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Breve Análise da Recente Dinâmica Territorial no Estado de Roraima
José Henrique Vilas Boas – IBGE/BA – [email protected]
Osmar Barreto Borges – IBAMA/RR – [email protected]
Resumo
O Estado de Roraima apresenta, no seu conjunto, uma interessante
conformação de regiões com diferentes dinâmicas de ocupação e uso de seu
território. De um passado lento e sedimentado, passou, em tempos recentes, a
um presente acelerado e mutante. Aproveitando esse excelente laboratório
para o estudo da dinâmica territorial e dos modelos de desenvolvimento, vaise
procurar aqui espacializar e analisar, de forma breve, os diferentes aspectos de
desenvolvimento de uma região brasileira onde, basicamente, se tem uma forte
presença do Estado, mas que, contudo, observa uma atuante participação de
diferentes correntes da iniciativa privada.
Abstract
The State of Roraima presents, as a hole, an interesting set of areas with
different occupation dynamics and use of its territory. Of a slow and silted up
past, it passed, in recent times, to an accelerated and mutant present. Taking
advantage of this excellent laboratory for the study of the territorial dynamics
and of the development models, it will seek to map them here and to analyze, in
a brief way, the different aspects of development of a Brazilian area where,
basically, a strong presence of the State is had, but that, however, it observes
an active participation of different currents of the deprived initiative.
Introdução
O Estado de Roraima apresenta uma peculiaridade que constitui um
diferencial seu em relação aos demais estados da Amazônia brasileira; além da
floresta tropical, conta com uma extensa área campestre da formação do
Cerrado, na sua porção nordeste, em pleno extremo norte brasileiro. Esta
característica deu razão ao desenvolvimento na região de um modelo próprio
de ocupação, uso e povoamento para os moldes de Amazônia, embora, no
entanto, se na Amazônia, com o aporte de suas particularidades.
A principal contribuição que este trabalho pretende dar é a de definir
áreas do Estado de Roraima no que elas apresentam de aspectos distintos
entre si quanto ao seu desenvolvimento, formas e modelos, e mostrar seus
interrelacionamentos. A dinâmica territorial verificase em todos os cantos do
país e do mundo, mas, particularmente, nesse Estado, sua presença é
marcante, e, como em um jogo de peças dispostas em cima de uma mesa, fácil
de observar seus movimentos, reflexos e conflitos.
Esta riqueza de situações, basicamente, se deve ao salto que deu a
região do rio Branco, o atual Estado de Roraima, no que diz respeito ao seu
desenvolvimento. Saiu de um passado de níveis de transformação muito
lentos, que configuravam uma situação econômica e social muito sedimentada,
passando para um presente de desenvolvimento acelerado, o que lhe confere
um alto grau de mutabilidade nas relações intereconômicas e intersociais, com
reflexos no espaço, na paisagem.
A Economia, em poucos anos, no espaço de uma só geração, deixou de
refletir uma ocupação e uso da terra baseados na pecuária extensiva, garimpo
do ouro e diamante (atualmente proibido), na região dos campos, e no
extrativismo vegetal, na região da floresta, e vai cedendo espaço para uma
agricultura diversificada, seja de culturas temporárias, seja de culturas
permanentes, e, também, para uma pecuária, agora, em padrões modernos.
Com isso, trabalhase com uma realidade multivariada, em que se tem
frentes pioneiras, povoações antigas abandonadas, modernas fazendas de
gado, rebanhos comunais, plantações de arroz de alta tecnologia, agricultura
itinerante, desmatamentos, “desintrusão”, criatórios de peixe, implantação de
novas culturas de mercado, assentamentos rurais em quantidade e semi
abandonados. Os mapas não conseguem acompanhar e espacializar as
mudanças políticoadministrativas e sócioeconômicas observadas em um
Estado, que se encontra em um intenso movimento em busca de suas
vocações e de sua cara.
Áreas quando ao seu desenvolvimento
Apenas um breve comentário será feito para apresentar as diferentes
áreas de desenvolvimento definidas aqui em uma primeira aproximação (Figura
1). Outras áreas devem ser ainda definidas e algumas dessas, ainda
particularizadas em subáreas ou mesmo em outras áreas quanto ao seu
modelo de desenvolvimento e quanto ao comportamento presente da dinâmica
territorial.
