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Bukowitz 2011, dissertação de mestrado na UFRJ sobre os prelúdios para violino desacompanhado escritos por Flausino Vale (Flausino Valle). Área: música / performance.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE MÚSICA
ANDRÉ BUKOWITZ
UMA INTERPRETAÇÃO PARA OS “26 PRELÚDIOS CARACTERÍSTICOS E
CONCERTANTES PARA VIOLINO SÓ” DE FLAUSINO RODRIGUES VALE
RIO DE JANEIRO
2011
ANDRÉ BUKOWITZ
UMA INTERPRETAÇÃO PARA OS “26 PRELÚDIOS CARACTERÍSTICOS E
CONCERTANTES PARA VIOLINO SÓ” DE FLAUSINO RODRIGUES VALE
Dissertação orientada pelo Prof.
Dr. Alysio de Mattos e apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Música (Práticas Interpretativas
em Violino), Escola de Música,
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito à obtenção
do título de Mestre em Música
RIO DE JANEIRO
2011
IV
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à minha esposa, Ana Luiza Ferraz Taves Bukowitz. Muito
do que sou hoje não teria sido possível sem seu apoio. Agradeço pelo seu enorme incentivo
em tantos aspectos de minha vida e por todos os momentos de puro amor. Não só pelos
momentos de trabalho árduo, pelo interesse em estar junto nos momentos difíceis, mas por
tudo que já viveu ao meu lado. Percebo que não teria chegado aqui, da forma como cheguei
sem você tão próxima a mim. Agradeço também pelo grande apoio e incentivo à realização
desse trabalho.
Ao meu orientador, Prof. Alysio de Mattos que desde o início de minha jornada nesse
mestrado mostrou grande interesse por meu trabalho e em realizar a minha orientação. Foi
um grande incentivador e me encorajou a me lançar nesta empreitada. Por todos os
encontros que tivemos, pela dedicação, pela atenciosa leitura, pela confiança em meu
esforço. Percebo que seu interesse ao meu trabalho foi até mesmo pessoal pelo tema, visto
que o assunto estava até mesmo ligado ao seu pai, coisa que eu mesmo descobri apenas
depois do início da pesquisa. Foi bom ter um violinista podendo dividir comigo algumas
questões próprias do instrumento, que são das que mais me interesso.
À minha família: meus pais e minhas irmãs: sempre foram o meu referencial. À
minha querida mãe que, tão insistentemente e com tanto afinco, me educou, me ensinou a
estudar com disciplina e me apoiou na escolha de minha carreira; por todo o seu amor e
dedicação desde a infância. Ao meu querido pai, sempre um exemplo pra mim de luta, de
esforço, de persistência, de seriedade no trabalho. Agradeço por sua inesgotável amizade,
amor e por todas as lições que me dá até hoje; por tudo que já me apoiou. Às minhas irmãs
Beatriz e Tatiana, que, ao meu lado, foram ombro amigo e amoroso tantas vezes, por todos
os maravilhosos momentos que desfrutamos juntos, por toda sua dedicação a mim.
Ao Prof. Michel Bessler, com quem tanto aprendi em meu Bacharelado em Violino, e
com quem continuei aprendendo posteriormente. Seu apoio, dedicação e excelência artística
me tornaram o melhor músico que eu poderia ser. É uma honra ter sido seu aluno. Não o
admiro apenas pelo músico e professor que é, mas também pela fantástica pessoa.
Certamente eu não poderia ter chegado ao ponto que cheguei sem toda a sua ajuda. Jamais
esquecerei cada uma de suas lições, de arte, de técnica, de caráter.
Ao Prof. Leonardo Fuks por sua grande generosidade e interesse em contribuir com
minha pesquisa e dissertação com inúmeras sugestões enriquecedoras.
Ao Prof. Marcelo Palhares, que me iniciou no estudo do violino, que aguçou o meu
gosto pelo estudo disciplinado, me incentivou nos importantes primórdios do estudo da
técnica e me recebia sempre com muita atenção. Por generosos ensinamentos, por ter sido
quem primeiro me apresentou à obra de Flausino Vale, ainda na década de 1990, quando
me mostrou LP de gravações de prelúdios de Vale.
V
Não poderia de forma alguma deixar de agradecer imensamente aos colegas
violinistas e pesquisadores que me auxiliaram prontamente e de tão boa vontade enviando
suas respectivas pesquisas sobre temas semelhantes aos da minha pesquisa. Forneceram-me
ricos materiais que foram sem dúvida indispensáveis à realização deste trabalho. Agradeço
imensamente aos Professores Camila Ventura Frésca, Zoltan Paulinyi e Hermes Alvarenga.
Agradeço aos colegas violinistas e professores que gentilmente responderam às
minhas entrevistas, contribuindo muito para a pesquisa. Faço questão de citar seus nomes,
os Professores Felipe Fortuna Prazeres, Gabriela Queiroz, Camila Ventura Frésca, Zoltan
Paulinyi, Hermes Alvarenga, Edson Queiroz de Almeida.
Ao Germano (Inácio de Souza Gouvêa) que me ajudou a encontrar dentro de mim
aquele que eu realmente sou e ainda a ter forças e estrutura para construir na direção do
meu desejo.
Aos meus amigos, todos eles, mas em especial a Dhiego Roberto Lima, Ricardo
Nunes Coimbra, Moabe Vettore, Miguel de Barros Maia e Lylian Romero. Vocês são
pessoas que eu valorizo muito. Com vocês dividi muito da minha caminhada na música,
torcemos uns pelos outros e dividimos momentos de vida importantes.
À minha outra família: meus sogros e cunhado. Incentivaram-me e me apoiaram de
muitas formas; foram verdadeiros amigos ao longo desta jornada.
À própria UFRJ, em especial, à Escola de Música – com seus professores e
funcionários – que sempre me acolheu de braços abertos, primeiramente como aluno do
Bacharelado, e agora ainda como aluno da Pós-Graduação. Tenho ainda a honra e o
orgulho de pertencer ao time de funcionários desta instituição. Neste âmbito, agradeço em
especial ao Professor André Cardoso, um bom líder, um bom colega, um bom amigo, sempre
se mostrou à disposição.
Aos meus alunos, todos que por algum tempo confiaram em meus ensinamentos e me
apresentaram desafios, me obrigando a pensar em soluções e a evoluir a mim mesmo como
violinista e professor, repensando tantos conceitos. Meus alunos sempre foram lenha na
fogueira do meu desenvolvimento. Muito obrigado.
Ao Professor Paulo Bosísio por suas generosas contribuições e valorosos acréscimos
durante o ato da defesa dessa dissertação.
Ao Professor José Alberto Salgado, que tanto me ensinou sobre os caminhos de uma
pesquisa aberta, crítica, questionadora em sua disciplina “Metodologia de pesquisa em
música”.
VI
RESUMO
BUKOWITZ, André. Uma interpretação para os “26 prelúdios característicos e concertantes para
violino só” de Flausino Rodrigues Vale. 2011, 297 p. Dissertação (Mestrado em Práticas
interpretativas - violino) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O presente trabalho traz uma proposta de interpretação dos “26 Prelúdios característicos e
concertantes para violino só”, de Flausino Rodrigues Vale (1894-1954), compositor ligado a uma
“estética nacional”. Trouxemos então uma revisão de todos os prelúdios, bem como uma
possível abordagem didática dessas obras. Para fundamentar elementos interpretativos
discutimos e analisamos alguns aspectos da música nacional, considerando características
pessoais do compositor, ou seja, sua ligação com o interior de Minas Gerais de sua época e de
seu contexto sócio-histórico-cultural. Ressaltamos também aspectos da própria música brasileira
do início do séc. XX, já constituída por alguma identidade, marcada por correntes nacionalistas,
que almejavam uma música genuinamente brasileira. Flausino Vale escreveu um livro no qual
tece considerações sobre características brasileiras na música nacional. O compositor acreditava
que nossa música se constituiu por uma fusão de elementos europeus, indígenas e negros,
aliando esses aspectos ao nosso folclore. Nessa dissertação, há ainda referências ao compositor
como um dos precursores da escrita virtuosística para violino só no Brasil. Por conseguinte,
traçamos um percurso histórico do violino, em especial na Região Sudeste, da época em que
Flausino Vale viveu. Além disso, elaboramos um estudo mais específico do instrumento, em
virtude da escrita do compositor dedicar-se especialmente ao violino. No entanto, ao
caracterizarmos o compositor como vinculado a temas nacionais, não pudemos deixar de
mencionar que, há nesse seu ciclo de prelúdios, ligações com influências estrangeiras, isto é,
alguma valorização da música europeia que é percebida em suas composições. Destacamos,
portanto, tais elementos europeus com o objetivo de melhor conhecer a referida obra de Flausino
Vale. Todos os fatores citados nos auxiliaram a delinear formas de compreensão de sua escrita
musical e a elaborar uma interpretação coerente com seu estilo. A realização de entrevistas com
estudiosos e violinistas de importância reconhecida no cenário nacional visou delimitar
determinados aspectos sobre o que se pensa acerca de Flausino Vale e sua obra.
Palavras-chave: Flausino Vale. Interpretação. Virtuosismo. Violino só.
VII
ABSTRACT
Bukowitz, André. An interpretation for the “26 prelúdios característicos e concertantes para
violino só” (“26 Typical and Concertant Preludes for violin solo”), from Flausino Rodrigues
Vale. 2011, p. 297 Dissertation (Master degree in interpretive practices - Violin) – Escola de
Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
The current essay brings up a proposal for the interpretation of the “26 prelúdios característicos e
concertantes para violino só” (“26 Typical and Concertant Preludes for violin solo”), from
Flausino Rodrigues Vale (1894-1954), a composer connected to a “national aesthetic”. We raise
a review of all the preludes, as well as a possible didactical approach for these works. In order to
substantiate interpretative elements, we discuss and analyze some aspects of national music,
considering the personal features of the composer, in other words, its connection with the interior
of Minas Gerais within his time, and his social-cultural-historical context. We also highlight
aspects of Brazilian music itself from the beginning of the twentieth century, already established
with its own identity, marked by nationalist movements, which longed for a genuinely Brazilian
music. Flausino Vale wrote a book in which he reflects on Brazilian features of the national
music. The composer believed that our music consisted in a fusion of European, indigenous and
black elements, combining these aspects to our folklore. In this dissertation, there are still
references to the composer as one of the precursors of the virtuoso violin solo music writing in
Brazil. Therefore, we draw a historical course of the violin, especially in the Southeast, at the
time when Flausino Vale lived. In addition, we developed a more specific study of the
instrument, under the composer's writing is especially devoted to the violin. However, as we
characterize the composer as linked to national issues, we could not fail to mention that there is,
in this cycle of preludes, links with foreign influences, that is, some appreciation of European
music that is perceived in his compositions. We emphasize, therefore, these European elements,
in order to have a better understanding of the work of Flausino Vale. All the mentioned factors
have helped us not only to devise several ways of understanding his musical writing, but also
developing an interpretation consistent with his style. Interviews with scholars and violinists of
acknowledged importance on the national scene aimed at defining certain aspects on what is
thought about Flausino Vale and his work.
Keywords: Flausino Vale. Interpretation. Virtuosism. Violin solo.
VIII
LISTA DE ILUSTRAÇÕES e EXEMPLOS MUSICAIS
Figura 01
Figura 02
Figura 03
Figura 04
Figura 05
Figura 06
Figura 07
Figura 08
Figura 09
Figura 10
Figura 11
Figura 12
Figura 13
Figura 14
Figura 15
O ranger da porteira da fazenda. “A porteira da fazenda”, Prelúdio 14 (c.
1 – 3). Partitura extraída da dissertação de Frésca (2008) ...........................
Estrutura do arco e violino. Figura extraída de Donoso et al (2008) .........
Prelúdio 18 – “Pai João” (c. 1 – 14): Uso do violino como instrumento de
percussão (c. 1- 11). Partitura extraída da dissertação de Frésca (2008) .....
Flausino Vale ao violino. Figura extraída do trabalho de Frésca (2008) ....
Prelúdio 9 – “Rondó doméstico” (c. 1 – 19). Uso de escrita violinística
que ressalta no instrumento um tipo de som “aberto” e característico da
viola caipira e que, para este fim, busca amplamente a execução de notas
em cordas soltas. Partitura extraída da dissertação de Frésca (2008) ..........
Prelúdio 17 – “Viola destemida” (c. 31 – 33): Utilização de acordes em
pizicato intercalados com “arpejos em ricochet”, utilizando a terceira e
quarta cordas soltas, o que proporciona “sonoridade ressonante” fazendo
referência aos “rasgueados” da viola. Partitura extraída da dissertação de
Frésca (2008) ...............................................................................................
Prelúdio 22 – “Mocidade eterna” (c. 1 – 19). Utilização de cordas soltas
(primeira e segunda), trazendo um som mais “brilhante” acoplado à
utilização de “ricochet jetée”, acarretando o efeito de rasgueado da viola.
Partitura extraída da dissertação de Frésca (2008) ......................................
Prelúdio 5 – “Tico-tico” (c. 1 – 8): Utilização de cordas soltas em
“arpejos em ricochet” com o arco. Partitura extraída da dissertação de
Frésca (2008) ...............................................................................................
Prelúdio 20 – “Tirana riograndense” (c. 13 – 22): uso de acicaturas.
Partitura extraída da dissertação de Frésca (2008) e grifada por nós
(alterações em vermelho) .............................................................................
Prelúdio 1 – “Batuque”, (c. 4 – 8): partitura que elaboramos para
demonstrar como Vale executa esses compassos em sua gravação,
diferentemente de como está grafado na partitura completa da edição .......
Prelúdio 1 – “Batuque”, (c. 16 – 29): partitura que elaboramos para
demonstrar como Vale executa esses compassos em sua gravação,
diferentemente de como está grafado na partitura completa da edição .......
Prelúdio 1 – “Batuque”, (c. 24 e 25): partitura de nossa autoria com
correção das duas primeiras colcheias do compasso 25 que constavam
como harmônicos de quintas .......................................................................
Preludio 2 – “Suspiro d‟alma” (c. 3): extraído da dissertação de Frésca
(2008) com acréscimo de nossa sugestão de arcada e respiração
expressiva para o compasso 3 ......................................................................
Preludio 2 – “Suspiro d‟alma” (c. 8 – 13): extraído da dissertação de
Frésca (2008) com acréscimo de nossas sugestões de arcadas e
respirações expressivas para os compassos 8 e 11 ......................................
Preludio 3 – “Devaneio” (c. 1 – 4) em paralelo com melodia de “Escravos
de Jó”. Esta partitura é uma elaboração nossa .............................................
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IX
Figura 16
Figura 17
Figura 18
Figura 19
Figura 20
Figura 21
Figura 22
Figura 23
Figura 24
Figura 25
Figura 26
Figura 27
Figura 28
Figura 29
Figura 30
Figura 31
Figura 32
Figura 33
Figura 34
Figura 35
Preludio 3 – “Devaneio” (c. 1 – 11): extraído da dissertação de Frésca
(2008) com acréscimo de representação gráfica de condução melódica e
direção de frase de acordo com nossa interpretação ....................................
Prelúdio 3 – “Devaneio” (c. 18 – 23): extraído da dissertação de Frésca
(2008) com acréscimo de nossas sugestões de arcadas para os compassos
21 e 22 .........................................................................................................
Prelúdio 3 – “Devaneio” (c. 30 – 46): extraído da dissertação de Frésca
(2008) com acréscimo de nossas sugestões de arcadas para os compassos
32, 33 e 41 a 46 .........................................................................................
Prelúdio 4 – “Brado íntimo” (c. 19 – 23): extraído da dissertação de
Frésca (2008) com acréscimo de nossa sugestão de dedilhado baseado em
conceitos mais tradicionais da técnica .........................................................
Prelúdio 4 – “Brado íntimo” (c. 19 – 23): extraído da dissertação de
Frésca (2008) com acréscimo de outra possibilidade de dedilhado de mais
simples execução, por aproveitar a utilização de corda solta no Ré 4
(indicada por “0” no excerto acima) ............................................................
“Capricho Nº 1”, Op. 1 de Paganini em Mi Maior (c. 1 – 11) ...................
Prelúdio 5 – “Tico-tico” (c. 27) extraído da dissertação de Frésca (2008)..
Exercício número 1, de nossa autoria, para execução dos harmônicos do
compasso 27 ................................................................................................
Exercício número 2, de nossa autoria, para realização dos harmônicos de
quarta do compasso 27 ................................................................................
Exercício número 3, de nossa autoria, para execução dos harmônicos de
quarta presentes no compasso 27 .................................................................
Prelúdio 5 – “Tico-tico” (c. 31) extraído da dissertação de Frésca (2008)..
Exercício 1, de nossa autoria, relativo ao compasso 31 ..............................
Exercício 2, de nossa autoria, relativo ao compasso 31 ..............................
Exercício 3, de nossa autoria, relativo ao compasso 31 ..............................
Prelúdio 6 – “Marcha fúnebre” (c. 30 – 36) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de arcadas para os compassos 32 e
33 ..............................................................................................................
Prelúdio 7 – “Sonhando” (c. 1 – 3): extraído da dissertação de Frésca
(2008). Nosso acréscimo de representação gráfica de condução melódica
e direção de frase de nossa interpretação ..................................................
Valsa nº 15 em Lá bemol maior, Op. 39, para piano de Johannes Brahms
(c. 1 – 5). Destacamos com um retângulo o trecho que nos interessa
mencionar ....................................................................................................
Prelúdio 7 – “Sonhando” (c. 4 – 8): extraído da dissertação de Frésca
(2008). Trecho que destacamos do compasso 5.3 ao 8, apontando para
elemento temático principal do prelúdio, reapresentado em diversas
recorrências até o final da obra ..................................................................
Prelúdio 8 – “Sonhando” (c. 1 – 10) extraído da dissertação de Frésca
(2008) com nossas sugestões de arcadas para os compassos 4, 5, 8 e
9.................................................................................................................
Prelúdio 9 – “Rondó doméstico” (c. 6 – 19) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossa sugestão de arcada para o compasso 8 e inclusão
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115
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X
Figura 36
Figura 37
Figura 38
Figura 39
Figura 40
Figura 41
Figura 42
Figura 43
Figura 44
Figura 45
Figura 46
Figura 47
Figura 48
Figura 49
Figura 50
Figura 51
do sinal “+” no compasso 16 ....................................................................
Prelúdio 9 – “Rondó doméstico” (c. 20 – 46) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de arcadas para o Cantabile (c. 26 –
46) .............................................................................................................
Prelúdio 10 – “Interrogando o destino” (c. 1 – 6) extraído da dissertação
de Frésca (2008) com nossas sugestões de dedilhados para os compassos
2 ao 5. Nossos dedilhados encontram-se abaixo das notas. Os dedilhados
acima das notas são dos editores ..............................................................
Melodia “oculta” nos acordes do Adagio (c. 17.2.2 – 28) do Prelúdio 10 –
“Interrogando o destino”. Esta partitura foi elaborada por nós em nossa
pesquisa .......................................................................................................
Tema de Introduzione e variazioni sul tema “Nel cor piú non mi sento”
para violino solo de Paganini, compassos 1 ao 6 do tema ...........................
Prelúdio 12 – “Canto da Inhuma” (c. 5 – 6) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de dedilhado no compasso 6
...................................................................................................................
Prelúdio 13 – “Asas inquietas” (c. 1 – 8a) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossa demonstração de condução de frase. As
indicações de crescendo e decrescendo são acréscimos nossos ................
Prelúdio 13 – “Asas inquietas” (c. 13 – 23) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de dedilhado nos compassos 14 a
18..................................................................................................................
Imagem que confeccionamos em nossa pesquisa: os compassos iniciais
de “Schön Rosmarin” e de “Asas inquietas” em paralelo (c. 1 – 6) ............
Publicação de Zoltan Paulinyi (2010) do manuscrito de Flausino Vale
referente à porteira .......................................................................................
Prelúdio 14 – “A porteira da fazenda” (c. 5 – 19a) extraído da dissertação
de Frésca (2008).........................................................................................
Prelúdio 15 – “Ao Pé da Fogueira” (c. 1 – 4). Evidenciação da diferença
entre algumas execuções (sistema superior) e escrita original do
compositor (abaixo). Figura elaborada por nós............................................
Prelúdio 15 – “Ao pé da fogueira” (c. 15 – 24) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de dedilhados dos compassos 16 e
20................................................................................................................
Prelúdio 15 – “Ao pé da fogueira” (c. 35 – 44) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de dedilhados dos compassos 36, 37,
38 e 44 ......................................................................................................
Prelúdio 15 – “Ao pé da fogueira” (c. 55 – 64) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de arcadas para os compassos 57 a
60.1 ...........................................................................................................
Prelúdio 15 – “Ao pé da fogueira” (c. 60 – 73) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nosso acréscimo de demonstração de execução de
pizicatos e arco de acordo com a edição e execução de Jascha Heifetz
nos compassos 60 a 73 ..............................................................................
“Capricho nº 24” de Paganini, em lá menor, Op. 1 para violino solo –
Variação 9 (c. 1 – 4) ....................................................................................
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XI
Figura 52
Figura 53
Figura 54
Figura 55
Figura 56
Figura 57
Figura 58
Figura 59
Figura 60
Figura 61
Figura 62
Figura 63
Figura 64
Figura 65
Figura 66
Prelúdio 18 – “Pai João” (c. 24 – 39b) extraído da dissertação de Frésca
(2008) com nossas arcadas e indicações de cesuras nos compassos 27 a
29 ...............................................................................................................
Prelúdio 19 – “Folguedo campestre” (c. 1 – 9) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com acréscimo de nossas indicações de direcionamento de
frase e dedilhados no trecho ......................................................................
Prelúdio 20 – “Tirana riograndense” (c. 1 – 16) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com acréscimo de nossas concepções de arcadas. Há
também uma correção, sendo a inclusão do sinal “+” duas vezes no
compasso 8 ...............................................................................................
Prelúdio 20 – “Tirana riograndense” (c. 50 - 52) extraído da dissertação
de Frésca (2008) com acréscimo de nossas arcadas no compasso 52 ........
Prelúdio 21 – “Prelúdio da vitória” (c. 5 – 30) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de dedilhados para os compassos 8
ao 13 e 23 ao 30 ........................................................................................
Prelúdio 21 – “Prelúdio da vitória” (c. 31 – 34) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de dedilhados para os compassos 32
e 33 ............................................................................................................
Prelúdio 21 – “Prelúdio da vitória” (c. 40 – 44) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas sugestões de arcadas para os compassos 41 e
43 (ricochet) ..............................................................................................
Prelúdio 21 – “Prelúdio da vitória” (c. 69 – 73) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossa sugestão de dedilhado para o compasso 71 .......
Prelúdio 22 – “Mocidade eterna” (c. 21 – 26) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com nossas indicações de arcadas para os compassos 21,
22, 24 e 25 .................................................................................................
Prelúdio 22 – “Mocidade eterna” (c. 41 – 47) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com acréscimo de nossas indicações de dedilhados e
arcadas para os compassos 42, 46 e 47 .....................................................
Prelúdio 22 – “Mocidade eterna” (c. 80 – 82) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com acréscimo de nossas indicações de dedilhados para os
compassos 81 e 82 .....................................................................................
Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 1 – 20) extraído da dissertação de Frésca
(2008) com acréscimo de nossas indicações de arcadas. Alterações nos
compassos 4, 8, 14 e 20 .............................................................................
Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 13 e 14): partitura confeccionada por nós
para indicar posicionamento antecipado do segundo dedo na terceira
corda, no “fá sustenido 4”, já deixando o dedo pronto para a mesma nota
no compasso subsequente. Lembramos que o mesmo vale para os
compassos 19 e 20 .......................................................................................
Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 5 e 6) extraído da dissertação de Frésca
(2008) com grafia de figuras de ritmo incorretas, idêntica ao erro nos
compassos 9 e 10 ......................................................................................
Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 5 e 6): Correção da grafia das figuras de
ritmo, também se aplica aos compassos 9 e 10. Imagem elaborada por
nós..............................................................................................................
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XII
Figura 67
Figura 68
Figura 69
Figura 70
Figura 71
Figura 72
Figura 73
Figura 74
Figura 75
Figura 76
Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 21 – 25) extraído da dissertação de Frésca
(2008): exposição da grafia rítmica tal qual se apresenta na edição de
Frésca e Guimarães 2007 ..........................................................................
Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 21 – 25): Partitura por nós elaborada,
representando uma escrita mais clara ao entendimento de leitura musical
nos compassos 21, 22 e 23, constando ainda de sugestões de dedilhados
no compasso 23 e de arcada no compasso 24 ............................................
Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 26 – 35) extraído da dissertação de Frésca
(2008) com acréscimo de nossas indicações de dedilhados nos compassos
26, 27, 29 e 31 e de arcadas nos compassos 29, 31, 32 e 35. Os
dedilhados que inserimos encontram-se sempre abaixo das notas, estando
os da edição acima das notas. Os dedilhados originais da edição que
foram mantidos permanecem por não interferir com os nossos, e estarem
de acordo com nossa concepção ...............................................................
Prelúdio 24 – “Viva São João” (c. 1 – 18) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com acréscimo de nossas indicações de arcadas e de
organização de amplitude de arco utilizada em cada passagem .................
Prelúdio 24 – “Viva São João” (c. 19 – 48) extraído da dissertação de
Frésca (2008) com acréscimo de nossas indicações de arcadas e de
dedilhados na segunda seção (c. 22 – 44) .................................................
Prelúdio 24 – “Viva São João” (c. 68 – 70) com acréscimo de nossas
indicações de dedilhados no compasso 70 ................................................
Prelúdio 25 – “A Mocinha e o Papudo” (c. 1 – 6) extraído da dissertação
de Frésca (2008) com nosso acréscimo de possibilidade alternativa de
dedilhados no compasso 1 e correção de erro da semínima Ré 4 do
compasso 6, transformando-a em uma colcheia Mi 5 ................................
Prelúdio 25 – “A Mocinha e o Papudo” (c. 18 e 45) extraído da
dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de nossas sugestões de
arcadas .........................................................................................................
Prelúdio 25 – “A Mocinha e o Papudo” (c. 60 - 79) extraído da
dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de nossas sugestões de
dedilhados com “oitavas dedilhadas” nos compassos 64, 65, 72, 73, 77 e
78. Sugestão de execução dos compassos 75 a 77 sem mudanças de
cordas ...........................................................................................................
“La fille au cheveux de lin” de Claude Debussy, transcrição para violino
e piano de Arthur Hartmann (c. 1 – 10) retirado dos prelúdios para piano..
171
171
172
175
176
177
179
179
181
183
XIII
LISTA DE TABELAS
Tabela 01
Tabela 02
“Flausino Vale e o pizicato” ..........................................................
“Prelúdios e suas datas de composição”. Nossa elaboração ..........
49
52
XIV
SUMÁRIO
1. Introdução ---------------------------------------------------------------------------- p.15
2. Metodologia -------------------------------------------------------------------------- p.20
3. Referencial teórico e revisão bibliográfica/fonográfica ------------------------ p.28
4. Nacionalismo brasileiro contemporâneo a Flausino Rodrigues Vale --------- p.35
5. Flausino Rodrigues Vale e sua escrita musical ---------------------------------- p.41
5.1 Marcado pelo Nacionalismo -------------------------------------------------- p.41
5.2 Uso característico do violino por Flausino Rodrigues Vale -------------- p.44
5.3 Sobre os Prelúdios escritos por Flausino Rodrigues Vale ---------------- p.50
5.4 Seu livro “Elementos de folclore musical brasileiro” --------------------- p.57
6. As aplicações de elementos da técnica do violino nos 26 Prelúdios
característicos e concertantes para violino só de Flausino Rodrigues Vale ------
p.65
6.1 Sobre o Violino --------------------------------------------------------------- p.65
6.2 A técnica do Violino aplicada aos “26 Prelúdios característicos e
concertantes para violino só” de Flausino Rodrigues Vale -------------------
p.69
6.3 Flausino virtuose e o virtuosismo em sua obra ---------------------------
7. Flausino Rodrigues Vale: 26 prelúdios para violino só e uma interpretação
p.78
p.84
Considerações Finais -------------------------------------------------------------------- p.185
Referências bibliográficas e outras fontes (cd, vídeo, internet) -------------------- p.188
Apêndice (entrevistas completas, revisão das partituras e acréscimos à
Wikipédia – Enciclopédia Livre) ------------------------------------------------------
Anexos -------------------------------------------------------------------------------------
p.193
p.256
- 15 -
1 INTRODUÇÃO
No meio musical erudito no Brasil, e mais especificamente entre os violinistas,
percebemos considerável predileção às músicas estrangeiras e, mais especificamente, europeias.
Observou-se no próprio autor desse trabalho a intenção em continuar esta trajetória mais comum
quando aventamos realizar esse mestrado sobre a técnica para violino, ou seja, estudar práticas
interpretativas em determinado compositor europeu valorizado em nosso país como Bach ou
Paganini.
No entanto, contrariando essa tendência, durante este percurso de escolha do tema de
pesquisa, nos percebemos com interesse particular pelos “26 Prelúdios característicos e
concertantes para violino só” de Flausino Rodrigues Vale1. Este é um compositor brasileiro que,
assim como Paganini e Bach, também realizou composições virtuosísticas, mas com uma
particularidade que motivou a realização deste estudo, já que acrescenta características
brasileiras à sua obra. A justificativa do presente trabalho acompanha, portanto, o estudo de
elementos da música erudita brasileira através dos 26 prelúdios para violino só escritos por Vale
e, mais especificamente, tratará de uma interpretação para a execução dessas peças apoiada
também em uma preocupação com arcadas e dedilhados utilizados na execução, e com interesse
na abordagem didática para utilizar tais peças também com o objetivo de aprimoramentos
técnicos específicos.
É importante considerar a relevância deste estudo, à medida que, por meio dele
podemos fortalecer, divulgar e aprimorar conhecimentos sobre a nossa música, afinal, além de
haver ainda raras publicações a respeito desse importante compositor brasileiro, há
conhecimento escasso sobre ele entre nossos músicos sendo suas obras pouco difundidas.
Visamos ainda contribuir com o modo de “produzir” (ou reproduzir como intérprete) essa música
no que se refere à questão interpretativa desse compositor e suas obras.
A música se edificou em diferentes locais ao longo do tempo por indivíduos
inseridos em suas culturas e está intrinsecamente relacionada com questões históricas, culturais,
sociais e econômicas. O indivíduo influencia e é influenciado pela sociedade onde vive. Ao
mesmo tempo podemos levantar a questão de que uma sociedade é sempre uma sociedade de
1 O nome do compositor é mencionado de formas diferentes: sendo o último nome grafado “Valle” ou “Vale”,
optamos por adotar seu nome completo como Flausino Rodrigues Vale tal qual na publicação de “Elementos de
folclore musical brasileiro” de sua autoria.
- 16 -
indivíduos, ou seja, a sociedade é uma soma de indivíduos que a compõe, indivíduos estes que a
modificam na medida em que são parte da própria sociedade (ELIAS, 1993). Muito corrobora
essa ideia uma frase de Renato Almeida em sua “História da música brasileira”, que expõe o
pensamento do autor, entendendo o artista como: “o acontecimento mais subtil2 da natureza,
realizando a união maravilhosa da alma colletiva com o imprevisto pessoal” (ALMEIDA, 1942,
p.111).
Podemos dizer que o homem nasce numa sociedade já constituída, que veio antes de
sua existência, parecendo algo harmonioso e estático. Na realidade esta sociedade possui
contradições e tensões, que estão também envolvidas nas vidas de todo ser humano. Cada
indivíduo cresce nesta sociedade como um elemento fundamental, pois se relaciona com outros
indivíduos, estabelece laços e possui a capacidade de criação (ELIAS, 1993).
A música faz parte da inventividade humana, algo de original, e também é uma
forma de criação de laços entre indivíduos em sociedade. O indivíduo permeia sua criação
musical com elementos próprios, intrínsecos, e assim mostra as suas particularidades que
contribuem até mesmo para mudanças na sociedade. Ao mesmo tempo sabemos que toda
composição musical terá relações com o presente e o passado da sociedade, quiçá com o futuro,
influências regionais, que fazem parte de uma história particular. Através desta visão podemos
compreender a música como fenômeno resultante da constituição psíquica dos sujeitos inseridos
em suas sociedades (MELO, 1947).
Flausino Rodrigues Vale nasceu em Minas Gerais, na cidade de Barbacena, em 1894.
Sua família tinha veia musical, sendo seu pai clarinetista e sua mãe pianista e cantora. Aprendeu
violino com um tio, João Augusto de Campos, e divertia-se em serestas tocando com seu avô,
que o acompanhava ao violão (FRÉSCA, 2008, p. 15). Dedicou-se à música desde os dez anos
de idade e tinha grande preferência pela música nacional. Foi admirado por Villa-Lobos e
chegou a ter composições gravadas por Jascha Heifetz, Isaac Stern e Zino Francescatti. Teve
algumas de suas obras executadas por muitos outros violinistas expoentes do séc. XX.
Sabemos que a música brasileira começou a ter repercussão internacional desde o
século XVIII, com a música sacra de Minas Gerais. No século XIX temos alguns grandes
expoentes, como Carlos Gomes e Leopoldo Miguez uma produção com maiores influências
2 Palavras de citações como “subtil”, equivalente ao “sutil” em voga no nosso dicionário, foram mantidas tais como
no original de 1942 em vista de o autor não acreditar que levem a equívocos de significado.
- 17 -
nacionais, mas um de nossos maiores músicos e talvez o de maior renome na música brasileira
foi Villa-Lobos, contemporâneo de Flausino Vale.
Podemos dizer que Villa-Lobos busca uma “eruditização” da música folclórica
brasileira (ANDRADE, 1962 [1928]). Ou seria uma “folclorização” da música erudita? Nossa
hipótese é que Flausino Vale também construía sua música com esta intenção, a de trazer a
música do interior de Minas para salas de concerto, e utilizava suas próprias composições para o
estudo da técnica do violino, motivo pelo qual trazemos também esse enfoque na pesquisa.
Flausino realizou trabalho semelhante ao de Villa-Lobos, no sentido de ter realizado uma
produção brasileira, valorizando motivos de nosso país. Mas há uma diferença fundamental
desde já que é o fato de Villa-Lobos ter tido reconhecimento nacional e internacional e tratar-se
de um compositor já bastante estudado e difundido entre nós. Também não podemos perder de
vista a vastidão de composições de Villa-Lobos e a riqueza de suas obras, dentre outras
características. É fato e certamente não é sem motivos que Villa-Lobos teve tamanho prestígio e
visibilidade. Visibilidade esta que nunca foi alcançada por Vale. Não obstante termos essa
compreensão, é curiosa a forma como em especial os violinistas se interessam e apreciam a
produção de Flausino Vale, nos dando indícios de que sua obra deveria ser mais amplamente
difundida. Essa pesquisa visa contribuir para a ampliação dos conhecimentos acerca de Flausino
Rodrigues Vale, pois acreditamos que seu trabalho representa expressiva contribuição à música
nacional e violinística, embora o reconhecimento e a divulgação de sua obra sejam talvez
subestimados. Há alguns trabalhos sobre Flausino Rodrigues Vale anteriores a esse e os
detalharemos posteriormente. Na leitura dessa literatura tivemos o indicativo de que Flausino,
apesar de compositor brasileiro que valorizava “o nacional”, foi mais conhecido e difundido3 no
exterior do que dentre nós, e verificamos no trabalho de Camila Frésca (2008) que há muito mais
exibições de suas obras no Brasil executadas por estrangeiros que pelos os próprios brasileiros.
Por conseguinte é necessário que os estudos acerca de Flausino tenham continuidade para que
sua obra seja cada vez mais conhecida no Brasil. Dessa forma a presente dissertação dedica-se
especialmente aos seus “26 Prelúdios característicos e concertantes para violino só”.
Pretendemos trazer cada um de seus prelúdios nesse trabalho, com um fichamento
inicial de cada uma das obras e nossas observações acerca da interpretação, da utilização de
alguns prelúdios como estudo de técnica instrumental – particularmente nos que percebemos
3 Mais conhecido e difundido, no mínimo, levando em conta apresentações e gravações realizadas.
- 18 -
ocorrências ostensivas de algum recurso técnico instrumental específico – ou de estudos por nós
elaborados com a finalidade de auxiliar alunos a melhor executar determinadas passagens dos
prelúdios, com arcadas e dedilhados que, ou facilitem ao intérprete, ou valorizem traços
característicos da obra que acreditamos que devam ser ressaltados. Um fator norteador para a
nossa interpretação é o fato de localizarmos os prelúdios de Flausino Vale numa estética de
“música brasileira”, e dessa forma visamos sublinhar a expressão desses traços. Sabemos que os
prelúdios também se relacionam com a música estrangeira, e ao longo de nossa abordagem dos
prelúdios trazemos alguns paralelos para que os próprios leitores possam apreciar algumas
interlocuções que Flausino traz em suas composições. Essas analogias com músicas estrangeiras
também nos dão esteio para uma ideia musical que acreditamos que o compositor passava
através de seus prelúdios. Afinal, podemos melhor entendê-los se considerarmos determinadas
referências e o contexto em que as obras foram compostas. É importante deixar claro que a obra
musical de Flausino Rodrigues Vale se restringe basicamente à composição dos 26 prelúdios
para violino só, tendo ainda outras produções artísticas na elaboração de arranjos para violino
feitos a partir de outras obras, de compositores estrangeiros e nacionais, bem como na área da
literatura.
Ainda sobre o aspecto histórico, sabemos que o Brasil pré-colonial era indígena, ou
seja, tinha cultura indígena. Houve um processo de colonização e passou a receber influências
fundamentalmente portuguesas e africanas (com os colonizadores e escravos, respectivamente).
A cultura brasileira tem características próprias, mas é inegável que tenha recebido influências
diversas em sua constituição (ANDRADE, 1962 [1928]). Podemos afirmar que a música também
se insere como receptora desta influência.
Dentro deste contexto, o objetivo principal do nosso trabalho será articular a
produção de Flausino Vale e, mais especificamente, a escrita e a técnica instrumental dos “26
Prelúdios característicos e concertantes para violino só” deste compositor, considerando seus
elementos de música brasileira – em especial fazendo referências à música interiorana de Minas
Gerais – e da “música de concerto europeia”, ou seja, a música erudita das mais diversas origens
europeias e que tiveram suas repercussões no Brasil, trazendo um acréscimo quanto à nossa
interpretação das obras do autor.
Não temos dúvida de que, embora não tenha produzido um número expressivo de
obras musicais e não tenha sido considerado “gênio da música”, Flausino trouxe uma escrita
- 19 -
musical de recursos incomuns ou raramente utilizados. Em sua época foi um dos poucos que
escreveu especificamente para violino no Brasil, trazendo inovações no seu estilo de composição
destes prelúdios, em vista do que podemos observar que, em sua forma de composição – ainda
que tenha algo de semelhante aos nacionalistas brasileiros – há muito de original. Nesse sentido,
na criação desse conjunto de prelúdios, Flausino teria criado uma nova linguagem para o violino
só, em que este instrumento muitas vezes assume a posição de viola caipira4. Tais considerações
fizeram emergir o seguinte problema de pesquisa: que interpretação visava o compositor, ou seja,
qual sua ideia musical na utilização desses elementos que o influenciaram e o inspiraram na
criação deste “novo estilo”, e como devemos considerar tais elementos para elaborar uma
interpretação coerente?
4 Viola caipira, também definida por Dourado (2004, p.357) como “Viola de arame - Viola brasileira de dez ou doze
cordas (cinco ou seis ORDENS duplas, afinadas mi-si-sol-ré-lá e mi-si-sol-ré-lá-mi, respectivamente). Instrumento
de origem portuguesa, é aparentado da FÍDULA de origem mourisca e costuma ser utilizado no Brasil na chamada
música sertaneja. Um dos grandes luthiers dedicados à construção da VIOLA DE ARAME é Zé Coco do Riachão,
de Montes Claros, Minas Gerais. A viola utiliza afinações chamadas cebolinha, cebolão, natural, guitarra, rio-
abaixo, boiadeira, maxabomba e diversas outras. A especialidade já conta com uma legião de novos aficcionados
dos grandes centros urbanos, além de estudiosos como Fernando Claro, de São José dos Campos, São Paulo, e
Roberto Corrêa .Ver também BANDURRA e MACHETE [var.: viola brasileira, viola cantadeira, viola de bambu,
viola de cabaça, viola de cacho, viola de chorona, viola de dez cordas ou ligina, viola de feira, viola de queluz, viola
nordestina e viola sertaneja]”.
- 20 -
2 METODOLOGIA
Nosso trabalho foi conduzido mediante os paradigmas da pesquisa qualitativa que se
caracteriza por “considerar o pesquisador como o principal instrumento de investigação e a
necessidade de contato direto e prolongado com o campo, para poder captar os significados dos
comportamentos observados” (ALVES-MAZZOTTI, 1998, p.132).
Inicialmente, tínhamos como um dos interesses do trabalho realizar a ligação entre a
música de Flausino Vale com o “folclore brasileiro” por acreditarmos que sua música seria
carregada de “motivos folclóricos”. Porém, no ato de verificação de nossa hipótese de que há
relações entre os “26 Prelúdios característicos e concertantes para violino só” de Flausino R.
Vale e a “música folclórica brasileira”, encontramos alguns percalços para determinar uma
definição quanto a música folclórica. Havia também o interesse em, academicamente, ligarmos
aspectos desses prelúdios de Vale à “música de concerto europeia”, o que posteriormente
percebemos que não traria grandes avanços à pesquisa sobre Flausino Vale. Ainda assim, tais
relações podem ser consideradas quando elaboramos uma interpretação para essas obras. Foi
através de um breve estudo histórico sobre Flausino Vale, diluído ao longo de todo o nosso texto
e de suas composições, que pudemos definir traços de interpretação para as peças. Podemos
dizer que é pelas suas semelhanças tanto com a “música brasileira” e, particularmente, com a
“música regional” do interior de Minas, quanto com a música de concerto europeia que pudemos
nortear uma interpretação.
Neste sentido adotamos os seguintes procedimentos metodológicos:
Levantamento de partituras dos 26 prelúdios;
Estudo e considerações a respeito do livro sobre folclore musical de autoria de
Vale intitulado “Elementos de folclore musical brasileiro”;
Revisão bibliográfica;
Comparação de aspectos da técnica violinística empregada nestas obras com
aspectos dos “Caprichos”5 de Paganini Op. 1 para violino solo em vista de percebermos
semelhanças notáveis entre o tipo de técnica instrumental abordada em alguns dos prelúdios de
Vale e alguns “caprichos” de Paganini, bem como sabermos de uma preocupação com o
virtuosismo na escrita de Flausino Vale. Para além de Paganini estar estabelecido como
5 Em italiano, termo original: capriccio.
- 21 -
referência na música para violino solo no mundo, seus caprichos são um paradigma de música
virtuosística para violino solo;
Identificação de elementos de música regional e interligações possíveis com
Prelúdios de Vale;
Realização de entrevistas semiestruturadas com músicos e pesquisadores que já
tenham estudado, gravado ou interpretado algumas dessas obras. Estas entrevistas visaram
investigar se tais músicos e pesquisadores percebem estes “elementos folclóricos” e “culturais
brasileiros”, como também os da “música de concerto europeia”; conforme Alves-Mazzotti
(1998, p.168) nas entrevistas semiestruturadas “o entrevistador faz perguntas específicas, mas
também deixa que o entrevistado responda em seus próprios termos”;
Realização de um estudo histórico-estilístico para fins de análise interpretativa
acerca deste autor. O levantamento bibliográfico e formulação de hipóteses foram passíveis de
discussão com o auxílio das entrevistas realizadas e dos trabalhos anteriores a esse que puderam
dialogar com nossa pesquisa;
Análise das dificuldades técnicas dos prelúdios para que eles possam ser aplicados
como estudos de técnica aplicada para violinistas em formação;
Sugestões de arcadas, andamentos e dedilhados, não apenas com fins de facilitar a
execução, mas principalmente como base interpretativa, influenciando conduções de frases e
demais recursos interpretativos;
Audição minuciosa de gravações existentes.
Ao longo da investigação acerca do compositor Flausino Rodrigues Vale,
verificamos que há dissertações atuais sobre ele de pesquisadores dedicados a este tema. No
entanto, embora a bibliografia ainda seja modesta, é maior do que o esperado, porém de difícil
acesso. Vale mencionar a dificuldade para conseguir as partituras dos prelúdios. As duas únicas
partituras obtidas inicialmente encontravam-se na biblioteca Escola de Música da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (da EMUFRJ). Este dado demonstra a escassez do material de nosso
interesse, a ser analisado. Questiona-se o fato de uma instituição de tal importância possuir em
seu acervo apenas duas das vinte e seis obras de nossa pesquisa, ou seja, menos de 10%, e de
outras instituições com acervo de partituras não possuírem nenhum desses prelúdios. Também
corrobora para que as bibliotecas não possuam essas partituras, o fato de muitos violinistas
desconhecerem a maior parte dos prelúdios ou mesmo não conhecerem nenhuma obra de Vale,
- 22 -
fazendo com que não haja demanda desse conteúdo. Na realidade acreditamos que com a
divulgação dessas obras, automaticamente aumentará o interesse em melhor conhecer o
compositor e suas peças serão mais requisitadas e, por conseguinte, constarão como acervo de
nossas bibliotecas. Essa realidade não nos é muito distante quando pensamos a admiração que
algumas obras tiveram ao atingirem grandes violinistas do século passado e atual.
Não culpamos as instituições por essas obras não terem chegado às bibliotecas, mas
sim ao fato de as obras em si não terem atingido um patamar de divulgação merecido. Uma razão
para chegarmos a esse quadro é o fato de que nunca se conseguiu publicar o conjunto de
prelúdios integralmente, em especial por dois dos prelúdios terem sido publicados pela Carlos
Wehers & Cia – “Ao pé da fogueira”, 15º prelúdio, e “Casamento na roça”, 11º prelúdio –, que
não abriu mão dos direitos exclusivos de publicação deles. Soubemos ainda em outubro de 2011,
mês de conclusão desse trabalho, que a “Criadores do Brasil”, editora de partituras da OSESP,
realizou a publicação de todos os prelúdios em 2011 e, por esse motivo, as partituras que
utilizamos na presente dissertação foram conseguidas através do contato com Camila Frésca,
pesquisadora de São Paulo que de fato está interessada na divulgação da obra de Flausino
Rodrigues Vale. Outro dado que conseguimos obter através dela, mais precisamente de sua
dissertação6, foi que na realidade a EMUFRJ chegou a receber todas as partituras dos prelúdios e
mesmo a incluí-los na grade de estudos dos violinistas em formação através do então professor
de violino dessa instituição, Carlos de Almeida. No entanto, essa pesquisa nos revelou que além
dessas músicas não serem estudadas especificamente no curso de Bacharelado em Violino desta
Universidade7, as referidas partituras também não se encontram na biblioteca desta instituição.
José Rodrigues Valle, professor também da Universidade do Brasil, mas do curso de
Direito, foi quem levou tais prelúdios para a EMUFRJ. Ele foi irmão de Flausino e trouxe essas
músicas ao Prof. Carlos de Almeida, após o falecimento de Vale. Ainda antes disso, em 1922,
quando Vale resolveu prestar exame para o então Conservatório Musical do Rio de Janeiro (que
Frésca, (2008) acredita ser a própria Escola de Música da UFRJ), chegou a levar, ele próprio,
6 Dissertação de Camila Frésca: “Uma extraordinária revelação de arte: Flausino Vale e o violino brasileiro”, USP,
2008. 7 O autor dessa dissertação tem intensa ligação com a EMUFRJ, tendo sido aluno do Curso de Bacharelado em
Violino do ano 1999 ao ano de 2004, funcionário da Orquestra Sinfônica da UFRJ, desde 2005, e aluno deste
mestrado desde 2009. Em todos esses anos convivendo nesse ambiente educacional com professores, alunos e
funcionários, sempre com maior ligação com as disciplinas voltadas ao violino, jamais teve conhecimento dessas
obras pela Universidade.
- 23 -
para um professor, seu primeiro prelúdio, a composição “Batuque”. Nosso entendimento foi o de
que se tratou de um presente pessoal, e não de um exemplar destinado à biblioteca.
Aproveitamos aqui para comentar que as partituras de autoria de Flausino encontradas na
biblioteca dessa instituição atualmente, ou seja, durante a elaboração dessa dissertação, foram
apenas as duas editadas pela Carlos Wehrs & Cia. Dessa forma, pretendemos que, ao final desse
trabalho, tenhamos todas as partituras dos prelúdios de Vale disponíveis para empréstimo nessa
biblioteca. Para tanto, entramos em contato com um dos filhos de Flausino Vale, Guatémoc do
Vale, quando conseguimos falar com D. Helena, nora de Flausino que informou que está sendo
realizada a edição em versão comercial de todos os prelúdios pela Fundação OSESP e que tão
logo esteja pronta ela própria tem interesse em entregar um exemplar à Biblioteca Alberto
Nepomuceno, biblioteca da Escola de Música da UFRJ. Quanto às partituras originais
manuscritas, ela disponibilizou cópias para quem as puder buscar em Belo Horizonte, Minas
Gerais, e nos disse que pretende que estejam disponíveis na internet ao vencer algum limite de
tempo contratado com a editora pela família.
As partituras que utilizamos no presente trabalho são edições de José Maurício
Guimarães e Camila Frésca, publicadas junto à dissertação de Frésca (2008). Quanto a esses
editores, Frésca é uma pesquisadora que concluiu sua dissertação de mestrado na USP
(Universidade de São Paulo) em 2008 sobre Flausino Vale e José Mauricio Guimarães é
violinista e professor de Belo Horizonte, divulgador da obra de Flausino Vale. A partir das
partituras editadas por eles, durante nossa pesquisa, acrescentamos algumas contribuições nossas
em vários dos prelúdios, resultando numa edição revista.
Embora satisfeitos por termos encontrado tal fonte documental, fica patente a
escassez de obras a recorrer de forma mais específica, restando muitas vezes apenas a análise
histórica do período vivido por Vale, por meio de outros autores que mencionam a referida
época.
Uma das questões com a qual nos ocupamos foi analisar as dedicatórias que Flausino
deixou em cada um de seus prelúdios, e a partir delas tentar compreender a relação entre cada
prelúdio, com cada uma das dedicatórias, ou seja, a relação do compositor com as pessoas a
quem ele dedica sua obra. Neste percurso descobrimos que uma das obras foi dedicada a José
Martins de Mattos, pai de Alysio de Mattos, o professor-orientador dessa dissertação de
mestrado, que já sabendo da enorme proximidade de seu pai com o compositor pôde nos oferecer
- 24 -
valiosas informações e vias de acesso para a busca de materiais que contribuíssem com o
trabalho.
Podemos colocar no rol de problemas desta pesquisa a complexidade em comparar
Flausino Vale a qualquer outro compositor, sem reduzi-lo a períodos históricos e semelhanças,
nem engrandecê-lo e separá-lo de todo o seu contexto. Essa comparação acontece de forma
natural quando se tenta falar sobre suas obras, tendo inclusive se revelado nas entrevistas
realizadas, realmente localizando semelhanças nas formas de compor de Flausino e outros
compositores contemporâneos a ele. Assinalamos dentre as dificuldades da pesquisa a
possibilidade de equívoco em uma análise das obras, no sentido de inferir as intenções que o
compositor teve quando desenvolveu determinadas características musicais, motivo pelo qual
sempre salientamos que se trata de uma interpretação dessas obras, podendo surgir diversas a
partir de outras perspectivas.
Inicialmente tentávamos enquadrar as obras de Flausino Vale no que seria a “música
brasileira”. Observamos nas fontes bibliográficas consultadas várias indicações sobre o que seria
esse “brasileiro” na música. Contudo, é bastante comum que essas indicações se deem de forma
abstrata como nos exemplos: “a música brasileira tem que vir do sertão no bojo de uma viola”
(VALE, 1978, p.8); “a música popular brasileira é multiforme, refletindo com extrema
sensibilidade as diferentes condições do meio étnico, social ou geográfico em que se manifesta”
(AZEVEDO, 1956, p. 140) ou ainda de “lirismo ardente e característico dessa magia imaginosa e
indefinível da alma brasileira” (ALMEIDA, 1942, p.91). Essa última passagem citada, de Renato
Almeida (1942), de alguma forma expressa um dos desafios de nosso trabalho, qual seja, à
medida em que vamos tentando definir características que identificam a música brasileira, quanto
mais lemos e mais associamos características específicas, percebemos que, embora avancemos
na direção do que queremos dizer, notamos que as palavras ainda não deram conta de englobar a
totalidade do que significa uma música “ser brasileira”8. Percebemos que descrever com
palavras a música de forma totalmente completa torna-se tarefa impossível. A linguagem verbal,
as palavras, é limitada para descrever tudo que se possa apreender acerca de uma música, ou de
um estilo musical. Dessa forma vislumbramos que, ao tentarmos definir o que seria a parte
“indefinível da alma brasileira”, há algo que “escapa” ao que as palavras possam definir. Ainda
8 Desde já gostaríamos de esclarecer que quando questionamos se uma música é brasileira ou não, não estamos aqui
nos referindo ao fato de ela ter sido composta no Brasil ou simplesmente por compositor brasileiro, mas sim se ela
possui estilo, ou características estéticas que a defina como tal.
