Bocage - Poesias eróticas, burlescas e satíricas

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BocagePoesias erticas, burlescas e satricas

RIBEIRADAPOEMA DE UM S CANTOARGUMENTO

Quando o preto Ribeiro entregue ao sono Jazia, lhe aparece o deus Priapo: E com uma das mos por ser fanchono, Lhe agarra na cabea do marsapo: Oferece-lhe depois um belo cono, Cono sem cavalete, gordo e guapo: Casa o preto, e a mulher, por fim de contas, Lhe pe na testa retorcidas pontas. CANTO NICO I Aes famosas do fodaz Ribeiro, Preto na cara, enorme no mangalho, Eu pretendo cantar em tom grosseiro, Se a musa me ajudar neste trabalho: Pasme absorto escutando o mundo inteiro A porca descrio do horrendo malho, Que entre as pernas alberga o negro bruto No lascivo apetite dissoluto. II Oh! musa galicada e fedorenta! Tu, que s fodas dApolo ests sujeita, Anima a minha voz, pois hoje intenta Cantar esse mangaz, que a tudo arreita: Deusesse vaso carnal que o membro aquenta, Onde tanta langonha se aproveita, Um chorrilho me d, oh musa obscena, Que eu com rijo teso pego na pena. III Em Troia, de Setbal bairro inculto, Mora o preto castio, de quem falo; Cujo nervo de sorte, e tem tal vulto, Que excede o longo espeto de um cavalo: Sem querer nos cales estar oculto, Quando se entesa o tmido badalo, Ora arranca os botes com fria rija, Ora arromba as paredes quando mija.

IV Adorna hirsuto rspido pentelho Os ardentes colhes do bom Ribeiro, Que so duas mas de escaravelho, No digo na grandeza, mas no cheiro: Ali piolhos ladros to vermelho Fazem com dente agudo o pau leiteiro, Que o cata muita vez; mas ao tocar-lhe Logo o membro nas mos entra a pular-lhe. V Os maiores marsapos do universo vista deste para trs ficaram: E do novo Martinho em prosa e verso Mil poetas a porra descantaram: Quando ainda o cachorro era de bero Umas moas por graa lhe pegaram Na pica j taluda, e de repente Pelas mos lhe correu a grossa enchente. VI De Polifemo o nervo dilatado, Que intentou escachar a Galateia, Pelo mundo no deu to grande brado Como a porra do preto negra e feia: Da Cotovia o bando galicado Com respeito mil vezes o nomeia, E ao soberbo estardalho do selvagem As putas todas rendem vassalagem. VII O longo e denso vu da noite escura Das estrelas bordado j se via; E em rota cama a horrenda criatura Os tenebrosos membros estendia: Do caralho a grandssima estatura Cos lenis encobrir-se no podia, E a cabea do fodaz de fora pondo Fazia sobre o cho medonho estrondo. VIII Os ladros, que fiis o acompanhavam A triste colhoada a cada instante Com agudos ferres lhe traspassavam, Atormentando a besta fornicante:

Na durssima pele se entranhavam, Suposto que com garra penetrante O negro dos colhes a muitos saca, E o castigo lhes d na fera unhaca. IX Tendo o cono patente no sentido Na barriga o teso lhe dava murros; E de ativa luxria enfurecido Espalhava o cachorro aflitos urros: Coa lembrana do vaso apetecido O nariz encrespava como os burros; At que em vo berrando pelo cono, De todo se entregou nas mos do sono. X J roncando os vizinhos acordava O lascivo animal, que representa Coo motim pavoroso que formava, Trovo fero no ar, no mar tormenta: Com alternados coices espancava Da pobre cama a roupa fedorenta, Que pulgas esfaimadas habitavam, E de mil cagadelas matizavam. XI Eis de improviso em sonhos lhe aparece Terrfica viso, que um brao estende, E pela grossa carne que lhe cresce Debaixo da barriga ao negro prende: Acorda, pe-lhe os olhos, e estremece Como quem ao terror se curva e rende: Com o medo que tinha, a porra ingente Se meteu nas encolhas de repente. XII Do tremendo fantasma a testa dura Dous retorcidos cornos enfeitavam; E, debaixo da pana, a mata escura Trs disformes caralhos ocupavam: O sujo aspecto, a feia catadura, Os rasgados olhes iluminavam; E na terrvel destra o torpe espectro Empunhava uma porra em vez de cetro.

XIII Ergue a voz, que as paredes abalava, E coa fora do alento sibilante Mata a plida luz, que a um canto estava, Em plmbeo castial agonizante: Oh tu, rei dos caralhos (exclamava) Perde o medo, que mostras no semblante: Que quem hoje te agarra no marsapo de Vnus o filho, o deus Priapo. XIV Vendo a fome cruel do parrameiro, Que essas negras entranhas te devora, De putas um covil deixei ligeiro, Por fartar-te de fodas sem demora: Consolars o rgido madeiro Numa fmea gentil, que perto mora, Mas no lho metas todo, pois receio Que a possas escachar de meio a meio. XV Disse: e o negro na cama velozmente Para beijar-lhe os ps se levantava; Mas tropea num banco, e de repente No ftido bispote as ventas crava: No ficando da queda mui contente Couma gota de mijo pressa as lava; E, acabada a limpeza, a voz grosseira Ao nume dirigiu desta maneira: XVI Socorro de famintos fodedores, Propcia divindade, que me escutas! Tu consolas, tu enches de favores O mestre da fodenga, o pai das putas: Viste que, do teso curtindo as dores, Travava coo lenol imensas lutas; E baixaste ligeiro, como Noto, A dar piedoso amparo ao teu devoto. XVII Enquanto houver teses, e enquanto o cono For de arreitadas picas lenitivo, Sempre hei de recordar-me, alto patrono, De que s de meus gostos o motivo:

Pois me ds glria no elevado trono, E j, como o veado fugitivo Que o caador persegue, eu corro, eu corro A procurar as bordas por quem morro. XVIII Deteve aqui a voz o rijo acento, Que dos troves o estrpito parece, E logo dante os olhos num momento A noturna viso desaparece: Deixa Ribeiro o srdido aposento, Que de antigos escarros se guarnece; E nas tripas berrando-lhe o demnio Corre logo a tratar do matrimnio. XIX O brando corao da fmea alcana Com finezas, carcias e desvelos; A qual sobre a vil cara emprega, e lana (Tentao do demnio!) os olhos belos: O fodedor maldito no descansa Sem ver chegar o dia, em que os marmelos Que tem junto do criatura, deem cabeadas Entre as cndidas virilhas delicadas. XX Chega o dia infeliz (triste badejo! Msera crica! desditoso rabo!) E ornado o rosto de um purpreo pejo Une-se a mo de um anjo do diabo; Ardendo o bruto em frvido desejo Unta de louro azeite o longo nabo, Para que possa entrar com mais brandura A vermelha cerviz faminta, e dura. XXI Principia o banquete, que constava De dous gatos achados num monturo, E de raspas de corno, de que usava Em lugar de pimenta o preto impuro: Em sujo frasco ali se divisava Turva gua p: fatias de po duro Pela mesa decrpita espalhadas A fraca vida perdem s dentadas.

XXII Depois de ter o esposo o bucho farto, Abrasado de amor na ardente chama, Foge com leves passos para o quarto, Ao colo conduzindo a bela dama: Pelas ceroulas o voraz lagarto A genital enxndia j derrama; S por ver da consorte o gesto lindo Inda antes de foder j se est vindo! XXIII Jazia o velho tlamo num canto Onde de pulgas esquadro persiste, Para teatro ser do aflito pranto Que havia derramar a esposa triste: Oh noute de terror, noute de espanto, Que das fodas cruis o estrago viste! Permite que com mtrica harmonia Patente ponha tudo luz do dia. XXIV Ergue-lhe a saia o renegado amante, Estira-se a consorte gil e pronta; E ele a seta carnal no mesmo instante Ao parrameiro msero lhe aponta: Coum s beijo do membro palpipante Ficou subitamente a moa tonta, E julgou (tanto em fogo ardia o nabo!) Que encerrava entre as pernas o diabo. XXV Prossegue o desalmado; mas a esposa Que no pode aturar-lhe a dura estaca, Dando voltas ao cu muito chorosa Com jeito o membralho das bordas saca: Ele irado lhe diz, com voz queixosa: No s uma mulher como uma vaca? Porque fazes traies, quando te empurro O mastro? quando vs que gemo, e zurro? XXVI Ento, cheio de raiva, aperta o dente, E na gostosa, feminil masmorra, Alargando-lhe as pernas novamente, Com estrondosos ais encaixa a porra:

Ela, que j no corpo o fogo sente Do marsapo lhe diz: Queres que eu morra? Tu no vez que me engasgo, e que estou rouca, Porque o cruel teso me chega boca? XXVII Ah! deixa-me tomar um breve alento, Primeiro que rendida e morta caia... Mas ele, na foda um jumento, No tem d da mulher, que j desmaia: Sentindo ser chegado o fim do intento, Do ranhoso licor lhe inunda a saia; Porque dentro do vaso no cabia A torrente, que rpida corria. XXVIII De gosto o vil cachorro ento se baba, E vendo que a mulher calada fica, Consola-te (exclamou) que j se acaba Esta fome voraz da minha pica. E com muita risada se gaba De lhe ter esfolado a roxa crica; Mas ela grita, ardendo-lhe o sabugo: Ora que casasse eu com um verdugo! XXIX Fora, fora cachorro, no te aturo Que me feres as bordas do coninho! E com desembarao um teso e duro Bofeto lhe arrumou no focinho: Tomou em tom de graa o monstro escuro A afrontosa pancada, e com carinho Disse para a mulher: Brincas comigo? Pois torno-te a foder, por teu castigo. XXX Estas vozes ouvindo a desgraada De repente no cho cair se deixa; E, temendo a mortfera estocada, Ora abre os tristes olhos, ora os fecha: Com suspiros depois desatinada Da contrria fortuna ali se queixa: At que ele lhe diz, com meigo modo: Levanta-te do cho, que no te fodo.

XXXI Alma nova cobrou, qual lebre aflita, Que das unhas dos ces se v liberta; E apalpando a conaa (oh que desdita!) Mais que boca de barra a encontra aberta; Mas consola-se um pouco, e j medita Em fugir da runa, que to certa; E em vingar-se do horrvel Brutamonte, Ornando-lhe de cornos toda a fronte. XXXII Tem conseguido a brbara vingana A traidora mulher, como queria; E o negro com a pacincia branda e mansa, Sofrendo os cornos vai de dia em dia: Bem mostra no que faz no ser criana, Que de nada o rigor lhe serviria; Porque se uma mulher quiser perder-se, At feita em picado h de foder-se. XXXIII Agora vs, fodes encarniados, Que julgais agradar s moas belas Por terdes uns marsapos, que estirados Vo pregar com os focinhos nas canelas: Conhecereis aqui desenganados Que no so tais porres do gosto delas; Que lhes no pode, enfim, causar recreio Aquele que passar de palmo e meio.

A MANTEIGUIPOEMA EM UM S CANTOARGUMENTO

Da grande Manteigui, puta rafada, Se descreve a brutal incontinncia; Do cafre infame a porra desmarcada, Do corngero esposo a pacincia : Como fora de tanta caralhada Perdendo o negro a rigida potncia, Foge da puta, que sem alma fica Dando mil berros por amor da pica.

