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Breve ensaio sobre o metodo dialetico

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Page 1: Breve ensaio sobre o metodo dialetico

Fundação Universidade Federal do Rio Grande Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental

Doutorado em Educação Ambiental

Breve ensaio sobre o método dialético

Alexandre Reinaldo Protásio Introdução Por ser um ensaio, o presente texto será um exercício de reflexão, sem o

formalismo acadêmico de um artigo científico. Além disso, a presente reflexão tem as

seguintes funções: 1) interna: organizar a reflexão sobre o método, explorando as

incompletudes do pesquisador e buscando esclarecer os pontos consolidados nas leituras

sobre o tema; 2) externa: o ensaio será submetido ao apreço dos colegas de mestrado e

doutorado, abrindo um debate teórico sobre o tema em relevo. Como também parte da

avaliação da disciplina do Prof. Luis Fernando Minasi. Uma reflexão, portanto, que se

apresenta como um estudo limitado, mas também como contribuição para a discussão.

Escrever um artigo sobre o método dialético na obra marxiana demandaria

bibliografia e energias que, no momento, excedem as condições do pesquisador. Esse

estudo deveria começar por uma exposição detalhada de duas obras de Hegel:

Fenomenologia do Espírito e Ciência da Lógica. Na obra de Marx, com exceção do texto

Miséria da Filosofia (Capítulo II, O Método) e referência desse ensaio, não se encontra

uma publicação ou manuscrito específico sobre o método dialético. É de conhecimento

geral que Marx tinha interesse em produzir o referido texto, mas, infelizmente, não

ocorreu. As referências estão distribuídas nos textos, o que exigiria a análise do conjunto

de sua obra.

Contudo, mesmo na ausência de uma incursão completa sobre o método dialético,

o ato de desenvolver reflexões sobre o tema, mesmo incipientes, torna-se uma obrigação

para todo marxista. Com a expansão da chamada Educação Ambiental Crítica ou

Transformadora, vários pesquisadores estão redescobrindo o marxismo como uma teoria

capaz de responder aos desafios contemporâneos. No PPGEA, a presença constante de

Frederico Loureiro, por exemplo, produziu, pelo menos nos discursos, “migrações” de

pesquisadores para o marxismo. Quem considera o materialismo histórico um instrumento

de preparação para a ação (filosofia da práxis, dizia Gramsci), enxerga os movimentos de

migração com desconfiança: será mais um modismo?

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2 Reflexões sobre a historicidade do método dialético Mesmo com a expansão das vertentes críticas e transformadoras na Educação

Ambiental, são poucos os estudos sobre o método dialético. Isso ocorre porque parcela

dos marxistas aposta na repetição de certos “mantras”, como mais-valia, matéria,

alienação, modo de produção, ideologia, luta de classes, etc, como se o fato de repetir

categorias garantisse a compreensão da teoria. O estudo é substituído pela idolatria. Marx

e Engels incorporaram criticamente conceitos presentes na obra de Hegel, Smith,

Ricardo, entre outros. Os dois amigos não fizeram um mero reagrupamento das

categorias, mas operaram revoluções categoriais e novas relações entre elas. É um

exemplo a ser seguido.

Alguns marxistas esquecem o caráter polêmico e contestador do pensamento de

Marx. Esquecem que o autor alemão rompeu com todas as escolas de pensamento e

autoridades de sua época. A relação com esses pensadores foi diferenciada, houve

momentos de admiração e outros de crítica, mas em todos os casos foram processos de

apropriação e superação. Por que o próprio Marx estaria livre da leitura crítica? Colocar

as formulações de Marx à prova do tempo significa defender o que existiu de mais

avançado em sua obra, o método dialético.

