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8/4/2019 BRECHT_Amplitude e Variedade do Modo de Escrever Realista (ptBR) http://slidepdf.com/reader/full/brechtamplitude-e-variedade-do-modo-de-escrever-realista-ptbr 1/10 Amplitude e variedade do modo de escrever realista BERTOLT BRECHT (1393-1956) N os ÚLTIMOS TEMPOS, leitores da revista Das Wort - certamente em virtude de alguns ensaios que enfocaram em especial um determi- nado estilo realista, o do romance burguês - manifestaram a preo- cupação de esta revista estar querendo designar ao realismo na literatura um espaço demasiado estreito. Pode ser que se tenham prescrito para o modo de escrever realista, em um punhado de considerações, características de- masiadamente formais; com isso, mais de um leitor chegou a pensar que se queria dizer o seguinte: um livro estaria escrito de maneira realista se fosse escrito como os romances realistas burgueses do século passado. Evidentemente não é isso o que se quer dizer. O estilo realista pode ser distinguido do não-realista na medida em que é confrontado com a própria realidade da qual trata. Não há aí formalidades especiais a serem consideradas. Talvez seja benéfico apresentar aqui ao leitor um escritor do passado que escrevia de maneira diversa da dos romancistas burgueses e, contudo, deve ser chamado de grande realista: trata-se do grande poeta revolucionário inglês P.B. Shelley. Caso a sua grandiosa balada O cortejo mascarado da anarquia, escrita imediatamente após a sangrenta repressão das agitações em Manchester (1819) pela burguesia, não corresponda às descrições costumeiras do estilo realista, então teremos de tomar providên- cias para que a descrição mesma do estilo realista seja modificada, amplia- da, aperfeiçoada. Shelley descreve como um terrível cortejo vai se movi- mentando de Manchester a Londres (1): II I met Murder on the way - He had a mask like Castlereagh Very smooth he looked, yet ¿rim; Seven blood-hounds followed him. No caminho encontrei Assassínio. Usava máscara de Castlereagh (2) pare- cia muito liso mas tenebroso. Sete cães ferozes o acompanhavam.

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Ampl i tude e variedadedo modo de escrever realistaB E R T O L T B R E C H T ( 1 3 9 3 - 1 9 5 6 )

Nos ÚL T IM OS T E M P OS , leitores da revista DasWort - certamente emvirtude de alguns ensaios que enfocaram em especial um determi-

nado estilo realista, o do romance burguês - manifestarama preo-

cupação de esta revista estar querendo designar ao realismo na literatura um

espaço demasiado estreito. Pode ser que se tenham prescrito para o modode escrever realista, em um punhado de considerações, características de-

masiadamente formais; com isso, mais de um leitor chegou a pensar que se

queria dizer o seguinte: um livro só estaria escrito de maneira realista sefosse escrito como os romances realistas burgueses do século passado.

Evidentemente não é isso o que se quer dizer. O estilo realista só pode

ser distinguido do não-realista na medida em que é confrontado com a

própria realidade da qual trata. Não há aí formalidades especiais a serem

consideradas. Talvez seja benéfico apresentar aqui ao leitor um escritor do

passado que escrevia de maneira diversa da dos romancistas burgueses e,

contudo, deve ser chamado de grande realista: trata-se do grande poetarevolucionário inglês P.B. Shelley. Caso a sua grandiosa balada O cortejo

mascarado da anarquia, escrita imediatamente após a sangrenta repressão

das agitações em Manchester (1819) pela burguesia, não corresponda às

descrições costumeiras do estilo realista, então teremos de tomar providên-

cias para que a descrição mesma do estilo realista seja modificada, amplia-

da, aperfeiçoada. Shelley descreve como um terrível cortejo vai se movi-

mentando de Manchester a Londres (1):

II

I metMurder on theway -

He had a mask like Castlereagh —

Very smooth he looked, y et ¿rim;

Seven blood-hounds followed him.

