Cadernos didáticos de Educação do Campo

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  • CADERNOS DIDTICOS SOBREEDUCAO DO CAMPO

  • Ministrio de Educao - MEC Universidade Federal da Bahia - UFBA

    EQUIPE LEPEL/FACED/UFBA

    Organizadores Celi Nelza Zlke Taffarel

    Cludio de Lira Santos JniorMicheli Ortega Escobar

    CoordenadoresAdriana DAgostini

    Erika Suruagy Assis de FigueiredoMauro Titton

    Salvador / 2009

    CADERNOS DIDTICOS SOBREEDUCAO DO CAMPO

  • Projeto Grfico: Fbio Marins | Jowania Rosas | Sandra Chacon

    Ilustraes e fotos: Coletivo do LEPEL/FACED/UFBAFotos referentes aos trabalhos acadmicos na Educao do Campo do Estado da Bahia:ACC - Atividade Curricular em Comunidade - Aes Interdisciplinares em reas de Reforma Agrria.PRONERA - Programa Nacional de Educao em reas de Reforma Agrria.Licenciatura em Educao do CampoFormao de Professores em Exerccio na Escola do Campo

    Reviso: Vicentina Ramires

    Impresso e acabamento: Grfica tal

    Catalogao na fonte:Bibliotecria Adelma Ferreira de Arajo, CRB-4/1567

    UFBA. Universidade Federal da Bahia. Cadernos didticos sobre educao no campo/ Universidade Federal da Bahia, organizadores Celi Nelza Zlke Taffarel, Cludio de Lira Santos Jnior, Micheli Ortega Escobar coordenao Adriana DAgostini, Erika Suruagy Assis de Figueiredo, Mauro Titton . Salvador : EDITORA, 2009. 204 p. : il., fig., fotos, quadros. Vrios autores

    Inclui bibliografia ISBN (broch.) 1. Educao rural. 2. Educao no campo. 3. Educao e sociedade. I. Taffarel, Celi Nelza Zlke. II. Santos Jnior, Cludio de Lira. III. Escobar, Micheli Ortega. IV. DAgostini, Adriana. V. Figueiredo, Micheli Ortega Escobar. VI. Titton, Mauro. VII. Ttulo. 37.018.51 CDU (2.ed.) UFPE 370.19346 CDD (22.ed.) BC2009-176

    Todos direitos reservados. Proibida reproduo total ou parcial por qualquer meio ou processo, especialmente por sistema grficos, reprogrficos e videogrficos. Essas proibies aplicam-se tambm s caracteristicas grficas da obra e sua editorao.

    Autores, Organizadores e CoordenadoresAdriana DAgostini Marize Souza Carvalho Alcir Horcio da Silva Mauro Titton Celi Nelza Zulke Taffarel Melina Silva Alves Cludio Eduardo Flix dos Santos Micheli Ortega Escobar Cludio de Lira Santos Jnior Nair Casagrande Conceio Paludo Rafael Bastos Costa de Oliveira Erika Suruagi Assis de Figueiredo Roseane Soares Almeida Joelma de Oliveira Albuquerque Sandra Maria Marinho Siqueira Maria Nalva Rodrigues de Arajo Teresinha de Ftima Perin ConsultoresLuiz Carlos de FreitasNicholas Davies Roseli Salete Caldart

  • SUMRIO

    ApresentAoCeli Nelza Zlke Taffarel Cludio de Lira Santos JniorMicheli Ortega Escobar

    CONCEPO dE EdUCAO dO CAMPOCludio Eduardo Flix dos Santos, Conceio Paludo, Rafael Bastos Costa de OliveiraConsultoriaRoseli Salete Caldart

    Introduo1.Educao e Sociedade 1.1 Por que e para que a educao?1.2 Formao da escola pblica1.3 Diferentes concepes educativas2.Educao e Disputas de Projetos no Brasil 2.1 Conceitos de desenvolvimento2.2 Desenvolvimento Rural e Desenvolvimento do Campo2.3 Concepo de Educao do Campo3.Educao do Campo e Escola do Campo: Como Avanar?3.1 Problemas centrais da escola do campo3.2 O que precisamos para transformar a escola do campo? Propostas3.3 Para construir preciso compromisso, firmeza, estudo e atitude cientfica

    Concluses

    Referncias Bibliogrficas

    FINANCIAMENTOErika Suruagy Assis de Figueiredo, Marize De Souza Carvalho,Sandra Maria Marinho SiqueiraConsultoria Nicholas Davies

    Introduo 1. A riqueza social, o Estado e as polticas pblicas1.1. De onde provm a riqueza social e como essa riqueza distribuda1.2. Como se organiza o Estado responsvel pelo financiamento da educao

  • 1.3. As influncias dos organismos internacionais nas polticas pblicas1.4. Polticas pblicas como concesso ou conquista1.5. Como definir as polticas pblicas que devem ser privilegiadas

    2. Financiamento da Educao no Brasil2.1. Fontes de recursos 2.2. A vinculao de recursos para educao2.3. Despesas com educao2.4. Fundef e Fundeb2.5. As Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo

    3. Desafios para o Financiamento da Educao do Campo3.1 Os tribunais de contas 3.2. Controle social3.3. A organizao coletiva para fiscalizao

    ConclusoReferncias Bibliogrficas

    PROJETO POLTICO PEdAGGICOJoelma de Oliveira Albuquerque, Nair Casagrande

    Introduo1. A sociedade que queremos construir 2.Organizao da educao3. A educao do campo: uma proposio poltica

    4. O conhecimento escolar e as possibilidades de uma formao consistente para os trabalhadores5. PPP: orientador dos compromissos coletivos da escola6. Como organizar um PPP/Programa de Vida que expresse as necessidades dos trabalhadores?ConclusoReferncias Bibliogrficas

  • ORGANIZAO dO TRABALHO PEdAGGICOAlcir Horcio da Silva, Maria Nalva Rodrigues de Arajo, Melina Silva Alves,Roseane Soares Almeida ConsultoriaLuiz Carlos de Freitas

    Introduo1.Luta concreta da escola do campo no contexto do sistema capitalista2.Possibilidades de construo de uma educao comprometida com

    a formao humana que supere a formao alienada3.Papel da educao e do educador no confronto entre os interesses do sistema

    capitalista e as reivindicaes imediatas, mediatas e histricas da classe

    trabalhadora 4.Elementos fundamentais para a organizao do trabalho pedaggico

    da escola do campo numa perspectiva para alm do capital 5.Organizao do trabalho pedaggico da escola do campo

    6.Possibilidades de organizao do trabalho pedaggico na escola do campo

    ConclusoReferncias Bibliogrficas

    CURRCULOCeli Zulke Taffarel, Micheli Ortega Escobar, Teresinha de Ftima Perin

    Introduo 1.Consideraes Sobre o Tratamento do Currculo na Escola do Campo 2.Currculo e Programa

    2.1 A Compreenso do Currculo como um Plano de Vida Escolar

    2.2 Elaborao do Currculo enquanto Plano De Vida Escolar

    Concluso Referncias Bibliogrficas

  • ApresentAo

    Escola do Campo - Amargosa - BA

    Celi Nelza Zulke Taffarel

    Cludio de Lira Santos Jnior

    Micheli Ortega Escobar

  • 9anotaes

    ApresentAo

    A presente coleo constitui material didtico para orientao dos professores e gestores das escolas do campo na abordagem de importantes problemticas, distribudas em cinco Cadernos,

    construdos e financiados a partir de uma demanda da

    Secretaria de Alfabetizao, Educao Continuada e Diversidade do Ministrio da Educao (SECAD/MEC), Coordenadoria de Educao do Campo, para atender s escolas do campo:

    Caderno N 1 Concepo de Escola, Educador e Educao

    do Campo; Caderno N 2 Financiamento; Caderno N 3

    Projeto Poltico Pedaggico; Caderno N 4 Organizao do

    Trabalho Pedaggico; Caderno N 5 Currculo.

