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Fábio Trindade DA AGÊNCIA ANHANGUERA [email protected] O cinema americano está em crise. Não financeiramente, cla- ro. Ao contrário, nunca se fatu- rou tanto quanto em 2015, com impressionantes três fil- mes (Mundo dos Dinossauros, Velozes e Furiosos 7 e Vingado- res: Era de Ultron) figurando en- tre as seis maiores bilheterias de todos os tempos. E isso por- que ainda estamos em agosto (Star Wars: O Despertar da For- ça deve entrar na lista no final do ano). A crise é outra. Apesar dos bons resultados, todos hão de concordar que es- tá difícil nascer um obra-prima em Hollywood. No máximo, fil- mes muito bons (pe- lo menos isso), que são lançados em dezembro em busca dos maio- res prêmios do ci- nema. Mas es- queça isso, por enquanto. Ainda há luz no fim do túnel, mesmo que ela passa bem longe da Califór- nia. Por outro lado, feliz- mente é um túnel que ecoa pelos quatro cantos do planeta. O cinema francês sempre apresentou uma qualidade es- tupenda, construindo-se como um dos mais importantes do mundo. Tanto que, vira e me- xe, presenteia os cinéfilos com verdadeiras obras de arte, co- mo a que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta. O Pequeno Príncipe, do di- retor Mark Osborne (Kung Fu Panda), aliás, é exata- mente aquele tipo de ani- mação que, de tempos em tempos, surgem para tocar a alma. Mais do que isso, para provar que os “desenhos” podem sim, muitas vezes, se- rem melhores que os filmes li- ve-action (com atores). Ainda mais este, uma poesia do co- meço ao fim, como a história pede, com direito a uma quali- dade visual arrebatadora. A estreia mundial, em maio, foi como deveria, no festival de cinema mais importante do mundo: Cannes. A repercus- são foi imediata, mesmo O Pe- queno Príncipe tendo sido exi- bido após a também excelente (e diferenciada) animação Di- vertida Mente, da Disney. O su- cesso, porém, tem seus moti- vos. Para começar, não se trata de uma fiel adaptação da mundialmente conhecida obra de 1943 do escritor e ilustrador Antoine de Saint-Exupéry. O longa, na verdade, pega ele- mentos do texto escri- to há mais de sete dé- cadas para tecê-los em uma história ori- ginal da atualida- de, a de uma garotinha que, a mando da mãe, precisa se tor- nar (rapidamente) uma adulta exemplar. Tudo muda quando seu vizinho a procura para con- tar suas histórias do tempo de aviador, entre elas, seu encon- tro com o garoto que vive no Asteroide B612 e que tem co- mo companhia uma magnífica rosa. Portanto, uma brilhante (arriscada e ousada) ideia de, não apenas contar O Pequeno Príncipe, mas mostrar o impac- to que este livro atemporal po- de ter em uma criança de ago- ra. O enredo da Garota (voz de Larissa Manoela na versão du- blada) é, como manda o figuri- no do cinema atual, feito em animação em computação grá- fica. Porém, quando o Peque- no Príncipe em si entra em ce- na (voz de Mattheus Caliano), o estilo muda, passando para stop-motion — em que cada quadro é fotografado indivi- dualmente. Ele é apenas um bonequinho feito de papel, mas responsável por preservar o encanto da história original. Uma homenagem, quase uma reverência, ao que o escritor francês criou na década de 40. Então, nada mais justo do que duas histórias paralelas, com duas linguagens diferentes pa- ra contar cada uma delas. O Pequeno Príncipe é uma obra que, quase metaforica- mente, fala sobre o relaciona- mento entre as pessoas e seus diferentes mundos. E é assim que o filme acontece, crescen- do de forma solar junto com o nascimento da relação entre a Menina e o Aviador (voz de Marcos Caruso). Uma amiza- de que se fortalece, e abraça o espectador, a cada nova pági- na que ela lê deste livro trans- formador. E Mark Osborne, com roteiro de Irena Brignull, usa de uma sensibilidade rara para falar de temas difíceis, co- mo a morte, alcançando êxito em cada instante de sua obra. Afinal, o que qualquer indiví- duo quer, no final das contas, é poder apreciar um novo pôr do sol, indiferente das dificul- dades enfrentadas no dia ante- rior. E por do sol é o que não falta aqui. Houve uma adaptação de O Pequeno Príncipe para o cine- ma em 1974, por Stanley Do- nen, de Cantando na Chuva (1952). Surpreendentemente, esta é a primeira animação, apesar da inenarrável repercus- são mundial do livro de Saint- Exupéry (eleito pelos franceses o livro do século 20). É claro que adaptar uma obra tão que- rida como essa é difícil, tendo forte tendência ao fracasso. Tal- vez por isso foram mais de 70 anos de espera até finalmente sair uma, e a sensação é de que foi na hora certa, pronta para iluminar uma indústria caren- te de, como dito lá no começo, obras-primas. O Pequeno Príncipe chegou para fazer a diferença. E emo- cionar. Por isso, corra para o ci- nema antes que este belíssimo filme seja engolido por porca- rias de ação e comédias-paste- lão que logo dominarão as mui- tas salas de gigantescos comple- xos cinematográficos. É uma oportunidade única, pois dificil- mente alguém terá coragem de levar novamente O Pequeno Príncipe às telonas depois des- se trabalho de Mark Osborne. Livro é o mais vendido há duas semanas Entre dois mundos / ANIMAÇÃO / Adaptação de O Pequeno Príncipe emociona com homenagem ao clássico da literatura Produção francesa tem estreia nacional na quinta-feira TV PAGA Cozinha de vanguarda é pano de fundo de Menu Degustação. PÁGINA A26 A Garota, protagonista da animação, com o Aviador; abaixo, o Pequeno Príncipe Fotos: Divulgação O impacto de O Pequeno Príncipe ainda surpreende. Desde janeiro, a obra mais conhecida do mundo pode ser usada livremente, sem o pagamento de direitos autorais a qualquer herdeiro, por ter se tornada domínio público. Exatamente por isso, o livro do escritor e ilustrador francês Antoine de Saint-Exupéry está em alta em 2015, com diversas novas edições recheando as prateleiras. Só que não basta ter uma variedade de versões O Pequeno Príncipe, de editoras diferentes, se a história não interessasse mais o público. Só que, neste caso, a realidade é outra. Há duas semanas, o livro de 1943 assumiu o topo da lista de obras de ficção mais vendidas da revista Veja, desbancando sucessos como Cidades de Papel, de John Green (que também teve uma adaptação cinematográfica lançada recentemente). Pois é, o garotinho do Asteroide B612 dificilmente sairá de moda. CORREIO POPULAR Campinas, terça-feira, 18 de agosto de 2015

