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ReitoraVice-reitor
Diretor-presidente
Presidente
Vice-presidente
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Suely VilelaFranco Maria Lajolo
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Plinio Martins Filho
COMISSÃO EDITORIAL
José MindlinCarlos Alberto Barbosa Dantas
Benjamin Abdala JúniorCarlos Augusto MonteiroMaria Arminda do Nascimento ArrudaNélio Marco Vincenzo BizzoRicardo Toledo Silva
Pierre Bourdieu e Alain Darbel
com a colaboração de Dominique Schnapper
o amorpela arleos museus de arle na europa e seu
púb//co
Tradução
Guilherme João de Freitas Teixeira
2aedição
Diretora EditorialDiretora Comercial
Diretora AdministrativaDiretor de LivrariasEditoras-assistentes
Silvana BiralIvete SilvaGina de Oliveira SantosPaulinho MotaMarilena VizentinCarla Femanda FontanaMônica Cristina Guimarães dos Santos zçrUl(
copyright © 2003 editora zouk (edição brasileira)copyright © 1969 les editions de minuit
título original: l'amour de l'art - les musées d'art européens et leur publicparis, col. "le sens commun"
isbn do original francês: 2-7073-0028-4
projeto gráfico: alexandre dias & rogério de almeidaeditoração: william c. amaral
tradução: guilherme joão de freitas teixeirarevisão: rogério de almeida
.I
SUmar10
Printed in Brazil 2007
D729
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Departamento Nacional do Livro, Brasil)
Bourdieu, Pierre.O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu
público / Pierre Bourdieu, Alain Darbel; tradução GuilhermeJoão de Freitas Teixeira.- 2. ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo;Porto Alegre: Zouk, 2007.
ISBN 978-85-88840-64-5ISBN 978-85-314-1001-7
1. Cultura. 2. Museus. L Darbel, Alain. lI. Título.
CDD - 306.4
2a edÍção
direitos reservados à
EDITORA ZOUK
r. garibaldi, 132990035-052 - bom fim - porto alegre - rs - brasil
f. 51 3024-7554 e [email protected] - www.editorazouk.com.br
EDUSP
avoprof. luciano gualberto, travessa j, 374, 6° andared. da antiga reitoria - cidade universitária
05508-900 - são paulo - sp - brasilf. 11 3091-4150/4008. sac. 11 3091-2911. fax. 11 3091-4151
[email protected] - www.edusp.com.br
A caosp d!'Hooo: à
apresentação
· preâmbulo
· o ar do tempo
· procedimentos da pesquisa
· primeira parte - condições sociais da prática cultural
· segunda parte - obras culturais e disposição culta
· terceira parte - leis da difusão cultural
· conclusão
· cronologia das pesquisas efetuadas
· apêndices
n° 1 - questionários utilizados e método de sondagem
n° 2 - o público de museus franceses, segundo a amostra
nacional
n° 3 - pesquisas de verificação
n° 4 - análise de 250 entrevistas semi-estruturadas
n° 5 - o público de museus na europa
· elementos de bibliografia
· notas e referências bibliográficas
07
13
17
23
37
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113
163
171
173
174
189
203
210
217
228
230
Foi feito o depósito legal..A..:ESI> ~MSCÇ'N;AO ij!l"':iileflt, tif.1Wtil0:; ",P;WG91<HCU
AUTÜRiZADA. E
apresenlação
a cu/luFa não é ULl2?FfOfÚYfOnaluFa/
Transcorridos mais de 35 anos desde sua aparição original, oque leva a Editora Zouk e a EDUSP a publicarem o presente livro? É
preciso reconhecer inicialmente que Pierre Bourdieu (1930-2002), aolongo de quatro décadas e meia, produziu sólida obra, abarcando osmais variados domínios da realidade social. Ele procurou entener eexplicar a sociedade francesa de seu tempo (sendo possível estendermuitas de suas conclusões a outras realidades geográficas) comoespaço(s) de dominação cujos mecanismos são dissimulados - por issovai se valer em seus escritos de termos como "violência simbólica"
(dominação suave) ou revelação dos "fundamentos ocultos adominação". Como diz MariaD. Vasconcellos (2002), "para ele, o papeldo sociólogo é o de desvendar o que se passa 'por detrás do pano'''.
Sua análise envolve a educação, a cultura, a indústria cultural,os domínios científico, político, religioso, as esferas do gosto e dastomadas de posição (políticas) dos agentes, bem como a utilizaçãode conceitos e de esquemas analíticos tomados (e recriados) de váriasdisciplinas: sociologia, antropologia, etnologia, filosofia, matemática,história, economia, artes, lingüística ... Além disso, a partir do inícioda década passada, com maior intensidade ampliou seu trabalhointelectual de intervenção política junto aos trabalhadores esindicatos europeus contra os princípios da política neoliberal," ... empenhada em precarizar as condições de trabalho, em restringire desgastar os níveis de renda dos trabalhadores, em colocar sobameaça uma história sofrida de lutas e conquistas sociais" (Miceli,2002). Convém igualmente ressaltar, pensando ainda em Bourdieu,que não se conhece, na história intelectual contemporânea, "qualquercientista social importante que não tenha, ao mesmo tempo,
apresentação 7
8
assumido uma postura combativa, quase sempre buscando atuarnos planos da vida intelectual e do sistema político. Isso ocorreutanto lá fora como aqui: basta invocar os nomes de Caio Prado,Florestan Fernandes ou Antonio Candido. No Brasil, tambémpossuímos a tradição de combater nessas duas frentescomplementares" (Miceli, 2002; ver, também, Said, 2003).
Em segundo lugar - e esta se constitui, creio, a razão
fundamental para a edição brasileira deste livro -, percebe-se que aproblemática central explorada na pesquisa desenvolvida em meadosdos anos 60 permanece atual. É a essa questão que irei me dedicar apartir de agora.
O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu públicosaiu originalmente em 1966, baseando-se a presente tradução na ediçãorevista e ampliada, de 1969. Bourdieu dirigiu o conjunto da pesquisacom a colaboração de Dominique Schnapper, enquanto Alain Darbelconstruiu o plano de sondagem e elaborou o modelo matemáticodestinado à análise da freqüência das visitas a museus. O trabalho,envolvendo uma grande equipe de pesquisadores e auxiliares(destaquem-se Francine Dreyfus, Yvette Delsaut, Claude Grignon eFrançois Bonvin, que irão colaborar durante anos com Bourdieu) efinanciado parcialmente pelo Serviço de Estudos e Pesquisas doMinistério das Questões Culturais francês, consistiu na aplicação dequestionários em amostras selecionadas de museus na França,Espanha, Grécia, Itália, Holanda e Polônia em 1964 e 1965.
Com preâmbulo, introduções ~ conclusões, além de detalhados
apêndices, O amor pela arte organiza-se em três grandes partes:"Condições sociais da prática cultural", "Obras culturais e disposiçãoculta" e "Leis da difusão' cultural". Quando de sua publicação,Bourdieu era uma estrela em ascensão: contava com 36 anos,
estudara na ÉeoIe Normal Supérieure (ENS), graduara-se em filosofia(agrégê}, era diretor de estudos em Paris (ÉeoIe des Hautes Études
em Sdenees Sodales) e diretor do Centre de SodoIogie de FÉdueadonet de Ia CuIture. Havia feito seu serviço militar na Argélia (onderealiza seus primeiros trabalhos de campo), trabalhado no Liceu deMoulins e nas Faculdades de Letras de Argel, de Paris (Sorbonne) ede Lille, além de já ter publicado artigos e os seguintes livros:SodoIogie de I'AIgérie (1958); 1i'avaiIet travailleurs em AIgérie (1963,
o aIllorpela arle
com A. Darbel, J. P. Rivet e C. Seibel); Le déraCÍnemen0Ia crise de
FagricuIture traditionnelle em AIgérie (1964, com A. Sayad); Lesétudiants et Ieur études (1964, comJ .c.Passeron); Les hérÍtiers, Ies
étudiants et Ia euIture (1964, comJ. C. Passeron); Un art moyenessai sur Ies usages soCÍaux de Ia photographie (1965, comL.Boltanski, R. Castel e J. C. Chamboredon) e Rapport pédagogiqueeteommunication (1965, comJ. C. Passeron e M. de Saint-Martin).
Em O amor pela arte, Bourdieu pondera que os museusabrigam tesouros artísticos que se encontram, ao mesmo tempo (eparadoxalmente), abertos a todos e interditados à maioria daspessoas. Indivíduos pertencentes a qualquer classe social e comdistintos graus de escolaridarização freqüentam museus, certo? Bem,em termos: para viver a plenitude desse amor, livre decondicionamentos e limitações, é necessário que os amantes possuamalgumas disposições, adquiridas lentamente, envolvendo dedicação,afinco e o cumprimento de obrigações. Não existe nem pecado nemperdão, esse amor é uma graça ou um mimo que surge
"naturalmente", após a assimilação do princípio do praze~ (culto),produto artificial da arte e do artifício - "a verdade ocultado gosto culto". Bourdieu pergunta se "a prática obrigatória podeconduzir ao verdadeiro deleite ou se o prazer cultivado éirremediavelmente marcado pela impureza de suas origens".
Ao longo de O amor pela arte, mostra-se como o coraçãoobedece à razão, pois desvendam-se as condições sociais de acessoàs práticas cultivadas, fazendo ver que "a cultura não é um privilégionatural, mas que seria necessário e bastaria que todos possuíssemos meios para dela tomarem posse para que pertencesse a todos".
A freqüência dos museus em todos os países pesquisadosaumenta consideravelmente à medida que se eleva o nível de instrução,correspondendo quase que exclusivamente a um modo de ser dasclasses cultas. A "necessidade cultural" é, em seu entender, produtoda educação, da ação da escola. Acho que não é por outra razão que aepígrafe da parte 3 do livro, "Leis da difusão cultural", seja emprestadado filósofo e matemático alemão Leibniz: "a educação consegue tudo;faz dançar os ursos" . A ação escolar, bastante desigual - porque atuasobre indivíduos previamente dotados, pela ação familiar, comdistintos níveis de competência artística -, envolve jovens já
apresenlação l)
"iniciados" nesse domínio cultural. A escola, ao inculcar disposiçõesduradouras à prática culta, auxiliando decisivamente na transmissãodo código das obras de cultura erudita, transforma as desigualdadesdiante da cultura em desigualdades de sucesso. Fecha-se o círculoque faz com que capital cultural leve a capital cultural.
A categoria mais respeitada nos museus é a dos detentoresde um diploma de final de estudos secundários, ou seja, indivíduosque assimilaram parte das disposições cultas, produto de umaeducação distribuída de forma desigual, tratando "as aptidõesherdadas como se fossem virtudes próprias das pessoas ['dons'], aomesmo tempo naturais e meritórias".
Os questionários aplicados correlacionam, detalhadamente,uma série de variáveis, tais como categoria sócio-profissional, nívelde escolaridade, profissão, renda, sexo, local de residência, faixaetária, museu(s) visitado(s), dia(s) e horário(s) em que ocorreu (ram)a(s) visitas(s), tempo médio da(s) visita(s) à exposição(ões)temporária(s), correlação entre visita(s) a museu(s), cinemas eteatros, influência familiar e de amigos para a(s) visita(s) segundo onível cultural, juízos sobre os museus e as exposições, tipo de artepreferido, motivo(s) declarado(s) da visita, nome(s) de pintor (es) ede escola(s), etc.
A minuciosa pesquisa desenvolvida por Bourdieu e sua equipepossui um caráter pioneiro, qual seja, o de colocar em evidência adimensão eminentemente social dos meios de apropriação dos bensculturais existentes em museus - dimensão ~ssa que se constituiem privilégio apenas daqueles dotados da faculdade de se apropriaremdas obras. Entretanto, tenho dúvidas se ainda é possível concordarcom o autor em uma série de considerações que realiza, envolvendoo turismo cultural e a visita a museus (essa modalidade, segundoele, continua a atrair apenas categorias sócio-profissionais munidasde diplomas, isto é, o público já tradicional dos museus). O mesmopode-se dizer quando fala do estágio relativamente amador emque se encontrava a "museologia" - hoje consideravelmentetransformada -, ou ainda quando fala dos conservadores de museus,pertencentes aos extratos superiores, pouco afeitos a questões queenvolviam uma gama relativamente ampla de papéis (homem deciência, comerciante, diretor administrativo, educador): hoje equipes
com quadros diversificados participam desse circuito, encarregandose de projetos referentes a ações educativas, à busca de patrocínios,à utilização de leis de incentivos fiscais, à edição de catálogos, àmaior divulgação em geral, etc.
Em 1969, cético com relação aos limites que a ação do
conservador impunha a qualquer tipo de incitação direta à práticacultural, Bourdieu escrevia: "quem acredita na eficácia milagrosa deuma política de incitação para visitar museus e, em particular, deuma ação publicitária pela imprensa, rádio ou televisão - sem se darconta de que ela se limitaria a acrescentar, de forma redundante,informações já fornecidas em abundância pelos guias, postos deturismo ou cartazes afixados à entrada das cidades turísticas
assemelha-se às pessoas que imaginam que, para serem mais bemcompreendidas por um estrangeiro, basta falar mais alto" .
Parte do contido em O amor pela arte já aparecia em Un Art
Moyen, surgiria posteriormente em artigos na revista Actes de Iarecherche em sdences sociales e, também, em ao menos dois outros
livros de Bourdieu: LaDistinction. Critique sociale dujugement(1979)
eLes Regles de Fart. Genese et structure du champ littéraire (1992).Em suma, pela leitura de vários textos de Bourdieu - O amor
pela arte dentre eles - é possível compreender os mecanismos atravésdos quais apenas parte dos indivíduos consegue obter as chavespara a plena fruição das obras de arte (ou, para falar como MaxWeber, gozam "do monopólio da manipulação dos bens de cultura edos signos institucionais da salvação cultural").
Afrânio Mendes Catani
Referências Bibliográficas
MlCELI, Sergio. "Depoimento a Maria Andréa Loyola." ln: pjerre BourdieuEntrevistado por Maria Andréa Loyola. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2002.
SAlD, Edward W. "Um acadêmico comprometido: Pierre Bourdieu (19302002)." ln: Cultura e política. Trad. Luiz Bernardo Pericás. São Paulo, Boitempo,Editorial, 2003.
VASCONCELLOS, Maria Drosila. "Pierre Bourdieu: a herança sociológica."Educação e Sociedade, Campinas, ano XXIII, n. 78, abril, 2002.
lO o amor pela arle apresenlação 1 1
preâm6uk
Os resultados apresentados neste livro foram obtidos graças
ao trabalho de uma equipe que se encarregou da aplicação de um
grande número de pesquisas; neste caso, somente uma verdadeiralista de "créditos" permitiria prestar homenagem a todos aqueles
que forneceram contribuições igualmente indispensáveis - embora
desiguais, do ponto de vista quantitativo e qualitativo.
O professor Pierre Bourdieu dirigiu o conjunto da pesquisacom a colaboração da professora Dominique Schnapper; por sua vez,
o professor Alain Darbel construiu o plano de sondagem e elaborouo modelo matemático destinado à análise da freqüência das visitas amuseus.
Francine Dreyfus participou de todas as fases da pesquisa,
desde a realização das sondagens em diferentes museus e a formação
dos entrevistadores, até a organização da codificação e apuração dosresultados; além disso, com a colaboração do Centro de Ciências
Sociais de Atenas, organizou a pesquisa na Grécia.
Yvette Delsaut e Madeleine Lemaire, assessoradas por uma
equipe de estudantes da cidade de Ulle (F. Bonvin, D. Chave, M.Davaine, P. Dubois, M. EI Bahi, J.-P. Hautecoeur, M. Pinçon),
organizaram as pré-sondagens e as sondagens realizadas nos Museusde Ulle, Arras e Douai, tendo obtido observações sutis e precisas
sobre o comportamento dos visitantes. Por sua vez, Pierre Riviere,
responsável pela área de cálculo matemático no InstÍtut Blaíse-Pascal,
elaborou o programa de tratamento mecanográfico; Wenceslas
preâmbuh 1 3
14
Fernandez Della Vega, integrante do Centro de Cálculo da Maison
des sdences de l'homme, garantiu a aplicação do programa de análisefatoria!.
Eric Walter realizou a sondagem, por correspondência, juntoaos membros da Sodété des Amis du Louvre; as senhoritas
Loubinoux e Vidal, assim como os senhores Darmon e Grignon,empreenderam sondagens sobre o ensino artístico nos
estabelecimentos secundários (liceus parisienses e de província,colégios de ensino geral e de ensino técnico).
As senhoras e senhoritas Barrat, Bacabeille, Carrera, de
Catheu, Chocat, Constans, Couland, Cron, Devaulx de Chambord,
Hippula, Lefevre, Marcadon, Maréchal, Massoutier, Rouquette, de
Thézy, assim como os senhores Fontaine, Sempere, Van Loyen,administraram os questionários aplicados nos diferentes museusda amostra;
As senhoritas Moreno, Sastre e os senhores Abbas, Benyahia,Benyacoub, Bouhedja, Maillet, Mindja, Saghi, Settoui, colaboradores
da área técnica no Centre de sodologie européenne, realizaram as
operações - quase sempre complexas - de codificação dos resultados;
finalmente, o senhor Salah Bouhedja garantiu o controle dasapurações mecanográficas.
O senhor Villaverde, sob a direção do professor Aranguren daUniversidade de Madri, organizou a sondagem no Museu do Prado,
enquanto as senhoritas Sastre e Moreno exerceram a mesma função
nos Museus de Barcelona; Hélene Argyriades, integrante do Centro
de Ciências Sociais de Atenas, dirigido pelo professor Peristiany,efetuou a sondagem na Grécia; Angela Cacciari orientou e realizou asondagem nos três Museus de Milão e em Bolonha; Gilbert Kirscher
organizou a pesquisa na Holanda; finalmente, com a colaboração da
Academia das Ciências da Polônia, Nina Lagneau-Markiewicz
encarregou-se da sondagem efetuada nos museus desse país.
Todas essas pesquisas não poderiam ter sido levadas a bom
termo sem a compreensão dos Conservadores dos Museus de Agen,
o amor pela arle
Arles, Arras, Autun, Bourg-en-Bresse, Colmar, Dieppe, Dijon, Douai,
Dreux, Laon, Ulle, Louviers, Lyon, Marselha, Moulins, Pau, Rouen,
Tours, além do Musée desArts décorati/Se Musée duJeu de Paume,
em Paris; tampouco, sem a colaboração prestada por alguns deles.
Aqui, desejamos manifestar-Ihes nosso agradecimento, assim comoao Diretor e integrantes da diretoria dos Musées de France que
garantiram um incessante apoio a nosso empreendimento;
igualmente, ao Inspecteur général des musées de provincee a seuscolaboradores de quem recebemos conselhos preciosos; por último,
à Superintendência do Musée des Arts décorati/S que achou porbem nos confiar a análise de 4.000 questionários, coletados por
ocasião da exposição "Antagonismes".
Queremos agradecer, também, aos Conservadores do Museudo Prado, em Madri, e dos Museus do Povo Espanhol, de ArteModerna e de Picasso, em Barcelona; do Museu Arqueológico
Nacional e de Benald, em Atenas, e, ainda na Grécia, do Museu de
Delfos e de Náuplia; do Rijksmuseum de Amsterdã, doGemeentemuseum de Haia, do Museu de Groningen e de Utrecht,
na Holanda; do Castello Sforzesco e da Pinacoteca de La Brera de
Milão; do Museu de Poznan, de Lublin, de Varsóvia, de Cracóvia e
de Lodz, na Polônia. A colaboração de todos eles é que, no plano
europeu, nos permitiu realizar a pesquisa.
preâmbU/c;1 5
o ar ck lempo
"Deixem que as obras de arte manifestem sua eloqüência natural e elas serãocompreendidas por um número crescente de pessoas; este método será mais
eficaz do que a influência exercida por todos os guias, conferências e discursos."
F. SCHMIDT-DEGENER,
"Musées" in Les Cahiers de Ia république des Iettres, dessdences et des arts, XIII.
"O que era, essencialmente, um bastião aristocrático tornou-se, em nossos dias,um espaço de encontro para as pessoas da rua."
"Le musée en tant que centre culturel, son rôle dans ledéveloppement de Ia collectivité", UNESCO.
Além de seus integristas, a religião da arte conta com seus
modernistas; no entanto, uns e outros estão de acordo para formular
a questão da salvação cultural, utilizando a linguagem da graça.
"De maneira geral, escreve Pierre Francastel, convém registrar que
se a existência de homens com falta de audição é, geralmente,
reconhecida, todos imaginam veras formas de modo espontâneo e
correto. Não é isso, porém, o que se passa; aliás, é surpreendente o
número de homens inteligentes que não vêemas formas, nem as
cores - enquanto outros, pouco cultos, têm uma visão perfeita."!
Não será esse o tom da mística da salvação? "O coração tem seu
funcionamento próprio; a mente, também, baseada em princípios e
na demonstração." E a lógica que impele a outorgar, somente a
alguns, os signos e os meios da eleição é a mesma que elogia asanta
simplicidade dos ignorantes e das crianças: "Asabedoria nos envia à
infância: nÍSj effJdamjnj skut parvuJj". "Não se admirem que
pessoas simples acreditem sem proceder a qualquer raciocínio."2
Da mesma forma, a representação mística da experiência estética
pode fazer com que a graça da visão artística, designada por "olho",
seja reservada aristocraticamente, por alguns, a determinados eleitos,
enquanto outros a outorgam, com liberalidade, aos "pobres de
espírito".
Daí, segue-se que a oposição entre os tradicionalistas e os
modernistas é mais aparente do que real: os primeiros nada exigem
do espaço e dos instrumentos do culto artístico senão colocar os
oardo/empo 17
1918
fiéis em estado de receber a graça. O despojamento e o
desnudamento servem de estímulo à ascese que conduz à visão
beatífica: "Apesar de ser bom que uma certa agitação venha bater à
porta do museu, o visitante, mal a transpõe, deve encontrar o
elemento sem o qual não poderá ocorrer o encontro profundo com
a obra plástica: o silêncio". 3 Quando tudo é questão de disposição
e de predisposições - já que não existe nenhum ensino racional
para o que não se pode aprender -, será possível fazer outra coisa
senão criar as condições favoráveis para que despertem as
virtualidades adormecidas em algumas pessoas? A inquietaçãorelativa às características sociais ou culturais dos visitantes não
seria uma forma de pressupor que estes possam estar separados
por diferenças que nada têm a ver com aquelas criadas pela
distribuição imprevisível dos dons? "O discernimento dos
visitantes, de sua classe social e de sua nacionalidade, aparece,
por um lado, como bastante complicado e, por outro, considerado
por muitos sem interesse, nem utilidade. Alguns museus chegaram
mesmo a julgar que esta questão era inatual, inclusive,
inconveniente (...). Um grande número de museus reconhece que,
além de não terem feito nenhuma tentativa, nem possuírem
nenhuma experiência nesse sentido, declaram que tal operação éimpossível. "4
"Enquanto São Bernardo, diz-nos Erwin Pano fsky, (... )
grita com indignação: 'De que serve o ouro no santuário?', Suger
pede que todos os esplêndidos paramentos e objetos sagrados,
adquiridos durante sua administração, sejam levados para a igreja
(... ). Nada estava mais afastado da mente de Suger do que a
idéia de manter os seculares fora da Casa de Deus: ele pretendia
acolher uma multidão tão grande quanto possível, contanto quefosse evitada a desordem - assim, tinha necessidade de uma
igreja mais espaçosa. Nada lhe parecia mais injustificado do
que impedir os curiosos de terem acesso aos objetos sagrados:
ele pretendia expor suas relíquias de forma tão 'nobre' quanto
o amorpela arfe
possível e colocá-Ias bem em evidência; sua única preocupação
consistia em evitar a bagunça e o alarido."5 Assim, quem defende
que, atualmente, a ascese ritual e o despojamento cisterciensenão são os únicos meios de ter acesso à comunhão com a obra,
pretendendo propor determinadas vias menos abruptas aos fiéis,
pode invocar o patrocínio daquele que, através da compra de
pedras preciosas, cerâmicas raras, vitrais, esmaltes e tecidos,
"anunciava a rapacidade desinteressada do diretor de museu
moderno". Mas, à semelhança deste, não será que ele se inspira
na convicção de que a obra contenha suficiente persuasão
milagrosa para converter ou impregnar, unicamente por sua
eficácia, as almas bem-nascidas? Não será partidário do
anagogkus mos, do método de elevação que, à harmonia e
irradiação (compactÍo e clarÍtas) das obras materiais, confere o
poder de conduzir à iluminação, "transferindo das coisas
materiais para as coisas imateriais" (de materÍaiÍbus adÍmmaterÍaiÍa transferendo)?
"Quando determinados objetos possuem um valor plástico,
eles detêm tal força sugestiva que é mais fácil torná-l o perceptível
do que evitar prestar atenção a ele (...). Para existir, o objeto deve
deixar-se saborear."6 "Um museu deveria ser um espaço em que o
visitante sonolento fosse intimado a reagir em contato com obrassublimes."? "O verdadeiro ímã* do turismo é a curiosidade histórica
e artística."8 "Em vez de tirar partido da possibilidade única e
incomparável de ensinar pela impressão obtida diretamente dos
objetos, a pessoa se perde na série de outros procedimentos
educativos que pretendem transmitir conhecimentos, mais ou
menos superficiais, por meio de conceitos puramente intelectuais.
Aliás, esses métodos didáticos nunca conseguirão atingir as
camadas profundas do público."g E, a partir do espaço reservado
* No original, aimant; este termo tem um adjetivo homônimo que deriva do verboaimer [amar], cujo significado é "amante". (N.T.)
oarrkfempo
20
por nossa civilização à imagem, as testemunhas mais líricas tiram
um argumento para se convencerem de que, atualmente,
reduplicou a força de atração da obra pictural: "Aarte, escreve René
Huyghe, nunca foi tão importante e obsedante, a não ser em nosso
tempo; nunca foi tão difundida, saboreada e, concomitantemente,
nunca tão analisada e explicada. Ela tira partido (e, sobretudo, a
pintura) do papel primordial conquistado em nossa civilização pelas
imagens".1OO homem da cultura da imagem não será imediatamente
dotado da cultura necessária para decifrar a obra pictural, ou seja,
a imagem entre as imagens? "O museu tem o privilégio de falar a
linguagem da época, a Hnguagem da imagem, linguagem inteligível
para todos e a mesma em todos os países (...). O museu faz parte
integrante de nossos costumes; em breve, será o complementonecessário, o substrato de todas as nossas atividades."ll E, em
todo caso, não será possível colocar a força das imagens a serviço
do culto da imagem? "Apublicidade inteligentemente organizada
é que pode encaminhar de forma exclusiva uma nova corte, de
extensão insuspeita, para nossas coleções de arte."12
Os tempos já chegaram e o advento do Reino da Arte deixa
se entrever na Terra: "De forma premente e grave, parece necessário
chamar a atenção dos Estados para este aspecto, a fim de que eles
dêem satisfação às necessidades novas e imperativas das populações
modernas que estão sendo como que atingidas por uma nova fome
- desta vez, espiritual- e exigem um novo alimento terrestre".13 A
profecia escatológica é o coroamento natural dessa mística da
salvação.
Em definitivo, os antigos e os modernos estão de acordo para
abandonar, completamente, as possibilidades de salvação cultural
aos acasos insondáveis da graça ou, melhor ainda, ao arbítrio dos
"dons". Como se aqueles que falam de cultura, para si mesmos e
para os outros, ou seja, os homens cultos, só pudessem pensar a
salvação cultural segundo a lógica da predestinação; como se, por
terem sido adquiridas, suas virtudes se encontrassem desvalorizadas;
o amorpela arle
como se toda a sua representação da cultura tivesse a finalidade deautorizá-Ios a convencer-se de que, segundo a expressão de um idoso
bastante culto, "a educação é algo de inato".
oardolempo 21
procedimenlos da pesruisa
Antes de iniciarmos a análise e a interpretação dos resultados das
diferentes sondagens que forneceram a matéria para este livro, vamos
descrever, de forma tão precisa quanto possível, as condições em queforam obtidos.
Tendo à nossa disposição um conjunto de hipóteses - já
comprovadas, anteriormente, pela aplicação de numerosas
pesquisas sobre os processos de difusão cultural -, a sondagemsistemática sobre o público de museus, na Europa, suascaracterísticas sociais e escolares, suas atitudes em relação ao
museu e suas preferências artísticas, poderia ser concebida como
umprocedimento de verificação destinado a confrontar um sistema
coerente de proposições teóricas com um sistema coerente de fatos
produzidos pelas - e não em favor das - hipóteses que deveriamser validadas.
oquestionário
A utilização de um questionário muito simples (d.Apêndice 1) impunha-se, particularmente, em um domínio em
que os sujeitos investem valores e, portanto, são levados, atémesmo inconscientemente, à autovalorização, fornecendo a
resposta que consideram mais nobre. Se, no caso da questão (III)sobre as razões da ida ao museu, houve a recusa deliberada de
procedimentos da pesruisa23
24
prever as respostas "nobres" - tais como: "porque gosto de arte" -,
tal postura não ocorreu em nome de uma espécie de agnosticismo
estético, mas porque a pré-sondagem realizada no Museu de Lille
e as entrevistas semi-estruturadas haviam mostrado que tais
respostas eram mais atraentes para os sujeitos que, na realidade,
tinham ido ao museu por outras razões. Preocupações semelhantes
dominaram a elaboração das questões de opinião: a intenção do
questionário não consistia em colocar em votação a introdução
de flechas e de fichas explicativas (questões V e VI) nos museus,
mas avaliar Índiretamenteas expectativas pedagógicas do público,
identificadas a partir das pré-sondagens e das entrevistas livres.
As condições de sua aplicação impunham, por outro lado, que o
texto fosse bastante claro, muito breve (para não demorar mais
do que quinze minutos) e, sobretudo, que não incluísse nada
que pudesse chocar os visitantes dos diferentes meios sociais;
aliás, não foi fácil respeitar esta última condição, já que as
questões que poderiam parecer simplistas a alguns poderiam dar
a impressão a outros de serem difíceis (d. Ínfra, a análise das
"não-respostas") .
A amostra e a sondagem
Para garantir toda a eficácia ao método de amostragem
adotado, era necessário tirar partido do que já era conhecido a
respeito dos museus e de seu público. De fato, as estatísticas
disponíveis em relação aos diferentes países europeus
apresentavam um grande número de incertezas em razão da
heterogeneidade dos procedimentos de comabilização dos
visitantes segundo os países e, até mesmo, segundo os museus
(em particular, por não ter sido efetuada a contagem separada
dos diferentes tipos de visitas, principalmente, visitas gratuitas),e em razão, também, da ausência de estatística mensal relativa às
visitas. Todavia, o cálculo das médias diárias das visitas, a partir
o amor pela arle
dos dados da sondagem, permitiu verificar que as ordens de
grandeza fornecidas pela estatística oficial poderiam serconsideradas como válidas.l4
Se as flutuações constatadas de um para outro ano, no mesmo
museu, sob o efeito da atração exerci da por uma exposição ou por
uma manifestação local, impedem que a pesquisa obtenha uma
maior precisão, pode-se considerar, no entanto, que o número anualde visitas define, de maneira satisfatória, a hierarquia dos museus.
Assim, em relação à França, o sorteio de uma amostra
representativa de vinte e um museus pôde apoiar-se na análisemultivariada das relações entre as diferentes características dos
museus, incluindo o número anual de visitas. Com essa finalidade,
um júri composto por cinco conservadores e especialistas de arteselecionou, no território francês, cento e vinte e três museus de
arte (cujo acervo era constituído por pinturas e esculturas);lS e,
para cada museu, avaliou a facilidade do acesso, o dinamismo doconservador, o número de obras expostas, o número de obras do
acervo, o tipo de obras (pinturas, esculturas, souvenirs históricos,
objetos de folclore, etc.), a qualidade global das obras (notada de Oa 5), assim como o tipo de apresentação. Além disso, tendo comoindicador o número de estrelas atribuídas pelo i'Guide Vert" * à cidade,
ao próprio museu e às obras exibidas, foi determinada a atraçãoturística de cada museu, obtendo-se a seguinte classificação: uma
estrela - Arras, Douai, Dreux, Laon, Louviers, Moulins; três estrelas
_ Agen, Dieppe, Ulle, Lyon; quatro estrelas - Arles, Bourg-en-Bresse,Marselha, Pau, Tours; sete estrelas - Autun; oito estrelas - Dijon;
dez estrelas - Colmar, Rouen. Por último, foi considerada a atração
turística (avaliada a partir dos mesmos índices aplicados à avaliação
do museu), a situação econômica e o equipamento universitário da
cidade ou da região onde se situa o museu.
* Esta publicação - lançada, pela primeira vez, em 1900. com uma capa "rouge",pelos irmãos Michelin, inventores do pneumático desmontável - destinava-se aajudar os veranistas a preparar suas viagens com informações de caráter turístico,controladas antecipadamente pela equipe de redação. (N.T.)
procechmenlos dapesruisa25
26
Foi apurado, na análise, que a maior parte das características
dos museus estavam estreitamente ligadas entre si: se excetuarmos
os museus que recebem menos de 2.000 visitantes por ano (ou seja,
6 museus com acesso bastante difícil, oferecendo poucas obras que
são apresentadas de forma medíocre), constatamos que o número
de obras expostas está grandemente associado ao número de
visitantes (com exceção de alguns grandes museus que expõem
relativamente poucas obras, embora de grande qualidade ou bastantecélebres). O mesmo acontece com a notoriedade das obras e de sua
qualidade (avaliada pelo júri de especialistas), o que tende a mostrar
que, nesta matéria, a hierarquia "oficial" dos museus, tal como é
Estrato MuseusFluxo *EstrelasQualidade
luais de 30000
Col1uar18000024
Bourg-en-Br.
85000O2
Dieppe
70000O2
Lyon
3500025
20000 - 30000
Toulouse2500025
Dijon
3000025
Lille
2600025
Rouen
2500025
10000- 20000
Tours 19300024
Autun
11700O3
Marseille
11000I4
Arles
14000O2
5000 - 10000
Arras 8900O4
Moulins
6500I2
Douai
7800O3
Pau
5500I2
1000- 5000
Laon 3300O2
Agen
2500I3
Dreux
1650OILouviers
3000OI
* Números fornecidos pelo senhor Delesalle, membro da diretoria de Musées de France.
o amor jJe/a arle
fornecida pelos guias turísticos, coincide com a hierarquia"vivenciada", expressa pelo número de visitas, e com a hierarquia
"legítima", definida pelas "autoridades culturais".
Assim, pelo fato de estar em correlação coma maior parte dascaracterísticas dos museus, o número anual de visitantes pode ser
considerado um critério estratificador (o que garante a precisão dos
resultados): basta, portanto, constituir alguns grandes estratos,tomando como critério o fluxo anual de visitas e, a fim de garantir a
comparabilidade entre os estratos, escolher aleatoriamente um
número igual de museus em cada um deles, salvo para o estratosuperior que tem o fluxo mais elevado de visitas e comporta o menornúmero de museus (o que permite obter a mesma precisão com uma
amostra ligeiramente mais reduzida) .16 Para os museus parisienses,
que são outros tantos casos particulares em uma cidade incomparávelàs outras, dois museus de arte de tipos diferentes - o Musée duJeude Paume e o Musée des Arts décoratilS - foram escolhidos fora do
plano da sondagem.
Os mesmos métodos de amostragem conduziram a adotar, em
relação à Grécia, o Museu Arqueológico Nacional e o Museu Benaldde Atenas, assim como os Museus de Delfos e de Náuplia; em relação
à Holanda, o Rijksmuseum de Amsterdã, o Gemeentemuseum deHaia e os Museus de Groningen e de Utrecht; e, em relação à Polônia,os Museus de Poznan, de Lublin, de Varsóvia, de Cracóvia e de Lodz.
No que diz respeito à Espanha, por falta de informações estatísticassobre os fluxos de visitantes, não foi possível proceder a uma
amostragem metódica, nem considerar o Museu do Prado de Madri, eo Museu Picasso, do Povo Espanhol e de Arte Moderna de Barcelona,
como representativos do conjunto dos museus espanhóis, embora
seu público apresente características totalmente conformes às leisestabelecidas a propósito dos outros países. I?
Realizada a seleção dos museus, tratava-se de proceder a uma
escolha aleatória das pessoas a serem entrevistadas; era importante
que todos os visitantes do museu, durante o desenrolar da sondagem,fossem integrados na amostra. Com essa finalidade, os entrevistadores
proced.imenlos dajJesf(wsa27
28
(uns enviados pelo Centredesodologieeuropéenne; outros recrutados
na própria cidade, quase sempre, com a colaboração do conservador, e
formados por pesquisadores do Centre) receberam o encargo de
apresentar o questionário aos visitantes, segundo instruções bem
definidas e aperfeiçoadas no decorrer da pré-sondagem. A unidadeestatística selecionada foi a visita e não o visitante; deste modo,
teoricamente, o mesmo indivíduo poderia figurar mais de uma vez na
amostra (ocorrência que, considerando a duração da sondagem,
apareceriaapenas de forma excepcional),recebendo um peso proporcional
à freqüência média de suas visitas ao museu. As visitas de grupos
escolares ou turísticos levantavam um problema: deveria ser conferido
a cada membro do grupo um peso semelhante ao visitante individual?
Afinal de contas, a mesma indagação era válidapara as visitas familiares.
A solução menos imperfeita consistia em atribuir o mesmo peso a cada
indivíduo adulto, correndo o risco de isolar os grupos na análise; assim,
em dois terços dos museus, pôde ser obtida uma taxa de respostas
igual ou superior a 75% (levando em consideração os grupos).
Apesar de terem aceitado submeter-se à sondagem, alguns
visitantes não responderam a determinadas questões; a proporção dos
"sem-resposta" (SR) varia de maneira significativa segundo o tipo de
questões e segundo as categorias sociais ou, mais exatamente, segundo
a significaçãoque as diferentes categorias sociaisconferiram às diferentes
questões. Assim, as perguntas sobre as razões e as condições da visita
(III e IV) aparecem, para a maioria do público, como questões de fato,
mas a parcela mais elevadadas classes superiores pode suspeitar, nessas
perguntas, uma intenção: para justificar a visita, algumas razões seriam
nobres, enquanto outras seriam menos nobres, e o indivíduo
demonstraria maior seriedade ao visitar um museu com a ajuda de um
guia ou de um catálogo; em relação aos outros grupos sociais, verifica
se uma abstenção maior por parte dos professores e dos especialistas
de arte como se, através dessa atitude, eles pretendessem testemunhar
que contestam a pertinência das questões e das respostas previstas
pelo questionário (na medida em que as respostas "nobres" foram
voluntariamente omitidas) [cf.Apêndice 2, Tabela 3].
o amor pek arle
Do mesmo modo, o sentido das questões sobre a freqüência dos
museus (VIII e IX) não é o mesmo para todos os sujeitos: 25% dos
visitantes das classes populares não conseguem citar sequer um museu
e, como foi demonstrado pela sondagem de verificação, sua abstençãolimita-se a exprimir a ignorância, enquanto, entre os visitantes dasclasses cultas, ela denuncia a impaciência diante de uma questão
"ingênua". Assim também, a questão sobre os pintores preferidos (XI)
é percebida pelos visitantes das classes populares como uma perguntade erudição, enquanto é considerada como primária pelos sujeitos das
classes superiores.
Considerando as flutuações do número dos visitantes e da
estrutura do público no decorrer do tempo, conviria ainda escolher,metodicamente, os momentos da sondagem. Como a pré-sondagem,
realizada no Museu de Ulle, demonstrou que a estrutura social do
público varia segundo os dias da semana, poderíamos pressupor
que as férias determinassem também algumas variações; para
apreender as flutuações sazonais, sem prolongar a duração da
sondagem, as férias de Páscoa foram incluídas no período da
sondagem. No entanto, levantou-se a dúvida de que esse período
pudesse ser representativo das férias em seu conjunto, na medidaem que os turistas de Páscoa tenderiam a pertencer,
preferencialmente, às classes favorecidas. A fim de testar o valor dosresultados obtidos, uma sondagem complementar desenrolou-se,
no mês de julho, em cinco museus franceses: uns situados em uma
região pouco freqüentada pelos turistas (Arras, Laon, Ulle); enquantoos outros se encontravam em regiões turísticas (Arles, Autun) [d.Apêndke 3, Tabela 1]. Ficou evidente que, nas regiões situadas noSul do rio Loire, * a estrutura do público no verão é idêntica à da
Páscoa, de modo que o efeito do turismo é praticamente o mesmo
* O rio Loire é o mais longo da França (1.020 km); sua bacia estende-se desde suanascente no Maciço Central até desaguar no Atlântico, depois de atravessar a cidadede Nantes. Segundo a tradição, seu trajeto divide o território francês: assim, a
margem direita corresponde ao Norte, enquanto a esquerda, ao Sul. (N.T.)
procedimenfos da pes7uisa29
30
durante os dois períodos; no Norte, que atrai poucos turistas, a
estrutura do público, quase idêntico no verão e no período dos dias
úteis, é diferente na Páscoa, pelo fato de que, nesta época do ano, a
prática do turismo é mais freqüente entre as classes favorecidas quese encontram, então, ligeiramente sub-representadas.
Para definir o peso que seria importante conferir às sondagensefetuadas em cada um dos dois períodos, bastaria determinar o
número relativo das visitas correspondente a cada período; por falta
de estatísticas mensais precisas, tivemos de recorrer ao cálculo paraestimar que, na França, perto da metade (45%) das visitas efetuam
se durante as férias (ou seja, no período de cerca de quatro meses) .18
Realizada em dois planos (em primeiro lugar, os museus;em seguida, as visitas), a pesquisa talvez tenha sido assimilada a
uma sondagem em um só plano; neste caso, o número de museus
escolhidos foi responsável, essencialmente, pelo erro de
amostragem. Além disso, uma amostra aleatória refere-se, em geral,a uma população-mãe bem definida e de dimensão bem delimitada,
enquanto o público virtual dos museus não tem limites precisos,
nem espaciais, nem temporais; aliás, teoricamente, um museu poderecrutar seus visitantes na escala do universo. Daí, resultam riscos
de distorção - de resto, mínimos - e uma certa limitação intrínseca
da precisão de qualquer pesquisa relativa ao público dos museus.
