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CURSO DE MESTRADO EM CULTURA ARQUITECTÓNICA CONTEMPORÂNEA E CONSTRUÇÃO DA SOCIDADE MODERNA LEITURA HISTÓRICA E ESTÉTICA DAS FORMAS ARQUITECTÓNICAS E URBANAS BROADACRE CITY FRANK LLOYD WRIGHT C R I S T I N A S O A R E S R I B E I R O G O M E S C A V A C O J U N H O 1 9 9 8

Broad Acre City

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CURSO DE MESTRADO EM CULTURA ARQUITECTÓNICA CONTEMPORÂNEA E CONSTRUÇÃO DA SOCIDADE MODERNA

LEITURA HISTÓRICA E ESTÉTICA DAS FORMAS ARQUITECTÓNICAS E URBANAS

B R O A D A C R E C I T Y F R A N K L L O Y D W R I G H T

C R I S T I N A S O A R E S R I B E I R O G O M E S C A V A C O

J U N H O 1 9 9 8

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B R O A D A C R E C I T Y F R A N K L L O Y D W R I G H T

« (…) the future city will be

everywhere and nowhere, and it

will be a city so greatly diferent

from the ancient city or any city of

today that we will probably fail to

recognize its coming as the city at

all.»1

F r a n k L l o y d W r i g h t

1 Citação de The Disappearing City, 1932, Veja-se WALL, Alex, «The Dispersed City» in AD vol.64 nº3/4 March-April 1994, The Periphery, p.9

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A GRANDE CIDADE DA INDUSTRIALIZAÇÃO - UM CONTEXTO, UMA CRÍTICA, AS PROPOSTAS

« (…) — E as grandes cidades? O que fizeram delas? Londres que…da qual li que era a moderna Babilônia da civilização, parece ter desaparecido. — Bem — disse o velho Hammond — talvez, depois de tudo ela se pareça mais com a antiga Babilônia que com a “moderna Babilônia” do século XIX. Mas pouco importa. Afinal, há uma grande população entre o lugar onde estamos e Hammersmith, e o senhor ainda não viu a parte mais densa da cidade. (…)»2

O século XIX, era da industrialização, revelou-se marcante no modo de crescimento e desenvolvimento das grandes cidades. Se procurarmos instituir uma charneira entre aquilo a que poderemos chamar de cidade tradicional e a cidade contemporânea, essa charneira acontece na época da revolução industrial, o momento de viragem onde nada nem ninguém poderia permanecer indiferente às profundas transformações que ocorreram a todos os níveis: científico, tecnológico, económico, político, social e, obviamente, ao nível do urbano. Não será necessário aprofundar o facto de que, com a industrialização e a instalação de áreas industriais na cidade e à sua volta, o êxodo rural por parte da população que procurava na vida urbana melhores condições de vida foi abrupto e intenso, de tal modo que as grandes cidades viram-se incapazes de responder convenientemente a tão brusco desvio no sentido dos acontecimentos. Quanto ao sentido da adaptação, ela revelou a necessidade de responder rapidamente às questões que emergiam na nova classe social do «proletariado industrial»3, nomeadamente o problema de alojar os grandes fluxos de população recentemente chegados, e sem que houvesse tempo para planear ou apresentar frentes de ataque ao problema. 2 Citação de William Morris in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.133 3 É nesta classe dos proletários urbanos que Engels e Marx depositam as suas esperanças para a revolução socialista. Uma revolução e uma cidade futura que, embora de «futuro indeterminado» pendiam no sentido do «advento de uma sociedade sem classes» onde a supressão da diferença tinha em vista a construção do homem total, completo. Ibidem, pg.15

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Uma cidade que se viu a braços com um aumento demográfico sem comparação, com uma expansão incontrolável do seu tecido urbano, que viu proliferar em si bairros residenciais para o operariado desprovidos de qualquer infraestruturação ou condições mínimas de salubridade. Uma cidade que se viu incapaz de lutar contra a especulação desenfreada de terrenos, que viu os seus espaços se densificarem em construções amontoadas, os seus limites desaparecerem debaixo de uma invasão crescente das áreas rurais suas envolventes, ocupadas por novos complexos industriais e diversas áreas residenciais. Mumford descreve a situação de regresso ao campo como maneira de fazer face às condições de insalubridade e promiscuidade que se viviam na cidade: «o impulso de escapar ao ambiente industrial era comum» diz, e a questão encontrava-se em possuir meios financeiros para o fazer. Se as vantagens de um ambiente campestre passaram a estar fortemente presentes no modo de vida procurado mas em que as regalias citadinas não queriam ser perdidas, o que aconteceu foi um real êxodo da população mais favorecida do centro da cidade para as àreas verdes nas orlas urbanas. O subúrbio ganha, assim, neste contexto que formalizava a ideia de uma vida saudável, perto da natureza, em liberdade e independência, a importância que até então não tinha4. Tal como Mumford faz ver, a noção de subúrbio não é recente; ele «torna-se visível quase tão cedo quanto a própria cidade, e talvez explique a capacidade de sobrevivência da cidade antiga, frente às condições insalubres que predominavam dentro dos muros»5. No entanto, foi de facto no séc. XVIII (finais do séc. XVIII, princípios do séc. XIX) que a necessidade de fugir à cidade e arranjar uma residência saudável junto à vegetação, com ar puro e jardim, se tornou mais imperiosa e inadiável. Um tipo de subúrbio que, segundo Mumford, se pode caracterizar como «a forma colectiva da casa de campo». Embora estes privilégios acabassem por ficar limitados a um pequeno estrato da população com condições económicas mais favoráveis, o que é certo é que o êxodo suburbano se reflectiu grandemente na ordem espacial da cidade e na sua relação com o campo. De qualquer modo, o aparecimento de uma rede de transportes públicos, nomeadamente o caminho de ferro, veio acentuar a situação alargando as possibilidades de uma vida suburbana a um sector maior da população e, consequentemente, aumentando a extensão destas áreas predominantemente habitacionais que se infiltravam, progressivamente, em terrenos rurais. A procura de lazer e de um ambiente higiénico e saudável para fazer crescer a vida familiar eram, assim, as questões chave do povoamento suburbano, completadas por uma forte componente de domesticidade cultivada em torno de uma arquitectura de moradias unifamiliares rodeadas de hortas e jardins particulares, assim como um culto da individualidade que se centrava no núcleo familiar ou mesmo no próprio indivíduo. No entanto, essa dispersão e alargamento dos limites da cidade não correspondia a uma real descentralização urbana. O que aconteceu foi a expansão das áreas residenciais sem o respectivo acompanhamento no que diz respeito às outras estruturas funcionais urbanas. Uma descentralização parcial que acabou por resultar

4 Veja-se MUMFORD, L., «O Subúrubio - E Depois» in A Cidade na História. Suas Origens, Transformações e Perspectivas., 1ª Edição em 1961, Editora Martins Fontes, 3ª Edição, São Paulo, 1991, pg.521-567 5 Ibidem, pg.522

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num maior desequilíbrio entre o centro da cidade e as suas margens, e num aumento e complexificação dos problemas urbanos que já se faziam sentir. Uma cidade cada vez mais esfumaçada. Um ideal romântico que exaltava o culto pela natureza. Mas sobretudo um desejo crescente de conseguir uma nova vida, saudável e de lazer, incentivado pelas novas ideias medicinais e por uma mentalidade higienicista. São estes os factores que motivam um crescimento urbano desordenado, demasiado rápido para ser consciente, uma expansão urbana desenfreada que começa a alastrar nas áreas verdes em redor, rompendo os limites tradicionais da cidade. Um crescimento descontrolado para um centro urbano onde não bastavam já os problemas relacionados com o pesado ambiente da industralização, uma cidade superpopulada, sobrecondensada, poluída e desordenada. Não se trata tanto aqui de fazer uma crítica ou caracterizar a fundo o problema da cidade industrial ou o seu modo de alastramento suburbano, mas antes de procurar formalizar um contexto que permita enquadrar não só a proposta urbanística de Frank Lloyd Wright, mas fundamentalmente a generalidade de um tempo que, e já a caminho do nosso século, originou novas proposições urbanas, novos modos de encarar a cidade, de a projectar e planear. Até porque estes novos valores e tendências que se começam já a delinear neste crescimento espontâneo ou não-planeado da cidade, tais como o lazer ou a procura de espaços verdes, e mesmo um certo culto por uma vida que se centrava no núcleo familiar, revelam-se de extrema importância na percepção dos modelos urbanísticos que tomaram lugar em finais do século XIX, inícios do século XX, e das opções urbanas essenciais à percepção da cidade actual. A cidade tradicional, contida entre muros, centralizada, já tinha cumprido a sua função. Mas, o momento apresentava novas necessidades, outras tendências de vida, um quadro geral da época que tinha sido sujeito a uma transformação radical. E a cidade, perdida neste enquadramento de metamorfose, de revolução, encontrava-se desadequada para acompanhar as profundas alterações. O desenvolvimento e crescimento da cidade aconteceu desregrado, confuso, diria que ainda não-consciente do momento e das suas implicações. O contexto geral era de crise: uma crise urbana, uma crise social devida a uma sociedade em transformação e em instabilidade.