No caminhoencontrei Assassínio. Usava máscara de Castlereagh(2) — pare-

cia muito liso mas tenebroso. Sete cães ferozes o acompanhavam.

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III

All were fat; a nd well they might

B e in admirable plight,

F or one by one, and two by two,

H e tossed them human hearts to chew

Wichfrom his wide cloak he drew.

Não era de admirar, pois, que fossem tão gordos e tivessem tão boa forma.

Um a um, dois a dois, de suas mãos recebiam corações humanos que, de sob seu

amplo manto, ele retirava para serem devorados.

IV

Next came F raud, and he had on,

L ike E ldo n , a n ermined gown;

His big tears, for the wept well,

Turned to mill-stone as they fell.

Em seguida vinha Embuste; vestia, como Eldon (3), uma toga ornada de

arminho; suas copiosas lágrimas (ele sabia chorar...) transformavam-se, ao cair, em

pedras de moinho.

V

And the little children, wh o

Round his feet played to and fro,

Thinking every tear a gem,

H a d their brains knocked out by them.

E a seus pés as criancinhas (4) que por ali brincavam, pensando que cada umadas lágrimas fosse pedra preciosa, tiveram os seus cérebros destruídos por elas.

V I

Clothed with th e Bible, as with light,

And the shadows of th e night,

Like Sidmouth, next, Hypocrisy

O n a crocodile rode by .

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Com passo rápido e imponente o solo inglês transpôs, transformando em

polpa sangrenta a multidão que o adorava.

XI

And a mighty troop around.,

With their trampling shook theground.

Waving each a bloody sword.

F or th e service of their Lord.

E o poderso exército com marcha pesada sacudia o chão; cada soldado bran-

dindo a espada sangrenta a serviço de seu Senhor.

XII

And withglorious triumph, they

Rode through England, proud and gay,

Drunk aswith intoxication

O f th e wine of desolation.

E em gloriosa marcha triunfal, a Inglaterra atravessaram, cheios de orgulho

e alegria como se bêbados do vinho da devastação.

XIII

O'er field and towns,from sea to sea,

Passed th e Pageantswift a n d free,

Tearing up, and trampling d o w n ;

Till they came to London town.

Pelos campos e cidades, de um a outro mar, livre e veloz vinha o cortejo,tudo destruindo e arrasando, até chegar à cidade de Londres.

XIV

And each dweller, panic-stricken,

Pelt his heart-with terror sicken

Hearing the tempestuous cry

O f th e triumph of Anarchy.

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E cada um de seus habitantes, apavorado, sentiu o coração apertado de

medo, ao ouvir o impetuoso grito de triunfo de Anarquia.

XV

F or withpomp to meethim came,

Clothed in arms like blood and flame,

T he hired murderers, wh o did sing

" T h o u art God,and Law, and King.

Pois com grande pompa vieram encontrá-lo, equipados com armasde sangue

e fogo, os assassinosde aluguel, cantando em altos brados: "Tu és Deus, e Lei, e Rei.

XVI

W e h a v e waited, w ea k a nd lone

F or th y coming,Mighty One!

O ur purses are empty, our swords a re cold,

Give us glory, and blood, and gold".

Esperamos, fracos e solitários, pela tua vinda, ó Poderoso! Nossas bolsas

estão vazias, nossas espadas frias, dá-nos glória, e sangue, e ouro."

XVII

L a w y e r s and priests, a motley crowd,

T o th e earth their pale brows bowed;

Like a bad prayer not over loud,

Whispering - " T h o u art Lawand God." -

Advogados e sacerdotes, uma multidão variegada, inclinaram ao chão astestas pálidas, sussurrando, uma prece ruim, não muito alto: "Tu és Lei e Deus."

XVIII

T h e n a ll cried with on e accord,

" T h o u art King, and God,and Lord;

Anarchy, to the e w e bow,

B e t h y name made holy now!"