- 25 -
mais complexo por estarmos falando de música, torna-se quase inviável, cabendo por vezes a nós
imaginar e saber que o “real da música brasileira” não será atingido. Para contornar essa
problemática do conteúdo da música brasileira, vimos coletando, dentro do possível, o máximo
de elementos que pudemos9. No entanto, verificamos ao longo de nossas leituras sobre a música
brasileira contemporânea a Flausino Vale, que inclui diversos autores importantes como Mário
de Andrade e Renato Almeida, que eles mencionam uma categoria de “música brasileira” dentro
de determinados padrões, enquanto que sabidamente o que existe é uma diversidade enorme de
“brasileiros” na nossa música e, afinal, optamos por expressões como “música do interior
mineiro”, “música regional”, pois verificamos que estaríamos sendo mais verdadeiros, mais
claros e precisos que ao utilizarmos a nomenclatura "música brasileira” quando nos referimos à
obra de Flausino Vale. Embora tentemos nos adequar à melhor nomenclatura, estamos em
concordância com Camila Frésca (2011), que em entrevista mencionou que, por vezes, Flausino
“tentava descrever fatos e situações de sua vivência – que eram por consequência também
regionais e „brasileiros‟”.
Há que se considerar o fato de que o compositor em questão já não poderá responder
às nossas perguntas sobre sua obra e sua concepção, restando a possibilidade de aferir inúmeros
pareceres a partir de seus escritos e de estudiosos de sua história, assim como por meio de
depoimentos de seus conhecidos e familiares. E, ainda assim poder realizar um trabalho rico e
prenhe de valores trazidos por Flausino.
Com o objetivo de enriquecer este estudo foram realizadas entrevistas, como
mencionamos acima. Porém, ressaltamos que as entrevistas serviram também para termos outras
referências sobre o estilo da obra, assim como para confirmar ou refutar nossa hipótese sobre a
inserção de componentes do folclore e da cultura. Dessa forma, levamos em consideração que os
diferentes entrevistados poderiam apresentar concepções diversas e teríamos que trabalhar com
uma significativa diversidade de informações.
Tivemos o intuito de compreender em que medida a obra do compositor é
caracteristicamente “nacional”, ou seja, quais os elementos que a caracterizam como brasileira –
ainda que esses elementos a caracterizem como “brasileira do interior”. Porém, nossa hipótese 9 Dentro da Psicanálise, Lacan introduz os conceitos de real, simbólico e imaginário, os quais não pretendemos
explicar nesse trabalho. Mas, em suma, nos ajudam a explicar que há num dado objeto de estudo o que pode ser dito
sobre esse objeto: usamos para isso as palavras; o que pode ser “imaginarizado” – constituindo-se uma imagem do
objeto – e há o que não se pode nem dizer nem imaginar. Certamente, ao tentar transmitir música, essas questões
estão em jogo a todo o tempo.
- 26 -
inicial é a de que Vale trouxe componentes da cultura estrangeira, formas de escrita musical que
foram herdadas dos europeus, em especial. A dificuldade se configura na tentativa de distinguir,
nessas composições, em que delas predomina o caráter da música nacional, ou o da estrangeira,
afinal essas definições nos parecem estanques, mas na obra elas se misturam formando um todo.
Percebemos que seria necessário conseguir identificar detalhadamente esses aspectos,
configurando um desafio a ser enfrentado. Com o passar do tempo, na própria elaboração da
interpretação das obras essas questões se tornavam mais claras. Por exemplo, no prelúdio “Tico-
tico”, encontramos semelhanças entre música regional com um dos caprichos de Paganini. Sendo
assim, pudemos pensar em uma maneira de tocar semelhante à do Capricho Nº 1 de Paganini, no
entanto, com um som que valorizasse o cantar do Tico-tico, pássaro brasileiro, e o universo
sonoro que transmita características de determinado contexto cultural rural. Aprofundar-nos-
emos nessas questões ao longo do trabalho.
Para dar conta da diversidade de elementos de sua música, planejamos entrevistar
diferentes músicos e musicólogos que soubemos serem estudiosos da obra de Flausino Rodrigues
Vale. Além desses consideramos ser fundamental entrevistas com violinistas do Rio de Janeiro,
músicos reconhecidos como instrumentistas e alguns professores universitários.
Esclarecemos quanto aos procedimentos metodológicos que sabemos ser comum,
quando se objetiva a análise de obras, um estudo morfológico das peças. No entanto, não nos
propusemos a fazê-lo porque os prelúdios do compositor em questão se apresentam sob formas
muito semelhantes em todos eles, formas simples binárias ou ternárias do tipo A-B ou A-B-A.
Assim também afirma Alvarenga:
O processo composicional mais observável nos Prelúdios é a repetição. Em sua maior
parte, essas peças constituem-se numa sequência de exposições temáticas, que se
distinguem antes pela variedade de recursos violinísticos que pela manipulação do
material temático propriamente dito. Preservando as características musicais essenciais
do tema, o contorno melódico e a organização rítmica, as repetições temáticas incluem
geralmente variedades de timbre e textura, através do uso de harmônicos, dos distintos
registros do instrumento e das cordas duplas e acordes (ALVARENGA, 1993, p.22).
Deste modo, nos ateremos de fato a vislumbrar os conteúdos dessa música enquanto
símbolos nacionais e estrangeiros, e às formas como tais elementos se apresentam em sua música
no tocante à interpretação de sua obra, bem como uma preocupação do compositor que vemos na
técnica instrumental através dessa escrita. Também nos restringimos aos aspectos estilísticos e
aos fatores que influenciaram a formação desse estilo.
- 27 -
No capítulo “Flausino Rodrigues Vale: 26 prelúdios característicos e concertantes
para violino só e uma interpretação”, a questão interpretativa que tivemos em vista nesse
trabalho não foi esmiuçada em detalhes em todas as obras. Tentamos visualizar tais prelúdios de
forma mais abrangente, motivo pelo qual nos utilizamos de toda uma referência aos dados
pessoais e de vivência de Flausino e de sua época. Realizamos, portanto, uma descrição da nossa
interpretação e apontamentos sobre todos os 26 prelúdios, uns com mais detalhamento e outros
com menos, em parte para não haver redundância de informações, afinal muitos elementos
utilizados por Flausino em suas composições são repetidos, o que até mesmo cria uma
caracterização de sua forma de escrita musical.
Utilizamos diferentes exemplos para expormos nossas ideias interpretativas,
abordando aspectos técnicos do violino e também formas de utilização didática dos prelúdios
como material de aprimoramento de violinistas em formação.
- 28 -
3 REFERENCIAL TEÓRICO e REVISÃO BIBLIOGRÁFICA/FONOGRÁFICA
Nosso primeiro contato com a obra de Flausino Vale foi através do professor
Marcelo Palhares, nosso professor de violino na década de 1990. Ele havia sido aluno de José de
Mattos, amigo muito próximo de Flausino Rodrigues Vale. Assim, soubemos e tivemos a
oportunidade de ouvir em LP a gravação de 21 dos 26 prelúdios por Jerzy Milewski – “Prelúdios
para violino só de Flausino Vale – LP”. Durante o início da pesquisa deste trabalho, soubemos
que o Prof. Milewski também havia publicado um livro10
sobre Flausino em que diferentes
personalidades da música escrevem sobre o compositor. Traremos algumas dessas declarações
quando tratarmos de virtuosismo.
Ao iniciar o projeto dessa dissertação, buscamos as partituras dos 26 prelúdios para
violino só. Como mencionamos anteriormente, encontramos apenas duas delas na biblioteca da
Escola de Música da UFRJ, como também dois artigos escritos por Vale. Porém, ambos
versavam sobre temas distantes dessa dissertação. Não encontramos partituras dos prelúdios de
Flausino nas bibliotecas da Escola de Música Villa-Lobos ou da Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (Uni-Rio), importantes instituições de ensino no Rio de Janeiro. O único
material encontrado na Biblioteca Nacional de Música era a mesma edição das duas partituras já
encontradas na biblioteca da EMUFRJ.
Logo soubemos também do livro escrito por Flausino sobre folclore brasileiro,
“Elementos de folclore musical brasileiro”, pois mesmo em fontes menos acadêmicas,
encontradas em grande número na internet, esse livro escrito por ele é indicado como importante
produção do autor. Nosso exemplar foi conseguido numa loja de livros usados, pois está
esgotado na editora. Esta obra traz consigo uma série de afirmações em concordância com alguns
pensamentos sobre folclore que estavam em voga em meados do século XX. Apesar de diversas
concepções terem sido modificadas e criticadas por autores mais atuais, esse livro tornou-se
nossa principal referência sobre a visão de Flausino Vale sobre o folclore musical e por ser a
compreensão do compositor sobre a música folclórica temos em suas palavras material para
basearmos considerações pessoais que ele fazia acerca do folclore e da música brasileira.
10
“Flausino Vale – o Paganini brasileiro”. Europa Empresa Gráfica: 1985.
- 29 -
Trazemos ainda contribuições de outros autores como o próprio Mário de Andrade quando
verificamos articulações entre ele e Flausino.
O levantamento bibliográfico realizado revelou que um dos materiais principais a ser
consultado como fonte documental foi a dissertação de mestrado de Camila Frésca sob o título
“„Uma extraordinária revelação de arte‟: Flausino Vale e o violino brasileiro”. O trabalho de
Frésca (2008) nos ofereceu muito material para a dissertação e também novas indicações de
leitura. A obra de Camila Frésca focaliza, em especial, uma abordagem histórica sobre Flausino
Vale. Apreendemos muito de sua realidade social, das questões históricas de Minas Gerais e,
através das observações dessa autora sobre a dissertação de Hermes Cuzzol Alvarenga soubemos
de mais este trabalho sobre Flausino Vale, que versava ainda mais especificamente sobre os 26
prelúdios. Ainda quanto ao trabalho de Frésca, utilizamos em nossa pesquisa várias de suas
contribuições, sobretudo em relação às questões históricas mais significativas para nossa
pesquisa.
Contatamos Hermes Alvarenga, que muito receptivamente nos ofereceu acesso ao
seu trabalho, escrito em 1993. Sua dissertação recebeu o título: “Os 26 prelúdios característicos e
concertantes para violino só de Flausino Vale: aspectos da linguagem musical e violinística”. O
trabalho de Alvarenga é de fato um apanhado sobre os prelúdios e sua linguagem musical.
Ressalta alguns pedidos do compositor nas obras, trazendo minucias da música que tem por
objetivo descrever determinada cena ou objeto, ou seja, o que chamamos de música
programática. Trata-se de um trabalho cujas normas eram claramente diferentes das atuais,
fazendo com que o autor tivesse uma maior liberdade de pensamento, possibilitando sua própria
expressão de forma mais livre, de modo que, em um número de páginas menor do que o exigido
hoje, ele pôde alcançar o que desejava encontrar, baseado muitas vezes em sua própria
observação e experiência. É a primeira dissertação escrita sobre o compositor e traz consigo
muito valor por isso e por apresentar pensamentos de um violinista como Hermes Alvarenga,
além de ter sido orientado por Marcello Guerchfeld, violinista e professor de muita visibilidade e
importância no Brasil. As assertivas que faz, em geral, vão ao encontro do nosso pensamento.
Nossas primeiras percepções sobre a obra de Vale coincidem com algumas das observações do
Prof. Alvarenga. Antes mesmo de conhecermos o trabalho do Prof. Alvarenga já havíamos
formulado algumas concepções que posteriormente descobrimos serem muito semelhantes aos
- 30 -
apontamentos de sua dissertação. E quando a tivemos em mãos pudemos reforçar alguns de
nossos pensamentos e ampliarmos alguns horizontes.
“Nesse processo de „garimpagem‟, obras de referência, bibliografias selecionadas,
são de extrema utilidade na identificação e seleção de estudos para revisão” (ALVES-
MAZZOTTI, 1998, p.181). A dissertação do Prof. Hermes Alvarenga não se dedica à elaboração
de uma interpretação sobre a obra de Flausino, e sim a examinar aspectos da linguagem musical
e técnica violinísticas utilizadas pelo compositor. No entanto, acreditamos que o trabalho de
Alvarenga muito contribui para pensarmos uma interpretação para a obra de Flausino Vale, em
especial por já tratar especificamente dos prelúdios.
Em nossas pesquisas, também tivemos conhecimento sobre a dissertação de Zoltan
Paulinyi11
, de título “Flausino Vale e Marcos Salles: influências da escola franco-belga em obras
brasileiras para violino solo”, cujo principal ponto é identificar algumas questões da técnica
instrumental utilizada por Flausino Vale e Marcos Salles, dois compositores para violino solo
contemporâneos entre si.
Dentre as citadas dissertações, a de Camila Frésca é facilmente encontrada ainda em
meios eletrônicos; as outras duas foram solicitadas aos autores. Frésca, além de responder à
nossa entrevista, nos enviou por correio sua dissertação completa em CD, com anexos e as
partituras editadas dos 26 prelúdios, o que foi muito útil durante todo o trabalho; Alvarenga e
Paulinyi nos fizeram a mesma gentileza de enviar suas respectivas dissertações, e ainda
responder à nossa entrevista.
Bibliografias que mencionem especificamente Flausino Vale são poucas, além das
três dissertações já citadas que versam sobre ele, destacamos ainda o livro de Marena Isdebski
Salles “Arquivo musical”, composto de três partes, sendo uma delas nomeada “Nove figuras da
música brasileira”, e uma das nove figuras da qual a autora se ocupa é Flausino Vale, uma visão
histórica e, ao mesmo tempo, próxima, visto que se lembra de suas visitas ao próprio Marcos
Salles, seu pai, amigo de Flausino.
11
Nos primeiros contatos com Zoltan Paulinyi tivemos acesso aos principais links de seus trabalhos acadêmicos. A
dissertação de mestrado pode ser acessada no link que oferece acesso ao download:
<http://paulinyi.com/UnB2010mestrado.html>. Há ainda um artigo sobre a inovação técnica de Flausino Vale,
denominada técnica sotto le corde, utilizada em uma composição chamada “Variações sobre a canção Paganini”,
peça escrita para violino só mas não inscrita dentro do conjunto dos 26 prelúdios que estamos estudando em nossa
dissertação. Tal artigo de Zoltan Paulinyi, publicado na ANPPOM (2010b) pode ser acessado através do link:
<http://www.paulinyi.com/diversos/Paulinyi2010-anppom-FV.pdf>.
- 31 -
Realizamos leituras de Mário de Andrade “Ensaio sobre a música brasileira” (1962
[1928]) e Renato Almeida “História da música brasileira” (1942) com finalidade de melhor
compreender o que se considerava como música brasileira na época de Flausino Vale, e
encontramos, de fato, várias semelhanças de pensamento entre a produção deles e os escritos de
Vale em seu livro sobre o folclore na música brasileira. Utilizamos esses autores por terem
escrito justamente à época de Flausino Vale, ou seja, permeados de valores, de crenças, de
inspirações ligadas ao mesmo tempo em que as obras do compositor foram produzidas. Não
obstante valorizarmos essa perspectiva trazida por esses autores, estamos cientes de que se trata
de uma visão marcada por alguns acontecimentos e pensamentos que não estão de acordo com
nossa visão, ou com as propostas e a ótica que os autores atuais tratam esse assunto. Ou seja,
alguns desses dizeres estão vinculados a uma proposta que podemos chamar de
“preconceituosa”. Uma separação entre o que era qualificado como “bom e o ruim”
caracterizando como menor uma arte que para eles estava junta a pouco refinamento, que
supostamente trazia traços de “barbárie”, enfim, valorando os produtos de arte também de acordo
com suas origens mais ou menos cultas – considerando cultura apenas a deles e desmerecendo
outras formas de cultura e de arte, o que transparece ao leitor em algumas afirmações absurdas
em diversas passagens de suas obras.
Apesar desses traços preconceituosos, até mesmo ingênuos, e de pouca reflexão, são
justamente esses nomes que alavancaram um início do estudo formal sobre a “música brasileira”,
sendo suas contribuições numerosas e ricas. Para fins de diminuir os prejuízos de utilizá-los
como base para nossas assertivas, e acreditamos que devemos de fato fazê-lo por estarem em
conjuntura com a produção de Vale, utilizaremos também autores modernos na contraposição e
contribuição que temos nos dias de hoje. Os principais autores contemporâneos que serão
utilizados nessa função são Renato Ortiz, que realiza um trabalho de pesquisa sobre o quanto a
cultura popular é contada através de uma determinada camada da sociedade, questionando
diferentes valores até então atribuídos ao povo e suas manifestações. E ainda Enio Squeff e José
Miguel Wisnik, que trabalham marcando que a síntese feita historicamente sobre o popular reduz
a sua riqueza e diversidade, ao mesmo tempo promovendo a ideia de “culturas populares”, ou
seja, diferentes entre si e, consequentemente, trazem o conceito de arte nacional de forma
diferenciada com contribuições importantes sobre os períodos tratados nessa dissertação.
- 32 -
Para diferentes aspectos interpretativos utilizamos todo o material levantado nessa
pesquisa e também vivências próprias e anteriores a ela, que nos constituíram como violinista
segundo uma concepção da escola franco-belga de violino. Inicialmente acreditávamos que a
nossa formação violinística de alguma forma poderia vir a favorecer uma elaboração de
interpretação mais aproximada com o que Flausino idealizava, visto que segundo Zoltan Paulinyi
(2010a), foi a escola franco-belga que mais influenciou Vale. No entanto, Mais especificamente
sobre as composições e a interpretação delas, visamos considerar sobretudo os escritos de Zoltan
Paulinyi, Camila Frésca e Hermes Alvarenga.
Em se tratando de estudarmos um compositor que escreveu especificamente para
violino e também considerando que algumas questões técnicas são colocadas em jogo nas
composições de Flausino Rodrigues Vale, optamos por nos basear em algumas obras de
referência como o livro “Arcadas e golpes de arco” de Mariana Isdebski Salles. Fazemos esta
escolha por tratar-se de uma literatura que teve por objetivo organizar conceitualmente toda uma
nomenclatura e definições de arcadas e golpes de arco que até certo momento no Brasil
encontrava-se muito defasada. Não obstante termos feito essa escolha também para valorizar um
bom trabalho brasileiro sobre questões técnicas de arco, ainda apoiamo-nos em importantes
literaturas estrangeiras tais como “Principles of violin playing and teaching” de Ivan Galamian,
“The Science of violin playing” de Raphael Bronstein e “The art of violin playing”, de Carl
Flesch. Quanto a questões de dedilhados, além de nos pautarmos em nossa prática, utilizamos
como referência “The principles of violin fingering” de I. M. Yampolsky, no conhecido livro de
Carl Fresch de estudos de escalas denominado “Scale system” e ainda no “Principles of violin
playing and teaching” de I. Galamian. Percebe-se claramente que todas essas obras foram
escritas para ser um guia para professores e alunos e, na verdade, são também considerados
trabalhos detalhados e sistemáticos sobre a técnica violinística. No entanto, optamos por não
citarmos maciçamente suas obras no capítulo sobre interpretação para não nos fazermos
repetitivos. Suas indicações são precisas e nos acompanham em toda trajetória interpretativa, no
conjunto integral do texto.
Carl Flesch, por exemplo, traz uma orientação geral que norteia e fundamenta de
forma bastante coerente e em conformidade com o que acreditamos a preocupação com alguns
elementos da técnica violinística como veiculo interpretativo:
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Fraseado e articulação, no que concerne o violino, estão em tal grau de dependência um
do outro, que uma articulação ilógica necessariamente conduz a um fraseado incorreto,
enquanto arcadas e dedilhados corretos, via de regra oferecem uma garantia
compulsória para um fraseado em conformidade com o sentido musical12
(FLESCH,
1930, p.60).
No capítulo em que abordaremos nossa interpretação dos prelúdios, mencionaremos
as gravações existentes no fichamento inicial sobre cada um dos prelúdios. No entanto, nos cabe
expor desde já que há diferentes gravações de peças de Flausino Vale, realizadas pelos mais
diversos violinistas. No início desse capítulo já mencionamos o LP gravado por Jerzy Milewski
com 21 prelúdios de Flausino. Tal LP foi posteriormente relançado em CD numa edição
comemorativa do centenário de Flausino Vale (1994) e novamente em 1999. Daniel Guedes,
violinista do Rio de Janeiro, gravou quatro dos prelúdios em 2004 em seu CD “Impressões
brasileiras”. Temos ainda no Brasil gravação de cinco dos prelúdios pelo Prof. Edson Queiroz de
Almeida, violinista de Minas Gerais, gravação realizada em 2006. E no ano de 2011, o violinista
Cláudio Cruz gravou todos os 26 prelúdios, sendo a primeira gravação comercial completa desse
conjunto de obras. Essa gravação foi dirigida por Camila Frésca, tendo sua orientação e
concepção.
No exterior, alguns grandes violinistas realizaram gravação de prelúdios de Flausino
Vale, mas foram gravações mais pontuais. Temos um destaque para o prelúdio “Ao pé da
fogueira”, seu 15º prelúdio, que foi certamente o prelúdio mais gravado e é ainda o mais
conhecido. Esse prelúdio chegou às mãos de Jascha Heifetz, que concebeu para essa obra um
arranjo para violino e piano. Essa é a versão mais gravada. De acordo com nossos
levantamentos, o único violinista que gravou “Ao pé da Fogueira” em versão comercial e na
forma original escrita por Vale foi Claudio Cruz, em 2011.
Em entrevista ao Prof. Zoltan Paulinyi (2011), fomos informados que ele realizou
gravação de todos os 26 prelúdios, no entanto, ainda não estão editados comercialmente.
Ainda com o objetivo de auxiliar no processo de divulgação desse compositor,
criamos um “artigo” na “Wikipédia – A Enciclopédia Livre”, também conhecida nos meios
online como Enciclopédia Aberta, caracterizada por um meio em que diferentes usuários podem
fazer alterações nos artigos contidos, tendo como reguladores os próprios usuários do serviço,
12
Tradução nossa de “for, after all, phrasing and articulation, so far as the violin is concerned, are to such a degree
dependent one upon the other, that an illogical articulation necessarily entails incorrect phrasing, while the correct
bowings and fingerings, as a rule, offer a compulsory guarantee for a phrasing conformable to the musical sense”.
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que podem denunciar irregularidades de informação. Tal fonte, embora não seja considerada nos
meios acadêmicos como confiável, para pesquisas não-acadêmicas essa via é grande propagadora
de informações. O “verbete” que criamos intitula-se “Flausino Vale”, podendo ser acessado
livremente por qualquer pessoa. As informações podem também ser acessadas através do link:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Flausino_Vale>. A fim de explicitar ainda mais a importância
dessa via de comunicação, nosso artigo foi criado em 14 de outubro de 2011, com um conteúdo
ainda bastante compacto. Quando fomos acrescentar novas informações ao artigo online,
verificamos que Zoltan Paulinyi havia realizado alguns acréscimos ao artigo em 16 de outubro
de 2011. Dessa forma, há ainda comunicação e transmissão rápida e diversificada de
informações entre os próprios pesquisadores sobre o compositor. O conteúdo por nós incluído na
Wikipedia até o momento de entrega da dissertação encontra-se integralmente no Apêndice.
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4 NACIONALISMO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO A FLAUSINO
RODRIGUES VALE
O poder da música é incontestavelmente extraordinário! É
um dos elementos da natureza, é uma força cósmica. (...)
tanto o concerto bárbaro de um candomblé como uma
peça coral de Palestrina, filosoficamente, são uma mesma
coisa: ambas representam a música servindo de veículo
para o homem corresponder-se com as divindades
invisíveis. (VALE, 1978, p.58).
Estudar as obras de Flausino Rodrigues Vale exige contextualizá-las historicamente,
marcadas que são por questões sociais e econômicas de sua época, além do vínculo dessas
composições com sua história pessoal. Uma característica facilmente encontrada nas músicas de
Flausino é sua ligação ao “movimento nacionalista”. Vê-se nas suas obras uma valorização dos
detalhes do interior mineiro.
Consideramos que há alguma importância em abordar esse contexto à medida que
traz os contornos de uma produção musical. É comum associarmos “nacionalismo” ao mérito de
tentar produzir algo próprio, algo nacional, livre das influências estrangeiras; chegando mesmo a
haver uma divisão entre aquilo que era nacionalista e aquilo que era
cosmopolita/internacionalista, ou seja, compositores que ainda se utilizavam das estruturas e
motivos musicais vindos da Europa.
O Neonacionalismo no Brasil surgiu junto de um movimento nacionalista na Europa,
embora por aqui ele tivesse um significado diferente, pois coloca em questão a colonização. A
dimensão do Nacionalismo para Squeff e Wisnik (2004) é carregada de valores sociais, políticos
e econômicos, trazendo consigo o aparecimento de uma classe social, antes apagada; o enfoque
do processo de industrialização; uma expectativa de fazer do Brasil uma nação próspera e
também a valorização da nação como algo de importância, tendo essa valorização nacional
considerada também para períodos anteriores, uma das consequências dessa estima é a busca
pela utilização da língua portuguesa nas obras artísticas. Podemos dizer que há um interesse em
deixar o Brasil análogo ao estrangeiro no sentido de seu desenvolvimento, mas em contrapartida,
que tenhamos particularidades características do nosso povo, das nossas origens. Desta forma, o
Nacionalismo teria alcançado no Brasil um desenvolvimento limitado por ter seu processo de
modernização pautado nos modelos dos países desenvolvidos, e tal limitação se dá também
- 36 -
quanto à produção musical, pois também nessa instância houve comparação a outros modos de
fazer música segundo esses padrões do Nacionalismo.
Renato Almeida (1942) trata do Nacionalismo como um processo natural do
brasileiro e que, na realidade, o verdadeiro brasileiro seria aquele que valoriza a nossa natureza,
considerando o nosso país selvagem e impetuoso. A todo o tempo traz referências históricas para
junto desses ideais. Baseando-se, então, na nossa própria história, justificava que o Nacionalismo
do Brasil não seria um fac-símile do equivalente movimento europeu, pois as questões que aqui
surgiram eram próprias e tinham a nossa identidade.
Na contraposição, encontramos fatos históricos não mencionados por Renato
Almeida como o fato de que, com a entrada de D. João VI, os valores europeus ingressaram com
mais força no Brasil, mudando costumes locais, aumentando a importação de cultura inglesa e
francesa, e, rebaixando traços de cultura asiática, africana e indígenas que nos constituíam
(TABORDA, 2011). Dessa época até a escrita dos prelúdios de Vale, muitas influências
estrangeiras puderam ingressar no país, inclusive pelo fato de compositores e artistas anteriores e
contemporâneos de Flausino Vale terem sido financiados pelo Estado para estudarem no
exterior.
Havia uma coexistência de classes que passava por um processo de separação, sendo
os pobres e negros, os excluídos sociais destinados aos morros ou subúrbios e o espaço urbano
passava a ser alvejado por uma população, por uma elite considerada como mais nobre e culta.
Nessa elite localizam-se também Mário de Andrade e Renato Almeida, que conferiam à arte
dessas pessoas destinadas à periferia espacial e cultural como menor e de menos valor, os “não-
cultos”. Num segundo momento foi permitido que os chorões – oriundos dessa camada
considerada como inferior – se apresentassem em espaços ditos “civilizados”, e dessa forma, a
camada considerada culta em música pôde valorizar essa forma de arte (CONTIER, 2004).
Ortiz (1992) acredita que a busca pelo gênero popular não se dá de forma gratuita ou
por um interesse legítimo, mas sim segundo interesses específicos:
Seria o caso de nos perguntarmos, se para esses intelectuais, o estudo do folclore não
seria uma forma de afirmação, em contraponto à produção cultual dominante da qual
são excluídos. O estudo da cultura popular seria uma espécie de consciência regional
que se contrapõe ao traço centralizador do Estado. Foi esta a intenção de Sílvio Romero,
quando se dedicou à compilação de um cancioneiro brasileiro; ele pretendia se insurgir
contra a cultura da corte, sediada no Rio de Janeiro. Há portanto uma correlação entre a
emergência do folclore, que se dá predominantemente nas regiões periféricas, e o
processo de unificação nacional em torno de um Estado mais centralizador. No
- 37 -
momento em que uma elite local perde poder, tem-se um impulso para o estudo da
cultura popular (ORTIZ, 1992, p.68).
Enfim, havia uma tentativa de valorização de uma música nacional específica e que
não estava desconectada da música europeia e a música brasileira produzida pelas classes
desprestigiadas não era considerada. No entanto, buscava-se uma música que fosse pura,
caracterizada como brasileira. Almeida (1942) exalta Carlos Gomes em seu livro como músico
brasileiro – embora em alguns momentos denuncie que, apesar das obras serem consideradas
brasileiras, escreveu algumas em formato italiano. Reclama de Leopoldo Miguez por ter
influência alemã. “Nossos artistas, em geral, se deixam escravizar nas escolas alheias, e, cujas
fronteiras assentam tenda, contentando-se com os horizontes que os outros rasgaram. E, no
entretanto, o artista não póde viver acorrentado ás fórmas, e muito menos, ás de outrem”
(ALMEIDA, 1942, p. 92). E, apesar de suas críticas, vê-se que considera Miguez como alguém
que traz elementos brasileiros – pondera que há algo da imaginação nacional, o ar impetuoso e
violento de que fala em outros momentos, associando nossa música à nossa história –, embora
num formato europeu. Certamente o considerou como compositor, suas capacidades, chegando a
dizer que “construiu uma obra digna de estima” (ibidem, p.93).
Autores como Renato Almeida e Mario de Andrade verificavam a música brasileira
segundo a dicotomia música popular e música culta. A música nacional estaria ligada apenas à
parcela popular e junto do povo se encontrariam os elementos verdadeiros de música brasileira.
Dessa forma para a instauração do “nacional” faz-se necessário o desprestígio da música
estrangeira e, ao mesmo tempo, o social, visto como algo completamente separado do culto, ou
seja, numa posição de valor nacional, mas também de pouco refinamento, de vulgarização, de
posição menor diante da sociedade. É importante termos em vista que essa visão estanque de
social, povo inculto e culto, elite, estrangeiro são, na realidade, uma forma de visualização do
que acontecia no sec. XIX no Brasil. Os críticos atuais percebem essa cisão como não tão bem
definida, de modo que há uma mistura entre essas classes e produções (TABORDA, 2011).
O fato é que havia a valorização da música brasileira de modo crescente e, assim
como Miguez foi criticado, inúmeros outros compositores o foram. A intenção era de proliferar a
música nacional, mas em suas educações musicais, as bases que aprenderam nos meios de ensino
formal de música fazia com que produzissem segundo bases de escrita europeia. O motivo da
exaltação do nacional não era tão natural como dizia Renato Almeida (1942), afinal
- 38 -
Se o artista possuísse uma linguagem mais universal (e, neste caso, leia-se mais
européia), ao invés de basear-se em danças populares, síncopes, citações folclóricas,
escalas modais e outras características supostamente nacionais. Não merecia uma
posição de destaque na música brasileira (TACUCHIAN, 2009, p.3-4).
Isso significa que os músicos que desejavam ter visibilidade nessa época precisavam
compor nesse “estilo brasileiro”.
Flausino Vale não parecia preocupado em produzir para parecer nacional, ou ter
reconhecimento. Tratava-se de uma questão pessoal, ligada às próprias vivências e inicialmente
despretensiosamente. Embora Vale fizesse alguma divulgação de sua obra, inicialmente se
colocava como inabilitado para produzir música e preferia se dedicar à poesia por se sentir mais
capaz. (FRÉSCA, 2008). Temos a hipótese de que, foi ao saber que “Ao pé da fogueira”, seu 15º
prelúdio, teria sido tocado por Heifetz, que se sentiu mais confiante em publicar os seus
prelúdios característicos e concertantes para violino só e divulgá-los a grandes músicos.
Ainda sobre a relação de Vale com a música brasileira, Frésca (2008) realiza estudo
sobre o surgimento da cidade de Belo Horizonte e da vida musical por lá. Belo Horizonte, um
projeto de cidade de 1894, é nomeado Belo Horizonte apenas em 1901, após passar um tempo
sendo chamado de Cidade de Minas. A autora frisa a história da cidade certamente por
considerar a questão histórica da região onde Flausino transitava. Um fato que certamente
contribuiu para a relação de Vale com a música nacional foi a valorização dessa música desde o
nascimento da cidade mineira, tendo sido tocadas em sua cerimônia de inauguração obras de
Carlos Gomes e de Wagner.
Se, por um lado, a marca de todo Nacionalismo no meio musical foi a demanda para
que se escrevesse apenas “música brasileira”, por outro, os precursores desse movimento tiveram
dificuldades para produzirem “o nacional”. O início dessa busca pela nossa música não foi fácil
para os que desejavam seu despertar13
como cita Renato Almeida a respeito de parte do percurso
de Alberto Nepomuceno (1864-1920): “quando pretendeu que se cantasse na nossa língua,
explodiu uma campanha insidiosa, só a custo vencida” (ALMEIDA, 1942, p. 115-116); querendo
dizer que, se num dado momento a força era “fazer nacional”, inicialmente a força era o “fazer
europeu”, que foi quebrado, aos poucos, por insistência de alguns precursores. Embora mencione
13
No caso, nos referimos àqueles que contam a história, a dita camada culta da população, pois na periferia já se
produzia música sem essa preocupação, música a qual os “cultos” irão valorizar como brasileira, mas como bruta e
tentarão se apropriar de suas formas para transformarem “isso” em música.
- 39 -
Nepomuceno com grande ênfase por sua iniciativa, também faz ressalvas dizendo que fez uso de
moldes/forma musical europeia.
No entanto, é preciso perceber que quando se objetivava a criação de um universo
musical nacional ou mesmo de uma arte nacional, esse ideal não está desgarrado de uma
condição social. Quem conta essa história, quem escreve isso como “a verdade” do Brasil do séc.
XIX é, na realidade, uma determinada parcela do Brasil, e podemos ter a certeza de que se trata
de uma parcela menor, que recebera mais estudo, que concentrava maior parte da renda. Quando
alguns autores se referem à arte que se produzia, marcadamente, essa arte é produzida por essa
população também, afinal, a cultura brasileira não é uma, mas sim plural. Tanto hoje como
também no séc. XIX o que existem são culturas brasileiras. (TABORDA, 2011).
Embora não possamos perder de vista que estamos tratando de um dos lados da
história da música no Brasil, ela nem por isso é menos importante para nós, pois é dessa história
retratada que o compositor alvo de nosso estudo faz parte. O interesse em escrever de forma
nacional traz algumas diretrizes. Luiz Heitor Corrêa de Azevedo acrescenta que “era de bom-tom
compor sobre motivos folclóricos ou tradicionais; como havia sido, e continuava sendo de bom-
tom, conceber, harmonizar e orquestrar à maneira wagneriana” (AZEVEDO, 1956, p.155). O
mesmo fato é comentado por Renato Almeida como um inconveniente da música brasileira desta
época, a utilização de motivos e inspirações brasileiras “collocando sua emotividade nova dentro
de velhos moldes”, se referindo à música de Alberto Nepomuceno (ALMEIDA, 1942, p. 119).
Sobre essa questão, encontramos referência acerca do completo desprestígio a tudo
que vinha do povo, tendo o próprio Estado regulamentado algumas práticas em opressão ao
estudo do popular, chegou-se a prender pessoas apenas pelo fato de utilizarem instrumentos
populares. Alguns desses instrumentos passaram, paulatinamente, a frequentar também as
residências dos que tinham poder econômico e social. E, num outro momento ainda, registramos
a importância de adicionar esses instrumentos ou seus efeitos na música erudita, dita culta e
elitista (CONTIER, 2004). Esses dados nos possibilitam visualizar uma mudança acentuada em
algumas concepções da elite musical ao longo desse processo de interesse pela música brasileira.
No momento em que se acrescenta um interesse pelo povo, há um aumento de
trabalhos versando sobre produções populares como suas canções e costumes, como se o
conceito de popular tivesse sido inventado. A valorização dessa parcela da população também
estava ligada a uma questão do Estado, no sentido de unificação de um poder centralizado e não
- 40 -
mais uma série de autoridades locais. Para que o Estado fosse centralizado era necessária a
inclusão dessas pessoas do povo, considerando que “os costumes, as lendas, a língua, são
arquivos de nacionalidade, e formam o alicerce da sociedade” (ORTIZ, 1992, p.22). Ortiz afirma
que todo o interesse pelas classes excluídas não seria uma valorização de suas produções pura e
simplesmente.
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5 FLAUSINO VALE E SUA ESCRITA MUSICAL
Flausino Vale é um compositor que dá nome à nossa
Biblioteca na Escola de Música da UFMG. Levou o
nome do Brasil para além de nossas fronteiras, e deixou
uma obra importante para os violinistas, aliando a técnica
violinística tradicional com a linguagem musical regional
que ele experimentou em Minas Gerais. Está se tornando
cada vez mais conhecido no Brasil, através de
publicações, gravações e trabalhos acadêmicos. Seu
nome cada vez mais se torna motivo de orgulho para os
mineiros. (ALMEIDA, 2011, em entrevista)
5.1 Marcado pelo Nacionalismo
Jovem, Flausino Vale foi a Belo Horizonte completar seus estudos, em 1912. Como
dissemos, a cidade era recém inaugurada, e desde sua origem, na nova cidade, a música era
prestigiada, em especial a nacional. Tendo Carlos Gomes como um dos compositores tocados na
inauguração da cidade, mencionamos ainda que logo no nascimento da música de Belo
Horizonte, a primeira e praticamente única banda da cidade chamava-se Carlos Gomes.
Guilherme de Melo na intenção de estabelecer alguns pontos da história da música
no Brasil e mesmo para tentar nos dizer qual é a música dita brasileira, dedica capítulos inteiros a
cada uma das influências que recebemos. De acordo com sua visão, o brasileiro se constitui de
uma mistura de culturas europeia, indígena, negra – cada uma dessas vertentes com suas
variações, pois o povo português que aqui esteve nos marcou de forma diferente do povo
espanhol ou holandês (entre outros europeus que aqui desembarcaram), bem como o escravo
africano vinha de países e tribos diferentes, com suas diversidades e riquezas culturais. “Para
achar-se a pedra fundamental da arte musical em um país, basta consultarem-se suas lendas e a
influência dos povos que contribuíram para a constituição de sua nacionalidade” (MELO, 1947,
p.7). Sendo assim, lembramos que não se trata de uma cultura – seja ela negra, indígena ou
qualquer outra – pois dentro desse ideal de cultura sempre encontramos o plural, ou seja, as
culturas. E essas culturas não são estanques, elas estão em completo movimento, de modo que
utilizamos esse termo “negro” ou “indígena” ou “europeu” de uma forma genérica, sabendo-se
sempre que essa pureza cultural não existe (TABORDA, 2011).
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Renato Almeida (1942) acrescenta que o que caracteriza o som de um povo é a vida,
os sofrimentos e alegrias, histórias contadas e retratadas em sua música, revelando uma espécie
de “natureza” própria daquele povo. Assim, um mesmo fato pode ser sentido por diferentes
povos com intensidades, cores, contrastes diferentes, constituindo e evidenciando diferenças
culturais. É por considerar tudo isso, que Almeida acredita que o músico daqui que cria de fato
só o faz na constituição de uma música brasileira. Sendo brasileiro, é nessa mistura cultural que
aprendeu a sentir, é o “cheiro que exala”, só criando verdadeiramente aquilo que foi vivido. Para
ele, se a composição é em estilo europeu, trataria de mera reprodução das vivências de outrem.
No entanto, percebemos essa concepção por demais rigorosa. É fato que, de alguma
forma, trata-se de imitação, mas recebemos influências claras do povo europeu, a música erudita
era europeia e é natural que se buscasse reproduzir aquilo que tinha aceitação, algum status e
mesmo o simples fato de que era aquilo que estava em voga para essa parcela da população. A
educação musical tradicional era vinculada aos padrões estéticos europeus, sendo de fato uma
dificuldade o rompimento brusco com essas tendências.
A partir de 1870, grupos intelectuais brasileiros, ou seja, compositores, escritores,
diferentes componentes das artes plásticas, etc. passam a dar uma importância maior ao estudo
do folclore brasileiro e, para tanto, começam estudos maiores sobre toda uma cultura popular da
época. Cristina Betioli Ribeiro (2006) menciona como uma mudança importante a passagem de
uma visão do índio com lentes da Europa para um estudo mais voltado à nossa literatura com
descrição de costumes, crenças, e cantigas populares e, mais que isso, a centralização do folclore
como um símbolo crucial da nacionalidade. Podemos dizer que havia uma “atmosfera patriótica”
e uma preocupação em valorizar o que era brasileiro, e nessa época, considerava-se a influência
europeia como algo de fora, aquilo que não nos caracterizava. Chegavam a colocar o Norte do
Brasil como a região mais brasileira pelo fato de ter pouca influência europeia (RIBEIRO, 2006).
A questão de se a música de Flausino seria ou não carregada de motivos folclóricos
acabou por se distanciar do tema central de nossa pesquisa, no entanto, na entrevista que
formulamos, consta uma pergunta sobre isso. Quase todos os nossos entrevistados afirmam que
sim, que a música de Flausino Vale faz referências ao “folclore nacional”. Alvarenga e Gabriela
Queiroz justificam que sim, baseados em “Padrões escalares, melódicos e rítmicos”
(ALVARENGA, 2011) e mencionando “Melodias, ritmos e efeitos sonoros tipicamente
folclóricos” (QUEIROZ, 2011). Frésca e Prazeres também pensam que há motivos folclóricos
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entre os prelúdios de Flausino Vale. Frésca (2011) diz que há “elementos retirados da cultura
popular, com melodias (como exemplificado com “Devaneio”) que provém de fonte folclórica
ou tradicional” e Prazeres (2011) acredita que “As próprias melodias também lembram famosos
temas folclóricos brasileiros”. Paulinyi (2011) acredita que não, nos disse em entrevista que
“Flausino era estudioso do folclore e nota-se sua busca de originalidade. Ele separou muito bem
a produção própria da produção folclórica”.
Edson Queiroz de Andrade concorda que haja motivos folclóricos na música de
Flausino Vale, no entanto, ao elaborar suas justificativas, no lugar da palavra “folclore” surgiu
justamente uma das palavras que vimos adotando nesse trabalho:
A utilização de temas populares aparece em dois prelúdios: “Tirana Riograndense”
(tema extraído da História da Música Brasileira, de Renato Almeida), e “Devaneio”,
baseado na cantiga de roda Escravos de Jó. Poderíamos citar ainda os títulos “Ao Pé da
Fogueira” e “Viva São João” como uma alusão às festas juninas (ALMEIDA, 2011, em
entrevista, grifo nosso).
“Temas populares” nos parece, de fato, um termo mais adequado para tratar das
obras de Vale. Esse termo como também os que se referem a uma música do interior, ou rural,
também se adaptam com mais segurança para tratar dos recursos utilizados por Flausino. E, da
mesma forma, referências a Minas Gerais, em especial Barbacena, local que o compositor
conhecia bem e interessava-se por retratar em algumas de suas peças, como veremos mais
adiante.
Considerando essa conjuntura entre os recursos nacionais que vinham sendo
explorados e também as assimilações estrangeiras que recebemos na cultura musical, temos
interesse em melhor compreender quais recursos Flausino Vale utilizou que ainda tinham bases
nessa escola europeia de música e quais elementos ele introduziu. É visível que Flausino se
preocupava em dar ênfase a determinadas produções de som que podemos caracterizar como
“brasileiras”. Que elementos são esses? Como podemos defini-los? Sabemos que não se trata de
tarefa elementar e mesmo não é possível separar integralmente as partes que são de influência
europeia e as de influência nacional. O que acontece é que ambas estão imbricadas de tal forma
que poderemos apontar elementos de cada uma delas.
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5.2 Uso característico do violino por Flausino Rodrigues Vale
Essa mistura de influências recebidas no Brasil que falávamos no capítulo sobre
nacionalismo é exatamente o que constituirá uma “identidade nacional”, se consideramos a visão
de autores daquela época. A ligação de Flausino com o tema nacional pode ser também
evidenciada na função que o compositor oferece ao violino, tendo escrito para este instrumento e
sendo a ele familiar, não obstante tenha o utilizado tantas vezes fazendo referência à viola
caipira, como aponta Marena Salles (2007), é inegável que ele tenha valorizado a viola:
O que parece certo também, e indiscutível, é que Flausino Valle procurou esclarecer as
fontes de sua obra. Não é possível executar sua música sem conhecer suas opiniões
discutíveis, mas seguramente fundamentadas no seu conhecimento da cultura popular.
Ele transpôs para o violino, na dimensão precisa desse conhecimento, a música que
repontava das violas caipiras, em especial da célebre “viola queluz” (SALLES, 2007,
p.43).
E o resultado dessa mistura violino/viola que Vale proporciona, nos oferece um
repertório para violino só que não se distancia do som produzido pela viola. Possivelmente a
associação feita por Flausino não foi sem motivos: considerava o lugar social ocupado pela viola
caipira nos meios populares14
. A viola teve uma história de algum modo próxima a do violão no
Brasil. Ambos foram vistos como instrumentos de classes subalternas, em condição de
inferioridade e num outro momento enaltecidos por se constituírem como símbolos de
nacionalidade. Sobre o violão, é preciso ter em vista
o instrumento ter se realizado do ponto de vista social dentro da dicotomia representada
pelas mãos dos elementos mais categorizados das classes dominantes, ao mesmo tempo
que freqüentava os ambientes mais rústicos nas mãos de representantes das classes
subalternas, índios, escravos, mestiços, negros, forros – não raro escravos, mulatos,
constituíram sempre na Colônia, no Império, e até na República, o grosso dos músicos
populares do Brasil, e a viola constituiu-se no veículo por eles elegido para a realização
de suas manifestações artísticas (TABORDA, 2001, p.13).
A viola seria um instrumento que perpassava as diferentes classes de formas
distintas: as classes mais altas, mais eruditas, e que traziam maior influência europeia; e também
as classes menos favorecidas, que foram se familiarizando com instrumentos vindos da Europa,
por vezes misturando-os aos instrumentos que os indígenas faziam uso e outros que vieram com
os negros. Isso significa que os estilos se misturam, bem como os meios para produzir som, os
14
Para Ivan Vilela, a viola caipira é um “instrumento que, aos poucos, tornou-se um dos porta-vozes do Brasil
Interior” (VILELA, 2008-2009, online. Disponível em <http://www.ivanvilela.com.br/pesquisador/ivanvilela-
aviola.pdf>).
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tipos de sons produzidos e as formas de composição, e com isso se constituía alguma identidade
musical nacional. Ao citar os instrumentos populares, Renato Almeida inclui a viola e diz que se
trata do “instrumento talvez mais característico da nossa folcmúsica” (ALMEIDA, 1968, oitava
página)15
. Podemos ainda comentar o fato de que a história do violino na Europa também se
assemelha a esta trajetória da viola e violão no Brasil, em que o instrumento socialmente ocupa
uma posição marginal.
Outra percepção que temos é a utilização de glissandos nas obras de Flausino Vale
com o objetivo de trazer para a sua composição algo da música cantada. Os glissandos se
caracterizam por um som arrastado, uma nota que vai em “degradê”, se assim podemos dizer, até
outra, recurso comum nos cantos populares. No capítulo sobre nossa interpretação dos prelúdios
trazemos diversos exemplos de utilização de glissandos nas peças e trataremos desse elemento
com abordagem prática.
Devemos prestar atenção é que há trechos em que o compositor não solicita este
recurso, os glissandos, nas partituras, no entanto, verifica-se que se executamos essa passagem
com o dedilhado16
mais adequado ao trecho só é possível que tal execução aconteça de maneira
que ouviremos o efeito sonoro de glissando. O compositor realmente fez uso vasto de glissandos
em suas peças e acreditamos que esse efeito na forma como ele utiliza traz um som
caracteristicamente brasileiro.
Embora Flausino tenha sido um violinista bastante representativo em sua época e
suas obras tenham sido reconhecidas por vários músicos de renome, nos chama a atenção na
escrita de Camila Frésca (2008) a afirmação de que Flausino tenha sido um violinista por vezes
criticado por seus colegas músicos. Segundo ela, Flausino não tinha uma escola tradicional da
técnica do violino. Numa dada ocasião teria sido até menosprezado antes de iniciar sua
execução, por sua postura corporal junto ao instrumento, uma imagem de violinista não-
tradicional. Tal informação é corroborada no livro de Marena Isdebski Salles relatando que ao se
apresentar no Rio de Janeiro ao violino pela primeira vez “Flausino Rodrigues Valle foi
15
As páginas desse “caderno” não encontram-se numeradas, mas como trata-se de apenas 8 páginas escritas como
texto, optamos por localizar as citações dessa forma: localizando os textos entre a primeira e a oitava página,
excetuando-se a capa. Esse trecho, por exemplo, na oitava e última página escrita do Caderno 4 – Música e Dança
Folclórica. 16
Nos referimos a escolha feita pelo intérprete ou compositor, ou ainda editor, sobre quais dedos utilizar em
determinadas passagens ou notas, buscando com isso facilitar ao interprete ao máximo sua execução, ou, ao invés
disso, ressaltar algum tipo de característica sonora desejada.
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menosprezado pelos mais snobs violinistas da metrópole como caipira...” (SALLES, 2007, p. 41,
grifos da autora). Milewski (1985) chega a mencionar que Vale nunca se deu bem em orquestras
pelo fato de ter uma maneira própria de tocar violino. No entanto, em outros momentos, chegou
a ser chamado de “Paganini brasileiro”, primeiramente categorizado dessa forma por Heitor
Villa-Lobos, valorizando o violinista pelo seu virtuosismo. Apesar de vermos essa passagem do
elogio de Villa-Lobos estampada em algumas bibliografias como uma forma de validação das
competências violinísticas de Flausino Vale, na verdade não podemos garantir que fosse essa
uma assertiva realista para Villa Lobos em vista de não sabermos ao certo as circunstâncias em
que essa fala se deu. Cogitamos inclusive a hipótese de que ele tenha trazido essa comparação
com algum tom de sarcasmo, de forma que não teremos a certeza de o que quis transmitir Villa-
Lobos. O fato era que o som de Vale não era tão “tradicional”. Cogitamos que o pouco estudo
ortodoxo pelo qual Flausino passou e ao mesmo tempo o ensino caseiro, ajudado pelo tio a se
tornar instrumentista, possa remontar a uma passagem de Mário de Andrade que nos lembra
sobre os timbres nacionais, algo de um som “caipira” de caráter “anasalado” e que ele define
como “fisiologicamente brasileiro”. Chega mesmo a dizer que há algo de “tosco e sem
refinamento”, mas que marcam um timbre diferente. Atesta ainda que não se devem considerar
tais características como desafinação, mas sim de timbre, de caráter de sonoridade, tão presente
em conjuntos vocais brasileiros (ANDRADE, 1962 [1928], p.56).
Não concordamos com Andrade no que toca sua observação de que há algo de tosco
ou sem refinamento nessa forma popular de execução. Algumas vezes ele chega a considerar
criações populares como uma prática musical natural e não idealizada ou pensada; para aferir
essas notas ele se utiliza de um modelo de métodos composicionais totalmente diferentes das
diversas formas populares de criação musical. Não tendo, portanto, uma base real para essas
assertivas e suas palavras de valoração dessa produção não podendo ser aplicáveis.
Essa forma de análise de Andrade está intrinsecamente ligada às questões que se
apresentavam sobre a valorização de uma música popular, afinal, “para o intelectual burguês, as
classes populares não possuíam nenhuma cultura, mas se caracterizavam pela falta de
civilização” (ORTIZ, 1992, p. 64). Há, então, uma verdadeira divisão: o Estado que precisa
“lapidar” essas classes populares “brutas e aculturadas”, e isso se dá através da educação formal
e militar, e os folcloristas, que procuram neles a riqueza de suas culturas como uma tradição que
- 47 -
pode se acabar. Considerando que uma parte dessa cultura popular realmente desapareceu, Ortiz
(1992) sugere que manifestações populares podem ser recriadas segundo alguns interesses.
É necessário explicitar o fato de que o tipo de som que Flausino tirava de seu
instrumento não era tradicional, assim também era a sua relação com o andamento de suas
próprias composições e, por outro lado, verificamos que sua afinação é bastante boa nos levando
a crer que possivelmente os sons que produzia eram propositais.