• • • Um ambiente de crítica que se instalou em toda a sociedade novecentista e do princípio do século, nomeadamente na esfera de especialistas e estudiosos da matéria urbana e social advinha de um generalizado reconhecimento da situação de crise. Um contexto de crítica que levou os espíritos mais atentos a manifestarem-se, a estudarem a situação e a apresentarem, muitos deles, propostas de resolução. Os sintomas da mudança eram patentes: a ordem social encontrava-se em intensa revolução; as novas tecnologias, assim como os modernos meios de transporte e respectivas infraestruturas penetravam velozmente nos modos de vida tradicionais; a estrutura e imagem urbanas alteravam radicalmente os seus traços fundamentais e a cidade ameaçava invadir os campos.

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A emergência de uma «nova ordem» social, económica, urbana, estava à superfície, e a primeira expressão desse pressentimento começou por meio de manifestações e críticas de diversos autores, onde pairava um sentimento de preocupação e de desgosto perante o rumo dos acontecimentos. «Le Corbusier denuncia “um mundo doente”, uma cidade (Paris) crispada que se torna impotente…(sem) cirurugião para a operar. Mesmo sem diagnóstico”; ele afirma:”Todas as cidades do mundo estão doentes”, e no entanto “um diagnóstico é possível: dizer onde, como e com que é que é preciso agir.”» Já Frank Lloyd Wright «afirma que “toda a secção, não importa de que plano de uma grande cidade” evoca “o corte de um tumor canceroso”»6 Howard, por seu lado, escreve que «O Que É pode impedir por algum tempo O que Deveria Ser, mas não pode deter a marcha do progresso. Essas cidades superpopulosas cumpriram sua missão; elas eram o que de melhor podia ser construído por uma sociedade em grande medida baseada no egoísmo e na avidez.»7 «Ora, hoje (…) a antiga “grande cidade” resulta caduca. Como um velho navio ou um velho edifício irremedialvelmente inadaptado a nossas necessidades atuais, a cidade continua a prestar serviço, habitada porque não temos coragem de rejeitá-la e de permitir que o espírito do tempo, do lugar e do homem construa as novas cidades, de que tanto precisamos.», diz Wright8.

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«A sociedade industrial é urbana. A cidade é o seu horizonte. Ela produz as metrópoles, conurbações, cidades industriais, grandes conjuntos habitacionais. No entanto, fracassa na ordenação desses locais (…)»9 Françoise Choay, ao iniciar deste modo o seu livro O Urbanismo. Utopias e Realidades, acentua a importante marca que a revolução industrial imprimiu no processo de desenvolvimento da cidade, no desvio radical do seu tradicional caminho e no nascimento de um novo modo de encarar o crescimento e a formação da cidade

6 «Le Corbusier dénonce un “monde malade”, “une ville (Paris) crispée qui devient impotente…(sans) chirurgien pour opérer. Pas même de diagnostic”; il affirme: “Toutes les villes du monde sont malades”, et pourtant “un diagnostic est possible: on sait où, comment, avec qoiut il faut agir.”»; F.L.Wright «afirme que “(…) toute section de n’importe quel plan de grande ville” évoque “la coupe d’une tumeur cancéreuse”.»Veja-se CHOAY, F., La Règle et le Modèle. Sur la Théorie de l’Architecture et de l’Urbanisme, Éditions Seuil, 1ª Ed.1980, 2ª Edição, Paris, 1996, pg.323 7 Citação deEbenezer Howard in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.228 8 Citação de Frank Lloyd Wright in Ibidem, pg.239 9 Ibidem, pg.1

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e que fez nascer a disciplina de urbanismo10. Prossegue dizendo que «a sociedade industrial tem especialistas em planeamento urbano». Porque a cidade, produto da era da industrialização, passa a ser vista como objecto de estudo científico, de consideração teórica singular, sujeita a planos de ordenamento, teóricos e desenhados. A cidade é agora um objecto estético e técnico específico, com uma ordem e qualidade próprias11. Uma ordem que urgia ser questionada, reestruturada. As reacções surgiram com propostas inovadoras; umas que tendem mais para as ordens socio-políticas e económicas, outras que se revelam mais pelas preocupações técnicas e estéticas; umas mais cépticas perante esta nova era tecnológica e industrial, outras enquadrando já as técnicas modernas como parte fundamental dos seus modelos; umas mais moderadas, outras completamente radicais propondo o arrasamento completo da antiga cidade e recusando qualquer solução intermédia. De qualquer modo, a dificuldade encontrava-se em dar forma e sentido objectivos ao problema que emergia da sociedade industrial e do seu quadro construído e, neste aspecto, as diversas propostas vão situar-se em função do seu carácter mais ou menos prático, acabando, muitas delas, por cair na dimensão da utopia. Françoise Choay vem sistematizar as diversas propostas e ideias urbanísticas que surgiram neste contexto da industrialização, dando-lhes uma ordem e posição no conjunto. Emergem, então, os modelos progressistas e culturalistas que, consoante a inclinação das diversas propostas, se caracterizam, essencialmente: os primeiros revelando uma postura mais racional e movendo-se orientados, de acordo com o espírito iluminista, por uma ideia de progresso, pelo ideal de um homem e ordem tipo e ainda pelo ideal de uma absoluta auto-transparência social; os segundos demonstrando uma postura mais nostálgica e romântica e recusando qualquer tipificação da humanidade ou da arte12. Progressistas são, por exemplo, Tony Garnier com La cité industrielle, Le Corbusier com La ville radieuse ou Walter Gropius e ainda, enquanto pré-urbanistas Owen, Fourier ou Carlyle; culturalistas são Camillo Sitte, Ebenezer Howard e Raymond Unwin enquanto que os seus predecessores são, essencialmente, Pugin, Ruskin e Morris. De qualquer modo, é importante referir que esta divisão em modelos não constitui uma separação e análise rígidas; as propostas têm nuances, têm nebulosas, têm transmutações.

10 Segundo Françoise Choay «este neologismo corresponde ao surgimento de uma realidade nova: pelos finais do século XIX, a expansão da sociedade industrial dá origem a uma disciplina que se diferencia das artes urbanas anteriores por seu carácter reflexivo e crítico, e por sua pretensão científica». Ibidem, pg.2 11 «(…)le discours de l’urbanisme demeure normatif et ne peut ressortir que médiatement à une quelquonque pratique scientifique: son recours licite et justifié aux sciences de la nature et de “l’homme” est subordonné à des choix éthiques et politiques, à des finalités qui n’appartiennent pas seulement à l’ordre du savoir.» Veja-se CHOAY, F., La Règle et le Modèle. Sur la Théorie de l’Architecture et de l’Urbanisme, Éditions Seuil, 1ª Ed.1980, 2ª Edição, Paris, 1996, pg.16 12 Françoise Choay começa por falar destes modelos urbanísticos em relação àquilo que apelida de «pré-urbanismo». Os modelos pré-urbanistas, apesar de apresentarem as preocupações e tendências que serão recuperadas pelos seus sucessores, ainda não podem ser enquadrados na designação de urbanismo porque, como Choay explica, o pré-urbanismo é «obra de generalistas (historiadors, economistas ou políticos)» enquanto que o urbanismo é «o apanágio de especialistas, geralmente arquitectos». Além disso, enquanto que «o urbanismo deixa de inserir-se numa visão global da sociedade (…) (e) é despolitizado», o pré-urbanismo está «ligado a opções políticas» e sociais fundamentais e reguladoras das propostas. Veja-se CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.3-56

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No entanto, nesta grelha sistemática de pospostas urbanísticas, um outro modelo surge: o modelo naturalista que isola Frank Lloyd Wright e a sua proposta de Broadacre City no quadro geral. «Muito radicalmente utópico para prestar-se a uma realização»13, o modelo de Wright inaugura uma nova perspectiva da cidade que vem responder à era e sociedade industrial e revela-se, pela natureza original e fictícia das suas ideias, e pela sua extraordinária visão, um marco importante no enquadramento global da disciplina do urbanismo. A sua proposta deriva daquela a que Choay chama de corrente antiurbanista americana14 e coloca-se, desde logo, ao lado de um ponto de vista naturalista, embora reconheça a pertinência das novas técnicas e tecnologias numa sociedade industrial na «Era da Máquina». Desta feita, não só não recusa as extraordinárias invenções que a era do progresso suporta, como ainda estrutura toda a sua proposta em torno dessas mesmas novidades tecnológicas.

