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Tiago Freitas Toronto Adega Victor Horta Chiado 16 Camélias Peugeot RXH Pedro Tamen, o poeta das amendoeiras e a sua Arrábida Legado, um vinho estratosférico para o adeus simbólico de Fernando Guedes Aos 2000 anos, Braga olha o futuro com olhos de juventude ADRIANO MIRANDA ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 8006 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012

Braga 2012 | Revista 'Fugas' [jornal Público]

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Tem dois mil anos e este ano abre os braços aos jovens. Tirámos o pulso a Braga e a cidade temmesmo um novo frémito: sacode o peso dos séculos, areja ideias feitas e olha para a frente sem esquecer o passado. Será para durar? Andreia Marques Pereira (texto) e Adriano Miranda (fotos) [Revista 'Fugas', 10/03/2012, pp. 4-11]

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Tiago Freitas

Toronto Adega Victor Horta Chiado 16 Camélias Peugeot RXH

Pedro Tamen, o poeta das amendoeiras e a sua Arrábida

Legado, um vinho estratosférico para o adeus simbólico de Fernando Guedes

Aos 2000 anos, Braga olha o futuro com olhos de juventude

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CapaBraga

Na Capital Europeia da Juventude o futuro faz-se à sombra de DeusTem dois mil anos e este ano abre os braços aos jovens. Tirámos o pulso a Braga e a cidade tem mesmo um novo frémito: sacode o peso dos séculos, areja ideias feitas e olha para a frente sem esquecer o passado. Será para durar? Andreia Marques Pereira (texto) e Adriano Miranda ( fotos)

Não planeá-

mos abordar o centro histórico de

Braga pelo Arco da Porta Nova, mas

o certo é que acabamos por fazê-lo

e é difícil não ver aí um certo sim-

bolismo — sentimo-nos como se só

então chegássemos verdadeiramen-

te à cidade. E é inesperado sermos

saudados no coração da cidade,

as “arcadas”, por música de José

Afonso, mas é ela que atravessa o

ar, cortesia da CGTP e do carro ali

estacionado contra o aumento do

horário de trabalho. Em poucos mi-

nutos passamos da memória histó-

rica ao presente pragmático, uma

dualidade com que Braga convive

tão naturalmente que, apesar de ter

mais de dois mil anos de idade, é Ca-

pital Europeia da Juventude (CEJ).

Braga acompanhou a evolução

dos tempos. A cidade que foi ca-

pital da Galécia romana, capital

dos suevos e sede de bispado que

chegou a rivalizar com Santiago de

Compostela chegou, quase sem se

dar por ela, a terceira cidade por-

tuguesa. Pelo meio, viajou pela

história ao sabor dos caprichos dos

seus bispos, verdadeiros senhores

da cidade: cresceu medieval dentro

de muralhas, quis ser um epígono

de Roma já no Renascimento e aos

17 séculos de idade fez uma opera-

ção plástica barroca. À sombra de

Deus, portanto, não por acaso o

nome da colectânea que nos anos

1980 revelou Braga como um caso

de estudo no panorama musical por-

tuguês. “Temos uma herança muito

ligada à religião, associada à ideia de

um certo conservadorismo”, nota

Francisco Quinta, 23 anos, “mas há

coisas diferentes, pessoas empre-

endedoras”. “E as coisas começam

a surgir em equilíbrio, harmonia”.

Não é difícil perceber que Braga

tem um novo frémito: de sacudir o

peso da idade, arejar ideias feitas e

conquistar o futuro. Um futuro que

vai recordar 2012 como o ano em

que Braga — população: 180 mil

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CapaBraga

Braga tem 180 mil habitantes, dos quais 85 mil são jovens — 17 mil alunos da Universidade do Minho

habitantes; jovens: 85 mil, incluin-

do os 17 mil alunos da Universidade

do Minho — foi Capital Europeia da

Juventude.

Não é um evento consensual, con-

tudo (quase) ninguém lhe passa ao

lado. Mesmo apontando-lhe falhas.

Uma coisa parece certa: sendo um

dos motes desta CEJ a formação, o

empreendedorismo e a inovação dos

jovens, estes parecem já fervilhar

em Braga. À margem de quaisquer

efemérides. E sentem-se na rua.