Retornando a Andrade (1962 [1928]), ele continua descrevendo características dessa
música imitativa. Cita também um “rachado discreto” que, por analogia, identificamos na obra
de Flausino na valorização do rústico. Gostaríamos de acentuar essa marca comentando seu
prelúdio 14, “A porteira da fazenda”, mais especificamente no excerto abaixo (C. 1 – 3), onde
verificamos com clareza o ranger da porta, uma porta cujas dobradiças estão sem lubrificação, o
que é de fato comum para porteiras externas e expostas às intempéries. E a nitidez dessa
imagem, notoriamente característica das nossas fazendas, do nosso interior, é marcada pelo som
escrito por Flausino nesta obra. E é por visualizarmos essa porteira de forma tão nítida que
norteamos nossa interpretação na tentativa de fazê-la ranger e possibilitar que o ouvinte ouça e
veja, ou seja, a música produza o melhor retrato que pudermos dessa porteira rangendo. Como já
mencionamos as questões práticas da interpretação serão tratadas mais adiante.
Figura 01: O ranger da porteira da fazenda. “A porteira da fazenda”, Prelúdio 14 (c. 1 – 3). Partitura extraída da
dissertação de Frésca (2008).
O ranger da porteira é caracterizado e produzido através de dois glissandos
consecutivos, nos dois primeiros compassos e uma batida dessa porteira no terceiro compasso,
realizado através de percussão dos dedos da mão esquerda contra a caixa acústica do violino,
outro recurso explorado por Flausino. Temos então uma música caracterizada também por
“imagens”.
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A hipótese de Andrade para explicar essas características rústicas da música
brasileira – o timbre específico de que ele fala – é de que há uma grande influência da sonoridade
de instrumentos sempre muito presente nessa música mais popular, ou seja,
em parte pela freqüência da cordeona (também chamada no país de sanfona ou de
harmônica), das violas, do oficleide, por um fenômeno perfeitamente aceitável de
mimetismo a voz não cultivada do povo se tenha anasalado e adquirido um número de
sons harmônicos que a aproxima das madeiras. Coisa a que propendia naturalmente
pelas nossas condições climatéricas e pelo sangue ameríndio que assimilamos. O
anasalado emoliente, o rachado discreto são constantes na voz brasileira até com certo
cultivo. Estão nos coros maxixeiros dos cariocas. Permanecem muito acentuados e
originalíssimos na entoação nordestina. Dei com eles um sábado de Aleluia no cordão
negro do "Custa mas Vai" em S. João Del Rei. Tornei a escutá-lo num Boi-Bumbá em
Humaitá, no rio Madeira. E numa Ciranda no alto Solimões (ANDRADE, 1962 [1928],
p.56).
Também quanto à exploração dos sons desses instrumentos caracteristicamente
brasileiros, Flausino muito teve a nos mostrar. O pizicato17
é uma das formas de produção de
som bastante explorada por ele e, embora o pizicato seja um recurso italiano, Flausino o toma de
uma determinada forma que faz alusão a viola, além de empregá-los numa escrita que lembre a
utilização da dedilhada da própria viola, ou seja, nesse caso, o pizicato é usado muitas vezes com
a função de imitar o timbre, a sonoridade e o estilo da viola caipira, chegando a explorar esse
recurso em quase todos os seus prelúdios. Um destes, o prelúdio número 7, “Sonhando”, consiste
integralmente de pizicato, ou seja, como solicita o autor: “violino só, sem auxílio do arco. A la
guitarra”. Várias contribuições sobre essa utilização de pizicatos nas obras de Flausino podem
ser observadas na dissertação de Alvarenga (1993), já nesse trabalho lemos:
Outra forma não convencional de tratar a técnica dos pizzicatos no violino ocorre
quando Valle determina dedilhado específico para a mão direita, novamente
transportando para a técnica violinística procedimentos característicos dos instrumentos
de cordas dedilhadas. Essa variante técnica ocorre em função do novo posicionamento
“a la guitarra” para o violino. Na posição normal, seria impossível pôr em prática a
forma de digitação dos pizzicatos proposta para a posição “a la guitarra”
(ALVARENGA, 1993, p.54).
Na tabela abaixo podemos visualizar o quanto o compositor se dedicou aos pizicatos,
sendo apenas três os prelúdios, em que ele não solicita pizicato nenhuma vez. Nos vinte e três
prelúdios restantes ele solicita no mínimo uma vez a execução de alguma espécie de pizicato.
Observamos que acontece muitas vezes de ele usar esse recurso apenas na nota final da obra, e
levantamos a hipótese de que isso aconteça no fechamento porque traz um efeito pelo gesto
virtuosístico e enérgico para o término de uma obra. Tal recurso é amplamente difundido por
17
Optamos por utilizar o termo em português no lugar de pizzicato ou o termo original, em italiano, pizzicati.
- 49 -
compositores de escrita virtuosística europeia para violino. Na tabela a seguir as áreas
acinzentadas representam a ocorrência do referido recurso.
Tabela 01: “Flausino Vale e o pizicato”.
Percebemos que é solicitado “pizicato apenas de mão direita” em quatro dos
prelúdios; em duas das obras é solicitado “pizicato apenas de mão esquerda” e em dezessete
prelúdios são solicitados ambos os recursos.
Um dos dados colhidos nas entrevistas foi sobre a concepção dos entrevistados
acerca da inserção desses prelúdios de Flausino Vale no contexto da “música brasileira”.
Gabriela Queiroz (2011), violinista do Rio de Janeiro e professora de violino na Escola de
Música da UFRJ, acredita que o tema “brasileiro” seja explicitado na obra de Flausino porque
Prelúdio Nº Pizicato
mão direita
Pizicato
mão esquerda
Peça inteira
em pizicato Sem pizicato
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16 (A e B)
17 (A e B)
18
19
20
21
22
23
24
25
26
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“Ele baseia os prelúdios no folclore da sua região, nas canções populares, nas festas juninas,
ritmos percussivos” e, por isso considera que “a música é bem representativa” quanto às suas
configurações brasileiras. Queiroz não é estudiosa especificamente de Flausino Vale, tendo sido
entrevistada por já ter incluído obras de Flausino em recitais, ou seja, sua ligação com o
compositor é como intérprete de algumas obras. Essa percepção de Queiroz é semelhante a dos
pesquisadores de Flausino Vale que entrevistamos. Hermes Alvarenga (2011), que além de
intérprete realizou dissertação de mestrado sobre esses prelúdios acredita que “há vários motivos
rítmicos e melódicos que se identificam com a música brasileira, em especial àquela de origem
rural e das manifestações populares”. Verificamos que termos como “rural” ou “popular” são
recorrentes nas entrevistas, nos dando mais um indício de como esses violinistas e pesquisadores
percebem o conjunto de prelúdios de Vale. Edson Queiroz de Andrade, por exemplo, faz
algumas referências aos elementos de música brasileira que encontra em Flausino Vale:
Muitos dos 26 prelúdios fazem referência a elementos típicos da música popular-rural
brasileira. Batuque, por exemplo, utiliza-se dos Bordões típicos da viola caipira, e da
síncope brasileira. Suspiro d‟alma e Viola destemida, dentre outros, fazem uso das
terças paralelas “caipiras” (ALMEIDA, 2011, em entrevista).
Dentre os elementos citados por ele, destacamos particularmente o uso de síncopes.
Ele a denominou “síncope brasileira”. Vale, em seu livro sobre folclore, cita as síncopes tanto da
música vinda dos negros, como a síncope da musica indígena.
5.3 Sobre os Prelúdios escritos por Flausino Rodrigues Vale
Alvarenga (1993) questiona o termo prelúdio para designar essas obras escritas por
Flausino Vale, em vista de o termo prelúdio ser tradicionalmente utilizado como introdutório a
outro movimento musical. Constata outros violinistas que utilizaram o termo prelúdio tal como
Flausino Vale e cogita que esse termo tenha sido utilizado fazendo referencia ao caráter de
“improviso” que a palavra se refere, definindo também o ato de “preludiar” como um
“„aquecimento‟ que músicos fazem minutos antes dos concertos, improvisando, criando, tocando
passagens ou exercitando fundamentos técnicos” (ALVARENGA, 1993, p.16). Assim, inicia
orientando uma forma de olharmos para essas peças para violino só.
- 51 -
Embora possamos localizar bem Flausino na cultura brasileira, cremos que sua obra
possa ser considerada regional. Tratava-se de um conhecimento e aproximação de costumes
marcados na região mineira na qual Flausino teve grande circulação. Renato Almeida diferencia
os músicos que escreviam já com as características brasileiras entre: os nacionalistas que
incluíam “a grandeza dos motivos nacionais” e os que faziam uma “arte regional” (ALMEIDA,
1942, p.85). Parece-nos que Vale de fato se restringiu mais àquilo que de fato corria em suas
veias, que era a cultura mineira do interior. Como disse Marena Salles: “Penso no menino de
Barbacena, longe do litoral, crescendo entre caipiras tocadores de viola, cantadores de modinhas
e de antífonas, nos luares e nos altares das Gerais.” (SALLES, 2007, p.39-40). Vale era
conhecedor do interior de Minas e teve uma produção musical a ele vinculada. Villa-Lobos
considerava a música folclórica em seu estado mais bruto, e mesmo modinha, lundu, maxixe e o
choro na forma que ele chamava de popular, como um material que, para representar a música
brasileira, precisava ser burilado (BRAGA, 2002). Entendemos que essa elaboração se dá na
utilização desses elementos brasileiros numa escrita erudita.
Não identificamos em Flausino fases de produção musical (ALVARENGA, 1993).
Como refere Frésca (2008), Flausino parece ter composto seus prelúdios um a um, sem vinculá-
los entre si e apenas acrescendo números a eles, os sequenciando. Inicialmente, quando tinha
apenas nove prelúdios compostos Flausino tinha o que ele chamou de “Suíte Mineira”, que
desejava publicar. Conforme o passar do tempo compôs novos prelúdios, abandonando o projeto
da Suíte Mineira e fazendo apenas a coleção de prelúdios (juntando a Suíte Mineira aos novos
escritos), que chegou aos 26, mas que, se passasse o tempo e compusesse mais, simplesmente
acrescer-se-iam números a esse conjunto de prelúdios. Não se sabe ao certo as datas de
composição de alguns dos prelúdios. Apesar de verificarmos que ele apenas acrescia números
aos prelúdios, a ordem numérica deles não necessariamente obedecia à ordem cronológica de sua
escrita, embora a maioria realmente seguisse essa norma:
- 52 -
Tabela 02: “Prelúdios e suas datas de composição”. Nossa elaboração.
Também podemos crer que Flausino compunha cada prelúdio conforme seu próprio
momento, em vista de ter diferentes “assuntos” para prelúdios que eram embaralhados
aleatoriamente entre si, ou seja, podemos ter como exemplo o fato de o número 1, “Batuque”, e o
Nº do prelúdio Nome Data de composição
1 Batuque 1922
2 Suspiro d‟alma 1923
3 Devaneio 1924
4 Brado íntimo 1924
5 Tico-tico 1926
6 Marcha fúnebre 1927
7 Sonhando 1929
8 Repente 1924
9 Rondó doméstico 1933
10 Interrogando o destino Década 30
11 Casamento na roça 1933
12 Canto da inhuma Década 30
13 Asas inquietas Década 30
14 A porteira da fazenda 1933
15 Ao pé da fogueira Década 30
16 Requiescat in pace -
17 Viola destemida 1939
18 Pai João 1939
19 Folguedo campestre -
20 Tirana rio-grandense -
21 Prelúdio da vitória -
22 Mocidade eterna Década de 40
23 Implorando 1924
24 Viva são João Década de 40
25 A mocinha e o papudo Década de 40
26 Acalanto Década de 40
- 53 -
2º, “Suspiro D‟Alma”, não retratarem o mesmo tema18
; assim como escreve sobre pássaros em
seu prelúdio 5, “Tico-tico” e mais uma vez em “Canto da Inhuma”, prelúdio 12. Realizou obras
dedicadas à natureza, por exemplo, mas essas obras são pulverizadas ao longo de todo o
trabalho, tendo obras que retratam circunstancias totalmente adversas entre elas, como é o caso
de sua “Marcha fúnebre”, o 6º prelúdio, com referência à memória de Ernesto Ronchini, um
prelúdio claramente envolvido num sentimento de perda para Flausino. Não sabemos, portanto, o
porquê de ele rearrumar a numeração de alguns prelúdios; de modo que não há ordem
cronológica e não há outra ordem compreensível.
O que Flausino parecia dedicar-se, em certos momentos, era a conseguir representar
na música aquilo que parecia não ser passível de reprodução e trazer ao ouvinte uma lembrança
concreta de representação de objeto, de cenário, de um conceito, “uma figura” nacional; uma
característica incomum19
de escrita musical, mas que podemos verificar também na figura do
trem evocada por Villa-Lobos em “O trenzinho do caipira” ou em Paganini em seu Capricho
número 13, também conhecido como “Gargalhada do Diabo”. Neste contexto, encontramos
muitos momentos de música descritiva20
nesses prelúdios de Vale.
Isso significa que Flausino não se interessava simplesmente em evocar os ritmos
tradicionais brasileiros ou puramente elementos de folclore, mas sim figuras concretas da
natureza, dos ritmos e instrumentos brasileiros, de características do interior, etc.. E fez muito
bem aquilo que se propôs. Cremos ser também por ter essa forma de escrita que não é possível
enquadrar Flausino numa escrita como a da modinha, do maxixe ou outros gêneros brasileiros.
Diversos autores da música brasileira associam como elementos de brasilidade gêneros
específicos da nossa cultura musical, para citar mais alguns: o lundu, o choro, o baião e a polca
(cf., por exemplo, AZEVEDO, 1956).
Expõe Luiz Otávio Rendeiro Correa Braga (2002) que Villa-Lobos não apenas
escrevia sua música em “plena brasilidade” como também a apoiava de forma pública e
rechaçava colegas que estivessem ainda vinculados aos modelos europeus, assim como
instituições como a Orquestra Sinfônica Brasileira, que (re)produziam o repertório europeu. E,
18
Não estamos tratando aqui do conceito tema como estrutura morfológica musical e sim do conceito tema como
assunto tratado. 19
Sabemos que há uma vasta exploração da música descritiva, porém salta aos olhos o fato de que este tipo de
recurso é usado de forma massiva nestes prelúdios. 20
A música programática ou descritiva foi conceituada como uma música que evoca ideias extra-musicais em sua
concretude, podendo trazer ao pensamento do ouvinte um objeto ou cena, um estado emocional, etc.
- 54 -
com suas viagens, com sua escrita, com toda sua vinculação ao Brasil e sua frequência nos
grupos populares de música, ouvia os grandes gênios da música europeia de sua época.
Verificamos que Flausino também chegou a fazer estudo sobre músicas vindas de fora, ouvia
gravações dos grandes músicos e estava bastante inteirado sobre esse meio musical. Inclusive
aplicou muito tempo elaborando arranjos de músicas importantes para violino só (importadas e
nacionais), e dedicou alguns de seus prelúdios a músicos estrangeiros, com os quais teve alguma
ligação em especial.
Embora Flausino tenha não apenas escrito em linguagem mais regional como ainda
tenha alguma referência da música europeia, certamente que ele também está incluído no grupo
dos nacionalistas, afinal, “nacionalismo inclui compositores que, ainda que influenciados pela
música europeia, teriam supostamente buscado uma nacionalização da música brasileira”
(VOLPE, 2000, p.38).
Flausino Vale teve em sua vida um contato bastante íntimo com elementos da
natureza, valorizando, por exemplo, a caça de pássaros. Quem o introduziu a esta prática foi seu
avô Flausino Augusto de Campos, e a prática de caçar não era a única afinidade entre eles, era
um avô muito próximo de Flausino Vale e sabia tocar vários instrumentos, tendo chegado a
lecionar música. Vale caçou durante toda a vida: desde cedo junto desse avô e mais tarde chegou
a ensinar os próprios filhos. (FRÉSCA, 2008, p.13). Este contato frequente com pássaros e com a
natureza possivelmente lhe deu inspiração para sua música. Em suas obras dedicou música ao
tico-tico, na tentativa de reproduzir o som deste pássaro. De alguma forma podemos dizer até
mesmo que se produz uma imagem do pássaro. Assim também fez com o “Canto da Inhuma”,
em que fêmea e macho de inhuma se relacionam, um fazendo vista ao outro. O próprio Flausino
valoriza esta obra, da qual fez transcrição para violino só. Nela, os acordes com ritmos inusitados
e desconhecidos “só o violeiro nascido nos impérvios sertões é capaz de executar, com
impecável mestria, a belíssima toada tão comum entre eles” (VALE, 1978, p.09). Apesar de
algumas pessoas pensarem o ato de caçar como algo de conotação ruim, vemos que Flausino
tinha interesse pelos animais e gostava deles, apesar de caçá-los.
Na época de Flausino Vale a cultura nacional passava por processos de consolidação
nos meios eruditos, enquanto que a cultura estrangeira já era consolidada e não cessava de
produzir e aqui recebíamos a todo tempo alguns flashes dessa produção europeia:
- 55 -
ainda na primeira metade do século XIX, o repertório romântico europeu penetrava
gradativamente no Brasil; inicialmente por meio da ópera francesa e sobretudo da
italiana (...) A partir da segunda metade do séc. XIX, portanto, passa-se por um processo
de atualização de conhecimento de um repertorio bastante diversificado estilisticamente
que teria influenciado a produção dos compositores brasileiros (VOLPE, 2000, p.42).
Zoltan Paulinyi (2010a) associa a escrita violinística e virtuosística empregada nos
26 prelúdios de Vale com o estilo de compositores violinistas da escola Franco-Belga. Talvez
não casualmente, pois Belo Horizonte havia sido fundada há pouco tempo com muitas
influências europeias, e, em especial francesas. Podemos caracterizar uma estética francesa
amplamente valorizada na época em que Flausino foi a Belo Horizonte estudar (FRÉSCA, 2008).
A partir do século XIX, conhecemos vários estudos e álbuns para violino solo
publicados pelos violinistas compositores franceses do Conservatório de Paris, bem
como os famosos Caprichos de Paganini, formando um conjunto de obras que marcam
os estudos pessoais tanto de Flausino Vale quanto de Marcos Salles (PAULINYI,
2010a, p. 24).
Outra contribuição de Paulinyi (2010b), vista tanto em seu artigo da ANPPOM como
também na entrevista que nos prestou, é o fato de considerar uma inovação técnica de Flausino
Vale a técnica “sotto le corde”, recurso em que o executante deve tangenciar as cordas do violino
utilizando o arco por debaixo das cordas, objetivando tocar ao mesmo tempo na primeira e
quarta corda (Mi 5 e Sol 3, respectivamente), o que seria impossível se utilizasse o arco por
cima, como se faz habitualmente, por conta da curvatura do cavalete. No entanto, essa técnica
citada por Paulinyi, não foi utilizada por Vale no conjunto dos vinte e seis prelúdios. Dessa
forma, especificamente nos prelúdios para violino só, não podemos dizer que Flausino tenha
criado uma nova técnica do violino. Alvarenga (1993) também constata dessa forma,
considerando os recursos técnicos utilizados por Vale como “tradicionais”, chegando a dizer que
sequer são inéditos enquanto composição brasileira, tendo vários deles sido utilizados também
por Marcos Salles (ALVARENGA, 1993, p.43-44). Mais adiante em seu trabalho, considera que
apesar de tradicionais, os aspectos técnicos oferecem “características pessoais para sua
linguagem”, fazendo uso, portanto, de aspectos “não convencionais” do violino (ALVARENGA,
1993, p.53), o que na sua conclusão ele aponta como tendo utilizado “novas sonoridades”
(ibidem, p.65). Também em nossas entrevistas, a maioria dos entrevistados considera que
Flausino Vale não tenha trazido inovações técnicas ao escrever “26 prelúdios característicos e
concertantes para violino só”. Edson Queiroz de Almeida (2011) acredita que o compositor não
tinha esse propósito e Gabriela Queiroz (2011) chega a citar como inovação “a questão dos
- 56 -
acordes tocados em trêmulo, imitando uma viola caipira é um tipo de arcada que parece ser bem
original”, mas frisa não ter certeza de ser essa uma invenção de Flausino Vale, reforçando o
pensamento de que o compositor trouxe vários elementos não usuais que caracterizam sua forma
de escrita musical.
Felipe Lopes Prazeres (2011) também frisa em entrevista concedida para nossos
apontamentos que considera a linguagem utilizada por Flausino interessante, dando enfoque ao
que nomeou como “ruídos sonoros”, mas deixa claro que “não considero isso uma “inovação”
técnica, somente recursos violinísticos... Podemos notar isso na música de Piazzolla, por
exemplo...”.
Sabemos que Vale nutria admiração por Niccolò Paganini (1782-1840), tendo escrito
algumas variações de temas paganinianos. Temos também a hipótese de que Vale tinha intenção,
de alguma forma, de compor os “Caprichos de Paganini brasileiros” em seus prelúdios tendo
utilizado uma escrita virtuosística e alguns recursos semelhantes ao do compositor italiano.
Felipe Prazeres, na entrevista que nos responde, considerou que sua música traz um caráter
europeu na medida em que fazem “alusão aos 24 caprichos de Paganini”, considerando ainda
questões técnicas utilizadas por Vale.
Na mesma direção nos responde Edson Queiroz de Almeida, dizendo que
A própria escolha de compor os prelúdios para violino solo é baseada num modelo da
Europa. Ele também utiliza técnicas violinísticas desenvolvidas na Europa,
especialmente por Paganini: golpes de arco como ricochet, spiccato e staccato, uso de
harmônicos simples e duplos, pizzicato de mão esquerda, alternância de pizzicato de
mão esquerda com arco, alternância de pizzicato de mão esquerda e pizzicato de mão
direita, e sequência de acordes. Mesmo colocando títulos sugestivos bem brasileiros
nos prelúdios a indicação dos andamentos é de modelo europeu: Allegro, Allegreto,
Andantino, Moderato, Allegro commodo (ALMEIDA, 2011, em entrevista)
Ele cita, portanto, diversos aspectos da técnica que acredita terem relação com o
trabalho desenvolvido por Paganini em suas composições e chama nossa atenção para os termos
utilizados para andamentos. Flausino utiliza-se de títulos bastante brasileiros, excetuando-se o
“Requiescat in pace”, nº 16; bem como, ao nomear o conjunto de prelúdios, Vale não utiliza a
palavra “solo”, mas sim “só”, utilizando a tradução e trazendo o diferencial de aproveitar a
versão brasileira do termo, bem menos usual ainda hoje entre nós músicos. No entanto, para os
andamentos ele opta pelos nomes tradicionais, estrangeiros.
Segundo entrevista, Camila Frésca (2011) considera que a influência que Flausino
Vale teria da música europeia seria a utilização da técnica tradicional, que tem todos os seus
- 57 -
fundamentos desenvolvidos na Europa. Da mesma forma Alvarenga (2011) e Paulinyi (2011)
também nos respondem numa direção semelhante à Frésca. Alvarenga ainda acrescenta um
paralelo com a música brasileira: “a linguagem violinística é predominantemente baseada na
escola tradicional dos compositores/violinistas europeus. A linguagem musical, entretanto, é
mais identificada com a cultura nacional”, ou seja, quanto à linguagem do instrumento podemos
ver ligações com a escrita europeia, mas quanto à linguagem musical, o que ouvimos, soa aquilo
que vimos falando, sua música brasileira marcada especificamente pelo interior de Minas Gerais.
Paulinyi afirma que as influências europeias são parciais: “a técnica é franco-belga, mas os
motivos buscam ideais autônomos. Estilo é justamente a união de técnica e elaboração de
motivos musicais”.
Também gostaríamos de citar que Braga (2004) menciona que há elementos de
música norte-americana chegando ao Brasil de forma maciça na segunda metade do séc. XX,
mas que desde antes já se constata entradas dessa música por aqui. Lembra também que essas
influências norte-americanas foram pouco consideradas nos estudos sobre a constituição da
música brasileira e suas influências. Vale lembrar que Flausino escreveu “Batuque”, seu
primeiro prelúdio, em 1922 e morreu em 1954, tendo escrito prelúdios nas décadas de 20, 30, 40
e, possivelmente, na década de 50, o que não temos certeza, pois alguns de seus prelúdios não
têm registro de data. Foi através dessa leitura e pensando também no fato de Flausino ter
chegado a escrever um artigo sobre a música norte-americana intitulado “A música nos Estados
Unidos” que cogitamos se recebeu alguma influência mais concreta da América do Norte. Talvez
tenha utilizado seus estudos mais diretamente para lecionar História da Música, em vista de ter
sido professor dessa cadeira no Conservatório Mineiro de Música.
5.4 Seu livro “Elementos de folclore musical brasileiro”
Flausino Vale foi considerado como importante folclorista de sua época por diversos
autores. Esse não é o foco de nossa pesquisa, mas sim o fato de que possivelmente Vale utilizou
seus conhecimentos e concepções sobre folclore em suas peças. Sabemos que mencionar
Flausino Vale como folclorista e dizer ainda que ele retratava o folclore na música que
compunha envolve cautela. Mas, considerando que folclorista é aquele que estuda o folclore
- 58 -
(RIBEIRO, 2006), podemos enquadrá-lo como folclorista na medida em que escreveu um livro
sobre o folclore brasileiro – “Elementos de folclore musical brasileiro”, publicado em 1978.
Em seu livro acerca do folclore, Flausino valoriza as produções sonoras no Brasil e
enfatiza que é na busca dos elementos da música indígena que o músico conseguirá “a mais pura
fonte onde os artistas devem dessedentar-se, para conseguir obras nacionais sinceras e
imperecíveis” (VALE, 1978, p.21). As concepções sobre folclore sofreram uma série de
modificações da época de Flausino até os dias de hoje. Temos certeza de que ele considerava a
própria música como contendo ao menos um pouco do que ele considerava como folclore. Nesse
trabalho preferimos dizer que ele recebe sim influências do que percebemos que ele julga ser
“folclore” através de seu livro, mas que sua música pode ser melhor compreendida como
regional, em momentos utilizando temas populares ou mesmo algo de música étnica.
Nas entrevistas que realizamos com violinistas, pesquisadores e professores de
violino, rapidamente percebemos que a grande maioria considera sim que esses prelúdios contêm
“elementos de folclore”. No entanto, não podemos desconsiderar o fato de que, dentre os
violinistas, a maioria não conhecia muito os prelúdios ou havia executado bem poucos.
Assim, podemos desde o início definir o compositor Vale como folclorista em vista
da sua posição como estudioso do tema. Flausino foi reconhecido e Levindo Lambert deixa isso
claro em “A guisa de prefácio” que escreve para o livro de Flausino Vale. Suas palavras são na
direção de engrandecer o trabalho de Flausino: “sem dúvida alguma, uma orientação segura e
honesta para o estudo desenvolvido do folclore-ciência”21
, diz o então diretor do Conservatório
Mineiro de Música. Na mesma direção escreve Mozart Araújo no prólogo à segunda edição
é possível discordar de algumas das opiniões contidas neste livro de Flausino Valle.
Algumas dessas opiniões acham-se hoje inteiramente superadas pelo avanço que os
estudos de etnomúsica sofreram nos quarenta anos que nos separam da 1ª edição desses
Elementos. Há, por outro lado, afirmações de caráter muito pessoal que é preciso
respeitar, tão certo é que, embora discutíveis, ele as repetiria se fosse vivo (ARAÚJO,
1977 [1978], p. XI-XII).
Squeff e Wisnik (2004) associam o nacionalismo à mesma proposta que verificamos
em Vale, eles acreditam que “A oposição é clara entre a Arte que tem história, elevada e
disciplinada, tonificada pelo bom uso do folclore rural (isto é, a música nacionalista), e as
manifestações indisciplinadas, inclassificáveis, insubmissas à ordem e à história, que se revelam
21
Trecho retirado do livro “Elementos de folclore musical brasileiro”, de Flausino Rodrigues Vale, 1978, p.XVI –
Prefácio - escrito por Levindo Lambert.
- 59 -
ser as canções urbanas” (WISNIK e SQUEEF, 2004, p.133). Percebemos também, que Flausino
valorizava essa vertente do folclore que tratava de questões rurais e regionais de Minas Gerais.
Vertente essa, que de alguma forma ocupava um lugar de desvio da atenção dos problemas
nacionais. O que queremos apontar é que havia todo um movimento popular que desorganizaria
objetivos do Estado e
a plataforma ideológica do nacionalismo musical consistia justamente na tentativa de
estabelecer um cordão sanitário-defensivo que separasse a boa música (resultante da
aliança da tradição erudita nacionalista com o folclore) da música má (a popular urbana
comercial e a erudita europeizante, quando essa quisesse passar por música brasileira ou
quando de vanguarda radical) (WISNIK e SQUEEF, 2004, p.134, grifos dos autores).
Em seu livro, Flausino dedica capítulos ao estudo das influências recebidas das
culturas que aqui se miscigenaram; em especial as influências indígenas e negras, sempre
trazendo o estrangeiro como uma influência demasiadamente forte, precisando os brasileiros se
atentar às duas primeiras: “O que nos cumpre é saber resistir ao império da música importada,
que tem na maioria, mais de artifício que de substância, tão adstrita está às normas inventadas
pelos doutos” (VALE, 1978, p.22), nos diz Flausino nessa tentativa de valorizar as outras
vertentes que, segundo ele, também correm em nossas veias.
Flausino aponta algumas características próprias da criação musical indígena,
valorizando muito esta forma de música que ele considera tão imprescindível a quem deseja
compor música brasileira. Destaca o fato de ser “fértil em ritmos”, o “ar místico”, o “terror do
desconhecido/insondável” e também a veneração à natureza. Primeiramente, podemos dizer que
em alguns pontos esse estudo de Flausino apresenta algumas falhas. Logo de início ele declara
elementos musicais como: “a) sua escala é diferente da nossa, talvez devido à remotíssima
origem oriental, empregando, possivelmente, terços e quartos de tom; b) como corolário, é
diverso seu sistema harmônico; c) a quadratura rítmica é completamente original” (VALE, 1978,
p.21).
A afirmação acerca da música indígena nos parece necessitar de elementos mais
sólidos como: que indígena? De que regiões do Brasil? Sabemos que não há nem houve aqui
essa figura mítica de “O indígena” e sim indígenas, com características culturais diversificadas
entre si.
O curioso é que Flausino não estava tão distante dessa realidade, na medida em que,
no seu estudo sobre instrumentos indígenas, cita uma diversidade de tribos e dialetos para poder
contemplar uma maior quantidade de informações. E de fato, esmiúça detalhes dos instrumentos
- 60 -
utilizados em diferentes tribos. No entanto, nos ateremos à questão de produção de som, o tipo,
os timbres, os recursos que os indígenas utilizavam para produzir sua música fosse ela executada
em flautas, em tambores ou outros instrumentos.
Não cremos ser casual, mas o primeiro instrumento de que Vale se propõe a falar é a
viola, mas enfatizando Couto de Magalhães que disse que a viola era um instrumento já utilizado
pelos índios, enquanto que Flausino afirma ser um instrumento português. Também seria
importante pensarmos que tribos são essas às quais se teve acesso, pois sabemos que a música foi
introduzida no Brasil também como processo civilizador por padres que traziam sua doutrina e
também sua necessidade de produzir música aqui, necessitando de pessoas que pudessem
trabalhar com música – operários.
Segundo a nossa leitura da dissertação de Zoltan Paulinyi, compreendemos que
instrumentos como a rabeca e a viola foram instrumentos trazidos ao Brasil mais precocemente
que o violino e que talvez por isso tenham tamanha influência na música popular. A partir do
início do séc. XVIII havia orquestras em que se utilizavam rabecas e rabecões e acrescenta ainda
que
O pardo Luís Álvares (Alves) Pinto (1719-1789), natural de Recife, foi um dos
primeiros brasileiros a viajar a Portugal em 1740 para aprofundar seus estudos musicais
com Henrique da Silva Negrão, organista da catedral de Lisboa, discípulo de Duarte
Lobo. Seu objetivo era compor música sacra e também profana. Luís Álvares Pinto
acompanhava bem na rabeca, rabecão e viola. (PAULINYI, 2010a, p.47)
Marcia Ermelindo Taborda (2001) traz o violão como elemento histórico de
consolidação dos gêneros nacionais, tendo recebido grande atenção desde o início da colonização
portuguesa, sendo introduzido através de colonos e jesuítas desde o século XVI, e frisa que ainda
no séc. XVIII encontra-se muitas referências à viola caipira.
o instrumento assume lugar único, enquanto meio de execução e corporificação de
representações sociais, constituindo-se num ponto de partida privilegiado para
investigar a particular dinâmica assumida pela cultura musical no Rio de Janeiro,
especialmente relacionada à formação dos diversos gêneros musicais que historicamente
se consolidaram como ícones de brasilidade (TABORDA, 2001, p.17).
Os instrumentos de fato já utilizados pelos indígenas no Brasil são: “buzinas, flautas,
trombetas e de vários de percussão, estes feitos de búzios, taquaras, cabaças e madeiras ocas”
(VALE, 1978, p. 32). Quanto às flautas faz muitas considerações dada a enorme variedade e
formas de sons produzidos pelos índios.
- 61 -
Flausino cita ainda instrumentos não usuais na cultura europeia que produzem sons
diferenciados e que ele diz produzirem “o barulho, o ruído, o estrondo”, denominados
“zumbidores”, “ululadores”, “roncadores”, “crepitadores”, “estriduladores”, “glugluadores”,
“estaladores”, “assobiadores”, “grasnadores”. “trutruladores”, e nos parece que poderíamos
seguir a essa lista muito mais nomes de sons específicos produzidos por índios, ainda
considerando as peculiaridades de cada tribo. O que Flausino considera, apesar de valorizar tais
instrumentos, é que juntar tudo numa só música “é reunir num só grupo todas as fúrias” (VALE,
1978, p.37). Mas, para além disso, também valoriza o indígena dizendo que “índios sobressaíam-
se logo pela correção da música quando cantavam” (VALE,1978, p.16), também faz
considerações elogiosas à música indígena colocando que “a música africana é rítmica e a de
nossos índios, mais melódica, estando, portanto, estes em nível mais elevado” (VALE, 1978,
p.43).
Renato Almeida comenta que nas guerras tribais os índios “poupavam o adversario,
se era bom cantor e inventor de trovas o que lhes calava o appetite antropophago” (ALMEIDA,
1942, p.26, grifo do autor). Flausino os considerava superiores em termos de musicalidade e
podemos crer que sua música se aproximava dessa origem indígena, pois assim como Flausino
muitas vezes fez em sua música, índios imitavam pássaros, os sons da natureza e da floresta,
descrevendo musicalmente o ambiente em que viviam.
Entre os índios, considera que os Tamoios e Tupinambás foram os que mais
“disposição” tiveram para a música, informação também encontrada em Almeida (1942). Eles
ocupavam justamente um espaço onde hoje é o Rio de Janeiro. Em termos de aspectos rítmicos
que essa música assume, diz: “o ritmo da música indígena é muito variado; há o compasso
binário, ternário e alternados. Fazem, outrossim, constante uso das síncopas” (VALE, 1978,
p.40).
Segundo Flausino, o negro traz como maior característica uma música marcada pelo
ritmo, tendo a percussão como sua maior aliada e, diferentemente do indígena, não utilizando
instrumentos de sopro, trazendo como exceção o afofié22
. Bem como na função de cordas apenas
o sansa23
.
22
“Pequena flauta de caniço” (VALE, p. 59, 1978). 23
Instrumento de cordas africano “Formado de uma cuia ou casco de jabuti, coberta de uma prancheta de madeira,
onde são fixadas tiras metálicas. É tocado com os dedos” (VALE, p. 60, 1978).
- 62 -
Para valorizar mais a música indígena que a negra, Flausino traz o ritmo e a melodia
como elementos naturais de criação, sendo o ritmo mais caracterizado na música negra, com suas
percussões e menos elaborado que a melodia, que para ele é mais forte na música indígena. E
como terceiro elemento da música a harmonia, sendo esta intelectualizada, não-natural, vinda
propriamente do “homem civilizado”.
Uma consideração importante que podemos tecer sobre os escritos de Flausino é que,
na realidade, fomos muito mais influenciados pela cultura africana que a indígena. Alguns nomes
das danças, dos costumes circulam de forma corrente tendo sido de fato incorporados à cultura
reinante. Possivelmente essa maior influência se dá pelas diferenças próprias das raças, como diz
Flausino: “a preta é humilde, submissa e dócil, o índio brasileiro foi sempre altivo, cioso de sua
liberdade integral” (VALE, 1978, p.50). Ele segue dizendo que os índios, ao serem capturados e
escravizados “fogem os que podem e os que são apanhados, uns, fazem greve de fome; outros
morrem nostálgicos”, ou seja, a civilização teve maior influência e contato com o negro por força
das circunstancias e, como dizia Renato Almeida: “das três raças formadoras da nacionalidade
brasileira foi a preta que revelou sempre maiores pendores para a música e a sua influencia foi
accentuada” (ALMEIDA, 1942, p.31) e enfatiza a variedade e força dos ritmos que vieram da
África. Apesar dessa docilidade do povo africano, são considerados sentimentais, tendo sua
música sido caracterizada pelo toque triste de sua realidade. Squeff e Wisnik (2004) também
mencionam o uso da música entre os negros tendo como um dos objetivos o de dar conta do
sofrimento. Frisam também a marcação rítmica e as repetições de sua música produzindo um
efeito praticamente catártico.
Flausino também menciona costumes, crenças e superstições negras que foram
assimiladas pelos brancos, e vice-versa, como alguns costumes europeus que, no Brasil,
chegaram a ter maior aceitação entre os negros, como aconteceu com o carnaval da época.
Ele enfatiza como características desse povo africano a diversidade de ritmos e
timbres, os instrumentos ganzá, puíta, atabaque, gonguê, entre outros, todos de percussão. E,
assim como na música indígena, os negros tinham bastante associação entre dança e música, e
Vale traz para seu livro alguns nomes como maxixe, tango, habanera, foxtrote, congo, maracatu,
entre outros. Trata-se de uma música prenhe de imagens e temas. Esses dados estão
intrinsecamente relacionados aos rituais, marcados por músicas e danças particulares.
- 63 -
Flausino traz ligação tanto com negros como com indígenas. Essa dissertação foi
orientada pelo Prof. Dr. Alysio de Mattos, filho do Prof. José de Mattos, violinista e grande
amigo de Flausino, e, uma das questões levantadas pelo Prof. Alysio foi a descendência indígena
de Vale, além também de ter nomeado seus filhos com nomes indígenas como: Guatémoc Terra
do Vale, Huáscar e Arakén. Em seu livro, Flausino conta de quando era pequeno e assistia com
sua avó “às festas dos negros”, que o marcaram e cujas lembranças eram presentes, como vemos
no trecho “mazuca, fançada, e cantada, ao som das violas e sanfona, de caráter visivelmente
triste” (VALE, 1978, p.47). Afirmou que violas e sanfonas foram os instrumentos vindos da
Europa que os negros tiveram predileção. Sobre a produção melódica do negro, Flausino ressalta
que “é, como toda a música primeva, constituída de breves incisos e pequenos intervalos (...)
canto alternado entre a quadratura comum e as síncopas; o acompanhamento se torna, então, de
uma riqueza espantosa” (VALE, 1978, p.54).
Quanto à música vinda com os negros, ela é fundamental em sua função religiosa,
assim como várias danças. Toda essa questão religiosa foi estudada por Flausino, trazendo
nomes, costumes e crenças desse povo vinculado ao pensamento religioso e mesmo à mistura
disso com o catolicismo, a equivalência entre santos e orixás através do chamado sincretismo
religioso. Menciona fatos dos rituais de forma bastante adversa ao que esperávamos: “ao som de
uma música que é uma barulheira infernal” (VALE, 1978, p. 57).
Squeff e Wisnik (2004) fazem considerações sobre a questão do sistema tonal
comum em diferentes estilos musicais regionais, observando que há uma fuga dos tradicionais
sistemas tonais da música “culta”, com
sucessão de quartas e quintas, seguindo-se a terças maiores e menores que certamente
conduziriam a tonalidade. Mas não: parte de algumas duplas caipiras do Sul e de
tocadores de pífanos do Nordeste, usam, sem dúvida, intervalos de terças quando tocam
juntos; mas enveredam conscientemente para quintas e quartas paralelas que
intencionalmente supõem um outro mundo, que o da tonalidade (SQUEFF e
WISNIK, 2004, p.55, grifo nosso).
É notável a diferença na forma de tratamento aos conteúdos musicais dados por
Squeff e Wisnik (2004) quando do uso de termos como “conscientemente” e “intencionalmente”.
Muitos dos autores contemporâneos a Flausino Vale, e dentre eles Mário de Andrade e Renato
Almeida, utilizam termos contrários para veicularem o mesmo tipo de informação, ou seja,
dizendo que esses músicos realizam tais mudanças de forma “inconsciente” ou “sem querer”, no
- 64 -
entanto, os autores mais recentes apoiam a tese de que esse tipo de elemento nessa música não é
ocasional ou pouco refletida, mas que é feita tal como idealizada pelos executantes.
- 65 -
6 APLICAÇÕES DE ELEMENTOS DA TÉCNICA DO VIOLINO NOS 26
PRELÚDIOS CARACTERÍSTICOS E CONCERTANTES PARA VIOLINO SÓ DE
FLAUSINO RODRIGES VALE
6.1 Sobre o Violino
É a partir de um conceito de violino e de sua técnica que pretendemos melhor
compreender qual a proposta de Flausino Vale nesses prelúdios – pois se trata de um compositor
que escreveu para violino incluindo em sua escrita um rebuscamento e toda uma exploração
sonora próprias desse instrumento, ou seja, especificamente para violino – e de toda uma ideia
musical que o compositor nos passa, em que podemos observar sua forte relação com a cultura
do interior, e também com as práticas já conhecidas de música europeia.
Embora saibamos que o surgimento do violino remonte a origens mais remotas,
historicamente, o violino tal como o conhecemos é considerado um instrumento que surgiu na
Itália no começo do século XVI, a partir de instrumentos de cordas friccionadas como o rebec, a
vielle e a lira da braccio. Luthiers como Gasparo Da Salo (1542-1609), Andréa Amati (1505-
1578) e Gaspard Duiffoprugcar (1514-c. 1571) são considerados os nomes essenciais da luteria24
do violino. Com Da Salo e Amati surgem as duas célebres escolas de luteria, a de Brescia e a de
Cremona, respectivamente. Nesta última, a dinastia dos Amati atinge sua supremacia com Nicolò
Amati, neto de Andréa e mestre de Antonio Stradivari (1644-1737). Outro renomado lutiê25
foi
Guarnerius (1698-1744), chamado “del Gesù” (DONOSO, 2008).
Podemos primeiramente classificar o violino a partir do seu sistema de produção de
som, como um instrumento do grupo dos cordofones (instrumentos que utilizam cordas vibrantes
para produção do som). Em seguida, é classificado quanto ao mecanismo de excitação
(MICHELS, 2003). O violino classifica-se no grupo de instrumentos de cordas friccionadas26
quanto ao “mecanismo de excitação”, ou seja, o seu som é geralmente produzido a partir do
atrito entre as cerdas de um arco e as cordas. O arco – que é principalmente feito de madeira e
24
Termo original em francês, lutherie. 25
Termo abrasileirado de luthier, vindo do original em francês, lutherie. 26
Termo derivado do francês “frottement” (fricção).
- 66 -
fios de crina de cavalo – ainda permite uma série de diferentes possibilidades, que se dão através
dos diferentes tipos de movimento executados pelo instrumentista.
Na figura a seguir vemos a representação das estruturas básicas que compõem o
violino e o arco.
Figura 02: Estrutura do arco e violino. Figura extraída de Donoso et al (2008)27
27
DONOSO et al, 2008, p. 2305-03.
- 67 -
A estrutura do violino é composta pelo tampo e o fundo (ou tampo inferior),
juntamente com as ilhargas (faixas de madeira laterais). Estas partes formam a caixa de
ressonância do violino. O fundo e o tampo são curvos, sendo ainda o tampo provido de dois
rasgos28
denominados “abertura de ressonância” (ou ouvidos). Elas permitem a comunicação do
ar entre o interior e o exterior do instrumento, além de desempenharem um importante papel
afetando a flexibilidade do tampo superior e, como conseqüência, os seus padrões de vibração. O
braço do violino sustenta o espelho, em cuja extremidade encontra-se a pestana. A alma é uma
pequena coluna de madeira que é colocada meticulosamente entre os dois tampos, e tem como
principal função orientar eixos e padrões de vibração que ocorrerão no tampo e no fundo. O
cavalete, além de suportar as cordas, permite a transmissão das vibrações para o corpo do
violino. (MICHELS, 2003).
O violino, como instrumento europeu, foi introduzido no Brasil assim como demais
instrumentos: através da colonização. No entanto, embora tenhamos conhecimento sobre a
mistura musical pelos povos que aqui se encontravam, Marcos Tadeu Holler alerta para uma
dificuldade em sabermos ao certo como se deu essa música passada por jesuítas:
os documentos jesuíticos não nos oferecem uma visão completa e inequívoca,
principalmente pelo fato de os eventos musicais não terem sido considerados pelos
jesuítas como um dos elementos mais importantes a serem descritos; além disso as
referências à música nos relatos são geralmente descrições breves e secundárias, que
nos permitem apenas entrever esse cenário (HOLLER, 2005, p. 1137).
A respeito do violino no Brasil, algumas pesquisas sobre o repertório para violino só
nacional existente confirmam a posição de destaque que a obra de Flausino Vale desempenha
(FRÉSCA, 2008). Também por este motivo se faz essencial um estudo mais apurado das obras
desse compositor. Também tem destaque o compositor Marcos Salles, que teria escrito para
violino só pouco tempo antes de Flausino (Paulinyi, 2010a).
Quando ampliamos o foco de nossa visão de “violino só” no Brasil para “violino no
Brasil”, encontramos diferentes e vastas referências ao uso do instrumento anteriores à criação
de um repertório para violino só nacional. Em nossas investigações nos deparamos também com
diversas referências do violino no choro, gênero tipicamente brasileiro.
A Família dos Grey morava no Marco 4 em Jacarépaguá, hoje Estrada Rio São Paulo.
Era toda de musicos começando pelo velho Grey que era o chefe desta família
28
Em inglês encontramos o termo “f holes”, ou seja, cavidades em forma de “f ”, ou ainda “ears”, ou seja, ouvidos,
orelhas.
- 68 -
intelligente, e que executava em seu violino partituras sentimentaes de musicas classicas
e tambem muito bons choros (PINTO, 1936, p.97).
Diversos violinistas brasileiros como Cantalice e Chico Netto atuaram no Choro e
ainda em gêneros como o “chotiche29”, valsas e polcas (PINTO, 1936, p.138).
Mário de Andrade em seu “Ensaio sobre a música Brasileira” argumenta que mesmo
os instrumentos europeus podem desempenhar papel nacional em nossa música. Cita como
exemplo o piano, e até mesmo o violino que “se acha nas mesmas condições e está
vulgarizadíssimo até nos meios silvestres.” (ANDRADE, 1962 [1928], p.55). Comenta ainda
acerca dos modelos mais rústicos de violino, muito difundidos no Brasil:
Mas eu estava falando na divulgação silvestre que o violino já tem entre nós. É fato.
Também na minha viagem fecunda pela Amazônia, tive ocasião por duas feitas de
examinar violinos construídos por tapuios que não conheciam nem Manaus. E ainda
nesses a fatura produzia uma timbração estranha que acentuava sem repugnar o
anasalado próprio do instrumento. As rabecas de Cananea também são feitas pela
gente de lá (ibidem, p. 57).
Verifica-se nos estudos de Paulinyi (2010a) todo um processo histórico de violinistas
importantes e concertos com destaque para violinistas a partir do final do séc. XVIII, sendo José
Joaquim dos Reis, baiano, o precursor dos concertos para violino no Brasil.
Alguns violinistas notáveis citados na dissertação de Paulinyi (2010a) são José
Joaquim dos Reis (1795-1876) que teria tocado violino na Orquestra da Capela Imperial; os
concertistas Francelino Domingos de Moura Pessoa, Andrea Gravenstein Filho, Manuel Joaquim
Maria e Francisco Muniz Barreto; o violinista e compositor Adelelmo Nascimento (1848-1898);
o violinista, compositor e pianista José de Souza Aragão (1819-1904) e Eduardo Mendes Franco
(1851-1906) que compôs para violino.
O Prof. Paulo Bosísio (2001) escreveu sobre Paulina d‟Ambrósio na Revista
Brasiliana, ressaltando a importância dessa violinista na história do violino no Brasil e, em
especial, do Rio de Janeiro. Tratava-se de uma importante violinista brasileira que foi à Europa
estudar, mas voltou ao Brasil em 1907 tendo sido a primeira professora concursada para lecionar
violino do Instituto Nacional de Música, hoje Escola de Música da UFRJ. Um fato que nos
chama a atenção é que ela traz ao Brasil princípios da “Escola Franco-Belga” de violino, escola
esta que Paulinyi (2010a) associa à Flausino Vale e a seu tio, com quem aprendeu violino.
29
Refere-se ao “Xote”.
- 69 -
Ainda segundo esses escritos, Paulina “engajou-se na execução de música de
vanguarda da época, amiga e colaboradora que foi, entre outros, de Glauco Velásquez; Luciano
Gallet e Villa-Lobos”, todos nomes representativos da música brasileira (BOSÍSIO, 2010, p.44).
É importante frisar que vários de nossos violinistas, assim como d‟Ambrósio tiveram
embasamento de seus estudos de violino no exterior.
6.2 A técnica do Violino aplicada aos “26 Prelúdios característicos e concertantes para
violino só” de Flausino Rodrigues Vale
A técnica do violino claramente era uma questão com a qual Flausino Vale se
preocupou. Pode-se verificar em sua escrita musical – em especial referindo-se aos prelúdios
para violino só – uma preocupação com a execução, ou seja, com as possibilidades ou não de
execução, com uma escrita musical que se destine ao instrumento. Todos os seus prelúdios tem
uma linguagem própria ao violino, ou seja, é estruturada de tal maneira que se adéqua às
facilidades e limitações próprias do violino e não de outros instrumentos com técnica
absolutamente diversa como os instrumentos de teclado ou sopro. Percebemos essa preocupação
tanto com a técnica da mão esquerda como com a técnica de arco, explorando ao máximo as
potencialidades do instrumento.
Portanto, é importante entendermos ao menos um pouco acerca da técnica do violino
para que possamos elucidar alguns princípios que acreditamos serem valorizados pelo
compositor que estudamos, traçando um paralelo com recursos técnicos do violino amplamente
utilizados por Vale nesses seus prelúdios.
No século XVIII temos o primeiro grande tratado sobre técnica de violino: o “Tratado
sobre os princípios fundamentais da arte de tocar violino”30
de Leopold Mozart. A obra
“Violinschule” ou “Escola de Violino” lida não apenas com instruções para a técnica violinística,
mas também com aspectos vastos da educação musical e de conceitos estéticos. Percebe-se
claramente que este tratado foi escrito para ser um guia para professores e para alunos, e, na
30
Trata-se de tradução nossa do título em Inglês: “A treatise on the fundamental principles of violin playing”. Obs:
Originalmente a obra é em Alemão “Versuch einer gründlichen Violinschule”, nesse trabalho muitas vezes citado
apenas como “Violinschule”. O título propriamente da obra em alemão é “Gründliche Violinschule”.
- 70 -
verdade, é também considerado o primeiro trabalho detalhado e sistemático sobre a “maneira
correta” de tocar violino.
Uma técnica pouco usual a qual Flausino explora é a percussão dos dedos na caixa de
ressonância do violino. Esse recurso é comum em instrumentos de percussão, mas não no
violino. Flausino Rodrigues Vale sugere que a caixa de ressonância do violino sirva de tambor,
explorando o recuso também na peça “Pai João”, prelúdio 18 (c. 1 – 11):
Figura 03: Prelúdio 18 – “Pai João” (c. 1 – 14): Uso do violino como instrumento de percussão (c. 1- 11). Partitura
extraída da dissertação de Frésca (2008).
Olhando essa partitura à primeira vista pode-se presumir que não seja uma
composição para violino por causa da referência à percussão. Mas é também na exploração de
recursos técnicos do violino em muitos níveis que Flausino inova a escrita para o instrumento e
acrescenta algo à música brasileira. Nesta partitura, onde vemos a instrução do compositor
“Imitando o tambor”, ele explica detalhadamente como deve o violinista proceder para executar
tal efeito:
Para imitar o tambor, traz-se a mão esquerda para a base do braço do violino, para bater
debaixo e com a direita bate-se em cima, no tampo, próximo ao braço, do lado da prima,
conservando-se o violino na posição normal. Embaixo, bate-se com a frente do polegar,
e em cima, com o lado lateral do polegar e com as polpas do indicador e médio da mão
direita, ao mesmo tempo. Ou então (o que fica mais forte) dobra-se o médio, batendo-se
com ele mais ou menos em frente à ponta do espelho. Para o som repercutir, é
necessário apertar-se bem o violino entre o mento e a omoplata. (Indicação ao final da
primeira página dessa partitura – “Pai João” – Prelúdio 1431
).