György Lukács defende em História e Consciência de Classe que somente o

método dialético pode ser preservado numa ortodoxia marxista. O método é o centro do

processo de pesquisa marxiano. Sem a dialética, Marx teria chegado a conclusões e

categorias diferentes. Se existem categorias históricas1 e ontológicas2 na teoria marxiana

é possível afirmar que parte dessa teoria irá perder capacidade explicativa quando as

condições concretas que a produziram deixarem de existir. Em outras palavras, é possível

afirmar que existem fenômenos no capitalismo do século XXI que, com certeza, não

possuem respostas na obra de Marx, principalmente nos temas econômicos. O método

dialético, por outro lado, continuará atual, independente das mudanças no modo de

produção: “o marxismo ortodoxo não significa, portanto, um reconhecimento sem crítica

dos resultados da investigação de Marx, não significa uma ‘fé’ numa ou noutra tese, nem

a exegese de um livro ‘sagrado’. Em matéria de marxismo, a ortodoxia se refere antes e

1Históricas: possuem “prazo de validade histórica”, pois são pertinentes ao estudo realizado por Marx sobre

o modo de produção capitalista (o objeto). Categorias como mais-valia, alienação, capital e divisão social do trabalho. 2Ontológicas: se referem às categorias que estão na base da formação do ser e que, a priori, podem ser

reconhecidas em todas as sociedades, como a categoria trabalho (pelo qual o homem se humaniza e se objetiva).

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3 exclusivamente ao método” (Lukács, 2003: 64).

A dificuldade em realizar uma leitura histórica e dialética da obra de Marx está

fundada em alguns falsos pressupostos: 1) de que a teoria marxista é universal e a

totalidade das suas categorias serve para analisar fenômenos desde a pré-história até o

capitalismo do século XXI – uma teoria atemporal; b) o método dialético foi conquista de

Hegel e apropriado por Marx de forma materialista, depurando-o dos elementos idealistas,

mas não deixou de ser uma conquista do hegelianismo, daí o preconceito em assumir a

dialética como algo fundamental na teoria - autores como Bernstein combateram o

método como resquício de idealismo hegeliano no pensamento de Marx; c) e a

compreensão de que o método dialético é “complicado” ou “obscuro”, no mínimo árido,

sendo tema de discussão dos eruditos ou iniciados. Os argumentos acima estão no

campo da disputa política e não da epistemologia.

A dialética é um método revolucionário não porque foi utilizada por Marx, essa é

uma idolatria reducionista. Primeiro, é revolucionária porque tem a mudança, o

movimento, como princípio fundante. Nada é estático para a dialética, o que significa que

nada é “para sempre” ou insuperável, mesmo um sistema econômico. Até os governantes

mais progressistas reagem mal diante da certeza de que nenhuma estrutura, instituição

ou bloco político é eterno. Os políticos mais “talentosos” são aqueles que compreendem a

dinâmica das relações políticas e observam os fenômenos sociais buscando o conjunto

de causas invisíveis. Contudo, na maior parte das vezes, mudança e movimento são

palavras que não agradam governos, partidos, instituições, entre outros.

Segundo, a dialética estabelece o princípio de que a história é fruto da luta entre

antagônicos. Tese e antítese são antagônicos, mas seu antagonismo só é dialético se não

estiverem isoladas, precisam uma da outra para existir. A tese só é tese porque está em

conflito com o seu contrário. A antítese só existe em função da tese. A síntese é

temporária, um recurso de exposição para compreendermos que o movimento nos leva a

patamares diferentes de organização, mas ela própria é parte de novos e intermináveis

confrontos e processos de superação (na ideia hegeliana de “elevação”). Intermináveis

porque são história e a história não tem fim, ao contrário do que defendeu Francis

Fukuyama.

Significa dizer que é a contradição que move a história e não o consenso ou o

diálogo. O consenso não é a síntese dos antagônicos em luta, pois ele não supera as

contradições sociais. O consenso (governo de união nacional, por exemplo) não coloca a

sociedade em novos patamares sociais, políticos e econômicos, pelo contrário, é a

tentativa de perpetuar o status quo, sendo, portanto, mais um instrumento de classe no

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4 processo de dominação. Os patrões continuarão explorando a mais-valia, atacando a

organização sindical, financiando os partidos conservadores, etc. É possível estabelecer

uma dialógica entre explorados e exploradores?