    Por que e como comea a histria da Educao do Campo?

    Quais os projetos de Educao e de Campo em disputa e quais os seus fundamentos? Por que a educao dos trabalhadores do campo, em especial dos que vivem ou sobrevivem do seu trabalho, to precria? Que educao proposta pela Educao do Campo? So estas questes para as quais o

    Primeiro Caderno, Concepo de Escola, Educador e Educao

    do Campo, oferece subsdios para aproximaes ao tema.

    O Caderno N2, Financiamento, prope-se a discutir sobre

    o financiamento da Educao do Campo, considerando a

    importncia do trabalho na sociabilidade humana como fonte principal da riqueza social e da funo do Estado nos desdobramentos das polticas pblicas educacionais. Apresenta

    elementos bsicos sobre oramento pblico, legislao, gesto e controle social, via organizao sindical, que possibilitam entender o financiamento da educao bsica. Percebe-se no

    texto a preocupao com os desafios que so colocados para

    o Financiamento da Educao pelos tribunais de contas, pelo controle social e pela organizao coletiva para a fiscalizao.

  • 10 anotaes

    No Caderno N 3, Projeto Poltico Pedaggico (PPP), encontram-

    se expostos elementos cientfico-tericos e polticos que ajudaro a

    planejar coletivamente as aes da escola de forma que expresse seu

    compromisso coletivo com a formao das novas geraes, tendo como

    referncia a construo de outra sociedade pautada na socializao dos meios que garantem a produo e reproduo da existncia das pessoas e de todos os seres vivos, assim como reflexes para orientar uma

    organizao revolucionria e uma formao poltica condizente com a

    luta dos trabalhadores do campo brasileiro.

    O objetivo do Caderno N 4, Organizao do Trabalho Pedaggico,

    apresentar instrumentos de pensamento que apontem as contradies

    e indiquem as possibilidades para a organizao do trabalho pedaggico

    do professor comprometido com os interesses e necessidades da escola do campo. Tal propsito o leva a destacar questionamentos sobre a

    construo de novas possibilidades para transformao da realidade dessa escola, tais como: O que significa, na atual conjuntura, a luta

    concreta da educao do campo no contexto do sistema capitalista? Quais as possibilidades de construo de uma educao comprometida com a formao humana que supere a formao alienada? Qual o papel da educao e do educador no confronto entre os interesses do sistema capitalista e as reivindicaes histricas, imediatas e mediatas,

    da classe trabalhadora? E, finalmente, quais os elementos fundamentais

    para a organizao do trabalho pedaggico da escola do campo numa

    perspectiva para alm do capital? Estas questes impem elaborar

    estratgias que possam promover transformaes no agir de toda a

    comunidade escolar professores, estudantes, pedagogos e comunidade e nas aes pedaggicas da sala de aula objetivos, contedos,

    avaliao e mtodo , considerando as especificidades da educao na

    escola do campo.

    O Caderno N 5, Currculo, articula-se com os demais que tratam

    dos fundamentos da educao do campo, do financiamento, do projeto

    poltico pedaggico e da organizao do trabalho pedaggico. Considera

    que o Currculo, em ltima instncia, operacionaliza o trato que deve ser

  • 11anotaes

    dado ao conhecimento para atender ao projeto de formao humana que subjaz ao projeto poltico-pedaggico, que, por sua vez, mantm

    relaes com um dado projeto histrico.

    Constaram como procedimentos para a elaborao dos Cadernos Didticos a formao da equipe, a diviso de tarefas de elaborao de textos especficos, a realizao de seminrios, pesquisas bibliogrficas,

    consultorias com especialistas nos temas propostos, testes-piloto dos textos elaborados com grupos focais de cursos de Licenciatura do Campo e de Formadores de professores do Programa Escola Ativa, atualmente em profunda reformulao, revises gramaticais e de normas

    tcnicas, diagramao e exposio em eventos tcnicos cientficos.

    Almejamos que o contedo exposto nos cinco Cadernos possa servir de subsdios tanto para o trabalho pedaggico nas escolas do campo,

    quanto nas universidades.

  • Concepo de educAodo cAmpo

  • rea de Reforma Agrria - BA

    rea de Reforma Agrria - BA

    Cludio Eduardo Flix dos Santos

    Conceio Paludo

    Rafael Bastos Costa de Oliveira

  • 15anotaes

    Introduo

    A Educao do Campo uma concepo de educao dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e se tornou uma referncia prtica educativa, formulada como resultado das

    lutas desses trabalhadores organizados em movimentos sociais populares.

    uma concepo de educao que nasceu como crtica realidade da educao brasileira, particularmente situao educacional do povo brasileiro que trabalha e vive no e do campo. Esta crtica nunca foi educao em si, mesmo porque seu objeto a realidade dos trabalhadores do campo, o que necessariamente a remete ao trabalho e ao embate entre projetos de campo que tm consequncias sobre a realidade educacional e o projeto de pas (CALDART, 2008a, p.4).

    A Educao do Campo nasceu tomando posio no confronto de projetos de educao contra uma viso instrumentalizadora da educao, colocada a servio das demandas de um determinado modelo de desenvolvimento do campo (que sempre dominou a chamada educao rural), a favor da afirmao da educao

    como formao humana, omnilateral, que tambm pode ser chamada de integral, porque abarca todas as dimenses do ser

    humano. Tambm a Educao do Campo afirma uma educao

    emancipatria, vinculada a um projeto histrico, de longo prazo,

    de superao do modo de produo capitalista. Projeto histrico

    deve ser compreendido como o esforo para transformar, isto , construir uma nova forma de organizao das relaes

    sociais, econmicas, polticas e culturais para a sociedade, que se

    contraponha forma atual de organizao e de relaes, que a

    capitalista.

    Portanto, se falamos hoje em Educao do Campo, em leis especficas para as escolas do campo, porque essas coisas foram

    construdas por meio de muito esforo dos trabalhadores. Sem

    dvida, ainda no temos a escola e a educao que queremos, mas muitos passos esto sendo dados.

    rea de Reforma Agrria - BA

  • 16 anotaes

    Por que e como comea esta histria da Educao do Campo? Quais

    os projetos de Educao e de Campo que esto em disputa e o que fundamenta cada um deles? Por que a educao dos trabalhadores do campo, em especial dos que vivem ou sobrevivem do seu trabalho, to precria? Que educao proposta pela Educao do Campo? Estas so algumas questes com as quais procuramos dialogar neste texto

    e que tambm podem orientar uma reflexo sobre nossa prtica e a

    continuidade de estudos sobre o tema.

    Para responder estas perguntas propomos discutir a relao entre educao e sociedade e estudar o que educao; como surge a

    escola e as diferentes concepes de educao, especialmente aquelas

    formadas ao longo da modernidade. A modernidade corresponde

    forma de estrutura, organizao e de relaes econmicas, polticas,

    culturais e ideolgicas da sociedade, que foi sendo construda, segundo

    os historiadores, principalmente a partir do sculo XVI. a sociedade na qual vivemos hoje, a sociedade capitalista.

    Em seguida, estudaremos os diferentes significados da palavra

    desenvolvimento para ter uma melhor compreenso dos projetos de desenvolvimento das sociedades, em especial do Brasil, para reconhecer os projetos que esto em disputa, hoje, no campo e verificar como se

    constituiu a concepo de Educao do Campo. Finalmente, discutiremos alguns dos grandes desafios que se colocam para a construo da escola

    do campo.

    Durante todo o estudo, buscamos reconhecer as relaes que se

    estabelecem entre Projetos Histricos, Projetos de Desenvolvimento

    Social; Projetos de Campo no Brasil e, em especial, a Educao do

    Campo.