31
Lembramos que aqui utilizamos as partituras editadas por Camila Frésca publicadas em sua dissertação de
mestrado.
- 71 -
Flausino não era admirado por muitos em vista de sua técnica como instrumentista.
E, apesar de seus estudos da técnica em si terem sido pouco trabalhados, e a priori tendo
estudado apenas com seu tio, (FRÉSCA, 2008), no momento em que compõe suas obras
percebemos como ele era apto ao instrumento e preocupava-se com a escrita específica para o
violino. Frésca (2008) aponta para o fato de que Flausino tinha uma técnica violinística não
Figura 04 – Flausino Vale ao violino. Figura extraída do trabalho de Frésca (2008).
Por vezes os compositores solicitam execução de acordes, seja de dois, três ou quatro
sons em determinadas partes de suas obras, escritos de determinada maneira que o instrumentista
encontra muita dificuldade para conseguir executar a obra, não por dificuldades técnicas pessoais
exatamente, mas porque aquele trecho não está adequado à “linguagem” do instrumento. No caso
da obra de Flausino percebe-se uma especial preocupação para que a execução de acordes seja
cômoda à anatomia e à técnica do violino. Explora e exacerba cordas duplas, triplas e quádruplas
de forma cômoda àquele que executa sua obra ao violino, utilizando amplamente cordas soltas
em seus acordes. A forma inteligente e desembaraçada com que Flausino escreve acordes ao
violino torna esses trechos não apenas cômodos ao executante, mas também faz com que o
violino soe com muito volume de som e com “muita ressonância”. Acreditamos que Vale tenha
explorado tais recursos dessa forma também no intuito de fazer o violino soar o mais parecido
possível com a viola caipira, em muitos trechos. O som da viola caipira pode ser caracterizado
como um “som aberto”, especificado bem como nós o compreendemos na enciclopédia aberta:
Uma característica que destaca a viola dos demais instrumentos é que o ponteio da viola
utiliza muito as cordas soltas, o que resulta um som forte e sem distorções, se bem
afinada. As notas ficam com timbre ainda mais forte pois este é um instrumento que
“tradicional” e que isso não lhe fez incapaz de ser íntimo do
instrumento e ainda foi hábil em desenvolver uma série de
“novidades” na música, de modo que ficou marcado como
compositor específico em obras para violino. A foto ao lado
ilustra bem essa questão que vimos falando sobre a técnica.
A forma como segura o arco e também a posição do punho
da mão esquerda não estão adequados se analisados quanto
à postura correta para tocar violino, considerando uma
perspectiva mais formal da técnica violinística.
- 72 -
exige o uso de palheta, dedeira ou principalmente unhas compridas, já que todas as
cordas são feitas de aço e algumas são muito finas e duras (WIKIPEDIA32
, online,
acessado em 8/6/2011).
Esse som descrito na enciclopédia, que se caracteriza por um timbre “aberto” e que
se relaciona com o som da viola pode ser observado em várias obras do compositor. Vejamos
alguns exemplos:
Figura 05: Prelúdio 9 – “Rondó doméstico” (c. 1 – 19). Uso de escrita violinística que ressalta no instrumento um
tipo de som “aberto” e característico da viola caipira e que, para este fim, busca amplamente a execução de notas em
cordas soltas. Partitura extraída da dissertação de Frésca (2008).
Observemos nesse prelúdio 9, “Rondó doméstico” (c. 1 – 20), a recorrência de
intervalos de quinta justa, utilizando a terceira e quarta cordas soltas (Ré 4 e Sol 3,
respectivamente) durante todo o trecho acima. Acrescentamos que os instrumentos de cordas
possuem a propriedade acústica de responderem com mais ressonância e reverberação quando
tocados em suas cordas soltas, ou seja, sem que as cordas sejam pressionadas pelos dedos da
mão esquerda – fato que é necessário para executar outras notas que não aquelas das cordas
soltas (Sol 3, Ré 4, Lá 4, Mi 5, no caso do violino).
Flausino, ao escrever diversos trechos de prelúdios utilizando esse recurso, além de
trazer maior comodidade à execução, oferece esse efeito acústico, assemelhando o som
32
Embora saibamos que a Wikipédia não seria a fonte mais adequada, foi a fonte que melhor expressou o que o
autor desejava explanar naquele momento. Pelo fato de termos transcrito o texto que encontramos integralmente e,
segundo a própria enciclopédia, a bibliografia utilizada para definir a viola caipira e seu som ser vasta e de boas
referências, acreditamos que tal conteúdo tenha nos prestado bom serviço.
- 73 -
produzido e fazendo-nos associar ao som da viola caipira. A partir de tantos exemplos com tais
características, poderíamos partir do pressuposto de que Vale desejava que o violinista buscasse
uma sonoridade mais rústica ao executar obras em que utiliza cordas soltas recorrentes em
acordes ou “arpejos em ricochet”. Esse som rústico faz sentido pela própria caracterização da
música de Vale. Apesar de haver apenas duas gravações dele próprio 33
tocando dois de seus
prelúdios, pode-se verificar que realmente tinha habilidades no instrumento, sendo capaz de tirar
dele os mais diversos tipos de sonoridade. Há momentos em suas gravações em que percebemos
realmente um som mais rústico e agressivo que parece se encaixar perfeitamente com o
momento da música. Porém, há momentos de sonoridade mais delicada e limpa, em trechos
condizentes. Sua afinação nessas duas gravações é impecável, mesmo nos trechos mais difíceis.
A sua escrita musical, portanto, trata-se de um estilo e podemos dizer que está intrinsecamente
ligada a motivos brasileiros e às produções do “popular”. Essa “rusticidade” da música de Vale
tem como paradigma a viola como instrumento caipira e que transmite bem essa imagem musical
a partir de seu som, conforme já referenciamos em outros pontos dessa dissertação. Seguiremos
com mais exemplos do uso das cordas soltas usadas pelo compositor:
Figura 06: Prelúdio 17 – “Viola destemida” (c. 31 – 33): Utilização de acordes em pizicato intercalados com
“arpejos em ricochet”34
, utilizando a terceira e quarta cordas soltas, o que proporciona “sonoridade ressonante”
fazendo referência aos “rasgueados” da viola. Partitura extraída da dissertação de Frésca (2008).
33
Tanto no CD recém-lançado de Cláudio Cruz, quanto no CD de Milewski há, ao final do disco, as gravações do
próprio Flausino tocando “Batuque”, seu 1º prelúdio, e “Repente”, seu 8º prelúdio. 34
Abordaremos este conceito mais adiante, no capítulo sobre interpretação dos prelúdios.
- 74 -
Em seu prelúdio 17, “Viola destemida” (figura anterior), não apenas abusa de
repetidos acordes e arpejos utilizando a terceira e quarta cordas soltas como faz referência aos
“rasgueados”35
da viola.
No exemplo abaixo, as cordas soltas aparecem novamente. Trata-se de sua peça
“Mocidade eterna”, o 22º prelúdio, onde aparece o efeito do “rasgueado” violeiro, com utilização
de cordas soltas, mas dessa vez, usando as duas cordas mais agudas soltas, a Lá 4 e a Mi 5,
resultando um efeito ainda mais “brilhante” ao som.
Figura 07: Prelúdio 22 – “Mocidade eterna” (c. 1 – 19). Utilização de cordas soltas (primeira e segunda), trazendo
um som mais “brilhante” acoplado à utilização de “ricochet jetée”, acarretando o efeito de rasgueado da viola.
Partitura extraída da dissertação de Frésca (2008).
35
O rasgueado é a uma técnica comumente utilizada em instrumentos de cordas dedilhadas como é o caso da viola e
do violão, onde se destaca o “tanger as cordas” (PINTO,F.C.P.G & NOGUEIRA,G.G.P., online, 2004.)
- 75 -
Figura 08: Prelúdio 5 – “Tico-tico” (c. 1 – 8): Utilização de cordas soltas em “arpejos em ricochet” com o arco.
Partitura extraída da dissertação de Frésca (2008).
Vemos acima um trecho de “Tico-tico” (c. 1 – 8), seu 5º prelúdio, onde queremos
ressaltar que durante quase toda a peça mais uma vez utiliza-se da terceira e quarta cordas do
violino, soltas, nesses movimentos de arpejos em ricochet com o arco. Quando esmiuçarmos a
questão interpretativa desse prelúdio traremos também a evidente semelhança com o recurso
amplamente utilizado no Capricho nº 1 de Paganini
Em “Violinschule”, obra escrita por Leopold Mozart no do séc. XVIII e que foi o
primeiro grande tratado sobre violino, Mozart menciona ainda as apojaturas36
, diz-nos ser
imbativelmente um dos mais graciosos tipos de ornamentos, quando tocados corretamente. São
representadas graficamente por pequenas notas que ficam entre notas comuns, mas que não são
“computadas” como parte do compasso. Elas são
requeridas pela “Natureza” para amarrar notas umas às outras, assim fazendo a melodia
mais caracterizada como tal. Eu digo “Natureza” porque é inegável que mesmo um
simples camponês, naturalmente “amarra” sua simples canção com appoggiaturas. Esta
“Natureza” o força a fazer isso da mesma maneira que este mesmo camponês utiliza
figuras de linguagem como metáforas sem saber que o está fazendo (MOZART, 1756,
p.166).37
É interessante observar que Leopold Mozart tenha verificado ainda no séc. XVIII a
naturalidade com que um camponês no seu canto singelo utilizasse apojaturas mesmo sem saber
36
Termo original em italiano – Appoggiatura. 37
Tradução nossa da versão em língua inglesa. Obs: Obra original em Alemão.
- 76 -
toda a teoria musical envolvida. Ou seja, fazem propositalmente aquilo que, no meio erudito
musical, chamamos apojaturas e realizamos todo um processo intelectual para a utilização desse
elemento musical. O mesmo acontece no canto do “sertanejo”38
no início do séc. XX no Brasil.
Flausino também constatou essa característica no canto dos nossos “camponeses” e retratou essa
característica desse canto em sua obra como podemos ver no exemplo abaixo em seu prelúdio
20, “Tirana riograndense”39. Destacamos onde ocorrem as “apojaturas curtas”
40 com círculos
vermelhos:
Figura 09: Prelúdio 20 – “Tirana riograndense” (c. 13 – 22): uso de acicaturas. Partitura extraída da dissertação de
Frésca (2008) e grifada por nós (alterações em vermelho).
A apojatura é algumas vezes uma dissonância, algumas uma repetição da nota
anterior, outras vezes um ornamento de uma melodia simples para animar uma frase calma.
Além de diversas ilustrações, exemplos e explicações sobre os mais variados casos nas
execuções das apojaturas, Mozart profere ainda a seguinte regra, sem exceções: a apojatura
nunca é separada de sua nota principal e, no violino, é sempre tocada no mesmo golpe de arco.
38
Não nos referimos aqui ao conceito de sertanejo comumente utilizado atualmente na mídia, que refere-se ao
gênero da música de cantores como Chitãozinho e Xororó, entre outros. Referimo-nos a um estilo que faz referência
ao universo e cenário popular-rural, com elementos como a viola caipira, festividades de regiões rurais, porteiras de
fazenda, sons característicos de certos animais e por vezes referências claras a melodias folclóricas locais. Esse
estilo também engloba certos padrões rítmicos, harmônicos e de timbres. 39
O próprio Flausino em sua partitura colocou uma indicação referente a este título, informando que o título “Tirana
Riograndense” foi “colhida na história da música brasileira de Renato Almeida”. Lembramos que as informações
contidas nas partituras estão sendo consideradas através da edição de partituras realizada por Camila Frésca e José
Maurício Guimarães, publicadas na dissertação de Camila Frésca como já observamos anteriormente. 40
Também conhecidas como acciacaturas.
- 77 -
No entanto, observemos no excerto acima, no compasso 13, que há ocorrência deste recurso na
mesma nota (Ré 5) com separação.
Gostaríamos de ressaltar uma questão bastante relevante que não foi mencionada em
nenhuma das pesquisas que tivemos acesso anteriormente realizadas sobre Vale. Durante nosso
estudo dos “26 Prelúdios” percebemos um recurso curiosamente não utilizado por Flausino nesse
seu conjunto de obras. Referimo-nos ao trinado, recurso tão frequente em obras virtuosísticas
para violino. Sabemos que Flausino valoriza muito o instrumento para o qual escreve e nos
perguntamos o porquê de em nenhum dos 26 prelúdios vermos a ocorrência desse recurso.
Levantamos como hipótese a ligação que o compositor fazia com a viola caipira. Verificamos
que na viola caipira o trilo não é um recurso usual ou que caracterize o instrumento. Apesar de
Vale não utilizar o trilo, ele utiliza os “mordentes” de forma pontual e que guardam alguma
semelhança com os trilos.
Mozart (1756), em seu 12º e último capítulo intitulado “De ler música corretamente,
e, em particular, da boa execução” coloca importantes pontos da realização musical que não
estão geralmente escritos nas partituras, mas que devem ser conhecidos e utilizados pelos
músicos. Refere-se a compreender as entrelinhas e a maneira de se realizar corretamente a
performance de músicas bem escritas. Para o autor, absolutamente tudo depende de “boa
execução”. A boa execução de uma composição de acordo com o gosto “moderno” não é tão
fácil como se imagina. O autor ainda refere-se à importância da expressão correta dos “Afetos”41
.
A noção em torno da qual a “doutrina” dos “Affecte” reside é a de que cada obra musical
expressa um “afeto” – e sempre apenas um – uma “paixão”, um “movimento da alma” como
ternura, pesar, fúria, alegria. E para Mozart antes de um músico poder executar a obra de acordo
com as intenções do compositor, ele deve entender o “afeto” do qual a música se originou
(MOZART, 1756). Não podemos aqui deixar de comentar essas instruções de Leopold Mozart,
totalmente pertinentes às questões interpretativas às quais queremos nos ater nesta pesquisa.
Como já mencionamos, a música de Flausino – em especial os prelúdios que são o alvo de nossa
atenção – também deve ser executada com o mesmo cuidado que Mozart já recomendava no séc.
XVIII em seu tratado. Ou seja, devemos nos ater ao contexto social, cultural, histórico e
41
Não há uma palavra no português ou inglês atual para explicar exatamente o significado de “Affecte” como era
empregada no séc. XVIII pelos compositores germânicos.
- 78 -
estilístico em que os prelúdios em questão se enquadram, de acordo com as já mencionadas
visões dos nacionalistas da época.
Percebemos entre os violinistas e instrumentistas em geral no contexto do circuito da
música de concerto de metrópoles brasileiras como o Rio de Janeiro, uma onipresente
preocupação com a afinação dos instrumentos e na própria afinação de sua execução, de acordo
com a técnica instrumental. Temos a hipótese de que tal preocupação não ocupa um lugar de
importância tão primordial em certos contextos, como o de músicos de interior, mais ligados à
música regional e “folclórica”. Cremos que isso se daria por um tipo de formação musical em
que este tipo de exigência em alto nível não seja tão relevante. Ao mesmo tempo, Flausino veio
do interior, mas mudou-se para metrópole; escreveu com inspiração no ambiente rural, mas
conhecia bem o academismo. São questões que não teremos como responder a princípio, embora
apostemos ainda que na categoria de violinista, Flausino se ativesse à questão de afinação de
forma impecável como mostra em gravações e em críticas que redigiu sobre outros violinistas.
Uma observação acerca dessa ligação de Flausino com a escrita musical evocando o
interior e o rural se faz necessária na medida em que na obra de Squeff e Wisnik (2004) há uma
crítica aos autores que acreditam que o movimento Nacionalista levou a uma “tendência de
interiorização do Brasil dentro de si mesmo” (SQUEFF e WISNIK, 2004, p.55). O que os
autores sugerem é que no processo de desenvolvimento das cidades brasileiras esse movimento
se deu naturalmente em várias partes do Brasil, no entanto, a produção musical organizada
sempre esteve esquematizada em torno das grandes metrópoles. De fato, Flausino teve inspiração
em sua vivência do interior, no entanto, enquanto profissional da música o seu espaço de
existência se deu em especial em Belo Horizonte.
6.3 Flausino virtuose e o virtuosismo em sua obra
Flausino teve sua educação musical integralmente brasileira tendo, como dissemos,
seu tio João Augusto de Campos como único professor de violino. Ao final de quatro anos e
meio de estudo, Flausino terminou os estudos com os “24 Caprichos” de Paganini e os estudos
de Gaviniés, repertório sabidamente de alta complexidade técnica. Gostaríamos de frisar o
período de quatro anos e meio para atingir tão elevada técnica, tinha Flausino Vale quatorze anos
- 79 -
de idade. Antes do contato com o violino chegou a aprender teoria musical com Camilo de
Castro.42
Segundo Dourado, virtuose é
Palavra que já foi empregada no passado para definir qualquer solista, a partir dos
grandes instrumentistas do período romântico passou a referir-se apenas aos grandes
mestres da técnica e interpretação, que conjugam extraordinário talento e habilidades
malabarísticas [var.: virtuoso] (DOURADO, 2004, p.362).
O fato de Flausino ter chegado a tal complexidade técnica em tão pouco tempo já
faria dele um virtuose. Podemos dizer que a virtuosidade na música carrega fortes vínculos com
habilidades musicais. Há quem diga que essas habilidades são aprendidas, e como uma das
referências dessa concepção podemos citar o criador de um dos mais conhecidos métodos de
estudo para violinistas, em especial para crianças: Shinichi Suzuki. Chegou a escrever o livro
“Educação é amor”, que versava sobre essa questão utilizando sua própria experiência como
argumento de que a aprendizagem do instrumento bem orientada produz bons músicos
invariavelmente. Por outro lado, embora um bom método de ensino possa gerar ótimos
resultados, é fato que há pessoas que têm mais facilidade para esse aprendizado que outras, e
para explicar essas variações individuais, há quem apoie uma ideia de que muitas das habilidades
são inatas.
Shuter-Dyson (1999) considera essas duas vertentes e pensa que para se ter
habilidade musical é preciso desenvolver: a) um bom método de estudo; b) algumas habilidades
fundamentais, que seriam as estruturas de percepção e cognição que tornam a pessoa apta para a
recepção de estímulos musicais; c) habilidades tonais; d) habilidades rítmicas; e) habilidades
sinestésicas; f) habilidades estéticas; g) habilidades criativas; h) habilidades musicais e outras
habilidades. A autora considera que nascemos aptos à música tal como à linguagem e que é
necessário o estímulo – o melhor possível – para desenvolvermos as habilidades, quanto mais
cedo se inicia esse processo mais ampliadas poderão ser as competências musicais
desenvolvidas.
Jascha Heifetz, um dos maiores virtuoses da história do violino, também definiu o
virtuose dizendo que é preciso “ter os nervos de um toureiro, a energia de um gerente de nigth
42
Tais informações são extraídas da dissertação de Camila Frésca onde encontram-se citações do próprio Flausino
Vale com afirmação de alguns desses dados. (Vide FRÉSCA, p. 14-15, 2008)
- 80 -
club e a serenidade de um monge budista” (HEIFETZ apud MILEWSKI, 1985, p.16, grifo do
autor).
Ao violino, algumas características são fundamentais para que o executante seja
considerado um virtuose. Um fator inicial é a afinação, que embora pareça elementar, é uma
exigência cara aos violinistas, pois se trata de um constante aprimoramento em termos de
percepção e de treino, afinal, é um instrumento de cordas sem trastes e cuja referência de
afinação é basicamente auditiva e de “memória muscular”, no sentido de identificar o som
correto e o movimento para alcançá-lo e reforçá-lo cognitivamente por via da repetição. Existem
diversas peças, especialmente para violino só, que estão repletas de passagens de difícil
execução, seja por questões de afinação, de controle técnico em geral, e dificuldades
interpretativas. Os grandes virtuoses utilizam-se justamente de um repertório mais complexo
para exibirem suas habilidades musicais. Tais peças mais complexas à execução são aqui o que
chamamos de peças virtuosísticas, elas apresentam dificuldades ao executante e requisitam
algum “malabarismo”, trazendo um efeito sonoro e visual de que há dificuldades técnicas para
que se execute aquela música. Um dos recursos das obras de Vale que Alvarenga (1993) destaca
como de uso comum em peças virtuosísticas são os pizicatos de mão esquerda, chamando a
atenção para o fato de que nos prelúdios de Flausino esse recurso oferece o aspecto de
virtuosismo embora “está mais relacionado com as peculiaridades da linguagem musical de
Valle, principalmente com a caracterização da viola caipira” (ALVARENGA, 1993, p.48).
Ainda quanto aos aspectos de virtuosismo, um dos dados que colhemos no trabalho do Prof.
Alvarenga foi sua expressão de que os prelúdios têm “uma linguagem musical que evidencia o
solista” (ibidem, p.62), concluindo que há “simplicidade musical com certa virtuosidade” (ibid.,
p.64).
Flausino Vale terminou seus estudos ao violino com quatro anos de prática
instrumental, completando-o com peças de alta exigência de performance. Apesar disso, aos
dezoito anos transferiu-se para Belo Horizonte com intuito de estudar Engenharia, mas por ter
sido reprovado por dois anos consecutivos, mudou a carreira para Direito, tornando-se advogado
em 1923 e tendo essa sua parte de carreira também muito bem sucedida. Embora Flausino tenha
tido enorme vocação para a música e produzido com qualidade, achamos que seja importante a
atenção ao fato de que ele foi um advogado de sucesso, de modo que sua dedicação à música não
era exclusiva.
- 81 -
Nessa época de seus estudos universitários, sustenta-se com o violino, tocando em
casamentos, eventos e principalmente orquestras de cinema mudo, com destaque para o Cine
Odeon (de Belo Horizonte) onde atuou por oito anos. Dizia que músico ganhava mal e procurava
as melhores oportunidades de renda.
Em Belo Horizonte, se constituíam os grupos musicais da cidade ainda jovem. Em
1925, foi fundada uma orquestra nesta cidade onde Flausino atuou como spalla. Em 1930 foi
solista com a mesma orquestra, a Sociedade de Concertos Sinfônicos de Belo Horizonte. Ainda
na década de 30 começa a tocar em orquestras de rádios, tendo espaço inclusive para solos.
Em 1935, realizou seu primeiro recital solo, aos 41 anos de idade. Flausino tocou
acompanhado ao piano tendo no repertório “peças curtas e virtuosísticas”. Foi citado pelo jornal
“Minas Geraes” como virtuose, quando solista contratado da “Rádio Inconfidência”, em 1936.
Esse jornal teria feito outras publicações, sempre ressaltando Flausino como exímio
instrumentista e também sua música como de elevado valor folclórico. Através dos escritos nesse
jornal observamos que Flausino tocava na rádio músicas estrangeiras conhecidas, e, por vezes,
utilizando-se de seus próprios arranjos para violino, e ainda tocava composições próprias, tendo
o jornal se referido à peça “Casamento na roça”, seu 11º prelúdio, como uma “música
tipicamente nossa” e ao prelúdio “Pai-João”, o 18º, dizendo que “trata-se de uma página
folclórica em que a técnica violinística do nosso grande musicista se apresenta cheia de sutiliza e
harmonia. É, enfim, um mimo da música brasileira” (VALE apud FRÉSCA, 2008, p.51). No ano
de 1941, se apresentou em recital e como solista no Auditório da Escola Normal, fato do qual se
orgulhou, pois já fazia 29 anos que estava em Belo Horizonte e ainda não havia dado um
concerto “próprio”. Nesse ano realizou dois recitais em Belo Horizonte. No primeiro, não tocou
seus prelúdios, mas tocou música popular junto de música erudita, pensando em poder juntar os
gostos dos iniciados em música com as produções populares estrangeiras, ou seja, uma forma de
introduzir essas pessoas cultas a um repertório popular, ainda que não brasileiro. Tocou Bériot,
Kreisler, Tarrega, considerado o rei do violão, cuja peça teve arranjo de Vale para poder ser
executada, Tiridelli e White. Os três últimos são considerados de teor mais popular, sendo
Tarrenga espanhol. Tiridelli italiano e White cubano. No segundo, introduziu prelúdios próprios
e arranjos por ele concebidos de música de Chopin e Gluck.
- 82 -
Sykora43
considerou Flausino “um fenômeno ao violino”, elogiou a afinação
acrescentando “ele toca com sincera sensibilidade, vigor e brilhantismo. Se mostrar seu talento
ao mundo, terá um dos maiores nomes, e será orgulho para seu país” (SYKORA apud FRÉSCA,
p.42, 2008). Foi considerado por Celso Brant, em 1947, como um dos principais músicos que
atuavam na cidade.
A preocupação com a virtuosidade era uma demanda de Flausino, como se pode
perceber num de seus escritos para um professor da Escola de Música da UFRJ onde diz que
estava compondo mais músicas e que uma delas “é um tema sertanejo, muito semelhante ao do
Carnaval de Veneza, em torno do qual estou tecendo umas variações, mas de bastante
virtuosidade, difícil acrobacia” (VALE apud FRÉSCA, 2008, p.38). E ainda que a virtuosidade
esteja em local de evidência para Flausino, e considerando que para atingir um grau de
virtuosidade seja necessário investimento técnico, não parece ser para ele a técnica a coisa mais
importante num instrumentista. Em outro de seus escritos publicados por Frésca chama um dado
violinista de virtuose e complementa “tem bastante técnica (sua única grande preocupação)”
(VALE apud FRÉSCA, 2008, p.39). Esclarece ao longo de suas palavras que para alguém de
formação europeia esperava-se mais que apenas técnica, nos levando a crer que a técnica tem seu
lugar, mas apenas se o intérprete além de acertar as notas, tiver boa interpretação, for expressivo
e de bom gosto. Verificamos nessa passagem que Flausino preocupava-se em ouvir atentamente
os grandes gênios do violino atendo-se aos detalhes interpretativos e sutilezas nas formas de
execução de suas peças, bem como nas qualidades ou defeitos técnicos dos executantes. Se por
um lado isso nos indica que ele tenha uma maior facilidade para execuções de bom gosto, por
outro, sabemos, nós violinistas, que uma boa crítica sobre interpretações de um dado intérprete
não implica necessariamente em fazê-lo com mais maestria que aquele que foi criticado, ou seja,
perceber os erros alheios não significa necessariamente que a pessoa que avalia não os
cometeria, especialmente desafinações.
Essa preocupação com a virtuosidade que Flausino Vale expressa aparece em sua
obra, tendo o compositor escrito vários de seus prelúdios de forma que soam e aparentam esse
traço de virtuosismo, sendo que tecnicamente eles seriam mais elementares do que aparentam,
em corroboração com essa ideia, Alvarenga escreve: “concluiu-se que Valle não criou uma
técnica nova, e que a virtuosidade ocorre com discrição nos prelúdios, estando na realidade mais
43
Regente e excepcional instrumentista – violoncelo.
- 83 -
associada a aspectos culturais locais da sua época” (ALVARENGA, 1993, p.VI). No livro de
Milewski vemos sua definição dos prelúdios como “peças leves, de curta duração, geralmente de
técnica tão transcendente que poucos artistas podem executá-las” (MILEWSKI, 1985, p.13).
Dentre as entrevistas, a resposta de Edson Queiroz de Andrade ilustra também o
lugar que o compositor tem para ele, que é um reconhecido violinista brasileiro. Afirmou-nos
alguns motivos que o levaram a executar as obras de Flausino Vale. Considerou
O fato de [Vale] ser brasileiro, de ser mineiro (natural de Barbacena, MG), e de ter sido
professor no Conservatório Mineiro de Música (hoje Escola de Música da UFMG),
instituição onde atuo como professor de violino. Também considero as peças bem
escritas para o violino, e um desafio para o intérprete (ANDRADE, 2011, em
entrevista).
Flausino, como dissemos, era advogado. Escreveu sobre direito e política, mas
também sobre música tendo publicações em revistas especializadas em música com edições em
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Também na sua dedicação à música, a partir de 1927,
foi contratado pelo Conservatório Mineiro de Música como professor da cadeira de História da
Música. Posteriormente, em 1934, houve mudanças no currículo da Universidade nessa
disciplina, sendo acrescido a ela o tema do folclore brasileiro, cuja responsabilidade foi dada a
Flausino Vale, que já vinha realizando estudos sobre esse tema, tendo lançado seu livro
“Elementos do folclore musical brasileiro” em 1936 e em 1940 teve participação na “Comissão
Mineira de Folclore”, cujo objetivo era debates sobre o folclore nacional, incluindo estudos de
nossas músicas folclóricas.
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7 FLAUSINO RODRIGUES VALE: 26 PRELÚDIOS PARA VIOLINO SÓ E UMA
INTERPRETAÇÃO
Desde já pretendemos deixar claro que essa é uma interpretação, ou seja, não é “a
correta” e não é a única possível, mas é uma elaboração interpretativa alcançada e respaldada
pela pesquisa que realizamos e que foi explicitada até o momento.
Dessa forma, quanto ao norte dessa interpretação, nos referenciamos também nos
princípios apontados na dissertação de Silvio Viegas, que também realizou um trabalho voltado à
interpretação, mas sob a ótica da regência. Para adquirir alguns parâmetros, ele realizou
entrevistas com regentes, querendo responder à pergunta que todo percurso de interpretação
percorre: “Como devemos iniciar a construção de uma interpretação?”. A entrevista com o
maestro Osvaldo Colaruso aponta inicialmente para a própria peça que se pretende interpretar: a
partitura, encontrar “o que há de realmente importante”. Segue frisando a relevância de
localizarmos a obra no tempo e no espaço, que foi parte do que fizemos até o presente momento,
ou seja, valoriza
as questões relativas à época da criação da partitura, se ela pertence a uma época
passada ou recente, de que forma as limitações técnicas da época alteraram ou
modificaram os pensamentos dos compositores também deverão ser levados em
consideração, principalmente porque, a partir destas análises é que poderemos tirar
conclusões que interferirão em escolhas relativas à articulação, equilíbrio etc.
(VIEGAS, p.50, 2009).
Nesse capítulo realizaremos uma exposição de todos os “26 prelúdios característicos
e concertantes para violino só” de Vale, com nossos comentários sobre pontos nos quais cremos
ser importante um maior enfoque. Traremos também uma descrição de nossa interpretação, ou
seja, faremos uma narração de como realizamos a execução de cada um dos prelúdios.
Apresentamos esses relatos como uma sugestão para outros intérpretes interessados em executar
e interpretar essas obras de acordo com critérios que tenham coerência com o contexto do estilo
musical das peças e com o “nicho cultural e social” no qual elas estão inseridas, que, aliás, não é
o mesmo em todas as obras. Para a nossa elaboração de interpretação nos baseamos em
elementos que construímos através de conceitos criados por meio dos materiais com os quais
tomamos contato em nossa pesquisa.
Ao abordarmos nossa visão interpretativa muitas vezes iremos tratar de elementos
como referência de pulsação metronômica, arcadas, golpes de arco e dedilhados. Esses
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elementos não são meramente uma preocupação com noções da técnica violinística, mas sim
ferramentas da técnica instrumental que veicularão nossa visão interpretativa. Referimo-nos ao
fato de que quando escolhemos determinadas arcadas, por exemplo, estaremos influenciando os
movimentos do arco para que determinadas passagens sejam realizadas em uma parte do arco
específica e que certas notas sejam tocadas com maior ou menor amplitude de arco, dependendo
do caso. Esses fatores ainda orientarão o músico a uma tendência de realizar determinados
golpes de arco, em detrimento de outros devido à região do arco que está sendo utilizada.
(FLESCH, 1930). Quanto aos dedilhados, em alguns momentos eles foram escolhidos também
com a intenção de trazer maior facilidade à execução, mas em muitos casos, os elaboramos com
intuito de que determinado tipo de som fosse valorizado, ora mais brilhante, ora mais suave ou
escuro. Alguns dedilhados ainda foram escolhidos para provocar um portamento, e em outros
momentos para evitá-lo.
Abordamos mais detalhadamente umas obras que outras, porém, com consciência de
que muitos dos elementos que estamos analisando num dado prelúdio encontram-se presentes no
conjunto de obras como um todo. Dessa forma, pode-se estender os critérios interpretativos de
cada prelúdio como fonte de interpretação também para outros que eventualmente não tenham
sido tratados com a mesma especificidade e que possuam elementos em comum, utilizando-se
dos mesmos subsídios.
Nos “Anexos” da presente dissertação (p. 256 a 297) encontram-se as partituras dos
26 Prelúdios extraídas da dissertação de Frésca (2008), editadas por ela e por Guimarães. Tais
partituras não exibem os números dos compassos. No “Apêndice B” (p. 211 a 252) estão as
partituras com nossas revisões, correções de erros, alterações de arcadas e dedilhados que
elaboramos na pesquisa. Durante a exposição dos Prelúdios e nossos comentários, o leitor poderá
recorrer a esses “Anexos” e ao “Apêndice B” para localizar nas partituras os pontos aos quais
nos referimos em nosso texto.
Outro ponto referente à interpretação é a parcela de co-criação do intérprete, que faz
com que a interpretação tenha algo daquele que toca o violino, como é o nosso caso. Verificamos
alguns termos relevantes utilizados por Viegas e que têm orientado nossa interpretação. São eles:
“recriar, defender a idéia do compositor [... e] o caráter”, elementos norteadores para
concebermos cada um dos prelúdios (VIEGAS, 2009, p. 56).
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• Número do prelúdio: 1
• Título: Batuque
• Ano de composição: 1922
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Jacinto de Meis – Compositor e professor do Conservatório do Rio Grande do
Sul
• Tonalidade: Sol Maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegro – Presto
• Extensão: Sol 3 – Sol 6
• Variação de dinâmica: dinâmicas não indicadas pelo compositor
• Forma: Estrutura linear composta por uma introdução e duas frases recorrentes e variadas.
• Gravações em versão comercial: Flausino Vale (1932), Jerzy Milewski (1984); João Daltro de
Almeida (19??); Daniel Guedes (2004) e Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica: difícil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Pizicato comum (mão direita) em cordas quádruplas44
com
indicações de direção do gesto; pizicato de mão esquerda; fusas em ricochet45
em cordas
duplas; cordas duplas com utilização de intervalos de terças, quintas, sextas, sétimas e
décimas; harmônicos artificiais (de quarta)46
; notas rebatidas com spiccato “duro”47
em
cordas triplas
• Caráter musical: festivo, caipira, rústico
44
Cordas quádruplas: referimo-nos ao toque simultâneo nas quatro cordas do violino. Da mesma forma o termo
“cordas triplas” refere-se ao toque em três cordas simultaneamente, e “cordas duplas” toque em duas cordas ao
mesmo tempo. 45
Ricochet: “Assim como o sautillé, o ricochet é baseado no elemento flexível natural do arco. Várias notas são
executadas numa mesma arcada, tanto para cima como para baixo, através de um único impulso, que faz com que o
arco salte por si só, num movimento “ricocheteado” semelhante ao de uma bola de borracha. O impulso é dado na
primeira nota, quando o arco é jogado na corda. Em seguida permite-se ao arco que ele salte por si só, de forma “não
com-trolada”, ou seja, sem movimento ativo individual para cada nota.” (SALLES, 2004, p. 94 – 95). 46
Harmônicos artificiais no violino são notas em que, na mão esquerda, determinado dedo em posição mais grave
pressiona totalmente a corda contra o espelho ao mesmo tempo que um outro dedo em posição mais aguda encosta
levemente na mesma corda em posição específica que resultará o som de uma outra nota. 47
Spiccato “duro”: “Mais um dos golpes tipicamente brasileiros. É um tipo de spiccato executado na metade inferior
do arco, perto do talão. Possui componente vertical ligeiramente mais pronunciado que o do spiccato simples, assim
como um gasto maior de arco, o componente horizontal, dando a impressão de que o arco quase perde o controle,
saltando demasiadamente alto e amplo.” (SALLES, 2004, p. 82).
- 87 -
Na partitura deste prelúdio há uma indicação do próprio compositor determinando
que a obra deva ser tocada em quarenta segundos. No entanto, pudemos verificar algumas
diferenças nesse aspecto entre as gravações dessa obra que tivemos acesso. Muito interessante
para nós é o fato de que temos gravação do próprio Flausino executando essa obra. Tal gravação
consta tanto no CD gravado por Milewski em 1984 como no de Cláudio Cruz, de 2011. A partir
dessa indicação de Flausino Vale de que a obra deveria ser tocada em quarenta segundos,
decidimos aferir como constam os tempos de execução dessas gravações, muito embora, em
nossa opinião, uma interpretação em tempo mais lento ou mais rápido não resultará de forma
alguma em uma interpretação melhor ou pior. Apenas gostaríamos de esclarecer que o fato de ser
o único prelúdio dos 26 em que Vale faz uma solicitação precisa de duração de execução nos
despertou interesse em aferir os resultados das gravações que possuímos.
Temos registro da execução do compositor em quarenta e quatro segundos. Milewski
realiza a mesma obra utilizando sessenta e seis segundos, sendo bem mais lento o andamento de
sua execução. Cláudio Cruz o toca em cinquenta e um segundos. Na execução de Vale há
grandes oscilações de tempo (pulsação). Aferimos, por exemplo, que no Allegro, Flausino varia a
pulsação entre 104 e 116 e no Presto mantém-se mais regularmente, em aproximadamente
176. Ao analisarmos a gravação do próprio compositor, percebemos que sua execução não
corresponde exatamente à partitura que temos em nossa posse. Na verdade, não temos certeza se
essa diferença é porque ele simplesmente tenha suprimido certas notas em sua execução ou
porque após essa gravação tenha feito algum tipo de revisão ou acréscimo na partitura que
chegou até nós. Ocorre, por exemplo, que as cordas duplas em terças nos compassos 4 e 5 e as
décimas dos compassos 6 e 7 simplesmente não existem em sua execução, sendo o trecho
executado apenas da seguinte maneira.
Figura 10: Prelúdio 1 – “Batuque”, (c. 4 – 8): partitura que elaboramos para demonstrar como Vale executa esses
compassos em sua gravação, diferentemente de como está grafado na partitura completa da edição.
- 88 -
Percebemos também que as cordas duplas em terças que ocorrem do compasso 16 ao
21 também não são executados por Vale dessa forma e o trecho em harmônicos do compasso 22
ao 27 são executados em cordas duplas, em terças, sem harmônicos como apresentaremos na
figura a seguir:
Figura 11: Prelúdio 1 – “Batuque”, (c. 16 – 29): partitura que elaboramos para demonstrar como Vale executa esses
compassos em sua gravação, diferentemente de como está grafado na partitura completa da edição.
Outro fator curioso na execução de Vale dessa obra é uma aparente ausência de
preocupação em realizar os ritmos exatamente tais quais estão grafados na partitura. Isso nos faz
supor que a partitura da obra, mesmo sendo escrita por ele mesmo, representava apenas um
esboço da música por ele pretendida, de tal forma que sua grafia musical nos remete a diversas
formas de escrita musical que sabemos existir. Semelhantemente à forma de escrita da música
popular, que oferece ao intérprete alguma liberdade em relação a variações rítmicas e até mesmo
inserção de síncopas em sua interpretação.
Nossa sugestão de referência de pulsação para o Allegro (c. 1 – 28) é de 100. No
Presto (c.29 – 56) passamos a 144. Um recurso pouco comum, mas não inédito que Vale
adota na introdução deste prelúdio (c. 1 – 4) é a utilização de pizicatos com alternância de
sentido do movimento do dedo indicador da mão direita, que realiza esses pizicatos. Nesse
sentido, de forma semelhante às sinalizações de arco para baixo ( ) e arco para cima ( ),
amplamente utilizada na escrita de instrumentos de arco, faz uso dos mesmos símbolos para
representar que o intérprete deve executar algumas notas com o dedo indicador indo da quarta
corda para a primeira corda ( ), e, da primeira corda em direção à quarta ( ). Uma das
consequências deste recurso é uma caracterização de um toque que se assemelha a maneira de
execução de diversos instrumentos de cordas dedilhadas, como é o caso do violão e viola caipira.
- 89 -
A região do arco que sugerimos para o final da introdução, no momento em que se
começa a utilizar o arco (c. 4.2 – 7) é a região do meio, com sonoridade “consistente”, dinâmica
forte, apesar de não haver indicações de dinâmica por parte do autor. É interessante observar a
presença de décimas em cordas duplas nessa introdução (c. 6.2 – 7). Sendo essa a única vez em
todo o ciclo dos 26 prelúdios na qual Vale utiliza esse recurso. Ainda assim, precisamos nos
lembrar, como já comentamos e demonstramos anteriormente, que o próprio compositor em sua
gravação não executa a passagem com as décimas. O Prof. Hermes Alvarenga em sua
dissertação revela sua hipótese de que Flausino utilizava em suas composições recursos técnicos
que ele próprio dominava bem, criando assim obras que ele pudesse tocar sem grandes
dificuldades. Alvarenga desenvolve ainda mais essa ideia supondo que Flausino não dominava
bem algumas técnicas, como seria o caso das cordas duplas em décimas. (ALVARENGA,1993).
As décimas são de fato uma ferramenta técnica que demanda muito trabalho do
violinista até que a domine com segurança, e requer inclusive esforço físico incomum ao toque.
Há bons professores de violino e pedagogos que recomendam que o estudo de décimas deva ser
realizado com muita precaução para não se chegar à exaustão, o que poderia causar facilmente
uma lesão osteomuscular na mão e braço esquerdo, ou lesão neural, sobretudo no setor do nervo
ulnar. Especialistas da fisiatria demonstram em pesquisas que dentre os principais problemas de
saúde que acometem os músicos devido à sua atividade profissional encontramos o chamado
“DORT”, ou “Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho”. Este distúrbio é o líder
no ranking de doenças notificadas à Previdência Social e que afeta principalmente músicos do
naipe de cordas
em decorrência de microtraumas que vão se acumulando, movimentos manuais
repetitivos, contínuos, rápidos e vigorosos durante longas horas de prática. A
vulnerabilidade de músicos de cordas, especialmente os violinistas, já foi objeto de
estudo pela Universidade do Texas, nos Estados Unidos: em 1989, a pesquisa realizada
na instituição apontou, em um grupo de 2.122 membros da Conferência Internacional de
Músicos da Sinfônica e Ópera, 75% afetados por algum tipo de problema ocupacional.
No Brasil, 88% dos músicos de cordas reclamam de desconforto físico relacionado a sua
atividade (BARATA, 2002, p. 13).
Para Oliveira e Vezzá (2010) o grau de ocorrência de DORT/LER (Lesões por
Esforços Repetitivos) em músicos é equivalente aos índices de trabalhadores industriais.
Segundo as pesquisadoras é ainda bastante preocupante o fato de que “estudantes de música têm
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prevalências quase tão altas quanto os músicos profissionais, o que constitui grave problema de
saúde pública, visto que este adoecimento atinge uma população jovem, que está no início de sua
vida profissional” (OLIVEIRA & VEZZÁ, 2010, p. 34).
Quanto à metodologia para alcançar o domínio das décimas, propomos duas
recomendações didáticas: primeiramente a prática diária de exercícios específicos para esta
técnica, preferencialmente na mesma tonalidade da obra que se está praticando, como por
exemplo, a seção de escalas em décimas do sistema de escalas de Carl Flesch48
. A segunda
recomendação é a prática do trecho musical em décimas, em diversos andamentos, com
glissando entre cada par de notas, com gradual aumento de velocidade.
A partir do compasso 8 é apresentado novo motivo temático, que devido às suas
características rítmicas e de articulações será mais adequadamente executado se realizado na
metade inferior do arco, mais próximo à região do talão. Todos os pizicatos de mão esquerda que
ocorrem no Allegro (c.1 – 28) são executados com o quarto dedo (mínimo). Os acentos que
ocorrem na última colcheia dos compassos 9, 10, 11, 13, 14 e 15 devem ser bem pronunciados.
Por conseguinte obteremos uma sensação de deslocamento no tempo que dará à interpretação um
caráter de dança popular. Quanto aos harmônicos de quarta (artificiais simples) que se
apresentam nos compassos 23 a 27, compõe uma variação do segundo motivo temático deste
prelúdio (c. 16 – 22.1). Colocaremos uma sugestão didática para o estudo prático de “harmônicos
de quarta”49
no violino. Trataremos desses procedimentos adiante quando for feita nossa
exposição sobre o prelúdio 5 (Tico-tico). Nesse ponto o utilizaremos como paradigma dessa
metodologia de estudo de harmônicos que propomos. O motivo pelo qual faremos esse estudo
específico no prelúdio 5 é o fato de que seus harmônicos artificiais simples ocorrem em
sequências de notas de maior complexidade que as do Prelúdio 1. Os procedimentos que
apresentaremos em nossa abordagem do prelúdio 5 podem ser utilizados para estudos desse tipo
de harmônicos em obras em geral.
O Presto (c. 29 – 56) é constituído por variações dos elementos temáticos
apresentados no Allegro. Essas variações ocorrem principalmente com alternância de elementos
da técnica instrumental. O primeiro “tema”, ou frase, (apresentado inicialmente nos compassos 8
48
Referimo-nos ao “Scale System – Scale exercises in All Major and Minor Keys for Daily Study ” de Carl Flesch
(em português: “Sistema de escalas – exercícios de escalas em todas as tonalidades maiores e menores para estudo
diário). 49
Ou harmônicos artificiais simples de quarta.
- 91 -
– 15), por exemplo, é neste momento apresentado (c. 28 – 35) acrescido de pizicatos de mão
esquerda e com uma semínima (c. 8) “transformada” em quatro fusas em ricochet mais uma
colcheia (c. 32). O segundo “tema” (c. 16 – 28) é reapresentado no presto (c. 37 – 48) com
variação baseada em acordes de três sons rebatidos e com a indicação do compositor “com
rusticidade no meio do arco”. É importante notar que tal passagem só pode ser executada no
meio do arco com sucesso se o andamento for de fato acelerado, tal como a referência de
pulsação que sugerimos anteriormente. Este procedimento em sautillé é bem explicado no livro
da Profa. Mariana Salles sobre arcadas e golpes de arco50
, onde também encontramos
informações sobre a relação do tempo na execução do sautillé com a região do arco a ser
utilizada. (SALLES, 2004, p.85-89)
O pedido do compositor pela “rusticidade” nos dá indicações sobre sua concepção da
peça, ou melhor, do estilo, oferecendo parâmetros para nossas indicações sobre a execução e
também corroborando com nossa percepção sobre as obras no sentido de reforçar o que
vínhamos mencionando no trabalho anteriormente: características interioranas, rústicas, a
valorização de algo particular da nossa cultura regional.
Neste Presto, o autor utiliza amplamente a técnica de pizicatos de mão esquerda
(representados na partitura pelo sinal “+” acima ou abaixo das notas). Por este motivo faremos
algumas considerações sobre a realização deste recurso. Um cuidado importante a ser tomado
pelo executante é que ao puxar a corda com o dedo, não se esbarre na corda ao lado, para que
não soe um pizicato indesejado. Cremos que não seja novidade para qualquer músico que o
domínio de determinado trecho musical com dificuldades técnicas é alcançado através de
repetição sistemática, lenta, cuidadosa, com preciosismo. Não é diferente com o pizicato de mão
esquerda. Um violinista que não esteja habituado a realizar esta técnica sentirá dificuldade em
realizá-la com som claro, regularidade rítmica e de dinâmica. É imprescindível que os
movimentos dos dedos da mão esquerda sejam primeiramente feitos em tempo lento e visando
uma regularidade rítmica absoluta. É também importante que o violinista faça estes movimentos
sentindo que os está fazendo “com mais força” do que seria na execução normal. Queremos nos
referir ao fato de que a corda apresentará resistência em sentido oposto ao da força do dedo que
puxará a corda para realização do pizicato de mão esquerda. Com alguns dias de prática o
resultado será alcançado. Recomendamos ainda ótimos exercícios de pizicato de mão esquerda
50
Referimo-nos ao livro “Arcadas e golpes de arco” de Mariana Isdebski Salles.
- 92 -
que podem ser encontrados nos estudos de O. Ševčík. Ainda sobre a questão dos pizicatos de
mão esquerda é importante que levemos em consideração que muitas vezes estão intercalados
com notas realizadas com o arco, como é o que ocorre no Presto. Neste caso, é importante que o
som alcançado assemelhe-se ao de um pizicato. Um “pizicato realizado com o arco”, se assim
podemos ousar dizer. Este resultado será conseguido com um curto e vertical golpe na extrema
ponta do arco, descrito por Salles (2004) com a nomenclatura “spiccato percussivo”. (SALLES,
2004, p. 81-82)
Estes prelúdios de Vale apresentam-se, em nossa opinião, como valioso material de
estudo para jovens estudantes de violino, que estão adquirindo conhecimentos e práticas sobre a
técnica instrumental. A razão desta nossa observação é o fato de percebermos que o compositor
se utiliza de elementos de técnica violinística avançada, em seu repertório virtuosístico, mas de
maneira mais simples e de mais fácil execução do que encontrado outras obras de outros
compositores. Célebres violinistas como Paganini, Sarasate e Wieniawski, apenas para citar
alguns exemplos, realizaram composições com semelhantes recursos, mas em obras de maior
dificuldade técnica. Por isso acreditamos que esses prelúdios serviriam de ótima ferramenta se
utilizados nas universidades de música com objetivos didáticos nos cursos de violino.
Há um erro de edição no compasso 25 da edição que utilizamos nessa pesquisa. As
duas primeiras colcheias do compasso 25 aparecem como se fossem harmônicos de quintas,
quando na realidade são harmônicos de quartas. Apresentaremos a seguir uma ilustração com o
trecho corrigido.
Figura 12: Prelúdio 1 – “Batuque”, (c. 24 e 25): partitura de nossa autoria com correção das duas primeiras colcheias
do compasso 25 que constavam como harmônicos de quintas.
• Número do prelúdio: 2
• Título: Suspiro d‟Alma
• Ano de composição: 1923
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
- 93 -
• Dedicado a: Francisco Chiaffitelli – violinista e compositor em São Paulo, tendo sido
Professor Catedrático na Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil51
(1881-
1954). Também é relevante que esse violinista foi aluno da classe do Prof. Eugène Isaye, no
Conservatório Real de Bruxelas. Quando retornou ao Brasil trazia consigo a escola técnica
franco-belga do violino, mais particularmente para o Rio de Janeiro52
.
• Tonalidade: Dó Maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Andante (tempo rubato)
• Extensão: Sol2 – Sol6
• Variação de dinâmica: dinâmicas não indicadas pelo compositor – há apenas uma indicação
de diminuendo nos últimos três compassos.
• Forma: É composto por duas frases recorrentes53
e uma codeta.
• Gravações em versão comercial: Edson Queiroz de Andrade (2006) e Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica: médio, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Cordas duplas com utilização de intervalos de terças, quartas e
oitavas; harmônicos naturais simples e artificiais simples; arpejos ascendentes em caráter
cadencial; acordes de três sons e acordes harpejados de quatro sons.
• Caráter musical: Caipira, Melancólico, Tranquilo e Meditativo.
Do ponto de vista didático, “Suspiro d‟alma” pode ser abordado como um estudo de
expressividade e de cadências de concerto, sem falar na abordagem das terças em cordas duplas.
Nossa sugestão de pulsação metronômica para este prelúdio é de 40. O nome desse prelúdio já
é bastante sugestivo para a indicação de elementos interpretativos.
Em nossa interpretação executamos a primeira frase (c. 1 – 3.1) com sonoridade
“densa”, de forma que o arco tenha bastante contato com as cordas, na região inferior do arco e
51
Descobrimos esse fato através do documento de nomeação ainda online, divulgado pelo Diário Oficial no seguinte
link: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/2513773/dou-secao-1-22-10-1938-pg-8>. 52
Dados sobre esse violinista não se encontram facilmente. Por esse motivo divulgamos esse site não-acadêmico,
mas que traz várias informações sobre diferentes compositores e músicos:
<http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=25414>. 53
Referimo-nos aos conceitos de unidades morfológicas propostas pela análise musical, em que grupos de estruturas
de nível menor formam estruturas maiores. Nota é a unidade morfológica de “nível zero”. Um conjunto de notas
formam “incisos” ou “células” (nível 1). Conjuntos de incisos formam “grupos” (nível 2). Grupos formam “frases”
(nível 3), e várias frases formam “períodos” (nível 4). Conjuntos de períodos podem compor unidades de nível 5 que
podem ser diversas, tais como “temas”, “seções”, etc.
- 94 -
utilizando uma amplitude limitada dele, com o objetivo de alcançar uma sonoridade intensa, com
acentuado movimento de pronação do antebraço direito. Bronstein (1981, p.34) indica que “para
uma sonoridade intensa, utilize uma porção compacta de arco”54
. O vibrato ajudará a controlar a
sonoridade, sendo, portanto utilizado expressivamente. Por questões estilísticas sugerimos a
realização de portamento nas passagens com mudanças de posição, como é o caso das cordas
duplas Dó 5 – Mi 5 em terças (c. 1) para Ré 5 – Fá 5. Da mesma maneira, sugerimos um
portamento descendente na passagem Mi 5 – Sol4 para Dó 5 – Mi 5. Nossa “visão musical” é na
direção de que essa frase soe como um canto caipira melancólico, “arrastado”.
