelhodeestimação.Comoeraonomedele?—Pulinho—eudisse,inexpressiva.—Pulinho!Verdade.Quenomefofo.— É, demais. —Tentei pensar numa maneira delicada de formular a pergunta

seguinte,masacabeidecidindoserdireta.—Alicia,comoconseguiumeunúmero?

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—Ah,Jetmedeu.—Eledeu?—Sim.—Ela parecia ter superado a decepção e agora soava alegre e animada de

novo.—Elepreencheuumafichaenquantovocêsestavamaquiecolocouseunúmero.Quasesolteiumresmungo.Típico.—Bomsaber—eudisse.Fiqueimeperguntandocomque frequênciaAdriandava

meunúmeroparaaspessoas.—Obrigadaporavisar.—Éumprazer.Ah!—Eladeuumarisadinha.—Jáiameesquecendo.Suaamiga

voltou.Congelei.—Queamiga?—Veronica.Elachegouontem.Minhaprimeirareaçãofoidefelicidade.Asegunda,depânico.—Vocêcontouqueperguntamossobreela?—Ah,não.Lembreiquevocêsdisseramquequeriamfazerumasurpresa.Quasesolteiumsuspirodealívio.—Obrigada.Nós,hum,nãoqueríamosestragarasurpresa.Achoquevamospassar

aíefazerumavisitinha,masnãocontenadapraela.—Podedeixar!Desliguei e fiquei olhando para o celular.Veronica estava de volta, exatamente

quando pensávamos ter perdido o rastro dela. Liguei imediatamente para a sra.Terwilliger, mas caiu na caixa postal. Deixei uma mensagem de voz e, logo depois,mandeiumadetexto,dizendoquetinhaumanotíciaurgente.Meucelulartocouquandoestava prestes a ligar paraAdrian.Quase quis que fosseAlicia commais informaçõesparamedar,masviqueonúmeroeradeStanton.Respireifundoetenteiatendercomamaiorcalmapossível.—Srta.Sage—eladisse.—Recebisuamensagemontem.—Sim.Obrigadapormeligardevolta.Eu havia ligado no dia anterior, pouco antes de encontrarAdrian. O treinamento

mágicoda sra.Terwilliger tinhaganhadoprioridadenaqueledia,maseunãohaviameesquecidodomeuacordocomMarcus.—Eutenho,hum,umfavorprapedir—continuei.Stanton,queraramentesesurpreendia,ficouclaramentesurpresaagora.—Você sem dúvida tem o direito de pedir…mas não faz o tipo que geralmente

pedefavores.—Eu sei, eme sintomeiomal por isso. Então, se a senhora disser que não, vou

entender.—Naverdade,seeladissessenão,euteriaváriosproblemas,maseramelhornão parecer muito ansiosa.— Bom, estive pensando que vou ter que passar o Natalaqui… com os Moroi. E claro que entendo isso. Faz parte da missão, mas… bom,estariamentindo se dissesse que isso nãome incomoda. Então estava pensando se temalgumjeitodeeureceberpermissãoparairaumadasgrandescerimôniasdefimdeano.

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Fariaeumesentir…ah,nãosei.Maisligada.Purificada,até.Estousemprecercadaporeles aqui, por essa corrupção, sabe? Às vezes sinto que nem consigo respirar direito.Deveparecerridículo.Cortei a tagarelice. Quando Marcus tinha sugerido que eu aproveitasse o fato de

conheceralguémemSt.Louis,euhaviapensado imediatamenteem Ian.Entãopercebiquenãoseriasuficiente.Ausentar-separaalgomaisespiritualevoltadoaogrupo,comoas cerimônias anuais de fim de ano dos alquimistas, era outra questão. Muitosalquimistasrecebiampermissãoparaviajare frequentaressascerimônias.Elasestavamrelacionadas à nossa fé e à nossa união de grupo. Inclusive, Ian tinha falado delas nocasamento,comaesperançademelevaravisitá-lo.Malsabiaelequedariacerto.Maisoumenos.— Não parece nem um pouco ridículo— Stanton disse. Isso soava promissor, e

tenteiabrirospunhoserelaxar.—Estavapensandoque talvezpudesse irantesdas fériasde inverno—acrescentei.

—Jillpodeficardentrodoslimitesdaescola,entãonãodevehavertantorisco.EEddieeAngelineestãosemprecomela.EupoderiadarumapassadinhaemSt.Louisparaumaviagemrápidanofimdesemana.—St.Louis?—Quasepudevê-lafranzindoatesta.—TemcerimôniasemPhoenix

também.Seriamuitomaispertoparavocê.— Eu sei. Só… — Torci para que meu nervosismo me ajudasse a parecer

convincente.—Eu,hum,estavapensandoemverIandenovo.—Ah,entendi.—Houveuma longapausa.—Essaéuma surpresamaiordoque

vocêquerercompareceràscerimônias.Peloquevinocasamento,vocênãopareciatãoencantadapelosr.Jansen.Então eu estava certa: Stantonpercebera a paixonite dele.No entanto, ela também

havia notado que não era recíproca. Ela era extremamente observadora, o queme fezlembrardosavisosdeMarcussobrecomoosalquimistasprestavamatençãoatudooquefazíamos.Comeceiaentenderosmedosdeleeporqueretiravaseusrecrutasdasgarrasdosalquimistastãorapidamente.Seráqueeujáestavachamandoatenção?Seráquetodasessascoisinhasquefazia,incluindoessepedido,estariamlentamentemeincriminando?Mais uma vez, torci para que o nervosismome fizesse parecer uma simples garota

apaixonada, da qual Stanton teria pena. St. Louis não era tão longe de avião, e oresultadofinaldavanamesma.—Bom,aquelaeraumaviagemprofissional.Nãoqueriadesviardonossoobjetivo.—Claro.—Apausaqueelafezaseguirfoideapenasalgunssegundos,maspareceu

durar horas.—Bom, não vejo por que não deixá-la ir.Você tem feito um excelentetrabalhoe,claro,possoentenderavontadedereencontrarrostosconhecidos.Vocêestápassandomais tempo comosMoroi do quemuitos alquimistas passarão na vida e nãohesitouquandoaqueleIvashkovsejogouemcimadevocênocasamento.Tambémnãohesiteiquandoele se jogouemcimademimna fraternidade.Ouserá

quefuieuquemejogueiemcimadele?

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—Obrigada.Elameautorizouairnofimdesemanaseguinteedissequeeupoderiausarosfundos

alquimistaspara agendar aviagem.Quandodesligamos, considerei ligarpara Ian,masentãodecidiporumaabordagemmaisimpessoal.Escreviume-mailrápidodizendoqueestaria na cidade e que gostaria de encontrá-lo.Depois de pensar por alguns instantes,mandeiumamensagemparaMarcus:Tudopreparado.Chegou a hora do almoço, e Eddiememandou umamensagem perguntando se eu

poderiaencontrarJilleelenorestaurantedomeualojamento.Desciasescadasnahoramarcada e encontrei Eddie, taciturno, sentado sozinho em uma mesa. Fiquei meperguntando onde estavaAngeline e lembrei que ela não tinha sido mencionada namensagem.Emvezdefalardela,mefoqueiemquemEddiehaviamencionado.—CadêaJill?Eleapontoucomacabeçaparaooutro ladodorestaurante.Seguiseuolharevi Jill

empé, perto de umamesa, rindo e conversando. Ela estava segurando uma bandeja eparecia ter parado no caminho de volta da fila de comida. Micah e outros meninosestavamnaquelamesa,efiqueifelizdeverqueelerealmentenãopareciaterproblemasemseramigodeladenovo.—Legal—eudisse,voltandoaolharpara a comida.—Quebomqueelaestá se

dandobemcomtodomundo.Eddieolhouparamim,assombrado.—Nãovêoqueestáacontecendo?Eu estava prestes amorderminhamaçã e parei.Odiava essas perguntas ardilosas.

Significavam que eu não tinha visto alguma sutileza social, o que, aliás, não erameuforte.AoolhardenovoparaJill,tenteiadivinhardoqueeleestavafalando.—Micahestátentandovoltarcomela?—Claroquenão—Eddiedisse,comose fosseminhaobrigaçãosaber.—Eleestá

saindocomClaireCiprianoagora.—Desculpe.Nãoconsigoacompanharosnamorosde todomundo.Voucolocarna

minha lista de coisas a fazer depois de, sabe, desvendar conspirações alquimistas edescobrirseosguerreirosestãoatrásdeJill.OolhardeEddieaindaestavacravadoemJill,eeleassentiu,oquemefezpensarque

nãotinhaouvidoumapalavradoqueeutinhadito.—TraviseJuanqueremchamarJillprasair.— E daí? Ela aprendeu a lição sobre relações entre humanos e vampiros. — Eu

tambémdeveriateraprendido.—Elavaidizernão.—Mesmoassim,elesnãodeveriamincomodá-la—eleresmungou.Jill não parecia exatamente incomodada com a atenção.Na verdade, era bomvê-la

sorridenteealegredenovo.Aautoconfiançacombinavacomelaedestacava seu statusreal, eelaestavaclaramentecurtindoapaqueraqueestava rolando.Umacoisaqueeuhavia aprendido naminha educação social era que paquerar não era omesmo que saircomalguém.Minhaamiga Julia eraumaespecialistanessadiferença.Se fazia Jill feliz,

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eunãovianenhumproblemanaquilo.Paradizeraverdade,quempareciamaisincomodadocomospretendentesdeJillera

Eddie. Em tese, ele tinha a desculpa de que queria protegê-la, mas aquilo pareciapessoal. Decidi trazê-lo de volta para sua própria vida amorosa, aquela com que elerealmentedeveriasepreocupar.—EAngeline,cadê?Jillcomeçouaviremnossadireção.Parecendoaliviado,Eddiesevirouparamim.—Bom,erasobreissoquequeríamosconversar.Semprequealguémqueriafalarcomigo,significavaquealgoestranhoestavaprestes

aacontecer.Emergênciasdefatonuncatinhamintrodução.Elaseramditaslogodecara.Jácoisaspremeditadaseramummistério.—Oqueestáacontecendo?—pergunteiquandoJillsesentou.—ComAngeline?ElatrocouumolharsignificativocomEddie.—Agenteachaqueelaestá tramandoalgumacoisa—eladisse.—Algumacoisa

ruim.Denovonão.OlheiparaEddie.—Elaaindaestádistante?— Sim. Ela almoçou com a gente ontem.— Ele franziu a testa.—Mas estava

estranha.Nãoconseguiuexplicarporqueandatãoocupada.Jillconcordou.—Na verdade, começou a ficar cada vezmais brava quando a gente insistiu. Era

estranho.Achoqueelasemeteuemalgumaconfusão.Merecosteinacadeira.—Angeline normalmente se mete em confusões espontâneas, não premeditadas.

Vocêsestãofalandocomoseelaestivesseplanejandoalgumacoisaemsegredo.Nãoéoestilodela.Nomáximo,estácomprandoroupascurtasescondida.Eddiepareciaquerersorrir,masnãoconseguiu.—Éverdade.Jillnãopareceutãoconvencida.—Vocêprecisafalarcomela.Descobriroqueestáacontecendo.—Por quevocêsnão falamcomela?—perguntei,olhandoparaosdois.—Vocês

estãosemprecomela.—Nós tentamos—Jillprotestou.—Mascomoeudisse,quantomais falávamos,

maisbravaelaficava.—Bom,issoconsigoentender—retruquei.—Vejam,sintomuitosetemalguma

coisaestranhaacontecendocomela.Nãoqueroqueelasemetaemconfusão,acreditememmim.Masnãopossoficarlevandoameninapelamãootempotodo.Jáarrumeiummonitordematemáticapraela.Meutrabalhoégarantirqueelacontinuenaescolaenãodestruaodisfarce.Orestoé irrelevante,esimplesmentenãotenhotempopra isso.E,seelanãofalacomvocês,porqueachamquefalariacomigo?Eutinhasidoumpoucomaisrudedoquepretendia.Realmentegostavadetodoseles.

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Também não queria que houvesse problemas no grupo. No entanto, era sempre umpouco frustrante quando vinham atémim com dramas como esse, como se eu fosse amãedeles.Eleseramumasdaspessoasmaisinteligentesecompetentesqueeuconhecia.Não precisavam de mim, eAngeline não era nenhum gênio do crime. Descobrir osmotivosdelanãodeveriasertãodifícil.Nenhumdosdoisfalounadadeimediato.—Ésóquevocêémuitoboaemfalarcomaspessoas—Jilldisse, finalmente.—

Vocêsecomunicamuitobem.Essedefinitivamentenãoeraumelogioqueeuouviamuito.— Não faço nada de especial. Só sou persistente. Continuem tentando e talvez

consigam.—AoverqueJillestavaprestesaprotestar,acrescentei:—Porfavor.Nãomepeçamprafazerissoagora.Vocêssabemquetemmuitacoisaacontecendonaminhavidanomomento.Lancei um olhar significativo para os dois. Ambos sabiam sobre Marcus, e Jill

também sabia sobre a irmã da sra.Terwilliger. Depois de alguns momentos, elescaíramemsieambospareceramsemgraça.EddiedeuumacutucadinhaemJill.—Elatemrazão.DeveríamoscontinuartentandocomAngeline.—Estábem—Jilldisse.Meualívioduroupouco.—Vamostentarmaisumpouco.

Então,senãodercerto,Sydneypodeintervir.Solteiumresmungo.Quandonosseparamos,nãopudedeixardemelembrardocomentáriodeMarcusem

SanBernardino,sobrecomoosalquimistasficavampresosatrabalhosrotineiros.TenteimetranquilizarpensandoqueJilleEddiecuidariamdissosozinhos,equeeurealmentenão teria de intervir. Partindo do princípio, claro, de queAngeline realmente nãoestivesseplanejandonadacatastrófico.Infelizmente,essasnoçõeslogoforamabaladasquando,maistarde,entreinocircular

queme levaria aocampuscentral.Nos finsde semana, sóhaviaumônibusqueparavaem todos os prédios, e aquele tinha acabado de passar no alojamento masculino.EncontreiTrey sentado num banco, olhando pela janela com um sorriso no rosto.Quandomeviu,osorrisosedesfez.—Ei—eudisse,mesentandoaoladodele.Elepareciameionervoso.—Estáindo

estudar?—EncontrarAngeline,naverdade.Não tinha como fugir dela naquele dia, mas, pelo menos, se estava estudando

matemática, parecia improvável que estivesse planejando um golpe ou um incêndiocriminoso.Noentanto,aexpressãoconturbadadelemepreocupou.—Ela…não bateu em você de novo, bateu?—Não notei nenhumamarca,mas,

comAngeline,nuncadavaparasaber.—Hum?Não, não.Não recentemente.—Ele hesitou antes de voltar a falar.—

Melbourne,porquantotempoprecisaqueeufaçaisso?

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—Nãosei.—Euvinhameconcentrandoemfazê-lapassarpelosproblemasatuais,não futuros.Umdiadecadavez.—Aprova finaldelavai ser antesdas férias.Seelapassar,achoquevocêficalivre.Amenosquequeiracontinuardepoisdasférias…querdizer,seelanãoestivercansandomuitovocê.Issooassustoumuitomaisdoqueeuesperava.—O.k.Bomsaber.Ele parecia tão triste quando desceu no ponto da biblioteca que fiquei pensando se

aquelasrespostasdequímicateriamvalidoapena.EugostavadeTrey.NuncapenseiqueimporAngelineaelecausariaumamudançatãoradicalemsuavida.Massupusqueessefossesimplesmenteoefeitodelanomundo.Observei enquantoele se afastavae entãomedirigi aoprédiode ciências.Umadas

professoras, a sra.Whittaker, era uma botânica amadora que sempre fornecia comprazerváriasplantaseervasparaasra.Terwilliger.Elapensavaqueasra.Terwilligerutilizavaasplantasemprojetosdeartesanato,comopot-pourrievelas,enãoera raroeuterdepegarasúltimasprovisões.Quandoentreinasaladela,asra.Whittakerestavacorrigindoprovasemsuamesa.—Oi,Sydney—eladisse,quasesemlevantarosolhos.—Coloquei tudoali,em

cimadaquelebalcão.—Obrigada.Fui até lá e fiquei surpresa ao encontrar um estoque de especiarias. Era a maior

quantidadequeeujátinhabuscadoparaela.— Ela pediu bastante coisa dessa vez — a sra.Whittaker comentou, como que

imaginandomeuspensamentos.—Realmentevaiusaralhonopot-pourri?—Ah,issoépara,hum,umpratoqueelaestáfazendo.Sabecomoé,festasdefim

deanoetudomais.Ela assentiu e voltou ao trabalho. Uma coisa que sempre ajudava em questões

alquimistas(edefeitiçariatambém)eraqueaspessoasraramente imaginavammotivossobrenaturaisparacomportamentosefenômenosestranhos.Quase considerei visitar Trey e Angeline na biblioteca, para avaliar o

comportamento dela commeus próprios olhos,mas concluí que seriamelhor nãomeenvolver.EddieeJilllidariamcomoproblema.Semmaisnadaparafazer,meatreviater esperança de que realmente poderia ficar em casa e ler naquele dia. Mas, quandovolteiaoalojamento,fuirecebidapelavisãoespantosadeMarcus,sentadonumbancodolado de fora, tocando violão. Quatro meninas estavam paradas perto dele, ouvindomaravilhadas.Caminheiatéocírculoecruzeiosbraços.—Sério?—perguntei.Marcuslevantouosolhoseabriuumsorriso.Umadasmeninaschegouasuspirar.—Oi,Sydney.Quatroparesdeolhossevoltaramparamim,exibindoummistodeincredulidadee

ciúme.—Oi—eudisse.—Vocêéaúltimapessoaqueeuesperavaveraqui.

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— Nunca faço o que é previsível. — Ele jogou o cabelo para trás e começou aguardaro violãode volta no estojo.—Desculpem,meninas.Eu e Sydneyprecisamosconversar.Elasmeolharamcomaindamaisincredulidade,oquemeincomodouumpouco.Era

tão inacreditável assim que um cara bonito quisesse conversar comigo?As fãs dele sedispersaramcommávontade,eMarcuseeufomosdarumavoltapelocampus.—Você não deveria estar escondido?— perguntei.— Em vez de ficar pedindo

esmolacomoviolão?—Não pedi dinheiro pra elas emnenhummomento.Alémdisso, estou disfarçado

hoje.—Eleapontouparaabochecha,enoteiquesuatatuagemestavaquaseinvisível.—Vocêestáusandomaquiagem?—perguntei.—Nãome julgue— ele disse.—Assim posso andar por aí commais liberdade.

Sabrinameajudouaencontrarotomcertoparaaminhapele.Paramospertodeumasárvoresemquehaviacertaprivacidade.—Entãoporqueestáaqui?Porquenãoligououmandoumensagem?—Porque tenhoumaentrega.—Ele colocou amãonobolsoda camisa emedeu

uma folhadepapeldobradaqueparecia terviajadoomundoantesdechegaratémim.Quando abri e consegui alisar o papel, vi vários desenhos traçados meticulosamente.Olheidevoltaparaele.—AplantadoWade.— Como prometido. — Um pouco daquela presunção diminuiu, e ele pareceu

sinceramenteimpressionado.—VocêtemmesmoumjeitodeirparaSt.Louis?—Está tudo fechado—respondi.—Querdizer, tirandoaparteemque invadoo

servidordeles.Mastenhoalgumasideiassobrecomofazerisso.Eleriu.—Claroquetem.Nemvoumedaraotrabalhodeperguntar.Todagarotatemseus

segredos.Talvez algum dia você revele os seus. — Pelo seu tom, ele poderia estarfalandodesegredosnãoprofissionais.—Quandoissotudoacabar.—Algumdiavaiacabar?—perguntei.Eraparaserumapiada,masminhavozsoou

maistristedoqueeupretendia.Elemeolhoulongamente.—Não,naverdadenão.Mas selar a tatuagemnoMéxicoédivertido.Tomaraque

você venha com a gente. Pelomenos podemos aproveitar a praia e tomarmargaritasenquantodesfazemosmagiasperversas.Vocêtembiquíni?—Não.Enãobebo.—Entãopodemossairpratomarumcaféqualquerdia.Issoseiquevocêbebe.—Andomuitoocupada—eudisse,pensandoemtudooquemeafligia.—Evocê

sabequeeuaindanãodecidinemsevoufazeraprimeirafasederomperatatuagem.—Você deveria, Sydney.— Ele tinha retomado o ar profissional e apontou para

minhabochecha.—Faça issopelomenos.Nãodeixequeelescontrolemvocêmaisdoque já controlaram. Sei que acha a gente meio maluco, mas isso é algo que levamos

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muitoasério.—Oi,Sydney.OlheiparaoladoeviminhaamigaJuliaCavendishcarregandoumagrandepilhade

livros. Alguns segundos depois, Marcus olhou para ela também. Os olhos dela searregalaram,eelatropeçouederruboutudonochão,corando.—Ai,meuDeus.Souumaidiota.Fizmençãodeajudar,masemumafraçãodesegundoMarcusjáestavaaoladodela,

comaquelesorrisodeastrodecinema.—Acontecenasmelhoresfamílias.Prazer,souDave.—J-Julia—elagaguejou.Desdequeaconhecera,nuncaatinhavistoencantadapor

umgarotoantes.Normalmente,elaeraumadevoradoradehomens.—Pronto.—Eledevolveuoslivrosparaela,todosnumapilhaorganizada.—Obrigada.Muitoobrigada.Nãoprecisava.Tipo,aculpafoiminha.Nãocostumo

ser tão destrambelhada. E você deve estar ocupado. Deve ter muita coisa pra fazer.Claro.—NuncatinhavistoJuliafalarsemparartambém.Marcusdeuumtapinhanascostasdela,epenseiqueelafossedesmaiar.—Ésempreumprazerajudarumadonzelaemapuros.—Elemedeuumacenode

cabeça.—Precisoir,Sydney.Depoisfalocomvocê.Respondicomoutroaceno.Assimqueeleseafastou,Juliaderrubouoslivrosdenovo

ecorreunaminhadireção.—Sydney,vocêprecisamedizerqueméessecara.—Elejádisse.Dave.—Sim,masqueméessecara?—Ela agarroumeubraço e parecia estar prestes a

mechacoalharatéqueeudesserespostas.—Sóumcaraqueconheço.—Penseiumpoucomais.—Umamigo,acho.Elasegurouofôlego.—Vocêsdoisnãoestão…assim…—Quê?Não!Porquevocêpensariaumacoisadessas?—Porqueeleélindo,ué—elarespondeu,comoseissobastasseparaquefôssemos

almasgêmeas.—Vocênãoficacomvontadedearrancararoupadele?—Nemumpouco.— Sério? — Ela me examinou, como se eu estivesse brincando. — Nem um

tiquinho?—Não.Eladeuumpassoparatrásecomeçouapegaroslivros.—Caramba,Syd.Nãoseioquepensardevocêàsvezes.Tipo,ficocontentequeele

estejasolteiro…eleestásolteiro,né?Maseujáteriapartidopracimadelesefossevocê.As palavras de Jill sobre como ele era humano e tinha“aquele lance de alquimista

rebelde” me voltaram à mente.Talvez eu devesse começar a considerar Marcus oualgum outro ex-alquimista como opção romântica. Ter alguém que não fosse umvampiroproibidonaminhavidapoderia facilitar ascoisas.Tenteiprocuraremmima

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mesmareaçãoqueasoutrasmeninastinhampertodeMarcus,masnãoencontreinada.Pormaisquetentasse,simplesmentenãosentiaamesmaatraçãoporele.Ocabelodeleeraloirodemais,pensei.Eseusolhosprecisavamdeumpoucomaisdeverde.—Desculpe—eudisseaJulia.—Sónãosintonadaporele.—Seéoquevocêdiz…Aindaachovocêmaluca.Euiriaatéoinfernoporumcara

desses.Todas as reflexões sobre relacionamentosdesapareceram,e sentium frionabarriga

no caminho enquanto voltávamos para o alojamento.O inferno era uma boa analogiaparaaquiloemqueeuestavamemetendo.—Vocêpodeestarmaispertodaverdadedoqueimagina.Elasorriu.—Viu?Sabiaquevocênãoiaresistir.

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15

A sra.Terwilliger estava me esperando no saguão quando Julia e eu chegamos aoalojamento.—Sério, você colocouum aparelhode rastreamento emmim?—perguntei. Julia

deuumaolhadanorostoseverodaprofessoraefoiemborarapidinho.—Sómuita coincidência—a sra.Terwilliger respondeu.—Soubeque você tem

umanovidade.—Porincrívelquepareça,tenho.Asra.Terwilligerestavacomumaexpressãograveenquantomelevavaparao lado

de fora, para termosmais privacidade emmais uma reunião ultrassecreta ao ar livre.Nosúltimosdias,elamalpareciaamesmaprofessorahippieeestabanadaqueeuhaviaconhecidoquandoentraraemAmberwood.—Conte—elamandou.Contei sobre o telefonema deAlicia, e a expressão conturbada dela não inspirou

muita confiança. Parte de mim estivera esperando que ela revelasse algum planofantásticoeinfalívelquevinhatramandosecretamente.—Bom,nessecaso—eladissedepoisqueterminei—,achoquetereideirparalá.—Euéquevoupralá—corrigi.Elaabriuumsorrisinho.—Você já fezmais queo suficiente.Éhorade eu assumiro comandoe lidar com

Veronica.—Masasenhorajámemandoupraláantes.— Quando não tínhamos certeza de onde era o esconderijo ou do que ela estava

fazendo.Dessavez,temostestemunhasocularesconfirmandoqueelaestálá.Nãopossoperderessaoportunidade.—Elaolhouparaumrelógiopertodaportae suspirou.—Iria hoje à noite se pudesse, mas não fiz as preparações necessárias.Vou começar atrabalharnelasagoraepartiramanhãànoitinha.Tomaraquenãoapercadenovo.—Não.—Ainsubordinaçãonaminhavozfoiumasurpresaatéparamim.Eunão

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contradizia professores, nem nenhum tipo de autoridade, com frequência. Tá, naverdadenunca.—Elajánosenganouantes.Vamosinvestigarprimeiro.Vocênãopodeserevelarainda;vaiquealgumacoisadáerrado?Vaiestarprontaamanhãànoite?EntãodeixeAdrianeeuirmosládedia…querdizer,sealguémconseguirmetirardaescola.Umpoucodatensãodeladiminuiu,eelaabriuumsorriso.—Achoqueconsigofazerisso.Masodeiocontinuarcolocandovocêemperigo.—Jáultrapassamosessepontofaztempo.Elanãotinhacomoargumentarcontra isso.CombineicomAdrianquemebuscasse

nodiaseguinte,depoisdedarumabroncaem“Jet”porterdadoonúmerodetelefoneda“Taylor”.Namanhã seguinte, a sra.Terwilliger foi fiel à suapalavra.Fui liberadadasaulaspor causadeuma“viagemdecampo”.Avantagemde seruma aluna-modeloeraquenenhumdosprofessoresarranjavaproblemasquandoeufaltavaàsaulas.Elessabiamque eu faria os trabalhos. Era provável que me deixassem tirar folga pelo resto dosemestre.Durante o trajeto, contei aAdrian que havia conseguidomarcar a viagempara St.

Louis para cumprir a tarefa sinistra deMarcus.A expressão dele foi ficando sombria,maselemanteve silêncio a respeitodo assunto.Eu sabiao conflitoque aquiloeraparaele. Ele não gostava do Marcus. Não gostava que eu me envolvesse numa missãopotencialmente perigosa. No entanto, também confiava em mim para tomar minhasprópriasdecisões.Nãoerade suanaturezadiscordardemimoumedizeroque fazer,embora,secretamente,pudessequererfazerisso.Seuúnicocomentáriofoideapoio.—Tome cuidado, Sage. Pelo amor deDeus, tome cuidado. Já vi você fazer umas

coisas loucas,mas isso já édemais, atémesmopravocê.Vocêdeve ser aúnicapessoacapazdefazeralgoassim,mas…nãobaixeaguardaemnenhummomento.Quando disse que pretendia usar Ian para conseguir maior acesso, a expressão

conturbadadeAdriandeulugaraumadeincredulidade.— Espere um pouco. Deixe eu ver se entendi. Você vai seduzir um cara pra

conseguirespionarosalquimistas?SeduzirIan?Ugh.— Não tire conclusões precipitadas — repreendi. — Só vou tentar usar os

sentimentosdelepormimpraconseguiroqueeuquero.—Uau.Quefrieza,Sage.Quefrieza.— Ei.— Fiquei um pouco indignada com a acusação.—Não vou prometer me

casarcomeleedepoisdarumfora.Elemeconvidouprajantarenquantoeuestiverlá.Vamosnosdivertirevoutentarconvencê-loamelevaremumtourpelabase.Sóisso.—Eesse“convencimento”nãoenvolvenadafísico?Lancei umolharde censurapara ele e torci paraquepudessemeverpelo cantodo

olho.—Adrian.Pareçootipodepessoaquefariaumacoisadessas?— Bom… — Ele parou, e imaginei que estivesse contendo algum comentário

sarcástico. — Não, acho que não. Pelo menos não com um cara como ele.Você

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comprouumvestido?Pronto,Adrianmudandodeassuntoaleatoriamenteoutravez.—Projantarepracerimônia?Játenhoummonte.—Acho que isso responde à minha pergunta.— Ele parecia estar travando uma

grandebatalhamental.Enfim,disse:—Voudaralgunsconselhosavocê.—Ai,não.Elevoltouaolharparamim.—Quemsabemaissobreospontosfracosdoshomens,euouvocê?—Tudobem,desembucha.—Merecuseiaresponderdiretamente.—Compreumvestidonovo.Umquemostremuitapele.Curto.Semalça.Talvez

com um sutiã com enchimento também.— Ele chegou a ter a audácia de dar umaavaliadarápidanomeupeito.—Hum,talveznão.Masdefinitivamentesaltoalto.—Adrian!—exclamei.—Vocêviucomoos alquimistas sevestem.Achaqueeu

poderiausaralgoassimnumacerimônianaigreja?Elenãoestavanemligando.—Dêumjeito.Troquederoupaoualgoassim.Masgarantoque,sedesejaqueum

homem faça algo potencialmente difícil pra você, a melhor maneira é distrair o caraparaqueelenãopensenasconsequências.—Vocênãoconfiamuitonoshomens.—Ei,estoufalandoaverdade.Jámedistraímuitocomvestidossensuais.Eu não achava que fosse um argumentomuito válido, poisAdrian se distraía com

muitascoisas.Fondue.Camisetas.Gatinhos.—Entãoéisso?Mostroumpouquinhodepeleevouteromundoaosmeuspés?—Não,masajuda.—Omaisincríveleraqueeleestavafalandomuitosério.—E

você tem que fingir confiança o tempo todo, como se o negócio já estivesse fechado.Depois,quando for fazeropedido,não seesqueçadedizerquevai ficar“devendoumaparaele”.Masnão falemaisnada.A imaginaçãodelevai fazerorestodo trabalhoporvocê.Balanceiacabeça,contenteporestarmoschegandoaodestino.Nãosabiaquantomais

conseguiriaouvir.—Esseéoconselhomaisridículoquejáouvi.Émeiosexistatambém,masnãosei

quemofendemais,oshomensouasmulheres.— Ouça, Sage. Não sei muito sobre química ou invadir computadores ou

fotossíntere, mas tenho muita experiência com isso. — Acho que ele quis dizerfotossíntese, mas não o corrigi. — Use o meu conhecimento. Não desperdice meusconselhos.Elepareciatãosinceroqueeufinalmentedissequeconsideraria,emborafossedifícil

meimaginarusandoumaroupacomoaqueelehaviadescrito.Minharespostaodeixousatisfeito,eelenãodissemaisnada.Quandochegamosàpousada,coloqueiaperucamorenaparaquepudéssemosvoltara

serTayloreJet.Meprepareienquantonosaproximávamosdaporta.

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—Ondeestamosnosmetendo?—murmurei.Eutinhademonstradomuitacoragemenquanto convencia a sra.Terwilliger, mas só agora estava me dando conta de quepoderíamosdar de cara comuma feiticeira domal.Eu ainda não tinha desenvolvido acapacidadedesentiramagiadosoutros,entãopoderiamuitobemserpegadesurpresacasoelatambémtivesseencontradoumjeitodemudaraaparência.Tudooquepoderiafazer era confiar que o espírito de Adrian e o amuleto da sra. Terwilliger medisfarçariam.SeVeronicaestivesselá,pareceríamosumcasalcomum.Aomenoseraoqueeuesperava.Alicia estava lendo outra revista quando entramos. Ela usava osmesmos óculos de

arogrossoeosmesmoscolaresespalhafatosos.Seurostoseiluminouaonosver.—Vocêsvoltaram.Adrianmeabraçouimediatamente.—QuandoficamossabendoqueVeronicatinhavoltado,ficamoscomvontadedever

nossaamigalogo.Nãoémesmo,favodemel?—Sim—respondi.Pelomenoseleestavausandoapelidosmaissaudáveis.—Ah.—OsorrisoexultantedeAliciasedesfezumpouco.—Elaacaboudesair.—Vocêestádebrincadeira—eudisse.Comonossasortepoderiasertãoruim?—

Querdizerqueelajáfezoregistrodesaída?— Não, ainda está hospedada na SuíteVeludo.Acho que só saiu para resolver

algumascoisas.Mas…—Ela ficouencabulada.—Talvezeu tenha,hum,estragadoasurpresa.—Ah,é?—perguntei,cautelosa.SentiobraçodeAdrianficartensoaomeuredor,

masnãohavianadaderomânticonisso.—Nãoconseguiresistir.Disseaelaquepoderiateralgumasvisitas inesperadasem

breve.Visitasagradáveis—elaacrescentou.—Queriagarantirqueelanãoficasseforapormuitotempo.—Quegentildasuaparte—Adriancomentou.Seusorrisoestavatãotensoquanto

omeu.Aotentarnos“ajudar”,Aliciapoderiamuitobemterdestruídotudo.Oquefazeragora?Nãopreciseitomarumadecisãoimediataporqueumamulherde

meia-idadeentroupelaporta.— Oi — ela cumprimentouAlicia. — Queria saber se posso dar uma festa de

casamentoaqui.Paraaminhasobrinha.—Claro—Alicia disse, olhandodeum ladopara ooutro.Ela pareceuumpouco

confusaemrelaçãoaquemajudar,efuirápidaemintervir.—Ah— eu disse. — Já que estamos aqui, podemos dar outra olhada na Suíte

Coelhinho?Nãoconseguimosparardefalardela.Aliciafranziuatesta.—Penseiquefossempassaroaniversárionacosta…—Evamos—Adriandisse,seguindominhadeixa.—MasTaylorestavapensando

sobre oAlgodãozinho um dia desses e achamos que deveríamos reconsiderar.— Eutinhaquedarcréditoaeleporreforçarahistóriaqueeutinhainventadosobreviajarmos

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paraacosta.Maseradeseesperarqueelelembrasseonomedocoelhodementiraqueelemesmohaviacriado.—Pulinho—corrigi.—ASuíteCoelhinhoaindaestávaga?—eleperguntou.—Agentepodedaruma

olhadinharápidaenquantovocêajudaamoça.Aliciahesitouummomentoantesdeentregarumachave.—Claro.Meavisemsetiveremalgumadúvida.Peguei a chave e segui emdireção à escada comAdrian.Atrás de nós, ouvíamos a

mulher perguntando se havia problema em montar uma tenda no quintal e quantasplacaselétricasapousadapoderiasustentarsemriscodeincêndio.Quandochegamosaosegundoandar,Adriandisse:—Deixe-meadivinhar.VocêquerdarumaespiadanaSuíteVeludo.Respondicomumsorriso,contenteporeleteradivinhadomeuplano.—Sim.Muitoboaaideia,né?Setivermossorte,Aliciaficarádistraídaporumbom

tempo.—Eupoderiatercompelidoamenina—elemelembrou.—Vocêjáestáusandoespíritodemais.Encontrei a SuíteVeludo e enfiei a chave na fechadura, na esperança de queAlicia

tivessenosdadoachavemestra,enãoaespecíficadaSuíteCoelhinho.Quandoelanosmostrouolugardaúltimavez,sótinhausadoumachave.Umcliquemeinformouquetivemos sorte e que eu não teria que usar nenhuma substância química para derretermetalnaqueledia.Tínhamos visto a Suíte Veludo durante a última visita e, no geral, ela parecia

igualzinha.Lençóisdeveludo,móveiscobertosdeveludoeatéumpapeldeparedecomtextura de veludo. Só que, dessa vez, o quarto não estavamais intocado como antes.Indíciosdenunciavamqueelehaviasidoocupadorecentemente.Acamaestavadesfeita,eocheirodexampunobanheiroindicavaumbanhorecente.—TalvezAliciatenhaseenganadoeVeronicafoiembora,sim—Adriandisse.Ele

abriuumagavetadepoisdaoutraenãoachounada.Noarmário,encontrousapatosdesaltoaltoenfiadosnumcantoeumcintonocabide,coisas fáceisdeesquecerquandosearrumaamalarapidamente.—Alguémsaiudaquiàspressas.Minhas esperanças caírampor terra.Ao revelarnossa“surpresa”,Alicia parecia ter

assustado Veronica, fazendo com que ela abandonasse o quarto. Não encontramosnenhumsinaldequevoltariae,comoAdrianhaviadito,elapareciatersaídoàspressas,a julgar pelas coisas que foram deixadas para trás: uma gilete no boxe, um frasco deperfume na pia do banheiro, e uma pilha de folhetos de restaurantes na mesa decabeceira.Senteinacamaedeiumaolhadanosfolhetos,nãomuitoconvencidadequepudessem

medizeralgumacoisa.Comidachinesa, indiana,mexicana.PelomenosVeronicatinhaumgostodiversificado.Chegueiaofimdapilhaejogueitodosnochão.—Ela foi embora—eu disse.Não dava para negar os fatos.—Aquela idiota da

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AliciaabriuobicoeagoraperdemosVeronicadenovo.Adriansentouaomeulado,orostorefletindoamesmafrustração.—Vamosencontrá-la.Diminuímosavelocidadedelaescondendoasoutrasmeninas.

Talvezissonosdêtempoatéapróximaluacheia,eentãovocêpoderáusarofeitiçodeclarividênciaoutravez.—Tomara—eudisse,emboranãoestivessetãootimista.Eleajeitouumpoucodocabelodaminhaperucaeviroumeurostoparaele.—Vaificartudobem.Elanãosabenadasobrevocê.Sabiaqueeleestavacerto,masaquilonãoeraumgrandeconsolo.Encosteiacabeça

noombrodele,desejandopoderreparartodaasituação.Eraomeutrabalho,nãoera?— Isso significa que outra pessoa pode sofrer no meu lugar. Não quero que isso

aconteça.Precisodeteressamulherdeumavezportodas.—Quanta coragem.— Ele entreabriu um sorriso e passou a ponta dos dedos no

meu rosto, descendo devagar pelo pescoço até o ombro. Onde quer que me tocasse,deixava um rastro de arrepio. Como continuava a fazer aquilo comigo? Marcus, queseduzia todasasmeninasdomundo,não tinhanenhumefeito sobremim.MasumlevetoquedeAdrianmedesfaziaporcompleto.—VocêpoderiacompetircomCastile—acrescentou.—Parecomisso—adverti.—DecompararvocêaCastile?— Não é disso que estou falando, e você sabe.—As mãos dele eram perigosas

demais,assimcomoestarnacamacomele.Commedodeserbeijadamaisumavez,meafasteiderepente,eomovimentorápidoopegoudesurpresa.Seusdedosficarampresosnomeucabeloenosdoiscolares,oquefezcomqueasduascorrentesserompessemeaperucamorenaquasesaísse.Rapidamente,segureiagranadaantesquecaísse,masacruzescorregou.GraçasaDeuseutinhaseguradoamais importante.—Nadadebeijos—avisei.Prendioamuletodenovoeendireiteiaperuca.—Vocêtinhaditonadadebeijosanãosernumlugarromântico—elemelembrou.

—Está querendo dizer que este lugar não é romântico?—Ele indicou com a cabeçatodaacafonicedeveludoaonossoredor.Entãopegouapequenacruzeaergueunoar,parecendopensativoenquantoexaminavaamaneiracomoaluzerarefletidanasuperfíciedourada.—Vocêmedeuistoumavez.—Evocêmedevolveu.—Euestavabravo.—Eagora?Eledeudeombros.—Agorasóestoudeterminado.—Adrian—suspirei.—Porque continua fazendo isso?Os toques…osbeijos…

sabequenãoquero.—Nãoparecequenãoquer.— Pare de falar essas coisas. Dá raiva. Daqui a pouco vai dizer que eu estava

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pedindo.—Porqueeletinhaquesertão irritante?Tudobem,eurealmentenãotinhapassado umamensagemmuito clara na fraternidade.Ou noTortas eTal.Mas, dessavez, estava conseguindo resistir.—Acabei deme afastar de você. Precisa que eu sejaaindamaisdireta?—Não sãoexatamente suas ações—eledisse, ainda segurandoa cruz.—Éa sua

aura.Solteiumresmungo.—Não,não,issonão.Nãoqueromaisouvirsobreauras.—Masestou falandosério.—Ele seviroue seesticounacama,deitandode lado.

