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 A Teologia de Rudolf Bultmann por Prof. Isaías Lobão Pereira Jr. Um dos teólogos mais influentes do século XX, Rudolf Bultmann (1884- 1976) se destacou com seus escritos históricos e interpretativos sobre o No vo Testamento. Ele fo i, durante mui tos an os, catedráti co da Universidade de Marburg, na Alemanha. Segundo Bultmann, a tarefa da teologia é a de descobrir um “conceptualismo”, cujos termos pudessem aproximar a mensagem do Novo  Testamento a cosmovisão moderna. Em corres pon dência pes soal, ele sempre afirmou sua intenção proclamar uma mensa gem contextual izada , ele se referiu certa vez a uma senhora que retornou à Igreja, depois de muito tempo afastada, por causa da leitura de um de seus livros. Apoiando-se num es quema interpretati vo exis tenc ialista, bastante influenciado r Martin Heid eg ge r, seu co le ga na Universidade de Marburg, Bultmann passou sua vida lendo o Novo Testamento, como se fosse um documento heideggeriano, e se valendo de métodos histórico- críticos para el iminar do text o os el ementos resistentes ao si st ema filosófico existencialista. Bultmann fez uma palestra em 1941 numa conferência para pastores, que posteriormente foi publicada, “O Novo Testamento e a Mitologia”. A tese de Bultman n: a human idade contemponea, que se acostumou co m os avanços da ciência, não pode aceitar o conceito mitológico do mundo expresso nos escritos bíblicos. De acordo com Bultmann, “a concepção do universo do Novo Testamento é mítica. O universo é considerado como dividido em três andares. No meio se encontra a terra, sobre ela o céu, abaixo dela o mundo inferior. O céu é a morada de Deus e das figuras celestes, os anjos; o mundo inferior é o inferno, lugar de tormento. Mas também a terra não é o só o lugar do acontecer natural e cotidiano, da previdência e do trabalho, que conta com ordem e lei; é também cenário do atuar de poderes sobrenaturais, de Deus e de seus anjos, de Satã e de seus demônios. Os poderes sobrenaturais interferem nos acontecimentos naturais e no pensar, querer e agir do ser humano; milagres não são nada raros. Satã pode lhe incutir pensamentos malignos. Mas Deus pode dirigir seu pensar e querer, pode fazê-lo ter visões celestiais, fazê-lo ouvir a sua palavra exortadora e consoladora,

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 A Teologia de Rudolf Bultmann

por

Prof. Isaías Lobão Pereira Jr.

Um dos teólogos mais influentes do século XX, Rudolf Bultmann (1884-1976) se destacou com seus escritos históricos e interpretativos sobre oNovo Testamento. Ele foi, durante muitos anos, catedrático daUniversidade de Marburg, na Alemanha.

Segundo Bultmann, a tarefa da teologia é a de descobrir um“conceptualismo”, cujos termos pudessem aproximar a mensagem do Novo

  Testamento a cosmovisão moderna. Em correspondência pessoal, elesempre afirmou sua intenção proclamar uma mensagem contextualizada,ele se referiu certa vez a uma senhora que retornou à Igreja, depois demuito tempo afastada, por causa da leitura de um de seus livros.

Apoiando-se num esquema interpretativo existencialista, bastanteinfluenciado pôr Martin Heidegger, seu colega na Universidade deMarburg, Bultmann passou sua vida lendo o Novo Testamento, como sefosse um documento heideggeriano, e se valendo de métodos histórico-críticos para eliminar do texto os elementos resistentes ao sistemafilosófico existencialista.

Bultmann fez uma palestra em 1941 numa conferência para pastores, queposteriormente foi publicada, “O Novo Testamento e a Mitologia”. A tese deBultmann: a humanidade contemporânea, que se acostumou com osavanços da ciência, não pode aceitar o conceito mitológico do mundoexpresso nos escritos bíblicos.