Há algumas ricas orientações oferecidas por Mário de Andrade em seu livro “Ensaio
sobre a música brasileira”, que mapeiam elementos que para ele caracterizavam a música
brasileira. Considerava que a maneira brasileira de produzir sons tinha estilos específicos e os
definia algumas vezes. Andrade revela a forma própria desse canto num
ligado peculiar (também aparecendo na voz dos violeiros do centro) dum glissando tão
preguiça que cheguei um tempo a imaginar que os nordestinos empregavam o quarto-
de-tom. Pode-se dizer que empregam sim. Evidentemente não se trata dum quarto-de-
tom com valor de som isolado e teórico, baseado na divisão do semitom, (...) o
nordestino possui maneiras expressivas de entoar que não só graduam seccionadamente
o semitom por meio do portamento arrastado da voz, como esta às vezes se apóia
positivamente em emissões cujas vibrações não atingem os graus da escala. São
maneiras expressivas de entoar, originais, características e dum encanto extraordinário
(ANDRADE, p.57, 1962 [1928]).
É dentro dessa visão que constituímos nossa concepção interpretativa destes
portamentos em momentos específicos da nossa execução desses prelúdios, embora não estejam
sendo abordados intervalos de quarto de tom.
O arpejo em fusas que ocorre no compasso 3 tem caráter cadencial55
. Nesse sentido,
nossa sugestão é que o arpejo seja realizado com mais apoio na primeira nota, com o início da
sequência de fusas um pouco mais lenta, com rápido acelerando, e ligeiro cedendo nas últimas
fusas. Quanto à dinâmica da passagem, propomos que o acorde das mínimas com fermata (c. 3.1
– 3.2) inicie forte, na mesma dinâmica que vinham os compassos anteriores, e decresça ao piano.
Sugerimos uma breve respiração (cesura) antes de iniciar a execução do arpejo. As fusas
cadenciais seguirão num diminuendo ao pianissimo. A seguir nossa sugestão de arcadas e de
respiração expressiva para o compasso nº3.
54
Tradução nossa de “for intensity of sound, use a compact amount of bow”. 55
Referimo-nos às cadências de concertos para solista e orquestra.
- 95 -
Figura 13: Preludio 2 – “Suspiro d‟alma” (c. 3): extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de nossa
sugestão de arcada e respiração expressiva para o compasso 3.
Este prelúdio é composto por apenas 19 compassos. Das frases seguintes, algumas
são repetições da primeira frase, outras repetições da segunda frase, que equivale musicalmente à
estrutura dessa primeira, assim, podendo ser interpretadas segundo semelhantes critérios.
Gostaríamos de expor nossa sugestão de dedilhados e arcadas para os arpejos dos compassos 8 e
11. Há ainda as marcações de respiração. Para tanto elaboramos a seguinte ilustração, em que
nossos dedilhados constarão sempre abaixo de cada sistema musical. Os dedilhados acima das
notas são os dedilhados que foram mantidos da edição que possuímos:
Figura 14: Preludio 2 – “Suspiro d‟alma” (c. 8 – 13): extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossas sugestões de arcadas e respirações expressivas para os compassos 8 e 11.
Tais princípios de dedilhados dos arpejos acima estão em conformidade com os
conceitos de Yampolsky (1984).
A codeta (c.17 – 19) é uma realização de acordes arpejados em fusas através de
mudanças de corda executadas pelo arco. O compositor grafou estes arpejos sempre com a
primeira nota de cada grupo de oito notas como semínima. Esta grafia nos sugere que esta
primeira nota, a grafada como semínima, seja sempre mais pronunciada, tenha “mais peso”, seja
- 96 -
até mesmo de mais longa duração que as demais. É importante que seja usado cerca de um terço
da amplitude do arco, com mais velocidade, nessa primeira nota nas arcadas “para baixo”. Nas
arcadas para cima, o arco deve correr com velocidade e leveza suficientes para que a próxima
sequência seja novamente iniciada na região inferior do arco. Não esqueçamo-nos, no entanto, da
indicação diminuendo. O acorde final terá sonoridade suave, com arco bem leve sobre a corda,
ainda em diminuendo.
• Número do prelúdio: 3
• Título: Devaneio
• Ano de composição: 1924
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Raul Laranjeira – violinista e professor de São Paulo
• Tonalidade: Lá Maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegreto
• Extensão: Lá 3 – Dó# 8 (harmônico artificial)
• Variação de dinâmica: piano e forte ao fortíssimo com crescendo
• Forma: É uma estrutura linear composta por uma frase recorrente com diversas variações e
uma codeta.
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Edson Queiroz de Andrade (2006) e
Claudio Cruz (2011).
• Grau de dificuldade técnica: médio, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Cordas duplas com utilização de intervalos de terças, quartas,
sextas, e oitavas; cordas triplas; cordas quádruplas; harmônicos naturais simples e artificiais
simples; acorde de quatro sons em pizicato; mordente em cordas duplas
• Caráter musical: Caipira, festivo, “cantiga popular”
“Devaneio” é uma obra com caráter musical lúdico e leve, como muitas cantigas
populares brasileiras. Até mesmo nos chamou a atenção a semelhança da melodia principal
recorrente deste prelúdio 3 com a melodia da cantiga “Escravos de Jó”. Elaboramos uma imagem
- 97 -
de uma partitura com os primeiros compassos de “Devaneio” em paralelo com os primeiros
compassos de “Escravos de Jó” para que fique bem clara a semelhança das melodias.
Figura 15: Preludio 3 – “Devaneio” (c. 1 – 4) em paralelo com melodia de “Escravos de Jó”. Esta partitura é uma
elaboração nossa.
Alguns de nossos entrevistados, quando perguntados se notavam algum tipo de
semelhança entre prelúdios de Vale e a música popular, ou regional, ou ainda “folclórica”
responderam que há até mesmo referências claras a canções ditas “folclóricas brasileiras” e de
cantigas de roda. Flausino Vale, de forma semelhante a outros compositores, incluiu em sua obra
o imaginário popular. Dentre nossos entrevistados, nem todos são acadêmicos. Porém, não
podemos ignorar o fato de haver um consenso, ainda que em um “senso comum” entre bons
violinistas que acreditam que a obra de Vale é rica nessas influências.
Tendo em vista essas características presentes nessas obras, e ainda mais flagrantes
nesse prelúdio número 3, tentamos pensar elementos da técnica instrumental que pudessem ser
utilizados na elaboração de uma interpretação condizente com estes conceitos.
Como pulsação, decidimos por 92 como referência. Propomos uma
predominância de “articulações separadas” para a realização desta interpretação, no entanto sem
exageros. A execução deve ser leve, porém sonora e enérgica. A região do arco mais adequada
para ressaltar estas características será a região inferior, próximo ao talão. As colcheias serão
tocadas com o arco saindo da corda, com spiccato cantábile56
, e as semínimas serão executadas
“na corda”, com bastante amplitude de movimento de arco, mas com separação, através do golpe
denominado détaché porté57
. Recomendamos que o fraseado seja realizado de forma a direcionar
a linha melódica a cada dois compassos. Tentaremos ser mais claros quanto a estas ideias
56
De acordo com Salles (2004) é uma modalidade de spiccato em que “o componente horizontal é mais
pronunciado que o vertical, fazendo com que o arco permaneça mais tempo em contato com a corda, num
movimento semi-eliptico” (SALLES, 2004, p. 80). 57
Détaché em que ocorre o tipo de sonoridade conhecida como portato. (SALLES, 2004, p.72).
- 98 -
representando simbolicamente este ciclo que ocorre no direcionamento da frase através da figura
abaixo. Utilizaremos os sinais ( ) e ( ) respectivamente para representar “crescendo
e diminuendo expressivo”. No entanto, deixamos claro que não se trata de crescendo e
diminuendo de dinâmica propriamente, e sim, apenas uma intenção de condução fraseológica.
Figura 16: Preludio 3 – “Devaneio” (c. 1 – 11): extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
representação gráfica de condução melódica e direção de frase de acordo com nossa interpretação.
A figura anterior é uma elaboração nossa a partir da partitura do prelúdio em questão.
As setas, juntamente com os sinas de crescendo e diminuendo representam a direção de
condução das frases musicais tal qual pretendemos.
O acorde de quatro sons que ocorre na última colcheia do compasso 8 precisará ser
executado em duas partes devido a questões de dedilhado. Primeiramente faremos soar
simultaneamente as duas notas mais graves, e a seguir, o mais imediatamente possível, as duas
mais agudas. Há uma passagem cujo dedilhado merece uma alteração. Acreditamos ser apenas
um erro de edição. Trata-se do dedilhado do compasso 11, que é um compasso idêntico ao
compasso 3. Basta para tanto observar que o dedilhado também seja executado igual ao do
terceiro compasso.
Temos também sugestões de arcadas que gostaríamos de apresentar em momentos
pontuais deste prelúdio. Cremos que estas arcadas proverão melhores condições de execução aos
acordes. A partir da partitura editada por Frésca e Guimarães (2007) elaboramos esta figura, com
nossas sugestões de arcadas.
- 99 -
Figura 17: Prelúdio 3 – “Devaneio” (c. 18 – 23): extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de nossas
sugestões de arcadas para os compassos 21 e 22.
Mantivemos na imagem a ligadura do compasso 21, pois apesar da mudança de
sentido do arco, a intenção é que essas notas não tenham separação sonora.
A seguir apresentaremos mais uma ilustração para representar nossa visão sobre as
arcadas. No trecho a seguir encontraremos arcadas semelhantes a essas do trecho anterior, e
outras que visam estabelecer uma boa qualidade de som na realização dos harmônicos naturais e
artificiais. Os acordes com ligaduras que ocorrem nas colcheias dos compassos 41, 42 e 43
devem ser realizados na região do talão, visando o mínimo de interrupção sonora possível, de
acordo com a presença das ligaduras. As “mudanças de plano”58
de braço direito devem ser
discretas nesses acordes. O mínimo de mudança na altura do cotovelo direito ajudará a realização
dessa passagem em legato. Quanto ao nosso critério para elaboração das arcadas nos
harmônicos, baseia-se no fato de que notas em harmônicos – sejam eles naturais ou artificiais –
necessitam de arcadas velozes para soarem de forma clara. Assim, não é recomendável que se
execute vários harmônicos seguidos em uma mesma arcada, pois a velocidade do arco terá que
ser mais lenta para dar conta de abarcar todas as notas ligadas. A figura a seguir é extraída da
edição de Frésca e Guimarães (2007) dos prelúdios, com nossos acréscimos de arcadas.
58
Com a expressão “mudanças de plano” nos referimos às alterações de altura do braço direito que ocorrem quando
o arco muda de corda durante a execução.
- 100 -
Figura 18: Prelúdio 3 – “Devaneio” (c. 30 – 46): extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de nossas
sugestões de arcadas para os compassos 32, 33 e 41 a 46.
Quanto à agógica em especial das sextinas do compasso 45, sugerimos que sejam
realizadas praticamente “a tempo”, com mais apoio na primeira nota, Lá 3 e um pouco de
cedendo nas notas finais. O acorde final, em pizicato, sugerimos que seja realizado em bloco.
• Número do prelúdio: 4
• Título: Brado íntimo
• Ano de composição: 1924
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: José M. Mattos (1908 – 1992) – Amigo do compositor, violinista e importante
professor de violino em Belo Horizonte – M.G.
• Tonalidade: Lá maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: não definido pelo compositor
• Extensão: Lá 3 – Ré 6
• Variação de dinâmica: pianissimo a fortissimo
• Forma: Trata-se de uma estrutura monotemática, composta por um período binário recorrente
e uma codeta
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• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984) e Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica: fácil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Glissando ascendente e descendente; harmônicos naturais
simples; harmônicos de quarta; harmônicos naturais duplos; mordentes; cordas duplas com
intervalos de terças, quintas e sextas; acorde de quatro sons em pizicato;
• Caráter musical: Lírico, cantabile, rubato
A célula inicial da peça (compasso 1), também recorrente em vários outros
momentos dessa obra (como nos compassos 3, 5, 11, 13 e 15), apresenta-nos um glissando ao
harmônico59
de forma peculiarmente presente em repertório violinístico erudito romântico, em
peças de caráter leve, como por exemplo em obras de Saint-Saens e Sarasate. Flausino expressa
um gosto especial por esse tipo de repertório. A sequência encontrada nessa célula inicial
resultante de um glissando de quarta justa ascendente, até este harmônico (com som leve e
flautado característico do harmônico e recorrente ao longo do prelúdio), dá a esta obra um caráter
livre do ponto de vista rítmico e do tempo. Tal característica fica mais evidente se levarmos em
consideração que a primeira nota dessa célula recorrente (Mi 5) é sempre acompanhada de uma
fermata antes do glissando. No compasso 5 não ocorre a mencionada fermata. No entanto,
consideramos a possibilidade provável de uma lacuna na edição ou mesmo do compositor nesse
quinto compasso, que certamente em nossa interpretação decidimos por executamos como se a
fermata ali estivesse. Essa célula é também acompanhada por duas dinâmicas indicadas pelo
autor: pianissimo na primeira nota Mi 5, e um fortissimo na segunda nota, Lá 5 harmônico.
Devido a essas características que acabamos de mencionar nessa célula inicial,
optamos por uma interpretação livre do ponto de vista rítmico. Para o andamento da peça
utilizamos como base para nossa interpretação a 52. Esta, porém, é apenas uma referência de
pulsação para a execução dessa obra.
No segundo compasso observamos a indicação do autor: “impetuoso”. Teoricamente
deveríamos, de acordo com as indicações do compositor, produzir a dinâmica fortissimo desde o
59
Com o quarto dedo da mão esquerda – dedo mínimo – do Mi4 ao Lá4, uma quarta justa acima, sendo este Lá o
harmônico. Este Lá harmônico, no violino, é resultado de encostarmos em determinada posição da corda apenas
levemente com o dedo em questão, de forma a não pressionar a corda contra o espelho do violino (peça de madeira
escura contra a qual o violinista pressiona os dedos de sua mão esquerda para inferir as diferente notas). A
sonoridade do harmônico é muito característica, podendo ser adjetivada como um som leve, liso que se assemelha a
um timbre flautado ou de assobio.
- 102 -
segundo tempo do primeiro compasso. Porém, em nossa interpretação, optamos por não chegar
ao fortíssimo nesse momento e sim, apenas ao forte no segundo tempo desse primeiro compasso,
para então alcançarmos o fortissimo tão somente na última metade de tempo do segundo
compasso, onde existe a indicação “impetuoso”. Cremos que, dessa forma, conseguiremos um
maior contraste do clima ameno e tranquilo da célula inicial com esta outra célula que terá um
caráter mais denso, vigoroso, enérgico, em especial se o executarmos com articulação mais
“marcada”60
, como se fosse uma outra voz, ou até mesmo um outro instrumento.
Na sequência recorrente das notas Re# 4 – Lá 5 harmônico natural apresentadas nos
compassos 7 e 8 optamos, em nossa interpretação, por um direcionamento dessas notas repetidas
encaminhando um maior nível de intensidade até o primeiro tempo do compasso 9. Para tanto, ao
realizar essa passagem, iniciamos com o compasso 7.161
numa dinâmica um pouco abaixo da que
estávamos (próximo ao mezzo forte) e em tempo um pouco mais lento, com caráter hesitante, e
nos utilizamos da realização de um crescendo de dinâmica e progressivo acelerando, que
culminará numa pulsação um pouco mais rápida ( 104) e dinâmica fortissimo no compasso 9.
É de praxe que ao tocarmos uma série de notas iguais ou um conjunto de notas
repetidas, façamos uma diferenciação entre elas de modo que elas “transmitam” algo para além
de uma repetição sistemática. Nesses compassos 7 e 8 é o que acontece, ou seja, iniciando-se na
anacruse do compasso 7 até a primeira nota do compasso 9 repete-se a sequência Ré# 5 – Lá 5
(harmônico natural). E é justamente essa dinâmica mencionada que faz com que essa repetição
se apresente com sentido musical, de modo que as ideias musicais anteriores nos deem indicação
de um momento de hesitação para uma maior tensão. O objetivo dessa forma de tocar é provocar
no ouvinte uma elevação de tensão naquele instante, conduzindo a um novo momento de menos
tensão, ou, no caso, de repouso no compasso 10.
Temos ainda uma outra indicação do compositor no compasso 14: “calmo”, onde
percebemos que o trecho compreendido entre os compassos 11 e 19 é uma repetição variada da
seção inicial dessa peça, situada entre os compassos 1 e 10. Portanto, musicalmente, o compasso
14, onde ocorre a indicação “calmo”, se corresponde com o compasso 4, em que não há a mesma
indicação. Acontece nessa segunda aparição, a do compasso 14, uma variação dos elementos
60
Referimo-nos aqui à utilização de golpes de arco como o martelé que é “executado na corda, separado por pausas,
onde cada nota é precedida por um grande acento inicial, de caráter percussivo.” (SALLES, 2004, p. 77). 61
A notação 7.1 é referente à primeira metade do compasso 7.
- 103 -
musicais, com utilização de harmônicos duplos62
. Como a sonoridade nos harmônicos duplos é
mais difícil de ser controlada, tivemos a hipótese inicial de que o compositor pedira “calmo”
nesse trecho, objetivando facilitar ao executante sua performance pois não haveria, de forma
evidente, uma demanda musical por essa solicitação, visto que em trecho equivalente a esse
anteriormente não houve essa solicitação. No entanto, após um exame mais cuidadoso,
verificamos um trecho como o compasso 12, em que também ocorrem harmônicos duplos sem
que o compositor solicite andamento mais calmo, ficando para nós a dúvida do motivo pelo qual
o compositor tenha feito tal requisito. Preferimos em nossa interpretação respeitar a indicação do
compositor, reduzindo, portanto, sutilmente a pulsação nesse momento.
Gostaríamos de fazer um comentário sobre um dedilhado para cordas duplas nas
notas do compasso 20 ao 24. Observamos duas possibilidades principais de dedilhado e a que
escolhemos para a nossa interpretação é mais “escolar e tradicional” e a escolhemos devido à
nossa formação63
. Outra forma de realizá-lo é “menos rebuscada”, mas poderia fazer mais
sentido para uma obra que se pretende aproximar do popular. Ficamos aqui justamente entre uma
linguagem violinística “mais tradicional” por si só, e a ideia que essa música transmite, afinal, é
exatamente essa uma das questões que mais estão em voga em nosso intuito de interpretar a obra
de Flausino Vale. Abaixo as duas sugestões possíveis de dedilhado:
Figura 19: Prelúdio 4 – “Brado íntimo” (c. 19 – 23): extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossa sugestão de dedilhado baseado em conceitos mais tradicionais da técnica.
Figura 20: Prelúdio 4 – “Brado íntimo” (c. 19 – 23): extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
outra possibilidade de dedilhado de mais simples execução, por aproveitar a utilização de corda solta no Ré 4
(indicada por “0” no excerto acima).
62
Harmônicos duplos é a expressão utilizada para referir-se ao recurso de harmônicos já mencionados
anteriormente, porém, executados de forma simultânea em duas cordas. Tecnicamente, esse recurso demanda do
violinista muito cuidado para que o som permaneça “limpo” durante a execução dessas notas. 63
A formação a qual nos referimos é principalmente baseada nos critérios da escola de violino franco-belga
provenientes de nosso tempo de estudo com o Professor Michel Bessler.
- 104 -
Quanto à sequência de semicolcheias encontrada no compasso 23, optamos por
realizá-la ritmicamente de forma semelhante à sequência de semicolcheias presente no compasso
8, pois assim como no caso do compasso 8, o compasso 23 é constituído de uma repetição dos
mesmos intervalos.
Há um arpejo final em fusas no compasso 27 que decidimos por executá-lo
totalmente a tempo, sem rallentando, exceto pela primeira nota, o Lá 4, o qual pronunciamos por
um pouco mais de tempo e com “mais apoio”. Essa sequência é tocada com ligeiro decrescendo
de dinâmica até o final do compasso. O pizicato do compasso final é por nós interpretado em
bloco, ou seja, as quatro notas são executadas o mais simultaneamente possível.
É importante lembrar que esse prelúdio é dedicado a José Martins de Mattos, pai de
Alysio de Mattos, orientador desse trabalho de mestrado. Tivemos a oportunidade de perguntar
ao Prof. Alysio se ele encontrava alguma ligação dessa música com algo típico de seu pai,
identificação encontrada, por exemplo, por Marena Salles, quanto ao pai dela, Marcos Salles, a
quem Flausino também dedicou um de seus prelúdios (Tico-Tico). Percebemos nesse prelúdio
um caráter lírico e “cantabile” que o Professor Alysio mencionou ser muito típico das obras que
seu pai gostava de escolher para tocar. Essa peça traz esse caráter lírico e leve, e mais importante
ainda, apresenta essa característica de glissando ascendente a uma nota em harmônico, ou seja,
caminhando para a nota mais aguda, que terá um brilho e sonoridade especial. Esse tipo de
sequência de notas é muito próprio em repertórios como certas peças de Kreisler, Saint-Saëns e
Sarasate, obras comumente executadas pelo Prof. José de Mattos. Por termos essa informação,
tratamos essas notas valorizando esse caráter lírico da obra.
• Número do prelúdio: 5
• Título: Tico-tico
• Ano de composição: 1926
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Marcos Salles (1885 – 1965) – Amigo de Flausino Vale, compositor e importante
violinista brasileiro
• Compasso: C
• Andamento: Allegreto
- 105 -
• Extensão: Sol 3 – Sol 6
• Variação de dinâmica: Sem indicações de dinâmica
• Forma: Trata-se de uma estrutura linear com textura figurativa, com uma codeta
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Daniel Guedes (2004) e Claudio
Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: Média, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Acordes de quatro sons em arpejos em ricochet, (formados
sempre a partir da terceira e quarta cordas soltas e intervalos predominantemente de sexta nas
segunda e primeira cordas, havendo, porém, intervalos de sétimas, oitavas, nonas e décimas);
pizicato comum; pizicato de mão esquerda; harmônicos de quarta
• Caráter musical: enérgico, de efeito virtuosístico em contraposição a um caráter leve e
tranquilo na parte final.
Este prelúdio parece ter sido inspirado no “Capricho Nº 1”, Op. 1 de Paganini em Mi
Maior, “Capricho” predominantemente composto através da utilização da técnica violinística de
acordes rapidamente arpejados nas quatro cordas do violino com golpe de arco saltado
denominado “arpejos em ricochet”64
, e em que a mão esquerda controla as mudanças
harmônicas. Demonstraremos na figura a seguir pequeno excerto do “Capricho 1” de Paganini ao
qual nos referimos.
64
Este golpe “abrange de duas a quatro cordas tocadas em „movimento perpétuo‟.” (SALLES, 2004, p. 97). Foi
interessante observar que a Profa. Mariana Salles cita em seu livro um trecho de “Tico-tico” como exemplo de
circunstância onde é cabível a execução dos “arpejos em ricochet”.
- 106 -
Figura 21: “Capricho Nº 1”, Op. 1 de Paganini em Mi Maior (c. 1 – 11).
No caso do Prelúdio 5 de Vale, o nível de dificuldade técnica é bem menor do que na
referida obra de Paganini, pois em “Tico-tico” todo o trecho arpejado é constituído de acordes
em que as terceira e quarta cordas permanecem soltas do início ao fim, funcionando como um
pedal harmônico de Sol 3 e Ré 4 em quintas justas. Os intervalos predominantemente executados
pela mão esquerda nessa peça são os de sexta, intervalo bastante cômodo para a técnica
violinística. Assim sendo, podemos observar que as maiores dificuldades técnicas desse prelúdio
são os momentos em que o compositor aborda intervalos de nona e décima (c. 9 e 11), e a
pequena seção final, por conter harmônicos artificiais. Os “arpejos em ricochet” constituem um
golpe de arco de execução relativamente fácil, devendo o violinista, no entanto, preocupar-se
com a regularidade e precisão do golpe. Assim, gostaríamos de comentar que apesar de “Tico-
tico” ser uma obra bem mais simples que o “Capricho 1”, Vale explora o virtuosismo de uma
forma bastante inteligente, pois atinge um efeito virtuosístico – seja ele sonoro e/ou visual –
mesmo em uma obra que possui muito menor dificuldade técnica.
Através de relatos de Marena Salles (2007) e de comentários do Prof. Paulo Bosísio
tivemos conhecimento de que os “arpejos em ricochet” eram uma das especialidades de Marcos
Salles ao violino. A Profª. Salles acredita que tal fator tenha influenciado Vale a dedicar o
Prelúdio 5 a Marcos Salles, ou mesmo a tê-lo concebido inspirado nele, visto que nessa obra o
uso deste golpe é ostensivo. Nesse contexto, acreditamos ser indispensável que “Tico-tico” seja
executado com utilização dos “arpejos em ricochet” tal como consta nas indicações gráficas da
partitura, ou seja, ligaduras de quatro em quatro semicolcheias com pontos de articulação em
- 107 -
todas elas. Observamos que na gravação do Prof. Claudio Cruz deste prelúdio esse golpe de arco
não foi utilizado, abandonando a indicação original do compositor. No entanto, reiteramos que a
observação desse fato não desconsidera que tal gravação seja excelente e que demonstre uma
execução de altíssimo nível, que muito nos acrescenta.
Sugerimos como base para pulsação desta execução a 100. A utilização do
ricochet faz com que o tempo se torne muito importante, visto que, para o arco funcionar de
forma a “ricochetear” nas cordas, será necessária certa velocidade nos movimentos do braço
direito. Observemos que, quanto à execução do ricochet, é recomendável que neste golpe o
violinista posicione o arco com o máximo de crina em contato com as cordas, com a vara do arco
posicionada de forma vertical sobre as crinas (SALLES, 2004, p. 96). É também importante que
se preste atenção quanto à perpendicularidade do arco em relação às cordas para melhor
resultado sonoro e também de uma articulação bem clara. É ainda interessante que o ponto de
contato do arco com as cordas seja ligeiramente mais afastado do cavalete do que o normal. Isso
permitirá que as cordas vibrem por mais tempo, e que as chances de o som falhar e ser emitido
com ruídos indesejáveis sejam diminuídas. Recomendamos ainda que seja dado maior impulso
sempre à primeira nota de cada grupo de oito fusas, o que sempre corresponderá ao primeiro Sol
3 (quarta corda) de cada tempo. Assim, além de o tempo ser marcado pelo baixo, alcançaremos o
impulso que contribuirá para o arco saltar.
A segunda parte dessa seção (c. 9 – 16) possui caráter modulatório, e do ponto de
vista harmônico, podemos dizer que este trecho foi a maior ousadia criada por Vale nesse
conjunto de 26 prelúdios. Acordes de sétima, nona e décima com progressões harmônicas por
cromatismo geram bastante tensão harmônica e, por isso, merecem valorização por parte do
intérprete. Quanto a esta possível valorização das mudanças harmônicas, percebemos que a
primeira seção do prelúdio (c. 1 – 23) é desenvolvida através de estrutura linear com textura
figurativa. Neste caso, um dos elementos mais importantes a ser considerado musicalmente são
justamente as mudanças harmônicas. Defendemos a ideia de que nesta interpretação o tempo
deve sofrer ligeiras oscilações, com rubato, tendo como objetivo a valorização de determinadas
mudanças harmônicas e de melhor conduzir certas passagens a outros acordes. Estas oscilações
de tempo devem, no entanto, ser realizadas de forma sutil, sem exagero, pois se o tempo variar
demais pode prejudicar o controle do ricochet e o caráter rítmico da figuração.
- 108 -
Já comentamos que os harmônicos de quarta consistem em uma técnica que pode ser
considerada difícil por muitos violinistas. Esta dificuldade corresponde tanto à técnica da mão
esquerda quanto ao diferente controle de arco necessário à execução. Quanto ao controle de arco,
três elementos são fundamentais na execução de harmônicos: é necessário que o músico tenha
especial cuidado com o ponto de contato entre as crinas do arco e as cordas (que deve ser um
pouco mais próximo do cavalete que o normal); a alta velocidade com que o arco deve correr
sobre as cordas e pouca pressão, sobretudo na corda Mi nos registros mais agudos65
.
Colocaremos aqui sugestões de estudo para a mão esquerda com o objetivo de melhor realizar
essa passagem com harmônicos de quarta desse prelúdio 5. Estes estudos expostos nas figuras a
seguir foram por nós elaborados, e embora sejam escritos para estas duas passagens específicas
desse prelúdio, podem ser utilizados como ideia de princípio de estudo para qualquer trecho
musical com harmônicos de quarta. Basta para isso utilizar-se dos mesmos procedimentos,
porém com as notas do trecho musical em questão.
A figura a seguir é o compasso 27 do prelúdio 5, tal como aparece na partitura.
Figura 22: Prelúdio 5 – “Tico-tico” (c. 27) extraído da dissertação de Frésca (2008).
Para executar essa sequência sugerimos os três seguintes estudos preliminares:
Primeiramente uma prática apenas das notas fundamentais que são executadas
sempre com o primeiro dedo (indicador). Tal prática visa a apreensão das posições corretas das
notas e melhor aferição da afinação. Por isso, deve ser executado primeiro bem lentamente, e o
glissando, deve ser realizado apenas no final de cada nota.
Figura 23: Exercício número 1, de nossa autoria, para execução dos harmônicos do compasso 27.
65
Tais conceitos podem ser encontrados em Carl Flesch (2000[1930]).
- 109 -
Como segundo exercício (figura abaixo), propomos que o violinista posicione o
primeiro dedo da mesma forma que no exercício anterior, tendo o mesmo cuidado com a
afinação, porém, no segundo tempo de cada nota, encostará o quarto dedo (mínimo) na posição
indicada para realização do harmônico. A seguir, deslizará o primeiro dedo para a fundamental
seguinte. É importante que seja realizado bem devagar com o objetivo de estabelecer um
aprendizado das posições corretas de afinação bem precisa.
Figura 24: Exercício número 2, de nossa autoria, para realização dos harmônicos de quarta do compasso 27.
Finalmente, como terceiro estudo (figura abaixo), propomos que sejam executados
apenas os harmônicos, já como aparecem no prelúdio, porém em tempo de estudo e regular,
sempre mantendo a atenção na afinação. Este último estudo deve ser realizado de duas maneiras:
primeiramente devagar, de acordo com a necessidade do violinista. E depois em andamento mais
acelerado.
Figura 25: Exercício número 3, de nossa autoria, para execução dos harmônicos de quarta presentes no compasso
27.
Semelhante a este compasso 27, encontramos harmônicos artificiais no compasso 31.
Expomos abaixo sugestão de exercícios equivalentes aos anteriores, referentes a essa sequência
do compasso 31. Gostaríamos de lembrar que o mesmo sistema de estudo pode ser adaptado e
aplicado ao estudo de qualquer trecho que apresente harmônicos de quarta.
Figura 26: Prelúdio 5 – “Tico-tico” (c. 31) extraído da dissertação de Frésca (2008)
- 110 -
A seguir os três exercícios propostos:
Figura 27: Exercício 1, de nossa autoria, relativo ao compasso 31
Figura 28: Exercício 2, de nossa autoria, relativo ao compasso 31.
Figura 29: Exercício 3, de nossa autoria, relativo ao compasso 31.
Ainda acrescentamos que esse tipo de estudo é comumente criado pelo violinista,
informalmente, quando realiza seus estudos numa obra, e ao comentarmos com nosso orientador,
o Prof. Alysio, sobre essa sugestão de como estudar harmônicos simples artificiais, ele
mencionou que seu pai mesmo, o Prof. José de Mattos, amigo de Flausino Vale, estudava os
harmônicos dessa maneira.
• Número do prelúdio: 6
• Título: Marcha fúnebre
• Ano de composição: 1927
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
- 111 -
• Dedicado à memória de: Ernesto Ronchini (1863-1931) – Violinista, violista, regente e
compositor italiano, foi professor de violino do então Instituto Nacional de Música e primeiro
regente da orquestra dessa mesma instituição66
. Filho de Rafaelo Ronchini, famoso lutiê de
Fano, Itália, citado em catálogos internacionais de luteria.
• Tonalidade: Sol menor
• Compasso: 2/4
• Andamento: não indicado pelo compositor, embora fique implícito como andamento o caráter
de “marcha fúnebre”
• Extensão: Sol 3 – Sol 5
• Variação de dinâmica: indicações de chaves de crescendo e diminuendo e uma indicação de
forte no final da peça
• Forma: É composto por uma frase recorrente e variada;
• Gravações em versão comercial: Edson Queiroz de Andrade (2006) e Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica: fácil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: cordas duplas, porém quase sempre mantendo a corda ré solta
como pedal harmônico, durante quase todo o prelúdio
• Caráter musical: Fúnebre, marcial, reverente
Neste trabalho de elaboração de interpretação acerca de prelúdios de Flausino Vale já
mencionamos inúmeras vezes o caráter festivo, rural, caipira, leve, rústico de diversas obras.
Esta “Marcha fúnebre” é uma exceção a este padrão de caráter musical predominante nestes
prelúdios. Para obtermos uma interpretação coerente com o caráter fúnebre, pensamos elementos
prenhes de características condizentes com esta circunstância.
Pensamos como referência para pulsação a 40. Sugerimos que o arco corra com
leveza sobre as cordas, mas com velocidade o suficiente para que se utilize praticamente a
totalidade da amplitude do arco. Este prelúdio constitui uma boa oportunidade de estudo de
afinação, visto que a corda Ré é tocada solta o praticamente durante toda obra. A presença da
terceira corda, (Ré 4) soando constantemente com afinação fixa funciona como um referencial
constante para a percepção de um estudante. Outro aspecto desse prelúdio que pode ser abordado
66
Informações obtidas através do site da Escola de Música da UFRJ no seguinte endereço eletrônico:
<http://acd.ufrj.br/orsem/regentes.html>.
- 112 -
por um professor que se utilize desta obra para trabalhar com um aluno elementos da técnica
violinística é o controle da velocidade do arco. Há diversas indicações de crescendo e
diminuendo ao longo deste prelúdio. Tais efeitos serão obtidos neste caso específico
principalmente através de aumento e diminuição da velocidade do arco. Nossa intenção é
explicar que, devido ao caráter musical da “Marcha fúnebre”, não será interessante uma
sonoridade demasiadamente “densa”, principalmente conseguida através de movimento de
pronação do antebraço direito, o que iria transferir mais pressão ao arco, resultando em um som
com características diferentes das que desejamos alcançar nessa interpretação. Seguindo a
mesma concepção de sonoridade, recomendamos que o ponto de contato do arco nesse prelúdio
seja um pouco mais afastado do cavalete do que seria a posição mais convencional, de um toque
“padrão”. Não chegará a ser a sonoridade sul tasto67
, mas teremos o objetivo de que a sonoridade
se aproxime a esta característica.
Um elemento que nos chamou a atenção nesta obra é a harmonia. Vale utiliza-se de
muitos intervalos dissonantes para gerar um “clima musical” mais tenso. São utilizados
intervalos de segunda menor, sétima, nona e décima primeira. Tais dissonâncias enriquecem a
execução, em especial se forem devidamente valorizadas pelo intérprete. Nesse sentido, poderá
haver alterações de dinâmicas através de crescendos e diminuendos em função dessas mudanças
de harmonia. O vibrato também poderá ser utilizado como instrumento para valorizar alguns
intervalos harmônicos.
Ainda temos a intenção de sugerir uma alteração nas arcadas dos compassos 32 e 33.
Para tanto, elaboramos a ilustração abaixo, constituída a partir da partitura editada por Camila
Frésca e José Maurício Guimarães, com nosso acréscimo.
Figura 30: Prelúdio 6 – “Marcha fúnebre” (c. 30 – 36) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de arcadas para os compassos 32 e 33.
67
“Sul tasto” ou “sulla tastiera”: expressão de origem italiana utilizada para solicitar aos músicos de instrumentos
de “cordas friccionadas” com arco que toquem com o arco passando sobre (ou bem próximo) do espelho do violino,
visando sonoridade suave e “flautada”.
- 113 -
Nossa sugestão de arcada é no sentido de, dentro de um rallentando, podermos
manter uma sonoridade mais consistente na única indicação de dinâmica forte de toda a “Marcha
fúnebre”.
• Número do prelúdio: 7
• Título: Sonhando
• Ano de composição: 1929
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Leonidas Autuori (1912-1966) – Violinista com atuação em Belo Horizonte.
Segundo Cernichiaro (1926), Autuori estaria predestinado a pertencer ao grupo dos maiores
violinistas do mundo.
• Tonalidade: Sol menor
• Compasso: C
• Andamento: Allegro – Moderato
• Extensão: Sol 3 – Ré 6
• Variação de dinâmica: Forte a pianíssimo
• Forma: É uma estrutura linear, composta por uma introdução e uma frase recorrente e variada
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Claudio Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: média, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: pizicato “a la guitarra” simples, duplos, triplos e quádruplos;
pizicato de mão esquerda simples e duplos;
• Caráter musical: tranquilo
Este prelúdio apresenta uma particularidade técnica que o autor também aplica no
Prelúdio 14, intitulado “A porteira da fazenda”. É um recurso pouco comum no repertório
violinístico, porém, não inédito. O compositor solicita que o intérprete execute toda a obra de
acordo com a seguinte instrução: “violino só, sem auxílio do arco”. E ainda indica: “a la
guitarra”. Com essas instruções, o compositor deseja solicitar que o arco não deve sequer estar
na mão do violinista, pois será necessário que seus dedos da mão direita estejam livres para sua
- 114 -
utilização nos pizicatos. Quanto à indicação “a la guitarra”, o compositor deseja que o violino
seja levado de sua tradicional posição no ombro do violinista para próximo ao peito, para ser
tocado como se fosse um violão. Esta indicação tem objetivo de possibilitar certos movimentos
de pizicato especiais com os dedos da mão esquerda requisitados nessa obra e que não seriam
possíveis com o violino na posição tradicional.
Há na partitura, em cima e a esquerda a legenda referente às indicações “D; E; p; m”,
com suas respectivas explicações de significado. No pizicato da introdução não há indicação do
compositor quanto a qual dedo deverá executá-lo. Assumimos que tal trecho seja executado com
o polegar da mão direita. Como referência de pulsação para o Allegro na introdução (c. 1 – 5.2),
sugerimos 76. No Moderato (c. 5.3 – 36) sugerimos a mudança de pulsação para 66.
Quando estudamos esta obra ao violino percebemos que onde o compositor indica “D”
(significando “mão direita”) deseja também que o dedo utilizado seja o polegar. Esta conclusão
fica clara para o músico que executa o prelúdio, pois é a maneira mais prática e confortável de
execução, estando o violino na posição “a la guitarra”.
Na introdução, conduz-se a linha musical salientando ligeiramente a primeira
colcheia dos segundo e quarto tempos. Ao final da primeira “frase musical” (c. 3) realizamos em
nossa interpretação um decrescendo com intenção de deixar clara a conclusão da frase.
Deixaremos estas ideias musicais interpretativas claras na ilustração a seguir, na qual
adicionamos sinais. Utilizaremos como recurso para essa representação gráfica elementos visuais
que já utilizamos anteriormente na nossa exposição sobre o prelúdio 3. Empregaremos os sinais
( ) e ( ) respectivamente para representar “crescendo e diminuendo expressivos”. No
entanto, reiteramos que não se trata de crescendo e diminuendo de dinâmica propriamente, e sim,
apenas uma intenção de condução fraseológica, não impedindo, no entanto, que tais variações de
dinâmica possam ocorrer. Incluiremos na imagem, ainda, setas que deixarão nossa concepção
ainda mais clara, significando a direção de condução.
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Figura 31: Prelúdio 7 – “Sonhando” (c. 1 – 3) extraído da dissertação de Frésca (2008). Nosso acréscimo de
representação gráfica de condução melódica e direção de frase de nossa interpretação.
Um elemento que nos chamou a atenção neste prelúdio foi uma aparente inspiração
em material temático de uma valsa de Johannes Brahms. Trata-se da Valsa em Lá bemol maior,
Op. 39, nº 15 para piano. A melodia que constitui o principal elemento temático do Prelúdio 7 de
Vale, no Moderato (c. 5.3 – 9) é composta por uma frase recorrente ao longo desta peça. Essa
frase musical assemelha-se bastante à frase que compõe o principal motivo temático da valsa de
Brahms em questão. Vamos expor abaixo um trecho da partitura da referida valsa.
Figura 32: Valsa nº 15 em Lá bemol maior, Op. 39, para piano de Johannes Brahms (c. 1 – 5). Destacamos com um
retângulo o trecho que nos interessa mencionar.
Aylton Escobar no livro “Flausino Vale – o Paganini brasileiro” também faz a
mesma associação entre essas duas obras quando ao referir-se ao prelúdio 7 de Vale declara: “há
o envolvimento ingênuo da Valsa Op. 39, Nº 15, de Brahms, mas nem por isso uma situação de
impropriedade autoral” (ESCOBAR, 1985, p. 31).
A seguir, trecho do prelúdio 7, “Sonhando”, que acreditamos ter semelhança com a
valsa de Brahms.
- 116 -
Figura 33: Prelúdio 7 – “Sonhando” (c. 4 – 8) extraído da dissertação de Frésca (2008). Trecho que destacamos do
compasso 5.3 ao 8, apontando para elemento temático principal do prelúdio, reapresentado em diversas recorrências
até o final da obra.
Obviamente que temos que considerar que a valsa de Brahms é na tonalidade de Lá
bemol maior e em compasso ternário. E o prelúdio 7 de Vale está na tonalidade de Sol maior e
em compasso quaternário. Apesar das semelhanças nas duas melodias serem marcantes, não
temos subsídios que nos deem certeza se Vale teria se inspirado na melodia de Brahms, ou
sequer se tinha intenção de fazer referência a ela. Nem mesmo podemos aferir se Vale percebeu
essa semelhança, caso não tenha sido proposital. O fato que mais nos interessa é que este
prelúdio, ao contrário da grande maioria de prelúdios nesse ciclo, tem caráter musical tranquilo,
semelhante ao da Valsa a qual utilizamos para nossa comparação. E percebemos uma crescente
intensidade expressiva que “caminha” de forma semelhante ao longo das duas obras em questão.
Uma questão importante de ser comentada quanto a questões técnicas da obra é a
existência de pizicatos com notas ligadas, como ocorre nos compassos 5, 7, 9, 10 e 11, por
exemplo. Devido a propriedades da constituição do violino, o pizicato especificamente com
notas ligadas não soa muito bem. Referimo-nos ao fato de que a vibração das cordas dura menos
tempo do que o que seria ideal para se ouvir bem a segunda nota ligada (ou segundo par de notas
ligadas no caso das cordas duplas). Vale também se utiliza desse recurso em momentos pontuais
de outros prelúdios. Percebemos que o resultado sonoro desse caso específico de pizicato com
ligaduras do presente prelúdio será um breve glissando ente as notas ligadas, visto que ambas
serão realizadas com os mesmos dedos e que por serem ligadas apenas haverá um movimento de
“beliscar” a corda. Para que a segunda nota torne-se mais audível nossa sugestão é que adotemos
dois procedimentos na mão esquerda durante essa circunstância: primeiro, que os dedos da mão
esquerda que estarão aplicados para determinar as notas estejam firmemente pressionados conta
o espelho do instrumento68
; segundo, que a mão esquerda mude velozmente para a posição da
68
Espelho no violino é a peça sobre a qual o violinista apóia os dedos da mão esquerda para determinar as notas.
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nota seguinte, imediatamente após o ataque do pizicato. Esta metodologia proporcionará o
melhor resultado sonoro possível, ainda que não totalmente satisfatório.
Do ponto de vista da interpretação, cremos que o mais importante a ser levado em
conta pelo executante nesse prelúdio seja uma condução consciente e progressiva de aumento de
tensão e de expressividade desde o início do Moderato, gradualmente, até o clímax atingido no
compasso 28. Nossa concepção baseia-se no fato de que todo o Moderato trata-se de uma frase
repetida diversas vezes, com variações, mudanças de registro e ampliações. Para um desfecho na
execução da obra, é recomendável que se dê bastante atenção ao diminuendo e ao pianíssimo que
conduz à finalização do prelúdio.
• Número do prelúdio: 8
• Título: Repente
• Ano de composição: 1924
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Torquato Amore (1884 – 1945) – Importante violinista, professor e regente
italiano que se fixou e atuou em São Paulo
• Tonalidade: a estrutura harmônica é modulante divergente, iniciando-se a obra em Lá Maior,
passando para Ré Maior, e posteriormente a Sol Maior, tonalidade em que se encerra a obra
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegro
• Extensão: Sol 3 – Mi 7 (harmônico natural)
• Variação de dinâmica: Forte a pianíssimo
• Forma: É uma estrutura linear composta por duas frases com repetições variadas
• Gravações em versão comercial: Flausino Vale (1932), Jerzy Milewski (1984) e Claudio Cruz
(2011);
• Grau de dificuldade técnica: fácil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Harmônicos duplos naturais; cordas duplas com intervalos de
segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sétimas e oitavas, mordentes em cordas duplas;
pizicato de mão esquerda; spiccato
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• Caráter musical: Alegre, agitado, festivo, em contraposição com seção final com caráter
tranquilo.
Repente é uma peça leve, de caráter festivo. Sugerimos como pulsação para esta obra
132. Este é mais um dos poucos prelúdios em que temos a oportunidade de verificar a
interpretação do próprio compositor tendo como base sua gravação. Através da gravação de Vale
percebemos uma boa afinação, sonoridade leve, porém consistente, agilidade nos mordentes e
precisão nas notas com articulação curta. Os harmônicos duplos são executados por ele com
sonoridade bastante limpa. Por outro lado, notamos também uma ausência total de preocupação
com a dinâmica, realizada por ele como forte a todo o tempo, exceto a partir do compasso 29, já
no final da obra, onde começa o segundo “elemento temático”. Nesse momento é bem clara a sua
execução das marcações de crescendo e decrescendo.
Cremos que a maior dificuldade técnica neste prelúdio seja o controle do arco nos
harmônicos duplos. Quando tratamos da questão dos harmônicos no prelúdio número 5, “Tico-
tico”, já mencionamos essa questão do controle da velocidade do arco e do ponto de contato
entre o arco e as cordas mais adequados para a realização de harmônicos com sonoridade
presente e controlada. No caso do prelúdio 8 tal controle torna-se mais necessário e a sonoridade
representa uma questão delicada pelo fato de ser mais difícil pra o violinista realizar este controle
em duas cordas simultaneamente. É essencial que a pressão que as crinas exercem nas duas
cordas simultaneamente seja muito balanceada.
Estudando a obra ocorreu-nos uma possibilidade de arcada para os compassos 4 e 5,
e, posteriormente os compassos 8 e 9. Ilustramos o trecho constando sugestões de arcadas, como
vemos a seguir. Vale lembrar que essa figura foi por nós preparada a partir da partitura editada
por Frésca e Guimarães.
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Figura 34: Prelúdio 8 – “Sonhando” (c. 1 – 10) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas sugestões de
arcadas para os compassos 4, 5, 8 e 9.
Os trechos musicais seguintes a esse são repetições do mesmo elemento musical,
porém em outras tonalidades. Dessa forma, neles podemos aplicar os mesmos conceitos de
arcadas acima expostos. Quanto à questão da tonalidade, nos pareceu bastante peculiar o fato de
a obra ser modulante divergente, ou seja, inicia em determinada tonalidade, modula para outras
tonalidades e não retorna mais à tonalidade original. Nesse caso, apresenta o tema em Lá Maior
(c. 1 – 11.1), repetindo-o em Ré Maior (c. 11.2 – 21.1), e a seguir ocorre o mesmo, porém, dessa
vez na tonalidade de Sol Maior (c. 21.2 – 29a). No compasso 29b é apresentado novo material
temático, mas ainda na tonalidade se Sol Maior, na qual será encerrada a obra.
Verificamos que na parte inicial da obra (c. 1 – 29a), que podemos chamar de “Seção
A”, é conveniente a aplicação de dois padrões distintos de uso do arco: nos harmônicos todo o
arco; nas colcheias separadas e com pontos de articulação recomendamos um toque sempre na
região inferior do arco, próximo ao talão, em spiccato69
. Na segunda parte do prelúdio (c. 29b –
53), que podemos chamar de “Seção B”, optamos pelo uso de toda a amplitude do arco, com
leveza e bastante velocidade, e com o ponto de contato entre o arco e as cordas que se aproxime
de o que chamaríamos sul tasto. Certamente manipularemos a velocidade do arco em função das
indicações de crescendos e diminuendos grafadas na partitura.
69
“Trata-se de golpes de arco separados um do outro, onde cada nota corresponde a movimento de direção contrária
ao seu precedente. O spiccato é executado de forma que o arco se movimente descrevendo um semi-círculo, ou seja,
o movimento parte do posicionamento do arco fora da corda, passando a tocá-la gradativamente, e depois
abandonando-a, voltando ao posicionamento fora da corda. (...) O spiccato pode ser executado em qualquer parte do
arco, porém, seu uso mais comum limita-se aos dois terços inferiores do arco” (SALLES, 2004, p. 79).
- 120 -
• Número do prelúdio: 9
• Título: Rondó doméstico
• Ano de composição: 1933
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Edgardo Guerra (1886 – 1952) – Violinista brasileiro e atuação como professor
na Escola Nacional de Música e no Conservatório Brasileiro de Música. Foi professor de
Claudio Santoro. Estudou com José White no Brasil e com o célebre Emile Sauret em
Londres
• Tonalidade: Sol maior (com seção intermediária modulante para mi menor)
• Compasso: 2/4 – C – 2/4
• Andamento: Allegro – Cantabile – Allegro
• Extensão: Sol 3 – Si 5
• Variação de dinâmica: piano a fortíssimo
• Forma: Ternária (a – b – a‟)
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Edson Queiroz de Andrade (2006) e
Claudio Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: média, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: Spiccato no talão; cordas duplas com intervalos de terças,
quartas, quintas, sextas (predominantemente) e sétimas; acordes de quatro sons; pizicato de
mão esquerda
• Caráter musical: festivo, “caipira”
Não é nosso objetivo analisar harmônica e morfologicamente estes prelúdios. No
entanto, vale observar a forma ternária (a – b – a‟) bem definida nesse “Rondó doméstico”,
prelúdio 9. Na verdade, é curioso que o compositor tenha intitulado a obra como Rondó70
, sem
que a peça de fato apresente tais características morfológicas (como seria no caso clássico de um
Rondó: a – b – a – c – a). Ainda refletindo sobre essa questão, sabemos que o termo Rondó
origina-se da palavra francesa Rondeau, que significa dança de “roda”. Especulamos se o
70
“Rondó (it. rondo, redondo; fr. rondeau, rondel, ing., al. rondo) Na musica barroca, forma em que a seção
principal retorna após cada episódio, em alternância , cuja técnica francesa de Rameau e Couperin influenciou
ingleses como Purcell e alemães como Bach. As formas mais frequentes são a ABACABA e ABACADA.”
(DOURADO, 2004, p.286).
- 121 -
compositor desejava fazer esse tipo de referência, ou seja, de relacionar algum elemento desse
prelúdio com uma roda. A observação da forma ajudará a compreender as diferenças de “clima”
e caráter que aparecem de maneira contrastante e definida com grande diferença entre as seções.
A primeira seção (c. 1 – 25) com a indicação do compositor Allegro tem um caráter festivo,
rústico, mais uma possibilidade de o violinista “fazer de seu violino uma viola caipira”. Cremos
ser justamente essa a intenção de Vale. A segunda seção (c. 26 – 46), ao contrário, apresenta na
obra um tom melancólico, lírico, melódico, como um triste “canto sertanejo”, e em alguns
momentos, percebemos ainda o lirismo de uma melodia em estilo “paganiniano”.
Para que nossa interpretação dessa obra tenha essa roupagem, adotamos alguns
recursos técnicos. Na primeira seção, Allegro, festiva, “violeira”, executamos esta sequência de
colcheias com a região mais próxima do talão71
do arco possível, com o máximo de fios de crina
em contato com as cordas72
quanto for possível e com golpes bem curtos, em spiccato, rítmico,
sonoro, e, por que não definir, como um ponteio de viola. Essa é a nossa possibilidade de tentar
colocar uma “plasticidade rústica” a essa seção.
Há uma arcada que gostaríamos de sugerir para esse Allegro inicial. É uma arcada
muitíssimo natural para a grande maioria dos violinistas e que não consta na presente edição,
talvez justamente por ser praticamente óbvia. Apesar disso, não deixaremos de ilustrá-la na
figura a seguir. Há também, o que acreditamos ser um erro no compasso 16, na terceira colcheia.
Na edição de Frésca e Guimarães (2007) a terceira colcheia não está grafada com o sinal “+”,
que representa pizicato de mão esquerda. Como esse trecho é uma repetição da frase anterior
onde o pizicato ocorre, decidimos por grafá-lo e executá-lo dessa maneira.
