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BOURDIEU Pierre, CHAMBOREDON, Jean Claude & PASSERON, Jean Claude A Profissão de Sociólogo, Oficio de Sociologo

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gógica levasse, em decorrência dos limites da comunicação por escrito, àprópria negação do ensIno da pesquisa como pedagogia da Invenção, enco-mjando a mnonizoção dos preceüos banalizados de umC!Jl9Xu metodologIaou, pior ainda, de uma nova tradIção teórica. O risco não é fictício: a crítIcado emplrismo poslt/vlsta e da abstração metodoJógica, considerada em seutempo como herética, tem todas as possibilidades de ser, hoje, confundidacom os discursos eternamente prelimInares de uma nova vuJgata que aindaconsegue diferir a dêncla, substituindo a obsessão da Impecabilidade meto-dológlca pelo ponto de honra da pureza teórica. Setembro de 1972 A.'.~Ii It, ;118 I! INTRODUÇÃOIPISTEMOLOGIA I METODOLOGIA~ométodo, escreve Auguste eomte, não pode ser estudado separadamen-te das pesquisas nas quals é utilizado; ou, pelo menos, não passa de umestudo morto, incapaz de fecundar o espírito que se entrega a ele. Tudo oque se pode dizer de real, quando o consideramos abstratamente, reduz-sea generalidades de tal forma Imprecisas que estas não poderiam exercerqualquer Influência sobre o regime Intelectual. Quando estabelecemos firme-mente, como tese lógica, que todos os nossos conhecImentos devem ser" baseados na observação, que devemos proceder a partir dos fatos para chegar-..." aos principias ou a partir dos princípios para chegar aos fatos, e alguns outrosarorlsmos semelhantes, ficamos conhecendo o método multo menos nltlda-mente do que aquele que, de maneira um pouco aprofundada, estudou umaúnica ciência positiva, mesmo sem Intenção filosónca t por ter desconhecidoesse fato essencial que nossos psicólogos são levados a considerar seus deva-nelas como ciência,acreditando ter compreendido o método positivo por teremlidoos preceitos de Baconou o Dlscollrs de Descartes. Ignoro se,mais tarde, serápossível fazer a priorf um verdadeiro OJI'SO de método completamente Jnde-dente do estudo fllosófko das ciências;mas, estou bem convencido de que,.hoje:1SSõ11nexeqüível, na medida em que os grandes procedimentos lógicosainda nào podem ser explicados com a precisão suflclente, separadamente desuas aplicações. Além disso, ouso acrescentar que, mesmo sendo possivelrealizar, posteriormente, tal empreendimento - o que, com efeito, é conceblvel- é somente graças ao estudo das aplicações regulares dos procedimentoscientlflcos que será possívelChegarà formação de um bom sistema de hábitoslntelectuats, aliás, esse é o objedvo essendal do métodonl•~ (je..,.,-<"r-) I. A.Comte, Coursde ph//osophle pos/tlve, t.', Bacheller,Paris, 1130 (cItadoa partlrda edição Garnler, 1926, ' ••p. 71·72) IN.T~ CI. A. Comte, .CUtJo de f1/050/la posltMr, trad de José Arthur Glannottl, col. ·OSPensadores". Abril Cultural,Silo Paulo, 1971, P. 1S1. COm6. tangullhem, poderlamos observar que não~ râdl supel1ll' as solldtações do vocabu"rlo que "nosleVilrn, IncessantemeJ1(e.I conceber o .mtodocomo suscedvel de ser separado das pesquIsas em que esta em llÇio: IA. Comte] enshlll na primeiralI~o do Courr de phllosophle poslrlve que '0 IMtodo n.50pode ser estudado separadamente das pes-9

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-------_.I Nada haveria a acrescentar a esse texto que, recusando estabelecer umadlssodação entre método e prática, rejeita de antemão todos os discursosdo método, se não já existisse um verdadeiro discurso em volta do métodoque, na falta de contestação séria, ameaça impor aos pesquisadores umaimagem desdobrada do trabalho científico. Comoprofetas que invectivam aimpureza original da empiria - mas não se sabe se consideram as mesqul-nharías da rotina científica como atentados à dignidade do objeto que pre-tendem abordar ou do sujeito científico que pretendem encarnar - ou sumossacerdotes do método que, naturalmente, levariam todos os pesquisadores.durante a vida, a ficar presos aos bancos do catecismo metodológico, os quedissertam sobre a arte de ser sociólogo ou a maneira científica de fazer aciência sociológica têm em comum. multas vezes, a característica de estabe-lecer a dissociação entre o método, ou a teoria. e as operações da pesquisa,quando não é entre a teoria e o método ou entre a teoria e a teoria. Surgidoda experiência da pesquisa e de suas dificuldades cotidianas, nosso objetivolimita-se a explicitar, como prova. um "sistema de hábitos Intelectuais":destina-se àqueles que. "tendo embarcado" na prática da sociologia empíricae não precisando que lhes seja lembrada a necessidade da medida e de todaa sua parafernália teórica e técnica, concordam, de imediato, conosco sobreaquilo em que estamos de acordo - porque