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Então todos, como se de comum acordo, exclamavam: "Tu és Rei, e Deus,e Senhor; Anarquia, diante de ti nos curvamos; sagrado seja teu nome de hoje em

diante!"

XIX

And Anarchy j th e Skeleton,

B o w e d and grinned to every one,,

As well a s if h is education

H a d cost ten millions to the nation.

E Anarquia, o Esqueleto, inclinou-se e lançou a todos um sorriso malicioso,

para mostrar que sua formação havia custado dez milhões à nação.

XX

F or he knew th e Palaces

O f our Kings w ere rightly his;

His the sceptre, crown, a n d globe.

A n d the gold-inw oven robe.

Pois sabia que os Palácios dos Reis eram, de direito, seus; seus o cetro, a

coroa, e a esfera, e o manto de fios de ouro.

* * *Assim, acompanham os o cortejo de anarquia rum o a L ondres, vemos

grandes imagens simbólicas e sabemos a cada verso que a realidade se ex-pressou. Aqui não apenas o assassínio foi chamado pelo nome certo, mastambém o que se denominava tranqüilidade e ordem foi desmascarado comoanarquia e crime. E esse modo de escrever simbolista de forma alguma im-pede Shelley de tornar-se bem concreto. O seu vôo não se levanta paramuito acima da superfície terrestre. S ua balada fala então da liberdade, eisto se dá da seguinte maneira:

XXXVIII

Rise l ike Lions after slumber

In unvanquishable number,

Shake your chains to earth l ike dew

Which in sleep had fallen on you -

T e arem a n y - they are few.

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Em número invencível erguei-vos, Leões após o sono. Lançai por terra os

grilhões quais gotas de orvalho sobre vós caídas durante o sono — sois muitos—eles são poucos.

XXXIX

"What isFreedom? - ye cantell

That which slavery is, toowell-

for its very name hasgrown

T o an echo o f your own.

O que é a Liberdade?— Podeis dizer muito bem o que é a escravidão — pois

o seu nome passou a ser um eco do vosso.

XL

Tis to work and have such pa y

As just keeps l i f e from day to day

In y ours limbs, as in a cell

F or th e tyrants' use to dwell,

É trabalhar e receber salário apenas suficiente para manter a vida de dia a

dia, como numa cela, para uso do tirano.

XLI

So that ye for them a re made

L oom, a nd plough, a nd sword, a nd spade,

With or without your ow n will bent

T o their defence and nourishment.

E assim, querendo ou não trabalhar para sua defesa e sustento, sois dele

tear, e arado, e espada, e pá.

X L I I

T is to see your children weak

With their mothers pine and peak,

When thewinter winds arebleak, -

They are dying w hilst I speak.

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É ver vossos enfraquecidos filhos de

mães que definham quando sopram, gélidos,

os ventos do inverno — nesse mesmo instan-

te em que vos falo, estão morrendo.

X L I I I

T is to hunger fo r such diet

As the rich man in his riot

Casts to the fat dogs that lie

Surfeiting beneath his eye.

É cobiçar a comida que o rico, em suas

orgias, lança aos cães gordos que jazem,

empanturrados, a seus pés.

Há muito o que aprender comBalzac - desde que já se tenha aprendidomuito. Mas a escritores como Shelleyháque se designar, na grande escoladosrea-

listas, um lugar aindamais visível do quea Balzac, já que, mais do que este, elepossibilita a abstração, e não é um inimi-go das classes baixas, mas um amigo.