Entãoafagouolugaraoladodele.—Deite.—Adrian…—Nãovoubeijarvocê—eledisse.—Prometo.—Vocêmeachaidiota?—perguntei.—Nãovoucairnessa.Elemeolhoulongamente.—Vocêrealmenteachaquevouatacá-laoucoisaassim?—Não—respondirápido.—Claroquenão.—Entãodeite,porfavor.Desconfiada, me deitei de lado também, olhando para ele a poucos e intensos

centímetrosdedistância.Umolhararrebatadoeumtantodispersosurgiuemseurosto.Elehaviaseentregadonasmãosdoespírito.—Sabeoqueestouvendoagora?Aauradesempre.Umamarelo-ouroestável,forte

esaudável,compontinhosderoxoaquieali.Mas,quandofaçoisso…Elecolocouamãonomeuquadriletodoomeucorpoficoutenso.Suamãodeslizou

sobacamisetaeparounaminhacintura.Minhapeleardiasobotoquedele,eoslugaresnãotocadosansiavamporaquelecalor.—Está vendo?—ele disse. Ele estava no auge do espírito agora,mas, aomesmo

tempo, estava comigo.—Quer dizer, acho que não.Mas, quando toco emvocê, suaaura…arde. As cores ficam mais fortes, brilham com mais intensidade, o roxoaumenta. Por quê, Sydney? Por quê?— Ele me puxou para mais perto.— Por quereageassimsenãosignificonadapravocê?—Haviaumdesesperosinceroemsuavoz.Foidifícilfalar.—É instinto.Oualgoassim.VocêéMoroi.Eusoualquimista.Claroqueeu teria

umareação.Ouachouqueeuseriaindiferente?—Areaçãodamaioriadosalquimistasenvolverianojo,repulsaeáguabenta.Eraumótimoargumento.— Bom… fico mais à vontade com os Moroi do que a maioria dos alquimistas.

Talvezsejasóumareaçãopuramentefísica,causadaporhormônioseanosdeevolução.Meucorponãosabequeéerrado.Soususcetívelaodesejocomoqualqueroutrapessoa.— Devia haver um livro sobre isso ou pelo menos um artigo em alguma revistafeminina.A sombra de um sorriso perpassou seus lábios. Ele estava em completa sintonia

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comigoagora.—Não,nãoé.Querdizer,é,masnãosemmotivo.Conheçovocêosuficientepara

saberdissoagora.Vocênãoéotipodepessoa“suscetívelaodesejo”semqueexistaumsentimento para amparar esse desejo. — Ele desceu a mão para o meu quadril,deslizando-apelaminhaperna.Sentiumcalafrioeeleaproximouorostodomeu.Haviatantascoisasemseusolhos,tantodesejoetantoanseio.—Viu?Denovo.Minhachamanaescuridão.—Nãomebeije—murmurei.Foioúnicoargumentoqueconseguiformular.Seele

mebeijasse,euestariaperdida.Fecheiosolhos.—Vocêdissequenãomebeijaria.—Enãovou.—Seus lábiosestavamaumcentímetrodosmeus.—Amenosque

vocêqueira.Abriosolhos,prontaparadizernão—quenãoimportavaoqueminhaaurapudesse

estardizendo,aquilonãopoderiacontinuar.Quenãohavianenhumsentimentoportrásdaquele desejo.Tentei me agarrar ao meu argumento anterior. Eu me sentia tão àvontadepertodosMoroi agoraqueeraóbvioqueumaparteprimitivaemmim ficavaesquecendooque ele era.Eraum instintobásico.Eu estava tendouma simples reaçãofísicaaele,àssuasmãos,aosseuslábios,aoseucorpo…Eleseguroumeubraçoerolouparacimademim.Fecheiosolhosepusosbraçosem

voltadopescoçodele.Sentiseuslábiostocaremosmeus,nãoaindacomoumbeijo,masummerotoquede…Aportaseabriuemeretraí.Aliciaentrou,levouumsustoepôsamãonabocapara

abafarumgritodesurpresa.—Ah…ah—elagaguejou.—Desculpem…eu…nãoimagineique…Adrianeeunosafastamosimediatamenteenossentamos.Meucoraçãoestavaprestes

a sairpelaboca, e sabiaqueestavavermelha.Arrumei aperuca rapidinho, aliviada aoperceberqueaindaestavanolugar.Elerecuperouavozprimeiro.—Desculpe…nos animamos umpouquinho demais. Estávamos olhando os outros

quartosedecidimos,hum,experimentarumpouco.—Apesardaspalavras inocentes,eleestavacomumarpresunçoso,dotipoquesevêemummeninoqueacaboudefazeruma conquista. Era fingimento ou ele realmente achava que tinha conseguido algumacoisa?Aliciapareciatãoconstrangidaquantoeu.—Entendi.Bom,estequartoestáocupado.É…—Ela franziu a testa aoolhar ao

redor.—ÉdaVeronica.Masparecequeelafoiembora.Finalmenteconseguifalar.—Foiporissoqueachamosqueestavavazio—eudisserapidamente.—Nãotinha

nadaaqui.Felizmente,Aliciapareciaterseesquecidodanossaposiçãocomprometedora.—Que estranho.Ela não fez o registro de saída.Quer dizer, pagou adiantado em

dinheiro,masmesmoassim…Muitoesquisito.Saímos logo depois disso, mais uma vez dizendo paraAlicia que entraríamos em

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contato.Nenhumdenós faloumuitodepoisqueentramosno carro.Euestavaperdidaem meus próprios pensamentos, que se dividiam entre a frustração pelo sumiço deVeronica e a confusão causada porAdrian. No entanto, me recusava a admitir essaúltima parte, e escolhi minha tática de sempre. Quanto antes aquele momento fosseesquecido, melhor. Eu tinha quase certeza de que poderia continuar repetindo isso amimmesma.Partedemim,quasetãosarcásticaquantoAdrian,sugeriuqueeupegasseum livro sobre negação da realidade da próxima vez que passasse pela seção deautoajuda.—Maisumbecosemsaída—eudissequandoestávamosdevoltaàestrada.Mandei

umamensagempara a sra.Terwilliger: V foiembora.Nãoprecisaentraremação.Arespostadelachegoualgunsminutosdepois: Vamoscontinuartentando.Euquasepodiasentir a decepção dela pelo celular. Ela não era a única.Adrian parecia especialmentemelancólico no caminho de volta. Respondeu a tudo que eu disse, mas estavavisivelmentedistraído.Quandome deixou emAmberwood naquela noite, encontrei tudo em um silêncio

misericordioso. Nenhuma crise, nenhuma missão perigosa.Tinha a impressão de quefazia séculos que eu não tinha um momento para mim, e deitei, me sentindoreconfortadapelas tarefas rotineirasde liçãode casa e leitura.Caíno sono coma caraafundadanolivrodecálculo.Tive um daqueles sonhos absurdos que todomundo tem.O gato daminha família

conseguia falareestavadirigindooMustangdeAdrian.Elemeperguntouseeuqueriafazer uma viagem aBirmingham.Eudisse que tinhamuitos trabalhos para fazer,masque,sequisesseirparaFargo,eupoderiaconsiderar.Estávamos negociando quem pagaria a gasolina quando, de repente, o sonho se

dissolveu em trevas. Uma sensação fria tomou conta de mim, seguida por um pavorquase igual ao que senti quandoAdrian e eu enfrentamos um Strigoi no apartamentodele.Agargalhadadeumamulher soouaomeuredor, sórdidae repulsiva,comoumafumaçatóxica.Umavozsurgiudaescuridão,ecoandoemminhamente.Ela escondeu vocêmuito bem,mas não vai ser assim para sempre.Você não pode

ocultar umpoder como o seu eternamente. Estou no seu rastro.Ainda vou encontrarvocê.Mãos surgiram das trevas para me pegar, envolvendo minha garganta e me

impedindo de respirar. Gritei e acordei naminha cama, cercada por livros. Eu tinhadeixado a luz acesa, o que afugentou parte do terror do pesadelo.Mas só um pouco.Estavapingandodesuor,eminhacamisetaestavaempapada.Toqueimeupescoço,masnãohavianadadeerradocomele.Agranadacontinuavapenduradanolugar,masnãoacruz.Nãoprecisatermedodeumsonho,pensei.Nãotinhanenhumaimportânciae,aliás,

com tudo o que vinha acontecendo nos últimos tempos, era uma surpresa eu não terpesadelos com mais frequência. No entanto, quando me lembrei dele, não tive tantacerteza.Haviaalgodemuitoterrívelerealnaquelesonho,umhorrorquepareciatocar

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minhaalma.Nãoquisdormirdepoisdisso;fizumaxícaradecaféetenteivoltaraler.Funcionou

porumtempo,mas,pertodasquatro,meucorponãoaguentavamais.Caínosonoemcimadoslivrosdenovo,masdessaveznãosonhei.

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Na manhã seguinte, relatei toda a viagem à pousada para a sra. Terwilliger. Nosencontramos no Spencer’s e, numa rara demonstração de que conseguia acordar cedo,Adriannosacompanhou.—Tenho um grupo de estudos daqui a pouco— ele explicou. Seu humor estava

muitomelhor,semnenhumamençãoda…indiscriçãododiaanterior.Emboranãohouvessemuitoo que contar, surgiram rugas depreocupaçãono rosto

delaenquantoouviaanossahistória.Overdadeiropânicosurgiuquandomencioneimeusonho.Osolhosdasra.Terwilligersearregalaram,eelasegurouaxícaradecafécomtantaforçaquepenseiquefossequebrar.—Eladescobriu—murmurou.—Sejapor essa tal deAliciaoude algumaoutra

forma,Veronicadescobriusobrevocê.Nãodeveriatermandadovocêpralá.Penseiquepassariadespercebidaseasoutrasmeninasfossemenfeitiçadas,maseuestavaerrada.Fuiegoísta e ingênua. Teria sido melhor se ela soubesse que era eu quem a estavaperseguindo desde o começo.Tem certeza de que estava disfarçando a aparência deSydney?—EssafoiparaAdrian.— Positivo — ele respondeu. —Todo mundo com que conversamos, todas as

meninaseatémesmoAlicia…ninguémtemumaideiaclaradaaparênciadeSydney.—Talvezelaestejaespionandovocê—sugeri.—Eviuagentejunto.Eunãoestava

disfarçadaporaqui.—Talvez— a sra.Terwilliger concordou.—Mas também sabemos que ela está

agindoemLosAngeles.Eladeve terpassadobastante tempoperseguindoasvítimas,oque não deixaria muito tempo para que viesse até aqui e me espionasse tanto assim.Veronica pode ser poderosa, mas não consegue se teletransportar.—A expressão daminha professora endureceu, resoluta. — Bom, não há nada a fazer agora além decontrolarosdanos.Elaaindanãosabeexatamenteondevocêestáouqueestárelacionadaamim.Voufazeroutroamuletoparatentarfortaleceroquevocêjátem,maspodenãofuncionarseela já tiverencontradoumamaneiradechegaratévocê.E,enquanto isso,

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não se preocupemais com ataque.Você precisa se focar na defesa, especialmente emfeitiços de invisibilidade. Sua melhor proteção contra Veronica agora é que elasimplesmentenãoencontrevocêcasovenhaprocuraremPalmSprings.Euvinhalendosobreosfeitiçosavançadosdeataque,apesardosavisosdela.Comessa

novareviravolta,porém,sabiaqueela tinharazãoequeadefesaeramais importante.Mesmoassim,nãoconseguiamelivrardomedodequeVeronicativessemedescobertoenquantoespionavaasra.Terwilliger,oque,porsuavez,mefaziatemerpelasegurançadaminhaprofessora.—Asenhoravivedizendoqueelanãoestáatrásdasenhora…mastemcerteza?—Ela vaime evitar se puder— a sra.Terwilliger disse, como ar confiante.—

Tenho o poder, mas não a juventude e a beleza que ela procura. E nem mesmo elamatariaaprópriairmã.Éoúltimoresquíciodehumanidadequeaindalheresta.— Será que ela vai manter essa postura quando você a confrontar? —Adrian

perguntou.—Não—asra.Terwilligerrespondeu.—Nessecasovaletudo.Queriaencontrar

vocêhojeànoiteparapraticaroutrastáticasdefensivas.Olheiparaela,desconfiada.—Asenhoravaiestardisposta?Semofensas,masjápareceexausta.—Ficarei bem.Me encontre no parque de novo em torno das dez.Vou falar para

Weathersliberarvocê.Precisamosmantê-laemsegurança.—Elaficouolhandoparaonadaporalguns instanteseentãovoltoua se concentraremmim.—Considerandoasatuais circunstâncias… não seria má ideia você conseguir alguns, hum, meios maisbásicosdedefesatambém.—Básicos?—perguntei,confusa.—Elaquerdizerumaarmaouumafaca—Adrianrespondeu,entendendoantesde

mim.Asra.Terwilligerassentiu.— Se algum dia você confrontarVeronica, émais provável que resulte emmagia

contramagia…mas,bom,nuncasesabe.TerumplanoBpodesalvá-la.Nãogosteinadadessaideia.—Nãoseilutarcomumafaca.Enãogostodearmas.— Mas gostaria de entrar em coma e envelhecer antes da hora? — Adrian

perguntou.Craveiosolhosnele,surpresaaovê-loapoiaraideia.—Claroquenão.Masondeconseguiríamosumaarmaemtãopoucotempo?Pelacaraquefez,eleviuqueeutinharazão.Então,voltouaseentusiasmar.—Achoquetenhoumaideia.—Tenho certeza de que vão dar um jeito— a sra.Terwilliger disse, já com a

cabeçaemoutracoisa.Elaolhouorelógiodepulso.—Estáquasenahoradaaula.Nos levantamos, nos preparando para sair, mas puxei Adrian para trás. Não

conseguia imaginarcomoelesabiaondeconseguirumaarmaemtãopoucotempo.Ele

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nãome explicou e simplesmente disse queme encontraria depois da aula.Antes de irembora,melembreideoutracoisaquequeriaperguntar.—Adrian,vocêficoucomaminhacruz?—Asua…Ah.—Aoolharnosolhosdele,quasepudeverosacontecimentosdodia

anteriorpassandopelasuamente,incluindoomomentoemquerolamospelacama.—Deixeicairquando…ah,bom,antesdeagentesair.Vocênãopegou?Fizquenãoeorostodeleesmoreceu.—Desculpa,Sydney.—Tudobem—eudisseautomaticamente.—Nãoestátudobem,eaculpaéminha.Seicomoelaéimportanteparavocê.Elarealmenteeraimportanteparamim,maseumeculpavaquasetantoquantoele.

Deveriaterpensadonelaantesdesairmos,masestiveraumpoucoperturbada.—Ésóumcolar—eudisse.Issonãolheserviudeconsolo.Elepareciatãoabatidoquandonosseparamosquetorci

para que não se esquecesse da nossa visita ao seu fornecedormisterioso de armasmaistarde.Noentanto,nãohaviacomoquemepreocupar.Quandoasaulasterminaram,oMustangestavaemfrenteaoalojamento.Adrianpareciamaisanimado,enãovoltouamencionarocolar.Quando me contou de seu plano para a arma, fiquei em choque, mas, depois de

pensarumpouco,concluíqueelepoderiaterrazão.Eassim,poucomenosdeumahoradepois, estávamos fora da cidade, a caminho de uma casa que parecia abandonada nomeiodeumgrandeterrenodesolado.HavíamoschegadoàEscoladeDefesaWolfe.—Nuncapenseiquevoltaríamosaqui—comentei.AcasadeWolfenãotinhajanelas,enãohaviacarrosàvista.—Talvezelenãoestejaemcasa—murmureiparaAdrianenquantocaminhávamos

atéaporta.—Agentedeviaterligadoprimeiro.—Wolfenãomepareceotipoquesaimuitodecasa—Adriandisse.Elebateuna

portae,quaseinstantaneamente,ouvimosumalvoroçodelatidosepassinhosapressados.Fiz uma careta.Wolfe, por motivos que eu nunca conseguiria entender, tinha umamatilhadechihuahuasemcasa.Certavez,eledisseraqueoscãesmatariamumapessoacomumsimplescomando.Esperamos algunsminutos,mas os latidos eram o único sinal de que havia vida lá

dentro.Adrianbateumaisumavez(deixandooscachorrosaindamaisagitados)eentãoencolheuosombros.—Achoquevocêtem…Aporta se abriude repente, apenas uma fresta, e umolho cinzanos examinoupor

trásdeumacorrente.—Ah—disseumavozrouca.—Sãovocêsdois.Aporta se fechoueouvi a corrente sendodestravada.Ummomentodepois,Wolfe

saiurapidamente,comcuidadoparanãodeixarnenhumcachorroescapar.Eleusavaumtapa-olho do lado esquerdo,mas não devia fazermuita diferença, pois seu outro olho

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pareciaenxergaratravésdemim.—Vocêsdeviam ter ligado—eledisse.—Quase solteios cachorrosemcimade

vocês.Wolfe estava usando sua bermuda favorita, além de uma camiseta que exibia uma

águia-de-cabeça-brancadirigindoumcaminhãoenorme.AáguiatinhaumabandeiradosEstadosUnidosemumadasgarraseumaespadadesamurainaoutra.Eraumaescolhadearmapeculiarparaumacamisetapatriótica,masfaziatempoquetínhamosaprendidoanãoquestionaroguarda-roupadeWolfe.Aprendemosaliçãoquandoeleexpulsouumamulherdanossaturmaqueteveaaudáciadeperguntarseelesótinhaumabermudaouváriasiguais.—Doquevocêsprecisam?—eleperguntou.—Ospróximoscursos sócomeçam

depoisdoAno-Novo.Adrianeeunosentreolhamos.— Hum, precisamos de uma arma — eu disse. — Quer dizer, uma arma

emprestada.Wolfecoçouabarba.—Nãoempresto armaspara alunosquenão fizerammeucursode tiro. Segurança

vememprimeiro lugar.—Noentanto,acheipromissorqueelechegasseaemprestararmas. Era característico deWolfe sequer se dar ao trabalho de perguntar por quequeríamosuma.— Já tenho treinamento— eu disse. Era verdade. Era obrigatório para todos os

alquimistas.Eutinhamesaídobem,mas,comomencionaraaAdrian,nãogostavanemumpoucodearmas.Umafacapelomenostinhaoutrasutilidades.Masumrevólver?Sóserviaparaferirematar.Wolfe arqueou a sobrancelha do seu olho bom. Ficou claro que não acreditava em

mim.—Consegueprovar?—Osenhortemumcampodetiro?—repliqueicomfrieza.Elepareceuquaseofendido.—Claroquetenho.Ele nos levou até uma construção atrás da garagememque nos treinava. Eu nunca

havia entrado ali antes,mas, assim como na casa dele, não havia janelas.A porta erarevestidadefechadurassuficientesparaatenderaospadrõesdesegurançaalquimistas.Elenosconduziuparadentroefiqueiboquiabertaaovernãoapenasumcampodetiro,mastambémumaparedecobertapordiversostiposdearma.Wolfedeuumaolhadarápidapelopequenoabrigo.—Ostampõesdeouvidodevemestaremcasa.Jávolto.Continueicontemplandoaparede,conscientedequeestavacomosolhosarregalados.—Nãotemcomoissoestardentrodalei.ArespostadeAdrianfoiinesperada.—Vocênotouotapa-olhodele?

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Comdificuldade,tireiosolhosdoarsenal.—Hum,sim.Desdeodiaemqueoconhecemos.—Não,não.Querdizer,juroqueficavanooutroolhodaúltimavez.—Nãoficava,não—eudisseimediatamente.—Temcerteza?—Adrianperguntou.Percebi que não tinha. Palavras e números eu decorava com facilidade.Mas outros

detalhes,comoroupas,cabelooutapa-olhos,eramfáceisdeesquecer.—Nãofazsentido—eudisseporfim.—Porqueelefariaumacoisadessas?—EleéMalachiWolfe—Adriandisse.—Porquenãofariaumacoisadessas?Nãohaviacomorebateresseargumento.Wolfevoltoucomosprotetoresdeouvido.Depoisdeexaminaraparede,selecionou

umrevólverpequenoe,então,abriuumarmarinhoquecontinhaamunição.Pelomenoselenãodeixavaummontedearmascarregadasàsolta.—Podedeixar—eudisse.Pegueiaarmadasmãosdelee,semamenordificuldade,

acarreguei.Elesoltouumgrunhidobaixodeaprovaçãoeapontouparaooutroladodocampo, onde havia um grande papel recortado mostrando uma silhueta humana comváriosalvos.—Poisbem—eledisse.—Nãosepreocupeemacertaros…Disparei, esvaziandoopente comperfeiçãonos alvosmais difíceis.Devolvi a arma

para ele. E ele a devolveu para mim. Atrás dele, pude ver Adrian de os olhosarregalados.—Podeficar—Wolfedisse.—Vocêpassounoteste.Precisacomprarsuaprópria

munição,mas,sepreencheroacordodelocação,jápodelevar.Logo descobri que o “acordo de locação” era só uma folha de papel em que ele

escreviaotipodaarmadeumladoeeucolocavaminhasiniciaisnooutro.—Sério?—perguntei.—Étudoqueprecisofazer?Assim,euagradeço,mas…—

Eunãosabiamaisoquedizer.Wolfeignoroumeusprotestos.—Você é uma boa menina. Se diz que precisa de uma arma, acredito em você.

Alguémestácausandoproblemas?Coloqueiorevólvernabolsa.—Umacoisaassim.WolfeolhouparaAdrian.—Evocê?Precisadeumaarmatambém?— Estou bem assim —Adrian disse. —Além disso, não tenho treinamento.

Segurançavememprimeirolugar.Wolfe abriu o armário de munição e tirou um longo tubo de madeira e um saco

plásticocheiodoquepareciamserpequenosdardos.—Querpegarminhazarabatana?Nãodemoramuitopraaprenderausarisso.Quer

dizer, você nunca vai ter a habilidade e a astúcia dos guerreiros amazônicos de quemroubeiaarma,maspodeselivrardealgumassituaçõesperigosas.

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—Valeu,masachomelhornão—Adriandissedepoisdeváriossegundos.Elequasepareceuterconsideradoaoferta.EuaindaestavaemchoquecomaspalavrasdeWolfe,semsaberseacreditavanoque

tinhaouvido.—OsenhorjáfoiparaaAmazônia?Dessavez,Wolfearqueouasobrancelhaacimadoseutapa-olho.—Nãoacreditaemmim?—Não, não, claro que acredito— respondi rapidamente.— É só que o senhor

nuncamencionouantes.Eleficoucomoolharperdido.—Fazanosquetentoesqueceroperíodoquepasseilá.Mastemcoisasdequenãodá

parafugir.Pairouumlongosilêncioconstrangedor.Porfim,limpeiagarganta.—Bom,obrigada.Precisamosir.Tomaraqueeunãopreciseusaraarmatãocedo.— Fique com ela pelo tempo que precisar— ele disse.— Se eu quiser de volta,

encontrovocê.Depois desse comentário perturbador,Adrian e eu fomos embora.Ainda que eu

entendesseosmotivosdasra.Terwilligerparasugerirmétodosdedefesa“tradicionais”,nãoestavanemumpoucoàvontadelevandoumaarmacomigootempotodo.Teriaquedeixarorevólvernocarroparaocasodeasautoridadesdaescolaalgumdiarevistaremmeuquarto.Meuskitsdealquimiaemagiajáeramumrisco.Eutinhaquasecertezadequenãohaveriacomoargumentarseencontrassemumaarma.Adrianme levoude volta aAmberwood.Quando estava abrindo a porta do carro,

olheiparaele.—Obrigada—eudisse.—Portudo.Porteridoàpousada.Porsugerirfalarcom

Wolfe.—Ei,valeuapenasópordescobrirmosqueeletemumazarabatana.Euri.—Naverdade,ficariamaissurpresaseelenãotivesse.Vejovocêdepois.Adrianassentiu.—Antesdoquevocêimagina.—Comoassim?—perguntei,meenchendodedesconfiança.Elefugiudaperguntaeenfiouamãoembaixodoassento.— Liguei paraAlicia — ele disse, enquanto pegava uma caixinha. — Ela não

conseguiuencontraracruz.A faxineiradeles já tinhapassadoe limpadooquarto,masela falou que daria umaolhada nomeio das roupas de cama.Ah, e tambémpergunteisobreVeronica.Elanãovoltoumais.Eramnotíciasdesanimadoras,masfiqueicomovidaporeleterligado.—Obrigadapelatentativa.Eleabriuacaixaetirouumcolarcomumacruzinhademadeira.— Comprei outra pra você. Claro, sei que não tem como substituir aquela, mas

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queriadaralgumacoisapracompensar.Enãovenhamedizerquenãopodeaceitarumpresente caro— ele disse, adivinhando o protesto que eu estava prestes a fazer.—Comprei num camelô por cinco dólares, e tenho quase certeza de que a corrente é delatão.Mordi a língua e peguei o colar.A cruz não pesava quase nada. Olhando mais de

perto,pudeverumminúsculodesenhodefloresprateadasnasuperfície.—Nãofoiocamelôquefezisso.Issoétrabalhoseu.— Então… sei que você gosta de coisas mais básicas, mas eu sempre preciso de

algumenfeitinho.Passeiodedonasuperfíciedacruz.—Porqueglórias-da-manhã?—Porquenãosoumuitofãdelírios.Abriumsorriso.Quando voltei ao dormitório, deixei o colar na cômoda. Lancei um último olhar

carinhosoparaeleeentãotenteidecidirqualseriaamelhormaneiradepassarorestododia.Nossaviagemnãotinhademoradotanto,entãoeutinhatempodesobraparajantareversenãoestavaatrasadacomostrabalhosdaescola.AcabeicomendocomKristineJulia,paravariarumpouco,oquefoiumaboapausadodramadosmeusoutrosamigos.Claro, amaiorpartedo jantar consistiu em Julia falando semparar sobre“Dave”.Nofim,elaeKristinexigiramsaberquandoeuolevariaatéládenovo.Ao cair da noite, comecei ame preparar para o encontro com a sra.Terwilliger.

Não sabia ao certo que tipo de magia praticaríamos ao ar livre, mas imaginei quedeveria me preparar para qualquer eventualidade. Coloquei na bolsa uma grandevariedade de itens do kit e me precavi com uma barra de cereal para me recuperardepoisdamagia.Quandoestava tudoemordem,voltei parao andardebaixo.Estavaquasenaportadoalojamentoquandoasra.Weathersmechamou.—Sydney?Olheiparatrás.—Sim?—Aondeestáindo?Estáquasenahoradotoquederecolher.Franzindoatesta,fuiatéamesadela.—Voufazerumatarefaparaasra.Terwilliger.Asra.Weatherspareceuconfusa.—Seiquevocêtemfeitomuitascoisasassimparaela…masnãorecebiautorização

paradeixarvocêsairhojedepoisdohorário.—Elapareciaestarpedindodesculpas.—Tenhocertezadequeestátudoprogramado,mas,enfim,regrassãoregras.—Claro—eudisse.—Maseladisseque avisaria a senhora.Temcertezadeque

nãorecebeunada?Umbilhete?Umtelefonema?Elafezquenão.—Nadinha.Sintomuito.—Entendi—murmurei,mas não sabia se tinha entendidomesmo.Apesar de sua

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personalidadedistraída,asra.Terwilligercostumavaserboanessetipodecoisa.Asra.Weathersprometeuquemedeixaria saircasoa sra.Terwilligerdesseapermissãoportelefone,então,subiparaoquartoetenteiligarparaela.Caiudiretonacaixapostal,enão houve resposta paraminhamensagemde texto. Será que tinha acontecido algumacoisa? Será que aquele confronto mágico que eu vinha temendo havia finalmenteocorrido?Fiquei andandopelodormitóriopor quaseumahora, sendo consumidapor todas as

minhaspreocupações.Veronica.Marcus.St.Louis.Asra.Terwilliger.Osonho.Váriase várias vezes, fiquei imaginando o pior resultado possível para todas elas.Quando jáestavaachandoqueficariamaluca,asra.Terwilligerfinalmentemeligoudevolta.—Por que você não apareceu?—ela perguntou assim que atendi. Fiquei aliviada.

Elatinhaidoatéoparque.Issoexplicavaafaltaderespostas;nãohaviasinallá.—Eu tentei!A sra.Weathers nãome deixou sair.A senhora esqueceu deme dar

permissão.—Tenho quase certeza de que não… —A voz dela foi perdendo a força e a

segurança.—Querdizer,penseiquetinha…—Tudobem—eufalei.—Asenhoraestácommuitacoisanacabeça.—Não,nãoestátudobem.—Elapareciabrava,masconsigomesma,nãocomigo.

—Euprecisavaterfeitoisso.—Bom,asenhorapodeligarparaasra.Weathersagora—eudisse.—Agoraétarde.Jáestouemcasa.Vamosterderemarcar.—Sintomuito—eudisse.—Eutentei.Asra.Terwilligersoltouumsuspiro.—Seiquetentou.Aculpanãoésua.Éminha.Estoudeixandoissotudomecansare

agoraestouficandoesquecida.Jáassumiriscosdemaisàssuascustas,eissopôsVeronicanasuacola.Nãopossodeixarqueelaavancemais.Senti um calafrio na espinha quando pensei naquelas meninas em coma, e na

possibilidade de me tornar uma delas. Eu estava conseguindo me manter calma econtroladaduranteainvestigação,masosonhodanoiteanteriorhaviafeitocomquemedesse conta dos perigos que estava enfrentando.Aquela imagem da menina no jornalpairou emminhamente enquanto eu andava com o celular de um lado para o outro.Parei em frente ao espelho e tentei me imaginar daquele jeito, envelhecida antes dotempo. Fechei os olhos e virei o rosto. Não podia deixar isso acontecer comigo.Simplesmentenãopodia,eprecisavadasra.Terwilligerparamemanteremsegurança.Eu até podia ser umprodígio,mas não era nemumpouco capaz de enfrentar alguémcomoairmãdela.—Descanseumpouco—eudisseenfim.—Asenhoraparececansada.—Voutentar.Evocêtomecuidado,srta.Melbourne.—Podedeixar.Tomar cuidado era a única coisa que eupoderia fazer sozinha por enquanto. Sóme

restavatorcerparaqueissobastasse.

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Quandodesligamos,eunãoqueriadormir.Estavacommedo,enãoapenasdevidoaosonhodanoite anterior.A sra.Terwilliger haviameexplicadoque existia um tipodefeitiçodebuscaqueencontravapessoasduranteosono,eeutemiaque,seVeronicamealcançasseoutravez,poderiadescobrirminha localização.Oproblemaeraque,depoisdaúltimanoitemaldormida,euestavaaindamaisexaustaagora.Meucafédesempreeminhastentativasdedistraçãofracassarame,semqueeupercebesse,adormeci.Nãoseiquantotemposepassouatéeusonhar.Emummomento,estavamergulhada

noesquecimentodo sono.No seguinte, estavano salãoemqueocorrera a recepçãodeSonyaeMikhail.Eraexatamenteigual:floresemtodaparte,mesascobertasportoalhasbrancasecoposdecristal.Aúnicadiferençaeraqueosalãoestavavazioesilencioso.Eraestranhovertodoaquele luxoeglamoursemninguémparadesfrutar.Eupoderiaestarnuma cidade fantasma. Olhei para baixo e vi que também estava usando o mesmovestidodaquelanoite.—Eupoderiaterfeitoelevermelho,sabe.Caimelhoremvocê…Nãoqueazulnão

fiquebom.Adrian caminhou até mim, usando o mesmo terno azul-marinho. Finalmente

entendi.Estava emum sonhode espírito.Eramais umadas façanhas incríveis daqueleelemento, a capacidade do usuário de invadir os sonhos de outra pessoa. Não, nãoinvadir.Ousuárionaverdadecriavatodoosonho,controlandoosmínimosdetalhes.—Faztempoquevocênãomecolocanumdesses—eudisse.—Eveja comovocêprogrediu.Daúltima vez, estava gritando e esperneando.—

Eleestendeuamão.—Querdançar?—Nãotemmúsica—eudisse.Nãoquetivessealgumaintençãodedançar.Masele

estavacertoarespeitodaminhareação.Eunãohaviaexatamentegritadoeesperneado,masmeioque tiveumataque, sim.Na época, ainda tinhamuitomedode vampiros emagia, e ficar cercada por um mundo totalmente construído por magia havia medeixadoperturbada.Eagora?Agora,pelojeito,euestavatãoàvontadecomaquiloqueminhamaiorpreocupaçãoeraqueele tinhamecolocado logonaquelevestido.Aponteiparaaroupa.—Vocêpodemudarisso?—Vocêmesmapodemudar—elerespondeu.—Estouliberandoocontrole.Ésó

seimaginarcomoestánomundoreal.Fizoqueeledissee,umsegundodepois,estavausandoumacalçajeanseumamalha

azul-clara.Eleficouvisivelmentedesapontado.—Éassimquevocêdorme?—Não.—Euri.—Estavatentandonãodormir.Nãofuncionou.Porquevocême

trouxepracá?Ele andouumpoucoepegouuma taçade cristal, aprovandocoma cabeça como se

fosseumespecialistaemfabricaçãodevidro.—Exatamenteporisso.Vicomoaquelesonhotedeixouincomodada.Imagineique,

seatrouxesseparaumdesses,Veronicanãoconseguiriatealcançar.

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Eu nunca teria pensado nisso, mas a magia vampírica era sem dúvida preferível àdela.Olheiaoredor,apreciandomelhorosalão.Pareciaumsantuário,umlugarondeelanãomealcançaria.Aomenos,eraoqueeuesperava.NãofazíamosamenorideiadecomoamagiadelafuncionariacontraadeAdrian.Atéondeeusabia,elapoderiamuitobementrarpelaportacomobuquêdeSonyanasmãos.— Obrigada— agradeci, me sentando em uma das mesas.— Foi gentil da sua

parte.—EraumdaquelesmomentosincríveisemqueAdrianhaviatidoadelicadezadeadivinharmeuspensamentos…Ou,nocaso,meusmedos.—Bom, teve uma pontinha de egoísmo daminha parte.Queria ver você de novo

nessevestido.—Elepensouumpouco.—Naverdade,queriavervocêdenovonaquelevestidovermelhodoHalloween,masimagineiqueseriaforçarabarra.Desvieiosolhos,enquantoaimagemdaquelevestidovoltavaàminhamemória.Lia

DiStefano havia feito a fantasia para mim. Ela usara como inspiração uma túnica daRomaantigaeacaboucriandoumvestidoleve,vermelhoedourado.FoinaquelediaqueAdrianmedisseraqueeueraacriaturamaislindaquejátinhacaminhadosobreaterra.Issotinhaacontecidoantesdeelesedeclararparamim,mas,mesmonaquelaépoca,suaspalavras haviam mexido comigo. Pensei no que ele estava fazendo por mim agora edecididarumapequena recompensa a ele.Voltei ameconcentrarnaminha roupaeovestidoazulvoltou.—Melhorassim?—perguntei.Eleabriuumsorrisoquetambémmefezsorrir.—Sim.Torcendoparaquenãoestivesseprestesareceberumarespostasugestiva,perguntei:—Então,oqueagentevaifazer?—Tem certeza de que não quer dançar? Posso criar umamúsica.—Meu silêncio

respondeupormim.—Estábem,estábem.Quetalumjoguinho?BancoImobiliário?JogodaVida?Batalhanaval?Twister?Tanto faz,masmerecusoa jogarScrabblecomvocê.Começamos com batalha naval — eu venci — e depois passamos para Banco

Imobiliário.Esse foiumpouco trabalhosodemontarporqueAdrian sóconseguiacriarcoisasqueeracapazdeimaginar.Elenãoconseguiaselembrardetodasasruasecartas,então fizemos nosso melhor para recriá-las. Nenhum de nós conseguia se lembrar deumadasruasamarelas,entãoachamamosde“ruadoJet”.Apartida semostrou surpreendentemente equilibrada, emedeixei levarpelo jogo.

Opoderficoualternandoentrenós.Exatamentequandoumpareciatertodoocontrole,o outro se recuperava. Eu não tinha dúvida daminha capacidade de vencer… até queperdi.Fiqueialisentada,perplexa,olhandofixamenteparaotabuleiro.—Vocêjáperdeualgumjogonavida?—eleperguntou.—Eu…sim,claro…sónãoachava…—…queeupodiaganhardevocê?—Não,é sóque…nãoacontecemuito.—Levanteiosolhosparaeleebalancei a

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cabeça.—Parabéns.Eleserecostounacadeiraeriu.—Acho que ganhar de você melhorou sua opinião a meu respeito mais do que

qualqueroutracoisaquejáfiznavida.— Sempre tive uma boa opinião a seu respeito.— Eume alonguei, surpresa por

sentircãibrasnocorpo.Eraestranhocomoaqueles sonhospodiamterumcomponentetãofísico.—Fazquantotempoqueagenteestáaqui?—Nãosei.Nãoémanhãainda.—Elenãopareciapreocupado.—Oquevocêquer

jogaragora?—Nãodeveríamosjogarmaisnada—eudisse,melevantando.—Estamosaquifaz

horas.Euestoudormindo,masvocênão.Nãopodeficaracordadoanoitetoda.—Souumvampiro,Sage.Umacriaturadanoite,lembra?—Sim,masestáseguindoumhoráriohumano—repreendi.Mesmoassim,elenãopareceupreocupado.—Sótenhoumaaulaamanhã.Eucompenso.—Eoespírito?—Comeceiaandardeumladoparaooutro, inquieta,aomedar

contadasimplicações.—Vocênãopodeusarmuito.Nãofazbemparavocê.—Prefirocorrerorisco.—Elenãodisse,masestavacorrendoesseriscopormim.Volteiàmesaepareidiantedele.—Você precisa tomar cuidado. Somando isso à caça aVeronica…— Me senti

subitamentemal.Não tinha pensado duas vezes empedir a ajuda dele para aquilo. Euhaviame esquecido dos riscos.—Quando tivermos acabado comVeronica, você vaiprecisarpararcomoespírito.— Não se preocupe.— Ele sorriu.— Quando nos livrarmos daquela vaca, vou

comemorartantoquenãovouficarsóbriopordias.— Não é exatamente a melhor maneira de comemorar. Já pensou em tomar

antidepressivos?—Eusabiaqueajudavamusuáriosdeespíritoabloquearamagia.Osorrisodelesedesfez.—Nãovouencostarnisso.Lissatomoueodiou.Ficarsemoespíritoquaseadeixou

maluca.Cruzeiosbraçosemeencosteiàmesa.—Sim,masusaroespíritovaideixarvocêmalucotambém.—Chegadebroncahoje,Sage.EstáestragandominhavitóriaespetacularnoBanco

Imobiliário.Eleestavadescontraídodemaisparaumassuntotãosério,maseuoconheciabemo

bastanteparasaberquandonãoiaceder.—Estábem.Entãovamosterminarbem.Memandedevoltaedurmaumpouco.—Tem certeza de que vai ficar bem?—A preocupação dele era muito intensa.

Pensei que ninguém nunca havia se preocupado tanto comigo. Bom, talvez a sra.Terwilliger.—Elajádeveterdesistido.—Eunãofaziaideia,naverdade,masnãopodiadeixar

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queele seesforçasse tanto.A ideiadeVeronicamedescobrir aindameaterrorizava…masa ideiadeAdriansecolocaremperigoeraquaseaindamaisassustadora.Elevinhase arriscando tanto por mim. Eu não podia fazer menos por ele.—Mas você podevoltaramanhãànoite.OrostodeAdrianseiluminoucomoseeutivesseaceitadoumencontroamoroso.—Combinado,então.Derepente,o salão sedissolveuaomeuredor.Voltei a ter sonhos tranquilosepor

pouconãooouvidizer:—Bonssonhos,Sage.