CANTO NICO I Canto a beleza, canto a putaria De um corpo to gentil, como profano; Corpo, que, a ser preciso, engoliria Pelo vaso os martelos de Vulcano: Corpo vil, que trabalha mais num dia Do que Martinho trabalhou num ano; E que atura as chumbadas e pelouros De cafres, brancos, marats e mouros. II Vnus, a mais formosa entre as deidades, Mais lasciva tambm que todas elas ; Tu, que vinhas de Troia s soledades Dar a Anquises as mamas e as canelas: Que gramaste do pai das divindades Mais de seiscentas mil fornicadelas; E matando uma vez da crica a sede, Foste pilhada na vulcnea rede; III Dirige a minha voz, meu canto inspira, Que vou cantar de ti, se a Jaques canto; Tendo um corno na mo em vez de lira, Para livrar-me do mortal quebranto: Tua virtude em Manteigui respira, Com graa, qual tu tens, motiva encanto; E bem pode entre vs haver disputa Sobre qual mais bela, ou qual mais puta. IV No cambaico Damo, que escangalhado Lamenta a decadncia portuguesa, Este novo Gans foi procriado, Peste dsia em luxria e gentileza: Que ermito de cilcios macerado Pode ver-lhe o caro sem porra tesa ? Quem chapeleta no ter de mono, Se tudo que ali v tudo cono ? V Seus meigos olhos, que a foder ensinam, T nos dedos dos ps teses acendem;

As mamas, onde as Graas se reclinam, Por mais alvas que os vus os vus ofendem; As doces partes, que os desejos minam, Aos olhos poucas vezes se defendem; E os Amores, de amor por ela ardendo, As picas pelas mos lhe vo metendo. VI Seus cristalinos, deleitosos braos, Sempre abertos esto, no para amantes, Mas para aqueles s, que, nada escassos, Cofres lhe atulham de metais brilhantes; As nveas plantas, quando move os passos, Vo pisando os teses dos circunstantes; E quando em ledo som de amores canta, Faz-lhe a porra o compasso coa garganta. VII Mas para castigar-lhe a vil cobia O vingativo Amor, como agravado, Fogo infernal no corao lhe atia Por um srdido cafre asselvajado: Tendo-lhe visto a trrida linguia Mais extensa que os canos dum telhado, Louca de comiches a indigna dama Salta nele, convida- o para a cama. VIII Eis o bruto se coa de contente; Vermelha febre sobe-lhe ao miolo; Agarra na senhora, impaciente Derguer-lhe as fraldas, e provar-lhe o bolo: Estira-a sobre o leito, e de repente Quer do pano sacar o atroz mampolo: Porm no necessita arrear cabos; L vai o langotim com mil diabos. IX Levanta a tromba o rspido elefante, A tromba, costumada a tais batalhas, E apontando ao buraco palpitante, Bate ali qual arete nas muralhas: Ela enganchando as pernas delirante, Meu negrinho (lhe diz) quo bem trabalhas! No h porra melhor em todo o mundo! Mete mais, mete mais que no tem fundo.

X Ah! se eu soubera (continua o couro Em torrentes de smen j nadando) Se eu soubera que havia este tesouro H que tempos me estava regalando! Nem fidalguia, nem poder, nem ouro Meu duro corao faria brando; Lavara o cu, lavara o passarinho. Mas s para foder coo meu negrinho. XI Mete mais, mete mais... Ah Dom Fulano! Se o tivesses assim, de graa o tinhas! No viveras em um perptuo engano, Pois vir-me-ia tambm quando te vinhas: Mete mais, meu negrinho, anda magano: Chupa-me a lngua, mexe nas maminhas. . . Morro de amor, desfao-me em langonha. . . Anda, no tenhas susto, nem vergonha. XII H quem fuja de carne, h quem no morra Por to belo e dulcssimo trabalho? H quem tenha outra ideia, h quem discorra Em cousa, que no seja de mangalho? Tudo entre as mos se converta em porra, Quanto vejo transforme-se em caralho: Porra, e mais porra no vero, e no inverno. Porra at nas profundas do inferno!. . . XIII Mete mais, mete mais (ia dizendo A marafona, ao bruto, que suava, E convulso fazia estrondo horrendo Pelo rstico som com que fungava:) Mete mais, mete mais que estou morrendo!... Mim no tem mais! O negro lhe tornava; E triste exclama a bbeda fodida: No h gosto perfeito nesta vida! XIV Neste comenos o cornaz marido, O bode racional, veado humano, Entrava pela cmara atrevido Como se entrasse num lugar profano:

Mas vendo o preto em jogos de Cupido, Eis sai logo, dizendo: Arre, magano! Na minha cama! Estou como uma brasa! Mas, bagatela, tudo fica em casa. XV A foda comeada ao meio dia Teve limite pelas seis da tarde. Veio saltando a ninfa de alegria, E de srdida ao fazendo alarde: O bom consorte, que risonha a via, Lhe diz: Ests corada! O cu te guarde; Bem boa alpiste ao pssaro te coube! Ora dize, menina, a que te soube? XVI Cale-se, tolo(a puta descarada Grita num tom raivoso, e lhe rezinga) O rei dos cornos a cerviz pesada Entre os ombros encolhe, e no respinga: E o couro, da pergunta confiada, Outra vez com o cafre, e mil se vinga, At que ele, faltando-lhe a semente, Tira-lhe a mama, e foge de repente. XVII Deserta por temor desfalfamento. Deserta por temer que o couro o mate: Ela ento de suspiros enche o vento, E faz alvorotar todo o Surrate: Vo procur-lo de cipais um cento, Trouxeram-lhe a cavalo o tal saguate; Ela o vai receber, e o gro Nababo Pasmou disto, e quis ver este diabo. XVIII Pouco tempo aturou de novo em casa O co, querendo logo a pele forra, Pois a puta coa crica toda em brasa, Nem qria comer, s queria porra: Voou-lhe, qual falco batendo a asa, E o couro, sem achar quem a socorra, Em lgrimas banhada, acesa em fria, Suspira de saudade, e de luxuria.

XIX Coures das quatro partes do universo, De glico voraz envenenados! Se deste canto meu, deste acre verso Ouvirdes por ventura os duros brados: Em bando marcial, coro perverso. Vinde ver um cao dos mais pescados. Vinde cingir-lhe os louros, e devotos Beijar-lhe as asas, pendurar-lhe os votos.

A EMPRESA NOTURNAEra alta a noite, e as beiras dos telhados Pingando mansamente convidavam A gente toda a propagar a espcie: Brandas torrentes, que do cu caam Pelas ruas abaixo susurravam; Dormia tudo; e a ronda do intendente Que o gro Torquato rege, o pai das putas, Esbirro-mor, Mecenas das tabernas, Recolhido se havia aos ptrios lares. Era tudo silncio, e s se ouvia De quando em quando ao longe uma matraca. Soava o sino grande dos Capuchos, Vo-se os frades erguendo, era uma hora. No podia faltar: Nise formosa, Pela primeira vez m estava esperando. De repente me visto, e salto fora Da pobre cama, aonde envolto em sonhos Mil imagens a mente me fingia. Visto roupa lavada, e me perfumo, Num capote me embuo, a espada tomo, Que nunca me serviu, mas que em tais casos Mete a todos respeito; e qual Quixote, Que, havendo j perdido o caro Sancho, Sem nada recear de assalto busca Altos moinhos, que valente ataca; Tal eu figuro achar a cada esquina Um Rodamonte, e pronto me disponho A lan-lo por terra, em p desfeito. Assim gastei o tempo, at que chego Ao stio dado, onde meu bem mespera. Mal a porta emboquei, dentro em mim sinto Um fogo ativo, que me abrasa todo. Eis de Nise a criada, abelha mestra, Que mira estava ali, a mo me aperta, Vai-me guiando, e diz: Suba de manso.

Que a dorme a senhora. A poucos passos, Por acaso ao subir-lhe apalpo as coxas... Oh cspite! que sesso! Era alcatreira, Nunca vi cu to duro, era uma rocha. Foi o teso ento em mim to forte, Que as mos lhe encosto aos ombros, nela salto, Que enfadada dizia: Olhe o brejeiro!... Tire-se l, que pode ouvir minha ama!. . . Ao dizer isto a voz lhe fica presa, Solua, treme toda, estende os braos, Aperta as pernas, encarquilha o cono, Que distava do cu polegada e meia. Qual moinho de cartas, que os rapazes Em tempo de vero pem nas janelas, Tal a moa rebola: e eu posto em cima, Sem nada lhe dizer, tinha vertido Na larga dorna a larga apojadura. Acabada a funo, em que a mooila (Segundo confessou) deu trs por uma, Num quarto me encaixou, onde os Amores Tinham sua morada, onde Cupido Havia receber em seus altares Em breve espao meus amantes votos. Dormia tudo em casa: eis Nise bela Um pouco envergonhada, assim ficando Mais vermelha que a rosa, a mim se chega, Nos meus braos se lana: ento lhe toco No tenro e branco seio palpitante; Trmula a voz, que o susto lhe embargava, Mal me pode dizer: Meu bem, minhalma Quanto pode o amor num peito firme! Bem vs ao que me arrisco: eu bem conheo Quanto ofendo o meu sexo, e as leis da honra Bem sei que despedao!... Mas no temo Que te esqueas de mim, que ufano zombes Duma infeliz mulher amante, e fraca!... Enquanto assim falava, me prendia Nise cos braos seus, e aos meus joelhos As pernas encostava, que eu conheo Pelo tato, que so rijas e grossas. Mal podia conter-me: o cu chuvoso Pelas telhas caa; o vento rijo Pelas frestas zunia; a casa toda Com cheiro de alfazema; a cama fofa, Tudo enfim era amor, tudo arreitava. Entro a beijar-lhe as mos feitas de neve, Descubro-lhe com jeito o tenro peito, Que ansioso palpita, que resiste, Que no murcha ao tocar-se; oh quanto bela! No seio virginal, onde dois globos

Mais brancos do que jaspe esto firmados, Ansioso beijando-os, pouco a pouco Se fizeram to rijos que mal pude Comprimi-los cos beios; neste tempo Pelo fundo da saia sutilmente Lhe introduzi a mo, com que esfregava O pentelho em redondo, o mais hirsuto Que atli encontrei; e como a crica Vertido tinha j pingas ardentes, Certos sinais, que os frvidos prazeres Dentro nalma de Nise luta andavam, Tal fogo em mim senti, que de improviso Sem nada lhe dizer me fui despindo, T ficar nu em pelo, e o membro feito, Na cama mencaixei, qua um lado estava. Nise, cheia de susto, e casto pejo, De receio, e luxria combatida, Junto a mim se assentou, sem resolver-se. Eu mesmo a fui despindo, e fui tirando Quanto cobria seu airoso corpo. Era feito de neve: os ombros altos, O colo branco, o cu rolio e grosso; A barriga espaosa, o cono estreito. O pentelho mui denso, escuro e liso; Coxas piramidais, pernas rolias, O p pequeno. . . Oh cus! Como formosa! J metidos na cama em nvea holanda, Erguido o membro t tocar no umbigo, Qual Amadis de Gaula entrei na briga: Pentelho com pentelho ambos unidos, Presa a voz na garganta, ardente fogo Exalvamos ambos; Nise bela Ou fosse natural, ou fosse darte, O peito levantado, ansiosa, aflita, Tremia, soluava, e os olhos belos Semimortos erguia: a cor do rosto Pouco a pouco murchava; era to forte, To ativo o prazer, que ela sentia, Que, cingindo-me os rins cos alvos braos, Tanto a si me prendia, que por vezes O movimento do cu me embaraava: Coas alvas pernas me apertava as coxas, Titilava-lhe o cono, e reclinada Quase sem tino a lnguida cabea, Chamando-me seu bem, sua alma e vida, Faz-me ternas meiguices, brandos mimos; Frvidos beijos, mutuamente dados, Anelantes suspiros se exalavam: Era tudo ternura; e em breve espao Ao som de queixas mil, com que intentava

Mostrar-me Nise um dano irreparvel, Me senti quase morto em todo o corpo: Uma viva emoo senti gostosa Dentro em minhalma: frvidos prazeres O peito vivamente me agitavam: Os olhos, e a voz amortecida, Os braos frouxos, quase moribundos, Lnguido o corpo todo, enfim mal pude Saber o que fazia. . . Eis de improviso Tornando a mim mais forte, e mais robusto, Tentei de novo o campo da batalha: Qual o bravo guerreiro, que se abrasa No clido vapor, que exala o sangue Que ele mesmo esparziu entre as falanges De inimigos cruis, que vence, e mata; Assim eu, abrasado em vivo fogo Que de Nise saa, me no farto Da guerra, que intentei: de novo a aperto, De novo beijo os seus mimosos braos; Beijo-lhe olhos, a mimosa boca, Os nveos peitos, a cintura airosa; Nise outro tanto me fazia alegre, Estreitava-me a si por vrios modos: Ora posto eu por baixo, ela por cima, Para dar doce alvio aos membros lassos; Ora posto de ilharga, sem que nunca O voraz membro do lugar sasse, Onde uma vez entrara altivo e forte, O membro, que em tal caso era mais duro Que alva coluna de marmreo jaspe: At que enfim, depois de no podermos Nem eu, nem Nise promover mais gostos, O brando sono, sobre ns lanado Os seus doces influxos brandamente, Os olhos nos cerrou. Uns leves sonhos Vieram animar nossos sentidos, T que chegou a fresca madrugada, Em que casa voltei donde sara; E tornando outra vez pobre cama, Dormi o dia inteiro a sono solto.