É difícil ser desalinhado Percebe-se que há algo de diferen-

te na cidade enquanto se caminha

naquela que é uma das maiores

áreas pedonais do país (e sempre

a aumentar), que envolve parte do

núcleo histórico — a zona a que a As-

sociação Comercial de Braga chama

de “o maior centro comercial ao ar

livre do país”. Há lojas, bares, res-

taurantes — alguns embrionários,

outros instalados, outros a mudar.

E nos neófi tos e nos convertidos há

traços comuns que saltam à vista:

cuidado extremo no design e proxi-

midade para com os clientes.

É assim o Caff é Noir, um clube de

jazz e de chá, cheio de mobiliário

antigo e objectos mais ou menos vin-

tage. Aqui, o grande orgulho são os

scones, receita da avó, mas custaram

a entrar nos hábitos da cidade onde

“o bolo de arroz é o habitual”, iro-

niza Eduardo Gonçalves, 32 anos, o

proprietário. “É complicado ser de-

salinhado em Braga, é difícil inovar”,

avalia, não sem alguma amargura

— e ele até inovou: os seus menus

em braille foram os primeiros em

Portugal, segundo a ACAPO — mas

também com determinação: nado e

criado aqui, sentiu que “precisava

de fazer algo pela cidade”.

Há sete anos a viver em Braga,

Helena Gomes, 32 anos, também

decidiu inovar: há oito meses abriu

o primeiro hostel de Braga, o Pop,

com o namorado. A ideia começou a

germinar com as suas andanças pelo

couchsurfi ng, desenvolveu-se com a

sua insatisfação profi ssional (é vete-

rinária) e ganhou impulso com a CEJ.

“Íamos abrir de qualquer forma, a

capital apenas alterou os timings.”

Não existia nada do género, Braga

é uma cidade jovem e com poten-

cial turístico. “Em tempos de crise

pensamos: o que vou fazer para sair

dela?”. “Vou criar negócio.”

Se Braga está a mudar, está a fazê-

lo, desta vez, sem interferências de

poderes organizados. “É a iniciativa

privada”, dizem todos, que está a

mexer com o status quo. Ainda que a

centenária Brasileira continue a ser

um dos pontos favoritos de encon-

tro —e porque não? É central e foi

renovada. O mesmo se espera que

aconteça com o centro histórico. A

renovação já começou, a todos os

níveis, mas os seus protagonistas

e observadores esperam mais. “É

porque gostamos de Braga que so-

mos tão críticos”, afi rma Alexandre

Fernandes, 36 anos, designer de co-

municação. Viveu durante um ano

no centro histórico de Braga e nota

o movimento, ainda que tépido, de

regeneração, uma das bandeiras

da CEJ, que aposta em atrair jovens

para o habitar. Há edifícios em recu-

peração, uma nova zona de bares…

E também o lado da moeda que só

os habitantes entendem: as rendas

são altas, o barulho pode ser dema-

siado, não há estacionamento.

É difícil agradar a todos e nesse

aspecto também Braga não é uma

cidade pacífi ca. Helena Gomes já

percebeu a dinâmica. “As pessoas

daqui são altamente críticas”, consi-

dera, “os hóspedes vêem uma Braga

diferente. Gostam da cidade, do seu

valor patrimonial e histórico, e da

vida que sentem.” Alexandre con-

cordaria: “Braga é uma boa cidade

para visitar, para viver não é para

todos.” O turismo agradece as con-

tradições: elas fazem o charme da

cidade. Por todos os que enchem de-

votamente as ruas durante a Semana

Santa, há aqueles que, por exemplo,

torcem o nariz a uma visita ao Bom

Jesus, porque o reduzem ao turismo

religioso, e depois se lhe rendem.

A Sé de Braga e a movidaQuem chega por poucos dias difi cil-

mente não se encanta com a mistura

constante entre antigo e moderno,

profano e sagrado, enquanto ca-

minha pelo centro que se dá a co-

nhecer a pé ou de bicicleta (ainda

são poucas, mas vimos várias para

alugar). Passamos por lojas locais

e por franchises, encontramos Pra-

da e Miu Miu na montra da Janes

e, mesmo em frente, a barbearia

tradicional Fernando Matos. As pa-

ramentarias abundam (afi nal, aqui

nunca estamos muito distantes da

próxima igreja — e até há a nova

capela Árvore da Vida, no Seminá-

rio Conciliar de Braga, na mira de

prémios de arquitectura) e o Café

Lusitana vestiu-se de novo.