A codi/icação e a análise dos resultados
Sabendo que não basta apurar a análise lógica das respostas
e de suas combinações possíveis para se conformar às articulações
do real, cada uma das grades de análise foi estabelecida a partir de
um exame parcial dos resultados e foi definida com precisão sempreque tal postura era exigida pelos casos encontrados. A mesma
preocupação de rigor levou a elaborar o programa de tratamentomecanográfico somente depois da análise de uma amostra de 1.000
questionários, assim como a aplicar um programa de análise fatorial
o amor pela arle
somente depois de terem sido identificadas, por outros métodos,
as relações entre as principais variáveis explicativas. Para realizaresta análise fatorial, os 9.226 questionários coletados nos museus
franceses foram separados em duas subpopulações: a dos indivíduosde nível inferior ao baccalauréat" (M1) e a dos indivíduos de nível
igualou superior ao vestibular (M2) .19 Contrariamente ao que foifeito no estudo principal, cada questionário recebeu um peso igual;
entre os 53 itens do questionário, apenas catorze foram adotados
por terem sido considerados mais significativos. Em Apêndice, serãoencontradas as matrizes de correlação para M1 e M2, assim como
as médias e os desvios padrão para cada uma das variáveis em cada
uma dessas subpopulações; no entanto, pelo fato de ter confirmado
o que já era conhecido, o cálculo dos "valores próprios" e dos"vetores próprios" aferentes a cada uma delas não será reproduzido.
Como a principal sondagem permitiu estabelecer, a
propósito de uma amostra bastante ampla, as estruturasfundamentais do público dos museus e as relações significativas
e significantes entre as características sociais dos visitantes esuas atitudes ou opiniões, tornava-se possível e necessárioverificar ou analisar de forma mais sutil, em determinados pontos,
os conhecimentos adquiridos. Eis a razão pela qual foram
empreendidas várias sondagens sucessivas, incidindo sobreamostras relativamente restritas (entre 300 e 1.000 visitantes)
do público de um ou de vários museus, cujas características eramconhecidas. Tais sondagens forneceram informações sobre a
relação entre o tempo de visita declarado pelos visitantes e o
tempo de visita real, avaliado por observadores; sobre os ritmos
da freqüência dos museus e suas variações, segundo as diferentescaracterísticas sociais dos visitantes; e sobre a relação entre a
freqüência dos museus e outras práticas culturais. Todos estes
* O termo baccaIauréatdesigna, ao mesmo tempo, os exames e o diploma conferidoao final do 2° ciclo do ensino de 2° grau (no Brasil, Ensino Médio); daqui em diante,será traduzido por vestÍbular. (N.T.)
proceelimenlos elapesruisa31
32
resultados foram submetidos a uma última verificação por meio
de uma pesquisa que, em 1965, foi administrada a 2.000 visitantes
de diferentes museus franceses. O método das sondagens
sucessivas permitiu não só preencher as lacunas da informação
prodigalizada pela sondagem inicial, mas também e, sobretudo,
testar pelo menor custo as hipóteses que foram colocadas em
evidência pela análise e interpretação dos dados fornecidos pela
primeira experimentação.
A tentativa de formalização
Diante das páginas de matemática deste livro, nosso
primeiro leitor confessava considerar-se como a personagem de
Christophe* que, ao assistir a uma longa demonstração do
professor Cosinus levando à fórmula U = O, achava que tal
operação exigia muito sofrimento por um, resultado bem precário;
pelo contrário, outros leitores, mais sensíveis ao rigor fecundodo raciocínio matemático, ficarão limitados a ver, talvez, as análises
"compreensivas" como aproximações impressionistas. Após a
tentativa de tantos outros estudos, convirá empreender a
justificação metodológica do esforço de formalização, correndo o
risco de suscitar a crença de que o método de uma ciência é uma
técnica abstrata e formal que deveria simplesmente ser "aplicada"
ao conteúdo empírico? "As ciências naturais, afirmava Henri
Poincaré, falam de seus resultados; por sua vez, as ciências sociais
falam de seus métodos." Para desmentir - pelo menos, uma vez
este dito espirituoso, ficaremos satisfeitos em remeter aos
resultados, com a certeza de que estes não poderiam ser obtidos
* ChrÍstophe (referência ao navegador Cristóvão Colombo) é o nome artístico deGeorges Colomb (1856-1945). Tendo sido partidário de uma pedagogia fundadano desenho, é considerado pelos franceses como o criador da "história emquadrinhos"; entre suas obras, conta-se J:ldée fixe du savant CosÍnus, (N,T.)
sem a aliança mais estreita de dois métodos, igualmente,
rigorosos.20
oestudo comparativo
Para garantirmos a comparabilidade dos resultados, ficamosatentos à utilização de procedimentos idênticos, em todas as fases
da pesquisa, nos cinco países estudados, ou seja, Espanha, França,Grécia, Holanda e Polônia. O mesmo questionário (salvo algumas
adaptações indispensáveis para levar em consideração as situaçõesnacionais) foi administrado, nas mesmas condições, ao público
dos diferentes países. As mesmas grades de análise foram aplicadas
ao material coletado, em particular, para tudo o que diz respeito àscaracterísticas sociais e escolares dos visitantes. A pretensão de
buscar a homogeneidade formal dos códigos - aliás, não seria
possível ignorar tal eventualidade - incorria no perigo, inerente a
qualquer comparação de índices abstratos e falsamenteintermutáveis, de comparar fatos formalmente comparáveis, embora
realmente incomparáveis e, inversamente, omitir a comparação defatos formalmente incomparáveis, apesar de serem realmente
comparáveis. No entanto, ao adotarmos categorias de análise mais
bem ajustadas às particularidades das diferentes condições
nacionais, por exemplo, no que diz respeito aos níveis de instrução,coibimo-nos, de saída, de proceder a qualquer possibilidade de
comparação quando, afinal, uma interpretação estrutural pode
sempre recolocar fatos conscientemente construidos por meio de
operações formalmente idênticas no sistema completo das relações
que lhes fornecem seu sentido e seu valor.
Aos problemas encontrados por qualquer pesquisa
comparativa, tal como o estabelecimento de relações entre fatosou sistemas de fatos inseridos em sistemas de relações que lhes
fornecem as propriedades específicas, acrescentavam-se todas as
procedimenlos dapesruisa33
.14
dificuldades resultantes das incertezas ou lacunas das fontes
estatísticas. Com efeito, escapar à armadilha das semelhanças oudessemelhanças aparentes, diretamente reveladas pelaexperimentação, só seria possível com a condição de levar emconsideração, em uma comparação sistemática, as diferençassistemáticas ou, melhor ainda, os diferentes sistemas de fatores
que exercem o que pode ser designado por efeito de estruturasobre cada um dos fatos empiricamente constatados. Um perfeitoacionamento desses princípios de método teria exigido que, alémdos dados fornecidospela sondagem sobre as características sociaise escolares dos visitantes de museu, fosse possível mobilizarinformações estatísticas precisas e construídas segundo categoriasidênticas sobre a estrutura das diferentes populações-mães,segundo o sexo, a idade, as classes sociais e os níveis de instrução,sobre os fluxos de turistas e de visitantes nos diferentes museus,
assim como sobre o número e a qualidade das obras expostas emcada um dos museus, etc. Considerando que era praticamenteimpossível obter todas estas informações sobre todos os paísesestudados e que as informações obtidas nem sempre eramdiretamente comparáveis em razão das divergências entre ossistemas de classificação utilizados pelos diferentes países, acomparação propriamente estrutural que pôde ser realizadaapresenta um grande número de incertezas. Se as conclusõesprudentes - e, muitas vezes, mais negativas do que positivas extraídas destas análises vierem a decepcionar quem desejassereceber respostas simples e categóricas para determinadasquestões, tais como a problemática sobre a eficácia relativa daspolíticas culturais elaboradas por regimes políticos diferentes, ométodo proposto tem, pelo menos, o seguinte mérito: por umlado, tornar possível, desde que isso seja permitido pelasinformações obtidas, uma comparação rigorosa; e, por outro,sobretudo, advertir contra as comparações imprudentes einconsideradas que, apesar de não se apoiarem em númerosfantasistas, permanecem fictícias e falaciosas, por pressuporem a
o amor pela arfe
colocação entre parênteses do verdadeiro objeto da comparação,ou seja, dos sistemas de relações de que são retirados os fatoscomparados.
procedimenfos da pesruisa 35
primeira parle
condições sociais da prálicacuRural
"Quem cultiva as ciências exatas - cuja independência e generalidade são, aliás,tão apropriadas para engrandecer o espírito e elevá-Ia acima da esfera comum
não prestou à filosofia racional os serviços que ela teria direito de esperar eexigir. Ao utilizar o método claro, preciso e seguro de tais ciências, para tratar
algumas questões delicadas, ainda não abordadas por falta de ousadia (...), essapessoa teria evitado um grande número de disputas, encontrando solução para
dificuldades bastante espinhosas e destruindo preconceitos bem enraizados eantigos; além disso, duas ou três páginas de análise, ou até mesmo se
quisermos, uma simples fórmula exposta em duas linhas, teriam demonstrado com rigor e com a evidência que não admite nenhuma dúvida e que, inutilmente,
os sofistas tentariam menosprezar com todas as suas sutilezas e chicanas -determinadas verdades já descobertas também pelos filósofos, embora com a
ajuda de instrumentos menos aperfeiçoados."
NAIGEON
Encydopédje méthodjque, t. III
Se a análise das relações empiricamente constatadas entre a
freqüência dos museus e diferentes características econômicas,sociais e escolares dos visitantes deve permitir, por um lado,
apreender o conjunto dos fatores que determinam ou favorecem a
freqüência dos museus e, por outro, estabelecer o peso relativo decada um deles e a estrutura das relações que os unem (Primeira
Parte), não se pode explicar a eficácia de tais fatores explicativos a
não ser identificando a gênese e a estrutura da disposição em relaçãoa obras culturais, tornada manifesta pela freqüência dos museus
(Segunda Parte). Finalmente, é importante que o sistema de causas
e de razões - permitindo compreender e explicar a freqüência de ummuseu, através da análise das condições mais gerais da recepção
adequada de uma obra de cultura erudita, ou seja, peça de teatro,romance, concerto ou quadro - seja submetido à prova da
generalização (Terceira Parte).
A freqüência dos museus - que aumenta consideravelmente
à medida que o nível de instrução é mais elevado - corresponde a
um modo de ser, quase exclusivo, das classes cultas.21 Verifica-se
que, em relação ao público que freqüenta os museus franceses, a
parcela das diferentes categorias sócio-profissionais corresponde
quase exatamente à razão inversa de sua parcela na população global.
Sabendo que o visitante modal dos museus franceses é bacheJjer"
* Trata-se do estudante que concluiu com sucesso seus estudos secundários e, porconseguinte, tornou-se portador do baccalauréat. (N.T.)
conchções sociais da prdlica cu/iura/ 37
(55% dos visitantes são, no mínimo, titulares do vestibular), não
será surpreendente que a estrutura do público, distribuído segundo
a categoria social, seja bastante próxima da estrutura da populaçãodos estudantes das faculdades francesas, distribuídos segundo sua
origem social: em relação ao público dos museus de arte franceses,
a parcela dos agricultores corresponde a 1%, a dos operários a 4%, a
dos artesãos e comerciantes a 5%, a dos empregados e quadros médiosa 23% (dos quais 5% de professores primários) e a das classes
superiores a 45%. A distribuição dos visitantes, segundo seu nívelde instrução, ainda é mais expressiva: 9% somente dos visitantes _
entre os quais 75% de escolares - estão desprovidos de qualquer
diploma, 11% são titulares do diploma de final de estudos primários
(C. E. R), 17% de um diploma de ensino técnico ou de um diplomade ensino geral do segundo grau (B. E. R C.), 31 % têm o vestibular
e 24% possuem um diploma equivalente ou superior à lkence. *
Neste caso, compreende-se que a parcela dos visitantes que estudaram
latim (índice bastante revelador do pertencimento a um meio culto)
atinge 40% - dos quais 4% são oriundos das classes populares, 24%das classes médias e 75% das classes superiores.
A constatação de que os visitantes das classes médias se
distinguem do conjunto de sua categoria por um nível de instrução
ligeiramente mais elevado se deve (como ficou demonstrado pelasondagem de verificação) ao fato de que, às vezes, eles se atribuem
um nível cultural superior ao que indicam seus diplomas, exprimindodessa forma, à semelhança de muitas outras condutas, sua boa
vontade cultural; no entanto, tal fenômeno se verifica também porqueo diploma nem sempre serve de indicador irrepreensível do nível
cultural, no sentido em que não leva em consideração determinados
conhecimentos, no caso, por exemplo, dos sujeitos que completaram
sua formação como autodidatas (e que são, particularmente,
numerosos nas classes médias) ou daqueles que freqüentaram vários
* Diploma universitário, título intermediário entre o 10 e o 3° ciclos do ensinosuperior. (N.T.)
anos de estudos secundários sem terem obtido um diploma. Por
conseguinte, o nível de instrução avaliado pelo diploma é, talvez,
menos significativo (pelo menos, em matéria de práticas e atitudes
culturais) do que o nível cultural de aspjração. o visitante que se
atribui o nível de vestibular - quando, na realidade, tem apenas a 4a
série ou interrompeu os estudos no 2° ano do 2° grau - iria a um
museu se não se atribuísse o nível cultural que o legitima a visitar
os museus? Sabendo que o visitante modal dos museus possui o
vestibular, não teremos bons motivos para supor que a pretensão a
esse nível de instrução contribui, em parte, para suscitar naqueles
que não o têm uma "prática de quem possui tal diploma"?
Em seu conjunto, o público dos museus é relativamente
jovem, já que a parcela dos visitantes com idade compreendida entre
quinze e vinte e quatro anos corresponde, na França, a 37% contra
18% relativamente à população total e essa super-representação é
particularmente marcante nas classes populares e médias (aliás, 13%
dos visitantes oriundos das classes populares e médias declaram ter
descoberto o museu no decorrer de sua adolescência, em companhiade colegas). Além disso, a idade média dos visitantes aumenta
continuamente à medida que se sobe na hierarquia social, o que
parece indicar que o efeito da ação escolar é tanto mais duradouro
quanto mais elevado é o nível escolar atingido: portanto, essa ação
ter-se-ia exercido de forma mais prolongada; todo aquele que a
suportou disporia previamente de uma maior competência adquirida
pelo contato precoce e direto com as obras (sabe-se que tal contato
é sempre mais freqüente à medida que se sobe na hierarquia social);e uma atmosfera cultural favorável viria alavancar e intermediar sua
eficácia. Considerando, por um lado, que os escolares e os estudantes
constituem 78% dos visitantes com idade compreendida entre quinze
e vinte e quatro anos quando, em relação às faixas etárias
correspondentes, a parcela dos sujeitos escolarizados na população
francesa é de apenas 24,5%; e, por outro, que a taxa de freqüência
indica uma queda brutal (de 37 para 16%) quando se sai da faixa
etáriamais fortemente escolarizada (de quinze a vinte e quatro anos),
38o amor pela arle condições sociais daprálica cu/iural 39
40
para diminuir, em seguida, de forma regular e tanto mais rapidamente
que se avança em direção às categorias mais idosas (ou seja, 15, 10,
8 e 4% relativamente às faixas etárias de trinta e três a quarenta e
quatro anos, quarenta e cinco a cinqüenta e quatro anos, cinqüentae cinco a sessenta e quatro anos e acima de sessenta e cinco anos),
podemos nos interrogar se a relação que une a idade e a freqüência
de um museu não traduz simplesmente o efeito da instrução. As
relações entre tal freqüência e a categoria sócio-profissional ou a
residência formulam, de fato, a mesma questão, tornando necessário,
por meio de outras técnicas, tentar determinar a influência respectiva
dos diferentes critérios que, à primeira vista, parecem igualmenteassociados à visita assídua de museus.
A busca da explicação exige, portanto, que as taxas de
representação das diferentes categorias de visitantes no conjunto
do público dos museus sejam substituídas pela probabilidadereconhecida a cada sujeito de entrar em um museu, durante
determinado tempo, segundo as diferentes características que o
definem. Como a população potencial de um museu é mal delimitada
ou ilimitada (pelo menos, virtualmente), a avaliação da população
total das categorias às quais se deve relacionar o efetivo dos visitantes
de cada categoria é necessariamente imprecisa, mas o é tanto menos
quanto maior for a unidade espacial e temporal selecionada: apesarde ser absurdo relacionar o número dos visitantes do Museu de
Lille com a população da cidade, é razoável calcular a relação entre o
número anual de visitantes de cada categoria e o efetivo global dessa
categoria ou, ainda, entre o número total de originários de
determinado país que visitaram um dos museus nacionais e a
população global desse país, o que eqüivale a admitir que, entre os
diferentes países, se verifique uma compensação aproximativa dosmovimentos de turismo cultural.
Como cada visitante é definido por um conjunto de critérios
(idade, diplomas, profissão, simbolicamente designados por A,
B, C), pode-se calcular, portanto, as probabilidades P (Ai, Bj,
Ck), ou seja, a probabilidade que uma pessoa de idade Ai, diploma
o amor pela arfe
Bj e profissão Ck, venha a visitar um museu de arte. No entanto,como as diferentes variáveis estão em co-variância e constituem
um complexo que pode ser identificado, graças a um númeromais restrito delas, encontramo-nos diante do problema clássico
da colinearidade. Todavia, se P (Ai, Bj) = P (Ai, Bj, Ck), ou dito
por outras palavras, se a idade e o nível de instrução sãoconhecidos, o conhecimento da profissão não fornece informação
suplementar, esse critério pode ser considerado independente da
freqüência de um museu (sem que a recíproca seja verdadeira, já
que, conhecendo unicamente a profissão, associada ao nível deinstrução, possuímos uma informação sobre a freqüentação) e
podemos concluir que a profissão não exerce uma influência
específica, na medida em que a relação que a une à visita assíduaa museus não passa de uma outra expressão da relação entre o
nível de instrução e tal freqüência.
Este método sofre os limites que lhe são impostos pelas condições
de experimentação estatística: em virtude da associação entre os
diferentes critérios e do reduzido tamanho da amostra, é
inevitável que, além da sub-representação de algumas categorias,
seja restrito o número de probabilidades Pi, j, k, ... cujo cálculo
seja significativo. Apesar de ser fácil isolar o efeito da idade, do
sexo, do diploma ou da profissão, a identificação da influência
simultânea do diploma e da profissão ou do diploma e do habitat
é mais difícil porque tais critérios estão ligados de forma bastante
forte.
De fato (ver Tabela 1), com a fixação do nível de instrução,o conhecimento do sexo ou da categoria sócio-profissional dos
visitantes fornece, em geral, poucas informações suplementares.
Sem dúvida, a assiduidade dos professores e especialistas de arte
é, em nível igual, nitidamente superior à das outras categorias
sócio-profissionais; sem dúvida, as mulheres oriundas da classealta visitam os museus com maior freqüência do que os homens.22
Sem dúvida, para justificar a precária representação dos
agricultores (que se encontra no limite da significação estatística
condições sociais elaprática cullural41
•..
42
em razão da reduzida importância numérica dessa categoria de
visitantes), é necessário invocar, além do afastamento espacial, ainfluência desfavorável da atmosfera cultural, própria ao meio
rural. No entanto, o fato de que a taxa de prática dos quadrossuperiores, com um nível de instrução (C. E. P. ou B. E. P. C.)inferior ao nível modal de sua categoria, seja inferior às outras
categorias sociais, leva a concluir, ainda aqui, que a instrução
tem uma influência específica e determinante que não pode sercompensada unicamente pelo pertencimento às classes sociais
mais elevadas, nem pela influência difusa dos grupos de referência.Se os sujeitos classificados na categoria dos artesãos e
comerciantes têm, em todos os níveis, uma taxa de freqüência de
museus mais elevada do que as outras categorias é porque
pertencem, em grande parte, a uma subcategoria completamenteatípica, tanto por um nível de instrução superior à média da
categoria,23 quanto por opiniões mais próximas das opiniões dasclasses superiores do que das opiniões das outras classes médias
(em particular, sobre a utilização de flechas e o tipo de visitaspreferido [cf. Apêndice 2, Tabela 2]): de fato, 15% exercem uma
profissão relacionada com a moda, 8% são livreiros ou
proprietários de gráfica e 36% (quase todos, em Paris)
desempenham uma atividade relativa à arte (antiquário e decorador,ceramista, oleiro, desenhista de jóias e de cartazes).
Embora a maioria dos visitantes estejam de acordo ao julgarque os preços de ingresso são bastante baratos [cf. Apêndice 3,Tabela 3], podemos nos interrogar se, apesar de tudo, a renda
familiar não exerce uma influência específica sobre os ritmos de
freqüência, já que o custo de uma visita inclui outras despesas, no
mínimo tão importantes, tais como as despesas com transporte ouos custos implicados em qualquer saída familiar, e se um freio
orçamentário não continuaria a agir, até mesmo, na hipótese da
gratuidade dos ingressos. A distribuição da renda segundo acategoria sócio-profissional dos visitantes concorda, sem dúvida,
com a distribuição da renda dessas categorias, tal como aparece
o amor pela arfe
Tabela 1
TAXA DE FREQÜÊNCIA DE MUSEUS, POR ANO,
SEGUNDO AS CATEGORIAS*
(expectativa matemática de visita, durante um ano, em porcentagem)
SemC.E.P.B.E.P.C.vestibular
Licence
conjuntodiplomae acima
Agricultores
0,20,420,4 0,5
Operários
0,31,321,3 1
Artesãos e
1,92,830,759,4 4,9comerciantes
Empregados,
2,819,973,6 9,8
quadros médiosQuadros
2,012,364,477,643,3
superioresProfessores,
(68,1)153,7(163,8)151,5
especialistas dearteConjunto
12,32470,180,16,2
Sexo masculino
12,324,464,565,16,1
Sexo feminino
1,12,323,287,9122,86,3
15 a 24 anos
7,55,86028625821,3
25 a 44 anos
11,114,740,670,55,7
45 a 64 anos
0,71,515,342,569,83,8
acima de 65 anos
0,41,65,324,633,21,6
* Em relação aos outros países, ver o Apêndice 5.
condições sociais elaprdfica cuRural 43
44
nas estatísticas do L N. S.E. E. * [cf. Apêndice 3, Tabelas 4 e 5]; no
entanto, por impossibilidade de calcular as taxas de freqüência em
função, ao mesmo tempo, da renda e do nível de instrução (por ser
desconhecida ainda a distribuição da renda dos franceses, segundo
seu diploma), não foi possível tirar qualquer conclusão a esse
respeito. Em todo caso, nada seria mais ingênuo do que esperar
que a simples queda do preço dos ingressos viesse a suscitar o
aumento da freqüência de museus por parte das classes populares.
Se a parcela dos sujeitos que visitam os museus ao domingo - e
mesmo quando, nesse dia, a entrada não é franca - em família,
quase sempre para acompanhar os filhos, decresce regularmente à
medida que se sobe na hierarquia social, é porque, antes de tudo,
o lazer das classes populares encontra-se submetido, maisestreitamente, aos ritmos coletivos [cf. Apêndice 2, Tabela 16].
Quanto à influência específica do habÍtat, ela não pôde ser
isolada (salvo para os rurais) em razão dos vínculos muito estreitos
que unem esta variável à categoria sócio-profissional e ao nível de
instrução. Tudo parece indicar, de fato, que as desigualdades culturais
associadas à residência estão ligadas às desigualdades de nível de
instrução e de situação social. Se, excetuando os pequenos museus,
aos quais o "Guide Vert" não atribui nenhuma estrela, os museus
recebem quase exclusivamente visitantes que habitam as cidades
universitárias, é porque as possibilidades de residir em uma grande
cidade aumentam à medida que se sobe na hierarquia social e também
porque as pequenas cidades limitam-se a oferecer poucasmanifestações e incitações culturais.
O fato de que as faixas etárias mais jovens sejam mais
fortemente representadas nos museus - a taxa de freqüência
permanece estável até a idade de sessenta e cinco anos, após uma
primeira ruptura em torno dos vinte e cinco anos -, explica-se
* Sigla de Institut national de la statistique et des études économiques, organismopúblico francês, encarregado da publicação de estatísticas, pesquisas e estudos, emparticular, sobre a conjuntura econômica. (N.T.)
o amor pela arle
manifestamente pela influência da Escola. De todos os fatores, o
nível de instrução é, de fato, o mais determinante. Uma pessoa donível do C. E. P. tem, durante o ano, 2,3 possibilidades em cem de
visitar um museu, o que eqüivale a afirmar que será necessário
esperar quarenta e seis anos para que se realize a expectativamatemática de vê-Ia entrar em um museu:24 excetuando as visitas
efetuadas sob a influência direta da Escola, a maior parte dos
indivíduos dessa categoria nunca visitarão um museu. No nível do
B. E. P. c., é necessário esperar quase cinco anos, mas passada a
idade escolar, as visitas acontecerão somente de seis em seis ou de
sete em sete anos. Para os detentores de vestibular, o ritmo das
visitas será de três por ano, durante a idade escolar e, em seguida,de uma visita de dois em dois anos. Em níveis superiores, a taxa de
visita é idêntica ao que era, para os níveis precedentes, a taxa na
idade escolar, o que é compreensível, já que neste caso a influênciada Escola é comparável, ou seja, o ritmo estabiliza-se, nas idades
pós-universitárias, por volta de duas visitas de três em três anos.
Como o diploma é um indicador bastante grosseiro do nível
cultural, pode-se pressupor que determinadas diferenças ainda
separam os visitantes do mesmo nível escolar, segundo diferentescaracterísticas secundárias. E de fato, em nível igual, aqueles que
receberam uma formação clássica são sempre mais representados
no público dos museus do que aqueles que não estudaram latim etêm sempre ritmos de prática (declarados) mais intensos. Paraevitar atribuir, como se faz freqüentemente, uma eficácia cultural
misteriosa, sobretudo, no caso particular, aos estudos clássicos, énecessário evidentemente ver nessa variável, não um fator
determinante, mas um índice de pertencimento a um meio culto,
já que se sabe que a orientação para tais estudos é cada vez maisfreqüente, mantendo-se iguais todas as outras variáveis, à medida
que se sobe na hierarquia social. O tipo de estudos secundáriosnão é, certamente, a única nem a mais determinante dascaracterísticas secundárias que explicam que, entre os indivíduos
dotados de determinado nível de instrução - por exemplo, o nível
condições sociais da prálica cuRural45
46
do vestibular, que pode ser considerado como a condição necessária,
embora não suficiente, de uma freqüência assídua dos museus -,
ainda se possa distinguir diferentes graus de devoção cultural.
Sabe-se que é possível constatar fortes variações nas práticas
culturais, assim como nas preferências artísticas de indivíduos do
mesmo nível escolar ou social, segundo o nível cultural de sua
família de origem (avaliado pelo nível de instrução e pela profissão
de seus ascendentes em linha paterna e materna). Em razão da
lentidão do processo de aculturação, sobretudo, em matéria decultura artística, determinadas diferenças sutis, associadas à
antigüidade do acesso à cultura, continuam, portanto, separando
indivíduos aparentemente iguais no que diz respeito à situação
social e, até mesmo, ao nível escolar. A nobreza cultural possui,
igualmente, seus redutos.
Para estabelecer se, à semelhança da taxa de praticantes, a
intensidade da prática (avaliada a partir de sua freqüência no
decorrer do tempo) aumenta à medida que o nível de instrução se
eleva, é necessário verificar se os praticantes têm uma prática
tanto mais intensa na medida em que representem uma proporção
mais importante de sua categoria ou, ainda, se as diferentes
categorias separadas, segundo o grau de instrução, são
homogêneas relativamente à freqüência de sua prática. Pode-se
ver uma prova disso no fato de que as classes sociais, mais
representadas no público dos museus, são também as que declaram
uma freqüência anterior mais intensa; eis o que ocorre, até mesmo,
na Polônia, país em que o público é mais jovem e menos
competente em matéria de pintura do que o público francês ou
holandês.25 Além disso, a comparação da taxa teórica de primeiras
visitas ao museu (calculada na hipótese em que cada categoria
seria homogênea relativamente aos ritmos da prática) com a taxa
das primeiras visitas efetivamente constatadas permite estabelecer
que essa taxa é tanto mais elevada em determinada categoria,
quanto mais baixa for a taxa de freqüência de museus por parte
dessa categoria, e inversamente.
o amor pela arle
Sepressupomosque a populaçãoé homogêneae que designamospor
p a taxade freqüênciaanualmédia,o número de pessoasque visitam,
pelaprimeiravez um museu, entre a idade t e a idadet + dt, é dado
pela expressão (1 - p)t-I pdt; neste caso, a proporção total das
"primeiras visitas" escreve-se em primeira aproximação:
PI = _1_ tT(1- p)t-IpdtpT
em que T é da ordem de grandeza do período da vida (digamos50 ou 60 anos), durante o qual podem ser efetuadas visitas. Assim,
temos:
PI = -1 (1_qT)
Tq log q
com q = 1 - p. Para p muito baixo, temos:
(PI tende para a unidade quando p tende a zero).
Pelo contrário, se p é suficientemente grande, PI está próximo de
zero. Observemos que basta que p esteja próximo de 20% para
que PI esteja próximo de um. Concebe-se que, se a taxa defreqüência é bastante reduzida, a proporção das primeiras visitasserá bastante elevada e, no oposto, que se a taxa de freqüência é
importante, a maior parte dos visitantes serão freqüentadoresassíduos. Em resumo, PIé uma função decrescente de p.
Sabendo pela observação que, no nível do C. E. P.,P = 2,3% comT = 60, tem-se, por conseqüência, PI = 55%, número igual à
proporção experimental, o que permite tirar a conclusão de que a
população dos visitantes desse nível é homogênea, tanto mais queos mesmos resultados podem ser obtidos escrevendo que a
distribuição das visitas a um museu segue uma lei de Poisson de
parâmetro À = Tp, em que T e p têm a mesma significação,indicada mais acima.
condições sociais da prática cullural47
48
A título de verificação, aventemos a hipótese de heretogeneidade
e admitamos que p corresponda à forma a PI em que PI é a taxa
de freqüência de uma subpopulação de importância relativa (e
relativamente reduzida), enquanto à subpopulação complementar
(de peso 1 - a) está associada uma taxa Pl nula de freqüência.Temos, então:
P= I.aJT(I_p)t-Ipctt= -1 [I-qTJI ----- o 1 1 1
a PI T ql T log ql
Encontra-se uma relação semelhante a (1); no entanto, desta vez,
ela diz respeito à taxa de freqüência PI da subpopulação dos
"devotos". PI revela-se próximo de zero, embora se presuma que
p esteja, igualmente, próximo de zero.
De forma mais geral, mostra-se que se P2 não é rigorosamentenulo, tem-se:
PI # - ..]22- 1 [1 - TpJ
P P2T log q2
que está próximo de zero se P2 é insignificante diante de p, o que
foi admitido como hipótese.16 Como o resultado teórico diverge,
realmente, do resultado experimental, a hipótese de
heterogeneidade pode ser rejeitada.
Pode-se, portanto, considerar como comprovado que as
diferentes categorias de visitantes, distintas segundo o grau deinstrução, são homogêneas relativamente à intensidade de sua
prática, que varia como a taxa de freqüência que as caracteriza, de
modo que a prática se intensifica à medida que se eleva o nível deinstrução.
Se a freqüência dos museus é, em seus ritmos, quaseindependente das regularidades que definem o calendário social,
nem por isso deixa de estar integrada nele, pelo viés do turismo,
que favorece uma intensificação da prática cultural, da oposição
sazonal entre os períodos de dias úteis e as férias. Será que issosignifica que, conforme afirmação corrente, o turismo exerce,
o amor pela arle
enquanto tal, uma influência determinante sobre a prática?
Considerando que a taxa experimental de primeiras visitas a um museu
nunca excede, até mesmo nas categorias mais favorecidas, a taxa teórica
de primeiras visitas calculada na hipótese em que cada uma das
categorias consideradas fosse perfeitamente homogênea, no que diz
respeito aos ritmos da prática, nada permite inferir que a taxa de
freqüência do conjunto da população francesa (e, por conseguinte, o
público de museus) esteja, atualmente, em via de aumentar de forma
bastante sensível quando se sabe, por outros estudos, que a taxa
global dos franceses com direito a férias está aumentandoconsideravelmente. Isso bastaria para nos levar a duvidar da eficácia
específica do turismo se não soubéssemos, por outro lado, que a
parcela dos que visitam museus apenas durante as férias (excetuando
os professores primários) é sempre bastante reduzida e que a proporção
das primeiras visitas (indicador dos ritmos de freqüência) decresce,em cada categoria, à medida que a taxa de freqüência aumenta: isso
significa que o turismo só pode exercer um efeito diferencial segundo
as categorias sociais, já que - se ele pode incitar os sujeitos menos
cultos a visitar pela primeira vez um museu - é, por si só, incapaz de
determinar "conversões" duradouras [cf.Apêndice2, Tabela 6].
De fato, sabe-se que, em primeiro lugar, o turismo não é
independente da instrução já que a amplitude, a duração e a
freqüência dos deslocamentos turísticos estão, de uma forma bastanteestreita, associadas à profissão e à renda, portanto, à instrução:
23% das famílias, cujos recursos são inferiores ou iguais a 600 Fmensais, tiram férias, contra 93% das famílias, cujos recursos
superam 2.000 F; do mesmo modo, a parcela dos "veranistas" variade forma considerável segundo a categoria profissional, ou seja, 18,5%
dos agricultores, 55% dos operários, 60% dos artesãos e comerciantes,
81 % dos quadros médios e 93% dos quadros superiores e
representantes das profissões liberaisY
Além disso, o próprio estilo do turismo e o lugar reservado
nele para as atividades culturais não dependem somente da estância
ou da duração das férias. Enquanto oportunidade, entre outras, de
condições sociais da prálica cuflural 49
i:lrüi
50
atualizar uma atitude culta, o turismo cultural, ou seja, o turismo
que reserva um tempo para as visitas a museus, depende do nível
de instrução ainda mais fortemente do que o turismo comum
[d. Apêndice 2, Tabela 11]. A parcela dos sujeitos que, a pretexto
do turismo, visitam museus cresce à medida que se sobe na
hierarquia social: passa de 45% relativamente às classes populares
para 61 % das classes médias e 63% das classes superiores [d.
Apêndice2, Tabela 17].28Inversamente, 56% dos visitantes das classes
desfavorecidas visitam o museu de sua própria cidade contra 52%dos membros das classes médias e 33% dos membros das classes
superiores [cf. Apêndice 2, Tabela 10]. Do mesmo modo, 75% dos
visitantes que habitam em municípios cuja população é inferior a
30.000 habitantes freqüentam o museu de sua cidade, o que, entre
outras coisas, pode significar que os visitantes originários das
pequenas cidades ou das aldeias vizinhas sentem-se menos deslocados
no museu local - habitualmente, menos solene - do que em um
grande museu turístico; ou, então, relativamente aos menos cultos,
pode significar que eles entraram no museu por acaso e com o objetivode passar o tempo, por ocasião de uma de suas idas à cidade. De
fato, raros no conjunto do público de museus (8%), os visitantes
que afirmam explicitamente ter entrado no museu por acaso
recrutam-se, sobretudo, entre os representantes das classes mais
desfavorecidas (ou seja, 36% dos agricultores e 27% dos operários)
e, à semelhança do que ocorre com a parcela dos visitantes por acaso,
a proporção daqueles que afirmam ter vindo para acompanhar os
filhos não cessa de decrescer, à medida que se sobe na hierarquia
social ou à medida que cresce a atração turística do museu visitado
[cf. Apêndice 2, Tabela I 7]. Segue-se de tudo isso que até mesmo na
hipótese de que as oportunidades turísticas viessem a tornar-se iguais,
as diferentes categorias sociais continuariam a conformar-se, de
forma desigual, com o turismo cultural.
Ainda, por um grande número de índices, vê-se que a ação
específica do turismo se reduz a quase nada. Assim, a parcela dos
visitantes que pela primeira vez entraram em um museu a pretexto
o amor pela arfe
do turismo é extremamente reduzida (8%) [d. Apêndice 2, Tabelas
5 e 6]. Sem dúvida, mais de 25% dos sujeitos (28%) que entraramem um museu, na idade compreendida entre quinze e vinte e quatro
anos, fizeram tal visita a pretexto do turismo, mas constituem apenas
25% do público de museus; sem dúvida, metade daqueles que odescobriram depois de terem completado vinte e quatro anos foram
induzidos a tal visita pelo turismo, mas representam apenas 3% do
conjunto dos visitantes. Em suma, as possibilidades de descobrir o
museu pelo turismo aumentam à medida que se avança em idade,
ou seja, à medida que decrescem as possibilidades de descobri-Io;assim, bastaria dar a incitação inicial, uma vez que o turismo não
pode compensar a ausência de formação artística ou intelectual.
Como o turismo está associado ao nível de instrução por
intermédio da renda, os visitantes que têm as oportunidades mais
freqüentes de visitar os museus identificam-se com os que sentemmaior inclinação em proceder a tal visita. Trata-se aí de uma das
conjunções que fazem com que, em matéria de cultura, tanto as
vantagens como as desvantagens sejam cumulativas. Portanto, ainfluência exercida pelo turismo sobre a freqüência dos museus é
limitada, antes de mais nada, em sua duração, já que se trata de umfenômeno sazonal; mas sobretudo, em seu alcance, já que aparece
como condição permissiva e não como causa necessitante: ele pode
facilitar a prática cultural ampliando o campo das ocasiões de visita,
embora, por si só, não seja suficiente para determinar umaintensificação da prática. Em outra linguagem, se é demasiado
evidente que o turismo cultural pressupõe o turismo (na qualidade
de condição necessária), nem por isso deixa de variar nos limitesassim definidos, como o nível de instrução e não como o turismo.
À maneira da exposição, o turismo reativa os sentimentos de
obrigação que são constitutivos do sentimento de fazer parte domundo culto; quando a visita habitual a um museu sempre acessível
a todos escapa aos ritmos e controles coletivos e nada fica devendo
às pressões difusas que impõem a participação (enquanto presença
e representação) nas cerimônias coletivas, é um verdadeiro programa
condições sociais da práfica cu/iural 5 1
5352
de práticas obrigatórias que, por ocasião dos deslocamentos
turísticos, é invocada por aqueles que têm ambições culturais mais
consistentes, ou seja, aqueles que pertencem ou aspiram a fazer
parte do mundo culto: este programa recebe sua força de coerção _pelo menos, em parte - das normas difusas, definidas e evocadas
pelos grupos de referência, amigos ou companheiros de trabalho
aos quais serão relatadas as férias e, também, pelos manuais turísticos
da arte de viver - "Guide Bleu" utilizado, sobretudo, pelas classessuperiores; "Guide Vert", mais comum entre as classes médias _
que ditam o que deve ser feito para poder falar aos outros e dizer a si
mesmo que já se "conhece" a Grécia ou a Itália. "Não poderia deixar
Lille sem visitar seu museu - diz um quadro superior; já tinha ouvidofalar de seus belos quadros." Por conseguinte, o crescimento
(correlato de um aumento do volume global dos visitantes) darepresentação das classes favorecidas, do ponto de vista social e
cultural, observado em alguns museus por ocasião das férias, é tanto
mais marcante quanto maior for sua força de atração turística
(definida pela notoriedade da cidade em que se encontram e,
sobretudo, pela celebridade das obras do seu acervo) e,
correlativamente, quanto mais elevado for o nível de informaçãoque eles propõem [d. Apêndke2, Tabela 9].29
Assim, o Museu de Autun, grande museu turístico (pelas célebres
obras de seu acervoe pela qualidade excepcionalda apresentação),
recebe quase exclusivamente um público de turistas cultos (75%
são detentores do vestibular), diferentemente das cidades de
importância equivalente, tais comoMoulins (uma estrela) ou Agen(três estrelas), em que o público localrepresenta, respectivamente,
21 % e 14% dos visitantes. No conjunto dos museus que receberam
de uma a quatro estrelas, a parcela relativa dos operários chega a14% do público, limitada a 4% no conjunto dos outros museus e
nula nos dois Museus de Paris Ueu de Paume e Arts décoratÍfs),
cujo público é particularmente aristocrático. Em compensação, aproporção dos quadros superiores passa de 41,5% nos museus
com uma estrela para 71,3% no Musée duJeu de Paume.
o amor pela arle
Como os imperativos culturais só podem constranger aqueles
que entendem manifestar seu pertencimento ao mundo culto, ao
obedecerem às regras que definem precisamente tal pertencimento,
a intensificação da prática favorecida pelo turismo é tanto mais forte
quanto mais se avança em direção às classes mais cultas (definidas
por um nível de recepção mais elevado); além disso, os deslocamentos
turísticos podem oferecer, no máximo, algumas possibilidades
suplementares de visitas aos sujeitos das classes populares que, na
maior parte do tempo, não passam de visitantes por acaso. Enquanto
os membros das classes cultas sentem-se convocados a respeitar
determinadas obrigações culturais que lhes são impostas na qualidadedo dever-ser constitutivo de seu ser social, os membros das classes
populares que, em sua prática, rompessem com as normas estéticas
e culturais respeitadas pelas pessoas à sua volta (procedendo à
decoração de suas casas com reproduções de quadros, em vez de
qualquer outra imagem, ou escutando música clássica, em vez de
canções) seriam chamados à ordem por seu grupo, pronto a perceber
o esforço para "se cultivar" como uma tentativa para "se aburguesar";e, de fato, a boa vontade cultural das classes médias é um efeito da
ascensão social, ao mesmo tempo que uma dimensão essencial da
aspiração aos direitos (e aos deveres) da burguesia. Na medida em
que as aspirações são sempre avaliadas de acordo com as possibilidades
objetivas, o acesso à cultura erudita, assim como a ambição de ter
acesso a ela, não pode ser o produto milagroso de uma conversão
cultural, mas, no estado atual, pressupõe uma mudança de condiçãoeconômica e social.
Assim, as relações observadas entre a freqüência assídua de
museus e determinadas variáveis, tais como a categoria sócio
profissional, a idade ou o habitat, reduzem-se quase totalmente à
relação entre o nível de instrução e tal freqüência. Uma prova
suplementar pode ser encontrada no fato de que a análise fatorial
aplicada, separadamente, a duas subpopulações (o que tende a
neutralizara influência do nível de instrução) - ou seja, a dos
visitantes de nível inferior ao vestibular e a dos visitantes que, no
condições sociais da prálica cufiural
* Em francês, âge
Os diferentes tipos de relações entre as diferentes variáveis
que foram descritos mais acima podem ser resumidos sob a forma
do seguinte esquema lógico.
Os dados da experiência podem ser indicados da seguinte maneira:
Variáveis Operadores
E
Escola X--7Yé, em probabilidade, causa de Y
A
Idade* X=YXeYestãoassociados
S
Sexoestocasticamente
C
Categoria profissionalX--7Y
implica evidentemente X = Y,mas não o contrárioR
Renda X;tYX e Y são independentes
I
Nível de Instrução estocasticamente, o que implica
(familiar e escolar)
que X não é causa de Y,ou Y de X
T
Turismo XxY --7ZX aplicado sobre Y implica Z; X é
P Campo das ocasiões da
causa de Z; Y é uma variável
permissiva,masnãovisita
necessariamente causa de X.