EPSTOLA A MARLIAI Pavorosa iluso da Eternidade, Terror dos vivos, crcere dos mortos; Dalmas vs sonho vo, chamado inferno;

Sistema da poltica opressora, Freio, que a mo dos dspotas, dos bonzos Forjou para a boal credulidade; Dogma funesto, que o remorso arreigas Nos ternos coraes, e a paz lhe arrancas: Dogma funesto, detestvel crena, Que envenenas delcias inocentes! Tais como aquelas que no cu se fingem: Frias, Cerastes, Dragos, Centmanos, Perptua escurido, perptua chama, Incompatveis produes do engano, Do sempiterno horror horrvel quadro, (S terrvel aos olhos da ignorncia) No, no me assombram tuas negras cores, Dos homens o pincel, e a mo conheo: Trema de ouvir sacrlego ameao Quem dum Deus quando quer faz um tirano: Trema a superstio; lgrimas, preces, Votos, suspiros arquejando espalhe, Cosa as faces coa terra, os peitos fira, Vergonhosa piedade, intil vnia Espere s plantas de impostor sagrado, Que ora os infernos abre, ora os ferrolha: Que s leis, que as propenses da natureza Eternas, imutveis, necessrias. Chama espantosos, voluntrios crimes; Que s vidas paixes que em si fomenta, Aborrece nos mais, nos mais fulmina: Que molesto jejum, roaz cilcio Com desptica voz carne arbitra, E, nos ares lanando a ftil beno, Vai do gro tribunal desenfadar-se Em srdido prazer, venais delcias, Escndalo de Amor, que d, no vende. II Oh Deus, no opressor, no vingativo. No vibrando com a destra o raio ardente Contra o suave instinto que nos deste; No carrancudo, rspido, arrojando Sobre os mortais a rgida sentena, A punio cruel, que excede o crime, At na opinio do cego escravo, Que te adora, te incensa, e cr que s duro! Monstros de vis paixes, danados peitos Regidos pelo sfrego interesse (Alto, impassivo nume!) te atribuem A clera, a vingana, os vcios todos Negros enxames, que lhe fervem nalma!

Quer sanhudo, ministro dos altares Dourar o horror das brbaras cruezas, Cobrir com vu compacto, e venerando A atroz satisfao de antigos dios, Que a mira pem no estrago da inocncia, Ou quer manter asprrimo domnio, Que os vaivns da razo franqueia e nutre: Ei-lo, em santo furor todo abrasado, Hirto o cabelo, os olhos cor de fogo, A maldio na boca, o fel, a espuma, Ei-lo, cheio de um Deus to mau como ele, Ei-lo citando os hrridos exemplos Em que aterrada observe a fantasia Um Deus o algoz, a vtima o seu povo: No sobrolho o pavor, nas mos a morte. Envolto em nuvens, em troves, em raios De Israel o tirano onipotente: L brama do Sinai, l treme a terra! O torvo executor dos seus decretos, Hipcrita feroz, Moiss astuto, Ouve o terrvel Deus, que assim troveja: Vai, ministro fiel dos meus furores! Corre, voa a vingar-me: seja a raiva De esfaimados lees menor que a tua: Meu poder, minhas foras te confio, Minha tocha invisvel te precede: Dos impios, dos ingratos, que me ofendem, Na rebelde cerviz o ferro ensopa: Extermina, destri, reduz a cinzas As sacrlegas mos, que os meus incensos Do a frgeis metais, a deuses surdos: Sepulta as minhas vtimas no inferno, E treme, se a vingana me retardas!... No lha retarda o rbido profeta: J corre, j vozeia, j difunde Pelos brutos, atnitos sequazes A peste do implacvel fanatismo: Armam-se, investem, rugem, ferem, matam, Que sanha! que furor! que atrocidade! Foge dos coraes a natureza; Os consortes, os pais, as mes, os filhos Em honra do seu Deus consagram, tingem Abominosas mos no parricdio: Os campos de cadveres se alastram, Sussurra pela terra o sangue em rios, Troam no polo altssimos clamores. Ah! Brbaro impostor, monstro sedento De crimes, de ais, de lgrimas, destragos, Serena o frenesi, reprime as garras, E a torrente de horrores, que derramas,

Para fundar o imprio dos tiranos, Para deixar-lhe o feio, o duro exemplo De oprimir seus iguais com frreo jugo No profanes, sacrlego, no manches Da eterna divindade o nome augusto! Esse, de quem te ostentas to valido, Deus do teu furor, Deus do teu gnio, Deus criado por ti, Deus necessrio Aos tiranos da terra, aos que te imitam, E queles, que no creem que Deus existe. III Neste quadro fatal bem vs, Marlia, Que em tenebrosos sculos envolta Desde queles cruis, infundos tempos Dolosa tradio passou aos nossos. Do corao, da ideia, ah! desarreiga De astutos mestres a falaz doutrina, E de crdulos pais preocupados As quimeras, vises, fantasias, sonhos: H Deus, mas Deus de paz, Deus de piedade, Deus de amor, pai dos homens, no flagelo. Deus, que s nossas paixes deu ser, deu fogo, Que s no leva a bem o abuso delas. Porque nossa existncia no se ajusta, Porque inda encurta mais a curta vida: Amor lei do Eterno, lei suave; As mais so invenes, so quase todas Contrrias razo, e natureza: Prprias ao bem dalguns, e ao mal de muitos. Natureza e razo jamais diferem: Natureza e razo movem, conduzem A dar socorro ao plido indigente, A pr limite s lgrimas do aflito, E a remir a inocncia consternada, Quando nos dbeis, magoados pulsos Lhe roxea o vergo de vis algemas: Natureza e razo jamais aprovam O abuso das paixes, aquela insnia, Que pondo os homens ao nvel dos brutos, Os infama, os deslustra, os desacorda. Quando aos nossos iguais, quando uns aos outros Traamos fero dano, injustos males Em nossos coraes, em nossas mentes, s, oh remorso, o precursor do crime, O castigo nos d antes da culpa, Que s na execuo do crime existe, Pois no pode evitar-se o pensamento, E inocente a mo, que se arrepende.

No vem s dum princpio aes opostas: Tais dimanam de um Deus, tais do exemplo, Ou do cego furor, molstia dalma. IV Cr pois, meu doce bem, meu doce encanto. Que te anseiam fantsticos terrores, Pregados pelo ardil, pelo interesse. S de infestos mortais na voz, na astcia A bem da tirania est o inferno. Esse, que pintam bratro de angstias, Seria o galardo, seria o prmio Das suas vexaes, dos seus embustes, E no pena de amor se inferno houvesse. Escuta o corao, Marlia bela, Escuta o corao, que te no mente: Mil vezes te dir: Se a rigorosa Carrancuda expresso de um pai severo, Te no deixa chegar ao caro amante Pelo perptuo n, que chamam sacro, Que o bonzo enganador teceu na ideia Para tambm no amor dar leis ao mundo; Se obter no podes a unio solene, Que alucina os mortais, porque te esquivas Da natural priso, do terno lao Que com lgrimas e ais te estou pedindo? Reclama o teu poder, os teus direitos Da justia desptica extorquidos: No chega aos coraes o jus paterno, Se a chama da ternura os afogueia: De amor h preciso, h liberdade; Eia pois, do temor sacode o jugo, Acanhada donzela; e do teu pejo Destra iludindo as vigilantes guardas, Pelas sombras da noute, a amor propcias. Demanda os braos do ansioso Elmano, Ao risonho prazer franqueia os lares. Consista o lao na unio das almas; Do ditoso himeneu as venerandas Caladas trevas testemunhas sejam; Seja ministro o Amor, e a terra templo Pois que o templo do Eterno toda a terra. Entrega-te depois aos teus transportes, Os opressos desejos desafoga. Mata o pejo importuno: incita, incita O que s de prazer merece o nome. Vers como, envolvendo-se as vontades, Gostos iguais se do, e se recebem: Do jbilo h de a fora amortecer-te,

Do jbilo h de a fora aviventar-te. Sentirs suspirar, morrer o amante, Com os seus confundir os teus suspiros, Hs de morrer, e reviver com ele. De to alta ventura, ah! no te prives, Ah! no prives, insana, a quem te adora. Eis o que hs de escutar, oh doce amada, Se voz do corao no fores surda. De tuas perfeies enfeitiado s preces, que te envia, eu uno as minhas, Ah! Faze-me ditoso, e s ditosa. Amar um dever, alm de um gosto, Uma necessidade, no um crime, Qual a impostura horrsona apregoa. Cus no existem, no existe inferno, O prmio da virtude a virtude, castigo do vcio o prprio vcio.

FRAGMENTO DE ALGEU, POETA GREGOTRADUZIDO DA IMITAO FRANCESA DE MR. PARNY

Imaginas, meu bem, supes, oh Llia, Que os benficos cus, os cus piedosos Exigem nossos ais, nossos suspiros Em vez de adoraes, em vez dincensos? Crdula, branda amiga, falso, falso: Longe a cega iluso. Se ambos sumidos Em solitrio bosque, e misturando Doces requebros cos murmrios doces Dos transparentes, grrulos arroios, Sempre me ouvisses, sempre me dissesses Que s minha, que sou teu; que mal, que ofensa Nosso inocente amor faria aos Numes? Se acaso reclinando-te comigo Sobre vioso tlamo de flores, Turvasse nos teus olhos carinhosos Suave languidez a luz suave: Se os doces lbios teus entre meus lbios Fervendo, grata Llia, me espargissem Vivssimo calor nas fibras todas; Se pelo excesso de inefveis gostos Morrssemos, meu bem, duma s morte; E se amor outra vez nos desse a vida Para expirar de novo: em que pecara, Em que afrontara aos cus prazer to puro ? A voz do corao no tece enganos, No reu quem te segue, oh Natureza:

Esse Jove, esse deus, que os homens pintam Soberbo, vingador, cruel, terrvel: Em perptuas delcias engolfado, Submerso em perenal tranquilidade Coas aes humanas no se embaraa; Fitos seus olhos no universo todo, Em todos os mortais, num s no param: As vozes da razo prefiro, oh Llia! lei o amor, necessidade o gosto: Viver na insipidez erro, crime, Quando amigo prazer se nos franqueia. II Eia! Deixemos vaidade insana Correndo-se da rpida existncia Sem susto para si criar segunda: Deixemos-lhe entranhar por vs quimeras, Pela imortalidade os olhos ledos: E do seu frenesi, meu bem, zombemos. Esse abismo sem fundo, ou mar sem praia Onde a morte nos lana, e nos arroja, Guarda perpetuamente tudo, oh Llia, Tudo quanto lhe cai no bojo imenso. Enquanto dura a vida ah! sejam, sejam Nossos os prazeres, os Elsios nossos. Os outros no so mais que um sonho alegre, Uma inveno dos reis ou dos tiranos, Para curvar ao jugo os brutos povos: E o que a superstio nomeia averno, E multido fantica horroriza; As frias, os drages, e as chamas fazem Mais medo aos vivos do que mal aos mortos.

ARTE DE AMARou PRECEITOS E REGRAS AMATRIAS PARA AGRADAR S DAMASIMITAO DE OVDIO

I Se, lascivos do mundo, amais sem arte, Lede meus versos, amareis com ela.