A identificação dessas áreas teve início quando do levantamento feito
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, da cobertura e uso da
terra do Estado de Roraima, nos anos de 2004 e 2005. Tomando por base
então o relatório técnico resultante desse levantamento, “Uso da Terra no
Estado de Roraima” (IBGE, 2005), dáse continuidade aos estudos e pesquisas
quanto ao aspecto do desenvolvimento regional e da dinâmica territorial, cujos
resultados preliminares são aqui apresentados.
O estudo completo dessas áreas exige comprovações fundamentadas
em dados censitários e econômicos, levantamento histórico de documentos
legais, mapas e bibliografia, pesquisas de campo detalhadas e análise
temporal da ocupação e uso da terra por imagens de satélite e outros recursos
disponíveis de Sensoriamento Remoto e até mesmo de Aerofotogrametria, se
houver.
Não somente regiões como áreas foram definidas e descritas, como
também cidades, pelos aspectos interessantes quanto a Sinergia e Entropia
que possam apresentar, ou mesmo quanto ao próprio modelo de
desenvolvimento ou forma de criação, o que lhes dá a sua condição atual.
E com isso, podese dar início ao estudo pela sua capital, Boa Vista, que
além de suas próprias características, resume a força da posição estratégica
do Estado no território nacional, como seu ponto avançado e como participação
do Brasil no contexto do Caribe. Roraima é o elo de ligação de uma importante
região que se forma, e que ainda se expande e se afirma, ao norte da América
do Sul; região essa que, em princípio, compreende os estados brasileiros do
Amazonas e de Roraima, e os países vizinhos, Venezuela, Güiana e Suriname
(Figuras 2 e 3).
FIGURA 1: Áreas do Estado de Roraima quanto ao seu desenvolvimento. A
definição dos limites das diferentes áreas é aproximada.
FIGURA 2: Linha de fronteira entre Brasil e Venezuela. A rodovia cruza a
fronteira na cidade de Pacaraima, no Estado de Roraima, a dez quilômetros da
cidade de Santa Elena, já na Venezuela. O asfalto da BR174 chega de
Manaus e Boa Vista e vai até Caracas.
FIGURA 3: Travessia de balsa no rio Tacutu. Fronteira entre o Brasil e a
Güiana, onde a construção da ponte internacional encontrase paralisada. Por
asfalto, chegase pela BR401 até Bonfim, que faz fronteira com Lethen, na
Güiana. Futuramente, Georgetown e Paramaribo, capitais da Güiana e do
Suriname, respectivamente, estarão mais próximas ainda.
A Capital Boa Vista
A capital é moderna, com traçado planejado, e é uma cidade que deve o
seu desenvolvimento à condição de capital de estado, com o decorrente
alojamento do setor públicoadministrativo, e que sente atualmente os reflexos
progressistas de uma instalação integral desses serviços com a mudança de
sua antiga condição de território para a de estado.
Embora seja um crescimento decorrente de uma ação estatal, o setor
privado responde perfeitamente às expectativas do investimento público,
principalmente no setor terciário, em que o comércio cresce vertiginosamente
para atender uma clientela exigente de funcionários públicos, concursados,
muitos deles com o terceiro grau de escolaridade e provenientes de todos os
recantos do país.
O setor industrial na capital também cresce, mas por uma razão de uma
certa forma independente do incentivo estatal; cresce por uma característica
física da região, que propiciou o cultivo do arroz nas grandes regiões planas
dos campos de Roraima. A agroindústria do beneficiamento do arroz é
moderna, e localizase em Boa Vista e sua produção atende o comércio local e
o de Manaus.
O turismo apresenta grandes perspectivas, principalmente para o
mercado consumidor de Manaus, que vê como uma de suas poucas
alternativas, conhecer Boa Vista, a capital mais próxima de Manaus, cidade
urbanisticamente agradável e com fácil acesso rodoviário, por asfalto.
Também é o ponto inicial do circuito internacional BrasilVenezuela. O roteiro
tem início em Boa Vista, segue com a visita ao Monte Roraima, a partir de
Santa Elena; passa por Ciudad Bolívar, no rio Orenoco; e finaliza em Isla
Margarita. Por outro lado Boa Vista e seu comércio com produtos da indústria
brasileira são um atrativo para venezuelanos e güianenses (Figura 4).
