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BRANDAO Leitura e Producao de Textos Na Alfa

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  • Leitura e produo de textosna alfabetizao

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  • Presidente: Luis Incio Lula da Silva

    Ministro da Educao: Fernando Haddad

    Secretrio de Educao Bsica: Francisco das Chagas Fernandes

    Diretora do Departamento de Polticas da Educao Infantil e EnsinoFundamental: Jeanete Beauchamp

    Coordenadora Geral de Poltica de Formao : Lydia Bechara

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    Reitor: Amaro Henrique Pessoa Lins

    Pr-Reitora para Assuntos Acadmicos: Lcia Souza Leo Maia

    Diretor do Centro de Educao: Srgio Abranches

    Coordenao do Centro de Estudos em Educao e Linguagem CEEL: Andra Tereza Brito Ferreira, Artur Gomes de Morais, ElianaBorges Correia de Albuquerque, Telma Ferraz Leal

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  • ORGANIZAO

    Ana Carolina Perrusi BrandoEster Calland de Sousa Rosa

    Leitura e produo de textosna alfabetizao

    1 edio1 reimpresso

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  • Copyright 2005 by Os autoresCopyright 2005 by Os autores

    CapaVictor Bittow

    Editorao eletrnicaWaldnia Alvarenga Santos Atade

    RevisoRodrigo Pires Paula

    2005

    Todos os direitos reservados ao MEC e UFPE/CEEL.Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida, seja pormeios mecnicos, eletrnicos, seja via cpia xerogrfica sem a

    autorizao prvia do MEC e UFPE/CEEL.

    CEELAvenida Acadmico Hlio Ramos, sn. Cidade Universitria.

    Recife Pernambuco CEP 50670-901Centro de Educao Sala 100.

    Tel. (81) 2126-8921

    B459l

    Brando, Ana Carolina Perrusi

    Leitura e produo de textos na alfabetizao / organizado porAna Carolina Perrusi Brando e Ester Calland de Sousa Rosa . Belo Horizonte: Autntica, 2005.

    144 p.

    ISBN 85-7526-162-2

    1.Leitura de textos. 2.Produo de textos. I. Brando, AnaCarolina Perrusi. II.Rosa, Ester Calland de Sousa. IV. Ttulo

    CDU 372.4

    Ficha catalogrfica elaborada por Rinaldo de Moura Faria CRB6-1006

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  • SUMRIO

    07

    11

    27

    45

    65

    83

    101

    Apresentao

    Ler e escrever na vida de professores(as):uma integrao possvelEster Calland de Sousa Rosa, Maria Emlia Lins e Silva

    Em busca da construo de sentidos: o trabalhode leitura e produo de textos na alfabetizaoAna Carolina Perrusi Brando, Telma Ferraz Leal

    Literatura na alfabetizao: que histria essa?Ana Carolina Perrusi Brando, Ester Calland de Sousa Rosa

    Textos que ajudam a organizar o dia-a-diaTelma Ferraz Leal, Eliana Borges Correia de Albuquerque

    Poesia em prticas de alfabetizaoIvane Maria Pedrosa de Souza

    O jornal em sries inciais do ensino fundamentalIvane Maria Pedrosa de Souza

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  • 6Criando oportunidades significativas de leitura eproduo de cartasMaria Emlia Lins e Silva

    Usando textos instrucionais na alfabetizaosem manual de instruesTelma Ferraz Leal, Ana Carolina Perrusi Brando

    113

    127

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  • 7APRESENTAO

    A importncia do trabalho de leitura e escrita de textos no pro-cesso de alfabetizao tem sido constantemente reafirmada. De fato,no mais se admite pensar em alfabetizao como simples aquisiode um cdigo de traduo e produo de sinais grficos. A Literaturaacadmica tem respaldado uma mudana de enfoque no que se refereaos modos de ensinar a leitura e a escrita, recomendando uma inte-grao, desde as fases iniciais, entre atividades de reflexo acerca dosistema de escrita alfabtico e o contato intenso com a produo eleitura de textos diversificados. No entanto, a passagem entre o quese defende enquanto princpios e concepes e o fazer efetivo dasala de aula no ocorre de forma automtica. necessrio, portanto,construir essa passagem, e os captulos deste livro foram escritosnessa direo.

    As autoras dos captulos ora apresentam depoimentos deprofessores(as) atuando em redes pblicas de ensino, ora apresen-tam seus planejamentos de atividades ou ainda relatos de projetosdidticos conduzidos em salas de alfabetizao. Os extratos da fala,relatos e a observao do trabalho dessas professores(as) foramcoletados pelos alunos-bolsistas do CEEL durante o curso de Lei-tura e Produo de Textos na Alfabetizao, promovido pelo Centro

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  • 8de Estudos em Educao e Linguagem (CEEL-UFPE), no segundosemestre de 2004, para educadores de escolas pblicas da regiometropolitana do Recife. Assim, ao longo do livro, os diferentes tpi-cos tratados em cada captulo partem da ao e reflexo dasprofessores(as) no seu trabalho com crianas em processo de alfabe-tizao, buscando, dessa forma, abrir um dilogo entre o que ocorrena sala de aula e os conhecimentos tericos.

    Os dois primeiros captulos do livro exploram questes maisgerais relativas ao trabalho de leitura e escrita de textos. No primeirocaptulo, Ler e escrever na vida de professores(as): uma integraopossvel, as autoras Ester Calland de Sousa Rosa e Maria Emlia Linse Silva desvelam as prticas de leitura e escrita dos(as) professores(as),indicando que as referncias pessoais compem os conhecimentosdisponveis na organizao do trabalho docente. A tentativa de estu-dar de forma integrada os relatos autobiogrficos dessas alfabetiza-doras evidencia que a leitura e produo de textos no se esgota nasprticas e modos escolares de fazer uso da cultura letrada.

    As autoras Ana Carolina Perrusi Brando e Telma Ferraz Lealdiscutem, no segundo captulo, Em busca da construo de senti-dos: o trabalho de leitura e produo de textos na alfabetizao,sobre o que preciso para formar leitores e produtores de textos,ressaltando o carter ativo dos dois processos de elaborao de sig-nificados.

    Os demais captulos buscam explorar e refletir sobre as experin-cias de diferentes educadoras no seu trabalho com gneros textuaisdiversos. Cada captulo discute, portanto, prticas de leitura e produ-o de gneros especficos com o intuito de inspirar novas propostasque venham a ser conduzidas em outras salas de alfabetizao.

    Nessa perspectiva, o terceiro captulo, Literatura na alfabetiza-o que histria essa?, escrito por Ana Carolina e Ester, concen-tra-se na leitura e produo de histrias, problematizando o uso detextos literrios nas salas de alfabetizao. As autoras enfatizam aimportncia de no apenas ler esses textos mas tambm de assegurarmomentos para conversar sobre as lacunas e ambigidades prpriasdo fazer literrio, fomentando a formao de leitores que buscam com-preender aquilo que lem.

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  • 9No quarto captulo, Telma Ferraz Leal e Eliana Borges Correia deAlbuquerque discutem sobre os Textos que ajudam a organizar odia-a-dia, mostrando diversas situaes escolares em que, por exem-plo, agendas, mural de chamada com o nome dos alunos, calendriosou cardpios com o lanche semanal podem ser lidos e/ou produzidoscoletivamente. Mostram ainda como as caractersticas de forma econtedo desses textos os tornam especialmente relevantes para ascrianas em processo de apropriao do sistema de escrita.

    Na seqncia, o quinto e o sexto captulos, Poesia em prticasde alfabetizao e O jornal em sries iniciais do ensino fundamen-tal, so de autoria de Ivane Maria Pedrosa de Souza. No quinto cap-tulo, que trata de poesias e de parlendas, trava-lnguas, provrbios, entreoutros textos que se sabe de cor, a autora defende o uso dessesgneros no processo de alfabetizao, em especial porque permitemgerar situaes de associao entre a pauta sonora e a escrita. Quan-to ao jornal, a mesma ressalta sua proximidade com os usos cotidia-nos e a diversidade de gneros que o compem como fatores quedevem garantir sua presena constante na sala de aula.

    No stimo captulo, Criando oportunidades significativas de lei-tura e produo de cartas, Maria Emlia discorre sobre os desafios dese garantir, na sala de alfabetizao, a diversidade de textos epistolares.Assim, discute um projeto bem-sucedido envolvendo a troca de cartaspessoais e cartes de Natal entre alunos de escolas diferentes.

    No oitavo e ltimo captulo, Usando textos instrucionais naalfabetizao sem manual de instrues, as autoras Telma e AnaCarolina acenam para a possibilidade de ampliar os usos desses tex-tos nas turmas de alfabetizao para alm das tradicionais receitasculinrias. As autoras lembram ainda que, embora os textos instrucio-nais estejam presentes de forma marcante no nosso cotidiano, a pro-duo escrita desses textos no uma tarefa simples, como podeparecer. , portanto, necessrio, desde cedo, criar situaes didticasque envolvam textos dessa natureza.

    Por fim, os temas selecionados, bem como a tessitura dos textosadotada na escrita dos captulos deste livro, advm de uma perspec-tiva de formao permanente de professores em que a sala de aula tomada como ponto de partida e de chegada de qualquer proposta de

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    inovao educacional. Esperamos, portanto, que este material ganhevida nas discusses que ele possa provocar em grupos de educado-res que buscam constantemente refletir sobre sua prtica de ensino ereinvent-la.

    Maio, 2005.

    Ana Carolina e Ester

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    Ler e escrever na vida de professores(as):uma integrao possvel

    Ester Calland de Sousa Rosa

    Maria Emlia Lins e Silva

    Quando se pensa nas experincias de docentes em termosde letramento, o mais comum que se proponham e se realizem

    estudos sobre as prticas de leitura que estiveram presentes ao

    longo da histria de vida dessas pessoas. Mais recentemente e de

    forma ainda incipiente, os trabalhos esto evidenciando uma se-

    gunda direo desse investimento: o estudo das prticas de escrita

    de professores(as). Neste captulo, reunimos as reflexes de um

    grupo de docentes acerca das memrias de leitura e escrita, buscan-

    do, de forma integrada, compreender os aspectos relevantes e in-

    dissociveis das prticas de leitura e escrita.

    Na primeira parte deste texto, diferentes depoimentos permitem

    identificar os principais pressupostos associados s prticas de lei-

    tura e como esses orientam o ensino.

    A segunda parte apresenta as memrias sobre as prticas de

    escrita, buscando j indicar as interfaces com o que relataram no

    campo da leitura.

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    A comparao entre as memrias de leitura e escrita permiteindicar os processos a ser privilegiados no mbito de um programa deformao de professores(as), bem como sugere aspectos relaciona-dos ao ensino da leitura e da escrita na escola e sua repercusso nasprticas sociais docentes.