Tu, louro Apolo, me tempera a lira, Tu, branda Vnus, a cantar me ensina. Quanto nos reinos de Pluto deseja Tntalo ardente mitigar a sede; Quanto suspira Prometeu, que Jove Os duros ferros, com que o prende, rompa; Tanto deseja a feminina turba Ao corpo varonil unir seu corpo; Tanto suspira por que mo lasciva Meiga lhe toque nas colunas lisas, E que mimoso, petulante dedo Lhe amolgue os tesos seus virgneos peitos. Em Junho ardente pelo seu consorte Clama, suspira em verde ramo a rola; Em gelado Janeiro clama triste A domstica tigre por marido: Brama nos campos em sereno maio Mansa novilha por amado touro. Sbia Natura o dbil sexo excita. Torpes desejos com ardor provoca; Mas sempre firme e simulada nega Carnal impulso gerao de Pirra. Busca Diana Endimio nos bosques, Mas finge ousada perseguir as feras; Ardente Vnus s prazer respira, Mas seus favores solicita Marte; Serrana humilde reclinar deseja Nos doces braos de um vaqueiro o colo; Mas dele foge, na montanha, esquiva, Com ele o baile festival recusa. II Tu, prvido Licurgo, ou quem primeiro vaga turba legislou dos homens, Severo alando temeroso ferro Duro reprimes da natura os gritos; A face mulheril, imvel dantes, Pudibundo rubor e pejo destes: Mas ah! no tema varonil caterva Femneo pejo, sendo eu o seu mestre. Corta o duro machado erguido tronco, Mas vejo sempre pulular vergnteas; Diques forosos contra o mar se elevam, Mas alm deles delfins mansos nadam. Pode mais do que as leis a Natureza, Pratica o mundo s o que ela dita; Faz-se escondida enquanto a no descobrem; Eu sutil mestre a descobri-la ensino. Ah! no me chamem crticos austeros

Dos boas costumes corruptor profano, Ah! no me mande Csar irritado No frio Euxino a viver cos Getas. Outra cousa no faz duro colono Com liso arado, quando rompe a terra: Dura cdea o calor nativo impede, O ferro a rasga, e o calor transpira. III Vs, mancebos, correi, correi ligeiros Do Tibre s margens frteis, e mimosas. To imveis me ouvi, mas no to surdos: Direi primeiro como Amor se enleia, Depois como se faz propcia Vnus. Tu, oh Jove imortal, tu, pai dos deuses, Sbio me inspira, que no basta Apolo. verde louro fugitiva Dafne, Amor ingrato do queixoso Febo; Tu, selvtico filho de Saturno, S tu no temes desdenhosas iras: Ou chuva douro a bela Dnae molhas, Ou touro manso linda Europa roubas. A face mulheril formosa e pura Cobrem de pejo avermelhadas rosas; Ou dedo juvenil destro as desfolhe, Ou clido vapor soprando as murche: Ento lasciva, sem rebuo exposta Fcil se entrega, sem temor se arroja: Ento tu, louro Apolo, sers Dafne, A ninfa fugitiva ser Febo. Aps o bruto filho de Netuno Correr Galateia os verdes mares; Assim foge de Circe o grego Ulisses, Assim foge de Dido o pio Eneias. Porm, primeiro, sutilmente a inflama; Se acaso ardente, devorante fogo Torrar os bofes, consumir entranhas, Natura acode com foroso impulso, E mais depressa se afugenta o pejo: Mais depressa o calor do sol derrete Plida massa de esfregada cera; Mais cedo rompe arete foroso Torres antigas, ruinosos muros. IV Se branco rosto, que formoso esmaltam Preciosos rubis, azuis safiras, Face morena, que engraados ornam

Dous pretos olhos, com que as Graas brincam; Se airoso gesto, movimento lindo, Se honesto modo, se sisudo termo Feriu teus olhos no teatro, ou templo, Eia, mancebo, tens amores, corre!... Em p ligeiro te sublima, e ergue; Da vasta chusma simulado escapa. Ou destro finjas crebro revolto, Ou falso mostres abafado o peito; Logo modesto dirigindo os olhos branda Tirse, para os seus repara; V se inocentes ao acaso vagam. Ou se inquietos com destino giram; Se por ventura teu rival encontras. nimo forte, desmaiar no deves; Mais honrosa ser tua vitoria, Tens para o carro triunfal cativo. V Era consorte de vulcano Vnus, Mas dos favores seus digno Marte: Com vergonha do srdido ferreiro Preso nas redes fica o deus da guerra; Quais no prado melfluas abelhas Correm voando duma flor em outra, Nem sobre o casto rosmaninho pousam, Nem sobre o timo matinal descansam: Tais, oh mancebos, mulheris desejos Correndo voam de um amor em outro. Nem destro Ulisses seu correr impede, Nem rico Midas suas asas prende; Oh tu cerlea, cristalina Ttis, Quando revolta no sers to vaga ? Oh tu soberbo, furioso Noto, Quando liberto no sers to doudo? So mais constantes de um carvalho altivo As livres folhas, quando Breas sopra, Tremulam menos nos extensos mares Flmulas soltas, que maneia o vento. Se tu mancebo, por acaso agradas, Vive seguro, em teu rival no cuides; velho amante, tu amante novo: Pode mais do que amor a novidade; De novo ardia por Helena Pris, Por isso foi de Menelau contrrio. VI Mas preciso que sutil e ardido

Primeiro excites a ateno de Tirse. Com gesto alegre teu amor exprime, Falem teus olhos, todo o corpo fale; Mudo lhe dize que te assombra, e pasmam Do seu semblante a formosura e a graa. Ora de espanto se amortea a face, Ora se acenda com venreo fogo: O mesmo efeito teus contrrios fazem, Todos o orgulho mulheril incensam: O forte sexo para si reserva De Febo os louros, de Mavorte as palmas. Em carros triunfais nunca viu Roma Matrona ilustre de Cesrea casa: Ss dentre a chusma mulheril as Musas sombra dormem de Apolneos louros; Ao sexo lindo s agradam mirtos, Verdes arbustos, que cultiva Vnus. S dentre a chusma varonil Cupido Da Cpria deusa pode entrar no templo: A porta guardam Frias irritadas, Que em vez de lanas arrepelam serpes, Com dente venenoso rasgam, mordem Alheio sexo, que arrost-las ousa. Posto que fosse lindo o amor de Vnus, Morreu da sua mordedura Adnis; Provando a fria da raivosa Aleto, Foi convertido em tenra flor Narciso. VII Mas onde corre meu batel ligeiro! Ferrando a vela para trs voltemos. Mancebos, que me ouvis, sabei somente Que neste lao se surpreendem todas. Se acaso entrasse nesta rede de ouro Lucrcia mesma ficaria presa; No seria Penlope to casta, Se os seus amantes lhe chamassem bela. Esta glria somente querem todas, Com fervoroso ardor todas a buscam; Nem sobre as margens do Eufrates Csar Mais pela glria marcial suspira. Apraz a Vnus variar de forma, Tambm Cupido de ser vrio gosta; Um gesto sempre doce se aborrece, s vezes vale muito um desagrado. VIII De teu rival, mancebo, nota o modo,

E tu sempre diverso modo segue: No basta ter somente amante novo, tambm necessria nova forma, Se ele inquieto namora, tu sisudo, Se indecente se mostra, tu modesto; Se triste se apresenta, tu alegre; Se acanhado se mostra, tu mais livre, Mas toma sempre virtuoso gesto, S lhe parea teu amor fraqueza. No h no mundo to lascivo monstro Que a virtude no preze mais que o vcio: E julga sempre a feminina turba Deles alheio quem se mostra casto: A flama do Cime tambm queima. E torna brandas mulheris entranhas; Nem vbora raivosa, que pisada Do vago caminhante se exaspera, Nem besta furiosa, em cujas fauces O nu selvagem crava a seta aguda, Mais iradas se acendem, do que a turba, Quando ciosa se exaspera, e arde. O cime foi ferro, a cujo golpe Banhou seu sangue, oh forte Pirro, as aras, Foi ele a chama, que abrasou Semele: Em feroz urso transformou Calixto; (Eu mesmo, eu mesmo. . . Mas a dor me impede, Tu, soberbo rapaz da Idlia, o dize! Ah! formosa Corina! No te engano, S me abrazo por ti, s por ti morro!. ..) Porm sulquemos novos mares, fuja Nosso veloz batel longe da praia. IX Mancebo, deixa o teu rival; s cuida Em combater da bela Tirse o peito. Do teatro se corre o largo pano, Aberta a cena principia o drama. Temerrio, no deves ver tranquilo Da pea teatral o sbio jogo: Cupido rapaz, no tem sossego, No perde a ocasio o que amor busca; Para os olhos de Tirse te encaminha, Neles a cena figurada nota; Se por acaso lgrimas derrama Tu de pranto tambm as faces banha: Finge ao menos secar com alvo leno O terno pranto, que verter no podes; Se irritada parece, toma fogo, Se com assombro pasma, tu te assombra.

X Mas que novo segredo Amor me inspira! Que sbias regras, que preceitos novos! Filho de Vnus, e de Marte filho, De teus altos mistrios serei vate! Forma novos orculos em Cipro; Por eles tenha esquecimento Delfos. Namorado mancebo, Amor te fala, Ouve com filial respeito as vozes. Posto que tu na cena Dris ouas, Altos prodgios, maravilhas novas, A voz soltando bela, e sonorosa Com que suspenda sibilantes ventos, No pasmes, nunca chores, ser no queiras Ru desditoso de to negro crime; Cheia Tirse de inveja, no perdoa, Mais depressa seria o mar estvel. A nao feminil sustenta sempre Entre si crua sanguinosa guerra; Inda no bero brandamente dorme, Inda co leite maternal se nutre, J da cova sombria o negro monstro Que come verdes enroscadas serpes. Salta com venenosa lngua, e lambe Seu terno peito, seu formoso rosto; Na boca lhe vomita cru veneno, Que para o brando corao lhe corre, E nas veias sutis introduzido, Co rubro sangue lhe circula, e pulsa; No s famlias com famlias rompem A paz benigna, que na terra expira; Entre as mesmas irms se acende a guerra, Por isso hoje negro seixo Aglaura. At nos cus o vago monstro gira, Minerva, e Juno fez rivais de Vnus; No caram Troianos altos muros, S porque Pris foi roubar Helena! Mil adlteros tinham sem castigo Furtado esposas, maculado leitos; No pomo da Discrdia veio envolta A fasca fatal, que abrasou Troia. XI Contudo, posto que raivosas todas Entre si mutuamente se enfuream, Mancebo, no presumas que sem pena Vejam de amor qualquer irm queixosa. No houve ninfa nos Tesslios campos

Que no movessem tristes queixas dEco; S Lirope v com dor Narciso, Em branca flor Narciso as ninfas gostam: Quando o monstro voraz, que sai dos mares S contra o filho de Teseu famoso, Quando os frises medrosos se perturbam, Ligeiros se embaraam, quebram rdeas, Hiplito gentil por terra lanam, Raivosos seu formoso corpo pisam; A crua turba mulheril de Atenas Festivos gritos para o cu levanta, As tranas orna de jasmins e rosas, Vai dar a Vnus no seu templo as graas. XII Oh vs, monstros cruis, gerao dura! Malignas Frias com formoso aspecto! Sacerdote de Amor, agora o digo, Hoje se saiba como sois geradas. Supremo Jove, que tirou do caos A bruta massa, de que o mundo feito, Quando os homens formou, disse-lhes logo: De nova espcie produzi sementes; Exista um novo sexo, em cujo seio O nativo calor as desenvolva: Formoso, que a prazeres vos excite, Maligno, que a um cego amor vos leve; Os membros todos de seu corpo forme Formosa Vnus em Citera, ou Cipro, s Frias fique reservado o peito. Mancebos!... Eis aqui por quem Cupido Em sutis redes vos enleia todos: Mas no vos tinja rubro pejo as faces; At por elas foi novilho Jove. Se tecido seu peito nos infernos formado no cu sua cintura: Hiplito, Narciso lies sejam. Com eles aprendei a no ser duros. Posto que incestuosa chama queime, Devore o falso corao de Fedra, Mostrai por ela que sentis ternura: Acompanhe seu pranto o pranto vosso. To felizes agouros vendo Tirse, De vosso peito cego amor espera. XIII Longo tempo Trito ardeu nos mares Por Tisbe de Nereu cerlea filha;

Dos seus amores rindo a esquiva ninfa Melhor ouvia o murmurar das ondas: Bem como de voraz golfinho foge Turba medrosa de midos peixes, Do mancebo Trito cruel fugia Assim nos reinos de Netuno Tisbe. Eis que um dia Proteu, pastor que guarda Das guas o martimo rebanho, Cuja molhada fronte cingem moles E verdenegros juncos, que o mar cria; Em trmulo penhasco, e ondeando enfeitam A leve coma paludosos ramos, Atrs do gado nadador cantava: Ah! msero Trito, se queres Tisbe, Em leve p mudada Troia vinga. Os eternos orculos no mentem, Deixou de ser esquiva a loura Tisbe. Quando Girce nas praias se queixava Do fugitivo, do perjuro Ulisses; Trito da sua dor enternecido Vingana lhe promete, chama os ventos, Do sagrado Oceano agita as ondas, No fundo seio as gregas naus soobra, Mais preciso no foi, Tisbe se rende, Do louco amante para os braos corre. Mil beijos lhe recebe, e mil lhe imprime. . . Deveis, mancebos, presumir o resto; Em breve tempo todo o mar povoam Filhinhos de Trito, de Nereu netos. XIV Eis em resumo as regras necessrias, Afim de conseguir femneo afeto: Delas aprendereis, destros mancebos, A serdes cautos, prevenindo os laos Armados por Amor inexperincia; Pendurando assim trofus inmeros Ao carro triunfal da vossa glria.

CARTAS DE OLINDA A ALZIRAEPSTOLA I OLINDA A ALZIRA Que estranha agitao no sinto nalma Depois que te perdi, querida Alzira!