13 Ibidem, pg.29 14 Françoise Choay explica o antiurbanismo americano como a de reacção ao crescimento da grande cidade industrial nos Estados Unidos que, por não terem, como no caso europeu, o forte peso da tradição urbana, imprimem à sua ideologia um carácter diferente que se alicerça essencialmenete numa imagem nostálgica da natureza. Homens como Thomas Jefferson (em nome da democracia), Ralph Waldo Emerson (pela metafísica naturalista) ou Henry Thoureau (pelo anarquismo individualista), que irão constituir fontes ideológicas para a proposta de Wright, colocam as «suas esperanças na restauração de uma espécie de estado rural.» Ibidem, pg.17

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B R O A D A C R E C I T Y - U M M O D E L O , U M A V I S Ã O , U M A U T O P I A

«Otimista, não política, não urbana, camponesa: nossa imagem da cidade é efectivamente tudo isso. Esta é a ideia realizável de uma cidade orgânica, social e democrática, resulltante de uma sociedade criadora - em resumo, de uma cidade viva»15

Broadacre City não poderia ter nascido noutro momento, noutro contexto, nem poderia ter sido obra de mais ninguém a não ser Frank Lloyd Wright. E isto porque a proposta do arquitecto revela não só características que a enraizam num determinado contexto cultural e histórico, como já procuramos enquadrar anteriormente, mas também certos traços que fazem dela o fruto de uma postura muito pessoal, marcada por uma infância particular, por uma vida intensa, cheia de incidentes, de episódios significantes que tiveram, concerteza, um forte peso na postura de Wright quando se trata de idear e projectar um modelo de cidade, no fundo, uma sociedade e modo de vida. E, neste sentido, diria que a proposta de Broadacre City não é apenas mais um trabalho entre outros que a vida de arquitecto acabou por reunir. Ela representa uma obra de amor, um impulso, uma competência, que lhe cabia a ele, enquanto arquitecto; como se possuísse, ele, uma revelação que precisava divulgar ao mundo, como se essa obra de uma vida constituísse um importante legado a doar à humanidade. Assim, Wright fez acompanhar o seu trabalho de projectista de inúmeros escritos e livros que ‘confessam’ os seus pensamentos, que explicam as suas propostas, as suas convicções, alguns deles exclusivamente dedicados ao modelo de cidade e que foi refazendo e melhorando até à sua morte16. A grande cidade saída da era da industrialização tornara-se uma «máquina», pensava. Enredada no complexo engenho maquinal, a cidade moderna perdeu a sua natureza, a sua lógica interna, a sua essência, a sua razão de ser, e arrastou consigo os homens, «cidadãos urbanizados» que, prisioneiros deste maquinismo infernal, deste labirinto inumano, perderam as suas referências, transformando-se, eles próprios em máquinas - máquinas de produzir, de rentabilizar, de multiplicar dinheiro. É neste ambiente desolador que Wright encaixa a grande cidade industrial, e é daí, também, que faz emergir uma vontade de reestruturação e de mudança, o

15 Citação de Frank Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.239,241 16 Referentes à Broadacre City, Wright publicou três livros: The Disappearing City, em 1932, When Democracy Builds, em 1945 e, por último, The Living City que escreveu um ano antes da sua morte, em 1958.

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sentimento da urgência de um regenerado modo de vida, de uma nova cidade, livre e salutar, alicerçada sobre os valores do Homem e da Natureza. Porque a grande cidade moderna já abandonou o valor da terra e largou no esquecimento o verdadeiro valor do humano. «A felicidade do cidadão convenientemente “urbanizado” consiste (agora) em aglutinar-se aos outros dentro da desordem, iludido como é pelo calor hipnótico e pelo contacto forçado com a multidão. A violência e o rumor mecânico da grande cidade agitam a sua cabeça “urbanizada”, enchem os seus ouvidos “urbanizados”. (…) Uma agitação perpétua excita-o, rouba-o à meditação e à reflexão (…) ele torna-se um agente, vendedor de ideias rentáveis, um viajante que explora as fraquezas humanas especulando com as ideias e invenções dos outros (ele torna-se) um parasita do espírito (…) perpétuo escravo do instinto gregário, (…) submisso a um poder estranho »17 Wright concentra, pois, os males da grande cidade na noção de «aluguer»: alugam-se habitações e terrenos, rentabiliza-se dinheiro, põem-se à venda as ideias, «a própria vida do cidadão »18, conduzida em nome da eficácia, é alugada e sujeita à especulação do mercado e ao domínio de um senhorio. Este é um mundo que vive do parasitismo e da exploração; este é o mundo da pobreza de espírito; o reino dos estereótipos e de uma massa de gente desenfreada, ‘bonecos mecânicos’ que se arrastam em «rebanho» movidos pelo artificialismo e pelo «instinto gregário». «O aluguel! A cidade não é mais do que uma forma ou outra de aluguel. Se ainda não são perfeitos parasitas, os seus habitantes vivem parasitariamente.»19 Broadacre City nasce, assim, entre a crítica e a construção: a crítica de uma realidade degenerada, de uma cidade inadequada, transfigurada, doente, perdida, a crítica a um cidadão desconcertado, confuso, alienado, já meio louco e a construção de um ‘admirável novo mundo‘, autêntico, em equilíbrio, exaltador da humanidade, anunciador de uma nova ordem, bela, quase indígena, sob a orgânica do natural, em nome da estrutura do indivíduo. Assim Wright funda a sua teoria da cidade. Wright quer reconverter o indivíduo «urbanizado», especulador, mercenário, e encontrar finalmente a sua individualidade completa, a «integridade fundamental da alma humana». É esse sujeito «parasita do espírito» que Wright quer eliminar e dele fazer erguer o ser total, consciente de si e da sua condição, o ser criativo, que reflecte, que age. «A perfeita correlação das faculdades, activas e potenciais, do ser humano, eis o que deverá constituir o objectivo mais importante de toda a educação em Broadacre City. O olho e a mão, o corpo e aquilo a que chamamos o Espírito, tornar-se-ão, assim, cada vez mais sensíveis à Natureza… Espiritualmente e fisicamente, os rapazes e raparigas de Broadacre City tornar-se-ão actores de uma humanidade naturalmente criadora.»20

17 Citação de Frank Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.236-237 18 Ibidem,pg.237 19 Ibidem,pg.237 20 «La parfaite corrélation des facultés, actives et potentielles, de l’être humain, voilà ce qui devra constituer le but le plus important de toute l’éducation à Broadacre City. L’oeil et la main, le corps et ce que nous appelons l’Esprit, deviendront ainsi de plus en plus sensibles à la Nature… Spirituellement et physiquement, les garçons et les filles de Broadacre City deviendront des acteurs d’une humanité naturellement créatrice.» Citação de Frank Lloyd Wright in FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au Xxe Siècle.

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• • • Em 1935 Frank Lloyd Wright apresenta ao país a maquete do seu modelo de cidade. Um modelo que não se destina a uma determinada área, que não diz respeito a um lugar específico. Malha uniforme, contínua, que se alastra indeterminadamente, sem fronteiras nem travões, trata-se, pois, da solução absoluta a aplicar universalmente, a estender à totalidade do território, a constituir em qualquer lugar e em lugar algum…. Aí está «(…) a grande cidade que vejo cobrindo todo o nosso país. Seria a “Broadacre City” de amanhã. A cidade convertida em nação.»21 A cidade que será «em todo o lado e em lado nenhum»… Em Broadacre City «é o próprio campo que ganha vida sob a forma de uma verdadeira grande cidade»22. Deste modo Broadacre não é campo nem é cidade, ela é uma nova realidade, uma «urbanização ruralizada» que se revela pela sua forma particular de estabelecimento no território. Frank Lloyd Wright não procurava exactamente um «casamento» ou laço sereno entre cidade e campo, mas sim encontrar essa «forma autêntica» de estruturar a ocupação do território, em que cada cidadão seria simultaneamento um urbano e um camponês. Dispersa, descentralizada, Broadacre City revogará qualquer tendência centrípeda, qualquer força de convergência que resultaria numa amálgama de funções ou pessoas apertadas, como que por magnetismo, num centro, enclausuradas, cercadas por muros coarsivos, restringedores de horizontes, limitadores de perspectivas, destruidores de espectativas. A centralização, símbolo do poder monárquico, da força ditactorial, já não tem razão de ser23. Segundo Wright «os grandes centros urbanos já não estavam ‘em vias de desaparecimento’; eles tinham deixado logo de existir»24. E nesta era moderna onde os meios de comunicação representam um sintoma importante na evolução dos modos de vida, onde a ‘supressão/redução’ das distâncias se constitui como um facto adquirido, a tendência à concentração entra necessariamente em decadência. Por outro lado, também a cidade como entidade fechada, limitada, cercada, provou já não fazer qualquer sentido numa sociedade industrializada e tecnológica. Tal como Robert Krier deixa bem claro a transformação radical que sofreram as estratégias militares desde finais séc.XVIII, vem trazer consequências profundas nas próprias estruturas urbanas que já não vêem na muralha um dispositivo de defesa indispensável à formação e estabilidade da cidade25.

Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.106 21 Citação de Frank Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.242 22 Citação de Frank Lloyd Wright in FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au Xxe Siècle. Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.113 23 «A centralização é o velho princípio social que tornou necessários os reis e, atualmente, é a força que “superconstrói” todas as nossas cidades (…)». Veja-se CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.238 24 Veja-se FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au Xxe Siècle. Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.97 25 KRIER, R., «La Perte de L’Espace Urbain dans L’Urbanisme du Vingtième siècle» in L’Espace de LaVille. Theorie et Pratique, Édtions Archives D’Architecure Moderne, Bruxeles, 1975, pg.59

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«No plano cultural, pelo contrário, a sombra da muralha parece ter predominado, ainda que os horizontes infinitos do aventureiro pareçam exercer hoje sobre a mente humana uma sedução cada vez maior. À medida que diminui o medo físico da força bruta, diminuem as necessidades de fortificação. A aspiração inata do caçador nómade à liberdade revela-se hoje mais certa e mais justificada que as sólidas defesas de alvenaria edificadas no longínquo passado diante da necessidade de proteger a vida humana da própria humanidade.»26 Broadacre City é a cidade do «aventureiro», do «nómada»; é a cidade que inspira liberdade, que respira movimento. Não há dúvida que a cidade de Frank Lloyd Wright se caracteriza pelo extremado nível de acentralidade e de dispersibilidade, que acabam por se constituir como traços basilares que conferem ao modelo uma autonomia e identidade muito próprias isolando-o de outras propostas suas contemporâneas27. Mas falar de descentralização e dispersão é falar da extraordinária rede que o modelo constitui e que, no fundo, surge como estrutura formal do plano, a malha de vias (visíveis e invisíveis) que se estende indefinidamente em todas as direcções e que vem suportar e dar forma a toda uma ideologia, conferir-lhe uma visibilidade espacial. «Imagine-se, agora, espaçosas auto-estradas, bem enquadradas na paisagem (...) vias gigantescas, elas próprias grande arquitectura (...) unem e separam, separam e unem, séries intermináveis de unidades diversificadas que vão das unidades-agrárias, mercados à beira da estrada, jardins-escola, zonas de habitação, cada um nos seus acres de terra ornamentada e cultivada individualmente (...) E imagine-se unidades-homem tão organizadas que cada cidadão, quando escolhesse, pudesse ter todas as formas de produção, distribuição e aperfeiçoamento próprio (...)rapidamente disponíveis por meio do seu carro privativo ou transporte público.»28 Broadacre City é a «nação» coberta por um emaranhado de vias (visíveis e invisíveis), estradas e auto-estradas, redes de tele-comunicações, rotas aéreas, que conferem à cidade de Wright uma «dimensão cósmica»29. Grelha de fluxos, Broadacre City é, neste sentido, uma cidade da comunicação, do movimento, da relação. Mas uma relação que já não implica uma proximidade física ou uma

26Citação de Frank Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.238 27 Fishman deixa bem vincada a «descentralização extrema» que deriva da proposta de Wright destacando-a em relação às outras. «Comme la Cité-Jardin, Broadacre City est une application du principe de la décentralisation, mais une application si audacieuse qu’à côté d’elle la Cité-Jardin ( de Howard) paraît sagement tradicionnelle» pg.75. Veja-se FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au Xxe Siècle. Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.11-13. 28 «Imagine, now, spacious, well-lanscaped highways, grade crossings eliminated by a new kind of integrated by-passing or over- or under-passing all trafic in cultivated or living areas…. Giant roads, themselves great architecture, pass public service stations no longer eyesores but expanded as good architecture to include all kinds of roadside service for traveller, charm and conmfort througout. These great roads unite and separate, separate and unite, in endless series of diversified units passing by farm units, roadside markets, garden schools, dwelling places, each on its acres of individually adorned and cultivated ground, developed homes all places for pleasure in work and leisure. And imagine man-units so arranged that every citizen as he chooses may have all forms of prodution, distribution, self-improvement, enjoyment within the radius of , say, ten to twenty miles of his own home. And speedily available by means of his private car or public conveyance.» Citação de WRIGHT, F., L., in HALL, P., “The City on the Highway”, Cities of Tomorrow, blackwell Publishers, 1ªedição em1988, Edição updated, Massachusetts, 1996, pg.288 29 Expressão usada por Choay em O Urbanismo. Utopias e Realidades.

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centralidade restritiva; pela grelha cada ponto encontra-se potencialmente ligado a todos os outros, à totalidade do espaço. O instinto nómada foi deveras assimilado e a liberdade encontra-se garantida. Vemos nascer o modelo: essa proposta complexa, radical, de difícil defesa, mas que traz subjacente uma ideia firme, uma grande coesão. O modelo tem por base diversos princípios, mas esses princípios não se encontram soltos, dispersos, como se fossem questões separadas que o autor juntava no plano. Pelo contrário, eles estabelecem entre si uma forte união, e uma união que tem um elemento estruturador, uma ideia basilar orientadora. Essa ideia encontra-se no humano, no ser individual, único que é cada homem. Essa é a ideia de Frank Llyod Wright; e mais do que ideia ela é uma convicção, uma quase fé, uma devoção. Toda a proposta se centra no indivíduo, ele é o elemento base, estruturante, ele representa a força de coesão. O ser total, completo, apresenta-se, então, como estrutura de toda a conceptualização do modelo. Broadacre City é uma cidade de indivíduos, é uma «teoria do estabelecimento humano» que se inicia na conceptualização e no entendimento do que é o Ser, do que é o Humano, enquanto ‘partícula’ da humanidade. «Nosso ideal social, a democracia *, foi originalmente concebido como livre desenvolvimento do indivíduo humano: a humanidade toda livre para funcionar em uníssono, dentro de uma unidade espiritual (...) Este ideal de estado natural está no âmago da democracia orgânica, assim como da arquitectura orgânica. (...) Evoquemos em sua essência a cidade futura da democracia: ela comportará perspectivas bem mais grandiosas e, em um sentido profundamente orgânico, um modo de vida conforme ao Espírito verdadeiro do homem - por ser a individualidade a integridade fundamental da alma humana (...)»30 Um indivíduo que encontra a sua extensão natural no núcleo familiar; os seus são também parte de si e o amor deve constituir a força da união. Na família encontram-se as bases da educação e crescimento do ser humano, as bases para a formação física e espiritual do indivíduo, para a formação íntegra da sua individualidade. Wright concebia o corpo familiar como elemento fundamental da estrutura do indivíduo e acolhia-o como o centro da vida, a única centralidade concebível na cidade contemporânea31. Antes de procurar aprofundar algumas destas e outras características do modelo de Wright, será importante confrontar directamente os dois pontos acima levantados como estruturadores da proposta: o elemento pontual, homocêntrico, que é o indivíduo e o seu local de fixação – a habitação familiar - e a complexa grelha de canais cruzados, de deslocamento e transmissão, que constitui todo o emaranhado de vias (visíveis e invisíveis) de Broadacre City. Procurando analisar esta questão à luz dos conceitos de stocks e fluxos apontados por Paul Chemetov em O Território do Arquitecto32, reconhecemos Broadacre City 30 Citação de Frank Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.236, 238, 239 31 «Le véritable centre (la seule centralisation admissible) (…)c’est l’individu dans son foyer usonien véritable» Citação de Frank Lloyd Wright in FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au Xxe Siècle. Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.101 32 Chemetov afirma que aos fluxos correspondem as redes, a velocidade, a performance, enquanto que os stocks dizem respeito aos lugares, à memória, ao território. Aponta-os como dois pólos, um de