    Nossa metodologia de coleta de informao envolveu a sociali-zao das memrias de forma coletiva e posterior escrita individualdas memrias dessas, a partir de um roteiro de orientao da ativida-de. Participaram 28 professoras da rede estadual e municipal dascidades de Recife, Moreno, Cabo de Santo Agostinho e Camaragi-be. Trata-se de buscar, tanto no texto escrito como na socializaoem grupo, uma descrio to minuciosa quanto possvel das vivn-cias dos sujeitos em formao. As lembranas permitem ter acesso adimenses da vivncia familiar, escolar, profissional e acadmicaque se referem evocao de momentos especficos das prticassociais de leitura e escrita.

    Leituras de professores e professores de leitura:

    apenas um trocadilho?

    quase impossvel imaginar um(a) professor(a) que no leiaem seu cotidiano. Quem lida profissionalmente com crianas emfase de alfabetizao, quer elas estejam iniciando sua escolarizaoem alguma turma de educao infantil, quer estejam cursando assries iniciais do ensino fundamental, necessariamente est lidan-do regularmente com situaes em que a leitura est presente. Nes-ses casos, o(a) professor(a) leitor(a) regular de textos escritospelas crianas, bem como de textos didticos, histrias, poesias eoutros materiais escritos para crianas. Mas ser que as leituras deprofessores(as) se restringem ao que acontece em sala de aula, nainterao com estudantes que esto se iniciando na leitura? O queser que diferencia professores(as) de outros profissionais quandose trata de prticas de leitura?

    Sabemos que muitos outros profissionais so usurios regula-res da leitura. Num levantamento nacional que tinha como objetivo

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    1 Foram entrevistadas, em todo o Pas, 2 mil pessoas, de 15 a 64 anos, das quais91% eram pessoas alfabetizadas. Destas, apenas 26% atingiram o nvel maiselevado de alfabetismo, ou seja, mostraram-se capazes de ler textos mais lon-gos, podendo orientar-se por subttulos, alm de comparar textos, localizar maisde uma informao, estabelecer relaes entre diversos elementos do texto erealizar inferncias (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2000, p. 14).

    estabelecer os ndices de alfabetismo1 da populao brasileira (RI-

    BEIRO, 2003), foi constatado, por exemplo, que o desempenho e as

    exigncias profissionais so um dos fatores relevantes na conquista

    de nveis mais complexos de letramento. Quem l e escreve no seu

    dia-a-dia profissional tende a ser mais capaz de ler textos em geral e de

    compreend-los melhor. E isso no privilgio de professores(as),

    embora o exerccio dessa profisso contribua para o desenvolvimen-

    to de competncias na leitura e na escrita.

    No que tange leitura de professores(as), um diferencial est

    na expectativa de que as pessoas que exercem o magistrio sejam

    representantes, em alguma medida, da cultura letrada. Alm de ler

    profissionalmente para se atualizar, planejar e monitorar o prprio

    trabalho, espera-se que os(as) professores(as) tenham relao pri-

    vilegiada com a leitura, que essa seja parte integrante de sua vida e

    que tambm gostem de formar novos leitores. Partindo dessa expec-

    tativa, comum ouvir professores(as) dizerem que procuram agir

    como referncias para seus alunos em termos de leitura, apresen-tando-se como modelos:

    A professora tem que gostar de ler sim; uma boa pro-fessora de leitura sempre se diverte com o que estlendo, viaja nas palavras, cria vida para os persona-gens, embarca na fantasia, resolve conflitos, sabe dife-renciar/selecionar bons textos e autores, sabe dizer/discorrer sobre o que leu, sabe indicar ttulos/autores.(Lenia Maria Malta de Souza, Escola Municipal Stiodo Berardo Recife)

    A professora Andra de Souza Ferreira, da Escola Municipal Se-verina Lira, em Recife, agrega, em seu relato, mais um elemento que

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    usual quando se coloca o que seria esperado como componente doperfil profissional de um(a) professor(a). Porque ela se reconhece comomediadora na formao de novos leitores, considera que a prtica daleitura condio para o exerccio da docncia:

    Acredito que impossvel uma professora que nogosta de ler, estimular seus alunos a serem leitores.Acho que o gosto pela leitura uma caminhada quevoc pode fazer com a ajuda de algum (quando crian-a) ou sozinho (quando adulto).

    Mas, como o(a) professor(a) chega a ocupar esse lugar, de quemse apresenta como referncia e como mediador(a) da leitura? Na rea-lidade, pode haver a um distanciamento entre o que se coloca comoideal e as condies efetivas para desempenhar esse papel. Os(as)mesmos(as) professores(as) que reconhecem a existncia de uma ex-pectativa social para que sejam representantes da cultura letradamuitas vezes no tiveram acesso a leituras de maior prestgio socialou no desenvolveram hbitos, como freqentar cinema, ir ao teatro,associar-se a uma biblioteca, ir regularmente a livrarias, adquirir umacervo para constituir uma biblioteca particular, o que os(as) distan-ciaria desses bens culturais, particularmente do acesso a livros.

    O que dizer, ento, sobre as condies para que professores(as)de crianas em processo de alfabetizao ocupem o lugar de modelos emediadores(as) de leitura? Um caminho para responder a essa questopode ser ouvir os(as) prprios(as) professores(as) acerca de sua traje-tria como leitores(as). Assim, tomando como referncia relatos auto-biogrficos escritos, possvel identificar alguns aspectos relevantesque constituem referncias positivas e que auxiliam na organizao dasprticas de ensino da leitura. Nunca demais lembrar que ensinar a lerno se restringe apropriao do sistema alfabtico, mas significa in-serir-se em prticas sociais de letramento. Ao buscar referncias pes-soais, os(as) professores(as) esto, na prtica, lidando com uma con-cepo no-escolar de leitura, pensando em usos sociais da escrita.

    No campo das memrias e das falas acerca do que ser leitor, possvel captar no apenas as lembranas e opinies de um grupoespecfico de professores(as), mas situ-las em relao a outras expe-rincias e formas de pensar sobre a leitura. Nesse sentido, vale destacar

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    que a coleta de relatos autobiogrficos tem como caracterstica aomesmo tempo evidenciar algumas tendncias do perfil socioculturalcomum a diferentes alfabetizadores(as) (ROSA, 2005; ROSA, 2003) epr em relevo o que mais especfico a determinado grupo estudado.

    Assim, no caso das professoras2 que compartilharam conoscosuas lembranas referentes leitura enquanto participavam de umcurso de formao promovido pelo Centro de Estudos em Educaoe Linguagem (CEEL), alm de aspectos similares a outros grupos, foipossvel identificar uma tendncia a valorizar o papel de adultos me-diadores de leitura como elemento constitutivo da experincia duran-te os anos de formao na infncia e na juventude. Tambm apareceude forma recorrente a importncia da formao e do exerccio do ma-gistrio, principalmente no estabelecimento de novas formas depraticar as relaes entre leitura e escrita.

    Quais so, portanto, as referncias positivas da infncia e dajuventude dessas educadoras? Em seus relatos, aparecem, com des-taque, a famlia, os amigos e os grupos religiosos.

    Livros de histrias infantis, contos de fadas, histrias bblicas,revistas em quadrinhos, livros interativos (como, por exemplo, a cole-o A turma do algodo doce), poesias e poetas como Ceclia Meire-les, Manuel Bandeira e Vincius de Moraes, romances do tipo Sa-brina, Karina ou de autores como Brbara Cartland, revistas defotonovelas, letras de msicas, livros didticos, crnicas de Fernan-do Sabino, romances de Carlos Heitor Cony, livros das colees Vaga-lume, Pingo de Ouro e livros de pensamentos de Kalil Gibran... Essesso alguns dos componentes do acervo de livros e leituras lembradospelas professoras. Elas recordam, ainda, que viam seus familiares lendorevistas, jornais, informativos religiosos e revistas da escola dominical,romances femininos, revistas de fotonovelas, livros de culinria, recei-tas de ponto em cruz, revistas de palavras-cruzadas. Em casa, haviacolees de livros para crianas, dicionrios e enciclopdias, revistasem quadrinhos, jornais, revistas, livros didticos e alguns livros deliteratura para crianas e outros para jovens e adultos.

    2 O grupo acompanhado e no qual foram coletados os relatos autobiogrficos eraconstitudo, exclusivamente, de mulheres, o que justifica a referncia a elas nofeminino.

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    Outras situam que o ambiente familiar no era to marcado pelapresena de impressos, mas destacam prticas orais, que, de algumaforma, se tornaram relevantes como referncias at mesmo para comporseus acervos como leitoras. Essas professoras recordam sua participa-o em conversas e como ouvintes de histrias contadas, experinciasque agregam s memrias de leitura. Esse o caso, por exemplo, deGildete Maria dos Santos Silva, da Escola Senador Paulo Guerra Cabode Santo Agostinho, que destaca em seu depoimento:

    Primeiramente, jamais me considerei uma leitora, tendoem vista que no esteve inserido no meu cotidiano oacesso a leituras de romances e outros. A grande con-tribuio para minha evoluo enquanto leitora foramas conversas com a minha me, que contava histriasda nossa prpria realidade e que permitiu fazer-me umaleitora de mundo a qual ajuda-me bastante hoje.

    Outro aspecto lembrado pela professora Vera Lcia Pereira deLima, da Escola Municipal Dom Jos Lamartine Soares em Jaboatodos Guararapes, tambm se refere insero em prticas de oralidade.Ela diz que foi ouvindo histrias e msicas no ambiente familiar quecomeou sua vida de leitora:

    Embora meus pais no tivessem boa escolarizao, lem-bro que meu pai tinha muitos discos, e eu aprendi pra-ticamente todas as msicas. Lembro tambm que, noite, minha me e alguns vizinhos se juntavam e fazi-am uma roda na frente das casas; ali passvamos ho-ras ouvindo histrias acontecidas no interior: histriasde mitos, lendas etc.

    As lembranas no se restringem famlia nuclear, embora pais eirmos sejam personagens centrais nessas histrias de leitura. Algu-mas lembram amigos ou primos que brincavam de escola e que compar-tilhavam os mesmos livros ou gibis. Outras situam as atividades religi-osas como oportunidades para ler. Na juventude, as amigas, primas etias desempenharam papel importante na introduo de um gneroespecfico: as leituras femininas.

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    O que chama a ateno nessas recordaes o seu carter emi-nentemente ldico e, portanto, assistemtico e voluntrio. O envolvi-mento dos pais ou de outros adultos ocorre num ambiente onde predo-minam modelos distintos. Em alguns casos, os pais deliberadamentecriam situaes favorveis leitura de seus filhos. Outros compramlivros, revistas, gibis, ou fornecem material religioso, e compartilhamleituras com as crianas.

    Pais, mes, irmos, tios, primos... Quando se fala em acesso leitura, aparece uma rede familiar que se vai tecendo para assegurarque as oportunidades de contato com livros e outros impressos setornem mais amplas.