De meus olhos fugiu, sumiu-se o fogo, Que a tua companhia incendiava! Por uma vez se foi a minha alegria, Nem a mesma j sou, que outrora hei sido! Minhas vistas ao cu lnguidas se erguem, E a mim prpria pergunto donde venha To novo sentimento assoberbar-me? No se aquieta o corao no peito, No cabe nele, e viva chama no ntimo Das entranhas ardente me devora, Sem que eu possa atinar a causa, a origem. Aqueles passatempos, que na infncia To do peito queria, em dio os tenho. Das mesmas suprioras a presena, Que dantes para mim era indifrente, Se me torna hoje dura, intolervel! Aonde, aonde iro estes impulsos Precipitar a malfadada Olinda? Ser, querida Alzira, a tua ausncia, Que me faz derramar to agro pranto? Debalde a largos passos solitria Vago sem norte: ignoro o que procuro; Ah! minha cara! os males que tolero Express-los no posso, nem sofr-los.

EPISTOLA II ALZIRA A OLINDA Conheo de teus males a veemncia, Prezada Olinda! Eu prpria os hei sofrido, Quando da mesma idade que hoje contas Prvida a Natureza comeava A preencher em mim seus fins sagrados. Marcha ela por graus em suas obras; Procede ao fruto a flor j matizada, Que fora antes de flor boto mimoso. Assim a sbia mo da Natureza, A passos insensveis caminhando Maravilhas em ns produz, que assombram. Somos na infncia apenas um bosquejo Do que nos cumpre ser anos mais tarde. Naquela idade a Natureza atenta Em conservar-nos s, no desenvolve Sentimentos, que ento suprfluos foram: Inativas nos tem, e nos conserva, Bem como as plantas no gelado inverno. Porm depois que o sol da primavera

Fecundos raios sobre ns dardeja, Ento de novas formas animado Pula nas veias afogueado sangue, E sem perder da infncia os atrativos Da puberdade o lustre desfrutamos. Ento sentimos comoes inslitas, Que origem so dos males, que te oprimem: Do amor, que te domina, melanclico; Da forte agitao, que em ti presentes. Mas tem tudo remdio; eu hei-de dar-to, Feliz sers, se o trilho me seguires.

EPISTOLA III OLINDA A ALZIRA Quanto gratas me so as tuas letras, Querida Alzira! Ao corao me falas! As tuas expresses meigas ocultam Em si virtude tal, que apenas lidas Delas a alma se apossa sequiosa: Tu s, prezada amiga, nico arquivo Aonde os meus segredos mais ocultos Eu vou depositar: em ti encontro O refrigrio a males, que tolero, Sem poder conhecer a sua origem. Se bem me lembro, outrora de ti mesma Ouvi iguais queixumes, no sabendo Nem eu, nem tu, donde eles procediam. Uniu-te a sorte a Alcino, e venturosa Sempre te ouvi chamar desde esse tempo. Cessaram os teus males, eu os sinto... A idade (dizes tu) a causa deles; Ah! Que estranha linguagem! No concebo Porque falas assim; pois traz a idade Males, nos tenros anos no provados? Trs lustres conto apenas: tu trs lustros Antes de te esposar tambm contavas; Ps o consrcio a teus lamentos termo, Limitar os meus? Ah! dize, dize Tu, que desassossego igual sofreste, O seu motivo, e como o apaziguaste; Revela tua amiga este mistrio Donde sinto perder o meu repouso. Eu no exprimentava o que exprimento: Os meus sentidos todos alterados Uma viva emoo pe em desordem. Cala-me ativo fogo nas entranhas:

O corao no peito turbulento Pula, bate, com nsia estranhamente: O sangue, pelas veias abrasado Parece que me queima as carnes todas: A tais agitaes languidez terna Sucede, que a meus olhos pranto arranca, E o corao desassombrar parece Do peso da voraz melancolia. T mesmo a natureza tem mudado A configurao, que eu dantes tinha: Vo-se aumentando os peitos, e tomando Uma redonda forma, como aqueles Que servem de nutrir-nos l na infncia. Doutros sinais o corpo se matiza Antes desconhecidos: alvos membros, Lisos tqui, macula um brando pelo, Como o buo ao mancebo, ave a penugem. Sobressalta-me dhomens a presena, Eles, a quem t agora indiferente Tenho com afouteza sempre olhado! Ao v-los o rubor me sobe ao rosto, A voz me treme, e articular no posso Sons, que emperrada a lngua no exprime. Sinto desejos, que expressar me custa; Amor. . . E como a ideia tal me arrojo ? Ser talvez amor isto que eu sinto ? J tenho lido efeitos de seus danos; Mas esses, que o seu jugo suportaram, Tinham com quem seu peso repartissem, Tinham a quem chamavam doce objeto. Quem a seu mal remdio sugerisse, Isto era amor; mas eu amor no sinto: A doce inclinao, que dous amantes Um ao outro consagram, desconheo. Sim: dos homens a vista lisonjeira para mim; nenhum porm me prende; No sei se chama interna me afogueia. . . Amor isto ser ? Alzira, fala, Fala com candidez tua amiga; Ensina-me a curar a funda chaga, Que internamente lavra por mim toda. Destas agitaes, que me flagelam, Mostra-me a causa, mostra-me o remdio: Tu tiveste-as tambm, j no te avexam. Mostra-me por que modo as terminaste. Talvez do que te digo fars mofa... Ah! v que por meus lbios a inocncia Contigo quem se exprime; tem d dela, E se os meus sentimentos so culpveis, Dize-mo, que abafados em meu peito

Serei vtima deles; se extingui-los Os meus esforos todos no puderem, Comigo ho de morrer, findar comigo.

EPSTOLA IV ALZIRA A OLINDA Com que satisfao, com que alegria Vejo da minha Olinda as ternas letras! Retrato da inocncia, me afiguras O que por mim passou, estranho efeito De um corao sensvel, no manchado Ainda pela mo da iniquidade. Fala, no temas exprimir-te, Olinda, Que se culpvel fores de outrem aos olhos, Aos meus s inocente, e assim te julgo. Da inviolvel lei da Natureza A que sujeita ests, bem como tudo, Nascem, querida amiga, os teus transportes: S provm dela, ela que tos causa; Ela os mitigar em tempo breve, Dando-te prvida um remdio ativo. A triste educao, que ambas tivemos, Mais desenvolve os ternos sentimentos Dos que amar s procuram, e no podem Na solido seno atormentar-se. Do recato das filhas temerosos Pensam os rudes pais, que em sope-las Alcanam extinguir o voraz fogo Que sopra a Natureza, e que ela ateia. Nscios, de amor lhe formam atentados. Que o corao desmente, e que no pode Saber justificar a razo mesma. Benignas emoes chamam flagcios, Que infernais penas castigar costumam: Sem que atinem o modo por que devam Torn-las puras, e do crime alheias, Porque do crime o amor no difrenciam, Amor e crime o mesmo lhes figuram. Ah! que de um pai o emprego no tolera Mximas impostoras, vis ideias Que religio no sofre, e que forcejam Para coa religio autoriz-las. Saiba-se pois t onde o culto, a honra De um Deus se estende, e quais limites devem Marcar-se s impresses da natureza: Era vez de aferrolhar as tristes filhas,

Busquem mostrar-lhes da virtude a senda, Do vcio a estrada com desvelo atento. Pois que impureza e amor um rumo seguem Consiste o mal ou o bem na escolha deste. Sim, cara Olinda: como tu, eu prpria Falta da sociedade, porque nela Viam meus pais o escolho da inocncia, As mesmas emoes senti outrora; Nos ternos anos teus ento zombavas Do que nem mesmo decifrar podias. Quantas vezes meu corao s claras Te descobri, querida; e quantas vezes O meu desassossego no provando, Rias dos sentimentos, que em minhalma Entranhados estavam, sem que a causa Deles jamais me fosse conhecida? Agora os exprimentas, crs agora O que falso julgaras, verdadeiro!. . . A Natureza em ti o germe lana, Que a ajud-la te incita: Amor te inflama, Porque sensvel s; e bem que hesites Sobre o objeto, que deve contentar-te, Ela to mostrar em tempo breve. No te assustem do seu domnio as foras, Porque do jugo seu o peso leve. No mais sofres frvidos desejos, Que o corao te anseiam, e bem podem A languidez eterna vtimar-te, Se de amor o remdio os no sacia. Atenta sobre mil louos mancebos, Cheios de encantos: olha-os indulgente, E dentre eles escolhe um, cujo peito To dcil como o teu seja formado. Olinda, ama; conhece que delcias Amor encerra, amor, alma de tudo; Amor, que tudo alenta, e que s causa Os gostos de uma vida abreviada. Se contra amor ditames escutaste, Que seus efeitos pintam horrorosos. No ds credito a mximas fingidas, Que a lngua exprime, e o corao reprova: Que mal provm aos homens, de que unidos Dous amantes se jurem f, constncia? Que um ao outro se entreguem, e obedeam Da Natureza s impresses sagradas ? Rouba a virtude acaso a paixo doce Que beijos mil s farta, e que s pode Nos braos de um amante saciar-se?... No, amor a virtude fortifica: Mais a piedade sobre as desventuras

Que os outros sofrem, mais a humanidade Em ns se aumenta, quando mais amamos, Se desde o bero em ns fora indizvel - Sentimentos de amor vai radicando; Se, mal balbuciamos, quanto vemos A falarmos de amor nos estimula; Se a idade vai crescendo, e a natureza Nossas feies altera, assinalando Com marcas bem sensveis, que chegamos Ao prazo, em que lei sua amar por fora, Ou desnegar ento nossa existncia: Se tudo a amar convida, e nos impele, Quem ousa amor chamar crime execrando?. Ah! deixa, Olinda, deixa que alardeiem Virtude austera hipcritas infames: Sabe que, enquanto amor horrvel pintam, Enquanto aos olhos teus assim o afeiam, De uma amante venal nos torpes braos Vo esconder transportes, que os devoram, E, por castigo seu, somente gozam Emprestadas carcias, vis afagos. Mas quando assim os homens dissimulam, Para dissimulares te do direito: Finge, como eles; ama e lho disfara; Que mais um gosto amar s escondidas. Afeta, embora, afeta sisudeza J que afetar te obrigam, e em segredo De instantes enfadonhos te indeniza; Zomba dos seus ardis e estratagemas: Dize, entre os braos de um amante caro, Que mais crdulos so, do que te julgam, Se creem nos laos seus aprisionar-te. Se os deleites de amor so s delitos Quando sabidos so, com vu mui denso A perspicazes olhos os encobre: Vinga-te desses, que abafar procuram As doces emoes, que nalma sentes. So estes os conselhos de uma amiga Que os bens te anela, que ela saboreia, Sabe, por fim, que quanto mais retardas To ditosos momentos, sem goz-los; Quanto mais tempo perdes ociosa Sem s vozes de amor ser resignada, Tanto mais tempo tens de lastimar-te, Por no t-lo em amar aproveitado.

EPSTOLA V OLINDA A ALZIRA Alzira, sou feliz!... Quanto te devo!... Das tuas instrues tal o fruto. Quanto encarava em torno era a meus olhos De lgubres ideias feio quadro: Tudo o vejo agora alegres, vivas, Imagens prazenteiras, me suscita. Os ternos sentimentos, que provava, Mil vezes combinado com ditames Que desde a infncia sempre minspiraram: Mil vezes refletia que dos homens, Ou de um tirano Deus era ludbrio: Conceber no podia que existisse Para experimentar contnua luta Entre impresses da prpria natureza, E princpios chamados da virtude. No plago de embates to terrveis Flutuando implorei o teu auxlio; Meu corao te abri: e tu leste nele O que eu nem mesma deslindar sabia. Tu me ensinaste a ver quanto fingidos Os homens so, nas vozes, e nos gestos: Rasgaste aos olhos meus mscara infame Com que teem de uso todos encobrir-se; Das bordas me salvaste de um abismo, Onde a infeliz Olinda ia arrojar-se. Perdoa, Deus imenso! Eu blasfemava Contra a tua justia; eu te supunha Autor do mal, que os homens maquinavam: Cria-te inconsequente e despiedado, Pois sentimentos me imprimiras nalma Que s tuas leis contrrias me pintavam!... Tu foste, Alzira, foste a que lanaste Um brilhante claro ante os meus passos. . . Finalmente aprendi que a singeleza Do mundo era banida, e o seu imprio Os homens tinham dado hipocrisia, Ruins!... Amor por crime afiguraram, E nem um s de amor vivia isento!... Para eles no crime um crime oculto, Porque a simulao reina em sua alma, Porque o remorso abafam em seu peito. Amor um crime!... Os gostos mais completos, E os mais puros deleites o acompanham: Se a ventura maior se une ao delito, Quem h que se no diga delinquente? Dentre as delcias que gozei, querida,

Com as tuas lies fugiu o crime. Eu no senti no corao bradar-me A voz desse pesar, sequaz da culpa: No meio dos prazeres, que gostava, Graas rendi a um Deus que mos concede: Se ele troveja sobre os criminosos, Nunca os seus raios menos me assustaram!... Um amante acabou o que encetaste: Ele cujo olhar meigo me assegura As doces qualidades, que o adornam, Afastou-me do esprito receios. Que de mau grado combatia ainda. Reinava em seus discursos a franqueza, E o fogo que brilhava nos seus olhos. Que o rosto lhe incendia, em seus transportes Que eram nascidos dalma, me dizia: O labu da impostura o no denigre; No como o dos outros seu carter; Ingnuo, afavel, ah! prezada Alzira! Se to amvel o teu Alcino, Ningum como eu e tu to ditoso!... Pouco preciso foi para vencer-me: No teve que impugnar loucos caprichos, Com que ufanas amantes dificultam O mtuo galardo, que amor exige: Se amor ambos intressa, e ambos colhemos Seus mimosos favores, porque causa Havia de indifrena dar indcios. Quando o meu peito, ansioso, palpitava? Se eu o levava da ventura ao cume, No me dava ele a mo para segui-lo? Sim; nos seus braos me arrojei sem custo E se o pudor as faces me tingia, Inda as chamas damor mais me abrasavam. Eu nadava em desejos indizveis; E quantos beijos recebia, tantos Cheios de igual fervor lhe compensava: Seus lbios inflamados ateavam As doces labaredas, em que ardia; E meus lbios, aos lbios seus unidos, Sensaes recebiam deleitosas. Que me filtravam pelo corpo todo... To grandes emoes exprimentava, Que a tanto gosto eu mesma sucumbia! Presa a voz na garganta, no sabendo Nem j podendo articular palavra, Respirando ansiada, e com veemncia, Os meus sentidos todos confundidos, Sem nada ouvir, nem ver, apenas dando Sinais de vida, de prazer morria.