Boa Vista constitui de fato um pólo regional de desenvolvimento para o
seu Estado. A Sinergia é facilmente observada na cidade, que passa por um
processo de revitalização desencadeado com a transformação do território em
Estado.
FIGURA 4: Plataforma Meremê. A Orla Taumanan, e suas plataformas sobre
o rio Branco, no porto fluvial de Boa Vista, é uma das muitas áreas de lazer da
cidade.
Áreas Rurais de Boa Vista e Alto Alegre
O desenvolvimento das áreas rurais de Boa Vista e Alto Alegre é o que
melhor se vê no Estado de Roraima, em matéria de livre iniciativa, sendo mais
sentido na agricultura do que na pecuária, que ainda guarda alguns resquícios
dos sistemas de produção tradicionais (Figuras 5 e 6). A diversidade é grande,
chegando a apresentar empreendimentos de criação de peixes de água doce,
em tanques, em resposta à alta demanda pelo pescado nas regiões de Boa
Vista e Manaus.
FIGURA 5: Cultivo de ananás. Rodovia RR205, município de Boa Vista.
FIGURA 6: Cultivo de limãoTahiti. Rodovia RR205, Município de Boa Vista.
A cidade de Alto Alegre, apesar de todo o aparato de serviços públicos
que ressaltam em todas as sedes municipais do Estado, tem uma forte
movimentação comercial para o atendimento da sua pujante zona rural,
sobressaindo nas suas ruas o aspecto privado sobre o público.
A Sinergia também é observada aqui onde um desenvolvimento
espontâneo do setor privado no meio rural responde às demandas da capital
Boa Vista, aproveitando a sua posição geográfica de proximidade, como
também, quanto à qualidade de terras livres para ocupação.
A Cidade de Caracaraí
Toda a economia do Estado, desde a época da colonização, circulava
pelas águas do rio Branco. As grandes embarcações chegavam tão somente
até Caracaraí, a jusante da Cachoeira Caracaraí. Também só até Caracaraí se
dava a navegação o ano inteiro, mesmo que de forma precária durante a
estação seca. Praticamente o único elo de comunicação do Estado com o
restante do país, seu porto fluvial unia o sistema hidroviário a sul, na área da
mata, com o sistema rodoviário a norte, na área dos campos, onde se
encontrava a capital e a base da economia regional, a pecuária (Figura 7).
Com a chegada da rodovia ManausCaracaraí, BR174, a navegação
caiu e Caracaraí perdeu sua importância econômica e social para o Estado. A
cidade conta agora com perspectivas mais modestas de desenvolvimento do
que as que pretendia alcançar no passado, que se baseavam na função vital
para o contexto do Estado de um nó hidrorodoviário.
FIGURA 7: Porto de Caracaraí. Cais em rampa sobre o rio Branco e a
estrutura inacabada do novo cais.
Atualmente, Caracaraí se amolda a novas propostas de
desenvolvimento, ainda voltadas para os setores do comércio e de serviços, só
que a nível local, em atendimento às atividades de sua zona rural que, em
contrapartida, se encontram em expansão.
Não seria correto dizerse que a cidade de Caracaraí encontrase em
Sinergia ou em um início de um processo de revitalização. Mais seria um
período de estabilização, em que as perdas econômicas sofridas,
contrabalançam com as transformações em seu meio rural e com o movimento
de chegada de migrantes provenientes dos assentamentos rurais no Estado,
desestimulados e em busca de novas alternativas de sobrevivência e da
segurança que uma cidade do porte de Caracaraí já oferece com relação à
oferta de trabalho e aos serviços sociais.
Áreas de Mata de Mucajaí, Iracema e Caracaraí
Novas áreas vêm sendo abertas para a pecuária e agricultura na região
da floresta em Roraima. Muitos desses empreendimentos pertencem a
fazendeiros expropriados de outras áreas do Estado, onde se deu a
regularização das terras indígenas (Figura 8), que optaram por essa região por
sua localização privilegiada e por serem terras livres para ocupação.
