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7/23/2019 Burocratizao e Modernizao
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Burocratizao e modernizao:
proposio de uma distino terico-analtica
Hoje em dia, quando pensamos em burocracia, tendemos a v-la
principalmente nos pases relativamente recentes e de cultura latina como uma
mquina superampliada, responsvel muitas vezes pela lentido das decises e
pela inoper!ncia nos resultados das polticas p"blicas dos #overnos$ %oder-se-ia
dizer que no &aria muito sentido discutirmos a necessidade da realizao de
estudos que tomem por tema um assunto supostamente desa#radvel$ 'o
entanto, deve-se perceber que, nesse caso, por trs do prejul#amento ( um
&undamento de e)perincia (istrica$ *al &undamento talvez di#a respeito +
percepo recorrentemente di&undida do papel da burocracia como uma espcie
de entrave, um empecil(o a uma vida mais livre e plena porque &ora de uma
estrutura as&i)iante$
m min(a e)perincia de pesquisa, encontrei muitas vezes uma viso de
burocracia bastante reducionista, pois todo o processo dimensionado se#undo a
din!mica de &uncionamento dos escritrios, reparties e instituies$ .ontudo,
no con(eo nin#um na literatura sobre o assunto que seriamente entenda um
&en/meno social to comple)o e)clusivamente nesses termos$ 'o m)imo,podemos encontrar trabal(os, como os de 0osep( 1apalombara 23456, 345678,
9red i##s 234568 e outros que consideram ser o movimento rumo +
burocratizao fruto de certa orquestrao das autoridades governamentais em
situaes (istricas espec&icas$ %or isso, neste arti#o, quero apenas c(amar
ateno para a imensa variedade de si#ni&icados do termo burocracia$ stes vo
desde a noo que aponta a e)istncia de re#ras muito r#idas de&inio dos
dicionrios de ln#ua portu#uesa
, at vises mais sociol#icas$ ;eu &ocoanaltico est neste "ltimo campo$
ri#(t ;ills, a passa#em de ;a) >eber 23?5@-
34A8 pelos C7, em 34@, &oi essencial para que ele atentasse para o papel de
certa mquina poltica no conte)to da democracia de massas$ 7 mquina poltica a
que o intelectual alemo se re&eria era a administrao da poltica por
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pro&issionais, visivelmente disciplinados e or#anizados, se comparados com outros
padres de comportamento pro&issional at ento vi#entes na uropa
2>eber,34D3:638$ 7 partir da, >eber serviu como pea para a e&iciente mquina
burocrtica alem durante a E =uerra ;undial 2343@-343?8, desenvolvendo noes
&undamentais para se e)plorar e compreender o fenmeno burocrtico, por ele
identi&icado ento analiticamente$ 7 noo de racionalizao, somada + idia de
carisma, constituem pontos &undamentais para o entendimento do processo de
desencantamentoque se operava e dava sentido ao mundo moderno$
Cm dos objetos do pensamento Feberiano reside sem d"vida na ao
(umana que, se#undo o intelectual, visaria sempre atin#ir determinadas metas e
objetivos dentro da realidade social em que est inserida G uma ao elaborada,
pensada por seu e)ecutor$ Esso porque, em seu ponto de vista, os processossociais tm sempre por motor propulsor os indivduos aos quais esto
relacionados, e jamais noes impessoais, como processos econ/micos, polticos
ou sociais, que nada acrescentam ao processo de Verstehen IEntendimentoJK,
&undamental para o que o pensador considerou ser a #rande misso da sociolo#ia
moderna$ m suas palavras:
para a interpretao compreensiva da sociologia (...! essas forma"es #sociais!
tais como o Estado! cooperativas! funda"es etc.$ no so outra coisa seno
desenvolvimento e intera"es de a"es espec%ficas de pessoas individuais&
('eber!)**+,- traduo minha.