    Este caderno, como est dito na apresentao, o nmero um de uma srie que busca contribuir com a formao dos educadores nas escolas do campo, para que esses possam atuar mais e melhor na sua construo terica e prtica.

  • 17anotaes

    1 EdUCAO E SOCIEdAdE

    Neste captulo vamos conversar sobre

    a educao. Vamos verificar que ela

    sempre existiu, embora somente num determinado perodo da histria fosse

    criado o conceito de educao para especificar essa prtica social. Tambm estudaremos as diferentes formas

    de compreender a relao entre educao e sociedade e as diferentes teorias educativas, chamadas de pedagogias, que representam as diferentes formas de conceber a educao, suas finalidades e o papel que

    ela desempenha na sociedade.

    1.1 Por que e para que a educao?

    O processo da educao, que histrico, propicia uma determinada

    forma de compreender o desenvolvimento dos acontecimentos da natureza e das relaes sociais. Dessa forma, as pessoas acessam

    os conhecimentos, habilidades, valores e comportamentos, que se constituem em patrimnio, produzido e acumulado ao longo da histria

    da humanidade, contribuindo para que o indivduo se construa como

    membro da sociedade humana. De modo simples podemos dizer que a sociedade formada por um agrupamento de pessoas que vivem num mesmo espao. Pode-se falar, por exemplo, em sociedade mundial, em sociedade de um determinado pas, estado, regio, cidade. Em todos os

    tempos, entretanto, as relaes sociais so permeadas de conflitos, lutas

    e disputas entre as classes sociais, embora tambm existam os afetos e a solidariedade. Assim, a educao fundamental em qualquer sociedade, porque por meio dela que as pessoas se apropriam dos conhecimentos produzidos por outras geraes, dos valores, das formas de se organizar,

    de pensar e de agir no mundo.

    Como se v, o ato de educar tambm est no plano da transmisso e produo das ideias e de conhecimentos. Mas de onde surgem os

  • 18 anotaes

    conhecimentos? Por que alguns ganham tanta fora, que merecem ser espalhados e ensinados, e outros nem sequer so discutidos ou lembrados nas escolas, nos programas de TV, de rdio, nos jornais?Descobrir o porqu das coisas algo que exige muito esforo. Karl Marx e Friedrich Engels, dois grandes pensadores que viveram no sculo XIX, diziam que se a verdadeira essncia das coisas aparecesse claramente aos nossos olhos no seria necessrio estudar, pesquisar e produzir conhecimentos cientficos. Acontece que as aparncias

    podem, muitas vezes, nos enganar. Da a necessidade do estudo mais

    aprofundado, da necessidade da apropriao dos princpios da cincia.

    O conhecimento cientfico no nasce com um estalo nas nossas

    cabeas. Exige um mtodo sistemtico e rigoroso. Para Marx e Engels, o Mtodo Dialtico o que possibilita superar as aparncias e compreender a construo histrica do conhecimento, que no

    fruto puramente do pensar humano, mas, sim, das relaes sociais de

    produo da existncia.

    O mtodo dialtico uma forma de pensar e transformar a realidade produzindo conhecimentos cientficos, considerando que tudo o que

    produo humana histrico, tem contradies e est em constante

    movimento. Existe a possibilidade de uma tese, a contestao dessa tese e sua superao para elaborao de uma nova sntese. O mtodo

    dialtico busca alcanar o conhecimento da realidade de forma crtica,

    com o objetivo de contribuir para a sua transformao .

    Deste modo, para entender a forma como as pessoas pensam e se educam preciso compreender como elas produzem a sua existncia e as suas relaes sociais. Quer dizer, como elas trabalham para

    produzir os seus alimentos, se vestir, se proteger, se organizar, pois a forma como se produzem e distribuem as coisas para a sobrevivncia dos seres humanos tem estreita relao com um determinado jeito de pensar, conhecer e compreender o mundo. Vamos falar um pouco mais sobre isso.

  • 19anotaes

    Desde seu surgimento o ser humano precisa suprir as suas necessidades, e para tal teve que se relacionar com a natureza, superando seus prprios limites, para ter mais fora, velocidade, agilidade e dominar as

    leis, tanto da natureza, quanto das relaes sociais. Conseguiu inventar

    instrumentos que o fizeram ser mais veloz e forte que qualquer animal,

    permitindo-lhe nadar como peixe, sem ser peixe, e voar como pssaro sem ser pssaro. Quer dizer, o ser humano conseguiu, atravs do trabalho, transformar a natureza para poder sobreviver e criar cada vez mais. Essa ao de transformar a natureza por meio da criao de instrumentos necessrios produo da existncia foi chamada

    de trabalho.

    Para Karl Marx e Friedrich Engels (2005) por meio do trabalho que os homens conseguem criar o mundo em que vivem e desenvolver cada vez mais os seus conhecimentos. Assim, para Marx, atravs do trabalho que as pessoas se humanizam ou se desumanizam, porque o trabalho que marca, de forma profunda, quem e como somos: como representamos o mundo, sentimos e nos relacionamos. Isto , por meio do trabalho nos tornamos seres sociais, homens e mulheres capazes de viver em sociedade.

    Quantas vezes no ouvimos os agricultores e as agricultoras dizerem que o esforo do trabalho ensina os moos a terem responsabilidade, a respeitar a natureza e aprender com ela? preciso, entretanto, no confundir trabalho com emprego.

    O professor Srgio Lessa (2002) tambm entende que o trabalho a atividade transformadora da realidade, pela qual o homem se constri

    como pessoa, ao mesmo tempo em que constri a sociedade em que

    vive. o trabalho, deste modo, a atividade decisiva de autoconstruo humana e de desenvolvimento das sociedades. Por isso, em qualquer sociedade humana, o trabalho o elemento fundante das relaes sociais.

  • 20 anotaes

    J o emprego, ou ocupao, o desenvolvimento de uma atividade qualquer, por meio da qual a pessoa recebe uma determinada quantia de dinheiro, que o salrio, como forma de pagamento pela venda de sua fora de trabalho, uma forma de relao que prpria da sociedade

    capitalista.

    Feita esta observao, voltemos discusso sobre o trabalho como uma

    atividade fundamental para o desenvolvimento da sociedade e das ideias que ela produz.

    Historiadores1 mostram que a forma como a sociedade trabalha, isto , como organiza a produo da vida, passou por diferentes mudanas durante a histria da humanidade. Um exemplo o jeito como os ndios trabalhavam e viviam antes da chegada dos portugueses no Brasil.

    Os povos indgenas no conheciam o dinheiro, no tinham noo de

    salrio ou de escravido, no tinham patro, nem propriedade privada (terra, rios) e nem classes sociais, e tampouco escola para transmitir os conhecimentos e valores de seus povos. Esses povos, para sobreviverem, organizavam sua vida com base no trabalho associado. Ou seja, todas as pessoas da tribo produziam coletivamente e partilhavam os resultados do trabalho entre todos a partir das necessidades de cada famlia.

    Foi assim que, ao mexer/trabalhar com os elementos da natureza, homens e mulheres foram construindo o seu mundo e suas vises sobre

    ele. Por exemplo, ao fazer um arco ou uma flecha, o ndio precisava

    ir mata, escolher a madeira, o cip, coletar penas, trabalhar esses

    elementos e produzir sua sntese: o arco e a flecha. Durante a caada

    experimentava tcnicas, estabelecia relaes com a natureza e com

    os outros indgenas, interpretava sons, observava as coisas. Ao chegar

    ao ambiente da aldeia, partilhava os resultados com os que ficaram;

    junto com eles realizava rituais, agradecia me natureza pelos frutos e

    celebrava. Do mesmo modo, as mulheres e os homens que ficavam na

    aldeia preparavam a comida, cuidavam dos animais e do roado; outros,

    1 Huberman (1984); Ponce (2005); Hobsbawn (1998); Prado Jr (1979, 1983).

  • 21anotaes

    ainda, cuidavam dos doentes, orientavam a educao dos mais jovens, interpretavam os fenmenos da natureza, praticavam crenas e religies.