FIGURA 8: Moderna fazenda de gado, com pastagens plantadas. Rodovia BR
174, município de Iracema.
Embora os municípios de Mucajaí, Iracema e Caracaraí se encontrem na
parte central do Estado, junto ao rio Branco, a exploração econômica de suas
terras estava voltada para os produtos da floresta, como a castanha e a balata,
por exemplo. As atividades agropecuárias, quase que exclusivamente a
pecuária, davam preferência para a região dos campos, mais ao norte.
A dinâmica territorial aqui se dá com a substituição de uma atividade
econômica tradicional que pouco suporte deu ao Estado de Roraima, o
extrativismo vegetal, por uma outra atividade, a agropecuária, que vem em
termos modernos e com investimentos altos de capital, capital privado. Resta
discutir os benefícios ou não para o ambiente como um todo, advindos com
essa mudança radical da paisagem; se o Código Florestal está sendo
observado, ou se haveria outras formas de uso racional da área da floresta.
Área do Médio Rio Branco
O despovoamento de ambas as margens do rio Branco, de Caracaraí a
Carimaú é uma realidade. Não tendo mais os meios de comercializar a balata,
base da economia local, vilas e povoados foram abandonados e rapidamente
tragados pela floresta (Figura 9). Ao longo do rio, observamse muitas
capoeiras de mata, a vegetação secundária que procura restabelecer a floresta
e indica onde antes eram as roças das povoações ribeirinhas.
FIGURA 9: Povoado abandonado no médio curso do rio Branco. Restos de
acampamento no que antes era o povoado de Açailândia.
Nessa área, incluise a vila de Catrimani, que, às margens do rio Branco,
é quase tão antiga quanto a história de Roraima. Foi sede do município de
Catrimani, que depois passou a se chamar Caracaraí, com a mudança da sede
para essa cidade. Com o seu recente abandono, em pouco tempo
transformouse em mato, mas ainda continua sendo uma referência geográfica
para a região (Figura 10).
O único regatão que comercializava com os ribeirinhos de toda a região
do rio Branco, com a idade, e sem quem continuasse à frente de seus
negócios, fechou sua empresa. A população de todos esses povoados e
lugarejos, sem meios de sobrevivência, abandonou suas posses e mudouse,
principalmente, para Caracaraí e Boa Vista.
A Entropia, que já era uma marca da região, chegou ao seu ponto
máximo, causando a sua total desterritorialização. Economia frágil: ocupação e
povoamento frágeis.
FIGURA 10: A vila de Catrimani foi tragada pela mata.
Área do Baixo Rio Branco
O baixo curso do rio Branco, embora tenha sofrido o mesmo revés
econômico com a extinção da empresa que comercializava a balata, não
chegou ao abandono em virtude do interesse manifestado pelo Estado, que
investiu na manutenção da infraestrutura de serviços, principalmente na vila de
Santa Maria do Boiaçu.
Área em Entropia com seu processo de desterritorialização estabilizado
por intervenção do Estado, sem no entanto nenhuma perspectiva para o
momento de reversão do processo, por Sinergia.
Terra Indígena São Marcos
A área da Terra Indígena São Marcos encontravase dividida entre
fazendas de gado e comunidades indígenas, predominantemente Macuxis.
Situase em região estrategicamente importante, já que é cortada pela rodovia
BR174, asfaltada, que liga Boa Vista a Pacaraima, na fronteira com a
Venezuela, de onde a rodovia, também asfaltada, segue até Caracas.
Para a regularização da situação fundiária da Terra Indígena, os
fazendeiros foram indenizados pelas Centrais Elétricas do Norte,
ELETRONORTE, que, em contrapartida, construiu sua linha de alta tensão pela
área da Reserva, para levar energia elétrica da Venezuela para Boa Vista. A
empresa aproveita sua presença na região para também desenvolver um
programa comunitário junto às populações da Terra Indígena São Marcos,
envolvendo a Fundação Nacional do Índio, FUNAI, e as comunidades
indígenas (Figura 11).
FIGURA 11: Programa São Marcos. Placa de estrada que fica na entrada do
seu centro de atividades, na rodovia BR174. Na placa, lêemse os objetivos
do Programa, a “Desintrusão da Terra Indígena” e o “Resgate de Dignidade”.