>eber no e)atamente e)clui noes como o homo economicus ou
politicus, mas recusa toda possibilidade de e)plicao unicausal, abrindo uma
perspectiva mais comple)a de entendimento da realidade (istrica$ Esso se deve
ao &ato de que, em sua sociolo#ia, o indivduo no concebido como um &antoc(e
de estruturas sociais e econ/micas$ 'o que o pensador alemo abandone a idia
de estruturasL pelo contrrio, em sua perspectiva, observa-as como Ipossveis
modalidades l#icas de racionalidadeJ 2eis,34?4:638, j que o indivduo sempre
disporia da capacidade de escol(a e de pensamento$
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M ;ic(el .rozier 234568 que lembra a e)istncia de uma literatura G direta
ou indiretamente in&luenciada pelo mar)ismo G que associa o &uncionamento do
aparel(o burocrtico + disposio, em "ltima anlise, de mecanismos de controle
social G caros ao sistema capitalista de produo$ m IEros e ivilizaoJ, obra de
#rande in&luncia nos meios intelectuais e escrita em 34NN, Herbert ;arcuse
23?4?-34D48 aponta certa Itirania da razoJ 2345?:3558 que arrebataria as
conscincias individuais, trans&ormando-as em meras en#rena#ens de um sistema
macro-social considerado opressivo e perverso$ 7qui, a burocracia vista como o
meio pelo qual o IsistemaJ mantm os indivduos dceis e domesticados, voltados
estritamente para a produo de coisas e, nesse sentido, al(eios a si mesmos
2alienao8 2ver tambm ;arcuse,345?-78$ Outro e)emplo encontra-se na obra de
1eon *rotsPQ 23?D4-34@8$m vrios escritos, *rotsPQ dei)a clara a sua viso do &en/meno da
burocracia: considerando a e)perincia da sociedade socialista sovitica, ele
apontou que o crescimento e a centralizao do stado si#ni&icaram uma espcie
de divrcio entre o partido e as massas$ 7 emer#ncia da burocracia seria, em si
mesma, uma espcie de prostituio dos valores e ideais que movimentaram os
atores sociais no momento do calor revolucionrio, pois si#ni&icaria o nascimento
de novo se#mento social, cujos privil#ios no estariam em sintonia com a
proposta comunista$ %or isso, o autor considerou que:
tudo isso torna a posio do estrato de comando sovi/tico altamente
contradit0ria! equ%voca e indigna! no obstante a plenitude de seu poder e a
camada de fumaa ba1uladora que o esconde& ()2+3.
Resse ponto de vista at os nossos dias, al#uma coisa mudou,
principalmente quando consideramos o papel atribudo ao indivduo nos sistemas
sociais, quaisquer que sejam$ eber, por conta da noo de
carisma, de&initivamente no nos autoriza a sustentar &acilmente a idia de que os
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seres (umanos se portem, pelo menos inte#ralmente, como mquinas obedientes
+ rotina dos acontecimentos burocrticos pr-pro#ramados$ Re &ato, creio que a
anlise das e)perincias burocrticas no mundo moderno ocidental est repleta de
desa&ios tericos$ ;a) >eber, quando terminou suas pesquisas sobre o
desenvolvimento (istrico da burocracia, de al#uma maneira apontou a
possibilidade de diversas e)perincias burocrticas em todo o #lobo$
'esse sentido, o consa#rado Itipo idealJ Feberiano constitui uma espcie
de condensao daqueles elementos que o autor considerou &undamentais em
uma e)perincia de burocracia, seja ela qual &or$ Resde ento, os intelectuais ps-
Feberianos continuam tratando o &en/meno, apesar de todas as diversidades
locais, como um acontecimento tpico do racionalismo moderno$ 'essas
aborda#ens, como demonstrou .rozier 23456:A5-A568, a discusso tem #ravitadoentre certo otimismo G cuja marca maior est na crena na per&eio do sistema
burocrtico como quesito de produtividade e or#anizao G e a viso fran4furtiana
e)pressa em intelectuais como Herbert ;arcuse, que salienta a rotina repressiva
ao indivduo, castradora dos prazeres do corpo e da alma$
'o que interessa + nossa discusso, no o caso de entrar em um debate
demasiado #eneralista sobre se a burocracia por si s mal&ica ou ben&ica para
as sociedades contempor!neas$ O conceito de burocracia elaborado por ;a)