71
Talão: parte do arco utilizada pelo violinista para segura-lo. Essa região da crina próxima ao talão é utilizada
especialmente quando o músico busca golpes de articulação curta e com sonoridade forte. 72
Dependendo da escola de técnica do violinista, a tendência é que ao tocar na região próxima ao talão, geralmente
ele faça com que menos fios da crina encostem nas cordas durante o toque. Tal efeito é produzido a partir de ligeira
flexão palmar da mão direita e tem como efeito ataques de notas mais delicadas. Quando ao invés disso
posicionamos o arco contra as cordas do instrumento de modo a colocamos o máximo de fios da crina em contato
com a corda, com a vara posicionada verticalmente sobre as crinas, obteremos um efeito mais agressivo, e mais
potência sonora.
- 122 -
Figura 35: Prelúdio 9 – “Rondó doméstico” (c. 6 – 19) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossa sugestão
de arcada para o compasso 8 e inclusão do sinal “+” no compasso 16.
Durante nosso estudo prático dessa obra, ou seja, para executá-la no violino
elaboramos algumas arcadas que, em nossa visão, adéquam-se melhor à realização dessa
interpretação. Visando uma sonoridade mais leve e tendo em mente uma característica sonora
própria de quando o arco corre com mais velocidade sobre as cordas, decidimos por arcadas com
menor quantidade de notas, ainda que em nossa execução busquemos uma articulação em legato
tal qual está grafada. Nossas arcadas do Cantabile encontram-se explicitadas na próxima figura.
- 123 -
Figura 36: Prelúdio 9 – “Rondó doméstico” (c. 20 – 46) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de arcadas para o Cantabile (c. 26 – 46).
Muito nos impressiona a habilidade criativa de Flausino Vale, em especial quando
em suas variações de frases já apresentadas acrescenta de forma simples elementos que realcem
características populares na sua música. Consegue esses resultados sem que sua música se afaste
de um padrão de escrita violinístico. Na reapresentação da primeira seção (c. 47 – 69) substitui
colcheias da primeira versão do tema por duas semicolcheias (c. 54, 56, 58 e 60), com ligaduras
e articulações de tal forma arquitetadas que aproximam de fato a obra de uma canção popular
rural, com características musicais muito próximas de algo sertanejo, tipicamente executado por
uma viola caipira. Corroborando com essa nossa percepção encontramos o pensamento de
Marena Isdebski Salles que nos revela:
Durante algum tempo tentei entender essa aproximação aparentemente insólita e a
chave da questão me foi dada por depoimentos idôneos, entre outros do conhecido
violeiro Renato Andrade, profundo conhecedor da música sertaneja, compositor e
virtuose da viola caipira e que, nos tempos jovens, estudara violino com Flausino Valle.
Renato Andrade pode fazer demonstrações, e fala do mestre com muito carinho,
ratificando o que ele afirmava no seu livro: “A música brasileira tem que vir do sertão
no bojo de uma viola”. Ele também sabia pontear, como poucos, a viola caipira. Não
- 124 -
podemos, portanto, compreender sua obra, principalmente os Prelúdios para violino
solo, sem levar em conta esta afirmação.
Violino e viola sertaneja, associação descabida ou arbitrária?
Nada mais natural. Quase diria: nada mais perfeito (SALLES, 2007, p. 47, grifo da
autora).
• Número do prelúdio: 10
• Título: Interrogando o destino
• Ano de composição: 193? (sabe-se apenas que foi durante a década de 1930)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Zino Francescatti (1902-1991) – Violinista virtuose francês com grande projeção
no cenário internacional no sec. XX.
• Tonalidade: Dó Maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Moderato – Adagio – Moderato
• Extensão: Sol 3 – Sol 7 (harmônico artificial)
• Variação de dinâmica: fortissimo a piano
• Forma: Ternária (a – b – a‟)
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Daniel Guedes (2004) e Claudio
Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: difícil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Acordes de quatro sons com arco e com pizicato de mão
esquerda; pizicato de mão esquerda em sequência em escalas descendentes; pizicato de mão
direita; harmônicos naturais simples e artificiais simples; golpe de arco sautillé73
em
sequências de cordas triplas com notas rebatidas;
• Caráter musical: Alegre, agitado, festivo
Para nós, “Interrogando o destino”, trata-se de um dos prelúdios mais virtuosísticos
de Vale, e até mesmo, dos mais “paganinianos”. Nossa percepção destas características não se
deve meramente ao fato de quais recursos técnicos o compositor emprega nessa obra, mas
73
“O sautillé, diferentemente do spiccato, não possui impulsos individuais para cada nota. O arco, através do
elemento flexível da vareta, salta por si mesmo, não sendo necessário o „controle total‟ do movimento individual”
(SALLES, 2004, p. 85).
- 125 -
também à maneira como os utiliza. Não obstante estas características “paganinianas”, podemos
dizer que este prelúdio 10 está repleto de elementos musicais que o caracterizam com um “estilo
brasileiro”.
Há no primeiro compasso uma recomendação do compositor pra que se utilize a
região do talão na realização desses primeiros acordes. Na realidade, é fundamental que esta
recomendação seja seguida, e ainda é importante que o movimento do braço direito que realizará
o acorde seja produzido com um rápido movimento descendente do cotovelo direito, com um
curto golpe de arco. Nesses acordes o arco deverá partir sempre da corda, ou seja, já inicia seu
movimento estando antes em contato com as cordas. A pulsação que em nossa interpretação
representa uma boa referência para este Moderato é de 112. Sendo assim, pensamos a
marcação de tempo “em quatro”74
. Entendemos as semicolcheias e colcheias dos compassos 2 e
3 com indicações de tenuto como uma possibilidade de diminuir um pouco a pulsação nesses
dois compassos, flexibilizando um pouco o tempo, como um momento suspensivo da música.
Retomamos o tempo na anacruse do compasso 4.
Quanto à execução destes primeiros momentos do prelúdio 10, gostaríamos de
colocar algumas sugestões de dedilhados que, em nossa visão, enriquecem a interpretação por
uma questão de sonoridade, no caso dos compassos 2 e 3. E que em nossa opinião, melhoram as
condições de execução, nos compassos 4 e 5. Nossos dedilhados são os que constam abaixo das
notas na figura a seguir.
Figura 37: Prelúdio 10 – “Interrogando o destino” (c. 1 – 6) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de dedilhados para os compassos 2 ao 5. Nossos dedilhados encontram-se abaixo das notas. Os dedilhados
acima das notas são dos editores.
74
Referimo-nos a subdivisão interna do compasso binário em quatro partes tendo como unidade de tempo a
colcheia.
- 126 -
De acordo com nosso dedilhado, no compasso 2 ocorrerá um portamento, que deverá
ser discreto, entre o Mi 5 e Sol 5. Também ocorrerá um portamento no final do compasso 4, nas
duas últimas notas, Dó 5 e Mi 5. Quanto aos demais dedilhados que sugerimos no compasso 4,
visam melhor agilidade, “limpeza” no som e ausência de portamento.
Quanto à divisão do arco, a sequência de fusas que se apresentam no compasso 4 (e
sua anacruse) serão realizadas na metade superior do arco, entre o meio e a ponta, com som bem
“consistente” e bastante contato entre crinas e cordas, com muita pronação do antebraço direito.
A recomendação de uso do talão grafada no compasso 5 é procedente, permitindo execução
bastante vigorosa na quarta corda.
Ao executarmos o novo elemento musical presente nos compassos 7 a 10.1, pareceu-
nos que tratava-se de uma imitação de um “zurrar” de burro. Não podemos ter certeza se essa foi
a intenção do compositor, mas o fato é que seria mais uma de tantas referências a um ambiente
rural. No entanto, há também nesse elemento musical certo “virtuosismo circense”, herança do
séc. XIX, segundo Cernichiaro (1926). Em nossa concepção interpretativa este elemento musical
deverá ser executado em tempo bem regular, e com o máximo de potência sonora e vigor, mas
utilizando pouca amplitude de arco, mantendo-se restrito à região inferior, com sonoridade bem
“concentrada”.
Na escala descendente realizada em fusas no compasso 12 (e sua anacruse)
observamos a ocorrência de notas intercaladas realizadas com arco e com pizicato de mão
direita, sendo indicadas pelo sinal “+”. Este recurso é vastamente utilizado por Paganini em suas
composições, bem como por outros compositores como Sarasate. É importante que as notas
realizadas com o arco nessa sequência sejam bem curtas, como se soassem o mais parecido
possível com um pizicato, devendo para este fim ser executadas na extrema ponta do arco, com
movimento veloz, um golpe “seco”, batido na corda75
. Cremos que seja interessante ao aluno que
não esteja familiarizado com este recurso de pizicato de mão esquerda que recorra a algumas de
nossas sugestões sobre o estudo dessa técnica que mencionamos em nossa exposição sobre o
prelúdio 1 – “Batuque”.
Entendemos os acordes em semifusas que ocorrem ao longo de todo o Adagio (c.
17.2 – 28) como uma intenção do compositor de mais uma vez aproximar o violino da condição
75
Como já mencionamos anteriormente, trata-se golpe de arco denominado “spiccato percussivo” de acordo com
nomenclatura proposta por Mariana Salles (2004).
- 127 -
de um instrumento de cordas dedilhadas, como é o caso da viola caipira. Recomendamos que
seja utilizado nesse trecho o golpe de arco que denominamos sautillé. Este golpe terá êxito em
realizar articulações curtas, mas não tanto como no spiccato, com arco saltando da corda com
bastante leveza. Apesar do caráter harmônico da passagem, ou seja, construído
fundamentalmente de acordo com as mudanças harmônicas dos acordes, percebemos que há uma
linha melódica oculta na escrita. Esta linha melódica fica clara ao ouvinte quando a passagem é
executada. Criamos uma partitura que representa essa melodia desse trecho que está “oculta”
entre os acordes. Nosso objetivo é que fique bem clara na mente do intérprete esta linha
melódica enquanto estiver executando este trecho. Será interessante buscar um toque que revele
e ressalte esta melodia. Sugerimos que seja dada ênfase às mudanças harmônicas através de uma
ligeira acentuação nas notas onde ocorrem essas mudanças de harmonia.
Figura 38: Melodia “oculta” nos acordes do Adagio (c. 17.2.2 – 28) do Prelúdio 10 – “Interrogando o destino”. Esta
partitura foi elaborada por nós em nossa pesquisa.
O Moderato (c. 29 – 45) que ocorrerá após o Adagio é uma reapresentação da
primeira seção do prelúdio, podendo ser referenciado às nossas observações interpretativas e
técnicas já mencionadas.
• Número do prelúdio: 11
• Título: Casamento na roça
• Ano de composição: 1933
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Nicolino Milano (1876-1962) – Violinista e compositor brasileiro, estudou
música no Rio de Janeiro e viveu boa parte da vida em Portugal
- 128 -
• Tonalidade: Sol Maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegro
• Extensão: Sol 3 – Sol 7 (harmônico artificial)
• Variação de dinâmica: fortíssimo a pianíssimo
• Forma: Ternária (a – b – a‟)
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984) e Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica: difícil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Acordes de quatro sons em pizicato de mão esquerda e em
pizicato de mão direita; pizicatos de mão esquerda; harmônicos naturais simples e artificiais
simples; pizicatos em notas ligadas; cordas duplas com arco, em intervalos de terças, quintas,
sextas, oitavas, décimas primeiras; arco sulla tastiera; quarto de tom
• Caráter musical: Alegre, agitado, festivo, caipira
De acordo com nossos levantamentos até o momento apenas dois dos vinte e seis
prelúdios de Vale possuem edição em versão comercial: esse prelúdio 11, “Casamento na roça”
juntamente com “Ao pé da fogueira”, o prelúdio de número 15, ambos editados pela Carlos
Wehrs & Cia num mesmo volume.
O título “Casamento na roça” indica uma primeira consideração que devemos tecer
quanto à interpretação da obra, sugerindo um caráter musical alegre, enérgico, “vivo”, nos
lembrando até mesmo das tradicionais festas juninas nas quais sempre ocorre um “casamento da
roça”, cujo clima é sempre dançante e animado. Nossa interpretação deste prelúdio terá o
objetivo de reforçar essas características já expressas na própria escrita da música em si.
Sugerimos como base de pulsação para este prelúdio a 76.
Há uma introdução em pizicato (c. 1 – 7). O autor inclui mais uma vez notas ligadas
em pizicato. O efeito auditivo deste recurso é bastante interessante, apesar de pouco audível em
uma sala de concerto. Como já comentamos em prelúdios anteriores que apresentam o pizicato
em notas ligadas, um dos resultados desta técnica é que se ouve bem a primeira nota da ligadura,
mas quase nada da segunda. Este inconveniente ocorre devido a características acústicas e físicas
do violino. A principal diferença do caso do pizicato com notas ligadas nesse prelúdio em
relação a outros casos, como o já citado prelúdios 7, é que neste, a ligadura ocorre entre notas
- 129 -
realizadas com dedos diferentes da mão esquerda. Já no prelúdio 7 ocorrem com o mesmo dedo,
havendo portanto uma realização de portamento. No caso do prelúdio que estamos tratando no
momento, aconselhamos que se bata com bastante força os dedos da mão esquerda contra o
espelho e as cordas do violino na segunda nota da ligadura. Esta ação contribuirá para a
permanência (ou existência) de alguma reverberação nesta segunda nota.
Do ponto de vista didático, esta é uma peça que pode proporcionar bons estudos
aplicados de cordas duplas, em especial das terças. O principal elemento temático deste prelúdio
é composto por uma melodia em terças (c. 8 – 19). Este elemento é repetido em diversos
momentos, ainda em terças, e em outros momentos em sextas; posteriormente, em oitavas. Vale
utiliza vastamente em seus prelúdios estes intervalos em cordas duplas. Quando mencionamos
que esta obra é em especial adequada a este estudo de terças o fazemos por percebermos que
utiliza os mesmos intervalos sequenciados sem intercalar com outros intervalos, exatamente
como é frequente ocorrer em estudos técnicos específicos de cordas duplas no violino.
É recomendável que esta passagem musical construída sobre terças (c. 8 – 19) seja
executada na região inferior do arco, tanto para favorecer as articulações como para maior
eficácia das dinâmicas forte e fortissimo. A valorização das dinâmicas grafadas pelo compositor
neste trecho trarão à tona as características dançantes desejadas pelo intérprete. Os fortissimos
indicados sempre no primeiro tempo dos compassos 9 e 11 contribuirão para o êxito deste
objetivo, pois de alguma forma, funcionarão como acentuação do tempo forte. Também é
interessante que as síncopes dos compassos 12 e 16 sejam valorizadas através de sutil
acentuação, tendo como objetivo, mais uma vez, trazer à interpretação este ambiente de dança
popular caipira.
Uma das passagens de maior dificuldade técnica desse prelúdio é a sequência de
sextas que ocorrem no novo elemento musical apresentado nos compassos 20 a 27. Este grau de
dificuldade tem duas razões principais: em primeiro lugar, em relação à mão direita, pois é
requisitada pelo compositor a execução da passagem em “sautillé jeté”76
, golpe de arco de difícil
domínio; em segundo, por parte da mão esquerda, pois o compositor requer ainda que haja uma
diferenciação de um quarto de tom entre o si sustenido e o dó natural que ocorrem no compasso
20 e também entre o dó bemol e o si bequadro que aparecem na passagem do compasso 21 ao
22. Esta peculiaridade é recorrente nos compassos subsequentes, em que a passagem se repete.
76
Grafia da edição.
- 130 -
Como já mencionamos, o principal elemento temático é reapresentado em sextas (c.
34 – 39) e em oitavas (c. 40 – 48). Na apresentação em sextas há também algumas intervenções
com pizicatos de mão esquerda. Quando é exposto em oitavas, há ainda intervenções de
harmônicos, além de pizicatos de mão esquerda. Outro recurso técnico que Flausino Vale aborda
nos compassos finais desse prelúdio é a indicação “sulla tastiera” (c. 40 e 41; 43 ao 45; e 48 ao
50), técnica que consiste em tanger as cordas do violino com o arco mais próximo ao espelho do
instrumento, ou até mesmo sobre ele. O resultado desta ação é um som mais suave, leve,
“flautado”, o que ainda é mais valorizado pela sua recomendação “ponta do arco”.
Torna-se interessante que o “Casamento na roça” é iniciado em clima festivo, alegre,
dançante, mas encerra-se com caráter tranquilo, suave, e em pianíssimo. Chama atenção também
o fato de que o compositor consegue mudar este “ambiente sonoro” ainda utilizando no final o
mesmo elemento temático do início, utilizando apenas recursos de mudanças de timbre, de
registro, de dinâmica, mesmo mantendo o andamento. O intérprete deve valorizar essas
transformações em sua execução realizando tais elementos de forma suficientemente exagerada
para transmitir a mudança de caráter musical.
• Número do prelúdio: 12
• Título: Canto da inhuma
• Ano de composição: 193? (sabe-se apenas que foi escrito na década de 1930)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Oscar Borgerth (1906-1992) – Violinista brasileiro, estudou música no Rio de
Janeiro e posteriormente em Viena. Foi um gênio do violino, muito importante em sua época,
grande divulgador da música brasileira, tornou-se professor de violino da Escola Nacional de
Música em 194477
.
• Tonalidade: Sol Maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegro
• Extensão: Sol 3 – Sol 7 (harmônico artificial)
• Variação de dinâmica: Dinâmicas não indicadas
77
Informações encontradas através do site: <http://www.concerto.com.br/textos.asp?id=76>.
- 131 -
• Forma: É composto por uma introdução, uma estrutura linear constituída por duas frases
recorrentes e variadas e uma codeta
• Gravações em versão comercial: Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica: difícil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Acordes de quatro sons em pizicato de mão direita; pizicatos de
mão esquerda; harmônicos naturais simples e artificiais simples; harmônicos duplos; cordas
duplas com arco, em intervalos de terças, quintas, sextas; escrita em dois sistemas, como em
duo
• Caráter musical: tranquilo, sem bravura, mimoso.
À primeira vista esta partitura pode parecer uma composição para dois violinos, um
duo. Porém, trata-se realmente de escrita para violino só (ou solo). Em “Canto da Inhuma” Vale
faz uso de um recurso de escrita musical algumas vezes adotado por Niccolò Paganini em suas
composições para violino solo. Ocorre que o pizicato a ser realizado pela mão esquerda realiza
um acompanhamento da melodia simultaneamente realizada pelo arco e dedos da mão esquerda.
A escrita e a leitura tornam-se mais claras quando utilizado esse sistema gráfico.
Abaixo veremos um exemplo de um trecho musical em que Paganini adota este
mesmo recurso em sua escrita. Trata-se de uma introdução e variações sobre o tema “Nel cor piú
non mi sento” para violino solo.
Figura 39: Tema de Introduzione e variazioni sul tema “Nel cor piú non mi sento” para violino solo de Paganini,
compassos 1 ao 6 do tema.
- 132 -
Na partitura de Paganini acima percebemos um desenho melódico a ser realizado
com arco no sistema superior e o acompanhamento em pizicato de mão esquerda no sistema
inferior, semelhante ao prelúdio de Vale que estamos tratando agora. Embora esta obra de
Paganini seja muito mais complexa e mais difícil tecnicamente que a de Vale, podemos afirmar
que o “Canto da inhuma” não é de simples execução.
Na introdução (c. 1 – 4) desse prelúdio, mais uma vez é solicitada pelo compositor a
posição do violino “como guitarra” para a realização dos pizicatos. Aqui o caráter musical é
diferente de “A porteira da fazenda”, Prelúdio 14, em que Vale também solicita a posição de
guitarra para o violino. No caso do atual prelúdio, o caráter é, segundo requisição do próprio
autor “sem bravura, mimoso”.
Gostaríamos de propor como referência de pulsação neste prelúdio a 60. Há no
compasso 5 uma indicação para que esta passagem seja executada no talão. Em nossa visão esta
indicação não condiz com o caráter musical, pois a indicação “sem bravura, mimoso” nos remete
a uma sonoridade delicada, mais típica da região superior do arco, do meio à ponta. Esta é a
nossa recomendação para este trecho (c. 5 – 7) onde o arco não realiza ainda cordas duplas. A
partir do compasso 8 passaríamos a utilizar a região inferior do arco, onde acordes e cordas
duplas serão realizados com um som mais “macio”. Ainda quanto a esta apresentação da frase
inicial, gostaríamos de sugerir um dedilhado, explicitado na imagem abaixo.
Figura 40: Prelúdio 12 – “Canto da Inhuma” (c. 5 – 6) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de dedilhado no compasso 6.
Nossas sugestões de dedilhado estão assinaladas na figura acima, em que, no sistema
superior realizamos a passagem do Dó 5 ao Mi 5 com o segundo dedo, resultando em um
portamento que deverá ser discreto. No sistema inferior sugerimos que o pizicato desse
compasso 6 seja executado com o quarto dedo ao invés do segundo.
- 133 -
Quanto ao fraseado, realizamos suave e gradual crescendo em direção ao compasso
10, com diminuendo do compasso 10 ao 12, visando intensificar expressivamente o desenho
melódico em direção à região mais aguda da frase, com posterior condução a um repouso no
final da frase. Tal padrão interpretativo pode ser repetido na frase seguinte (c.13 – 20) por tratar-
se de uma recorrência variada da frase anterior.
Entendemos a nova variação final (c. 21 – 27) como um clímax, portanto, uma
oportunidade de alcançar uma sonoridade potente e um toque enérgico devido ao caráter mais
rítmico apresentado. A região do talão, já sugerida na partitura, será muito adequada à realização
da passagem segundo essa nossa concepção.
Os últimos quatro compassos, uma codeta, são estruturalmente semelhantes aos
quatro compassos que compõem a introdução. Neste final, no entanto, ao invés do pizicato, a
passagem é realizada com o arco e com harmônicos. Os acordes do sistema superior serão
realizados com um curto golpe de arco, cujas notas deverão ressoar o máximo possível, enquanto
os harmônicos da voz inferior são tocados. Portanto, o fato desses acordes estarem escritos como
mínimas são apenas uma representação de que devem ressoar, e não de que realmente serão
sustentados com o arco ao longo de toda a sua duração de acordo com a escrita.
• Número do prelúdio: 13
• Título: Asas inquietas
• Ano de composição: 193? (sabe-se apenas que foi escrito na década de 1930)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a (homenagem): Ernest N. Doring (1877-1955) – Escritor de artigos na revista
“Violins and violinists”, onde chegou a publicar matérias sobre o trabalho musical de Vale
• Tonalidade: Mi menor – Sol Maior – Mi menor
• Compasso: 2/4 – 3/4 – 2/4
• Andamento: Allegreto – Valsa – come prima (Allegreto)
• Extensão: Sol 3 – Sol 6
• Variação de dinâmica: indicações de crescendo e diminuendo, fortissimo apenas no final
• Forma: forma ternária (a – b – a‟)
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984) e Claudio Cruz (2011)
- 134 -
• Grau de dificuldade técnica: média, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas: Uso de surdina; cordas duplas com intervalos de segundas,
terças, quintas, sextas (predominantemente), sétimas; pizicatos de mão esquerda; harmônicos
naturais simples; acordes de quatro sons em pizicato
• Caráter musical: Agitado – Gracioso (em diferentes momentos)
Este é o único prelúdio deste conjunto em que Vale solicita o uso da surdina.
Percebemos que a primeira parte dessa peça, que chamaremos de “seção a” (c. 1 – 30) é
construída a partir de uma fórmula rítmica sempre repetida a cada dois compassos, com
alterações apenas nas alturas e nos intervalos. Esta célula rítmica da voz superior, quando
executada no andamento indicado na obra soa praticamente como um mordente. Nossa sugestão
de pulsação metronômica para esse prelúdio, na primeira seção, é de 120.
Podemos observar uma voz abaixo que se move como uma melodia, ou “notas lisas”,
acompanhada por outra voz superior que poderíamos comparar com um “mordente misurato
escrito por extenso”, que em termos de timbre e de sonoridade, assume uma função estética
ornamental, como um trilo, dependendo do andamento em que a peça for executada.
A progressão harmônica que ocorre na frase inicial (c. 1 – 8) deve ser evidenciada
através da condução do intérprete por meio de direcionamento agógico e de dinâmica, de forma
que a frase encontre seu ápice no Mi 5 do compasso 4. Esta “fórmula” de estrutura fraseológica
repete-se na segunda frase (c. 8.1b – 16) e na recorrência da primeira frase (c. 18 – 30). O
modelo de condução que sugerimos adéqua-se às três apresentações. Exibiremos uma imagem
que elaboramos a partir da partitura editada por Frésca e Guimarães que demonstra nossa
intenção de condução da frase. Grafamos sinais de crescendo e diminuendo que expressam o
direcionamento que pretendemos.
- 135 -
Figura 41: Prelúdio 13 – “Asas inquietas” (c. 1 – 8a) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossa
demonstração de condução de frase. As indicações de crescendo e decrescendo são acréscimos nossos.
Há alguns dedilhados que gostaríamos de alterar de acordo com nossa concepção,
nos compassos 14 a 18. Estas sugestões encontram-se na partitura abaixo. Mantivemos os
dedilhados originais da edição, que se encontram sempre acima das notas. Os dedilhados que nós
assinalamos estão sempre abaixo.
Figura 42: Prelúdio 13 – “Asas inquietas” (c. 13 – 23) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de dedilhado nos compassos 14 a 18.
A segunda seção (c. 31 – 64) é bastante contrastante com a primeira, tratando-se de
uma valsa na tonalidade relativa maior (Sol Maior) da tonalidade principal da obra (mi menor).
Também é contrastante o caráter, que “torna-se leve e gracioso” nessa valsa. Sabemos que
Flausino Vale era bastante conhecedor da música europeia de concerto, e que era grande
apreciador de violinistas de grande projeção, inclusive a alguns dos quais prestou dedicatória
nesses prelúdios. As células principais que compõem o elemento temático dessa valsa podem ser
- 136 -
facilmente associadas a uma conhecida composição do renomado violinista de Fritz Kreisler
(1875 – 1962) intitulada “Schön Rosmarin”, para violino e piano. Para demonstrar essas
semelhanças elaboramos uma partitura com os primeiros seis compassos das duas melodias em
paralelo. No sistema de cima a parte do violino de “Schön Rosmarin” e no de baixo, a valsa de
“Asas inquietas”.
Figura 43: Imagem que confeccionamos em nossa pesquisa: os compassos iniciais de “Schön Rosmarin” e de “Asas
inquietas” em paralelo (c. 1 – 6).
É interessante perceber que o caráter gracioso está presente nos dois casos, além do
mesmo estilo de arcadas, mesma tonalidade, mesma articulação, e, até mesmo, notas iguais nas
primeiras células (ou incisos). Nosso objetivo em explorar esta comparação é buscar nessa valsa
uma interpretação condizente com seu estilo, claramente inspirado em uma estética abordada por
Kreisler na obra mencionada, e por outras obras dele e de outros compositores. Para alcançar este
resultado, nossa proposta é que as notas marcadas com ponto (staccato) sejam executadas com
muita leveza de arco, saltando da corda com uso de spiccato, em contraste com notas longas bem
“cantadas”, sustentadas, e com vibrato. Em nossa interpretação nos agrada valorizar a cadência
suspensiva (c. 64) que ocorre ao final dessa segunda seção. Realizamos um crescendo nos
compassos 61 a 64. Mantemos a nota da fermata forte até o corte.
- 137 -
A terceira seção (c. 65 – 105) é uma reapresentação da primeira seção, mas com
mudança de registro. Nesse momento o tema é apresentado uma oitava acima da forma como é
exposto na primeira seção. Há uma codeta (c. 96 – 105) que conduz a harmonia à tonalidade de
Mi Maior. O pizicato final deve ser realizado em bloco e de forma bem enérgica, soando as
quatro notas o mais simultaneamente possível, resultando em um gesto visualmente virtuosístico.
• Número do prelúdio: 14
• Título: A porteira da fazenda
• Ano de composição: 1933
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Villa-Lobos (1887 – 1959) – Compositor brasileiro expoente do séc. XX
• Tonalidade: Lá maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Lento - Allegro
• Extensão: Sol # 3 – Si # 5
• Variação de dinâmica: Dinâmica não indicada no início. Indicação de forte no compasso 26
• Forma: ternária (a – b – a‟)
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Claudio Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: média, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto. A
dificuldade é diferenciada por apresentar recursos incomuns no instrumento, com os quais os
violinistas em geral não estão habituados
• Efeitos / técnicas estendidas: Glissando ascendente com acento e com ruído, utilizando-se o
arco; percussão com dedos da mão esquerda contra a caixa de ressonância; pizicato em
posição natural (com mão direita e violino no ombro) e com cordas duplas; pizicato “a La
guitarra” (também com mão direita) em cordas simples, duplas e triplas, com indicação de
utilização de polegar e dedo médio; pizicato com mordente; as cordas duplas ocorrem
principalmente em intervalos de sextas.
• Caráter musical: “festivo”, “caipira”
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Essa obra é fortemente marcada pelo seu caráter musical “rural”, considerando
primeiramente seu nome e os três primeiros compassos. Então, desde esse início nossa
interpretação visa evidenciar ao máximo a intenção do autor, que é a de que o ouvinte presencie
essa porteira que range no interior de Minas. Para este fim, nesses dois glissandos iniciais,
transferimos através do dedo indicador da mão direita mais peso ao arco (pressão transferida
través de movimento do braço direito conhecido como pronação) do que faríamos num toque
“normal” para que assim obtenhamos um ruído característico que acompanhará o glissando e se
assemelhará ao ruído de uma porteira de madeira que range. Destacamos o acento solicitado pelo
compositor nas cabeças das primeiras notas dos dois primeiros compassos. Na gravação de Jerzy
Milewski dessa obra ouvimos esse toque de forma “suja”, ou seja, reproduzindo de fato o som
esperado de ruído, de ranger.
Figura 44: Publicação de Zoltan Paulinyi (2010) do manuscrito de Flausino Vale referente à porteira.
Reparemos que no terceiro compasso da imagem acima, ou o compasso 3 do
prelúdio 14, temos duas notas percutidas, comuns em instrumentos de percussão, mas não no
violino.
Na introdução assinalada pelo autor como “Lento” (c. 1 – 3) adotamos a pulsação de
52. No “Allegro” (a partir da anacruse do compasso 4) adotamos a pulsação de 104,
sendo que, na verdade, em nossa interpretação, decidimos por iniciar este Allegro num
andamento ainda hesitante, um pouco abaixo disso, para gradualmente chegar ao andamento
definitivo, aproximadamente no compasso 7. Essa primeira seção que segue até o compasso 20
deve ser repetida, devido ao “ritornello”. Na segunda vez, optamos por já manter o andamento
“a tempo”, sem que se comece com andamento mais lento e posterior acelerando.
Esta passagem é executada em pizicato, de acordo com a indicação do autor até o
compasso 11, e aqui colocamos como importante uma tentativa nossa em tanger as cordas com
bastante velocidade com o dedo indicador da mão esquerda, e tocando próximo ao cavalete. Esta
execução resultará em um som enérgico, que fará com que o pizicato soe mais forte.
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Outra solicitação do compositor nessa peça é que se toque “a la guitarra” em alguns
trechos, como vemos a seguir (c. 12 – 19). “A la guitarra” é um pedido claro de Vale para que se
faça do violino um violão (ou viola caipira). É com esse tipo de solicitação que não apenas
ouvimos “som de viola” em sua música, como também há todo o aspecto visual do executante,
que no meio da obra desloca o violino de seu lugar tradicional ao ombro para frente de seu
corpo, junto ao peito, deixando de lado o arco e tocando apenas com os dedos. Uma escrita mais
uma vez não usual do instrumento.
Figura 45: Prelúdio 14 – “A porteira da fazenda” (c. 5 – 19a) extraído da dissertação de Frésca (2008).
Desde já afirmamos que, para um violinista de formação clássica, retirar o violino da
sua posição tradicional junto ao ombro, e passá-lo para junto ao peito, como se fosse um violão,
é não apenas uma ideia estranha, mas também desconfortável, sem contar que se tem que
executar com diversos dedos da mão direita (sem utilização do arco) o pizicato. O pizicato não é
novidade para nenhum violinista, porém, o comum é realizá-lo apenas com o dedo indicador (ou
menos usualmente o médio) da mão direita. Nesta peça, além da nova posição do violino junto
ao peito o intérprete terá ainda o desafio de realizar o pizicato com dedos que, a maioria dos
violinistas, nunca utilizara anteriormente nessa função. Nesta passagem (a La guitarra), na mão
esquerda, utiliza-se o polegar, com movimento descendente, nas três primeiras semicolcheias e
primeira colcheia de cada compasso; e o dedo médio, com movimento ascendente, sempre na
quarta semicolcheia e segunda colcheia de cada compasso. Neste momento, estaremos ainda
utilizando o dedo indicador para segurar o arco, e deixá-lo pronto para o próximo momento em
que será utilizado.
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A segunda seção (compassos 20b78
até 27) apresenta novos desafios ao violinista: o
primeiro é a combinação simultânea do pizicato da mão direita com o de mão esquerda
(exemplo: compassos 22 e 24); o segundo é a execução de mordentes e notas ligadas durante o
pizicato (exemplo: compasso 21 e 23). Estes recursos não são de muita dificuldade de execução,
e são sem dificuldade assimilados pelo instrumentista não habituado. Porém, não há violinista
que, de início, não fique surpreendido ao se deparar com esses recursos, e demore algum tempo
para executá-los satisfatoriamente. Quanto a essa satisfação na execução desses últimos recursos,
há um problema. O violino não soa tão bem nesses mordentes e notas ligadas em pizicatos. Estes
recursos são comuns ao violão, e “soam bem” no violão devido ao comprimento das cordas
vibrantes e às características acústicas desse instrumento. Para que os referidos efeitos sejam
conseguidos no violino com o melhor resultado possível é necessário que nos mordentes o
violinista puxe a corda com o dedo da mão esquerda que estará realizando o mordente, como se
fosse um pizicato de mão esquerda, só assim o mordente poderá ser ouvido mais claramente.
Quanto às notas ligadas em pizicato, percebemos que terão um efeito sonoro de rápido glissando
em pizicato, visto que, para que duas notas seguidas soem ligadas em pizicato, temos que
executar ambas com o mesmo dedo da mão esquerda. E não podemos esperar muito para mover
a mão esquerda logo após o golpe da mão direita; do contrário, a segunda nota ligada não será
ouvida. Ainda assim, o resultado sonoro não é perfeitamente satisfatório.
A consequência de todos esses efeitos em pizicato acima descritos, ao longo de todo
esse prelúdio “A porteira da fazenda” é de fato um caráter “caipira” se assim pudermos definir.
As entrevistas realizadas com renomados violinistas e pesquisadores, que conhecem este
conjunto de prelúdios, corroboram essa nossa impressão “caipira” de alguns desses prelúdios, e
mais especificamente deste.
• Número do prelúdio: 15
• Título: Ao pé da fogueira
• Ano de composição: 193? (sabe-se apenas que foi escrito na década de 1930)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
78
Referimo-nos ao compasso 20 da “casa 2”.
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• Dedicado a: Agnelo França (1875 – 1964) – Pianista, compositor, regente e professor de
harmonia, foi professor de Heitor Villa-Lobos e de Radamés Gnattali79
• Tonalidade: Ré Maior
• Compasso: 3/8 – 2/4
• Andamento: Allegro commodo
• Extensão: Dó # 4 – Lá 6 (harmônico natural)
• Variação de dinâmica: fortissimo a piano
• Forma: É uma estrutura linear composta por uma frase recorrente e variada
• Gravações em versão comercial: duo de Jascha Heifetz (violino) e Emanuel Bay (piano) em
versão de Heifetz para violino e piano (1945); duo de Willam Primrose (viola) e David Stimer
(piano) em versão de William Primrose para viola e piano a partir da versão de Heifetz para
violino e piano (1947); duo de Zino Francescatti (violino) e Arthur Balsam (piano) em versão
de Heifetz para violino e piano (19??); duo de Henryk Szering (violino) e Madeleine
Berthelier (piano) em versão de Heifetz para violino e piano (1950); duo de Henryk Szering
(violino) e Claude Maillois (piano) em versão de Heifetz para violino e piano (1970); duo de
Itzhak Perlman (violino) e Samuel Sanders (piano) em versão de Heifetz para violino e piano
(19??); duo de Aaron Rosand (violino) e John Covelli (piano) em versão de Heifetz para
violino e piano (1990); duo de Jerzy Milewski (violino) com Rafael Rabelo (violão) em
versão de Rafael Rabelo para violino e violão (1991); duo de Anne Akiko Meyers (violino) e
Sandra Rivers (piano) em versão de Heifetz para violino e piano (1994); Andrés Cárdenes
(violino) e Luz Manriquez (piano) em versão de Heifetz para violino e piano (1994); Su Yeon
Lee (violino) e Michael Chertock (piano) em versão de Heifetz para violino e piano (2006);
duo de Roberto Díaz (viola) e Robert Koening (piano) em versão de William Primrose para
viola e piano a partir da versão de Heifetz para violino e piano (2006); duo de Camila Wicks
(violino) e Sixten Ehrling (piano) em versão de Heifetz para violino e piano (2006); Claudio
Cruz (2011) – segundo nossos levantamentos Claudio Cruz seria o único violinista a gravar
“Ao Pé da Fogueira” na versão original de Vale.
• Grau de dificuldade técnica: médio, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto.
79
Informações obtidas através da Wikipedia no seguinte link:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Agnelo_Fran%C3%A7a>
- 142 -
• Efeitos / técnicas estendidas: cordas duplas com intervalos de terças, quintas, sextas, sétimas;
pizicatos de mão esquerda; cordas triplas; harmônicos naturais duplos; pizicato em cordas
duplas e triplas; pizicato em harmônico natural duplo
• Caráter musical: Alegre, festivo, dançante
De todos os vinte e seis prelúdios de Vale para violino só, este certamente é o mais
conhecido, mais tocado e mais gravado. Dos violinistas que entrevistamos, vários relataram
conhecer bem e já ter tocado apenas “Ao Pé da Fogueira”. Conjecturamos qual motivo teria
levado este, e nenhum outro prelúdio a esta visibilidade, inclusive internacional. Em nossa visão,
este prelúdio não se destaca dos outros em termos de qualidade, nem de estilo, nem de
criatividade do compositor, sendo que consideramos todos eles obras que despertam grande
interesse. O fato é que a partitura desse prelúdio chegou às mãos de Jascha Heifetz em algum
momento do séc. XX, não se sabe exatamente como. Pelo que consta em nossa pesquisa, nem
mesmo o próprio Flausino Vale soube como a partitura chegou até Heifetz. Durante nossa
pesquisa, tivemos a oportunidade de conversar com a D. Helena, esposa de Guatémoc Terra do
Vale, um dos filhos de Flausino Vale. Ela nos confirmou essa informação, relatando que
permanece um mistério sobre como teria Heifetz tido acesso a essa obra.
Também gostaríamos de mencionar que no ano de 2010 tivemos a oportunidade de
assistir a um recital de Itzhak Perlman no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Nesta ocasião o
mestre executou “Ao Pé da Fogueira” como uma das peças de bis. Como naquela ocasião já
estávamos elaborando nossa pesquisa, decidimos adotar uma postura observadora não apenas à
execução de Perlman, mas também quanto à reação da plateia em contato com a obra de Vale,
que sabemos ser pouco conhecida do público em geral. Não nos impressionamos quando, ao
anunciar que tocaria uma obra brasileira, e mencionando o título e nome do compositor, muitas
pessoas se perguntassem quem era esse compositor, cujo nome desconheciam. A execução foi do
prelúdio na versão de Heifetz, com acompanhamento de piano, em uma performance
empolgante. Tanto que, ao final da execução, em meio a aplausos calorosos, muitos se
perguntavam qual era o nome do compositor, que jamais haviam ouvido falar, que produzira
obra tão peculiarmente encantadora.
Jascha Heifetz tinha o costume de criar arranjos de composições que lhe
interessavam. Inclusive, era comum que criasse acompanhamentos de piano para obras que
- 143 -
originalmente foram escritas para violino só (solo), como fez com alguns “Caprichos” de
Paganini. Da mesma forma, Heifetz criou versão de “Ao pé da fogueira” com acompanhamento
de piano, editou e gravou sua versão. Este arranjo tornou-se conhecido em meio internacional, e
a outros violinistas de sua época, que também gravaram, e executaram, sempre na versão de
Heifetz. Assim, houve expressiva divulgação deste prelúdio e do nome de Vale em meio musical
internacional, mais especificamente entre violinistas.
Este prelúdio é todo desenvolvido sobre as mesmas figuras rítmicas, que se repetem
num mesmo padrão, formando uma frase que se apresenta diversas vezes com variações nas
repetições. Inicialmente, apresenta-se tendo como predominante intervalo de cordas duplas as
sextas. Depois é repetido em oitava abaixo e com intervalos de terças. Como o elemento musical
temático é bastante repetido, trataremos dele brevemente, e posteriormente nos ateremos às
nossas observações referentes a questões de dedilhados.
Observamos que boa parte das execuções desse Prelúdio soam de tal forma que
parece ser diferente da grafia na partitura devido a uma distorção na acentuação dos tempos
através de uma hemíola. Este padrão a que nos referimos em algumas execuções seria
constituído por tercinas em compasso binário, ao invés de semicolcheias em compasso ternário,
como é o caso da grafia original. Demonstraremos na figura a seguir a diferença dessas duas
execuções, sendo no sistema superior a execução de forma distorcida e no inferior a
representação gráfica do ritmo tal como está originalmente escrito. Na figura fica claro que a
primeira nota da música, que deveria ter um caráter anacrústico, na interpretação distorcida
assume características téticas. Na execução mais adequada de acordo com a grafia deve-se
valorizar o quarto par de notas (Lá 4 – Fá 5) como sendo nota ligeiramente mais acentuada por
estar na tesis.
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Figura 46: Prelúdio 15 – “Ao pé da fogueira” (c. 1 – 4). Evidenciação da diferença entre algumas execuções
(sistema superior) e escrita original do compositor (abaixo). Figura elaborada por nós.
Como pulsação para este prelúdio recomendamos a 152. Para corresponder ao
toque enérgico, dançado que cremos que a música requer, nossa execução busca um
predominante uso da região inferior do arco, ao talão. Onde é forte, mantemos um ponto de
contato do arco mais próximo ao cavalete, e rapidamente, onde está grafado piano na partitura,
além de tocarmos com mais leveza, buscamos um ponto de contato mais afastado do cavalete,
sulla tastiera, que resultará também em uma mudança de timbre. Visamos um tipo de som mais
“ressonante”, de forma que mesmo onde há indicação de staccato, preferimos por realizar um
golpe que não seja demasiadamente curto. As recomendações que fizemos terão como objetivo
uma busca de contraste de timbre e dinâmica bastante pronunciados entre o forte e o piano. O
tempo deverá ser bem regular, devendo o intérprete tomar o devido cuidado para que as
oscilações de pulsação sejam evitadas. Esta nossa recomendação visa a valorização do caráter
dançado da peça.
Há alguns acréscimos que gostaríamos de fazer quanto ao dedilhado. Serão
demonstrados nas partituras a seguir, sempre com nossas indicações abaixo das notas.
Manteremos também os dedilhados originais da edição que se encontram acima das notas,
acrescentando os nossos apenas onde cremos que convenham algumas alterações. Na nossa
primeira demonstração, nossos acréscimos são nos compassos 16 e 20.
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Figura 47: Prelúdio 15 – “Ao pé da fogueira” (c. 15 – 24) extraído da dissertação de Frésca (2008) com cossas
sugestões de dedilhados dos compassos 16 e 20.
Neste caso nossas alterações visam uma diminuição de movimentos desnecessários
de mudanças de posição objetivando, nesse caso específico, um som de melhor qualidade.
Nossas alterações de dedilhados nos compassos 36, 37, 38 e 44 a seguir têm a mesma intenção e
estão em acordo com os princípios de dedilhados de terças de Yampolsky (1984).
Figura 48: Prelúdio 15 – “Ao pé da fogueira” (c. 35 – 44) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de dedilhados dos compassos 36, 37, 38 e 44.
Em uma das apresentações do tema (c. 52 – 60.1) é utilizado o recurso de
harmônicos duplos. Sugerimos que nesses harmônicos a articulação seja realizada de forma que
haja separação entre as notas, mas sem que soem curtas demais. Há também alguns acréscimos
que gostaríamos de fazer quanto à nossa concepção de arcadas, apenas num certo momento, nos
compassos 57 a 60.1. Nossa recomendação estará grafada na figura a seguir.
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Figura 49: Prelúdio 15 – “Ao pé da fogueira” (c. 55 – 64) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de arcadas para os compassos 57 a 60.1.
Quanto à coda (c.60 – 73), o compositor requer que seja executada integralmente em
pizicatos. Já comentamos em outros prelúdios onde são solicitados pizicatos com notas ligadas e
glissandos no violino que o resultado sonoro não é perfeitamente satisfatório. É o caso do que
ocorre nos compassos 61, 63, 65, 67 e 69. Heifetz parece tentar resolver este inconveniente
quando, em seu arranjo, realiza apenas os compassos 60, 62, 64, 66 e 68 ao 73 em pizicato, e os
compassos onde ocorrem os glissandos sempre com o arco, tal como indicado na imagem a
seguir.
Figura 50: Prelúdio 15 – “Ao pé da fogueira” (c. 60 – 73) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nosso
acréscimo de demonstração de execução de pizicatos e arco de acordo com a edição e execução de Jascha Heifetz
nos compassos 60 a 73.
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• Número do prelúdio: 16 (versões A e B)
• Título: Requiescat in pace
• Ano de composição: 19?? (não temos conhecimento da data)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado à memória de: Augusta de Campos Vale – Mãe de Flausino Vale
• Tonalidade: Sol Maior
• Compasso: 6/8
• Andamento: Andantino
• Extensão na versão A: Sol 3 – Sol 5
• Extensão na versão B: Sol 3 – Si 6 (harmônico artificial)
• Variação de dinâmica: fortissimo a pianississimo
• Forma: É uma estrutura linear composta por duas frases recorrentes
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984) e Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica da versão A: fácil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse
conjunto
• Grau de dificuldade técnica da versão B: médio, tendo como parâmetro outros prelúdios desse
conjunto.
• Efeitos / técnicas estendidas na versão A: Pizicatos de mão esquerda duplos; harmônicos
naturais simples; cordas duplas com intervalos de quintas
• Efeitos / técnicas estendidas na versão B: Pizicatos de mão esquerda duplos; harmônicos
naturais simples; harmônicos artificiais simples; cordas duplas com intervalos de quintas
• Caráter musical: Tranquilo, religioso, meditativo.
Este prelúdio é uma mostra da engenhosidade e criatividade de Flausino Vale quanto
ao aproveitamento das possibilidades de utilização dos harmônicos naturais no violino. Nesta
obra o compositor criou uma linha melódica que, de acordo com as possibilidades do violino,
pudesse ser praticamente toda reproduzida em harmônicos naturais, sendo eventualmente
necessário recorrer aos harmônicos artificiais, o que, em nossa visão, não é simples de ser
concebido. Vemos na partitura duas linhas paralelas, a de cima grafada com “A” e a segunda
com “B”. Trata-se de duas versões da mesma obra. Na versão “B” é ostensivamente abordado o
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recurso de harmônicos, de forma que esta segunda versão soará uma oitava acima da versão “A”
em quase sua totalidade, além, é claro, do timbre diferenciado proporcionado pelos harmônicos.
O autor indica em uma legenda no final da segunda página da partitura que os
pizicatos de mão esquerda em cordas duplas (em quintas) têm a finalidade de imitar o toque de
sinos. Cremos ainda que se refiram a sinos de igreja. Ressaltamos o fato de que todas essas
intervenções ao longo da obra aparecem com dinâmica forte, apesar de a maior parte do restante
do material musical se estabelecer em piano ou pianissimo. Nas oportunidades em que pudemos
executar esta obra percebemos que um contraste de dinâmica bem pronunciado entre os pizicatos
e demais notas com o arco resulta em uma impressão auditiva de uma intervenção de um
elemento externo à música, no caso, os sinos, como um novo personagem no “cenário musical”.
Por este motivo insistimos que, na execução, seja dado o devido valor à realização das
dinâmicas.
Para o andamento, sugerimos que seja adotada 66. As chaves de crescendi e
diminuendi indicados na partitura já representam por si uma boa maneira de conduzir as notas
nas frases.
Do ponto de vista da técnica instrumental a maior dificuldade deste prelúdio é a
execução dos harmônicos da “versão B”. Gostaríamos de lembrar, como já mencionamos em
outros prelúdios nos quais os harmônicos foram abordados, que é importantíssimo a velocidade
do arco, devendo ser mais veloz do que o normal ao mover-se sobre as cordas e o ponto de
contato entre arco e cordas deve ser mais próximo do cavalete que o normal. Deve-se, no
entanto, tomar o cuidado necessário para que estes procedimentos não interfiram na condução
melódica e na sonoridade delicada própria ao caráter musical da obra, sendo necessário um bom
controle de arco.
• Número do prelúdio: 17 (versões A e B)
• Título: Viola destemida
• Ano de composição: 1939
• Ano de Edição da versão A: (José Maurício Guimarães): 1998
• Ano de Edição da versão B: (Camila Frésca): 2007
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• Dedicado a: Ruggiero Ricci (1918) Violinista ítalo-americano, famoso por suas brilhantes
execuções de obras de Paganini
• Tonalidade: Sol maior
• Compasso: 2/4 – 3/8, alternados
• Andamento: Allegro
• Extensão: Sol 3 – Dó 6
• Variação de dinâmica: piano ao forte
• Forma: Ternária (a – b – a)
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984) e Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica: difícil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: Pizicato de mão esquerda; cordas duplas com intervalos de
terças, quintas e sextas; arco realizando acordes arpejados em ricochet, alternado com acordes
de quatro sons com pizicato de mão esquerda; spiccato; acordes de quatro sons com arco;
• Caráter musical: “festivo”, “caipira”, “violeiro”
Nesta dissertação, em muitas ocasiões observamos o fato de que Flausino, em seu
conjunto de 26 prelúdios, tenta fazer do violino uma viola caipira. E dentro deste ciclo, se há
uma obra que possamos considerar o ponto alto de representatividade da viola, certamente este
prelúdio seria o de número 17, intitulado “Viola destemida”, dedicado ao insigne violinista
Ruggiero Ricci. É muito interessante nos atentarmos ao fato de que neste mesmo prelúdio haja
tão clara referência ao repertório violinístico tradicional da Europa.
Esse prelúdio traz diversos elementos que evocam uma interpretação tal como já
mencionamos em outros prelúdios analisados nesse trabalho, de tal forma que traremos aqui
apenas aquilo de novo que pudermos acrescentar à questão interpretativa dessa obra.
Já mencionamos anteriormente que Vale, em sua formação violinística, estudou os
“24 Caprichos” de Paganini para violino solo. No Prelúdio 17 consta uma breve introdução
(compassos 1 ao 12) com uso de pizicatos de mão esquerda que pode ser rapidamente associada
à nona variação do mais conhecido de todos os Caprichos de Paganini, o de número 24. Este
Capricho de Paganini é composto por um tema e variações, e expomos abaixo um excerto da
partitura desta obra, onde consta essa nona variação à qual nos referimos.
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Figura 51: “Capricho nº 24” de Paganini, em lá menor, Op. 1 para violino solo – Variação 9 (c. 1 – 4).
Tanto na partitura do prelúdio 17 de Vale (compassos 1 ao 12) quanto na do excerto
do “Capricho nº 24” de Paganini os sinais “+” representam as notas em que o violinista deverá
executar o pizicato com os dedos da mão esquerda, puxando as cordas com os dedos que foram
utilizados nas notas anteriores. As demais notas que não apresentam este sinal serão realizadas
através de curtos golpes de arco, na região da ponta do arco, golpe que já mencionamos
anteriormente em nosso trabalho, nomeado como “spiccato percussivo”. Idealizamos para
pulsação base desse Allegro 92; e a partir da anacruse do compasso 14, adotamos , onde
o compasso torna-se 3/8.
Já mencionamos nessa dissertação passagens dessas obras em que os glissandos não
são indicados pelo compositor, mas que acabam por ser realizados. É o caso de “viola
destemida” (compassos 13 – 21 e 25b – 29) no qual, em consequência da escrita em terças e
sextas paralelas em cordas duplas e com notas ligadas, apesar de o glissando não ser
absolutamente inevitável, ele ocorre se a passagem for executada com o dedilhado mais
indicado. E nesse ponto ressaltamos que o glissando será até mesmo apropriado por questões
interpretativas. Em nossa visão, estes glissandos devem até mesmo ser valorizados, de forma que
sejam claramente audíveis.
A “segunda seção” desta obra (c. 31 – 40) é habilmente construída a partir de
recursos técnicos violinísticos que percebemos terem sido cuidadosamente escolhidos pelo
compositor, por serem capazes de transmitir características típicas do toque da viola caipira.