isso é evidente - por exemplo,na necessidade de levar em consideração todas as ferramentas conceitualsou técnicas que permitem dar todo o seu vigor e toda a sua força à verificaçãoexperimental. Somente aqueles que não têm ou não pretendem fazer aexperiência da pesquisa poderão ver nesta obra, que visa colocar a práticasociológica em questão, um questionamento da sociologia ernpírlca',Se é verdade que o ensino da pesquisa requer - tanto dos seus Idealiza-dores, quanto dos seus receptores - uma referência direta e constante àquisas nas quais é utilizado', o que subentende que a utilização de um método pressupõe que este seja,previamente, conhecido' (G. canguilhem, Théorle er techn/que de /'expérimentatlon chez C/audeBemard, Colloque du centenalre de Ia publicadon de I'lntroduction à l'étude de Ia médec/ne expérimen-tale, Masson, Paris, 1967, p. 24).2. A divisão do campo epistemológieo, segundo a lógica dos pares (er. 3' parte), e as tradições intelectuaisque, Identificando toda reflexão com pura especulação, Impedem a pertepção da funç!o técnica deuma reflexão sobre a relação às técnicas e conferem ao mal-entendido, contra o qual tentamos aquinos precaver, uma probabilidade muito forte: com efeito, nessa organização duallsta das posiçõeseplstemológicas, qualquer tentativa feita no sentido de relnserir as operações têcnícas na hierarquiados atos epistemológicos será, quase lnevltavelmente, interpretada como uma acusação contra a técnicae os técnicos; a despeito do que tem sido nossa postura e reconhecermos, aqui, a contribuição capItaldos metodólogos - e, em particular, Paul F. Lazarsfeld - no sentido da racionalização da práticasociológica, sabemos que corremos o risco de sermos classificados ao lado de fads and FoibJes ofAmerlcan SodologlJ e não ao lado de The Longuage o/Social Research. experiência na primeira pessoa, "a metodologia em moda que multiplica osprogramas em favor de uma pesquisa sofisticada, mas hlpotétlca, os examescríticos de pesquisas feitas por outros [.~]ou os veredictos metodolôgíces",não poderia tomar o lugar de uma reflexão sobre a Justa relação às técnicase de um esforço, até mesmo arriscado, para transmitir prlnáplos que nãopodem se apresentar como simples verdades de princípio porque são oprincípio da busca das verdades. Além disso. se é verdade que os métodosse distinguem das técnicas, pelo menos, no sentido em que são "bastantegerais para terem valor em todas as ciêndas ou em uma parte Importantedelas", essa reflexão sobre o método ainda deve assumir o risco de encon-trar, de novoI as mais clássicas análises da epistemologla das ciências danatureza; no entanto, talvez seja necessário que os sociólogos estejam deacordo a respeito dos princípios elementares que sâo considerados truísmospelos especialistas das ciências da natureza ou da filosofia das ciências paraabandonar a anarquia conceitual à qual são condenados por sua Indiferençaem relação à reflexão eplstemológlca. Na realidade, o esforço para Interrogaruma ciência particular com a éijudados princípios gerais, fornecidos por essesaber eplstemológico, justifica-se e impõe-se, em particular, no caso da SOMciologia: aquI, tudo se inclina, com efeito, para ignorar tal conhecimentoadquirido, desde o estereótipo humanlsta da Irredutibilidade das ciênciashumanas até às características do recrutamento e formação dos pesquisado-res, passando pela existência de um conjunto de metodólogos especializadosna relnterpretação seletiva do saber das outras ciências. portanto. é neces-sário submeter as operações da prática sociológica à polêmica da razãoepistemológica para definir e, se possível, inculcar uma atitude de vigilânciaque encontre no conhecimento adequado do erro e dos mecanismos capazesde engendrá-Io um dos meios de superá-Io. A Intenção de dar ao pesquisadoros meios de assumir por si próprio a vigilância de seu trabalho científicoopõe-se às chamadas à ordem dos censores, cujo negativismo peremptóriosó pode suscitar o terror em relação ao erro e o recurso resignado a umatecnologia investlda da função de exorclsmo. :t~ li i,10 i,' 11----------------------------------------------.1 f J. R. Needham, structure and Sentlment: A Test-case In Soda' Anthrop%gy, Unlverslty of Ollcago Press,Chicago, Londres, 1962, p, VIL4. A. Kaplan, The Conduct o/ Inq4'ry, Iofethodology oJ Behavlorol Sdence, Chandler pubnshlnl Company,san Francisco, 1964, p, 23 [N.T.:A. Kaplan, A conduta na pesquisa, Metodologia paro as ~nclas docomportamento, trad. de Le6n1das Hegenberg e octanny Sllve\ra da Mota, Editora Herder I EdItora daUniversidade de São PaUlo,são Paulo, 1972]. O mesmo autor deplora que o termo "tecnologfa" Ia tenharecebido um sentido especializado, obsell'lndo qUI!o mesmo se aplicaria com exatklão a Inúmerosestudos ditos 'metodolllglcos" Obkl, p. 19).