F Freqüência dos museus
X-YFinalmente, se X = Y, será
definirdo o símbolo X - Y como avariável residual obtida,neutralizando em X a ligaçãoempírica constatada entre X e Y;seria possível definir uma variáveldiferente Y - X.
SIMBOLISMO UTILIZADO
F = I
F=C
F=R
F=A
F;tS
F - I ;t C (em primeira aproximação)
F-I;tRF-I'= A
(1)
(2)
(3)
(4)
(5)
e (6)
(7)
mas (8)
mlmmo, são titulares desse diploma - não identifica correlações
significativas entre as diferentes variáveis selecionadas (seja em
relação a características sociais e culturais ou a atitudes e opiniões)
quando, relativamente ao conjunto da população, relações bastante
fortes unem cada uma dessas variáveis no nível de instrução.30
A população dos visitantes, cujo diploma é inferior ao vestibular,
é ligeiramente menos homogênea, de modo que aparecem
correlações inferiores ao patamar de significação, embora
ligeiramente mais fortes do que na outra categoria. Isso explica-se
pelo fato de que, abaixo do nível que define o visitante moda!, o
"rendimento" do ensino é fortemente crescente, de modo que
pequenas diferenças de nível cultural implicam fortes diferenças
de comportamento; no entanto, o inverso é verdadeiro para a
população de nível superior ao vestibular [d. Apêndice 2, Tabelas
22 e 23]. Daí, como veremos, segue-se que um ano de ensino
suplementar pode levar ao museu um número mais elevado de
visitantes suplementares entre as classes menos cultas do que entre
os detentores de um diploma igualou superior ao vestibular.
A existência de uma relação tão forte entre o nível de instrução
e a prática cultural não deve dissimular que, considerando os
pressupostos implícitos que a comandam, a ação educativa do sistema
escolar tradicional só pode alcançar toda a sua eficácia enquanto se
exercer sobre indivíduos previamente dotados, pela educação familiar,
de uma certa familiaridade com o mundo da arte: daí, segue-se que a
ação da Escola - exercida de forma bastante desigual (nem que fosse no
que diz respeito à duração) sobre as crianças oriundas das diferentes
classes sociais e que não é bem-sucedida senão de forma bastante
desigual junto àqueles que ela atinge - tende, pelo menos, em países
como a França ou a Holanda,31 a reduplicar e consagrar, por suas sanções,
as desigualdades iniciais diante da cultura. Assim, considerando que a
parcela daqueles que receberam da família uma iniciação precoce cresce
consideravelmente com o nível de instrução, o que é possível identificar
através do nível de instrução limita-se a ser o acúmulo dos efeitos da
formação adquirida no seio da família com as aprendizagens escolares,
por sua vez, pressupostas por tal formação.
54 o amor pela ar/e condições sociais da prálica culfural55
56
Esta última relação (8) traduz, de fato, a relação causal (9)E -7 F (ação direta da Escola).
Pode-se, portanto, induzir a relação causal fundamental:
(10) 1-7 F
É fácil dar conta, então, de todas as relações empíricas porque
I -7 R o que implica I = R
I -7 C o que implica I = C
Se as relações (1) a (7) tivessem um caráter absoluto e não empírico,
estaria se tratando de uma verdadeira demonstração. Nada impede,
portanto, de determinar F - C ou F - R e estabelecer relações:
F-C=I e F-C;tR
F-R=I e F-R=C
Daí, resulta que I possui a maior "virtude" explicativa. Em
compensação, o procedimento estatístico encontra, aqui, seu
limite; e, ainda, convirá estabelecer a lógica das relações causais.
Falta reintroduzir o turismo. A relação (10) deve ser completadapela relação evidente:
(11) IxP-7F
o nível de instrução age sobre um campo de ocasiões de visita P
[correspondente, na Terceira Parte, à soma ill(x)].
Se este campo está vazio (igual a zero),
I x (P = O) -7 O
T faz parte de P, portanto;
(12) I x T -7 F
Em compensação, se T = O, tem-se sempre I x (T = O) -7 F e arelação T -7 F só é verdadeira se existir L
Por último, podemos nos interrogar se a relação F -7 F é
comprovada, ou seja, se a freqüência pode, por si só, implicar uma
intensificação da freqüência. De fato, verificam-se todas as
possibilidades de que, em relação aos sujeitos poucos cultos, a
o amor pek ar/e
primeira visita não tenha continuidade; no entanto, ocorre que,
além de um certo número de visitas, a familiarização resultante
da freqüência repetida deve reforçar a disposição para talassiduidade.
Daí, o gráfico:
Finalmente, se este esquema é válido, I desempenha o papel de
uma variável latente no sentido de Lazarsfeld, ou seja, de tal modo
que todas as correlações parciais, tais como r (i, j, 1) sejam nulas;
neste caso, i e j designam a variável que se quiser e, em particular,
uma das numerosas variáveis de atitude que se pode imaginar.
Em compensação, cada uma dessas variáveis pode depender de L
O cálculo da matriz [rjj] para a subpopulação inferior ao nível do
vestibular e à população superior a esse nível [ver supra, p. 54 e
Apêndíce 2] coloca em evidência, além disso, a existência de
"classes latentes", ou seja, de classes em que cada uma se reagrupa,
praticamente, em determinado ponto do campo da variável latente,
isto é, uma classe além do vestibular - que poderia corresponder
rigorosamente ao que se chama comumente o público culto - e,
no mínimo, duas aquém do vestibular.
Por se estabelecer no intermédio de diferenres variáveis, em
si mesmas independentes, a relação entre a variável explicativa e a
variável explicada apresenta uma grande estabilidade, manifestada
pela análise comparativa da estrutura social do público dos museus
de países tão diferentes, em diferentes aspectos, tais como a Espanha,
condições sociais da prática cufiural 57
58
a França, a Grécia, a Holanda e a Polônia. Todas as diferenças que
incidam apenas sobre uma das variáveis intermediárias - por exemplo,
o turismo ou a distribuição por categoria sócio-profissional - não
são acompanhadas por nenhuma modificação importante relativa à
freqüência, como mostra o caso da Polônia que recebe um número
bastante reduzido de turistas estrangeiros ou a constância das
estruturas dos públicos de países dotados de estruturas sociaisbastante diferentes. Tudo acontece como se a eficácia de cada um
dos fatores secundários estivesse subordinada à estrutura do
conjunto dos fatores, de modo que a modificação de um deles pode
sempre ser compensada, enquanto a estrutura do conjunto não sofrer
a transformação sistemática que, segundo parece, seria a única capazde afetar, de maneira sensível, a relação fundamental entre a instrução
e a freqüência.
O público de museus, analisado segundo as principais
variáveis sócio-demográficas, apresenta características sensivelmente
comparáveis nos diferentes países estudados: assim, a proporção
dos visitantes que receberam uma educação secundária ou superior
atinge 89% na Grécia, 78% na França, 63,3% na Holanda (e 90,4%
se for incluído o primário superior), contra 60% somente na Polônia
[cf. Apêndke 5, Tabela 1]. Os jovens de idade compreendida entre
quinze a vinte e cinco anos constituem sempre uma importante
parcela do público, ou seja, 41 % dos visitantes gregos, 39% dosvisitantes franceses e holandeses, além de 47% dos visitantes
poloneses [d. Apêndke 5, Tabela 2]. Por toda parte, as taxas de
freqüência decrescem com a idade, sensivelmente segundo a mesma
lei. Nesses diferentes países, é mínima a diferença de estrutura social
do público: os operários representam 2% dos visitantes gregos eholandeses, 4% dos visitantes franceses e 10% dos visitantes
poloneses; por sua vez, a proporção dos agricultores é sempre inferior
(ou seja, entre 1 e 3%). As proporções dos quadros médios, quadros
superiores e professores ou especialistas de arte são notavelmente
constantes já que se situam, respectivamente, em torno de 17%
(13% na Grécia), 15% e 8 a 10% [d. Apêndke5, Tabela 3]. A parcela
o amor pela arle
do público, cuja freqüência está associada de forma mais estreita àinfluência direta ou indireta da escola, é também bastante estável,
já que os estudantes e os escolares representam 31 a 32% dos
públicos francês, grego e holandês, além de 39% do público polonês.A distribuição por sexo é também bastante semelhante nos diferentes
países; por toda parte, os homens são mais representados do que asmulheres. Se, diferentemente da França, a proporção das mulheres
permanece inferior à dos homens, até mesmo nos níveis de instruçãomais elevados, é porque a parcela das mulheres que terminam os
estudos superiores é inferior à dos homens; assim, pelo menos, à
primeira abordagem, somente a Polônia distingue-se dos outros
países por um conjunto de diferenças do mesmo sentido que, segundo
parece, traduzem o efeito de uma ação escolar mais intensa.32
Todavia, por não termos relacionado a distribuição do públicode museus de arte dos diferentes países, segundo as diferentes
variáveis, com a distribuição da população global segundo as mesmas
variáveis, expomo-nos a considerar disparidades ou similitudes que
podem referir-se a simples diferenças morfológicas como se fossemtributárias de diferenças institucionais ou culturais. É evidente,
por exemplo, que a comparação direta entre duas populações devisitantes só tem sentido se as populações globais correspondentes
apresentarem composições semelhantes, pelo menos, no que diz
respeito à idade e ao nível de instrução, assim como ao conjuntodos fatores associados à freqüência. Quando não existem tais
condições, só é possível comparar as características de categorias
dotadas de propriedades idênticas. Por sua vez, esta comparação sóencontra seu fundamento na hipótese em que a estrutura global
das características inerentes às diferéntes categorias, ou dos fatores
que as comandam, não possa ser considerada, em si mesma, comoum fator determinante dos diferentes tipos da prática: assim, uma
prática determinada, em sua totalidade ou em parte, pela busca da"distinção" que se designa comum ente pelo nome de esnobismo
depende da importância numérica relativa do grupo ou da classesocial implicados em tal busca e, sobretudo, de sua posição na
condições sociais da prdlica cu/iural59
60
estrutura social, de modo que toda modificação de uma parte dosistema das relações entre os grupos envolvidos implicaria na
modificação das características do conjunto dos grupos. A questão
é particularmente importante por se tratar de práticas culturais que,como se sabe, obedecem, em geral, à dialética da divulgação e dadistinção.
Com todo o rigor, a comparação metodologicamente
irrepreensível das características dos diferentes públicos pressupõeque se possa construir o sistema das co-variâncias pelas quais a
estrutura do sistema de relações entre diferentes variáveis, quedefinem o público de cada país, se transforme em uma outra, demodo que, a cada um dos sistemas estudados, seja possível conferir
sua posição no âmbito do conjunto dos casos possíveis, incluindo
os que foram realmente observados. Isso significa que, estabelecida
pela sondagem a estrutura dos públicos dos diferentes museus da
Europa, ou seja, o sistema das relações diretas ou mediatas entre
variáveis dependentes ou independentes - tais como sexo, idade,nível de instrução, categorias sócio-profissionais, preferências em
matéria de pintura, expectativas relacionadas com a organização dosmuseus e com a apresentação das obras, etc. -, pretenderíamos levar
em consideração os valores de posÍção que cada uma dessas relaçõesdeve a seu pertencimento a um sistema particular de relações: no
entanto, semelhante comparação sistemática teria pressuposto umainformação sistemática sobre o conjunto das características dos
diferentes subsistemas de cada nação e, em particular, um
conhecimento aprofundado de cada um dos sistemas de ensino, com
suas tradições pedagógicas próprias, as diferentes políticas culturais,etc. Para evitar, em todo caso, comparar o incomparável e omitir de
comparar o comparável, era importante controlar a ação sistemática
exercida pelo sistema das características demográficas e sociais
inerentes a cada país - ou seja, a estrutura da população segundo osexo, a idade, o emprego e o nível de instrução - sobre cada uma das
relações, determinando as leis de transformação que,sistematicamente aplicadas a um dos sistemas de relações
o amor pela arle
estatísticas, ou mais exatamente ao princípio dessas relações,
permitem reencontrar as estruturas de todos os outros sistemas de
relações, com exceção de algumas variáveis independentes,
relativamente pouco numerosas e secundárias, cujas variações são
independentes das variáveis associadas.
Em um primeiro momento, pode-se relacionar a distribuição
do público segundo a idade ou o nível de instrução, com a
distribuição da população nacional segundo as mesmas relações, a
fim de determinar se as diferenças constatadas na composição dos
diferentes públicos são o efeito de diferenças na estrutura demo gráfica
e escolar da população global. Observa-se então que, como sugeria a
leitura direta das distribuições por idade, a parcela relativa dos jovens
no público é maior na Polônia. Neste caso, a relação entre a
população dos visitantes com idade compreendida entre quinze e
vinte e cinco anos no público de museus de arte e a proporção
correspondente na população nacional passa de 3 na Polônia, para2,8 na França, 2,15 na Grécia, 2 na Holanda; além disso, o decréscimo
da freqüência com a idade é tanto mais forte quanto maior é a parcela
dos jovens no público de cada país [d. Apêndice 5, Tabela 3]. É
difícil estabelecer a separação entre o que deve ser imputado à idade
e o que deve ser imputado à geração, já que, sobretudo no caso da
Polônia, as diferentes gerações foram submetidas a sistemas de
ensino profundamente diferentes; além disso, tudo leva a pressupor
que, ao democratizar-se - por conseguinte, atingindo classes sociais
dotadas de um capital cultural menos importante - qualquer sistema
de ensino perde sua eficácia para essas novas categorias.
Muito mais difícil é proceder a uma comparação metódica das
relações entre a proporção dos visitantes dotados dos diferentes níveis
de instrução e a proporção das populações correspondentes no
conjunto da população. De alguma forma, todas as diferençassistemáticas entre os diferentes sistemas escolares acabam ficando
inscritas em cada uma das relações comparadas: pelo fato de que os
conhecimentos adquiridos na escola, correspondentes a um mesmo
número de anos de estudos ou a um diploma "equivalente", podem
condições sociais daprálica cuJiural 61
62
variar consideravelmente - segundo o conteúdo do ensino e, em
particular, do ensino de cultura; segundo os métodos pedagógicos
utilizados e os valores que, implícita ou explicitamente, regem a
transmissão da cultura e, em particular, da cultura artística; segundo
o recrutamento social dos docentes e discentes; e segundo o modo
de atribuição dos diplomas escolares (concurso, exame ou simples
certificado de escolaridade), etc. -, assim também as categorias
definidas pela posse de diplomas, formalmente equivalentes, podem
diferir profundamente em sua aptidão para a prática cultural e em
suas atitudes em relação à cultura. A despeito de tais reservas,
observa-se que, em todos os países, a distribuição dos ratios de
freqüência obedece à mesma lei: os ratios entre a proporção de
visitantes de museus dotados de um nível de instrução superior e a
proporção correspondente da população são de 17,3 na Holanda,
12,5 na França, 11,7 na Polônia e 11,5 na Grécia, contra 20 na
Holanda, 10,5 na Grécia, 10 na França e 1 na Polônia, no nível
secundário; por sua vez, no nível primário, situam-se em torno
de 0,5 em todos os países, com exceção daPolônia (1,5) [cf.ApêndÍce5,Tabela 4].33
Para avançar além de uma simples comparação das estruturas
do público ou, até mesmo, das estruturas corrigidas pela ponderação
das categorias consideradas na população global, seria necessário,
com todo o rigor, calcular, como se fez em relação à França, as
expectativas de freqüência associadas a cada uma das categorias
reputadas como homogêneas no que diz respeito a tal assiduidade;
mas, de fato, os diferentes censos nem sempre fornecem as
distribuições da população segundo a idade e o nível de instrução.
Ainda outro aspecto, além de nunca isolarem o público nacional, asestimativas oficiais dos fluxos anuais de visitantes limitam-se a
apoiar-se em estatísticas das entradas nos museus, estabelecidas
sem a preocupação de garantir a comparabilidade entre os diferentes
países ou, até mesmo, entre os diferentes museus de determinado
país: a contagem das visitas gratuitas ou as visitas coletivas obedece
a métodos diferentes e, às vezes, é descurada; em alguns museus, as
o amor pela arle
entradas não são levadas em consideração; qualquer procedimento
utilizado para contar o número de visitantes - seja pela estimativa
dos guardas, por catraca ou célula foto elétrica - acaba apresentandodiversos inconvenientes que só poderiam ser evitados pela contagem
dos ingressos individuais ou coletivos. Ainda mesmo nestas
condições, é possível tentar determinar os fluxos teóricos devisitantes nos diversos países estudados ao lhes atribuir as
expectativas de freqüência do público de museus franceses, ou seja,na hipótese em que os comportamentos das diferentes categorias
dos países estrangeiros fossem idênticos aos das categorias homólogas
da população francesa; assim, a comparação de tais fluxos teóricoscom os fluxos declarados deveriam permitir que nos interrogássemos
sobre os fatores explicativos que, depois da exclusão dos fatores
demográficos, pudessem justificar desvios superiores aos erros de
avaliação.
Quando - por exemplo, no caso da Grécia - dispomos da
distribuição da população segundo o sexo, a idade e o nível de
instrução, basta aplicar as expectativas matemáticas de visita dasdiferentes categorias da população francesa [d. acima, Tabela 1] para
determinar o que seria o fluxo teórico anual de visitantes gregos, na
hipótese em que as diferentes categorias da população grega tivessem
expectativas de visita semelhantes às das categorias correspondentes
da população francesa: como este fluxo teórico pode ser estimadoem cerca de 640.000 visitantes, vemos que os gregos têm uma prática
que, segundo parece, é nitidamente mais reduzida do que a dosfranceses, já que, segundo é demonstrado pela sondagem junto ao
público de museus gregos, em 1.300.000 visitas registradas no
conjunto dos museus helênicos, 10% somente dizem respeito ao
público nacional. Em relação à Polônia, o fluxo teórico calculado
segundo o mesmo método atinge o número de 1.850.000 visitas,
enquanto o número total dos visitantes dos cinco maiores museus
poloneses (Varsóvia, Cracóvia, Lodz, Lublin e Wroclaw) se eleva, em1963, a cerca de 2.300.000 (este número inclui as visitas gratuitas
contadas por meio de uma célula foto elétrica no Museu de Varsóvia,
condições sociais da prática cuDural63
64
o que implica, sem dúvida, uma superestimação): daí, podemos
concluir que a freqüência dos poloneses é, mantendo-se iguais todas
as outras variáveis, ligeiramente superior à dos franceses. Em relação
à Holanda, a falta de informações sobre a distribuição da população
por idade e por nível de instrução obriga a proceder a uma estimativa
a partir de dados existentes, portanto, a introduzir um elemento
suplementar de incerteza: por exemplo, foi necessário admitir que
os efetivos de diplomados do ensino secundário e do ensino superior
eram proporcionais, em cada faixa etária, ao número de diplomados
de cada uma dessas ordens de ensino na época em que a categoria
considerada se encontrava em idade de obter diplomas (ou seja, por
exemplo, que o número de indivíduos de quarenta a cinqüenta anos
com um nível de instrução superior era proporcional ao número de
diplomas atribuídos entre os anos de 1940 e 1950). Seja qual for o
grau de aproximação desse cálculo, parece possível dizer que a
freqüência dos holandeses é praticamente igual à dos franceses, já
que o fluxo teórico de 2.300.000 visitantes é inferior ao fluxo
oficialmente declarado para o público de museus holandeses
(3.500.000), embora igual ao fluxo nacional tal como ele pode ser
calculado por subtração dos visitantes estrangeiros (ou seja, segundo
a sondagem junto ao público, 42% dos visitantes).
Assim, no que diz respeito às taxas de freqüência, a Polônia,
a Holanda e a França opõem-se nitidamente à Grécia: como se sabe,
este país tem taxas de escolarização bastante inferiores às dos outros
três países, além de reservar um espaço reduzidíssimo ao desenho e
à história da arte em um sistema de ensino primordialmente
consagrado à língua e à literatura antigas. A elevada taxa que se
verifica na Polônia deve ser imputada, segundo parece, não tanto a
uma ação direta que tivesse sido exercida sobre o público adulto
(como é testemunhado pela taxa bastante reduzida de visitantes
que afirmam ter entrado, pela primeira vez, em um museu, na idade
adulta, por ocasião de visitas promovidas por associações ou
organismos de ação cultural), mas a uma transformação da
significação social do museu e, sobretudo, a uma ação direta da
o amor pela arle
Escola, particularmente, intensa, cujos efeitos podem ser avaliados
pela taxa bastante elevada de escolares e estudantes entre os visitantes(e, correlativamente, pela elevada taxa de jovens), assim como pelaelevada taxa de visitantes que devem sua primeira visita à Escola.
De fato, tudo parece indicar que o público polonês que, em relação
à freqüência, se situa no mesmo plano do público holandês oufrancês, distingue-se muito mais nitidamente desses dois públicos
por suas atitudes e opiniões que parecem revelar um nível de
competência artística mais próximo do nível do público grego do
que do nível dos outros dois públicos. Quando se considera, defato, indicadores de atitude ou de competência tão diferentes quanto
o tipo de visita desejado [cf.Apêndice 5, Tabela 5], as opiniões sobreos subsídios desejados [cf.ApêndiceS, Tabela 6], as preferências em
matéria de pintura [cf. Apêndice 5, Tabela 7], ou de gênero artístico
[cf. Apêndice 5, Tabela 8], o tipo da primeira visita [cf. Apêndice 5,Tabela 9] ou o número de museus precedentemente visitados [cf.
Apêndice 5, Tabela 10], etc., observa-se que a Grécia, a Polônia, a
França e a Holanda se classificam regularmente na mesma ordem;
assim, a probabilidade de aparição de atitudes e de opiniões que, em
determinado país, estão associadas a um elevado nível de instrução
(e, por conseguinte, a uma posição elevada na sociedade), é tantomais forte para o conjunto das categorias de determinado país quantomais elevada for sua posição na hierarquia dos países estudados. É,
sem dúvida, na distribuição dos públicos dos diferentes países
segundo o tipo da primeira visita ao museu que, mais claramente,se revela o modo privilegiado de transmissão da cultura artística
(que é o princípio da relação privilegiada com essa cultura) e, por
conseguinte, a antigüidade e a força da tradição cultural: as primeirasvisitas são suscitadas pela família, de forma mais freqüente, na
Holanda e na França (e, com maior freqüência na Holanda do que
na França); pela Escola, com uma freqüência muito maior, na Polônia;
e pelo acaso ou pela recomendação de um amigo, muito mais
freqüentemente, na Grécia [cf. Apêndice 5, Tabela 9]. Assim, comomostra também a comparação dos números médios de pintores ou
condições soáais da prálica cuBura!65
66
de escolas de pintura citados, em nível de instrução equivalente,
pelos visitantes dos diferentes países [d. Apêndice 5, Tabela 7], a
Holanda e, em menor grau, a França - país em que a tradição artística,
ao mesmo tempo antiga e sempre viva, portanto profundamente
inscrita nos costumes das classes privilegiadas - opõem-se a países,
tais como a Grécia, país em que a freqüência de museus e o gosto
pela arte estão reservados a uma minoria de amadores apaixonados,
ou a Polônia que, à escala da sociedade, tende a compensar a
fragilidade relativa de seu capital cultural por uma espécie de boa
vontade cultural.34 Tudo parece indicar que as diferentes estruturas
das distribuições das atitudes, segundo os níveis de instrução ou as
classes sociais, podem ser obtidas por translação a partir de uma
dessas variáveis, como se o princípio de todas as diferenças
sistemáticas em matéria de competência artística e, sobretudo, talvez,
de atitude em relação à cultura, que separam os visitantes dos
diferentes países, não fosse outra coisa senão o que poderia ser
designado por capital cultural nadonal; este seria avaliado pelo grau
de desenvolvimento do sistema de ensino (e pela antigüidade desse
desenvolvimento), assim como pela importância do capital artístico
que, por sua vez, depende da antigüidade e da vitalidade das tradições
artísticas (cujos índices seriam encontrados na existência de escolas
de pintura, de coleções particulares, etc.).35 A dupla posição da
Polônia se explicaria, então, pelo fato de que o efeito de aceleração
do processo de aculturação, em decorrência da intensificação da açãodireta da Escola, manifesta-se de uma forma mais diretamente
observável nas práticas do que nas atitudes e aptidões: o decréscimo
particularmente rápido, com a idade, das taxas de freqüência do
público polonês dá testemunho, com efeito, de que uma disposição
à prática que seja inculcada principalmente pela Escola está votada
a enfraquecer-se mais rapidamente do que a disposição produzidapela ação escolar quando exerci da sobre indivíduos dotados, tais
como as crianças oriundas das classes privilegiadas dos países da
"velha cultura", da familiaridade adquirida pelas experiências
precoces. Considerando a parte que pode caber à família na
o amor pela arle
transmissão da cultura artística, compreende-se que a prática cultural
e, mais ainda, a competência artística e as atitudes em relação às
obras culturais estejam estreitamente associadas ao capital cultural
nacional: toda a tradição cultural dos países de velha tradição exprime
se, de fato, em uma relação tradicional com a cultura que não pode
ser constituída em sua modalidade própria, com a cumplicidade das
instituições encarregadas de organizar o culto da cultura, a não ser
no caso em que o princípio da devoção cultural foi inculcado, desde
a primeira infância, pelas incitações e sanções da tradição familiar.
condições sociais da prdlica cufiural 67
seyunda parle
obras cuRurais
e dispOS1ÇãocuRa
SerpentÍn: "Ao dirigir-lhe meu pensamento, este reflete-se em sua mente namedida em que encontra aí idéias correspondentes e palavras convenientes. Aliás,
ele formula-se aí por meio de palavras que, segundo parece, o senhor entende; ereveste-se de sua própria língua, de suas frases habituais. Provavelmente, seus
acompanhantes entendem o que lhe digo, mas, cada um conservando suasdiferenças individuais de vocabulário e de elocução."
Barnstaple: "E eis a razão pela qual, uma vez por outra - por exemplo (...)quando o senhor se eleva até idéias, de cuja existência nossas mentes nem
suspeitam -, não entendemos nada."
H. G. WELLS,
MonsÍeur Barnstaple chez les Hommes-DÍeux.
A estatística revela que o acesso às obras culturais é privilégioda classe culta; no entanto, tal privilégio exibe a aparência da
legitimidade. Com efeito, neste aspecto, são excluídos apenas aqueles
que se excluem. Considerando que nada é mais acessível do que os
museus e que os obstáculos econômicos - cuja ação é evidente em
outras áreas - têm, aqui, pouca importância, parece que há motivos
para invocar a desigualdade natural das "necessidades culturais".Contudo, o caráter autodestrutivo dessa ideologia salta aos olhos:
se é incontestável que nossa sociedade oferece a todos a possibilidade
pura de tirar proveito das obras expostas nos museus, ocorre que
somente alguns têm a possibilidade real de concretizá-Ia.
Considerando que a aspiração à prática cultural varia como a prática
cultural e que a "necessidade cultural" reduplica à medida que esta
é satisfeita, a falta de prática é acompanhada pela ausência do
sentimento dessa privação; considerando também que, nesta matéria,
a concretização da intenção depende de sua existência, temos o
direito de concluir que ela só existe se vier a se concretizar. O que é
raro não são os objetos, mas a propensão em consumi-Ios, ou seja,a "necessidade cultural" que, diferentemente das "necessidades
básicas", é produto da educação: daí, segue-se que as desigualdadesdiante das obras de cultura não passam de um aspecto das
desigualdades diante da Escola que cria a "necessidade cultural" e,
ao mesmo tempo, oferece os meios para satisfazê-Ia.
Além da prática e de seus ritmos, todas as condutas dosvisitantes e todas as suas atitudes em relação às obras expostas
obras cuiíurais e disposição cuiía 69
70
estão associadas, direta e quase exclusivamente, à instrução avaliada,
seja pelos diplomas obtidos, seja pela duração da escolaridade. Assim,
ao ser considerado um bom indicador do valor objetivamente atribuído
às obras apresentadas - seja qual for a experiência subjetiva
correspondente, prazer estético, boa vontade cultural, sentimento
de obrigação ou uma miscelânea de tudo isso' -, o tempo médio
efetivamente dedicado à visita cresce regularmente com a instrução
recebida, passando de vinte e dois minutos em relação aos visitantes
das classes populares para trinta e cinco minutos utilizados pelos
representantes das classes médias e quarenta e sete minutos
relativamente aos visitantes das classes superiores. Sabendo-se, por
outro lado, que o tempo que os visitantes declaram ter passado no
museu permanece constante, seja qual for seu nível de instrução,
pode-se supor que a sobreavaliação (tanto mais forte quanto mais
baixo for o nível de instrução do visitante) do tempo efetivamente
passado no museu denuncia (à semelhança do que ocorre com outros
índices) o esforço dos sujeitos menos cultos para se adaptarem ao
que consideram como a norma da prática legítima - norma que
permanece praticamente invariável, em determinado museu, para os
visitantes das diferentes categorias.
Os tempos médios declarados pelos visitantes de cada museu
podem ser considerados como indicadores da norma social do
tempo de visita que merece cada museu. A hierarquia dos museus,
segundo a parcela dos visitantes que declaram ter dedicado mais
de uma hora à visita, corresponde, grosso modo, àquela que
poderia ser estabelecida com a ajuda de indicadores, tais como o
número de estrelas que os guias atribuem aos museus: Rouen
59,5%; jeu de Paume - 58,5%; Lyon - 55,5%; Dijon - 51%; Lille
47%; Colmar - 46%; Douai - 43%; Tours - 42%; Laon - 40%; Bourg
en-Bresse - 37%; Agen - 35%.36
A mesma lógica explica que os visitantes, por um lado,
sobreavaliem tanto mais o ritmo de sua prática, quanto mais reduzida
é sua freqüência e mais baixo é seu nível de instrução, e, por outro,
manifestem a tendência em estar de acordo para se atribuírem um
o amor pela arle
ritmo de três ou quatro visitas anuais que, segundo parece, define a
imagem feita pela maioria a respeito do que seria a práticaconveniente [d. Apêndice 3, Tabela 2].
O tempo dedicado pelo visitante à contemplação das obras
apresentadas, ou seja, o tempo de que tem necessidade para "esgotar"
as significações que lhe são propostas, constitui, sem dúvida, umbom indicador de sua aptidão em decifrar e saborear tais
significações:37 a inexauribilidade da "mensagem" faz com que a
riqueza da "recepção" (avaliada, grosseiramente, por sua duração)
dependa, antes de tudo, da competência do "receptor", ou seja, do
grau de seu controle relativamente ao código da "mensagem". Cadaindivíduo possui uma capacidade definida e limitada de apreensãoda "informação" proposta pela obra, capacidade que depende de seu
conhecimento global (por sua vez, dependente de sua educação e deseu meio) em relação ao código genérico do tipo de mensagem
considerado, seja a pintura em seu conjunto, seja a pintura de tal
época, escola ou autor. Quando a mensagem excede as possibilidades
de apreensão do espectador, este não apreende sua "intenção" edesinteressa-se do que lhe parece ser uma confusão sem o menor
sentido, ou um jogo de manchas de cores sem qualquer utilidade.
Ou, dito por outras palavras, colocado diante de uma mensagem
rica demais para ele - ou, como diz a teoria da informação,"acabrunhante" (overwhelmíng) -, o visitante sente-se "asfixiado"e abrevia a visita.
A obra de arte considerada enquanto bem simbólico não existe
como tal a não ser para quem detenha os meios de apropriar-se dela,
ou seja, de decifrá-Ia. O grau de competência artística de um agenteé avaliado pelo grau de seu controle relativo ao conjunto dosinstrumentos da apropriação da obra de arte, disponíveis emdeterminado momento do tempo, ou seja, os esquemas de
interpretação que são a condição da apropriação do capital artístico,ou, em outros termos, a condição da decifração das obras de arteoferecidas a determinada sociedade, em determinado momento do
tempo. A competência artística pode ser definida, provisoriamente,
obras cuRurais e disposição cuRa71
72
como o conhecimento prévio das divisões possíveis em classes
complementares de um universo de representações: o controle dessa
espécie de sistema de classificação permite situar cada elemento douniverso em uma classe necessariamente definida em relação a outra
classe, constituída por todas as representações artísticas levadas
em consideração, de forma consciente ou inconsciente, que não
pertencem à classe em questão. O estilo próprio a uma época e a um
grupo social não é outra coisa senão tal classe definida em relação à
classe das obras do mesmo universo que ela exclui e que constituem
seu complemento. O reconhecimento (ou a atribuição, conforme o
termo utilizado pelos historiadores da arte, aliás, extraído do próprio
vocabulário da lógica) procede pela eliminação sucessiva das
possibilidades às quais se refere (negativamente) a classe da qual
faz parte a possibilidade efetivamente realizada na obra considerada.
Vê-se imediatamente que a incerteza diante das diferentescaracterísticas suscetíveis de serem atribuídas à obra considerada
(autores, escolas, épocas, estilos, temas, etc. ) pode ser suprimida
pela instalação de códigos diferentes que funcionem como sistemas
de classificação: seja um código propriamente artístico que, ao
autorizar a decifração das características especificamente estilísticas,
permite incluir a obra considerada na classe constituída pelo
conjunto das obras de uma época, de uma sociedade, de uma escola
ou de um autor ("trata-se de um Cézanne"); seja o código da vida
cotidiana que, enquanto conhecimento prévio das divisões possíveis
em classes complementares do universo dos significantes e do
universo dos significados, além das correlações entre as divisões de
cada um deles, permite incluir a representação particular, tratada
como signo, em uma classe de significantes e, por conseguinte,
saber, graças às correlações com o universo dos significados, que o
significado correspondente faz parte de tal classe de significados
("trata-se de uma floresta"). No primeiro caso, o espectador
interessa-se pela maneÍra de trataras folhas ou as nuvens, ou seja,pelas indicações estilísticas, situando a possibilidade realizada,
característica de uma classe de obras, por oposição ao universo das
o amorpela arle
possibilidades estilísticas; no outro caso, ele trata as folhas e asnuvens como indicações ou sinais, associados, segundo a lógica
definida acima, a significações transcendentes à própria representação
("trata-se de um choupo, de uma tempestade"), ignorando
completamente tanto o que define a representação como tal, quanto
o que lhe confere sua especificidade, a saber, seu estilo como método
particular de representação.
A competência artística define-se, portanto, como oconhecimento prévio dos princípios de divisão, propriamente
artísticos, que permitem situar uma representação, pela classificação
das indicações estiJísticas que ela contém, entre as possibilidades
de representação que constituem o universo artístico. Esse modode classificação opõe-se ao modo que consistiria em classificar uma
obra entre as possibilidades de representação que constituem o
universo dos objetos cotidianos (ou, mais precisamente, dosutensílios) ou o universo dos signos, o que eqüivaleria a tratá-Ia
como um simples monumento, ou seja, como um simples meio de
comunicação, encarregado de transmitir uma significaçãotranscendente. Perceber a obra de arte de maneira propriamente
estética, ou seja, enquanto significante que nada significa além
dele próprio, consiste em evitar considerá-Ia, como se diz às vezes,
"desligada de tudo, do ponto de vista emocional ou intelectual,salvo dela mesma", em suma, abandonar-se à obra apreendida em
sua singularidade irredutível, e, em vez disso, identificar seus
traços estiJísticos distintivos, colocando-a em relação exclusivacom o conjunto das obras que constituem a classe da qual faz
parte. No lado oposto, o gosto das classes populares define-se, àmaneira do que Kant descreve na CrÍtica da /àculdade do juÍzo,
sob o nome de "gosto bárbaro", pela recusa ou pela impossibilidade
(conviria dizer a recusa-impossibilidade) de operar a distinção
entre "o que agrada" e "o que dá prazer" e, de forma mais geral,entre o "desinteresse", única garantia da qualidade estética da
contemplação, e "o interesse dos sentidos" que define "o agradável"ou "o interesse da Razão": ele exige que toda imagem desempenhe
oeras cuRurais e disposição cuRa73
74
uma função, nem que fosse a de signo; ora, essa representação
"funcionalista" da obra de arte pode basear-se na recusa da gratuidade,
no culto do trabalho ou na valorização do "instrutivo" (por oposição
ao "interessante") e, também, na impossibilidade de situar cada obra
particular no universo das representações, por falta de princípios de
classificação propriamente estilísticos.38 Daí, segue-se que uma obra
de arte que, segundo a expectativa de tais princípios, deverá exprimir
sem equívocos uma significação transcendente ao significante torna
se tanto mais confusa para os mais desprovidos, quanto mais
completamente vier a abolir (à semelhança do que ocorre com as
artes não figurativas) sua função narrativa e designativa.
O grau de competência artística depende não só do grau de
controle do sistema de classificação disponível, mas ainda do grau
de complexidade ou de requinte desse sistema; portanto, avalia-se
através da aptidão para operar um maior ou menor número de divisões
sucessivas no universo das representações e, por conseguinte, para
determinar classes mais ou menos apuradas. Para quem disponha
apenas do princípio de divisão em arte romana e em arte gótica,
todas as catedrais góticas encontram-se alinhadas na mesma classe
e, desta forma, permanecem ÍndÍstÍntas, enquanto uma maior
competência permite identificar as diferenças entre os estilos próprios
às épocas "primitiva", "clássica" e "tardia", ou ainda reconhecer asobras de determinada escola no âmbito de cada um desses estilos.
Assim, a apreensão dos traços que definem a odgÍnajjdadedas obras
de uma época em relação às obras de outra época, ou, no âmago
dessa classe, as obras de uma escola ou de um agrupamento artístico
em relação a um outro, ou ainda, as obras de um autor em relação às
outras obras de sua escola ou de sua época, ou, até mesmo, de uma
obra particular de um autor em relação ao conjunto de sua obra, é
indissociável da apreensão das redundândas, ou seja, da identificação
dos tratamentos típicos da matéria pictural que definem um estilo:
em suma, a identificação das semelhanças pressupõe areferência
implícita ou explícita às diferenças, e inversamente.39
o amor pela arle
O código artístico, como sistema dos princípios de divisões
possíveis em classes complementares do universo das representaçõesoferecidas a determinada sociedade em determinado momento do
tempo, assume o caráter de uma instituição social. Sistemahistoricamente constituído e baseado na realidade social, este
conjunto de instrumentos de percepção que constitui o modo de
apropriação dos bens artísticos (e, de forma mais geral, dos bensculturais) em determinada sociedade, em determinado momento do
tempo, não depende das vontades, nem das consciências individuais,além de impor-se aos indivíduos singulares, quase sempre sem seuconhecimento, definindo as distinções que eles podem operar e as
que lhes escapam. Cada época organiza o conjunto das representaçõesartísticas segundo um sistema institucional de classificação que
lhe é próprio, encontrando analogias ou distinções entre obras que,em outras épocas, eram consideradas distintas ou semelhantes; alémdisso, os indivíduos sentem dificuldade para pensar em outras
diferenças que não sejam aquelas que o sistema de classificação
disponívellhes permite pensar. "Suponhamos, escreve Longhi, queos naturalistas e impressionistas franceses, entre 1680 e 1880, nãotivessem assinado suas obras, nem tivessem a seu lado, como arautos,
determinados críticos e jornalistas com a inteligência de um Geffroy
ou de um Duret. Imaginemo-Ios esquecidos, em decorrência de uma
reviravolta do gosto e de uma longa decadência da investigação
erudita, esquecidos durante cem ou cento e cinqüenta anos. O queaconteceria, imediatamente, com o retorno da atenção a seu respeito?
É fácil prever que, em uma primeira fase, a análise começaria por
distinguir, entre esses materiais silenciosos, várias entidades maissimbólicas do que históricas. A primeira usaria, como símbolo, o
nome de Manet que absorveria uma parte da produção juvenil de
Renoir e, até mesmo, receio, alguns Gervex, sem contar com toda aobra de Gonzales e de Morizat, além de toda a obra de juventude de
Monet: quanto ao Monet mais tardio, que também se tornousímbolo, incluiria quase toda a obra de Sisley, uma boa parte da obra
de Renoir e, o que é pior, algumas dezenas de obras de Boudin, além
obras cu/iurais e disposição cu/ia75
76
de vários quadros de Lebour e de Lépine. Não está excluído, de
modo algum, que alguns quadros de Pissarro - e, até mesmo,
reparação pouco lisonjeira, mais de um quadro de Guillaumin
sejam, em semelhante caso, atribuídos a Cézanne."4o Ainda mais
convincente do que essa espécie de diversão imaginária, o estudo
histórico de Berne]offroy sobre as representações sucessivas da obra
de Caravaggio mostra que a imagem pública de uma obra, concebidapelos indivíduos de determinada época, é, propriamente falando, o
produto dos instrumentos de percepção, historicamente
constituídos, portamo, historicamente mutáveis, que lhes são
fornecidos pela sociedade de que fazem parte: "Sei muitíssimo bem
o que se diz a respeito das querelas relativas à atribuição; elas nada
têm a ver com a arte, são mesquinhas e a arte é grande (...). Nossa
idéia a respeito de um artista depende das obras que lhe são atribuídas
e, queiramos ou não, essa nossa idéia global a seu respeito acabacolorindo nosso olhar sobre cada uma de suas obras"Y Assim, a
história dos instrumentos de percepção da obra é o complemento
indispensável da história dos instrumentos de produção da obra, na
medida em que toda obra é, de alguma forma, elaborada duas vezes:
pelo criador e pelo espectador, ou melhor ainda, pela sociedade a
que pertence o espectador.
A legibilidade modal de uma obra de arte (para determinada
sociedade de determinada época) depende da diferença entre o código
exigido objetivamente pela obra considerada e o código como
instituição historicamente constituída: a legibilidade de uma obra
de arte para um indivíduo particular depende da diferença entre o
código, mais ou menos complexo e requintado, exigido pela obra e
a competência individual, definida pelo grau de controle atingido
por cada sujeito relativamente ao código social que, por sua vez, é
mais ou menos complexo e requintado. Pelo fato de que as obras
que constituem o capital artístico de determinada sociedade, em
determinado momento do tempo, exigem códigos desigualmente
complexos e requintados, portanto, suscetíveis de serem adquiridos,
com maior ou menor facilidade e rapidez, por uma aprendizagem
o amor pela arle
institucionalizada ou não, elas caracterizam-se por diferentes níveis
de emissão, de modo que a legibilidade de uma obra de arte para um
indivíduo particular depende da djférença entre o nível de emissão,42definido como o grau de complexidade e de sutileza intrínsecas do
código exigido pela obra, e o nível de recepção, definido como o
grau de controle atingido por esse indivíduo relativamente ao códigosocial que pode ser mais ou menos adequado ao código exigido pelaobra. Ao ser superado em sutileza e em complexidade pelo código da
obra, o código do espectador já não consegue controlar uma
mensagem que lhe parece desprovida de qualquer utilidade.