    Nas sociedades sem diviso de classes sociais, sem a propriedade privada dos meios de produo e sem a explorao da fora de trabalho (mo-de-obra), o jeito de pensar e de educar as novas geraes era

    bem diferente. Os valores e conhecimentos trabalhados com os mais jovens iam se originando, mediados pela forma como as relaes sociais

    eram estabelecidas. Os valores da preservao da vida, da partilha e da coletividade e no do individualismo eram transmitidos porque desses princpios dependia a sobrevivncia material do povo ou da tribo.

    Se estudarmos o perodo da Antiguidade da humanidade at os dias de

    hoje (MANACORDA, 1989), confirmamos aquilo que Marx e Engels

    afirmaram no Manifesto Comunista:

    A histria da Sociedade se confunde at hoje com a histria das lutas de classe. Homem livre e escravo, patrcio e plebeu, senhor e servo, mestre de corporao e oficial, em outros termos, opressores e oprimidos em permanente conflito entre si, no cessam de se guerrearem em uma luta aberta ou camuflada, luta que, historicamente, sempre terminou em uma reestruturao revolucionria da Sociedade inteira ou no aniquilamento das classes em choque (1986, p.19).

    Classe social diz respeito ao lugar ocupado pelas pessoas em relao a sua atividade nas relaes de produo de bens, produtos e

    mercadorias para a sociedade. De um lado, h os proprietrios dos meios de produo e, de outro, os trabalhadores. Os trabalhadores so os que ocupam, na produo social da vida, o lugar da transformao direta da natureza. As classes intermedirias (funcionrios do Estado, comerciantes, professores) no lidam diretamente com a natureza, seno que desenvolvem atividades administrativas, de ensino, da circulao das mercadorias, sade e outras. A classe exploradora corresponde aos donos dos meios de produo (terras, indstrias, bancos, meios de comunicao), que, para existirem, dependem da explorao da fora de trabalho da classe trabalhadora e das classes intermedirias.

  • 22 anotaes

    A sociedade de classes tem sido representada por uma pirmide na base da qual est a maioria, os trabalhadores. Na parte intermediria, a classe mdia, trabalhadores assalariados que ocupam postos de controle dos interesses da classe que est no topo, a classe dominante, que so os donos dos meios de produo.

    A Histria evidencia que na Roma antiga (Sc III a.C. ao Sc V d.C.), por

    exemplo, existiam os patrcios, os plebeus e os escravos; na Idade Mdia

    (Sc V ao Sc XV), a nobreza, senhores feudais, o clero e os servos da gleba. A sociedade burguesa (sociedade capitalista) foi construda

    a partir das crises da sociedade feudal e foram substitudas as velhas

    classes sociais, velhas formas de opresso e as formas de luta dos trabalhadores por outras novas, mas no superou a sociedade de classes e a explorao da fora de trabalho (mo-de-obra dos trabalhadores).

    Na atualidade vivemos numa sociedade em que os proprietrios dos meios de produo e do lucro ditam as regras, portanto, a vida se organiza em torno do capital, e por isso denominada sociedade capitalista. Assim, quanto mais explorados, menores so as condies

    dos trabalhadores em suprir as suas necessidades de reproduo da vida material/fsica e subjetiva: comida, roupa, habitao, sade, lazer,

    arte, educao e outras. Podemos exemplificar com a sade, que tem

    um preo a ser pago, e poucos so aqueles que tm acesso a esse bem de uma forma satisfatria. s verificar o nmero de pessoas que passa

    fome com tanta terra e comida e sem acesso ao sistema de sade pblico. Quantas pessoas no conseguem se alfabetizar ou concluir os estudos bsicos? Observe que h uma pequena parcela da populao que usufrui dos bens produzidos. Por que isto acontece?

    Para que as coisas funcionem na sociedade capitalista preciso que os trabalhadores vendam seu tempo e sua fora de trabalho. Alm disso, importante para o capital que eles estejam desorganizados, com pouco conhecimento sobre o funcionamento e a organizao da sociedade, e pensem como aqueles que os exploram. Para isso, a classe proprietria dos meios de produo, a classe dominante, utiliza formas violentas para

  • 23anotaes

    divulgar e inculcar suas ideias e manter a classe trabalhadora alienada do carter dos processos que atingem diretamente a sua vida. Isto acontece no processo produtivo, nos meios de comunicao, nas instncias polticas e nas escolas.

    Assim, como foi afirmado anteriormente, para entender como pensam

    as pessoas em uma sociedade, preciso entender o modo como essa sociedade produz e reproduz a vida social. Isto , como a sociedade organiza o trabalho e constri a cultura que, por meio da educao,

    transmitida s novas geraes.

    Vamos tentar desdobrar um pouco mais esta questo. Voc j deve ter ouvido a expresso manda quem pode, obedece quem tem juzo. Pois

    . Esta expresso popular exprime a forma como a sociedade capitalista pensa as relaes entre os sujeitos. Estas ideias ganham fora real no

    s porque so palavras, mas porque indicam que o poder de mando

    est nas mos de algum mais poderoso, que no pode ser, em hiptese

    alguma, questionado.

    Foram Marx e Engels os que, a partir do mtodo materialista histrico

    dialtico, explicaram as relaes entre as ideias e a produo da vida.

    Para eles as ideias das classes dominantes so em todas as pocas, as

    ideias dominantes; ou seja, a classe que a fora material dominante da

    sociedade , ao mesmo tempo, sua fora espiritual dominante (ENGELS

    e MARX, 2005, p. 78). Ora, isso no acontece porque a classe dominante

    simplesmente domina, mas, sim, porque a classe dominante a dona dos meios de produo. Portanto, sendo a burguesia a dona das terras, das indstrias, dos meios de comunicao de massa, dos bancos, ela vai tentar impor um tipo de padro de pensamento, vai difundir uma viso social de mundo (ideias) que estejam ligados forma material que o

    capital precisa para se reproduzir.

    Assim, para manter a propriedade privada dos meios de produo, a explorao do trabalhador, a explorao da natureza e o lucro do capitalista preciso criar mecanismos de controle das possveis revoltas

  • 24 anotaes

    ou questionamentos mais profundos dos trabalhadores em relao s

    suas condies de vida. Esses mecanismos se do de diferentes formas:

    algumas bem visveis, como, por exemplo, a coero das foras armadas

    e da legislao, e de forma mais sutil, pela persuaso e pelos consensos, como acontece, por exemplo, dentro da escola, nos sindicatos, no parlamento, que mantm ntima relao com a manuteno dos valores e

    comportamentos de uma determinada sociedade2.

    O fato de as classes dominantes terem poder de mando nas sociedades no significa dizer que os trabalhadores no reagem. Pelo contrrio.

    Note, por exemplo, os conflitos e lutas entre as classes sociais. Os

    trabalhadores em todos os tempos reagiram de diferentes formas s

    condies de vida a eles impostas: revoltas de escravos, de camponeses,

    de operrios, de ndios, revolues, lutas, piadas, canes de protesto,

    experincias de escolas alternativas. Tudo isso indica a dinmica da vida social do povo, que aprendeu e segue aprendendo vrias maneiras de lutar pela vida. Portanto, a luta de classes se expressa em todos os mbitos de nossas vidas.