Município de Pacaraima.
Com a regularização das terras indígenas, mudou o regime de
propriedade do privado para o comunitário, regime próprio observado nos
povos indígenas brasileiros. A posse da terra e dos bens de produção é
comunitária, bem como os bens produzidos, sua distribuição ou renda. O uso
da terra mudou, e com a saída dos rebanhos de gado, as comunidades
passaram a utilizar parte dos desmatamentos abertos na floresta, ao longo da
rodovia que sobe a serra de Pacaraima, para se dedicar às suas roças com
seus sistemas de produção característicos.
A FUNAI entregou a cada comunidade indígena do Estado, não só às de
São Marcos, um lote de 50 cabeças de gado, que são criadas ou pelos próprios
indígenas ou por “peões” contratados, em retiros localizados nas áreas dos
campos. Com isso, pretendese diversificar a dieta alimentar nas comunidades
e substituir a caça que já é escassa na região, ao passo que a população
indígena cresce.
Porém, a principal questão que se coloca no tocante ao desenvolvimento
está ligada à situação do indígena no contexto da Sociedade. A situação de
impasse que vivem, quando a sua realidade já se mistura com a das
sociedades envolventes, quando almejam bens de consumo e padrões sociais
que não são seus, e não têm os meios de produção e renda para adquirilos.
Na Terra Indígena São Marcos, muitas das comunidades foram se localizar à
beira da rodovia, num claro sinal de sua busca pela inserção no restante da
sociedade brasileira (Figura 12).
FIGURA 12: Comunidade indígena Boca da Mata. As casas são praticamente
todas elas de alvenaria, e a comunidade fica junto da rodovia BR174.
Município de Pacaraima.
A Cidade de Pacaraima
Este é um dos melhores exemplos, onde se pode visualizar e
compreender o conflito que existe em Roraima entre o Poder Público estadual
e o Poder Público federal. Enquanto as esferas federais do Poder procuram
deter o máximo das terras do Estado, o governo estadual procura, da mesma
forma, ao máximo, estender seu poder, infiltrando seus braços administrativos
por todas as brechas em que possa gerar um desenvolvimento induzido.
A cidade de Pacaraima encontrase espremida contra a fronteira da
Venezuela, e sua área urbana, com Prefeitura, Câmara, Fórum, escolas,
hospitais e tudo mais, encontrase totalmente dentro de área indígena, a Terra
Indígena São Marcos.
Por ser cidade de fronteira, teve um crescimento espontâneo e
desordenado, para atender caminhoneiros e turistas em trânsito, ao lado de um
crescimento planejado, para lhe abrir novos espaços e dar foros de sede de
município. Tratase de uma cidade em que convivem iniciativa privada e
intervenção do Estado; ou melhor, em que o governo estadual marca sua
presença, e o Município procura controlar a ação desordenada do setor
terciário, o comércio, e administrar o crescimento populacional da cidade
(Figuras 13 e 14).
FIGURA 13: Cultivo de olerícolas em casas de plástico. Esse empreendimento
é administrado por uma ONG, nos arredores de Pacaraima, para atender o
mercado local.
As nuances do desenvolvimento, da preservação do ambiente, da
garantia dos direitos dos indígenas, tudo tem que ser pensado e avaliado com
isenção, avaliandose o mais cuidadosamente possível seus prognósticos.
Pacaraima, embora seja considerada uma invasão em território indígena,
constitui, juntamente com a própria rodovia, um dos meios de inserção da
população indígena no todo da sociedade brasileira. Exemplo disso, na feira
de Pacaraima a comercialização de farinha grossa, banana, galinhas e peixe
seco, produzidos nas comunidades indígenas, constitui uma fonte de renda
para a aquisição de artigos industrializados que já fazem parte de suas
necessidades de consumo (Figuras 15 e 16). Feiras e mercados municipais
são um reflexo da zona rural e da economia local.
FIGURA 14: Casa de Verão do Governador. A presença do Estado logo se faz
sentir, aproveitando o clima ameno da serra de Pacaraima, que a mais de
1.000 m de altitude, torna Pacaraima uma opção de turismo para toda a região
da Amazônia Ocidental.