Como aplicação particular da lei geral da legibilidade, as regras
que, em cada época, definem a legibilidade da arte contemporâneavariam, em primeiro lugar, segundo a relação que os criadoresalimentam, em determinada época, em determinada sociedade, com
o código da época precedente: assim, de forma bastante grosseira,
pode-se estabelecer a distinção entre períodos clássÍCosem que umestilo alcança sua perfeição própria e em que os criadores exploramaté consumar e, talvez, esgotar, as possibilidades fornecidas por uma
arte de inventar herdada, e períodos de ruptura em que se inventa
uma nova arte de inventar, em que se engendra uma nova gramática
gerativa de formas, em ruptura com as tradições estéticas de umtempo e de um meio. A defasagem entre o código social e o código
exigido pelas obras apresenta, evidentemente, todas as condiçõesde ser mais reduzida nos períodos clássicos do que nos períodos de
ruptura, infinitamente mais reduzida, sobretudo, do que nos períodos
de ruptura continuada, tal como aquele em que nos encontramos
hoje. A transformação dos instrumentos de produção artística precedenecessariamente a transformação dos instrumentos de percepção
artística; ora, a transformação dos modos de percepção só pode ser
operada de forma lenta, já que se trata de desenraizar um tipo de
competência artística (produto da interiorização de um código social,
tão profundamente inscrito nos hábitos e memórias que funciona
no plano inconsciente) para ser substituído por outro, por um novo
processo de interiorização, necessariamente, longo e difíci1.43A
obras cu/iurais e disposição cu/ia77
inércia própria das competências artísticas (ou, se quisermos, do
habitus) faz com que, nos períodos de ruptura, as obras produzidas
por meio de instrumentos de produção artísticos de um novo tipo
sejam percebidas, durante um certo tempo, por meio de antigos
instrumentos de percepção, ou seja, aqueles mesmo contra os quaiselas foram constituídas.
De qualquer modo, a falta de competência artística não é uma
condição necessária, nem suficiente, da percepção adequada das obras
inovadoras ou, a fortiori, da produção de tais obras. Aqui, aingenuidade do olhar não seria mais do que a forma suprema do
requinte do olho. O fato de ser desprovido de chaves não predispõe,
de modo algum, a compreender obras que exigem somente a rejeição
de todas as chaves antigas, na expectativa de que a obra forneça a
chave de sua própria decifração. Como se vê, trata-se da atitude que
os mais desprovidos diante da arte erudita estão menos dispostos atomar: a ideologia segundo a qual as mais modernas formas da arte
não figurativa seriam mais diretamente acessíveis à inocência da
infância ou da ignorância do que à competência adquirida por umaformação considerada deformante, tal como a da Escola, não é somente
refutada pelos fatos. Se as mais inovadoras formas de arte se oferecem,
inicialmente, apenas a alguns virtuoses (cujas posições de vanguarda
explicam-se sempre, em parte, pela posição que ocupam no campo
intelectual e, de forma mais geral, na estrutura social) é porque elas
exigem a aptidão para romper com todos os códigos, a começar
evidentemente pelo código da existência cotidiana; e porque essa
aptidão se adquire não só através da visita assídua a obras que exigemcódigos diferentes, mas também através da experiência da história
da arte, como sucessão de rupturas com os códigos estabelecidos.
Em suma, a aptidão do indivíduo para suspender todos os códigosdisponíveis a fim de se confiar à própria obra - no que esta possui,à primeira vista, de mais insólito - pressupõe o perfeito controle do
código dos códigos que regula a aplicação adequada dos diferentes
códigos sociais objetivamente exigidos pelo conjunto das obrasdisponíveis em determinado momento do tempo.44
Quem não recebeu da família ou da Escola os instrumentos,
que somente a familiaridade pode proporcionar, está condenado a uma
percepção da obra de arte que toma de empréstimo suas categorias à
experiência cotidiana e termina no simples reconhecimento do objeto
representado: com efeito, o espectador desarmado não pode ver outra
coisa senão as significações primárias que não caracterizam em nadao estilo da obra de arte, além de estar condenado a recorrer, na melhor
das hipóteses, a "conceitos demonstrativos" que, de acordo com a
observação de Panofsky, limitam-se a apreender e a designar as
propriedades sensíveis da obra (por exemplo, quando se descreve uma
pele como aveludada ou um bordado como delicado) ou a experiência
emocional (quando alguém falade cores austeras ou alegres), suscitada
por essas propriedades.45
"Aodesignar o conjunto de cores claras que se encontram no
centro do quadro da 'Ressurreição' de Grünewald como 'um homem
com as mãos e os pés transpassados que se eleva nos ares', transgrido
(...) os limites de uma pura descrição formal, mas ainda permaneço
em uma esfera de representações de sentido que são familiares e
acessíveis ao espectador com base em sua intuição óptica e em sua
percepção tátil e dinâmica, em suma, com base em sua experiência
exi~tencialimediata. Se, pelo contrário, considero esse conjunto de
cores claras como 'um Cristo que se eleva nos ares', pressuponho
algo que é culturalmente estabelecido" .46Em poucas palavras, para
passar da "camada primária dos sentidos que podemos penetrar com
base em nossa experiência existencial", ou, em outros termos, do
"sentido fenomenal que pode se subdividir em sentido das coisas e
em sentido das expressões", para a "camada do sentido - por sua
vez, secundária - que não pode ser decifrada senão a partir de um
saber transmitido de maneira literária" e pode ser chamada "esfera
do sentido do significado",47 devemos dispor de "conceitos
propriamente caracterizantes" (em oposição aos "conceitos
demonstrativos") que superem a simples designação das propriedades
sensíveis e, apreendendo as características propriamente estilísticas
da obra de arte (tais como "pictural" ou "plástica"), constituam
78o amor peh arle obras culiurais e disposição culia 79
uma verdadeira "interpretação" da obra.48"O princípio da interpretação
(...) é sempre constituído pela faculdade cognoscitiva e pelopatrimônio cognoscitivo do sujeito que executa a interpretação, ouseja, por nossa experiência existencial, quando se trata de descobrir
somente o sentido do fenomenal, e por nosso saber literário quandose trata do sentido do significado".49 Privados do "conhecimento do
estilo" e da "teoria dos tipos" - únicos procedimentos capazes decorrigir, respectivamente, a decifração do sentido fenomenal e do
sentido do significado -, os sujeitos menos cultos estão condenados
a apreender as obras de arte em sua pura materialidade fenomenal,ou seja, à maneira de simples objetos do mundo; e se eles se sentem
tão fortemente inclinados a procurar e exigir o realismo da
representação é porque, entre outras razões, desprovidos de categoriasespecíficas de percepção, não podem aplicar às obras senão a "cifra"
que lhes permite apreender os objetos de seu meio ambiente cotidianocomo dotados de sentido.
À semelhança de qualquer objeto cultural, a obra de arte pode
fornecer significações de nível diferente segundo a grade deinterpretação que lhe é aplicada; além disso, as significações de nível
inferior, ou seja, as mais superficiais, permanecem parciais emutiladas - por conseguinte, errôneas -, enquanto não forem
adotadas as significações de nível superior que as englobam e as
transfiguram. A "compreensão" das qualidades "expressivas" - e, seé que se pode dizer, "fisionômicas" - da obra não é senão uma forma
inferior da experiência estética porque, por não ser amparada,controlada nem corrigi da pelo conhecimento propriamente
iconológico, ela se arma de uma cifra que não é adequada, nem
específica. Sem dúvida, pode-se admitir que a experiência interna,
como capacidade de resposta emocional à conotação da obra de arte,
seja uma das chaves da experiência artística; no entanto, a sensaçãoou a afeição suscitadas pela obra modificam seu valor conforme elas
constituam o todo de uma experiência da obra de arte reduzida à
identificação do que se pode chamar sua expressividade, ou conforme
se integrem na unidade de uma experiência adequada.
Portanto, a observação sociológica permite descobrir as formas
de percepção, efetivamente realizadas, correspondentes aos diferentes
níveis constituídos pelas análises teóricas como uma distinção da
razão. Qualquer bem cultural, desde a cozinha até a música serial,
passando pelos filmes de faroeste, pode ser objeto de apreensões
que vão da simples sensação atual até o deleite erudito, armado com
o conhecimento·· das tradições e das regras do gênero. Se, por
abstração, é possível estabelecer a distinção entre duas formas opostas
e extremas do prazer estético, separadas por todas as gradações
intermediárias, ou seja, entre a fruição que acompanha a percepção
estética reduzida à simples aisthesise o deleite proporcionado pela
degustação erudita e que pressupõe, a título de condição necessária,
embora não suficiente, a decifração adequada, ocorre que a percepção
mais desarmada tende sempre a superar o nível das sensações e das
afeições, ou seja, a pura e simples aisthesis: a interpretação
assimiladora que leva a aplicar, a um universo desconhecido e
estranho, os esquemas de interpretação disponíveis, ou seja, aqueles
que permitem apreender o universo familiar como dotado de sentido,
impõe-se como meio de restaurar a unidade de uma percepção
integrada. Os lingüistas conhecem os fenômenos de falso
reconhecimento ou de falsa apreciação que resultam da aplicação de
categorias inadequadas e do que se pode chamar a "cegueira cultural"
por analogia com o que eles designam por "surdez cultural": "A
métrica russa, observa N. S. Troubetzkoy, é construída a partir da
alternância regular entre sílabas acentuadas e sílabas inacentuadas
aquelas são longas, enquanto estas são breves. O fim das palavras
pode ocorrer em qualquer lugar do verso e o agrupamento sempre
irregular desses fins de palavras serve para animar e variar as
estruturas do verso. O verso tcheco assenta em uma distribuição
irregular do fim das palavras, de modo que cada início de palavra é
sublinhado por um reforço da voz: pelo contrário, as sílabas breves
e as sílabas longas estão distribuídas de forma irregular no verso e
seu agrupamento livre serve para animá-Io. Ao ouvir um poema
russo, um tcheco considera sua métrica como quantitativa e todo o
80o amor peb arle obras cuRurais e ch:SposiçãocuRa 81
82
poema como bastante monótono; pelo contrário, ao ouvir um poema
tcheco, pela primeira vez, um russo fica, em geral, completamente
desorientado e desprovido de condições para identificar a métrica a
partir da qual o poema foi composto" .50Aqueles para quem as obras
de cultura erudita falam uma língua estrangeira estão condenados a
importar, em seu exercício de percepção e apreciação da obra de arte,
categorias e valores extrínsecos, ou seja, precisamente as categorias
e valores que organizam sua percepção cotidiana e orientam seus
juízos práticos. Por não terem condições de apreender a representação
segundo uma intenção propriamente estética, eles não conseguem
captar a cor de um rosto como um elemento de um sistema de relações
entre cores (as do paletó, do chapéu ou da parede situada no segundo
plano) mas, "situando-se imediatamente em seu sentido", para falar
como Husserl, lêem em tal cor, diretamente, uma significação
psicológica ou fisiológica, à semelhança do que ocorre na experiência
cotidiana. A apreensão do quadro como sistema de relações de
oposição e de complementaridade entre cores pressupõe não só a
ruptura com a percepção primeira que é a condição da constituição
da obra de arte como obra de arte, ou seja, da apreensão dessa obra
segundo uma intenção em conformidade com sua intenção objetiva
(irredutível à intenção do artista), mas ainda a posse da grade de
análise indispensável para apreender as diferenças sutis que, por
exemplo, separam uma gama de tons ordenados segundo as leis de
uma modulação requintada em tal quadro de Turner ou de Bonnard.51
Compreende-se, portanto, que a estética limita-se a ser, salvo
exceção, uma dimensão da ética (ou, melhor ainda, do ethos) de
classe. Para "saborear", ou seja, "apreender as diferenças e apreciar"52
as obras apresentadas, e para justificar o valor que lhes atribui, o
visitante pouco culto só pode invocar a qualidade e a quantidade do
trabalho; neste caso, o respeito moral toma o lugar da admiração
estética. "Conviria mostrar o valor de tudo o que há aqui, que
representa um trabalho com vários séculos, entende ... Se tudo isso
foi conservado é para mostrar o trabalho executado há séculos e que
tudo o que se faz tem alguma utilidade." "Aprecio muito a dificuldade
o amor pela arle
do trabalho." "Para avaliar um quadro, baseio-me na data indicada e
fico embasbacado quando me dou conta de que já passou tanto tempo
e que, nessa época, trabalhavam tão bem." Entre as razõesmanifestadas para atribuir uma admiração decisória, a mais segura einfalível é, sem dúvida, a antigüidade das coisas apresentadas. "Êmuito lindo ... É antigo. Talvez fosse necessário ter museus para as
obras modernas, mas isso deixaria de ser um museu. Aqui, tudo é
realmente antigo, entende?!" O valor das coisas antigas não será
comprovada simplesmente pelo fato de terem sido conservadas e a
antigüidade das coisas conservadas não será uma justificaçãosuficiente para sua conservação? Neste aspecto, a única função dodiscurso consiste em fornecer a quem o profere as razões de uma
adesão incondicional a uma obra, cuja razão lhe escapa. Não será
significativo que, convidados a dar sua opinião sobre as obras e sua
apresentação, os visitantes menos cultos manifestem uma aprovaçãototal e maciça que se limita a exprimir, sob uma outra forma, umaconfusão à medida de sua reverência? "É muito lindo. Não se pode
apresentá-Ias melhor do que estão expostas." '~chei que tudo émuito lindo." Do mesmo modo, como se quisessem exprimir desta
forma que eles sabem apreciar, em seu justo valor, o que lhes é
oferecido pelo museu, os visitantes são tanto mais numerosos a
julgar barato o preço do ingresso quanto menor é seu nível deinstrução [d. Apêndke 3, Tabela 3].
De que maneira uma percepção tão desprovida de princípios
organizadores poderia apreender as significações organizadas queentrariam em um conjunto de saberes acumulados? "Para me
lembrar, é outra história. Não compreendi nada de Picasso; no meu
caso, não consigo me lembrar dos nomes" (mulher comerciante,
Lens). "Gosto de todos os quadros onde aparece o Cristo" (operária,
Ulle). Dois terços dos visitantes, oriundos das classes populares,
não conseguem citar, no termo de sua visita, o nome de uma obraou de um autor que lhes tivesse agradado, do mesmo modo que, deuma visita anterior, não retiram saberes que pudessem ajudá-Ias em
sua visita presente: assim, compreende-se que uma visita, muitas
obras cuBurais e disposição cuBa83
••
84
vezes determinada por razões do acaso, não é suficiente para incitá
Ias ou prepará-Ias para empreender outra visita. Totalmente tributários
do museu e dos subsídios que este lhes oferece, eles se sentem
particularmente desnorteados em museus que, por vocação, se
destinam ao público culto: 77% desejariam receber ajuda de um
conferencista ou de um amigo [ef. Apêndice 2, Tabela 2], 67%
gostariam que a visita fosse orientada com flechas e 89% que as
obras estivessem acompanhadas por tabuletas explicativas [ef.
Apêndice 2, Tabela 3]. Mais da metade das opiniões declaradas contêm
esta expectativa: "Para alguém que queira se interessar, é difícil.Limita-se a ver pintura, datas. Para poder discernir diferenças, é
necessário um guia. Caso contrário, é tudo igual" (operário, Lille).
"Prefiro visitar o museu ao lado de um guia que me explique e me
faça compreender os pontos obscuros para o comum dos mortais"
(empregado, Pau).
A ausência de qualquer indicação capaz de facilitar a visita é
considerada pelos visitantes oriundos das classes populares, às vezes,
como a expressão de uma vontade de excluir pelo esoterismo ou, nomínimo, como afirmam naturalmente os visitantes mais cultos, uma
intenção comercial (a saber, favorecer a venda dos catálogos). De
fato, flechas, tabuletas, guias, conferencistas ou recepcionistas não
conseguiriam substituir verdadeiramente a falta de formação escolar,
mas proclamariam, por sua simples existência, o direito de ignorar,
o direito de estar presente como ignorante, o direito dos ignorantes
de estarem presentes; contribuiriam para minimizar o sentimentode inacessibilidade da obra e de indignidade do espectador,
manifestada perfeitamente nesta reflexão ouvida no Palácio de
Versalhes: "Este Palácio não foi feito para o povo e isso não mudou ..."
Todas as condutas dos visitantes oriundos das classes popularesdão testemunho do efeito de distanciamento sacralizante exercido
pelo museu. Essa é a perturbação respeitosa de todos os visitantes
ocasionais, impelidos pela exaltação de um dia de festa ou pela
ociosidade de um domingo chuvoso, e votados a provocar, à sua
passagem, as reflexões maldosas dos freqüentadores assíduos, a
o amor pela arle
chacota dos borra-tintas e as advertências dos guardas. Aliás, tal
situação é evocada por Zola ao descrever as deambulações das
núpcias de Gervaise com Coupeau, através das salas do Museu doLouvre: "A nudez severa da escadaria tornou-os sisudos. Sua
emoção reduplicou-se à vista de um soberbo bedel, usando colete
vermelho e libré ornado com galões dourados, que parecia estar à
sua espera no patamar. Foi com respeito, avançando o mais
lentamente possível, que eles penetraram na galeria de arte
francesa."
o melhor revelador da significação objetiva do museu tradicional
é a mudança de atitude que, entre os visitantes do museu de Lille,
determinou a passagem da exposição dinamarquesa para as salas
do museu:, "Na sala de exposição dinamarquesa, entrou um casalbastante idoso; além de botinas grosseiras, a mulher usa um manto
um tanto deformado, caído na parte da frente; por sua vez, o
homem continua sentindo arrepios em seu sobretudo, comprido
demais, que chega até a altura da barriga das pernas; eles
deambulam ao acaso, apontam com o dedo, ao longe, o que lhes
agradaria ver de mais perto, falando em voz alta. Passam
rapidamente diante de alguns estandes, sem se deterem. Ao acasode suas deambulações, acabam entrando na sala de cerâmicas do
museu. Avançam bem devagar à volta e, escrupulosamente,
inspecionam cada vitrine, uma após outra; agora, o homem tem asmãos nos bolsos e mal se ouve a voz deles; no entanto, aqui, o
casal está só." Igualmente, é bastante diferente a atmosfera nas
duas partes do museu: ''Aqui, é o silêncio recolhido e a calma
ordem dos lentos movimentos ao longo das paredes; lá, na
afluência da tarde, fica-se um pouco atordoado pelas conversações
barulhentas, os objetos que são removidos e fazem ruído ao serem
arrastados pelo chão, os guris que correm de um lado para o outro,
enquanto ós pais procuram, com veemência, chamá-Ios à ordem.
Aliás, há um grande número de crianças o que é motivo de
admiração para o guarda: 'Afinal, há muitas famílias numerosas,
hein!' Os visitantes tocam em tudo, sentam-se nas poltronas,
o6ras cuflurais e disposição cufla85
8786
levantam as almofadasdos canapés, abaixam-separa olhar debaixo
das mesas. Batem com o dedo na madeira ou no metal para teruma idéia do valor da matéria e estimam o peso dos talheres. Um
casal inclina-se para observar melhor os talheres de prata: 'Você
está vendo, diza mulher, se eu tivesse de escolher a minha primeirabaixela, eu compraria uma como esta.' Ela pega uma faca e um
garfo, finge cortar alguma coisa em um prato imaginário e leva o
garfo à boca". E os comportamentos dos visitantes diferem tão
profundamente que o observador - condenado, em um primeiro
momento, à sociologia espontânea - imputa, a uma diferença norecrutamento social do público (desmentida pela análise
estatística), as diferenças que, antes de tudo, se referem à
significação social do museu e de uma exposição que introduz
nele, por exceção, a atmosfera de uma loja de departamentos,
museu do pobre; aliás, tal ocorrêncianão deixa de suscitar algumaindignação entre os visitantes habituais do museu tradicional. A
conversão de toda a atitude operada pelos visitantes pode resumirse nas seguintes oposições, aquelas mesmas que estabelecem a
distinção entre o universo sagrado e o universo profano: intocável
tocável; ruído - silêncio recolhido; exploração rápida e semordem - procissão lenta e regulada;apreciaçãointeressada de obrasvenais - apreciaçãopura de obras "sem preço".
Tendo de enfrentar a prova (no sentido escolar do termo) queo museu representa para eles, os visitantes menos cultos sentem-se
pouco inclinados, de fato, a recorrer ao guia ou ao conferencista
(quando estes existem) por terem receio de revelar sua
incompetência. "Para uma pessoa que vem pela primeira vez, em
minha opinião, ela se sente um tanto perdida ... Na verdade, as
flechas, antes de tudo, poderiam servir de guia; não é nada agradávelpedir informações" (faxineira, Ulle). Ignorando a conduta conveniente
e, antes de tudo, preocupados em não se denunciarem por
comportamentos contrários ao que julgam ser a conveniência, elescontentam-se em ler, tão discretamente quanto possível, as tabuletas
quando estas existem. Em suma, sentem-se "deslocados" e exercem
o amor pela arfe
a autovigilância com receio de chamarem a atenção por alguma
incongruência. "Temos receio de encontrar um conhecedor (...). Para
conseguir uma boa preparação antes, é necessário ser um profissional
ou especialista do assunto. Não, um cara como eu entra e sai
anonimamente" (operário, Ulle). Se os agricultores e os operários
são, ligeiramente, mais favoráveis às flechas do que às tabuletas
com inscrições é talvez porque, por falta de um mínimo de cultura,
sentem de maneira menos urgente a necessidade de esclarecimentos;
é talvez, também, porque exprimem dessa forma o sentimento
suscitado neles pelo espaço do museu - de estarem perdidos (àsvezes, no sentido primeiro do termo); é, sem dúvida,
fundamentalmente, porque encontrariam nesse "caminho a seguir"
a primeira resposta à sua preocupação em passar despercebidosatravés da adoção de uma conduta conveniente. "As flechas são
necessárias; na primeira vez, a gente se sente em um nevoeiro"
(operário, Ulle). "O que faz falta são as flechas! Para indicar
determinados lugares ... Há um instante em que a gente vê todas as
peças e não sabe para onde ir" (operária, Ulle). E se os visitantes
oriundos das classes populares preferem visitar o museu, seja com
parentes ou com colegas, é porque, sem dúvida, encontram no grupo
um meio de conjurar seu sentimento de mal-estar; pelo contrário, o
desejo de fazer sozinho tal visita exprime-se com uma freqüência
cada vez maior à medida que é mais elevada a posição na hierarquia
social (ou seja, na França, em 16% dos agricultores e operários, em
30% dos membros das classes médias e 40% das classes superiores)
[d. Apêndice 2, Tabela 1].
A parcela dos visitantes que declaram preferir a visita solitária do
museu cresce, em todos os países, à medida que se elevao nível de
instrução ou a posição na hierarquia social, passando, na Grécia,
de 17% nas classes populares para 20% nas classes superiores
(com uma taxa de 13% para as classes médias); na Polônia, de
28% nas classes populares para 42% e 44% nas classes médias e
superiores, respectivamente; e, na Holanda, de 33% para 51% e
59%, nas categorias correspondentes. A hierarquia que se
obras cuilurais e disposição cuila
estabelece entre os diferentes países parece, portanto, indicar quea taxa de visitantes que desejam fazeruma visita solitária ao museu
é tanto mais elevada quanto mais elevado for o capital culturalnacional [ct Apêndke 5, Tabela 5].
Enquanto os membros das classes cultas sentem repugnância
pelas formas mais escolares de ajuda, preferindo o amigo competente
ao conferencista e o conferencista ao guia que se ri da ironia distinta,
os visitantes oriundos das classes populares não têm receio do aspecto,
evidentemente escolar, de um eventual enquadramento: "No que diz
respeito a explicações, quanto mais houver, melhor ... É sempre bom
ter explicações seja lá para o que for (...). O mais importante é o guiaque nos orienta e nos fornece explicações" (operário, Ulle). "Em vez
de ficar só, gostaria de estar com alguém qualificado; caso contrário,a gente passa ao lado e não vê nada" (operário, Lille). Por não terem
condições de definir, com clareza, os meios de preencher as lacunas
de sua informação, eles invocam, de maneira quase mágica, a
intervenção dos mais consagrados intercessores e mediadores, capazes
de tornar mais próximas as obras inacessíveis; deste modo, a parcelados visitantes que desejam a ajuda de um conferencista (em vez de
um amigo competente) passa, na França, de 57,5% relativamente às
classes populares para 36,5% em relação às classes médias e para 29%
dos representantes das classes superiores [cf.Apêndke 2, Tabela 2] :53
"Na verdade, um conferencista nos instrui ... Os conferencistas são
quase sempre acadêmicos que conhecem as coisas na ponta da língua,
são professores, o que dizem é útil para nós". Vê-se que aqueles queinvocam a repugnância das classes populares em relação à ação escolar
limitam-se a atribuir-Ihes, segundo o etnocentrismo de classe quecaracteriza a ideologia populista, sua própria atitude em relação àcultura e à Escola.54 A questão não é tanto de saber se todos os
esclarecimentos fornecerão "olhos" a quem não "vê", tampouco se as
tabuletas explicativas serão lidas e lidas corretamente; mesmo quenão fossem lidas ou, como é provável, somente por quem sente menosnecessidade de tais esclarecimentos, nem por isso deixariam dedesempenhar sua função simbólica.
Não é, sem dúvida, exagerado pensar que o sentimento
profundo da indignidade (e da incompetência) que assombra os
visitantes menos cultos, como que esmagados pelo respeito diante
do universo sagrado da cultura legítima, contribui consideravelmente
para mantê-Ios afastados dos museus. Não será significativo que a
parcela dos visitantes que têm a atitude mais sacralizante em relação
ao museu decresce muito fortemente quando a posição social se
eleva (79% dos membros das classes populares associam o museu à
imagem de uma igreja, contra 49% nas classes médias e 35% nas
classes superiores), enquanto cresce a proporção dos sujeitos que
desejam que os visitantes sejam pouco numerosos (ou seja, 39%
nas classes populares, 67% nas classes médias e 70% nas classes
superiores), preferindo a intimidade selecionada da capela à afluência
da igreja [cf. Apêndke4, Tabelas 7 e 8]?
Não será significativo também que a hostilidade em relação
aos esforços despendidos para tornar as obras mais acessíveis seencontre, sobretudo, entre os membros da classe culta? Por um
paradoxo aparente, as classes mais bem providas em subsídios
pessoais, tais como guias ou catálogos (aliás, o conhecimento desses
instrumentos e a arte de utilizá-Ios pressupõem cultura), é que
recusam com maior frequência os subsídios institucionalizados e
coletivos: "Penso que é inútil pretender impor um caminho a seguir
na visita do museu, diz um estudante. Pessoalmente, gosto de ser
livre, estar só em minha escolha e inspiração. Sem ir longe demais,
comparo a visita de um museu a uma viagem, porém, à maneira de
Montaigne, avançando até o fim do atalho, impelido pelo ar e pelo
vento, saboreando o tempo presente, sem pressa nem guia, sonhando
com o passado" (Louviers). "Sinto saudades, diz um professor, do
antigo Salon Carré do Louvre, no qual havia tantas coisas para
descobrir. Agora, somos privados do intenso prazer da descoberta,
já que os quadros nos são impostos em salas separadas. Obrigam
nos a olhar exclusivamente tais quadros. Deixou de ser uma festa
para se transformar em uma escola primária. Ver, compreender e
saber tudo: que trindade pedante! Assim, não há mais alegria" (Lille).
88o amor pela arle obras cuRurais e disposição cuRa 89
As atitudes dos diferentes públicos nacionais em relação aos
subsídios pedagógicos exprimem, uma vez mais, a hierarquia dos
diferentes países, classificadossegundo a importância de seu capitalcultural, de modo que a explicação invocada para justificar asdiferenças constatadas' nas atitudes das diferentes classes sociais
de determinado país aplica-se também às diferenças entre osdiferentes países: de fato, os visitantes holandeses manifestam
uma hostilidade nitidamente mais marcante do que os franceses
em relação às flechas e tabuletas explicativas; os poloneses, cujaprática é mais imediatamente tributária da ação direta da Escola,
ocupam uma posição intermediária entre a da França e a da Grécia,se excetuarmos os estudantes e os professores que, ainda mais
nitidamente do que seus homólogos franceses, manifestam sua
reserva em relação a todas as formas de ajuda, talvez porque se
encontram em melhores condições para avaliar o custo que essasdisciplinas podem implicar para eles. Dotados de um nível de
competência pouco elevado,os visitantes gregosnão podem deixar
de sentir, com um vigorparticular, a necessidadede serem ajudados
na visita de museus que apresentam, sobretudo, vestígiosarqueológicos [d. Apêndice 5, Gráfico 6].
Será motivo de espanto o fato de que a ideologia do domnatural e do olho novo esteja tão disseminada entre os visitantes
mais cultos e em tantos conservadores de museu, e de que osprofissionais da análise erudita das obras de arte sintam,freqüentemente, repugnância em proporcionar aos não-iniciados o
equivalente ou o substituto do programa de percepção armada de
que são detentores e constituintes de sua cultura?55 Se a ideologiacarismática que transforma o encontro com a obra na ocasião de
uma descida da graça (charÍsma) proporciona aos privilegiados amais "indiscutível" justificação de seu privilégio cultural, fazendo
esquecer que a percepção da obra é necessariamente erudita _ porconseguinte, aprendida -, os visitantes oriundos das classes
populares estão bem posicionados para saber que o amor pela arte
nasce de um convívio bem prolongado e não de um golpe repentino:
"Com certeza, é possível amar de paixão, à primeira vista; mas, issosó acóntece depois de ter lido muito, sobretudo, em relação à pintura
moderna" (operário, Ulle).
A confusão vivenciada diante das obras expostas decresce
desde que a percepção possa se armar de saberes típicos, por mais
imprecisos que sejam. O primeiro grau da competência propriamenteestética define-se pelo controle de um arsenal de palavras que
permitem dar nome às diferenças e constituí-Ias ao nomeá-Ias: trata
se dos nomes de pintores célebres - Da Vinci, Picasso, Van Gogh
que funcionam enquanto categorias genéricas, já que se pode dizerdiante de toda pintura (ou qualquer objeto) de inspiração não realista
"Isto é um Picasso" ou diante de qualquer obra que evoque, de
perto ou de longe, a maneira de pintar do artista florentino: "Pareceum Da Vinci"; trata-se também de categorias bem amplas, tais como
os "impressionistas" (cuja definição, análoga à adotada pelo Musée
du Jeu de Paume, estende-se comumente a Gauguin, Cézanne e
Degas) ou "os holandeses" ou, ainda, "o Renascimento". Assim,
para nos limitarmos a um indicador extremamente grosseiro, a parcela
dos sujeitos que, ao responder à pergunta sobre suas preferências
picturais, citam uma ou várias escolas cresce de forma bastante
significativa à medida que se eleva o nível cultural (ou seja, 5% para
os detentores do C. E. P., 13% para os titulares do B. E. P.C., 25%
para os estudantes que passaram no vestibular, 27% para os que
obtiveram a IÍcence, e 37% para os detentores de um diploma superiorà Ikence). Do mesmo modo, entre os visitantes oriundos das classes
populares, 55% não citam nenhum nome de pintor; por sua vez, os
restantes nomeiam, quase sempre, os mesmos autores, consagrados
pela tradição escolar e pelas reproduções dos livros de história e das
enciclopédias, ou seja, Leonardo Da Vinci ou Rembrandt.
A parcela dos visitantes que citam escolas cresce, em todos os
países, à medida que se eleva o nível de instrução. Sempre
bastante reduzida, essa taxa corresponde, na Polónia, a 2% para
as classes médias e a 5% para as classes superiores, enquanto aparcela dos visitantes que citam, exclusivamente, pintores
90o amor pela arle obras cuRurais e disposição cuRa 91
92
bastante célebres passa de 39% relativamente às classes populares
para 24% das classes médias e para 15,5% das classes superiores.
Na Grécia, a taxa dos visitantes que citam pelo menos uma escola
de pintura é nula em relação àqueles que possuem apenas o
ensino primário, correspondendo a 6% relativamente àqueles
que freqüentaram o ensino técnico, 24% em relação àqueles que
têm o nível de vestibular e 19% para aqueles que atingiram o
nível universitário. Entre o público holandês, a hierarquia é a
mesma, embora as taxas de citações de escolas sejam globalmente
mais elevadas, o que se compreende facilmente, considerando
que a escolaridade secundária e superior é nitidamente mais
disseminada e que a riqueza e a diversidade das coleções
holandesas de pintura conferem a seus museus um nível de oferta
sem qualquer proporção com o dos museus poloneses nem com
o dos museus de arte gregos, pelo menos no que diz respeito à
pintura. Assim, 14% dos holandeses do nível primário, 25% do
nível técnico, 66% do nível do vestibular e 43% do nível
universitário, citam, no mínimo, uma escola de pintura [d.Apêndke 5, Tabela 7]. Na França, país em que as taxas são
ligeiramente inferiores, observa-se que 22% dos agricultores
citam, pelo menos, um pintor não representado no museu, contra
39% dos operários, 54% dos artesãos e comerciantes, 63% dos
empregados e quadros médios, 70% dos quadros superiores,
77% dos professores primários e 78% de outros professores,especialistas de arte e estudantes.
Do mesmo modo, os visitantes oriundos das classes populares
se interessam, preferencialmente, pelas obras "menores" que lhes
são mais acessíveis, como os móveis ou as cerâmicas, os objetos
históricos ou do folclore, seja porque conhecem seu uso, dispondode elementos de comparação e de critérios de avaliação (ou, ainda
melhor, de apreciação em seu verdadeiro sentido), ou porque a culturaexigida para a compreensão de tais objetos, a saber, a culturahistórica, é mais comum; por sua vez, os membros das classes
superiores prestam maior atenção às obras de arte mais nobres
o amor pela arle
(pinturas ou esculturas) [d. Apêndice 2, Tabelas 14 e 15].56 Domesmo modo, finalmente, a taxa dos visitantes que conhecem já as
obras que vinham ver no museu cresce fortemente à medida que se
sobe na hierarquia social (ou seja, 13% nas classes populares, 25,5%nas classes médias e 54,5% nas classes superiores); uma parcela
desses visitantes (26% nas classes populares, 45% nas classes médias
e 26% nas classes superiores) já conhecia as obras através de
reproduções [cf.Apêndice 4, Tabela 4]. Em suma, os saberes genéricos
- ou seja, a condição da percepção das diferenças e da fixação das
lembranças, nomes próprios, conceitos históricos, técnicos ouestéticos - são cada vez mais numerosos e mais específicos à medida
que se avança em direção às classes mais cultas.
O oposto de um desmentido de tais proposições é o quedeve ser observado no fato de que os visitantes orientam sua escolha
para os pintores mais célebres e mais consagrados pela Escola comuma freqüência tanto maior quanto menor é seu nível de instrução;
pelo contrário, os visitantes mais cultos, residentes nas grandescidades, são os únicos a citar pintores modernos que têm menos
possibilidades de encontrar lugar no ensino [d. Apêndice 2, Tabela20]. O acesso aos juízos de gosto, classificados como "pessoais",é ainda um efeito da instrução recebida: a liberdade de se libertar
das restrições escolares pertence apenas àqueles que assimilaramsuficientemente a cultura escolar para interiorizar a atitude
autonomizada em relação a essa cultura, ensinada por uma Escola
tão profundamente impregnada pelos valores das classes
dominantes que ela retoma, por sua conta, a desvalorização mundana
das práticas escolares. A oposição escolar entre a cultura canônica,
estereotipada e, como diria Marx Weber, "rotinizada", por um lado,
e, por outro, a cultura autêntica, libertada dos discursos escolares,
só tem sentido para uma ínfima minoria de homens cultos, porque
a plena posse da cultura escolar é a condição da superação da culturada Escola em direção à cultura livre - ou seja, libertada de suas
origens escolares - considerada pela classe burguesa e sua Escolacomo o valor dos valores.
obras cuRurais e dispoÚção cuRa 93
94
Na França, os visitantes de nível inferior ao vestibular orientam-se,
quase exclusivamente, em direção aos pintores mais renomados
(como Van Gogh ou Renoir, que foram objeto de filmes, ou Picasso
e Buffet, que fazem parte da atualidade) e mais consagrados pela
tradição escolar (tais como Da Vinci, Rembrandt ou Michelangelo)
ou por reproduções de manuais (como Le Nain, David, La Tour,
Greuze ou Rafael); os visitantes detentores do vestibular cedem
menos às solicitações da atualidade (Van Gogh cai do primeiro
para o segundo lugar; Picasso do terceiro para o sexto; e Buffet do
quinto para o décimo-sexto) e citam com menor freqüência os
pintores mais "escolares" que cedem o lugar a Gauguin, Braque,Cézanne, Dufy, Fra Angelica, El Greco e Velásquez. Além de terem
um leque de escolhas nitidamente mais aberto (como é
testemunhado pelo fato de que os vinte pintores mencionados com
maior freqüência não constituem senão 44% dos pintores citados,
contra 56% nas classes médias e 65% nas classes populares), os
visitantes de nível superior ao vestibular propõem uma classificação
que se distingue, tanto pela originalidade dos nomes citados Gáque
se vê aparecer Botticelli, Klee, Poussin, Vermeer, Bosch, Ticiano),
quanto pela hierarquia das preferências (Van Gogh cai para o sexto
lugar, Da Vinci para o oitavo, Rafael para o décimo-quinto): sem
dúvida, o mais importante é que, ao lado dos pintores
impressionistas, citados com menor freqüência, e dos grandes
clássicos, comuns a todas as listas (Da Vinci, Rembrandt, Delacroix,
etc.), aparecem, com boa classificação, pintores modernos, tais
como Klee (7) e Braque (8), assim como clássicos menos renomados,
tais como Poussin (8), Vermeer (8), Velásquez (8) ou Ticiano (15)[cf. ApêndÍce 2, Tabela 21].
Apesar de ser possível verificar o crescimento da parcela das
citações originais à medida que se sobe na hierarquia social, os
visitantes de museus na Europa estão de acordo, com pequenas
variantes de caráter nacional, em relação a uma hierarquia comum
das notoriedades da qual fazem parte, em proporções praticamente
iguais, os valores mais clássicos e os revolucionários da geração
.o amor pela arle
precedente, ou seja, Van Gogh, Rembrandt, Picasso, Goya, Cézanne,
Renoir e Da Vinci. O fato de que o público de cada um dos países
manifeste a tendência para colocar pintores nacionais nos
primeiros lugares explica-se, sem dúvida, pelo apego aos valores
pátrias, estimulado pelas tradições escolares (em particular,
veiculadas pelos livros adotados na escola) e, ao mesmo tempo,
pelo conteúdo das coleções nacionais. É assim que os poloneses
atribuem uma preferência bastante marcante a pintores (uma dúzia,
entre os vinte nomes citados), cuja obra está estreitamente
associada à história nacional; por sua vez, além de colocarem El
Greco em primeiro lugar, os gregos citam outros pintores nacionais,
embora em menor proporção do que os poloneses, sem dúvida,
porque o ensino não reconhece à pintura grega da época moderna
um lugar e sentido análogos aos que lhe são conferidos na Polônia,
e também porque, sendo seus gostos e preferências menos
tributários diretamente de um ensino que reserva um lugar
extremamente reduzido à história da arte, eles atribuem uma
importância maior aos pintores estrangeiros. O fato de que os
vinte pintores citados com maior freqüência representem 94,1%
das menções na Grécia, 81,1 % na Polônia, 60,9% na Holanda e
50,8% na França, e de que, também, os dois primeiros pintores
citados representem, por si só, quase metade das menções na Grécia
e na Polônia (54,2% e 46,3%, contra 37,3% na Holanda e 16,3%
na França), dá testemunho de que o campo dos pintores conhecidos
(e amados) tende a aumentar à medida que cresce o capital cultural
nacional. As diferenças entre as preferências do público francês e
do público holandês explicam-se, sem dúvida, por um lado, pelo
conteúdo das coleções artísticas dos dois países; além disso, é
notável que pintores, tais como Klee (que, na França, só aparece
na classificação das classes superiores) ou Mondrian e Kandinsky,
apareçam em lugar bastante bom entre os pintores citados pelo
conjunto do público holandês [cf. Apêndice 5, Tabela 11]. Bastante
apegados a suas tradições nacionais e, sobretudo, regionais, os
italianos colocam nos primeiros lugares os pintores locais,
obras cuRurais e chsposição cuRa 95
11\"
contas, bastante ortodoxos e que, segundo observava Boas, "o
pensamento do que chamamos de classes cultas seja controlado,
principalmente, pelos ideais que foram transmitidos pelas gerações
passadas"?57 Se, com maior freqüência do que os outros, os mais
deserdados em matéria de cultura detêm e exprimem o que aparece
ao observador como a verdade objetiva da experiência culta é pela
seguinte razão: do mesmo modo que a ilusão da compreensão
imediata do meio ambiente cultural não é possível senão no âmbito
do mundo natal, em que os comportamentos e os objetos culturais
são moldados segundo determinados modelos imediatamentecontrolados, assim também a ilusão carísmática, advinda da
familiaridade, só pode desenvolver-se naqueles para quem o mundo
da cultura erudita é também o mundo natal. Ou, dito por outras
palavras, o desnorteamento e a confusão daqueles que estão
desprovidos da "cifra" cultural lembram que a compreensão de uma
conduta ou de uma obra cultural é sempre dedfTação mediata, até
mesmo no caso particular em que a cultura objetiva e objetivada
tornou-se, no termo de um longo e lento processo de interiorização,cultura no sentido subjetivo.
Eis o motivo pelo qual afirmar que os homens cultos são os
possuidores de cultura é mais do que uma simples tautologia. Ao
aplicarem - por exemplo, às obras de sua época - determinadas
categorias herdadas e, ao mesmo tempo, ignorarem a novidade
irredutível de obras que trazem em seu bojo as próprias categorias
de sua própria percepção, os homens cultos - que fazem parte da
cultura tanto quanto a cultura lhes pertence -limitam-se a exprimir
a verdade da experiência culta que é, por definição, tradicional. Como
se vê, os devotos da cultura, votados ao culto das obras consagradas
dos profetas defuntos, assim como os sacerdotes da cultura,
dedicados à organização desse culto, encontram-se do lado
completamente oposto aos profetas culturais que transtornam a
rotina do fervor ritualizado, enquanto não tiver passado o tempo
necessário para que, por sua vez, sejam "rotinizados" por novossacerdotes e novos cl,evotos.
96
ao lado das glórias mais reconhecidas, Botticelli ou Da Vinci,
enquanto Rembrandt, Goya e os impressionsitas só aparecemmencionados pelo público culto de Milão.
Os visitantes mais cultos manifestam, muitas vezes, osentimento de participar de uma cultura livre, fazendo incidir suas
escolhas, por um lado, nos pintores revolucionários das gerações
precedentes, em vez dos pintores mais antigos, desvalorizados pelohábito e pela falsa famílíaridade, ou, por outro, nos mais inovadoresdos criadores contemporâneos.