A famosa pastelaria Frigideiras do

Cantinho tem agora a companhia da

sensação bracarense, a Spirito Cup-

cakes & Coff ee, com o seu lounge

na praceta, quase ombro a ombro

com a Igreja dos Coimbras. A Casa

dos Coimbras, monumento nacio-

nal com janelas manuelinas, é ago-

ra um dos bares de fi m-de-semana

mais procurados, e a Casão Rolão,

imóvel de interesse público, acolhe

a livraria Centésima Página, referên-

cia da cidade.

A Sé, essa, tornou-se centro de

uma nova movida, que se estende

pelas ruas circundantes. O res-

taurante japonês Hocho já é uma

referência, mas nas imediações

encontra-se cozinha regional,

O Bom Jesus é mais do que um santuário — o complexo e as suas escadarias não deixam os visitantes indiferentes

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A zona em torno da Sé de Braga tornou-se agora um dos centros da vida nocturna mais jovem da cidade minhota

SAIR À NOITE

Minimercado MavyRua do Alcaide, 35 Awww.minimercadomavy.blogspot.comHorário: De segunda a sábado, a partir das 22h.

Estúdio 22Rua Dom Paio Mendes, n.º 22Tel.: 253053751 E-mail: [email protected]ário: De segunda a domingo, das 8h à 01h.

BarcodeRua do Anjo, 90AE-mail: [email protected] Horário: De 2ª a 5ª das 21h às 2h; 6ª e sábado das 21h30 às 2h30.

DE PASSEIO

Casa Grande Chocolatier(chocolates artesanais, cafetaria)Rua Dom Gonçalo Pereira, n.º29Tel.: 915122059 E-mail: [email protected]ário: Sempre das 9h às 19h30.

Spirito Cupcakes & Coff ee(cupcakes, bolos, gelados, bebidas de café, cocktails)Largo S. João do Souto, 19Tel.: 253268374 E-mail: [email protected]ário: 2ª das 14h às 19h; de 3ª a 5ª das 10h às 19h; 6ª das 10h às 19h, das 21h às 24h; sábado das 14h às 19h, das 21h às 24h.

O Mercado da Saudade(produtos portugueses: mercearia, papelaria, artesanato…)Rua D. Paio Mendes, 59Tel.: 253 051 965www.facebook.com/mercadodasaudadeHorário: De 2ª a sábado das 10h às 19h.

Pedro Remy(cabeleireiro/bar/jazz)Rua Gualdim Pais, 40ªTel.: 253 610 300E-mail: [email protected]ário: De 2ª a 6ª das 10h às 13h e das 15h às 20h; sábados das 9h às 13h e das 15h às 19h.

Centésima Página(livraria)Avenida Central, 118-120Tel.: 253267647 www.centesima.com Horário: 2ª a sábado das 9h às 19h30.

Caxuxa (vestuário, acessórios, lifestyle)Rua do Farto, n.º7 Tel.: 253 260 581/ 968 674 797E-mail: [email protected] www.caxuxa.comHorário: De 2ª a 6ª das 10h às 20h; sábado das 10h às 13h e das 15h às 20h.

CUSP – Centro Utopias Sonhos Projectos(livros, discos, CD, galeria)Rua Nova Santa Cruz, 236 Tel.: 253251554/ 932804423 E-mail: [email protected]

Boémio(tapas)Largo do Paço, 18-21Tel.: 253615509 De domingo a 5ª das 15h à 1h; sexta e sábado das 15h às 2h.

Caff é Noir (jazz e tea club)Rua D. Afonso Henriques n.º33

ESPAÇOS CULTURAIS

Projéctil(bar, exposições, cinema, música, workshops)Travessa da Rua dos Caires, 39Maximinos, BragaE-mail: [email protected] www.projectil.info

Aenima(bar, plataforma de intervenção social e cultural)Rua do Alcaide, n.º 41 Cividade, Braga

ONDE DORMIR

Hotel Bracara AugustaAv. Central, 134Tel.: 253 206 260Fax: 253 206 269E-mail: [email protected]ços: Desde 59€ (quarto duplo com pequeno-almoço).

Braga Pop HostelRua do Carmo, 61, 3.ºTel.: 253 058 806/ 963 453 175E-mail: [email protected]://bragapophostel.blogspot.comPreços: Desde 17€ (época baixa); 18€ (época alta) em camarata.