Estes recursos não são próprios da viola, porém, são no violino o que mais se aproxima dessa
possibilidade de imitá-la. Exemplificamos aqui essas características citando os acordes arpejados
com utilização de “arpejos em ricochet”, pizicatos de mão esquerda intercalados com os de mão
direita. Ao executar essa seção nosso objetivo é tentar chegar àquilo que imaginamos ter sido a
intenção de Flausino Vale, ou seja, não buscamos um “toque erudito”, mas, até mesmo seguindo
o título da obra “Viola destemida”, tentamos interpretar o papel de um violeiro dos sertões.
- 151 -
A “versão B” consiste em música praticamente idêntica à “versão A”, ocorrendo
algumas adaptações que possibilitem a execução da obra inteira em pizicatos. A última seção da
“versão B” (c. 30 – 39) apresenta a possibilidade de ser executada com o violino “a la guitarra”
e dedilhando as cordas de modo que, nas fusas, o dedo indicador direito tocará a quarta corda; o
dedo médio, a terceira corda; o anular a segunda corda, e o dedo mínimo, a primeira corda.
• Número do prelúdio: 18
• Título: Pai João
• Ano de composição: 1939
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Jascha Heifetz (Violinista da Lituânia, expoente do séc. XX)
• Tonalidade: Sol maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegreto
• Extensão: Sol 3 – Si 5
• Variação de dinâmica: pianíssimo e piano com crescendo, compreendemos que possa chegar
ao forte;
• Forma: Ternária (a – b – a‟)
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Daniel Guedes (2004) e Claudio
Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: fácil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: percussão de dedos da mão esquerda na caixa de ressonância do
violino; cordas duplas com intervalos de terças, quartas, quintas, sextas (predominantemente)
e sétimas; acordes de quatro sons; harmônicos naturais simples e artificiais simples;
harmônicos naturais duplos
• Caráter musical: “festivo”, “caipira”
Em “Pai João” Flausino traz mais um recurso instrumental que, embora não inédito,
é pouquíssimo usual no repertório violinístico: a percussão com os dedos do instrumentista
contra a caixa de ressonância do violino, em que Vale ainda solicita que seja executado
- 152 -
“imitando o tambor”. O compositor, além disso, solicita que sejam produzidos dois diferentes
tipos de timbres, caracterizados graficamente por ( ) e ( ) e explicados por ele em nota de
rodapé da partitura dessa obra. Não é difícil que, ao executar essa passagem, o músico a associe
a um baião ou coco pela estrutura rítmica que compõe essa introdução e pela acentuação que é
naturalmente produzida 80
quando se executa o trecho de acordo com as indicações do autor.
Talvez porque muitos desses padrões rítmicos derivam-se do coco, ritmo não exclusivo da região
Nordeste do Brasil, segundo Mario de Andrade. No entanto, ao longo deste prelúdio, ficam
claras as referências ao ambiente interiorano, rural e popular de Minas Gerais.
As terças e sextas paralelas (em cordas duplas) e com glissandos (exemplos: terças:
compassos 10 – 14; e sextas: compassos 27 – 31) sugerem um canto sertanejo, até mesmo de
uma “dupla caipira”. Para valorizar tal “ambiente sonoro”, em nossa interpretação, valorizamos
os glissandos, executando-os bem pronunciados e audíveis, “arrastados”. Quanto ao vibrato,
decidimos por realizá-lo com discrição. A melodia em harmônicos desenvolvida dos compassos
14 ao 18 nos remete a um assovio, e o glissando descendente em harmônico do compasso 26
seguido de dois golpes percussivos na caixa de ressonância nos remetem a fogos de artifício, tão
comuns nas festas juninas do interior mineiro, também chamadas de festas de São João. Esse tipo
de recurso que Flausino Vale utiliza em muitos de seus prelúdios caracteriza seu objetivo
frequentemente descritivo em sua música.
Quanto ao andamento Allegreto deste prelúdio, em nossa interpretação, utilizamos a
marcação metronômica aproximada de 80 na introdução percussiva, e 54 a partir do
compasso 11, onde se encerra a introdução percussiva. Nos trechos já mencionados acima em
que ocorrem as melodias em cordas duplas com intervalos de terças e sextas, podemos observar
indicações de arcadas (compassos 10 – 13 e 27 – 39, bem como seus correspondentes na
reapresentação). Durante nosso estudo prático dessa obra no violino percebemos que as arcadas
assinaladas são incômodas para o violinista, pois forçam bruscas retomadas de arco em pequenos
intervalos de tempo. Porém, ao insistirmos em tocar essa seção, com interesse investigativo,
seguindo essas indicações de arcadas, entendemos que em consequência dessas sugestões, são
produzidas algumas “respirações” ou cesuras, pequenas pausas, entre certas notas. Essas
pequenas respirações acontecem em decorrência do tempo necessário ao músico para realizar as
80
A percussão do dedo no tampo da caixa de ressonância do violino produz som diferente da percussão do dedo no
fundo da caixa de ressonância.
- 153 -
retomadas do arco a cada movimento. Em nossa interpretação, elaboramos novas arcadas que
em nossa visão são mais adequadas, mais cômodas, mais “violinísticas”. Contudo, ao
executarmos os referidos trechos, tomamos o cuidado de artificialmente produzir as pequenas
pausas (ou respirações de frase), para obtermos um resultado sonoro semelhante a se
utilizássemos as arcadas apresentadas. Disponibilizamos na imagem abaixo as arcadas
elaboradas em nossa concepção, e assinalamos com uma vírgula na partitura os momentos em
que ocorrerão as pequenas cesuras.
Figura 52: Prelúdio 18 – “Pai João” (c. 24 – 39b) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas arcadas e
indicações de cesuras nos compassos 27 a 29.
No compasso 47 é apresentado novo material temático que aparece apenas nesse
breve momento (c. 47 – 63.1), e logo após, são reapresentados os elementos presentes na
primeira seção. Por esta razão decidimos considerá-lo como uma segunda seção do prelúdio. A
solicitação do compositor de que essa parte seja tocada apenas na corda sol (indicada na parte
como “sul G”) e ainda a solicitação de utilização do mesmo dedo por uma passagem de vários
compassos nos leva a crer numa intenção do compositor de referência ao canto. Na verdade, há
um determinado estilo de canto, em que a voz é “arrastada”, e que há sutis “portamentos
arrastados”81
de voz entre as notas. O fato de mantermos o mesmo dedo tendo que ser
“arrastado” sobre a corda para realizar as mudanças de uma nota para outra, em legato, torna
praticamente necessária a existência de alguns portamentos, muito embora o violinista possa
81
Mário de Andrade utiliza a expressão “glissando tão preguiça” quando descreve tanto o canto nordestino quanto
dos violeiros do centro (ANDRADE, p.57, 1962 [1928]).
- 154 -
tentar evitá-los. Esses portamentos poderiam ser poupados, ou diminuídos através de portato na
execução do arco e de cuidados para que o dedo da mão esquerda deslize o mais rapidamente
possível entre uma nota e outra. No entanto, questionamo-nos: por que o compositor exigiria
esse dedilhado se desejasse que os portamentos fossem evitados?
Apesar de termos praticamente certeza de que Vale desejava que tais portamentos
existissem, também vemos que não escreveu textualmente uma instrução absolutamente clara de
que os portamentos fossem executados. Nossa conclusão é de que os portamentos devem existir,
mas sem exageros, como um portamento “natural e orgânico” que seria produzido por um cantor.
Vale ainda apresenta-nos sua versatilidade ao mesclar o elemento percussivo e a
execução de arco nas cordas simultaneamente (c. 56 – 63.1). Esta mistura de recursos sonoros de
naturezas tão diferentes, executados simultaneamente, gera surpresa no ouvinte que não conhece
a obra. Há uma aparência de virtuosidade na execução, sem que de fato a realização da obra seja
difícil ao intérprete. Este fato, como tantos outros encontrados na música de Vale, demonstra, em
nossa visão, grande capacidade criativa do compositor para criar um repertório bastante “eficaz”
se levarmos em conta o efeito alcançado em proporção à demanda técnica do intérprete. Ou seja,
com isso queremos dizer que o compositor consegue produzir efeitos que aparentam um grau de
dificuldade técnica que não é aquele que a obra realmente demanda.
A seção final (c. 63 – 91) é uma reapresentação da “seção a” (c. 1 – 39b), podendo
sua interpretação utilizar todas as questões que já mencionamos.
• Número do prelúdio: 19
• Título: Folguedo Campestre
• Ano de composição: 19?? (não temos conhecimento da data)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Francisco Mignone (1897 – 1986) – Regente, compositor e pianista brasileiro
(São Paulo)
• Tonalidade: Mi bemol maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegro
• Extensão: Sol 3 – Si bemol 5
- 155 -
• Variação de dinâmica: fortissimo a pianississimo
• Forma: É uma estrutura linear composta por um período recorrente variado
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Claudio Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: médio, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: Cordas duplas exclusivamente em intervalos de sextas (com
arco); pizicatos em cordas duplas exclusivamente em intervalos de sextas
• Caráter musical: Alegre, tranquilo, lúdico.
Flausino Vale utiliza-se vastamente de cordas duplas em intervalos de sextas em
diversos de seus prelúdios. Este, no entanto, é o único em que as sextas ocorrem
inexoravelmente da primeira à última nota da música. Este fato nos sugere que a obra pode
também ser bem utilizada com finalidades didáticas, tendo como principal finalidade de estudo
as sextas em cordas duplas.
Apesar de nossa observação, não nos desviamos da consciência de que,
fundamentalmente, trata-se de um prelúdio e que, a despeito de ser utilizado como estudo,
devemos nos focar em sua interpretação. Quanto a essa questão, é importante nos atermos ao
título da obra: “Folguedo campestre”. Os folguedos são festas populares, lúdicas, que ocorrem
em diversas regiões. Neste contexto, devemos buscar um toque que aproxime a execução de
canções características populares, ou até mesmo “folclóricas”.
A partir da presente edição do prelúdio, constituímos uma imagem que demonstre
nossa intenção de direcionamento das frases musicais quando tocadas. Utilizamo-nos agora dos
mesmos recursos gráficos e simbólicos que já abordamos e explicamos anteriormente nos
comentários sobre outros prelúdios. Na mesma gravura acrescentamos também nossas sugestões
de alguns dedilhados os quais decidimos alterar. Os dedilhados que acrescentamos encontram-se
sempre abaixo das notas. A gravura é apresentada a seguir.
- 156 -
Figura 53: Prelúdio 19 – “Folguedo campestre” (c. 1 – 9) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossas indicações de direcionamento de frase e dedilhados no trecho.
Na partitura ainda assinalamos algumas traccias (–), em notas ligadas onde cremos
que se adéque à realização de portato. Esses dois primeiros sistemas já exibem todo o material
musical presente em todo o prelúdio, sendo o restante da obra construído a partir de repetições
variadas das mesmas frases. Dessa forma, esta “fórmula” que apresentamos pode ser adotada no
restante do prelúdio.
No compasso “24 a” é iniciada a reapresentação do tema em pizicatos, mantendo-se
desta forma até o final, com diminuendo gradual. Sugerimos que o dedo que produz o pizicato vá
tangendo as cordas cada vez mais para a região do espelho, contribuindo com uma sonoridade
cada vez mais suave no decrescendo.
• Número do prelúdio: 20
• Título: Tirana Riograndense
• Ano de composição: 19?? (não temos conhecimento da data)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Renato Almeida (1895 – 1981) – Advogado, jornalista, musicólogo e folclorista
brasileiro, nascido na Bahia
• Tonalidade: Sol Maior
• Compasso: 6/8
• Andamento: Allegreto – Moderato (intercalados diversas vezes)
- 157 -
• Extensão: Sol 3 – Lá 5
• Variação de dinâmica: forte a piano
• Forma: É uma estrutura linear composta por um período recorrente variado
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Claudio Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: médio, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: Cordas duplas em intervalos de terças, quartas, sextas, oitavas;
pizicato de mão esquerda simples e triplo; pizicatos de mão direita em cordas triplas e
quádruplas; mordentes em pizicato; harmônicos naturais simples; harmônicos artificiais
simples; harmônico duplo misto (natural com artificial)
• Caráter musical: tranquilo, recitativo, “cantado”.
Segundo o próprio Flausino Vale, esta composição foi elaborada segundo sua leitura
do livro de Renato Almeida: “História da música brasileira”, onde Almeida menciona, dentre
outros gêneros populares a “tirana”, muito comum no Rio Grande do Sul.
Inicialmente gostaríamos de colocar algumas de nossas concepções sobre arcadas
que, quando utilizadas, terão como consequência uma tendência do intérprete a conduzir as
frases musicais de maneira como acreditamos ser coerente. Vamos expor nossas arcadas na
partitura a seguir, que consiste nos primeiros 16 compassos do prelúdio, onde está presente o
material musical presente no início da obra e que é muito recorrente até o final. Assim, podem as
mesmas arcadas ser repetidas da mesma forma onde haja correspondência. Nossas alterações de
arcadas estão assinaladas nos compassos 1, 2, 9, 10 e 13. Também assinalamos dois sinais “+”
no compasso 8, abaixo das duas colcheias (Sol 3), referentes a pizicato de mão esquerda, pois
não estavam grafados e acreditamos tratar-se de um erro por percebermos que todas as vezes que
a mesma célula ocorre é realizada com este recurso.
- 158 -
Figura 54: Prelúdio 20 – “Tirana riograndense” (c. 1 – 16) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo
de nossas concepções de arcadas. Há também uma correção, sendo a inclusão do sinal “+” duas vezes no compasso
8.
Ainda tratando das arcadas que mencionamos, é importante também considerar a
divisão e organização do arco, ou seja, quais regiões do arco serão utilizadas em cada nota ou
grupo de notas. No primeiro compasso nossas sugestões têm objetivo de viabilizar movimentos
com utilização de toda a amplitude do arco, ainda que realizando uma sutil separação no som da
terceira e sexta notas do compasso, articulando-as. O segundo compasso também será realizado
com todo o arco nas notas ligadas, e com o terço superior do arco nas últimas duas colcheias,
executando-as de forma a demonstrar intenção de que elas se dirijam ao forte no compasso
seguinte, conduzindo. O compasso 3 será realizado com cerca de dois terços do comprimento do
arco, na região superior, e o compasso 4, apenas no terço superior do arco, com suavidade.
No Moderato (recitativo) do compasso 5 iniciamos na região inferior, próximo ao
talão, e em todos os golpes com várias notas ligadas ou arcadas com duração de tempo com valor
igual ou superior a uma colcheia utilizamos todo o comprimento do arco. No final da frase (c.7)
onde há a chave de decrescendo, vamos gradualmente diminuindo a quantidade de arco e
“migrando” para a ponta, com objetivo de chegar à dinâmica piano. Estes procedimentos que
- 159 -
citamos podem ser adotados em quase todo o prelúdio, pois se desenvolve sobre esses mesmos
padrões.
No compasso 46.2 tem início uma coda. Há, além da opção da execução da parte
musical que está na partitura, outra opção para este trecho que se encontra no rodapé da segunda
página. Trata-se de uma sequencia intercalada de “notas reais” e harmônicos artificiais. Em
ambos os casos sugerimos a execução na metade superior do arco. No caso da execução das
notas da partitura ao invés das do rodapé, é aconselhável usar menos da metade do arco com
bastante movimento de pronação do antebraço direito para um som preciso e “concentrado”,
firme.
Há uma indicação do compositor no compasso 49: “com garbo”, ou seja, com
elegância. Nossa visão é que deve ser executado bem “sonoro” com velocidade de arco, os
acordes sempre quebrados no talão. Sugerimos ainda uma mudança de arcadas no final, no
compasso 52 da versão em harmônicos, apresentados abaixo.
Figura 55: Prelúdio 20 – “Tirana riograndense” (c. 50 - 52) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo
de nossas arcadas no compasso 52.
• Número do prelúdio: 21
• Título: Prelúdio da Vitória
• Ano de composição: 19?? (não temos conhecimento da data)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Paulina d‟Ambrosio (1890 – 1976) – Violinista e importante professora de
violino no Rio de Janeiro, tendo lecionado na Escola Nacional de Música, estudou no
- 160 -
Conservatório Real de Bruxelas, na Bélgica, tendo sido importante difusora da Escola de
Violino Franco-Belga no Brasil
• Tonalidade: Ré menor – ré maior (intercalados)
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegreto – Poco meno
• Extensão: Lá 3 – Lá 7 (harmônico artificial)
• Variação de dinâmica: fortissimo a piano
• Forma: É uma estrutura linear composta por uma frase recorrente variada
• Gravações em versão comercial: Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica: difícil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: Execução de trechos restritos a uma só corda (“sul G” e “sul a”);
cordas duplas em intervalos de terças, quartas, quintas, sextas, oitavas; nonas; décimas;
décimas primeiras; pizicatos de mão esquerda duplos; harmônicos naturais simples;
harmônicos artificiais simples; harmônico duplo e triplo misto (natural com artificial);
ricochet; cordas triplas com o arco
• Caráter musical: heroico, vigoroso; enérgico; austero.
“Prelúdio da vitória” consiste em um dos prelúdios de maior dificuldade técnica
dentre esse conjunto de vinte e seis. Uma das causas dessa dificuldade é o amplo uso de oitavas
em cordas duplas, que têm como característica uma maior transparência, sendo um intervalo que
permite que fiquem flagrantes pequenas imperfeições de afinação do violinista. Percebemos
como uma peculiaridade dessa obra em relação aos outros prelúdios do ciclo um caráter musical
austero, uma inspiração pouco comum nessas obras com aparente inspiração popular, do ponto
de vista do caráter musical. Por este motivo, no contato com essa obra, temos a impressão de
uma maior inspiração na música “erudita” do que na “popular”, ou “regional brasileira”.
Para referência de pulsação nesta peça nossa sugestão é 80. Este prelúdio é
basicamente composto por uma frase (c. 1 – 14) que reapresenta-se diversas vezes com variações
principalmente baseadas em diferentes recursos de técnica instrumental, tais como: alteração de
registro, apresentação em cordas duplas com diferentes intervalos em cada apresentação, acordes
e harmônicos. A primeira parte dessa frase (c. 1 – 4) é composta por um grupo recorrente. Em
nossa visão interpretativa, esta parte da frase será coerentemente executada utilizando-se a região
- 161 -
inferior do arco, próximo ao talão, nas semicolcheias, e, posteriormente, todo o arco nas
semínimas. Essas semicolcheias serão articuladas “a la corda”, legato, e com sonoridade
vigorosa. As semínimas manterão o mesmo teor enérgico no som com contato bastante
consistente entre arco e cordas.
A segunda parte da frase (c. 5 – 14) terá sua concepção de distribuição de regiões do
arco segundo o seguinte critério: semicolcheias ligadas serão executadas com arcadas do meio à
ponta do arco (região superior) em legato. Já as semicolcheias grafadas sem ligaduras serão
realizadas na região inferior do arco, no talão. O mesmo padrão de execução e distribuição de
arco será aplicado no restante da obra, exceto em situações como o “poco meno” (c. 32 – 39),
onde a dinâmica é pianíssimo. Neste caso será adotada a região entre talão e meio, porém com
movimentos mais suaves, com mais amplitude de arco do que antes, e utilizaremos como golpe
de arco o spiccato cantabile 82. As semicolcheias ligadas em arcadas “para cima” ( ) serão
realizadas com portato.
Pretendemos expor nossas indicações de dedilhados para as passagens cromáticas
descendentes que ocorrem nos compassos 8 ao 11, e 22 ao 29. Os dedilhados que escolhemos
baseiam-se em reconhecidos conceitos encontrados em métodos de estudo de escalas no violino
como o “Scale System” de Carl Flesch, que conta com criteriosas indicações de dedilhados de
importantes pedagogos do violino como é o caso do próprio Prof. Flesch. As indicações
encontram-se na partitura abaixo, de edição de Camila Frésca e José Maurício Guimarães do ano
de 2007, porém com nossos acréscimos de dedilhados acima das notas. Mantivemos o dedilhado
original da edição abaixo para que o leitor possa comparar.
82
De acordo com Mariana Salles “é um tipo de spiccato onde o componente horizontal é mais pronunciado que o
vertical, fazendo com que o arco permaneça mais tempo em contato com a corda, num movimento semi-eliptico”
(SALLES, 2004, p. 80).
- 162 -
Figura 56: Prelúdio 21 – “Prelúdio da vitória” (c. 5 – 30) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de dedilhados para os compassos 8 ao 13 e 23 ao 30.
Quanto à pulsação metronômica do “poco meno” (c.32) sugerimos 66. Também
fizemos um acréscimo quanto a dedilhados do trecho em cordas duplas que ocorre nesse
momento (c. 32 – 39). Nossos acréscimos são os dedilhados grafados na imagem abaixo.
Figura 57: Prelúdio 21 – “Prelúdio da vitória” (c. 31 – 34) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de dedilhados para os compassos 32 e 33.
Nossa escolha dos dedilhados do excerto acima tem como critérios tanto visar à
comodidade do executante quanto uma coerência com características sonoras da passagem.
Referimo-nos ao fato de percebemos que nos compassos 32, 33 e 34 são abordadas as notas em
cordas duplas Ré 4 – Lá 4 e também Lá 4 – Mi 5, cordas soltas. Este fato caracteriza uma
- 163 -
sonoridade brilhante em decorrência de propriedades acústicas do violino. Quando escolhemos o
mencionado dedilhado, no qual o Sol 3 é realizado com o quarto dedo, permitindo que o Mi 5
seja realizado com corda solta, mantemos coerência quanto às características sonoras do restante
da passagem. Apesar de valorizarmos esta sonoridade mais brilhante nessa situação devemos ter
em mente que o compositor solicita na passagem a dinâmica piano.
Na partitura não está grafada nenhuma indicação de retorno ao andamento Allegreto
após o poco meno (c. 32). No entanto, temos a hipótese de que se trata de um lapso na edição, ou
mesmo do compositor, pois temos motivos que nos fazem supor que no compasso 40 haveria o
retorno ao tempo primo por diversas razões. Caso estejamos corretos em nossas hipóteses, o
“poco meno” se apresentaria como material musical contrastante ao restante da obra, pois além
da mudança de andamento, é o único momento do prelúdio onde ocorre a dinâmica piano, sendo
o restante fortissimo. Além disso, também se apresentaria contrastante a estrutura harmônica, que
apresenta o tema alterado em Ré Maior nesse “poco meno”. Há ainda outro fator que reforça
esses indícios que é o fato de que nos compassos 41 e 43, como melhor abordaremos a seguir,
são solicitados “arpejos em ricochet” – golpe de arco caracterizado por depender da elasticidade
natural do arco para seu bom funcionamento e que necessita de certa velocidade no movimento
para a execução (SALLES, 2004, p. 98). Para tanto, seria importante que o andamento estivesse
novamente mais acelerado.
No compasso 40 tem início nova apresentação do tema, desta vez abordando oitavas
em cordas duplas e arpejos em ricochet. Consideramos relevante que se leve em conta nossa
seguinte sugestão de arcada para os compassos 41 e 43, onde ocorre o ricochet. Nossa sugestão
encontra-se grafada na partitura abaixo.
Figura 58: Prelúdio 21 – “Prelúdio da vitória” (c. 40 – 44) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossas
sugestões de arcadas para os compassos 41 e 43 (ricochet).
Há um erro de edição ou impressão no compasso 52, na penúltima semicolcheia, um
harmônico grafado como “fá bequadro escrito”. Esta nota, na realidade deverá soar como “dó
- 164 -
sustenido 7”, seguindo a lógica do arpejo de lá maior que antecede esta nota. No entanto, para
soar como dó sustenido, ele deveria ser grafado “fá sustenido 4”, ao invés de “fá bequadro 4”.
Aliás, nenhum harmônico natural é produzido no violino nesta posição do “fá natural 4”.
Os dedilhados mais adequados em nossa visão às passagens cromáticas dos
compassos 64 e 65 são os mesmos dos compassos 8 e 9 já mencionados. Ressaltamos a
importância de que as cordas triplas que ocorrem nos compassos 67 e 68 sejam realizadas na
região inferior do arco, o mais próximo possível do talão. Há mais um dedilhado que
gostaríamos de expor como boa alternativa para o compasso 71, tal como deixaremos claro na
imagem a seguir.
Figura 59: Prelúdio 21 – “Prelúdio da vitória” (c. 69 – 73) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nossa
sugestão de dedilhado para o compasso 71.
Este dedilhado terá como consequência a valorização da quinta Ré 4 – Lá 4, que será
sustentada na terceira e segunda cordas, ao invés da terça Fá 4 – Lá 4. Segue-se a esta passagem
uma sequência de harmônicos naturais, que expõe a última apresentação alterada do tema. É
interessante que o acorde em harmônicos do compasso 76 seja “quebrado” com suavidade,
porém, no talão.
• Número do prelúdio: 22
• Título: Mocidade eterna
• Ano de composição: 194? (Sabemos apenas que foi escrito na década de 1940)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Orlando Frederico – Violinista brasileiro que teve atuação como professor da
Escola Nacional de Música, tendo sido professor de Oscar Borgerth.
• Tonalidade: lá menor com seção intermediária modulante para Lá Maior
• Compasso: 2/4
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• Andamento: Allegro
• Extensão: Sol 3 – Mi 6
• Variação de dinâmica: não há indicação de dinâmica na primeira seção te o final, onde há
indicação de “forte”, na segunda seção há indicações de “piano”.
• Forma: Ternária (a – b – a)
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Edson Queiroz de Andrade (2006) e
Claudio Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: média, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: Acordes arpejados com “arco jetée”83
, pizicato de mão esquerda;
cordas duplas com intervalos de terças, quintas e sextas; arco realizando acordes arpejados em
ricochet, alternado com acordes de 4 sons com pizicato demão esquerda; spiccato; acordes de
quatro sons com arco;
• Caráter musical: “festivo”, “caipira”, “violeiro”
Este prelúdio apresenta características musicais que realmente sugerem aquilo que o
título transmite: “Mocidade eterna”. A peça tem um caráter vivo, festivo, rítmico e sugerimos
uma execução de maneira que transmita algo de rústico da música. Com o objetivo de obtermos
esse resultado, faremos a seguir algumas considerações e sugestões para a execução dessa obra.
Adotamos como base de andamento a pulsação de 120. O compositor indica já no
primeiro compasso “Jetée”, referindo-se ao golpe de arco “jogado”, em que deixamos o arco
bater na corda de forma que ele ricocheteia rapidamente em cada nota. Como se trata de uma
obra a qual queremos incorporar caráter enérgico, sugerimos a dinâmica forte para toda essa
seção inicial apesar de não haver nenhum tipo de indicação de dinâmica nesse trecho. Para
cumprirmos essa indicação, inclusive na célula do primeiro compasso, em jetée (inclusive
recorrente em compassos subsequentes como o 3, 7, 9, 11, etc.) sugerimos que esse golpe seja
realizado na região do meio do arco e não como costuma ser realizado (mais próximo à ponta).
Nossa proposta visa um resultado de mais potência sonora, ainda que com isso haja um
acréscimo de ruídos geralmente evitados, o que nesse caso será bem vindo. Com esses elementos
acreditamos fazer com que nos aproximemos das características sonoras da viola caipira.
83
“O jetée ou saltati, como Flesch o denomina, é a execução de várias notas em ricochet numa única arcada para
baixo, em movimento isolado, podendo ser, em raríssimas exceções, para cima” (SALLES, 2004, P. 97).
- 166 -
Nas colcheias do compasso 2 (e as semelhantemente recorrentes em compassos
seguintes como o 4, 10, 12, etc.) sugerimos que o intérprete as execute marcando um pouco suas
articulações, utilizando détaché porté84
, ou seja, havendo separação sonora nas colcheias mesmo
quando executadas com movimentos de arco no mesmo sentido. Desta forma, as
“pronunciaremos” mais marcadas, resultando numa execução mais rítmica. Com o mesmo
objetivo, preferimos que as semínimas dos compassos 5 e 6 (semelhantemente recorrentes nos
compassos 13 e 14, 29 e 30, etc.) sejam executadas com acentos, marcadas, utilizando-se do
talão, com collé85
. Gostaríamos ainda de pontuar que a presente tonalidade de Lá menor permite
(até mesmo exige) que sejam amplamente utilizadas nesse prelúdio as segunda e primeira cordas
soltas (Lá 4 e Mi 5), proporcionando um som “brilhante” e “aberto”.
“Mocidade eterna” dá ao violinista a oportunidade de uma execução “pirotécnica”,
com efeitos visuais que impressionem a plateia devido às sequências de golpes de arco saltados e
rápidas intervenções em pizicato, em que subitamente retorna à utilização do arco. Como
intérprete, o autor desse trabalho sente-se instigado a valorizar tais características através de uma
interpretação que destaque esses efeitos visuais. Para servir a esse propósito, realizamos a
execução dessa seção inicial (c.1 – 66) com o máximo de sonoridade possível, como dizem os
americanos, “flat hair”, ou seja, com a vareta do arco posicionada verticalmente sobre as crinas,
e com ponto de contato bem controlado de forma que o violino corresponda com bastante
ressonância, os pizicatos em acordes de quatro sons serão executados de forma bem rápida para
que soem em bloco e os golpes no talão de forma firme e vigorosa.
Há sugestões de arcada que gostaríamos de expor, referentes aos compassos 21, 22,
24 e 25, bem como no trecho idêntico a este último, nos compassos 48 e 49, onde também se
aplicarão.
84
“O termo portato, portanto, é usado tanto para notas em detaché quanto ligadas, uma vez que possuem ambas
(portato e detaché porté) o mesmo tipo de sonoridade. Por isso, achamos melhor a junção das denominações portato
e detaché porté em um único termo, o portato, podendo ser executado em arcadas separadas ou em uma única
arcada. Vale frisar que pode ou não haver, de fato, pausas entre cada nota, mas, mesmo quando não existindo, o uso
contínuo deste golpe de arco dá a impressão de paradas ou pausas” (SALLES, 2004, p. 72). 85
“situado entre o spiccato e o martellé, o collé é definido como golpe de arco executado “fora da corda”, na metade
inferior do arco, que possui ataque semelhante ao martellé. Cada golpe é separado um do outro, executada em
direção de movimento contrária ao do seu precedente. Segundo Galamian, o collé tem a característica de combinar a
„elegância‟ do spiccato com o caráter resoluto e penetrante do martellé” (SALLES, 2004, p. 84).
- 167 -
Figura 60: Prelúdio 22 – “Mocidade eterna” (c. 21 – 26) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossas indicações de arcadas para os compassos 21, 22, 24 e 25.
Nos compassos 41 a 48 apresenta-se um novo modelo em textura figurativa, baseado
em acordes harpejados nas quatro cordas em fusas, em que utilizamos mais uma vez os “arpejos
em ricochet”. Na verdade, trata-se de uma variação dos elementos musicais já apresentados nos
compassos 17 ao 23. Lembramos que é recomendável na execução desse golpe de arco o
posicionamento do arco de tal forma que a crina entre em contato com as cordas o máximo
possível.
Gostaríamos aqui de colocar algumas sugestões de arcadas e de dedilhados para esse
trecho (c. 41 – 47), ilustrado na figura abaixo, já com nossas sugestões. As únicas alterações
assinaladas nesse trecho são na semínima do compasso 44 e a separação das semicolcheias dos
compassos 42 e 46. Quanto aos dedilhados, todos os indicados na figura a seguir são de nossa
concepção.
Figura 61: Prelúdio 22 – “Mocidade eterna” (c. 41 – 47) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossas indicações de dedilhados e arcadas para os compassos 42, 46 e 47.
A segunda seção (c. 67 – 82), em Lá Maior, embora transmita certo clima de
“agitação”, contrasta com a seção inicial em Lá menor. Permanece o clima festivo, mas dessa
vez, em nossa interpretação, preferimos um toque mais delicado. Compreendemos ser válida
uma ligeira diminuição na pulsação nesta seção para 100, que deixará mais clara a diferença
- 168 -
de clima entre essas seções contrastantes. O tempo inicial será retomado quando se dá a
reapresentação da primeira seção (c. 83), que coincide com o retorno à tonalidade de Lá menor.
Ainda a respeito dessa segunda seção, gostaríamos de fazer uma sugestão de
dedilhado do compasso 81, diferente da encontrada na presente partitura. Indicaremos na figura
abaixo nossa sugestão:
Figura 62: Prelúdio 22 – “Mocidade eterna” (c. 81 – 83) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossas indicações de dedilhados para os compassos 82 e 83.
• Número do prelúdio: 23
• Título: Implorando
• Ano de composição: 1924
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Cláudio Santoro (1919 – 1989) – Importante compositor brasileiro, nascido em
Manaus. Foi também regente, violinista, tendo chegado a ser professor de violino do
Conservatório de Música do Rio de Janeiro86
• Tonalidade: Lá Maior
• Compasso: 6/8
• Andamento: Não definido, porém há a indicação de caráter musical “Barcarolla”
• Extensão: Lá 3 – Fá 7 (harmônico artificial)
• Variação de dinâmica: a única indicação é forte
• Forma: É uma estrutura linear composta por uma introdução e um período ternário
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Claudio Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: fácil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: harmônicos naturais duplos; harmônicos naturais simples e
harmônicos compostos simples; cordas quádruplas com arco; cordas duplas com intervalos de
terças, quartas, quintas, sextas, sétimas; notas longas sustentadas com o arco acompanhadas
86
Informações obtidas através da Wikipedia no seguinte link: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Claudio_Santoro>.
- 169 -
de pizicato de mão esquerda duplos; mordentes em cordas duplas (na voz superior); pizicato
de mão esquerda; pizicato de mão direita em harmônico natural simples
• Caráter musical: barcarolla, tranquilo.
Nesse prelúdio o compositor indica “Barcarolla” ao invés de um dos tradicionais
termos referentes a andamentos musicais. Entendemos que se refere ao caráter e ao tempo desse
gênero. Nesse contexto, para a pulsação, tomamos como base a 48. Os harmônicos naturais
duplos nos dois primeiros compassos funcionam como uma breve introdução. Como já
mencionamos em outros comentários de outros prelúdios, é importante que o ponto de contato
entre o arco e as cordas seja próximo ao cavalete, o que resultará num melhor resultado sonoro.
De maneira geral, acreditamos que seja uma boa escolha na execução desse prelúdio uma busca
por uma sonoridade suave, porém plena. Os acordes serão executados de forma que o
movimento de mudança do arco das cordas graves para agudas se dê sempre próximo ao talão.
Por este motivo, em nossa interpretação, realizamos a alteração de algumas das arcadas indicadas
nessa edição. Vamos abordar essas arcadas na partitura a seguir, já constando de nossas
indicações.
Figura 63: Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 1 – 20) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de nossas
indicações de arcadas. Alterações nos compassos 4, 8, 14 e 20.
- 170 -
Na técnica violinística, há circunstâncias em que é muito vantajoso que se posicione
um determinado dedo da mão esquerda no lugar de destino de uma nota antes do momento em
que tal nota será efetivamente tocada. Também encontramos essa recomendação em “The
principles of violin fingering” de Yampolsky quando trata de “preparações dos dedos para
diferentes tipos de cordas duplas”87
(YAMPOLSKY, 1984, p.84). Temos uma sugestão quanto a
um desses casos nesse prelúdio que muito favorecerá a sonoridade e afinação de uma
determinada passagem. Trata-se da sequência encontrada nos compassos 13 e 14, que se repete
igualmente nos compassos 19 e 20. Vamos demonstrar nossa recomendação na figura a seguir,
por nós confeccionada.
Figura 64: Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 13 e 14): partitura confeccionada por nós para indicar posicionamento
antecipado do segundo dedo na terceira corda, no “fá sustenido 4”, já deixando o dedo pronto para a mesma nota no
compasso subsequente. Lembramos que o mesmo vale para os compassos 19 e 20.
Observamos que há alguns erros de escrita nesta partitura. São erros na grafia das
figuras de ritmo nos compassos 5 e 6, e nos compassos 9, 10, idênticos ao 5 e 6. Deixaremos a
demonstração nas figuras abaixo. Os compassos 5 e 6, bem como os 9 e 10 estão assim grafados
na edição:
Figura 65: Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 5 e 6) extraído da dissertação de Frésca (2008) com grafia de figuras de
ritmo incorretas, idêntica ao erro nos compassos 9 e 10.
Quando na realidade, deveriam ser grafados da forma abaixo:
87
Nossa tradução de “finger preparations for mixed types of double-stopping”.
- 171 -
Figura 66: Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 5 e 6): Correção da grafia das figuras de ritmo, também se aplica aos
compassos 9 e 10. Imagem elaborada por nós.
E ocorre nos compassos 21, 22 e 23 uma escrita que não consideramos errada, mas
que ficaria mais clara se grafada de outra maneira. A ausência de pausas de semínima pontuada
na voz superior (dos pizicatos de mão esquerda) pode causar uma leitura confusa. Iremos expor
nossas ideias nas imagens abaixo. Na primeira figura a seguir chamamos a atenção aos
compassos 21, 22 e 23.
Figura 67: Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 21 – 25) extraído da dissertação de Frésca (2008): exposição da grafia
rítmica tal qual se apresenta na edição de Frésca e Guimarães 2007.
Cremos que seria mais adequada a escrita rítmica desse trecho da forma como
indicamos abaixo, em partitura por nós elaborada. A principal diferença é a inclusão de pausas
na voz superior nos compassos 21, 22 e 23. No compasso 23 removemos a ligadura que ligava o
“Mi 5” em pizicato (semínima pontuada) ao “Mi 5” seguinte, no compasso posterior.
Adicionamos ligaduras na voz inferior, cordas duplas “dó sustenido 4” e “lá 4”, pois acreditamos
que seja na verdade a intenção, tendo em vista o mesmo desenho rítmico dos compassos 5 e 6,
bem como 9 e 10. Ainda utilizamos esta imagem abaixo para veicular nossa sugestão de
dedilhado no compasso 23 e alteração de arcadas, no compasso 24.
Figura 68: Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 21 – 25): Partitura por nós elaborada, representando uma escrita mais
clara ao entendimento de leitura musical nos compassos 21, 22 e 23, constando ainda de sugestões de dedilhados no
compasso 23 e de arcada no compasso 24.
- 172 -
O caráter musical desse prelúdio é, em nossa visão, leve, melódico, suave, ainda que
busquemos executá-lo com sonoridade plena, forte, “sonoro”. No intento de alcançar esta
perspectiva é que escolhemos nossos dedilhados e arcadas já abordados, que viabilizarão de
forma mais natural uma melhor possibilidade de ressaltar na música determinadas “intenções
musicais” que queremos que sejam destacadas. Dessa forma, podemos considerar que essas
alternativas por nós citadas de dedilhados e arcadas são ferramentas da técnica instrumental que
veicularão nossa visão interpretativa. Deixando patente este nosso alvo, pretendemos ainda
colocar algumas arcadas e dedilhados que elaboramos para o final dessa obra, que buscam
manifestar nossa visão interpretativa e as características sonoras que desejamos valorizar nessa
obra. Nossas arcadas e dedilhados finais desse prelúdio estão demonstrados no trecho a seguir,
onde também encontramos um erro de edição e que na figura abaixo se encontrará corrigido.
Trata-se do “Ré 4”, segunda semicolcheia inferior da tercina do compasso 31, onde na edição
estava grafado como “Mi 4”.
Figura 69: Prelúdio 23 – “Implorando” (c. 26 – 35) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossas indicações de dedilhados nos compassos 26, 27, 29 e 31 e de arcadas nos compassos 29, 31, 32 e 35. Os
dedilhados que inserimos encontram-se sempre abaixo das notas, estando os da edição acima das notas. Os
dedilhados originais da edição que foram mantidos permanecem por não interferir com os nossos, e estarem de
acordo com nossa concepção.
• Número do prelúdio: 24
• Título: Viva São João
• Ano de composição: 194? (década de mil novecentos e quarenta)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
- 173 -
• Dedicado a: Isaac Stern (1920 – 2001) – Célebre violinista. Apesar de ser ucraniano, passou
toda a vida nos Estados Unidos.
• Tonalidade: Mi bemol Maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegro
• Extensão: Sol 3 – Si bemol 6 (harmônico artificial)
• Variação de dinâmica: forte ao piano
• Forma: É uma forma ternária (a – b – a‟)
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Claudio Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: difícil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: cordas duplas com intervalos de sextas (predominantemente) e
oitavas; cordas quádruplas; pizicatos duplos e triplos de mão esquerda; pizicato de mão direita
em cordas duplas e quádruplas; harmônicos naturais duplos mistos (natural com artificial)
harmônicos naturais simples
• Caráter musical: Alegre, festivo, dançante
Quando expusemos nossas considerações sobre o prelúdio 19, “Folguedo
campestre”, mencionamos o fato de aquele ser o único prelúdio de Vale para violino só onde há
exclusivamente uso de cordas duplas em sextas do início ao fim da obra. Em “Viva São João” o
compositor não faz uso exclusivo das sextas, mas também as aborda de forma abundante.
Temos a intenção de contribuir para que estes prelúdios alcancem uma divulgação e
visibilidade bem maior do que a realidade que encontramos hoje em relação a essa divulgação,
em especial aos violinistas do Brasil. E temos intenção de intervir para que essa maior
divulgação ocorra o mais breve possível. Uma das estratégias que pensamos ser eficaz para este
objetivo é sugerir a professores de violino de instituições a introdução desses prelúdios nas
ementas dos programas de Bacharelado em Violino das nossas universidades. Um fator que
corrobora para essa inclusão é o fato de que, em geral, é obrigatório ao aluno a execução de
obras de compositores brasileiros durante o curso. Outro fator, que é o que nos atemos agora, é o
fato de que muitos desses prelúdios, embora providos de riquezas artísticas, podem ser também
empregados com caráter didático e de estudo de técnicas aplicadas nas obras. Conduzimos essa
- 174 -
ideia principalmente pelo fato de que em muitas dessas obras é abordada determinada técnica
instrumental de forma repetitiva, exatamente como costuma ser em um estudo.
Nesse prelúdio, como já mencionamos, o compositor explora especialmente as sextas
em cordas duplas, acrescentando a isso rápidas intervenções de pizicato de mão esquerda ainda
em sextas. Há também intervenções em oitavas. Por este motivo, acreditamos que esse prelúdio
poderia ser incluído como uma dessas obras com finalidade didática nos cursos de música.
Para referência de pulsação em nossa interpretação desse prelúdio, fizemos a escolha
da 69. Há muitos acréscimos que gostaríamos de elucidar quanto a arcadas e dedilhados
dessa obra. Segundo nossa percepção, nesse prelúdio em especial torna-se também muito
relevante não apenas as arcadas em si (sentido do movimento do arco), mas também qual a
região do arco que será utilizada em cada trecho. Tais escolhas resultarão em direcionar o
executante rumo a certas tendências de diferentes padrões de articulação e sonoridade.
Morfologicamente este prelúdio é caracterizado pela forma ternária, sendo a primeira seção (c. 1
– 22.1) composta por duas frases recorrentes. Os elementos musicais expostos nessa seção
repetem-se diversas vezes nessa primeira parte e ainda na terceira seção (c. 45 – 70).
Iniciaremos, portanto, ilustrando nossos apontamentos de arcadas e de sugestões de organização
da amplitude de arco para cada trecho dessa seção inicial. As mesmas arcadas e demais
indicações poderão ser igualmente aplicados nos trechos semelhantes. Há ainda “traccias” que
incluímos nas tercinas dos compassos 2 e 4, visando a indicação de portato a ser realizado nessas
notas. A mesma regra se aplicará às demais tercinas com ligaduras que ocorrerem no restante do
prelúdio. Não há considerações sobre dedilhados que desejemos colocar sobre esta seção inicial,
exceto comentar que todos os pizicatos de mão esquerda que ocorrem nesse trecho serão
realizados com o quarto dedo.
- 175 -
Figura 70: Prelúdio 24 – “Viva São João” (c. 1 – 18) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossas indicações de arcadas e de organização de amplitude de arco utilizada em cada passagem.
Na próxima imagem demonstraremos nossas indicações de arcadas e dedilhados para
a segunda seção do prelúdio (c. 22 – 44), onde novos elementos são apresentados, com diferentes
atributos em termos de caráter musical. Nessa parte da obra predomina uma “atmosfera” musical
mais melódica, ao passo que a primeira parte desenvolveu-se com características mais rítmicas.
Dessa forma, visamos nessa segunda parte uma elaboração de arcadas e de dedilhados que
valorizassem ou trouxessem à interpretação um “estilo” mais cantado, à maneira de um “canto de
um violeiro” de região rural do interior de Minas Gerais.
Quando mencionamos a primeira seção desse prelúdio fizemos referências à
organização de regiões do arco e distribuição dos movimentos do braço direito de maneira que
contribuíssem na determinação de certos fatores sonoros, tais como articulação e tipo de som.
Nessa seção intermediária, nossa recomendação, em geral, é de arcadas longas, utilizando quase
toda a amplitude do arco, com mais velocidade de arco, som contínuo, objetivando uma
aproximação com essas mencionadas características desse canto regional.
- 176 -
Figura 71: Prelúdio 24 – “Viva São João” (c. 19 – 48) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossas indicações de arcadas e de dedilhados na segunda seção (c. 22 – 44).
A terceira seção (c. 45 – 70) é uma reapresentação da primeira (c. 1 – 22) com
algumas variações nas frases. As intervenções que na primeira parte ocorriam em pizicato de
mão esquerda agora ocorrem com mistura de dois recursos: harmônicos duplos e pizicato de mão
esquerda. Há uma última apresentação da frase inicial, dessa vez ocorrendo totalmente em
pizicatos. Sobre essa apresentação, gostaríamos ainda de acrescentar um dedilhado no último
compasso da obra, demonstrado abaixo.
- 177 -
Figura 72: Prelúdio 24 – “Viva São João” (c. 68 – 70) extraído da dissertação de Frésca (2008) com acréscimo de
nossas indicações de dedilhados no compasso 70.
• Número do prelúdio: 25
• Título: A Mocinha e o Papudo
• Ano de composição: 194? (década de mil novecentos e quarenta)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
• Dedicado a: Henryk Szeryng (1918 – 1988) – Célebre violinista e pedagogo nascido na
Polônia, muito reconhecido pelo grande volume de gravações que realizou
• Tonalidade: Sol Maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Allegro
• Extensão: Sol 3 – Si 5
• Variação de dinâmica: fortissimo a piano
• Forma: É uma estrutura linear composta por um período recorrente variado
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984) e Claudio Cruz (2011)
• Grau de dificuldade técnica: difícil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: cordas duplas com intervalos de terças, quartas, quintas, sextas e
oitavas (e oitavas dedilhadas por nossa recomendação); pizicatos de mão esquerda em cordas
duplas, triplas e quádruplas; pizicatos em cordas triplas e quádruplas com mão direita;
execução de trechos restritos a não mudar de corda (“sul G”), e em cordas duplas (“sul G” e
“sul D”), sendo essa última técnica uma recomendação nossa em determinado trecho onde o
autor não demanda essa necessidade
• Caráter musical: Alegre, festivo, dançante
Em síntese, o material temático desse prelúdio é composto por um período recorrente
variado (c. 1 – 27.1) composto por duas frases. A primeira frase ocorre do compasso 1 ao 10,
- 178 -
sendo composto por antecedente (c. 1 – 5.1) e consequente (c. 5.2 – 10). A segunda frase
apresenta-se do compasso 11 ao 27.1, apresentando uma recorrência variada (c. 19 – 27.1),
variante da primeira apresentação (c. 11 – 19.1.1). Essa seção composta por esse período é
repetida mais três vezes ao longo do prelúdio, com variações. As variações ocorrem apenas nas
reapresentações da segunda frase. Essas duas frases apresentam características musicais
contrastantes uma em relação à outra. A partir dessa breve análise pretendemos nos utilizar de
certos elementos da técnica instrumental para valorizar tais contrastes.
A pulsação que nos pareceu apropriada à execução deste prelúdio foi a 92. O
primeiro período tem caráter rítmico, agitado, em dinâmica piano. Nesse período utilizaremos
apenas a região da metade superior do arco (meio à ponta). Os acentos serão realizados mediante
impulso de maior velocidade do arco associados a um impulso de vibrato mais rápido do que nas
notas onde não ocorrem acentos e com maior amplitude no momento do acento. Esta primeira
frase não apresenta variação nas outras três apresentações posteriores. As variações ocorrem
sempre nas reapresentações da segunda frase. O que nos leva a realizar esses comentários sobre a
estrutura morfológica desse prelúdio é uma percepção de que ter em mente essas estruturas
conscientiza o intérprete de certos padrões e ciclos. As conduções melódicas podem ser melhor
pronunciadas e ressaltadas, com maior coerência musical se durante a execução o violinista tiver
em mente essa compreensão.
Na segunda frase, a dinâmica é predominantemente forte. Há dois momentos em que
ocorrem fermatas (c. 11 e 19), causando certa hesitação. Para todo este período utilizaremos
apenas a região do terço inferior do arco, próximo ao talão, exceto nas fermatas e nas
intervenções de pizicato de mão esquerda. Nas referidas fermatas, tocaremos com toda a
amplitude do arco (e também na nota subsequente que levará novamente à região do talão). Nas
intervenções de pizicato de mão esquerda intercaladas com notas com arco, que ocorrem na
dinâmica piano, a região do arco utilizada será a da ponta.
Quanto à primeira frase, não temos observações a fazer quanto a dedilhados e
arcadas, exceto por considerarmos a hipótese de o primeiro compasso ser realizado na segunda
posição. Percebemos um erro de uma nota no compasso 6. Referimo-nos à única semínima do
compasso, grafada como “Ré 4”, que na verdade trata-se de um “Mi 4”, e deveria estar grafado
como colcheia ao invés de semínima. O mesmo erro ocorre no compasso 32, que é idêntico.
Nossa assertiva baseia-se nos seguintes fatos: há mais duas recorrências do mesmo período
- 179 -
apresentados de forma idêntica posteriormente, e os compassos correspondentes (58 e 84)
apresentam a nota “Mi 4”. A colcheia só aparece corretamente no compasso 58. Outro fator que
nos leva a essa certeza é o fato de que o consequente da primeira frase é uma recorrência variada
do antecedente, com inversão de vozes. O compasso 6 portanto é equivalente ao compasso 2,
onde a mínima é um “Mi 5” e não um Ré.
Na imagem abaixo representaremos a possibilidade de dedilhado que mencionamos
do primeiro compasso na segunda posição e a correção da nota grafada incorretamente no
compasso 6.
Figura 73: Prelúdio 25 – “A Mocinha e o Papudo” (c. 1 – 6) extraído da dissertação de Frésca (2008) com nosso
acréscimo de possibilidade alternativa de dedilhados no compasso 1 e correção de erro da semínima Ré 4 do
compasso 6, transformando-a em uma colcheia Mi 5.
Há uma arcada que alteramos na segunda frase, no compasso 19. Demonstraremos
nossa alteração na figura abaixo. A mesma alteração se aplicará ao compasso 45, que também
será demonstrado em imagem abaixo, onde adicionamos arcadas à partitura editada por Frésca e
Guimarães.
Figura 74: Prelúdio 25 – “A Mocinha e o Papudo” (c. 18 e 45) extraídos da dissertação de Frésca (2008) com
acréscimo de nossas sugestões de arcadas.
Quando abordamos o prelúdio 21, “Prelúdio da vitória”, mencionamos o fato de que
no violino certas passagens em cordas duplas em oitavas constituem um desafio do ponto de
vista técnico por ser um intervalo em que especialmente pequenas imperfeições de afinação
tornam-se flagrantes. Em “A mocinha e o papudo” há também abordagem desse recurso, porém
com uma peculiaridade. A maneira como as oitavas estão escritas, em algumas das passagens em
- 180 -
oitavas desse prelúdio nos sugerem a utilização do recurso denominado “oitavas dedilhadas”.
Nas oitavas com dedilhado convencional, a execução é realizada com o primeiro dedo na nota
mais grave e o quarto dedo na nota mais aguda (como seria anatomicamente mais natural e como
é possível em muitos casos). Já nas oitavas dedilhadas, executa-se com alternância de
combinação de primeiro dedo na nota mais grave com terceiro na nota mais aguda intercalado
com segundo dedo na nota mais grave com quarto dedo na nota mais aguda. Essa alternativa é
muito vantajosa em casos como o que apresentaremos aqui, presente nesse prelúdio, onde há
rápidas alternâncias de notas por graus conjuntos ascendentes e descendentes retornando à
primeira nota, e com este dedilhado teremos mais agilidade nessas alternâncias. Outra vantagem
é a diminuição de ocorrência de glissandos em momentos indesejados. A desvantagem da oitava
dedilhada é que demanda um maior esforço muscular e maior abdução (abertura) dos dedos da
mão esquerda, o que é geralmente mais problemático para violinistas que tenham a mão
pequena. Este maior esforço muscular pode acarretar em uma afinação menos precisa,
especialmente se o violinista não estiver habituado a essa técnica. Neste caso, nossa
recomendação é a prática das oitavas dedilhadas através de métodos de técnica específicos, como
o sistema de escalas de Carl Flesch, onde encontramos diversas escalas, arpejos em todas as
tonalidades inclusive nessa modalidade de oitavas.