O consenso é antes um acordo entre classes e tem como princípio a “trégua” em

lutas que estejam ameaçando o tecido social. O medo da desagregação ou da anomia

social, como chamava Émile Durkheim, é a possibilidade histórica dos “de baixo” querer

cobrar a fatura por anos de exploração. É a revolução. A contradição é o conteúdo da

revolução e não do consenso ou do diálogo.

Em tempos de governos de coalizão ou de colaboração de classe, dizer que

consensos são tentativas de encobrir a luta de classes não é simpático aos ouvidos da

esquerda institucional. Não se desconhece a necessidade conjuntural das alianças e da

tentativa de estabelecer consensos com outros setores sociais. Não é preciso discorrer

sobre os casos em que consensos são aceitáveis e até mesmo necessários. Contudo,

não são possíveis formulações políticas que deliberadamente desconsideram: 1) o caráter

contraditório dessas alianças, principalmente para um projeto político que visa a

transformação social; 2) o caráter conjuntural das alianças, transformando uma tática

provisória e insuficiente em estratégia permanente de conquista e manutenção do poder.

Qualquer uma das posições não é dialética. E pelos dois motivos apresentados, a

dialética é naturalmente “inimiga” dos setores, concepções e indivíduos que trabalham

pela manutenção da sociedade capitalista.

Reflexões sobre o movimento e as categorias abstratas Na obra Miséria da Filosofia, Marx polemizou com Proudhon para discutir as

concepções sobre economia, política e, principalmente, método. Proudhon tinha grande

reputação na França da primeira metade do século XIX. Marx, a despeito da

“grandiosidade” do autor francês, tratou de apresentar críticas às fragilidades do seu

pensamento. Marx cita Hegel para afirmar a importância de discutir o método de

Proudhon: “Ora, a metafísica, toda a filosofia, resume-se, segundo Hegel, ao método”

(Marx, 2001: 93). Discutir, pois, o método de um autor significa questionar sua concepção

de ciência e de pesquisa.

O autor de O Capital denunciou Proudhon por desaguar sua reflexão na razão pura

hegeliana quando tentou desenvolver seu estudo sobre economia. Em oposição, o autor

alemão expõem a importância do estudo do movimento histórico para o método dialético:

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Quando não se visa o movimento histórico das relações de produção, de que as categorias mais não são do que a expressão teórica, quando nessas categorias apenas se pretende ver ideias, pensamentos espontâneos, independentes das relações reais, somos sem dúvida obrigados a indicar como origem desses pensamentos o movimento da razão pura (Idem: 94).

As categorias são “expressão teórica” dos movimentos históricos e não os próprios

fenômenos ou o ato criador dos mesmos. Utilizar o método dialético exige do pesquisador

a investigação e análise das causas e relações que produziram o fenômeno estudado,

extraindo desse processo as categorias explicativas que permitem compreender o

movimento histórico recortado: “Tudo que existe, tudo o que vive sobre a terra e sob a

água, não existe, não vive senão por um movimento qualquer. Assim, o movimento da

história produz as relações sociais, o movimento industrial nos dá os produtos industriais

etc” (Idem: 96).

Não existe teoria ou pesquisa do que não existe ou que não esteja em processo. A

categoria “mais-valia” não foi inventada, mas extraída3 da análise do capitalismo, o objeto

de pesquisa de toda a vida de Marx. Há aí, obviamente, um desafio para os

pesquisadores que buscam utilizar o método dialético: como captar de forma fiel o

movimento histórico e extrair deste as categorias explicativas? Marx dedicou uma vida

inteira para responder essa pergunta sobre o capitalismo.