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8 | FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012

de autor e vegetariana, há vários

wine bars e bares de tapas, a Casa

Grande Chocolatier é um oásis re-

tro, Pedro Remy corta cabelos ao

som de jazz. Mesmo no Rossio, é o

profano que domina, entre têxteis,

artesanato, recuerdos, restaurante,

loja gourmet, cafetaria, Steve Jobs a

espreitar de um “authorized reseller

Apple”. Foi aqui que Rafael Olivei-

ra, 33 anos, abriu com a mulher em

Outubro passado o Mercado da Sau-

dade — à porta, um mupi de “azule-

jos” dá o tom da loja de “produtos

portugueses de qualidade e estética

cuidada”. Mais tarde, estudantes

polacos em visita de intercâmbio

têm os azulejos na memória e os

do Convento do Pópulo são imper-

díveis. Entre pasta dentífrica Cou-

to e compotas biológicas, Rafael

mostra-nos o Rossio da Sé, o jornal

mensal que criou para divulgar não

só o espaço mas toda a zona “aban-

donada durante muito tempo”. De

há ano e meio para cá, diz, há uma

“nova pujança”.

Instalou-se em Braga há 10 anos e

de então para cá viu muito mudar.

Três anos antes chegou Rui Ferreira,

40 anos, agora seu vizinho da frente,

no Estúdio 22. Radiologista, decidiu

abrir um café-bar-galeria faz um ano

em Abril e não se arrependeu. “Foi

um risco calculado, sabia que a zona

estava a crescer.” Entre os ocasionais

turistas, tem um público fi el que já

não se surpreende com a lista de 12

gins que apresenta — juntamente

com a agenda ecléctica de concer-

tos (de bandas locais, nacionais e

internacionais) e exposições.

A inspiração Mão MortaAntes do Estúdio 22 e da sua progra-

mação mais ou menos transversal,

houve a Velha-a-Branca — e se ela foi

umas semanas ao Brasil para o Car-

naval, como se lê na porta, vai voltar

de cara lavada. Abriu em 2004 pelas

mãos de um punhado de gente jo-

vem com grande vontade de mexer

o marasmo cultural da cidade. “Ha-

via muito pouca coisa”, recorda Luís

Tarroso, um dos responsáveis, “o

Theatro Circo já estava fechado há

cinco anos, ainda não havia a nova

biblioteca…”. A “Velha”, como é co-

nhecida, tornou-se um pólo agluti-

nador de várias actividades, como

exposições, lançamentos de livros,

conversas, workshops, música, ci-

nema e um bar como ponto de en-

contro. Uma espécie de centro cul-

tural informal instalado numa casa

do século XVIII que chegou a uma

encruzilhada. “Muita gente passou

a fazer o que nós fazíamos, o que é

óptimo, mas agora queremos fazer

outras coisas.” Programação nova e

maior abertura a outras instituições

da cidade, que Luís vê jovem mas

inconsequente nessa juventude.

“Ser uma cidade jovem não é nada”,

afi rma. “É a que produz mais coisas?

Não. Os jovens já estão cá, por um

conjunto de circunstâncias que os

políticos não dominam.”

Não dominam, mas dedicam-lhes

alguma atenção: um dos projectos

mais perenes da CEJ promete ser

o GeNeRation, o pólo de criação

artística que vai transformar o an-

tigo quartel da GNR num centro de

indústrias criativas (a abertura está

prevista para meados do ano). O re-

sultado vai demorar algum tempo a

aferir e por enquanto a cultura bra-

carense vai sendo dinamizada pelo

voluntarismo de uns poucos. Aque-

“Ser uma cidade jovem não é nada. É a que produz mais coisas? Não.”, pergunta e responde Luís Tarroso

A Brasileira (em baixo) continua a ser um dos pontos de encontro preferidos da cidade que é das mais jovens de Portugal

les que à segunda-feira têm Cinema

de Almofada (na Videoteca Munici-

pal, porém de iniciativa privada),

que se revêem em associações como

a Aenima ou Projéctil, frequentam a

Galeria Mário Sequeira, em Parada

de Tibães, e não desdenham dos

Encontros da Imagem ou do The-

atro Circo, que é a grande sala de

espectáculos da cidade.