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Como mostra toda a obra de Gaston sacbelard, a epistemo/ogia distIn-gue-se de uma metodologia abstrata por se esforçar em apreender a lógicado erro para construir a lógica da descoberta da verdade como polêmicacontra o erro e como esforço para submeter as verdades próxImas da clênclae os métodos que ela utiliza a uma retificação metódica e permanente [G.CanguIlhem, texto n° 1J. No entanto, não seria possível dar toda a força àação polêmica da razão científica sem prolongar a "psicanálise do espíritocientífico" por uma análise das condições sociais nas quais são produzidas asobras sociológicas: o sociólogo pode encontrar um Instrumento privilegiadoda vigilância epistemológica na sociologia do conhecimento, meio de aumen-tar e dar maior precisão ao conhecimento do erro e das condições que otornam possível e, por vezes, inevitável [G. Bachelard, texto n° 2J. Naseqüência, o que pode sobrar aqui das aparências de uma polêrnlca adhominem tem a ver unicamente com os limites da compreensão sociológicadas condições do erro: uma epistemologia que faz apelo a uma sociologia doconhecimento tem menos condições do que qualquer outra para atribuir oserros a sujeitos que nunca são totalmente seus autores. se, para parafrasearum célebre texto de Marx, "não pintamos de cor-de-rosa" o emplrista, oIntuicionista ou o metodôlogo, também nunca pensamos nas "pessoas a nãoser peJo fato de que são a personificação" de posições epistemológicas quese deixam compreender completamente apenas no campo social no qual elasse afirmam.~ t;<: A pedagogia da pesquisaO objetivo desta obra é exatamente definir sua forma e conteúdo. Umensino da pesg~ que tenha como projeto expor os princípios de umaprahca proFiSSional e (ílt€uJc~ simultaneamente, uma certa atitude emrelação a essa prãtica,~ fornecer os instrumentos indispensáveis aotratamento sociológico do objeto e, ao mesmo tempo, uma disposição ativapara utilízá-los de forma adequada omper com as rotinas do discursopedagógico para restituir a força(J}eurístic aos conceitos e operações maiscompletamente "neutralizados" peJõri ual da apresentação canõnlca. É arazão pela qual esta obra que visa ensinar os atos mais prátícos da práticasociológica começa com uma reflexão que se esforça por lembrar, sistemati-zando-as, as implicações de qualquer prática, boa ou má, e especificar em- preceitos práticos o princípio da vigilância epistemológica (Primeiro tlvro)'."-.--4-a 5. (f. supra, o prefádo da segunda edição.CD 12 Em seguida, poderemos tentar definir a função e as condições de aplicaçãodos esquemas teóricos aos quaís deve recorrer a sociologia para construirseu objeto sem pretender apresentar esses primeiros princípios da Interro-gação propriamente soclológlca como uma teoria acabada do conhecimentodo objeto sociológico e, menos ainda, como uma teoria geral e universal dosistema social (Segundo Livro)6.A pesquisa empírlca não tem necessidade deinvestir em tal teoria para escapar ao empirlsmo, com a condição de realizarefetivamente, em cada uma de suas operações, os prlndpJos que a consti-tuem como dência, dando-lhe um objeto dotado de um mínimo de coerênciateórica. Com tal condição, os conceitos ou métodos poderão ser tratadoscomo ferramentas que, arrancados de seu contexto original, se oferecempara novas utilizações (Terceiro Livro)'. Ao associar a apresentação de cadaInstrumento Intelectual a exemplos de sua utilização, empenhar-nes-emosem evitar que o saber sociológico possa aparecer como uma soma detécnicas ou como um capital de conceitos, separados ou separáveis de suautilização na pesquisa.Se decidimos extrair da ordem das razões na qual os princípios teóricos,assim como os procedimentos técnicos legados pela história da ciênciasociológica, se encontravam inseridos, não foi somente para qt!eb sencadeamentos de natureza didática que só renunciam' om lacêncla -'~ em relação com a história das doutrinas ou dos conceitos para se .:subiiiêterern ao reconhecimento diplomático dos valores consagrados pela "tradição ou sagrados pela moda, nem tampouco para liberar virtualidadesheurísticas, quase sempre, mais numerosas do que poderiam levar a acreditaros-costuní'es acadêmicos; mas, antes de tudo, em nome de uma concepçãoda teoria do conhecimento sociológico que a transforma no sistema dosprincípios que definem as condições de possibilidade de todos os atos e detodos os discursos propriamente sociológIcos e somente destes, sejam qualsforem as teorlas do sIstema social peculiares dos que produzem ou produzi-ram obras sociológicas em nome de tais pnnoplcs", A questão da filiação deuma pesquisa sociológica a uma teoria particular do soclal- por exemplo, ade Marx, Weber- ou Durl<helm- é sempre secundária em relação à questãode saber se tal pesquisa tem a ver com a ciência sociológica: com efeito, o ~.. ..'.Idem.7./dem.•• (f. Il1frG. 13