Pôr o movimento histórico no âmago da discussão metodológica significa firmar o

homem real, com suas relações sociais, econômicas, políticas e ambientais no centro do

método de investigação. O que alerta para o fato do método dialético não se resumir a

uma simples metodologia de pesquisa, mas trata-se de uma posição político-teórica

diante do objeto pesquisado. Para Marx a pesquisa não é um exercício de abstração sem

conexão com a realidade, por isso subordina as questões metodológicas à dimensão

ontológica, ou seja, aos processos sociais que constituem os homens. Para fazer

pesquisa com o método de Marx é preciso buscar a fonte que produz o fenômeno: o

movimento real, ou seja, os diversos tipos de relações produzidas pelos homens em

sociedade.

A aparência representa o primeiro contato com o fenômeno pesquisado. Através da

aparência descobrimos que existem processos históricos em movimento no interior das

3 . Segundo Marx: “Admitamos que as relações econômicas, consideradas como leis imutáveis, princípios

eternos, categorias ideais, sejam anteriores aos homens ativos e atuantes; admitamos ainda que essas leis, esses princípios, essas categorias tivesse, desde o princípio dos tempos, dormitado ‘na razão impessoal da humanidade’. (...) Com todas essas eternidades imutáveis e imóveis deixa de haver história, há quando muito história da ideia, ou seja, a história que se reflete no movimento dialético da razão pura” (Marx, 2001: 103).

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6 sociedades. Contudo, da mesma forma que as aparências revelam a existência do

movimento, também ocultam as causas do mesmo. Sabemos, através da aparência, que

“algo” está acontecendo, mas desconhecemos, por conta do poder mistificador da própria

aparência, as causas reais que produziram ou continuam produzindo o fato.

Desconhecemos, portanto, a essência do fenômeno. A aparência possui, dessa forma,

uma importância fundamental, porém é necessário superá-la.

A opção pelas relações entre os homens como habitat do pesquisador dialético é

óbvia para Marx, pois nelas está a expressão real de como a sociedade se constitui

historicamente e como produz as categorias e ideias:

As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens mudam o seu modo de produção e, ao mudarem o modo de produção, a maneira como ganham a vida, mudam todas as suas relações sociais. (...) Os mesmos homens que estabelecem as relações sociais de acordo com a sua produtividade material produzem também os princípios, as ideias, as categorias, de acordo com as suas relações sociais (Idem: 98).

O papel do método também não é encaixar a realidade em um conjunto de

categorias lógicas, estéreis e que explicam tudo genericamente, esquecendo os homens,

suas histórias, os fatos e processos (o movimento) que possibilitaram mudanças na

história da humanidade. As categorias são produtos “históricos e transitórios” e somente a

abstração do movimento é “imutável” (mors immortalis). Marx em sua teoria não produziu

uma lógica universal, elevou ao nível da abstração teórica a lógica do capital. Como

afirmado anteriormente, a práxis humana, seja teórica ou prática, é a fonte de pesquisa e

análise para o investigador dialético. Sobre as categorias abstratas universais:

Haverá razão para espanto se, ao abandonar pouco a pouco tudo aquilo que constitui o individualismo de uma casa, ao abstrair dos materiais de que ela se compõe e da forma que a distingue, chegarmos a não ter mais que um corpo, - se ao abstrair dos limites desse corpo tivermos apenas um espaço – se, enfim, ao abstrair das dimensões desse espaço, acabarmos por ter apenas a quantidade em toda a sua pureza, a categoria lógica? À força de abstrair assim de qualquer assunto todos os pretensos acidentes, animados ou inanimados, homens ou coisas, temos razão em dizer que em última abstração chegamos a ter como substância as categorias lógicas. (...) Que tudo que existe, que tudo o que vive sobre a terra e sobre a água, possa, à força de abstração, ser reduzido a uma categoria lógica; e que, desse modo, todo o mundo real possa mergulhar no mundo das abstrações, no mundo das categorias lógicas – quem com isso se espantará? (Idem: 95).