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17

Emboranossosplanosmágicostivessemfracassado,asra.Terwilligerhaviapedidoqueeupassassenasaladelaantesdasaulasnamanhãseguinte,paraquepudéssemosdiscutirnossa estratégia eospróximospassos.Quasenão tive tempodepassarno restaurante,mas encontrei Jill, Eddie eAngeline sentados juntos. Parecia fazermuito tempodesdequetodosestivéramosnumasituaçãorelativamentenormal,efiqueifelizcomessebrevemomento de amizade. Era um refúgio na tempestade que vinha sendominha vida nosúltimostempos.Jillestava sorrindomuitocomalgumacoisaemqueEddienãopareciaveramenor

graça.—Elenãomecontounadadisso—eledisse.—Claroquenão.—Jilldeurisada.—Estáenvergonhadodemais.Mesenteicomabandeja.—Quemestáenvergonhadodemais?—Eusempreimaginavaquequalquermenino

dequemelesestivessemfalandofosseAdrian,emborafossedifícilimaginarAdriancomvergonhadealgumacoisa.—Micah—Jillrespondeu.—Euoconvenciamodelarparaoclubedecosturade

novo.DessavezeletrouxeJuaneTravistambém.—Comoconseguiu isso?—perguntei. JillhaviaconhecidoLiaatravésdoclubede

costuradaescola.QuandoJilleMicahaindanamoravam,elaohaviaconvencidoaservirdemodelo para algumas roupasmuitomalfeitas. Ele tinha aceitadopor amor,mas eunãotinhatantacertezadequehaviagostado.Jillsedebruçounamesa,comumbrilhoeufóriconoolhar.—Claire fezMicah se sentir culpado. Foimuito engraçado.Mas não sei como ele

convenceuJuaneTravis.Talvezelesestivessemdevendoumfavoraele.—Talvezelestenhamsegundasintenções—Eddiedisse.Fiqueisurpresacomotom

dele até me lembrar das últimas novidades que havia me contado. Será? Claire era anovanamoradadeMicah.JuaneTraviseramamigosdele,egostavamdeJill.Eddienão

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gostavadofatodequeelesgostavamdela.Entendi.Pelojeito,Eddienãotinhaescondidosuasopiniõessobreoassunto,porqueJillrevirouosolhos.—Dá pra parar de se preocupar com isso?—ela pediu. Ela estava sorrindo,mas

parecia um tanto incomodada. — Eles são caras legais. E não vou fazer nenhumabesteira.NãoprecisaficarmedandosermãosobrehumanoseMoroi.Aprendialição.Seusolhoscordejadesevoltaramparamim,eosorrisodelavacilouumpouco.Ela

meexaminouporummomentolongoeangustiante,efiqueicuriosaparasaberemqueestavapensando.Seráque ainda tinhaesperançadeum final feliz entremimeAdrian?SeráqueestavaseperguntandoporqueeueAdriannosmetíamosemtantassituaçõesdeintimidade?Eutambémqueriasaberporquê.Porfim,Jilldesviouoolhar,retomandoobomhumor.—Sóestoucuidandodevocê—Eddiedisse,obstinado.—Vocêtemquecuidardosassassinos.Dessescarascuidoeu.Nãosouumacriança

e, alémdisso,nunca tivemos tantosmodeloshomens.Vai serótimo.Seconseguirmosmaisalguns,oclubepodefazerumprojetosóderoupasmasculinas.Eddieaindapareciasériodemaisparaumadiscussãocomoaquela.— Eddie poderia se voluntariar também— sugeri. —Aposto que a postura de

guardiãodeleficariaótimanapassarela.Ele ficou vermelho, e até eu precisava admitir que foi fofo. Se Jill tinha ficado

irritadacoma superproteçãodele,nãodavamaisparanotar.Pelaexpressãoencantadadela, era de pensar que nunca tinha visto nada mais incrível do que Eddie vermelho.Acho que ele estava horrorizado demais com a ideia de desfilar numa passarela paraperceber.Angelinetinhaficadocompletamentequietaatéentão.Olheiparaela,esperandoque

tivesse algum comentário engraçado sobre seu namorado sendo incentivado a virarmodelo. Mas, para a minha surpresa, ela não estava prestando a mínima atenção àconversa.Tinhaumlivrodegeometriaabertoetentavadesesperadamentedesenharunscírculosàmão.Eratorturanteveraquilo,mas,depoisdocomentáriodeKristindequeAngeline poderia apunhalar alguém com o compasso, talvez fosse melhor desenhar àmãomesmo.—Oquevocêacha,Angeline?—perguntei,sóparatestaroníveldeconcentração

dela.—Eddiedariaumbommodelo?— Humm? — Ela não levantou os olhos. —Ah, sim.Você devia deixar Jill

experimentaralgumasroupasemvocê.AgorafoiJillquemficouvermelha.Eddie,aindamais.Quandoacheiqueocafédamanhãnãopudesse ficarmaisbizarro,Treypassoupela

mesaedeuumchutedelevenacadeiradeAngeline.—Ei,McCormick.—Eleapontouparaopapelquadriculado.—Horadedaruma

olhadanassuascurvas.Em vez de rebater com alguma resposta sarcástica, ela levantou os olhos

instantaneamente,comumgrandesorrisonorosto.

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—Estoutrabalhandonelasdesdequeacordei—eladisse.—Achoqueestãoficandoboas.—Parecemboasdaqui—Treydisse.Aqueleseramospiorescírculosqueeujátinhavistonavida,masimagineiqueTrey

estavatentandoincentivá-la.Fiqueisurpresacomaseriedadecomqueelaestavalevandoaquelanotadematemática.Paramim,pareciaqueestavapondoaquiloacimadetodooresto, inclusive sua vida pessoal. Ela juntou as coisas para que eles pudessem ir para abiblioteca. Eddie pareceu desapontado, mas não podia protestar sem revelar seurelacionamento comAngeline.Trey sabia que não éramos parentes de verdade,mas onamorodosdoisaindaerasegredo.Percebi então que estava quase na hora de encontrar a sra.Terwilliger.Terminei

minhabananaàspressasefaleiparaEddieeJillqueosveriadepois.NãofaziaamenorideiaseelesficariamconversandosobremodelosousobreavidaamorosadeJill.Aparecibemnahoradareunião,masencontreiasaladasra.Terwilligertrancadae

escura.Mesmoemtemposdecrise,penseiqueela tinhaodireitodechegarumpoucoatrasadadevezemquando,entãosenteinocorredorecomeceialermeulivrodeinglês.Estava tão concentrada quenempercebi quanto tempohavia se passado até ouvir o

sinaltocareperceberqueosalunosestavamcomeçandoalotaroscorredores.Levanteiosolhosnoexatomomentoemqueaquelaprofessorasubstitutacomarcansadochegouàportaapressadacomummolhodechaves.Levanteicomdificuldade.—Asra.Terwilligerfaltouhoje?—perguntei.—Elaestábem?—Elesnãomecontamosmotivos—asubstitutadisse,brusca.—Sómemandam

apareceraqui.Tomaraqueelatenhadeixadoumatarefadestavez.Conhecendoasra.Terwilliger,tiveopressentimentodequeseriaoutrodiade“lição

de casa”.Arrastando os pés, entrei na sala atrás da substituta, sentindo um aperto deansiedade.A hora seguinte foi angustiante.Mal ouvi a substituta nosmandar fazer a lição de

casa. Em vez de prestar atenção, ficava olhando discretamente para o celular, naesperançadequechegasseumamensagemdasra.Terwilliger.Nãoaconteceu.Fuideumaaulaparaaoutra,masestavadistraídademaisparaprestaratenção.Até

levei um susto em inglês quando quase confundi Henrique IV com HenriqueVI aoresponder a uma questão dissertativa. Felizmente, me dei conta antes de colocar esseerrovergonhosonopapel.Quandovoltei à sala da sra.Terwilligerparao estudo independenteno fimdodia,

estava esperando que a substitutame dissesse que eu poderia ir emboramais cedo denovo.Emvezdisso,encontreiaprópriasra.Terwilliger,remexendoemunspapéisnamesa.—A senhora voltou!—exclamei.—Estava commedode que tivesse acontecido

algumacoisa.—Comigonão—eladisse.Seurostoestavapálidoecansado.—Masoutrapessoa

nãoteveamesmasorte.

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—Não.De novo, não.—Me afundei numa cadeira, e todos osmedos que vinhalevando de um lado para o outro naquele dia pesaram com tudo em meu peito.—Penseiquetínhamosprotegidoaquelasmeninas.Asra.Terwilligersentounaminhafrente.—Não foram elas. Ontem à noite,Veronica atacou uma integrante do meu clã.

Alana.Leveialgunsmomentosparaprocessaranotícia.—Oseuclã…querdizer,umabruxaexperiente?—Sim.—Alguémcomoasenhora?Orostodelamedeuarespostaantesqueelafalasse:—Sim.Euestavatremendo.—Masasenhoradissequeelasóvaiatrásdegarotasjovens.—Normalmente.Assimelaconseguepegarabelezaeajuventudedelas,juntocom

opoder.—Asra.Terwilligernãopareciaterdesepreocuparcomalguémembuscadesua juventude. O cansaço e o estresse estavam surtindo efeito, fazendo com que elaparecessemais velha do que realmente era.—Algumas usuárias demagia que fazemessefeitiçosóestãopreocupadascomopoder,nãocomajuventude.MasessenuncafoioestilodeVeronica.Elaéfútil.Semprequisasvantagenssuperficiais…pranãofalardasvítimas fáceis. Alguém do meu clã seria mais difícil de atacar, o que torna essecomportamentosurpreendente.—Issosignificaquea senhorapodeserumalvo—eudisse.—Esse tempotodoa

senhoraficoudizendoqueestásegura,masissomudatudo.A sra.Terwilliger meneou a cabeça e uma centelha resoluta se acendeu em seus

olhos.—Não.Talvezelatenhafeitoissoparamedespistar,paramefazerpensarquetem

outra pessoa por trás desses feitiços. Ou talvez para me levar a pensar que não estáinteressadaemvocê.Sejaqualforomotivo,elanãovaimeatacar.Euadmiravaasra.Terwilligerporterairmãemtãoaltaconta,masnãoconseguia

ter a mesma confiança de que o carinho fraternal seria mais forte do que uma buscamalignaporpoderejuventude.— Sem querer ofender, mas não existe a mínima chance de que a senhora esteja

enganada?Asenhoradissequeelasóvaiatrásdeaprendizesjovens,masobviamentenãoéocaso.Elajáestáfazendocoisasqueasenhoranãoestavaesperando.Asra.Terwilligerserecusouadesistirdesuaopinião.—Veronicapodeestar fazendomuitas coisas terríveis,masnãovaimeenfrentar a

menosquesejaobrigada.—Elamedeuumnovolivrodefeitiçoseumabolsinha.—Esó porque ela foi atrás de uma bruxa mais velha, não significa que você não estejacorrendorisco.Marqueialgumaspáginasemquequeroquedêumaolhadinha.Temumfeitiçoaíqueachoquepodeserespecialmenteútil.Junteialgunscomponentesparavocê,

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e o resto acho que você consegue lançar sozinha…mas lembre-se de fazer num lugarafastado. Nesse meio-tempo, ainda preciso preparar aquele amuleto secundário queprometi.Muitacoisaprafazerultimamente.Sentiummistodesentimentos.Maisumavez,estavaimpressionadacomofatodea

sra.Terwilligernãomediresforçospormim.Noentanto,nãoconseguiame livrardomedodequeelaestivesseemperigo.—Talvezsejabomfazerumprasenhoratambém,porviadasdúvidas.Elaentreabriuumsorriso.—Ainda insistindonisso,hein?Enfim,depoisqueeu tivergarantidooseu,agente

pensaemoutro.Maspodelevartempo.Oqueestoupensandoparavocêéespecialmentecomplexo.Issofezeumesentiraindapior.Elasemprepareciatãocansadaultimamenteetodas

essascoisasquevinhafazendopormimsóagravavamasituação.Mas,pormaisqueeuargumentasse,elaserecusavaadarouvidos.Saídasalamesentindotristeeconfusa.Euprecisava desabafar com alguém. Claro, minhas escolhas eram limitadas quando oassuntoera esse.MandeiumamensagemparaAdrian: Vatacouumabruxadeverdadeontem à noite.A sra.T se recusa a se proteger. Ela só se preocupa comigo . Comosempre,arespostaveiorápido:Querconversar?Eu queria? Não fazia o tipo que sentava e analisava meus sentimentos, mas a

companhiamefariabem.SabiaquenãodeveriapassarmaistempocomAdriandoqueoestritamente necessário, considerando comomeus sentimentos por ele eram confusos.Maseleeraaúnicapessoacomquemqueriaconversar.Precisolançarunsfeitiçospraelaagora.Quervirmebuscareircomigo?Elemerespondeucomumacarinhafeliz.Elahaviameditoparairaalgumlugarafastado,entãodecidipeloParquedaRocha

Solitáriadenovo.QuandoAdrianeeuchegamos,olugarestavaardendosobocalordofimdetarde,eacheidifícilacreditarquefaltavamsóalgumassemanasparaoNatal.Euestava usando roupas confortáveis, como da outra vez, e tirei meu casaco deAmberwood enquanto caminhávamos penosamente pelo terreno rochoso. Ele tambémtirouocasaco,efiqueisurpresaquandovioqueestavausandoporbaixo.—Sério?—perguntei.—SuacamisetadaEIA?Eleabriuumsorrisolargo.— Ei, é uma camiseta muito boa. Estou pensando em abrir uma divisão da

fraternidadenocampusdaCarlton.—Carltoneraa faculdadeemqueele frequentavaaulasdearte.Erabempequenaenemchegavaaterfraternidades.—Umadivisão?—ironizei.—Vocênãoquerdizeraúnicadivisão?—Precisacomeçaremalgumlugar,Sage.Chegamosaomesmo localondeeuhaviapraticadocoma sra.Terwilliger,e tentei

ignorarasmarcaschamuscadasnoterreno.Adrianhaviadecididotransformaraquiloemumpiqueniquenodesertoetrouxeraumacestacomumatoalhaeumagarrafatérmicacomlimonada.

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—PenseiquepoderíamospassarnoTortaseTalnavolta, jáquevocêadoraaquelelugar— ele explicou, inexpressivo, enquantome servia um copo.—Deve dar umaforcinhapravocêdepoisdofeitiço.—Queria que tudo isso acabasse logo— eu disse, passando amão sobre o couro

gasto do livro da sra.Terwilliger. Era um volume antigo escrito à mão chamadoInvocações e conjurações. — Odeio viver com essa incerteza, com medo de queVeronica esteja espreitando a cada esquina. Minha vida já é complicada demais sembruxasnaminhacola.Adrian,sério,deitousobreatoalhaeapoiouacabeçanocotovelo.—Seéqueelaestánasuacola.Me sentei de pernas cruzadas, tomando cuidado para manter muito mais distância

entrenósdoquenaSuíteVeludo.—Asra.Terwilligernãomeouve.Elasóficasepreocupandocomigo.—Deixequeelasepreocupe—elesugeriu.—Querdizer,entendototalmenteque

vocêestejapreocupadacomela.Tambémestou.Masprecisamosaceitarqueelasabedoqueestáfalando.Elaestáenvolvidanessascoisashámuitomaistempodoqueagente.Nãoconseguiconteroriso.—Desdequandovocêestáenvolvidocommagia?—Desdequecomeceiacuidardevocê,esermásculoecorajoso.— Engraçado, não é assim que eu me lembro.—Me esforcei para manter uma

expressãoneutra.—Sepensaremtodasascaronasquedeipravocê,emcomoconseguique você frequentasse a faculdade… bom, parece que sou eu quem está cuidando devocê.Eleseinclinouparamim.—Achoqueestamoscuidandoumdooutro.Nósnosolhamose sorrimos,masnãohavianadadesensualnisso.Nãoeranenhum

joguinho,nenhumatentativamaliciosadeAdriandaremcimademim.Eeunãoestavacommedo.Éramossóduaspessoasquegostavamumadaoutra.Issomelembroudoquehavia nos unido inicialmente, antes de todas as complicações amorosas.Nós tínhamosuma conexão. Contra toda a lógica, nos entendíamos e, como ele mesmo disse,cuidávamosumdooutro.Eununcahaviatidoumarelaçãoassimcomninguémefiqueisurpresacomoquantovalorizavaanossa.—Enfim,achomelhorcolocaramãonamassa.—Baixeiosolhosparaolivro.—

Aindanão tive tempodeolharoqueelaquerqueeu faça. Issonãopareceum livrodedefesa.—Talvez você esteja passando de bolas de fogo para raios e trovões —Adrian

sugeriu.—Aposto que seria igual a atirar shurikens. Exceto que, enfim, daria paraqueimarpessoas.Quandoencontreiapáginaqueasra.Terwilligerhaviamarcado, liotítuloemvoz

alta:—InvocaçãodeCallistana.

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—Oquesignifica“callistana”?—Adrianperguntou.Examineiapalavra,tomandocuidadoparadecifraraescritarebuscadacorretamente.—Não sei. Parece a palavra grega que significa“bonito”,mas não exatamente.O

subtítuloé“Paraproteçãoeavisoavançado”.—TalvezsejaumtipodeescudocomooqueJackietinha—Adriansugeriu.—Só

quemaisfácil.—Podeser—concordei.Bemqueeugostariadeumpouquinhodeproteção.Abri a bolsinha que a sra.Terwilliger haviame dado.Dentro, encontrei resina de

sangue-de-dragão,umpequeno frascodeóleode gardênia, ramosdebagade zimbro eumcristaldequartzoesfumaçadoereluzente,rutiladocomlinhasdeouro.Emboraelativessedadoosingredientes,asinstruçõesexigiamqueeuosusasseemedissedemaneiramuitoespecífica,oque fazia sentido.Comosempre,erao trabalhodequem lançavaofeitiçoquefortaleciaamagia.Adriansentoueleuporsobremeuombro.—Nãofalaexatamenteoqueacontecequandovocêlança—elecomentou.—É…nãoestoumuitoanimadacomessaparte.—Aparentemente,quemlançasse

aquelefeitiçodeveriasaberoqueestavafazendo.Sefossealgumtipodeescudoprotetor,talvezocampodeforçasematerializasseaomeuredor,comoodasra.Terwilliger.—Enfim,nãotemostempoaperder.Logovamosdescobrir.Adrianriuenquantomeobservavacaminharatéumtrechodeterrenodescampado.—Souo único aqui surpreso por você estar praticandomagia sem saber o que vai

acontecer?—Não—garantiaele.—Nãoé.Preciseipegarosramosdebagadezimbroumaumefazerumpequenocírculocom

eles,dizendo“Fogoefumaça”cadavezquecolocavaumnochão.Quandoterminei,ungicadabagacomumagotadeóleoerecitei“Soproevida”.Dentrodocírculo,acendiumapequenapilhaderesinaecoloqueioquartzoesfumaçadoemcima.Emseguida,deiumpassoparatrásereliofeitiço,decorandoaspalavraseosgestos.Quandotivecertezadeque os sabia de cor, entreguei o livro paraAdrian e lancei umolhar esperançoso paraele.—Medesejesorte—eudisse.—Vocêfazasuaprópriasorte—elerespondeu.Tenteinãorevirarosolhosevolteiparaocírculo.Reciteiocomplexoencantamento

emgrego,apontandoparaosquatropontoscardeaisenquantofalava,deacordocomasinstruções do livro. A rapidez com que a magia se formou dentro de mim foisurpreendente, e me encheu daquele poder exultante. Pronunciei as últimas palavras,apontandoparaocírculodezimbro.Sentiamagiasairdemimepassarparaoquartzo.Entãoespereiquealgumacoisaacontecesse.Masnadaaconteceu.Voltei a olhar paraAdrian, na esperança de que ele tivesse visto algo que eu não

percebera.Eleencolheuosombros.—Talvezvocêtenhafeitoalgumacoisaerrada.

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—Deucerto—insisti.—Eusentiamagia.—Talvezsónãodêparaver.E,comoriscodelevarumabronca,precisodizerque

vocêficalindaquandofazessascoisas.Todagraciosae…—Seusolhossearregalaram.—Hum,Sydney?Aquelapedraestápegandofogo.Olheidevoltaparaocírculo.—Ésóaresinaqueestá…Parei.Ele tinha razão.Oquartzoestava soltando fumaça.Fiqueiolhando, fascinada

e,então,lentamente,oquartzocomeçouaderreter.Mas,emvezdesedissiparemumapoça, o líquido estava adquirindo outro contorno, que logo endureceu formando algonovoeinesperado:umdragãocristalino.Era pequeno— cabia na palma da mão— e brilhava como o quartzo marrom-

escuro. Pareciamais como tipo serpentino associado à cultura chinesa do que comosdragões alados da mitologia europeia. Todos os detalhes estavam esculpidosmeticulosamente,desdeacrinaatéasescamasdapele.Erafascinante.Eestavasemexendo.Solteiumgritoedeiumpuloparatrás,esbarrandoemAdrian.Elepôsumbraçoao

meu redor, damaneiramais protetora que pôde,mas estava claramente tão assustadoquanto eu. O dragão abriu suas pálpebras de cristal e olhou para nós com olhinhosdourados.Soltouumpequenogrunhidoeentãocomeçouaandarnanossadireção,comasgarrinhasraspandoasrochas.—Quediaboéisso?—Adrianperguntou.—Achaqueeusei?—Foivocêquemcriou!Façaalgumacoisa.Quasepergunteisenãoeraelequemdeveriacuidardemim,maseletinharazão: eu

tinha invocado aquela coisa. Não importava para onde andássemos ou corrêssemos, odragão continuava a nos seguir e soltar gritinhos agudos que pareciam unhas raspandonumalousa.Pegueiocelulare tentei ligarparaasra.Terwilliger,masnãohaviasinalali.Correndo até a toalha, apanheio livrode feitiços e então corridevoltaparaondeAdrian estava. Abri no índice, procurando “callistana”. Encontrei duas entradas:“Callistana, Invocaçãode”e“Callistana,Banimentode”.Eradese imaginarqueosdoisestariam lado a lado no livro, mas estavam separados por várias páginas. Procurei apágina do segundo feitiço e encontrei instruções breves e diretas: “Depois que teucallistana tiver sealimentadoedescansado,podes invocá-loebani-loduranteumanoeumdia”.Abaixo,haviaumencantamentocurto.LevanteiosolhosparaAdrian.—Dizqueprecisamosalimentaraquilo.—Seráqueassimelecalaaboca?—eleperguntou.Seubraçoestavaaomeuredor

denovo.—Nãofaçoideia.—Talvezdêparacorrermaisrápidodoqueele.Todososmeusinstintosparaesconderosobrenaturalvieramàtona.

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—Não podemos simplesmente deixar um dragão por aí pra algum excursionistaencontrar!Precisamosarranjarcomidapraele.—Nãoqueeufizesseamenorideiadoquedarparaelecomer.Comsorte,humanosevampirosnãoestavamnocardápio.UmaexpressãoresolutaperpassouorostodeAdrian.Emumagrandedemonstração

de coragem, ele avançou até a cesta de piquenique e conseguiu fechar o dragão dentrodela,baixandoatampacomforça.Ochoramingoficoumaisbaixo,masnãocessouporcompleto.—Uau—eudisse.—Másculoecorajoso.Apreensivo,Adrianolhouparaacesta.—Sóesperoquenãosoprefogo.Pelomenosestápreso.Eagora,oqueagentefaz?—Agora damos comida pra ele.—Tomei uma decisão.—Vamos levá-lo pro

TortaseTal.Não sabia se dragões comiam torta, mas era a fonte de alimento mais próxima

disponível.Alémdisso,eutinhaquasecertezadequeocelularfuncionarialá.Adriannoslevoudecarroparaopequenorestauranteenquantoeuseguravaacestabarulhentacomcuidado.Eleentrou,enquantoeufiqueinocarrotentandoligarparaasra.Terwilliger.Caiunacaixapostalenemmepreocupeicomasformalidades.Seráqueelanuncaestavapertodocelular?— Me ligueagora — eu disse entredentes. Os gritinhos do dragão estavam

começandoameirritar.Adrian voltou cerca de dezminutos depois carregando duas sacolas. Fiquei olhando

assombradaenquantoeleentravanocarro.—Vocêcomproualojatoda?—Não sabiadeque tipoelequeria—ele argumentou.Asduas sacolas continham

meia dúzia de fatias de torta diversas. O conteúdo de cada uma estava anotadocuidadosamentenoembrulho.—Tambémnãosei—eudisse.Adrianvasculhouassacolasetirouumafatiadetortadecoco.—Seeufosseumdragão,gostariadessa.Nãodiscuti,sobretudoporquenãohavianenhumargumentológiconaquelafrase.Ele

tirou a tampa da torta e então olhou paramim com expectativa. Engolindo em seco,abri a cesta e torci para que o dragão não saísse e atacasseminha cara com as garras.Adrian colocou a torta rapidamente dentro da cesta.Ansiosos, nos debruçamos paraolhar.Aprincípio, pareceuqueo dragão realmente sairia atrás de nós.Então, percebeu a

torta.Acriaturinhadecristalcheirouafatia,deualgumasvoltasaoredordelaeentãocomeçou a roê-la com mordidinhas minúsculas. O melhor de tudo foi que os gritospararam. Ficamos olhando maravilhados enquanto o dragão chegava a um terço datorta.Então,de repente, ele roloudecostas e começoua roncar.Adrianeeu ficamosali,parados,atéfinalmentecriarmoscoragemparaolharumparaooutro.—Achoquevocêestavacertosobreosabor—eudisse.

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—Seráquedáprabaniressacoisaagora?—eleperguntou.—Achaqueelecomeuedescansouobastante?Pegueiolivrodefeitiçoserelioencantamento.—Vamosdescobrirlogo.Reciteiaspalavras.Ocorpododragãosoltou fumaça.Elecomeçoua tremeluzire,

em questão de segundos, estávamos olhando para um pedaço inerte de quartzoesfumaçado.Emmais umademonstraçãode coragem,Adrian apanhou a pedra,mas amanteve o mais longe possível enquanto a examinava. O toque do meu celular nosassustou, e ele deixou o cristal cair de volta dentro da cesta.Olhei para a tela e vi onomedasra.Terwilliger.—Asenhoramefezinvocarumdragão!—exclamei.—Nadadisso—elarespondeu.—Callistanassãoumtipodedemônio.Congelei.—Demônio?—Bom—ela emendou—,umdemôniomuitopequenoenormalmentebenigno.

—Nãorespondiporumtempo.—Sydney?Aindaestáaí?—A senhorame fez invocar um demônio— respondi, com a voz dura.— Sabe

como me sinto em relação ao sobrenatural. Passou esse tempo todo tentando meconvencerdequeusamosmagiaparaobemmaiornabatalhacontraomaleacaboumefazendoinvocarumacriaturadoinferno!—Criatura do inferno?— Ela bufou.—Nãomesmo.Você não sabe nada sobre

demônios. Falei que são benignos, não falei? Callistanas podem ser muito úteis. Elesavisamsetemmagianegraporpertoeatétentamdefendervocêseforatacada.Nãoqueconsigamcausarmuitosdanos.Eunãotinhatantacerteza.—Sesãotãoúteis,porqueasenhoranãotemum?—Ah,bom, já estounumnível emqueconsigo sentirmagianegra sozinha.Além

disso, como perdão da palavra, callistanas são um saco. Eles fazem aquele barulhinhoirritante quando estão com fome. Gatos são mais do que adequados para as minhasnecessidades.—Sim—eudisse.—Noteiapartedobarulho.Deiumpoucodetortapraeleeo

transformeidevoltanumapedra.— Pronto, viu?— Fazia dias que eu não a ouvia tão contente.—Veja como já

avançou.Aconteçaoqueacontecernesseproblemãoemquenosmetemos,maisdoquenuncatenhocertezadequefizaescolhacertaaopôrvocênocaminhomágico.Euestavacomcoisademaisnacabeçaparaagradeceroelogio.—Então,oquefaçoagora?—Ele vai desaparecer sozinho depois de um ano e um dia.Até lá, pode chamá-lo

quandoprecisar.Podetentartreiná-lo.E,claro,vaiprecisardarcomidaparaele.Oquequerquefaça,eleserá lealavocê.Elecriaumvínculocomaprimeirapessoaquevêevaiprecisarpassartempocomvocê…Sydney?Aindaestáaí?

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Eutinhaficadoemsilênciodenovo.—Aprimeirapessoaquevê?—finalmenteconseguiperguntar.—Enãoapessoa

quelançouofeitiço?—Bom,normalmentesãoamesmapessoa.OlheiparaAdrian,queestavacomendoumafatiadetortadeamoraenquantoouvia

atentamenteomeuladodaconversa.—Oqueacontece se tiverduaspessoas láquandoeleabrirosolhos?Adrianestava

comigoquandofizainvocação.Agorafoielaquemficouemsilêncio.—Ah…Humm.Bom,achoquedeviaterfaladoalgumacoisaantesdevocêlançaro

feitiço.Aqueleeraoeufemismodoséculo.—A senhora devia terme falado várias coisas antes de eu lançar o feitiço!O que

aconteceseodragão…oudemônio,sei lá,viuAdrianeeu?Elecriouumvínculocomosdois?—Pense nesses termos— a sra.Terwilliger disse, depois de váriosmomentos de

consideração.—Ocallistanaachaquevocêssãoospaisdele.

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Eu definitivamente não estava esperando voltar do passeio daquele dia com a guardacompartilhada de um minidragão. (Eu me recusava a chamá-lo de demônio.) E logoficouclaroqueAdriannãoseriao“pai”maisdedicado.—Podeficarcomeleagora—elemedissequandovoltamosaAmberwood.—Eu

ficonosfinsdesemana.—Vocênãofaznadadavida—protestei.—Alémdisso,faltampoucosdiasparao

fimdesemana.Enemsabeseeleémenino.—Bom,nãoachoqueeleváseimportar,eeuéquenãovouinvestigarpradescobrir

averdade.—Adriancolocouoquartzonacestaefechouatampaantesdemeentregá-la.—Vocênãoprecisainvocá-looutravez,sabe.Pegueiacestaeabriaportadocarro.—Eu sei.Masme sintomal deixando o bicho feito pedra.—A sra.Terwilliger

haviameditoqueseriamaissaudávelparaeleseodeixassesairdevezemquando.—Viu? Já está com instintomaternal.Você tem jeito pra coisa, Sage.—Adrian

sorriuemedeuumasacolacomfatiasdetorta.Eletinhaficadocomalgumas.—Vejasó.Vocênemprecisamais rompera tatuagem.Achaqueestariacuidandodeumbebêdragãoummêsatrás?— Não sei. — Mas ele tinha razão. Provavelmente eu teria saído correndo e

gritando pelo deserto. Ou talvez tentado um exorcismo. —Vou ficar com ele porenquanto,masvocêprecisacumprirsuaparteemalgummomento.Asra.Terwilligerdissequeocallistanaprecisapassartempocomnósdois.Humm…—Hummoquê?Balanceiacabeça.—Sóestoupensandomaispra frente. Imaginandooque fariacomeleserealmente

fosseparaoMéxico.Adrianmeolhou,confuso.—OquetemnoMéxico?

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Foientãoquepercebiqueissonuncatinhavindoàtona.AdriansósabiadatarefaqueMarcus me passara e do rompimento da tatuagem, não do selamento. Eu não estavaguardando segredo sobre o resto,mas, de repente,me senti desconfortável ao contarissoparaele.—Ah. Então…Marcus diz que, depois que eu fizer esse tal ato rebelde, podemos

romperoselementosemelivrardocontroledatatuagem.Masprarealmenteconterofeitiço e garantir que a tatuagem nunca mais seja reparada, preciso tatuar em cima,como ele fez. Ele chama isso de selar a tatuagem, e só funciona com um compostoespecialqueédifícildeencontrar.ElefezadelenoMéxicoevailevaralgunsVingadoreslápraquefaçamtambém.—Entendi.—OsorrisodeAdrianhaviasumido.—Entãovocêvaicomeles?Encolhiosombros.—Nãosei.Marcusquerqueeuvá.—Claroquequer.Ignoreiotomdele.—Estoupensandoainda…maséumgrandepasso.Nãosópela tatuagem.Se fizer

isso,nãotemmaisvolta.Estareidandoascostasparaosalquimistas.—Eparanós—eledisse.—CasosóestejaajudandoJillparacumprirordens.—Vocêsabequeaquestãonãoémaisessa.—Denovonãogosteidotomdele.—

Sabequegostodela…detodosvocês.Seurostoestavasério.—Emesmoassimfugiriacomumcaraqueacaboudeconhecer.—Nãoéverdade!Nãoiríamos“fugir”juntos.Euvoltariapracá!Eviajaríamospor

ummotivomuitoespecífico.—Praiasemargaritas?Fiqueisempalavrasporalgunsmomentos.Oqueeledisseeramuitoparecidocoma

piadadeMarcus.SeráqueissoeratudoqueaspessoasassociavamaoMéxico?— Entendi agora — retruquei. —Você estava concordando plenamente que eu

rompesseatatuagemepensasseporcontaprópria,massóenquantofosseconvenienteavocê, né?Assim como aquela história deme“amar de longe”, que só funciona quandonãotemaoportunidadedepôrasmãosemmim.Eoslábios.E…tudomais.Adrianraramenteficavabravo,enãodiriaqueestavaexatamentebravoagora.Mas

comcertezaestavaexasperado.—Vocêrealmenteestánegandotantoarealidade,Sydney?Realmenteacreditaemsi

mesmaquandodizquenãosentenada?Aindamaisdepoisdoquevemacontecendoentrenós?—Nãovemacontecendonadaentrenós—respondiautomaticamente.—Atração

físicaémuitodiferentedeamor.Vocêdeveriasaberdissomelhorquequalquerpessoa.—Puxa—eledisse.Suaexpressãonãohaviamudado,masviumamágoaemseus

olhos.Euhaviaferidoossentimentosdele.—Éissoqueincomodavocê?Meupassado?Quetalvezeusejaumespecialistanumaáreaemquevocênãoé?

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—Umaáreaemquevocêadorariameeducar,né?Maisumagarotapracolocarnasualistadeconquistas.Eleficousempalavrasporalgunsinstanteseentãoergueuumdedo.— Primeiro, não tenho uma lista.— Outro dedo.— Segundo, se tivesse uma,

poderiaencontraralguémmuitomais fácilparacolocarnela.—Parao terceirodedo,ele seaproximoudemim.—E,porúltimo, seiquevocê sabequenãoéumasimplesconquista, então não finja realmente acreditar nisso. Nós passamos por muita coisajuntos.Somosmuitopróximos, temosuma ligaçãomuito forte.Eunãoestavatomadopelo espírito quando disse que você éminha chama na escuridão.Nós afugentamos astrevasumdooutro.Nossospassadosnãoimportam.Oquetemosémaiordoqueisso.Eu amo você e, por trás dessa fachada lógica, calculista e supersticiosa, sei que vocêtambémmeama.FugirproMéxicoeevitartodososseusproblemasnãovaimudarisso.Vocêsóvaiacabarconfusaeassustada.—Jámesintoassim—eudissebaixinho.Adrianserecostounobanco,comoarcansado.—Bom,essaéamaiorverdadequevocêfalouatéagora.Pegueiacestaeabriaportadocarrocomtudo.Semdizeroutrapalavra,saíapassos

durosemdireçãoaoalojamento,merecusandoaolharparatrás,paraqueelenãovisseas lágrimasque inexplicavelmentehaviamsurgidonosmeusolhos.Eusónãosabiaquepartedaconversahaviameabaladomais.Senti que conseguiria conter as lágrimas quando cheguei ao quarto, mas ainda

precisava me acalmar. Mesmo depois de tranquilizar minhas emoções, era difícilesquecer as palavras dele. Você é a minha chama na escuridão. Nós afugentamos astrevasumdooutro.Eunemsabiaoqueissoqueriadizer!Pelomenossubirclandestinamenteparaoquartocomumdragãomedistraiu.Entrei

com a cesta, na esperança de que dragões demoníacos não fossem consideradoscontrabando.Ninguémmeparouenquantoeusubiaasescadas,efiqueimeperguntandocomooprenderiaseoinvocassedenovo.Quandochegueiàporta,encontreiJillparadadoladodefora,comumbrilhoentusiasmadonosolhosverde-claros.—Querover—eladisse.Olaçoeramaisintensoemmomentosdegrandeemoção

e,a julgarpelacaraqueAdrian tinha feitoquandoodragãoestavanosperseguindo,asemoções dele estavam fortes. Fiquei me perguntando se ela havia testemunhado nossadiscussão também ou se isso não tinha passado através do laço.Talvez ela já estivesseacostumadaàtensãoentremimeeleaessaaltura.— Não posso libertar o dragão ainda — eu disse, deixando que ela entrasse no

quarto.— Preciso de alguma coisa onde possa guardá-lo. Como uma gaiola.Talvezcompreumaamanhã.Jillfranziuatesta,eentãoabriuumsorriso.—Tenhouma ideia.—Elaolhouparaomeudespertador.—Esperoquenãoseja

tardedemais.E, semexplicação, saiuprometendovoltar logo.Euaindaestavaumpoucotrêmula

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porcausadamagia,masnãohaviatidotempodecorrigirasituaçãocomtodasasoutrasagitaçõesdodia.Entãomesenteiàescrivaninhacomumlivrodefeitiçosecomiorestodatortadecremedecoco,quejáestavamole,tomandocuidadoparaantescortarforaaparte que o dragão havia comido. Não sabia se callistanas transmitiam germes, maspreferinãoarriscar.Jill voltou uma hora depois, trazendo um aquário de vidro retangular, do tipo em

quesecolocampeixesouhamsters.—Onde conseguiu isso?— perguntei, tirando o abajur da escrivaninha para que

aquilocoubesse.—Comaminhaprofessoradebiologia.Nossoporquinho-da-índiamorreualgumas

semanasatráseelaficoutristedemaisparacompraroutro.—Ela não perguntou para que você usaria?—Examinei o tanque e vi que estava

impecável. Pelo jeito, alguémo limpara depois do falecimento do porquinho-da-índia.—Nãopodemosterbichinhosdeestimação.—Faleipraelaqueestavaconstruindoumdiorama.Elanãoquestionou.—Ansiosa,

Jill colocou o aquário em cima damesa.— Podemos devolver quando você compraroutro.Coloquei o cristal de quartzo dentro do aquário e fechei a tampa com força, me

certificando de que estava bem presa. Jill insistiu mais um pouco, e finalmentepronuncieiaspalavrasdeinvocação.Depoisdesoltarumpoucodefumaça,oquartzosetransformou em dragão outra vez. Felizmente, ele não estava mais fazendo aquelebarulho, então imaginei que ainda estivesse cheio. Em vez disso, ficou andando pelotanque, examinando seu novo lar. Em determinado momento, tentou escalar um dosladosdanovagaiola,massuasgarrinhasnãoconseguiamseagarraraovidro.—Ufa,quealívio—eudisse.OrostodeJillestavamaravilhado.—Acho que ele vai ficar entediado aí dentro.Você devia comprar uns brinquedos

praele.—Brinquedosparaumdemônio?Dartortanãoéosuficiente?—Elequervocê—elainsistiu.Eraverdade.Quandoolheiparaotanque,encontreiocallistanameobservandocom

adoração.Eleestavaatéabanandoorabinho.—Não—eudisseparaele,comfirmeza.—IssonãoéumfilmedaDisneypraeu

terumamiguinhofofo.Vocênãovaisair.Corteiumpedaçodetortademirtiloecoloqueidentrodotanque,casoelequisesse

umlanchinhonoturno.Eumerecusavaaarriscarumchamadonomeiodanoite.Depoisdepensarummomento,coloqueitambémumabolinhaantiestresseeumlenço.—Pronto—eudisseaJill.—Comida,brinquedoeumacama.Estáfeliz?Ocallistanapareciaestar.Elejogouaboladeumladoparaooutroalgumasvezese

então se enrolou no ninho que eu tinha feito com o lenço. Parecia mais ou menossatisfeito,excetopelofatodequeficavaolhandoparamimatodahora.