Pode-se ver com Shelley que omodo de escrever realista não significaa renúncia à fantasia nem ao autênticovirtuosismo artístico. Também não há

nada que impeça os realistas Cervantese Swift de fazer com que cavaleiroslu-tem commoinhos de vento e que cava-los constituam estados. Não o concei-to de estreiteza, mas o de amplitudecombina com o realismo. Apropria re-alidade é ampla, multifacetada, contra-ditória; a história cria e refuta modelos.O esteta pode querer, por exemplo,

encarcerar amoral da história nos acon-

Brecht e o realismoA INTENSA POLÊMICA a respeito do

conceito de realismo, travada en-tre escritores e intelectuais alemães nosanos 30, tem como pano de fundo a

ascensão do nacional-socialismo e aconseqüente experiência do exílio. Obreve texto de B ertolt Brecht aqui re-produzido dá testemunho de seu em-penho teórico em apresentar uma con-cepção de realismo alternativa à desen-volvida por Georg Lukács em ensaiospublicados sobretudo em duas revistasliterárias editadas em Moscou: DasWort (A P alavra), publicada mensal-mente de 1936 a 1939 sob a direção de

L ion Feuchtwanger, Willi Bredel e dopróprio Brecht, e a InternationaleLiteratur,dirigida pelo antigo exprés-sionista Johannes R, Becher, que em1954 se tornaria ministro da cultura daRepública Democrática Alemã, Nesteórgão, L ukács publica em 1936 o seufamoso e polêmico ensaio Narrar oudescrever, que Brecht, pouco depois,comenta criticamente em suas Obser-

vaçõ es sobre um ensaio. Uma das obje-ções feitas neste comentário diz respei-to à relevância que Lukács, estabele-cendo como modelo os grandes heróisde Balzac e Tolstoi, atribui ao indiví-duo (o que poderia desembocar, na vi-são brechtiana, num individualismo se-melhante ao explicitado por AndréGide em seu livro R et our de l'URSS,em que acusa a inexistência de indiví-duos na sociedade soviética). Em ou-

tros textos, Brecht explícita sua discor-dância das concepções estéticas lukac-sianas de maneira mais específica: emNotas sobre o estilo realista, por exem-plo, a discussão de procedimentos nar-rativos depreciados porLukács- 8uxode consciência, multiperspectivismo,montagem, estranhamento - buscaapontar para os limites de um conceitode realismo preso em demasia a algu-mas teses de Engels e Lenin sobre aherança realista.

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tecimentos e vetar ao poeta a manifes-tação de juízos. Mas o Grimmelshausen

(6) não permite que se lhe proíbam oato moralizante e a abstração - nemDickens, nem Balzac. Tolstoi pode fa-

vorecer a empatia do leitor; Voltaire adificulta. Balzac constrói com tensão,de maneira rica em conflitos; Hasek (7)constrói semtensão e com conflitosmí-nimos. Não são asformas exteriores quefazem o realista. E também não há umaprofilaxia infalível: virtuosismo artísti-co em pleno frescor pode desembocarem esteticismo fétido, fantasia florescen-

te em brincadeiras estéreis no mundoda lua, o que acontece freqüentementenum mesmo escritor; nem por isso po-demos fazer advertências quanto avirtuosismo artístico e fantasia. O rea-lismo degenera assim em naturalismomecânico, repetidas vezes, nos realistasmais significativos.O conselho: "escre-vam como Shelley!", seria absurdo;também o seria aconselhar: "escrevamcomo Balzac!". Os assim aconselhadosexpressar-se-iam aqui em imagens to-madas à vida de pessoas mortas, espe-culariam acolá com reações psíquicasque não mais se desencadeiam. Mas senós percebermos de quantas maneirasvariadas a realidade pode ser descrita,

então perceberemos que realismo nãoé uma questão formal. Nada é tão ruimquanto, na apresentação de modelosformais, apresentar demasiado poucos

modelos. Éperigoso atar o grande con-ceito realismo a umpunhado de nomes,por mais famosos que possam ser, esacralizar umpunhado de formas comoo único método criativo possível, ainda

que possamser formas úteis. A respeito

O ensejo imediato para o presentetexto, escrito em 1938, pode ter sidouma condenação, proferida pouco an-tes por Lukács na Internationale

Literatur,de certos dramasde B re c ht

como formalistas. No entanto, Brecht,

num comentário posterior, reitera osentido positivo de sua polêmica como teórico marxista húngaro, argumen-tando que um conceito de realismomaisamplo, generoso e,portanto,mais"realista",apenas fortaleceria a posiçãodos escritores e intelectuais engajadosna luta contra o fascismo.