FIGURA 15: Venda de farinha na Feira de Pacaraima. O excedente da
produção agrícola das comunidades indígenas vizinhas à cidade, basicamente
farinha de mandioca e banana, é comercializado na feira local.
FIGURA 16: Comercialização de galinhas na Feira de Pacaraima. A feira
oferece muito poucos produtos, mas é abastecida praticamente pelas
comunidades indígenas de São Marcos.
A Cidade de Amajari
A cidade de Amajari merece destaque, por ser um bom exemplo de
intervenção do Estado e de desenvolvimento dirigido, quanto à criação de
cidades em pontos estratégicos, oferecendo toda gama de serviços públicos e
assistência social. Em cima de um pequeno núcleo original, formouse uma
cidade de ruas largas, grandes lotes, em que se destacam as casas onde
funcionam os diferentes órgãos que fazem parte do equipamento urbano, como
empresa de água, de luz, etc...
Com isso, mesmo que a cidade apresente muito pouco movimento, o
governo estadual, estrategicamente, marca sua presença em meio a áreas
indígenas, reservas do meio ambiente e assentamentos rurais da esfera
federal, administrados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA.
A iniciativa privada é tão incipiente na cidade e os assentamentos
agrícolas tão desarticulados, que o Governo sentiu necessidade de que se
construísse uma granja pública, para a produção de galinhas e ovos para o
abastecimento local (Figura 17).
FIGURA 17: Granja municipal de Amajari. A construção de uma granja
municipal é mais um elemento que se faz presente na implantação de cidades
e criação de municípios, forma encontrada pelo Estado para ocupação do
território e seu povoamento.
Áreas Yanomamis
As aldeias indígenas dos Yanomamis ocupam a parte ocidental do
Estado de Roraima. Formam uma grande área contínua, e o distanciamento
total dessa população tornase fundamental para a preservação física e cultural
desse povo, que ainda mantém seus hábitos e costumes em harmonia com a
Natureza. É justificada até a existência de uma área a mais que funcione como
um cinturão de isolamento, reduzindo ao máximo o contato dessas populações
com a sociedade “civilizada”.
É importante e ético não só a preservação da biodiversidade, como
também da sociodiversidade, no que diz respeito às etnias que compõem a
sociedade brasileira. Devese manter, portanto, o seu desenvolvimento
autóctone, o que leva a um desenvolvimento preservado para a região.
Terra Indígena WaimiriAtroari
Localizada ao sul do Estado, na fronteira com o Amazonas, a Terra
Indígena WaimiriAtroari é atravessada pela rodovia BR174 que liga Manaus a
Boa Vista. As populações indígenas que aí vivem, de uma maneira geral, já
têm um certo grau de aproximação com o restante da sociedade brasileira.
Seus valores culturais e étnicos encontramse em um nível intermediário de
preservação.
Embora seja possível ainda para o povo WaimiriAtroari manter um certo
desenvolvimento autóctone, a sua posição geográfica leva a um contato
forçoso com o restante da sociedade brasileira. Isto leva a que um
desenvolvimento controlado seja pensado pelos órgãos responsáveis, devendo
rever não só as condições jurídicas relacionadas às terras indígenas para
resolver conflitos atuais, como também trabalhar hoje com prognósticos
futuros. A inexorável absorção de uma sociedade menor pela envolvente e
maior, embora deva ser retardada, quando vier, deve garantir um processo de
inserção social digno, preservando a sua identidade étnica e cultural com a
terra, sua integridade física e de seus valores éticos e morais.
Áreas Indígenas do Extremo Noroeste do Estado
A estrutura fundiária de Roraima tem passado por profundas
transformações com a desocupação das terras indígenas. O extremo noroeste
do Estado constitui uma área de ocupação indígena expressiva. Com a
desapropriação, sedes de fazenda de gado transformamse em comunidades
indígenas, passando o seu uso de privado para o coletivo. Com a entrega,
pela FUNAI, do lote de 50 cabeças de gado a cada comunidade indígena,
alterase também a forma de produção, perdendo esta seu caráter privado,
passando para formas comunais da produção (Figuras 18 e 19).