    Entretanto, ao longo da histria verifica-se que, quanto mais complexas

    foram se tornando as sociedades, tanto mais estas criavam instituies

    para tratar especificamente da educao das novas geraes. Assim, para

    compreender a escola atual, necessrio compreender as origens e o papel da escola na sociedade capitalista.

    1.2 Formao da escola pblica

    Quase sempre ouvimos dizer que a escola, lugar onde se aprende a ler, escrever, contar, pensar, e tambm onde se aprendem comportamentos, hbitos, atitudes e valores, um lugar para todos. Mas, se olharmos a histria da escola, pode-se verificar que no bem assim.

    2 Para compreender melhor o papel do Estado na sociedade capitalista, estudar o Ca- Para compreender melhor o papel do Estado na sociedade capitalista, estudar o Ca-derno sobre Financiamento da Educao.

  • 25anotaes

    Podemos dizer que a escola tem seus fundamentos na Idade Antiga, que se inicia com a inveno da escrita, aproximadamente 3.000 a.C, at o sculo V d.C., tendo por objetivo formar a classe dominante, ou as classes intermedirias, para dirigir o Estado, organizar os cultos, produzir uma arte que se distanciasse da cultura dos explorados. Assim, teremos escolas de tipos diferentes, desde o antigo Egito, passando pelo imprio Romano e pela Grcia Antiga, at

    a atualidade, que corresponderam e correspondem aos interesses do modo de produo de cada perodo histrico (MANACORDA, 1989).

    O prprio papel da palavra escola j dizia o recorte de classe que ela

    assumia. Quer dizer, a palavra escola tem a sua origem na palavra grega schole, que significava lugar do cio, lugar onde no se trabalhava.

    Portanto, essa instituio no era o lugar dos trabalhadores, dos escravos, dos servos, das mulheres, dos camponeses e operrios. Ali era o espao somente para o pensar das classes dominantes. Lembre

    aquela composio musical do Lucio Brabosa, cantada por Z Geraldo e

    Z Ramalho (Cidado), na qual o poeta diz: T vendo aquele colgio

    moo, eu tambm trabalhei l... Mas me chega um cidado, criana de p no cho aqui no pode estudar.

    Na Idade Mdia, a aprendizagem das letras e o acesso escola no eram

    um ideal dos nobres, que estavam mais preocupados em montar a cavalo, usar as armas e talvez tocar um instrumento musical. Escrever e ler eram coisas que se aprendiam nos mosteiros, nos seminrios (ENGUITA,

    1989).

    Porm, a partir do sculo XI, a Europa viu o comrcio andar a passos largos e transformar muito a vida. A atividade econmica baseada na circulao de mercadorias comeava a crescer financeiramente. As

    cidades se expandiam, novas relaes econmicas e sociais comeavam

    a aparecer. A partir do sculo XIV, a burguesia apoiou o nascimento

    Escola Municipal Cllia Sales Rebouas - Mutupe - BA

  • 26 anotaes

    dos Estados Nacionais (Frana, Inglaterra e outras) e o poder dos reis;

    ela financiou viagens martimas para a descoberta de novas rotas para

    chegar ao Oriente (China, ndia) e, em 1492, em uma dessas tentativas, Colombo chegou ao territrio hoje conhecido como Amrica. Em vrios

    pases a burguesia apoiou a Reforma Protestante e patrocinou artistas e

    cientistas.

    Assim, pode-se dizer que a modernidade produto do capitalismo que vai se consolidando ao longo dos sculos. Para avanar nos seus projetos a burguesia precisava produzir novos conhecimentos e combater a forma de elaborao do conhecimento dominado pela Igreja Catlica.

    Era preciso buscar a explicao dos fenmenos, das coisas, por meio do uso da razo humana. Fazia-se necessrio compreender a natureza e a sociedade, tanto para combater o pensamento dominante da poca, quanto para produzir equipamentos para aumentar a produo e os lucros. Neste sentido, a humanidade v nascer a era moderna com uma exploso de criaes, de invenes humanas em todas as reas do

    conhecimento.

    No sculo XVIII, a burguesia dirige uma revoluo na produo, a Revoluo Industrial, por meio da criao de novas mquinas, novas fontes de energia e com o consequente aumento das taxas de explorao e de lucro. Nesse mesmo perodo explode a Revoluo

    Francesa, prometendo dar ao povo uma nova vida, com liberdade, igualdade e fraternidade. Porm, as promessas ao povo ficaram apenas

    nas palavras.

    Um dos feitos dos burgueses no perodo da Revoluo Francesa foi

    a criao de um sistema educacional que se desenvolve, segundo Saviani (2007, p. 115-184), com base nas ideias pedaggicas leigas:

    ecletismo, liberalismo e positivismo (1827-1932). Em 1789 a Assemblia

    Constituinte Francesa desenvolveu vrios projetos de reforma escolar e de educao nacional. Um deles foi elaborado por um pensador, chamado Condorcet, que propunha o ensino universal como meio para eliminar a desigualdade social. Condorcet reconheceu que as mudanas

  • 27anotaes

    polticas precisam ser acompanhadas por mudanas na educao.

    Desse modo ele defendia a escola pblica, na qual se formassem os trabalhadores como cidados que faziam parte da nova sociedade. Suas ideias, de acordo com Gadotti (2004), fundamentavam-se na nova

    doutrina que vinha se firmando: o Liberalismo.

    O Liberalismo uma doutrina que enfatiza a iniciativa individual, a concorrncia entre agentes econmicos e a ausncia de interferncia governamental, como princpio econmico (FERREIRA, 1993, p. 334).

    Caracteriza-se pela abolio da servido; separao do poder do Estado

    e da Igreja; crena no poder da razo humana; economia de mercado;

    propriedade privada dos meios de produo; funcionamento da

    economia a partir do lucro e da iniciativa privada.O liberalismo poltico acentua a pessoa e minimiza seu aspecto social:

    sucesso ou fracasso depende do indivduo. O liberalismo econmico

    privilegia a competitividade entre os agentes econmicos e no admite a interferncia do Estado na economia.

    Mas importante lembrar que o acesso universal escolarizao dos

    trabalhadores ficou apenas no plano das ideias. Como temos discutido

    at aqui, a educao tem um recorte de classe, portanto, o acesso ao conhecimento cientfico, filosfico, artstico e da cultura corporal mais

    avanado no era oferecido ao povo trabalhador, mas aos filhos das

    classes dominantes.

    Para os explorados a escola moderna constituiu-se como uma formadora de mo-de-obra e instrumento de apoio ordem burguesa,

    especialmente a partir do sculo XVIII. Pode-se dizer que ela estava profundamente conectada s formas de produo capitalista, a qual

    necessitava de um novo tipo de trabalhador. J no bastaria que fosse

    piedoso e resignado, embora isto continuasse necessrio. A partir de agora, devia aceitar trabalhar para outro e faz-lo nas condies que

    esse outro lhe impusesse (ENGUITA, 1989, p.113). Os trabalhadores

    deveriam ser escolarizados para aprender a manejar instrumentos de

  • 28 anotaes

    trabalho, no estendendo o seu conhecimento alm da sua ocupao profissional.

    Desmistificar a histria da escola fundamental para compreendermos

    o lugar dado a ela no processo de educao dos trabalhadores. Tambm muito importante conhecer as teorias da educao que tm sustentado a prtica educativa nas escolas. 1.3 diferentes concepes educativas

    A ao educativa escolar, seja ela qual e como for, sempre fundamentada numa dada teoria. Sob o modo de produo capitalista da existncia, aumentou bastante o interesse pela educao e, por isso, multiplicaram-se as reflexes e teorizaes sobre as prticas educativas.