A admiração de Brecht pela baladade Shelley The mask of anarchy, que es-

trutura suas considerações sobre "am-plitude e variedade do modo de escre-ver realista",manifestou-se emmaisdeuma ocasião. O longo poema Ocorte-

jo anacrônico ouLiberdade e democracy,

composto em 41 estrofes que narramaentrada - tão triunfeiquanto hipócrita- de valores norte-americanos na Ale-manha arruinada pela guerra, segue in-tencionalmente os passos da composi-ção de Shelley.Afinidades comesta, en-

tretanto,járevelava a balada expressio-nista Lenda do soldado morto, queBrecht escreve em 1918: em imagensgrotescas narra-se um cortejo desvai-rado em torno de um soldado já mor-to, que é desenterrado por ordem dokaiser^ em avançado estado de decom-posição, conduzido de volta ao front.

Por fim, valeria citar ainda esta notaque Brecht registra em 1938 sob o im-

pacto da balada The mask of anarc hy ."Como é terrível lerpoemas de Shelley(para não falar dos cantos camponesesegípcios de três milanos atrás), denun-ciando opressão e exploração. Será quenós seremos lidos também assim, ain-da sob opressão e exploração, dizendoas pessoas: 'Já naquele tempo..,'?"

* Mar cm V,Mazzari é professor de teorialiterária na Universidade de São Paulo.

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de formas literárias deve-se consultar a realidade, não a estética, nem mes-mo a do realismo. A verdade pode ser silenciada de muitas maneiras e podeser dita de muitas maneiras. Nós derivamos a nossa estética, assim como anossa ética, a partir das necessidades de nossa luta.

Notas

1 A tradução emprosa é de Munira H. M utran, do Departamento de Letras Mo-dernas da FFLCH-USP. O poema T he mask o f A narchy . W ritten on the occasion

o f the Massacre at Manchester, escrito por Percy Bysshe Shelley em 1819 e publi-cado em 1832, foi inspirado na indignação do poeta pelo massacre de M anchester,a 16 de agosto de 1819 (o chamado M assacre de Peterloo), em que a multidãoapenas clamou por reformas parlamentares.

2 Robert Stewart Castlereagh, marquês de Londonderry: político conservador,conduziu a partir de 1812, como ministro das relações exteriores, a políticainglesa frente a Napoleão I.

3 John Scott Earl of Eldon, lorde-chanceler de 1801 a 1827, opôs-se àsreformasdo direito penal, às reformas do parlamento e à emancipação dos católicos.

4 P ossível alusão ao processo judicial em que E ldon determinou que Shelley per-desse a guarda sobre seus filhos.

5 Trata-se de lorde Henry Addington, ministro do interior britânico de 1813 a1821, e responsável enquanto tal pela segurança interna do país.

6 Hans Jakob Christoffel von Grimmelshausen (1622-1676), escritor barroco ale-mão. Os inúmeros episódios - alguns de cunho fantástico - narrados em seuromance O aventuroso Simplicius Simplicissimus (1669) constituem um amplopainel da Guerra dos T rinta Anos. Uma personagem secundária deste romance(mas protagonista de uma narrativa posterior de Grimmelshausen), a "andarilhaCourage", foi aproveitada por Brecht na peça Mãe Coragem e seus filhos ( 1 9 3 9 ) .

7 Jaroslav Hasek (1883-1923), escritor tcheco, conhecido sobretudo pelo seu

romance humorístico-satírico As aventuras do bravo soldado Schweik (1921-1923),ambientado na Primeira Guerra M undial. Brecht adaptou a obra de Hasek emsua peça Schweik na Segunda Guerra Mundial (1944).

Tradução de M arcus Vinicius M azzari. O original emalemão - Weite und Vielfalt

derrealistischen Schreibweise - encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para

eventual consulta.