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como uma cidade de fluxos mas que comporta um nível de permanência fundamental: a casa familiar, onde o indivíduo e a família aparecem como o único momento de centralidade. Veja-se esse pontilhismo múltiplo de habitações unifamiliares, de indivíduos, que encontram na rede viária, aréa ou telefónica, o meio ideal para se ausentarem do seu lugar de permanência, da sua célula de estabilidade, sempre que assim o desejarem e tão rapidamente quanto a tecnologia o permitir33. «(…)o isolamento só tem sentido se pode ser rompido a qualquer momento»34. Mas a absoluta convergência de pessoas e funções revela-se inadequada aos tempos modernos e restritora da liberdade individual de cada um. O modelo parece vir no sentido de procurar um nível de equilíbrio entre stocks e fluxos; um equilíbrio que responda às necessidades de uma sociedade moderna e que compreenda, na sua essência, as necessidades espirituais e físicas do ser humano. A habitação familiar apresenta-se, então, como elemento de stock representando a única concentração possível e desejável, a situação de permanência, o local das memórias centrado na riqueza da vida familiar. Ela é o momento de convergência, o único ponto de fixação, o lugar. A habitação é a expressão da individualidade, do Ser, o elemento de identidade. Já a grelha de circulações e comunicações funciona como manifestação dos fluxos: o movimento e a velocidade a reflectirem, por um lado, os parâmetros da vida moderna, por outro a expressão do desejo à liberdade e essencialmente à necessidade de experimentar essa liberdade - uma «aspiração inata» do humano, enquanto ser «aventureiro», enquanto «nómada»35. «Quando o stock se identifica com o fluxo, (escreve Michel Serres), as grandes concentrações dispersam-se em singularidades. Através do universo ou por todo o planeta, as redes ligam os indivíduos, tão completamente diferentes quanto eles o desejem, por muito preparados que eles estejam, (…) em juntarem-se de outro modo e à sua vontade. Assim, a filosofia da substância isolada junta-se, sem paradoxo, à da relação, assim o universal conta com o indivíduo (…)»36 A apresentação de Michel Serres da estrutura em rede poderia constituir uma espécie de descrição/caracterização do próprio modelo de Broadacre City se não fosse o paragem outro de fuga, donde a sua combinação e oscilação vem no sentido de encontrar um estado de equilíbrio. «La lente circulation, la lente modification des stocks demandent à la fois le ralentissement des flux et celui du temps de rotation des stocks. (…) Ce sont deux pôles. Il faut du flux pour reconstituir le stock; il faut des stocks por réguler les flux (…)» Veja-se CHEMETOV, Paul, Le Territoire de L’Architecte, Éditions Julliard, Paris, 1995, pg.65-70 33 Segundo palavras de Robert Fishman «Broadacre City (…)could not be compreended from a single point of view, only from the multiple centres or points of view of each household in its cars moving at great speeds over the landscape.» Veja-se FISHMAN, R., “Space, Time and Sprawl” in AD vol.64 nº3/4 March-April 1994, The Periphery, p.46 34 Escreve a autora relativamente à rede de rotas terrestres e aéras que religam todas as células de habitação e de actividade sociais. Veja-se CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.30 35 «Wright voulait que Broadacre City soit (…)une cité sans murailles, ni matérielles, ni spirituelles, qui serait néanmoins une communauté stable. Une décentralisation radicale créerait finalement un environnement où la liberté du Vagabond et le conservatisme de L’Homme des Cavernes pourraient coexister. Dans cet ordre social organique aucun conflit ne pourrait surgir entre la vérité individuelle et la vérité universelle.» Veja-se FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au Xxe Siècle. Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.124 36 «Quand le stock s’identifie au flux, les grandes concentrations se dispersent en singularités. Par l’univers ou la planète, les réseaux connectent les individus, tout aussi différents qu’ils le veuillent, toujours prêts qu’ils sont (…) à se fédérer, autrement et à loisir. Ainsi, la philosophie de la substance isolée rejoint, sans paradoxe, celle de la relation, ainsi l’universel compte sur l’individu. (…)» Veja-se SERRES, M., Atlas, Éditions Julliard, Paris, 1994 in CANDON, N., Centre de Documentation de L’Urbanisme - http://www.equipement.gouv.fr/dac/cdu/accueuil/compourb/co…

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facto de estabelecer uma identificação entre stocks e fluxos. A proposta de Wright, pelo contrário, demarca bem estes dois níveis: uma arquitectura de permanência, de enraizamento, e uma grelhagem de movimento e velocidade. Resumindo, Broadacre City parece apresentar uma dupla estruturação: uma estrutura em grelha que resulta da observação simultânea do todo, da consideração da malha uniforme de vias que cobre a totalidade do território; e uma estrutura a que se poderá chamar de radial já que deriva, numa espécie de processo de focagem, do intenso sistema de relações que estabelece a ligação de cada ponto (unidades funcionais ou os próprios individuos) com todos os outros pontos do espaço. Esta última é completamente diferente de uma estrutura centralizada onde há claramente um elemento prepoderante e uma força centrípeda. A Natureza, ‘território virgem’, surge como o «meio contínuo» receptor de todo este sistema. Ela é o princípio fundamental e nela todos os componentes de Broadacre City trabalham em uníssono, ou seja, orgânicamente. A organicidade celebra o equilíbrio do homem com a natureza, e esta última garante o equilíbrio do homem consigo mesmo, com os outros e na cidade. «Broadacre City seria edificada em tal clima de simpatia com a natureza que a sensibilidade peculiar ao lugar e a sua própria beleza constituiriam um requisito fundamental exigido pelos novos construtores de cidades. A beleza da paisagem seria procurada não como suporte, mas como um elemento da arquitectura.»37 Frank Lloyd Wright quer recuperar «o valor da terra enquanto apanágio do homem, ou o do homem enquanto herança fundamental da terra». A arquitectura, como estrutura orgânica, vem constituir-se como o elemento de ligação, a materialização do eixo ‘primordial’ que radica o homem à terra. Se o indivíduo e o núcleo familiar são assumidos como os únicos momentos de centralidade, a arquitectura orgânica, por seu lado, torna-se o único enraizamento possível, à qual o indivíduo se deve agarrar para encontrar, ele próprio, as suas raízes, a axialidade de ser humano38. Neste sentido a arquitectura, construída em conformidade com a natureza e reclamando a sua aderência à terra, também é stock, porque ela é fundação, ela é o embasamento de uma permanência, de uma memória, de uma identidade; ela é o espaço de meditação, a garantia da integridade corpo e espírito do sujeito. Quando nos referimos a Wright como um arquitecto por excelência, e não como um urbanista, ou quando proclamamos a importância do desenho e da singularidade do objecto arquitectónico no seu modelo de cidade, estamos desde logo a apontar para a ‘crença’ de Frank Lloyd Wright na arquitectura como «arte soberana», capaz de exprimir «os mais altos valores da sua sociedade», mas também numa arquitectura que, partindo da habitação unifamiliar, é expressão de uma individualidade, é o eixo de conduta à essência do ser, ao encontro de uma identidade original 39. 37 Citação de Frank Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.236, 241 38 «Com a arquitectura orgânica, o homem toma novamente posse de sua nobreza e de seu território, do qual se torna parte integrante, a exemplos das árvores, dos rios que o esculpem, das colinas que o amolgam. (…) a arquitectura orgânica se dirige assim à humanidade toda (…)»Citação de Fran Lloyd Wright in Ibidem, pg.240 39 Parece-me interessante lançar para debate, ainda que superficialmente, uma possível relação que as ideias de Wright – ideias que, no fundo, constituem uma filosofia de vida, centradas na arquitectura e na cidade – estabelecem com a filosofia de Heidegger. Para Wright a arquitectura, enquanto ‘construção’ orgânica, também concentra as potencialidades de um ’habitar autêntico’, aquele que revela o ser, que ilumina a vida, que regressa às origens, que se funda no primordial. Para Wright essa raiz está na natureza.

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O interesse do arquitecto por uma tipologia habitacional de vivendas unifamiliares assenta, principalmente, no valor primeiro que é indivíduo - «no direito pessoal e inalienável de viver a sua vida, à sua vontade, na sua própria casa»40 - e na graciosidade perfeita do corpo familiar. Assim, cada habitação deve manifestar as particularidades dos seus habitantes, os seus interesses, as suas necessidades41, e deve ser inteiramente concebida como «uma obra de arte completa em si», em que cada traço, cada detalhe estará entregue nas mãos do arquitecto. A diversidade vem, então, constituir-se como uma das características principais de Broadacre City onde «não haveria duas casas, dois jardins, duas propriedades (de um a dois, ou três, ou dez acres ou mais), duas granjas, duas fábricas, dois mercados que se parecessem.»42 A arquitectura orgânica enraiza-se no solo, ela respeita e venera a natureza, ela integra-se perfeitamente na sua moldagem. A arquitectura «resulta autenticamente da topografia… Sob uma infinita variedade de formas, os edifícios exprimem a natureza e as características do solo sobre o qual eles (se elevam), eles se tornam uma parte integrante deles.»43 Em Broadacre City natureza, indivíduo e arquitectura compõem uma totalidade orgânica inabalável que significa um regresso às origens, um alicerceamento do orgão individual e familiar enquanto elementos compositivos de uma nova ordem social. O próprio termo usonian44 usado por Wright para nomear Broadacre reflecte a preocupação constante do arquitecto em encontrar a verdadeira natureza de um povo, de uma nação, a verdadeira natureza do ser humano. Mas para Wright o encontro com a natureza e o regresso à essência do ser só são possíveis num clima de democracia e liberdade total, caso contrário o indivíduo ficará preso a regras e instituições que reprimem a sua individualidade e ocultam o verdadeito carácter da alma humana. Um individualismo inflexível como aquele que Wright proclamava não poderia ter outra expressão senão elegendo a democracia como condição imprescindível à vigência desta nova ordem social. Mas trata-se aqui de uma democracia «despolitizada» que não significa «uma reintrodução do pensamento político no urbanismo»45, mas antes «o livre desenvolvimento do indíviduo», a declaração do ideal de liberdade como princípio básico inerente à humanidade e que é urgente sublimar.