    Os amigos tm papel relevante nesse processo ao introduzirnovos ttulos, autores, gneros. Nesses casos, a leitura acaba inte-grando outras atividades de socializao, em particular na juventude,o que acaba contribuindo para que essa atividade tenha carter com-partilhado e que ajuda a estabelecer vnculos afetivos entre leitores.

    A igreja, por sua vez, aparece de forma recorrente em vriosdepoimentos, instituindo no apenas o contato com determinado ma-terial mas tambm inaugurando formas de ler prprios de certos gruposreligiosos. Ler na igreja ou para participar de eventos religiosos acabasendo uma referncia a mais na vida de algumas das professoras.

    No processo de recordar e relatar o que marcou a vida em termosde leitura, um destaque pode ser dado s experincias propiciadaspela insero na docncia. A professora Adriana Mrcia Bezerra daSilva, da Escola Metodista Gladys Oberlin, em Olinda, considera quea sua formao profissional permitiu que ela identificasse novas fina-lidades para o ato de ler:

    Como professora, pude perceber a importncia da lei-tura para a compreenso do mundo que nos cerca, apossibilidade de ler por puro prazer (como fazia na in-fncia), e que podemos fazer as duas coisas ao mesmotempo e que temos que aprender a unir essas duasfunes da leitura.

    O exerccio profissional tambm inaugura novas oportunidadespara o uso cotidiano da leitura e cria necessidades para os(as)

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    leitores(as), como lembra a professora Claudia de Vasconcelos naEscola Municipal Stio do Berardo, em Recife:

    Hoje, leio todos os dias para meus alunos. Procurocolocar emoes, sentimentos e transmitir prazer. Opor-tunizo o contato com livros de histrias atravs doemprstimo semanal e do manuseio dirio para a leiturae/ou pseudoleitura.

    As professoras Lenia Maria Malta de Souza, j citada anterior-mente, e Tnia Valria Coelho, da Escola Jos Clarindo Gomes, noCabo de Santo Agostinho, fazem uma recomendao para seus(suas)colegas alfabetizadores(as). Elas usam uma metfora comum, a ne-cessidade de estar antenado, e reconhecem na prtica de leitura uminstrumento para a atualizao e renovao da docncia:

    Entendo que a histria de vida de cada pessoa refletena sua prtica de trabalho. No meu caso, tudo queadoro fazer levo como referncia para meus alunos.Acho importante a prtica constante de leitura, afinal oprofessor um formador de opinio; preciso estarantenado em tudo o que acontece, sem ser superficial.

    A prtica de leitura importante para a ampliao dosnossos horizontes mentais, e isso vale principalmentepara ns, professores, que precisamos estar constan-temente atualizados e antenados com as coisas novasdo momento para repassarmos em forma de aulas cria-tivas e estimulantes para os nossos alunos. E, assim, oprofessor tem por obrigao ser um bom leitor, paramanter a chama cultural acesa nele e nos seus alunos.Para ser boa professora de leitura, necessrio, almde gostar de ler, ler nas entrelinhas o sentido de cadaleitura e saber transmitir suas idias de maneira sim-ples e natural.

    Ser um mdia, estar antenado, criar oportunidades constan-tes de leitura para os alunos, resgatar experincias pessoais positivase reconhecer que assim que os alunos tambm podero ir se aproxi-mando da leitura (e no com exortaes culpabilizantes ou imposies

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    pedaggicas). Essas so algumas das lies aprendidas no processode compartilhar relatos autobiogrficos de leitura.

    Dobradinha leitura-escrita: um encontro possvel?

    Freqentemente, quando se pensa no(a) professor(a) e sua rela-o com a escrita, comum nos depararmos com a idia de que o(a)professor(a) no escreve no seu cotidiano pessoal e profissional. Aocontrrio do que ocorre com a leitura, pouco se enfatiza que a relaoque ele(a) estabelece com a escrita poder trazer implicaes para aformao de alunos produtores de textos escritos. Ser modelo emediador(a) de leitura para os alunos vem ocupando um lugar privile-giado nas discusses sobre a formao de novos leitores na culturaescolar; no entanto, a insero no universo letrado exige lidar tam-bm com diversos eventos de escrita. Alm de ler e promover o est-mulo leitura, espera-se que os(as) professores(as) reflitam sobresua relao com a escrita e tentem criar contextos significativos deescrita, favorecendo o exerccio prazeroso com o ato de escrever paraos alunos. Partindo dessa observao, comum encontrar nos depo-imentos das professoras a expectativa em superar a ausncia de umaformao que valorizasse as prticas de escrita:

    Hoje meu grande desafio preencher em meus alunosuma grande lacuna que tive na minha formao esco-lar: a questo da escrita. Porque lia-se muito e se escre-via pouco. Precisamos ler muito e incentivar a escritaem nossos alunos, oportunizando a formao de alu-nos capazes de expor e registrar suas prprias idias.(Fabiana Karla Silva do Nascimento, Escola MunicipalAuta de Frana Lins Moreno)

    A professora Maria Celeste Antunes Bezerra Cavalcanti, queleciona na Escola Municipal Dom Beno, em Jaboato dos Guarara-pes, reflete, em seu depoimento, a repercusso da aprendizagem daescrita na sua trajetria escolar e no seu perfil de produtora de textos:

    Na escrita, acho que no tive bons orientadores na es-cola; tudo sempre foi muito quieto, seco, sem muitos

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    comentrios, s reproduzir o que j estava escrito.Quando cheguei na universidade, sofri muito na ques-to da oralidade e escrita. Falar sempre foi um sofri-mento, e escrever tambm, mas, como tive timosprofessores, foi ficando mais fcil.

    Quando pensam no contexto escolar, as professoras relatam quea finalidade para escrever na escola no se aproximava do contextovivido por elas, tornando a produo de textos uma atividade destitu-da de sentido, distanciada das prticas de escrita encontradas nacultura letrada. Lembram usualmente que eram envolvidas em ativi-dades repetitivas, como redaes e composies fundamentadas emum tema definido, e que tinham como nica finalidade ser avaliadaspelo(a) professor(a).

    As experincias com escrita se reduziam produo deredao que no era freqente , mas eram muitoexigidas quando aconteciam. Eu lembro de sentir muitadificuldade para escrever (faltavam idias). Muitas ve-zes, tive que fazer redaes sobre frias mas minhasfrias tinham sido em casa; como escrever? s vezeseu inventava. Tambm tinham as linhas quer dizer:a exigncia de quantidade de linhas para redao. Erahorrvel! (Andra de Souza Ferreira)

    No que diz respeito escrita, as lembranas que tenhoda escola so daquelas aulas de redao, onde, emcada uma delas, era escolhido um tema que tnhamosque desenvolver para trazer na prxima aula. Depoisde corrigidas, eram devolvidas e pronto, ficavam guar-dadas sem mais finalidade. (Claudia de Vasconcelos)

    Analisando as condies de produo, as docentes compreen-dem a repercusso do ensino da escrita na escola para a sua vida deescritoras, apontando alguns aspectos positivos e avaliando suascompetncias, destacando a facilidade e/ou dificuldade, o gosto e/oudesgosto para escrever, relacionando ao ensino e avaliao da es-crita na escola.

    Diferentemente da facilidade que ocorre quando buscam as lem-branas de leitura, as memrias sobre as prticas de escrita parecem

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    3 Segundo Daniel Fabre apud Lins e Silva (2004, p. 24-25), o lugar poucoacessvel das prticas de escrita cotidianas, associado rotina das ocupa-es dirias, se ope ao universo prestigiado da escrita literria e cientficaque tem o objetivo de fazer uma obra e consagrar um autor ou uma autori-dade. Nesse caso, a escrita passa a ser prpria de especialistas, reservada apoucos e manifesta as diferenas da presso social exercida pela escrita naspessoas.

    ser um material inacessvel e de menor visibilidade3, exigindo umesforo em recordar as experincias com eventos de escrita. Vimos,anteriormente, a diversidade de informaes sobre os ttulos e osautores lidos na trajetria da formao das docentes como leitoras.No caso da escrita, geralmente, as recordaes enfatizam as experin-cias negativas e as dificuldades em escrever na escola. Mas, quandoas professoras falam do universo familiar, que tipo de informaoprevalece nos seus relatos? Como as professoras situaram a vivnciafamiliar e sua repercusso nas prticas de escrita?

    Cartas, receitas, listas de compras, cartes, envelopes foram al-guns dos objetos de escrita que permearam o universo familiar dasprofessoras. A famlia exerce papel essencial na socializao e famili-arizao informal da escrita. De fato, a escrita praticada por adultosno cotidiano domstico envolve diversos significados, usos e fun-es que podem ser considerados relevantes na formao das habili-dades em torno da escrita (LINS E SILVA, 2004).

    Interessante perceber a presena da figura feminina nessa con-vivncia familiar atravs do acesso s prticas corriqueiras de escritana infncia e na adolescncia das professoras, estimulando o gostopela escrita de cartes para os familiares, como relatou a professoraAndra de Souza Ferreira:

    Em relao escrita, lembro apenas de ver minha mefazendo as listas de compras do ms eu somenteobservava , e ajudava dizendo o que faltava na dis-pensa. No Natal, minha me escrevia cartes para todaa famlia. E eu ficava olhando, perguntando (querendosaber pra quem era o carto) e mexendo nos cartes eenvelope. Quando cresci mais um pouco, passei a es-crever os cartes para meus padrinhos.

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    Lins e Silva (2004) afirma que essa influncia dos adultos ocorreem torno do desempenho no papel de dirigir a escrita das crianas ede garantir o acesso s prticas de produo textual, ou, ainda, emdecorrncia das experincias motivadas por outras esferas de socia-lizao, fora do contexto familiar, que podem atuar como respons-veis por introduzir novas demandas de escrita na famlia, como vimosocorrer, anteriormente, com as lembranas sobre a leitura que no serestrigiam famlia nuclear. Algumas se lembram de uma variedade dematerial compartilhado no grupo de amigos e nos encontros religiosos.Nessas redes de socializao, outras oportunidades promoviam usos efinalidades para escrever em contextos significativos e ampliados.

    Outro grande impulso era a igreja, pois passei a partici-par de encontros e congressos de adolescentes ondetnhamos que produzir material escrito como: convites,recordaes, relatrios, construo de mural, jornal,informativos. Todas essas atividades foram me influ-enciando para a necessidade de ler diversos materiaise despertando meu prazer pela leitura, em especial, dejornais e livros. (Fabiana Karla Silva do Nascimento)

    J a professora Claudia de Vasconcelos, citada anteriormente,recorda, principalmente, as comparaes corriqueiras realizadas en-tre irms quanto s competncias, s facilidades e s dificuldadespara desempenhar a escrita, o que acaba fortalecendo os vnculosafetivos com o ato de escrever, seja de modo positivo, seja de modonegativo, ao consolidar crenas e disposies em torno da relaocomo produtora de textos na vida pessoal e profissional.