>eber constitui to somente uma &ormulao terica sujeita + veri&icao
emprica$ 'esse sentido, no !mbito de nossa anlise, a burocracia deve ser
entendida como parte de um processo (istrico espec&ico de trans&ormao dos
vnculos sociais, e)pressado marcadamente em campo poltico-administrativo,
mas que toma de assalto e trans&orma processos identitrios e)istentes em toda a
sociedade$ %ortanto, preciso &icar claro que a din!mica de mudanas nas rotinas
de atividades que caracteriza o discurso burocrtico de e&icincia e racionalidade
encontra terreno em outros campos da vida social e, por isso, no pode ser
reduzida simplesmente +s trans&ormaes no mundo do trabal(o$ 7ssim, devemos
considerar que no / apenas o 0rgo ou a instituio que se burocratiza! mas
tamb/m a sociedade$
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.onsiderando isso, podemos a&irmar que as re&ormas administrativas no
Brasil do ps-346 representaram al#o de e&etivamente novo na realidade
brasileira$ %odemos compartil(ar parcialmente com o ponto de vista de autores
como i##s, que considera o &en/meno da burocratizao como Iresultado
consciente dos es&oros de re&ormar a administrao e uma conseqSncia indireta
dos intentos plani&icados para modernizarJ 2traduo min(aL3456:3N@8$ O processo
implica decerto um planejamento prvio G marca da burocracia G ao estruturar as
relaes sociais de acordo com padres de comportamento considerados
econ/mica e cienti&icamente mais e&icazes$ 'o entanto, quero c(amar ateno
para o &ato de que, &ora de um plano mais #eral, as trans&ormaes, ou tentativas
de trans&ormaes, dos comportamentos sociais no podem ser compreendidas,
simplesmente porque no perceberamos pessoas, mas simplesmente tcnicos eadministradores ou, no limite, o homo economicus$ %or isso, no se pode entender
a noo de burocraciacomo sin/nimo de modernizao$
5odernizar G di&erentemente de modernismo ou modernidade
2Bendi),34458 G tem conotao muito inspirada no desenvolvimento material das
sociedades$ .omumente, &ala-se em modernizar os portos, as estradas, isso ou
aquilo$ .om muita &reqSncia tem-se o tom de melhoramentoou aperfeioamento
de al#o considerado ultrapassado, porm, objetivo e real$ 0 burocratizar &ornece
base para a avaliao e o controle da condio (umana, traz uma car#a subjetiva
implcita, no s ao representar trans&ormaes nas condies materiais 2como a
criao de instituies, re&ormas ou leis8, mas sobretudo ao dar forma26ildung8 a
si#ni&icativas trans&ormaes nos comportamentos humanos, suas relaes com
as instituies sociais e, de maneira #eral, com as comunidades e re#ies$
Recerto, a burocratizao possui uma dimenso modernizadora, no sentido de
tentar tornar al#o mel(or ou mais e&iciente$ 'o entanto, nem toda modernizao
ser burocrtica, do mesmo modo que nem toda burocratizao poder ser
considerada modernizao$
%ortanto, devemos sempre observar as circunst!ncias que estamos
observando$ %or e)emplo, %ierre .(aunu 234?48, em &amoso estudo sobre a
instituio da administrao colonial na 7mrica 1atina do sculo TUE, ento
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c(amada de Vndias de .astela, mostrou su&icientemente que, embora a instalao
das instituies administrativas espan(olas possa ser considerada um salto de
qualidade na e)plorao da col/nia, or#anizando e alocando recursos de maneira
mais providente para a .oroa, no poderamos com &acilidade considerar o
movimento como uma mudana importante na mentalidade do pessoal
administrativo daquele tempo$ 7o houve, se#undo a literatura, transforma"es
nos padr"es de comportamentoprovocadas pelo aumento de produtividade$
m min(a anlise, certamente muito inspirada pelas incurses de >eber, a
burocratizao apresenta dimenso mais comple)a, vinculada a importantes
trans&ormaes em !mbitos coletivo e individual$ M para isso que ein(ard Bendi)
234458 nos c(ama a ateno$ O autor aponta o &ato de que, no !mbito do stado-