Uma pesquisa anterior sobre as opiniões e as práticas dos
estudantes em matéria de pintura mostrou que, apesar de sua
aspiração à originalidade, os estudantes franceses davam,
maciçamente, sua preferência aos pintores mais consagrados entre
os que eram propostos à sua seleção.O apego aos valores seguros
observa-se, tanto à escalada história geralda pintura - osprimeiros
lugares são atribuídos a Da Vinci,Poussin,Chardin, Légere Dali _,
quanto em relaçãoà pintura francesaposterior ao impressionismo.
No entanto, do mesmo modo que os visitantes estão tanto mais
inclinados ao conformismo, quanto mais baixa é sua posição nahierarquia social e cultural, assim também a escolha dos clássicos
mais notórios é mais freqüente entre os filhos de camponeses e deoperários. Uma análise mais minuciosa permitiria até mesmo
estabelecer uma distinção entre pintores apreciados,
indiferentemente da classe social de origem dos visitantes (Van
Gogh, Gauguin, Monet, Buffet); pintores cujo prestígio cresce à
medida que essa origem social é mais elevada (Degas, Sisley,
Modigliani);pintores mais apreciadospelos estudantes originários
das classes populares (Renoir, Cézanne); e alguns pintores que,segundo parece, correspondem às preferências próprias às classesmédias (Utrillo, Toulouse-Lautrec).
Será surpreendente que os gostos e o bom gosto que ossujeitos mais cultos devem à ação homogênea e homogeneizante,
"rotinizada" e "rotinizante" da instituição escolar, sejam, afinal de
o amor pekz arle obras cu/iurais e disposição cu/ia 97
98
Mas será que temos o direito de tirar a conclusão de que, das
relações estabeleci das entre o nível de instrução e todos os caracteres
da prática cultural, a influência da Escola é determinante, sabendo
que, pelo menos na França, por falta dos mais indispensáveis meios
materiais e institucionais, a ação direta da Escola (educação artística,
ensino da história da arte, visitas guiadas de museus, etc.) é
extremamente precária? Ora, esta carência é particularmente grave,
já que somente 3% dos visitantes atuais de museus entraram pela
primeira vez em um museu depois de terem completado vinte e quatro
anos (o que significa que o destino é definido bem precocemente) e
já que as crianças originárias dos meios desfavorecidos não visitam
museus a não ser por intermédio da Escola [cf. Apêndke2, Tabela
5]. Por falta de uma organização específica, diretamente orientada
para a inculcação da cultura artística e encarregada de sancionar
sua assimilação, as operações escolares de difusão cultural são
abandonadas à iniciativa dos professores, de modo que a influênciadireta da Escola é bastante reduzida: 7% somente dos visitantes
franceses afirmam ter descoberto o museu pela Escola e aqueles que
devem seu interesse pela pintura à influência direta de um professor
são relativamente pouco numerosos [cf. Apêndke 2, Tabela 6].
Não se pode compreender que o ensino do desenho ocupe, na
França, um espaço tão restrito nos programas educacionais e que
os professores encarregados de tal ensino sejam tradicionalmente
considerados, tanto pela administração quanto por seus colegas e
pelos alunos, como docentes de segunda ordem, votados aos
ensinos secundários, com todas as conseqüências pedagógicas e
materiais daí decorrentes (falta de locais especializados e de
material, falta de apoios institucionais); tampouco se pode
compreender o fato de que a história da arte seja confiada, não aos
professores de desenho, exclusivamente votados ao ensino das
técnicas, mas aos professores de história que, subjugados à tirania
dos programas, consagram à arte, como afirma um deles, "uma
aula por século", se este estado de coisas não for visto como a
expressão da hierarquia dos valores que domina todo o sistema
o amor pela arle
de ensino e, talvez, todo o sistema socia].58A desvalorização do
ensino artístico participa da desvalorização de todo ensino técnico,
ou seja, de todo ensino das "artes mecânicas" que exige, sobretudo,o trabalho manual; ora, é significativo que o professor de desenho
encontre algum prestígio somente no universo, globalmente
desvalorizado, do ensino técnico. Além disso, o fato de que o
ensino da história da arte esteja dissociado do ensino das técnicas
artísticas e tenha sido confiado aos professores de história,
disciplina canônica, manifesta a tendência de todo sistema de ensino
francês em subordinar a produção de obras ao discurso sobre as
obras. Mas, por outro lado, o ensino do desenho ou da música
deve também sua situação subalterna ao fato de que a sociedade
burguesa que exalta o consumo das obras atribua pouco valor à
prátÍca das artes recreativas e aos produtores profissionais de obrasde arte. Convém citar as KreislerÍana de Hoffman: "É evidente
que, ao crescerem, as crianças devem renunciar à prática da arte;
com efeito, tais coisas não podem convir a homens sérios e, muitas
vezes, levam as damas a negligenciar os deveres superiores do
mundo. Desde então, limitam-se a ter uma fruição passiva da
música e fazem com que, em seu lugar, esta seja tocada pelos
filhos ou artistas profissionais. Desta adequada definição da arte,
conclui-se que os artistas - ou seja, pessoas que dedicam (na verdade,
de forma bem absurda!) sua vida inteira a uma ocupação que
serve apenas para sua recreação e distração - devem serconsiderados como ralé e só devem ser tolerados por colocarem
em prática o miscereutili du1ce. Nunca um homem de bom senso
e de mente madura irá atribuir ao mais excelente artista uma
estima semelhante àquela que dedica a um laborioso escrivão ou,
até mesmo, ao artesão que confeccionou a almofada em cima da
qual está sentado o conselheiro em seu gabinete ou o comerciantediante do caixa: com efeito, uns têm em vista o útil, enquanto os
outros ligam somente para o agradável. Portanto, o fato de nos
mostrarmos delicados e amáveis para com o artista só pode ser a
conseqüência de nossa civilização e de nossa bonomia que nos
obras cuHurais e disposição cuHa99
100
levam exatamente a sermos gentis e frívolos com as crianças ecom as outras pessoas menos sérias".
Mesmo que a instituição escolar reserve apenas um espaçorestrito para o ensino propriamente artístico, mesmo que, portanto,não forneça nem uma incitação específica à prática cultural, nem
um corpo de conceitos especificamente adequados às obras de arteplástica, ela tende, por um lado, a inspirar uma certa famiJjaridade
- constitutiva do sentimento de pertencer ao mundo culto - com
o universo da arte em que nos sentimos perfeitamente à vontade e
em perfeita harmonia com o autor na qualidade de destinatários
titulares de obras que não se revelam a qualquer pessoa. Assim,
por exemplo, se o acesso à faculdade desencadeia na maior partedos estudantes uma espécie de bulimia cultural, é porque marca
(entre outras coisas) a entrada no mundo culto, ou seja, o acesso
ao direito e, o que dá no mesmo, ao dever de se apropriar da cultura;
é, também, porque a incitação à prática cultural exercida pelosgrupos de referência torna-se, neste caso, particularmente forte.Do mesmo modo, a diferença bastante marcante entre as taxas dos
visitantes dotados de instrução primária e as taxas daqueles quefreqüentaram estudos secundários dá testemunho de que o ensino
secundário - pelo menos, nos países e períodos em que a quasetotalidade das classes populares e uma forte proporção das classesmédias continuavam excluídas dele - está associado, tanto em sua
significação social quanto em sua significação vivenciada, a um
certo tipo de relação com a cultura que implica a possibilidade defreqüentar museus.
A Escola tende, além disso, a inculcar (em graus diferentes,
nos diferentes países europeus) uma disposição erudita ou escolar,definida pelo reconhecimento do valor das obras de arte, assim
como pela aptidão duradoura e generalizada, a se apropriar dos
meios destinados à sua apropriação. 59 Apesar de ser orientada quaseexclusivamente para as obras literárias, a aprendizagem escolar
tende a criar, por um lado, uma disposição transponível para admirar
obras consagradas no âmbito escolar, de modo que o dever de
o amor peh arle
admirar e amar certas obras ou classes de obras acaba aparecendo,
aos poucos, como ligado a um certo estatuto escolar e social; por
outro lado, uma aptidão, igualmente generalizada e transponível
para a classificação por autores, gêneros, escolas ou épocas: o
remanejamento das categorias escolares da análise literária e o hábito
de adotar uma postura crítica predispõem a adquirir, pelo menos,
as categorias equivalentes em outras áreas e a entesourar os saberes
típicos que, até mesmo extrínsecos e acessórios, tornam possível
uma forma elementar de apreensão específica da representação,
baseada no recurso à metáfora literária ou na invocação de analogias
tomadas de empréstimo à experiência visual. Assim, pelo fato de
que a compra de um guia ou de um catálogo pressupõe umaverdadeira atitude em relação à obra de arte, atitude constituída
pela educação, a utilização dessas espécies de manuais que fornecem
um programa de percepção armada restringem-se, quase
exclusivamente, aos visitantes mais cultos, de modo que sua função
se limita a iniciar quem já é iniciado.
Na França, a taxa de possuidores de "Guides Verts" (que propõem
programas leves e realizáveis) corresponde a 2% nas classes
populares, 7% dos membros das classes médias e dos quadros
superiores, além de 8% dos professores e especialistas de arte
que procuram no "Guide Bleu", mais difícil e mais completo
(adquirido por 5% e 8% destes últimos, contra 3% das classes
médias), uma informação exaustiva, cuja utilização pressupõe a
dissociação entre a simples percepção e o conhecimento erudito.
Na Polônia, os utilizadores do catálogo limitam-se aos
professores, incluindo os do ensino primário (14%), aos artistas
e escritores (7%) ou aos estudantes (6%). A utilização de um
guia "erudito" ("Guide Bleu" ou equivalente) e, até mesmo, de
um guia turístico simplificado ("Guide Vert" ou equivalente) é
ainda mais reduzida na Grécia, país em que a menção aos guias
só aparece no nível dos titulares do vestibular (3,5% e 1,5%,
respectivamente) e de um diploma universitário (5% e 1%). Domesmo modo, na Holanda, 4% dos titulares do vestibular
obras cuRurais e disposição cuRa 101
102
utilizam o "Guide Vert" e 6% o "Guide Bleu"; no entanto, a
proporção dos utilizadores de guias cai para 2% entre aquelesque fizeram estudos superiores.6o
A melhor prova de que os princípios gerais da transferênciadas aprendizagens são válidos, também, relativamente às
aprendizagens escolares reside no fato de que as práticas dedeterminado indivíduo ou, pelo menos, dos indivíduos de uma
categoria social ou de determinado nível de instrução, tendem a
constituir um sistema, de modo que um certo tipo de prática emum domínio qualquer da cultura está associado, com uma
probabilidade bastante forte, a um tipo de prática equivalente emtodos os outros domínios. É assim que a freqüência assídua demuseus está, mais ou menos necessariamente, associada a uma
freqüência equivalente do teatro e, em menor grau, do concerto. Da
mesma forma, tudo parece indicar que os conhecimentos e os gostostendem a se constituir em constelações (estritamente associadas ao
nível de instrução), de modo que a estrutura típica das preferênciase saberes em pintura apresenta todas as condições de ser associada
à estrutura do mesmo tipo de conhecimentos e gostos em músicaou, até mesmo, em jazz ou em cinema. 61
Os visitantes de museus declaram ritmos de freqüência do
concerto, no conjunto, nitidamente inferiores a seus ritmos de
visita a um museu: todos os visitantes oriundos das classes
populares, salvo um, 51% dos visitantes das classes médias e 26,6%
dos visitantes das classes superiores afirmam que nunca foram a
um concerto; além disso, o ritmo modal é, em relação ao museu,
de uma visita de três em três ou de quatro em quatro meses. Por
sua vez, a distribuição dos visitantes segundo o ritmo de sua
freqüência do concerto apresenta dois modos: o mais elevado na
rubrica "nunca"; enquanto o segundo em "três ou quatro vezes
por ano". À semelhança da visita assídua a um museu, a freqüência
do concerto cresce fortemente à medida que se sobe na hierarquia
social; neste caso, a correlação entre os ritmos de freqüência
aumenta concomitantemente quando se passa das classes médias
o aIllorpela arle
para as classes superiores (r = 0,39 e r = 0,50), o que tende a
mostrar que a disposição culta como atitude generalizada é cada
vez mais freqüente à medida que se sobe na hierarquia social. A
freqüência do teatro, mais intensa do que a assistência ao concerto
(já que o ritmo modal corresponde a uma representação de três
em três ou de quatro em quatro meses), está também
estreitamente associada à freqüência do museu (r = 0,31 nas
classes médi~s e r = 0,33 nas classes superiores) e varia, portanto,
em função da posição na hierarquia social e do nível de instrução.
O fato de que os visitantes oriundos das classes populares tenham
uma prática do teatro e do concerto extremamente reduzida tende
a confirmar que sua visita assídua a um museu não exprime uma
verdadeira disposição culta. Pelo contrário, a freqüência das salas
de cinema, muito mais intensa do que as outras práticas culturais
(já que o ritmo modal corresponde a uma sessão por semana),
não está, de modo algum, associada à freqüência dos museus
(r = 0,11 para as classes médias e r = 0,07 para as classes
superiores) e depende, de forma reduzida, do nível de instrução,
de modo que, se excetuarmos uma minoria de estetas que mantêm
uma atitude semelhante diante do cinema, do teatro ou do museu,
podemos considerar que a freqüência das salas de cinema obedece
a uma lógica que já nada tem a ver com a das práticas nobres
[d. Apêndice 3, Tabela 7].62
Podemos ver uma outra prova da transferabilidade das
aprendizagens escolares no fato de que, contrariamente a certas
representações da sociologia espontânea, um elevado grau de
competência em domínios da cultura estrangeiros ao ensino, tais
como o jazz ou o cinema, tem fortes possibilidades de ser associado
a um elevado grau de competência nos domínios diretamente
ensinados e consagrados pela Escola, tais como o teatro, e, por
conseguinte, encontrar-se entre os estudantes colocados nas mais
elevadas posições da hierarquia escolar, portanto, mais aptos a
aplicar ao cinema uma atitude erudita e a memorizar saberes, taiscomo os nomes dos diretores dos filmes.
obras cu/iurais e disposição cu/ia 103
104
Será possível objetar que a pior maneira de abordar as obrasde arte consiste em aplicar-Ihes categorias e conceitos tão pouco
específicos, quanto os da história literária. E a oposição entre "as
impressões ingênuas de um olhar novo" e os discursos escolares
sobre a pintura já se tornou um lugar comum da conversação culta.
De fato, antes de tudo, tal postura esquece que o "rendimento social"
da cultura artística depende, no mínimo, tanto da aptidão para
exprimir as experiências artísticas, quanto da qualidade intrínseca
e inverificável de tais experiências. Além disso, a representação que
opõe a atitude autenticamente culta à pura fruição passiva e, ao
mesmo tempo, à disposição escolar - sobre a qual recai a suspeita
de confinar a virtualidade da perversão ascética que leva a privilegiar
os acompanhamentos rituais da fruição em detrimento da própria
fruição -, desempenha uma função ideológica ao descrever
determinada maneÍra de abordar as obras, produto de um tipo
particular de aprendizagem, como a única legítima. De fato,
privilegiar, entre todos os tipos de disposição, aquele que carrega
menos vestígios de sua gênese, isto é, a facilidade ou o "natural", é
uma forma de estabelecer a separação intransponível entre os
detentores da maneira correta de consumir os bens culturais que
faz a qualidade do consumidor (e, em certos casos, o valor do bem
consumido), e os novos-ricos da cultura que denunciam, nos mais
insignificantes detalhes de sua prática, as carências sutis de uma
cultura adquirida em más condições - ou seja, autodidatas, cujos
saberes discordantes permanecerão sempre distintos dos
conhecimentos bem comedidos do homem que freqüentou a Escola
pelo simples fato de que tais saberes não foram adquiridos segundo
as regras e na ordem correta, "pedantes" e "primários" que, atravésde conhecimentos e interesses exclusivamente escolares, revelam
ser tributários da Escola em relação a todas as suas aquisições deordem cultural. Se "a arte infinitamente variada de marcar as
distâncias", da qual falava Proust, encontra seu terreno prediletona maneira de usar sistemas simbólicos - adereços e automóvel,
indumentária e mobília, linguagem e atitude, e, sobretudo, na relação
o amor pela arle
com as obras de arte, com reduplicações e requintes indefinidos,
autorizados por tal relação - é porque, neste domínio em que tudo
é questão de maneira de ser, a maneira correta não se adquire senãoatravés das aprendizagens imperceptíveis e inconscientes de uma
primeira educação, ao mesmo tempo, difusa e total: em suma, osmatizes ínfimos e infinitos de uma disposição autenticamente culta
em que nada deve evocar o trabalho de aquisição remetem, em últimaanálise, a um modo particular de aquisição.
Pelo fato de que a obra de arte apresenta-se como uma
individualidade concreta que nunca se deixa deduzir dos princípios e
regras que definem um estilo, a aquisição dos instrumentos que tornam
possível a familiaridade com as obras de arte não pode operar senão
por uma lenta familiarização. A competência do conhecedor não podeser transmitida, exclusivamente, por preceitos ou prescrições. E a
aprendizagem artística pressupõe o equivalente do contato prolongadoentre o discípulo e o mestre em um ensino tradicional, ou seja, o
contato repetido com a obra (ou com obras da mesma classe): assim,
por exemplo, a visita assídua a obras apresentadas segundo umaclassificação metódica, por escolas, épocas ou autores, tende a produzir
a espécie de familiaridade global e inconsciente com seus princípios,
permitindo que o espectador culto atribua, imediatamente, uma obrasingular à uma classe, seja relativa à maneira de pintar de um autor,ao estilo de uma época ou de uma escola. Do mesmo modo que o
aprendiz ou o discípulo pode adquirir ÍnconscÍentementeas regras daarte, incluindo as que não são explicitamente conhecidas pelo próprio
mestre, mediante uma verdadeira renúncia de si que exclui a análise
e a seleçãodos elementos da conduta exemplar, assim também o amador
de arte pode, ao abandonar-se de alguma forma à obra, interiorizar
seus princípios e regras de construção sem que, em momento algum,
estes sejam trazidos à consciência e formulados enquanto tais, o quefaz toda a diferença entre o teórico da arte e o conhecedor, quase
sempre incapaz de explicitar os princípios de seus juízos. Nestedomínio, como em outros (por exemplo, a aprendizagem da gramática
da língua materna), a educação escolar tende a favorecer a retomada
obras cu/iurais e disposição cu/ia105
106
consciente de esquemas de pensamento, de percepção ou de expressão,já controlados inconscientemente, por um lado, ao formular
explicitamente os princípios da gramática criadora, por exemplo, as
leis da harmonia e do contraponto, ou as regras da composiçãopictural, e, por outro, ao fornecer o material verbal e conceitual
indispensável para dar nome às diferenças, antes de tudo, percebidas
de maneira puramente intuitiva. Um ensino artístico que se reduza aum discurso (histórico, estético ou outro) sobre as obras é
necessariamente um ensino de segundo plano: à semelhança do queocorre com o ensino da língua materna, a educação literária ou artística
(ou seja, "as humanidades" do ensino tradicional) pressupõe
necessariamente - sem nunca, ou quase, se organizar em função dessa
condição prévia - indivíduos dotados de uma competência previamenteadquirida e de um verdadeiro capital de experiências (visitas de museus
ou de monumentos, audições de concertos, leituras, etc.) que seencontram distribuídas, de forma bastante desigual, entre os diferentesmeios sociais.
A parcela dos visitantes que afirmam ter vindo a um museu pela
primeira vez com a família cresce fortemente à medida que se
sobe na hierarquia social (ou seja, 6% dos agricultores, 18% dos
operários e as classes médias e 30% dos quadros superiores).Nota-se que estas diferenças ainda se encontram minimizadas
porque a parcela dos visitantes que afirmam ter feito sozinhos a
primeira visita (com ou sem razão e, em todo caso, sem que isso
signifique que eles não tivessem recebido a influência difusa ou as
incitações formais de sua família) cresce à medida que se avança
em direção às classes mais favorecidas [cf. Apêndke 2, Tabela 6].
A primeira visita é sempre tanto mais precoce quanto mais elevado
for o nível de instrução; neste caso, a parcela dos visitantes que
entraram em um museu antes de completarem quinze anos, passa
de 26% entre os 'visitantes oriundos das classes populares (cuja
primeira visita está, muitas vezes, associada ao turismo) para
37,5% nas classes médias, mais fortemente tributárias da Escola,
para atingir 56% nas classes superiores [d. Apêndke 2, Tabela 5].
o amor pela arle
Quanto mais a tarefa de transmissão cultural for abandonada
pela Escola à família e tanto mais a ação escolar tenderá a consagrar
e legitimar as desigualdades prévias, já que seu rendimento depende
da competência - prévia e distribuída de forma desigual - dos
indivíduos sobre os quais ela se exerce.63 Além disso, mesmo que,
parcialmente, a instituição escolar chegasse a tomar o lugar dasinstâncias tradicionais de transmissão ao trabalhar diretamente para
proporcionar a familiaridade com as obras, pressuposta por qualquer
tipo de educação artística, o produto de sua ação correria sempre o
risco de aparecer como o substituto desvalorizado da disposição
conveniente, enquanto a representação predominante da disposição
culta continuar a se impor como a única legítima, e enquanto a
ação escolar coexistir com os modos de transmissão que estão emharmonia com essa representação ideológica por lhe servirem de
fundamento e a justificarem. De fato, uma incitação que não tenhanecessidade de ser deliberada e metódica para ser eficaz, e cuja
afirmação é tão imperceptível que, muitas vezes, age sem ser sentida,
só pode reforçar a ilusão carismática; neste caso, para fornecer osentimento da familiaridade com as obras culturais, nada melhor do
que promover, precocemente, a visita assídua - e inserida nos ritmosfamiliares da vida familiar - de tais obras.
Ao se eximir de trabalhar de forma metódica e sistemática,
através da mobilização de todos os meios disponíveis, desde os
primeiros anos da escolaridade, em proporcionar a todos, na situaçãoescolar, o contato direto com as obras ou, pelo menos, um substituto
aproximativo dessa experiência, a instituição escolar abdica do poder,
que lhe incumbe diretamente, de exercer a ação continuada e
prolongada, metódica e uniforme, em suma, universal ou tendendoà universalidade; ora, tal ação é a única capaz de produzir em série,
provocando grande escândalo entre os detentores do monopólio dadistinção culta, indivíduos competentes, providos dos esquemas de
percepção, de pensamento e de expressão que são a condição da
apropriação dos bens culturais, e dotados da disposição generalizada
e permanente para se apropriar de tais bens. A Escola, cuja função
obras cuRurais e disposição cuRa 107
108
específica consiste em desenvolver ou criar as disposições que fazemo homem culto e constituem o suporte de uma prática duradoura
e intensa, ao mesmo tempo, de forma qualitativa e quantitativa,
poderia compensar (pelo menos, parcialmente) a desvantageminicial daqueles que, em seu meio familiar, não encontram a
incitação à prática cultural, nem a familiaridade com as obras,pressuposta por todo discurso pedagógico sobre as obras, com a
condição somente de que ela utilize todos os meios disponíveispara quebrar o encadeamento circular de processos cumulativos
ao qual está condenada qualquer ação de educação cultural. Quem
ridiculariza, considerando-o primário, o ensino que, por técnicas
simples (por exemplo, pela apresentação de reproduções e pelotreino relativo à atribuição), entendesse transmitir saberes
rudimentares, tais como datas, escolas ou épocas, esquece queesses métodos, por mais grosseiros que possam parecer,
transmitiriam, pelo menos, um conhecimento mínimo que,legitimamente, não pode ser desdenhado senão por referência atécnicas de transmissão mais exigentes. Ao proceder como se as
desigualdades em matéria de cultura não pudessem se referir senão
a desigualdades de natureza, ou seja, desigualdades de dom, e ao
omitir de fornecer a todos o que alguns recebem da família, osistema escolar perpetua e sanciona as desigualdades iniciais.
Se as vantagens ou desvantagens sociais pesam tãoconsideravelmente sobre as carreiras escolares e, de forma mais
geral, sobre toda a vida cultural, é porque, percebidas ou
despercebidas, elas são sempre cumulativas. Sabendo que, de umlado, os níveis culturais dos diferentes membros de determinada
família estão fortemente associados entre si, que as possibilidades
de prosseguir os estoudos em uma grande ou pequena cidade, emum liceu ou em um colégio de ensino geral, de ter acesso a estudos
clássicos ou ser condenado ao "moderno", dependem estreitamente
da posição social da família; e sabendo que, por outro lado, aatmosfera cultural da infância e o passado escolar estão
estreitamente associados, até mesmo no nível mais elevado do
o amor pela arle
cursus* escolar, em graus desiguais de conhecimento e de prática
artística, compreende-se que o sistema escolar, ao se ocupar apenas
de discentes iguais em direitos e em deveres, se limite na maior
parte das vezes a reduplicar e sancionar as desigualdades iniciais
diante da cultura. E se as desigualdades diante do museu são ainda
mais brutais do que as desigualdades diante da Escola (como mostra
a comparação da estrutura do público de museus com a estrutura
do público do ensino superior) é porque a influência do privilégio
cultural nunca é tão grande a não ser no domínio da cultura "livre",
ou seja, a menos escolar: assim, por exemplo, embora os estudantestenham um conhecimento do teatro tanto mais extenso quanto
mais elevado for o meio social do qual fazem parte, a inferioridade
dos estudantes oriundos das classes populares, que se atenua nos
mais consagrados domínios da cultura teatral, ou seja, em relação
às obras "clássicas", é particularmente marcante em matéria de
teatro de vanguarda ou de bulevar; do mesmo modo, em pintura,
as diferenças que tendem a se anular no que diz respeito aos
pintores mais consagrados (Renoir, Van Gogh, Cézanne) reaparecem
em toda a sua brutalidade desde que se avance em direção a
conhecimentos menos diretamente veiculados pelo ensino e, no
caso concreto, pelo ensino secundário, quando se trata, por
exemplo, de pintores menos célebres, tais como Cranach,
Chassériau, Moreaux, ou, ainda mais nitidamente, de pintores
modernos, tais como Klee, Mondrian, Dubuffet.64 Assim, quem
recebe da família as mais fortes incitações explícitas ou difusas
para a prática cultural conserva também o máximo de possibilidades,
não só de se manter por mais tempo na instituição escolar porque
traz para esta a "cultura livre", pressuposta e exigida por ela, semnunca a revelar de forma metódica; mas também, de assistir à
transformação das predisposições moldadas pelas aprendizagens
inconscientes da primeira educação em disposição culta.
* Termo que designa o percurso (mais ou menos longo, nesse ou naquele ramo deensino ou estabelecimento) efetuado pelo aluno no decorrer de sua escolaridade. (N.T.)
obras cuBurais e disposição cuBa 109
Contra a ideologia carismática que instala a oposição entre a
experiência autêntica da obra de arte como "afeição" do coração ou
compreensão imediata da intuição, por um lado, e, por outro, os
procedimentos laboriosos e os frios comentários da inteligência,
passando sob silêncio as condições sociais e culturais que tornam
possível tal experiência e tratando, concomitantemente, como graça
de nascimento a virtuosidade adquirida por uma longa familiarização
ou pelos exercícios de uma aprendizagem metódica, a sociologia
estabelece, do ponto de vista lógico e, ao mesmo tempo, experimental,
que a apreensão adequada da obra cultural e, em particular, da obra
de cultura erudita, pressupõe, a título de ato de decifração, a posse
da cifra que serviu para codificá-Ia. No sentido objetivo de cifra (ou
de código), a cultura é a condição da inteligibilidade dos sistemas
concretos de significação, organizados por ela e aos quais permanece
irredutÍvel, à semelhança da língua em relação à palavra; enquanto a
cultura, no sentido de competência, não é outra coisa senão a cultura
(no sentido objetivo) interiorizada e tornada disposição permanente
e generalizada para decifrar os objetos e os comportamentos culturais,
utilizando o código que serviu para sua codificação. No caso
particular das obras de cultura erudita, o controle do código não
pode ser adquirido completamente pelas simples aprendizagens
difusas da experiência cotidiana e pressupõe um treino metódico,
organizado por uma instituição especialmente preparada para tal
fim: Daí, segue-se que a apreensão da obra de arte depende em sua
intensidade, modalidade e própria existência do controle que o
espectador detém do código genérico e específico da obra (ou seja,
de sua competência artística) e é tributário, em parte, do treinorecebido na escola; ora, o valor, a intensidade e a modalidade da
comunicação pedagógica, encarregada, entre outras funções, de
transmitir o código das obras de cultura erudita (ao mesmo tempo
que o código segundo o qual se efetua tal transmissão) dependem,
por sua vez, da cultura (como sistema de esquemas de percepção, de
apreciação, de pensamento e de ação, historicamente constituído e
socialmente condicionado) recebida do meio familiar pelo receptor e
110 o amor pela arle
que está mais ou menos próxima - tanto em seu conteúdo, quantoem relação à atitude relativamente às obras de cultura erudita ou à
aprendizagem cultural que ela implica - da cultura eruditatransmitida pela Escala e dos modelos lingüísticas e culturais
segundo os quais a Escola efetua tal transmissão. Considerando
que a experiência direta das obras de cultura erudita e a aquisiçãoinstitucionalmente organizada da cultura que é a condição da
experiência adequada dessas obras estão submetidas às mesmas leis,compreende-se como é difícil quebrar o círculo que faz com que o
capital cultural leve ao capital cultural: de fato, basta que ainstituição escolar permita o funcionamento dos mecanismos
objetivos da difusão cultural e se exima de trabalhar,sistematicamente, para fornecer a todos, na e pela própria mensagem
pedagógica, os instrumentos que condicionam a recepção adequadada mensagem escolar para que a Escola reduplique as desigualdades
iniciais e, por suas sanções, legitime a transmissão do capital cultural.
obras cuBurais e dispos.ição cuBa111
lerceira parle
leis da difusão cu/iural
"A Educação consegue tudo: faz dançar os ursos."
LEIBNIZ
Por oposição à visita ocasional- muitas vezes, simples efeito
do acaso -, a prática regular exprime e pressupõe uma adequação,
mais ou menos completa, entre as obras oferecidas e o grau de
competência pictural dos visitantes, entendido como capacidade para
apreender as informações propostas e decifrá-Ias, vislumbrá-Ias como
significações ou, melhor ainda, formas significantes.
Ou dito por outras palavras, a freqüência de museus obedece
a uma lógica bem conhecida da teoria da comunicação, já que, à
maneira de um emissor de rádio ou televisão, o museu propõe uma
informação que pode se dirigir a qualquer sujeito possível sem
implicar em um custo maior e só adquire sentiro e valor para umsujeito capaz de decifrá-Ia e saboreá-Ia. Daí, segue-se que o público
adequado da mensagem é definido, do ponto de vista lógico e, ao
mesmo tempo, experimental, pelo "apelo" exercido sobre ele pelos
museus ou, melhor ainda, pela aptidão para receber a informação
que propõem: de fato, embora essa informação única possa ser
desigual e diferentemente decifrada por sujeitos diferentes, ocorre
que se pode pressupor que a freqüência assídua implica o controle
do código da mensagem proposta e a adesão a um sistema de valores
que serve de fundamento à outorga de valor às significações
decifradas, à decifração dessas significações e ao deleite proporcionado
por tal decifração. Daí, segue-se que a estrutura (no que diz respeito
à competência escolar) do público assíduo dos museus (e de todo
público de determinada mensagem) pode ser considerada como um
indicador aproximativo do nível da informação proposta pelos
kis da chfusãocufiura/ 113
114
l1ic
museus. Assim, pelo fato de que a categoria mais representada, de
longe, entre o público de museus seja a dos detentores de um
diploma de final de estudos secundários; pelo fato também de que
os visitantes que não atingiram esse nível manifestem sua confusão
através de um grande número de índices, pode-se concluir que a
informação oferecida pelos museus franceses corresponde
permitamo-nos a expressão - "ao nível do vestibular".
De fato, apesar de possuir um grande valor operatório no
sentido em que permite justificar a estrutura do público de museus,
a informação globalmente oferecida pelos museus permanece uma
abstração e, concomitantemente, o nível dessa informação. Além de
que cada um dos museus oferece necessariamente uma informação
global- cujo nível particular é definido, grosseiramente, pelo tipo,
qualidade e quantidade das obras apresentadas -, esse nível em si
mesmo não pode ser definido pontualmente porque, salvo rarasexceções, o conteúdo de um museu ou, até mesmo, de uma
exposição, nunca é perfeitamente homogêneo: a maior parte dos
museus propõe vários tipos de obras, desde objetos de folclore,
lembranças históricas, mobiliário ou cerâmica, até pintura e
escultura; além disso, no âmbito de determinado tipo, justapõe obras
desigualmente legíveis - por exemplo, impressionistas e abstratas
para os homens "cultos" de nossas sociedades. A esse aspecto,
convém acrescentar que a mesma obra pode ser decifrada a partir de
várias grades e que, à semelhança dos filmes de faroeste que podem
ser objeto de uma aceitação ingênua ou de uma leitura erudita, a
mesma obra pictural pode ser recebida diferentemente por receptores
de níveis diferentes e, por exemplo, satisfazer o interesse em relação
a determinado detalhe ou chamar a atenção exclusivamente por suas
propriedades formais. Vê-se assim, com toda a evidência, que o nível
cultural tampouco pode ser definido pontualmente: em primeiro
lugar, porque está sempre em devir e porque cada percepção nova da
obra acaba transformando as percepções ulteriores; assim, a percepção
repetida é uma forma de reduzir a "originalidade" da obra (no sentido
da teoria da informação), ao assimilar uma parcela cada vez maior da
o amor pela arle
informação que ela contém. Em seguida, porque não pode ser definido
independentemente das aspirações que lhe fornecem sua verdadeira
significação; neste caso, a boa vontade cultural pode levar a considerarinstrutiva a contemplação de obras superiores a seu próprio nível.
Por falta de condições para criar a situação experimental que
permitiria comparar a estrutura do público que respondesse ainformações de níveis diferentes, embora estritamente homogêneos,
pode-se tentar verificar, através da análise da estrutura do públicode museus que oferecem informações de níveis diferentes, se as
variações do nível da informação oferecida são acompanhadas por
variações na estrutura do público, distribuída segundo a competência
escolar, e se o grau de homogeneidade do público, nesse mesmo
aspecto, corresponde ao grau de homogeneidade das obras oferecidas.
Considerando que os níveis de informação oferecida não podem
ser definidos pontualmente e que não seria possível classificar,
linearmente, os museus sem ignorar as sobreposições decorrentes
do fato de que cada um deles oferece um leque de obras de níveis
diferentes, pode-se, em um primeiro momento, classificar os
emissores - ou seja, os museus - e os receptores - ou seja, osvisitantes - em dois níveis e admitir que a ressonância da
mensagem será tanto maior quanto mais homogêneo for o nível
dos receptores, ou dito por outras palavras, quanto mais
adequadamente for efetuada a recepção no caso em que os níveisde emissão e de recepção forem idênticos. Se pressupomos que a
hierarquia, assim estabelecida, é contínua - como é o caso
(aproximadamente) quando se adota a escala dos níveis deinstrução -, vemos que cada população será caracterizada pelacurva de "demanda" (D) que representa a distribuição de tal
população, segundo o nível de instrução ou, se quisermos, adistribuição dos indivíduos que a compõem segundo seu nível de
recepção; do mesmo modo, cada obra (ou cada museu) será
caracterizadapor um certo nível de informação oferecida, figurada
graficamentepor uma vertical (O), cuja abscissaXo marcará o nível.
le1s da chfusão cu/iural115
Freqüência
féis da difusão cu/iural117
Nível Cultural
t = L d (x) m(x)x=o
(2)
d
D(x)
A probabjHdade de ver uma pessoa de nível x entrar nO museu é,
segundo (1), t(x) = m(x); a proporção de pessoas deste nível que
entram nO museu é, portanto, d (x). m(x) e, para o conjunto do
intervalo de variação da variável, esta proporção obtém-se pela soma
de um indicador certo, mas por uma distribuição de probabilidades.
Por conseguinte, o conhecimento da oferta e da demanda não
permite prever quem irá ao museu, mas define a probabilidade
inerente a cada sujeito de visitar um museu, na hipótese, verificada
precedentemente (Primeira Parte), em que as categorias de
visitantes, caracterizadas por um certo nível de instrução, são
homogêneas no que diz respeito aos ritmos de freqüência.
Considerando que os fatores aleatórios (como o mau tempo ou os
acasos de um passeio familiar) parecem funcionar de forma
uniforme e que seus efeitos tendem a se anular; considerando, por
outro lado, que o turismo, capaz de favorecer a prática, não pode
por si (mantendo-se iguais todas as outras variáveis) criar uma
prática duradoura e modificar duravelmente as probabilidades e
as taxas de freqüência, é legítimo deixar de lado tais fenômenoS
nO modelo. '
Dx
Freqüência
Por outras palavras, a mensagem irá atingir unicamente a fração
da população de nível Xo e de efetivo D(x); a possibilidade de que
a comunicação se estabeleça nO decorrer de determinado período
de tempo é, então, independente de xo'
x Nível Culturalo
o amor peb arle
(1) t (x) = O para x:;i:xo
t(x) = t", para x = Xo
No entanto, como o nível da informação oferecida por uma obra
e, a fortÍori, por um museu, não pode ser definido pontualmente
(pelas razões já apontadas), portanto, ele não pode ser figurado
senão por uma função de densidade inerente a cada nível da escala
hierárquica, ou seja, m(x) que, na hipótese precedente, era
supostamente nulo, salvo para um certo valor de x. Ou seja, Q(x)
a distribuição da oferta, a demanda, isto é, a aptidão para a recepção
da obra, associada ao nível de instrução, deve ser objeto da mesma
generalização por todas as razões já expostas e, também, porque a
distribuição das aptidões ou das preferências, e,m um grupo
relativamente homogêneo, é de caráter probabilista; neste caso, a
distribUição das notas em um exame, por exemplo, segue, emgeral, uma lei de Laplace-Gauss.
O modelo proposto é rigorosamente probabilista no sentido em
que define o nível de recepção e o nível de emissão não por meio
116
118
o valor da soma ~ d(x) representa, para cada indivíduo, umX=o
nível total de demanda e ela varia, em cada indivíduo, em razão
de seus conhecimentos culturais; assim, vamos supor que,
mantendo-se iguais todas as outras variáveis, as diferenças
individuais são insignificantes no conjunto e que
x~od(x) = kd
Se nos limitarmos a um raciocínio global, a distribuição D(x) do
público, segundo a variável x, permitirá que façamos uma idéia,
em relação a determinado país, da distribuição da demanda,
enquanto ~ w(x) atingirá valores tanto mais elevados, quantox
maior o número e mais fortemente consagradas forem as obrasapresentadas.
A taxa de prática assume a forma:
t = ko" kd' ~ D. (x). Q(x)x=o
~ ~com ~ D (x) = ~ Q(x) = 1
X=o x=o
o produto K = k",. kd pode interpretar-se como um capital cultural
nacional. As variáveis k", e kd não são, evidentemente,
independentes, já que a riqueza do tesouro artístico de um país e
a força de sua tradição cultural contribuem para determinar, em
cada instante, a intensidade da aptidão para a prática.
É evidente que, ao modificar-se a forma da função de oferta,
modifica-se a estrutura do público receptor, enquanto ao
modificar-se o nível de oferta por simples afinidade em relação
com o eixo dos x, modifica-se a taxa de freqüência em uma
relação igual à relação de afinidade; neste caso, a estrutura do
público permanece invariável. Assim, ao fortalecer a intensidade
da soma L w(x) sem modificar sua estrutura, a exposição atraix
um público mais numeroso, embora de estrutura quase idêntica.
As leis que regem a recepção das obras de arte constituem
um caso particular das leis da difusão cultural: seja qual for a natureza
o amor pela arle
da mensagem, profecia religiosa, discurso político, imagem
publicitária, objeto técnico, etc., a recepção depende dos esquemas
de percepção, de pensamento e de apreciação dos receptores, de modo
que, em uma sociedade diferenciada, uma estreita relação se
estabelece entre a natureza e a qualidade das informações fornecidas,
por um lado, e, por outro, a estrutura do público.65 Ou dito por
outras palavras, as leis da difusão diferencial da informação
constituem um caso particular da lógica dos empréstimos culturais,
no mesmo plano da difusão da mensagem profética: "Basta imaginar,
escreveJoseph Schumpeter, o que teria acontecido se ajihadtivesse
sido pregada aos 'pescadores' pacíficos da Galiléia, à 'ralé' .da
Palestina. Não é exagerado considerar como certo que eles não teriam
respondido ao apelo, não teriam conseguido dar-lhe resposta e que,se tivessem feito tal tentativa, teriam fracassado de maneira
deplorável, destruindo sua própria comunidade. E se, inversamente,Maomé tivesse pregado a humildade e a submissão a seus cavaleirosbeduínos, estes não se teriam revoltado contra ele? E se o tivessem
ouvido, sua comunidade não teria desaparecido? Um profeta não é
somente aquele que formula uma mensagem aceitável para seus
primeiros partidários; ele não é bem-sucedido, nem compreendido,
senão quando chegou a formular também uma política aceitável no
imediato. É precisamente o que distingue o profeta bem-sucedido
o 'verdadeiro' profeta - do profeta que fracassa - o 'falso' profeta. O
verdadeiro profeta reconhece as exigências da situação em que se
encontra - aliás, situação que existe de forma totalmente
independente dele; e, quando tais exigências sofrem mudanças, ele
acomoda-se para adotar uma nova política, evitando que os fiéis
experimentem tal transição como uma traição". 66
Assim, sempre que uma mensagem única é proposta a uma
sociedade diferenciada, ela é objeto de uma recepção quantitativa e
qualitativamente diversificada: sua legibilidade e eficácia são tanto
mais fortes, quanto mais diretamente corresponderem às
expectativas, implícitas ou explícitas, que os receptores ficam devendo
à sua educação e que a pressão difusa do grupo de referência alimenta,
Jeis da dfusão GuBural 119
alavanca e fortalece por meio de invocações incessantes da norma
("Será que você já leu ...?", "Você deveria ter visto isso!"); neste
caso, as diferentes instâncias de legitimidade cultural (academias,
universidades, críticos, júris de prêmios literários e artísticos, etc.)
e, de forma mais direta, as pessoas que se encontram à volta,
investidas de autoridade em matéria de cultura, "style leaders" ou
" taste makers', desempenham, aqui, um papel, sem dúvida alguma,
ainda mais determinante do que os "opÍnÍon leaders' em matéria de
escolhas eleitorais.67 Quando a mensagem não pode ser decifrada
senão pelos detentores de um código que deve ser adquirido por
uma longa aprendizagem institucionalmente organizada, é evidente
que a recepção depende do controle que o receptor tem do código
ou, por outras palavras, depende da diferença entre o nível da
informação oferecida e o nível de competência do receptor.
fé/s da difusão cuRural121
-.Õ.E= ~Jl J DO' dx
dO) dO)
oF = r DO' dx~ o m
(0)
e O' m = O' x -dl2- (6)dO)
e
obtém-se:
Ao integrar por partes, obtém-se:
~ = -d!X-[D O( - ~_ J DO' dx
od dd dd
O primeiro termo é nulo - como condição necessária de
integrabilidade de (DO).