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—Óin—eladisse.—Comoeleéfofo.Quenomevocêvaidarparaele?Comoseeuprecisassedemaisumacoisacomquemepreocupar.—O“pai”delepodedaronome.JáestoudevendoumparaoMustang.Depois de olhar o callistana encantada pormais um tempo, Jill finalmente foi para

seu próprio quarto. Eume preparei para ir para a cama também, sempre de olho nodragão.Maselenão feznadaameaçador,eeuatéconseguidormir,emborativesseumsonoagitado.Ficavaimaginandoqueeleencontrariaumamaneiradesaireviriaparaacamacomigo.E,claro,tambémtinhamedodequeVeronicaviesseatrásdemim.Acabeiatingindoumsonoprofundo,duranteoqualAdrianmelevouparaumsonho

deespírito.Depoisdanossabrigadeantes,eusinceramentenãoesperavavê-lonaquelanoite, o que haviame deixado triste.O salão do casamento sematerializou ao nossoredor,masaimagemtremiaeficavasaindodefoco.—Penseiquenãoviria—eudisseaele.Nada de trajes formais naquela noite. Ele estava usando a mesma roupa de antes,

jeans e a camiseta daEIA, embora ambos parecessem um poucomais amassados. Foientãoquemetoqueiqueeracomoeleestavanomundoreal.—AchouqueeuabandonariavocênasgarrasdaVeronica?—Não—admiti.—Qualéoproblemadosalão?Elepareceuumpoucoenvergonhado.—Meucontrolenãoestámuitobomhoje.Nãoentendiporquê…nocomeço.—Vocêestábêbado.—Bebiumpouquinho—elemecorrigiu,serecostandoemumadasmesas.—Se

estivesse bêbado, nem estaria aqui. E, na verdade, até que está bom depois de quatroWhiteRussians.—Whiteoquê?—Fizmençãodesentar,masestavacommedodequeacadeirase

desmaterializasseembaixodemim.—É um drinque— ele disse.—Era de se imaginar que eu não gostaria de uma

coisacomessenome,sabe,considerandominhaexperiênciapessoalcomrussos.Maselessão surpreendentemente deliciosos.Os drinques, não os russos.TemKahlúa também.Podeserodrinquequevocêsemprequisnavida.—Kahlúanão temgostodecafé—eudisse.—Entãonemcomece.—Euestava

morrendodecuriosidadedesaberporqueelehaviabebido.Àsvezes,Adrianbebiaparaatenuaroespírito,maselepareciaaindaquereracessaramagianaquelanoite.E,claro,duranteboapartedotempo,nemprecisavadeummotivo.Nofundo,fiqueipensandosenossabrigaoterialevadoabeber.Nãosabiaseissofaziaeumesentirculpadaoubrava.—Eutambémprecisavavirmedesculpar—eledisseesentou,aparentementesem

medodascadeiras.Porummomento,sentiummedoinexplicável,acheiqueelefosseretiraroquehavia

ditosobreeuserumachamanaescuridãoparaele.Emvezdisso,eledisse:—Sevocêprecisa irparaoMéxico terminaroprocesso, eu entendo.Foiumerro

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criticar você por isso ou sugerir que eu tinha algum poder de decisão nessa história.Umadas coisasmais incríveis sobre você é que, no fimdas contas, sempre tomaboasdecisões. Nem sempre dá pra dizer o mesmo sobre mim. Decida o que quiser, vouapoiarvocê.Aquelaslágrimasirritantesameaçaramvoltar,episqueiparaquenãorolassem.—Obrigada.Issosignificamuitoparamim…E,prafalaraverdade,aindanãoseio

quevoufazer.SeiqueMarcustemmedoqueeuacabememetendoemencrencaevolteaficarsobocontroledosalquimistas.Mas,enfim,achoquecontinuarfazendopartedosalquimistasmedariamaispodere,alémdisso…nãoquerodeixarvocê.Ahn,vocês.Eleabriuumsorrisoqueiluminoutodooseurosto.Comoumachamanaescuridão.—Bom,“nós”ficamosmuitocontentesemouvirisso.Ah,etambémseráumprazer

cuidardonossoqueridofilhotinhodedragãoenquantovocêestiveremSt.Louis.Retribuíosorriso.—Comoumapedraounaformareal?—Aindanãodecidi.Comoeleestáagora?—Estátrancadonumaquário.Achoqueeuacordariaseelesubissenacamacomigo,

entãoaindadeveestardormindo.—Aomenoseraoqueeuesperava.—Bom,tenhocertezadequesubirnacamacomvocêseria…—Adrianengoliuo

comentárioqueestavaprestesafazer.Emvezdisso,apontouparaamesaeumtabuleirodeBancoImobiliárioapareceu.—Vamosjogar?Caminheiatéamesaeexamineiotabuleiro,quetambémparecia tersofridocoma

bebedeiradele,considerandoquemetadedasruasestavaembranco.Asqueestavamlátinhamnomescomo“travessaCastile”e“avenidaChavedeCadeia”.—Estãofaltandoalgumascoisasnotabuleiro—eudisse,diplomática.Adriannãopareceupreocupado.—Bom,achoqueissomelhoraassuaschances.Nãopuderesistiràprovocaçãoemeatreviasentaremumadascadeiras.Sorripara

eleecomeceiacontarodinheiro,contenteportudoestar(relativamente)normalentrenósdenovo.

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Nãoseicomo,masperdidenovo.SeAdrianfossecapazdefazercálculosdecabeça,poderiajurarqueestavausandoseus

poderesparaafetaramaneiracomoodadorolava.Omaisprovável,porém,eraqueeletinhaumtalentonaturale inexplicávelparaBanco Imobiliário…oumuita,masmuitasorte.Apesar de tudo, foi divertido, e perder para ele era muito melhor do que terVeronicame atormentando durante o sono. Ele continuou ame visitar em sonho nosdiasseguintese,emboraeununcamesentissecompletamenteasalvodeVeronica,pelosmenosnãoprecisavagastarmeusneurôniosmepreocupandocomelaotempotodo.EssahonrapassouaserdaminhaviagemparaSt.Louisnofimdesemana,quechegouantesdoqueeuimaginava.Depoisqueentreinoavião,medeicontadoqueestavaprestesafazer.Aqueleerao

ponto de virada. Na segurança de Palm Springs, eu vinha conseguindo manter umapostura relativamente calma e controlada. St. Louis parecera muito longe até então.Agora, as tarefas diante de mim pareciam colossais e um tanto malucas. Sem falarperigosas.Não havia nenhuma parte daquilo que não pudessememeter em encrenca.Mentir para Stanton. Invadir servidores ultrassecretos.Até mesmo seduzir Ian paraconseguirinformaçõespoderiaterconsequências.E, sinceramente, quem era eu para achar que conseguiria seduzi-lo e arrancar

segredosdele?EunãoeracomoRoseouJulia.Oshomenssejogavamaospésdelas.Maseu?Eunãotinhaomenortraquejosocialeomenorjeitocomromance.Ianpoderiaatégostar demim,mas isso não significava que eu tinha algum podermágico sobre ele.Claro,seessapartedoplanofracassasse,euficarialivredasoutrastarefas.Aquilotudoeracompletamenteopressivoe,enquantoeuolhavafixamentepelajanela

do avião, observando St. Louis se aproximar cada vezmais,meumedo foi crescendo.Minhasmãosestavamsuadasdemaisparasegurarumlivroe,quandorecuseicomida,foiporcausadofrionabarriga,nãoporumaobsessãocomcalorias.Não conseguia decidir se ficava em um quarto de hotel ou na própria base, que

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hospedava alquimistas em visita como eu. No fim das contas, me decidi pelo hotel.Quantomenostempopassassesoboolharvigilantedosmeussupervisores,melhor.Assim também não teria que me preocupar que minha roupa chamasse muita

atenção. Não tinha seguido todas as sugestões deAdrian, mas o vestido que haviacompradoparaaviagemeraumpoucomaischamativodoqueeuusavanormalmentenodia a dia. Certo, muito mais chamativo.Teria destoado completamente dos trajessimplesedecoresneutrasdosalquimistas.Mas,quandoencontreiIannosaguãodohotelparaojantar,percebiquetinhafeitoaescolhacerta.—Uau—eledisse,deolhosarregalados.—Vocêestáincrível.Pelojeito,osinstintosalquimistasdelenãoseofenderamcomaminharoupa.Eraum

vestido justoque iaatéomeiodacoxa,abertonascostasecomumdecote tãograndequemedeixavaconstrangida,juntandoosseiosaumpontoqueeunemachavapossível.Qualquermodéstiaqueasmangaslongaspudessemoferecereradesfeitapelacombinaçãodetecidos:umforrobegecobertoderendapretaemarrom.Davaailusãodequeeunãoestava usandonada por baixo.A vendedora haviame garantido que todas as partes dovestido deveriam ficar apertadas daquele jeito (pela primeira vez na vida, eu tinhapedido para experimentar um númeromaior) e que eu precisava de um salto de pelomenosdezcentímetrosparafazeroconjuntofuncionar.Comaajudadeváriosgrampos,eu tinha até conseguido prender o cabelo em um coque, o que não era nada fácil commeucorteemcamadas.Fiqueienvergonhadaenquantoatravessavaosaguão,masninguémmelançounenhum

olharestarrecido.Ospoucosquerecebiforamdeadmiração.Ohotelerabemchique,eeuerasómaisumaentreasváriasmulheresusandovestidoformal.Nadaescandalosoouforadocomum. Vocêconsegue,Sydney. Eusarumvestidoreveladornãodeviasertãodifícilquantoinvadirumservidor,certo?Certo?SorriquandomeaproximeideIanedeiumrápidoabraçonele,oquefoiestranho—

emparteporqueeraIan,emparteporqueeumesentianuanaquelevestido.Esselancedemulherfataleramaisdifícildoqueeuimaginava.—Quebomvervocêdenovo—eudisse.—Seicomodeveserinconveniente,tão

emcimadahora.Iansacudiuacabeçacomtantaforçaquequaseespereiouvirumchocalho.—Nã…não.Inconvenientenenhum.Convencidadequeeletinhadadoumaboaolhada,vestimeucasacopreto,eapontei

paraasaída.—Vamosenfrentarofrio?Ele correu na minha frente para abrir a porta.Alguns flocos de neve dispersos

estavam caindo e pousaramnomeu casaco e nomeu cabelo.Meu hálito formava umanuvem gélida no ar, e tive uma lembrança súbita de atravessar o terreno baldio comAdrianparausarofeitiçodeclarividência.MalsabiaeuqueprocurarMarcusresultariaemcumprirmissõesparaeleemumvestidojusto.

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Ian havia parado o carro no estacionamento em frente ao hotel. Ele dirigia umCorolla,queeraaindamaissemgraçaporserbranco.Umambientadoremformatodeárvore ficava pendurado no espelho retrovisor,mas, em vez de ter o aroma de pinhotradicional, umpequeno rótulo chamava o perfumede“Cheirinho de carro novo”.Naverdade, fedia a plástico. Assumi uma expressão destemida. Marcus estavadefinitivamentemedevendouma.—Fiz uma reserva para nós num restaurante de frutos domarmuito bom—ele

disse.—Ébempertodabase,entãopodemosirparaacerimônialogodepois.—Pareceótimo—eufalei.Eununcacomiafrutosdomaremumestadotãolonge

dacosta.O restaurante se chamava Esconderijo Fresco, o que não melhorou muito minha

opinião sobre ele. Mesmo assim, eu precisava dar crédito pela tentativa de criar umambiente romântico.A maior parte da iluminação vinha de velas, e um pianista nocantotocavamúsicasagradáveis.Outraspessoasbem-vestidasenchiamasmesas,rindoeconversandodiantedetaçasdevinhoecoquetéisdecamarão.Orecepcionistanosguiouatéumamesanocanto,cobertaporumatoalhabordôedecoradacomumramalhetedeorquídeasverdes.Eununcatinhavistoumatãodepertoefiqueisinceramentefascinadacom sua aparência exótica e sensual. Se ao menos estivesse ali com qualquer outrapessoa…Hesiteiemtirarocasaco.Faziacomquemesentisseexposta,epreciseimelembrar

das consequências da ligação entre alquimistas e guerreiros.Assim que o vestido foirevelado outra vez, tive o prazer de ver Ian se derreter de novo. Eu me lembrei doconselho deAdrian sobre autoconfiança e abri um sorriso convencido, na esperança dedara impressãodequeestavafazendoumgrandefavoraIanaopermitirqueficassenaminha presença. E, para a minha surpresa total e absoluta, pareceu funcionar.Inesperadamentemepegueicomumpensamentoperigoso:talveznãofosseovestidoquetinhapoderali.Talvezfosseeu.Abriocardápioecomeceiaprocurarumaopçãodecarneoufrango.—Oquevocêrecomenda?—Odouradoéótimo—eledisse.—Opeixe-espadatambém.Ogarçomparouaonossolado,epediumasaladaCaesardefrango.Imagineiqueeles

nãoteriamcomoerrarasanchovasnomolho.Ficamossozinhosesperando,semnadaparafazersenãoconversar.Iancomeçou:—Achoquenãopodemefalarondeestá,né?— Desculpe, mas não posso. Sabe como é.— Passei exatamente meia colher de

manteiga numpãozinho.Nãoqueria exagerar,mas poderiamepermitir umpoucodeprazer já que havia pedido uma salada.—Posso dizer que estou em campo.Mas nãopossocontarmuitomais.OsolhosdeIansedesviaramdomeudecoteesevoltaramparaachamadavela.—Tenhosaudadedisso,sabe.Ficaremcampo.

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—Você ficava, né? O que aconteceu?— Eu não tinha pensado muito sobre issoultimamente,mas, quando Ian acompanhara Stanton e eu até a corteMoroi, ele haviasido tirado de seu posto para fazer a viagem. Ele tinha uma missão mais no sul, naFlóridaounaGeórgia,seeunãoestivesseenganada.—OqueaconteceufoiqueaquelesMoroinosprenderam.—Elesevirouparamim

emesurpreendicomafúriaemseuolhar.—Nãolideimuitobemcomisso.—Nenhumdenóslidou.Elebalançouacabeça.— Não, não. Eu realmente não lidei bem. Meio que perdi a cabeça. Eles me

mandaramparaocontrolederaivadepoisdisso.Quase deixei o pãozinho cair. Por essa eu não esperava. Semepedissempara citar

dez pessoas que precisavam de controle de raiva, Ian não estaria nem no fim da lista.Meupai,poroutrolado,estariapertodotopo.—Por…porquantotempovocêficoulá?—gaguejei.—Duassemanas,edepoismedeixaramsair.Eunãosabiaa intensidadedaraivaqueelehaviasentidoparaser levadoaocontrole

deraiva,masacheiinteressantequeduassemanasforamobastanteparaosalquimistasoconsideraremprontoparatrabalhardenovo.Enquantoisso,oesquemadeKeithdeusarosMoroiparaganhardinheirohaviafeitocomquemerecessepelomenosdoismesesnareeducação—talvezmais,jáqueeunãoouvianotíciasdelefaziatempo.—Maselesnãomedeixarammaistrabalharemcampo—Ianacrescentou.—Acho

quenãopossoficarpertodosMoroiporumtempo.Éporissoqueestoupresoaqui.—Nosarquivos.—Sim.— Não parece tão ruim— eu disse a ele. Não era totalmente mentira.— Um

montedelivros.—Nãoseengane,Sydney.—Elecomeçouadespedaçaropãodecenteio.—Sósou

umbibliotecáriosupervalorizado.Talvez,masnãoeracomissoqueeuestavapreocupada.Minhapreocupaçãoeraque,

segundoWade, os arquivos ficavam em um andar protegido, logo acima da sala devigilância que abrigava as imagens de segurança. Ele haviame desenhado ummapa decada andar, fazendo questão de que eu memorizasse a planta e os melhores jeitos deentraresair.—Mesmo assim, eu adoraria ver— eu disse.—Quer dizer, a história que eles

contêm é fascinante. — Também não era totalmente mentira. Eu me debrucei,pousandooscotovelosnamesa,etiveoprazerdeverosolhosdeledesceremparaomeudecote.Nãoeratãodifícil.Parafalaraverdade,nãosabiaporquenãotinhacomeçadoausarmeus“encantos femininos”muitoantes.Claro,não sabiaque tinhaalgumencantofeminino até aquelemomento.—Vocêpoderiame levar emum tour?Nos arquivos,especificamente.Vocêpareceotipodepessoacomacessoa…muitoslugares.Ianengasgoucomopãozinho.Depoisdeumacessodetosse,olhouparaomeurosto,

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depoisparameudecote(denovo)edepoisnovamenteparameurosto.—Hum, eu adoraria,mas não é exatamente aberto ao público…quer dizer, nem

mesmopropúblico alquimista. Só quem tem autorização especial de pesquisador podeentrar.Maspodemosvisitaraspartesdeacessogeraldoprédio.—Ah.Entendi.—Baixeiosolhosparaoprato,fazendoumlevebeicinho,masnão

dissemaisnada.Quandoogarçomchegoucoma comida, torciparaquemeu silêncioestivessefazendocomqueelereconsiderasseoquepoderiaestarperdendo.Por fim, Ian não conseguiu aguentar mais. Ele pigarreou, talvez porque ainda

estivessecompãopresonagarganta.— Bom, talvez eu consiga… sabe, o problema é levar você para os andares de

segurançamáxima.Seagentepassassepelopostodecontrole,nãoseriadifícillevarvocêatéosarquivos,aindamaisseeuestivertrabalhando.— Mas você não pode fazer nada em relação ao posto de controle principal? —

provoquei,comosetodohomemdeverdadedevessesercapazdefazerisso.—Não, quer dizer… talvez.Tenho um amigo que trabalha lá.Não sei se ele vai

trabalhar amanhã,mas,mesmo assim, talvez possa ajudar. Ele estáme devendo umagrana,entãopossousarissocomomoedadetroca.Acho.—Ah, Ian.—Abriumsorrisoqueesperava ser tãobomquantoodeMarcus.—

Que incrível.—Eume lembreidoqueAdrianhaviadito.—Vou ficardevendoumapravocêsefizerissopormim.Ele ficou visivelmente contente com a minha reação, e fiquei me perguntando se

Adrianestavacertosobreainterpretaçãode“ficardevendouma”.— Ligo pra você hoje à noite, depois da cerimônia — Ian disse. Ele parecia

determinadoagora.—Tomaraquedêcertoantesdoseuvooamanhã.Euorecompenseiescutandoatentamenteatodasassuaspalavraspelorestodojantar,

como se nunca tivesse ouvido nada tão fascinante. Enquanto isso, meu coração estavaaceleradocomaideiadequeagoraeuestavaaumpassodecumpriratarefadeMarcus,a um passo de talvez provar uma conexão entre um bando de fanáticos armados e aorganizaçãoaqueeutinhaservidotodaaminhavida.A salada eraminúscula, então aceitei vero cardápiode sobremesas depois doprato

principal. Ian sugeriu que dividíssemos,mas achei essa ideia um pouco íntima demaisparaomeugosto,semfalarqueeraanti-higiênica.Acabeicomendoumafatiadetortade limão sozinha, confiante que ainda faltava muito para atingir dois quilos. QuandoAdrianmedisseraqueeupareceriamaissaudávelseganhasseumpouquinhodepeso,elehaviaacrescentadoqueeupoderiaaumentarotamanhodomeusutiã.Eunemconseguiaimaginaroqueissofariaporaquelevestido.Abase alquimistaemSt.Louis ficavadentrodeumcomplexo industrial gigantesco

sob a fachada de uma fábrica. Instituições Moroi — a corte e suas escolas —normalmente fingiam ser universidades. Era irônico o fato de “criaturas da noite”viverememmeioa jardinslindamenteplanejados,enquanto“servosdaluz”,comonós,seescondiamemprédiosfeiosesemjanelas.

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Dentro,porém,tudoeralimpo,reluzenteeorganizado.Umarecepcionistafeznossoregistrodeentradaquandochegamosaoguichêprincipalenosdeupassagem,juntocommuitosoutrosquehaviamchegadopara a cerimônia.Havia líriosdouradospor toda aparte.Paramuitos,eraumeventofamiliarmuitoanimado,eváriascriançasarrastavamseus pais alquimistas.Tive uma sensação estranha ao olhar para aquelas crianças quehaviam nascido dentro do mundo alquimista. Fiquei pensando como elas se sentiriamdali a dez anos. Será que estariam animadas em assumir o desafio?Ou começariam aquestionaroquehaviamaprendido?A base tinha três andares acima do nível do solo e cinco abaixo. Seria difícil para

pessoascomunssimplesmenteentraremali,mas,mesmoassim,tomávamosprecauções,mantendoassalasmaisnormaisnoandarprincipal.Enquantopercorríamosocorredorem direção ao auditório, passamos pelo departamento financeiro, de viagem e demanutenção. Todas as salas tinham janelas abertas que davam para o corredor,mantendooidealalquimistadequenãotínhamosnadaaesconder.Assalasdesegurançamáximanosubsolo,porém,nãoeramtãoacessíveis.Eu já tinha visitado aquela base uma vez para um seminário de treinamento, que,

aliás,haviaacontecidonomesmoauditórioemqueentramosparaacerimônia.Apesardo tomespiritual do evento, o salão quasenão lembrava uma igreja.Alguémhavia sedado ao trabalho de decorar as paredes com guirlandas de sempre-viva enfeitadas comlaços vermelhos e de colocar vasos de bico-de-papagaio no palco. O salão tinhaequipamento audiovisual de última geração, incluindo uma tela gigante que dava umavisãograndiosadetudooqueacontecianopalco.Oauditórioeratãobempensadoqueaté quem estava sentado nos cantos mais extremos tinha uma boa visão, por issoimagineiqueatelaservissesóparadardestaque.Ianeeunossentamospertodomeiodoauditório.—Vocênãovaitirarseucasaco?—eleperguntou,esperançoso.Eu é que não deixaria o vestido à mostra naquele retiro de cinza, marrons e

colarinhosaltos.Alémdomais,secontinuassecomocasaco,dariaalgoparaeleesperaransioso.Adrianseorgulhariadaminhacapacidadedemanipularosexooposto…enãopude deixar de imaginar se ele seria capaz de resistir àquele vestido. Claramente, euestavaficandoautoconfiantedemaiscommeunovopoder.—Estoucom frio—eudisse, apertandoocasaco.Erameio ridículo,vistoque as

luzesdopalcoeograndenúmerodepessoas jáestavamdeixandoo salãoabafado,masimagineique,comoestavafrioláfora,amentirapoderiapassarimpune.Para alguém que costuma ser tão fria, até que você consegue esquentar bem

rapidinho.—Sydney?Évocê?Congelei,nãopela surpresadeouvirmeunome,maspelavozqueohaviadito.Eu

reconheceriaaquelavozemqualquerlugar.Lentamente,desvieiosolhosdeIaneencareimeupai.Eleestavaparadoaonossolado,usandoumcasacodelãpesado,comflocosdeneveemseucabeloloiro-escurojáumpoucogrisalho.

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—Oi,pai—eudisse.Então,viquemestavaaoladodele.—Zoe?Preciseime segurar para não pular em cima dela e lhe dar um abraço. Eu não via

nemfalavacomminhairmãmaisnovadesdeanoiteemquetinhasidotiradadacamaeenviada para a missão em Palm Springs. Era a missão que ela achava que eu tinharoubadodela, apesarde todososmeusprotestos.Era amissãoque a havia afastadodemim.Olheiparaelaagora,tentandoavaliaremquepéestávamos.Elanãodemonstrouum

ódioostensivo,comononossoúltimoencontro,oqueeraumbomsinal. Infelizmente,também não estava muito simpática e afetuosa. Parecia estar com um pé atrás, meobservandocomcuidado,quasecomdesconfiança.Noteiquenãotinhaumlíriodouradonabochechaainda.—Quesurpresavervocêaqui—meupaidisse.Suas palavras de despedida haviam sido“nãome envergonhe”; portanto, não fiquei

exatamenteespantadacomsuasbaixasexpectativas.—São as festas—eudisse. Forçarum sorriso foimuitomais difícil doque vinha

sendocomIan.—Éimportanteestarcomogrupo.ConheceIanJansen?Ian,deolhosarregalados,avançoueapertouamãodemeupai.Ficouclaroquenão

estavaesperandoconhecermeuspaistãocedo.—Éumprazerconhecerosenhor.Meu pai assentiu com gravidade e alternou o olhar de mim para ele. Qualquer

surpresa que houvesse tido em me ver ali havia sido superada por me ver com um“namorado”.OlhandodesoslaioparaIan,tenteiimaginá-loatravésdosolhosdealguémcomomeupai.Arrumado,respeitador,alquimista.OfatodequeIanmeentediavaerairrelevante.Duvideiquemeupaipensassemuitosobremeusnamoros,mas,sepensasse,provavelmentenãoteriaimaginadoqueeuficariacomumbompartidocomoaquele.—Osenhorgostariadesentarcomagente?—Ianperguntou.Precisavadarcrédito

a ele: havia superado seu choque inicial e estava agora agindo como um perfeitopretendente.—Seriaumahonra.A princípio, pensei que estava exagerando. Então percebi que conhecer meu pai

poderiarealmenteserumahonra.JaredSagenãoeranenhumastrodorock,mastinhaumareputaçãoentreosalquimistasque,paraospadrõesdeles,eraextraordinária.Meupaipareceugostardabajulaçãoeaceitou.ElesentouaoladodeIan.—Sentecomasuairmã—eledisseaZoe,apontandoparamimcomacabeça.Zoe obedeceu, mas ficou olhando fixo para a frente. Entendi, então, que também

estava nervosa. Ao olhar para minha irmã, percebi quanta saudade sentia dela.Havíamosherdadoosolhos castanhosdonossopai,mas ela tinhao cabelo castanhodanossamãe,oquemedeixavacomumpoucodeinveja.Zoetambémpareciamuitomaisarrumadadoquedaúltimavezqueatinhavisto.Elaestavacomumvestidobonitodecaxemiramarrom-escuroenãotinhaumúnicofiodecabeloforadolugar.Algoemsuaexpressãome incomodou,masdemorei para perceber exatamenteo quê.Logomedeiconta.Elapareciamaisvelha.Pareciaquaseadulta,comoeu.Imagineiqueerabesteira

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daminhaparteficartriste,vistoqueelajátinhaquinzeanos,maspartedemimqueriaqueelacontinuasseumamenininhaparasempre.—Zoe— eu disse baixinho, embora não precisasseme preocupar que os homens

ouvissem.MeupaiestavainterrogandoIan.—Fazmuitotempoqueeuqueriafalarcomvocê.Elafezquesim.— Eu sei.Amamãeme fala sempre que você liga.—Mas ela não deu nenhuma

desculpaparaevitarminhasligações.—Desculpepelamaneiracomodeixei ascoisas.Nuncaquismagoarvocêoupuxar

seutapete.Penseiqueestavafazendoumfavoravocê,evitandoqueseenvolvesse.Abocadelaficoutensaealgofirmebrilhouemseusolhos.— Não ligo de me envolver. Quero me envolver, você sabe disso. E teria sido

ótimo! Estar no campo com quinze anos. Eu poderia ter começado uma carreirabrilhante.Opapaificariaorgulhoso.Escolhiminhaspalavrascommuitocuidadoparanãoofendê-la.—Sim,masumanoamaiscomopapaivaiserrealmente,hum,brilhante.Eletem

muitaexperiência,evocêvaificarfelizporpoderaprenderomáximopossívelantesdecomeçar,acredite.Mesmosetiverqueesperarporumamissãoaosdezesseis,aindavaiestarnanossafrente.Cada palavra que saía da minha boca fazia com que eu me sentisse mal, mas Zoe

pareceuconvencida.Eunão ficava incomodada como fatodeelaquerer fazerpartedacausa,masmedoíaoquãoóbvioeraqueelasóestavafazendoaquiloparaimpressionarnossopai.—Achoquesim.Eestouaprendendomuitomesmo.Masqueriaterpelomenosuma

experiênciaemcampo,mesmoquenão fossenomeupróprioposto.Ésóteoriacomopapai.NuncanemviumMoroi.—Tenhocertezadequeelevaidarumjeitonisso.—Eunãogostavadeencorajar

aquilo,mas,pelomenos,elaestavaconversandocomigo.As luzesdiminuíram,pondo fimànossa conversa.Amúsicadeumórgãoencheuo

salão, e o aromade olíbano pairou ao nosso redor. Incenso e resina eram ingredientescomuns em magia, e minha mente logo começou a fazer associações com o livro defeitiços que eu havia meticulosamente copiado. “Olíbano é usado para curarqueimaduras. Também pode ser usado para lançar feitiços de adivinhação oupurificação…”Interrompiessalinhadepensamentoimediatamente.Emboraestivessequieta,pensar

sobremagianomeiodeumacerimônia sagradados alquimistaseraumsacrilégio.Memexi,desconfortável,imaginandooquetodasaquelaspessoaspensariamsesoubessemaverdadesobremim:queeupraticavamagiaequehaviabeijadoumvampiro…Os sacerdotes alquimistas eram chamados de hierofantes. Eles davam bênçãos e

ofereciamconselhosmoraisquandonecessário.Nodiaadia,usavamternos,mas,paraaquelaocasião,ohierofanteprincipalestavausandomantosquemetrouxeramàmentea

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lembrança desagradável do que alguns dos guerreiros vestiam. Era outro lembrete deque tínhamos história em comum—e, talvez, um futuro em comum.Marcus estavacerto.Aquele era um mistério que eu precisava resolver, qualquer que fosse minhadecisãosobreorompimentodatatuagem.Euhaviaparticipadodecerimôniascomoaquelaalgumasvezes,esabiaasoraçõesem

latim de cor. Cantei com o resto da congregação e ouvi atentamente enquanto ohierofantereafirmavanossosobjetivos,suavozecoandopelosistemadesom.Emboraareligião alquimista tivesse algumas relações fracas com o cristianismo, haviapouquíssimasmenções aDeus, Jesus oumesmooNatal.Amaior parte do sermão foisobrenossaobrigaçãodeajudaraprotegerahumanidadedatentaçãodeseguirosStrigoique ofereciam uma imortalidade profana. Essa recomendação, ao menos, não eraexagerada.Eu tinha ouvido histórias sobre— e até visto commeus próprios olhos— o que

acontecia quando humanos decidiam servir aos Strigoi. Os Strigoi prometiamtransformar seus servos como recompensa. Esses humanos os ajudavam a espalhar suamaldadeeelesprópriossetornavammonstros,mesmoantesdatransformação.Manteressesvampirosnefastosescondidoseraparaobemdoshumanos fracos, incapazesde seproteger. Prestei aindamais atenção quando o hierofantemencionou osMoroi em seusermão, como um meio para atingir o fim de derrotar os Strigoi. Ele não inspiravasentimentos exatamente carinhosos ou calorosos em relação a eles, mas, pelo menos,tambémnãoclamouafavordadestruiçãodosMoroiedampiros.Concordei com boa parte damensagem,mas ela não inspirou omesmo ardor em

mimcomoantigamente.E,quandoohierofantecomeçouafalarcomsuavozmonótonasobre dever, obediência e o que era “natural”, comecei a me sentir desligada. Quasedesejeiqueelefalassemaissobreodivino,comoacontecerianacerimôniadeumaigrejanormal.Considerando tudoo que vinha acontecendonaminha vida, não seriamal teruma ligação com uma força superior. Em alguns momentos, enquanto escutava ohierofante,pensava se tudooqueeleestavadizendo tinha sido simplesmente inventadoporumbandodegentereunidanaIdadeMédia,semnenhumaordemsagrada.Ao fim da cerimônia, estava me sentindo uma traidora.Talvez a brincadeira de

Adrian estivesse certa: eu nem precisava deMarcus para romper a tatuagem eminhaligaçãocomogrupo.Aoolharparameuscompanheiroseparaosoutrosalquimistasnosalão, ficou claro que eu estava sozinha ali.Todos pareciam cativados pelo sermão,devotadosàcausa.Mais uma vez, me veio a lembrança perturbadora dos guerreiros e sua devoção

fanática.Não, não, pormais que os alquimistas possam ser culpados de alguma coisa,nãotemosnadaavercomaquelecomportamentomaluco.E,noentanto…percebiqueera um pouco mais complexo do que isso. Os alquimistas não disparavam antes deperguntar, tampouco faziam com que seus membros lutassem uns contra os outros.Éramoscivilizadoseracionais,mastínhamosatendênciadefazeroquenosmandavam.Eraessaasemelhança,eelapoderiaserperigosa.

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MeupaieZoesaíramcomigoeIan.— Não foi incrível? — ela perguntou. — Ouvir aquilo… enfim, fico muito

contentequeopaidecidiutermaisumaalquimistana família.Ébomaumentarnossosnúmeros.Seráqueessa tinhasidorealmenteamotivaçãodele?Ouele tinha tomadoadecisão

porquenãoconfiavamaisemmimdepoisqueajudeiRose?Era irritante que a única conversa que conseguia ter comZoe girasse em torno da

retóricaalquimista,masaceitei,depoisdosilênciodosúltimosmeses.Nofundo,sentiasaudadedeconversarcomoantigamente.Euqueria aquilodevolta.Emboraelaestivesseumpoucomaisanimada,aquelavelhaintimidadequeantesexistiaentrenósficaraparatrás.—Queria que tivéssemosmais tempo— eu disse, quando nossos grupos estavam

prestesasesepararnoestacionamento.—Temtantacoisaquequerodizeravocê.Ela sorriu, e havia uma sinceridade nesse sorriso que me enterneceu. Talvez a

distânciaentrenóspudesseserreparada.—Eutambém.Desculpepor…enfim,ojeitocomoascoisasaconteceram.Tomara

queagenteseencontredenovoembreve.Eu…estavacomsaudades.Issoquasemederrubou,eoabraçodelaaindamais.—Vamosnosencontrarlogo,prometo.Ian, que meu pai parecia ver agora como futuro genro, me levou de volta para o

hotel e não conseguia parar de falar efusivamente sobre como tinha sido incrívelconhecerJaredSage.Quantoamim,aindaconseguiasentiroabraçodeZoenapele.Eleprometeuqueentrariaemcontatocomigonamanhãseguintesobreotourpelos

arquivos. Então, para a minha confusão, fechou os olhos e se aproximou. Levei ummomento para entender que ele estava esperando um beijo de boa-noite. Sério? Eraassimqueeletentavaconseguirumbeijo?Seráquejátinhabeijadoalguémnavida?AtéBrayden havia demonstrado um pouco mais de paixão. E, claro, nenhum meninochegavaaospésdeAdriannessequesito.Comonão fiznada, ele finalmente abriuosolhos.Deioutro abraçonele—como

casaco—edisse ter ficadomuitocontenteporele terconhecidomeupai.Elepareceusatisfeitocomisso.Adrianfezsuavisitanoturnadepoisquedormi.Naturalmente,quissaberosdetalhes

dovestido.TambémficoutentandodescobrircomoexatamenteeutinhaconvencidoIanepareceu sedivertir comospoucosdetalhesque contei a ele.Mas,namaiorpartedotempo, eu não conseguia parar de falar sobre Zoe.Adrian logo desistiu dos outrosassuntosesimplesmenteficououvindoenquantoeulhecontavatodososdetalhes.— Ela falou comigo,Adrian! —Andei de um lado para o outro pelo salão do

casamento,mexendoasmãos,eufórica.—Enãoestavabrava.Nofim,estavaatéfelizemmever.Sabeoquantoissosignificapramim?Assim,seiquevocênãotemirmãos,masteralguémquevocênãovêfaztempoaceitarvocêdevolta…—Nãoseicomoé—eledissebaixinho.—Maspossoimaginar.

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Eu estava concentrada demais na minha alegria naquela hora, mas, depois, fiqueipensandoseeleestavasereferindoàmãe,queestavapresa.— É bom ver você tão feliz— ele acrescentou.— Não que andasse triste, mas

estavacommuitacoisanacabeça.Nãoconseguiconteroriso,epareideandarporummomento.—Estádizendoquebruxasdomaleespionagemsãoestressantes?—Não.—Eleveionaminhadireção.—Éonossodia adia.Masestou indopra

camaagora.Achoquevocêconseguesevirarsemmimhoje.Ele vinha me visitando todas as noites desde o sonho deVeronica.A maioria das

viagens era curta agora,mas,mesmo assim, eu sabia que demandavamuito esforço eespíritodele.—Obrigada.Àsvezesparecequenemtenhocomoagradecervocêobastante.—Nãoprecisaagradecer,Sage.Boasorteamanhã.Certo.Roubarinformaçõesultrassecretasdeumabasedesegurançamáxima.—Obrigada—repeti.Perdiumpoucodaanimação,masnãotoda.—Aconteçao

queacontecer,fazeraspazescomZoemefezacharqueessamissãovaleuapena.— Isso é porque você não foi pega.—Ele envolveumeu rosto com asmãos e se

aproximou.—Tomecuidadoparanãodeixarissoacontecer.Nãoqueroterquevisitarvocêemsonhosnaprisão…ounaversãoalquimistadeumaprisão.—Ei,pelomenoseuteriaasuacompanhia,certo?Elefezquesim,cabisbaixo,eosonhodesapareceuaomeuredor.

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20

Ianme acordou cedo namanhã seguinte com um telefonema.No começo, pensei quetalvez quisesseme levar para a base antes que os outros alquimistas acordassem,masdescobriqueelesóqueriatomarcafé.Considerandoqueeraelequemmedariaacesso,nãopuderecusar.Elepretendiamelevarparaabaseaindademanhã,masoconvenciairmos lá pelo meio-dia. Isso significava prolongar o café da manhã, mas o sacrifíciovaleria a pena. No entanto, eu estava usando calça cáqui e blusa de linho outra vez.Espionagens à parte, vestidos de festa e bufês de café da manhã simplesmente nãocombinavam.Noentanto,medeiaoluxodeabrir doisbotõesdacamisa.Entrarnabasedessejeitoerapraticamenteescandaloso,eIanpareceufascinadocomoatode“rebeldia”.O domingo na base estava muito mais calmo do que a noite anterior. Embora

alquimistasnuncativessempausasdeverdadeemsuasobrigações,amaiorpartedabasefuncionavaemhoráriocomercial,duranteasemana.Nãotiveproblemasempassarpelarecepçãoprincipaldenovo,mas,comoprevisto,demoramosumpoucoparaconseguirentrar na área de segurançamáxima.O rapaz em serviço não era o amigo que estavadevendoumfavora Ian.Foiprecisoesperarqueelesaíssedasalados fundose,mesmoassim, Ianprecisou insistirbastantepara convencero colega amedeixar entrar.Achoque ficou claro para os dois que Ian só estava tentando me impressionar. Por fim, oprimeirorapazaceitouoquepareciaserumpasseio inofensivo.Afinal,eutambémerauma alquimista, e só estava fazendo um passeio pela biblioteca. O que poderia darerrado?Elesrevistaramminhabolsaemefizerampassarporumdetectordemetal.Eutinha

doisfeitiçosemmentequepoderiarealizarsemcomponentesfísicos,então,pelomenos,não teria que explicar cristais ou ervas.A parte problemática era um pen drive quehavia escondido no sutiã. Eles poderiam não questionar se eu estivesse carregando nabolsa,masnãoqueriacorreroriscodepedirempararetê-lo.Noentanto,seopendriveaparecessenoescaneamento,euteriamuitomaisdificuldadeparaexplicarporqueestavaescondido.Fiqueitensaaopassarpelodetector,mepreparandoparacorreroutentarum

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golpedeWolfe.Mas,comoeuesperava,eleerapequenodemaisparaserdetectadoenosderampermissãoparaentrar.Eraumobstáculoamenos,embora issonãomedeixassemenostensa.—Você acabou trocando isso pelo dinheiro que ele estava devendo a você? —

pergunteienquantoIaneeudescíamosemdireçãoaosarquivos.—Sim.—Ele fezumacareta.—Tentei trocarpormetadedoqueelemedevia,

maseratudoounadapraele.—Entãoquantoestepasseioestácustandopravocê?—Cinquentadólares.Masvaleapena—eleacrescentou,rápido.Ojantartinhasidomaisoumenosomesmo.Aquelefimdesemanaestavacustando

osolhosdacaraparaIan,aindamaisporquesóeureceberiaumarecompensa.Nãopudedeixardemesentirumtantoculpada,epreciseimelembrarváriasvezesdequeaquiloeraporumaboacausa.Teriameoferecidopara reembolsar todoaqueledinheiro,masalgo me dizia que isso ia contra tudo que eu vinha tentando conseguir com meus“encantosfemininos”.Os arquivos eram trancados com fechaduras eletrônicas que se abriram quando Ian

passou seu cartão. Quando entramos, quase me esqueci de que aquilo era apenas umpretextoparaoplanomaior.Euestavarodeadaporlivros,livrosemaislivros,alémderolosdepapeledocumentosescritosempergaminho. Itensantigosedelicados ficavamprotegidos em caixas de vidro, acompanhados por anotações e plaquetas sobre comoacessar suas cópias digitais nos computadores. Dois alquimistas, jovens como nós,trabalhavam em mesas e transcreviam livros antigos em seus laptops. Uma pareciamuito animada com seu trabalho; o outro, entediado. Ele pareceu gostar da distraçãoquandoentramos.Devo ter feito a expressão admirada como era esperada demim, pois, quandome

volteiparaIan,eleestavameobservandocomorgulho.— Bem legal, né? — Pelo jeito, ser um bibliotecário supervalorizado havia se

tornadoumtrabalhomuitomaisinteressanteparaele.—Venha.Elenãoprecisoufalarduasvezes.Começamosaexplorartodaasaladearquivos,que

se estendia muito mais além do que eu havia imaginado a princípio. Os alquimistasprezavam pelo conhecimento, o que ficava claro com aquele acervo, que remontava aséculosatrás.Euficavaolhandoparaasprateleiras,querendolertodososvolumes.Elesvinhamemdiferenteslínguaseabarcavamumavariedadedetópicosúteisparaoofício:química,história,mitologia,sobrenatural…Eravertiginoso.—Comovocêsorganizam?—perguntei.—Comodáparaencontraralgumacoisa?Ian apontou para pequenas plaquetas nas estantes que eu não havia notado. Elas

traziamcódigosalfanuméricosquenãofaziampartedenenhumsistemadearquivamentoqueeuconhecia.—Elascatalogamtudo.Eodiretórioestáaqui.Ian me levou até um painel sensível ao toque instalado na parede.Toquei nele e

apareceuummenudeopções: AUTOR,PERÍODO,TEMA, LÍNGUA.Apertei TEMA

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e fui levadaporuma sériede tópicoscadavezmaisespecíficos até finalmenteperceberqueestavapesquisandopor“magia”naseçãodesobrenatural.Opainelmedeuumalistadetítulos,cadaumcomseuprópriocódigonosistemadeorganização.Paraaminhasurpresa,realmentehaviavárioslivrossobremagia,efiqueimorrendo

decuriosidade.Osalquimistastinhamregistrosdebruxas?Oueratudoespeculação?Omais provável era que fossem livros moralistas pregando como seria pervertido parahumanostentaraquelasfaçanhas.—Possodarumaolhadaemalgunslivros?—perguntei.—Seiquenãopossoficar

sentadalendoatardetoda,maséquetemtantahistória…sóquerofazerpartedissoporumtempinho.Ficariadevendoumaparavocê.Parafalaraverdade,nãoacheiqueafrasefuncionariadenovo,masfuncionou.—Claro.—Eleapontouparaumasalinhanosfundos.—Precisoorganizaralgumas

coisas.Meencontraaquidenovoemumahora?Agradeciváriasvezeseentãovolteiàtelasensívelaotoque.Queriamuitoinvestigar

os livrosdemagia,masprecisavame lembrardomotivodeestar ali.Como já estavanos arquivos, poderia muito bem fazer uma pesquisa que ajudasse a causa. Navegueipelosmenusatéencontraraseçãodehistóriaantigadosalquimistas.Eutinhaesperançade encontrar uma referência a caçadores de vampiro em geral ou aos guerreiros emespecífico.Não tive essa sorte.Omelhor que poderia fazer era seguir os códigos dasvárias estantes que detalhavam a formação dos alquimistas.A maioria dos livros eradensaeescritaemestiloantiquado.Osmaisantigosnemerameminglês.Passeiosolhosporalgunse logopercebiqueuma tarefacomoaquela levariamuito

maisdoqueumahora.Os livrosmaisrecentesnãomencionavamosguerreiros,oquenão era nenhuma surpresa, visto que essas informações agora eram escondidas. Se eufosseencontraralgumareferênciaacaçadoresdevampiros,serianoslivrosmaisantigos.Eles não ofereciammuito em termos de índices e sumários, e eu não tinha como lertudo.Ao lembrardaminhaverdadeiramissãoali, coloqueios livrosde ladodepoisdeuns dezminutos e fui atrás de Ian.Aquela tensão de antes retornou, e comecei a suarfrio.—Ei,temalgumbanheiroaqui?Torciparaquenãotivesse.Euviraumnocorredorquandotínhamoschegadoàquele

andar.Partedomeuplanodependiadesairdosarquivos.—Descendoocorredor,pertodasescadas—eledisse.Algumproblemadetrabalho

estava exigindo a atenção dele e, com sorte, faria com que não reparasse na hora.—Batenaportaquandovoltar.Voufalarparaosescribasabrirempravocê.Durantetodoodia,eutinhasentidoumfrionabarrigaquevinhatentandoignorar.