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~~ __.~~,.~~~~"~N'_único critério para responder a tal pergunta reside na aplicação dos principiasfundamentais da teoria do conhecimento sociológico que, como tal, nãoestabelece qualquer separação entre autores que. em princípio, estariamseparados no terreno da teoria do sistema social. Se a maior parte dos autoresforam levados a confundir com sua teoria particular do sistema social a teoriado conhecimento do social que utilizavam - pelo menos implicitamente - emsua prática sociológica. o projeto epistemológlco pode servIr-se dessa distin-ção prévia para aproximar autores cujas oposições doutrinais dj~muJam oacordo epistemológ!co. r J l' C)'o receio de que o empreendimento leve a umil~~~ma de princípIosextraídos de tradições teóricas diferentes ou à constituição de um conjuntode fórmulas dissociadas dos princípios que as fundamentam é uma forma deesquecer que a reconciliação - cujos princípios temos intenção de explicitar- opera-se realmente no exercício autêntico da profissão de sociólogo ou.mais exatamente, na "profissão" do sociólogo. esse habitus que, sendo umsistema de esquemas mais ou menos controlados e mais ou menos transpo-nívels, é simplesmente a interiorização dos princípios da teoria do conheci-mento sociológico. A tentação sempre renascente de transformar os preceitosdo método em receitas de cozinha científica ou em engenhocas de laboratório.só podemos opor o treino constante na vigilância epistemológica que.subordinando a utilização das técnicas e conceitos a uma Interrogação sobreas condições e limites de sua validade, proíbe as facilidades de uma aplicaçãoautomática de procedimentos já experimentados e ensina que toda opera-ção, por mais rotineira ou rotinizada que seja, deve ser repensada. tanto emsi mesma quanto em função do caso particular, ~ somente por uma relnter-pretação mágica das exigências da medida que podemos superestimar aimportância de operações Que,no final de contas. não passam de habilidadesprofissionais e, simultaneamente - transformando a prudência metodológicaem reverência sagrada. com receio de não preencher cabalmente as condi-ções rituais -, utilizar com receio, ou nunca utilizar, instrumentos que apenasdeveriam ser julgados pelo seu uso. Os que levam a preocupação metodoló-gica até a obsessão nos fazem pensar nesse doente. mencionado por Preud,que passava seu tempo a limpar os óculos sem nunca colocá-los,Levar a sério o projeto de transmitir metodicamente uma crs Inven/endié ver que ele implica uma coisa completamente diferente e multo mais doque a ars probandi proposta por aqueles que confundem a mecânica lógica.desmontada posteriormente, das constatações e provas com o funcionamen-to real do espírito de ínvenção, é ver também, com a mesma evidência. queexiste uma grande diferença entre as trilhas, ou melhor, os atalhos que.atualmente, possam ser traçados por uma reflexão sobre a pesquisa e a14 I.;;1l':1 i.I.i.i".~'1I progressão lenta. sem lamentos nem rodeios. proposta por um verdadeirodiscurso do método sociológico.Diferentemente da tradição que se limita à lógica da N,-ova,não consen-tindo por principio entrar nos arcanos da Invenção....e que. assim. fica conde-nada a oscilar entre uma retôrlca da exposição formal e uma psicologialiterária da descoberta; gostaríamos de fornecer os meios de adquirir umadisposição mental que é a condição. tanto da Invenção quanto da prova. Pornão termos operado tal reconciliação, renunciamos a fornecer qualquer ajudaao trabalho de descoberta e-encontramo-nos reduzidos. em companhia detantos metodôlogos, a Invocar ou evocar. como é costume Invocar os espíri-tos, os milagres da iluminação criadora, veiculados pela hagiografia dadescoberta clentifica, ou os mistérios da psicologia das profundezas", Se éevidente que os automatismos adquiridos podem permitir a economia deuma invenção permanente, devemos nos abster de deixar crer que o sujeitoda Invenção científica é um automaton splrituale, obedecendo aos mecanis-mos bem ajustados de uma programação metodológica constituída uma vezpor todas, e confinar dessa forma o pesquisador na submissão cega aoprograma que exdui o retomo reflexivo ao mesmo. condição dú Invenção denovos programas '0."Da mesma forma que o conhecimento da anatomia nãoé a condição suficiente de um procedimento correto", assim também ametodologia, dizia Weber. anão é a condição de um trabalho fecundo"", No .entanto, se é Inútil esperar descobrir uma ciência da maneira de fazer a 119. Ao definir o olUeto da lógica das dêndas, a IIteJatul'a metodol6g1ca toma sempre cuidado em afastarexplicitamente a consíderação dos ways of dlseovery em benefício dos wuys o{ ,aNdadon (cf., porexemplo, c. Hempel, Aspects o/Sclentiflc EXplanatlcn and other Essays In the" o oJ SdFree Press, Nova Yorle,1965, p.Il-83). K.R.popper retoma, freqOentemente, 8 es d (ato que pareceabranger, para ele, a oposição entre a vida pública e a vida privada: "A questão 'como descobriu, pela 1primeira vez, sua teorlal' toca, por assim dizer, uma questão extrnmamente pessoal, contrariamente àquestão 'como veriJlcou sua teorlal'" (K.R.Popper, HI5m de rtllstorlclsme [trad H. Rousseaul, PIoR,Paris, 1956, p. 132). Ou aInda: ·Não existe nada que se pareça com um método 16g1copara ter idéias oucom uma reconstltulção lógica desse processo. Segundo a minha opinião, qualquer descoberta cont&n ~'um elemento Irracional' ou uma 'Intuição crtadoJa' no sentido de Bergsan" (K.R.popper, The 10gle of .sc/entlflc Dlscovery, Hutchinson, Londres, 1959, p. J2). Pelo contrãlio, desde que, por excecão, tomamosexp!ldtamente como objeto o 'contexto da descoberta" (por oposição ao 'contexto da provan), somosobrigados a romper com,lnúmeros esquemas rodnelros da tradição eplstemológ!ca e metDdol6clca, e.em particular, com a representação do procedimento da pesquisa como sucessAo de etapas distintas epredeterminadas (er.P.E.Hamond, [edJ, sodologlst ot work, Essoys on the C1TIft o/soda! Reseorch, BasteBOoks,Nova York, 1964). •. ••to. Basta pensar, por exemplo, na facUldade com a qual a pesquIsa pode se reprodurlr 11 51mesma semnada produzir, segundo a lógica da pwnp-handJe research.t t. M. Weber, Essals sur Ia théorle de Ia selence (tIad. J. Freund), PIon, Paris, 1965, p. 220 .151l'