Se, além disso ~ = ~Üdd dO)
oF ==- J)E
õd (0)
Transferindo (6) para (5), obtém-se:
~ = ~º'_.J D'O dx e
od d~
A derivação de (3) e (4) dá:
D'd = D'x d!X- (5)dd
~=;: D'dOdxod
Ora,
d e O)são dois parâmetros - por exemplo, a média, se esta existe,
ou qualquer outro parâmetro - tais como as curvas
D (x, dj) e D (x, d) (3) por um lado, e
O (x, O)j) e O (x, 0) (4) por outro
deduzem-se, respectivamente, uma da outra por meio de
translações de amplitude a e ~.
ou seja D (x + a, d) == D (x, dj)
e O (x + ~'0)2) == O (x, O)j)
A integral (D O dx é uma função de d e 0), ou seja, F (d, 0).
Para que F seja uma função de d - 0), é necessário e suficiente que
-.Õ.E ==- oF
od (0)
De fato, admitamos que as funções de oferta e de demanda têm a
seguinte fórmula:
D = D(x, d)
0= O(x,0)
De forma mais precisa, segue-se das hipóteses precedentes que a
taxa de freqüência é uma função da diferença entre a oferta média
(ou modal) e a demanda média (ou modal). Esta propriedade,
intuitivamente admissível, não se refere à forma analítica das
funções O(x) ou D(x).
o amor pela arle
Mediante certas condições bastante gerais de integrabilidade ou
derivabilidade, mostra-se facilmente, em primeiro lugar, qúe t
pode colocar-se sob a fórmula t = t (O)- d) e, em segundo lugar,
que, se as distribuições são unimodais, a taxa de freqüência passa,
no máximo, por um valor de O)- d bastante próximo de zero, mas
que só pode ser nulo se as distribuições O e D forem simétricas;
além disso, neste último caso, intervém uma função de (O)- dF e,
então, é possível enunciar que a taxa de freqüêncÍa é uma função
decrescente do quadrado da djferença médÍa entre a oferta e a
demanda.
120
A taxa de freqüência assume a fórmula
A função de oferta obtém-se da fórmula:
123
y
-ly2 = f(d)2
(8) ~
~1~ e
-v--zrr-
em que (J é o padrão desvio precedentemente definido.
Este caso é, com toda a evidência, relativamente raro e só diz
respeito, de fato, a alguns museus da amostra (Autun, Colmar,
Dijon). Em geral, conhece-se apenas o intervalo em que se situa
esse nível e, quase sempre, sabe-se que 3 < O) < 4. Segue-se que
somos obrigados a proceder um pouco diferentemente admitindo:
f (4) = fo;daí, deduzimos: f0<3), fo(2), fo(I).
Admitindo que a demanda d pode ser identificada por meio de
quatro níveis equidistantes, dá-se o valor 4 ao nível da lícence, 3
ao do vestibular, 2 ao do B. E. P. C. e 1 ao do C. E. P. Pode-se
observar que a diferença entre dois níveis consecutivos é constante,
assim como a duração média dos estudos exigidos para passar de
um nível para o outro, ou seja, em geral, da ordem de três a quatro
anos, salvo, talvez, entre os dois níveis superiores; neste caso, o
ensino entra, necessariamente, em uma fase de rendimento
decrescente (no que diz respeito ao aspecto examinado aqui). Se
conviermos em atribuir aos analfabetos um nível zero, é necessário
atribuir aos visitantes desprovidos de diplomas uma nota situada
entre zero e um, mas difícil fixá-Ia sem arbitrariedade;
suponhamos, agora, que o nível de informação oferecida (a oferta)
seja rigorosamente igual a 4, ou, de forma mais geral, que coincida
com um dos níveis inteiros precedentemente definidos. Basta,
então, para cada museu, calcular as relações:
u±.-dl = f (d)
t (4,4)
em seguida, por meio de uma tabela da lei de Laplace-Gauss,
determinar os números y tais que
Se a hipótese é válida, d e y estão linearmente associadas pela
relação
leis da rhfusão cuRural
kd(J -f2n
d
e - l _id2 admitindo: tl = O) - d2 (J2
D e - l ix:.dl2
2 (J2d
X é o nível de demanda, avaliado em anos; o desvio padrão ód
desta distribuição é, em si mesmo, independente de x; d é, então,o nível modal ou médio.
o amorpela arle
k designando o capital oferecido pelo museu, cujo tamanho é um
indicador, e (JO) o desvio padrão suposto, também, independentede x.
t = f D.Qdx =_1~ ~ e ÚQ~2an -V (J2 + (J2d Ol
Verifica-se que ela é função decrescente de (O) - d)2.
Apliquemos o modelo a um caso particular; admitamos que a
função de demanda de uma categoria de pessoas que completaram
d anos de estudos é uma lei de Laplace-Gauss correspondente àfórmula:
(7) t = ----K
-V 2 TC(J
Além disso, ela depende do parâmetro (J2 = (J2d + a2(0l) que pode
ser interpretado como a variância do conjunto museu e público.Por último:
As taxas experimentais correspondem a expressões desse tipo,
como é demonstrado pelos Gráficos (d. p. 124-128). Como a forma
analítica proposta justifica as taxas de freqüência, estabelecidas
experimentalmente, é, portanto, legítimo utilizá-Ia para apreender
as conseqüências decifráveis de determinada ação política, sem
tomar ao pé da' letra, todavia, os resultados dessa verificação, oque equivaleria a superar os limites da técnica de cálculo.
122
125
L Licence
B Vestibular
b B. E. P.C.
c C. E. P.
Na coordenada: Relação da proporção de indivíduos desse nível na
amostra com a proporção na população francesa total. No ponto 100, as
duas relações são iguais.
leis da chfusão cuilural
Na abscissa:TOTAL (CONJUNTO)
o amor pela arle
~I I I Io L B b c o
TOURS
o
50
NÍVEL CULTURAL DO PÚBLICO -ARTSDÉCO
AUTUNCOLMAR
250 200250 rAGEN
ARLESARRAS•lWf\
200 I-
-100150 I- '\~ •50
100~~o
50 I- oL
~"•200 - DREUXJEUDE PAUMELAON
150
200 rDIEPPE
DIJONDOUAI•150 I- \ ~Il:t~
lOO.~
/\50 I- OL
.......•........•..•...-200 - MARSEILLE
MOULINSPAU
J50~~
200,.... LILLELOUVIERSLYON
~
100150 I-~
~
50
JOO.~ ~
O I I I IIIIIIII IIII
50 L
Bb LBbcoLBbco 1111.
Lco
O L
200
150
100
124
JIII
127
1,4-.4,4
13
42
60
_I 88100
8860
1,44,413
-.4260
88
100
8860
o
1,0
0,8
PAU
o L B b
0,9
L B b
MOULlNS
f
A/UTUN 1,0 C/OLMAR 1,0 o/~,4
4,413
42
60
_ 88
_ 100
_ 88
60
JEU DE PAUME 1,5 LAON
o
0,45DREUX
MARSEILLE 1,2
ARTS DÉCO 1,35
L B b
2
o
g
3
2
o
3
2
o
3
kis da rhfusão cuJiural
As taxas de freqüência são fornecidas:
- em porcentagem e colocando o nível de licence arbitrariamente igual a
100% (Escala f).
- em transformada gaussiana (Escala g).
- A vertente da direita de freqüência é indicada no canto direito.
(1) O nível modal co é indicado por uma flecha vertical (em relação a
Agen, lê-se co = 3,7).
77
- 1,4- 4,4-13- 42
- 60
- 88100
-,88- 60
-. 1,44,4
-113- 42
- 60
88
-.10088
-. 60
100
f1,3 %
1,4-.4,4
13
- 42
- 60- 88
- 100
- 88
- 60
1,3
o amor pela arle
DOUAI
ARRAS
LYON
CONJUNTO 1,0DOS MUSEUS -I 2,5
1,0
1,25
1,25
Bimodal
(representaçãoimpossfvel)
DIJON
LOUVIERS
TOURS
NÍVEL MODAL DA OFERTA
1,1
1,2
AGEN 1 = 0,85 ARLES(j"
DIEPPE 0,7
LlLLE
ROUEN
/g
Dispersão da oferta e taxa de freqüência (com exceção de um fator) decada museu em cada nível de instrução
2
3
o
3
2
o
3
2
o
126
NÍVELMODALDA OFERTA
E DISPERSÃODA OFERTADE CADAMUSEU
Modo
4T
129
Constata-se, então, que existe sempre um valor que é determinado
por abordagens sucessivas, tal que a equação (8) seja verificada e,
daí, deduz-se o nível de oferta e o desvio padrão inerentes a cada
museu. Serápossível objetar que há possibilidadede fazer aparecer
tal forma analítica proposta, antecipadamente, por transformação
das variáveisem questão; que o número dos pontos experimentais
é reduzido e que a demonstração (mas, não será isso o caráter
próprio de toda verificação experimental?) continua sendo mais
negativa do que positiva.68
* Trata-se da segunda maior cidade francesa, superada apenas pela capital, Paris. (N.T.)
Em conformidade com o princípio da equivalência entre a
informação oferecida e o grau de competência do receptor, as
diferenças que separam o nível de oferta dos diferentes museus,
avaliado pelo nível modal dos visitantes, correspondem às diferenças
na qualidade e no tipo das obras expostas. Assim, tanto o Museu de
Colmar, que apresenta um dos quadros mais célebres da França depois
da Mona Lisa, quanto os Museus de Dijon e de Autun, possuidores
de um grande número de obras farposas - o primeiro situado emuma região turística, enquant9XYs~gundo se destaca pela qualidade
excepcional da apresentação -, têm os níveis de informação mais
elevados e o público mais aristocrático, assim como o Museu de
Laon (bastante diferente dos precedentes, tanto pelo volume de seu
público, quanto pela qualidade da apresentação) que atrai um público
culto, interessado por sua coleção de cerâmicas gregas. Pelocontrário, o nível é baixo no Museu de Dreux, sobretudo, de caráter
histórico; no Museu de Douai, recentemente criado, cujo
conservador esforça-se por atrair um público de jovens; no Museu
de Belas Artes de Marselha, * cujo número de visitantes corresponde
ao reduzido público de um museu de província (as exposiçõesacontecem no Museu CantinÍ, sede da Diretoria dos Conservadores,
situado no próprio centro da cidade); no Museu de Moulins que
apresenta, sobretudo, objetos arqueológicos; por último, no Museu
de Louviers, particularmente interessante já que é o único a ter um
kis cb dtfusão cuf}uraf
+ Laon
Dijon 'Colmar+ + +
o amor pelcz arle
+ Agen
Conjunto•
I
•. Dieppe(j = 1,4
+ Arts Déco
+ leu de Paume
+Lille
+ Pau
+Moulins
+ArrasTours+ + Arles
Marseille + Rouen+
+ Douai
3
Dispersão(j
1
0,5
1,1
1,25
128
130
público bimodal, com um segundo modo compreendido entre o nível
do B. E. P.C. e o nível de vestibular. As condições de experimentaçãonão permitem identificar as diferenças - sempre bastante reduzidas
- entre os bons museus de pintura, do tipo tradicional, tais como o
Musée du jeu de Paume em Paris, além dos Museus de Tours, deArras, de Arles, de Rouen ou de Ulle.
No entanto, como o valor do nível de emissão (ou de oferta)
torna-se impreciso (como é demonstrado pelo exemplo de Louviers)quando a gama das coleções se diversifica - às vezes, vários museus
coexistem, de fato, no mesmo edifício -, pode-se também levar em
consideração a dispersão do público de museus, distribuído segundo
o nível de instrução, e verificar se a reduzida dispersão do públicocorresponde a uma forte homogeneidade das obras apresentadas, einversamente. De fato, o Musée du jeu de Paume ou o Musée des
Arts décoratifs, situados ambos em Paris, que expõem obras
particularmente homogêneas, compreendem uma dispersão bastante
reduzida, assim como, em menor grau, todos os museus que expõem,sobretudo, pintura (Arras, Tours, Douai, Arles, Rouen, Marselha,
Ulle). Em compensação, a dispersão é máxima no Museu de Dieppe,
cujo público é composto por visitantes habituais dos palácioshistóricos e, ao mesmo tempo, por amadores de pintura que vêm veras obras expostas em uma dependência do palácio; no Museu de
Laon, cujo público compreende, além de visitantes mais cultos _
sobretudo, membros do ensino, atraídos pela coleção de cerâmicas
gregas -, os visitantes tradicionais de um pequeno museu local de
arqueologia e de história; no Museu de Moulins que apresenta,
sobretudo, objetos arqueológicos, mas também alguns quadrosconhecidos por amadores e especialistas; ou, ainda, no Museu de
Agen que conserva objetos pré-históricos e pinturas da EscolaEspanhola.
Assim, embora as condições de experimentação impeçam ahierarquização, com precisão, dos museus de arte segundo o nível
da informação proposta por cada um deles, parece comprovado que
se pode distinguir algumas grandes categorias de nível no próprio
o amor pekzarle
âmbito desses museus e, a fortiori, no conjunto dos museus e
monumentos, já que se sabe que um museu ou um monumento
tendem a exercer maior atração sobre as classes médias quando,
além da pintura, oferecem objetos de folclore ou lembranças
históricas. Por conseguinte, pode-se também considerar ponto
pacífico que um museu tem um público tanto mais diversificado,
quanto mais diversas são as obras expostas e quando, ao lado da
pintura, propõe objetos capazes de atrair os visitantes oriundos dasclasses médias. Pode-se ver uma última confirmação da validade do
modelo proposto no fato de que as classes populares escapam quasecompletamente à atração diferencial dos museus; assim, suas visitas
a um museu ficam devendo mais ao acaso do que a uma informação
prévia em relação às obras expostas.
A ação empreendida, em seu museu, pelo conservador só pode
exercer-se, por definição, sobre a informação oferecida e, mesmo
que seja extremamente limitada, ela não deixa de ser privilegiada: se
o encontro por acaso com as obras não pode bastar, por si só, a
formar um visitante regular de museus, compete, no mínimo, ao
museu evitar desestimular e, pelo contrário,pair a atenção da pessoaque pela primeira vez é impelida a visitá-Io pela ação publicitária,
pelo turismo ou por acaso. Um esforço para aumentar a freqüência
dos museus pode ser organizado por referência a duas finalidades
bastante diferentes: pela "escolha" em aumentar a parcela dos
praticantes entre as categorias sociais mais representadas entre o
público ou intensificar o ritmo da prática dos visitantes atuais; ou
pela tentativa de atrair para os museus aqueles visitantes que fazem
parte das classes sociais que, atualmente, não os freqüentam, ou
raramente. Em decorrência da finalidade que for visada, deverão ser
utilizados meios diferentes - alguns dos quais são mesmo exclusivos;
além disso, o crescimento global do público será mais ou menos
importante, mais ou menos rápido e mais ou menos dispendioso.
Para alavancar a prática dos sujeitos das classes cultas que já
freqüentam os museus, conviria principalmente reavivar o interesse,
muitas vezes enfraquecido e esfriado, que eles manifestam pela
Jéis da d;fusão cufiural 13 1
132
pintura, procurando reinserir a visita do museu no calendário social
que, habitualmente, a ignora. Essa é, segundo parece, a significação
da atividade tradicional do conservador, tal como é definida pela
"museologia" que, apesar do nome, não é uma ciência, mas um
conjunto de receitas e preceitos empíricos, transmitidos de maneira
difusa e oficiosa. Publicar catálogos, modernizar a apresentação dasobras, animar uma associação de amigos do museu e, sobretudo,
promover exposições - em que as mais típicas são aquelas que
reagrupam em um lugar inabitual e segundo uma organização nova,
por temas ou autores, obras oferecidas com caráter permanente em
museus dispersos ou que, durante um período limitado, concentram
a atenção em uma obra, "a obra da semana", como ocorre na NatÍonal
Gaiiery de Washington -, tudo isso equivale, afinal de contas, a
amparar e despertar o interesse dos amadores por um museu familiar
demais que só é lembrado na medida em que as atividades propostasse inserem no ciclo das manifestações sociais ou, até mesmo, a
suscitar visitas especiais por meio de uma valorização excepcional,
de modo que uma manifestação artística venha a adquirir a força deatração de uma cerimônia mundana ou de um "acontecimento"
social. Como uma igreja em que alguns eleitos vêm alimentar a fé
de virtuoses - enquanto conformistas ou falsos devotos limitam-se
a cumprir, apressadamente, um ritual de classe -, o museu pode
tornar-se, durante um instante, o lugar de peregrinação diante do
qual se empurram as multidões maciças de fiéis que, em Nova York,
Washington, Tóquio ou Paris, esperam em longas filas para lançar
uma rápida piscadela - à semelhança do que ocorria outrora quando
se beijava um crucifixo ou um relicário - a uma obra-prima exposta
ao fervor coletivo; no entanto, esses encantamentos não podem
suscitar o maravilhamento a não ser entre aqueles que, nos arroubos
fugazes da exaltação popular, pretendem ver uma forma - sem dúvida,
dessacralizada - de reconhecimento do sagrado.
Seria impossível compreender o interesse apaixonado que os
intelectuais manifestam por fenômenos, tais como o sucesso da
exposição sobre Picasso ou Tutancâmon, se não fosse constatado
o amorpela arle
que a relação mantida pelo intelectual com a cultura contém averdadeira questão da relação do intelectual com a condição
intelectual que nunca é tão dramaticamente formulada a não ser na
questão da relação das classes populares com a cultura; ora, trata-seexatamente da questão que o intelectual formula relativamente às
classes populares, ou seja, em seu lugar, dissimulando a questão da
relação do intelectual com essas classes como classes desapossadasda cultura. E para mostrar que o interesse dos intelectuais por esse
problema - ou por outros análogos, relativos à eficácia dos meios decomunicação modernos, da "cultura popular", das maÍsons de iacuiture* ou do livro de bolso - é diretamente interessado, basta
observar sua precipitação apressada no sentido de tirar partido dos
mais insignificantes índices de uma democratização do acesso àcultura. "Senhoras usando vÍson branco e operários de macacão
desfilam juntos diante do quadro Les DemoÍselles d'AvÍgnon",escrevem uns, do mesmo modo que outros vêem a televisão como o
grande veículo de mensagens culturais ao alcance de todos, portanto,
igualmente acessíveis a todos, por conseguinte;idênticas para todos,logo, apropriadas para tornar idênticos todos iqueles que as recebem.A tais encantamentos, convém opor o realismo desencantador dos
números.**
A análise das estatísticas das entradas registradas nas exposições
organizadas na Holanda, entre 1950 e 1962, permite estabeleceros limites da eficácia desse tipo de atividade: durante esse período,
o número global dos visitantes dos museus e das exposições
aumentou de maneira bastante regular (passando de 2.500.000,
em 1952, para mais de 5.000.000, em 1962), se excetuarmos dois
períodos de pico correspondentes à exposição de Van Gogh (1953)
e à exposição de Rembrandt (1956). Diferentemente do fluxo
* Também conhecidas pela sigla Mje., ou seja, maÍSon des jeunes et de Ia culture.instituição pública destinada a favorecer a difusão e a prática das mais diversasatividades culturais, em particular, para os jovens. (N.T.)
** No original, chjffj-es. (N.T.)
leis da difusão cu/iural133
Ili
134
global, o número das entradas, unicamente nas exposlçoes,
permanece praticamente constante (com exceção dos anos de 1953
e de 1956) e oscila entre 700.000 e 800.000 visitas, embora o
número das exposições não tenha cessado de crescer, passando de
275, em 1952, para 360, em 1961, e 460, em 1962. Esta observação,
por si só, levaria a colocar em dúvida a eficácia de uma política
tendente a intensificar o ritmo das exposições Vá que tal ação
parece obedecer a uma lei dos rendimentos fortemente
decrescentes) se, além disso, não fosse registrado o seguinte:
quando algumas exposições se beneficiam de um sucesso particular,
o fluxo total dos visitantes dos museus e das exposições não
aumenta na mesma proporção já que, nas duas exposições citadas
mais acima, os "picos" do registro das exposições não
correspondem a "picos" do cômputo do público acumulado dos
museus e das exposições; de fato, como que por um efeito de
compensação, eles coincidem com "vazios" do registro das visitas
unicamente aos museus. Temos, portanto, o direito de concluir
que, por um lado, somente as exposições excepcionais atraem um
público novo, embora ocasional; e, por outro, sendo um fenômeno
independente da política de exposições, o aumento regular do
público global dos museus explica-se somente pela elevação
geral do nível de instrução e o crescimento do turismo cultural69
[d. Apêndice 5, Gráfico 12].
A exposição atrai, pontualmente, um número acentuado
de visitantes; no entanto, tende a fortalecer, mais ou menos
nitidamente, o caráter aristocrático do público (a taxa dos sujeitosque visitaram exposições temporárias e podem citar o nome das
mesmas passa de 17,5% nas classes populares para 30% nas classes
médias e para 70% nas classes superiores) [d.Apêndke4, Tabela 5].
É assim que uma exposição histórica - por conseguinte,relativamente acessível- consagrada à "La Vie à Pau sous le Second
Empire", atraiu ao museu um numeroso público, embora a parcelarelativa e até mesmo o número absoluto dos visitantes oriundos
o amor pela arle
das classes médias e populares tenha diminuído [d.Apêndke 2,
Tabela 12]. Por ocasião da exposição do M usée des Arts décoratÍ/S,
intitulada "Antagonismes" e consagrada às mais audaciosas formas
da arte moderna, a parcela dos visitantes pertencentes às classes
superiores atingiu 90% (ou seja, 18% de quadros superiores,
33,4% de estudantes, 21,6% de professores e especialistas de arte,
além de 17% de mulheres sem profissão, casadas com quadros
superiores; contra 8,5% de empregados e quadros médios, 1,5%de artesãos e comerciantes, 0,5% de operários, e nenhum
agricultor) .
Em Ulle, uma situação experimental foi criada,
ocasionalmente, pela apresentação simultânea de três exposiçõesde "níveis" bastante diferentes, alavancadas por uma fortíssima
ação publicitária (programas de rádio e de televisão, artigos nos
jornais locais, cartazes, etc.): aléni do museu, os visitantespodiam ver uma exposição de pint~ra do século XVIII, clássica
pelas obràs expostas e pela apresentação (paredes despojadas,
simples tabuletas ao lado dos quadros); uma exposição de arte
egípcia, patrocinada pela Universidade de Lille; e, finalmente, uma
exposição consagrada à 'TArt intérieur au Danemark" que
apresentava objetos cotidianos, vidraria e cristais, cerâmicas emóveis.
Era possível prever que a simultaneidade de exposições, comestilos e "níveis" bastante diferentes, permitiria acumular públicos
socialmente diferentes; neste caso, a exposição dinamarquesa atrairia
ao museu e, talvez, às outras exposições, visitantes oriundos das
classes médias e populares. De fato, embora o número das entradas
cotidianas tenha quase duplicado, a estrutura social do público das
três exposições permaneceu semelhante à estrutura do públicohabitual desse museu; inclusive, registrou-se uma queda do número
dos representantes das classes populares (de 5,5% para 1,2% e de
1,36% visitante em média para 1,20%).70
kis elacltfusão cuBural135
o amor pela arle
Média dasParcela doMédia dasParcela doentradas
públicoentradaspúblicocotidianas
total%cotidianastotal%
Agricultores
0,41,5°°Operários
1,041,21
Artesãos e1,987,27
comerciantesEmpregados e
6,42721,221,5quadros médios
Professores
0,83,55,25,5primários
Estudantes
6,42731,632
Quadros
4,01718,819superiores
Professores e2,9
121414especialistas dearte
A distribuição do público segundo o nível de instrução
confirma o seguinte: o maior proveito dessa tentativa de vulgarização
foi tirado pelas classes privilegiadas, já que a taxa de visitantes de
nível inferior ao vestibular no público das exposições é nitidamente
mais reduzido do que no público do museu em período normal de
funcionamento, enquanto a parcela de titulares de licencepassa de18,5% para 34,5% relativamente ao conjunto das exposições, e para36,5% na exposição dinamarquesa; por sua vez, a parcela dosvisitantes dotados do vestibular permanece praticamente semelhante.
Apesar de ter apresentado objetos que poderiam ter sido
oferecidos ao público por uma loja de departamentos, a exposição
dinamarquesa foi transformada, pela localização e pela própriapublicidade que precedeu sua inauguração, em um acontecimento
cultural e, nessa qualidade, dirigia-se mais diretamente ao públicoculto. O simples fato de serem consagradas por sua exposição emum lugar consagrado é suficiente, por si só, para modificar
137
profundamente a significação(e, de forma mais precisa, o nível deoferta) de obras que, apresentadas em um lugar familiar, seriammais acessíveis. Não seria isso precisamente o que foi declarado
pelo guarda da Casa de Jacques Coeur, * em Bourges, quando deu a
seguinte resposta ao conservador: "Mas, se o senhor pretendertransformá-Ia em museu, ninguém virá visitá-Ia"??! A precária
representação das classes médias e populares é tanto mais notável
que cerca de um terço (27%) dos visitantes vinham pela primeiravez ao museu (dos quais 68,5% com a intenção precisa de ver esta
exposição) e que 80% eram originários de Lille e de sua região
metropolitana. Sem dúvida, a exemplo dos monumentos e dos lugaresrecomendados pelos programas turísticos, as obras expostas adquirem
uma significação social que transforma a visita em uma verdadeira
obrigação. No entanto, o acúmulo de valor, conferido às obras porsua exibição "extra-cotidiana" e pelas manifestações públicas deI
solenização, não pode ser percebido e apre{iado a não ser por aqueles
que pertencem à sociedade para quem e~S(lsobras existem como
valor, de modo que - neste domínio mais do que alhures - as
incitações fornecidas pelos contatos sociais e pela conversa ao pé doouvido, como técnica social de influência, têm mais efeito do que as
técnicas modernas de publicidade. Além disso, a visita da exposição,
como operação obrigatória, não se impõe no mesmo grau aosvisitantes dos diferentes meios porque os representantes das classesmais favoreci das são mais numerosos a ter visitado uma outra
exposição e não apenas a que constituía o objeto inicial de suavinda; ou dito por outras palavras, a força do programa cultural
proposto é tanto mais vivamente sentida quanto maior for a adesãoaos valores de cultura e mais forte a pressão do grupo de referência.
À semelhança da pregação religiosa, a pregação cultural só
consegue reunir as condições de êxito quando se dirige a convertidos.
* Jacques Coeur (1395-1456), rico comerciante francês de pedras preciosas, foifinancista do rei Carlos VII, tendo fortalecido a moeda; sua mansão em Bourges, cidadeonde nasceu, é um monumento característico da arquitetura civil do século xv. (N.T.)
iéis da difusão cuRural
ExposiçãoMuseu no período normalde funcionamento
136
138
E é natural que - por lhe faltar o espírito de missão e por estarpreocupado, antes de tudo, em comemorar imediatamente o sucesso
de seus esforços, avaliado pelo número de fiéis recenseados -, o
conservador se dirija, por privilégio, às categorias que garantam um
maior número de devotos. Compreende-se que, ao lado da exposição,
a Assodação dos Amigos do Museu seja o segundo foco da operação"museológica" .
Quem se inscreve na Assoâação dos AmÍgos do Museu pretende
garantir as vantagens proporcionadas por essa organização, assim
como - sobretudo, talvez, nas pequenas cidades - afirmar-se como
praticante fervoroso das manifestações culturais propostas por tal
agrupamento: 23% dos membros da AssoâatÍon des AmÍs du
Louvredeclaram participar em todas as visitas propostas (ou seja,
mais de vinte, por ano),72 Torna-se compreensível a intensidade,
realmente excepcional, dessa prática se soubermos que os
membros da AssoâatÍon são quase todos oriundos das classes
cultas (ou seja, 77,5% de quadros superiores e de mulheres de
quadros superiores, contra 3% somente de artesãos ou
comerciantes e 0,5% de agricultores e operários). A distribuição
dos sócios segundo o nível de instrução é também significativa:
enquanto o visitante modal do público dos museus passou ovestibular, 47% dos membros da AssoâatÍon des AmÍs du Louvre
são titulares de lÍcence (os quais representam 1,8% da população
total da França), 30% possuem o vestibular e 19% somente têm
um certificado de estudos inferior ao vestibular.
A prova de que a Assoâation reúne os devotos e não atrai tanto os
neófitos, encontra-se no fato de que, independentemente de sua
categoria social, seus membros já eram familiares do museu antes
de sua adesão. Em 90% dos casos, o primeiro contato com o museu
havia ocorrido antes da idade de dezoito anos; aliás, 55% dos
membros declaram que sua inscrição na AssocÍatÍon foi
influenciada por um amigo ou limitou-se a seguir uma tradição
familiar. Assim, a AssociatÍon oferece os meios para que seus
membros continuem a se dedicar a uma atividade cultural, cujo
o amorpela arle
hábito foi adquirido desde a infância ou no decorrer da
adolescência, no círculo familiar, e desenvolvido por uma
escolaridade prolongada. Contrariamente ao desejo manifestado
por seu presidente, a AssoâatÍon não é nada menos do que um
meio de atrair para a visita de museus aqueles que se mantinham
afastados de tal atividade em decorrência de seu meio ou de sua
falta de cultura: 2.500 novos membros se inscrevem, anualmente
(enquanto um número quase igual não renova sua cotização);
apesar disso, as características sociais dos recém-chegados são
rigorosamente as mesmas dos membros antigos. Sem dúvida,
trata-se de uma associação parisiense, cuja composição social é
particularmente aristocrática; no entanto, tudo parece indicar que
as associações de província reúnem notáveis e intelectuais (ou
seja, relativamente à AssoâatÍon de Lille, 19% dos membros são
oriundos das classes médias e 81% das classes superiores, enquanto
em relação à AssoâatÍon de Douai, 2% dos membros pertencem
às classes populares, 11% às clare~ médias e 87% às classessuperiores), cuja ambição explícita consiste em agrupar a elite do'
público em torno do museu. Mesmo que seu objetivo fosse atrair
um novo público, elas não constituiriam o meio adequado para
alcançá-Ia.
Se a única finalidade consistisse em levar ao museu o maior
número possível de visitantes, sem qualquer outro tipo de preocupação,os meios atualmente utilizados na maioria dos casos são, sem dúvida,
os mais bem adaptados e os mais conformes à "vocação" dos
freqüentadores atuais de museus. No lado completamente oposto,uma política inspirada pela vontade de fazer vir ao museu aqueles quenão sentem a necessidade de freqüentá-l o só poderia ter, a curto prazo,uma eficáciaextremamente limitada e, sem dúvida, exigiria a utilização
de outros meios e, segundo parece, de um público dotado de uma
formação e de um espírito totalmente diferentes.
Entre os elementos que contribuem para definir o nível de
oferta dos museus - o menor dos quais não é sua significaçãosocial-, o
tipo de obras apresentadas e o tipo de apresentação que lhes é
leis da dfusão cuRural 139
140
prodigalizado dependem (pelo menos, parcialmente) da ação exclusiva
dos dirigentes de museus. Se é conhecido que a parcela dos visitantes
que, primordialmente, são atraídos por objetos históricos,
etnográficos ou de folclore, por cerâmicas ou móveis, aumenta de
maneira regular e rápida à medida que se desce na escala social
[d. Apêndke 2, Tabelas 14 e 15], pode-se concluir que museus,exclusivamente consagrados às obras mais nobres e mais difíceis,
poderiam chamar a atenção dos visitantes oriundos das classes médias
reservando espaço para objetos que fazem parte da experiência
estética cotidiana - tais como móveis, faianças ou porcelanas, ou
ainda objetos históricos, de folclore e, até mesmo, etnológicos - e
respondendo, assim, aos interesses estéticos desenvolvidos pelo gostovoltado para a decoração das moradias ou satisfazendo a curiosidade
a respeito de tudo o que se relaciona com a história, confirmada
tanto pelo sucesso de vendagem das revistas históricas, quanto pelotamanho (muito mais importante) e pela estrutura (muito mais
democrática) do público que freqüenta os museus instalados nospalácios e monumentos históricos.
Se parece impossível abaixar o nível de oferta modal dos museus,
presume-se que se possa modificar sua variância (a2 no modelo),
diversificando o tipo e a qualidade das obras apresentadas. A forma
analítica da taxa t de freqüência de museus mostra que,
dependendo do valor da variância ser inferior, igualou superior
ao quadrado da diferença L'12 entre a oferta e a demanda, a taxa é
uma função crescente, estacionária ou decrescente de a2• Um
aumento da dispersão do nível das obras poderia determinar uma
queda da taxa de freqüência das categorias mais cultas (cujo nível
de demanda é o mais elevado), se esse crescimento da dispersão
não se acompanhasse, de fato, de um aumento da intensidade da
oferta ou do tamanho do museu, e se a consagração que lhes confere
o museu não elevasse automaticamente o nível das obras ofertadas,
como foi possível ver no caso da exposição dinamarquesa,
apresentada no Museu de Lille. Em todo caso, este crescimento da
dispersão tenderia a determinar um ligeiro aumento da
o amor pela arfe
representação dos visitantes menos cultos, atraídos por obras mais
próximas de sua experiência e mais apropriadas a seus interesses.
Os membros das classes médias, cujas atitudes organizam-se em
torno da oposição entre o "interessante" e o "instrutivo" - oposição
que, por exemplo, eles estabelecem entre os objetos familiares da
exposição dinamarquesa, plenamente apropriados a seus
interesses, e os objetos propostos pelo museu que, pelo contrário,
exigem um interesse decisório e forçado, tão diferente do
"interesse" quanto do prazer estético -, poderiam ter acesso, na
mesma oportunidade, a obras que não eram o objeto primeiro de
sua visita e, assim, encontrar uma ocasião de exprimir sua boa
vontade cultural.
A única maneira de baixar o nível de apresentação de umaobra consiste em fornecer, SÍmultaneamente, o código segundo o
qual está codificada, por meio de um discurso (verbal ou gráfico),
cujo código já seja controlado (parcial ou totalmente) pelo receptor,
ou que revele continuamente o código de sua própria decifração, emconformidade com o modelo da comunicação pedagógica
perfeitamente racional. Sabendo que os visitantes oriundos das classes
populares que se arriscam a visitar os museus sentem-se aí, muitasvezes, como que deslocados e sempre desambientados, por não
estarem preparados para enfrentar as obras expostas e por não
encontrarem, no próprio museu, os subsídios adequados a facilitar
sua visita, pode-se pressupor que, diante de uma dificuldade igual
das obras apresentadas, seria possível reduzir a confusão dos sujeitosmenos cultos, oferecendo-Ihes a ajuda que esperam. O receio de
que as informações escritas ou faladas a respeito das obras expostasdesviem os visitantes da contemplação das próprias obras,associando-as a conteúdos extrínsecos e acessórios, é uma forma de
ignorar que o ideal da contemplação sem palavras, nem gestos, é
próprio daqueles mesmos que só conseguem realizá-Io pelafamiliaridade imediata porprocionada pelas aprendizagens
imperceptíveis de visitas assíduas a museus; é também uma forma
de ignorar que o interesse pela obra em si mesma e por ela mesma,
leis elacltfusão cuÚural141
142
assim como a indiferença ao conteúdo informativo que ela pode,
como que por acréscimo, propor, definem uma atitude estética que,
no mesmo plano da experiência popular do belo, está socialmente
condicionada e que, em todos os casos, nunca é independente de
condições sociais, ou seja, aquelas que tornam possíveis as "pessoascom gosto". A significação e a função dessa definição social da atitude
estética nunca aparecem tão bem a não ser em domínios em que a
"concorrência" das classes médias e populares ameaça o "monopólio"
cultural e as certezas estéticas ou éticas das classes superiores.
Assim, através da sátira dos fotógrafos apaixonados e da mania
fotográfica que se tornou um dos lugares comuns da conversação
distinta, exprimem-se, na realidade, as regras que devem definir,
para a elite, a contemplação estética: à semelhança dos fanáticos do
pequeno formato que se conformam à ascese laboriosa do acúmulo
das lembranças, ou à semelhança dos cinéfilos capazes de recitar os
créditos de filmes que não chegaram a ver, esses visitantes de museu
que, inteiramente ocupados em entesourar saberes acessórios, ficam
menos atentos às próprias obras do que à análise proposta a seu
respeito pelo catálogo, ignoram a arte de se abandonar à emoção
imediata e fugaz que define o distanciamento distinto do esteta.
Mesmo que incentivassem uma forma de contemplação quepode ser considerada inferior, as informações históricas ou técnicas
viriam preencher, pelo menos, as expectativas dos membros das
classes médias para quem há confusão entre ver e saber, compreender
e aprender, acabando por atribuir mais importância ao interesse
educativo do que ao simples deleite; ao mesmo tempo, elas
contribuiriam para atenuar o desnorteamento daqueles que, tendo
se aventurado a entrar em um museu sem qualquer preparação prévia,
haveriam de considerar o esforço para adotar os meios de aprender e
compreender como um reconhecimento implícito do direito de não
compreender e de pedir para compreender.
Para evitar que as tabuletas com esclarecimentos relativos às obras
não deformem o julgamento dos visitantes, nem prejudiquem a
estética do museu - receio freqüentemente manifestado -, bastaria
o amor pela arle
confiar sua redação a especialistas e sua apresentação a artistas. E
sem chegar ao ponto de pretender que seja oferecida ao visitante,
no próprio museu, uma documentação científica sobre as obras
expostas, como faz a National Galleryde Washington ou que sejam
utilizados aparelhos de projeção fixa ou os meios audiovisuais
individuais que se vê, por exemplo, no Bristish Museum, não seria
possível esperar que cada museu tivesse à disposição do visitante
um catálogo, por mais sumário que fosse, ou mesmo algumas
folhas mimeografadas, indicando a planta das instalações, que o
visitante pudesse comprar por um preço módico ou consultar ou,
ainda, tomar emprestado, gratuitamente, para utilizá-Io durante
a visita? Eis a melhor ilustração do mal-entendido que estabelece
uma separação entre o conservador e os visitantes oriundos das
classes desfavorecidas: se o conservador, ocupado com outras~-~obrigações e desejoso ele' apresentar um objeto de ciência
indiscutível, atrasa, às vezes, durante muito tempo, a publicação
de um catálogo, o público se contentaria, habitualmente, com
algumas folhas, até mesmo desatuaUzadas em determinados
aspectos científicos, mas que o ajudassem a conjurar a angústia
que tem ao se sentir só diante de uma obra de arte indecifrável.
Em vários países, são utilizadas numerDsas técnicas capazes de
tornar os museus mais acessíveis: os visitantes do Rijksmuseum,
em Amsterdã, são ajudados em sua visita por meio de tabuletas
explicativas; no Pítzwíllíam Museum de cambridge, senhoras
idosas que fazem tricô em pequenos teares tomaram o lugar dos
guardas sonolentos ou severos que seguem, passo a passo, ovisitante solitário dos museus de província; os prospectos
desdobráveis fornecidos aos visitantes da National Gallery têm
também como efeito transformar a atmosfera da visita porque,
em vez do recolhimento da igreja, evocam o passeio no jardim.
Por que não prever um fundo musical que desse aos visitantes o
sentimento de que podem pronunciar algumas palavras sem
perturbar um silêncio religioso? Por que não contratar
recepcionistas que, eventualmente, pudessem aconselhar ou
leis elarhfusão GuBural143
145144
fornecer informações aos visitantes pouco cultos ou àqueles que
desejassem aprofundar seus conhecimentos? Por que não reforçar
os serviços educativos (nos museus dos Estados Unidos, quase
sempre mais importantes do que o serviço de conservação) e não
dotar os museus com bibliotecas, salas de concerto, livrarias e
butiques que façam o comércio de reproduções, jóias e objetos de
folclore? Por que não tornar o espaço mais acolhedor, dotando-o
de bares, salões de recepção ou restaurantes, permitindo que os
visitantes passem o dia no museu? Por que não proporcionar aos
professores de desenho o meio de ministrar seus cursos, como
ocorre freqüentemente nos Estados Unidos, nas salas do museu?
Se, entre as duas políticas objetivamente possíveis, os
conservadores escolhem quase sempre aquela que tendeobjetivamente a aumentar o caráter aristocrático do museu e de seu
público, não é porque, com toda a certeza, tenham consciência de
que por si só a ação direta do conservador não pode contribuir, de
maneira decisiva, para a democratização da cultura da qual são osguardiães; pelo contrário, é muitas vezes em nome de uma
representação carismática da relação com a obra de arte que os
conhecedores, paradoxalmente associados ao mito do "olho novo",
denunciam e recusam, como pura profanação, todos os esforços parareduzir, através da eficácia de uma pedagogia racional, a distância
reverencial ao sagrado. De fato, as escolhas dos conservadores, assimcomo as ideologias que lhes servem de justificação, devem menos à
lógica da deliberação racional do que às condições objetivas que
definem a profissão e, ainda mais, às características sociais que atransformam em um reduto do tradicionalismo.