Captar o movimento histórico exige compreender o conceito de totalidade. O

movimento estudado, o fenômeno, só possui explicação plausível quando confrontado

com o todo. Para Marx, “as relações de produção de qualquer sociedade formam um

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7 todo” (Idem: 98). O todo não é composto pela soma das suas partes. Assim como as

partes não representam uma repetição em miniatura do todo. Porém, a compreensão das

partes e do todo só é possível na relação entre ambos. Até porque a unidade é unidade

entre diversos, diferentes, o que impede captar a realidade através de generalizações

sobre o todo ou sobre as partes.

Reflexões sobre fato, totalidade e “aproximação” A maioria das pesquisas parte de um problema ou hipótese elaborada pelo

pesquisador. A pergunta busca suprir lacunas sociais, políticas, econômicas, ambientais

ou culturais de um fato relevante para o pesquisador. Marx sempre partiu de um fato ou

conjunto de fatos – a aparência fenomênica – para compreender o seu objeto de

pesquisa, o capitalismo. O autor alemão sabia que a empiria é a expressão visível,

factual, dos processos históricos. Contudo, ir além da factualidade é o desafio da ciência,

demonstrando os processos que explicam o fato e o relacionam com outros fatos.

Segundo José Paulo Netto, Marx faz dois cortes no fato: um sincrônico, procurando

a estrutura do fenômeno e suas relações com outros fenômenos e processos na

atualidade; e outro diacrônico, a partir do qual Marx busca o desenvolvimento histórico

dos fenômenos. Essa divisão metodológica tem uma explicação: o conhecimento sobre a

gênese de um objeto pode não explicar a sua estrutura atual, o fenômeno pode ser o

mesmo, mas seu papel ou função se modificaram no tempo. Significa a reunião entre

história e estrutura, atuando em ambas de forma concomitante.

Ninguém escolhe um tema ou começa uma pesquisa sem um estoque crítico

prévio. O pensamento consegue identificar que determinados fatos possuem conexões

com processos históricos. É possível saber, a priori, que determinado fato tem relações

com o modelo neoliberal de sociedade, sintetizado no processo de mercantilização das

práticas e com a eleição ou não de blocos políticos. Além disso, é possível existir

discursos oficiais que elogiam e discursos de oposição que condenam. As relações

desses elementos e seus efeitos sobre um objeto são pontos de partida e cenário para se

investigar a prática dos indivíduos e grupos sociais. O contexto histórico oferece o

cenário, mas somente a pesquisa pode apontar as singularidades e as relações concretas

do objeto com o todo.

Como afirma Marx, “o concreto é concreto porque é a síntese de muitas

determinações, isto é, unidade do diverso” (Marx, 2008: 258). O concreto, o fenômeno, é

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8 o ponto de partida da “intuição”, mas não é o conhecimento da essência por trás da

aparência. Trata-se de intuição, percepção, hipótese e não de conhecimento. O método

consiste em se apropriar do concreto, elevando-o ao nível da abstração ou ao nível do

conhecimento das inúmeras determinações que o produzem:

A mais simples categoria econômica, suponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõe a população, uma população que produz em determinadas condições e também certo tipo de famílias, de comunidades ou Estados. Tal valor nunca poderia existir de outro modo senão como relação unilateral – abstrata de um todo concreto e vivo já determinado. Como categoria, ao contrário, o valor de troca leva consigo uma existência antediluviana (Idem: 259).

A elevação do pensamento simples4 ao mais complexo corresponde à aproximação

constante do pesquisador em relação ao objeto de pesquisa. A cada nova pesquisa, novo

documento analisado ou descoberta, o pesquisador se aproxima da representação fiel da

essência do fenômeno. Nesse processo de elevação, o fenômeno fático, que originou a

pesquisa, adquire uma nova dimensão, dessa vez mais complexa e profunda. O objeto

não é mais aparência.