Mas este Theatro Circo tem um

problema, assinala Luís Fernandes,

músico dos peixe:avião — é um es-

paço formal para bandas mais pe-

quenas. Bandas como as que, afi nal,

compõem o circuito normal portu-

guês. E não há muitos espaços alter-

nativos, continua Luís, para Braga

ter uma agenda contínua de concer-

tos de pequena e média dimensão

(o Braga Viva, no antigo Cinema

Avenida, parece ser santo-e-senha

na boca de todos os que estão liga-

dos à música). Apesar de por estes

dias estar a viver um boom musical

como não se via desde os anos 1980

que deram ao mundo os Mão Morta,

ainda hoje referência incontornável

na música portuguesa e fi guras tu-

telares das bandas de garagem que

abundam — e que se “encontram”

nas salas de ensaio que a câmara

municipal montou no Estádio 1.º

de Maio.

Enquanto não abrem mais espa-

ços para concertos, as bandas braca-

renses dão-se a conhecer na quarta

edição da colectânea À Sombra de

Deus. E os festivais continuam a

nascer (e a morrer) em Braga — por

exemplo, o Semibreve, dedicado à

electrónica experimental, de que

Luís Fernandes é um dos organiza-

dores, vai regressar inserido na pro-

gramação da CEJ; o FMI (Festival de

Música Independente) está num im-

passe, confessa Francisco Quintas,

que depois de ter sido programador

é agora o “responsável pela pasta”.

E as editoras/agências/promotoras

de eventos vão aparecendo: Francis-

co fundou a Popanolica no fi nal do

ano passado; Luís Fernandes — aka

Astroboy — juntou-se aos colegas

CapaBraga

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FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 9

de banda e formaram a PAD, uma

editora que é como um colectivo de

artistas unidos sob o mesmo tecto.

Cidade divididaA tarde nas “arcadas” é sobressal-

tada pela invasão de jovens de ma-

cacão azul, com logótipo da CEJ, e

caixotes na mão. É uma pré-inicia-

tiva, contam-nos, do [Em] Caixote,

programa da CEJ que pretende dina-

mizar o centro histórico. Hoje temos

animação de rua (haverá música,

dança…) para atrair mais jovens ao

centro. Sim, esta é, apesar das es-

tatísticas, uma cidade fracturada.

Buscam-se os universitários, que

vivem numa espécie de Braga 2.

O divórcio entre a cidade e a uni-

versidade começou no início dos

anos 1990, recorda Camilo Silva,

animador cultural. E acentuou-se

no fi nal dos anos 1990, quando a

barreira física da Avenida Padre Jú-

lio Fragata se tornou uma corrida de

obstáculos para peões, e a zona de

Gualtar, onde fi ca a universidade,

se tornou praticamente autónoma,

com lojas, restaurantes de “comida

rápida”. Do lado de lá dessa barrei-

ra fi caram também os cinemas e a

Fnac, por exemplo — e os estudantes

passaram a ir ao centro de forma

esporádica. Durante a tarde, as ime-

diações da universidade transbor-

dam de estudantes nas esplanadas;

à noite são os bares e discotecas que

se animam.

O fi m-de-semana é a altura em que

mais jovens desaguam no centro. À

noite, pode ser difícil estacionar nas

imediações, dizem-nos; e o domingo

à tarde é uma enchente de casais

com carros de bebés, conta Rafael

Oliveira. Ironicamente, o comércio

está fechado, nota Luís Tarroso. Mas

todos parecem concordar que Bra-

ga mudou muito nos últimos anos

(e não só porque as vitórias do S.

C. Braga tiraram o “braguismo” do

armário) e todos esperam que esta

“nova vaga” de dinamismo tenha

continuidade. Helena Gomes é op-

timista: “Consigo ver jovens aqui,

não é campanha da CEJ. Braga está

a descobrir que tem potencial de

existir além de dormitório.” “Tem

bons preços, boas acessibilidades,

bons espaços verdes”, enumera Ra-

fael Oliveira, que, quando veio, há

dez anos, apanhou o slogan “É bom

viver em Braga”. Na altura duvidou,

agora nem por isso.

Bracara Augusta

Sempre que se escava um buraco,

encontram-se ruínas. Romanas,

em grande parte, mas não só:

durante a construção da nova

estação ferroviária foi descoberto

um balneário pré-romano, agora

está aberto ao público. Há anos

que se vai às Frigideiras do

Cantinho não só pelas iguarias,

mas também pelas ruínas de uma

villa romana visíveis pelo chão

transparente. Não muito longe, a

Junta de Freguesia da Sé esconde

mais ruínas, recentemente

musealizadas, que podem

também ser vistas do restaurante

Brac, o “Domus da Escola Velha

da Sé”. A Fonte do Ídolo, na Rua

do Raio, do início do século I, e

as termas do Alto da Cividade,

do século II, são os dois locais de

Bracara Augusta mais conhecidos.