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~ ! ciência e esperar da lógIca algo diferente de uma forma de controlar a ciênciaem vias de se fazer ou validar a ciência já constltulda, ocorre que, comoobservava Stuart Mill,"a invenção pode ser cultivada"; o m~ é dizer queuma explicitação da lógica da Invenção, por mais parda e s~a, podecontribuir para a racionalização da aprendizagem da aptidão para Inventar.Eplstemorogia das ciências do homem e epistemorogladas dências da naturezaA maior parte dos erros a Queestá exposta tanto a atlvldade sociológicaquanto a reflexão sobre tal atividade encontra sua raiz na representaçãofalsa da eplstemologla das ciências da natureza e da relação que ela mantémcom a epistemologia das ciências do homem. Assim, eplstemologlas tãoopostas em suas afirmações patentes quanto o dualismo de Dilthey - que sóconsegue apresentar a especificidade do método das ciências do homem,opondo-o a uma imagem das ciências da natureza suscitada pela merapreocupação de estabelecer distinções - e o positivismo que se esforça porImitar uma imagem da ciência natural fabrica da pela necessidade dessaimitação, têm em comum o fato de ignorar a filosofia exata das ciênciasexatas. Semelhante equívoco levou não só a forjar distinções forçadasentre os dois métodos para agradar às nostalgias ou aos desejos piedososdo humanismo, mas também a aplaudir ingenuamente as redescobertasque se ignoram como tais, ou ainda participar da supervalorizaçãc positl-vista que, de forma escolar, copia uma Imagem redutora da experiênciacomo cópia do real.No entanto, podemos nos aperceber de que o positivlsmo só retoma porsua conta uma caricatura do método das ciências exatas sem ter acesso ipsofacto a uma epistemologia exata das ciências do homem. ~ de fato, trata-sede uma constante da história das idéias que a crítica do positivismo mecani-císta sirva para afirmar o caráter subjetivo dos fatos sociais e sua irredutlbi-lidade aos métodos rigorosos da ciência. Assim, percebendo que "os métodosque os cientistas ou pesquisadores fascinados pelas ciências da naturezatentaram, muitas vezes, aplicar à força às ciências do homem nem sempreforam necessariamente os que os cientistas seguiam, de fato, em seu própriocampo, mas antes os que eles acreditavam uttlizarr", Hayek conclui daíimediatamente que os fatos sociais diferem "dos fatos das ciências físicas porque são crenças ou opiniões Individuais" e, por conseqüência, "não devemser definidos a partir do que poderíamos descobrir a seu respeito por meiodos métodos objetivos da ciência, mas a partir do que a pessoa que age pensaa seu respeito"13. A contestação da imitação automática das ciências danatureza associa-se tão automaticamente à crítica subjetivista da obJetivi-dade dos fatos sociais que todo esforço para tratar dos problemas espeáflcos,levantados pela transposição do saber eplstemológlco das ciências da natu-reza para as ciências do homem, corre o risco de aparecer sempre como umareafirmação dos direitos Imprescrltivels da subjetlvIdadef4•A metodologia e o deslocamento da vigllânclaPara ultrapassar esses debates acadêmicos e as maneiras acadêmicas desuperá-los, é necessário submeter a prática científica a uma reflexão que,diferentemente da filosofia clássica do conhecimento, aplica-se não à ciênciaJá constituída, ciência verdadeira em relação à qual seria necessário estabe-lecer as condições de possibilidade e de coerência ou os títulos de legitimi-dade, mas à ciência em vIas de se Jazer. Semelhante tarefa, propriamenteepistemológica, consiste em descobrir no decorrer da própria atividade cien-tífica, Incessantemente confrontada com o erro, as condições nas quals épossível tirar o verdadeiro do falso, passando de um conhecimento menosverdadeiro a um conhecimento mais verdadeiro, ou melhor, como afirmaBachelard, "próximo, Isto é, retificado". Transposta para o caso das ciênciasdo homem, essa filosofia do trabalho clentifíco como nação polêmica inces-sante da Razão" pode propiciar os prindpíos de uma reflexão capaz deInspirar e controlar os atos concretos de uma atividade verdadeiramentecientífica, definindo no que têm de especifico os principios do aracionallsmoregional" peculiar à ciência sociológica. O racionalfsmo fixlsta que Inspiravaas interrogações da filosofia clássica do conhecimento exprlme-se, hoje, maisfacilmente nas tentativas de certos metodólogos que tendem a reduzir a {!~ U./b/d, p. 21 e 24.(4. E, no entanto, bastarÍl todo o projeto de Dutk.helm para mostrar qiJe ~ possível escapar 4 alternativada Imitação cega e da recusa, ~ualmente cega, de Imitar: "A sociologia surgiu Asombra das dêndas danatureza e em contatnlntlmo com elas. [_.] ~ evidente que, entre os primelrossod610g0s, alguns estavamenganados ao exage •••.em tal aproxlmação ao ponto de desconhecerem a origem das dêndas sodalsta autonomia de que elas devem desrtutarem relação Asoutras dênclas que as precederam. No entanto,t/lls excessos nlio devem levar a esquecer tudo o que há de fecundo nesses núdeos principais dopensamento científico' (l Dur1thelm, "La sodologie ee son domalne sdendfique', In Rlvlsta italiano cIISoc/ologla, tomo IV,1900, p. t27-159, reprodUlldo In A. cuvUller, Oil YI1 Ia socl%gle frança/ser, MiliteiItlvlêre, Paris, 1953, p. 177·208~ '! .1~~~,~t_________________________ 1_6 1 11f 2. F.A.von Harel<, Sdentisme et sciences sodolcs, Essal sur le rnouvals usoge de 10 reíson (trad. M. Bmel,PIon, Paris, 1953, p. 3.