A corporação dos conservadores apresenta, de fato, todos os
traços considerados característicos de um grupo tradicional. NaFrança, nas cidades de província, eles eram arquivistas, bibliotecários
ou pintores locais que, até 1945 (e, ainda hoje, * em um grande
* A edição deste livro data de 1969. (N.T.)
o amor pela arle
número de cidades), desempenhavam, além disso, a função de
conservadores para a qual, salvo exceção, não tinham vocação, nem
qualificação. Em Paris, na falta de qualquer definição racional das
condições de recrutamento e de qualquer explicitação dos critérios
de seleção, os conservadores escolhidos por cooptação, segundo o
jogo das relações pessoais e das tradições familiares, eram, quase
sempre, amadores de arte afortunados aos quais o museu não garantia
carreira, nem retribuição (ou, então, somente no plano simbólico),
pelo menos, até o grau de conservador; no entanto, o encargo de
conservar e aumentar, com uma "rapacidade desinteressada", as
coleções públicas representava a consagração de uma vocação de
colecionador.73 Muito pouco inclinados a desempenhar o papel de
administradores e, ainda menos, de pedagogos, muito mal preparados
para as tarefas propriamente científicas, eles satisfaziam-se com um
status global, ambíguoe-,-por conseguinte, prestigioso, que lhespermitia aparecer, diante dàs\criadores, como guardiães da Arte e
depositários da Tradição; diante dos universitários, como homensde ação e técnicos da Arte; e diante dos marchands, como estetas
desinteressados. Assim, em vez de uma corporação profissional no
verdadeiro sentido, os conservadores parisienses e outros de grandes
cidades de província constituíam uma "sociedade" (no sentido
restrito do termo), um conjunto de personalidades unidas (e
divididas) por relações de interconhecimento bastante estreitas eintensas.
oprincípio de todas as características sociológicas desse grupo
não deve ser procurado em sua reduzida importância numérica, nem
no sistema de recrutamento que se limita a manifestar sua lógica e
a garantir, logicamente, sua perpetuação; de fato, ele reside nasucessão de acasos, iniciativas individuais e decisões administrativas
que, em vez de organizar o estado de fato, tendem a legalizá-Io. Daí,
surgiu uma instituição com funções diversas e mal definidas e,
sobretudo, com a imagem subjetiva e objetiva de uma "tarefa" que,
participando da arte e dos valores sagrados e inefáveis da salvação
cultural, sente repugnância em se deixar confinar em quadros
leis da difusão cufiural
146
burocráticos de um simples ofício. Eis a razão pela qual a verdadeira
natureza dessa" sociedade" tradicional nunca apareceu tão claramente
a não ser em face da provação suscitada pelo estatuto de 1945,
tentativa tímida de racionalização. Com efeito, o estatuto dos
museus, contemporâneo da criação da Éco/e nationa/e
d'administration, * esforçava-se por impor, à corporação dos
conservadores, as regras que regem os serviços públicos, tanto em
matéria de formação e de recrutamento - pela criação de um concurso
seguido por vários anos de estudos especializados -, quanto em
matéria de carreira ou de definição das funções, estabelecendo uma
dissociação, por exemplo, entre a função administrativa e a
qualificação científica, ou criando um grupo de executivos. Nesta
sociedade tradicional, segundo um processo conhecido por
especialistas da aculturação, a prova da racionalidade desencadeou
entre outras coisas - um conflito agudo entre as gerações que é
vivenciado pelos mais antigos como a oposição de amadoresdesinteressados contra "cientistas" ambiciosos. E, concretamente,
até o estatuto de 1964 (que está justamente começando a ser aplicado,
e cujas conseqüências ainda não são perceptíveis), o de 1945 havia
permanecido letra morta. De fato, o concurso e os estudos posterioresnão davam acesso ao exercício da função de conservador: em 1961,
37% somente dos diplomados da seção superior da Éco/e du Louvre
foram efetivados nos museus que, para assistentes dos Museus
Nacionais, continuavam a recrutar candidatos sem o diploma da
Éco/e du Louvre; além disso, o Consei/ d'État rejeitou o recurso
apresentado pela Association des é/eves-agréés de /'Éco/e du Louvre*
contra uma dessas nomeações. 74 A despeito de algumas concessões
aos novos princípios, a promoção continuava a obedecer à lógica
* Escola Nadonal de Administração: estabelecimento público - conhecido tambémpela sigla E.NA. - criado com o objetivo de recrutar, por meio de concurso, eformar os quadros superiores da administração francesa. (N.T.)
** Literalmente, A,ssodação dos alunos-diplomados da Escola do Louvre; por suavez, o Conseil d'Etat (constituído por 5 seções e formado por 200 membros) é asuprema instância, consultiva e jurisdicional, da administração pública. (N.T.)
o amor pela arle
das relações pessoais; além disso, acumulando sempre as funçõesadministrativas e científicas, os conservadores ofereciam o máximo
de resistência possível a qualquer tentativa de racionalização e, por
exemplo, recorriam aos serviços benévolos de colaboradores, oriundosde seu mundo, e não aos serviços de subordinados tecnicamente
preparados para tarefas de execução. De fato, neste universo fechadoe restrito, em que a maior parte dos encargos são estabelecidos e,muitas vezes, criados por e para determinada pessoa, qualquertentativa destinada a introduzir uma regulamentação impessoal
parece, quase necessariamente, dissimular o arbitrário do desfavorou dos favores pessoais, o que contribui bastante para suscitar
resistências profundas de ligas unidas por relações pessoais ouinteresses comuns.75
Homem de ciência, comerciante (de fato, digam o que disserem
os textos administrativos, o responsável por um museu está
encarregado de procedeLª, aquisição de obras, portanto, entrar emconcorrência com os marchinps junto aos colecionadores e eventuais
doadores, além de impedir, nas alfândegas, a saída de obras para o
exterior, etc.), diretor administrativo, educador, o conservador dos
museus franceses pode invocar a multiplicidade de suas funções
em outros países (Polônia ou Estados Unidos), confiadas a diferentesfuncionários e a diferentes serviços especializados - para justificar
o privilégio reconhecido àquelas que se adaptam melhor com aimagem que ele tem de sua vocação. De forma mais precisa, em cadaconservador, a preocupação com as obras entra, incessantemente,em conflito com a preocupação manifestada em relação ao público.
No entanto, a despeito de concessões, sobretudo, verbais, ao
empenho demonstrado em democratizar o acesso ao museu, um
grande número desses colecionadores, ciumentos de sua coleção,acomodam-se, de fato, com o estado atual de seu museu e de seu
público:76 a incompreensão de visitantes - pouco aptos a apreciar osesforços despendidos por ocasião das exposições ou as façanhascometidas para conseguir certas aquisições - poderia estimulá-Ios
bastante ao pessimismo aristocrático se não conhecessem, por
leis da difusão cu/iural147
experiência direta ou mediata, a presunção dos esforços para atrair
um novo público. E, do mesmo modo que alguns conservadores dos
museus poloneses, ainda oriundos, quase sempre, das camadas
privilegiadas, reduzidos pelo regulamento a um papel de pedagogos,
constatam com amarga alegria a eficácia limitada de uma ação pela
qual sentem repugnância, assim também um grande número deconservadores franceses encontrarão, sem dúvida, na descrição
científica dos limites de seu poder, um estímulo para se dedicarem
unicamente à ação sobre o público que lhe parece digna de sua
vocação, ou seja, a de guias artísticos de uma elite de amadores ou,
se quisermos, de "taste makers'. 77 E não será verdade que eles
desempenham sua função própria, a saber, consagrar os valores
estabelecidos, quando organizam uma exposição sobre Chagall em
1947, Klee em 1948, Villon em 1951, Dufy em 1953, Max Ernst em1959 ou, ainda, Miró e Le Corbusier em 1963 (MuséenatÍonal d'artmoderne), ou quando criam ou recriam determinado pintor
desconhecido ou não reconhecido das épocas passadas?
Por conseguinte, são compreensíveis as contradições da
representação vivenciadas pelos conservadores em suas relações com
o público. Um pequeno lote de temas tradicionais, ritualmente
evocados nas assembléias nacionais e internacionais - gratuidade
da entrada, período de abertura mais prolongado, publicidade
fornece o álibi mais seguro à inquietação "democrática" já que, ao
permitir lembrar os princípios sagrados (por exemplo, a propósito
da publicidade) e reafirmar os valores comuns, ele exime de formular
interrogações capazes de ameaçar tais valores e princípios,autorizando o debate sem fim sobre a eficácia das receitas (tanto
mágicas, quanto técnicas), cuja aplicação nunca será permitida pela
situação de grande miséria dos museus. E a dualidade que se encontra
no âmago do museu, com as salas abertas para o grande público e a
reserva acessível unicamente aos especialistas, exprime, sem dúvida,
a consciência profundamente dividida e contraditória da maior parte
dos conservadores, dilacerados entre as inclinações pelo esoterismoaristocrático, tributário de seu meio ou de seu ofício, e as solicitações
148 o amorpela arle
de uma sociedade e de uma época que lhes contestam seus apegos
exclusivos.78
Mas, de fato, os limites impostos à ação do conservador
impõem-se a qualquer tipo possível de incitação direta à práticacultural. Quem acredita na eficácia milagrosa de uma política de
incitação para visitar museus e, em particular, de uma ação
publicitária pela imprensa, rádio ou televisão - sem se dar conta de
que ela se limitaria a acrescentar, de forma redundante, informações
já fornecidas em abundância pelos guias, postos de turismo oucartazes afixados à entrada das cidades turísticas - assemelha-se às
pessoas que imaginam que, para serem mais bem compreendidas
por um estrangeiro, basta falar mais alto.
Sem dúvida, os esforços de incitação direta podem derrubar
as resistências sociais e, à maneira do turismo, facilitar a primeira
visita; no entanto em razão de sua incapacidade para criar a
disposição à práti~ regular, estão condenados ao fracasso. Assim,tratando-se da açãu de informação ou de incitação exerci da pelosmeios modernos de comunicação, ou tratando-se de operações de
difusão cultural empreendidas por organismos de "cultura popular",
a ação direta só pode ser eficaz se vier a se exercer sobre sujeitos
preparados, pela ação sistemática e prolongada da Escola, para acolherseu efeito. Assim, explica-se, segundo parece, o fracasso parcial,
freqüentemente constatado, dos esforços de formação artística
direcionados para crianças. Se, tendo acabado de deixar a Escola,
um grande número de crianças renunciam a uma prática, para cuja
inculcação ela havia despendido esforços, não é, como se acreditahabitualmente, porque o único efeito dessa formação precoce limitouse a associar a Escola ao museu, de modo que a ruptura com a
primeira implicaria a ruptura com o segundo, mas é porque aescolarização não foi suficientemente longa, nem a educação
suficientemente profunda para constituir - entre aqueles que nãorecebem de seu meio a incitação difusa a uma prática regular - a
atitude culta, da qual a freqüência dos museus é uma manifestação.
leis da cltfusão cullural149
/éis da difusão cuRural
Além de que a posse de aparelhos receptores de televisão permanece
distribuída, de forma bastante desigual, entre as diferentes categorias
sociais - passando de 3,8% dos assalariados agrícolas para 5,9%
dos agricultores, 20,8% dos operários, 31% dos quadros médios e
35,5% dos quadros superiores -, a receptÍvÍdade à informação varia
consideravelmente segundo o tipo de informação recebida e segundo
as características sociais e culturais dos receptores. Sabendo que a
escuta dos programas "culturais" de rádio e televisão (peças de
teatro, concertos, etc.) depende do nível de instrução e da posição
na hierarquia social, 81 não é necessário recorrer à experiência para
ter a certeza de que as informações sobre os museus ou as exposições
apresentam todas as condições de atingir e, a fortiori, influenciar
apenas a fração mais culta dos espectadores da televisão, ou de
forma mais precisa, de atingir e influenciar unicamente os
espectadores em razão direta de seu nível de instrução. Sem dúvida,
os ouvintes mais bem preparados por sua cultura é que recebem,
em melhores condições e com maior freqüência, os programas
EstudantesProfissões liberaise professores
151
9
6
5
23
100
Público dos museusfranceses
%
18
38 = 56
2
21
4
5
100
15,5
11
43,5 = 54,5
Público do Museu deLimoges
%
f
Agricultores
Artesãos ecomerciantes
TOTAL
Operários
Outros
Empregados equadros médios
o amor pela arle
Do mesmo modo, todas as tentativas empreendidas, até hoje, no
sentido de incentivar as visitas a museus mostram que as
características sociais e culturais do público permanecem
praticamente constantes, sejam quais forem os meios diretos
utilizados para atraí-Io. Assim, por exemplo, a experiência que a
UNESCO realizou, em 1956, em Limoges, comportava, em
primeiro lugar, uma exposição de quadros no museu, com visitas
comentadas e distribuição de 3.000 catálogos; em segundo lugar,
uma exposição em painéis portáteis com reproduções,apresentadas por dois funcionários dos Museus Nacionais na sala
de espetáculos das prefeituras do departamento de Haute-Vienne,
assim como em várias fábricas e escolas de Limoges; em terceiro
lugar, duas exposições em painéis portáteis na estação ferroviária,
na agência de correios e na biblioteca municipal da mesma cidade;
em quarto lugar, a projeção de filmes "destinados a sensibilizar o
público popular à pintura moderna" e apresentados por uma
equipe da Direção Regional da Juventude e dos Esportes; por
último, a distribuição pela biblioteca municipal de livros
consagrados à arte.79 Todas essas manifestações eram alavancadas
por uma considerável publicidade, cartazes, painéis expostos no
liceu masculino e na estação ferroviária de Limoges, artigos nos
jornais cotidianos, além de programas em Rádio-Limoges.
Esta experiência permite, portanto, avaliar a eficácia da ação direta
no caso mais favorável já que os mais modernos meios de
informação - imprensa, rádio e publicidade - reduplicaram a ação
dos meios considerados como mais tradicionais, ou seja,
conferências ou livros. Ora, a estrutura do público do museu em
que estavam expostas as obras de arte, durante o período da
experiência, não sofreu qualquer tipo de mudança, o que se
compreende se soubermos que a influência dos meios diretos e,
em particular, da ação de informação pela imprensa, rádio outelevisão, exerce-se sempre de maneira diferencial. 80
Eis o momento de lembrar que a ação decorrente dos programas de
rádio e televisão não é exercida de maneira sistemática e homogênea.
-
150
152
dedicados à arte e, sejam quais forem os meios que ela possa utilizar,
a ação de incitação cultural é tanto mais bem-sucedida quanto maiscultos são aqueles que ela atinge.82
Constrangidos, pelos imperativos da maior difusão possível dos
órgãos onde trabalham, a elaborar uma sociologia espontânea,
baseada no método dos acertos e dos erros, os jornalistas abstêm
se de utilizar os poderes milagrosos que, às vezes, são atribuídos
aos meios modernos de comunicação. No decorrer dos anos de
1963 e 1964, a revista hebdomadária Elle - cuja ambição
pedagógica é, no entanto, patente - nunca chegou a recomendar a
visita a museus. Se excetuarmos um artigo dedicado à maneira de
levar as crianças a visitar um museu - e, sobretudo, dirigido às
mães que, de fato, encontram uma incitação à essa visita, muitas
vezes, ao terem o desejo de acompanhar os filhos - essa revista,
que não deixa de dedicar rubricas permanentes ao teatro, à
literatura e ao cinema, sem falar das crônicas propriamente
femininas, contentou-se, nesse período de dois anos, em fornecer
a lista dos museus da França, assinalar as exposições temporárias,
aconselhar uma espécie de excursão turística à exposição dos
artesãos do departamento de Haute-Provence e, finalmente, na
edição de Natal, oferecer uma reprodução em cores. Sem negar
que uma revista, tal como esta, possa determinar em um público,
recrutado em sua maioria nas classes populares e médias (ou seja,4% de agricultores, 22% de operários, 10% de artesãos e
comerciantes, 25% de quadros médios, 18% somente de quadros
superiores e 21 % de diversos e inativos), o aumento momentâneo
de interesse ou, até mesmo, uma expedição cultural, ela não
poderia provocar conversões duradouras e uma práticapermanente.
As limitações impostas a qualquer ação direta de incitação à prática
cultural pesam também sobre as MaÚons de ia euiture. * Seja
* Daqui em diante, MJC (N.T.)
o amorpela arle
apoiada em um museu, como na cidade de Havre, ou em um
teatro, como em Caen, a MIC atraiu e reagrupou aqueles que,
por sua formação escolar ou seu meio social, haviam sido
preparados para a prática cultural. Na MIC de Havre, entre os
anos de 1961 e 1964, o número dos sócios conheceu uma ampla
oscilação de 138 a 3.500, mas a estrutura do público, sempre
bastante próxima da estrutura do público dos museus, manteve
se notavelmente constante: a parcela dos quadros superiores,
representantes das profissões liberais e estudantes passou por
variações no mesmo sentido do número total dos sócios (segundo
uma lógica que pôde ser observada também a propósito das
exposições), oscilando entre 57,2% e 67,2% do conjunto dos
membros. Se a MIC de Havre atraiu um público que, por sua
estrutura, se aproxima dos públicos de museus que oferecem obras
de um nível particularmente elevado, tais como o Musée des Arts
déeoratifsou o Museutd\ utun, é, sem dúvida, porque, apoiando
se em um museu de ar uitetura audaciosa* e dedicado a obras
modernas, ela atraiu aturalmente os visitantes habituais dos
museus deste tipo.
Por sua vez, a M.j C de Caen que deu prioridade às atividades
teatrais havia recebido (em 30 de maio de 1964, ou seja, um
ano depois de sua inauguração) um público composto por 75%
de escolares e estudantes, aos quais se acrescentam 7,8% de
quadros superiores e professores, 8,5% de empregados e
comerciantes, e somente 0,7% de operários e agricultores.83 Do
mesmo modo, o público da M.jC de Bourges comportava (em
30 de junho de 1964, ou seja, nove meses depois de sua criação)
26,8% de escolares e estudantes, 52,2% de quadros superiores
e professores, 22,6% de quadros médios e empregados, 9,6%
de operários e 1,2% de agricultores.84 Se a ação de organizações
profissionais preexistentes, esportivas ou familiares, pôde
* Projeto concebido por Oscar Niemeyer. (N.T.)
/eis da dfusão cuflural 153
154
incitar uma parcela das classes médias e uma minoria das classes
populares a uma prática cultural que não lhes era familiar, a
Mj C. acabou sendo investida das características das instituições,
teatros ou museus, que ela deveria ter ultrapassado ou
substituído: os representantes da classe culta sentem-se no
direito e dever de freqüentar esses santuários da cultura, dos
quais as outras pessoas, por falta de uma cultura suficiente,
sentem-se excluídos. Longe de desempenhar a função que lhe
havia sido atribuída por uma certa mística da cultura popular,
a Méson de ia cuiture continua sendo a casa dos homens cultos.
Se sabemos que o interesse do ouvinte por uma mensagem,
seja ela qual for, e, ainda mais, a compreensão que venha a conseguirde seu conteúdo, depende direta e estreitamente de sua "cultura",só nos resta duvidar da eficácia de todas as técnicas de ação cultural
direta, a começar pelas MJ. C até as operações de educação popular;com efeito, enquanto se perpetuarem as desigualdades diante daEscola, única capaz de criar a atitude culta, todas essas técnicas
limitam-se a atenuar (no sentido preciso de dissimular) asdesigualdades culturais que elas não conseguem reduzir realmente
e, menos ainda, de forma duradoura. Não existe atalho para ocaminho que leva às obras de cultura; além disso, os encontros
artificialmente programados e diretamente provocados estão votadosao fracasso.
A maior parte das iniciativas de educação popular e,
particularmente, as MJ. C, inspiram-se em uma ideologia que, alémdas variantes e das variações, organiza-se em torno de um núcleo
comum de preconceitos e que, freqüentemente, aparece como aexpressão sistemática de um certo tipo de situação social. Ao darem
a impressão de acreditar que a inacessibilidade física das obras fosse
o único empecilho para que a maioria das pessoas pudesse abordá
Ias, contemplá-Ias e saboreá-Ias, parece que certos dirigentes e
animadores pensam que basta levar as obras até o povo por não
poderem trazer o povo até as obras. As exposições de quadros nas
fábricas Renaultou as representações teatrais destinadas aos operários
o amor pela arle
de Villeurbanne* são experiências que nada podem comprovar, já que
fazem desaparecer o próprio objeto da experiência, admitindo como
resolvido o problema para o qual pretendem encontrar uma solução,
ou seja, o das condições da prática cultural como operação deliberada
e regular; no entanto, em todo caso, seu efeito consiste em levar
aqueles que as empreendem a se convencer da legitimidade de sua
iniciativa. Mais realistas, na aparência, já que contam com a ação de
animadores para preparar e incitar os representantes das classes
culturalmente desfavorecidas às práticas culturais, as operações de
educação popular nunca estão completamente isentas da ideologia
segundo a qual o confronto com a obra basta, por si só, para determinar
uma disposição duradoura à prática cultural. Assim, convencidos de
que as classes menos cultas, portanto, as menos corrompidas pela
influência rotinizante do ensino universitário, estão predispostas
em razão do estado de inocência cultural em que se encontram - a
acolher sem preconceito as formás mais autênticas e mais audaciosas
da arte, os animadores das AdIC acreditam poder conciliar, semcontradição, as buscas de uma vanguarda estética com a busca de um
público popular. Eis o que contribui bastante para explicar que, de
fato, eles se limitam a encontrar os destinatários reais de sua mensagem,
a saber, os intelectuais que ficam devendo à Escola não só uma cultura
clássica, ou seja, uma cultura escolar, mas também a capacidade e o
desejo de superá-Ia.
A despeito de não lhes faltarem animadores, tais operações
de recuperação cultural situam-se objetivamente à margem da
instituição escolar que, em vez de ser objeto de concorrência, é
ultrapassada por elas; ora, essa situação de repetição inútil e de
marginalidade encontra, naturalmente, sua justificação em uma
ideologia que, partindo da crítica contra as insuficiências da
instituição escolar, culmina na contestação genérica da legitimidade
e eficácia da ação específica da instituição, a saber, a inculcação,
* Cidade industrial na região metropolitana de Lyon, um dos mais importantespólos de desenvolvimento, situada no centro da França. (N.T.)
/eis ela c1tfusãocuJiural 155
* Depois da reforma administrativa de 1964, inclui Paris e os departamentoslimÍtrofes (Hauts-de-Seine, Seine-Saint-Denis e Val-de-Marne). (N.T.)
156
pelo ensino e pelo exercício, do sistema de hábitos e aptidões que
define a atitude culta. Se já se sabe que estas organizações, ameaçadas
continuamente de serem consideradas como uma Escola de segunda
ordem, oferecem - a um grande número daqueles que estãoenvolvidos em suas atividades - determinadas carreiras e tarefas
que lhes seriam recusadas pela instituição universitária, compreende
se que muitos dos que pretendem se ocupar da difusão ou da ação
cultural transformem a contestação do papel da Escola no primeiro
artigo de seu credo.85 Se estas convicções ideológicas podem ajudar
seus defensores a segurar-se e manter-se em tal situação instável,
elas acabam por impedi-Ios, com toda a certeza, de encontrar uma
das maneiras, aparentemente razoável, de livrar-se dela. Algumas
constatações do fracasso contêm, no entanto, implicitamente, as
condições de sua superação.
Assim, depois de ter descrito a ação empreendida nas Maisons
des jeunes de Porte Brancion, de Rue Mercoeur, de Paris-Centre e
de Paris-Charonne - todas em Paris - nas quais "o resultado é
decepcionante porque os jovens freqüentadores da Maison têmum nível cultural apenas sofrível", M. Eyraut, Diretor da Seção
das Belas-Artes,Juventude e Esportes da Região da Seine,* tira a
conclusão de que: "em primeiro lugar, o público popular não
sente necessidade de visitar museus e, tampouco, se sente à
vontade nesses espaços; em segundo lugar, para despertar-lhe o
interesse, é indispensável que um animador se ocupe
particularmente dessa atividade; em terceiro lugar, a colheita
dos frutos dessa ação se faz somente depois de um certo número
de meses e, até mesmo, de anos". 86 Isso significa que a açãocultural direta - exercida, como é sabido, sobre voluntários
(verossimilmente, mais instruídos do que a média dos
representantes de sua categoria) - só obtém resultados
perceptíveis com a condição de utilizar métodos escolares e prever
o amor pela arfe
prazos que não sejam inferiores àqueles ado~ados pela Escola
para fazer homens "cultos".
Em sua forma atual, as experiências de estabelecimento de
contato direto com as obras culturais obedecem a uma lei
sobejamente conhecida pelos especialistas dos fenômenos deaculturação: uma técnica pode ser perfeitamente aprendida ou
compreendida, e depois como que esquecida, porque as condiçõesde sua atualização não são fornecidas e porque ela não se integra
no sistema total de atitudes e hábitos que, de forma exclusiva,
poderiam conferir-lhe um fundamento e uma significação. É assim
que, entre as jovens esteticistas - cujo programa de ensino previa,com a ajuda do serviço educativo do Museu do Louvre, a visita dediversos museus -, 19% somente haviam voltado a um museu no
decorrer dos quatro meses, após o final das visitas obrigatórias,
apesar da maior parte dessas jovens serem oriundas do ensinosecundário;87 da mesma forma, os primeiros professores primários
que exerceram seu ofílio na Cabília, * no final do século XIX, nãocessavam de deplorq.! que os alunos dessem a impressão de ter
esquecido, mal saíam da escola, tudo o que haviam aprendido, nãosó o tamanho das árvores, mas também a matemática, ou seja,
técnicas solidárias de uma verdadeira atitude em relação ao mundo
que, neste caso, a Escola não sabia ou não podia, por si só,transmitir.
Será que isso significa que tais iniciativas não podem esperarnenhuma eficácia a não ser que se dotem dos meios à disposição da
Escola? De fato, além de que qualquer tentativa para impor tarefas e
disciplinas escolares aos organismos marginais de difusão culturalesbarraria contra as resistências ideológicas dos responsáveis que,
freqüentemente, ficam indecisos entre as vantagens da integração àinstituição legítima de educação e as vantagens da marginalidade,
podemos nos interrogar não só sobre o custo da operação quando
* Uma das regiões montanhosas da Argélia, habitada por berberes. (N.T.)
leis da r!tfusão cuRural157
158
sabemos que, no estado atual, o rendimento de tais organizações é
praticamente insignificante, mas também sobre a verdadeira função
da política que consiste em estimular e amparar organismosmarginais e pouco eficazes, enquanto não tiver sido acionado tudo
o que for necessário para constranger e autorizar a instituição escolar
a desempenhar a função que lhe incumbe de fato ede direito, asaber, desenvolver em todos os integrantes da sociedade, semqualquer distinção, a aptidão para as práticas culturais comumente
consideradas mais nobres. Não teremos o direito de formular esta
questão quando, do ponto de vista científico, podemos estabelecer
que o prolongamento da escolaridade e a ampliação do tempo
reservado, nos programas, para o ensino artístico permitiriam, porsi sós, quebrar o círculo em que se encontram confinadas todas as
técnicas da ação direta, seja em relação à animação cultural ou àpublicidade através da imprensa, rádio ou televisão?
Assim, para voltar ao caso preciso dos museus, o aumento relativo
da taxa de freqüência (ou uma "elasticidade" E) igual, segundo oque precede, a
E = L'l2 - 1
corresponderia ao aumento reJatÍvo da dispersão da informaçãooferecida.
Em relação a um museu em que o nível modal dessa informação
é o do vestibular (co= 3 níveis), com uma dispersão de um nível
(o que é o caso mais freqüentemente observado), uma ação sobre
a informação oferecida tendente a aumentar a dispersão de um
nível determinaria a triplicação do número dos visitantes do nível
do C. E. P.Gáque E = (3 -1)2 ~ 1 = 3), resultado que, evidentemente,
só poderia ser obtido mediante uma conversão profunda da política
atual dos museus, assim como mediante um fortalecimento
considerável dos meios colocados à sua disposição. Sabendo queas taxas de freqüência empiricamente constatadas aumentam de
um a dez entre os níveis do C. E. P.e do B. E. P.c., vê-se que o efeito
o amor pela arle
da Escola é, neste nível, pelo menos, três vezes mais importante
do que o de qualquer ação direta sobre a oferta e, inclusive, na
hipótese menos favorável, já que para o visitante do nível do B. E.
P. C. o efeito dessa ação direta, avaliado da mesma forma, seria
nulo (E = (3 - 1)2 - 1 = O).
Assim, a elevação geral do nível da instrução, tal como é
demonstrada na comparação dos censos de 1954 e de 1962, dá
conta, por si só, de um aumento do número anual de visitantes em
1,6%, assim como da expansão demográfica de um aumento anual
de 1,1%; deste modo, a diferença (0,3%) entre essa taxa obtida
pelo cálculo e a taxa anual de crescimento de 3% - empiricamente
constatada em relação aos Museus Nacionais88 - deve, sem dúvida,
ser imputada ao aumento do turismo cultural.
Se imaginarmos que, ao elevar em três anos (ou seja, em um
nível) o nível cultural dos franceses que atualmente se encontram
no nível do C. E. P., estes subiriam para o nível do B. E. P. C.,
enquanto (elevaríamos os detentores do B. E. P. C. para o nível de
vestibulai)\ vemos por um cálculo elementar que, em um prazo
bastante longo, ou seja, no espaço de três gerações, a taxa de
freqüência global dos franceses registraria um aumento de 150%.
Como este modelo é válido, com ligeiras diferenças, para todas as
formas de prática cultural, fica comprovado, portanto, que a
intensificação da ação da Escola é o meio mais eficaz para fazer crescer
tal prática - ou seja, a freqüência dos museus, teatros ou concertos,
assim como a leitura e a escuta dos programas culturais de rádio e
televisão -, ao mesmo tempo que ela é a condição necessária da
eficácia de qualquer outro meio; ou, por outras palavras, os
investimentos alocados aos equipamentos culturais são poucorentáveis na falta de investimentos destinados à instituição escolar,
única capaz de "produzir" os utilizadores desses equipamentos.
Mas se é verdade, como já ficou comprovado alhures, que a
Escola, em sua forma tradicional, consegue transformar aqueles que
lhe são confiados, inculcando-lhes uma disposição duradoura à
/éis da cltfusão cuRural 159
160
prática culta, o grau de tal mudança depende, no estado atual, da
quantidade e da qualidade dos conhecimentos prévios que
implicitamente lhes tenham sido exigidos por ela, pode-se prever
que a extensão considerável do público escolar, resultante de uma
verdadeira democratização do ensino, seria acompanhada
necessariamente pela diminuição progressiva da eficácia de uma ação
escolar estritamente adaptada a indivíduos dotados, como que por
uma harmonia preestabelecida, das predisposições que
implicitamente ela pressupõe, a menos que seja realizada uma
transformação radical da pedagogia, ou ainda melhor, dos postulados
implícitos que servem de fundamento a todas as escolhas
pedagógicas.
A definição científica das condições sociais e culturais da
freqüência de museus e, de forma mais geral, de qualquer tipo de
lazer culto, implica a ruptura radical com a ideologia das
"necessidades culturais", que leva alguns a considerar as opiniões
ou preferências efetivamente expressas e efetivamente coletadas pelas
pesquisas de opinião ou de consumo cultural como se fossem
aspirações autênticas, esquecendo não só os condicionamentos
econômicos e sociais que determinam tais opiniões ou consumos,
mas também as condições econômicas e sociais que podem tornar
possível um outro tipo de opinião ou consumo, em suma,
sancionando, por não ter enunciado ou denunciado sua causa, a
divisão da sociedade entre aqueles que sentem "necessidades
culturais" e aqueles que estão privados dessa privação. Pelo fato de
que a obra de arte só existe, como tal, na medida em que é percebida,
ou seja, decifrada, conclui-se que as satisfações inerentes a essa
percepção - seja do deleite propriamente estético ou de gratificações
mais indiretas, como o eleito de distinção - são acessíveis apenas
àqueles que estão dispostos a se apropriar de tais satisfações por
lhes atribuírem valor, no pressuposto de que este só pode ser atribuído
se eles dispuserem dos meios de conseguir tal apropriação. Por
conseqüência, a necessidade de se apropriar dos bens que, à
semelhança dos bens culturais, só existem como tais para quem
o amor pela arle
tenha recebido, de seu círculo familiar e da Escola, os meios de se
apropriar deles, não pode se manifestar senão entre aqueles que
podem satisfazê-Ia e pode satisfazer-se desde que ela se manifeste.Segue-se, por um lado, que a "necessidad'e cultural" como necessidadeculta, diferentemente das necessidades "primárias", aumenta à
medida que é plenamente satisfeita, já que cada nova apropriaçãotende a fortalecer o controle dos instrumentos de apropriação e, por
conseguinte, as satisfações inerentes a uma nova apropriação; e,
por outro, que a consciência da privação decresce à medida que cresce
a privação, de modo que os mais completamente desapossados dosmeios de apropriação das obras de arte são os mais completamente
desapossados da consciência desse desapossamento.
leis da chfusão cuJiural161
conclusão
"The laws formulated above, if they be true (...), may be truisms."
A. R. RADCLIFFE-BROWN, Structure
and FunctÍon Ín PrÍmÍtÍve SOCÍety.
"Para quem usa óculos - objeto que, segundo a distância, está tão próximo delea ponto de 'apoiar-se em seu nariz' -, esse instrumento está, no cerne do mundo
ambiente, mais afastado do portador do que o quadro dependurado na paredeoposta. A proximidade desse instrumento é tão reduzida que, habitualmente, ele
passa desapercebido."
HEIDEGGER, O Ser e o Tempo.
As pessoas que ficaram surpreendidas pelo enorme esforço
despendido, neste livro, para a enunciação de algumas verdades
evidentes, ficarão sem dúvida indignadas porque, nesses truísmos,
não reconhecem o sabor, ao mesmo tempo, evidente e indizível, de
sua experiência relativa à obra de arte. O que importa, poderá se
dizer, ficar sabendo onde e quando nasceu Van Gogh; o que importam
as peripécias de sua vida e os períodos de sua obra? Para os
verdadeiros amadores, afinal, o que conta é o prazer que sentem
diante de um ~uadro de Van Gogh. E não é que se encontra, nesteponto, o que ~ sociologia se obstina, precisamente, a ignorar, por
uma espécie de'agnosticismo reducionista e desencantador? De fato,
o sociólogo é sempre suspeito (em nome de uma lógica que não é asua, mas a do amador) de contestar a autenticidade e a sinceridade
do prazer estético pelo simples fato de que descreve suas condições
de existência. É que, à semelhança de qualquer amor, o amor pela
arte sente repugnância em reconhecer suas origens e, relativamente
às condições e condicionamentos comuns, prefere, feitas as contas,
os acasos singulares que se deixam sempre interpretar comopredestinação.
A cónsciência obscura do arbitrário dos encantamentos
assombra a experiência do prazer estético: a história do gosto,
individual ou coletivo, basta para desmentir a convicção de que
determinados objetos tão complexos quanto as obras de cultura
~rudita, produzidas segundo leis de construção que foram elaboradas
no decorrer de uma história relativamente autônoma, sejam capazes
conclusão 163
de suscitar, por sua virtude própria, preferências naturais. Somente
uma autoridade pedagógica consegue quebrar o círculo da
"necessidade cultural" segundo a qual uma disposição duradoura e
assídua à prática cultural não pode se constituir senão por uma
prática assídua e prolongada: as crianças oriundas de famílias cultas
que acompanham os pais nas visitas de museus ou exposições
adotam, de alguma forma, essa disposição à prática, depois que tiver
passado o tempo necessário para adquirirem, por sua vez, a disposição
à tal prática que surgirá de uma prática arbitrária e, antes de tudo,
arbitrariamente imposta. De fato, ao designarem e consagrarem certas
obras ou determinados lugares (tanto o museu quanto a igreja)
como dignos de serem freqüentados, é que as instâncias investidas
do poder delegado de impor um arbitrário cultural - ou seja, nocaso particular, uma certa delimitação entre o que é digno ou indigno
de ser admirado, amado ou reverenciado - podem determinar a
freqüência no termo da qual essas obras aparecerão como
intrinsecamente ou, ainda melhor, naturalmente dignas de serem
admiradas ou saboreadas. Na medida em que ela produz uma cultura
(habjtus) - que não é senão a interiorização do arbitrário cultural-,
a educação familiar ou escolar tem como efeito, pela inculcação do
arbitrário, dissimular cada vez mais completamente o arbitrário da
inculcação. O mito de um gosto inato, que nada deveria às restrições
das aprendizagens nem aos acasos das influências, já que seria dado
inteiramente desde o nascimento, não é senão uma das expressões
da ilusão recorrente de uma natureza culta que preexistiria à
educação - aliás, ilusão necessariamente inscrita na educação como
imposição de um arbitrário capaz de impor o esquecimento do
arbitrário das significações impostas e da maneira de impô-Ias.
Em vez de tentar refutar a fórmula de Kant, para quem "o
belo é o que agrada sem conceito", o sociólogo procura não só definir,
por um lado, as condições sociais que tornam possível esta experiência
e, por outro, aqueles para quem ela é possível, amadores de arte ou
"homens de gosto", mas também determinar, desta forma, os limites
em que ela pode, como tal, existir. Do ponto de vista lógico e
164 o amor pela arle
experimental, o sociólogo estabelece que agrada aquilo de que setem o conceito ou, de modo mais exato, somente aquilo de que se
tem o conceito pode agradar; por conseguinte, o prazer estético, em
sua forma erudita, pressupõe a aprendizagem e, neste caso particular,
a aprendizagem pela familiaridade e pelo exercício, de modo que,
produto artificial da arte e do artifício, este prazer que se vive ou
pretende ser vivenciado como natural é, na realidade, prazer culto.
Se o que Kant designava por "gosto bárbaro", ou seja, o gosto
popular, parece contradizer a descrição kantiana do gosto culto emtodos os pontos e, em particular, no sentido em que está armado
sempre de conceitos,89 na realidade, ele limita-se a manifestar,claramente, a verdade oculta do gosto culto. Do mesmo modo que,
à moral da intenção pura, Hegel opunha o ethos como "moral
realizada", assim também é possível, à estética pura, opor a estética
realizada no gosto culto que, enquanto maneira de ser permanente,não é outra coisa senão uma "segunda natureza" enquanto primeira
natureza superada e sublimada. Por ser a "estética realizada" ou, de
formarais precisa, a cultura (de uma classe e de uma época) tornadanatur(eza, é que o julgamento do gosto (e seu acompanhamento deprazel.\estético) pode se tornar uma experiência subjetiva, vivenciadacomo livre e, até mesmo, como conquistada contra a cultura comum.
As contradições e as ambigüidades da relação alimentadas pelos
sujeitos cultos com sua cultura são, ao mesmo tempo, favorecidas eautorizadas pelo paradoxo que define a realização da cultura comotornar-se natureza: se é verdade que a cultura só se realiza ao negar
se como tal, ou seja, como artificial e artificialmente adquirida,
compreende-se que os virtuoses do julgamento do gosto dêem a
impressão de ter acesso a uma experiência da graça estética tão
perfeitamente libertada das restrições da cultura (nunca realizada
tão perfeitamente a não ser ao superá-Ia) e tão pouco marcada pela
longa paciência das aprendizagens das quais ela é o produto, quanto
a evocação das condições e dos condicionamentos sociais que a sua
revelação tornaram possível, ao mesmo tempo, como uma evidênciae como um escândalo.
conclusão 165
166
Para que a cultura desempenhe sua função de encantamento,
convém e basta que passem despercebidas as condições históricas e
sociais que tornam possíveis não só a plena posse da cultura segunda natureza em que a sociedade reconhece a excelência humana
e que é vivida como privilégio da natureza -, mas também o
desapossamento cultural, estado de "natureza" ameaçado de aparecercomo baseado na natureza dos homens que estão condenados a talestado.
A colocação entre parênteses das condições sociais que tornampossíveis a cultura e a cultura tornada natureza - a natureza culta,
dotada de todas as aparências da graça e da dádiva e, apesar disso,
adquirida, portanto, "merecida" - é a condição de possibilidade da
ideologia carismática que permite conferir a posição central que, na
"sociodicéia" burguesa, é reservada à cultura e, em particular, ao
"amor pela arte". Sem poder invocar o direito do sangue (recusado,historicamente, por sua classe à aristocracia), nem os direitos da
Natureza, arma outrora dirigida contra a "distinção" burguesa, nem
as virtudes ascéticas que levaram os empresários da primeira geração
a justificar o sucesso por seu mérito, o herdeiro dos privilégiosburgueses pode fazer apelo à natureza culta e à cultura tornada
natureza - ou seja, ao que se chama, às vezes, "a classe", por uma
espécie de lapso revelador; à "educação", no sentido de produto da
educação que parece nada dever à educação; e à "distinçãd', graça
que é mérito e mérito que é graça, mérito não adquirido que justifica
os conhecimentos adquiridos não merecidos, ou seja, a herança.
Para que a cultura possa desempenhar sua função de legitimaçãodos privilégios herdados, convém e basta que o vínculo - ao mesmo
tempo, patente e oculto - entre a cultura e a educação seja esquecidoou negado. A idéia contranatural de uma cultura de nascimento, de
um dom cultural, outorgado a alguns pela Natureza, pressupõe e
produz a cegueira relativamente às funções da instituição que garante
a rentabilidade da herança cultural, além de legitimar suatransmissão, dissimulando que ela desempenha tal função: a Escolaé, com efeito, a instituição que por seus veredictos formalmente
o amor pela arle
irrepreensíveis transforma as desigualdades diante da cultura,socialmente condicionadas, em desigualdades de sucesso,
interpretadas como desigualdades de dons que são, também,
desigualdades de mérito.
Ao deslocar, simbolicamente, do terreno da economia para o
da cultura, o princípio do que as distingue das outras classes - ou,
ainda melhor, ao reduplicar as diferenças propriamente econômicas,
ou seja, aquelas criadas pela pura posse de bens materiais, com asdiferenças criadas pela posse de bens simbólicos, tais como as obrasde arte, ou com a busca das distinções simbólicas na maneira de
usar tais bens (econômicos ou simbólicos), em suma, ao transformar
em dado da natureza tudo o que define seu "valor", ou seja, para
tomar a palavra no sentido dos lingüistas, sua distinção, marca de
diferença que, como afirma o Littré, * separa do comum "por um
caráter de elegância, de nobreza e de bom tom" -, as classes
privilegiadas da sociedade burguesa colocam no lugar da diferençaentre duas culturas, produtos da história reproduzidos pela educação,
a diferença de essência entre duas naturezas: uma natureza
natu~mente culta e uma natureza naturalmente natural. Assim, asacyilização da cultura e da arte, ou seja, a "moeda do absoluto"reverenciada por uma sociedade subjugada ao absoluto da moeda,
desempenha uma função vital ao contribuir para a consagração da
ordem social: para que os homens de cultura possam acreditar nabarbárie e levar os bárbaros a se convencerem interiormente de sua
própria barbárie, convém e basta que eles cheguem a se dissimular ea dissimular as condições sociais que tornam possíveis não só a
cultura como segunda natureza em que a sociedade reconhece a
excelência humana e que se vive como privilégio de nascimento,
mas ainda a dominação legitimada (ou, se preferirmos, a legitimidade)
de uma definição particular à cultura. E para que o círculo ideológico
fique perfeitamente fechado, basta que aceitem a representação
* Referência ao monumental DictÍonnaÍre de ia iangue françaÍse (4 vais. e 1 supl.,1863-1873), cujo autor foi o lexicógrafo, Émile Littré (1801-1881). (N.T.)
conclusão 167
168
essencialista da bipartição de sua sociedade em bárbaros e em
civilizados, como justificação do monopólio dos instrumentos da
apropriação dos bens culturais.