    Na famlia, no tenho lembranas de momentos envolven-do situaes de escrita. Lembro-me apenas que todos dizi-am que minha irm do meio escrevia muito bem. Nunca fuimuito boa aluna e escutava muito essa da no tem jeito,isso me desestimulava. Assim como aconteceu com a lei-tura, a escrita veio fazer parte prazerosamente da minhavida ao me encontrar com essa profisso de professora.Conscientizei-me da importncia de ler e escrever parapoder desenvolver meu papel como educadora de umaforma mais completa. (Claudia de Vasconcelos)

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    Portanto, nas socializaes familiares, so veiculados valores,atitudes e crenas que contribuem para a formao da imagem dasdocentes sobre as suas competncias como leitoras e escritoras naescola e fora dela. Parece importante pensar a escrita e a leitura naescola sem desconsiderar uma anlise das condies sociais nas fa-mlias, que conformam as prprias condies dos usurios da escritano universo escolar (LINS E SILVA, 2004). Geralmente, no exerccio dadocncia e nos espaos da formao inicial e continuada, os(as)professores(as) ressignificam a relao com a escrita, criando expec-tativas que recaem sobre a importncia em formar as competncias deescrita nos alunos, alm de buscar as prprias formas de superar asdificuldades com o ato de escrever.

    Dessa maneira, algumas da professoras, que compartilharam suasmemrias apesar de reconhecerem que mantm com a escrita umarelao de tenso, enfatizam a necessidade em continuar escrevendono cotidiano pessoal e profissional:

    A dificuldade em escrever sempre me acompanhou. Ain-da hoje, sinto que tenho problemas para expressar mi-nhas idias por escrito. Acho que s se aprende a escreverescrevendo. E isso que tento fazer. Mas, dificilmenteescrevo espontaneamente, apenas quando preciso. Quan-do tenho um objetivo para a escrita, escrevo com pra-zer. Como esse texto que aqui termino, que me fez recordarpocas boas da minha vida. (Andra de Souza Ferreira)

    Escrever hoje, para mim, muito penoso. O fato que,quase sempre quando o fao, por pura obrigao. Ape-sar de reconhecer a importncia da escrita, no me consi-dero uma boa produtora de textos; o fato que minhagramtica pssima, e sei que as pessoas iro perceberisto atravs da minha escrita e tambm no sei como con-seguirei sozinha melhor-la, apesar dos constantes ape-los do meu irmo para que escreva, quanto mais vocescreve mais voc aprende a escrever. Ultimamente, aspoucas vezes que escrevo, fora de sala de aula, quandocoloco observaes de partes interessantes de leiturasfeitas e anotaes cotidianas, listas de compras, recadosde telefonemas. (Cristiana Duarte Gomes, das EscolaMunicipal Alade Pedrosa, em Jaboato dos Guararapes).

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    Embora a afirmao de que os professores escrevem pouco,ou, pelo menos, publicam pouco, esteja presente, em grande escala,em nossas representaes sobre o universo de escrita de docentes,isso no significa que estes no escrevam. Seus escritos so marca-dos pela esfera do privado, do efmero, do operacional. Em geral,redigem planejamentos de aulas, preparam as atividades de ensino eregistram anotaes sobre a aprendizagem dos alunos, mas essa es-crita realiza-se sob o controle permanente da prtica em sala de aula,de uma implementao sistemtica e operacional. uma escrita queregula as aes prticas do exerccio da docncia, utilizada comoferramenta de uma profisso, e no como um meio de produo desaberes de uma atuao pedaggica. Algumas professoras fazemmeno a procedimentos de escrita em que estiveram envolvidas nomomento de formao, quando foram solicitadas a escrever relatosdas aes e das reflexes, destacando o ldico que essas situaesde escrita promovem. No entanto, sabemos que esse material escritoocupa lugar reduzido nas publicaes, sendo essas precariamentedivulgadas e socializadas em comunidades ampliadas de discurso ede interlocutores que tm maior reconhecimento social.

    A circulao desses escritos permanece restrita ao grupo deprofessores(as) em formao ou entra no circuito das comunicaesautorizadas quando enriquece os escritos nos meios universitrios. As-sim, as produes so veiculadas e recuperadas pelos(as) professores(as)universitrios(as) que comentam, modelizam e projetam as produesescritas (memrias, relatos de experincia etc.) como objeto de conheci-mento. A produo de saber escapa, em parte, aos(s) professores(as),que assumem a condio de sujeio em face dos saberes tericos for-malizados pelos(as) professores(as) universitrios(as), sendo raramen-te convocados/solicitados no campo do saber reconhecido socialmen-te, aquele que promove a escrita dita cientfica e desconsidera o universoda escrita das prticas, da escrita dos relatos que produzem sentido esaber distinto daqueles valorizados socialmente.

    Consideraes finais

    Ler e escrever so prticas presentes na vida de professores(as)alfabetizadores(as). Essa uma constatao, aparentemente simples,

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    mas que ainda precisa ser afirmada, j que comum se ouvir dizer queprofessores(as) no lem o suficiente, que escolhem para ler materialpouco instrutivo e que escrevem menos ainda. claro que muitasdessas afirmaes esto marcadas por posturas preconceituosas, queprivilegiam apenas determinados tipos de texto como vlidos, tantono que concerne leitura quanto escrita.

    Desse modo, nunca demais ouvir e registrar o que dizem e escre-vem os(as) professores(as) sobre suas oportunidades de interaocom o mundo da leitura e da escrita, inclusive para ressituar o que quelem e escrevem esses(as) educadores(as) e em que medida suas expe-rincias lembradas e relatadas podem servir como contra-exemplo quecontribui para instituir novos modos de pensar e falar sobre o que aleitura e a escrita para esse segmento social.

    Referncias

    ANDRADE, Ludmila Tom de. Professores-leitores e sua formao: trans-formaes discursivas de conhecimentos e de saberes. Belo Horizonte:Ceale; Autntica, 2004.

    INSTITUTO PAULO MONTENEGRO; AO EDUCATIVA; IBOPEOPINIO. Indicador nacional de alfabetismo funcional. Um diagnsticopara a incluso social pela educao. Primeiros Resultados. So Paulo,2001. Disponvel em: . Acesso em:12 nov. 2002.

    LINS E SILVA, Maria Emlia. Cara professora: prticas de escrita de umgrupo de docentes, 2004. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade deEducao, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.

    RIBEIRO, Vera Masago (Org.). Letramento no Brasil. Reflexes a partir doINAF 2001. So Paulo: Global, 2003.

    ROSA, Ester Calland de Sousa. A leitura na vida de professoras: relatos,prticas e formao docente. Tese (Doutorado em Psicologia) Faculdadede Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2003.

    ______. Relatos autobiogrficos de leitura e alfabetizao: ouvindo profes-sores para entender como pensam sobre o que ensinam. In: LEAL, TelmaFerraz; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia (Orgs.). Desafios da edu-cao de jovens e adultos: construindo prticas de alfabetizao. Belo Hori-zonte: Autntica, 2005, p. 15-48.

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    Atualmente comum ouvir e ler relatos de professores(as)de salas de educao infantil e do primeiro ciclo do ensino funda-mental1 sobre situaes didticas que envolvem a leitura e a produ-o textos (ver, por exemplo, as experincias publicadas em revistascomo Nova Escola, Revista do Professor, AMAE educando). Taisrelatos, no entanto, no eram to freqentes h alguns anos. Atfins da dcada de 80 do sculo XX, predominava a noo de que aalfabetizao estaria garantida apenas com o treinamento de habili-dades perceptuais e de coordenao motora (para uma letra bonitae legvel) e com a memorizao das associaes entre grafemas efonemas. A partir da, seria aprender a juntar slabas para formar e lerpalavras. Nessa perspectiva, apenas aps as crianas estarem de-vidamente alfabetizadas, que seriam liberadas para textos dif-ceis, mais longos, com palavras e significados no previsveis.

    Em busca da construo de sentidos:o trabalho de leitura e produo

    de textos na alfabetizao

    Ana Carolina Perrusi Brando

    Telma Ferraz Leal

    1 Algumas redes de ensino do Pas vm adotando o sistema de ciclos de aprendizagem,sendo o primeiro ciclo constitudo, geralmente, por crianas de 6, 7 e 8 anos deidade.

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    Enfim, textos autnticos, esses que lemos e produzimos no nossodia-a-dia.

    Assim, no fazia parte do discurso escolar da poca trazer paraas salas de aula o mundo da escrita real, em seus diversos gneros, eera tambm igualmente incomum se falar em leitura e produo detextos antes do final da alfabetizao formal. Textos eram habitual-mente banidos da educao infantil e, na melhor das hipteses, ascrianas ouviam contos de fada ou histrias de livros infantis conta-dos ou lidos pelo(a) professor(a). No raramente, as crianas apenasestavam autorizadas a ler os textos presentes nas cartilhas.

    Muito j foi dito em relao a esses arremedos de textos, emque a nfase est no uso repetido de certas correspondnciasgrafossonoras, que geram textos vazios, que no do prazer, neminformam ou contam algo que merea ser contado. Exposta a mo-delos dessa natureza, a criana aprendia que ler era muito mais acapacidade de transformar sinais grficos em seqncias sonorase recitar oralmente frases sem nexo do que uma tentativa de buscae produo de sentidos. Dessa forma, como seria de se esperar, aofinal da alfabetizao, eram comuns casos de crianas capazes decopiar e ler palavras e frases isoladas com eficincia, mas incapa-zes de escrever um bilhete simples, ou entender o que estava es-crito num cartaz na parede da escola.

    Tomando-se por base os trabalhos pioneiros de Ferreiro e Te-berosky (FERREIRO, 1986, 1993; FERREIRO e TEBEROSKY, 1979), oprocesso de alfabetizao passa a ser visto sob nova perspectiva,vindo corroborar as experincias de vrios(as) professores(as)isolados(as) e grupos em escolas pblicas e privadas, que, inspira-dos pelas experincias de Freinet e Paulo Freire, h muito j busca-vam um jeito diferente de conceber o ensino e a aprendizagem daleitura e da escrita. Para esses(as) educadores(as), era fundamentalabandonar as tradicionais cartilhas e manuais, no apenas porqueseus textos no traziam algo de significativo para a vida dos alfabe-tizandos, mas, sobretudo, porque nesse tipo de material a aprendiza-gem da leitura e da escrita ficava reduzida ao domnio de mera tcni-ca de transformar sinais grficos em sinais sonoros e vice-e-versa,sem espao para reflexo e criao por parte do aprendiz.