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reflexão sobre o método a uma lógica formal das ciências. No entanto, comoobserva P. Feyerabend, "qualquer fixlsmo semântico encontra dificuldadesdesde que se trata de justificar completamente o progresso do conhecimentoe as descobertas que contribuem para o mesmo?", Mais precisamente, mos-trar Interesse pelas relações intemporals entre proposições abstratas, emdetrimento dos processos pelos quais cada proposição ou cada conceito foiestabelecido e engendrou outras proposições ou outros conceitos, é impedirprestar uma assistência real aos que estão envolvidos nas arriscadas peripé-cias do trabalho científico, relegando o desenrolar da Intriga para os bastido-res e colocando em cena somente os desfechos. Inteiramente empenhadosna busca de uma lógica ideal da pesquisa. os metodólogos só podem, comefeito, dirigir-se a um pesquisador definido abstratamente pela aptidão emrealizar essas normas da perfeição, em suma, a um pesquisador impecável.isto é, impossível ou infecundo. A obediência Incondicional a um organon deregras lógicas tende a produzir um efeito de "fechamento prematuro" fazen-do desaparecer, para falar como Freud, lia elasticidade nas definições" ou,como diz CarlHempel, "a disponibilidade semântica dos conceitos" que, pelomenos em certas fases da história de uma ciência ou do desenrolar de umapesquisa, constituem uma das condições da invenção.Não se trata de negar que a formalização lógica considerada como ummeio de colocar à prova a lógica em ato da pesquisa e a coerência de seusresultados constitui um dos instrumentos mais eficazes do controle eplste-molôgico; no entanto, essa utilização legítima dos instrumentos lógicos serve,freqüentemente, de caução à paixão perversa por exercícios metodológicosque têm como única finalidade discemível permitir a exibição do arsenal dosmeios disponíveis. Diante de certas pesquisas concebidas como prova lógicaou metodológica, não é possível deixar de pensar, com Abraham Kaplan, naconduta do ébrio que, tendo perdido a chave de casa, procura-a obstinada-mente ao pé de um lampião, sob o pretexto de que aí está mais claro IA.Kaplan, texto nO 3].O rigorismo tecnológico que se apóia na fé em um rigor definido uma vezpor todas e para todas as situações, isto é, em uma representação flxista daverdade ou, por conseqüência, do erro como transgressão de normas incon-dicionais. opõe-se diametralmente à busca dos rigores específicos que seapóia em uma teoria da verdade como teoria do erro retificado. "Oconhecer,U. P. Feyerabend, in H. Feigl e G. Maxwell (eds.J, 'Sclentlfic EXplanadon, space and Time', In MlnnesotaStudfes in t/Je Phllosoph!l o[Saence, Vol. 11I,Mlnneapolis, 1962, p. 31.18 ~.1f~, afirma ainda Gaston Bachelard, deve evoluir com o conhecido". O mesmo êdizer que seria Inútil procurar uma lógica anterior e exterior à história daciência em vias de se fazer. Para apreender os procedimentos da pesquisa, ênecessário examinar como ela procede, em vez de conflná-la na observânciade um decálogo de processos que só devem, talvez, parecer avançados emrelação à prática real na medida em que são definidos de antemão 1'."Fascinado pelo fato de que, em matemática. evitar o erro é uma questão detécnica, há quem pretenda definira. verdade como o produto de umaatividade Intelectual que satisfaça certas normas, há quem pretenda consi-derar os dados experimentais como são considerados os axiomas da georne-trla; há quem espere determinar regras do pensamento que desempenhariamo papel que a lógica desempenha na matemática. Há quem pretenda fazer,a partir de uma experiência limitada, uma teoria em uma única vez. ora. ocálculo inflniteslmal não conheceu seus fundamentos a não ser progressl-vamente, a noção do número só atingiu sua clareza ao fim de dois milêniose meio. Os.procedimentos que instauram o rigor surgem como respostasa perguntas que não sabemos formular a priorl, que somente o desenvol-vimento da ciência faz emergir. A Ingenuidade perde-se lentamente. Isso,verdadeiro na matemática, o é a Jortiori nas ciências da observação nasquais cada teoria refutada sugere novas exigências de rigor. Portanto, éinútil pretender apresentar a priorf as condições de um pensamentoautenticamente clentlãcov". ~ '\ •.-cMais profundamente, a Insistente exortação em prol da perfeição meto-dológlca corre o risco de levar a um deslocamento da vigilância eplstemoló-gica. Assim. em vez de nos Interrogarmos, por exemplo, sobre o objeto damedição e nos perguntarmos se ele merece ser medido. em vez de questio-narmos as técnicas de medição e de nos Interrogarmos sobre o grau deprecisão desejável e legítimo, considerando as condições particulares damedida. ou até mesmo de examinarmos, mais simplesmente. se os Instru-mentos medem o que se pretende medir, podemos - levados pelo desejo detransformar a idéia pura do rigor meto dológico em tarefas reaUzávels _perseguir. com a obsessão das decimais, o Ideal contraditório de uma liJ ••• Os autores de um longo estudo consagrado ãs runções do método estatlstlco em sodologla conressamlnflne que "suas Indicações relativas és possibilidades de aplicara estatistlca teórlcaà pesquisa emplrlcacaracterizam somente o I!SttIdo atual da discussão metodol6gica, sendo que a pnírlm pelTlllB1ece naretaguarda" (E.K.5cheuch e D. R6schmeyer, ·Sozlologie und statlstlk, Ober den Elntuss der rnodemenWlssenschartslehre auf Ihr cecenseltlges Verflliltnl:!",ln ICêIlnerZeltsch!Vtfür Sozlologle und SozlaJ.PSII.chologle, VIII, 1956, p. 272-291~17. A. Régnler,les Infortunes de Ia m/son, Mdu seuf~ Parls, 1966, p. 37-38. ":"II,19