Áreas dos Assentamentos Rurais do Sudeste do Estado
São muitos os assentamentos rurais do INCRA em Roraima, e, ainda,
existem os de administração estadual. Verificase um alto percentual de
abandono de suas glebas, principalmente, por falta de verbas para o
financiamento da produção e para assistência técnica. A área aqui definida e
descrita situase no Sudeste do Estado, ocupando áreas ao longo das rodovias
BR174, em direção a Manaus, e BR210, a Perimetral Norte.
FIGURA 18: Comunidade Novo Paraíso, antes, Fazenda Bala. Rodovia RR
202, entre Normandia e Vila Surumu. Conta inclusive com uma escola.
Município de Normandia.
FIGURA 19: Gado bovino nos retiros das comunidades indígenas. Rodovia
RR202, entre Normandia e Vila Surumu. Cada comunidade recebeu da
FUNAI 50 cabeças de gado. Município de Normandia.
Além da agricultura para a própria subsistência praticada pelos
assentados, a comercialização da banana constitui sua mais importante fonte
de renda. A exploração da madeira se dá com a abertura das vicinais e com a
cota de desmatamento permitida a cada gleba (Figura 20).
FIGURA 20: Vicinal 19 do Assentamento Rural de Rorainópolis. As
castanheiras mortas são um sinal de que nem sempre a legislação que
estabelece a sua preservação é observada.
Mesmo com os assentamentos em abandono, a estagnação do meio
rural não corresponde ao movimento observado nas cidades da região,
principalmente Rorainópolis, que, em sinergia, acumula outras variáveis ao seu
desenvolvimento. Rorainópolis é um centro comercial; cidade pioneira, é a
mais antiga cidade da região, que por sua localização na BR174, se
transformou em cidade de trânsito para quem chega de Manaus, a primeira
cidade quando se chega a Roraima, após a travessia da Terra Indígena
WaimiriAtroari, foi cidade de negócios para quem queria mexer com terra.
Embora a região como um todo pudesse estar alcançando níveis
maiores de desenvolvimento, se as glebas dos assentamentos estivessem
produzindo como o esperado, Rorainópolis continua crescendo, em um
desenvolvimento espontâneo; encontrase em sinergia. São Luiz do Anauá,
São João da Baliza e Caroebe, inicialmente simples núcleos urbanos que
receberam foros de município, estão se desenvolvendo com a alta intervenção
do governo estadual, que dotou essas cidades com todo os equipamentos
urbanos. Todas essas quatro cidades do Sudeste de Roraima recebem a
população que abandona a zona rural, em entropia.
Conclusão
Propositadamente, não se procurou, como seria recomendável, colocar
em ordem as diferentes áreas segundo sua dinâmica territorial e forma de
desenvolvimento, separando as áreas em entropia das em sinergia.
Direcionouse a ordem de entrada das áreas de desenvolvimento a partir do
centro, a capital do Estado, e daí, em função de relações entre elas de
correspondência e de fluxos.
Em decorrência dessa exposição, sobressai o sentimento de um Estado
em ebulição, onde se tem diferentes tipos de troca de energia, com fluxos de
diversas direções, conflitos. Resultado esperado de uma região que passou
em um curto espaço de tempo, de um passado lento e sedimentado para um
presente acelerado e mutante, virando de cabeça para baixo economia,
sociedade, valores e a terra.