Agoranãohaviacomofugir.Erahoradoimpensável.Não havia espaço para sutilezas na segurança alquimista. O corredor tinha uma

câmera em cada ponta. Elas ficavam voltadas uma para a outra, proporcionando umaimagemlongaecontínuadocorredor.Osbanheirosficavamnofimdocorredor,quasediretamente embaixo de uma câmera. Entrei no feminino e verifiquei que não havia

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ninguémnemcâmerasládentro.Pelomenosaliosalquimistaspermitiamumpoucodeprivacidade.Lançar o feitiço de invisibilidade foi fácil. Sair foi um pouco mais complicado.A

posiçãodascâmerasmefezpensarqueaportadobanheiroeramuitorenteàparedeparaqueconseguissemdarumaboavisãodela.Aportaseabriaparadentro,entãoconseguisairdiscretamente,confiantedequenenhumacâmerahaviapegadoumaportaseabrindomisteriosamente.Omaiorproblemafoiaportadaescada.Ficavanocampodevisãodeuma das câmeras.A sra.Terwilliger havia dito que o feitiço de invisibilidade meprotegeria de fotos e vídeos. Por isso, não tinha medo de ser vista. Simplesmenteprecisavacorreroriscodeacâmeragravaraportaseabrindosozinha.Emborasoubessequehaviaguardasassistindoàs imagensdascâmerasaovivo,havia

muitas para que eles examinassem todas a cada segundo. Se não aparecesse nenhummovimento súbito naquela câmera, eu duvidava que algum guarda notaria. E, se ascoisas continuassem tranquilas naquele andar, ninguém teria motivo para rever asimagens. Já o andar de operações… bom, se tudo corresse de acordo com o plano,aqueledomingosonolentoestavaprestesaficarmuitomaisagitado.Entreie saídiscretamentedasescadas, abrindoaportaomínimopossível.Oandar

de operações tinha aindamais segurança do que o de arquivos, com portas pesadas deaparênciaindustrialqueexigiamcódigosecartõesdeacesso.Eunãotinhaailusãodequeconseguiria invadir alguma delas. Entrar na sala de segurança, assim como o restodaquelamissão,exigiaumaestranhacombinaçãodesorteelógica.Oquemaissepodiaesperardealquimistaseraapontualidade.Eusabiacomooshoráriosdelescostumavamfuncionar.Apausaparaoalmoçoaconteciapontualmenteemhorastípicas:onze,meio-diaeuma.EsseeraomotivopeloqualeuhaviapedidoparaIanmarcarnossavisitanessehorário—assim,poderiaficarrelativamentecertadequealgunsfuncionáriosestariamentrando e saindo da sala. Faltavam cincominutos para omeio-dia, e cruzei os dedosparaquealguémsaísselogo.No fim das contas, alguém entrou. Um homem veio assobiando pelo corredor.

Quando se aproximou da porta, o cheiro de hambúrguer denunciou seu pedido dealmoço. Prendi a respiração enquanto ele passava o cartão e digitava os números.Afechadurasoltouumestalo,eeleabriuaporta.Entreiapressadaatrásdeleepasseipelaporta sem ter de segurá-la ou abri-la mais. Infelizmente, ele parou antes do que euimaginava, e esbarrei nele. Me afastei imediatamente, e ele olhou ao redor,sobressaltado.Por favor, não pense que tem uma pessoa invisível aqui. Seria horrível chegar tão

longe e ser descoberta logo agora. Felizmente, subterfúgios mágicos não eram aprimeiracoisaemqueosalquimistaspensavamparajustificaralgoestranho.Depoisdemaisalgunssegundosdeconfusão,eledeudeombrosecumprimentouumdoscolegas.Wade havia descrito a sala comperfeição.Umaparede era coberta pormonitores,

alternando entre visões de diferentes câmeras.Alguns guardas ficavam de olho nasimagens, enquanto outros trabalhavam em computadores.Wade também havia dito

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qualdoscomputadorescontinhaosarquivosdequeeuprecisava.Eumeaproximeidele,tomandocuidadoparaevitaroutroscontatos acidentais.Umamulher jáestava sentadanaestação.—Eu estava pensando em comida tailandesa—ela disse a umdos colegas.—Só

precisoterminaresserelatório.Não!Elaestavaprestesasairparaoalmoço.Paraqueoplanodessecerto, issonão

poderiaacontecer.Seelasaísse,ocomputadortravaria,eeuprecisavadeleacessível.Elaestavaatrasadaparaoalmoço,oquesignificavaqueeutinhaqueagirlogo.Aquelasalanãoera livredevigilância.Atéosvigilanteseramvigiados.Felizmente,

só havia uma câmera. Escolhi um computador com a tela virada para a câmera emeposicionei atrás dele. Vários fios saíam de trás do painel e as ventoinhas giravamconstantemente lá dentro. Coloquei a mão em cima do painel e fiz mais um examerápido.Apartede trásdocomputadornão ficavaaoalcancedacâmera,masnão serianada bom se ficasse no campo de visão de alguém. No entanto, todo mundo pareciaocupado.Erahoradeagir.Criei uma bola de fogo, das menores. Eu a mantive na mão e a pousei junto ao

painel.Apesardotamanho,invoqueiomaiorcalorqueconsegui.Nãoexatamenteazul,mas quase lá. Logo surtiu efeito e, em questão de segundos, as cordas e o painelcomeçaramaderreter.Ocheirodeplásticoqueimadochegouatémim,eocomputadorcomeçouasoltarfumaça.Foiosuficiente.Fizaboladefogosumiremeafasteicorrendodocomputador.Todos tinhampercebidoqueeleestavaqueimandoaessa altura,eumalarmedisparou.Houvegritosdesurpresa,ealguémpediuumextintordeincêndioaosberros.Todosse levantaramdesuascadeirasparaolhar, incluindoamulherqueestavanocomputadorqueeuprecisavausar.Não havia tempo a perder. Sentei imediatamente na cadeira e inseri o pen drive.

Com luvas, peguei o mouse e comecei a clicar pelos diretórios.Wade não haviaconseguido me ajudar muito nesse aspecto.Tínhamos esperança de que encontrar osarquivosseriaintuitivo.Enquantoisso,euestavaplenamentecientedopassardotempo,edequealguémpoderianotarummousesemexendosozinho.Mesmodepoisdeapagarofogo,osalquimistascontinuarampertodocomputadorfumegante,tentandoimaginaroque teria acontecido.Superaquecimentonãoeraumproblemararo,masumachamasurgindotãorápidodefinitivamenteera.Aquelescomputadorescontinhaminformaçõesextremamenteimportantes.Parecia havermilhões de diretórios.Olhei alguns candidatos prováveis,mas nunca

chegavaalugarnenhum.Cadavezqueficavasemsaída,xingavamentalmenteotempoperdido.Osalquimistasnãoficariamlongepormuitotempo.Porfim,depoisdemuitabusca estressante, encontrei um diretório de imagens antigas de vigilância. Continhapastas ligadas a todas as câmeras do prédio, incluindo uma chamadaPOSTO DECONTROLEPRINCIPAL.Cliqueinelaeencontreiarquivosnomeadospordata.Wadehaviaditoque,depoisdeumtempo,aquelesarquivoseramarmazenados,masodiadeque eu precisava ainda estava lá. As câmeras gravavam um quadro por segundo.

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Multiplicadoporvinte equatrohoras, issogeravaumarquivogigantesco,masnãodotamanho que uma filmagem contínua criaria. O arquivo cabia no meu pen drive, ecomeceiatransferência.Aconexãoerarápida,mas,mesmoassim,eraumatransferênciaetanto.Atelame

disse que ainda faltavam dez segundos.Dez segundos!A dona do computador poderiavoltaraqualquermomento.Eumedeiaoluxodedarmaisumaolhadanosalquimistas.Eles ainda estavam apurando o mistério. O problema de cientistas como nós era queumafalhatecnológicacomoaquelaerafascinante.Alémdisso,nãopassoupelacabeçadenenhumdelesconsiderarumaexplicaçãosobrenatural.Elesficaramlançandoteoriasunsparaosoutrosecomeçaramadesmontarocomputadorderretido.Acópiadosarquivosterminou, e me levantei correndo da cadeira, no exato segundo em que a mulhercomeçouavoltarparalá.Euestavaplenamentepreparadaparaarriscarmaisuma“portafantasma” enquanto os outros estavam distraídos, mas o alarme de incêndio haviachamado a atenção de outras pessoas no corredor.Alquimistas entravam e saíam comtanta frequência que não vi problema em segurar a porta por tempo suficiente parapassarporeladespercebida.Praticamentecorridevoltaparaoandardosarquivosepreciseimeacalmarquando

entrei no banheiro de novo. Desfiz o feitiço de invisibilidade e esperei que minharespiraçãovoltasseaonormal.Coloqueiopendrivedevoltanosutiãeasluvasdevoltana bolsa.Dei uma olhada no espelho e achei que estava parecendo inocente o bastanteparavoltaraosarquivos.Umaescribamedeixouentrar.Eraameninaconcentrada,eoolharqueme lançou

deixouclaroqueabriraportaparamimeraumdesperdíciodetempo.Ianaindapareciaatoladodetrabalho,oquefoiumalívio.Eutinhaficadoforatempodemaisparaumaidaaobanheiro,eestavacommedodequeeleestivesseseperguntandoondeeuestava.Ascoisas teriam sido ainda piores se ele tivesse mandado a menina me procurar, tantoporque eu não estaria no banheiro como porque ela ficaria muito incomodada com ainterrupção.Naseçãodehistória,mesenteicomumlivroquepegueiaoacasoefiqueifingindo ler.Estavanervosa e inquietademaispara entender aspalavras,pormaisquetentasse me acalmar. Os alquimistas não tinham motivo para suspeitar que eu haviacausadoofogo.Nãotinhammotivoparapensarqueeuhaviaroubadoinformações.Nãotinhammotivoparadesconfiarqueeuestivesseligadaaqualquerpartedaquilo.Passadaaumahora,Ianveioameuencontroefingiestardesapontadaporterqueir

embora.Naverdade,estavaloucaparadaroforadaqueleprédioomaisrápidopossível.Ele me levou até o aeroporto e não parou de falar sobre a próxima vez em que nosveríamos.Fiqueisorrindoeconcordandocomacabeça,comoeleesperavademim,maso lembrei de queo trabalho tinha que vir emprimeiro lugar e queminhaposição eraespecialmente desgastante. Ele ficou visivelmente decepcionado, mas não tinha comonegarminhalógica.Obemmaiordosalquimistasvinhaemprimeirolugar.Felizmenteelenãotentouumdaquelesbeijosridículosdenovo,emborasugerissequemarcássemosuma conversa por vídeo qualquer hora. Falei para elememandar um e-mail, embora

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prometesseamimmesmaquejamaisabririaume-maildele.Não relaxei até o avião decolar, quando a possibilidade de ser descoberta pelos

alquimistas parecia bemmais baixa.Meu ladomais paranoico ficou commedo de quehouvesseumgrupoesperandopormimnoaeroportodePalmSprings,mas,até lá,eutinhaalgumashorasdepaz.Euhavia imaginadoquesimplesmenteentregariaopendriveparaMarcusedeixaria

por issomesmo.Masagora,comoarquivoemmãos,acuriosidade foimais forte.Euprecisavasolucionaraquelemistério.SeráqueoZ.J.quehaviavisitadoosalquimistaseramesmoomestreJameson?Comumcopodecafénamão,abrioarquivoecomeceiaassistir.Mesmocomumquadroporsegundo,ovídeodurouumaeternidade.Amaiorparte

não mostrava nada além de um posto de controle pacato, e os momentos maisinteressanteseramquandoosguardasmudavamdeposiçãooufaziamintervalos.Muitosalquimistasentravamesaíam,mas,considerandoaduraçãototaldovídeo,erampoucoseesparsos.AtéIanapareceuumavez,paracomeçarseuturno.Eu não estava nem nametade quando o avião começou a descer. Desanimada,me

preparei para uma noite com mais do mesmo quando voltasse ao alojamento. Pelomenos conseguiria fazer um café decente para aguentar aquilo.Quase fiquei tentada asimplesmente jogar o arquivo nas mãos de Marcus no dia seguinte e deixar que eletivesseotrabalhodeassistirovídeo…masaquelavozinhaincômodainsistindoparaqueeu descobrisse a verdade por conta própria acabou vencendo.Não era uma questão demeracuriosidade.EunãoachavaqueMarcusfosserealmentefabricarevidências,mas,sepudessevercomosprópriosolhosque…Láestavaelenatela.Elenãoestavausandoaquelesmantosexagerados,masnãohaviacomoconfundirsua

barbaantiquada.Eleusavaroupascasuaisdeexecutivoepareciaestarsorrindocomalgoqueumhomemao seu ladodizia.Ohomem tinhaum lírionabochecha,masnãoeraninguémqueeuconhecia.MestreJameson.Comosalquimistas.AconspiraçãodeMarcus edosoutrosVingadores tinhadado frutos.Um ladomais

desconfiado de mim queria acreditar que aquilo era uma montagem, que talvez elestivessem alterado o vídeo e plantado aquilo lá. Mas não. Eu mesma tinha copiado oarquivo de um servidor alquimista. Era possível que Marcus tivesse outros agentesinfiltradostrabalhandoparaele,masaquilonãohaviasidofácilparamim,mesmocomaajudademagia.Alémdisso,porqueMarcusteriatantotrabalhoparamefazeracreditarnaquela história? Se fosse alguma trama perversa para que eume juntasse a ele, haviavários outrosmeios que ele poderia ter tentado, com evidênciasmuitomais fáceis deforjar.Meus instintos me diziam que aquilo era verídico. Eu não tinha me esquecido das

semelhanças entre nossos rituais ou do fato de que os guerreiros queriam que nossosgrupos se unissem. Os alquimistas e os guerreiros podiam não ser melhores amigos

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ainda, mas alguém havia ao menos concedido uma reunião ao mestre Jameson. Aquestãoera:oquehaviaacontecidonessareunião?SeráqueoalquimistadovídeotinhamandadoJamesonemborademãosabanando?Ouseráqueosdoisestavamjuntosagora?Fosse qual fosse o resultado, era uma prova irrefutável de que alquimistas e

guerreiros ainda estavam em contato. Stantonme dissera que apenas os vigiávamos equenãotínhamosinteresseemouviroqueelestinhamadizer.Nãoeraaprimeiravezquementiamparamim.

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Umaparte demim queriamuito que aquilo fossementira.Assisti ao vídeomais trêsvezes,criandoteoriasmalucas.TalvezmestreJamesontivesseumirmãogêmeoquenãofosse um fanático que odiava vampiros.Mas não.O vídeo nãomentia.Quemmentiaeramosalquimistas.Eunãopodiaignoraraquilo.Nãopodiaesperarmais.Precisavaresolveresseassunto

imediatamente,senãoantes.EnvieiumamensagemparaMarcusassimqueoaviãopousou: Vamosnosencontrar

hoje.Semjoguinhos.Semrodeios.HOJE.Quandochegueiaoalojamento,eleaindanãohaviarespondido.Oqueseráqueestava

fazendo? RelendoOapanhadornocampodecenteio?Seeu soubesseemqueburacoeleestavametido,teriaidoparalánamesmahora.Nãohavianadaafazeralémdeesperar,então liguei para a sra.Terwilliger, tanto para me distrair como para conseguir umpoucodeliberdade.— Nenhuma novidade — ela me disse quando atendeu. — Ainda estamos

observandoeesperando…masseusegundoamuletoestáquasepronto.—Nãofoiporissoqueliguei—eudisse.—Precisoqueasenhorameconsigauma

extensãodotoquederecolherhoje.—EumesentiamalporusarminhaprofessoraparaalgototalmentenãorelacionadoàbuscaporVeronica,masprecisavafalarcomMarcus.—Ah,é?Vaimefazerumavisitasurpresa?—Hum…não.Épraoutracoisa.Elaviugraçanaquilo.—Agoravocêusaminhaassistênciaparaassuntospessoais?—Nãoachaquefizpormerecer?—repliquei.Asra.Terwilligerriu,algoqueeunãoaouviafazerhaviamuitotempo.Elaaceitou

meupedidoeprometeuligarparaarecepçãodoalojamentoimediatamente.Assimquedesligamos, meu telefone tocou com a resposta de Marcus.Tudo o que a mensagemcontinhaeraumendereçoqueficavaameiahoradedistância.Imaginandoqueeleestaria

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prontoparameatender,apanheiminhabolsaepegueiaestrada.Considerandomeus últimos encontros comMarcus, não teria ficado surpresa se ele

me levasse a uma loja de departamentos ou a um bar de karaokê. Em vez disso, medeparei comuma antiga loja demúsica, do tipo que vendia discos de vinil.Na porta,estava pendurada uma grande placa em que se lia “ FECHADO”, o que era reforçadopelas janelasescurasepeloestacionamentovazio.Saídocarroeconfirmeioendereço,meperguntandoseoGPShaviamelevadoparaolugarerrado.Minhaansiedadedeantesdeu lugar aonervosismo.Comoeuestava sendodescuidada!Umadasprimeiras liçõesdeWolfe era evitar lugares perigosos e, no entanto, ali estava eu, me colocando emrisco.Então,domeiodassombras,ouvialguémsussurrarmeunome.Mevireinadireção

do som e vi Sabrina surgir emmeio à escuridão, portando uma arma, como sempre.Talvez, se mostrasse para ela o revólver no meu porta-luvas, pudéssemos ter ummomentodeafinidade.—Váparaosfundos—eladisse.—Batanaporta.—Semdizeroutrapalavra,ela

voltouparaassombras.A entrada dos fundos parecia o tipo de lugar em que as pessoas pediam para ser

roubadas,efiqueimeperguntandoseSabrinaviriaemmeusocorrosefossepreciso.Batina porta, quase esperando que me pedissem uma senha do tipo “iguana enferrujada”,como em uma sociedade secreta. Em vez disso, Marcus abriu a porta, já com umdaqueles sorrisos com que sempre esperava me conquistar. Por mais estranho queparecesse,naquelanoitemedeixoumaisàvontade.—Oi,linda.Podeentrar.Passei por ele e vi que estávamos no quartinho dos fundos da loja, cheio demesas,

prateleiras e caixas de discos e fitas cassetes.Wade eAmelia estavam encostados naparedenamesmaposição,comosbraçoscruzados.Marcustrancouaportaatrásdenós.—Bomvervocêinteira.Pelasuamensagemepelasuacara,vocêencontroualguma

coisa.Araivaqueeuvinhaguardandodesdeaminhadescobertaexplodiucomtudo.Peguei

olaptopdabolsaeresistiàvontadedebatê-locomforçaemcimadamesa.—Sim!Não consigo acreditar.Vocês tinham razão. Sua teoriamirabolante estava

certa.Osalquimistasestãomentindo!Enfim,algunsdeles,pelomenos.Sei lá.Metadenãosabeoqueaoutrametadeestáfazendo.Pensei queMarcus fosse fazer algum comentário presunçoso ou, pelomenos, soltar

um“euavisei”.Masseurostobonitoestavatristeeamargurado,oquemelembroudafotoqueeutinhavistodeleedeClarence.—Droga—eledissebaixinho.—Estavatorcendopravocêvoltarcomummonte

devídeoschatos.Amelia,troquedeposiçãocomSabrina.Queroqueelavejaisso.Ameliapareceudecepcionadaporsermandadaembora,masnãohesitouemobedecer

àordem.QuandoSabrinavoltou,euestavacomovídeopreparadonotempocerto.Eles

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sereuniramaomeuredor.—Prontos?—perguntei.Elesassentiram,epudeveromistodeemoçõesdentrode

cadaum.Aliestavaaevidênciadateoriadaconspiraçãoqueelestantoqueriamprovar.Aomesmo tempo, as implicaçõeseramarrasadoras, eos trêsentendiammuitobemoperigopotencialdaquiloqueestavamprestesaver.Comeceiovídeo.Duravaapenasalgunssegundos,maseramsegundosfortesemque

afigurabarbadasurgianatela.OuviSabrinarespirarfundo.—Éele.MestreJameson.—Elaolhouparacadaumdenós.—Esselugarémesmo

alquimista?Eleestevemesmolá?—Sim—Wade respondeu.—E quem está com ele éDaleHawthorne, umdos

diretores.Issoativouminhamemória.—Conheçoessenome.EletemomesmocargodeStanton,nãoé?—Maisoumenos.—Épossívelqueelanãosaibadeumavisitacomoessa?—perguntei.—Mesmona

posiçãodela?QuemrespondeufoiMarcus.—Talvez.Mas levarumguerreiroali,mesmonumandardesegurançamáxima,é

muita coragem.Mesmo que ela não saiba da reunião, pode apostar que outras pessoassabem.Sefossecompletamentesecreto,Hawthorneteriaencontradoomestreemoutrolugar. Claro, a lista protegida também significa que não era uma coisa a que todomundotinhaacesso.Então era possível que Stanton não tivesse mentido para mim… pelo menos não

sobre o fato de que os alquimistas estavam em contato com os guerreiros. Ela semdúvida tinhamentidoquandoafirmaraqueosalquimistasnãoconheciamMarcus,vistoque ele dissera ser um personagem famoso entre o alto escalão. Mesmo que ela nãosoubessearespeitodemestreJameson,issonãomudavaofatodequeoutrosalquimistas—alquimistasimportantes—tinhamamigosperigosos.Eupoderianemsempregostardos procedimentos deles, mas sempre quis acreditar que estavam fazendo o bem pelomundo.Talvezestivessem.Talveznão.Eujánãosabiademaisnada.Quandotireiosolhosda figuracongeladademestre Jameson,encontreiMarcusme

observando.—Vocêestápronta?—eleperguntou.—Prontapraquê?Ele caminhou até outramesa e voltou com uma caixinha.Quando a abriu, vi um

pequenofrascodelíquidoprateadoeumaseringa.—Oqueé…Ah.—Derepente,entendi.—Éosanguepraromperatatuagem.Elefezquesim.—Quandoelementossãotirados,ocorreumareaçãoqueodeixaprateado.Demora

algunsanos,mas,comotempo,odouradonasuapelevaificarprateadotambém.Todosestavamolhandoparamimcomexpectativa,edeiumpassoparatrás.

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—Nãoseiseestouprontapraisso.—Porqueesperar?—Marcusperguntou,eapontouparao laptop.—Vocêviuo

vídeo.Sabedoqueeles sãocapazes.Vai continuarmentindopara simesma?Nãoquerseguiremfrentecomosolhosabertos?— Então… Quero, mas não sei se estou pronta para injetarem uma substância

estranhaemmim.Marcusencheuaseringacomolíquidoprateado.—Possodemonstrarnaminhatatuagemsefizervocêsesentirmelhor.Nãovaime

machucar,evocêvaiverquenãotemnenhumefeitocolateral.—Não temos certeza se eles fizeram alguma coisa comigo—protestei. Ele tinha

um argumento lógico, mas eu ainda estava morrendo de medo de dar aquele passo.Podia sentir minhas mãos tremendo.— Pode ser um desperdício. Pode ser que nãotenhanenhumacompulsãodelealdadeemmim.—Mas você também não tem certeza— ele argumentou.— E sempre tem um

pouquinhodelealdadenaprimeiratatuagem.Nãoobastanteparafazerdevocêumrobôescravo,masenfim.Vocênãosesentiriamelhorsabendoquetudofoiembora?Eunãoconseguiatirarosolhosdaagulha.—Voumesentirdiferente?— Não. Exceto que vai poder abordar alguém na rua e começar a falar sobre

vampiros. — Eu não sabia dizer se ele estava brincando ou não. — Mas aí sómandariamvocêparaumhospício.Será que eu estava pronta para aquilo? Será que realmentedaria o próximopasso e

me juntaria aos Vingadores de Marcus? Eu tinha passado no teste dele, como eleesperava. E, obviamente, aquele grupo não era inútil. Eles ficavam de olho nosalquimistasenosguerreiros.TambémpareciamquereromelhorparaosMoroi.OsMoroi…ou,mais especificamente, Jill.Nãohaviameesquecidodocomentário

de Sabrina de que os guerreiros estavam interessados em uma menina desaparecida.Quemmais poderia ser além de Jill? E será que esse tal deHawthorne tinha acesso àlocalizaçãodela?SeráquetinhapassadoessainformaçãoparamestreJameson?Eseráqueessa informação poderia colocar em risco as pessoas ao redor dela, comoAdrian, porexemplo?Eramperguntasparaasquaiseunãotinharesposta,masprecisavadescobrir.—Certo—eudisse.—Podefazer.Marcusnãoperdeutempo.Achoqueficoucommedodequeeumudassedeideia,o

quetalveznão fosse infundado.Senteiemumadascadeirase inclineiacabeçaparaqueeleconseguisseencostarnaminhabochecha.Wadesegurouminhacabeçacomcuidado.—Sópragarantirquevocêfiqueparada—eledisse,emtomdedesculpas.AntesqueMarcuscomeçasse,perguntei:—Ondevocêaprendeuafazerisso?Eleestavacomumaexpressãosoleneporcausadatarefa,masminhaperguntatrouxe

seusorrisodevolta.

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—Tecnicamentenãovoutatuarvocê,seédissoqueestácommedo—eledisse.Naverdade, eu estava commedo demuitas coisas.— São só algumas injeções, como seestivéssemosretocando.—Eo processo propriamente dito?Como você descobriu?—Eu deveria ter feito

essaperguntaantesdesentarnacadeira.Masnãoestavaesperandofazeraquilotãocedo,outãoderepente.—UmMoroiamigomeucriouahipótese.Eumeoferecicomocobaia,edeucerto.

—Elevoltouaficarsérioeergueuaagulha.—Pronta?Respireifundo,sentindocomoseestivesseàbeiradeumprecipício.Erahoradepular.—Sim.Doíatãopoucoquantooretoque,sóalgumaspicadinhasnapele.Incômodas,masnão

exatamente doloridas.Na verdade, o processo nem foi longo,mas pareceu durar umaeternidade. Enquanto Marcus trabalhava, eu ficava me perguntando: o que estoufazendo? Por fim,Marcus deu um passo para trás eme observou com um brilho nosolhos.SabrinaeWadetambémsorriram.—Prontinho—Marcusdisse.—Bem-vindaaogrupo,Sydney.Tireimeuespelhinhodabolsaparaolharatatuagem.Minhapeleestavaavermelhada

por causa das picadas da agulha, mas, se o resto do processo também fosse como oretoque,airritaçãopassarialogo.Foraisso,olírionãopareciadiferente.Eu também nãome sentia diferente.Não queria invadir a base alquimista e exigir

justiça, nem nada do tipo.Aceitar o desafio dele de falar para alguém de fora sobrevampirosdeviaseromelhorjeitodeverseatatuagemhaviasidoalterada,maseunãoestavacomvontadedefazerissotambém.—Ésóisso?—perguntei.—Só isso—Marcus respondeu.—Depois que selarmos, você não vai ter que se

preocuparcom…—Nãovouselar.Todosossorrisossefecharam.Marcuspareceuconfuso,comosetivesseouvidoerrado.—Vocêprecisaselar.VamosproMéxiconofimdesemanaquevem.Depoisdisso,

osalquimistasnuncaconseguirãopegarvocê.—Nãovouselar—repeti.—EnãovouparaoMéxico.—Aponteiparaolaptop.

—Olhesóoqueconsegui!Secontinuarondeestou,possodescobriroutrascoisas.Possodescobriroquemaisos alquimistaseosguerreirosestão tramando juntos.—Poderiadescobrir se Jill estava correndo perigo.— Ficar marcada para sempre e virar umadissidenteseriaofimdetodasessasoportunidades.Eunãoteriacomovoltaratrásdepoisdisso.Acho que Marcus sempre conseguia o que queria, e minha revelação o pegou

completamentedesprevenido.Wadecontinuouadiscussão.—Você jánão temcomovoltar atrás.Deixaráumrastrodemigalhas atrásde si,

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Sydney.Olhasóoquevocêfez.Alémdisso,jáfezperguntassobreMarcus.MesmoquenãoestejadefendendoosMoroi,osalquimistassabemquevocêpassamuitotempocomeles. E, algum dia, alguém pode perceber que você esteve lá no dia em que asinformaçõesforamroubadas.—Ninguémsabequeforamroubadas—eudisseprontamente.—Você achaqueninguém sabe—Wade corrigiu.—Essas coisinhas bastampara

levantarsuspeita.Continuefazendomaisevocêsóvaipiorarascoisas.Elesvãocomeçaranotareéaíquetudoirápelosares.Marcushaviaserecuperadodochoqueinicial.—Exato.Ouça,sequisercontinuarondeestáatéagenteirproMéxico,tudobem.

Pense com calma. Depois disso, você precisa fugir.Vamos continuar trabalhando defora.—Vocês podem fazer o que quiserem.—Comecei a guardarmeu laptop.—Eu

voutrabalhardedentro.Marcusseguroumeubraço.—Vocêestácavandosuaprópriacova,Sydney!—eledisse,muitosério.—Vaiser

pega.Livreimeubraço.—Voutomarcuidado.—Todomundocometeerros—Sabrinadisse,falandopelaprimeiravezemmuito

tempo.—Voucorreresserisco.—Pendureiabolsanoombro.—Amenosquevocêsme

impeçamàforça.Nenhumdelesrespondeu.— Então estou indo. Não tenho medo dos alquimistas. Obrigada por tudo que

fizerampormim.Ficomuitoagradecidamesmo.—Euqueagradeço—Marcusdisse,enfim.ElebalançouacabeçaparaWade,que

pareciaprestesaprotestar.—Porconseguirovídeo.Para falaraverdade,nãoachavaquevocê fosseconseguir.Penseique fossevoltardemãosabanando,masmesmoassimeuteriarompidoatatuagempravocê.Comoprêmiodeconsolação,sabe.Emvezdisso,vocêconfirmouaimpressãoqueeutinha:vocêéincrível.Seriamuitoútilparanós.—Bom,vocêssabemcomomeencontrar.—Evocêsabecomonosencontrar—eledisse.—Vamosficaraquiasemanatoda

semudardeideia.Abriaporta.—Nãovoumudardeideia.Nãovoufugir.Amelia me deu tchau quando entrei no carro, sem saber que eu tinha acabado de

desafiarseuqueridolíder.NocaminhodevoltaparaAmberwood,fiqueisurpresacomaliberdadeque estava sentindo, enão tinhanada a ver coma tatuagem.Era a noçãodequeeuhaviadesafiadoatodos:osalquimistas,osguerreiros,osVingadores.Nãoserviaaninguém,qualquerque fosseacausa.Eraapenaseu,capazde tomarminhaspróprias

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decisões.Nãoeraalgocomquetivessemuitaexperiência.Eestavaprestesafazeralgodrástico.NãotinhafaladonadaparaMarcuseseugrupo

porque estava com medo de que fossem mesmo me impedir. Quando voltei paraAmberwood, fui direto para o quarto e liguei para Stanton. Ela atendeu no primeirotoque,oqueconsidereiumsinaldivinodequeestavafazendoacoisacerta.—Srta.Sage,queinesperado.Gostoudacerimônia?—Sim—eudisse.—Foimuitoinspiradora.Masnãoéporissoqueestouligando.

Nós temos um problema.Os Guerreiros da Luz estão atrás de Jill.— Eu não podiaperdertempo.— Por que eles fariam uma coisa dessas?— Ela pareceu genuinamente surpresa,

mas, se havia algo em que eu acreditava com todo o coração, era que os alquimistassabiammentirmuitobem.— Porque sabem que, se o paradeiro de Jill vier à tona, a sociedade Moroi pode

desmoronar.O foco deles ainda são os Strigoi,mas eles adorariamque a situação dosMoroifossedemalapior.—Entendi.—Eununcasabiaseelafaziaessaspausasparaorganizarospensamentos

ouseerasópeloefeitodramático.—Ecomoexatamentevocêficousabendodisso?—Aquelemeninoqueeuconheçoque foidosguerreiros.Aindanosdamosbem,e

ele está com o pé atrás em relação a eles. Elemencionou ter ouvido falar sobre umameninadesaparecidaquepoderiacausarváriosproblemassefosseencontrada.—TalvezfosseerradocolocarTreynomeiodaquelamentira,maseurealmenteduvidavadequeStantonfosseinterrogá-lotãocedo.—EvocêimaginouquefosseaDragomir.— Claro — exclamei. — Quem mais poderia ser? A senhora conhece outras

meninasMoroi?Éóbvioqueéela!—Acalme-se, srta.Sage.—Avozdelaera inexpressivae imperturbável.—Não

precisaseexaltar.— Precisamos agir! Se há uma chance de os guerreiros estarem de olho nela,

precisamostirá-ladePalmSpringsimediatamente.— Essa — ela disse, incisiva — não é uma possibilidade. Foi preciso muito

planejamentoparacolocá-lanaposiçãoatual.Nãoacrediteinesse argumentonemporumsegundo.Metadedonosso trabalhoera

controlardanosenosadaptarasituaçõesquemudavamrapidamente.—Ah,é?Evocêscontaramcomapossibilidadedeaquelespsicopatascaça-vampiros

aencontrarem?Stantonignorouaindireta.—Você tem alguma evidência de que os guerreiros realmente têm informações

concretassobreela?Seuamigoforneceualgumdetalhe?—Não—admiti.—Masmesmoassimprecisamosfazeralgumacoisa.—Nãotemnenhum“nós”aqui.—Suavozinexpressivasetornoucortante.—Não

évocêquemdecideoquevamosfazer.