    No podemos esquecer que foi, principalmente, nos sculos XIX e incio do sculo XX que as diversas cincias foram sistematizadas,

    o que, de um lado, fragmentou o estudo da realidade, mas, de outro, trouxe um maior nmero de dimenses em torno das quais se tratou

    de compreender os fenmenos, entre os quais o fenmeno educativo. A sntese das explicaes cientficas sobre a prtica educativa para

    a formao de um determinado indivduo, elaborada luz de uma

    determinada teoria de conhecimento, pode ser chamada de Teoria da Educao.

    O que a teoria educacional e sua necessria relao com a prtica? Segundo Luiz Carlos de Freitas (1995, p. 92-95):

    formula uma concepo de educao apoiada em um projeto histrico e discute as relaes entre educao e sociedade em seu desenvolvimento; que tipo de homem se quer formar; os fins da educao entre outros aspectos. Uma teoria pedaggica por oposio, trata do trabalho pedaggico, formulando princpios norteadores. Dessa forma, inclui a prpria didtica (p. 93).

    a reflexo, a ordenao, a sistematizao e a crtica da prtica educativa ou do processo educativo e as possibilidades do descobrimento das leis, s quais ele se subordina. As teorias educativas representam concepes

  • 29anotaes

    de educao, isto , elas direcionam a prtica educativa, porque visam formao de um determinado ser humano. Todo educador, mesmo

    que no se d conta, defende uma teoria de educao, que d uma determinada direo a sua prtica. Por isso o estudo indispensvel para que ele a identifique, compreenda, explique e a transforme.

    Existem muitas formas de diferenciao das teorias educativas. Para este momento, vamos considerar duas grandes concepes, que orientam

    o pensamento educacional de nosso tempo e a partir das quais muitas teorizaes so feitas. Estamos nos referindo concepo liberal e

    concepo socialista de educao, que esto relacionadas a dois projetos histricos diferentes: o capitalista e o socialista. Essas concepes foram

    se constituindo ao mesmo tempo, durante o processo de formao da sociedade capitalista, representando interesses diferenciados e presentes na atualidade e cada vez mais em disputa.

    A viso de mundo divulgada pelo Liberalismo, cujo significado foi

    discutido anteriormente, tambm se desdobra em teorias educativas, agrupadas na chamada Teoria Liberal, cuja mxima a de que o sucesso depende de cada um e resulta da competio. Seu foco o de considerar que a escola tem por funo preparar os indivduos para se

    integrarem na sociedade e desenvolver papis sociais de acordo com suas aptides individuais. Quer dizer, adequar, adaptar os indivduos

    sociedade de classes, s suas normas e aos seus valores. Esta concepo

    privilegia o aspecto cultural para explicar a realidade social, postulando que a educao a que garante a mobilidade social. Assim, ela diz ser importante garantir a igualdade de oportunidades, mas no leva em conta a existncia das classes sociais, responsvel pela pobreza material e pela excluso social.

    H quatro correntes importantes, que se desdobram dessa mesma raiz e acompanham o desenvolvimento do capitalismo. A primeira a corrente Tradicional Humanista. Essa tendncia a que Paulo Freire, na obra Pedagogia do Oprimido (1987), chamou de Educao Bancria.

  • 30 anotaes

    Ela se caracteriza por acentuar o contedo humanista, de cultura geral. O aluno receptivo e o professor o que detm o conhecimento.

    A segunda tendncia a Liberal Renovada, tambm conhecida como Pedagogia da Escola Nova, que se desenvolve a partir de 1920, tendo como bero as naes Francesa e Norte-Americana. Nessa tendncia

    pedaggica se destacam tericos como Ferrire, John Dewey, Decroly,

    Maria Montessori, Kilpatrick, Ansio Teixeira e Jean Piaget. A pedagogia

    da Escola Nova, em especial as teorias defendidas por Dewey, buscava

    a convivncia democrtica sem, porm, pr em questo a sociedade de classes. Para Dewey, a experincia concreta da vida se apresentava

    sempre diante de problemas que a educao poderia ajudar a resolver (Gadotti, 2004).

    Uma outra corrente de base liberal a Teoria Tecnicista. Essa ganha espao nos anos 1960 e representa a concepo da eficincia e

    produtividade na educao.

    Dermeval Saviani (2007), ao estudar o Tecnicismo3, afirma que, com base no pressuposto da neutralidade cientfica e inspirada nos princpios de

    racionalidade, eficincia e produtividade, a pedagogia tecnicista advoga

    a reordenao do processo educativo de maneira que o torne objetivo e operacional (p. 379). Essa a pedagogia do aprender a fazer sem

    criticar, sem compreender a fundo as questes. Neste sentido, as escolas

    passaram por um processo de burocratizao, no qual o controle feito por preenchimento de formulrios. Por sua vez, o magistrio passou a ser submetido a um pesado ritual, que trouxe consequncias negativas para a educao escolar no Brasil, pois contribuiu com a fragmentao, descontinuidade e ausncia de criticidade dos processos educativos.

    A outra concepo diz respeito s teorias conhecidas como Socialistas.

    Com a consolidao do capitalismo os trabalhadores se organizam para lutar contra a explorao e reivindicar direitos. Esses movimentos

    3 Foi nos anos da ditadura civil-militar (1964 a 1985) que a pedagogia tecnicista teve maior repercusso no Brasil.

  • 31anotaes

    foram fecundados por ideias socialistas, inicialmente pelo Socialismo Utpico, e, posteriormente, pelo Socialismo Cientfico. O Materialismo

    Histrico-Dialtico, ou Marxismo, foi desenvolvido com a crtica a

    tendncias como o liberalismo econmico e poltico, o idealismo alemo

    e o socialismo utpico. Criticando os utpicos, que acreditavam poder

    transformar a sociedade pela educao, e a boa vontade dos capitalistas, Marx e Engles fundamentam o socialismo cientfico nas leis gerais que

    regem o desenvolvimento histrico da natureza, da sociedade e do

    conhecimento, deixando claro o que, em ltima instncia, determina o processo de transformao social, que a base econmica do modo de produo da existncia.

    As ideias socialistas influenciaram novas teorias educacionais. Na

    epistemologia, no lugar do idealismo e do positivismo, colocam a dialtica. A educao pode contribuir para transformar o mundo, mas no pode transform-lo sozinha, porque necessria a superao do modo capitalista de produo. Os educadores socialistas lutam pela universalizao do ensino e pela escola nica, e no dualista: a escola nica aquela em que no h distines de classe, e onde a organizao

    da escola e o trato com o conhecimento buscam integrar o pensar e o fazer. Uma escola voltada para a desmistificao da realidade e para a

    transformao do mundo. Uma escola que deve reconhecer que entre a escola da cidade e a do campo no h um antagonismo, mas uma diferena essencial, que deve ser tratada com um mtodo superador.

    A superao das contradies capital/trabalho na perspectiva socialista

    ser pelo plo do trabalho. Considerando as relaes cidade e campo,

    que se tornaram antagnicas em decorrncia das relaes sociais

    capitalistas, no se trata de eliminar um dos plos, mas, sim, de devolver

    aquilo que foi inadequadamente elevado a um grau de antagonismo

    condio de uma simples diferena essencial. Isto significa que a escola

    da cidade e do campo nica na sua responsabilidade social.

    Aps 1917 (Revoluo Russa), educadores como Lunatcharski (1988),

    Krupskaia (1978), Makarenko (1986) e Pistrak (2000) lutaram pela escola

  • 32 anotaes

    elementar para todos gratuita, unitria e obrigatria , aplicando

    o princpio da escola do trabalho, que diz respeito valorizao da

    ligao entre a escola e o trabalho como fonte de todo conhecimento;

    da formao do novo homem e da nova mulher; do trabalho coletivo;

    do avano na cooperao, do apoio mtuo e auto-organizao dos estudantes4.