40 «le droit personael et inaliénable de vivre sa vie à sa guise dans sa propre maison» Veja-se FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au Xxe Siècle. Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.87 41 «A liberdade na reunião e na utilização das unidades é tamanha que qualquer cidadão pode fazer de sua cas um todo harmonioso, adaptado à sua pessoa e aos seus meios, ao solo que ocupa e ao deus que venera.» Citação de Fran Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.243 42 Citação de Fran Lloyd Wright in Ibidem, pg.242 43 Ibidem, pg.31 44 Françoise Choay explica que «O termo usoniano (usonian), Wright toma de Samuel Butler que, em Erewhon, criou este neologismo para qualificar algo que se refira aos Estados Unidos. Para Wright, Broadacre é a única solução que fará com que os Estados Unidos sejam usonianos, quer dizer, conformes à sua natureza e à sua vocação.» Ibidem, pg.244 45 Ibidem, pg.30

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«O ideal da democracia é o indivíduo poder ser o seu próprio centro, o seu próprio governo, o seu soberano individual, um deus individual»46 Broadacre City - «A escolha deste nome não vem do fato de que Broadacre está fundada na unidade mínima de um acre para cada indivíduo, mas, fato muito mais importante, de que, surgida no seio da democracia, Broadacre é a cidade natural da liberdade no espaço, do reflexo humano.(…) Em toda a parte onde existir a cidade democrática, a individualidade da consciência e a consciência da individualidade permanecerão invioladas.»47 Toda a estrutura social e económica deverá edificar-se em torno desse ideal democrático e, neste sentido, só uma independência económica e material dos cidadãos poderá constituir uma base sólida para uma glorificação e um manifesto desenvolvimento da democracia. Cada cidadão será proprietário de um pedaço de terra que lhe compete cuidar e cultivar e que lhe garantirá a subsistência e independência económica; além disso ele deverá também proclamar a sua independência profissional. «(…) o solo precisa de ser colocado à disposição de todos, em condições honestas; ele deve poder ser legalmente considerado como um elemento com valor próprio, tão diretamente acessível aos homens quanto a qualquer outro elemento. (…) abolida (está) a tirania dos privilegiados e do proprietário-fantasma de bens de raiz (…)»48 A estrutura funcional da cidade passa a compreender diversas unidades funcionais que se encontram isoladas e dispersas por todo o território. Elas albergam as várias funções urbanas, desde residências, escritórios e oficinas, a equipamentos de carácter público como unidades hospitalares, escolares, comerciais ou centros culturais e recreativos. Mas, ao contrário da cidade tradicional onde estes equipamentos de ‘grande porte’ se encontravam concentrados na área central, em Broadacre City as unidades funcionais devem ser em maior números, de menor escala e devem estar distribuídas uniformemente por todo o espaço para que se tornem acessíveis a qualquer cidadão em pouco tempo e através do sistema de comunicações49. «Normalmente qualquer unidade (fábrica, fazenda, oficina, loja ou residência), qualquer igreja ou teatro, ficaria no máximo a dez minutos das escolas e dos mercados de estrada, grandes e diversificados. Os mercados seriam providos de hora em hora com alimentos frescos e comportariam fábricas dispostas de modo a cooperar eficazmente entre si e destinadas a servir, sem intermediários, à população que trabalhasse na zona vizinha. Assim, não haveria nenhuma necessidade de correr de um lado para outro de um centro comum.»

46 «L’idéal de la démocratie c’est que l’individu puisse être son propre centre, son propre gouvernement, son souverain individuel, un dieu individuel». Estas são palavras de Louis Sullivan em The Young Man in Architecture. Mestre e companheiro de Frank Lloyd Wright, Sullivan foi também seu orientador intelectual referenciando muitas das ideais de Wright. Veja-se FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au Xxe Siècle. Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.84 47 Citação de Fran Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.239,241 48 Ibidem, pg.241 49 Veja-se nota 22

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«Muitas das pequenas oficinas ou estúdios, clínicas, pequenos hospitais ou galerias de arte, adapatados às diversas exigências das “profissões” em causa ficariam, pois, na maior parte das vezes, diretamente ligados à parte destinada à habitação.» «Sua própria energia está preservada pelo simples fato de que ele dispõe de todos os meios de ação reunidos sob o teto de um só e único edifício-modelo, funcional, higiênico e ininflamável. (…)A fómula da “fábrica ou da fazenda para a família”deixa de ser simples slogan» «Locais de diversão distribuir-se-ão ao longo das estradas e os mercados espaçosos e fléxiveis, como pavilhões, convertidos em locais de troca cooperativa.» «(…) todo o centro cultural intitulado escola será instalado em um parque natural cuidadosamente mantido na parte mais bonita do campo vizinho (…) e os edifícios serão construções (adaptadas) às necessidades de jovens criados ao sol, no amor à liberdade e à terra.»50 As próprias unidades profissionais devem estar em relação directa com as unidades residenciais, o que resulta numa economia de tempo e de energia para os trabalhadores. Neste sentido, habitação, trabalho e lazer constituem um sistema de unidade. O lazer, por sua vez, ganha presença como valor fundamental a constituir na sociedade de Broadacre, e a tomar um lugar de nível em relação ao trabalho e ao habitar (residir). Um modo de vida que tem no prazer e na paz de espírito quotidiana um princípio vital. «Hoje o trabalhador do campo, graças à electricidade e à mobilidade universal, pode em qualquer lugar desfrutar de qualquer vantagem antigamente oferecida pela grande cidade, à guisa de recompensa, ao infeliz escravo do salário»51 É neste sentido que Frank Lloyd Wright recupera a importância da máquina e das tecnologias modernas para uma sociedade como a de Broadacre City: só a máquina poderá garantir as condições materiais para uma sociedade verdadeiramente democrática, só a máquina poderá poupar ao homem o esforço da força bruta e a morosidade de certas actividades, e oferecer-lhe uma «margem sempre crescente de lazeres» e prazer. Novas tecnologias não são sinónimo de degradação ou dissolução das motivações e tarefas mais belas do ser humano; elas representam dados fundamentais na caracterização da época contemporânea, motores essenciais a uma sociedade moderna, que devem ser levadas em conta em qualquer sociedade ou «cultura original». A máquina é produto do seu tempo e o que é necessário é decobrir a harmonia da sociedade industrial, encontrar a sua estrutura natural, a sua ordem a sua beleza. É neste aspecto que Wright luta por descobrir «a poesia desta Idade da máquina», integrando, inclusivé, de modo decisivo, a técnica moderna no seu modelo de cidade. A eletrificação, o telefone, o automóvel ou o avião são meios de transporte e comunicação de tecnologia avançada que desempenham um papel fundamental na estrutura de Broadacre City, possibilitando o seu modo de expressão, a sua

50 Citações de Frank Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.242-245 51 Citação de Frank Lloyd Wright in Ibidem, pg.245

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descentralização e dispersão extremas. E introduzem, pelo fenómeno da velocidade, quebras na estrutura clássica do binómio espaço/tempo, donde resulta um outro modo de percepcionar e experimentar o espaço e o tempo: a velocidade torna-se, de repente, a dimensão primeira que desafia as tradicionais medidas físicas e temporais; questões que a teoria de Frank Lloyd Wright reconhece e que torna presente através do seu modelo. «Não só mudaram inteiramente os valores espaciais relativamente aos valores do tempo, agora pronto a formar novos standarts de medida de movimento, mas também existe aqui um novo sentido do espaço baseado na velocidade… E, além disso, o impacto deste sentido de espaço já produziu novos valores espirituais e físicos.»52 Por outro lado, e não deixando de assimilar inteiramente este intenso regime de fluxos, Wright sente a absoluta necessidade de encontrar também uma base segura de fixação, de enraizamento, que garanta ao homem os momentos de permanência, de isolamento, de encontro consigo mesmo e com a natureza. Essa base é, precisamente, o território, a boa utilização do valor da terra. « A única base segura da velocidade reside em uma sã utilização da terra. Então por que não retornar à terra e aprender a efectuar essa reconversão?» 53