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~precisão Intrinsecamente deflnível: nesse caso, esquecemos que, como lem-bra A.O.Richtie, "fazer uma medição mais precisa do que é necessário nãodeixa de ser menos absurdo do que fazer uma medição não suficientementepreclsa'", ou ainda que, como observa N.campbell, quando fica estabelecidoque todas as proposições compreendidas entre certos limites são equivalen-tes e que a proposição definida de maneira aproximada situa-se nesseslimites, a utilização da forma aproximada é perfeitamente Jegítlma19• Com-preende-se que, ao engendrar uma casuística do erro técnico, a ética do devermetodológico possa conduzir - pelo menos Indiretamente - a um rituallsmodos procedimentos que, sendo talvez a caricatura do rigor metodológlco, é,com toda a certeza, exatamente o contrário da vigilância eptstemológlca",Particularmente significativo é o fato de que a estatística - ciência do erro edo conhecimento próximo que, em procedimentos tão usuais quanto ocálculo do erro ou dos limites de confiança, coloca em ação uma filosofia davigilância critica - possa ser correntemente utilizada como álibi científico dasubmissão cega ao instrumento.Da mesma forma, sempre que os teóricos fazem comparecer a pesquisaempírica com os respectivos instrumentos conceituais diante do tribunal deuma teoria cujas construções eles recusam medir pelo saber da ciência queela pretende refletir e dominar, ficam devendo somente ao prestígio, índls-tinta mente ligado a qualquer empreendimento teórico, o fato de receberema homenagem forçada e verbal dos profissionais de campo. Ese a conjunturaintelectual permitir que os puros teórios imponham aos cientistas seu Ideal,lógico ou semântico, da coerência integral e universal do sistema dos con-ceitos, eles poderão até mesmo paralisar a pesquisa na medida em queconseguem inspirar a obsessão de pensar em tudo, de todas as formas e sobtodos os ângulos ao mesmo tempo, ignorando que, nas situações reais da atividade clentfflca, só é possível esperar construir problemáticas ou novasteorias com a condição de renunciar à ambição lmpossivel, desde que ela nãoseja escolar ou profética, de dizer tudo sobre tudo e de forma ordenada".A ordem eplstemológlca das razõesNo entanto, essas análises sociológicas ou psiCOlógicasda perversãometodológica e da diversão especulatlva não poderiam tomar o lugar dacrítica propriamente eplstemológlca para a qual servem de Introdução. Se énecessário prevenir com um vigor partlcular contra as advertências dosmetodólogos é porque, ao chamar a atenção exclusivamente para os contro--les formais dos procedImentos experimentais e dos conceitos operatórios,elas têm tendência a desviar a vigilância em relação a perigos mais ameaça-dores. Osinstrumentos e apoios, sem dúvida multo poderosos, que a reflexãometodoJóglca proporciona à vigilância voltam-se contra a mesma sempreque não são preenchidas as condições prévias de sua utilização. A ciênciadas condições formais do rigor das operações, apresentando as aparênciasde uma formallzação "operatória" da vigilância eplstemolõgica, pode parecerfundada na pretensão de garantir automaticamente a aplicação dos princí-pios e preceitos que definem a viglIâncla eplstemológica, de modo que énecessário um acréscimo de viglIâncla para evitar que venha a se produzir,automaticamente, esse efeito de deslocamento. tiSeria necessário, dizia Saussure, "mostrar ao lingüista o que ele faz"n. Aquestão de saber o que é fazer ciência ou, maJs precisamente, o esforçodispendldo para saber o que faz o dentista, quer ele saiba ou não o que faz,não é somente uma indagação sobre a eficácia e o rigor formal das teorias emétodos disponfveis, mas um questlonamento dos métodos e teorias em suaprópria utilização para determinar o que fazem aos objetos e os objetos quefazem. A ordem segundo a qual deve ser conduzi da essa interrogação éImposta tanto pela análise propriamente eplstemológlca dos obstáculos dot •• A.D.Rlchtle, ScJent/jic Method: An Inqu/ry Into the choracter ond VaUdltll of Natural Laws, Llttlefleld,Adams, paterson (N.J.