    No seu livro Histria das Ideias Pedaggicas no Brasil, Dermeval Saviani

    (2007) articula tendncias educacionais crise da sociedade capitalista

    que eclodiu nos anos 1970. Essa crise mudou o modelo de produo baseado nas grandes fbricas, com muitos trabalhadores e estrutura rgida, para um modelo de produo com alta tecnologia, computadores,

    menos trabalhadores e mais flexibilidade nas relaes de trabalho.

    Essas mudanas exigem um trabalhador de novo tipo. Agora, necessrio formar para a flexibilidade, a empregabilidade e desenvolver

    competncias, habilidades e a criatividade para que as pessoas sejam capazes de se adaptar aos humores do mercado de trabalho.

    Para complexificar mais a situao, um grande nmero de publicaes

    com prefixo neo ou ps (ps-moderno, neoconstrutivismo, entre

    outros) exercem um grande atrativo e, ao mesmo tempo, confundem os professores.

    A descrena no saber cientfico e a procura de solues mgicas

    do tipo reflexo sobre a prtica, relaes prazerosas, pedagogia do

    afeto, transversalidade do conhecimento e frmulas semelhantes vm

    ganhando a cabea de muitos professores. Estabelece-se assim, uma cultura escolar, para usar a expresso que tambm se encontra em

    alta, de desprestgio dos professores e dos alunos que querem trabalhar

    seriamente e de desvalorizao da cultura elaborada. Nesse tipo de cultura escolar, o utilitarismo e o imediatismo da cotidianidade

    4 Outro pensador desta concepo foi Antnio Gramsci. Ele enfatizava a contra-ideolo- Outro pensador desta concepo foi Antnio Gramsci. Ele enfatizava a contra-ideolo-gia e o papel dos intelectuais na construo de uma sociedade socialista e identificava na escola e nos professores um ponto de apoio muito importante para a elevao da conscincia das massas.

  • 33anotaes

    prevalecem sobre o trabalho paciente e demorado de apropriao do patrimnio cultural da humanidade (SAVIANI, 2007, p. 447).

    As diferentes concepes educativas, acima explicadas, podem

    dar ao ensino diferentes direes e, portanto, provocar diferentes

    resultados. Isso acontece porque as ideias pedaggicas so formuladas

    a partir da prtica concreta das diferentes classes sociais presentes na sociedade e esto relacionadas direo que cada uma delas quer

    dar educao. Por exemplo, diferentemente da teoria Socialista de

    Educao, a teoria que sustenta a concepo Liberal de Educao orienta para a formao de um ser humano diferente daquele que interessa para a classe trabalhadora. Tambm orienta um tipo de avaliao do processo educativo que dificulta a permanncia do

    aluno na escola, em decorrncia do carter que a avaliao assume na escola capitalista (FREITAS, 1995, p. 143-258). Alm disso, define

    contedos e metodologias que impedem o estudante de se apropriar do conhecimento do real, que vai alm da aparncia, e de construir conhecimento crtico. Ou, ainda, orienta o estabelecimento de

    relaes autoritrias entre professores e estudantes, entre a escola e a

    comunidade. Isso demonstra que as teorias no so neutras.Da a importncia de o professor identificar e estudar as teorias

    educacionais que conduzem, inspiram e sustentam a educao que realiza, assim como de compreender os diferentes projetos de sociedade que se relacionam s concepes educativas e aos papis atribudos escola.

    2. EdUCAO E dISPUTA dE PROJETOS NO BRASIL

    Neste captulo vamos refletir sobre o conceito de desenvolvimento

    e dos projetos que se constituem no Brasil, mais especificamente os

    projetos do campo que hoje esto em disputa, e estudar como foi e est sendo a educao, priorizando a dos trabalhadores do campo. Veremos como estes, organizados em Movimentos Sociais, juntamente com outras organizaes que os apiam, esto construindo uma forma de praticar e

    teorizar a educao que chamada de Educao do Campo.

  • 34 anotaes

    2.1. Conceitos de desenvolvimento

    Desenvolvimento uma expresso que possui mltiplas definies. Isso quer dizer que

    preciso saber o que falamos quando dizemos a palavra desenvolvimento. Qual desenvolvimento da sociedade? Buscando quais transformaes

    sociais? As de interesse do capital ou dos trabalhadores?

    A palavra desenvolvimento passa a ser usada com a expanso capitalista, durante os sculos XIX e XX5. Os pases j no podiam ser divididos entre civilizados e primitivos. Essa diviso justificava o

    extermnio de povos inteiros, como o caso dos indgenas no Brasil.

    Como vimos no primeiro captulo, a estruturao do capitalismo

    industrial levou a um novo impulso nas foras produtivas, a uma nova diviso social do trabalho e a novas formas de explorao. As naes

    passaram a ser divididas entre industrializadas e no industrializadas, com o domnio das primeiras sobre as segundas. As colnias, embora em

    tempos diferenciados, assumiram o projeto da modernidade: tornaram-se pases capitalistas6.

    Nesse processo, no final do sculo XIX e incio do XX, centralmente

    nos pases europeus, so formuladas as teorias sociolgicas e, entre elas,

    as teorias do desenvolvimento, e, assim, as diferenas entre as naes

    no so mais explicadas como sendo da natureza, isto , como selvagens/primitivas ou civilizadas. Vo sendo criados novos conceitos e categorias explicativas da realidade social e das relaes estabelecidas entre as

    5 Este item, que procura explicar o conceito de desenvolvimento, foi extrado do texto de Paludo, 2006 (elaborado, tendo como referncia as seguintes obras: Costa, 1997; Souza, 2000; Dagnino, 2000; Furtado 2000; Fernandes, 1979). Houve alteraes do texto original para adequao a este caderno.

    6 Projeto remete para as diferentes bases que o compem: esfera da economia, da poltica e da cultura; bem como necessidade de compreenso das relaes e interconexes que se estabelecem entre elas.

    Capa do livro Por Uma Educao do Campo, desenhada pelo Irmo Anderson Pereira

  • 35anotaes

    naes, que devem ser analisados em profundidade para reconhecer a

    realidade que eles ocultam.

    Foi aps a Segunda Guerra Mundial (1945) que o debate sobre

    o desenvolvimento se aprofundou e as sociedades passaram a ser denominadas pelos pases centrais como desenvolvidas, em

    desenvolvimento, subdesenvolvidas ou pr-capitalistas, pases do Norte,

    ricos, e pases do Sul, pobres ultimamente, pases desenvolvidos e

    pases emergentes. So consideradas economias desenvolvidas os

    Estados Unidos da Amrica do Norte, Japo, Alemanha, Reino Unido, Itlia e Frana, e as economias emergentes, Brasil, Rssia, China e ndia.

    importante se dar conta de que as diferentes formas de chamar ou de nomear os pases quase nada esclarecem sobre as condies que causam

    o que se chama de subdesenvolvimento. Isso porque todos os pases

    acabam sendo comparados com os considerados desenvolvidos. As naes que se firmavam como centro de dominao poltica, econmica

    e cultural passaram a constituir modelos superiores, aos quais todas as demais naes deveriam chegar.

    nesse contexto que se buscam formas de explicar por que, enquanto algumas naes se desenvolvem, outras continuam dependentes e

    pouco desenvolvidas: pobreza, analfabetismo, doenas. Normalmente, essas explicaes atribuem o no desenvolvimento ao aumento

    da populao, ao atraso cultural e incapacidade dos pases

    subdesenvolvidos. Ultimamente, essa incapacidade tambm associada

    gesto administrativa, financeira e inclusive a dos recursos humanos

    do Estado. A interveno do Estado na economia e os custos com as polticas pblicas sociais so apontados como os grandes entraves ao

    desenvolvimento.