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    As investigaes conduzidas por Ferreiro e Teberosky (FER-REIRO, 1986, 1993; FERREIRO e TEBEROSKY, 1979), que descreve-ram as operaes cognitivas elaboradas pelas crianas na apropria-o da escrita alfabtica, foram fundamentais para mostrar que, defato, as crianas pensam sobre a lngua escrita, independentementedo seu grupo social e do maior ou menor acesso a material impresso.Assim, elas elaboram hipteses sobre para que servem os diversosescritos ao seu redor, sobre o que essas estranhas marcas no papelrepresentam, e de que maneira funciona o nosso sistema de escrita.Conforme as autoras chamam a ateno, a alfabetizao implica umaconstruo conceitual e, dessa forma, no mais possvel pensarnum aprendiz passivo, limitado a memorizar mecanicamente as famli-as silbicas para que, em seguida, possa, supostamente, coloc-lasem conjunto, formando palavras e frases num texto a ser lido ouproduzido. Ao contrrio, como salienta Ferreiro (1993, p. 47):

    A alfabetizao passa a ser uma tarefa interessante, que dlugar a muita reflexo e a muita discusso em grupo. A ln-gua escrita se converte num objeto de ao e no de contem-plao. possvel aproximar-se dela sem medo, porque sepode agir sobre ela, transform-la e recri-la. precisamen-te a transformao e a recriao que permitem uma realapropriao.

    Com base nesses estudos, pudemos ter clareza de que nem aapropriao do sistema alfabtico um processo mecnico de me-morizao de correspondncias grafossonoras, nem a sua apropria-o suficiente para garantir que o aluno seja capaz de ler e deproduzir textos.

    A aprendizagem da escrita, realmente, no parece fcil de ocor-rer, dado o enorme contingente de crianas que, mesmo depois dequatro anos de instruo, so tristemente expulsas da escola semsaber ler e escrever - e no simplesmente abandonam a escola (comobem diferencia Emilia Ferreiro). So vrios os fatores que parecemcontribuir para esse quadro, e no nos propomos, neste texto, a dis-cutir sobre as possveis causas para esse problema j bastante antigoe complexo. A idia aqui contribuir para que o(a) professor(a) possa

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    fazer melhor a sua parte, criando situaes didticas que estimulem acriana a interagir com a lngua escrita de modo significativo e reflexi-vo, j que, como foi defendido at agora, no h dvida de que, paraler e produzir textos em diversas situaes de interao, necessriobem mais do que a aquisio de uma mecnica de decodificao/codificao de sinais grficos.

    O que preciso, ento, para formar

    leitores e produtores de textos?

    Um primeiro aspecto que gostaramos de ressaltar a necessi-dade de organizao do tempo pedaggico. fundamental distribuir-mos a carga horria de modo que os alunos tenham tempo suficientepara apropriarem-se de diferentes informaes relativas s distintasreas de conhecimento, aumentando sua bagagem de saber e seugrau de letramento.

    Discutir acerca de conceitos em Cincias Naturais, Cincias Hu-manas, Cincias Sociais e Cincias Exatas, articulando seu modo devida e sua atividade cotidiana a esses diversos tipos de saber umaexigncia hoje para que nossos alunos estejam inseridos na socieda-de de modo crtico. O acesso a todos esses saberes est indiscutivel-mente atrelado ao acesso escrita, embora tenhamos situaes deapropriao desses conhecimentos mediante a escuta de textos lidosem voz alta por outras pessoas, como o caso do jornal televisivo. Aescolha de bons temas a ser incorporados no cotidiano escolar ,portanto, uma primeira tarefa a ser cumprida.

    Um segundo ponto a considerar que, embora a escrita tenhapapel de destaque na nossa sociedade, no podemos minimizar arelevncia da oralidade para nosso convvio social. Nas instnciasmais ntimas, prticas como as de conversar, explicar sobre comofazer determinadas coisas, produzir relatos pessoais e contar histri-as so fundamentais para nos integrarmos aos diferentes grupos.Nas esfera pblica, a capacidade de compreender e ou produzir textosorais diversos tambm essencial, possibilitando a participao emdebates ou exposies de temas em encontros de grupos religiosos,polticos, acadmicos, associaes de moradores, entre outros, bem

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    como uma atuao competente ao, por exemplo, proferir uma palestra,ou participar de uma entrevista de seleo para um novo emprego.Assim, no podemos nos esquecer de favorecer, em sala de aula,situaes em que os alunos possam exercer atividades de produo ecompreenso de textos orais.

    Muitas vezes, no h um trabalho sistemtico com oralidadeporque, considerando que as crianas j sabem falar, alguns educa-dores acreditam que no h o que ensinar em termos de linguagemoral. Isso parcialmente verdadeiro. As crianas que chegam aosbancos escolares no precisam ser ensinadas a falar, e aquelas quenunca freqentaram a escola tambm aprendem a falar. Como afirmaPossenti (1997):

    O fato observvel que todos falam, e muito, e bem, a partir

    dos trs anos de idade. (p. 46). No entanto, [...] no se apren-

    de por exerccios, mas por prticas significativas [] o que

    podemos observar que ocorre um uso efetivo da linguagem,

    um uso sempre contextualizado, uma tentativa forte de dar

    sentido ao que o outro diz (p. 47).

    Em outras palavras, no se aprende uma lngua facilmente, semesforo. A habilidade de expor claramente um tema, uma idia ouopinio pode ser desenvolvida em situaes significativas geradasno contexto escolar. At mesmo para falantes experientes, o uso efici-ente e seguro da oralidade em instncias pblicas e mais formais no tarefa simples. A escola, portanto, pode e deve ajudar os falantes adesenvolver tal habilidade, j que o domnio da oralidade em situa-es mais familiares no garante seu exerccio em instncias pblicas.No por acaso, algumas crianas se recusam a falar para o seu grupoquando solicitadas pelo(a) professor(a). De fato, ao falar para umaplatia, ainda que essa seja bastante conhecida, entram em jogoaspectos que comumente no merecem tanta ateno quando ascrianas simplesmente conversam com seus pares. Os alunos pro-vavelmente intuem que necessrio usar uma linguagem diferenteda que eles usam para se comunicar com os colegas e com os fami-liares, e, possivelmente, no se sentem suficientemente seguros

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    para essa tarefa. Da a importncia de que se criem espaos de deba-te, exposio de temas, enfim, situaes em que as crianas falem eescutem (ou seja, produzam e compreendam textos orais), para que,atravs das intervenes do(a) professor(a) e do prprio grupo,elas desenvolvam o conhecimento e a segurana necessria para secomunicarem cada vez melhor.

    O domnio de uma multiplicidade de gneros textuais orais, almde ser de grande importncia para a participao em eventos mediadospela oralidade, tambm significativo para a aprendizagem e utilizaode gneros textuais escritos que guardam com esses gneros oraismuitas similaridades. De fato, como salientam Val e Barros (2003):

    O domnio da modalidade oral da lngua, que significa a capa-

    cidade de interpretar e produzir adequadamente textos fala-

    dos, no ambiente social cotidiano, a base sobre a qual se

    assenta o processo de construo e desenvolvimento dos

    conhecimentos necessrios interao verbal mediada pela

    escrita. (2003, p. 136)

    Val e Barros (2003) fazem tal alerta quando apresentam um es-tudo em que crianas ainda no alfabticas ditam textos instrucio-nais, demonstrando conhecimentos sobre os gneros instruesde jogo, receita medicinal e receita culinria. As autoras apon-tam que tais conhecimentos foram construdos em situaes oraisem que adultos e/ou outras crianas mais experientes ensinaramessas crianas a jogar, bem como em situaes nas quais podem tervisto adultos ensinando a fazer chs ou outras receitas.

    Esses exemplos mostram que gneros orais e escritos muitas ve-zes se aproximam. Dar um recado oralmente muitas vezes se assemelha atividade de produzir um bilhete. Contar uma histria de assombraomuito se assemelha a escrever um conto de assombrao. Assim, asdiversas prticas orais devem ser valorizadas, embora precisemos ter aclareza de que dominar esses gneros orais no suficiente para lidar-mos com os textos escritos. Em resumo, se por um lado, alguns textosorais tm semelhanas com alguns textos escritos, por outro lado, otexto escrito tem peculiaridades que exigem o domnio de um conjuntode recursos lingsticos nem sempre disponveis nos textos orais.

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    Por tal motivo, preciso disponibilizar bastante tempo para lei-tura, produo e explorao de diferentes gneros textuais escritos,distribuindo o tempo entre atividades de apropriao do sistema deescrita alfabtico e ortografia e atividades de leitura e produo detextos, que, por sua vez, podero se desdobrar em situaes de revi-so e explorao dos textos escritos.

    Reforamos que sem o domnio da base alfabtica da escritano h leitura eficiente, com senso crtico, nem produo de textocom autonomia e competncia. O ensino do sistema alfabtico deescrita , pois, uma das prioridades da educao infantil e dosanos iniciais de ensino fundamental. Alunos, pais e professores(as)ficam ansiosos quando no h progresso nessa aprendizagem. Aprofessora Rosngela Gomes dos Anjos, da Escola Municipal DomJos Lamartine Soares, Recife-PE, fala-nos, por exemplo, da rea-o dos seus alunos do 3 ano do 1 ciclo quando ainda no domi-nam a escrita alfabtica ou a ortografia bsica.

    Os alunos que fazem seus registros, atividades, de formailegvel acabam se sentindo sem nimo, por no grafar igualaos outros. Muitos alunos perguntam o tempo todo: Possodesenhar? Tenho mesmo que escrever?

    essencial, portanto, que as crianas adquiram certos conhe-cimentos, tais como: identifiquem e escrevam as letras do nosso alfabe-to; aprendam que as palavras so compostas por pedacinhos menores(slabas), que sempre incluem uma vogal; que essas letras ou combina-es de letras correspondem sistematicamente a determinados sons;que a cada unidade grfica (letra) corresponde uma unidade sonora(fonema); que a nossa escrita segue, via de regra, na direo da esquer-da para direita e de cima para baixo; dentre outras noes importantes.

    Para isso, imprescindvel dedicar-se cotidianamente a ensinaros alunos a transformar os sinais grficos em pauta sonora e vice-versa. No entanto, nas situaes didticas em que se priorizem essesaspectos, no se deve perder de vista que a leitura e a escrita soprimordialmente atividades de construo de sentidos.

    Assim, nas salas de educao infantil e anos iniciais do ensinofundamental podem e devem aparecer diversos gneros textuais lidos

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    pelo(a) professor(a), expostos nas paredes, lidos pelas crianas,produzidos coletivamente ou em brincadeiras de faz-de-conta, emque elas brincam de escrever. Atravs dessas prticas, as crianasvo se familiarizando com os diferentes usos e funes sociais detextos escritos, e no simplesmente com letras isoladas, sons, slabasou palavras soltas.

    Como tem sido apontado por diversos autores (ver, por exemplo,REGO, 1988; VAL e BARROS, 2003), muitos dos conhecimentos e habi-lidades para leitura e produo de textos escritos podem ser constru-dos mesmo antes que o aluno domine a base alfabtica de escrita.