Marx procura não dar definições fechadas para seus objetos. As definições são

atemporais, ahistóricas, pois refutam a possibilidade do movimento e da mudança. Não é

possível definir um fenômeno histórico e concreto dizendo: “o objeto tal é”. O método

dialético, todavia, busca impregnar o objeto de determinações históricas (econômicas,

sociais, culturais, sociais, etc) que devem ser provisórias, ou seja, duram o tempo que

durar o fenômeno5. Ao saturar um objeto com determinações o pesquisador está

realizando o processo de aproximação.

As determinações, que são traços constitutivos do real, são de múltiplos tipos e

estão imbricadas entre si. A mediação e a síntese entre várias determinações formam o

concreto. As determinações podem ser econômicas, sociais, políticas, etc. Um objeto

pode ser determinado por diferentes processos econômicos, estando também

relacionados com outros ainda não descobertos pelo pesquisador. Uma determinação

carrega um universo de possíveis relações com outras determinações, o que torna a

pesquisa um exercício de fôlego.

Existe uma complexa totalidade de estruturas que concorrem para a formação da

4 . Segundo Marx: “O trabalho é uma categoria inteiramente simples. E também a concepção do trabalho

nesse sentido geral – como trabalho em geral – é muito antiga. Entretanto, concebido economicamente sob essa simplicidade, o trabalho é uma categoria tão moderna como o são as condições que engendram essa abstração” (Marx, 2008: 262). 5 . “(...) Até as categorias mais abstratas, apesar de sua validade – precisamente por causa de sua natureza

abstrata – para todas as épocas, são, contudo, no que há de determinado nessa abstração, do mesmo modo o produto de condições históricas, e não possuem plena validez senão para essas condições e dentro dos limites dessas mesmas condições” (Idem: 264).

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9 realidade: relações de trabalho, antagonismos de classe, concepções de família, de

natureza, concepções de homem, ideologia, entre outras. Essas estruturas analisadas

individualmente também são compostas por inúmeras outras estruturas menores,

igualmente complexas, o que torna a realidade concreta um campo infinito de pesquisa.

Por ser a realidade formada a partir de estruturas complexas, não é possível

afirmar que todos os grupos e instituições sociais são atingidos igualmente pelas

determinações históricas do modo de produção. Existem particularidades que precisam

ser investigadas, senão teríamos um todo indiferenciado, sujeito às generalizações, e as

ciências sociais perderiam a função.

Além disso, compreender o modo de produção de uma sociedade não significa que

se conheça os indivíduos, nem mesmos os grupos sociais e sua atuação prática. De outra

forma, também não é possível compreender os indivíduos e grupos sociais sem localizá-

los nas estruturas de produção da vida social e econômica. O mesmo serve para

instituições, como a escola. Marx para compreender o capitalismo teve que destacar a

produção material, a economia, em seus estudos, subordinando todos os outros aspectos

a essa determinação. O objetivo era demonstrar de forma abstrata algo que é concreto no

capitalismo: os homens estão submetidos ao capital.

Daí uma constatação óbvia: a teoria não esgota a realidade. A teoria não abarca

tudo porque a realidade é complexa e dinâmica, está em constante movimento. Marx não

tinha a pretensão de explicar toda a realidade, oferecendo respostas a todos os

fenômenos, independente do tempo e do espaço. Sua teoria explicava o capitalismo do

século XIX. Por isso, alertava para a historicidade das suas categorias, até as ontológicas.

Mesmo diante dessas advertências, nada impede que o pesquisador busque

compreender a riqueza estrutural do objeto, aproximando-se da sua verdadeira essência.

Para tanto, o método dialético é um instrumento eficiente.

Referências bibliográficas NETTO, José Paulo. O Método de Marx. Série de Vídeos. Disponível em: http://www.4shared.com/dir/JVpqjLvr/O_Mtodo_em_Marx.html LUKÁCS, György. História e Consciência de Classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003. MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Expressão Popular, 2008. MARX, Karl. Miséria da Filosofia. São Paulo: Centauro, 2001.