Exceto o meu amante, em tais momentos Longe da ideia tinha o mundo inteiro: O mundo inteiro ento foras no tinha Para do meu amante desprender-me. Debalde ante meus passos furibundo Monstro espantoso vira: em vo lanara Do aberto seio a terra ondas de fogo; Em vo coriscos mil o cu vibrara; Dos braos do amante em tais momentos Nada, nada podia arrebatar-me. Oh quem poder, Alzira, descrever-te Que xtase divinal veio pr termo A tais instantes de suaves gostos!... Isto pode sentir-se, e no dizer-se... Agora, e s agora me parece Que comeo a existir: reproduziu-se Uma total mudana na minha alma. O mundo para mim j tem encantos; Sob outras cores vejo mil objetos, Que a fantasia me pintam tristonhos: Propcio Amor abriu-me os seus tesouros, A Natureza seus tesouros me abre: Tudo te devo, amiga; em todo o tempo A teus doces conselhos serei grata: Oxal ditas tantas saboreies Quantas por ti, querida, eu prpria gozo! Oxal sintas com Alcino os gostos, Que exprimento, de um amante ao lado! Nem ventura maior posso augurar-te, Porque maior ventura haver no pode.

EPSTOLA VI ALZIRA A OLINDA A temerosa Olinda quem me escreve? este o seu pudor, sua inocncia ? Ah! Que as minhas lies to bem aceitas, Do-me a ver que a discpula inexperta H de em breve ensinar a prpria mestra. Olinda no sabia o que excitava Dentro em seu corao ternos impulsos, Que tanto a angustiavam... No sabia Qual destranha mudanas em suas formas, Em seus membros gentis a causa fosse! A voluptuosa Olinda, devorada Do mais ativo fogo, ingenuamente Consulta a sua amiga, e a um leve aceno

Corre a engolfar-se na amorosa lida. Basta um momento a transtorn-la toda! E por que de to prspero sucesso Pretendes tu, querida, dar-me a glria? No, no fui eu: somente a natureza Sabe fazer to sbitos prodgios: Como depressa ao mal, que te inquietava, Prvida sugeriu remdio ativo! Como de uma boal, incauta virgem Uma amante formou to extremosa! A agradvel pintura, que bosquejas, Dos frvidos transportes, que sentiste Entre os braos do amante afortunado, No , querida Olinda, to sincera, Como sincera foi a que traaste De ignotas emoes a Amor sujeitas. J no te exprimes com igual candura: Filha da reflexo nova linguagem, Por artificio mascarada em letras, Vejo, que anunciar-me antes procura Aps do que se h feito o que se pensa, Do que por gradaes dao o intresse Pouco a pouco esmiuar, dar-me a ver todo. Rasga o pudico vu, com que debalde Aos olhos de uma amiga esconder buscas Voluptuosas traas, que transluzem Nas tuas expresses; quando inocente Menos recato nelas inculcavas, Eu lia com prazer dentro em tua alma Os sentimentos, que a afetavam todos. Tenho direito agora a exigir-te A ingnua confisso desses momentos Preldios do prazer, em que te engolfas. Quero saber porque impensados lances Dum amante nos braos te arrojaste; Como o pudor fugiu, e o que sentiste Quando abrasada em frvidos desejos Misturados com dor indefinvel, De amor colhestes atnita as primcias, E provaste entre gostos e agonias O que uma vez, no mais, pode provar-se; Tens um amante; eu sou a tua amiga; Ele te d prazer, dela o confia: Gasta os momentos, que gozar no podes, Do gozo em recordar puras delcias: Nem todo o tempo a amor pode ser dado. A mor ventura, que o mortal encontra, Seja embora infeliz, ou desgraado, lembrar-se que foi j venturoso; E o no desesperar de s-lo ainda,

Um termo aos males seus pe muitas vezes. Alzira foi do teu prazer motora, A gratido te obriga a dar-lhe a paga. E nobre o meu intresse, e no mesquinho; Pago-me descutar as tuas ditas, E cedendo a meus rogos falso pejo. Saiba eu teus momentos deleitosos. Mas v que o sacrifcio, que te peo, Eu prpria generosa abro primeiro: Primeiro eu quero tmidos receios Calcar aos olhos teus; entra em mim mesma. V como reina Amor dentro em minhalma! Como s ele faz meus gostos todos! Chamem embora apticos estoicos Ardores sensuais os que me inflamam: Chamem-me torpe, chamem-me impudica; Tais vilipndios valem o que eu gozo: Venha a ranosa, v teologia Crimes fingir, criar eternos fogos, Eu desafio os seus sequazes todos, Eu desafio o Deus, que eles trovejam!. .. Nos mais puros deleites embebida, Bem os posso arrostar, posso aterr-los! No estremeas, no, amada Olinda; Longe do Fanatismo a turma odiosa, Que infames leis, infames prejuzos, Quais cabeas fatais dhidra indomvel Para o mundo assolar tem rebentado: No h para os cristos um Deus diferente Do que os gentios tm, e os muulmanos: Dogmas de bonzos so condignos filhos Da fraude vil, da estpida ignorncia, Da opressora poltica produtos. O que Razo desnega, no existe: Se existe um Deus, a Natureza o oferece: Tudo o que contra ela, ofend-lo. A slida moral no necessita De apoios vos: seu trono assenta em bases Que firmam a Razo e a Natureza. Outra vez eu farei que estes ditames Com seguros princpios sustentados, Destruam tua crdula impercia; Abafando iluses, que desde a infncia Te lanaram na mente inculta e frouxa, Que Frias tem, que tem Drages e Larvas, Para os gostos da vida atassalhar-te. Para a remorsos vis dar existncia. Por ora segue o culto, que te apontam As emoes da prpria Natureza: S religiosa e firme em pratic-las.

O meu Alcino, a quem eu devo tudo, Num momento desfez o que em trs lustros Nscios pais procuraram sugerir-me. Por hbito adotei de uns a doutrina, Por gosto doutro as mximas sem custo Dentro em meu terno peito radicaram. Tu sabes, minha Olinda, quo perplexa Minha alma balanava entre os combates: Que a rude educao, que recebera, Dentro em mim mesma opunha sentimentos Cujo estranho poder toda me enleava. Foi neste estado de incerteza, e inrcia, Que Alcino desposei: oculta fora Me impelia a ador-lo: no sabendo De deleites que fonte inexaurvel Se ia abrir para mim entre seus braos. Do dia nupcial todo o aparato Olhava como um sonho!... impossvel A estupidez, o pasmo em que me via Traar aos olhos teus; lembra-me apenas A inquietao dAlcino em todo o dia, E a avidez de prazer, em que enlevado, Terminado o festim, j nalta noute Ao trono nupcial foi conduzir-me. Ficamos ss: eu tmida, agitada, Em sossobro cruel (qual branda pomba. Que ao tiro assustador voa e revoa. Aqui, e ali mal pousa, se levanta Sem guarida encontrar, que ao prigo a salve) Palpitava, tremia, e de meus olhos Corria em fio inespontneo pranto. Eu sentia no rosto, e em todo o corpo Espalhar-se o rubor, que gera o sangue, Pelo fogo, que toda me abrasava. No sei que meigos termos neste tempo Soltava Alcino; eu nada percebia; Porm vi que a meus ps, banhado em gosto, Chorando de prazer, splices votos, Ardentes expresses balbuciava: Pelo meio do corpo com seus braos Cingindo-me ansioso, sobre o leito Me foi enfim lanar. Quando eu ardia Em chamas de pudor, o mesmo incndio Davam a Alcino sfregos transportes: Suas trementes mos me despojavam Dos nupciais ornatos, e seus beijos Convulsivos esforos, que lhe opunha, Pagavam com furor; suas carcias Amiudando afouto, e temerrio. Irosa quis mostrar-me; mas os fogos

Qne o pejo tinha aceso, ento tomando Mais ativo calor, porm mais doce; Minhas repulsas, de ternura cheias, A maiores arrojos o excitaram; Menos tmido, quanto eu mais irada, Meus olhos, minhas faces, e meu seio Beijava Alcino: Eu lnguida fitando Nele amorosas vistas, reclinei-me Sem resistir-Ihe mais, sobre o seu colo: Importunos vestidos, que estorvavam Seus inflamados beios de tocarem Ocultos atrativos... longe arroja. Ento aos olhos seus (tu bem o sabes, Quando outrora passvamos unidas Em inocentes brincos... feliz tempo!) Meus peitos, cuja alvura terminavam Preciosos rubis, patentes foram. Ao voluptuoso tato palpitante Mais, e mais se arrijaram, de maneira Que os lbios no podiam comprimi-los. Meus braos nus, meu colo, eu toda estava Coberta de sinais de ardentes beijos. Os leves trajos, que ainda conservava, Em vo eu quis suster: rpido impulso Guiava Alcino: dHrcules as foras Ali vencera... As minhas que fariam ? Coas foras o pudor desfalecido Deixei fartar seus olhos, e seus gestos. Que lindos membros!... Que divinais formas!... (De quando em quando exttico dizia) Ah! que mimosos ps!... Oh cu!... que encantos!... Que graas aparecem espalhadas! Que tesouros de amor sobre estas bases!... Oh que prazer! que vistas deleitosas!... Alzira, eu vejo em ti uma deidade! Deixa imprimir meus sculos aonde Entre fios sutis se esconde o ncar!... Deixa esgotar a fonte das delcias!... Ah! deixa-me expirar aqui de gosto!... No mais rubor, Alzira, no mais pejo!... Eram brasas, que as carnes me queimavam, Seus dedos, os seus beios, sua lngua! Sim; sua lngua, bem como um corisco, Abriu rpida entrada, onde engolfadas Todas as sensaes lutavam juntas: Pela primeira vez dentro em mim mesma Senti gerar-se sbita mudana, Com que de envolta mil deleites vinham. Comunicou-me sua raiva Alcino,

E na lasciva ao, que prosseguia, Tal intresse me fez tomar, que eu prpria A seus intentos me prestei de todo. Entre incessantes gostos doces gotas Brotavam sobre os toques impudicos: Mas quando, ao crebo impulso, extasiada Cheguei ao cume do prazer celeste, Ardente emanao de ntimos membros, Que eletrizavam fogos insofrveis, Inundou o instrumento das delcias, Como se ao crime seu vibrassem pena, Ou antes dessem prmio: afadigado Na maior languidez, quase em delquio, Alcino veio ao meu unir seu rosto. Neste instante, eu no sei que desejava; Sei que o primeiro ensaio dos prazeres Em vez de sufocar ativas chamas, Centelhas transformou em labaredas, Infundiu-lhes vigor inextinguvel. A ardncia dos desejos combatia Receio oculo, sem nascer do pejo. Num volver dolhos se despiu Alcino, E deu-me nu a ver quo bem talhado Dombros, e lados com feies formosas Seu corpo era gentil: vlidos membros Cobria fina pele; era robusto, E delicado a um tempo; esbelto, airoso, Medocre estatura, olhos rasgados. Mimosas faces, rubicundos beios, Cheio de carnes, sem que fosse obeso. Igual nas propores... Eis um mancebo Digno de a Marte, e a Adnis antepor-se, No tendo de um a rude valentia, Nem tendo doutro a feminil brandura. Ento lancei curiosa vidas vistas Sobre ignotas feies: fiquei pasmada Ao ver do sexo as distintivas formas Dobrando a extenso: dobrou meu susto, Mormente quando, desviando Alcino Meus ps unidos, entre meus joelhos Seus joelhos encravou, e com seus dedos Procurou dividir da estreita fenda Pequenos fechos, sobre as quais, de chofre, Assestou o canho, que me assustava. Ao medo sucedeu uma dor viva, Como se agudo ferro me cravassem... Alcino impetuoso ia rompendo A tnue fenda... Em vo, com mil gemidos Em pranto debulhada, eu lhe pedia Que no contiauasse a atormentar-me:

O cruel, minhas lgrimas bebendo, Respirando com nsia, e furibundo, Com a boca colada sobre a minha, Meus gritos abafando, me rasgava: Mais internos pruridos flagelavam Intatos membros, mais ardor veemente Abrange a todos do que os outros sofrem. Copioso suor ardente, e frio O cansao dAlcino, a aflio minha, Inculcavam assaz, que eram baldados Seus esforos cruis para romper-me: To rdua intromisso debalde havia A custo do meu sangue repetido. Se enorme corpo diminuta porta Deve transpor, carece de abater-lhe Antes dentrar, umbrais a que se encosta. A violenta frico traiu Alcino, E o membro, que tentava traspassar-me, Da prpria sanha aos mpetos rendido, Sucumbiu, espumando horrendamente. Da eltrica matria nas entranhas Caram-me fascas derretidas; Um vulco se ateou dentro em mim toda, O insofrvel ardor, que me infundiu Lquido tiro, ao centro j chegado Por onde apenas o expugnado forte Da inimiga irrupo indefensvel, Podia receber patente dano, Tais estragos causou, que mais valera A entrada franquear ao sitiante. J dor no conhecia: chamejava Meu prprio sangue, com violncia tanta Que lacerar-me as veias parecia. Na estncia do prazer lanara Alcino Do Monte Gibelo as lavas, e extingui-las S torrentes mais fortes poderiam. Improviso calor calou-me o peito: Quisera eu j expr-me aos vivos golpes; Quisera j no meio da carnagem A batalha suster, ganhar a morte, Ou a vitoria, de triunfos cheia. Tardava a meus desejos ver completa DAlcino a empresa; eu mesma o provocara, Se, enfim, refeito da ufanosa esgrima O no visse ameaar um novo assalto. A um resto de temor maldisse afouta, E comigo jurei de no dar mostras De leve dor, bem que me espedaasse. Alcino sotope uma almofada Para o alvo nivelar, e separando

Quanto mais pde ntidas colunas, O edifcio tentou pr em runa. Ao forte insano impulso eu respondendo, (Ah! que o valor cedeu no transe aflito!) O muro se escalou!... Foi tal a fora Da agonia cruel, que esmorecendo Semiviva fiquei: enquanto Alcino Dobrando, e redobrando acerbos golpes, Do reduto de amor o ntimo acesso Penetra entre meus ais, e os meus gemidos. Outra vez atingiu supremo gozo, Gozo celestial, cujos eflvios Um blsamo espargiram deleitvel, Qne sossegou a dor, chamando a vida, Letrgicos alentos me abismaram Dum plago de gostos indizveis; Elevaram-me a um cu dimensas glrias: Encadeei Alcino com meus braos, Enlacei-o com os ps entre as espaldas; Frvidos beijos dando, e recebendo Com frentico ardor, com nsia intensa, Chamando-lhe meu bem, minha alma e vida; Vozes, suspiros confundindo... tanto, Tanto enfim apressei dos hirtos membros Forosa agitao, que num momento Inefveis delcias destilando Alcino em mim, e eu nele ao mesmo tempo. Libamos juntos quanto prazer podem Os mesmos homens figurar deidades... Minha Olinda, que instantes! ... Eu no posso Traar-te a confuso de emoes novas Que no xtase final me transportaram!... Amarga, acerba dor sucumbe ao gozo Da ventura sem par...Vitais alentos. Saborear no podem tantos gostos... preciso morrer entre deleites, E fora melhor no tornar vida, Que conserv-la sem morrer mil vezes. Sete vezes Amor chamando s armas Seus sditos fieis, travou peleja; Sete vezes Amor bradou Vitria! Da indefensa coragem conduzido Morfeu veio croar nossas proezas. Eis de que modo a tua Alzira soube DAmor com as lies sublime voo Erguer afouta sobre o nscio vulgo! Este odeia o prazer por v modstia, E as pudicas vestais, escravas do erro, No cessam dembair-nos, afetando Duma virtude v mmicas formas,

Que o que se anela mais a encobrir foram; Foram em vo, que a Natureza brada, E ao grito seu, queira ou no queira o mundo, Curvo depe fices, da insnia filhas, Tirando abrolhos, que da vida lana Na aprazvel estrada impostor bando. Assim ornei a fronte radiosa De vicejante rama, que decora Vitrias, que do erro heroes alcanam. Toma das minhas mos amada Olinda, Proveitosa lio; tu j comeas Triunfos a ganhar cheios de glria: Dcil tua alma a mprobos ditames, Dcil ser tambm de mais bom grado. s piedosas leis da Natureza: Retrocede, como eu, da inextricvel Sinuosa vereda, onde perdidas Palpamos trevas, tateando abismos; Desaprende a fingir; s quadra ao vcio Acoberta-se com mendaces roupas. A modstia o pudor gera a ignorncia, Ou do mal-feito um sentimento interno; O mais cobardia, ignvia rude, Que s numa alma vil pode arraigar-se. Cabe, a quem soube respirar, vencendo Da impostura as traies, um ar mais puro; Olhar dem torno a si, ver quo distante Pulverulenta jaz infame turba: Cabe ostentar o garbo, e a louania Que espanta o vulgo, impondo-lhe o respeito De que a nobre altivez se faz condigna. Deixa-lhe os modos, toma o que te cumpre, Sincera Olinda, tua amiga imita Eu no coro de dar-me toda a Alcino, Nem eu coro tambm de confess-lo: Instintos naturais se no so crimes, Como crime ser narrar seus gozos?... Se inocente a ao, a voz no peca; Destarte saboreia o que estudaste, E destarte falar, ah! no vaciles!... No te escuse o pensar que igual pintura Objeto igual exige, minha Olinda. No; nos gostos de amor sempre h mudana. Amor sempre varia os seus deleites, Eu mostrei-te o modelo; em mim o encontras: Usa da singeleza que te prpria E abre o teu corao, cheio de gozo, Qual, antes de o provar, ingnua abriste. Se expor da sorte infensa a crueldade D lenitivo ao mal, que se exprimenta,

Sobreleva o prazer extrema dita, Quando de o confiar redunda interesse. Eia, querida! anui aos meus desejos, Rouba um instante a amor, d-o amizade.

EPSTOLA VII OLINDA A ALZIRA Tu no podes saber, querida Alzira, Com que alegria as cobiadas letras Da tua Olinda foram recebidas! No podes saber, nem eu dizer-to. Que pura locuo, que Amor ensina! Quo difrente lnguagem da que falam Os livros, que me d o meu Belino! Neles descubro o sensual estilo Que a modstia revolta, e que no quadra As puras sensaes, que Amor excita. Frase brutal, sem arte e sem melindre, Qual despejada plebe usar costuma; Neles de amor os gostos enxovalha Misterioso vu, que arrancar ousam Com mo profana dante o santurio Que amor encerra, e donde o deus oculto, Manda aos mortais um cento de venturas. Deles o nume foge, e por castigo Leva aps si deleites, que no provam: Em vez de graas mil, de mil prazeres Pripeo tropel impios incensam. D-me tdio a lio de escritos torpes, Onde o prazer fugaz, lassos os membros, Sob mil formas em vo se perpetua Lassos membros, lassos os sentidos, Debalde esgotam, sfregos de gostos, De impudiccia inumerveis gestos. Morre a chama, que amor mtuo no sopra; Como vil a expresso, e vil o gozo Que uma Teresa, que outras tais francesas Em impuros bordis gabar-se ufanam! Foi-me preciso, Alzira, usar do imprio Que a um fraco sexo deleitosos modos, Fagueiros, ternos, emprestar costumam, Para do amante meu obter a custo De obscenas produes o sacrifcio, Que o corao corrompem, e devassam Puros desejos, sentimentos doces. Mostrei-lhe que o prazer esmorecia

De amvel iluso sem os preldios; E que, apesar dos seus vivos protestos, Se os sentidos assaz lisonjeava, Mil emoes gostosas embotando, Impelido a gozar continuamente, Escravo do prazer na sua amante No fartaria hidrpicos desejos: Ardentes Messalinas buscaria, Entre os braos das quais mais fcil era vida termo pr, que saciar-se. Cedeu s minhas splicas, e agora Grato me diz - que se ele da ventura O caminho me abriu, eu nele o guio: Assim, quando os sentidos fatigados De amor se negam esgotar delcias, Man do corao inexaurvel Prolfica virtude, que os alenta. Assim de gostos perenais correntes Franqueia amor a quem o no profana: De Amor os gozos so como o diamante; Que, sem o engaste que tocar-lhe veda Perdera a polidez, perdera o brilho. Ame o lascivo o mau, o torpe o obsceno; Eu em tuas expresses aprendo, Alzira, Como a ternura impera nos sentidos: E dum, e doutro regulando as foras, De amorosos trofus requinta a glria. O sensual atola-se nos vcios, Cujo infesto vapor todo o corria De lanar-lhe no tmulo o esqueleto; Doutra arte aquele, que libar suaviza Nctar; que Amor esparge aos seus validos, Das rugas e das cs no teme o estrago; Que nos ltimos anos pode ainda Em seu transporte Amor beijar na face. Mas que exiges de mim ? Pensas, Alzira Que a rude Olinda como tu descreva A emanao dos gostos, que se provam Quando o primeiro amor os desenvolve Da terna virgem do inocente peito? Reclamas a candura, de que usava Antes de me ilustrar de Amor o facho? Ousas mesmo increpar-me de artifcio, Porque eu no soube delicada teia Urdir aos olhos teus, porque eu no soube As efuses de amor envolver nela, E, qual me envias, dar-te digna oferta? Basta, tu mandas; vou obedecer-te. Tenho ante os olhos instrues sobejas Para pintar o quadro dos deleites

Que de dois entes num absortos brotam. Tu me ds os pincis, o molde, as cores, E no meu corao, prezada amiga, Fecunda o gozo meigos sentimentos, Que s acabaro, se amor acaba!... Que quimricos cus forma a impostura!... Aonde mores delcias se promeltem Que as de um amante, doutro ao lado unido? Eu sonhava iluses, antes que fosse Nos mistrios de amor iniciada. Errava de um em outro labirinto, Donde os conselhos teus, amada Alzira, E amor, dando-me o fio dAriadna Me fizeram sair: deixam-me foras Para abafar o monstro, que meus dias Tinha de funestar com vos temores, Filhos do erro vil, da fraude abortos. Qual vagueia nas trevas sem acordo Perdido o tino, aflito o caminhante, Dalta serra entre as faldas pedregosas, Ou de nvia selva na espessura vasta; Aqui tropea, ali se encontra, e bate, Macera as mos, o rosto, e tenteando Um p lhe escapa, cai, rola-se o triste, E num bratro cr despedaar-se; Eis improvisa luz assoma ao longe; Atenta o infeliz, toma-a por norte, E dos prigos, que o cercam, se v salvo: Tais tuas letras para mim brilharam Na escurido fatal, que me envolvia. No espaou Amor ditoso prazo Para no grmio seu a tua Olinda Benfazejo acolher. Vira eu Belino Passar uma, e mil vezes, atentando Com interesse em mim, atentei nele, Em seu terno olhar, e meigos gestos; Vi que um amante o cu me destinava: Em breve os olhos meus lhe responderam s mudas expresses, que os seus diziam; Em breve as suas cartas, de amor cheias, Fizeram dar igual calor s minhas, Acendendo os meus frvidos transportes. Numa cerrada noute, quando ao sono Estava tudo entregue, Amor velando No meu peito, e no seu, a vez primeira Nos ajuntou em fim: ele exultava De indizvel prazer: eu me sentia Na agitao maior de gosto, e susto. Ao dar-lhe a mo, para o guiar de manso T ao aposento meu, sbito fogo