• • • Tal como já foi referido, o modelo naturalista de Wright aparece isolado no quadro geral das diversas propostas urbanísticas. Françoise Choay não coloca o modelo de Wright nem do lado dos progressistas, nem do lado culturalistas, o que revela, de facto, a singularidade e mesmo a excentricidade da proposta. Segundo palavras de Françoise Choay, o espaço do modelo naturalista «é compexo; certas características suas aparentam-no com o modelo progressista, outras com o modelo culturalista. Ele é ao mesmo tempo aberto e fechado, universal e particular. É um espaço moderno que se oferece generosamente à liberdade do homem»54. Em função do passado e em função do futuro, Broadacre City desenvolve-se entre um mito nostálgico pela natureza virgem e uma vontade futurista de velocidade, de movimento, o desejo de uma vida vivida conforme as potencialidades técnicas da modernidade. Neste sentido, se por um lado se suporta da «crítica nostálgica» do modelo culturalista para apresentar os seus sentimentos e preocupações relativamente à cidade da era industrial, por outro, à maneira das ideias progressistas, tem na máquina um aliado e um colaborador quando se trata de encontrar a nova ordem e estética que se oculta por detrás do ambiente reprimido e alienado da sociedade nas cidades actuais. Ao tom dos pré-urbanistas Morris e Ruskin, Wright crítica uma cidade que, saída da era da insustrialização, tornara-se 52 «That not only have space values entirely changed to time values, now ready to form new standarts of movement measurement, but a new sense of spacing based upon speed is here… And, too, the impact of this sense of space has already engendered fresh apiritual as well as phisical values.» Veja-se FISHMAN, R., “Space, Time and Sprawl” in AD vol.64 nº3/4 March-April 1994, The Periphery, p.46 53 Citação de Frank Lloyd Wright in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.246 54 Ibidem, pg.31

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uma máquina infernal, destruidora dos impulsos mais nobres, mais íntegros dos indívíduos, e que prosseguia enferrujando e dinamitando as tendências criadoras dos sujeitos e consequentemente perfidiando o universo da arte. No entanto Wright não se fica por uma atitude de desprezo relativamente à máquina. Ele inverte as posições, e recupera, para um outro nível, os adventos da modernidade, quando declara a urgência de encontrar «a poesia desta idade da máquina»55. A própria Choay refere que Wright acaba por usar a técnica moderna de modo ainda mais decisivo que os urbanistas progressistas: o automóvel, o telefone ou o avião constituem conteúdos essenciais no entendimento e formalização da ideia de Wright. Na Ville Radieuse de Le Corbusier a circulação automóvel reveste-se de enome importância mas ela «é concebida como uma função separada que, paradoxalmente, é tratada fazendo-se abstração do conjunto construído onde ela se insere». Wright, profundo conhecedor daquilo que se passava pela Europa, recolhe daí algumas ideias que influenciaram a sua filosofia. E, neste sentido, admitem-se afinidades à ideologia e modelo de Ebenezer Howard - a cidade-jardim inglesa - modelo este que apresenta o seu conteúdo teórico na obra Garden Cities of Tomorrow , de 1902. Em ambos está patente a desaprovação e renúncia à cidade contemporânea da era da revolução industrial, à sua estrutura social e económica, a antipatia pelo modo com a cidade repartia bens e serviços, como garantia a primazia de uns e negligenciava a ‘escravidão’ de outros. Também Howard rejeitou a presença de um governo central, assim como todo um fenómeno de centralização urbana, financeira, funcional e cultural que estava vincado nas grandes cidades. No entanto, o seu modo de estruturar a realidade urbana nas Garden-Cities apresenta-se radicalmente diferente da Broadacre de Wright. Se, no arquitecto americano, o modelo se extrema por uma descentralização e dispersão radicais, em Howard a cidade só viverá enquanto tal como entidade limitada e restrita a um determinado número de habitantes. Além disso, e apesar de promover uma tendência de descentralização, ela é sempre uma «descentralização moderada» já que cada cidade-jardim continha, em si, uma centralidade. A ausência de centro referia-se, apenas, à rede de múltiplas pequenas cidades comunicantes entre si, o que é totalmente diferente da acentralidade total em Broadacre City. A ideia da Cidade-Jardim: «A cidade e o campo devem esposar-se, e dessa feliz união brotará uma nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização.»56 Não há dúvida que em Broadacre é também uma nova realidade que se procura encontrar através de uma revolução no tipo de relacionamento entre cidade e campo. Mas Wright não procurava propriamente um «casamento»57 entre as duas situações, nem sequer uma mistura delas. Ele ideou uma realidade inteiramente nova, onde a cidade deixava e de ser cidade e o campo de ser campo, para darem, então, origem, a essa outra forma de ocupação do território, a Broadacre. Poder-se-ia comparar as propostas em outros variadíssimos pontos, no entanto, há uma questão que se tornava faltosa se não abordada, e que revela os dois modelos

55 Robert Fishman refere uma conferência que Wright deu na Hull House em 1901onde se revelou profundo conhecedor das teorias de Ruskin e Morris. Começou por pegar em alguns argumentos lançados pelo Movimento de Artes e Ofícios para questionar se a industrialização seria, de facto, «inimiga da arte e da democracia» para terminar a sua exposição revoltando contra esta posição e em favor da máquina. «(…)ele utilizou as ideias de Morris contra o seu próprio movimento.» Veja-se FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au XXe Siècle. Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.85,86 56 Citação de Ebenezer Howard in CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.221 57 A ideia de «casamento» traz sempre adjacente uma ideia da união: mas uma união em que as duas partes mantém-se a sua identidade, criando uma outra identidade nova resultante dessa reunião.

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como radicalmente divergentes. Essa questão diz respeito ao cooperativismo de uma vida em comunidade defendida por Howard, e ao extremo individualismo que Wright sempre salientou como princípio fundamental, e que vem estruturar toda a sua proposta. Wright é um nostálgico, um culturalista, mas não um conservador. Ele é um futurista, um progressista mas, de modo nenhum, um tipificador. Afinal, o seu modelo não é nem culturalista, nem progressita, é sim profundamente naturalista e individualista.

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«L’artiste créateur, par nature et par fonction, est le guide qualifié de toute société, l’interprète naturel par naissance de la forme visible de toute ordre social dans lequel ou sous lequel nous choisissons de vivre»58

Frank Lloyd Wright

Broadacre City: uma cidade democrática, despolitizada, individualista; um modelo que é a obra de uma vida, que é a expressão formal e visível do sentimento e imaginação do artista, produto da sua visibilidade imanente, da sua ponderação, da sua apreensão. Este artista, este profeta é Frank Lloyd Wright. E era assim que ele se entendia e deliberava - o «artista criador», «guia de toda a sociedade», «intérprete natural» da sua ordem cultural. Porque esta é a tarefa do artista, esta é a competência do arquitecto: oferecer à comunidade, em contorno e em forma objectiva, aquilo já era pressentido mas não percebido pelo corpo social, aquilo que se apresentava apenas enquanto ideia imprecisa e subjectiva; encontrar a «forma autêntica» da sua expressão. É neste sentido que Wright declara o artista como orientador social, e como profeta. Ele compreende a ordem que transparece de uma sociedade, ele capta os seus desejos e sentimentos mais profundos, ele agarra a emergência do momento, os seus valores mais densos, a sua indeterminação e abertura. E, por isso, é artista- profeta, «não porque (…) possa vaticinar o futuro mas porque ele pode apreender o presente»59. A intuição e visibilidade do artista, a sua extrema sensibilidade, tornam-no, na perspectiva de Wright, no ‘senhor deus do universo e de todos os homens’ que se encontram sob a sua direcção, espiritual e física. Esta comunicação, esta mestria faz-se através da obra. O artista criador, pelo seu trabalho, pela força da sua meditação, planifica e dá ordem ao universo, ele é o grande «arquitecto Filósofo-Rei» da humanidade. O arquitecto será, assim, o soberano em Broadacre City. Ele é o planificador e projectista de toda «a estrutura física da cidade, base do modo de vida da

58 Citação de Frank Lloyd Wright pg. 111. Veja-se capítulo 15: «Le guide-prophète» in FISHMAN, R., L’Utopie Urbaine au XXe Siècle. Ebenezer Howard. Frank Lloyd Wright. Le Corbusier, Architecture + Recherches, Pierre Mardaga Éditeur, Bruxelles, 1977, pg.111-117 59 Ibidem, pg.112

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sociedade», aquele a quem compete desenhar a sua rede viária e aquele que deve compenetrar-se da grandeza conceptual de uma arquitectura orgânica. O arquitecto é o ‘legislador’ em Broadacre City; «ele deve ser um dos melhores espíritos da cidade»60. Esse papel cabe-lhe a ele próprio, Frank Lloyd Wright.61 O que se revela interessante (e paradoxal) neste modelo despolitizado e democrático que é Broadacre City. Uma cidade onde o poder político foi dissolvido e onde é o artista-arquitecto que adquire a função de «guia» superior, a cabeça orientadora do grupo, competência esta que lhe tinha sido destinada à nascença, e essa era a sua obrigação a cumprir durante a vida62. Assim nasceu o modelo de Broadacre City.