Se tal é a função da cultura e se o amor pela arte é exatamente
a marca da eleição que, à semelhança de uma barreira invisível e
intransponível, estabelece a separação entre aqueles que são tocados
pela graça e aqueles que não a receberam, compreende-se que, através
dos mais insignificantes detalhes de sua morfologia e de sua
organização, os museus denunciem sua verdadeira função, queconsiste em fortalecer o sentimento, em uns, da filiação, e, nos
outros, da exclusão. Nesses lugares santos da arte em que a
sociedade burguesa deposita as relíquias herdadas de um passado
que não é o seu, palácios antigos ou grandes mansões históricas
aos quais o século XIXacrescentou edifícios imponentes, construídos
quase sempre no estilo greco-romano dos santuários cívicos, tudo
contribui para indicar que, à semelhança da oposição entre sagrado
e profano, o mundo da arte se opõe ao mundo da vida cotidiana: a
intocabilidade dos objetos, o silêncio religioso imposto aos visitantes,
o ascetismo puritano dos equipamentos, sempre raros e pouco
confortáveis, a recusa quase sistemática de toda didática, a solenidade
grandiosa da decoração e do decorei, colunatas, amplas galerias, tetos
pintados, escadarias monumentais, tudo parece feito para lembrar
que a passagem do mundo profano para o mundo sagrado pressupõe,como afirma Durkheim, "uma verdadeira metamorfose", uma
conversão radical das mentes; e que o estabelecimento de relações
entre os dois universos "é sempre, por si só, uma operação delicada
que exige precauções, assim como uma iniciação mais ou menos
complicada", além de ser "impossível sem que o profano perca seus
caracteres específicos, sem que ele próprio se torne, de alguma forma
e em certo grau, sagrado". 90 Se por seu caráter sagrado a obra de arte
exige disposições ou predisposições particulares, ela confere, em
retorno, sua consagração àqueles que satisfazem suas exigências, a
esses eleitos que, invocando a própria aptidão, se auto-elegeram
para responder ao seu apelo. Outorgar o poder à obra de arte, não só
o amor pela arle
de despertar a graça da iluminação estética em qualquer pessoa, pormais desprovida que seja do ponto de vista cultural, mas também de
produzir por si mesma as condições de sua própria difusão, emconformidade com o princípio das místicas emanatistas, omne bonum
est diffusivum sui, é autorizar-se a reconhecer que, em todos os
casos, os acasos insondáveis da graça ou o arbitrário dos "dons"constituem a manifestação de aptidões que, afinal, são sempre o
produto de uma educação distribuída de forma desigual, portanto, atratar as aptidões herdadas como se fossem virtudes próprias da
pessoa, ao mesmo tempo, naturais e meritórias.
O museu fornece a todos, como se tratasse de uma herança
pública, os monumentos de um esplendor passado, instrumentosda glorificação suntuária dos grandes de outrora: liberalidade factícia,
já que a entrada franca é também entrada facultativa, reservada àqueles
que, dotados da faculdade de se apropriarem das obras, têm o
privilégio de usar dessa liberdade e que, por conseguinte, seencontram legitimados em seu privilégio, ou seja, na propriedade
dos meios de se apropriarem dos bens culturais ou, para falar comoMax Weber, no monopólio da manipulação dos bens de cultura e
dostnos institucionais da salvação cultural.
conclusão169
228
eJemenlos rk &(;Iioyrafia
Não existe uma história geral dos museus. H. Landais chegoua enviar-nos um de seus cursos inéditos, ministrados na Feole du
Louvre, do qual tiramos algumas informações. Além disso, poderíamosconsultar com proveito os resumos históricos que, habitualmente,figuram como introdução dos catálogos dos museus de província.
Para fazermos uma idéia geral sobre os museus, poderíamosconsultar as obras de LucBenoist, Musée et muséologie (col. Que sais-je?n° 204) e de Georges Poisson, Les Musées de Franee (col. Que sais-je?n°
447), assimcomo o Répertoiredesmusées deFraneeetdela CommW1auté,
por G. Barnaud (Institut pédagogique national, ed. Paris, 1959).
Não existe estudo científico de conjunto sobre o público demuseus; trabalhos particulares foram realizados, na maior parte dasvezes, por conservadores de museus.
O Centro de Documentação da UNESCO possui umaBibliographie chronologique des enquêtes sur les visiteurs des musées,
organizada por F.de Borhegyi e Irene A. Hanson do Milwaukee PublicMuseum, em 1964, que constitui uma excelente referência. Entre
todos os artigos citados, chamamos a atenção em particular para:
- Fechner, G. T., Vorsehule der /Esthetik, Leipzig, 1897.
- Coleman, L. V., "Public Relations Attendance", in American
Association of Museums, voI. 2.
- Robinson, E. S., "The Behaviour ofMuseum Visitors", in American
Association ofMuseums, n° 5, 1928.
- Melton, A. N., "Distribution of Attention in Galleries ofMúseums
ofScience and Industry", in Museums News, voI. XVII, 1° 14, 1936.
o amor pela arle
"Problems in Installation in Museums of Art", in American
AssociatÍon of Museums, n° 14, 1935; e "Experimental Studies ofthe Education of Children in a Museum of Science", in AmericanAssoCÍatÍon ofMuseums, n° 15, 1936.
_Porter, M. C. B., "Behaviour of the Average Visitor in the PeabodyMuseum of the Natural History Yale University", in AmericanAssociation ofMuseums, n° 16, 1938.
_Kearns, W E., "Studies ofVisitor Behaviour of the Peabody Museumof Natural History", in Museum News, voI. XVII, n° 14, 1940.
_UNESCO, "Records of the General Conference 9 th. Session New
Delhi", 1956, Anexo A, Paris, UNESCO, 1957.
_Monzon, A., "Bases para incrementar el publico que visita el MuseoNacional de Antropologia", in Annales deI Instituto NaCÍonal de
Antropologia y Historia, tomo VI, n° 35, 1952.
_ Van Der Hoek, G. J., "Bezoekers bekeken, Mededilingen", inGemeentemuseum Um Der Haag, voI. 2, n° 2,1956.
_ Pesquisa do I. C. O. M. (International Council of Museum),UNESCO, C. U. A., 87, abril de 1953.
Poderemos ler também:
_ Svenska Museer, n° 3, 1952; n° 3, 1953; n° 3-4, 1954; n° 1, 1955;
n° 2, 1956.
_ Bigman, S. K., "Art Exhibit Audiences", in The Museologist, 1°59-60,1956.
_Zetterberg, H. L., Social Theory and SOCÍalPraetice,The BedminsterPress ed., N. Y., 1962.
Para conhecer os problemas levantados, atualmente, pelosconservadores de museu em matéria de difusão cultural, poderemosconsultar os relatórios dos Colóquios do L C. O. M. Oapão, em
1961; México, em 1962; Essen, em 1963; Paris, em 1964), assimcomo a coleção da revista Museum e, no que diz respeito à França,a revista 1l1usées et eolleetÍons publiques de Franee.
Finalmente, encontraremos em Museum and Young People (L
C. O.M., 1952), uma bibliografia organizada porG. Cart, M. Harmisson
e C. R. Russel sobre o problema do museu como meio de educação.
elemenlos ck bibliografia229
230
no/as e reftrênciasbiblio!fráficas
] P Francastel, "Problemes de Ia sociologie de l'art" , in G. Gurvitch, Traité desociologie, Paris, PU.E, 1960, t. 11,p. 279. Foi a preocupação com a autentificaçãoque, exclusivamente, nos levou a mencionar as referências dos textos que, entre ogrande número de estudos com a mesma inspiração, escolhemos comoparticularmente significativos.
2 Pascal, Pensées, passim.
3 Avant-projet de programme pour le musée du xxe sifxle, mimeog., p. 5; d.também, P. Gazzola, in Musées et collections publiques de France, abril-junho de1961, p. 84-85: "É somente na 'neutralidade' que as obras expostas podem desdobrarlivremente sua significação expressiva. E é também essa atmosfera - a qual deveser automaticamente abstrata até tornar-se impessoal, mas, ao mesmo tempo, serescrupulosamente consumada, a fim de abster-se de qualquer sugestão possível _que cria as condições psicológicas ideais para o visitante." Cf. ainda M. Nicole in"Musées", Les Càhiers de la république des lettres, des sciences et des arts, XIII, p.141: "Já assinalamos o inconveniente dos cursos públicos e das explicaçõesforneci das nas salas de exposição, assim como das visitas acompanhadas, cujoruído perturba, de forma tão desagradável, os trabalhadores pacíficos."
4 UNESCO, CUA/87, p. 4.
5 E. Panofsky, "I;abbé Suger de Saint-Denis", in Architecture gothique et penséescolastique, trad. e Posfácio de P Bourdieu, Paris, Ed. de Minuit, 1967, p. 30.
6 G. Salles, Le Regarei, 1939, citado por G. Wildenstein, in Supplément à la Gazettedes Beaux-Arts, n° 1110-1111, julho-agosto de 1965.
7 A. Lhote, in Les Cahiers de larépublique des lettres, des sciences et des atts, XIII,p. 273.
8 G. Douassain, in Les Cahiers, loc. cit., p. 368.
9 G. Swarzenski, in Les Cahiers, loc. cit., p. 153.
10 R. Huyghe, Dialogue avec le visible, Paris, Flammarion, 1955, p. 8.
11 G. Salles, in Musées et collections publiques de France, julho-setembro de 1956,p. 138 e 139.
12 G. Pascal, in Les Cahiers, loc. cit., p. 117.
13 UNESCO, CUN87, p. 16.
14 Os próprios dados da sondagem permitiram justificar aparentes exceções: por
o amor pela arle
exemplo, como a vista do Museu de Bourg-en-Bresse estava acoplada com a doclaustro contíguo da igreja de Brou, as estatísticas oficiais não levam em consideraçãoa circunstância de que somente uma reduzida parcela dos visitantes da igreja penetra,efetivamente, nas salas do museu.
15 G. Barnaud, Répertoire des musées de France et de la Communauté, Paris,lnstitut pédagogique national, ed., 1959.
16 No Apêndice 1, encontrar-se-á uma exposição mais sistemática e detalhada daconstrução da amostra.
17 Como o Castello Sforzesco e a Pinacoteca de La Brera de Milão não podem serconsiderados como representativos dos museus italianos, a análise das observaçõescoletadas nesses museus serviu apenas para identificar determinadas indicaçõessobre as atitudes e preferências do público italiano.
]8 Os mesmos procedimentos de amostragem no decorrer do tempo foram utilizadosna Grécia e na Holanda, com a diferença de que foram selecionadas as férias deverão, em vez das férias de Páscoa. Em relação à Polônia, esse problema não selevantava em virtude da reduzida importância do fluxo turístico; por sua vez, na
Espanha, como as sondagens foram efetuadas apenas durante as férias de verão, aamostra é afetada por um importante viés.
19 Cf. W. E de Ia Vega, Analyse Jactorielle des données d'enquête sur la fréquentationdes musées, Centre de calcul de Ia Maison des sciences de I'homme, nota interna de
14 de junho de 1965/ ODD, 5 p. mimeog.
20 Como as principais etapas e o coroamento dos diferentes raciocínios matemáticossão sempre retomados em linguagem comum, os leitores poderão pular essestrechos sem perderem o fio desta exposição.
2] Como todas as leis estabelecidas a propósito do público dos museus de artefranceses foram confirmadas pelas sondagens efetuadas nos outros países europeus,qualquer proposição defendida sem outra precisão ou ilustrada unicamente peloexemplo francês poderá ser considerada válida para o conjunto dos países estudados.Para evitar o acúmulo fastidioso de números, só foram consignadas, em relação aos
outros países europeus, as ilustrações particularmente significativas (assim, noApêndice 5, será possível encontrar os principais dados estatísticos que dizemrespeito aos museus europeus).
22 ° número dos visitantes masculinos que responderam ao questionário é
ligeiramente superior ao dos visitantes do sexo feminino, sem dúvida porque, emrazão da masculinidade das tradições familiares, o marido é estatutariamenteconsiderado, sobretudo, nas classes populares, como o mais digno para formular
um julgamento em matéria de estética erudita e porque, freqüentemente, as mulheresrecusaram-se a responder ao questionário quando o marido era entrevistado ("elesabe melhor do que eu"). A Exposição Dinamarquesa, exibida em Lille, constituiuma exceção: se as mulheres deixam ao marido, naturalmente, o monopólio dosjulgamentos "intelectuais", é compreensível que, na qualidade de detentorasestatutárias do exercício cotidiano do julgamento de gosto, elas forneçam de formamais natural sua opinião sobre as obras que pertencem à ordem dos objetos familiarese da decoração doméstica, tais como móveis e cerâmicas.
23 Entre eles, 41% afirmam ter estudado latim, contra 20,5% somente dos quadrosmédios e 22% dos professores primários.
no/as e rejéri?ncias biblIográficas231
232
24 Com efeito, afirmar que a taxa anual de visitas é, para determinada categoriaestatística, igual a 10%, eqüivale a afirmar que será necessário dez anos, em média,para que um indivíduo dessa categoria venha a visitar um museu.
25 Para evítarmos comprometer o sucesso da sondagem principal, propondo questõesdiretas demais sobre o número de visitas anteriores a um museu, decidimos, porum lado, entrevistar os visitantes em relação ao número de visitas anteriores aomuseu em que se encontravam nesse instante, e, por outro, pedir-lhes para citar onome dos três últimos museus que tinham visitado (d. questionários I e II, questõesI e IX). Além disso, a sondagem de verificação formulava, sob três formas diferentes,a questão direta sobre o número de visitas anteriores a um museu, seja ele qual for.No entanto, a imprecisão da lembrança, particularmente forte no caso de uma
atividade libertada dos ritmos sociais, e a tendência para sobreavaliar a prática realque se observa, comumente, em toda sondagem sobre as práticas culturais, tendema comprometer a qualidade da informação coletada. O número declarado de museusprecedentemente visitados apareceu, no decorrer da análise, como o melhor indicadordo ritmo da prática [cf. Apêndic(! 2, Tabelas 7 e 8].
26 É evidente, por último, que tal cálculo não permite excluir a hipótese de quepossam existir várias subpopulações para as quais a!, a2, a3, etc., fossem distintos,embora de uma ordem de grandeza comparável, o que eqüivaleria a afirmar que _pela atuação diferenciada de diversos fatores secundários (conjuntamente com ofator principal) sobre as diferentes subpopulações - os fenômenos observadosseriam, em estrita lógica, aleatórios.
27 "Premiers résultats de l'enquête sur les vacances des Français en 1964", in Étudeset conjonctures, suplemento n° 4, 1965.
28 Em todos os países, a estrutura social do público dos visitantes estrangeiros émais elevada do que a dos visitantes nacionais. Assim, entre os visitantes franceses
entrevistados, em agosto, no Museu Picasso de Barcelona (cujo nível de oferta é,mais ou menos, elevado), conta-se 1% de visitantes das classes populares, 3,5% deartesãos e comerciantes, 18% de quadros médios, 7% de escolares, 31 % deestudantes, 23% de quadros superiores e 16,5% de professores e de especialistasde arte. Basta comparar essa distribuição com a do conjunto dos museus francesespara verificar que, por si só, o turismo não afeta as regularidades habitualmenteconstatadas entre a classe social e a prática cultural.
29 Em relação ao nível de informação (ou nível de oferta) e o nível de recepção (ounível de demanda), ver iniTa, Terceira Parte.
30 Tudo parece indicar que as leis que regem a freqüentação dos museus são válidastambém para as outras práticas culturais, embora a ação dos fatores secundários(por exemplo, a residência ou a renda) possa afetar a relação fundamental entre o
nível de instrução e cada uma das práticas consideradas. Assim, uma sondagemrealizada pelo IFOp,* em 1966-1967 (La ClienteJ(! du livre, Syndicat national deséditeurs, 1967) mostra que a compra de livros e a leitura dependem estreitamentedo nível de instrução e decrescem consideravelmente com a idade. Além disso, pelasondagem, sabe-se que a freqüentação do teatro e dos concertos está bastantefortemente associada à freqüentação do museu (d. iniTa, p. 101-102).
* Sigla de Institut iTançais d'opinion publique, organismo de sondagens criado, em1938, pelo psicossociólogo francês, Jean Stoetzel (1910-1987). (N.T.)
o amor pela arle
31 A Polônia apresenta algumas exceções às leis gerais que associam a freqüentaçãodo museu a uma familiarização precoce, aliás, garantida pela família com umafreqüência tanto maior, quanto mais se sobe na hierarquia social: a parcela dosvisitantes que devem à Escola sua primeira visita é, nesse país, praticamente igualà parcela daqueles que a ficam devendo à família [cf. Apêndice 5, Tabela 5].
32 Por insuficiência de dados estatisticos, o estudo do público espanhol deve basearse somente na análise da composição do público de um certo número de museus,de modo que as proposições extraídas dessas observações não podem serconsideradas válidas para o público do conjunto dos museus espanhóis. É claro quea proporção de mulheres é mais reduzida no público nacional espanhol do que nopúblico nacional francês ou do que no público dos turistas (35% de mulherescontra 50% na França). Se já é conhecido que, na Espanha, a população feminina émenos escolarizada do que a população masculina e que as taxas de escolarizaçãoda Espanha são, em todos os níveis, inferiores às da França, pode-se determinar queo nível de oferta dos museus espanhóis é, na maior parte do tempo, menos elevadoe mais disperso do que o dos museus franceses. Assím, o público com nívelsuperior ou igual ao vestíbular corresponde a 57% no Museu de Arte Moderna, 56%no Museu de Picasso e do Prado, 46% no Museu do Povo Espanhol e 43% no Museude Arte Catalã, museu de folclore, enquanto a média desse público nos museusfranceses está acima de 60%.
33 Em relação a este país, o modo de atribuição dos diplomas faz com que o número deindivíduos desprovidos de certificado escolar é muito mais elevado do que alhures, oque deve implicar uma superavaliação dos radosdo nível secundário; a taxa reduzidíssimado nível secundário, na Polônia, tem a ver com uma diferença de definição.
34 O número mais elevado de visitantes gregos e poloneses que, em nível de instruçãoequivalente, citam três museus precedentemente visitados deve-se ao fato de que,segundo parece, eles são mais cuidadosos em responder com precisão a umapergunta que pode parecer ingênua ou desprovida de interesse aos visitantes dospaíses de velha cultura, e também ao fato de que, talvez, sintam o dever de afirmar,com uma prática mais assídua, um fervor que não é amparado e transmitido poruma verdadeira tradição cultural.
35 Para determinar aproximadamente os níveis relativos do capital cultural nacionaldos diferentes países estudados, poderíamos considerar, por um lado, o número, aqualidade e a diversidade das obras expostas nos museus, a antigüidade de suaaquisição, a importância do capital artístico acumulado pelas classes privilegiadassob a forma de coleções privadas, a importância relativa das doações nas coleçõespúblicas, etc., e, por outro lado, indicadores da intensidade do esforço educativo (ede sua evolução no decorrer do tempo), tais como a taxa de escolarização no ensinosecundário e superior (e sua taxa de crescimento). Aqui, bastará indicar que, avaliadapela taxa de escolarização da faixa etária de quinze a vinte e quatro anos, a hierarquiados países estudados coincide com a que é obtida dos indicadores de atitude; nestecaso, a exceção da Polônia é mais aparente do que real já que sua taxa de escolarização,praticamente equivalente à da Holanda, só foi atingida ao termo de um crescimentorápido e recente. Além disso, sabe-se que a Holanda é, de todos os países europeus,o que parece reservar um espaço mais importante para o ensino artístico. Aindaoutro aspecto: por estudo comparativo, seria necessário estabelecer as relaçõesentre o capital artístico e o capital educativo nos diferentes países, o que permitiriadar uma forma operatória a noções da sociologia espontânea, tais como as de
nolas e referências bibliográficas 233
"países de velha cultura" ou de "país novo". Seria também adotar o meio de determinaras relações que, em cada pais, estabelecem-se entre a oferta e a demanda culturaise, talvez, os mecanismo de transmissão cultural (entre os quais convém contarcom as tomadas de empréstimo a outras tradições culturais) que tendem a garantir,no decorrer da história, determinado nível de equilíbrio entre oferta e demanda: domesmo modo que a constituição de um patrimônio artístico pressupõe um certograu de competência artística, assim também a aquisição de uin certo grau decompetência artística pressupõe um patrimônio prévio, de maneira que o capitalcultural nacional designa o resultado, acumulado pelas gerações sucessivas, dainteração de uma oferta com uma demanda.
36 Vimos que, no essencial, há coincidência entre as diferentes hierarquias dosmuseus: a que é sugerida pelos guias turísticos, a que é avaliada pelo número anualde visitas e a que é estabeleci da pelos Conservadores (d. p. 25-26).
37 Segue-se que a melhor avaliaçãodas preferências reais - que podem deixar de coincidircom os "gostos" declarados - seria fornecida pelo cálculo (longo e difícil, portanto,dispendioso) do tempo dedicado pelos visitantes a diferentes obras de um museu.
38 Melhor do que nas opiniões diante das obras de cultura erudita - por exemplo,pinturas e esculturas - que, por seu elevado grau de legitimidade, são capazes deimpor julgamentos inspirados pela busca da conformidade, é na produção fotográficae nos julgamentos a respeito das imagens fotográficas que se revelam os princípiosdo "gosto popular" (d. P.Bourdieu, Vn Art moyen, Essa! sur les usages sociaux dela photographie, Paris, Ed. de Minuit, 1965, p. 113-134).
39 Nesta relação, pelo menos, a decifração de uma obra pictural obedece a umalógica semelhante à da decifração de uma mensagem qualquer. Ao comentar afórmula de Saussure segundo a qual "na língua, existem apenas diferenças" (Coursde linguistique générale, Paris, Payot, 1960, p. 166), Buyssens estabelece que, tantono plano semântico quanto no plano fonológico, a identificação das diferençaspressupõe a referência implícita às semelhanças de som ou de sentido (CahiersFerdinand de Saussure, VIII, 1949, p. 37-60).
40 R. Longhi, citado por A. Berne-Joffroy, Le Dossier Caravage, Paris, Ed. de Minuit,1959, p. 100-1Ol.
41 A. Berne-Joffroy, Le Dossier Caravage, op. cit., p. 9. Conviria examinarsistematicamente a relação que se estabelece entre a transformação dos instrumentosde percepção e a transformação dos instrumentos de produção artística, sabendo-seque a evolução da imagem pública das obras passadas está indissociavelmente associadaà evolução da arte. Como observa Lionello Venturi, Vasari descobre Giotto a partir deMichelangelo; por sua vez, Belloni repensa Rafael a partir de Carracci e de Poussin.
42 É evidente que o nível de emissão não pode ser definido de maneira absoluta pelofato de que a mesma obra pode fornecer significações de níveis diferentes segundoa grade de interpretação que lhe é aplicada, além de poder satisfazer, por exemplo,o interesse por um detalhe secundário ou pelo conteúdo informativo (em particular,histórico) ou chamar a atenção unicamente por suas propriedades formais.
43 Eis o que é válido para qualquer formação cultural, forma artística, teoria científicaou teoria política, na medida em que os habitus antigos podem sobreviver, durantemuito tempo, a uma revolução dos códigos sociais e, até mesmo, das condiçõessociais de produção desses códigos.
44 Encontrar-se-á uma exposição sistemática desses princípios in P. Bourdieu,"Eléments pour une théorie sociologique de Ia perception artistique", in Revueinternationale des sciences sociales, vaI. XX (1968), n° 4.
45 E. Panofsky,"Uber das Verhiiltnisder Kunstgeschichte zur Kunsttheorie", in Zeitschriftiiir /Esthetik und allgemeine Kunstwissenschaft, XVIII, 1925, p. 129 ss.
46 E. Panofsky, "Zum Problem der Beschreibung und Inhaltsdeutung von Werkender bildenden Kunst", in Logos, XXI, 1932, p. 103 ss. É evidente que, segundo o
tipo de objeto e a situação social e cultural do sujeito perceptor, o saber cultural quecondiciona a familiaridade é mais ou menos controlado.
47 E. Panofsky, "Zum Problem der Beschreibung und Inhaltsdeutung von Werkender bildenden Kunst", loco cito
48 E. Panofsky, "Uber das Verhâltnis der Kunstgeschichte zur Kunsttheorie", loCocito
49 E. Panofsky, "Zum Problem der Beschreibung und Inhaltsdeutung von Werkender bildenden Kunst", loco cito
50 N. S. Troubetzkoy, Principes de phonologie, Paris, Klincksieck, 1957, p. 56; ver,também, p. 66-67.
51 Por uma série de experiências, Colin Thompson mostrou que, apesar de serenquadrada por uma instrução expressa, a apreensão das cores em si e por elasmesmas é extremamente rara (mesmo entre os adolescentes no final dos estudos
secumjários); com efeito, a atenção dos espectadores fixa-se, sobretudo, nos aspectosnarrativos ou acessórios da imagem (C. Thompson, Response to Coloar, Corsham,Research Center in Art Education, 1965).
52 Cf. E. Kant, Anthropologie du point de vue pragmatique, trad. M. Foucault,Paris, Vrin, 1964, p. 100.
53 Na Polônia, a parcela daqueles que escolhem o conferencista corresponde a31 % para as classes populares, 26% para as classes médias e 14% para as classessuperiores, enquanto 23%, 29% e 35,5% das mesmas classes desejam,preferencialmente, fazer a visita em companhia de um amigo competente. NaGrécia, 33% dos visitantes oriundos das classes populares, 27% das classesmédias e 31 % das classes superiores preferem uma visita guiada por umconferencista, contra 17%, 40% e 46% que preferem recorrer a um amigo.Finalmente, na Holanda, em que o capital cultural é mais elevado, todas as classesescolhem o amigo, preferencialmente, ao conferencista; essa diferença é tantomais marcante quanto mais elevado for o nível de instrução (ou seja, de 1 a 1,3para as classes populares, 1 a 6 para as classes médias e de 1 a 5 para as classessuperiores) [d. Apêndice 5, Tabela 5].
54 "O público médio, escrevem Charpentreau e Kaes, não tem nenhum desejo dereceber uma 'educação'. Com ou sem razão, desconfia de tudo o que lhe faz lembrara escola porque pretende ser tratado como adulto" (La Culture popula!re en France,Paris; Les Éditions ouvrieres, 1962, p. 122).
55 Em um artigo intitulado "Das Problem des Stils in der bildenden Kunst" (inZeÍtschrift für /Esthetik und allgemeine Kunstwissenschaft, X, 1915) e dedicado àsteorias gerais de Heinrich W61fflin sobre o estilo nas artes figurativas, Erwin Panofskycoloca em evidência a ambigüidade fundamental dos conceitos w61fflinianos de"ver", "olho" e "óptica", utilizados comumente em dois sentidos diferentes que, "na
234 o amor pela ar/e no/as e rejérências bibliográficas235
lógica de uma pesquisa de ordem metodológica, devem naturalmente serrigorosamente distinguidos". No sentido estrito do termo, o olho é o órgão da visãoe, nesta qualidade, "não desempenha nenhum papel na constituição de um estilo".No sentido figurado, o "olho" (ou a "atitude óptica") só poderia ser, com todo o rigor,"uma atitude psíquica em relação a dados ópticos"; assim, "a relação do olho com omundo" é, na realidade, "uma relação da mente com o mundo do olho".
56 Em todos os países, a parcela daqueles que declaram ter vindo ao museu para veras obras de arte mais prestigiosas - pintura e escultura - aumenta na mesmaproporção em que se eleva o nível de instrução; por sua vez, a parcela daqueles quevieram ver os objetos históricos e de folclore varia em sentido oposto. Na Holanda,a parcela dos amadores de pintura e escultura passa de 59% relativamente àsclasses populares para 7l % das classes médias e para 76% das classes superiores,enquanto a parcela dos visitantes que se interessam pelos objetos históricos e defolclore passa de 19% para 12% e 9%. Do mesmo modo, na Polônia, 36%, 57%,71% dos visitantes de cada uma dessas classes mencionam pintura e escultura. NaGrécia, a parcela dos visitantes que vieram ver escultura passa de 12% relativamenteàs classes médias para 19% das classes superiores, enquanto aqueles que se interessampelo folclore constituem 48% e 39% dessas classes. Portanto, ainda aqui, observase uma relação entre o capital cultural dos diferentes paises e as atitudes de seupúblico [Cf. Apêndice 5, TaSela 8].
57 R Boas,Anthropologyand Modern Ük, Nova York,W W Norton and co, 1962, p. 196.
58 Na França, pelo menos, a realidade está, geralmente, muito afastada das definiçõesforneci das pelos textos oficiais. Os programas prevêem, no ensino primário, aobrigatoriedade de uma hora e meia de desenho e trabalhos manuais, garantida nasgrandes cidades por professores com formação especializada e, nas outras cidades,por professores sem qualificação específica. Os programas oficiais não indicam oespaço preciso a ser reservado à história da arte que está incluída no ensino dahistória. O desenho é ensinado à razão de uma hora por semana, durante os primeiroscinco anos do ensino secundário e, em seguida, é facultativo. Em relação aosprogramas em outros países, podemos consultar: I:Enseignement des arts plastiquesdans les écoles primaires et secondaires, publicação do Departamento Internacionalde Educação, n° 164, UNESCO.
59 A transmissão escolar desempenha sempre uma função de legitimação, nem quefosse pela consagração que confere às obras constituídas por ela, ao transmiti-Ias,como dignas de ser admiradas; por conseguinte, contribui para definir a hierarquiados bens culturais válida em determinada sociedade, em determinado momento dotempo (sobre a hierarquia dos bens culturais e os graus de legitimidade, ver P.Bourdieu et aL, Un Art moyen, op. cit., p. 134-138).
60 Sem dúvida, as diferenças seriam mais marcantes se, nos países cujo capitalcultural é mais elevado, os quadros superiores (mais do que os especialistas de arteque se servem do guia ou catálogo como instrumentos de trabalho) não estivesseminclinados a recusar a utilização do guia ou declarar que o utilizavam com receio demanifestar atitudes "escolares" ou, pior ainda, "turísticas". As condutas que, taiscomo estas, pressupõem a consideração, mais inconsciente do que consciente, dorendimento simbólico da prática e, precisamente, das distinções entre tipos oumodalidades diferentes da prática, são, se é que se pode falar assim, reservadas àsclasses privilegiadas dos países dotados de um imenso capital cultural.
61 Verificadas por diferentes observações anteriores (ver, em particular, P.Bourdieue J.-c. Passeron, Les Étudiants et leurs études, Paris, Mouton, 1964 e P.Bourdieu etal., Un Art moyen, op. cit.), estas proposições são confirmadas e bem delimitadaspelos resultados de uma pesquisa, cuja análise se encontra atualmente em curso,sobre as variações sociais do julgamento de gosto.
62 Embora os ritmos declarados sejam, evidentemente, subjetivos e superavaliados,existem condições para proceder ao cálculo dos coeficientes de correlação(fornecidos, aqui, a título indicativo),
63 O exemplo da Polônia mostra perfeitamente que o grau de sucesso de umapolítica de ação cultural não depende somente da eficácia da ação escolar, mastambém da importância do capital cultural transmitido por outras vias.
64 As mesmas observações são válidas para o conhecimento da música, do
cinema e do jazz (cf. P. Bourdieu e J.-c. Passeron, Les Héritiers, Paris, Ed. deMinuit, p. 164-170).
65 Assim, David Riesmann afirma que obras populares idênticas são utilizadas
por públicos diferentes de maneira bastante diferente e com finalidades diferentes(D. Riesmann, "Listening to Popular Music" , in IndivÍdualism Reconsidered,Glencoe, 1954).
66 J. Schumpeter, The Sociology of Imperialism, traduzido do alemão por HeintNorden, Nova York, Meridian Books, 1951, p. 39-40.
67 Os estudos de sociologia eleitoral mostraram que as "influências" pessoais
desempenham um papel bastante importante nas escolhas eleitorais e que elasmediatizam e intermedeiam a influência dos meios modernos de comunicação (cf.Bernard Berelson, Paul F. Lazarsfeld and William Me Phee, Voting, Chicago, 1954;Paul F. Lazarsfeld, Bernard Berelson and Hazel Gaudet, The People's Choice, NovaYork, 1944; Elihu Katz and Paul F. Lazarsfeld, Personal Influence, Glencoe, 1955).O papel dos "styles leaders' é indicado no estudo de Bernard Berelson e Lyle S.
-tODel, "Fashion in Women's Clothes and the American Social System", in SocialForces, vaI. 31, dez. de 1952, p. 124-131. A analogia - sugerida, aqui - entre os"opinion leaders" e os "style leaders' não deve induzir a esperar que estes últimosdesempenhem um papel de incitação semelhante àquele que se atribui comumenteaos primeiros: de fato, sua influência - mais identificada com controle, em vez deincitação _ depende, como toda informação, da receptividade de quem é atingidopor ela e, em razão da homogeneidade social das redes de relações interpessoais,tende a fortalecer as atitudes, confirmando as opiniões individuais.
68 Mais adiante (p. 159), serão apresentadas outras implicações relativas a este modelo.
69 À semelhança do que se passa com o turismo, a exposição não pode fazervisitantes assíduos. Assim, a pesquisa realizada em 1953 e 1954 noGemeentemuseum de Haia tinha mostrado que uma exposição consagrada aoVaticano havia atraído uma multidão de visitantes católicos que, posteriormente,nunca mais voltaram ao museu (G. J. Van Der Hoek, "Bezoekers Bekeken", inMedelelingen Gemeentemuseum van der Haag, vol. 2, n° 2).
70 Chegou-se mesmo a constatar, no Museu de Toronto, o seguinte: durante asexposições, a composição do público permaneceu semelhante à afluência registradano período normal de funcionamento, até mesmo por ocasião de uma exposição
236 o amor pela arfe nofas e rejérências bibliográficas237
238
que foi "an important part of the program to build a new audience to the MetropolitanTotonto Area" (The Museoiogist, n° 80, set. de 61, p. 11-16).
71 Depoimento relatado pelo Conservador de Bourges, no decorrer da jornada deestudos (21 de maio de 1965) da "Association générale des conservateurs descollections publiques de France".
72 A "Société des Amis du Louvre" foi fundada em 1897; a proposta de seusfundadores consistia em "convocar o público para contribuir em prol doenriquecimento do Louvre". Em 1922, a Sociedade já contava com 3.000 membros;até essa data, havia contribuído com mais de um milhão de francos, além de umgrande número de doações de quadros.
73 Vamos limitar-nos a citar um só exemplo, tomado de empréstimo a um passadoantigo: no dia 15 de janeiro de 1856, Sauvageot (que teria servido de modelo aBalzac para o romance OprÍmo Pons) doou sua coleção ao Museu do Louvre; no dia4 de março, do mesmo ano, ele foi nomeado Conservador com o privilégio deresidir nas dependências do museu.
74 Rapport sur ies dipiômés d'Études supéâeures de l'Écoie du Louvre,mimeografado, 1961.
75 E do mesmo modo, a mais impessoal análise sociológica expõe-se a aparecercomo distribuição parcial de repreensões e de elogios.
76 Ao opor a idéia do museu moderno à coleção, Penguilly-I'Haridon sugere o quedeveria estabelecer a separação entre o conservador de museu e o colecionador: '1\idéia de um museu, tal como o 'Musée d'Artillerie', é uma idéia moderna. Afinalidade perseguida na organização de um estabelecimento desta natureza consisteem fazer sobressair um ensino de uma seqüência de objetos reunidos e agrupadossegundo uma classificação refletida e metódica, além de colocar à disposição dopúblico um meio fácil e sério de instrução. O ensino colocado, assim, ao alcance detodo o mundo encaixa-se nas idéias de nosso tempo. Convém evitar a confusãoentre uma coleção e um museu. A coleção é a reunião de um certo número de peçasinteressantes por um motivo qualquer, agrupadas, quase sempre, sem grande ordeme impressionando a vista, seja por uma especialidade curiosa, seja pelas riquezas daarte e do material utilizado. Em cada uma das séries que o compõem, um museucomo aquele que é objeto de nossa abordagem deve procurar as origens maislongínquas; estabelecer a ordem cronológica nos objetos que formam tais séries,colocando em destaque as peças interessantes pela nitidez de seu caráter e de seuvalor histórico, pela beleza de seu trabalho; e apresentar uma organização do conjuntoque possa impressionar o espírito sem grande esforço, transmitindo-lhe algunsconhecimentos novos, daí em diante, adquiridos em seu proveito." (PenguillyI'Haridon, "Le Musée d'Artillerie", in Paris GuMe, par ies prÍnâpaux écrÍvaÍns etartistes de ia France, 1e" partie, Paris, 1867, p. 478).
77 Vamos encontrar um estudo sistemático do papel dos conservadores como" taste makers' na obra de Raymonde Moulin, Le Marché de ia peÍnture en France,essai de soâoiogie économique, Paris, Éditions de Minuit, 1967.
78 É significativo que a divisão interior dos museus seja o tema predominante dosCahiers de ia répubJique des iettres, des sâences et des arts (XIII, "Musées", Paris,s. d.). Se a decisão de expor uma parte das obras confinadas na reserva teve umagrande repercussão no público (ela é citada, freqüentemente, nas entrevistas), é
o amor pela ar/e
sem dúvida também porque, aos simples amadores, ela deu o sentimento de que
iam penetrar nos arcanos da arte.
79 Agradecemos ajo Dumazedier por nos ter comunicado a descrição da experiênciae os resultados da pesquisa.
80 Do mesmo modo, menos de 1% dos visitantes da exposição do museu deToronto afirmaram ter visto, previamente, os cartazes afixados na cidade (The
Museoiogist, Rochester, n° 80, setem))[o de 1961, p. 11-16).
81 Cf. "Une enquête par sondage sur l'écoute radiophonique en France", in Etudeset conjoncture, outubro de 1963.
82 A pesquisa de lFOP, já citada, mostra que, em cem compras de livros, três foraminspiradas por programas de televisão e uma por programas de rádio.
83 M. e R. Fichelet, Maisons de ia cuiture et déveioppement économique: Caen,
mimeografado, 1965, capo I, p. 12.
84 S. de Schonen e E. Matalon, Une Enquête par sondage sur ia Iréquentation de iaMaison de ia culture de Bourges, mimeografado (Comité national pour un
aménagement des temps de travail et des temps de loisir), 1965. Um estudoestatístico a partir de 23.715 cotistas da MJC de Grenoble mostra que, em julhode 1968 (três meses depois de sua abertura), o público incluía 38,7% de estudantese aprendizes, 10,8% de professores, 31% de empregados, quadros médios e artesãos,3,8% de representantes das profissões liberais e de quadros superiores, contra9,7% de operários e contramestres, e 0,1 % de agricultores (cf. "Nos adhérents, quisont-ils?", in Rouge et Noir, n° 1, julho de 1968, p. 1).
85 Vamos encontrar um exemplo típico de tal ideologia no livro deJacques Charpentreaue René Kaes, La Cuiture popuiaire em France (Paris, Éditions Ouvrieres, 1962).Assim, a propósito do projeto Billieres, estes autores escrevem: "O projeto Billieres
.. ~forma a escola no eixo central da obra de educação permanente; essa é uma de···suas fraquezas. Por razões psicológicas, é difícil conceber que, por um retorno à
Escola, a França inteira venha a reencontrar uma vida cultural. A cultura vive-se,
experimenta-se, cria-se; ela não 'se aprende nos bancos de uma escola'" (p. 145).
86 Relatório datilografado, fevereiro de 1965.
87 Ainda conviria pressupor que uma parcela dessas moças tenha obedecido à
preocupação de fornecer a "resposta correta" a uma pesquisa que, realizada naescola responsável pelo programa de visitas, foi percebida, por isso mesmo, comoum controle dos resultados de tal operação.
88 Cf. H. Landais, Musées et collections publiques de France, 1965, n° l.
89 Cf. P. Bourdieu et aI, Un Art moyen, primeira parte, capo II, p. 113-134.
90 E. Durkheim, Les Formes éiémentaires de ia vie reiigieuse, Paris P.U.E, 1960, 6"
ed., p. 55-56.
91 Seja um diploma de ensino geral ou de ensino técnico: por exemplo, 1" parte dovestibular, engenheiro de artes e ofícios, mestre em letras (filosofia).
no/as e referências j;bj;oc;ráficas239
elo fato de que a categoria mais representada, de'blico de museus seja a dos detentores de um
e estudos secundários; pelo fato também de queão atingiram esse nível manifestem sua confusão
nde número de índices, pode-se concluir que a
ecida pelos museus franceses corresponde _expressão - "ao nível do vestibular".
esar de possuir um grande valor operatório no
rmite justificar a estrutura do público de museus,
almente oferecida pelos museus permanece uma
mitantemente, o nível dessa informação. Além de
useus oferece necessariamente uma informação
particular é definido, grosseiramente, pelo tipo,idade das obras apresentadas -, esse nível em si
ser definido pontualmente porque, salvo raraseúdo de um museu ou, até mesmo, de uma
é perfeitamente homogêneo: a maior parte dos
'rios tipos de obras, desde objetos de folclore,
ricas, mobiliário ou cerâmica, até pintura e
o, no âmbito de determinado tipo, justapõe obrasveis - por exemplo, impressionistas e abstratas _
cultos" de nossas sociedades. A esse aspecto,
r que a mesma obra pode ser decifrada a partir de
, à semelhança dos filmes de faroeste que podemaceitação ingênua ou de uma leitura erudita, a
pode ser recebida diferentemente por receptores
e, por exemplo, satisfazer o interesse em relação
lhe ou chamar a atenção exclusivamente por suas
is. Vê-se assim, com toda a evidência, que o nível
pode ser definido pontualmente: em primeiro
empre em devir e porque cada percepção nova da
ando as percepções ulteriores; assim, a percepçãoa de reduzir a "originalidade" da obra (no sentido
ção) , ao assimilar uma parcela cada vez maior da
o amorpela arle
informação que ela contém. Em seguida, porqu!
independentemente das aspirações que lhe fo
significação; neste caso, a boa vontade culturalinstrutiva a contemplação de obras superior
Por falta de condições para criar a situ':
permitiria comparar a estrutura do públiq
informações de níveis diferentes, embora estril
pode-se tentar verificar, através da análise di!
de museus que oferecem informações de
variações do nível da informação oferecida SiI
variações na estrutura do público, distribuída ,I
escolar, e se o grau de homogeneidade do li
aspecto, corresponde ao grau de homogeneidal'
Considerando que os níveis de informaç
ser definidos pontualmente e que não s!I
linearmente, os museus sem ignorar as se!
do fato de que cada um deles oferece um
diferentes, pode-se, em um primeiro ri
emissores - ou seja, os museus - e os
yisitantes - em dois níveis e admitir!
mensagem será tanto maior quanto ma'
dos receptores, ou dito por outras
adequadamente for efetuada a recepção ri
de emissão e de recepção forem idêntico
hierarquia, assim estabelecida, é con
(aproximadamente) quando se adota
instrução -, vemos que cada populaçãc!
curva de "demanda" (D) que represe
população, segundo o nível de instrudistribuição dos indivíduos que a comp
recepção; do mesmo modo, cada obr
caracterizadapor um certo nível de info
graficamentepor uma vertical (O), cuja
Jéis ela chfusão cuRural