De acordo com Bultmann, “a concepção do universo do Novo Testamento émítica. O universo é considerado como dividido em três andares. No meiose encontra a terra, sobre ela o céu, abaixo dela o mundo inferior. O céu éa morada de Deus e das figuras celestes, os anjos; o mundo inferior é oinferno, lugar de tormento. Mas também a terra não é o só o lugar doacontecer natural e cotidiano, da previdência e do trabalho, que conta comordem e lei; é também cenário do atuar de poderes sobrenaturais, de Deuse de seus anjos, de Satã e de seus demônios. Os poderes sobrenaturaisinterferem nos acontecimentos naturais e no pensar, querer e agir do serhumano; milagres não são nada raros. Satã pode lhe incutir pensamentosmalignos. Mas Deus pode dirigir seu pensar e querer, pode fazê-lo tervisões celestiais, fazê-lo ouvir a sua palavra exortadora e consoladora,

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pode presentear-lhe a força sobrenatural de seu espírito.

A história não percorre seu caminho constante e estabelecido pôr suaspróprias leis, mas obtêm seu movimento e direção dos poderessobrenaturais. Este eón encontra-se sob o poder de Satã, do pecado e damorte (que precisamente são considerados “poderes”). Rapidamente ela seencaminha para seu fim, mais explicitamente um fim próximo, queocorrerá numa catástrofe cósmica. São eminentes as “dores de parto”dotempo final, a vinda do juiz celestial, a ressurreição dos mortos, o julgamento para a salvação e perdição.

A concepção mítica do universo corresponde a exposição do acontecimentosalvífico, que constitui o conteúdo verdadeiro da proclamaçãoneotestamentária. A proclamação emprega linguagem mitológica: eis que échegado agora o tempo final; “vindo a plenitude do tempo”, Deus enviouseu filho. Este um ser divino preexistente, aparece na terra como um serhumano, sua morte na cruz, a qual ele sofre como um pecador, propiciaexpiação para os pecados dos seres humanos. Sua ressurreição é o começoda catástrofe cósmica, através da qual será aniquilada a morte, trazida aomundo pôr Adão: os poderes demoníacos universais perderam seu poder.O ressurecto foi elevado ao céu, à direita de Deus; ele foi transformado em“senhor” e “rei”. Retornará sobre as nuvens do céu, a fim de consumar suaobra de salvação; então ocorrerá a ressurreição dos mortos e o juízo; entãoterão sido aniquilados o pecado, a morte e todo o sofrimento. Tudo istoacontecerá em breve; Paulo é de opinião que ainda há de experimentarpessoalmente este evento.

Quem pertence a comunidade de Cristo, está ligado ao seu Senhor, através

do batismo e da ceia do Senhor, e pode estar seguro de sua ressurreiçãopara a salvação, se não se comportar indignamente. Os crentes jápossuem o “penhor”, a saber, o Espírito, que age neles e testifica suafiliação de Deus e garante sua ressurreição. [1]

A estes temas acima mencionados, que apresentam uma formulaçãoortodoxa e evangélica, Bultmann responde dizendo que “tudo isto élinguagem mitológica... Em se tratando de linguagem mitológica, ela éinverossímil para o ser humano hoje” [2]. Ele se propõe para a teologia atarefa de desmitologizar a proclamação cristã, descobrindo a verdade queestá inserida na concepção mítica do universo do Novo Testamento.

A preocupação de Bultmann não era a eliminação dos mitos, pelocontrário, ele procurou uma reinterpretação da linguagem mitológica daBíblia. “É bem possível que numa concepção mística passado do universopossam ser descobertas de novo verdades que foram perdidas numa épocade iluminismo” [3]. “O sentido do mito não é o de proporcionar umaconcepção objetiva do universo. Ao contrário, nele se expressa como o serhumano se compreende em seu mundo. O mito não pretende ser

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interpretado cosmologicamente, mas antropologicamente melhor; de ummodo existencialista”. [4]

O alvo de Bultmann ao interpretar os mitos bíblicos era ressaltar anatureza da fé. Nesta ênfase à fé, manteve-se firme nas tradições de Pauloe de Lutero.

Bultmann crê que o Novo Testamento contém a Kerigma  [5] salvadora deCristo. A desmitologização consite em desnudar o mito do Novo Testamento e descobrir a Kerigma original.

Parte importante da interpretação de Bultmann é o seu modo de entendera história. Ao contrário do idioma português, a língua alemã fornecia aBultmann duas palavras correspondentes a “história”. A primeira, Historie ,é usada em relação aos fatos da história. A segunda, Geschichte , é o termoque subentende o significado ou relevância de um evento na história. Como uso destas duas palavras, é possível diferenciar entre o significado do

evento e um fato real.