O que se viu nesses últimos trinta anos foi que, para ocupar áreas de
fronteira, são abertos assentamentos agrícolas ao longo das novas rodovias
que se abriam na floresta, e elegemse para ocupálos excedentes
populacionais de outros lugares do país, esvaziandose, de imediato, os
conflitos nesses lugares existentes, e com isso chegam os maranhenses a
Roraima; a mineração do ouro e do diamante assume grandes proporções e a
dizimação dos yanomamis pelos garimpeiros chama a atenção dos organismos
internacionais, e com isso aumenta a conscientização nacional a respeito e
fechamse, por lei,os garimpos em todo o território nacional; e, ainda mais
significativo, acelerase a regulamentação de terras para os indígenas, que
antes tinham suas aldeias misturadas às tradicionais fazendas de gado e que
depois passaram a ficar espremidas pela multiplicação de muitas outras novas
fazendas; e, em decorrência disso, fazendeiros foram expropriados e passaram
a abrir seus pastos em áreas da floresta, ou adquirindo os direitos de algumas
glebas melhor situadas; glebas essas abandonadas pelos assentados, e de
muitas outras glebas e assentamentos, tomando o rumo das cidades onde
possam ter outras oportunidades de sobrevivência; concomitante a isso, e em
função de tudo isso, temse o crescimento da capital com a chegada dos novos
funcionários do Estado, crescimento que transformou o antigo território, o que
implicou no surgimento de novas demandas, que acarretam a modernização da
Economia tanto na cidade quanto na zona rural próxima, trazendo novas
alternativas para exgarimpeiros, exassentados e mesmo indígenas ex
aldeiados, tudo isso realimentando o seu crescimento e o seu
desenvolvimento; ao passo que, ao longo do rio Branco, outrora a grande
artéria líquida de comunicação da região com o restante do país, assistese,
agora abandonada e relegada pelo deslocamento do eixo de desenvolvimento
para a estrada que rasgou a selva e que, depois de asfaltada, garante a
comunicação durante todo o ano, desde Manaus até Boa Vista, e ainda até
Caracas, assistese ao fim da incipiente economia baseada no extrativismo da
balata e saída dos ribeirinhos que povoavam suas margens em busca de
outras oportunidades; e Boa Vista se moderniza e o Estado cresce, quer mais
controle sobre sua terra e busca por mais espaços.
E aí se apresenta a questão axial para o desenvolvimento regional do
Estado: encontrar os meios de como lidar com a questão do domínio da terra e
a da multiplicidade de suas populações.
Mais do que entre fazendeiros e indígenas, o embate de forças dentro
da dinâmica territorial de Roraima temse dado, sucessivamente, mandato a
mandato, entre governos estaduais e os da União. Temse dois estados.
Embora, normalmente, se tenha realmente dois estados, o estadual dentro do
nacional, a diferença ideológica entre o nível local e o nacional leva a que se
observe com mais atenção a qualidade dessa relação.
Os estudos para lidar com as contradições do desenvolvimento
econômico e social em relação ao meioambiente já se encontram bem
avançados, no sentido de se dar a devida importância à biodiversidade. No
entanto, em relação às ditas comunidades tradicionais, ou seja, comunidades
indígenas, quilombolas e outras, ainda se discutiu e se avançou muito pouco
em direção a como lidar com a sociodiversidade dentro da realidade do
presente e diante da realidade do futuro.
A questão indígena quanto ao desenvolvimento é um assunto por
demais melindroso e de difícil apreensão de todos os elementos envolvidos, e
até mesmo de identificálos. Embora, aparentemente, seja tratada apenas
como uma questão de terra, se fosse encarada pelo prisma do Planejamento
Regional e do desenvolvimento, passaria a ser uma questão de atendimento
das distintas necessidades básicas de diferentes populações que cohabitam
um país.
Por fim, deve ser ressaltada a importância dos estudos de dinâmica
territorial, para que se identifiquem as diferentes áreas quanto ao
desenvolvimento e para que os escritórios de Planejamento tenham assim uma
compreensão integrada de uma região e possam traçar diagnósticos e sugerir
medidas corretivas no intuito de subsidiar as esferas do poder de tomada de
decisão.
E não se deve esquecer que este trabalho teve por base um
levantamento de ocupação e uso da terra, que com isso se mostrou uma
ferramenta útil para a área de estudo do Desenvolvimento Regional,
principalmente se esses levantamentos privilegiam não tão somente a
cobertura da Terra, como também, os sistemas e as formas de produção e a
estrutura fundiária.
Esperase que a presente contribuição tenha continuidade em outros
trabalhos, tanto na identificação de outras áreas de desenvolvimento, quanto
no aprofundamento do estudo de cada área definida, porque Roraima é um
Estado rico em exemplos para o estudo do desenvolvimento e da dinâmica
territorial, e mais, em tempo real. Um Estado em transformação, em busca de
sua cara.
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Agradecimentos
Os nossos agradecimentos a Regina Maria Pereira Coutinho, geógrafa,
analista especializada do IBGE, pela elaboração do cartograma apresentado
neste trabalho em meio digital, utilizando o aplicativo Microstation.