Nas figuras a seguir demonstraremos as passagens onde utilizamos e recomendamos
as oitavas dedilhadas. Nas demais oitavas onde não indicamos dedilhado significa que
empregamos o tradicional dedilhado de primeiro e quarto dedos.
- 181 -
Figura 75: Prelúdio 25 – “A Mocinha e o Papudo” (c. 60 - 79) extraído da dissertação de Frésca (2008) com
acréscimo de nossas sugestões de dedilhados com “oitavas dedilhadas” nos compassos 64, 65, 72, 73, 77 e 78.
Sugestão de execução dos compassos 75 a 77 sem mudanças de cordas.
A partir do compasso 89 é exposta a última apresentação da segunda frase, dessa vez
uma variação construída a partir de cordas duplas em intervalos predominantemente de terças.
Um fator interessante de ser observado nesse prelúdio é a capacidade de Vale de construir
sequências em cordas duplas, engenhosamente, de maneira a aproveitar notas das cordas soltas
intercaladas na sequência, como é o caso do primeiro período apresentado nessa peça. Estas
possibilidades da arquitetura da obra permitem a confecção de material musical que causa efeitos
auditivos muito satisfatórios com pouca demanda de dificuldade técnica. No entanto, também
percebemos na mesma obra passagens onde as dificuldades técnicas são bem maiores, não se
utilizando o compositor permanentemente desse tipo de estratégia.
• Número do prelúdio: 26
• Título: Acalanto
• Ano de composição: 194? (década de mil novecentos e quarenta)
• Ano de Edição (José Maurício Guimarães / Camila Frésca): 2007
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• Dedicado a: Esteban Eitler (1913 – 1960) – Compositor e flautista nascido em Bolzano, Itália
e que chegou a morar em São Paulo, onde veio a falecer.
• Tonalidade: Sol Maior
• Compasso: 2/4
• Andamento: Andantino
• Extensão: Sol 3 – Si 5
• Variação de dinâmica: Dinâmica não indicada pelo compositor, exceto piano nos últimos seis
compassos
• Forma: É uma estrutura linear composta por um período recorrente variado
• Gravações em versão comercial: Jerzy Milewski (1984), Edson Queiroz de Andrade (2006) e
Claudio Cruz (2011);
• Grau de dificuldade técnica: fácil, tendo como parâmetro outros prelúdios desse conjunto
• Efeitos / técnicas estendidas: uso da surdina ao longo de todo o prelúdio; cordas duplas com
intervalos de sextas e oitavas (predominantemente); pizicatos de mão esquerda; pizicato de
mão esquerda simultâneo à execução com arco; pizicato em cordas quádruplas
• Caráter musical: tranquilo, “impressionista”.
Chegamos aqui à nossa exposição do último dos “26 prelúdios característicos e
concertantes para violino só” de Flausino Vale. Ao longo de nossas análises dos prelúdios
encontramos diversas influências europeias. Algumas delas pareciam referências precisas e
específicas a alguma obra em especial. Aqui em “Acalanto” cremos haver uma forte inspiração
do compositor em “La fille au cheveux de lin”, prelúdio para piano número 8 do livro 1 de
Claude Debussy. Esta peça possui transcrição para violino e piano de Arthur Hartmann, muito
conhecida entre os violinistas. Sabemos que Vale era conhecedor da música de concerto
europeia, e somos conduzidos à hipótese de que conhecia esta peça de Debussy.
As semelhanças entre “La fille au cheveux de lin” e “Acalanto” são abundantes.
Exibiremos a seguir um trecho inicial do referido prelúdio de Debussy na versão transcrita para
violino e piano para que possamos apontar algumas semelhanças.
- 183 -
Figura 76: “La fille au cheveux de lin” de Claude Debussy, transcrição para violino e piano de Arthur Hartmann (c.
1 – 10) retirado dos prelúdios para piano.
Primeiramente, algumas observações sobre a harmonia das duas obras em questão.
Em ambas a tonalidade é a mesma, Sol Maior, e em ambas a primeira frase musical é
desenvolvida sobre uma escala tetratônica, cujas notas são: Sol, Si, Ré, Mi. Nas duas obras é
solicitado o uso da surdina no violino, recurso geralmente requisitado quando a intenção do
compositor é uma sonoridade suave. Por fim, quando ouvimos qualquer uma dessas duas obras
temos a sensação de um “ambiente sonoro” semelhante, que transmite tranquilidade e ainda um
clima específico muito comumente encontrado em obras impressionistas de Debussy, como é o
caso desta. Somamos a isso, ainda, o fato de que na partitura de “La fille au cheveux de lin” há a
indicação metronômica de 66, exatamente a mesma pulsação que sugerimos para “Acalanto”.
Tendo em vista essas observações e acreditando que Vale tenha buscado inspiração
no referido prelúdio de Debussy para compor seu prelúdio 26, concluímos que seja coerente
- 184 -
buscar uma interpretação para essa peça baseada nos mesmos critérios seguidos por Flausino, ou
seja, uma inspiração em como interpretaríamos uma obra impressionista de Debussy como essa.
Uma importante questão que será seguida ao longo de todo esse prelúdio é o uso de
toda a amplitude do arco, com leveza, ou seja, tomando o cuidado para que o peso do arco sobre
as cordas seja reduzido durante a execução, através do movimento de supinação do antebraço
direito. Em nossa concepção ainda vemos que seja interessante buscar um ponto de contato entre
o arco e as cordas um pouco mais afastado do cavalete e pouco mais próximo ao espelho do que
o normal. Seguindo essas recomendações obteremos um toque com som leve e delicado.
Quanto à primeira frase (c. 1 – 6.1.1), que é repetida diversas vezes ao longo da obra,
buscamos enfatizar sua melodia buscando um direcionamento de frase que utilize as notas
intermediárias (semicolcheias) como ferramentas de condução entre notas mais graves e longas
às outras mais agudas e também mais longas (colcheias pontuadas). Esta condução será realizada
através de crescendos e diminuendos expressivos, bem como de pequenas variações agógicas.
A segunda frase (c. 6.1.2 – 15.1.1) será conduzida de acordo com critérios
semelhantes, porém, consideraremos os “Mi 5” como “ponto de partida” e os “Ré 5” grafados
com um “0” (harmônico natural) como “ponto de chegada” da frase. Assim, realizaremos
pequena cesura após todos os “Ré 5” harmônicos dessa segunda frase.
O restante da obra é baseado em repetições da primeira frase intercaladas com
repetições variadas dessa segunda frase, recurso, aliás, amplamente abordado por Vale em seus
prelúdios. A segunda frase exibe em uma das reapresentações variadas as cordas duplas em
oitavas. Em sua última abordagem apresenta o uso de “acicaturas”. Em ambas as reapresentações
manteremos o mesmo estilo de toque, buscando sonoridade leve, suave.
- 185 -
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão que mais aprofundamos nesse trabalho foi a interpretação que elaboramos
para os “26 Prelúdios característicos e concertantes para violino só” de Flausino Rodrigues Vale.
Dessa forma, inúmeras vezes tratamos das características rítmicas, musicais, harmônicas e de
articulações necessárias à forma que cremos ser coerente com o que entendemos ser o estilo da
obra. Ainda nesse sentido, realizamos a direção de alguns fundamentos da técnica violinística
para dar forma àquilo que pretendemos ouvir segundo nossa interpretação, através de conceitos
de estilo de vibrato, uso de portamentos, aplicação de golpes de arco, organização de regiões de
arco em determinadas passagens, agógica, andamentos, dinâmicas e conduções fraseológicas.
As partituras editadas por Camila Frésca e José Maurício Guimarães encontradas na
dissertação de Frésca (2008) e amplamente utilizadas em nossa dissertação foram de extrema
importância para nossa pesquisa e trazem grande acréscimo por terem sido as primeiras edições
completas de todos os vinte e seis prelúdios, ainda que em versão não-comercial. No nosso
trabalho de interpretação e estudo das obras, indispensável para o feitio dessa dissertação,
percebemos alguns erros de edição, e assim trouxemos também nossa contribuição às partituras,
corrigindo todos os erros que percebemos, acrescentando dedilhados e arcadas que consideramos
condizentes com os estilos das obras. Consideramos ainda o que percebemos da ideia musical
transmitida pelo compositor, inferindo sua idealização de interpretação de seus próprios
prelúdios. Portanto, o presente trabalho traz acréscimos enquanto revisão das partituras, e a nova
versão, com nossas alterações, encontram-se nas partituras do apêndice desse trabalho.
É indiscutível o caráter de música regional e de interior que Flausino Vale dá aos
seus prelúdios, sendo essa uma abordagem já presente em outras pesquisas prévias a esta.
Procuramos aproveitar ao máximo a interlocução com obras sobre o compositor e acreditamos
que o presente trabalho também tenha contribuído para esse fim. Da mesma forma, as entrevistas
tiveram finalidade informativa, mas também de aproveitarmos um saber, seja ele acadêmico, seja
ele quanto à prática interpretativa dos prelúdios de Vale. Verificamos a partir delas um interesse
desses violinistas e estudiosos pelas obras de Flausino, e temos como paradigma desse interesse
dos entrevistados, por exemplo, o fato de Felipe Prazeres nos dizer quando perguntamos se há
- 186 -
algo a acrescentar a nossa pesquisa que: “gostaria que a obra dele fosse cada vez mais executada,
inclusive como material universitário, como foi o desejo dele”.
Também nesse sentido, nosso trabalho traz algumas contribuições aos estudos dos
prelúdios, retomando a ideia de que possam ser utilizados como estudos violinísticos em especial
nos cursos de Bacharelado em violino. Quanto a isso, em nossas exposições interpretativas
chegamos a sugerir alguns dos prelúdios como estudos de cordas duplas: alguns mais destinados
às terças, outros às sextas e oitavas. Há ainda aqueles em que se aplicam estudos mais básicos de
velocidade de arco e controle de dinâmica. Quanto aos golpes de arco, há uma grande
diversidade de possibilidades de estudo de golpes saltados, acentuados e flexionados. E
apontamos ainda a possibilidade de treino dos pizicatos, tanto de mão direita quanto de mão
esquerda.
Foi possível demonstrar a variedade e riqueza técnica explorada pelo compositor,
oferecendo diferentes níveis de dificuldade técnica em cada um de seus trabalhos, além de uma
escrita particularizada ao violino, ou seja, uma linguagem altamente violinística ainda que
busque interlocução com a viola caipira.
Essa interlocução violino-viola caipira constitui a inspiração de um novo “idioma”
proposto por Flausino em grande maioria de seus prelúdios. Essa referência pode nortear nossa
interpretação, tendo como perspectiva alcançar um resultado sonoro popular através de obras
eruditas. Esse atributo faz esse conjunto de prelúdios acessível tanto aos violinistas quanto aos
interlocutores, que se envolvem com obras virtuosísticas e para violino, no entanto, com toda
uma caracterização de música brasileira.
A escrita peculiar de Flausino Vale, utilizando desde recursos tradicionais que
acompanham o violino e sua evolução técnica vinda da Europa até os recursos não usuais,
tirando do violino sons rústicos e descritivos, bem como a sua habilidade para com a escrita
específica para o instrumento, fazem sua música soar virtuosística, agradável e “brasileira”. E,
apesar de passar uma impressão virtuosística, quando analisada mais profundamente, percebe-se
que os recursos mais aparentam tal dificuldade técnica que propriamente a possuem; de modo
que, embora nesse conjunto haja prelúdios em diferentes níveis de dificuldade, podemos dizer
que não exigem do violinista profissional um elevado investimento para executá-los.
Toda interpretação que formulamos é baseada nessas características que acreditamos
idealizadas pelo compositor. Portanto, o primeiro fator norteador dessa interpretação é a tentativa
- 187 -
de fidedignidade às inspirações do compositor, valorizando o imaginário popular rural e as
características brasileiras ressaltadas nesses prelúdios. Também foi preciso considerar as
audições que realizamos dos intérpretes das obras, que trouxeram divergências e convergências,
possibilitando outros diálogos e novas perspectivas. Em especial ressaltamos as duas gravações
realizadas pelo próprio compositor. E, para além de desejarmos ser fiéis às composições de
Flausino, certamente que se encontram nessas páginas também parte da história e da
compreensão musical do próprio autor da interpretação, cabendo a nós o papel de recriação das
obras – natural a todo processo de interpretação –, e o fizemos obedecendo ao máximo ao que
acreditamos que o compositor idealizava e, ao mesmo tempo, respeitando e ressaltando,
colocando em evidência o caráter de cada um dos prelúdios.
- 188 -
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- 193 -
APÊNDICE
Acrescentaremos no apêndice as entrevistas integrais e seus resultados – Apêndice
A1 ao A7 –, na forma como as recebemos dos entrevistados. Foram feitas algumas tentativas de
efetuar tal entrevista com diferentes violinistas e estudiosos. Abaixo se encontram os nomes dos
entrevistados com uma breve descrição profissional de cada um deles, focando-nos nos motivos
que nos fizeram procurá-los para essa entrevista:
Camila Ventura Frésca – O motivo pelo qual selecionamos Camila Ventura Frésca
para participar de nossa entrevista é principalmente o seu investimento em Flausino Vale, que
não se restringiu à sua dissertação de mestrado, mas teve continuidade até os dias de hoje, tendo,
por exemplo, a direção da gravação de Cláudio Cruz (2011), tendo gravado comercialmente
todos os 26 prelúdios, bem como as partituras editadas esse ano pela Fundação OSESP (2011)
tendo sido amplamente incentivados por Frésca.
Edson Queiroz de Andrade – Violinista, Edson de Andrade realizou gravação de
cinco e execução de sete dos prelúdios de Flausino Vale, tendo sua contribuição explicitada na
medida em que é intérprete e divulgador de sua obra. Além de violinista de projeção, é também
professor de violino da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), instituição
anteriormente denominada “Conservatório Mineiro de Música”, onde Flausino Vale lecionou
“História da Música”.
Felipe Lopes Prazeres – Justifica-se a entrevista a Felipe Prazeres a partir do
momento em que conhece a obra de Flausino, percebe-se por sua entrevista que sabe algo do
compositor para além dos prelúdios em si. Já executou uma obra de Flausino Vale e tem
reconhecimento como violinista no Rio de Janeiro, sendo spalla da Orquestra Sinfônica da
Petrobrás.
Gabriela Queiroz – Violinista e professora do Curso de Graduação em Música da
UFRJ, especialmente da cadeira de violino, Gabriela Queiroz já executou obras de Vale em
recital, tendo contribuições como intérprete da obra e na didática do instrumento.
Hermes Cuzzol Alvarenga – Foi quem escreveu a primeira dissertação sobre
Flausino Vale, além de ser violinista e ter executado alguns de seus prelúdios. Muito auxiliou
nosso trabalho por sua pesquisa ter se tratado do uso do violino nos prelúdios de Flausino Vale, e
certamente nos interessa saber sobre suas concepções acerca da obra e de sua interpretação.
Zoltan Paulinyi – Teve em seu mestrado uma parte de seu trabalho dedicado a
Flausino Vale. Sabemos que tem dado continuidade a essa pesquisa atualmente. Para além de
suas contribuições teóricas, Paulinyi é violinista e executou todos os prelúdios para violino só.
Na sequência das entrevistas acrescentamos as revisões que realizamos nas partituras
publicadas por Camila Frésca (2008), Apêndice B. No final de cada um dos prelúdios
encontram-se as referências “José Mauricio Guimarães / Camila Frésca (2007)” e, logo abaixo,
nas partituras que realizamos modificações, tais acréscimos são mencionados entre parênteses,
nas que não encontramos nenhum erro de edição, nem realizamos acréscimos de dedilhados ou
arcadas, consta apenas “Revisão de André Bukowitz”.
E incluímos as informações publicadas na Wikipédia no artigo criado por nós
“Flausino Vale” no Apêndice C.
- 194 -
APENDICE A1 – Entrevista elaborada pelo autor:
Pesquisa de André Bukowitz, realizada para elaboração de dissertação do curso de
Mestrado na área de concentração de Práticas Interpretativas em Violino da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do professor Dr. Alysio de Mattos.
É importante que o entrevistado esteja ciente que a participação nessa pesquisa é
voluntária, podendo o participante desistir a qualquer momento, sem acarretar nenhum dano,
bem como não será pago nenhum valor pela participação.
A participação do entrevistado nessa pesquisa não envolve nenhum benefício ou risco
sejam eles físicos, morais ou psicológicos.
Solicitamos ao entrevistado que defina a forma como poderá participar dessa pesquisa,
ou seja, se autoriza a divulgação de sua identidade – nome – conforme suas respostas forem
citadas na dissertação ou se tem preferência pelo anonimato. Informamos também que
certamente não será possível citar todo o conteúdo de todas as entrevistas realizadas, cabendo ao
autor do projeto a escolha por trechos que melhor contribuam com o tema.
Pedimos o favor de preencher as lacunas abaixo:
Eu,__________________________________, compreendo e concordo com o conteúdo
acima explicitado e autorizo a divulgação do conteúdo de minha entrevista através de:
( ) meu nome
( ) anonimato
Entrevista:
1- Quais peças do compositor Flausino Vale você já executou?
2- Já ouviu gravações de obras de Flausino Vale? Com execução de quais intérpretes?
3- Já Gravou obras deste compositor? Se gravou, por favor indique quais foram.
4- O que o levou a escolher este compositor e estas obras como alvo de sua
execução/interpretação?
5- Como você teve conhecimento dessas obras?
6- Como teve acesso às partituras musicais da(s) obra(s) que executou?
7- Teve acesso também a manuscritos do compositor?
8- Se teve acesso aos manuscritos, como foi esse acesso?
9- Você identifica esse compositor com o tema/estilo “Brasileiro”?
- 195 -
10- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Brasileiro”? Por favor exemplifique.
11- Você identifica nessas obras/estilo elementos que você chamaria de “folclóricos”? Se
sim, quais?
12- Você identifica esse compositor com o tema/estilo estrangeiro/música de concerto
europeia?
13- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Estrangeiro”?
14- É inegável a contribuição de Flausino Vale à música Brasileira. Para além da
contribuição à música brasileira, você considera que este compositor tenha inovado de
alguma maneira a técnica do violino, ou tenha criado novos recursos técnicos ou de
sonoridade? Se sim, qual ou quais elementos poderia citar?
15- Estou realizando Mestrado tendo Flausino Vale e mais especificamente seus 26 Prelúdios
concertantes para violino só como tema. Você teria algo que gostaria de acrescentar
sobre o assunto, considerando o compositor e suas obras?
16- Autoriza a divulgação de seu nome nesta Dissertação junto com as informações
respondidas nesse questionário?
- 196 -
APÊNDICE A2 – Entrevista respondida por Camila Ventura Frésca
Pesquisa de André Bukowitz, realizada para elaboração de dissertação do curso de
Mestrado na área de concentração de Práticas Interpretativas em Violino da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do professor Dr. Alysio de Mattos.
É importante que o entrevistado esteja ciente que a participação nessa pesquisa é
voluntária, podendo o participante desistir a qualquer momento, sem acarretar nenhum dano,
bem como não será pago nenhum valor pela participação.
A participação do entrevistado nessa pesquisa não envolve nenhum benefício ou risco
sejam eles físicos, morais ou psicológicos.
Solicitamos ao entrevistado que defina a forma como poderá participar dessa pesquisa,
ou seja, se autoriza a divulgação de sua identidade – nome – conforme suas respostas forem
citadas na dissertação ou se tem preferência pelo anonimato. Informamos também que
certamente não será possível citar todo o conteúdo de todas as entrevistas realizadas, cabendo ao
autor do projeto a escolha por trechos que melhor contribuam com o tema.
Pedimos o favor de preencher as lacunas abaixo:
Eu, Camila Ventura Frésca, compreendo e concordo com o conteúdo acima explicitado
e autorizo a divulgação do conteúdo de minha entrevista através de:
( X ) meu nome
( ) anonimato
Entrevista:
1- Quais peças do compositor Flausino Vale você já executou?
Nunca executei nenhuma peça, minha relação com sua obra é de pesquisa.
2- Já ouviu gravações de obras de Flausino Vale? Com execução de quais intérpretes?
Já ouvi gravações dos prelúdios de Flausino com vários intérpretes, como Jerzy Milewski,
Daniel Guedes, Edson Queiroz de Andrade, Jascha Heifetz, Aaron Rosand etc.
3- Já Gravou obras deste compositor? Se gravou, por favor indique quais foram.
Não
4- O que o levou a escolher este compositor e estas obras como alvo de sua
execução/interpretação?
No caso, desenvolvi pesquisa sobre o autor por meu interesse por violino e música brasileira. E,
especialmente, pela qualidade e singularidade do conjunto de 26 prelúdios característicos e
concertantes para violino só.
5- Como você teve conhecimento dessas obras?
O primeiro contato foi a gravação do violinista Jerzy Milewski.
- 197 -
6- Como teve acesso às partituras musicais da(s) obra(s) que executou?
Para a pesquisa, tive contato com as partituras por meio da família de Flausino Vale e dos
violinistas e professores José Mauricio Guimarães e Hermes Alvarenga.
7- Teve acesso também a manuscritos do compositor?
Os prelúdios estavam quase todos em manuscritos xerox (os originais estão desaparecidos).
8- Se teve acesso aos manuscritos, como foi esse acesso?
Via família Valle.
9- Você identifica esse compositor com o tema/estilo “Brasileiro”?
A temática que utiliza em seus prelúdios é bem típica daquilo que costumamos caracterizar como
“brasileiro”.
10- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Brasileiro”? Por favor exemplifique.
A temática utilizada em suas peças, com melodias do universo popular que ele mesmo recolhia
(por exemplo o prelúdio “Devaneio” que traz a melodia de “Escravos de Jó”) e/ou quando
tentava descrever fatos e situações de sua vivência – que eram por consequência também
regionais e “brasileiros”. Por exemplo “Casamento na roça”, “Ao pé da fogueira” etc.
11- Você identifica nessas obras/estilo elementos que você chamaria de “folclóricos”? Se
sim, quais?
Sim, os elementos retirados da cultura popular, com melodias (como exemplificado com
“Devaneio”) que provém de fonte folclórica ou tradicional.
12- Você identifica esse compositor com o tema/estilo estrangeiro/música de concerto
europeia?
Da tradição europeia, essa música traz o virtuosismo técnico exigido do intérprete, exigindo
portanto o conhecimento da técnica formal do violino, de natureza europeia.
13- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Estrangeiro”?
Já descrito acima
14- É inegável a contribuição de Flausino Vale à música Brasileira. Para além da
contribuição à música brasileira, você considera que este compositor tenha inovado
de alguma maneira a técnica do violino, ou tenha criado novos recursos técnicos ou
de sonoridade? Se sim, qual ou quais elementos poderia citar?
Como intérprete, acredito que Flausino Vale devia ter uma maneira peculiar de tocar, que talvez
poderia ser chamada “inovadora” – mas isso é apenas uma intuição e não tenho elementos para
comprovar, pois minha pesquisa seguiu outros caminhos.
- 198 -
Como compositor, ele sem dúvida traz uma contribuição bastante original para a música
brasileira – e também para o repertório violinístico internacional. Flausino era bastante criativo,
com algumas soluções originais como o “método da chave”. Mas não sei se podemos dizer que
ele sistematizou alguma técnica nova para o violino. Acredito que discuto um pouco mais isso
em minha dissertação de mestrado.
15- Estou realizando Mestrado tendo Flausino Vale e mais especificamente seus 26
Prelúdios concertantes para violino só como tema. Você teria algo que gostaria de
acrescentar sobre o assunto, considerando o compositor e suas obras?
Acho que você pode estabelecer algum tipo de diálogo com meu trabalho, que também trata
sobre Flausino e seus 26 prelúdios.
16- Autoriza a divulgação de seu nome nesta Dissertação junto com as informações
respondidas nesse questionário?
Sim
- 199 -
APÊNDICE A3 – Entrevista respondida por Edson Queiroz de Andrade
Pesquisa de André Bukowitz, realizada para elaboração de dissertação do curso de
Mestrado na área de concentração de Práticas Interpretativas em Violino da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do professor Dr. Alysio de Mattos.
É importante que o entrevistado esteja ciente que a participação nessa pesquisa é
voluntária, podendo o participante desistir a qualquer momento, sem acarretar nenhum dano,
bem como não será pago nenhum valor pela participação.
A participação do entrevistado nessa pesquisa não envolve nenhum benefício ou risco
sejam eles físicos, morais ou psicológicos.
Solicitamos ao entrevistado que defina a forma como poderá participar dessa pesquisa,
ou seja, se autoriza a divulgação de sua identidade – nome – conforme suas respostas forem
citadas na dissertação ou se tem preferência pelo anonimato. Informamos também que
certamente não será possível citar todo o conteúdo de todas as entrevistas realizadas, cabendo ao
autor do projeto a escolha por trechos que melhor contribuam com o tema.
Pedimos o favor de preencher as lacunas abaixo:
Eu, Edson Queiroz de Andrade, compreendo e concordo com o conteúdo acima
explicitado e autorizo a divulgação do conteúdo de minha entrevista através de:
(X) meu nome
( ) anonimato
Entrevista:
1- Quais peças do compositor Flausino Vale você já executou?
7 prelúdios para violino solo: Acalando, Ao Pé da Fogueira, Suspiro d‟alma, Devaneio,
Rondo doméstico, Marcha Fúnebre, e Mocidade eterna
2- Já ouviu gravações de obras de Flausino Vale? Com execução de quais intérpretes? Sim.
Jerzy Milewski e Cláudio Cruz.
3- Já Gravou obras deste compositor? Se gravou, por favor indique quais foram. Sim, 5
prelúdios para violino solo: Suspiro d‟alma, Devaneio, Rondo doméstico, Marcha
Fúnebre, e Mocidade eterna. Essas gravações integraram uma coletânea de obras de
compositores mineiros, em 2 CDs. Esses CDs fazem parte do trabalho do Prof. Sérgio
Freire com o título “Do Conservatório à Escola: 80 anos de criação musical em Belo
Horizonte”, publicado em forma de livro pela Editora UFMG em 2006.
4- O que o levou a escolher este compositor e estas obras como alvo de sua
execução/interpretação? O fato de ser brasileiro, de ser mineiro (natural de Barbacena,
MG), e de ter sido professor no Conservatório Mineiro de Música (hoje Escola de Música
- 200 -
da UFMG), instituição onde atuo como professor de violino. Também considero as peças
bem escritas para o violino, e um desafio para o intérprete.
5- Como você teve conhecimento dessas obras? Já conhecia o prelúdio “Ao Pé da Fogueira”
gravado por Heifetz, mas os outros prelúdios conheci em 1993, quando fui membro da
banca de defesa de Dissertação de Mestrado de Hermes Cuzzuol Alvarenga, “Os 26
Prelúdios Característicos e Concertantes para Violino Só, de Flausino Valle: aspectos da
linguagem musical e violinística.”. A defesa aconteceu na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, sob a orientação do Prof. Marcelo Gershfeld.
6- Como teve acesso às partituras musicais da(s) obra(s) que executou? Tive acesso através
da dissertação do Hermes, citada anteriormente, onde cópias dos manuscritos fazem parte
de um Anexo naquele trabalho. Hoje já adquiri as partes publicadas em um único
volume, neste ano de 2011, pela Criadores do Brasil, Editora da Orquestra Sinfônica
do Estado de São Paulo, revisada por Camila Frésca e Cláudio Cruz.
7- Teve acesso também a manuscritos do compositor? Tive acesso à cópias dos manuscritos,
conforme relatado na resposta anterior
8- Se teve acesso aos manuscritos, como foi esse acesso? Ver reposta da pergunta 6.
9- Você identifica esse compositor com o tema/estilo “Brasileiro”? Sim
10- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Brasileiro”? Por favor exemplifique.
Muitos dos 26 prelúdios fazem referência a elementos típicos da música popular-rural
brasileira. Batuque, por exemplo, utiliza-se dos Bordões típicos da viola caipira, e da
síncope brasileira. Suspiro d‟alma e Viola destemida, dentre outros, fazem uso das terças
paralelas “caipiras”.
11- Você identifica nessas obras/estilo elementos que você chamaria de “folclóricos”? Se
sim, quais? Sim. A utilização de temas populares aparece em dois prelúdios: “Tirana
Riograndense” (tema extraído da História da Música Brasileira, de Renato Almeida), e
“Devaneio”, baseado na cantiga de roda Escravos de Jó. Poderíamos citar ainda os
títulos “Ao Pé da Fogueira” e “Viva São João” como uma alusão às festas juninas.
12- Você identifica esse compositor com o tema/estilo estrangeiro/música de concerto
europeia? Sim.
13- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Estrangeiro”? A própria escolha de compor os prelúdios para violino solo é baseada
num modelo da Europa. Ele também utiliza técnicas violinísticas desenvolvidas na
- 201 -
Europa, especialmente por Paganini: golpes de arco como ricochet, spiccato e staccato,
uso de harmônicos simples e duplos, pizicato de mão esquerda, alternância de pizicato de
mão esquerda com arco, alternância de pizicato de mão esquerda e pizicato de mão
direita, e sequência de acordes. Mesmo colocando títulos sugestivos bem brasileiros nos
prelúdios a indicação dos andamentos é de modelo europeu: Allegro, Allegreto,
Andantino, Moderato, Allegro commodo.
14- É inegável a contribuição de Flausino Vale à música Brasileira. Para além da
contribuição à música brasileira, você considera que este compositor tenha inovado de
alguma maneira a técnica do violino, ou tenha criado novos recursos técnicos ou de
sonoridade? Se sim, qual ou quais elementos poderia citar? Não creio que tenha havido
inovação técnica, mesmo porque não creio que era a proposta do compositor.
15- Estou realizando Mestrado tendo Flausino Vale e mais especificamente seus 26 Preludios
concertantes para violino só como tema. Você teria algo que gostaria de acrescentar
sobre o assunto, considerando o compositor e suas obras? Flausino Vale é um compositor
que dá nome à nossa Biblioteca na Escola de Música da UFMG. Levou o nome do Brasil
para além de nossas fronteiras, e deixou uma obra importante para os violinistas, aliando
a técnica violinística tradicional com a linguagem musical regional que ele experimentou
em Minas Gerais. Está se tornando cada vez mais conhecido no Brasil, através de
publicações, gravações e trabalhos acadêmicos. Seu nome cada vez mais se torna motivo
de orgulho para os mineiros.
16- Autoriza a divulgação de seu nome nesta Dissertação junto com as informações
respondidas nesse questionário? Sim
- 202 -
APÊNDICE A4 – Entrevista respondida por Felipe Fortuna Lopes Prazeres
Pesquisa de André Bukowitz, realizada para elaboração de dissertação do curso de
Mestrado na área de concentração de Práticas Interpretativas em Violino da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do professor Dr. Alysio de Mattos.
É importante que o entrevistado esteja ciente que a participação nessa pesquisa é
voluntária, podendo o participante desistir a qualquer momento, sem acarretar nenhum dano,
bem como não será pago nenhum valor pela participação.
A participação do entrevistado nessa pesquisa não envolve nenhum benefício ou risco
sejam eles físicos, morais ou psicológicos.
Solicitamos ao entrevistado que defina a forma como poderá participar dessa pesquisa,
ou seja, se autoriza a divulgação de sua identidade – nome – conforme suas respostas forem
citadas na dissertação ou se tem preferência pelo anonimato. Informamos também que
certamente não será possível citar todo o conteúdo de todas as entrevistas realizadas, cabendo ao
autor do projeto a escolha por trechos que melhor contribuam com o tema.
Pedimos o favor de preencher as lacunas abaixo:
Eu, Felipe Fortuna Lopes Prazeres, compreendo e concordo com o conteúdo acima
explicitado e autorizo a divulgação do conteúdo de minha entrevista através de:
( X ) meu nome
( ) anonimato
Entrevista:
1- Quais peças do compositor Flausino Vale você já executou?
Somente o capricho “Ao pé da fogueira”.
2- Já ouviu gravações de obras de Flausino Vale? Com execução de quais intérpretes?
Tive a oportunidade de ouvir com 2 intérpretes: JERZY MILEWSKI e CLÁUDIO CRUZ.
3- Já Gravou obras deste compositor? Se gravou, por favor indique quais foram.
Não, nunca gravei.
4- O que o levou a escolher este compositor e estas obras como alvo de sua
execução/interpretação?
A divulgação de música brasileira para violino e a do próprio compositor.
5- Como você teve conhecimento dessas obras?
Desde pequeno já sabia da obra de Flausino Valle mas só escutei pela primeira vez aos
21 anos.
6- Como teve acesso às partituras musicais da(s) obra(s) que executou?
Não me lembro muito bem, acho que eu consegui através do Prof. Paulo Bosisio.
- 203 -
7- Teve acesso também a manuscritos do compositor?
Se eu não me engano, o encarte do CD do Milewski continha uma cópia do manuscrito.
8- Se teve acesso aos manuscritos, como foi esse acesso?
9- Você identifica esse compositor com o tema/estilo “Brasileiro”?
Certamente, visando temas folclóricos recorrentes.
10- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Brasileiro”? Por favor exemplifique.
Sim, a começar pelo título de alguns caprichos como: casamento na roça, Ao pé da
fogueira, tico,tico, Batuque entre outros. As figuras rítmicas se identificam diretamente
com o [resposta continua no ítem 11].
11- Você identifica nessas obras/estilo elementos que você chamaria de “folclóricos”? Se
sim, quais?
universo musical Brasileiro. As próprias melodias também lembram famosos temas
folclóricos brasileiros.
12- Você identifica esse compositor com o tema/estilo estrangeiro/música de concerto
europeia?
Podemos classifica-lo como europeu somente pela alusão aos 24 caprichos de Paganini.
Observamos também alguns recursos técnicos violinísticos que foram proveniente de
grandes virtuoses europeus [resp. continua no item 13].
13- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Estrangeiro”?
do período barroco e romântico.
14- É inegável a contribuição de Flausino Vale à música Brasileira. Para além da
contribuição à música brasileira, você considera que este compositor tenha inovado de
alguma maneira a técnica do violino, ou tenha criado novos recursos técnicos ou de
sonoridade? Se sim, qual ou quais elementos poderia citar?
A questão dos “ruídos sonoros” que F. Valle propõe nos caprichos é bastante
interessante. “A porteira da fazenda” por exemplo nos remete ao sertão logo no seu
início mas não considero isso uma “inovação” técnica, somente recursos violinísticos...
Podemos notar isso na música de Piazzolla, por exemplo...
15- Estou realizando Mestrado tendo Flausino Vale e mais especificamente seus 26 Preludios
concertantes para violino só como tema. Você teria algo que gostaria de acrescentar
sobre o assunto, considerando o compositor e suas obras?
Somente gostaria que a obra dele fosse cada vez mais executada, inclusive como material
universitário, como foi o desejo dele.
- 204 -
16- Autoriza a divulgação de seu nome nesta Dissertação junto com as informações
respondidas nesse questionário?
Sim.
- 205 -
APÊNDICE A5 – Entrevista respondida por Gabriela Queiroz
Pesquisa de André Bukowitz, realizada para elaboração de dissertação do curso de
Mestrado na área de concentração de Práticas Interpretativas em Violino da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do professor Dr. Alysio de Mattos.
É importante que o entrevistado esteja ciente que a participação nessa pesquisa é
voluntária, podendo o participante desistir a qualquer momento, sem acarretar nenhum dano,
bem como não será pago nenhum valor pela participação.
A participação do entrevistado nessa pesquisa não envolve nenhum benefício ou risco
sejam eles físicos, morais ou psicológicos.
Solicitamos ao entrevistado que defina a forma como poderá participar dessa pesquisa,
ou seja, se autoriza a divulgação de sua identidade – nome – conforme suas respostas forem
citadas na dissertação ou se tem preferência pelo anonimato. Informamos também que
certamente não será possível citar todo o conteúdo de todas as entrevistas realizadas, cabendo ao
autor do projeto a escolha por trechos que melhor contribuam com o tema.
Pedimos o favor de preencher as lacunas abaixo:
Eu,___Gabriela Queiroz_, compreendo e concordo com o conteúdo acima explicitado e
autorizo a divulgação do conteúdo de minha entrevista através de:
( x ) meu nome
( ) anonimato
Entrevista:
1- Quais peças do compositor Flausino Vale você já executou?
Os prelúdios: Batuque e Tico-tico
2- Já ouviu gravações de obras de Flausino Vale? Com execução de quais intérpretes? Sim.
Jerzy Milewski e Daniel Guedes
3- Já Gravou obras deste compositor? Se gravou, por favor indique quais foram. Não.
4- O que o levou a escolher este compositor e estas obras como alvo de sua
execução/interpretação? Tinha um recital para violino solo para fazer, e achei
conveniente a inclusão de alguns dos prelúdios.
5- Como você teve conhecimento dessas obras? Não lembro bem, mas acredito que na
época em que o Daniel estava montando o repertório para seu CD de música brasileira.
6- Como teve acesso às partituras musicais da(s) obra(s) que executou? Um amigo de BH
nos enviou cópias.
7- Teve acesso também a manuscritos do compositor? Entre as cópias, alguns estavam
manuscritos.
8- Se teve acesso aos manuscritos, como foi esse acesso?
9- Você identifica esse compositor com o tema/estilo “Brasileiro”? Sim.
10- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Brasileiro”? Por favor exemplifique. Ele baseia os prelúdios no folclore da sua região,
- 206 -
nas canções populares, nas festas juninas, ritmos percussivos, a música é bem
representativa.
11- Você identifica nessas obras/estilo elementos que você chamaria de “folclóricos”? Se
sim, quais? Melodias, ritmos e efeitos sonoros tipicamente folclóricos.
12- Você identifica esse compositor com o tema/estilo estrangeiro/música de concerto
europeia? Sim.
13- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Estrangeiro”? A maneira de explorar os recursos técnicos do violino faz com que os
prelúdios se assemelhem de certa forma com compositores europeus que também se
utilizaram deste recurso.
14- É inegável a contribuição de Flausino Vale à música Brasileira. Para além da
contribuição à música brasileira, você considera que este compositor tenha inovado de
alguma maneira a técnica do violino, ou tenha criado novos recursos técnicos ou de
sonoridade? Se sim, qual ou quais elementos poderia citar? Sim. A questão dos acordes
tocados em trêmulo, imitando uma viola caipira é um tipo de arcada que parece ser bem
original, apesar de não ter certeza se ele foi o criador.
15- Estou realizando Mestrado tendo Flausino Vale e mais especificamente seus 26 Preludios
concertantes para violino só como tema. Você teria algo que gostaria de acrescentar
sobre o assunto, considerando o compositor e suas obras? Não.
16- Autoriza a divulgação de seu nome nesta Dissertação junto com as informações
respondidas nesse questionário? Sim.
- 207 -
APÊNDICE A6 – Entrevista respondida por Hermes Cuzzol Alvarenga
Pesquisa de André Bukowitz, realizada para elaboração de dissertação do curso de
Mestrado na área de concentração de Práticas Interpretativas em Violino da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do professor Dr. Alysio de Mattos.
É importante que o entrevistado esteja ciente que a participação nessa pesquisa é
voluntária, podendo o participante desistir a qualquer momento, sem acarretar nenhum dano,
bem como não será pago nenhum valor pela participação.
A participação do entrevistado nessa pesquisa não envolve nenhum benefício ou risco
sejam eles físicos, morais ou psicológicos.
Solicitamos ao entrevistado que defina a forma como poderá participar dessa pesquisa,
ou seja, se autoriza a divulgação de sua identidade – nome – conforme suas respostas forem
citadas na dissertação ou se tem preferência pelo anonimato. Informamos também que
certamente não será possível citar todo o conteúdo de todas as entrevistas realizadas, cabendo ao
autor do projeto a escolha por trechos que melhor contribuam com o tema.
Pedimos o favor de preencher as lacunas abaixo:
Eu,_HERMES CUZZUOL ALVARENGA__________________, compreendo e
concordo com o conteúdo acima explicitado e autorizo a divulgação do conteúdo de minha
entrevista através de:
( X ) meu nome
( ) anonimato
Entrevista:
1- Quais peças do compositor Flausino Vale você já executou?
Prelúdios 9,13,15,22,26
2- Já ouviu gravações de obras de Flausino Vale? Com execução de quais intérpretes?
Heifetz, Perlman, Francescati, Milewski, Cruz, Baldini
3- Já Gravou obras deste compositor? Se gravou, por favor indique quais foram.
Não.
4- O que o levou a escolher este compositor e estas obras como alvo de sua
execução/interpretação?
Consequência de minha pesquisa sobre Flausino
5- Como você teve conhecimento dessas obras?
Durante formatação de projeto de pesquisa de mestrado na UFRGS
6- Como teve acesso às partituras musicais da(s) obra(s) que executou?
Cópias manuscritas de parte dos 26 prelúdios foram conseguidas com familiares do
compositor e com o violinista Jerzy Milewski. O set completo das 26 só ficou disponível
após minha pesquisa ter localizado e resgatado as cópias ausentes na coleta anterior.
7- Teve acesso também a manuscritos do compositor?
Alguns prelúdios eram cópias dos manuscritos.
8- Se teve acesso aos manuscritos, como foi esse acesso?
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9- Você identifica esse compositor com o tema/estilo “Brasileiro”?
Seguramente
10- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Brasileiro”? Por favor exemplifique.
Há vários motivos rítmicos e melódicos que se identificam com a música brasileira, em
especial àquela de origem rural e das manifestações populares.
11- Você identifica nessas obras/estilo elementos que você chamaria de “folclóricos”? Se
sim, quais?
Sim. Padrões escalares, melódicos e rítmicos.
12- Você identifica esse compositor com o tema/estilo estrangeiro/música de concerto
europeia?
Sim, a linguagem violinistica é predominantemente baseada na escola tradicional dos
compositores/violinistas europeus. A linguagem musical, entretanto, é mais identificada
com a cultura nacional.
13- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Estrangeiro”?
14- É inegável a contribuição de Flausino Vale à música Brasileira. Para além da
contribuição à música brasileira, você considera que este compositor tenha inovado de
alguma maneira a técnica do violino, ou tenha criado novos recursos técnicos ou de
sonoridade? Se sim, qual ou quais elementos poderia citar?
Essa resposta pode ser facilmente encontrada em minha dissertação.
15- Estou realizando Mestrado tendo Flausino Vale e mais especificamente seus 26 Preludios
concertantes para violino só como tema. Você teria algo que gostaria de acrescentar
sobre o assunto, considerando o compositor e suas obras?
Consultar meu trabalho de 1993 e outras fontes mais recentes.
16- Autoriza a divulgação de seu nome nesta Dissertação junto com as informações
respondidas nesse questionário?
Sim!
- 209 -
APÊNDICE A7 – Entrevista respondida por Zoltan Paulinyi
Pesquisa de André Bukowitz, realizada para elaboração de dissertação do curso de
Mestrado na área de concentração de Práticas Interpretativas em Violino da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do professor Dr. Alysio de Mattos.
É importante que o entrevistado esteja ciente que a participação nessa pesquisa é
voluntária, podendo o participante desistir a qualquer momento, sem acarretar nenhum dano,
bem como não será pago nenhum valor pela participação.
A participação do entrevistado nessa pesquisa não envolve nenhum benefício ou risco
sejam eles físicos, morais ou psicológicos.
Solicitamos ao entrevistado que defina a forma como poderá participar dessa pesquisa,
ou seja, se autoriza a divulgação de sua identidade – nome – conforme suas respostas forem
citadas na dissertação ou se tem preferência pelo anonimato. Informamos também que
certamente não será possível citar todo o conteúdo de todas as entrevistas realizadas, cabendo ao
autor do projeto a escolha por trechos que melhor contribuam com o tema.
Pedimos o favor de preencher as lacunas abaixo:
Eu, Zoltan Paulinyi, compreendo e concordo com o conteúdo acima explicitado e
autorizo a divulgação do conteúdo de minha entrevista através de:
(X) meu nome
( ) anonimato
Entrevista:
1- Quais peças do compositor Flausino Vale você já executou?
R=Todas as editadas para violino, e as manuscritas para violino solo, bem como seus
arranjos e versões originais.
2- Já ouviu gravações de obras de Flausino Vale? Com execução de quais intérpretes?
R=Heifetz.
3- Já Gravou obras deste compositor? Se gravou, por favor indique quais foram.
R=Sim: todas para violino solo. Mas ainda não estão editadas comercialmente.
4- O que o levou a escolher este compositor e estas obras como alvo de sua
execução/interpretação?
R=Meu professor de violino, Ricardo Giannetti, ensinou-me várias peças do Flausino
Vale. Murillo, pai de Ricardo, foi aluno e amigo de Flausino.
5- Como você teve conhecimento dessas obras?
R=vide resposta anterior.
6- Como teve acesso às partituras musicais da(s) obra(s) que executou?
R=A primeira fonte foi meu professor de violino, Ricardo Giannetti, aluno de Gábor
Buza, que era amigo e colega de Flausino. Depois, tive contato pessoal com Huáscar, um
dos filhos de Flausino, que me forneceu mais cópias do acervo da família.
Posteriormente, estabeleci amizade também com Guatémoc, irmão de Huáscar, que me
- 210 -
ajudou fornecendo material para elaborar minha dissertação de mestrado. Também outros
pesquisadores me ajudaram de forma independente, como Camila Frésca e Marena
Salles.
7- Teve acesso também a manuscritos do compositor?
R=Tive acesso apenas a fac-símiles dos manuscritos. Gostaria de conhecer alguém que
tenha manuseado os originais, e ver os originais propriamente ditos.
8- Se teve acesso aos manuscritos, como foi esse acesso?
9- Você identifica esse compositor com o tema/estilo “Brasileiro”?
R Sim: as peças de Flausino Vale enquadram-se no paradigma paisagístico e ideológico
de identidade nacional explicado por Maria Alice Volpe (2001).
10- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Brasileiro”? Por favor exemplifique.
R=está na minha dissertação.
11- Você identifica nessas obras/estilo elementos que você chamaria de “folclóricos”? Se
sim, quais?
R=Não. Flausino era estudioso do folclore e nota-se sua busca de originalidade. Ele
separou muito bem a produção própria da produção folclórica.
12- Você identifica esse compositor com o tema/estilo estrangeiro/música de concerto
europeia?
R=Parcialmente sim: vide minha dissertação. Em resumo, a técnica é franco-belga, mas
os motivos buscam ideais autônomos. Estilo é justamente a união de técnica e elaboração
de motivos musicais.
13- Se sim, saberia identificar que traços dessas obras você pode categorizar como
“Estrangeiro”?
R=vide minha dissertação.
14- É inegável a contribuição de Flausino Vale à música Brasileira. Para além da
contribuição à música brasileira, você considera que este compositor tenha inovado de
alguma maneira a técnica do violino, ou tenha criado novos recursos técnicos ou de
sonoridade? Se sim, qual ou quais elementos poderia citar?
R=Vide meu artigo da Anppom (2010) sobre a técnica sotto le corde. A versão em inglês
(2010) está mais completa.
15- Estou realizando Mestrado tendo Flausino Vale e mais especificamente seus 26 Preludios
concertantes para violino só como tema. Você teria algo que gostaria de acrescentar
sobre o assunto, considerando o compositor e suas obras?
16- Autoriza a divulgação de seu nome nesta Dissertação junto com as informações
respondidas nesse questionário?
R=Sim. Por favor, meu nome deve ser mencionado junto com meus artigos e dissertação,
com endereço eletrônico completo.
- 211 -
APENDICE B – Revisões e edições que realizamos nas partituras
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- 219 -
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- 223 -
- 224 -
- 225 -
- 226 -
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- 228 -
- 229 -
- 230 -
- 231 -
- 232 -
- 233 -
- 234 -
- 235 -
- 236 -
- 237 -
- 238 -
- 239 -
- 240 -
- 241 -
- 242 -
- 243 -
- 244 -
- 245 -
- 246 -
- 247 -
- 248 -
- 249 -
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- 251 -
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APENDICE C – Conteúdo publicado no artigo “Flausino Vale” da Wikipédia
Flausino Vale (Barbacena, Minas Gerais, 6 de janeiro de 1894 — Belo
Horizonte, Minas Gerais, 4 de abril de 1954). Também conhecido como Flausino Valle.
Flausino Rodrigues Vale foi violinista, compositor, poeta, advogado, professor de história
da música e pesquisador do folclore. Entre suas produções mais conhecidas encontramos um
conjunto de obras para violino só (solo) intitulado: 26 Prelúdios Característicos e
Concertantes para Violino Só. Deste conjunto de obras seu prelúdio mais conhecido, o
prelúdio 15, Ao pé da Fogueira, tornou-se mais conhecido após ser editado e gravado pelo
famoso violinista Jascha Heifetz, que concebeu uma versão para violino e piano.
Obras
―Elementos de folclore musical brasileiro‖, escrito em 1934 e publicado em 1978.
―Calidoscópio‖, livro de poesias publicado em 1923.
"Músicos Mineiros", livro publicado em 1948.Flausino Vale foi professor da cadeira de
―História da Música‖ (1927) do então Conservatório Mineiro de Música, hoje Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG).
== Os '''"26 Prelúdios Característicos e Concertantes para Violino Só"''' ==
Seu conjunto de prelúdios foi composto ao longo de seus anos de vida. Quando
chegaram a 9 prelúdios, Flausino nomeou o conjunto de ―Suíte Mineira‖, no entanto, depois
abandonou o projeto e novos prelúdios surgiram, chegando a 26 e tendo sido por ele
nomeados como 26 Prelúdios Característicos e Concertantes para Violino Só. Abaixo
colocamos os prelúdios organizados por números tais quais o compositor os organizou.
Segundo a tabela abaixo pode-se verificar que nem sempre a cronologia definiu o número do
prelúdio, embora não saibamos a exata relação entre eles.
São eles:
1 - Batuque, 1922
2 - Suspiro d’alma, 1923
3 - Devaneio, 1924
4 - Brado íntimo, 1924
5 - Tico-tico, 1926
6 - Marcha fúnebre, 1927
- 254 -
7 - Sonhando, 1929
8 - Repente, 1924
9 - Rondó doméstico, 1933
10 - Interrogando o destino, Década 30
11 - Casamento na roça, 1933
12 - Canto da inhuma, Década 30
13 - Asas inquietas, Década 30
14 - A porteira da fazenda, 1933
15 - Ao pé da fogueira, Década 30
16 - Requiescat in pace, Sec. XX
17 - Viola destemida, 1939
18 - Pai João, 1939
19 - Folguedo campestre, Sec. XX
20 - Tirana rio-grandense, Sec. XX
21 - Prelúdio da vitória, Sec. XX
22 - Mocidade eterna, Década de 40
23 - Implorando, 1924
24 - Viva são João, Década de 40
25 - A mocinha e o papudo, Década de 40
26 - Acalanto, Década de 40
Essas obras retomam uma esfera do interior de Minas Gerais, com caráter
virtuosístico, embora não sejam de elevada complexidade. A maneira como Vale escreveu
tais prelúdios traz para o ouvinte um som caracteristicamente brasileiro/rural, fazendo com
que tenhamos um repertório que lembra características da musica popular, ainda que em
formato erudito, utilizando-se da instrumentação de apenas um violino desacompanhado.
Para que o violino só ocupe a cena, Vale diversifica os recursos do instrumento,
explorando as cordas duplas, fazendo de sua caixa de ressonância um instrumento percutido
(pele ―batuque‖ em alguns momentos) e ainda utiliza-se de elementos de virtuosidade como
os pizzicatos de mão direita e esquerda.
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Por alguns motivos apenas em 2011 foram editadas as partituras completas dos
prelúdios pela ―Criadores do Brasil‖, editora de partituras da OSESP e foram gravados
também integralmente por Cláudio Cruz. A gravação mais completa anterior a essa havia
sido realizada por Jerzy Milewski – 21 prelúdios – em 1984 e reeditada em CD numa edição
comemorativa do centenário de Flausino Vale (1994) e novamente em 1999. Milewski
também editou um livro ―Flausino Vale – o Paganini brasileiro‖, onde expõe algumas
personalidades ligadas à música e suas considerações quanto à gravação do LP e aos
prelúdios.
== Gravações ==
CRUZ, Cláudio. Flausino Vale e o violino brasileiro. CD 2011. Concepção e
direção musical de Camila Ventura Frésca.
MILEWSKY, Jerzy. Prelúdios para violino solo de Flausino Vale. LP MMB-
84045, Funarte, 1984.
MILEWSKY, Jerzy. Flausino Vale – Prelúdios característicos e concertantes
para violino só – Edição comemorativa do Centenário de Flausino Vale 1894 – 1994. CD.
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ANEXOS
Constam nos nossos anexos todas as partituras originais do trabalho de Camila
Ventura Frésca, publicados em sua dissertação de mestrado “„Uma extraordinária revelação
de arte‟: Flausino Vale e o violino brasileiro”, concluído em 2008. São partituras editadas e
revisadas por Camila Frésca e José Mauricio Guimarães em 2007.
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