    Assim como Cardoso e Madza (1998), defendemos que a imersodas crianas no universo de textos de diferentes gneros, bem como detextos diferentes de um mesmo gnero, far com que gradualmenteaprendam sobre o que h de semelhante e diferente entre esses textosem relao a temas, lxico, sintaxe, formas de apresentao na pgina,suporte, etc. Em outras palavras, as crianas vo aprendendo, por exem-plo, que uma carta pessoal para um amigo querido diferente de umacarta de reclamao dirigida ao dono de uma empresa, mas que, aomesmo tempo, h mais semelhanas entre esses textos do que se oscompararmos a uma notcia publicada num jornal.

    importante frisar, no entanto, que no basta expor as crianas adiferentes gneros textuais. Ou seja, os aspectos sociodiscursivos li-gados aos textos lidos ou produzidos em sala (por exemplo, a finalidadedo texto, a quem foi ou ser dirigido, as esferas sociais de circulao, ascaractersticas especficas de cada gnero) devem ser explorados pelo(a)professor(a) tanto no momento de produo, como no momento daleitura de textos. Assim, fundamental que circulem na escola os gne-ros textuais que esto presentes no mundo fora da escola, estimulan-do-se a leitura em diversos portadores e a discusso das idias, infor-maes e intenes dos autores em cada texto.

    Outro ponto essencial que o trabalho com o texto deve estarinserido em situaes comunicativas, com significado e sentido paraas crianas. Em outras palavras, importante que o(a) professor(a)considere os interesses do seu grupo de crianas, interesses quese manifestam, por exemplo, nas rodas de conversas, no recreio, ounas suas brincadeiras com os colegas. Tambm preciso ter olhos

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    abertos para os fatos ocorridos em sala da aula ou com certas crian-as em particular, e criar situaes de ensino, de modo que pro-postas concretas de trabalho sejam lanadas, envolvendo a pro-duo e a leitura de textos. Assim, se vai haver uma festa na escolaou uma reunio de pais, por que no escrever o convite com ascrianas em sala? Se chegou um irmozinho novo para uma das crian-as do grupo, por que no escrever um carto de boas-vindas para ele?Se as crianas esto encantadas com os contos de fada, que tal organi-zar uma dramatizao do conto preferido e escrever convites para queos colegas de outras turmas da escola venham assistir apresentao?Por que no tambm organizar um baile, envolvendo a escrita da listade convidados ou de comidas para a festa no castelo? Afinal, precisoreforar o bvio mais uma vez: no h como formar leitores e produto-res de textos competentes, sem que as crianas possam ter, desdecedo, a chance de ouvir, ler e escrever muitos e muitos textos na escola,inseridos em situaes significativas para elas, sejam elas reais, sejamelas de faz-de-conta (brincadeira).

    Propomos, ento, que sejam realizadas atividades diversas deproduo e compreenso de textos orais e escritos e atividades volta-das para a apropriao do sistema alfabtico de escrita. Consideran-do o tema do presente captulo, ampliaremos um pouco mais a discus-so sobre o trabalho com o texto escrito no incio da escolarizao.

    A produo e a leitura de texto com

    crianas em fase de alfabetizao

    Para discutir esse tpico, solicitamos a um grupo de professorasalfabetizadoras2 que descrevessem algum trabalho feito recentemen-te que envolvesse a leitura e a produo de textos. Tambm solicitamosque respondessem seguinte pergunta e a justificassem: Seus alunosso leitores? A anlise desse material permitiu uma aproximao das

    2 Trinta professoras de escolas pblicas da Regio Metropolitana do Recife par-ticiparam de um curso sobre Leitura e Produo de Textos na Alfabetizao,que foi promovido pelo Centro de Estudos em Educao e Linguagem (CEEL),em 2004, na Universidade Federal de Pernambuco. Os relatos e os planejamen-tos de atividades apresentados nesta seo foram coletados durante o curso.

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    concepes de leitura e escrita que possivelmente estariam embasan-do a prtica pedaggica das professoras do grupo.

    A quase totalidade das professoras mostrou, por suas respos-tas, uma concepo de leitura e escrita que vai claramente alm dashabilidades de transformar sinais grficos em pauta sonora. Vejamosalgumas dessas respostas:

    Sim, meus alunos so leitores, pois mesmo ainda no tendose apropriado do sistema de escrita, so capazes de interpre-tar oralmente textos lidos. Alm disso, so bastante motiva-dos para aprendizagem da leitura e escrita (Ana Anglica F. S.Pereira, 1 ano do 1 ciclo, Escola Municipal Educador PauloFreire, Recife-PE).

    Sim. Apesar de nem todos dominarem a leitura, consideroque so leitores pelo fato de realizarem no s a leitura corre-ta de palavras ou frases, mas pelo fato de se posicionarem emrelao ao livro que folheiam, da leitura prpria que fazemdas imagens vistas e observadas (Lvia de Miranda Amorim,Educao Infantil, Escola Municipal Alade Pedrosa, Jaboa-to dos Guararapes-PE).

    Tambm ficou evidente que, ainda que a leitura e a escrita decontos infantis tenham lugar predominante nas prticas de letramen-to nas salas de alfabetizao (seguindo at uma tendncia dos livrosdidticos dirigidos a essa fase), as professoras buscavam trabalharcom diferentes gneros textuais. Assim, no material coletado, obser-vamos, por exemplo, atividades que envolviam contos de fada, len-das do nosso folclore, cartas de reclamao, textos de opinio, listasde brinquedos, receitas culinrias, cantigas, entre outros. Houve, ain-da, diversidade com relao aos modos de produo de textos: escri-tas individuais, em duplas ou pela professora.

    Tais observaes mostram que um longo percurso foi trilhadoaps as discusses acerca da necessidade de estimular os alunos aparticipar ativamente de sua prpria aprendizagem e de lev-los aperceber que o que eles aprendem na escola tem relao com o queeles vivem fora dela.

    A fim de darmos continuidade s nossas reflexes, vejamos orelato de Andra de Souza Ferreira, professora da Escola Municipal

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    Severina Lira, em Recife-PE, sobre o trabalho que realizou com seugrupo de 23 alunos do terceiro ano do primeiro ciclo. Valendo-nos daprtica descrita, discutiremos algumas questes gerais referentes leitura e escrita de textos por crianas em fase de apropriao dosistema alfabtico.

    Anteriormente, j havamos trabalhado correspondncia (car-ta), em uma atividade em que os alunos escolheram um pa-rente e escreveram para eles. Foi possvel explorar a funosocial da carta e conclumos o trabalho, indo em uma agnciados Correios.

    Outro dia, em uma roda de conversa, surgiu a problemticada qualidade dos lpis utilizados pela escola (h muito tem-po). Um aluno no meio das reclamaes disse:

    A gente tinha que falar isso para o fabricante do lpis!!! Como? (eles perguntaram). Escrevendo uma carta.

    Todos gostaram da idia, mas questionaram sobre o endere-o. Informei a eles que poderamos achar o endereo na caixado lpis. Um aluno foi buscar uma caixa na secretaria e, defato, o endereo estava l. O trabalho com carta de reclama-o no estava programado, mas era preciso aproveitar oentusiasmo do grupo e assim foi feito. Pensei em escreveruma carta coletiva, mas percebendo, em outros momentos, adificuldade do grupo em reunir informaes para produocoletiva, propus que cada aluno escrevesse sua carta indivi-dualmente. Dessa forma, cada aluno poderia levantar idiaspara a produo coletiva. Posteriormente, li todas as cartasem voz alta. As crianas gostaram muito desse momento.Percebi o orgulho de cada uma em ouvir seu texto lido em vozalta e as produes foram ricas em informaes sobre a pro-blemtica do lpis. Conversei com os alunos sobre as produ-es: - Gente, as cartas esto timas! Mas no podemosenviar vinte e trs cartas falando do mesmo assunto. Que tala gente fazer uma carta coletiva? Ns podemos escrever algu-mas coisas que vocs colocaram no texto que vocs produzi-ram individualmente.

    As crianas gostaram da idia e, imediatamente, foram seleci-onando os trechos que mais gostaram nas cartas individuais.

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    Eles diziam: - gostei quando B diz..., a melhor foi a deIniciamos a construo coletiva escrevendo no quadro o queas crianas falavam. Vrios trechos foram escritos e depoisreformulados, na medida em que construamos o texto. Rel-amos e reescrevamos, fazendo correes e melhorando otexto da carta. Procurei pensar com os alunos: Quem a rece-ber essa carta? O que era importante escrever? Como escre-ver e como reclamar sem ser agressivo? Na medida em que otexto era construdo, conversvamos sobre todas essas ques-tes. Aps muitas escritas e reescritas, nosso texto coletivosatisfez a todos. Perguntei quem gostaria de copiar a carta emnome da turma. Muitos se prontificaram, mas Breno fezquesto de redigir a carta. A carta foi ento encaminhada aos

    fabricantes de lpis em So Paulo.

    No trabalho realizado por Andra, possvel realar algunsaspectos bastante positivos. Em primeiro lugar, salientamos a sen-sibilidade de aproveitar um momento especfico em que os alunosdepararam-se com um problema com potencial para gerar atividadesinteressantes de escrita e de leitura. Com isso, a professora mostroutambm que possvel e desejvel inserir-se na sociedade de modocrtico e participativo, e que a lngua um instrumento importantepara que isso possa ocorrer.

    Em segundo lugar, podemos ressaltar que a situao de escritafoi real, ou seja, as crianas tinham uma finalidade para escrever,reclamar sobre a qualidade de um produto comprado para eles, e umdestinatrio, a fbrica de lpis. Assim, adotaram um gnero textualadequado aos seus propsitos, a carta de reclamao.

    interessante observar tambm que a professora comea o de-poimento informando que essa no era a primeira vez que os alunosestavam em contato com o gnero carta na escola. Segundo seu rela-to, em atividade anterior, eles escreveram cartas pessoais e levarampara os Correios. A carta de reclamao tem similaridades com acarta pessoal, no entanto, tem diferenas. Nessa, h maior formali-dade e exige-se uma estrutura argumentativa, que, no caso em ques-to, objetivava convencer o destinatrio a adotar medidas para me-lhorar o produto oferecido escola. Dessa forma, embora os alunospudessem usar conhecimentos prvios, construdos nas situaesanteriores, tambm precisaram adaptar-se a uma nova situao,

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    aprendendo sobre as diferenas entre escrever uma carta pessoal euma carta de reclamao formal.