Calou-me as veias, penetrou-me toda. Mas quando, j fechados um com outro, Vi que seus gestos, mais que suas vozes, Sua ternura ousada me exprimiam, Lembrou-me o prigo, a que me havia exposto; Tarda lembrana, que cedia a embates De ignoto medo, que o rubor gerava! Queria eu impedir-lhe ardentes beijos, Mas vedavam-no as chamas, que acendiam E s primeiras carcias insensvel, Lutando entre o pudor e entre o desejo, Em mil contrrias reflexes absorta, Meu silncio e inao a empresas novas De maior valor, Belino excitaram: Confesso, que deveras quis opor-me A seus intentos no primeiro instante; Porm pouco tardou que abraseada Em chamas voluptuosas, resistindo A seus esforos, mais lhe franqueava Facil acesso a prximos triunfos. Sentado junto a mim, lanando um brao Em redor do meu colo, at cingir-me, E obrigar-me a chegar ao seu meu rosto; Com a mo sobre os peitos inquieta, Que ao crebro palpitar os apressava; E os lbios discorrendo os olhos, faces, T fix-los nos meus, ou por entre eles Confundindo os alentos, lanar chamas Dentro em meu corao, qual facho aceso; A ardente lngua sua unindo minha, Ou, sobre o seio meu calando a boca, Nele impressos deixar seus prprios beios. Com mo mais temerria, do vestido Pela abertura a ocultos atrativos Indo o fogo atear... Ah! que eu no pude Mais resistncia opor a seus desejos! Apenas leve fisga separando Um dedo seu, que um raio parecia, Tocou o stio onde os deleites moram. Sbito, alvorotados uns com outros Travando estranha luta, me levaram Onde, fora de mim, quase sem vida, S quanto ento gozei, gozar podia. Dos membros todos foram engolfar-se As sensaes ali; e s tornaram A ser o que eram, quando ao mesmo tempo Sua potncia intrnseca exalando, Fiquei de todo lnguida e abatida: O perverso Belino atentos olhos Nos meus ento fitando, quis ler neles

De que fices minha alma se ocupava. Foi extremo o rubor, que de improviso Minhas faces tingiu: lancei-lhe os braos, Escondendo meu rosto no seu peito, Por no poder suster-lhe as doces vistas, A minha terna ao atraioou-me; Que o maligno, pegando-me do rosto Com ambas suas mos, mais me encarava; De confusa me ver folga e se ufana, Com beijos mil parece devorar-me; Entre os seus braos mais e mais me aperta, E pouco a pouco sobre mim se inclina; Minha cabea no sof encosta, Meus pendentes ps trava, e os submete Entre os seus mesmos t que, enfim, de todo Senti do corpo seu o peso grato: Meu leito era defronte: mas Belino No largo canap circlo bastante Hbil atleta achou para o combate. Perplexa em mil afetos engolfada, Irada, enternecida, em cruel luta, Meus sentimentos todos labutavam: Um tmido pudor ativos fogos Contrariava em vo, em vo retinha, Ignotos medos, sfregos desejos: Suspensa e curiosa eu esperava Gostosa cena, em que prolixas noutes Pensando o que seria, desprendera. Enquanto desta sorte embelezado Me tinham tais ideias, j Belino No frenesi maior de grau, ou fora, Os meus secretos votos preenchia. Em torno da cintura levantados Meus trajos inferiores, sobre os joelhos Sentindo os de Belino desprendidos, Alargando-me os ps, tomando entre eles Vantajosa atitude a seus projetos, Franqueando coa mo fcil entrada A chamejante lana, que tocava O mesmo stio, que invadira o dedo: Forcejou para ferir-me com seus golpes, Com mpeto tamanho, com tal raiva Que nem dos gritos meus se comovia. Nem podia o meu pranto apied-lo; Co forte impulso as movedias carnes Levava-me s entranhas; da ferida Corria o sangue, mas sem que pudesse Ao ferro assolador achar bainha. Seus dedos sanguinrios finalmente Duma e outra parte com vigor sustendo

Flexveis membros, redobrando as foras De valente impulso, a cruel lana Rompeu cruento ingresso... traspassou-me. Que dor, Alzira!... Dei to alto grito Que Belino depois disse o assustara, Bem que fosse de meus pais distante o quarto. Sem sentidos fiquei, emquanto o amante Os trofeus da vitria recolhia; E s tornei a mim, quando ao meu sangue Suave irrigao veio mesclar-se, A agitaes de gosto a dor cedendo, De gosto inexaurvel, que provara. Num momento apertada com Belino, N ativa sensao toquei com ele A meta das delcias, transportada De muito mais prazer que a dor fora. Neste instante convulsa e delirante, E como se um espasmo suportasse, Inteiriada toda, os meus alentos Senti reconcentrar-se num s ponto. Findava o meu amante, inda eu gozava (Comprimindo-o comigo) altas venturas, De que sedenta ento no poderia Fartar-me assaz: meus braos exauridos, Meu colo, e ps, eu toda fatigada Do veemente tremor, em que lidara, Ca prostrada, quase semimorta. Quando a meus olhos (que caligens densas Tinham coberto) a luz tornou de novo, Volvi-os sobre o amante, de tal sorte Que ao v-lo j suplice o instigava: No ficava ocioso neste tempo, Que no exame gastou do entrado forte, Pasmando dos estragos que fizera, E dos despojos que lucrava alegre. Da mquina, que a praa expugnou firme, A estrutura e altivez eu divisando, Custava-me a atinar como pudera Plantar-se o obelisco no reduto estreito. Belino minhas vistas compreendendo, Fez-me sentir, forando-me a toc-lo, Marmrea rigidez, cor escarlate, Forma e calor de obuz, que disparava. Quando submisso, da peleja lasso, O vi depois sem o estendido conto, Brancas roupas trajava, mais humilde: Mas agora, afrontando, arremessando Monarca ufano, a prpura do colo, Com furor ao combate se aprestava. Reverberou seu fogo em minhas faces,

E a veia e veia delas espalhado De todo o corpo me filtrou os membros. Da lascvia ao pudor jungindo o peso, Fez-me Belino levantar e tendo Ele sentado unidos os joelhos, Sobre eles me sentou, e franco acesso Da lana abrindo ponta, a foi de manso No riste pondo, t que a meio conto Nele embebida, sobre si de todo Levando o peso meu, entrou de modo Que fiquei t s vsceras varada. A introduco to forte pouco afeitos Meus delicados membros se avexaram: Mas curvando-me um pouco, e com justeza, Achei convir ao estojo o instrumento; Cuja palpitao, sem ajustar-nos, Em cadncia recproca aliada. Bastava a provocar gosto indizvel. De modo que sem mais fadiga eu pude, Na grata posio Belino imvel, Atingir o prazer mais saboroso, Nadar em mil deleites engolfada: Aqui, amada Alzira, essa virtude Que apelidam pudor, foi-me odiosa. De seus grilhes liberta, possuda De um vnero furor, impaciente De comprimir a mim o caro amante, Arranquei-me da lbrica atitude, Sobre ele me arrojei, toda ansiosa De me identificar co meu Belino: Estreitada com ele, abandonada De amor raiva, que ambos incendia, Sobre mim o arrastei junto do leito, Onde ao meu peito o seu, aos seus meus lbios, Do corpo os membros todos enlaados Misturando nos sculos o alento, Nos sculos libando doce nctar, Em tal agitao, que aos cus alar-me, E abater-me aos abismos parecia; vida de absorver a grossa lana, De sofrer-lhe a rijeza diamantina, E de arrostar-lhe os golpes incessantes, Sentindo o instante em que violento impulso De celeste efuso marcava o termo. Nas mos, e nos ps ss firmando o corpo, Tanto me impertiguei, que o meu amante Sustive sobre mim, suspenso, enquanto Aos finais paroxismos sucumbindo Ao meu uniu seu ltimo gemido, E dentro das entranhas abrasadas

Lanando-me torrentes dalmo influxo, Submersa me deixou num mar de gozos. Julgas, Alzira, que entre tanto gosto Na assdua compresso me no doam As maceradas melindrosas carnes ? Ah! que esta dor pelo prazer vencida Irritava emoes deliciosas, Sobrelevada s sensaes mais gratas. Qual sequioso cervo, repassado Da calmosa avidez, suaves gotas Rbido anela, e quanto mais sofrida Ardente sede, tanto mais ensopa Uma e outra vez insaciveis fauces: No doutra sorte flagelados membros Da dor pungidos de cruis combates, Balsmica emoo consoladora Com avidez secavam insofridos: A aluvio prolfica eu sentia, Pruridos divinais e estremecendo A melflua impresso, perenais gozos Bastante tempo aps gozava ainda. Neste instante expirou dentro em minhalma Temor nefando, que imolava ao culto. Nova moral raiou de Olinda aos olhos; Eu tive em pouco rspidos preceitos, Ameaas cruis, com que ralavam Meus anos infantis. Doeu-me, Alzira, De ver tanta beleza definhada Da hipocrisia vtimas infaustas; Aponta a idade, em que damor foroso As delcias gozar; em que almo vioso Como nas plantas, nelas assinalam: Grata reproduo consigo abafam, Envenena-se o germe da natura, Infeco purulenta as vai minando, Que seus dias termina, ou os condena A lnguida existncia: abate o corpo, Abate o esprito corrudo o alento. Inovamos a ao, eu e Belino, De iguais em foras, sem perder coragem, Nenhum de ns cedeu, bem que durasse Algumas horas o combate aceso: Mas da noute feliz o longo manto Que os mistrios de amor comete s trevas, Com rseos dedos a invejosa Aurora Cruel abrindo, fez dentro em meu peito A escurido entrar, que em torno tinha, Foi-me odiosa a luz, que afugentava De mim com o amor perenes delcias. Uma e outra vez Amor tem facultado

Ao constante Belino, terna Olinda Outros, como estes, prsperos momentos: So de tormento para mim os dias Que t-lo junto a mim debalde busco: Para ele o tempo que sem ver-me gasta, Figura-lhe de um sculo a distncia. J Himeneu houvera de enlaar-nos, Se o mundo, Alzira, o mundo, que no cuida Seno em maquinar sua runa, De longo tempo no tivesse urdido Inquas tramas, hrridas ciladas. Que ao homem (digno prmio de sua obra) Barreiras pe na estrada da ventura. Retrocede o infeliz dum a outro lado, Negras voragens ante os seus passos Tropel de Frias, que consigo arrasta, Filhas do Erro, que animou insano, A Fortuna, que foi comigo larga, Negou seus dons a meu querido amante. Ele no conta nobres ascendentes, De quem meus pais se dizem oriundos: quanto basta para erguer muralhas De alcance, entre ele e mim, inacessveis: O ditoso himeneu no me preciso, O himeneu, aparato de teus votos, Para entre os braos seus tecer afouta Indissolveis ns co meu Belino: Sou dele, meu: os homens que se ralem. Alzira, tu, que a amor meu peito abriste, Abre meus olhos Natura inteira: Eu quero nela ver os meus destinos; S nela eu quero divinais verdades Solcita explorar, viver s nela Cumpre as gratas promessas, que me fazes. Deva a ti s a tua Olinda tudo. No h para os cristos um Deus diferente Do que os gentios tm, e os muulmanos? O que a razo desnega, no existe: Se existe um Deus, a Natureza o ofrece; Tudo o que contra ela, ofend-lo. Devo eu seguir o culto, que me apontam As impresses da prpria Natureza? Tenho uma religio em pratic-las? Que o mundo este pois, prezada Alzira? Tm os homens levado o seu arrojo T forjarem um Deus na ousada mente. Traar-lhe cultos, levantar-lhe templos, Atribuir-lhe leis, que a ferro e fogo Estranhos povos a adorar constrangem, Imolando milhes glria sua?

Nos lbios tm doura, e probidade, No corao o fel, a raiva: os monstros So maus por condio, ou maus por erro? No, eu no posso, Alzira, deste enigma Romper o denso vu: minhas ideias Jazem num caos de hrrida incerteza: Hesitar-me no deixes por mais tempo: Minha instruo confio aos teus cuidados; Damizade o esplendor d-te a mim toda; Acaba de fazer-me de ti digna.

SONETOS

I Tendo o terrvel Bonaparte vista, Novo Anbal, que esfalfa a voz da Fama, Oh capados heris! (aos seus exclama Purpreo fanfarro, papal sacrista): O progresso estorvai da atroz conquista Que da filosofia o mal derrama!... Disse, e em frvido tom sada, e chama, Santos surdos vares por sacra lista: Deles em vo rogando um pio arrojo, Convulso o corpo, as faces amarelas, Cede tris