Cidade dos arcebispos

A história de Braga está

indelevelmente ligada ao poder

religioso e foi este que deu rosto

à cidade. O maior símbolo é a sé,

a mais antiga catedral portuguesa

— “mais velho do que a Sé de

Braga” – para uma diocese ainda

mais antiga: a consagração foi no

século XI, a diocese vem do século

V. Nasceu românica para aglutinar

todos os estilos arquitectónicos

desde então e alberga tesouros,

como os túmulos do conde D.

Henrique e de D. Teresa, pais de D.

Afonso Henriques. Testemunho da

glória e riqueza dos arcebispos é o

Paço Arquiepiscopal, que também

é um repositório de vários

movimentos arquitectónicos.

Capital do Barroco

O estilo Barroco deixou

abundantes marcas na cidade,

sobretudo pela mão de dois

arquitectos, André Soares e Carlos

Amarante, principais obreiros

da Braga barroca — o Palácio do

Raio, fachada de azulejos azuis e

brancos e cantaria exuberante,

ou, mais discreto, o edifício da

Câmara Municipal são da sua

lavra. Na arquitectura religiosa, o

barroco descobriu grandiosidade:

vejam-se as igrejas de São Marcos

ou dos Congregados. Referência

incontornável na cidade — e no

barroco europeu — é o Santuário

do Bom Jesus. O conjunto

monumental começa na escadaria

emblemática, com a sua via-sacra,

e é coroado com a igreja concluída

no início do século XIX.

Na rua

Caminhar pelo centro histórico

de Braga é percorrer séculos

de História sem nos darmos

conta. As “arcadas”, como é

popularmente conhecido o

edifício da Arcada, que engloba

a Igreja da Lapa, podem ser um

bom ponto de partida. Por trás,

ergue-se a torre de menagem,

único sobrevivente do castelo da

cidade, demolido no início do

século XX — a muralha que um dia

envolveu Braga também é uma

memória com vestígios, três torres

e a emblemática Porta Nova,

fi sionomia a revelar a transição

do gótico para o neo-clássico. Um

pouco mais acima, um desvio até

ao Jardim de Santa Bárbara, para

descansar em tapeçaria fl orida

emoldurada por arcos ogivais, e

a quinhentista Casa dos Crivos,

conhecida pelas suas gelosias.

Nos museus

Muito do património bracarense

encontra-se em museus — na

cidade e em todo o país. O Museu

do Tesouro da Sé é um dos

mais signifi cativos, ocupa um

espaço recuperado contíguo à

catedral e apresenta património

acumulado ao longo de 15

séculos pela diocese; o Museu D.

Diogo de Sousa é um dos mais

reconhecidos pelos bracarenses,

não só pelo espólio arqueológico

mas pelas iniciativas de abertura

à cidade. Original é o Museu

dos Biscainhos, instalado num

palácio originalmente do XVI

mas transformado em paradigma

do Barroco — nas suas salas

cristalizou-se o modo de vida da

aristocracia setecentista. Mais

recente é o Museu da Imagem,

edifício estreito de cor forte que

dialoga com a torre medieval aí

existente, e acolhe um acervo

importante de fotografi a do

século XX e recebe exposições

temporárias.

As várias caras de Braga, Augusta ou Barroca

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Page 8: Braga 2012 | Revista 'Fugas' [jornal Público]

10 | FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012

CapaBraga

Mesa posta para os novos hábitos e tendências

De entre as cidades

portuguesas, Braga será talvez aque-

la que mais ligada está às nossas raí-

zes como nação. A sua importância

e centralidade são muito anteriores

à fundação da nacionalidade, tendo

sido a capital da Galécia romana, em

cujo seio haveria de nascer o Conda-

do Portucalense. E sendo Portugal

um dos países mais antigos e com

as fronteiras há mais tempo con-

solidadas é, mesmo assim, preciso

recuar vários séculos para encontrar

as origens da capital minhota como

urbe coesa e organizada, de que são

testemunho muitos dos edifícios e

espaços que ainda encontramos no

núcleo histórico.