Sendo assim, poderia-se dizer que Jesus morreu na Historie, mas sua realressurreição se deu na Geschichte . Ou seja, ele não nega a existência do  Jesus histórico, como fez a antiga teologia liberal alemã, mas nega arealidade dos eventos sobrenaturais que o envolveram.

Um Ponto Crítico

A erudição de Bultmann tende a transformar o pensamento cristão em ummero comentário a cosmovisão moderna. Toda a mensagem do Novo Testamento tem de ser repensada em categorias existenciais. E nisto oevangelho perde o seu valor e sua força, e passa a ser mais uma boafilosofia de vida.

Segundo Gilbert Durand, “as idéias de Bultmann são típicas do círculo emque mergulha todo pensamento que busca um sentido enquanto sesatisfaz em dar voltas lineares, prisioneiro da temporalidade histórica; emque a tradição passada remete à existência presente e vice-versa,indefinidamente”.[6]

O conceito do Deus objetivo e pessoal apresentado na Bíblia se rende ao

pensamento moderno. Em Bultmann, Deus não mais se relacionaobjetivamente com o homem, pois o conhecimento de Deus está perdidoem meio aos mitos descritos no Novo Testamento.

A diferenciação entre Historie  e Geschichte , retira a ação de Deus nahistória. Cristo é o Senhor, diria Bultmann, mas não o Senhor de nossahistória e sim de uma história existencial e subjetiva. Assim define GeorgeE. Ladd; “a realidade histórica deve ser compreendida em termos de uma

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imutável casualidade histórica. Se Deus é compreendido como tendo apossibilidade de agir na história, a ação deve estar sempre oculta noseventos históricos, sendo evidentes apenas aos olhos da fé”. [7]

Embora a mensagem do cristianismo seja, sem dúvida alguma, existenciale contemporânea no sentido mais verídico, e exija a resposta subjetiva dafé. A fé que ele requer é a fé numa realidade objetiva.

Quando o cristianismo é privado de sua objetividade, cujo fundamento é aintervenção livre e sobrenatural de Deus na história, essa religião se tornauma idéia vaga, uma abstração, um idealismo sem raízes, e nunca será ovibrante cristianismo bíblico.

Bibliografia

1. BULTMANN, Rudolf. Crer e Compreender. Artigos

Selecionados. Editor: Walter Altmann. Trad. Walter O.Schlupp e Walter Altmann. Editora Sinodal. São Leopoldo, RS.1987. 253pp.

2. DURAND, Gilbert. A Fé do Sapateiro. Trad. Sérgio Bath.Editora Universidade de Brasília. Brasília, DF. 1995. 233pp.

3. HENRY, Carl F. H. Fronteiras na Moderna Teologia. JUERP.Rio de Janeiro, RJ. 1975. 140pp.

4. LADD, George E. Teologia do Novo Testamento. Trad. DarciDusilek e Jussara Marindir Pinto.2a. edição. JUERP. Rio de Janeiro, RJ. 1993. 584pp.

5. RAMM, Bernard. Diccionario de Teologia Contemporanea. Trad. Roger Velásquez Valle. Casa Bautista de Publicaciones.El Paso, TX. 1990. 143pp.

NOTAS

[1] - BULTMANN, Rudolf. Novo Testamento e a Mitologia . In:

Crer e Compreender. Artigos Selecionados. Editor: WalterAltmann. Editora Sinodal. São Leopoldo, RS.

[2] - Idem. Pág. 14.

[3] - Idem. Pág. 15.

[4] - Idem. Pág. 20.

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[5] - Uma palavra grega que significa “proclamação”. Podereferir-se ao conteúdo do evangelho, à mensagem do sermãoou à pregação propriamente dita. Na erudiçãoneotestamentária atual, o termo é usado para descrever oconteúdo da mensagem cristã primitiva, contendo em seu

escopo a vida e a obra de Jesus.[6] - DURAND, Gilbert. A Fé do Sapateiro . Editora UnB.Brasília, DF. Pág. 155.

[7] - LADD. George E. Teologia do Novo Testamento . JUERP.Rio de Janeiro, RJ. Pág. 22.

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