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O «modelo naturalista» de Frank Lloyd Wright

A u t o p i a d e B r o a d a c r e C i t y Inúmeros autores descrevem e analisam a proposta utópica de Wright. É neste sentido, enquanto utopia urbana, que se pretende abordar agora o modelo de Broadacre City. A questão coloca-se primeiro em procurar uma definição ou caracterização de utopia. Michel Foucault define as utopias como «arranjos (arrangements) que não têm espaço real. Arranjos que têm uma relação geral de analogia directa ou inversa com o espaço real da sociedade. Eles representam a própria sociedade trazida à perfeição (...) Utopias são espaços fundamentalmente irreais pela sua própria essência.» 63 Já R. Berthelot, por exemplo, salienta a perspectiva de que «uma utopia é não só aquilo que nunca foi realizado em lugar algum, mas aquilo que o não poderia ser, ou, pelo menos, aquilo que não poderia sê-lo integralmente (...)»64 Françoise Choay, por seu lado, em O Urbanismo. Utopias e Realidades, começa por apresentar resumidamente a definição de utopia recorrendo à sua dupla etimologia: «eutopia (lugar agradável) e outopia (sem lugar, de parte alguma)65.

60 Citação de Frank Lloyd Wright in Ibidem, pg.111 61 Segundo Fishman «(…) lespouvoirs qu’il confiait à l’architecte du comté étaient précisément ceux qu’il souhaitait obtenir du peuple américain. L’architecte du Comté c’était Wright au pouvoir» in Ibidem, pg.112 62 Na realidade, no período em que se instalou com o seu atelier em Taliesen, Wright tomou o papel de arquitecto-guia, mestre e «patriarca» do grupo de estudantes que foram habitar e trabalhar para a Taliesan Fellowship, recuperando e desenvolvendo as teorias do mestre. O grupo constituía, assim, uma ‘família’, à maneira de Wright. «A sua maneira de administrar Taliesan estava longe de ser democrata» diz Robert Fishman. Ibidem, pg.107 63 Veja-se FOUCAULT, M., “Utopias e Heterotopias” in LEACH, N., Rethinking Architecture, Routledge, Londres, 1997, pg.352 64 Veja-se LALANDE, A., Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, Vol. II, RÈS- Editora, Porto, pg.682 65 CHOAY, F., O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia, 1ª Edição em 1965 por Éditions du Seuil, Editora Perspectiva, 3ª Edição, São Paulo, 1992, pg.14

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De qualquer modo, na sua obra A Regra e o Modelo, Françoise Choay explora o tema com mais profundidade, procurando um definição esquemática de utopia que tem origem na obra de Thomas More Utopia66, e é esta proposta que se pretende seguir para a análise. Será, então, à luz da investigação e exposição feita por Choay em «Verdadeiras e Falsas Utopias»67 que se procura apresentar e rever o modelo de Wright68: São sete os «traços» fundamentais que Françoise Choay traz para defenir «provisoriamente, diz, o conceito de utopia. «(1)Uma utopia é um livro assinado; (2)um sujeito exprime-se aí na primeira pessoa do singular, o autor, ele mesmo, e/ou o seu porta-voz, visitante e testemunha da utopia; (3)ela apresenta-se sob a forma de uma narração na qual está inserida, no presente do indicativo, a descrição de uma sociedade modelo; (4)esta sociedade modelo opõem-se a uma sociedade histórica real, em que a crítica é indissociável da elaboração-descrição da primeira; (5)a sociedade modelo tem por suporte um espaço modelo que é dela parte integrante e necessária; (6)a socidade modelo está situada fora do nosso sistema de coordenadas espacio-temporais, algures; (7)ela escapa à acção da duração e da mudança.»69 Broadacre City, apresentada por Wright em diversas obras escritas, desde The Disappearing City a The Living City70, aparece aos olhos dos leitores como uma exposição visionária da nova estrutura urbana. Frank Lloyd Wright é o «vidente», o «profeta», o homem que apreende a ordem e a emergência da sociedade do momento, e que a transporta para a sua formalização dando-lhe uma visibilidade. No entanto, apesar de autor, apesar de, enquanto arquitecto-artista ele ter cumprido a sua missão perante a sociedade com a exteriorização da sua ‘visão’, Wright raramente se exprime na primeira pessoa do singular, recorrendo frequentemente à primeira pessoa do plural para encontrar a justificação ‘ocular’ da exposição. Neste sentido ele não se oferece como testemunha do seu ‘projecto de cidade’ (-2). Mas, se pensarmos que ele próprio atribui a si o papel de arquitecto-artista-criador, que traz como competência estruturar uma ordem de cidade e encontrar a expressão física base para a vivência da sociedade, a obra ganha, desde logo, a sua assinatura, o seu carimbo de «profeta» (+1). A nova ordem social surge em simultâneo ao aparecimento de uma visibilidade espacial adjacente (+5). Estão de tal modo associadas que se torna difícil uma

66 A própria autora debate-se com a questão da utopia já que, desde que More criou este neologismo, a palavra tem sido utilizada com denotações e sentidos diferentes do sentido original. Choay, que se encontra preocupada com o estudo dos diversos escritos àcerca «do espaço construído e da cidade», agarra-se à obra original de More para vir a alcançar a acepção original da palavra (rejeitando outras «definições convencionais ulteriores e o emprego indeterminado e polivalente do termo»)e, a partir daí, analisar os autores que «privilégient l’imagination, la passion ou la réflexion, (et) ne visent pas à sortir de l’univers de l’écrit (…)»pg.29 Veja-se CHOAY, F., «Les Textes sur l’Architecture et sur la Ville» in La Règle et le Modèle. Sur la Théorie de l’Architecture et de l’Urbanisme, Éditions Seuil, 1ª Ed.1980, 2ª Edição, Paris, 1996, pg.29-89 67 Capítulo 1.II, Ibidem, pg. 50-67 68 Nesta análise procurou-se seguir o esquema apresentado por Choay no capítulo «Verdadeiras e Falsas Utopias» sendo também utilizado o esquema de numeração. Tal como explica Choay os sinais de + e de - indicam a presença ou a ausência dos traços aos quais estão adjacentes. Ibidem, pg. 30 69 Ibidem, pg. 51,52 70 Por impossibilidade de ter acesso a estas obras escritas de Frank Lloyd Wright reporto-me essencialmente aos extractos do texto apresentados por Choay em O Urbanismo.Utopias e Realidades.

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análise em separado; a apresentação da sua estrutura espacial rapidamente decai para uma caracterização do modo de organização social, e esta torna-se incompreensível quando destituída da sua base formal. De facto, Frank Lloyd Wright esforçou-se por tornar visível a sua proposta, o seu espaço modelo, e fê-lo, até, de modo muito rígido ao apresentar, além de desenhos objectivos, uma maquete tridimensional (Howard, por exemplo, procurou apenas deixar esquemas explicativos do seu modelo). De qualquer modo, Broadacre City apresenta-se como sociedade modelo, e toda a sua conceptualização, assim como a da esrutura espacial, nasce através de permanentes críticas-analógicas à cidade industrial da era moderna (+4). O modelo surge, aliás, dessa capacidade de percepção do artista à realidade presente, e da criação visionária da uma nova ordem. Ordem esta que se afasta do sistema de coordenadas espacio-temporais presente; e isto é flagrante em Broadacre City onde a cidade aparecerá «em todo o lado e em lado nenhum», onde o próprio regime de velocidade distorcerá a relação espaço-tempo clássica nesta «cidade-nação»(+6). Wright apresentava em Broadacre City «a forma autêntica», um modelo que só tinha coerência e visibilidade enquanto um todo, não-fragmentável, não-mutável. Talvez neste sentido, enquanto manifestação de verdade, enquanto proposta radical que não admite soluções intermediárias, se possa dizer que ele escapa à acção da duração e da mudança (+7?). Quanto à apresentação da narração no presente do indicativo a própria Françoise Choay diz que Wright não se restringe ao uso deste tempo verbal: «Ele emprega muitas vezes o condicional ou o futuro, restabelece por vezes a distância da ficção pelo imperativo “imaginem”, ou ainda faz preceder a cena num “eu vejo”»71 (-3).

71 CHOAY, F., La Règle et le Modèle. Sur la Théorie de l’Architecture et de l’Urbanisme, Éditions Seuil, 1ª Ed.1980, 2ª Edição, Paris, 1996, pg.326

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