>,1960, p. 113. Analisando essa busca da 'precisão mal fundada" que consiste emacreditar 'que o mérito da solução está no número de decimais lndícadas", DacheJard observa "que aprecisão em um resultado, quando vai além da precisão nos dados experimentaIs, significa exatamentea determinação do nada ... essa prática lembra a piada de Dulong li respelto de um experlmentador:'Tem a certeza do terceiro algarlsmo depois da virgula, mas é do primeiro que tem dúvida" (G. Badlelard,La fonnatlon de resprlt sc/entlflque, 4' ed., Vrin, Paris, 1965, p.214) [N.T~ Cf. G. Bachelard, A formaçãodo espírito dentiJico: contribuição para uma pslcan6l1s!l do conhecimento, trad. de Esteja dos SantosAbreu, Cantraponto, Ilio de Janeiro, 1996, p. 262-263].t 9. N.R.. campbefl,An Aceount o/ lhe Principies Df Measurement and Calculatlon, Longmans, Green, Londres,Nova York, 1928, p. 186.10. O Interesse ansioso pelas doenças do espírito científico pode ter um efeito tão depressivo quanto asInquietações hipocondríacas dos freqilentadores do Lorousse médlcal. ,.! 2 r, Certas dissertações teór1cas sobre todas as coisas conhtcldas ou c.ognosdvels preenchem, sem dúvidaalguma, uma função de anexaçAoant.edpada anâloga i das prnfedlSllstrol6gtC8.Hempreaptas I dlprlr,retrospecdvamente, o acontecImento: 'Existem pessoas, afIrmll aaude Bemanl, que, I prop6sko deuma questão, dizem tudo o que é possível dizer a fim de redamarem quando, mais tarde, for feItaqualquer experl!ncla sobre o assunto. t como aqueles que traçam planetas em todo o flnnilmento afim de reclamarem que se trata do planeta que tinham previsto' (Prlndpes de médedne expérlml!1ltale,P.U.F'I paris, 1947, p. 2.55).n. t. Benveniste, 'lettres de Ferdlnand de 51ussure' AntOIneMel/let', In Cohlers FenllncmddeSaussUl1l,21, 1964, p. 92-135. " í.20 21

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r'- -.- ~"!\IW!'.t,, _conhecimento, quanto pela análise sociológica das Implicações epistemoló-glcas da sociologia atual que definem a hierarquia dos perigos eplstemológi-cos e, por conseqüência, das urgências.Defender juntamente com Bachelard que o fato científico é conquistado,construí do, constatado, é recusar, ao mesmo tempo, o emplrismo que reduzo ato cientlfico a uma constatação e o convencionallsmo que lhe opõesomente as condições prévias da construção. A força de lembrar o imperativoda constatação, contra toda a tradição especulativa da filosofia social da qualtem de se liberar, a comunidade sociológica tende, atualmente, a esquecer ahierarquia epistemológica dos atos científicos que subordina a constata-~ ção à construção e a construção à ruptura: tratando-se de uma ciênciaJ experimental, a simples referência à prova experimental não passa de umatautologia, enquanto não for acompanhada por uma explicação dos pres-supostos teóricos que servem de base a uma verdadeira experlmentação:ora •.-ta1 explicitação permanece em si mesma desprovida de virtudeJ- ~urístic'i\nquanto não for acompanhada da expllcitação dos obstáculosepistemológicos Que se apresentam, sob uma forma especifica, em cadaatividade científica. ---------------- •..,.PRIMEIRA PARTE'", ' ;;, A rupturat. O FATO í CONQUISTADO CONTRA A ILUSÃODO SABER. IMEDIATOA vigilância epistemológica lmpõe-se, particularmente, no casodas ciên-cias do homem nas quaís a separação entre a opinião comum e o discursocientífico é mais imprecisa do que alhures. Ao concedermos, com demasiadafacilidade, Quea preocupação com uma reforma política e moral da sociedadelevou os sociólogos do século XIX a abandonar, multas vezes, a neutralidadecientífica e, até mesmo, que a sodologia do século XX renunciou, eventual- : -mente, às ambições da filosofia social sem ter ficado isenta de contaminações 'li -Ideológicas de outra natureza, dispensamo-nos quase sempre de reconhecer,para tirar daí todas as conseqüências, que a familiaridade com o universosocial constitui, para o sociólogo, o obstãculo eplsiernolôgko por excelênciaporque ela produz continuamente concepções ou sistematizações fictícias aomesmo tempo que as condições de sua crediblJldade. O sociólogo nuncaconseguirá acabar com a sociologia espontânea e deve se Impor uma polê-mica incessante contra as evidências ofuscantes que proporcionam, semgrandes esforços, a ilusão do saber Imediato e de sua riqueza Insuperável.Sua dificuldade em estabelecer, entre a percepção e a ciência, a separaçãoque, para o flsico, exprime-se por uma oposição nítida entre o laboratório ea vida cotidiana, é tanto maior pelo fato de não conseguir encontrar, em suaherança teórica, os Instrumentos que lhe permitiriam recusar radicalmentea linguagem corrente e as noções comuns.1.1. Prenoções e técnicos de rupturaNa medida em que têm como função reconciliar, a qualquer preço, aconsciência comum consigo mesma ao propor explicações, até mesmo con-traditórias, a respeito do mesmo fato, as opiniões primeiras sobre os fatossociais apresentam-se como uma coletânea falsamente sistematizada de ~"22 23