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Quase protestei, mas me contive. O pavor se instalou em mim. O que eu tinhaacabadode fazer?Minha intenção tinha sido levar Stanton a tomar alguma atitude realouver se, semquerer,elarevelariaquesabiadealgumcontatocomosguerreiros.Eupensara quemencionarTreymedaria credibilidade, considerando que obviamente nãopoderia contar o verdadeiro motivo que me fazia temer pela segurança de Jill. Noentanto, em algummomento, havia passado de um pedido para uma exigência.Tinhaquase dado uma ordem para ela aos berros. Esse não era o comportamento típico deSydney.Nãoeraocomportamentotípicodosalquimistas.OqueeramesmoqueWadehaviadito?Deixaráumrastrodemigalhasatrásdesi,Sydney.Seráqueeuagiradaquelamaneiraporquehaviarompidoatatuagem?Aquilonãoeraumamigalha.Eraumpãointeiro.Euestavaàbeiradainsubordinação

e, de repente, pude imaginar a lista de que Marcus sempre me advertia, aquela queregistrava todas as coisas suspeitas que eu andava fazendo. Será que Stanton já estavaatualizandoessalistanaqueleexatomomento?Euprecisavacorrigiraquela situação,mascomo?Comopoderiaretiraroquehavia

dito? Minha mente estava em disparada e levei vários segundos para me acalmar ecomeçarapensarracionalmente.Amissão.Concentre-senamissão.Stantonentenderia.—Desculpe— eu disse, por fim. Fique calma. Seja respeitosa. — Só estou… só

estoupreocupadacomamissão.Vimeupainacerimônia,sabe.—Esseeraumfatoqueela poderia conferir.—A senhoradeve ter visto comoestavam as coisas nanoite emque saí de casa.Como a nossa relação estavamal. Eu…preciso que ele se orgulhe demim.Setudoforpelosaresaqui,elenuncavaimeperdoar.Ela não respondeu, e torci para que isso significasse que estava ouvindo com

atenção…eacreditandoemmim.—Querofazerumbomtrabalhoaqui.QuerocumprirnossosobjetivosemanterJill

escondida.Mas já houve tantas complicaçõesqueninguémpreviu…PrimeiroKeith, eagora os guerreiros. Nunca tenho certeza de que ela está completamente protegida,mesmo com Eddie eAngeline. Isso acaba comigo. E…—Eu não era nenhuma atrizcapazdefingirlágrimas,masfizomelhorquepudeparafazerumavozembargada.—Enuncamesintoprotegida.Faleiparaasenhora,quandopediparairàcerimônia,comoé terrível estar com osMoroi. Eles estão por toda parte, e os dampiros também. Eucomocomeles.Vouparaaaulacomeles.Estarentrealquimistasnesse fimdesemanasalvou a minha vida. Não estou tentando fugir das minhas obrigações. Entendo queprecisamos fazer sacrifícios. E agora já não fico tão mal entre eles, mas às vezes oestresse é insuportável. Por isso, quando ouvi essa história dos guerreiros, perdi ocontrole…fiqueipensandoquepoderiafracassar.Desculpe.Nãodeveriaterlevantadoavozcomasenhora.Estavadescontrolada,eissoéinaceitável.Corteimeudiscursoefiqueitensaesperandoarespostadela.Comsorte,tinhafalado

o bastante para que Stanton desconsiderasse a ideia de que eu fosse uma dissidente.Claro, eu poderia ter acabado deme fazer passar por uma alquimista completamentefraca e instável que precisava ser retirada daquelamissão. Se isso acontecesse…bom,

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nessecasotalvezeuteriadeaceitaraofertadeMarcussobreoMéxico.Apausatípicadelafoiespecialmenteangustiantedessavez.—Entendo—eladisse.—Enfim,levareitudoissoemconsideração.Essamissãoé

deimportânciacrucial,acrediteemmim.Suaspreocupaçõesforamouvidasedecidireiamelhoratitudeasertomada.Nãoeraexatamenteoqueeuqueriaouvir,mas, se tudodessecerto,ela seria fielà

suapalavra.Queriamuitoacreditarqueestavasendosincera.—Obrigada,senhora.—Maisalgumacoisa,srta.Sage?—Não,senhora.E…medesculpe,senhora.—Desculpasanotadas.Clique.Eu vinha andando de um lado para o outro enquanto falava e agora fiquei parada

encarandoocelular.MinhaintuiçãomediziaquerealmentetinhafeitocomqueStantontomassealgumaatitude.Omistérioeraseessaatitudeseriabenéficaoucatastróficaparamim.Foi difícil dormir depois do telefonema e, dessa vez, não tinha nada a ver com

Veronica. Eu estava agitada demais, nervosa demais com o que havia acontecido comMarcuseStanton.Tenteirecuperaraquelasensaçãodeliberdade,masfoisóumafaíscadessa vez, fraquejando diante dasminhas novas inseguranças.Ainda assim, eramelhordoquenada.Caí no sono em tornodas três.Tive a vaga impressão de que se passaram algumas

horas até eu ser tragada para um dos sonhos deAdrian, de volta ao salão da festa decasamento.—Finalmente—eledisse.—Estavaquasedesistindo.Penseiquevocêfossepassara

noite inteira acordada. — Ele havia parado de usar o terno naqueles sonhos,provavelmente porque eu sempre aparecia de calça jeans. Naquela noite, ele tambémestavadejeans,ecomumacamisetapretalisa.—Eutambém.—Retorciasmãosecomeceiaandardeum ladoparaooutroali

também.O nervosismo de antes se transferiu para o sonho.—Acontecerammuitascoisashojeànoite.Osonhopareciareal,sólido.Adrianestavasóbrio.—Vocênãoacaboudevoltar?Quantacoisapodeteracontecido?Quandocontei,elemeneouacabeça,abismado.—Caramba,Sage.Comvocêétudoounadamesmo.Ascoisasnuncaficamparadas

nasuavida.Pareinafrentedeleemeapoieinumamesa.— Eu sei, eu sei.Você acha que acabei de fazer uma grande besteira?MeuDeus,

talvezMarcusestivessecertoetivesseumpoucodecompulsãonatatuagemmeforçandoaserleal.Euficolivreporumahoraesaiocompletamentedalinhacomaminhachefe.—Vocêpareceterencobertoseurastro—eledisse,emborasuatestaestivesseum

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poucofranzida.—Maseuficariadesapontadosemandassemvocêparaumlugarmenosestressante.Seriaapiorcoisaquepoderiaacontecer,peloquevocêdisse.Comeceiarir,masdenervosismo.—Oquedeuemmim?EstavafazendocoisasmalucasmuitoantesdeMarcusromper

a tatuagem. Encontrar rebeldes, caçar feiticeiras domal, até comprar aquele vestido!GritarcomStantonésómaisumamaluquicenumalongalista.ÉcomofaleipravocênoTortaseTal:nãoseimaisquemeusou.Adriansorriuesegurouminhasmãos,seaproximandodemim.—Bom,emprimeiro lugar,oespecialistaemmaluquicesaqui soueu,e issonãoé

nada. E quanto a você, tem sido a mesma guerreira bonita, corajosa, ridiculamenteinteligente e viciada em café desde o dia em que nos conhecemos.— Finalmente elecolocou“bonita”notopodalistadeadjetivos.Nãoqueeudevessemeimportar.— Puxa-saco— zombei. —Você não sabia nada sobre mim quando a gente se

conheceu.—Sabiaqueerabonita—eledisse.—Sótorciparaquefosseorestotambém.Ele sempre tinhaaquelebrilhonosolhosquandoelogiavaminhaaparência,comose

estivesse vendo muito além disso. Era intenso e desorientador… mas eu não meimportei.Eessanãofoiaúnicacoisaquemeperturbou.Comoeletinhaseaproximadotantodemimsemqueeupercebesse?Eracomosetivessehabilidadessecretasdeespião.Suasmãos estavamquentesnasminhas;nossosdedos, entrelaçados.Eu ainda tinhaumresquício daquela alegria de antes dentro demim, e estar junto dele intensificava essesentimento.Overdedeseusolhosestava lindocomosempre,e fiqueimeperguntandose os meus tinham o mesmo efeito sobre ele. Havia um pouco de amarelo-âmbarmisturadocomocastanhoqueumavezelehaviaditoquepareciaouro.Ele é a única pessoa que nunca me diz o que fazer, percebi.Ah, claro, me pedia

muitas coisas, semprebajulandoe commuita lábia.Masnão exigianadademim,nãocomoos alquimistasouMarcus.AtémesmoJill eAngelinecostumavamcomeçar seuspedidoscom“Vocêtemque…”.—Porfalarnaquelevestido—eleacrescentou—,aindanãoovi.Ribaixinho.—Vocênãoaguentaria.Elearqueouasobrancelha.—Éumdesafio,Sage?Euaguentomuitacoisa.—Nãoconsiderandoonossohistórico.Semprequeusoalgumaroupaminimamente

atraente,vocêperdeocontrole.—Não é totalmente verdade— ele disse.— Eu perco o controle com qualquer

roupa que você usar. E aquele vestido vermelho não era“minimamente atraente”. Eraumpedaçodocéunaterra.Umpedaçodocéuvermelhoesedoso.Eudeveriaterreviradoosolhos.Deveriaterditoquenãoestavaaliparafazeroque

elequeria.Mashaviaalgonosolhosdeleenamaneiracomomesentianaquelanoitequemefezquererverasuareação.Romperatatuagemnãohaviamudadonadaentrenós,

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mas, somado a tudo que eu tinha feito naquela semana, me fez criar coragem. Pelaprimeiravez,quiscorrerumriscocomele,apesardetodososmeusvelhosargumentosracionais.Alémdisso,nãohaviaperigoemdeixá-lodarumaolhada.Manipuleiosonhocomoelehaviameensinado.Algunsmomentosdepois,ovestido

curtode renda substituiuo jeans e a blusa.Criei atéos saltos, oque aumentouminhaestatura. Ainda não estava tão alta quanto ele, mas o pequeno aumento haviaaproximadonossosrostos.Osolhosdelesearregalaram.Aindasegurandominhasmãos,deuumpassoparatrás

a fimdeexaminaroconjunto todo.Haviaalgodequase tangívelnamaneiracomoseuolharpercorreumeucorpo.Eupraticamentesentia todosos lugaresemqueseusolhospousavamemmim.Quandoelesvoltaramaencontrarosmeus,minharespiraçãoestavaarquejanteeeusabiamuitobemquenãohaviamuitaroupaentrenós.Talvezhouvessesimalgumperigoemdeixá-lodarumaolhada.—Umpedaçodocéu?—conseguiperguntar.—Não— ele respondeu.—Do outro lugar. Onde vou arder por pensar o que

estoupensando.Eleseaproximoudemimnovamente.Suasmãossoltaramasminhasepassarampara

aminhacintura,enoteiquenãoeraaúnicacomarespiraçãopesada.Elemepuxouparaperto,unindonossoscorpos.Omundoerapurocaloreeletricidade,densocomatensãoao nosso redor, e só faltava uma faísca para essa tensão explodir. Eu estava meequilibrandoàbeiradeoutroprecipício,oquenãoerafácilfazerdesaltoalto.Pusosbraçosemtornodopescoçodelee,dessavez,fuieuquemopuxouparaperto.—Droga—elemurmurou.—Quefoi?—perguntei,semtirarosolhosdosdeleemnenhummomento.Elepassouasmãosnomeuquadril.—Nãoeraparaeubeijarvocê.—Nãotemproblema.—Oquê?—Nãotemproblemaseeubeijarvocê.Era difícil surpreenderAdrian Ivashkov,mas consegui quando trouxe sua boca para

pertodaminha.Euobeijeie,porummomento,eleficoupasmodemaispararetribuir.Isso durou, hum, mais ou menos um segundo. Então a intensidade que eu passara aconhecer tãobemvoltoucom força total.Elemeguioupara trás,me levantandoparaque eu sentasse em cima de uma das mesas. A toalha foi empurrada para trás,derrubandoalgunscopos.Ouvioqueparecia serumpratodeporcelana seespatifandonochão.Toda a lógica e a razãoqueeucostumava terhaviamdesaparecido.Nãohavianada

alémdepeleepaixão,eeunãomentiriaparamimmesma—pelomenosnãonaquelanoite. Eu o queria. Arqueei as costas, sabendo muito bem que aquilo me deixavavulnerável e que era um convite para ele. Ele aceitou o convite e empurrou minhascostassobreamesa,descendoocorposobreomeu.Aquelebeijoavassaladorpassouda

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minhabocaparaanuca.Eledesceuaalçadomeuvestidoetambémdosutiã,expondomeuombroedandoaseus lábiosmaispeleparaconquistar.Umcoporoloudamesaecaiu, logoseguidoporoutro.Adrianparouobeijoeabriosolhos.Eleestavacomumolharexasperado.—Umamesa—eledisse.—Umadrogadeumamesa.Algunsmomentosdepois,amesahaviadesaparecido.Euestavanoapartamentodele,

na sua cama, e fiquei contente por não haver mais talheres nas minhas costas.Completadaamudança,seuslábiosvoltaramaencontrarosmeus.Aurgênciadaminharesposta surpreendeu até a mim. Nunca pensei que seria capaz de agir tãoinstintivamente, deme afastar tanto da razão que costumava guiarmeus atos.Minhasunhassecravaramnascostasdele,eeledesceuoslábiospelomeuqueixoatéomeiodomeu pescoço. Continuou descendo até chegar à base do decote do vestido. Soltei umgemidoeelebeijoutodooentornododecote,sóobastanteparameprovocar.—Nãosepreocupa—elemurmurou.—Vocêvaicontinuarcomovestido.—Ah,é?Essadecisãoésuaporacaso?—Sim—elerespondeu.—Vocênãovaiperdersuavirgindadeemumsonho.Seé

que issoépossível.Nãoqueropensarno ladofilosóficodaquestão.Alémdomais,nãoprecisamosapressarascoisas.Àsvezesvaleapenasedemorarnajornadaporumtempoantesdechegaraodestino.Metáforas.Eraopreçodeficarcomumartista.Euestavaprestes adizer isso.Masentão suamão subiupelaminhapernaevoltei a

me envolver. Eu podia até continuar com o vestido, mas ele não via mal em tomaralgumas liberdades.Aquela mão entrou sob o vestido, subindo pela minha perna atéchegaraoquadril.Sentiumardorpordentroemeconcentreicompletamentenotoquedaquelamão. Ela estava semovendo devagar demais, e a segurei, pronta para fazê-laavançar.Adrianriuepegoumeupunho,tirandoaminhamãoeasegurandocontraoslençóis.—Nuncapenseiqueseriamaisdevagarquevocê.Abriosolhoseencontreiosdele.—Euaprendorápido.Todo aquele ímpeto selvagem e ardente dentro de mim deve ter transparecido,

porqueeleprendeuarespiraçãoeseusorrisosedesfez.Elesoltoumeupunhoeseguroumeurostonasmãos,aproximandoodeleaapenasumcentímetrodomeu.—MeuDeus,Sydney.Vocêé…Oardoremseusolhossetransformouemsurpresa,eeleolhouparacimaderepente.— Que foi? — perguntei, sem saber se aquela era alguma parte estranha da

“jornada”.Elefezumacaretaecomeçouadesaparecerdiantedosmeusolhos.—Estãoacordandovocê.

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Abriosolhos,tontapelochoquerepentinodeserarrancadadosonho.Meucorpoestavalento e apertei os olhos diante da luz.A lâmpada que eu havia deixado acesa na noiteanterior se somou à luz do sol que passava pela janela,masmeu celularmostrava queaindaeraabsurdamentecedo.Alguémbateunaportaepercebiqueeraissoquetinhameacordado.Ajeiteiocabeloelevanteidacamacambaleante.— Se ela estiver precisando de ummonitor de geografia agora, eu realmente vou

para oMéxico—murmurei.Mas não eraAngeline que estava atrás da porta quandoabri.EraJill.—Acaboudeacontecerumacoisagrave—eladisse,entrandorapidamente.—Nãocomigo.Se ela notou minha irritação, não demonstrou. Na verdade, examinando-a mais

atentamente, percebi que ela parecia (ainda) não saber do que havia acontecido entremimeAdrian.Deacordocomoqueeuhavia aprendido, sonhosdeespíritonãoeramcompartilhadospelo laço,amenosqueapessoaquetinharecebidoobeijodassombrasfosselevadadiretamenteparadentrodosonho.Suspirei e senteina cama,querendovoltar adormir.Ocalore a emoçãodo sonho

estavamperdendoaforça,eagorasómesentiaexausta.—Qualéoproblema?—AngelineeTrey.Resmunguei.—Ai,meuDeus.Oqueelafezcomeleagora?Jill sentounaminhacadeirae assumiuumolhar firmeedecidido.Oqueelaestava

prestesafalarnãodeviasernadabom.—ElatentoutrazerTreyparaonossoalojamentoontemànoite.—Comoassim?—Eurealmenteprecisavadormirmais,porquemeucérebroestava

tendodificuldadesparaentenderalógicadaquilo.—Elanãoestá tãodedicadaànotadematemáticaassim…está?

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Jillergueuumasobrancelha.—Sydney,elesnãoestavamestudandomatemática.—Entãooqueestavam…Ah.Ah,não.—Caídecostasnacamae fiqueiolhando

paraoteto.—Não.Issonãopodeestaracontecendo.—Tambémtenteirepetirissoparamimmesma—eladisse.—Nãoadiantou.Eumevireideladoparaencará-ladenovo.—Certo,supondoquesejaverdade,estárolandofazquantotempo?—Nãosei—Jillpareciatãocansadaquantoeu,emuitomaisexasperada.—Você

sabe como ela é.Tentei arrancar respostas dela, mas ela ficou repetindo que não eraculpadelaequesimplesmentetinhaacontecido.—EoqueTreydisse?—Não consegui falar com ele ainda. Ele foi levado embora assim que eles foram

pegos. — Ela abriu um sorriso triste. — O bom é que ele vai ter muito maisproblemasdoqueela,entãonãoprecisamosnospreocuparqueelasejaexpulsa.Ah,não.—Precisamosnospreocuparqueelesejaexpulso?—Achoquenão.Ouvihistóriasdeoutraspessoasquefizeramissoesóficaramem

detençãopormuitotempooucoisaassim.Pelo menos isso. EAngeline ficava tanto em detenção que eles teriam ainda mais

tempoparaficarjuntos.— Bom, então acho que não há muito o que fazer. Quer dizer, as consequências

sentimentaisvãoserumazona,claro.—Então…—Jillmudoudeposição,nervosa.—Erasobreissoqueeuqueriafalar.

Sabe,alguémprecisacontaraoEddie…Eulevanteidacamaemumsalto.—Euéquenãovoufazerisso.—Ah, claro que não. Ninguém esperaria que você fizesse.— Eu não tinha tanta

certeza,masdeixeiqueelacontinuasse.—Angelinevaicontar.Éacoisacertaafazer.—Sim…—Euaindanãotinhabaixadoaguarda.—MasalguémprecisafalarcomEddiedepois—elaexplicou.—Vaiserdifícilpra

ele,sabe?Nãopodemosdeixá-losozinho.Elevaiprecisardeumamigo.—Vocênãoéamigadele?—perguntei.Elaficouvermelha.—Sim,claro.Masnãoseiseseriacertoconsiderandoque…enfim,vocêsabeoque

sintoporele.Émelhoreleteralguémmaisracionaleobjetivoporperto.Alémdisso,nãoseisefariaumbomtrabalho.—Achoquefariaumtrabalhomelhordoqueeu.—Vocêémelhornessascoisasdoquepensa.Conseguedeixarascoisasmaisclaras

e…Jillparoudefalarderepente.Seusolhossearregalarame,porummomento,parecia

que ela estava vendo algo que eu não conseguia ver. Demorei um momento para

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entender.Nãosóparecia—eraexatamenteoqueelaestava fazendo.Elaestava tendoum daquelesmomentos em que ficava em sincronia com amente deAdrian. Eu a vipiscar e, lentamente, voltar a se concentrarnomeuquarto.Seusolhos se focaramemmim,eelaempalideceu.Eassim,derepente,percebiqueelasabia.Rosehaviaditoque,àsvezes,nolaço,erapossívelobservarasmemóriasrecentesde

alguém mesmo que você não estivesse sintonizada com o laço naquele momento.Quando Jill olhou para mim, pude ver que ela havia visto tudo, todas as coisas quetinham acontecido entre mim eAdrian durante a noite. Era difícil dizer qual de nósestava mais horrorizada. Repassei tudo o que havia feito e dito, todas as posiçõescomprometedoras em que havia me colocado, literal e figurativamente. Jill haviasimplesmenteme“visto”fazercoisasqueninguémnuncamaistinhavisto…querdizer,excetoAdrian, claro. E o que ela havia sentido?Como erame beijar? Passar asmãosdela,querdizer,delenomeucorpo?Era uma situação para a qual eu não estava nem um pouco preparada. Minhas

indiscrições ocasionais com Adrian também haviam chegado até Jill, mas nós —especialmente eu — tínhamos ignorado. Naquela noite, porém, havíamos levado ascoisasaumnívelcompletamentediferente,quedeixavaJilleeuatônitasesempalavras.Fiquei aflita por ela terme visto tão vulnerável e exposta, emeu ladomais protetorestavapreocupadocomosimplesfatodeelatervistoalgumacoisa,ponto.Ficamos olhando uma para a outra, perdidas emnossos próprios pensamentos,mas

Jillserecuperouprimeiro.Desviandoosolhos,elaandourápidoatéaporta.—Hum,achomelhoreuirembora,Sydney.Desculpeporterincomodadovocêtão

cedo.Acho que dava para ter esperado.Angeline vai conversar com Eddie ainda demanhã, então quando tiver um tempo para falar com ele, sabe, seria ótimo.— Elarespiroufundoeabriuaporta,aindaserecusandoameolharnosolhos.—Precisoir.Atémais.Desculpadenovo.—Jill…Ela fechou a porta e me afundei na cama, sem conseguir ficar de pé. Era oficial.

Todosos resquícios de ardor edesejo que eu sentia por ter ficado comAdrian haviamdesaparecidoporcompletodiantedaexpressãode Jill.Atéaquelemomento,nãohaviaentendido verdadeiramente o que significava me envolver com alguém que tinha umlaço.TudooqueAdriandiziaparamim,elaouvia.Todosentimentoqueeletinhapormim,elatambémtinha.Todavezqueelemebeijava,elasentia…Comecei a me sentir enjoada. Como Rose e Lissa haviam lidado com aquilo? Em

algum lugar da minha mente atordoada, lembrei de quando Rose me contou queconseguia bloquear várias das experiências de Lissa, mas que tinha levado alguns anosparaaprenderafazerisso.AdrianeJillestavaligadospelolaçofaziapoucosmeses.OchoquedesaberoqueJilltinhavistolançouumasombrasobretudooquehaviade

sensualeemocionantenaquelanoite.Eumesentiexposta.Mesentifácilevulgar,aindamais ao lembrar de como havia provocado as coisas. Aquela sensação de enjooaumentou,enãohouvecomoevitaraavalanchedesentimentosqueseseguiu.

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Euhaviamedeixadoperderocontrole, tinha sido tomadapelodesejo.Nãodeveriater feitonadadaquilo,enãosóporqueAdrianeraMoroi(embora,claro,essetambémfosseumproblema).Aminhavidagiravaemtornoderazãoelógica,eeuhaviajogadoambaspela janela.Esses erammeuspontos fortes e, aodeixá-los de lado, eu tinhametornado fraca.Ainda estava arrebatada pela liberdade e pelos perigos por que haviapassadonanoiteanterior,semmencionarqueestavainebriadaporAdrianeporeleterme dito que eu era bonita e corajosa e “ridiculamente inteligente”. Eu havia mederretido com o olhar dele ao me ver naquele vestido absurdo. Saber que ele medesejavahaviamedesnorteado,fazendocomqueeutambémodesejasse…Nadadaquiloestavacerto.Comgrandeesforço,levanteieconseguiescolherasroupasparaodia.Cambaleeiaté

o chuveiro feito um zumbi e fiquei tanto tempo no banho que perdi o café damanhã.Não tinha importância. Não teria conseguido comer nada mesmo, não com todas asemoções que estavam fervilhando dentro de mim. Mal falei com as pessoas enquantopassava pelos corredores, e foi só quando sentei na sala da sra. Terwilliger quefinalmente me lembrei que havia outras pessoas no mundo, com seus própriosproblemas.Maisespecificamente,EddieeTrey.Eu tinha certeza de que eles não estavam tão traumatizados quanto Jill e eu pelos

acontecimentos da noite anterior.Mas ficou claro que ambos haviam tido umamanhãdifícil.Nenhumdelesfalououfezcontatovisualcomninguém.AchoqueeraaprimeiravezqueeuviaEddieignoraroambiente.Osinalmeinterrompeuantesqueeutivesseachancededizeralgumacoisa,epasseiorestodaaulaolhandoparaosdois,preocupada.Elesnãopareciamestarprestesasemeteremalgumaloucuramovidapelatestosterona,oqueeraumbomsinal.Mesentimalporambos—especialmenteporEddie,quehaviasido o mais enganado— e me preocupar com eles me ajudou a não pensar no meuprópriodrama.Umpouquinho,pelomenos.Aofimdaaula,quisfalarantescomEddie,masasra.Terwilligermeinterpelou.Ela

meentregouumgrandeenvelopeamareloquepareciaconterumlivro.Aparentemente,osfeitiçosqueeuprecisavaaprendernãoacabavamnunca.—Algumas das coisas de que conversamos— elame disse.— Estude assim que

puder.—Certo.—GuardeioenvelopedentrodabolsaeolheiaoredorembuscadeEddie,

maselejáhaviaidoembora.Trey estava na minha aula seguinte, e sentei ao lado dele, como sempre. Ele me

olhoudeesguelhaeentãodesviouosolhos.—Então—eudisse.Eleabanouacabeça.—Nãocomece.—Nãovoucomeçarnada.Eleficouquietoporalgunssegundoseentãosevirouparamimcomoolharfebril.

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—Eu não sabia, juro. Sobre ela e Eddie. Ela nunca mencionou e, claro, eles nãofalamsobreissoaqui.Eununcateriafeitoissocomele.Vocêprecisaacreditar.Euacreditava.ApesardetodososdefeitosdeTrey,eleerahonestoetinhaumbom

coração.Sealguémhaviasecomportadomalnaquelahistória,eraAngeline.—Naverdade,estoumaissurpresaporvocêterseenvolvidocomalguémcomoela.

—Nãoprecisavaelaborarque“alguémcomoela”sereferiaaofatodeelaserdampira.Treyenfiouacabeçanacarteira.—Eusei,eusei.Équetudoaconteceutãorápido.Numdiaelaestavaatirandoum

livronaminhacabeça.Nooutro,agenteestavasepegandoatrásdabiblioteca.—Ai.Eunãoprecisavaficarsabendodessaparte.—Levanteiosolhoseviquenossa

professora de química ainda estava organizando a mesa, o que nos dava mais algumtempo.—Eagora,oquevocêvaifazer?—Oquevocêacha?Precisoterminar.Nãodeveriaterdeixadochegartãolonge.A Sydney de trêsmeses antes teria dito que era óbvio que ele precisava terminar.

MasestaSydneydisse:—Vocêgostadela?—Sim, eu…—Ele parou e então abaixou a voz.—Acho que amoAngeline. É

muitaloucura?Depoisdesóalgumassemanas?—Não…Não sei. Não soumuito boa em entender essas coisas.—Na verdade,

queria dizer que era péssima.—Mas, se é assimque você se sente… talvez… talveznãodevessejogarissofora.OsolhosdeTreysearregalaram,esuatristezasetransformouemchoque.—Vocêestáfalandosério?Comopodedizerumacoisadessas?Maisdoqueninguém,

vocêsabecomoascoisasfuncionam.Vocêstêmasmesmasregrasquenós.Eumalpodiaacreditarnasminhasprópriaspalavras.—Ogrupodelanão,eelesparecemviverbem.Porummomento,penseiveruma faíscadeesperançanosolhosdele,masentãoele

balançouacabeça.—Nãoposso, Sydney.Você sabequenão.Mais cedooumais tarde vai acabar em

desastre.Tem ummotivo para as nossas raças não semisturarem. E, se algum dia aminha família descobrir… Cara. Nem consigo imaginar. Eu nunca mais teria comovoltar.—Vocêquermesmovoltar?Elenãorespondeu.Emvezdisso,disseapenas:—Nãotemcomodarcerto.Acabou.—Eununcaotinhavistotãotriste.Aaulacomeçouepôsfimànossaconversa.Não vi Eddie no restaurante na hora do almoço. Jill estava sentada comAngeline

numamesanocantoepareciaestardandoumfortesermão.ElapoderianãosesentiràvontadeconsolandoEddie,maspelo jeitonãotinhaproblemaalgumemdefendê-lo.EunãoqueriaouvirasjustificativasdeAngelineouolharnosolhosdeJill,entãopegueiumsanduíche e fui comer do lado de fora. Não tinha tempo para procurar Eddie no

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restaurantedoalojamentomasculino,porissomandeiumamensagem.Quertomarcafédepois?Não fique com pena de mim, ele respondeu. Eu não achava nem que ele fosse

responder,entãojáeraalgumacoisa.Sóqueroconversar.Porfavor.Amensagem seguinte não veio tão rápido, e quase pude imaginar a batalhamental

que ele estava travando. Tá,mas depois do jantar.Tenho um grupo de estudos . Ummomentodepois,acrescentou:MasnãonoSpencer’s.TreytrabalhavanoSpencer’s.Agora que o drama deAngeline podia esperar, voltei à confusão que era minha

própriavidaamorosa.NãoconseguiatiraraexpressãodeJilldacabeça.Nãoconseguiame perdoar por ter perdido o controle. E, agora, estava com as palavras deTreyecoando na minha mente.Mais cedo ou mais tarde vai acabar em desastre.Tem ummotivoparaasnossasraçasnãosemisturarem.Como se invocado pelos meus pensamentos,Adrian me mandou uma mensagem.

Querpegarodragãohoje?Eutinhameesquecidocompletamentedocallistana.EleficaracomAdrianenquanto

eu estava em St. Louis, e agora era a minha vez. Como Adrian não conseguiatransformá-lo de volta em quartzo, o dragão tinha ficado em sua verdadeira formadurantetodoofimdesemana.Podeser,respondi.Sentiumfrionabarrigaquando fuiatéacasadelemais tarde.Eu tiveraorestodo

dia para pensar sobre minhas alternativas e finalmente me decidi por uma das maisextremas.Quandoeleabriuaporta,seurostoestavailuminado…atéveromeu.Suaexpressão

ficouaomesmotempotristeeexasperada.—Ah,não—eledisse.—Lávem.Entrei.—Lávemoquê?—Vocêdizendoqueoqueaconteceuontemànoitefoiumerroenuncamaispodese

repetir.Desvieiosolhos.Eraexatamenteoqueeuiadizer.—Adrian,vocêsabequenãotemcomodarcerto.—PorqueMoroiehumanosnãopodemficarjuntos?Porquevocênãosenteomesmo

queeusintoporvocê?—Não—respondi.—Querdizer,nãosóéisso.Adrian…Jillviutudo.Elepareceulevaralgunssegundosparaentender.—Comoass…Ah.Droga.—Poisé.—Eunem tenhopensadomais nisso.—Ele sentouno sofá e ficouolhandoparao

nada.Ocallistanaentroucorrendona salae seempoleirounobraçodo sofá.—Quer

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dizer, sei que acontece.Até conversamos sobre isso em relação a outras garotas. Elaentende.—Entende?— exclamei.— Ela tem quinze anos!Você não pode fazer amenina

passarporisso.—Você até podia ser inocente aos quinze,mas Jill não é. Ela sabe como as coisas

funcionam.Nãoconseguiaacreditarnosmeusprópriosouvidos.—Masnãosouumadasoutrasgarotas!VejoJilltododia.Sabecomoédifícilolhar

para a cara dela, sabendoque elame viu fazendo aquilo?Ai,meuDeus, e se tivessemacontecidooutrascoisas?—Entãooque issoquerdizer,exatamente?—eleperguntou.—Você finalmente

tinhamudadodeideiaeagoravaiterminarascoisasporcausadela?—Beijarvocênãoé“mudardeideia”.Elemeolhoulongamente.—Nãofoisóumbeijo,srta.EuAprendoRápido.Tenteinãodemonstrarcomomesentiaenvergonhadadessafrase.—É exatamente por isso que acabou.Não vou deixar Jill ver uma coisa dessas de

novo.—Entãovocêadmitequepoderiavoltaraacontecer.—Teoricamente,sim.Masnãoquerocorrerorisco.—Entãovaisimplesmenteevitarficarsozinhacomigo?—Vouevitarvocê,eponto.—Respireifundo.—VouproMéxicocomMarcus.— Como assim? —Adrian se levantou em um salto e veio até mim. Recuei

imediatamente.—Eaquelahistóriadetrabalhardisfarçada?— Isso só funciona se eu continuar disfarçada!Acha que vou conseguir isso me

encontrandocomvocêàsescondidas?—Vocêjápassametadedotempocomigo!—Nãosabiaseeleestavabravoounão,

masestavavisivelmentechateado.—Ninguémpercebe.Vamostomarcuidado.— Basta um deslize— eu disse. — E não sei mais se consigo confiar em mim

mesma.Nãoposso correro riscodeos alquimistas descobrirem sobrenós.NãopossoexporJillaoquefaríamosjuntos.Elesvãomandaroutroalquimistapracuidardelae,setudodercerto,Stantonvaitomarumaatitudeemrelaçãoaosguerreiros.—Jillsabequenãopossodeixarminhavidadelado.—Masvocêprecisa—retruquei.Agoraeleficoubravo.—Evocêsabedissoporqueéespecialistaemnegarasimesmaascoisasquequer.E

agoravaifugirdopaísparagarantirquenuncamaisvaiserfeliz.—Exatamente.—Fui até o callistana e recitei o encantamento que o retornava à

formainerte.ColoqueiocristaldentrodabolsaecrieicoragemparalançaroolharmaisfriopossívelparaAdrian.Devetersidoforteporqueelepareciater levadoumtapanacara.Ver a dor em seu rosto partiumeu coração. Eu não queria ferir os sentimentos

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dele. Não queria deixá-lo para trás.Mas que escolha eu tinha?Muita coisa estava emrisco.—Nãotemmaisvolta—eudisse.—Tomeiminhadecisão,Adrian.Vouembora

neste fimde semana, então,por favor, não torne as coisasmais difíceis doque já são.Queria que continuássemos amigos.—Meu tom fez parecer que estávamos fechandoumnegócio.CaminheiatéaportaeAdriancorreuatrásdemim.Nãoconseguiasuportaraagonia

norostodeleepreciseidetodaaminhaforçadevontadeparanãodesviarosolhos.—Sydney,nãofazisso.Vocêsabequeéumerro.Nofundo,vocêsabe.Nãorespondi.Nãoconseguiresponder.Fuiembora,meobrigandoanãoolharpara

trás. Estava commuitomedo de queminha determinação vacilasse, e era exatamentepor issoqueprecisava ir emboradePalmSprings.Nãoestavamais segurapertodele.Ninguémdeveriaterodireitodeexerceressepodersobremim.Tudooquequeriaerameescondernoquartoechorar.Porumasemana.Masnunca

haviadescansoparamim.Tudogiravaemtornodosoutros,emeuspróprios sonhosesentimentoseramdeixadosde lado.Por isso,eunãoestavanamelhorposiçãoparadarconselhos amorosos a Eddie quando nos encontramos naquela noite. Felizmente, eleestavaabsortodemaisnasprópriasemoçõesparaperceberasminhas.—Nuncadeveria termeenvolvidocomAngeline—elemedisse.Estávamosnum

café dooutro ladoda cidade.Ele havia pedidoum chocolate quente emexia nele faziaquaseumahora.—Vocênãosabia—eudisse.Eradifícilmanterminhapartedaconversaquandoeu

ficavamelembrandodadornosolhosdeAdrian.—Vocênãotinhacomosaber,aindamaisnocasodela.Elaéimprevisível.— E é por isso que eu não deveria terme envolvido.— Ele finalmente pousou a

colhernamesa.—Relacionamentos sãoperigososmesmoquandovocênão seenvolvecomumapessoacomoela.Eeunãotenhotempopraessetipodedistração!EstouaquiporJill,nãopormim.Nuncadeveriatermedeixadoenvolvernessahistória.—Nãotemnadadeerradoemquererficarcomalguém—eudisse,diplomática.A

menosqueessapessoavireseumundodeponta-cabeçaefaçavocêperderocontrole.—Talvez quandome aposentar eu tenha tempo.—Não consegui perceber se ele

estavafalandosério.—Masnãoagora.Jilléminhaprioridade.Eunãotinhaporquemefazerdecupido,masprecisavatentar.—Você já pensou seriamente em ficar com Jill? Sei que gostava dela.— E tinha

certezaabsolutadequeaindagostava.— Isso está fora de questão— ele disse com firmeza.—Como você sabemuito

bem.Nãopossopensarneladessejeito.—Elapensaemvocêdessejeito.—Aspalavrassaíramdaminhabocaantesqueeu

pudessemeconter.Depoisdomeuprópriodesastreamorosonaqueledia,umapartedemimqueriamuitoquepelomenosalguémfossefeliz.Nãoqueriaqueninguémsofressecomoeu.

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Elecongelou.—Ela…Não.Nãopodeser.—Sim.Todauma gamade emoções passoupelos olhos deEddie. Incredulidade.Esperança.

Alegria.E,então…resignação.Elepegouacolherdenovoevoltouamexerochocolatecompulsivamente.—Sydney, sabequenãoposso.Maisdoqueninguém,você sabecomoépreciso se

focarnotrabalho.—Essaeraasegundaveznaquelediaquealguémmefalava“maisdoqueninguém,você…”.Achoquetodomundotinhaumaideiapreconcebidademim.—Vocêdeveriapelomenostentar—eudisse.—Olhebempraeladapróximavez

queestiveremjuntos.Vejacomoelareage.Pareciaqueeleiatentar,oqueconsidereiumapequenavitória.Derepente,seurosto

ficoualerta.—O que aconteceu com você eMarcus?A viagem pra St. Louis.Você descobriu

algumacoisasobreJill?Escolhioquediriaaseguircommuitocuidado,tantoporquenãoqueriapreocupá-lo

como porque não queria que ele tomasse nenhuma atitude drástica que, mesmo semquerer,acabariarevelandominhastransaçõescomMarcus.—Descobrimosalgumasevidênciasdequeosguerreirosfalaramcomosalquimistas,

mas nada quemostre que estejam trabalhando juntos ou que realmente tenhamplanosemrelaçãoaela.Tambémtomeialgumasatitudespragarantirqueelafiqueprotegida.AindanãotinhaouvidonenhumanotíciadeStantonenãotinhacertezaseessaúltima

partedariaresultados.MasEddiepareceualiviadoeeunãoqueriaestressá-loaindamaisnaqueledia. Seuolharpassoupara algo atrásdemime ele colocouo chocolatequenteaindaintactosobreamesa.—Estánahoradeir.Olheiparaorelógioatrásdemimeviqueeletinharazão.Aindatínhamostempode

sobraantesdotoquederecolher,masnãoqueriaarriscar.Termineimeucaféeoseguiatéasaída.Osolestavasumindonohorizonte,colorindoocéudevermelhoeroxo.Atemperaturatinhafinalmenteabaixadoparaníveisnormais,masaquiloaindanãopareciainvernoparamim.Haviavárioscarrosmalestacionadosemfrenteaocafé,por issoeuhaviaparadooPingadonosfundos,afimdeevitarquealgumapessoadescuidadabatesseneleaoabriraporta.—Obrigado pelo apoiomoral—Eddie disse.—Às vezes você realmente parece

umairmã…Foientãoquemeucarroexplodiu.Querdizer,maisoumenos.PrecisoadmitirqueareaçãodeEddiefoiincrível.Elemejogounochão,protegendo

meu corpo com o dele.A explosão havia sido ensurdecedora, e gritei quando umaespéciedeespumacaiunaminhacara.Espuma?Eddie se levantou com cautela, e fiz omesmo.Meu carro não tinha explodido em

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chamasnemnadaassim.Emvezdisso,estavacheiodeumasubstânciabrancaquetinhaestourado com tanta força que havia derrubado as portas e quebrado as janelas. Nosaproximamosdalambançae,atrásdenós,ouvipessoassaindodocafé.—Queporrafoiessa?—Eddieperguntou.Toqueinaespumaemmeurostoeaexamineinapontadosdedos.—Éaquiloquetemdentrodoextintordeincêndio—respondi.—Mascomoéquefoipararnoseucarro?—eleperguntou.—Etãorápido?Olhei

pra ele quando a gente estava saindo.Você que é a especialista em química. Será quepodiaacontecerumareaçãotãorápido?—Talvez — admiti. Naquele momento, estava chocada demais para realmente

pensaremalgumafórmula.PasseiamãonocapôdoPingadoequischorar.Euestavaàbeira de um ataque de nervos.—Meu pobre carro. Primeiro o doAdrian, agora omeu.Porqueaspessoasfazemcoisasassim?—Osvândalosnãoseimportam—disseumavozatrásdemim.Olheiparatráse

vi umdos baristas, um homemmais velho que imaginei ser o dono do café.— Já vicoisas assim antes.Malditospirralhos.Vou ligarprapolícia por você.—Elepegouocelulareseafastou.—Nãoseisevamosconseguirchegarantesdotoquederecolheragora—eudissea

Eddie.Elemedeuumtapinhasolidárionascostas.—Acho que, se você mostrar o boletim de ocorrência no alojamento, eles vão

entender.—É, tomara que…Ai.Apolícia.—Corri para o ladodopassageiro e encarei a

parededeespuma,desolada.—Qualéoproblema?—Eddieperguntou.—Alémdoóbvio,querdizer.—Precisomexernoporta-luvas.—Abaixeiavoz.—Temumaarmaládentro.Elenãoacreditounoqueouviu.—Oquê?Eu não disse mais nada, e ele me ajudou a abrir caminho em meio à espuma.

Estávamos ambos cobertos por ela quando cheguei perto do porta-luvas. Depois deconfirmar que não havia ninguém atrás de nós, peguei a arma rápido e a coloqueidiscretamente dentro da bolsa. Estava prestes a fechar o porta-luvas quando algobrilhantechamouminhaatenção.—Impossível—eudisse.Era a minha cruz, a dourada que eu havia perdido. Eu a peguei e derrubei

imediatamente, gritando de dor. O metal havia me queimado. Considerando que asubstância da espuma era fria, não parecia provável que tivesse esquentado a cruz.Envolviamãonamangadacamisaevolteiapegaracruzcomcuidado.Eddieespiouporsobremeuombro.—Vocêsempreusaessacruz.Fiz que sim com a cabeça e continuei olhando fixamente para ela. Uma sensação

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terrível tomoucontademim.Acheiumpaninhonabolsa e embrulhei a cruz antesdeguardá-la. Então, peguei o celular e liguei para a sra. Terwilliger. Caixa postal.Desligueisemdeixarmensagem.—Qualéoproblema?—Eddieperguntou.—Nãoseidireito—respondi.—Masachoquenãoénadabom.Eu aindanãohaviadesenvolvido a capacidadede sentir resíduosmágicos,mas tinha

quase certeza de que algo tinha sido feito com a cruz, algo que resultara na morteespumosadoPingado.Alicianãohaviaconseguidoencontraracruz.SeráqueVeronicatinhavoltadoaohoteleapegado?Sesim,comohaviamelocalizado?Eusabiaqueitenspessoaispoderiamserusadospararastrearalguém,emboraosmaiscomunsfossemfiosdecabeloepedaçosdeunha.ParaumabruxatãoavançadaquantoVeronica,noentanto,eraprovávelqueumobjetocomoaquelepudesseservirtambém.Veronicapodiatermeencontrado.Mas,nessecaso,porquedestruirmeucarroem

vezdesugarminhavida?A polícia chegou logo depois e anotou nossos depoimentos. Em seguida chegou o

guincho. Pude ver pelo rosto do motorista que não havia muitas esperanças para oPingado.Ele levoumeupobrecarroemborae,depois,umdospoliciais fezagentilezadenos levar de volta aAmberwood.Contra todas as previsões, conseguimos chegar atempo.Assim que entrei no quarto, tentei ligar para a sra.Terwilliger de novo. Ela não

atendeu.Esvazieiminhabolsaemcimadacamaeviquehaviajuntadováriositensaolongodo

dia.Umdeleseraumarosquinhaquehaviapegadonocafé.Coloqueinoaquário juntocom o cristal de quartzo e invoquei o callistana. Ele logo saiu correndo atrás darosquinha.Pegueiacruzeviqueagoraestava fria.Qualquerque fosseo feitiçoquehavia sido

usadonela, jáhaviasedesfeito.Aarmaestavaao ladodela,e logoaescondidentrodabolsa outra vez. Restou o envelope da sra.Terwilliger, que eu havia ignorado o diatodo.Talvez,senãoestivessetãodistraídacomquestõespessoais,poderiatersalvadooPingado.Pegueiolivrodefeitiçosesentialgumacoisasacudirdentrodoenvelope.Eraoutro

envelope menor. Nele, havia uma mensagem da sra. Terwilliger: Aqui tem outroamuleto para disfarçar suas habilidades mágicas, só por precaução. É um dos maispoderososqueexistemeexigiumuitotrabalho,entãotomecuidadocomele.Sentiaquelaculpafamiliarquemeatacavasemprequeelameajudavatanto.Abrio

envelopemenor e encontrei um pendente prateado de estrela com olivinas. Levei umsusto.Eu já tinha visto aquele amuleto— aquele amuleto poderoso e feito com cuidado

paraesconderforteshabilidadesmágicas.EuotinhavistonopescoçodeAlicia.