Caderno C: Filme O Pequeno Príncipe

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Page 1: Caderno C: Filme O Pequeno Príncipe

Fábio TrindadeDA AGÊNCIA ANHANGUERA

[email protected]

O cinema americano está emcrise. Não financeiramente, cla-ro. Ao contrário, nunca se fatu-rou tanto quanto em 2015,com impressionantes três fil-mes (Mundo dos Dinossauros,Velozes e Furiosos 7 e Vingado-res: Era de Ultron) figurando en-tre as seis maiores bilheteriasde todos os tempos. E isso por-que ainda estamos em agosto(Star Wars: O Despertar da For-ça deve entrar na lista no finaldo ano). A crise é outra.

Apesar dos bons resultados,todos hão de concordar que es-tá difícil nascer um obra-primaem Hollywood. No máximo, fil-mes muito bons (pe-lo menos isso), quesão lançados emdezembro embusca dos maio-res prêmios do ci-nema. Mas es-queça isso, porenquanto. Aindahá luz no fim do túnel,mesmo que ela passabem longe da Califór-nia. Por outro lado, feliz-mente é um túnel queecoa pelos quatro cantosdo planeta.

O cinema francês sempreapresentou uma qualidade es-tupenda, construindo-se comoum dos mais importantes domundo. Tanto que, vira e me-xe, presenteia os cinéfilos comverdadeiras obras de arte, co-mo a que chega aos cinemasbrasileiros nesta quinta.

O Pequeno Príncipe, do di-retor Mark Osborne (KungFu Panda), aliás, é exata-mente aquele tipo de ani-mação que, de temposem tempos, surgem para

tocar a alma. Mais do que isso,para provar que os “desenhos”podem sim, muitas vezes, se-rem melhores que os filmes li-ve-action (com atores). Aindamais este, uma poesia do co-meço ao fim, como a históriapede, com direito a uma quali-dade visual arrebatadora.

A estreia mundial, em maio,foi como deveria, no festival decinema mais importante domundo: Cannes. A repercus-são foi imediata, mesmo O Pe-

queno Príncipe tendo sido exi-bido após a também excelente(e diferenciada) animação Di-vertida Mente, da Disney. O su-cesso, porém, tem seus moti-vos.