'ao, o acesso a postos polticos e administrativos considerados importantes,embora possa ser &acilitado pela riqueza e pela posio social dos seus
pretendentes G em virtude dos contatos sociais e das oportunidades educacionais
G, no seria de&inido por conta de prerro#ativas de san#ue ou aristocrticas$ m
seu ponto de vista, o critrio de avaliao para o in#resso nas atividades
administrativas e burocrticas do stado passaria preponderantemente por
critrios de competncia tcnica$ Esso o Imarco umJ da burocratizao$ 7ssim,
nas palavras do autor, o resultado
I$$$ o desenvolvimento de um corpo de &uncionrios, cujo recrutamento e e)ecuo
poltica &oram #radualmente separados do envolvimento previamente e)istente de
&uncionrios com lealdade por parentesco, privil#ios (ereditrios e interesses de
propriedadeJ$ 2Bendi),3445:3@38$
%ortanto, tal como .rozier, Bendi) concebe certa din!mica de ne#ociao entre
patres e empre#ados, inerente ao sistema burocrtico, cuja &inalidade
implementar um ajuste que diminua os con&litos entre os atores sociais envolvidos
e atuantes no sistema$ 'esse conte)to, a ri#idez burocrtica administrada a
&avor de determinados interesses pessoais, uma esp/cie de mecanismo de defesa
contra um sistema parado8almente impessoal e comple8o $ %or isso, o que est
normalmente em jo#o um Iindiv%duo relacionalJ, e no um mero compromisso
ce#o com a produo e ma)imizao dos resultados, como desejam os
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burocratas$ 7lm disso, a rotina de produo encarada como uma din!mica
desprovida de componentes ideol#icos que, na perspectiva dos tcnicos,
contaminariam o processo produtivo$
'o entanto, se a burocratizao constitui uma espcie de de&esa do
indivduo contra um sistema social e poltico considerado demasiadamente
comple)o G no qual a conscincia individual sobre a vida social produziria uma
reduo nos nveis de sociabilidade nas tare&as a serem e)ecutadas no trabal(o G,
podemos concluir que ( importante tendncia contrria +s ne#ociaes
necessrias para a implementao das polticas p"blicas 2e dos projetos
#overnamentais de maneira #eral8$ m primeiro lu#ar, porque o especialistaque
ocupa um car#o na administrao considera que nin#um mais do que ele
capaz de resolver os problemas sur#idos em suas atividades 2Blau,345D8$ 7lis,podemos observar que Emmanuel Want 3DA@-3?@K antecipara tal questo em seu
arti#o IO que sclarecimentoJ 27, A6: n$638$ m se#undo lu#ar, o prprio
>eber traz outra dimenso do &en/meno que, a seu ver, inter&eriria no padro das
relaes sociais vi#entes no moderno mundo do trabal(o: em sua perspectiva, a
impessoalidade de tal sistema produziria uma atitude formalista, sem pai)o e
entusiasmo diante da or#anizao do trabal(o$ O resultado disso seria o bai8o
n%vel de interao social entre os participantes do Ijo#oJ da administrao dos
recursos e das propostas a serem implementadas por determinado or#anismo
2p"blico ou privado8$
m razo disso, creio que seja oportuno que trabal(os sobre o fenmeno
da burocratizao voltem-se mais para a noo de padr"es de comportamento
social entre aqueles que participam dos sistemas burocrticos, principalmente
quando operamos (istorio#ra&icamente no Brasil com o contraste criado pela
e)istncia de um momento no 2ou menos8 burocrtico, como &oi o perodo
anterior + 9evoluo de ):;, e um momento de crescente burocratizao do
stado, como &oi o perodo posterior + administrao do presidente =et"lio Uar#as
3??A-34N@K$ 'esse jo#o de contrastes, a atuao de certos atores sociais,
notadamente os intelectuais e os administradores das polticas p"blicas, de
http://www.espacoacademico.com.br/031/31tc_kant.htmhttp://www.espacoacademico.com.br/031/31tc_kant.htm7/23/2019 Burocratizao e Modernizao
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&undamental import!ncia para a compreenso dos desa&ios impostos pela
burocratizao do aparel(o de stado no Brasil$
(ttp:XXFFF$espacoacademico$com$brX6NX6Nepaiva$(tm$ 7cesso dia A4 de abril de
A5