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Porummomento,acheiquedevia sercoincidência.Afinal,oquehaviade tãoespecialnuma estrela comolivinas?Alicia poderia ter simplesmente nascido em agosto e ter apedradoseumêsdenascimentoemmeioàquelabalbúrdiadecolaresquesempreusava.No entanto, se havia algo em que eu acreditava mais do que nunca, era a crença deSonyadequenãoexistemcoincidênciasnonossomundo.Senteinochãoetenteiencontraralógicanaquilotudo.SeoamuletoqueAliciausava

era igual àquele, significava que ela também era uma poderosa usuária de magiatentando esconder suas habilidades. Será que sabia a respeito deVeronica? Será queestava tentando seproteger? Se sim, ela não teria agidodemaneira tãodespreocupadacomofatodeVeronicaestarnapousada.Logo,ouAlicianãosabiaquemrealmenteeraVeronica(oqueseriamaisumacoincidênciasuspeita)ouestavaacobertandoVeronica.SeráqueAliciaestavaaliadaaVeronica?Essa me pareceu a resposta mais provável. EmboraVeronica atacasse usuárias de

magiajovensepoderosas,eraplausívelquevissevantagensemterumacomoassistente.E, como havíamos notado, ela tinha vítimas de sobra para escolher.Assim,Aliciapoderia ajudar e acobertar seus planos perversos, como quando um casal curiosochegassefazendoperguntas.Solteiumresmungo.Aliciaestevebrincandocomagentedesdeocomeço.Desdeo

segundoemqueentramospelaportacomhistóriassobrenossoaniversáriodenamoroenossa “amiga” Veronica, ela sabia que estávamos mentindo. Sabia que não éramosrealmenteamigosdeVeronica,epode ter sidopoderosaobastantepara impedirpartedacompulsãodeAdrian.Elahavia fingidoacreditaremtudo, sendoprestativaapontodemeligarquandoVeronicatinhavoltado.Eujánãosabiaoqueeraverdade.Nãofaziaideia seVeronica tinha chegado a ir embora ou voltado depois.Tinha, porém, umasuspeitacrescentedequemeucarronãoeraoúnicoqueelahaviaincapacitado.Eu conseguia entender que ela havia usado a cruz para me encontrar, mas como

localizaraoMustang?Quebrei a cabeça tentandoachar alguma informaçãoquepudesse

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ternos identificado.AmagiadeespíritodeAdrianhaviaconfundidonossasaparências,acobertando qualquer ligação a nós. Então me lembrei.Alicia havia nos levado até asaídaeadmiradooMustang.Umapessoainteligente,alguémquejáestivessealertaporcausa da nossa visita, poderia ter anotado a placa e usado a informação para rastrearAdrian.Masporquefurarospneus?Paranosatrasar,claro.Lynnehaviasidoatacadanaquela

noite.Echegamostardedemaisparaavisá-la.Quantomaiseurepensavaosacontecimentosdasúltimassemanas,maiscomeçavaa

perceber que havíamos sido muito, muito descuidados. Havíamos acreditado queestávamossendomuitocuidadososemnosesconderdeVeronica.Ninguém,nemmesmoa sra.Terwilliger, havia considerado que ela poderia ter uma cúmplice com a qualtambém deveríamos ficar atentos. E os pesadelos… haviam começado no dia em queAdrianeeudeitamosnacamadeveludo.Nodiaemqueminhagranadaescorregara,oquepoderiaserobastanteparaqueAliciasentisseapresençadeumausuáriademagianapousada.Aquilome levou de volta ao presente.A sra.Terwilliger. Precisava contar a ela o

quehaviadescoberto.Ligueipelaterceiravez.Elanãoatendeudenovo.Emborasempreimaginasseasra.Terwilligerrealizandorituaisnoturnos,erainteiramenteplausívelqueela já estivesse na cama àquela altura. Será que uma coisa dessas poderia esperar até amanhã?Logodecidiquenão.Nãopodia.Estávamoslidandocomusuáriasdemagiaperigosas

e violentas, e meu carro tinha acabado de ser atacado.Algo podia estar acontecendoenquanto eu ficava ali parada, tentando decidir. Eu teria que acordá-la… se é queconseguiriachegaratéela.Leveisóumsegundoparatomarminhapróximadecisão.LigueiparaAdrian.Ele atendeunoprimeiro toque,mas pareceudesconfiado, o que era justo depois do

queeuhaviafeitonaqueledia.—Alô?Torciparaqueelefosseocaranobrequeachavaqueeleera.—Adrian,seiqueascoisasestãomalentrenósequetalvezeunãotenhaodireitode

pedir,masprecisodeumfavor.ÉsobreVeronica.Elenãohesitou.—Doquevocêprecisa?—VocêpodevirparaAmberwood?Precisodasuaajudapratransgredirotoquede

recolheresairdoalojamento.Houvealgunssegundosdesilêncio.—Sage, fazdoismesesqueestouesperandovocêdizeressaspalavras.Querqueeu

leveumaescada?Oplanojáestavaseformandonaminhacabeça.Osguardasquepatrulhavamànoite

ficavamdeolhono estacionamento estudantil,maso terrenonos fundosquasenão eravigiado.

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—Consigo sair sozinha doprédio. Se você vier pela estrada e não pegar a entradaprincipal, vai ver uma estradinha de serviço que sobe a colina e passa atrás do meualojamento.Estacioneali,pertodobarracãodeferramentas,eencontrovocêassimquesair.Quandoelerespondeu,suavozestavaséria.— Queria muito acreditar que você está me chamando para alguma aventura

noturnaincrível,masnãoestá,né?Deualgumacoisaerrada.—Muitoerrada—concordei.—Explicopravocênocarro.Rapidamente, vesti uma calça jeans limpa e uma camiseta, colocandopor cimaum

casacolevedecamurçacontraofriodanoite.Porsegurança,tambémdecidipôralgunssuprimentos na bolsa. Se tudo desse certo, só avisaria a sra.Terwilliger e voltaria aoalojamento.Mas,considerandocomoascoisasandavamnosúltimostempos,nãopodiasuporqueseriatãosimples.Levaramaletadessaveznãoserianadaprático,entãotiveque tomar algumas decisões rápidas sobre as substâncias químicas e os componentesmágicosdequepoderiaprecisar.Enfieialgunsnabolsaeoutrosnosbolsosdacalçaedocasaco.Quando estava pronta, desci até o quarto de Julia e Kristin. Elas já estavam de

pijama,masaindanãotinhamidodormir.QuandoJuliameviucomocasacoeabolsa,seusolhossearregalaram.—Legal—eladisse.—Seiquevocêjásaiuantes—eudisse.—Comovocêfez?NãoerararoosmuitosencontrosdeJuliaaconteceremforadoshoráriospermitidos

pelaescola,etantoelacomoKristinjáhaviamcomentadosobresuasproezas.Eutinhaesperança de que talvez Julia soubesse de algum túnel secreto e que eu não tivesse quearriscarnenhumafaçanhaacrobáticamaluca.Noentanto,eraexatamente issooqueeuprecisava fazer. Ela e Kristin me levaram até a janela e apontaram para uma grandeárvoreplantadadiantedela.—Nossoquartotemumaboavistaeacessofácil—Kristindisse,orgulhosa.Olheiparaaárvoreretorcidacomdesconfiança.—Issoéfácil?—Metadedoalojamentojáusou—eladisse.—Vocêtambémconsegue.—Agentedeveria começar a cobrar—Julia refletiu,entãomeabriuumsorriso.

—Não sepreocupe.Vamosdaruma amostra grátis pra vocêhoje.Comece comessegalhoaqui,passeparaaqueleedepoisuseaquelesramosaliprasesegurar.Achei curioso queumapessoa quedissera na aula de educação física que badminton

eraumesporte“perigoso”nãotivessereservasemdescerumaárvoredoterceiroandar.Claro,oantigoapartamentodeMarcusficavanoquarto,eaquelaescadadeincêndioeramil vezes mais perigosa do que a árvore. Pensar emAlicia e na sra.Terwilliger melembroudaimportânciadaquelamissão,e,decidida,aceneiparaJuliaeKristin.—Vamoslá—eudisse.Julia se animou e abriu a janela para mim. Kristin ficou olhando com o mesmo

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entusiasmo.—Por favor, diga que você está saindo para encontrar um cara irresistível— ela

pediu.Pareiquandoestavaprestesapassarpelajanela.—Naverdade,sim.Masnãodojeitoquevocêestápensando.QuandochegueiaogalhoqueJuliahavia indicado,descobriqueela tinharazão.Era

muito simples — tão simples, aliás, que fiquei surpresa por nenhum funcionário daescola ternotadoessa rotade fuga tão fácil e cortadoa árvore.Bom,melhorparanósque tínhamos de sair à noite.Alcancei o chão e acenei paraminhas amigas, que aindaestavamolhando.Haviaalgunspostesde iluminaçãonoterrenonosfundosdoalojamento,exatamente

paradesencorajar estudantesdesobedientes comoeu.Também ficavadentroda rotadepatrulhadeumdosguardas,masnãoeraumaposiçãoemqueeleficavaparadootempotodo.Elenãoestavanomeucampodevisão,entãotorciparaqueestivesseocupadocoma outra parte do terreno. Havia sombras suficientes no gramado para que eu pudesseficar escondida durante todo o trajeto, até chegar à cerca dos fundos. Ela era bemiluminada e, na verdade, a única vantagemque eu tinha era que sabia escalar rápido equeoguardaaindanãohaviadadosinaldevida.Novamentemeapoiandonaesperançadequeouniverso estavamedevendo alguns favores, aindamais depois demeenganaremrelaçãoaAlicia,engoliemsecoecomeceia subir.Nãoouvinenhumgritoquandocaídooutrolado,esolteiumsuspirodealívio.Eutinhaconseguido.Voltarseriamaisdifícil,masesseeraumproblemaparamaistarde,umcomque,setudodessecerto,asra.Terwilligerpoderiameajudar.Encontrei Adrian esperando por mim no Mustang no lugar exato que eu havia

indicado.Elemeolhoudeesguelhaenquantoligavaocarro.—CadêsuaroupadeMulher-Gato?—Nalavanderia.Elesorriu.—Claro.Agora,paraondevamos,eoqueestáacontecendo?—Vamosparaacasadasra.Terwilliger—respondi.—Eoqueestáacontecendoé

queoinimigoestavaembaixodonossonarizessetempotodo.Fiquei olhando paraAdrian enquanto contavaminhas revelações e vi sua expressão

passardeincredulidadeaapreensãoàmedidaqueeufalava.— A aura dela era perfeita demais — ele disse depois que terminei. —

Perfeitamente neutra, perfeitamente normal. Ninguém é assim. Mas não deiimportância.Imagineiquetalvezfossesóumaaurahumanaesquisita.—Dáparainfluenciaraaparênciadaaura?—perguntei.—Não tanto— ele respondeu.—Não seimuito sobre esses amuletos que vocês

usam,masimaginoquefoiumdelesquedistorceuaaparênciadadela.Meafundeinobanco,aindacomraivapornãoterdescobertoaquiloantes.—OboméqueelanãosabequedescobrimossobresuarelaçãocomVeronica.Isso

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podenosdaralgumavantagem.Quando chegamos à casa da sra.Terwilliger, encontramos todas as luzes acesas, o

que foiuma surpresa.Eu imaginavaqueela estariadormindo,emboradefinitivamentenãofosseaprimeiravezqueelanãoatendiaotelefone.Mas,quandochegamospertodacasaebatemosnaporta,ninguématendeu.Adrianeeunosentreolhamos.—Talvez ela tenha saído com pressa— ele disse. Seu tom expressava o que as

palavrasnãodiziam.Eseasra.Terwilliger jáhouvessedescobertoomesmoquenósetivessesaídoparaconfrontarAliciaeVeronica?Eunãotinha ideiadograudepoderdeAlicia,masaschancesnãopareciampromissoras.Quando ninguém atendeu na segunda vez que bati, quase chutei a porta de tanta

frustração.—Eagora?Adriangirouamaçanetaeaportasimplesmenteseabriu.—Quetalesperarmosaquidentro?Fizumacareta.—Nãoseisegostodaideiadeinvadiracasadela.—Eladeixouaportadestrancada.Équaseumconvite.—Eleabriuaportamaisum

poucoeolhouparamimcomexpectativa.Não queria voltar paraAmberwood antes de falar com ela, tampouco queria ficar

sentada na frente da porta.Torcendopara que ela não ligasse se ficássemos à vontade,assenti,resignada,eentreiatrásdeAdrian.Acasadasra.Terwilligereraamesmadesempre,bagunçadaeperfumadapelocheirodeincenso.Pareidesúbito.—Espere.Temalgumacoisaerrada.—Demoreialgunssegundosparadescobriro

queerae,quandopercebi,nãoconseguiacreditarquenãohaviamedadocontaantes.—Osgatossumiram.—Droga—Adriandisse.—Vocêtemrazão.Pelomenos um vinha sempre cumprimentar os visitantes e os outros costumavam

ficar em cima dos móveis, embaixo das mesas ou simplesmente ocupando o meio dopiso.Mas,agora,nãohavianenhumgatoàvista.Fiqueiolhando,incrédula.—Oqueseráquepode…Um som agudode estourar os tímpanosmepegoude surpresa.Olhei para baixo e

encontreiodragãocolocandoa cabeçapara foradabolsae tentandomeescalar.Tardedemais, percebi que esquecera de fechar o aquário. Pelo jeito, ele havia entradodiscretamentedentrodabolsaenquantoeuestavanoquarto.Osomqueestavafazendoagoraeraparecidocomogritinhodefome,sóqueaindamaisirritante.Então,comosenãobastasseisso,elebeliscouminhaperna.Meabaixeietenteitirá-lodemim.—Eunãotenhotorta!Oquevocêestátentando…Ahh!Alguma coisa passou voando por cima daminha cabeça e bateu na parede atrás de

mim com um esguicho alto. Algumas gotas úmidas caíram na minha bochecha ecomeçaramaarder.Foiumasurpresanãoouvirochiadodepelequeimando.

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—Sydney!—Adriangritou.Me virei para onde ele estava olhando e me deparei comAlicia parada no batente

entre a sala e a cozinha.A palma de sua mão estava voltada para nós, com umasubstânciacintilanteegosmenta.Provavelmenteamesmaqueestavaqueimandominhapeleagora.Quasepasseiamãoparalimparaquilo,masfiqueicommedodequepassasseparaosmeusdedos.Tenteisimplesmenteignorar.—Sydney—Aliciadisse,animada.—Oueudeveriadizer“Taylor”?Imagineique

veria vocês dois de novo.Mas não tão cedo. Parece que o problema no seu carro nãoatrasouvocêshoje.—Jásabemosde tudo—eudisseaela,aindadeolhonaquelagosma.—Sabemos

quevocêestátrabalhandoparaVeronica.Oarpetulantedelavacilouporummomento,superadopelasurpresa.—TrabalhandoparaVeronica?Fazséculosquemelivreidela.— Se livrou de…— Fiquei sem entender por alguns segundos. Então, as outras

peçasdoquebra-cabeçase juntaram.—Évocêquemestáabsorvendoopoderdaquelasmeninas.EdaquelabruxaemSanDiego.E…deVeronicaTerwilliger.EuhavialocalizadoVeronicanapousadacomofeitiçodeclarividência.Quandoasra.

Terwilliger tentou um feitiço de localização diferente, não conseguiu nada. Eu tinhaimaginadoqueeraporqueVeronicatinhaalgumtipodeescudo.Mas,naquelemomento,tivecertezadequeeraporqueVeronicajáestavaemcoma.Nãohaviaumamenteativaparaasra.TerwilligerencontrarporqueAliciahaviaconsumidoadeVeronica.Asra.Terwilliger…—Vocêestáaquiatrásdela—eudisse.—Nãodemim.—As menos treinadas são alvos mais fáceis —Alicia disse. — Mas não têm o

mesmopoderdebruxasexperientes,quepodemserabsorvidascomamesmafacilidadese você as derrubar antes.Não preciso de juventude, comoVeronica precisava; só dopoder. Quando ela me mostrou como o feitiço funcionava, consegui pegá-la nummomentodedistração.AquelaoutrauniversitáriamedeuforçasparaconseguirvencerAlana Kale. — Onde eu tinha ouvido esse nome?Alana… ela era do clã da sra.Terwilliger. — E agora, finalmente, posso apanhar minha maior presa: JaclynTerwilliger.Pra falar a verdade,não tinha certeza se conseguiria acabar comela,masparece que ela vem se cansando muito nas últimas semanas.Tudo para proteger suaqueridaaprendiz.—Nãosou…—Nãoconseguiterminarafrase.Estavaprestesadizerquenãoera

aprendiz da sra.Terwilliger, mas… será que não era mesmo? Eu não estava maisbrincandocommagia.Tinhaentradodeverdadenoramo.E,agora,precisavaprotegerminhamentora,assimcomoelahaviameprotegido.Senãofossetardedemais.—Ondeelaestá?—perguntei.—Perto—Aliciadisse,claramenteadorandoestarcomavantagem.—Queriaque

você não tivesse descoberto tudo isso.Você teria dado uma ótima presa depois queaprendesseumpoucomais.ClaroquenãoénadapertodeJaclyn.Hoje, elaéogrande

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prêmio.—Diga onde ela está—Adrian ordenou, com um tom de voz poderoso que eu

reconheci.OolhardeAliciapassoudemimparaele.—Ah,faça-meofavor—elazombou.—Nãopercatempocomsuacompulsãode

vampiro. Percebi o que estava acontecendo depois daquela primeira visita de vocês,quandoacheidifícilme lembrardosseusrostos.—Elamostrouumapedrade jadenomeiodeseuamontoadodecolares.—Fizestedepoisdaqueledia.Medeixa imuneaosseus“encantos”.Umamuletoqueresistiaàmagiadosvampiros?Seriaútilterumnomeurepertório.

Pesquisariasobreele…seconseguissesobreviveràquelanoite.ViAlicia se preparar para lançar aquela gosma de novo e desviei com um pulo,

puxandoAdriancomigoemdireçãoàsala.Asubstânciarespingouatrásdenós.Tireidabolsa uma flor seca de cardo e joguei na direçãodeAlicia, gritandoumencantamentoemgregoqueacegaria.Elafezumleveacenoeriudaminhacara.—Sério?—perguntou.—Esse feitiçodecegueiracorretiva?Talvezvocênãoseja

umprodígiotãograndeassim.Adrian abriu um pequeno painel na parede ao nosso lado. Eu nem tinha notado,

porqueestavadistraídademaistemendoqueeladerretessemeurosto.Viamãodelesemexerrápidoe,subitamente,estávamosmergulhadosnaescuridão.—Issosimécegueiracorretiva—elemurmurou.Alicia praguejou. Fiquei paralisada pela escuridão ao meu redor. Por mais que

aprovassequalquertentativadedeixarAliciamaislenta,tambémfiqueimeioperdida.SentiamãodeAdrianseguraraminha.Semdizerumapalavra,elemepuxouparao

fundoda salade estar.Euo segui rápido, confiandoem sua visão superiorde vampiroparanosguiar.JáconseguiaouvirAliciaentoandoalgumacoisaetivecertezadequeelalogoinvocariaumfeitiçodecriaçãodeluz.Ou,então,umquemagicamenteconsertassecaixasdefusível.—Cuidado—Adrianmurmurou.—Escada.Ditoe feito.Sentimeupébateremumdegraudemadeira.Descemoscorrendo,o

mais rápido e silenciosamente possível, até o porão. Meus olhos ainda não haviam seajustado à escuridão, e me perguntei se não tínhamos acabado de entrar em umcalabouço secreto.Mas, enquanto eleme guiava por entre caixas amontoadas, percebique o porão era usado simplesmente como um depósito comum.Havia ummonte detralhas ali. Depois de ver a casa já bagunçada da sra.Terwilliger, fiquei curiosa parasaberoquemaiselateria.—Foiumaboaideia—eudissecomavozmaisbaixaqueconsegui.—Masagora

estamospresosaquidentro.Seriamelhorsetivéssemosconseguidosair.—Eusei—elerespondeu,tambémaossussurros.—Maselaestavapertodaporta,

enãodeutempodequebrarumajanela.Acimadenós,oassoalhorangiaenquantoAliciacaminhavapelacasa.

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—Ésóumaquestãodetempo—eudisse.—Estavatorcendoquefossesuficienteparavocêpensaremalgumacoisaparatirara

gentedaqui.Nãodáparausaraquelasbolasdefogo?Vocêeraótimacomelas.—Não aqui dentro.Aindamais no porão.Vai incendiar a casa toda. E ainda não

sabemosondeasra.Terwilligerestá.—Fiqueiquebrandoacabeça.Acasaerapequenae não haviamuitos lugares ondeAlicia pudesse ter escondido a sra.Terwilliger. E euprecisavapartirdoprincípiodequeelarealmenteestavapresaemalgumlugar, jáqueaindanãohaviaaparecidoemnossoauxílio.PeloqueAliciadisse,pareciaqueelaaindanão havia sugado o poder da sra. Terwilliger, então, com sorte, ela só estavaincapacitada.—Devehaveralgumacoisaquevocêpossa fazer—Adriandisse,apertandominha

mão.—Vocêégenialeandalendotodosaqueleslivrosdefeitiços.Era verdade. Eu vinha lendo toneladas de informações nos últimos meses,

informaçõesquenemdeveriateraprendido—mas,naquelemomentodeterror,minhamentenãoconseguiafocaremnada.—Esquecitudo.—Não esqueceu, não.—A voz dele era calma e reconfortante na escuridão. Ele

empurroumeucabeloparatrásemedeuumdaquelesbeijinhosnatesta.—Relaxeeseconcentre.Elanãovaidemorarpradesceratrásdenós.Precisamosacabarcomelaou,pelomenos,atrasá-laparaconseguirescapar.Suas palavras sensatasme concentrarame permitiramque as engrenagens de lógica

queguiavamminhavidavoltassema funcionar.Raiosde luz atravessavamaspequenasjanelas no porão, permitindo que meus olhos se ajustassem ao breu e eu conseguissedistinguiralgunsvultosnocômodo.AindapodiaouvirAliciacaminhandopeloandardecima,entãosolteiamãodeAdrianefuidemansinhoatéaescada.Fazendoalgunsarcosgraciososcomamão,entoeiumfeitiçonaescadaevoltei rapidamenteatéondeestavaAdrian,reencontrandooabrigodeseubraço.—Certo—eudisse.—AchoqueissodeveatrasarAliciaumpouquinho.—Oquevocêfez?—eleperguntou.Naquele exatomomento, ouvimos a porta no topo da escada se abrir.Uma luz se

projetouparabaixo,emboracontinuássemosnasombra.—Vocêsnãotêmalternativa—ouviAliciadizer.—Nãotêmpraonde…Ahh!Houveuma sériedebaques surdos enquantoeladeslizava escada abaixo, até cairno

chãocomumestrépito.—Geloinvisívelnosdegraus—eudisseaAdrian.—Seiquenãodevodizer isso—ele falou—,mas achoqueamovocê aindamais

agora.Peguei a mão dele e tentei não pensar em como suas palavras mexiam comigo,

mesmonaquelasituaçãodevidaoumorte.—Venha.Saímos do nosso esconderijo e encontramosAlicia estatelada no chão, tentando se

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levantar. Uma bola prateada pairava perto dela, balançando de acordo com seusmovimentos.Ao nos ver, ela resmungou e fezmenção de lançar algo contra nós. Euhaviaprevistoissoejátinhaumamuletopronto.Balancei-opelofiodesedaepronuncieialgumas palavras rápidas enquanto passávamos por ela. Um breve escudo cintilantereluziuentrenós,portemposuficienteparaabsorverospequenosdardosbrilhantesqueelalançouemnossadireção.Oescudoeraparecidocomoqueasra.Terwilligerhaviausadonoparque,masprecisavaserinvocadonahoraenãoduravamuitotempo.Não sabia o queAlicia planejava fazer em seguida, mas obviamente algo de ruim

estavaporvir.Lanceium feitiçopreventivoquenuncahaviausadoantes,umdaquelesqueasra.Terwilligerhaviaditoparaqueeunemmedesseaotrabalhodetentar.Exigiamuitaenergiaeerapoderososeusadodojeitocerto,maspareciasimplesetinhaefeitosinteressantes. Basicamente fiz com queAlicia voasse para o outro lado do porão comumarajadadepodernoexatosegundoemqueelaestavaprestesalevantar.Elacaiudecostasnumapilhade tralhasdeNatal.Umacaixadeenfeitesdespencou, seespatifandonopisoduroaoladodela.Lançar o feitiço me deixou tonta, mas consegui continuar andando. Invoquei uma

boladefogoquandochegueiàescada,masamantivenamão,segurando-abaixocomosefosse jogarumaboladeSkee-Ball.Minha intençãoeraapenas levá-lacomigo.Esperavaqueeladerretesseogeloe,depoisdosprimeirospassos,percebiqueestavacerta.—Cuidado—Adrianalertou.—Osdegrausaindaestãomolhados.Chegamos ao topo da escada, mas Alicia já estava subindo atrás de nós. Dos

primeiros degraus, ela usou o mesmo feitiço que eu havia usado contra ela, lançandoumarajadadeenergia invisível contramimeAdrianquenos jogounochão.Euvinhasegurandoaboladefogo,apesardaadvertênciadasra.Terwilligerdequeissodrenavameu poder. QuandoAlicia me derrubou, a bola voou da minha mão e caiu no sofá.Como ele estava coberto por um tecido barato que parecia vir diretamente dos anos1970,nãofoiumagrandesurpresaquandorapidamentepegoufogo.Obomfoiqueo incêndioresolveuoproblemadaescuridão.Oruim foiqueacasa

poderiacairemcimadenós.Ocallistana,quenãotinhasidorápidoobastanteparanosacompanharquandodescemosaescada,veiocorrendoatémim.Só tiveuma fraçãodesegundoparatomarumadecisão.—Procure a sra.Terwilligerno restoda casa—eudisse aAdrian.—Voudeter

Alicia.O fogo crescente criava sombras estranhas no rosto dele, ressaltando sua angústia

diantedessaproposta.—Sydney.—Essa éumadaquelashoras emquevocêprecisa confiar emmim semquestionar

—eudisse.—Válogo!Encontreasra.Terwilligeretire-adaqui.Vimilharesdeemoçõesperpassaremseurostoantesdeeleobedeceresaircorrendo

emdireçãoaooutroladodacasa.Ofogoestavaseespalhandorapidamentepelasaladeumamaneiraque sópodia sermágica.A fumaça crescentemedeuuma ideia, e lancei

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umfeitiçoqueaintensificou,criandoumamuralhaenevoadanaentradaquedavaparaaescadadoporão.ElapermitiuqueeueodragãorecuássemosumpoucoantesdeAliciaaparecereabrirafumaçacomamesmafacilidadecomqueabririaumacortina.—Aquilodoeu—eladisse.Lancei um feitiço quedeveria envolvê-la em teias de aranha,mas elas caíram antes

mesmo de chegar até ela. Era muito frustrante. Eu havia decorado tanta coisa, masaqueles feitiços“corretivos” não estavam funcionando. Foi então que entendi por que aprincipal estratégia da sra. Terwilliger havia sido me esconder e ocultar minhashabilidades. Como eu poderia enfrentarVeronica?Alicia a havia derrotado, sim,masprovavelmente só depois de enfraquecê-la como havia feito com a sra.Terwilliger.Entenditambémporqueasra.Terwilligermedisseraparaconseguirumaarma,aqual,medeicontaagora,euhaviadeixadonocarro.O feitiço de gelo havia funcionado porqueAlicia não estava esperando por ele. O

único outro que havia surtido efeito fora a rajada de poder, um feitiço avançado emfunçãodoqualeuaindaestavafraca.Percebiqueseriaprecisomaisumdaqueles.Eunãofazia ideia se tinha a capacidade para lançar um segundo,mas tentar eraminha únicachancede…Gritei ao sentir o que parecia ser um choque elétrico demil volts passar pelomeu

corpo.OgestodeAliciahaviasidosutil,eelanemhaviafaladonada.Caídenovo,mecontorcendo de dor enquanto ela caminhava a passos largos naminha direção, com orosto triunfante. Com bravura, o dragão se colocou entre nós, e ela simplesmente ochutouparaolado.Ouviogritoagudodocallistanaenquantoeleescorregavapelopiso.—Talvezdevesseabsorvervocê—Aliciadisse.Oschoquesdiminuíram,econsegui

me sentar ali enquanto recuperavao ar.—Vocêpode serminhaquintavítima.PossovoltaratrásdeJaclyndaquiaalgunsanos.Vocêsereveloumuitomaispoderosadoqueeuimaginava…etemumainteligênciaqueirrita.Atéqueseesforçouhoje.—Quemdissequeacabei?—conseguidizer.Lancei o primeiro dos feitiços avançados em que consegui pensar.Talvez inspirada

pelos enfeites deNatal estilhaçados,me veio àmente a imagem de cacos partidos.Ofeitiçonãoexigiapalavrasnemcomponentesfísicos,apenasumsuavemovimentocomamão.O resto foi tirado demim, um escoamento de energia e poder que doeu quasetantoquantoofeitiçoelétricoqueAliciahaviaacabadodeusar.Masosresultadosforamimpressionantes.Na mesa de centro da sra.Terwilliger (agora em chamas) havia um pêndulo de

Newtoncomcincobolinhas.Useiofeitiçodetransmutaçãonelas,forçando-asasairdesuaformaesféricaesequebraremlâminasfinaseafiadas.Elasselibertaramdascordassobomeucomando.Essafoiapartefácil.Apartedifícilfoi,comoasra.Terwilligerhaviadito,realmenteatacaralguém.Não

só fazercomqueapessoa levasseumtombo—issonãoera tãoruim.Masumataquefísicodeverdade,umque eu sabia quepoderia causar ferimentos graves ediretos, eraumaquestãocompletamentediferente.PormaisterrívelqueAliciafosse,pormaisque

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houvesse tentadomematar e quisesse sacrificar a sra.Terwilliger e inúmeras outras,aindaassimeraumapessoaviva,enãoeradaminhanaturezausaraviolênciaoutentartiraravidadealguém.Era,porém,daminhanaturezasalvaraminhavidaeadaspessoasqueeuamava.Criei coragem e comandei as lâminas na direção dela. Elas a atingiram no rosto.

Alicia gritou e tentou desesperadamente arrancá-las, mas, ao fazer isso, perdeu oequilíbrio e rolou escada abaixo. Ouvi o grito agudo que soltou ao cair no porão.Emboranãopudessevê-la,sualanternamágicaaseguiualegrementeatéláembaixo.Meu triunfo durou pouco. Eu estava mais do que simplesmente tonta — estava

prestes a desmaiar.O calor e a luz do fogo eram opressivos,masminha visão estavaobscurecida pelo cansaço de lançar um feitiço para o qual ainda não estava preparada.Agora,tudooqueeuqueriaerafecharosolhosedeitarnochão,ondeestavaquentinhoeconfortável…—Sydney!A voz deAdrianme tirouda tontura, e consegui abrir os olhos pesados para olhar

paraele.Elemeenvolveuemseusbraçosemepôsdepé.Quandoviuqueminhaspernasnão estavam reagindo, simplesmente me carregou no colo. O dragão, que não haviasofrido nenhum ferimento grave ao ser chutado, se agarrou naminha camisa e entroucorrendonabolsa,queaindaestavapenduradanomeuombro.—Onde…sra.Terwilliger…—Não está aqui—Adrian disse, correndo emdireção à porta.O incêndio agora

estava se espalhando pelas paredes e pelo forro. Embora ainda não houvesse chegado àfrente da casa, nosso caminho estava cheio de fumaça e cinzas. Nós dois estávamostossindo e meus olhos lacrimejavam. Adrian chegou à porta e girou a maçaneta,gritandoquandosuamãofoiqueimada.Entãosimplesmentearrombouaportacomumchute,esaímosparaaliberdadedoarpurodanoite.Os vizinhos estavam se reunindo do lado de fora, e pude ouvir sirenes ao longe.

Algunsficaramolhandoparanós,curiosos,masamaioriaestavaparalisadademaispeloincêndioquetomavacontadacasadasra.Terwilliger.AdrianmelevouatéoMustange, com cuidado, me encostou no carro, mas continuou com o braço ao meu redor.Ficamosolhandoassombradosparaoincêndio.—Juroqueprocurei,Sydney—eledisse.—NãoconseguiencontrarJackienacasa.

Talvezelatenhafugido.—Torciparaqueeleestivessecerto.Senão,havíamosacabadodeabandonarminhaprofessoradehistóriaparaumamorteentreaschamas.—OqueaconteceucomAlicia?—Daúltimavezquevielaestavanoporão.—Sentiumnónoestômago.—Não

seiseelavaisairdelá.Adrian,oquefoiqueeufiz?—Você estava se defendendo. Eme defendendo. E, com sorte, defendendo Jackie.

—Eleapertouobraçoaomeuredor.—Aliciaeradomal.Pensenoqueelafezcomasoutrasbruxas…noquequeriafazercomvocês.—Nuncasuspeiteidenada—eudisse,emchoque.—Eumeachavatãointeligente.

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E, toda vez que falava com ela, pensava que era só uma menina besta e distraída.Enquanto isso, ela estava rindo pelas minhas costas e prevendo meus passos o tempotodo.Éhumilhante.Nãoconheçomuitagenteassim.—OMoriartydoseuSherlockHolmes?—elesugeriu.—Adrian—eufalei.Foitudoquepreciseidizer.De repente, ele voltou a olhar paramim, notandominha roupa pela primeira vez

naquelanoite,agoraquemeucasacoestavaaberto.—VocêestáusandoacamisetadaEIA?—Poisé,nuncatravobatalhasmágicassem…Ummiadorepentinochamouminhaatenção.Olheiaoredoratéverumpardeolhos

verdes me observando de trás de um arbusto do outro lado da rua. Consegui meendireitareviqueminhaspernas,emborafracas, jásustentavammeupeso.Deialgunspassos vacilantes em direção ao arbusto, eAdrian imediatamente correu para o meulado.—Oquevocêestáfazendo?Vocêprecisadeajuda—eledisse.Apontei.—Precisamosseguiraquelegato.—Sydney…—Meajude—eupedi.Ele não conseguiu resistir. Novamente me apoiando com o braço, me ajudou a

atravessar a rua na direção do gatinho. Ele correu na nossa frente no meio de doisarbustoseentãosevirouparaolharnanossadireção.—Elequerqueagenteosiga—eudisseaAdrian.E foi o que fizemos, cortando caminho por entre casas e ruas até que, quando

estávamos a cerca de quatro quarteirões da casa, o gato disparou para dentro de umparque.Toda energia que eu ainda tinha quando comecei a correr atrás dele haviaacabado.Euestavadenovotontaeofegante,etendodemeesforçarparanãopedirqueAdrianme carregasse.Alguma coisa nomeio do parque chamouminha atenção emeproporcionouumaúltimaexplosãodeadrenalinaparacorreratélá.Deitadanagrama,estavaasra.Terwilliger.Elaestavaacordada,felizmente,maspareciaquasetãoexaustaquantoeu.Lágrimase

marcasdesujeirasugeriamquehaviapassadopormausbocados.ElaconseguiraescapardeAlicia,masnãosemumcombate.Porissoquenãotínhamosconseguidoencontrá-ladentrodacasa.Aomever,elapiscou,surpresa.—Vocêestábem—eladisse.—Emeencontrou.—Osgatosnostrouxeramatéaqui—eudisse,apontando.Todosostrezeestavam

sentadospeloparque,cercandosuadona,secertificandodequeficariabem.Elaolhouaoredoreabriuumsorrisofracoecansado.—Viu?Faleiquegatossãoúteis.— Callistanas também não são nada mau— eu disse, olhando para a bolsa. —

Aquelegritinhoirritantepracacetemesalvoudelevarummontedeácidonacara.

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Adrianbotouamãonopeito,fingindoestarhorrorizado.—Sage,vocêacaboudefalarumpalavrão!Levantandoosolhos,asra.Terwilligeronotoupelaprimeiravez.—Vocêtambémestáaqui?Desculpeportê-loarrastadoparaomeiodessabagunça.

Vocênãotinhanadaavercomisso.—Tudo bem—Adrian disse, sorrindo. Ele pousou a mão no meu ombro. —

Certascoisasnãotêmpreço.

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Mesentibemmalporterincendiadoacasadaminhaprofessora.Asra.Terwilliger,porrazõesóbvias,pareceuacharesseomenordosmales.Elanão

tinhacertezaseosegurocobririaosdanos,masaseguradorafoibemrápidaemmandaralguémparainvestigaracausadoincêndio.Aindaestávamosesperandoovereditodelessobreoqueosegurocobriria,maspelomenosnãoencontraramnenhumsinalderestosmortaishumanos.Partedemimficoualiviadapornãotermatadoninguémdeverdade,mas outra parte ficou commedo de que aquela não fosse a última vez que veríamosAlicia. Qual tinha sido a comparação boba deAdrian? O Moriarty do seu SherlockHolmes.Eradeseimaginarquelevarcacosdevidronacaraedepoisserlargadanumacasaemchamaspoderiadeixarumapessoacomrancordevocê.Uma investigação rápida acabou revelando queVeronica estava em um hospital de

LosAngeles, internadacomopessoadesconhecida.Visitara irmãemcomasetornouaprioridade da sra.Terwilliger, e ela alimentou esperanças de talvez encontrar umamaneiradedesfazerofeitiço.Emboraestivessemuitoocupadaagora,minhaprofessoraarranjava tempoparacontinuar insistindoqueeuconhecesse seuclã,eaceiteipormaisdeummotivo.Umdeleseraqueeunãopodiamais continuar fingindoquenãoqueriausarmagia.Outroeraquenãoplanejavaficar.AindaestavadecididaairparaoMéxicocomMarcus,easemanapassouvoando.As

provas finais do semestre foram tranquilas e, antes que eu me desse conta, chegou asexta-feira,odiaanterioràviagem.Corrioriscodemedespedirdosmeusamigos.Omais seguro seria desaparecer sem deixar vestígios, mas eu confiava que todos eles,inclusiveAngeline, guardariammeu segredo e fingiriam não saber de nada quando osalquimistas descobrissem que tinham uma desertora. Contei paraTrey também. Pormais quenossa relaçãonão estivessemuitoboa, ele ainda erameu amigo e eu sentiriafaltadele.Comopassardodia,oalojamento foi ficandocadavezmais silencioso,excetopela

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músicanatalinaquetocavasempararnosaguão.Semquererexcluiroutrasreligiões,asra.Weathers havia colocado tambémummenorá e um cartaz de“FelizKwanzaa”, acelebração africanadessa épocado ano.Odia seguinte eraoficialmenteoúltimo antesquetodostivessemde irembora,eváriaspessoas jáestavampartindoparaas fériasdeinverno. Eu havia terminado de fazer as malas, que, aliás, ficaram leves. Não queriacarregarmuitopesonabagagem,umavezquenãofaziaideiadoqueesperardoMéxico.Aindaprecisavamedespedirdeduaspessoas:AdrianeJill.Euestavaevitandoosdois

por motivos muito diferentes, mas o tempo estava acabando. Sabia que Jill estava aapenasumlancedeescadas,masAdrianeramaisdifícil.Tínhamosconversadoalgumasvezesdepoisdoincêndioparadiscutiralgunsdetalhespráticos,maselelogoficouquieto.Nenhum telefonema, nenhuma mensagem, nenhum sonho. Talvez eu devesse ficarcontente.Talvezdevesseaproveitarachancedepartirsemnenhumadespedidadolorosa.Masnãoconseguia.Meupeitodoíacoma ideiadenãoovernuncamais.Pormaisqueelefosseomotivodeeuestarpartindo,sentiaqueprecisavadeumadespedida.Nãoéumaquestãodedespedida,Sydney.VocêquerverAdrian.PrecisaverAdrian.

Eéexatamenteporissoquetemdeirembora.Finalmenteme decidi e liguei para ele.Demorei tanto tempo para juntar coragem

quemal consegui acreditar quando ele não atendeu. Resisti ao ímpeto de tentarmaisuma vez logo depois. Não. Eu podia esperar.Ainda haveria tempo no dia seguinte eclaroque…claroqueelenãoestavameevitando.Ouestava?Decidi adiar a conversa com Jill até o dia seguinte também. Dizer adeus para ela

seria tão difícil quanto, e não só por causa do que ela vira através do laço. Eu tinhacertezadequeelaachariaqueeuaestavaabandonando.Naverdade,seeu ficasseemeenvolvesse comAdrian,poderia serpega enuncamais conseguiriaprotegê-la. Se fosseemboraeficasselivre,pelomenospoderiatentarprotegê-ladelonge.Torciparaqueelaentendesse.A esperame deu a oportunidade de cuidar de uma tarefa desagradável: devolver a

armaparaMalachiWolfe.EununcatinhaidoàcasadelesemAdriane,emborasoubesseque não tinha por que ter medo deWolfe, havia algo de perturbador em ir até ocomplexosozinha.Para minha surpresa absoluta,Wolfe me deixou entrar na casa quando cheguei.