    Por fim, possvel destacar que o fato de as crianas terem feito aatividade em dois momentos propiciou o trabalho de reviso textual. Aoescreverem individualmente, as crianas precisaram coordenar as aesde gerar contedo, textualizar e registrar o texto. Desenvolveram, assim,habilidades importantes de escrita. Na fase posterior, quando os textosindividuais foram lidos, e eles foram chamados a escrever uma carta querepresentasse todo o grupo, tiveram que entrar em acordo sobre o quedizer, retomando os temas selecionados por cada um, e sobre o comodizer, revendo os modos que tinham adotado individualmente. Na produ-o coletiva, temos uma tima oportunidade de compartilhar com osalunos estratgias de reviso em processo. Reler trechos para dar conti-nuidade, reorganizar a seqncia textual, mudar palavras, rever estruturadas sentenas, so algumas das possibilidades.

    Vejamos um exemplo de uma das cartas escritas individualmen-te, no primeiro momento, e a carta coletiva que foi enviada ao fabri-cante de lpis.

    Carta individual:17/09/2004Carta ao fabricante do lpis Maximum Escolar

    Bom dia eu vou direto ao assunto. Ser que o senhor podemelhorar o produto do lpis, quauquer quoisinha a ponta sequebra. No por mau mais esses lpis so muito ruins e asborrachas tambm elas se partem quando voc usa 3 e 4veses, eta quase quase que eu me esquesia das lapizeira e amesma coisa das borrachas. Voc nein usa muito que elas sequebram. E agora eu vou esperar caumamente que a Borra-cha, a lapizeira, e o lpis melhorem.

    Carta coletiva:Recife, 13 de outubro de 2004Para: Fabricante do lpis MAXIMUM ESCOLAR HB N 2

    Ol!

    Ns somos alunos da Escola Municipal Severina Lira e estamoscom um problema. Ns usamos na escola o lpis que vocs

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    fabricam e os lpis esto muito fracos. Quando a ponta quebra,no conseguimos fazer a ponta, porque o lpis muito duro,quebrando o apontador. E tambm a ponta quebra o tempotodo. Uma aluna da sala, que se chama Williane, ficou com olpis pequeno em um dia s, de tanto tentar fazer a ponta.

    Esperamos que com essas informaes vocs melhoremos lpis. E, assim, todos ns vamos ficar felizes por terum lpis para trabalhar melhor.

    Como vemos, embora a carta coletiva mostre que o grupo realizouavanos significativos, poderamos dar continuidade ao bom trabalhoda professora atravs da leitura e reflexo sobre cartas de reclamaoescritas por outras pessoas, seguida de uma reviso final do textoproduzido coletivamente. Enfatizamos mais uma vez que, quanto maioro acesso e a explorao de bons modelos escritos nos diferentes gne-ros trabalhados em sala de aula, maiores as chances das crianas seapropriarem da estrutura caracterstica correspondente a esses diver-sos gneros textuais. Desse modo, mediante a leitura de cartas dereclamao escritas por outros, seria possvel explorar tanto aspectosmais formais, como a saudao inicial e final utilizadas nas cartas,at aspectos sociodiscursivos, como as estratgias argumentativasusadas por diferentes autores na produo de seus textos. Por exem-plo, seria possvel pensar sobre provveis objees que os desti-natrios poderiam fazer em relao ao que era defendido nas cartas.No caso analisado, poder-se-ia refletir sobre os motivos que levari-am os fabricantes de lpis a produzir produtos de baixa qualidade einserir no texto uma contra-argumentao, tentando convenc-losde que dessa forma eles poderiam vir a perder clientes.

    A proposta didtica de Andra teve, de fato, excelentes qualida-des, sobretudo por colocar as crianas em um jogo real de interlocu-o e por ajud-las a desenvolver capacidades de produo de textosindispensveis ao exerccio da escrita.

    O planejamento transcrito abaixo, elaborado por um grupo deprofessoras durante o curso em Leitura e Produo de Textos naAlfabetizao, mostra outra possibilidade interessante de trabalhocom a lngua, apresentando uma proposta de leitura com crianasnuma fase inicial de apropriao do sistema alfabtico.

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    Planejamento

    LIVRO: Maria-vai-com-as-outras.

    AUTORA: Silvia Orthof.

    EQUIPE DE PROFESSORAS:

    Anaide Pereira Santos Santana, 1 ano do 1 ciclo, Escola AnbalVarejo, Jaboato dos Guararapes-PE.

    Ester Marques Vera Cruz Silva, 2 ano do 1 ciclo, Escola OlindinaMonteiro de Frana, Recife-PE.

    Sandra Cristina Gomes da Silva, Alfabetizao, Escola Jardim AnaRosa Falco de Carvalho, Recife-PE.

    ATIVIDADES

    1 momento: Sensibilizao

    Apresentao do saco mgico.

    - Um saco mgico ser entregue s crianas (Dentro do saco estar umnovelo de l).

    - O saco passar de mo em mo para que as crianas descubram o seucontedo, sem que possam abrir o saco, s apalpando. medida que acriana o recebe, d a sua opinio.

    - Se as crianas no descobrirem, a professora dar pistas.

    - Serve para confeccionar roupas... As pessoas fazem xale com elaTem no cabelo de boneca de pano

    - Por que ser que dentro do saco mgico eu trouxe um novelo de l?

    - Qual o nome do animal que nos fornece a l?

    2 momento: Apresentao do livro

    - Hoje eu trouxe uma histria que fala de uma ovelha.

    - Quem l pra mim o ttulo de histria de hoje? (MARIA-VAI-COM-AS-OUTRAS).

    - Quem a autora e ilustradora?

    - O que vocs acham que vai acontecer nesta histria?

    - Qual ser o nome da ovelha?

    - Ser que ela tem amigas?

    3 momento: Apresentao de Maria.

    Antes da leitura:

    - Quem se chama Maria aqui na sala?

    - Vocs conhecem alguma Maria?

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    O professor far a leitura do texto, acompanhando com o dedo aescrita do livro, usando entonao para dar veracidade histria.

    4 momento: Interpretao oral

    Aps a leitura, fazer algumas dessas perguntas:

    - Quem lembra o ttulo da histria?

    - Quais so os personagens da histria?

    - Por que Maria sempre ia atrs das outras ovelhas?

    - O que as outras ovelhas faziam que Maria fazia tambm?

    - Ser que ela gostava de fazer o que as outras faziam?

    - Em que momento da histria Maria se perguntou por que estavafazendo tudo o que as outras ovelhas faziam?

    - Quem aqui j comeu jil?

    - O que Maria pensou na hora que estava comendo jil?

    - Ela parou de seguir as outras ovelhas?

    - Por que ela desistiu de seguir as outras ovelhas?

    - Quantas ovelhas pularam? O que elas gritavam?

    - Por que ser que ela no pulou?

    - O que ela fez, ento?

    - E agora, como est Maria?

    - O que vocs acharam da deciso de Maria?

    - Em que momentos somos parecidos com Maria?

    5 momento

    Desenho da histria, escrevendo o nome da personagem principal e aparte que mais gostou da histria.

    Obs: Em outros dias pode-se fazer leitura no convencional ou con-vencional da histria/ dramatizao/ confeco de uma novilha de l.

    A aula planejada pelas professoras Anaide, Ester e Sandra podeser comentada quanto a diferentes aspectos. A preocupao das pro-fessoras com os momentos anteriores leitura propriamente dita uma dimenso relevante a ser citada. A criao de expectativas sobreo que ser lido e o levantamento de hipteses sobre o contedo, combase nos conhecimentos prvios das crianas, so procedimentosque ajudam a desenvolver estratgias de leitura essenciais amplia-o da capacidade leitora, tal como aponta Sol (1998). A conversaposterior sobre o texto, levando as crianas a pensar acerca do que

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    foi narrado, ajuda a recuperar a organizao seqencial da histria e aelaborar as inferncias necessrias para entender melhor o conto. Porfim, dado que as crianas esto em fase de alfabetizao, as professo-ras buscam inserir uma atividade de escrita acompanhada do dese-nho sobre a histria ouvida.

    Concluindo, percebemos que as duas propostas discutidas an-teriormente refletem uma preocupao comum por parte das profes-soras: garantir que os seus alunos, desde os primeiros anos escola-res, estejam em contato com a escrita de modo significativo. Taispropostas tambm ilustram o que temos defendido at aqui: neces-srio organizar o tempo pedaggico, reservando espao para ajudaros alunos a compreender o nosso sistema de escrita (alfabetizaobsica), bem como para envolv-los em situaes comunicativas quecontribuam para a ampliao de suas habilidades de produo e decompreenso de textos orais e escritos.

    Referncias

    CARDOSO, Beatriz; MADZA, Ednir. Ler e escrever, muito prazer! SoPaulo: tica, 1998.

    FERREIRO, Emilia. Reflexes sobre alfabetizao. So Paulo: Cortez, 1986.

    FERREIRO, Emilia. Com todas as letras. So Paulo: Cortez, 1993.

    FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicognese da lngua escrita. Por-to Alegre: Artes Mdicas, 1979.

    POSSENTI, S. Por que (no) ensinar gramtica na escola. Campinas: ALB,Mercado de Letras, 1997.

    REGO, L. L. B. Literatura infantil: uma nova perspectiva da alfabetizaona pr-escola. So Paulo: FTD, 1988.

    SOL, Isabel. Estratgias de leitura. Trad. Cludia Schilling, 6. ed. PortoAlegre: Artmed, 1998.

    VAL, Maria de Graa C; BARROS, Lcia Fernanda P. Receitas e regras dejogo: a construo de textos injuntivos por crianas em fase de alfabetizao.In: ROCHA, Gladys; VAL, Maria da Graa C. Reflexes sobre prticasescolares de produo de texto: o sujeito-autor. Belo Horizonte: Autntica,2003.

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    Literatura na alfabetizao:que histria essa?

    Ana Carolina Perrusi Brando

    Ester Calland de Sousa Rosa

    Hoje em dia, dificilmente encontraremos um(a) professor(a)que no l ou conta histrias para seus alunos. Dessa forma, desdecedo as crianas na creche e na escola parecem ter contato com con-tos de fadas, lendas da cultura popular, fbulas, histrias lidas emlivros escritos para crianas, contos que os(as) professores(as) ouvi-ram em sua infncia, histrias reproduzidas em livros didticos

    Se realmente assim, ainda vale discutir esse assunto comprofessores(as)? O argumento central deste captulo que, apesar dehaver indcios de que a leitura de histrias constitui prtica j bastantedisseminada nas salas de educao infantil e nas primeiras sries doensino fundamental, existem certas questes que merecem ser apro-fundadas. O nosso objetivo , portanto, abordar algumas dessas ques-tes enfocando especialmente as formas como a literatura est presen-te em turmas com crianas nas fases iniciais de apropriao da escrita.

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    Para um comeo de conversa sobre o tema, poderamos entonos perguntar: o que se l para as crianas nas salas de alfabetiza-o1? Para que se l? O que as crianas aprendem com a leitura detextos literrios? Como conduzir a leitura desses textos em sala deaula? Como trabalhar com textos literrios sem cair na armadilha deutiliz-los para ensinamentos morais ou reduzi-los a pretextos paraexerccios de alfabetizao?