É nestas áreas que a cidade hoje

fervilha com o espírito moderno e

cosmopolita que lhe é impregnado

por uma população jovem e empre-

endedora. Uma vivência cosmopolita

que se mistura com o passado secular

e lhe confere uma atmosfera muito

peculiar, e que, como em outras áre-

as, é também evidente nos espaços de

gastronomia e restauração. Não será

sequer preciso citar o mítico abade

de Priscos para ter presente o peso

da boa cozinha tradicional, que, com

garbo e pujança, se pratica em mui-

tos dos restaurantes da cidade. Casas

como o Arcoense, D. Júlia ou a fi leira

Cruz Sobral, Bem-me-quer e Alexan-

dre, todos no Campo das Hortas, são

alguns dos bons exemplos, mas que

propositadamente deixaremos agora

de fora.

Olhemos, então, para novos con-

ceitos que refl ectem esse espírito

jovem e cosmopolita e onde a boa

comida se alia à convivialidade e es-

pírito de partilha. Espaços que em

muitos casos só abrem ao fi nal do

dia e onde a refeição pode ser ante-

cedida por um copo de fi m de tarde

ou se prolonga noite dentro em am-

biente de bar. Há-os um pouco por

toda a cidade, mas vamos concen-

trar-nos na área da zona histórica,

que é onde a coisa está mesmo a

mexer. Reina o espírito de partilha

e convívio e o carro é mesmo um

acessório supérfl uo. José Augusto

Moreira

SILVAS — TODOS EM VOLTA DO BALCÃO

TABERNA DO FÉLIX — AS RECEITAS LÁ DE CASA

Aqui a cozinha é mesmo uma coisa séria. Basta passar a porta, absorver os aromas e olhar o ambiente para logo se perceber que não há outra hipótese que não seja sermos muito bem tratados. Mesmo podendo à primeira vista deixar a impressão de um daqueles impessoais snacks urbanos, rapidamente se constata que é tudo o seu contrário. Há apenas um balcão, é verdade, mas que funciona antes como uma espécie de mesa comum de família alargada onde reina o ambiente de partilha.

Além do aspecto cuidado e elegante, há também a dinâmica dos irmãos Silva, que nos impelem a tudo saborear. Além dos tentadores assados, refogados, arrozes e bacalhaus, há sempre uma série de petiscos que nos são dados a saborear. E o difícil é mesmo resistir.

Além da boa comida, há também ajustadas propostas de garrafeira, com oferta a copo sempre adequada à petisqueira diária. Os preços são sensatos e, em sendo tempo, este Silvas tem também uma acolhedora esplanada. Fica mesmo no centro da cidade, nas traseiras da cosmopolita arcada, um espaço agarrado à muralha medieval e à sombra a torre de menagem.Restaurante SilvasLargo do Terreiro do CasteloTel.: 253 272 801 / 939 600 175www.silvasrestaurante.comAlmoços e jantaresFecha ao domingo

Sem ser abundante, a oferta de vinhos é ajustada. Serviço simpático a compor o ambiente acolhedor e discreta elegância. Funciona apenas para o jantar, das 20h às 2h.

Fica na Praça Velha, logo à entrada do Arco da Porta Nova, numa praceta onde tem como vizinhos os congéneres Copo 1/2, Colher de Pau e o vegetariano Anjo Verde, todos igualmente muito frequentados e a proporcionar uma boa dinâmica, sobretudo nas noites de fim-de-semana.Restaurante Taberna do FélixLargo da Praça Velha, 17Tel.: 253 617 701Horário: das 20h às 2hFecha aos domingos e feriados

Foi um dos primeiros a afirmar-se na nova onda e a ganhar popularidade entre grupos que se juntam ao jantar para a animação nocturna. Começou apenas como bar onde o casal anfitrião servia uns saborosos petiscos, mas rapidamente evoluiu para restaurante face à demanda culinária.

São as receitas lá de casa, explica a proprietária, que começou por uns cozinhados para grupos de amigos. Pataniscas com arroz de feijão, arroz de pato, sardinhas espalmadas, bacalhau à moda da casa ou bifinhos com feijão preto e farofa estão entre os pratos mais comuns, com preços que variam entre os oito e dez euros.

No Hocho, come-se sushi e sashimi sob a égide do músico Adolfo Luxúria Canibal, um dos proprietários, bem perto da Sé

Page 9: Braga 2012 | Revista 'Fugas' [jornal Público]

FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 11

O Silvas fi ca mesmo no centro da cidade, nas traseiras da cosmopolita arcada

BRAC — ELEGÂNCIA E MODERNIDADE

HOCHO — UM JAPONÊS JUNTO À SÉ

ESTAROLAS — A TASCA QUE VIROU MODA

É um espaço claramente distinto e que se destaca também pelo design e cuidado arquitectónico. Ambiente contemporâneo mas ao mesmo tempo informal e descontraído, onde se pode jantar ou cear, ou simplesmente petiscar e beber um copo a partir do meio da tarde.