Estavacomplementeemsilêncio.—Cadêoscachorros?—perguntei.—Treinando — ele respondeu. — Tenho um amigo que é treinador de cães

profissional,eeleestádandoumasaulasdediscriçãopraeles.Eletrabalhavacomcãesdapolícia.Eunãoachavaquediscriçãofaziapartedocódigogenéticodoschihuahuas.Claroque

nãofaleiisso,masfiqueiolhandoassombradaparaacozinhadeWolfe.Euesperavaumacozinha parecida com a de um navio. Em vez disso, encontrei um cômodosurpreendentementegracioso,compapeldeparedeazulxadrezeumpoteemformadeesquiloparaguardarbiscoitos.SealguémmepedisseparadescreveracozinhaqueWolfe

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nunca teria, eu teria descrito algo como aquilo. Não… espere. Na geladeira, haviaalguns ímãs que pareciam shurikens. Isso, pelomenos, combinavamais com oWolfequeeuconhecia.Adrianvai ficar loucoquandoeucontarpraele. Então lembreiquepoderianãover

Adrianpormuitotempo.Essaideiadestruiutodoomeubomhumor.—Então, do que precisa?—Wolfe perguntou.Olhei para ele e de repente tive a

estranha impressãodequeotapa-olhorealmenteestiveranumolhodiferentedaúltimavez.Eudeveriaterprestadomaisatenção.—Outraarma?Volteiameconcentrarnoquetinhaidofazerali.—Não.Nempreciseidaprimeira,masobrigadaporemprestar.—Tireiaarmada

bolsaeadevolviparaele.Eledeuumaexaminadanaarmaedepoisacolocoudentrodeumagaveta.—Resolveuseuproblema?Aindapodeficarcomelasequiser.—Vousairdopaís.Levaraarmaparaafronteirapodemearranjarproblemas.—Entendi—eledisse.Elepegouumpotedebiscoitoseabriuatampa,oferecendo

paramim.Umcheiroincrívelchegouàsminhasnarinas.—Querum?Acabeidefazer.ErarealmenteumapenanãopodercontartudoaquiloparaAdrian.—Não,obrigada.Jácomiaçúcardemaisnasúltimassemanas.—Acheiquedeveria

terumcartãofidelidadenoTortaseTal.—Achoquevocêestámelhoragora.Nãoémaissópeleeosso.—Eleaprovoucom

a cabeça, o que foi muito estranho e um tanto assustador.— Então, pra onde estãoindo?—ParaoMéxi…Ah,Adriannãovaicomigo.Voucomoutrapessoa.— Sério?— Ele colocou o esquilo de volta no balcão.—Que surpresa. Sempre

acheique,quandosaíamdaqui,vocêsdoisiampracasaefaziam“sessõesdetreinamento”particulares.Fiqueivermelha.—Não!Nãoénadadessetipo…Querdizer,somossóamigos.— Eu tinha uma amiga assim. Sally Dente-Prateado. — Ele assumiu aquela

expressãodistantequesempresurgiaquandotinhaumahistóriaparacontar.—Desculpe,osenhordisse…—NuncaconheciumamulhercomoSally—eleinterrompeu.—LutamosnaSuíça

juntos,sempreprotegendoumaooutro.Escapamosvivos,masporpouco,eelaqueriavoltar para os Estados Unidos e se casar. Eu não. Eu tinha sonhos, sabe. Era jovemnaquelaépoca,atraídopeloperigoepelaglória.DeixeiSallyefuimorarcomumxamãnas ilhasÓrcades.Leveidoisanosemuitosritosdepassagemparapercebermeuerro,mas,quandovoltei,nãoconseguimaisencontrá-la.Quandofechoosolhosànoite,aindaconsigoveraqueledentebrilhandocomoumaestrela.Issomeassombra,minhajovem.Meassombra.Franziatesta.—Achoqueosorcadianosnãofazemritosdepassagem.Nemosxamãs.

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Wolfeseaproximoueapontouumdedoparamim,seuolhoarregalado.—Aprenda comosmeus erros,minha jovem.Não vá para asÓrcades.Você não

precisadeumavisãomísticaparaenxergaroqueestábemdebaixodoseunariz,estámeouvindo?Engoliemseco.—Sim,senhor.Saí logo depois disso, pensando que estar num país diferente de MalachiWolfe

poderiaserumaboaideia.Namanhãseguinte,estavaprontaparamedespedirdeJill,maselafoimaisrápidae

apareceu na minha porta. Era a primeira vez que conversávamos de verdade desde amanhãseguinteaoúltimosonhocomAdrian.Elaentrounoquartoefranziuatestaaoverminhamala.—Vocêvaimesmo?—Sim.Etenhocertezadequevocêsabeporquê.Ela cruzou os braços e me olhou diretamente nos olhos, sem nada do

constrangimentodaúltimavez.Foidifícilaguentaraqueleolharpenetrante.—Sydney,vocênãoprecisalargarAdrianporminhacausa.—Émaiscomplicadodoqueisso—eudisseautomaticamente.—Não é, não— ela disse.—Pelo que vi e ouvi, você só está commedo.Você

sempre controlou todos os detalhes da sua vida.Quando não conseguiu, como comosalquimistas,encontrouumjeitoderecuperaressecontrole.—Nãotemnadadeerradoemquerercontrole—retruquei.—Excetoquenemsempredáparatercontrole,eàsvezes issoébom.Ótimo,até

— ela acrescentou. — E é assim comAdrian. Por mais que tente, você nunca vaiconseguircontrolaroquesenteporele.Nãovaiconseguirnãoamá-lo,eéporissoqueestáfugindo.Eusousóumadesculpa.Quemeraelaparamedarsermãodaquelejeito?—Acha que estou mentindo sobre como é constrangedor que você veja tudo que

acontece entre nós?Todos os detalhes mais íntimos ficam à mostra. Não posso fazerisso.Nãoconsigoviverdessejeito.—Adrianaprendeu.—Eletevedeaprender.— Exato.— Parte da agressividade dela diminuiu.— Sydney, ele me trouxe de

voltadosmortos.Éacoisamais incrívelquealguémjáfezpormim.Nãotenhocomoretribuir isso a ele,mas posso deixar que leve a vida do jeito que bem entender.Nãoesperoqueelefiquemeprotegendoporcausadolaço,enãovoujulgaroqueelefaz…ouoquevocêfaz.Umdia,vamosaprenderabloquearolaço.—Umdia—eurepeti.—Sim.E,atélá,faremosomelhorpossível.Tudooquevaiconseguirindoembora

édeixartrêspessoasinfelizes.—Três?—Franziatesta.—Estouprotegendovocê.

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—Você acha mesmo que fico contente quando ele está triste?Acha que gosto daescuridãoque tomacontadele?—Comoeunãodissenada, ela insistiu.—Veja,nãotenhoamesmareaçãofísicaavocêqueeletem,mas,quandoeleestácomvocê,eleficatãofelizqueissoirradiapramim,eéumadasmelhoressensaçõesquejáexperimentei.Nuncaestiveapaixonadacomovocêsestão.—Nãoestou…—Nãoconseguiterminarafrase,eelameolhoucomoquemsabia

das coisas.Tentei outra tática. — Ficar aqui é arriscado, ainda mais com ele. Osalquimistas podem descobrir tudo… sobre ele, sobre minha tatuagem, sobre a sra.TerwilligeresabeDeusoquemais.—E, senãodescobrirem,olhe sóoquevocêganha.Adrian.Todosnós.Magia.A

chancederevelarossegredosdeles.Seiquevocêadoraessavida.Porquedesistir?Vocêé inteligentedemaispra serpega.Evamosajudarvocê.AchamesmoqueMarcuseosVingadoresconseguemfazermuitacoisaquandoestãosemprefugindodosalquimistas?Balanceiacabeça.—Elessãocomoeu.Elesmeentendem.Elaestavaobstinada.—Elesnãosãonemumpoucocomovocê.Elesfalam.Vocêage.ErasurpreendenteverJilldaquelejeito,tãoconfianteetãomaissensatadoqueuma

garotanormaldasuaidade.Eraumpoucoirritantetambém.Seelaeratãosensata,porquenãoconseguiaentenderquantacoisaestavaemrisco?—Jill,ficarémuitoarriscado…emtodosossentidos.—Claroqueé!—elaexclamou,comosolhosardentesderaiva.—Tudonavida

quevaleapenatemseusriscos.SeforproMéxico,vocêvaisearrepender…eachoquesabedisso.Meu celular tocou, interrompendominha resposta. Era Eddie. Ele quase nuncame

ligava,eopânicotomoucontademim.—Qualéoproblema?—perguntei.Elepareceudesconcertado.—Acho que não é um problema… só uma coisa inesperada. Jill está com você?

Vocêsprecisamdescer.Estamosaquifora.Eledesligouefiqueicompletamenteconfusa.—Quefoi?—Jillperguntou.—Umacoisainesperada,parece.Descemos até o saguão, sem mais nenhuma menção a Adrian. Quando saímos,

encontramosEddieeAngeline,queestavamclaramenteevitandoolharumpara a carado outro. Parado perto deles estava ummenino alto e bonito, com cabelo preto bemcortado e olhos azuis brilhantes. Ele estava com uma expressão séria, e examinava aárea.—Eleéumdampiro—Jillmurmurouparamim.Os olhos dele se concentraram em nós duas quando nos aproximamos, e sua

expressãoagressivarelaxouumpouco.

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—Jill,Sydney—Eddiedisse.—EsteéNeilRaymond.Elevai ficarcomagenteaqui.Neil fez uma reverência tão grande para Jill que foi uma surpresa não bater com a

cabeçanochão.— Princesa Jillian— ele disse com a voz grave.— É uma honra servir aVossa

Alteza. Farei o melhor trabalho que minhas habilidades permitirem, mesmo quesignifiquesacrificarminhaprópriavida.Jilldeuumpassoparatrás,analisando-ocomolhosarregalados.—O-obrigada.Eddieolhoudeumparaooutro,franzindoumpoucoatesta.— Neil foi enviado como reforço. Parece que você reclamou que Jill não tinha

proteção suficiente, é isso?—Ele se dirigiumim e, amenos que estivesse enganada,haviaumtomacusatórioemsuavoz.—Não…eu…Ah.Achoque sim.—Quandoestava tentandocorrigir a situação

com Stanton, uma de minhas queixas havia sido de que nunca achava que Jill estavaprotegida.Achoque essa era a resposta de Stanton.Era inesperado, comoEddie haviadito, mas proteção nunca era demais. Pela maneira como estava medindo Neil, Jilltambémnãopareceuvermalnenhumnaquilo.Aperteiamãodele.—Bomtervocêaqui,Neil.Elesvãofazervocêsepassarpormaisumprimo?—Sóumalunonovo—ele respondeu.Melhor.Nossa“família” estava correndoo

riscodedominarAmberwood.EuteriagostadodeconhecerNeilumpoucomais,masmeutempoestavaacabando.

Marcus viria me pegar em breve para irmos à estação de trem, já que a situação dePingadohaviasidodeclaradaperdatotal.Achoqueessafoimaisumadespedida.Eu disse tchau para todos antes de ir pegarminhamala, fingindo que só precisava

terminaralgumatarefa.Eddie,AngelineeJillsabiamaverdade,epudeveramágoaeatristeza nos olhos deles, especialmente nos de Jill.Torci para que ficassem bem semmim.Quandodesciasescadasdenovo,viqueJilleraaúnicaqueaindaestavalá.—Esquecidedarissoavocê—eladisse,meestendendoumpequenoenvelope.Meu

nomeestavaescritodoladodefora,ereconhecialetra.—Tenteifalarcomeleepenseiqueestivessemeevitando.Esseéojeitodeledeme

dar tchau?— Fiquei desapontada por não poder verAdrian pessoalmente uma últimavez.Talvez uma carta fossemelhordoquenada,mas queria partir com aqueles olhoslindosainda frescosnamemória.—Ele…eleestámuitomagoado?—Nãoconseguiasuportaraideiadeferirossentimentosdele.—Leiaacarta—elarespondeu,comumarmisterioso.—Elembre-se,Sydney.A

questãoaquinãosoueu.Sãovocês.Vocêpodecontrolartodasasoutrascoisas,masnãoisso.Desapegueeadmitaseussentimentos.Foi assim que nos despedimos, e fui me sentar no meio-fio para esperar Marcus.

Fiquei olhando para o envelope, observando o modo comoAdrian havia escrito meu

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nome.Quaseoabritrêsvezes…masperdiacoragememtodas.Porfim,viocarrodeMarcuschegando,eenfieioenvelopedentrodabolsa.Assimquemebuscou,Marcuscomeçouafalarempolgadosobreseusgrandesplanos

para o futuro. Eumal conseguia ouvir. Só ficava pensando emAdrian e no vazio queseriaminhavidasemele.MarcuseeuhavíamosficadodeencontrarWadeeAmelianaestação de trem, mas eu não conseguia imaginar algum deles me entendendo comoAdrian,apesardeseremhumanosedeteremumpassadoparecidocomomeu.Nenhumdeles teria o humor ácido ou seria tão perturbadoramente compreensivo como ele. E,brilhando sob todas essas emoções, estavam as memórias mais quentes… a maneiracomohavíamosnosbeijado,amaneiracomoeumesentianosbraçosdele…—Sydney?Estáprestandoatenção?Pestanejei emevoltei paraMarcus.Achoque eramais umdaquelesmomentos em

queelenãoconseguiaacreditarquealguémnãoestavafascinadoportudooqueeledizia.—Desculpe—eudisse.—Estoucomacabeçameiolonge.Eleabriuumsorriso.—Bom, então tentepensar empraias emargaritas, porque sua vida está prestes a

mudar.Praiasemargaritaseramtudooqueeletinhanacabeça.—Você esqueceu a parte de selar a tatuagem.Amenos que seu tatuador também

sejaumbartender.—Lávemvocêdenovo,bonitaedivertida.—Eleriu.—Vaisermuitolegal.—Quantotempovamosficarlá?—Bom,primeirovamoscuidardastatuagens.Éacoisamaisimportante.—Fiquei

aliviadadeverqueeleestavalevandoaquiloasério.—Depoisvamosaproveitarolugarpor algumas semanas sem chamar muita atenção. Então voltamos e vamos atrás deoutrosalquimistasinsatisfeitos.—Eentãorepetimostudodenovo?—perguntei.Noespelhoretrovisor,conseguia

ver o horizonte de Palm Springs desaparecendo enquanto seguíamos de carro para onorte.Sentiumapontadadesaudadenopeito.—Aliciaroutraspessoasparaconseguirinformaçõesimportantesedepoisaslibertar?—Exato.Seguimosemsilênciopormaisumminutoenquantoeuprocessavaaspalavrasdele.—Marcus, o que vocês fazemcomas informações que reúnem?Oque vão fazer a

respeitodemestreJameson?— Continuar encontrando evidências— ele respondeu prontamente.— Essa é a

maiorpistaquejátivemos.Agorasabemosquevaleapenainsistireprocurarmais.—Émaisdoqueumapista.PorquenãopassaressainformaçãoaosMoroi?—Osalquimistasnegariamtudo.Alémdisso,nãoqueremosserprecipitados.— E daí se eles negarem? — perguntei. — Pelo menos os Moroi vão ter uma

vantagem.Eleme olhou de soslaio de um jeito queme lembrou umpai tentando ser paciente

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comofilho.Ànossafrente,viaplacaindicandoaestaçãodetrem.—Sydney,seiqueestáansiosa,masconfieemmim.Éassimquefazemosascoisas.—Nãoseiseéojeitocerto.—Você temmuitas ideiaspara alguémqueacaboudeentrar.—Ele riubaixinho.

Queriaqueparassecomaquilo.—Sóespereevaiacabarentendendo.Nãogosteidaquelaatitudecondescendente.—Achoque jáentendi.Equersaber?Achoquevocêsnãofazemnada.Querdizer,

descobriram uma informação impressionante… mas e agora? Vão ficar esperando?Vocês ficam fugindo e se escondendo. Como isso vai ajudar em alguma coisa? Suasintençõessãoboas…massósãoisso:intenções.—EuquasepodiaouviravozdeJillnaminhacabeça:Elesfalam.Vocêage.Ironicamente,Marcusestavasempalavras.—Vocêspoderiam fazer tanta coisa—continuei.—Quandodescobri quemvocê

era, me pareceu ter todo o potencial do mundo. Na verdade, ainda tem. Mas essepotencialestásendodesperdiçado.—Eleparouocarronoestacionamentodaestaçãodetrem,aindacompletamenteboquiaberto.—Deondeestátirandoessascoisas?—eleperguntoufinalmente.—Demim—respondi.—Porquenãosoucomovocês.Nãopossonãofazernada.

Nãopossofugir.E…nãopossoircomvocês.Foibomdizeraquelascoisas…epareceucerto.Durantetodaasemana,meucérebro

vinha me dizendo que a coisa certa a fazer era ir embora antes que a situação comAdrianeos alquimistas fossepor água abaixo.E, sim,provavelmenteera a coisamaisinteligente a se fazer.Meu coraçãonão concordara plenamente emnenhummomento,maseuvinhatentandoignorá-lo.FoisóquandoouviJilleMarcusquepercebique,pelomenosdessavez,meucérebrodeveriaoptarpelasoluçãomenoslógica.PreciseidarcréditoaMarcus.Elerealmentepareciapreocupado,nãosóincomodado

pornãoconseguiroquequeria.—Sydney, seiquevocêestá apegadaaesse lugare aessaspessoas,masnãoémais

seguropravocêficaraqui.Nãoéseguropravocêficaremlugarnenhum,nãoenquantoos alquimistas estiverem de olho em você. Não enquanto sua tatuagem estivervulnerável.—Medisseramrecentementequetudonavidaquevaleapenatemseusriscos—eu

disse,semconseguirconterosorriso.NuncapenseiquecitariaumafrasedeJill.Marcusdeuumsoconopainel.— Isso é besteira sentimental! Parece bom na teoria, mas a realidade é

completamentediferente.—Quetipoderealidadevocêpoderiatercriadosetivesseficadocomosalquimistas?

—perguntei.—Quantacoisavocêpoderiaterdescoberto?—Nenhumasetivessesidopego—elerespondeu,categórico.—E,pormaisque

vocênosconsidereinúteis,jálibertamosdezenasdealquimistas.AjudamosClarenceeosMoroi.

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—Vocês não são inúteis, Marcus. Fazem um bom trabalho. Mas vamos seguircaminhosdiferentes.Vouficarefazerascoisasdomeujeito.Nãofoiissoquevocêdissequandonosconhecemos?QueíamosajudarosMoroinosnossosprópriostermos?Essessãoosmeus.—Vocêestádesperdiçandoseutempo!—O tempo émeu. Faço o que quiser com ele—eu disse.Adrian haviame dito

exatamenteamesmacoisanovooparaocasamento,quandoprometeraquecontinuariame amando de longe. Fiquei com pena de Marcus, ainda mais porque ele estavarealmentecontandoqueeuiriacomele.Elesegurouminhamão.—Sydney,porfavor,nãofaçaisso—elepediu.—Pormaisconfiantequesesinta,

pormaiscuidadosaquepensequeé,ascoisasvãosairdoseucontrole.—Elasjásaíram—eudisse,abrindoaportadepassageiro.—Evouparardelutar

contraelas.Obrigadaportudo,Marcus.Mesmo.—Espere,Sydney—elemechamou.—Sómedizumacoisa.Olheiparatráseesperei.—Deondesurgiuisso?Quandovocêmeligouprafalarquevinhacomagente,disse

quetinhasedadocontadequeeraacoisamaisinteligenteafazer.Oquefezvocêmudardeideia?Abriumsorrisoqueesperavasertãodeslumbrantequantoosdele.—Descobriqueestouapaixonada.Pegodesurpresa,Marcusolhouaoredor,comoseesperassevermeu objetd’amour

nocarrocomagente.—Evocêacaboudedescobririsso?Tevealgumtipodevisão?— Não precisei — respondi, pensando na viagem fracassada deWolfe para as

Órcades.—Estavabemdebaixodomeunarizessetempotodo.

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25

Depois que Marcus finalmente aceitou que eu não iria com eles, me desejou sorte,emboracontinuasseestupefato.Oplanoinicialeraabandonarocarronaestação,maseleme deu as chaves como um presente de despedida.Observei enquanto ele se afastava,semsabersehaviacometidoumerro.Entãopenseiemolhosmuito,muitoverdes,eemtodootrabalhoqueeueAdriantínhamosquefazerjuntos.Eraacoisacertaafazer…sótorciparaquenãofossetardedemais.Elecontinuousematenderàsminhasligações.Seráquemeodiava?Ouestavaenfiado

em algum buraco, bebendo, deprimido, para afogar as mágoas?Tirei a carta dele dabolsa, sem saber o que encontraria. Conhecendo Adrian, estava esperando umadeclaraçãode amor longa e rebuscada.Qual não foiminha surpresa ao encontrar umalongasériedenúmeros.Osnúmerosnãosignificavamnadaparamim.Euosestudeiporumtempo,aplicando

algunscódigoscomunsqueconhecia.Nãosurgiunenhumaresposta—emboranãofosseumagrandesurpresa.CódigosematemáticacomplexanãoeramexatamenteoestilodeAdrian. Mas, então, por que ele havia me deixado aquela carta? Era óbvio que haviapartidodoprincípiodequeeuconseguiriadecifrarosentidodaquilo.Segurei a carta um pouco longe, torcendo para que algo visual se revelasse. E deu

certo.Quandoolhei paraopapel, percebi quehavia uma separação entreos números,dividindo-osemdoisgruposdemodofamiliar.Digitei-osnateladelatitudeelongitudedo meuGPS. Um momento depois, apareceu um endereço em Malibu, sul daCalifórnia.Seráqueeracoincidência?Sempensarduasvezes, tireio carrodoestacionamentoe segui emdireção à costa.

Erainteiramenteplausívelqueeuestivesseprestesaperderduashorasemeiadeviagem(cinco, se contasse a volta), mas não achava que seria perda de tempo. Não existemcoincidências.Foiaviagemmaislongadaminhavida.Aperteiovolantecomforçadurantetodoo

trajeto. Estava animada,mas aomesmo tempomorrendo demedo.Quando estava a

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poucosquilômetrosdoendereço,comeceiaverplacasparaaGettyVilla.Fiqueiconfusapor alguns segundos. O Getty Center era ummuseu muito famoso, mas ficava maispertodeLosAngeles.Nãoentendiarelaçãoouporqueeutinha idopararemMalibu.Mesmoassim,seguiasinstruçõesobedientementeefuipararnoestacionamentodaVillaparavisitantes.Quando cheguei à entrada, encontrei a resposta que vinha procurando.AVilla era

ummuseumenordoGettyCenter,especializadoemartedaGréciaedaRomaantigas.Naverdade,boapartedaGettyVilla fora construídapara lembrarum temploantigo,com pilares cercando os pátios repletos de jardins, fontes e estátuas.A entrada eragratuita, mas exigia reserva. Havia pouco movimento naquele dia, e logo resolvi oproblemafazendoumareservaon-linepelocelular.Quandoentrei,quasemeesqueciporqueestavaali,emborasóporumsegundo.O

museueraumsonhotransformadoemrealidadeparaumaamantedeclássicoscomoeu.Salasemaissalasdedicadasaomundoantigo.Joias,estátuas,roupas…eracomoseeutivesseentradoemumamáquinadotempo.Aintelectualdentrodemimqueriaestudare ler as informações sobre todososobjetos expostos.O restodemim, como coraçãoacelerado e mal se contendo de euforia, passava rapidamente por cada sala, gastandoapenasotemposuficienteparaprocurarAdrianepassarparaapróxima.Depoisdeolharemquasetodasasáreasinteriores,entreinoperistiloexterno.Perdi

o fôlego.Eraumjardimgigantescoaoar livreconstruídoaoredordeumapiscinaquedeveriaterpelomenossessentametrosdecomprimento.Estátuasefontespontilhavama superfície, e em todo lugar havia árvores e outras plantas maravilhosamente bemcuidadas.Osolabrasador,apesardeserdezembro,iluminavatudo,eoarzuniacomocanto de pássaros, o som da água e conversas ao longe.Turistas andavam de um ladopara o outro, parando para admirar o jardim e tirar fotos. Mas nenhum deles eraimportante…nãoquandofinalmenteencontreiquemeuestavaprocurando.Eleestavasentadodooutroladodojardim,àbeiradapiscina.Estavadecostaspara

mim, mas eu o teria reconhecido em qualquer lugar.Trêmula, me aproximei dele,ardendocomaqueleestranhomistodemedoeansiedade.Quantomaismeaproximava,maisdetalhadosficavamseustraços.Seucorpoaltoeesguio.Osfioscastanhosqueosoldestacavaemseucabelo.Quandofinalmentechegueiaooutroladodapiscina,pareibematrásdele,semcoragemdeavançarmais.—Sage—eledisse,semlevantarosolhos.—Penseiqueestariaaosuldafronteira

agora.—Nãopensou,não—eudisse.—Nuncateriamedadoaquelacartaouvindoaté

aqui.Vocêsabiaqueeunãoiriaembora.Elefinalmentelevantouosolhos,apertadossobosolardente.— Eu tinha quase certeza de que você não iria embora. Eu queria que não fosse

embora.FoiumdebateeternoentremimeJill.Oqueachoudojeitocomouseilatitudeelongitude?Bemdahora,hein?— Genial— respondi, tentando conter o sorriso. Parte do meu medo diminuiu.

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Estávamos de volta a um território tranquilo e conhecido. SóAdrian e eu.—Vocêsupôsqueeusaberiaoquesignificavamaquelesnúmeros.Poderiaterficadosentadoaquiodiatodo.—Nah.—Adrianselevantouedeuumpassonaminhadireção.—Vocêéesperta.

Eusabiaqueentenderia.— Não tão esperta. — Quanto mais ele se aproximava, mais meu coração se

acelerava.—Leveimuito tempopradescobrir certas coisas.—Apontei para a nossavolta.—Ecomoépossívelvocêsaberdaexistênciadeumlugarassimeeunão?Elepassouapontadosdedosnaminhabochecha.Ocalordosolnãoeranadaperto

doardordaqueletoque.—Foifácil—eledisse,meolhandodiretamente.—Precisavacomeçarabuscaem

algumlugar,entãodigitei“Romaantiga”e“Califórnia”nocelular.Esseeraoprimeiroresultado.—Quebusca?—perguntei.Elesorriu.—AbuscaporumlugarmaisromânticodoqueoTortaseTal.Adrian ergueumeu rosto na direção dele eme beijou.Como sempre, omundo ao

nosso redorparoude girar.Não,omundo se transformouemAdrian, só emAdrian.Beijá-lo foi tão estonteante como sempre, com aquela paixão e urgência que nuncaimaginei que fosse sentir. Mas naquele dia havia ainda mais no nosso beijo. Eu nãopensava mais se aquilo era certo ou errado. Era o ápice de uma longa jornada… outalvezocomeçodeoutra.Pus os braços ao redor do pescoço dele e o puxei paramais perto.Não ligava que

estávamosempúblico.NãoligavaqueeleeraumMoroi.Tudooqueimportavaeraqueele eraAdrian, meuAdrian. Meu companheiro. Meu parceiro no crime, na longabatalha em que eu havia acabado de me alistar para corrigir os males dos mundosalquimistaeMoroi.TalvezMarcusestivessecertoeeuhouvesseacabadodeentrarnumabatalha perdida, mas não me importava. Naquele momento, parecia que, desde queAdrianeeuestivéssemosjuntos,nãohaveriaobstáculoquenãopudéssemossuperar.Não sei por quanto tempo ficamos nos beijando. Como disse, o mundo ao nosso

redor desapareceu. O tempo havia parado. Eu estava tomada pela sensação de ter ocorpodeAdriancontraomeu,pelocheirodeleepelogostodeseus lábios.Eratudooque importava agora, e me peguei pensando naquilo que não havíamos terminado nosonho.Quando finalmente nos separamos — cedo demais para o meu gosto —,

continuamos abraçados. O som de risadinhas me fez olhar para o lado, onde duascrianças pequenas estavam apontando para nós. Quando me viram olhar para elas,saíramcorrendo.EumevolteiparaAdrian,querendoderreterdefelicidadeaoolharnosolhosdele.—Émuitomelhordoqueamardelonge—eudisse.Eletiroualgunsfiosdecabelodomeurostoeolhoufundonosmeusolhos.

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—O que fez vocêmudar de ideia?Tipo, sei que nunca conseguiria ficar longe demim,masnãovoumentir…vocêmedeixoumorrendodemedoporumtempinho.Meencosteinoseupeito.—Forammuitascoisas,naverdade.UmconselhosurpreendentementebomdeJill.

UmadashistóriasencantadorasdeWolfe…Aliás,precisocontaravocêsobreacozinhadele.Alémdisso,fiqueipensandoemquandoagenteestavaemcimadamesa.Adriansemoveuumpoucoparaquepudéssemosolharumparaooutrodenovo.Era

umdaquelesrarosmomentosemqueeleficavacompletamenteatônito.—Deixe-meverseentendi.Ofuturodanossarelaçãodependeudeumameninade

quinze anos,deumahistóriaprovavelmente falsadeum treinadorde chihuahuas, edodiaemquebeijeivocê semnenhumromantismo,mascommuitahabilidade,emcimadetalhereseporcelanas?—Poisé—eudisse,depoisdepensaralgunssegundos.— Foi só isso, então? E eu aqui achando que conquistar você seria difícil.— Ele

voltoua ficar sérioedeuumbeijode levenaminha testa.—Oqueagentevai fazeragora?—Agora vamosdarumaolhadanessemuseu incrível a quevocême trouxe.Você

vaiamararteetrusca.Aquelesorrisomalandroqueeuadoravavoltou.—Apostoquesim.Mas…eonossofuturo?Oquevamosfazeremrelaçãoanós?Segureisuamão,aindamantendo-operto.—Desdequandovocêsepreocupacomasconsequênciasoucomofuturo?—Eu?Nunca.—Eleconsiderou.—Querdizer,desdequevocêfiquecomigo,não

mepreocupo.Masseiquevocêgostadesepreocuparcomessascoisas.—Nãodiriaquegosto—corrigi.Umventinholevebagunçouseucabelo,eresisti

aoímpetodearrumá-lo.Sefizesseisso,tinhacertezadequecomeçaríamosanosbeijardenovo,eacheiquedeveriaserresponsáveleresponderàsperguntasdeleantes.—VamosfugirparaficarcomosConservadores?—elesugeriu.— Claro que não — zombei. — Isso seria covarde e imaturo. E você nunca

sobreviveriasemgelparacabelo,emboratalvezgostedosdestiladosdeles.—Entãooquevamosfazer?—Vamoscontinuarmantendoissoemsegredo.Eleriubaixinho.—Eissonãoécovarde?—Éemocionanteeousado—respondi.—Másculoecorajoso,eudiria.Penseique

vocêfossetopar.—Sage—eleriu.—Topoqualquercoisadesdequevocêestejacomigo.Masserá

que vai ser suficiente? Não estou ignorando completamente as consequências, sabe.Entendocomoessasituaçãoéperigosaparavocê,aindamaissecontinuarquestionandoosalquimistas.EtambémseiquevocêficaincomodadacomJillnosobservando.Certo. Jill. Jill, que provavelmente estava testemunhando tudo aquilo naquele

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instante,querendoounão.Seráqueelaestava felizpela felicidadedeAdrian?Seráqueestava inundada pela alegria do nosso amor? Ou será que aquilo estava sendoinsuportavelmenteconstrangedorparaela?— Nós três vamos dar um jeito — eu disse, por fim. Não podia pensar muito

naquela questão ou era provável que começasse a ficar histérica. — E, quanto aosalquimistas… só vamos precisar tomar cuidado. Eles não me seguem em todos oslugares e, como você disse, já passamos metade do tempo juntos mesmo.— Eu sóesperavaqueissofosseobastante.Tinhaqueser.E,então,voltamosanosbeijar.Nãohaviacomoevitar,nãoquandoestávamosjuntos

daquele jeito, tão longedomundoreal,dasnossasvidasnormais.O lugareraperfeitodemais.Eleeraperfeitodemais—apesardeserumadaspessoasmais imperfeitasqueeu conhecia. E, para falar a verdade, havíamos perdido tempo demais com dúvidas ejoguinhos.Seexisteumacoisaque se aprendeao ter avida sobperigoconstanteéquevocênãopodedesperdiçá-la.AtéMarcushaviaadmitidoissonofliperama.PassamosorestododianaVilla,amaiorpartenosbeijandonosjardins,emboraeuo

tenhaconvencidoadarumaolhadaemalgunsartefatosnassalasinternas.Eupodiaestarapaixonada,mas ainda era amesma pessoa, afinal.Quando omuseu fechou no fim datarde, jantamosemumrestaurantede fondueàbeira-mare ficamos láporumtempo,sentadospertoumdooutro,observandoaluabrilhantereluzirsobreooceano.EuestavaconcentradaemolharasondasquandosentioslábiosdeAdrianroçaremna

minhabochecha.—Oqueaconteceucomodragão?Fizavozmaisindignadaqueconsegui.—Eletemumnome,sabia?Adrianseafastouemelançouumolharcurioso.—Prafalaraverdade,nãosabia.Quenomevocêescolheu?— Pulinho.—QuandoAdrian começou a rir, acrescentei:—Melhor coelho do

mundo.Eleficariaorgulhosodesaberqueseunomeestásendopassadoadiante.—É,tenhocertezaquesim.DeuumnomeparaoMustangtambém?—AchoquevocêserefereaoIvashmóvel.Elemecontemplou,admirado.—Jáfaleiqueamovocê?—Sim—respondi.—Váriasvezes.—Quebom.—Adrianmepuxouparamaisperto.—Sóparagarantir, srta.Eu

AprendoRápido.Solteiumresmungo.—Vocênuncavaiesquecerisso,vai?—Esquecer?Dejeitonenhum.Voujogarissonasuacaraparasempre.Eu suspeitava que o carro deMarcus fosse roubado, então o deixamos emMalibu.

Adrianme levoudevolta ao alojamentoemedeuumbeijodeboa-noite,prometendomeligardemanhãzinha.Eradifícildeixá-loirembora,pormaisqueeusoubessequeera

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besteira pensar que não conseguiria viver sem ele durante doze horas. Entrei noalojamentocomoseestivesseflutuandonoar,commeuslábiosaindaardendoporcontadosseusbeijos.Era loucura,eusabia, tentarmanterumrelacionamentocomele.Não,nãosó isso.

Era perigoso, e parte daminha euforia diminuiu quandome dei conta disso. Eu haviafaladováriaspalavrasbonitas,tentandotranquilizarosmedosdele,massabiaaverdade.Tentardescobrirossegredosdosalquimistasjáseriadifícil,eminhatatuagemaindanãoestavasegura.OqueeutinhacomAdrianhaviaelevadooperigoaomáximo,masesseeraumriscoqueeuaceitavacomprazer.—Srta.Melrose.Avozfriadasra.Weathersmetrouxedevoltaàrealidade.Pareinomeiodosaguão

doalojamentoeolheiparaela.Elasaiudetrásdesuamesaeveioatémim.—Sim?—Jáémeia-noite.Olheiparaorelógio,surpresaaoverqueelaestavacerta.—Temrazão.— Por mais que estejamos às vésperas das férias de inverno, você ainda está

registradanoalojamentoatéamanhã,oquesignificaquetemdeobedeceràsregras.Jápassoudotoquederecolher.Aúnicacoisaqueconseguifazerfoiatestaroóbvio.—Sim,jápassou.Asra.Weathersesperou,comoseesperassequeeufalassemais.—Vocêestava…fazendoumtrabalhoparaa sra.Terwilliger?—Haviaumolhar

de desespero em seu rosto que chegava a ser cômico. — Não recebi nenhumanotificação,masclaroqueelapodedarumjeitonissodepois.Foi então que me dei conta de que a sra.Weathers não queria que eu tivesse

problemas.Elaestavatorcendoparaqueeudessealguma justificativaporterquebradoas regras, uma razãopara quepudesse evitar o castigo.Eu sabia quepoderiamentir edizerqueestavaajudandoasra.Terwilliger.Sabia,inclusive,queasra.Terwilligermedaria respaldo.Masnãopodia fazer isso.Pareciaerradomancharmeudia comAdriancomumamentira.E,defato,eutinhaquebradoasregras.—Não—respondiàsra.Weathers.—Nãoestavacomela.Sóestava…fora.Asra.Weathersesperoumaisalgunssegundoseentãomordeuolábio,resignada.— Muito bem, então.Você conhece as regras.Vai ter que servir uma detenção

quandoasaulasvoltarem.Fizquesim,solene.—Sim,senhora.Euentendo.Ela parecia ainda estar esperando que eu corrigisse a situação. Eu não tinha nada a

oferecerparaelaemevireiparasair.— Ah, quase me esqueci! — ela falou. — Estava tão surpresa com essa…

transgressão.—Elavoltouaserainspetoraeficientequeeuconhecia.—Porfavor,me

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avise se a suaprimavai ficar comvocênoquartoou se ela vai precisar deumquartoindividual.Pestanejei,confusa.—PorqueAngelineficariacomigo?—Nãoela.Suaoutraprima.Fizmenção de dizer que não tinha outra prima,mas uma voz dentro demimme

aconselhouanãonegarnemconfirmaraspalavrasdela.Eunãofaziaideiadoquepoderiaser, mas todos os meus instintos estavam me dizendo que alguma coisa estavadefinitivamenteprestesaacontecer.Oquequerque fosse,euprecisavamanterminhasopçõesabertas.—Elajáestavacomtodaaburocraciapronta—asra.Weathersexplicou.—Então

deixeiameninanoseuquarto,jáqueésóporessanoite.Engoliemseco.—Entendi.Posso,hum,avisarasenhoradepoisdasférias?— Claro.—Depois de ummomento de hesitação, ela acrescentou:— E vamos

discutirsuadetençãotambém.—Sim,senhora—respondi.Subiasescadas,sentindoumfrionabarriga.Quem estava esperando nomeu quarto?Quemmais poderia fazer parte daminha

famíliaimaginária?Nofimdascontas,eraalguémdaminhafamíliaverdadeira.Quando destranquei a porta, encontrei Zoe sentada na minha cama. Seu rosto se

iluminouaomever,eelaavançoucomtudoparamedarumabraçoforte.—Sydney!—elaexclamou.—Estavacommedodequenãofossevoltarhoje.— Claro que voltei — eu disse, rígida. Estava tão chocada que mal consegui

retribuiroabraço.—Oquevocêestáfazendoaqui?Eladeuumpassoparatráseolhouparamimcomumsorrisolargo.Nãohaviamais

raiva nela, nemmesmo a desconfiança de St. Louis. Ela estava extremamente alegre,felizdeverdadepormever.Eunãosabiaporqueelaestavaali,mascomeçouasurgirdentrodemimaesperançadequefinalmenteteríamosnossareconciliação.Atéelafalar:—Elesme deram uma posição em campo!Memandaram pra cá.—Ela virou o

rosto,mostrando a tatuagemde lírio douradona bochecha.Meu coraçãoquaseparou.—Souoficialmenteumaalquimistaagora.Querdizer,umaaprendiz.Precisoaprendermuitacoisa,porissoelesacharammelhorqueeuficassecomvocê.—Entendi— eu disse.O quarto estava girando. Zoe. Zoe estava ali… e ela era

umaalquimista,queficariacomigo.Suaexpressãoexultanteficouumpoucoconfusa.—Eparece que você disse a Stanton que precisava de reforço alquimista?Que era

muitodifícilficarsozinhacomtantosMoroi?Tenteisorrir,masnãoconsegui.

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—Algoassim.—EuhaviafeitopressãoparaqueStantontomasseumaatitude,eelatomou.Sónãotinhasidoaqueeuesperava.OentusiasmodeZoevoltou.— Então agora você não está mais sozinha. Estou aqui com você, não que você

precisedemim.Vocênuncasemeteuemencrenca.Não,eusótinhaumromancecomumvampiro,estavaprestesaentraremumclãde

bruxas e investigava segredos que ninguém queria que eu descobrisse. Não, nenhumaencrencamesmo.Comoeuconseguiriaesconderaquilotudodela?Zoevoltouameabraçar.—Ah, Sydney!Vai ser demais— ela exclamou.—Vamos ficar juntas o tempo

todo!

FIM

Page 264: Bloodlines (livro 3) O feitiço azul - Richelle Mead

CORTESIADEMALCOMSMITHPHOTOGRAPHYRICHELLEMEAD nasceu em Michigan, mas atualmente mora em Seattle, nosEstadosUnidos.Éautoradediversosbest-sellersdefantasiaparaadultosejovens,entre eles a aclamada série Academia de Vampiros, e seus livros já foramtraduzidosparamaisdedozelínguas.Alémdeescritora,Richelleéleitoraassíduaeadoramitologia e humor.Quando não está escrevendo, gosta de passar o tempocomafamília,viajarecomprarvestidos.