    Sobre o acesso das crianas aos textos

    literrios nas salas de alfabetizao

    Num rpido esforo de memria, professores(as) de diferen-tes geraes, desde as que j passaram dos 50 anos at as maisjovens, na casa dos 20, relatam experincias similares quando re-cordam suas primeiras lembranas escolares com a leitura (ROSA,2003; ROSA, 2004). Por exemplo, comum ouvir que na escola oprimeiro contato com textos escritos foi atravs da cartilha. Noentanto, algumas lembram de professoras que eventualmente con-tavam ou mesmo liam histrias nos momentos de lazer e descanso,para acalmar a turma depois do recreio, como atividade ldica nofinal da aula da sexta-feira ou para complementar o trabalho relati-vo a alguma data comemorativa. Assim, ao que parece, mesmoquando ler ou contar histrias estava presente na escola, essaatividade se constitua em algo espordico, isolado, um passatem-po, possivelmente sem inteno propriamente pedaggica.

    Contrariando a experincia vivida como estudantes, esses(as)mesmos(as) professores(as) se habituaram a ouvir em seus cursosde formao (inicial ou contnua), principalmente de meados dosanos oitenta at os dias atuais, que embora ler e escutar histriasdevesse servir, sem dvida, para divertir e entreter as crianas, talatividade tambm poderia servir como excelente recurso pedaggicono processo de alfabetizao.

    1 Para as finalidades deste texto, a sala de alfabetizao se refere ao primeirociclo de aprendizagem, conforme sistema implantado em algumas redes deensino, geralmente constitudo por crianas de 6, 7 e 8 anos de idade.

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    Ento, o que aconteceu? Boa parte desses(as) professores(as)passou a ler contos regularmente, ou passou a faz-lo com mais fre-qncia. De fato, como j afirmamos, dificilmente ouviremos algum(a)professor(a) dizer que no l ou conta histrias para seu grupo decrianas. Mas ser que isso significa que a literatura est plenamenterepresentada nas salas de alfabetizao? Todas as histrias que solidas para as crianas podem ser identificadas como literatura? Afinal,como definir entre os diferentes tipos de material impresso dispon-veis na sala de aula, o que literatura infantil?

    A escritora de livros infantis e pesquisadora do tema Lcia Pi-mentel Ges reconhece que no fcil definir o que literatura infan-til. Ela situa o debate sobre o tema e prope considerar que:

    [...] literatura infantil , antes de tudo, literatura, isto ,mensagem de arte, beleza e emoo. Portanto, se destinadaespecificamente criana, nada impede (pelo contrrio) quepossa agradar ao adulto. E nada modifica a sua caractersti-ca literria se, escrita para o adulto, agradar e emocionar acriana. [...] Literatura Infantil linguagem carregada designificados at o mximo grau possvel e dirigida ou no scrianas, mas que responda as exigncias que lhe so pr-prias (1991, p. 3, 15-16).

    Responder s exigncias das crianas supe que essas tenhamcontato extenso com textos, para que, assim, possam ter parmetrosde comparao e possveis preferncias. Para tanto, o(a) professor(a)tem papel importante na seleo dos livros a ser lidos para as crian-as. Se o texto agrada e atende s suas exigncias como leitor(a)mais experiente, se diz algo significativo sua sensibilidade, entovale a pena apresent-lo s crianas. Alm disso, disponibilizar li-vros e histrias as mais diversas para que as prprias crianas pro-cedam s suas escolhas algo indispensvel para quem quer formarleitores de literatura. Como bem resume a poeta Ceclia Meireles,autora muito lida nas salas de aula:

    Evidentemente, tudo uma literatura s. A dificuldade estem delimitar o que se considera especialmente do mbitoinfantil. So as crianas na verdade que o delimitam com sua

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    preferncia. Costuma-se classificar Literatura Infantil o quepara elas se escreve. Seria mais acertado, talvez, assimclassificar o que elas lem com utilidade e prazer. Nohaveria, pois, uma literatura infantil a priori, mas a poste-riori. (1984, p. 20)

    Considerando o princpio de que adjetivar a literatura de infan-til depende menos de sua produo e mais de sua recepo, textosque necessariamente no foram escritos pensando num leitor crianatambm podem ser apreciados por ele2. Tal pressuposto pode servisto como sugesto para que o(a) professor(a) experimente introdu-zir a leitura de outros textos, alm dos presentes na produo editorialque leva o rtulo de literatura indicada para crianas.

    Ainda pensando no que ler para as crianas no universo liter-rio, bom ressaltar que no somente as histrias tm valor esttico.Tambm as crnicas, os textos biogrficos, as canes, os poemas,os textos teatrais, os mitos, as narrativas constitudas exclusivamen-te de imagens, entre outras formas textuais, podem atender a essecritrio, e, como bem nos lembra o crtico literrio Antnio Cndido,podem ser classificadas como literatura:

    todas as criaes de toque potico, ficcional ou dramtico emtodos os nveis de uma sociedade, em todos os tipos decultura, desde o que chamamos de folclore, lenda, chiste, atas formas mais complexas e difceis da produo escrita dasgrandes civilizaes (1995, p. 242).

    Constatamos, no entanto, que certos variantes literrios tmpresena menos garantida nas salas de aula. Alguns dados foramcoletados numa enquete realizada com um grupo de professorasparticipantes de um curso em Leitura e Produo de Textos na

    2 Esta certamente uma referncia prpria origem da literatura infantil,que nasce na Europa, a partir de histrias contadas em rodas de adultos, que,no entanto, tambm eram freqentadas por crianas. Mais tarde, essas hist-rias foram compiladas por Perrault (1628-1703), pela Mme dAulnoy (1650-1705), os irmos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), ereinventadas como gnero literrio em 1835 por Hans Christian Andersen(1805-1875).

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    Alfabetizao, coordenado pelo Centro de Estudos em Educaoe Linguagem CEEL.3

    Quando lhes perguntaram sobre o que lem para seus alunos,apenas trs professoras deixaram de referir histrias infantis, con-tos ou narrativas em sua lista. Algumas mencionaram livros para-didticos4, que parecem ser tomados como gnero textual, possivel-mente sinnimo de histrias para crianas, seguindo uma nomenclaturaadotada em catlogos de algumas editoras. No entanto, vale notar quemenos da metade das professoras citou a leitura de outros gnerostextuais tambm considerados literrios, tais como: fbulas, poe-sias, cantigas, lendas, parlendas e adivinhas.

    Alm disso, na listagem feita por essas professoras, no aparece-ram textos biogrficos, forma de narrativa j amplamente representadana produo nacional e em tradues de livros de autores estrangeiros.

    Outro ilustre ausente dessa listagem so os textos teatrais, comroteiros que podem, at, inspirar a montagem de peas com as crian-as, tais como: O Baile do Menino Deus, A bandeira de So Joo, OArlequim, excelentes exemplos de folguedos populares traduzidospara a linguagem dramtica e registrados na forma de livro.

    Os cordis tambm no foram mencionados pelas professoras,embora algumas delas cheguem a recordar, em seus relatos autobio-grficos, que os folhetos estiveram presentes na infncia, em cidadesdo interior de Pernambuco. Estudos nessa rea (ABREU, 1999, ABREU,1999a, GALVO, 2001) tm demonstrando o papel que o cordel de-sempenha para a populao no escolarizada, fazendo a ponte entrea cultura oral e o mundo da escrita. Naquele contexto, a condio deleitor pode estar associada funo de criador de textos, produoescrita, habilidade de declamao de textos poticos, produo

    3 Participaram do curso 33 professoras que atuam em escolas pblicas na RegioMetropolitana do Recife, com turmas de alfabetizao, de 1 e 2 sries ou de-primeiro ciclo. A adeso voluntria ao curso envolveu tambm o concentimentopara que o material colhido durante os encontros de formao pudesse integrar apresente publicao.

    4 Na verdade, os chamados paradidticos incluem no apenas livros de fico,mas tambm livros informativos produzidos para o mercado escolar, sem, noentanto, apresentar as caractersticas funcionais e de composio do manualdidtico (YASUDA e TEIXEIRA, 1997).

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    material de cordis, sua divulgao e circulao entre os leitorespotenciais. Assim, tendo ou no passagem pela escola, adultos podemreconhecer-se e ser reconhecidos socialmente como leitores, desdeque envolvidos em alguma dessas etapas da produo e circulaodos cordis. Conhecer e divulgar essa histria e lembrar como essegnero textual ainda continua presente na vida de muitas comunida-des pode tornar-se um objetivo a mais que justifica a introduo daliteratura de cordel na sala de aula.

    Outro gnero textual que nos pareceu sub-representado na lis-tagem das professoras foi a lenda (lembrada por apenas quatroprofessoras). A leitura de lendas particularmente importante noapenas quando se leva em conta seu papel para a histria da literatu-ra, mas tambm por serem elementos constituintes da nossa identida-de nacional. Sob o rtulo lendas, poderiam, portanto, estar presen-tes os mitos e as histrias da tradio oral africana e indgena5.

    De acordo com as professoras, nas escolas a organizao doacervo de livros de literatura se d de diferentes formas, por exemplo:biblioteca volante, estante de leitura, casinha de leitura, caixinha deleitura, biblioteca na escola. Apenas cinco professoras informaram nodispor de livros na escola, entre as quais duas afirmaram que tentavamsolucionar o problema utilizando livros de seu acervo pessoal.

    Vale salientar que a maioria das professoras (pouco mais de doisteros do grupo) parece estar satisfeita com o acervo de leitura exis-tente nas escolas, no sendo registradas queixas quanto renovaodesse acervo. No entanto, a falta de diversidade e a prpria exclusode certos gneros literrios nas prticas de leitura em sala de aulapodem estar relacionadas qualidade e diversidade do conjunto delivros disponveis na escola. Portanto, garantir maior acesso aos dife-rentes gneros existentes parece ser um primeiro desafio a ser enfren-tado por professores e professoras que tm como objetivo sensibili-zar novos leitores em seu letramento literrio.

    5 Note que as narrativas que aparecem sob designao lendas no assumem,para os povos que criaram e contam essas histrias, a significao que nor-malmente atribui-se a essas produes. Isso porque tais narrativas constituemum modo de explicar o passado e de ajudar a organizar a vida social de certosgrupos, no sendo, portanto, reconhecidas por eles como fico.

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    Sobre as finalidades da leitura de textos literrios

    nas salas de alfabetizao e sobre o que as crianas

    aprendem com a leitura desses textos

    O texto literrio tem origem e finalidades que no se confun-dem com seu uso escolar. Quando surgiu, ainda na sua verso orale depois com o suporte da escrita, a literatura cumpria funo socialespecial que era a de ajudar a compreender e a ordenar a realidade,dando forma lingstica a sensaes, sentimentos e idias