A par da decoração e mobiliário, também a cozinha reflecte as tendências mais modernas, tanto na apresentação como no cuidado e na qualidade da confecção. Há uma aliciante lista de petiscos/pequenas doses a convidar para um copo de fim de tarde, a par da lista para o jantar ou ceia. Consoante os usos, também o espaço se divide em três áreas distintas, com a esplanada exterior (numa espécie de palco aberto à sossegada praça), a zona de bar e a sala de refeições.

À oferta gastronómica junta-se uma criteriosa carta de vinhos cobrindo as regiões do país e com alargada oferta de serviço a copo. Muito bem mesmo. A oferta estende-se também a uma variedade de cocktails, cervejas, rum e vinhos generosos a sublinhar a alargada vocação deste espaço.Restaurante BracCampo das CarvalheirasTel.: 253 610 225 / 929 145 272www.brac.com.ptHorário: das 17h30 à 1hFecha ao domingo

Por simplificação, é normalmente apontado como restaurante japonês, mas trata-se na realidade de um sushi bar essencialmente focado nas especialidades de sushi e sashimi.

Além da diferença face à oferta gastronómica envolvente, é também referenciado por estar associado a Adolfo Luxúria Canibal, o conhecido músico dos Mão Morta, ele próprio também muito ligado às mudanças nos usos da zona histórica. É um dos sócios do negócio e é muito provável que o encontre na caixa registadora nas noites de maior movimento.

Cuidadosamente mobilado e decorado, em estilo a condizer com a vocação nipónica da cozinha, o espaço exibe também quadros da artista plástica Isabel Lhano e do escritor Valter Hugo Mãe, igualmente inspirados na vivência e cultura japonesas. Fica junto ao topo norte do Rossio da Sé.HochoRua do Forno, 17Tel.: 253 040 346 / 916 077 151Fecha à segunda-feiraHorário: das 19h30 às 22h30, de terça a sexta; das 12h30 às 15h30 e das 19h30 às 00h, ao sábado e domingo.

Este é dos lugares onde se vai apenas pela comida. Ambiente de tasca de outros tempos, onde se servem assados, rojões, bacalhaus, arroz de pato e pataniscas, tudo com o sabor dos cozinhados da avó.

Fica fora do núcleo histórico, mas no seu prolongamento, logo após o Estaleiro Cultural Velha-a-Branca, um dos espaços responsáveis pela renovada animação cultural.

Antiga tasca, que abriu portas em meados do século passado e se tornou famosa pelos petiscos ali servidos, foi recentemente remodelada e recuperada para serviço exclusivo como restaurante. Apesar da acomodação moderna, com toalhas e guardanapos de algodão e copos a condizer, resistem ainda o ambiente de velha tasca e respectivos adereços. Boa comida, bons preços e ambiente juvenil.Casa Estarolas Rua de São Victor, 93Tel.: 253 263 078 / 965 239 320Fecha ao domingo

CALDO ENTORNADO — A VIDA NUM SÓ SÍTIO

É um dos mais recentes espaços da zona histórica e será talvez, aquele que melhor sintetiza a actual tendência na animação da cidade. Daí o seu rápido sucesso. Além da boa comida, há um bar de vinhos, uma acolhedora esplanada interior e um espaço de entrada/átrio/esplanada aberto à rua (sem trânsito) e animado por DJ nos fins de tarde e após o jantar. A vida num só sítio, como está bom de ver.

Para além de uma oferta gastronómica ajustada (e bem apresentada), outra das justificações para a popularidade do lugar será a familiaridade com que o cliente é tratado. É sobretudo um amigo que se junta num ambiente de partilha e que

se sente ao primeiro impacto.Além dos pratos diários e

peixes frescos, a lista propõe especialidades como caril de gambas, risotto de míscaros, bacalhau inglês (em várias confecções) ou joelho de porco. A lista de vinhos mostra também as tendências mais actuais, com ampla oferta a copo. Por vezes há também música ao vivo.Caldo Entornado – Restaurante e Wine BarRua de São João, 8Tel.: 253 065 578 / 910 949 496 / 912 209 513www.caldoentornado.comFecha ao domingo e segunda à noite