Para começar, não se tratade uma fiel adaptação da

mundialmente conhecidaobra de 1943 do escritor e

ilustrador Antoine deSaint-Exupéry. O longa,

na verdade, pega ele-mentos do texto escri-to há mais de sete dé-cadas para tecê-losem uma história ori-ginal da atualida-

de, a de uma garotinha que, amando da mãe, precisa se tor-nar (rapidamente) uma adultaexemplar. Tudo muda quandoseu vizinho a procura para con-tar suas histórias do tempo deaviador, entre elas, seu encon-tro com o garoto que vive noAsteroide B612 e que tem co-mo companhia uma magníficarosa. Portanto, uma brilhante(arriscada e ousada) ideia de,não apenas contar O PequenoPríncipe, mas mostrar o impac-to que este livro atemporal po-de ter em uma criança de ago-ra.

O enredo da Garota (voz deLarissa Manoela na versão du-blada) é, como manda o figuri-no do cinema atual, feito emanimação em computação grá-fica. Porém, quando o Peque-no Príncipe em si entra em ce-

na (voz de Mattheus Caliano),o estilo muda, passando parastop-motion — em que cadaquadro é fotografado indivi-dualmente. Ele é apenas umbonequinho feito de papel,mas responsável por preservaro encanto da história original.Uma homenagem, quase umareverência, ao que o escritorfrancês criou na década de 40.Então, nada mais justo do queduas histórias paralelas, comduas linguagens diferentes pa-ra contar cada uma delas.

O Pequeno Príncipe é umaobra que, quase metaforica-mente, fala sobre o relaciona-mento entre as pessoas e seusdiferentes mundos. E é assimque o filme acontece, crescen-do de forma solar junto com onascimento da relação entre aMenina e o Aviador (voz de

Marcos Caruso). Uma amiza-de que se fortalece, e abraça oespectador, a cada nova pági-na que ela lê deste livro trans-formador. E Mark Osborne,com roteiro de Irena Brignull,usa de uma sensibilidade rarapara falar de temas difíceis, co-mo a morte, alcançando êxitoem cada instante de sua obra.Afinal, o que qualquer indiví-duo quer, no final das contas,é poder apreciar um novo pôrdo sol, indiferente das dificul-dades enfrentadas no dia ante-rior. E por do sol é o que nãofalta aqui.

Houve uma adaptação de OPequeno Príncipe para o cine-ma em 1974, por Stanley Do-nen, de Cantando na Chuva(1952). Surpreendentemente,esta é a primeira animação,apesar da inenarrável repercus-são mundial do livro de Saint-Exupéry (eleito pelos franceseso livro do século 20). É claroque adaptar uma obra tão que-rida como essa é difícil, tendoforte tendência ao fracasso. Tal-vez por isso foram mais de 70anos de espera até finalmentesair uma, e a sensação é de quefoi na hora certa, pronta parailuminar uma indústria caren-te de, como dito lá no começo,obras-primas.

O Pequeno Príncipe chegoupara fazer a diferença. E emo-cionar. Por isso, corra para o ci-nema antes que este belíssimofilme seja engolido por porca-rias de ação e comédias-paste-lão que logo dominarão as mui-tas salas de gigantescos comple-xos cinematográficos. É umaoportunidade única, pois dificil-mente alguém terá coragem delevar novamente O PequenoPríncipe às telonas depois des-se trabalho de Mark Osborne.

Livro é o maisvendido háduas semanas

Entre dois mundos/ ANIMAÇÃO / Adaptação de O Pequeno Príncipe emociona com homenagem ao clássico da literatura

Produção francesatem estreia nacionalna quinta-feira

TV PAGACozinha de vanguarda

é pano de fundo de MenuDegustação. PÁGINA A26

A Garota, protagonista daanimação, com o Aviador;

abaixo, o Pequeno Príncipe

Fotos: Divulgação

Oimpacto de OPequeno Príncipeainda surpreende.

Desde janeiro, a obra maisconhecida do mundopode ser usadalivremente, sem opagamento de direitosautorais a qualquerherdeiro, por ter setornada domínio público.Exatamente por isso, olivro do escritor eilustrador francês Antoinede Saint-Exupéry está emalta em 2015, comdiversas novas ediçõesrecheando as prateleiras.Só que não basta ter umavariedade de versões OPequeno Príncipe, deeditoras diferentes, se ahistória não interessassemais o público. Só que,neste caso, a realidade éoutra. Há duas semanas, olivro de 1943 assumiu otopo da lista de obras deficção mais vendidas darevista Veja, desbancandosucessos como Cidades dePapel, de John Green (quetambém teve umaadaptaçãocinematográfica lançadarecentemente). Pois é, ogarotinho do AsteroideB612 dificilmente sairá demoda.

CORREIO POPULAR Campinas, terça-feira, 18 de agosto de 2015