    Assim, feita uma leitura dos pases, quando se sabe que, no interior de

    cada pas, h verdadeiras ilhas de desenvolvimento, que so usufrudas

    por poucos. tambm assim que se encontram as justificativas para

    a interveno dos pases ricos nos pases pobres, submetidos atravs

  • 36 anotaes

    de dvidas contradas com os organismos multilaterais, como o Fundo

    Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). Recentemente, outra justificativa forte para as intervenes tem sido a questo do

    terror e do terrorismo.

    Para compreender a situao prpria de desenvolvimento de uma

    determinada sociedade necessrio que ela seja compreendida tambm estruturalmente, na sua historicidade e na dinmica das contradies

    que a movem, no interior do processo histrico mais amplo. Essa anlise

    pressupe que se parta de critrios sobre o que considerar como

    desenvolvimento.

    Desenvolvimento da sociedade muita riqueza concentrada na mo de poucos ou uma sociedade desenvolvida aquela em que toda a populao tem uma vida digna, com trabalho, educao, sade, lazer e habitao?

    Embora simplificando e sintetizando a histria, possvel dizer que, ao

    longo do processo de formao da sociedade capitalista, trs grandes concepes e prticas de desenvolvimento foram sendo construdas e

    ainda hoje se confrontam7.

    A Concepo Liberal Tradicional ou Neoliberal, como chamada a partir de 1970, a mais forte e mais presente. Para essa forma de entendimento, o desenvolvimento da sociedade continua sendo sinnimo de crescimento econmico, isto , do crescimento do produto interno bruto e da renda mdia per capita. O fundamental nesta viso que o mercado, deixado livre, sem controle do estado ou da sociedade, gera o crescimento econmico e desenvolve os pases. Assim, para as

    foras sociais que compartilham essa viso, desenvolvida a nao ou o pas que aumenta a sua riqueza, mesmo que essa riqueza esteja na mo

    7 Atualmente h um debate que insere a discusso do desenvolvimento na disputa de territrios. Esta discusso uma contribuio da rea da Geografia. Para compre-ender este debate leia os livros de Fernandes e Oliveira, indicados nas leituras de aprofundamento no final deste captulo. No caderno 7, da Coleo por uma Educao do Campo, h um texto de Fernandes, Educao do campo e territrio campons no Brasil, que ajuda a compreender este enfoque.

  • 37anotaes

    de poucos e a grande maioria viva na misria. Os trabalhadores no so ouvidos sobre que desenvolvimento querem. O processo de desenvolvimento dirigido de cima para baixo e de fora para dentro.

    B Acompanhando as crises do capitalismo, o conceito de desenvolvimento foi atualizado. Isso aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial, pela fora poltica

    que ficou conhecida como Social Democracia ou Democracia Liberal.

    A partir desse perodo, na Europa, foi constitudo o que se chamou de

    Estado de Bem-Estar Social, e o conceito de desenvolvimento, alm da dimenso econmica, passa a ter tambm uma dimenso social. Nesta concepo, o desenvolvimento econmico passa a se expressar pelo crescimento econmico e pelo nvel tecnolgico alcanado por uma

    dada sociedade, e o desenvolvimento social medido por um conjunto de servios, apoiados e/ou patrocinados pelo Estado, com o objetivo de diminuir a distncia social entre as classes sociais, o que realizado por meio das polticas pblicas sociais e muitas vezes por polticas

    compensatrias. Fala-se, na perspectiva Liberal Moderna ou Social

    Democrata, em uma necessria relao entre crescimento econmico e desenvolvimento humano. Nessa concepo, desenvolvimento um processo dirigido em funo do somatrio de esforos conjugados,

    envolvendo o povo e o governo, para melhorar o nvel de vida da

    populao.

    Ambas as concepes, mas principalmente a Liberal Moderna, fundam-

    se no pressuposto de que possvel humanizar o capitalismo. Com

    isto, nunca so discutidas as bases do Projeto da Modernidade ou

    do capitalismo, em suas diferentes esferas: a econmica, a poltica

    e a cultural e a ideolgica. Seus seguidores asseguram que este o

    Na prtica, hoje, no pensamento hegemnico que amplamente majoritrio na sociedade, desenvolvimento sinnimo de crescimento

    econmico, progresso tecnolgico e capacidade de consumo de uma nao. Isso igual

    modernizao e representa a passagem de um estado atrasado para o moderno, que se

    concretiza na dinmica do capital e do mercado.

  • 38 anotaes

    melhor projeto, sendo possvel, sem tocar nas bases que o constituem,

    humaniz-lo8.

    Na prtica, hoje, no pensamento hegemnico que amplamente majoritrio na sociedade, desenvolvimento sinnimo de crescimento econmico, progresso tecnolgico e capacidade de consumo de uma

    nao. Isso igual modernizao e representa a passagem de um

    estado atrasado para o moderno, que se concretiza na dinmica do capital e do mercado.

    C Em uma perspectiva que orgnica aos interesses da classe trabalhadora, sob a hegemonia do projeto capitalista no possvel

    o desenvolvimento humano em todas as suas dimenses, portanto,

    necessria a transformao do atual modelo de desenvolvimento.

    Com esta compreenso, desenvolvimento passa a ser um processo de direcionamento das estruturas econmicas, polticas e culturais ao bem-

    estar das pessoas. Isso significa autonomizao e autodeterminao

    das naes e dos povos, nas suas relaes umas com as outras.

    Internamente, no Brasil, por exemplo, significa autonomizao e

    autodeterminao dos trabalhadores, no sentido de organizao e enfrentamento de suas preocupaes e interesses de forma coletiva, sem

    intermediaes externas, de modo que eles mesmos sejam protagonistas

    do processo.

    Assim, para essa concepo, o desenvolvimento de uma nao deve se centrar nos seres humanos concretos e no seu bem-estar, e colocar a organizao econmica, poltica, social, cultural e todas as relaes

    humanas e com a natureza a servio dessa perspectiva. Tambm a autodeterminao dos povos/naes passa a ser importante, assim como

    central, no interior de uma nao, que toda e qualquer pessoa se

    8 So correntes as anlises que demonstram que o desenvolvimento das foras produtivas sob a hegemonia do capital no responde pelas necessidades humanas (valor de uso), porque so direcionadas, de modo cada vez mais voraz, para o valor de troca. Esta voracidade, alm de levar milhes de pessoas a viverem na misria, tem colocado em risco a sobrevivncia da humanidade no Planeta Terra, uma vez que contribui para o esgotamento dos recursos naturais no renovveis.

  • 39anotaes

    encontre em condies para pensar, decidir e agir sobre a sua realidade

    social, sobre o seu destino.

    A luta de classes demonstra que, para outro tipo de desenvolvimento, preciso outra forma de organizao econmica e outra forma de relaes de produo, em que no exista a explorao do trabalho pelo

    capital. Nessa formulao existe a convico de que so os trabalhadores que podero realizar transformaes profundas na sociedade, por

    meio de sua autonomizao, autodeterminao, organizao, livre associao e lutas coletivas contra o capital. Da que, nesta perspectiva,

    a intencionalidade pedaggica e poltica do trabalho popular deve

    contribuir para que se constituam sujeitos efetivos de processos que acumulem para transformaes sociais da lgica do capital, sendo,

    tambm, papel da escola estar inserida neste processo.

    2.2. desenvolvimento rural e desenvolvimento do campo

    Como vimos, so foras sociais concretas as que lutam para dar a direo ao desenvolvimento. Esse processo envolve negociao, mas tambm conflitos, geralmente violentos9. Por isso, alm de compreender as diferentes formas de conceber o que desenvolvimento, importante o olhar histrico para compreender como o desenvolvimento no Brasil

    ocorreu e vem ocorrendo.

    importante ter presente o que estudamos anteriormente porque o nosso desenvolvimento, embora ocorrendo em um tempo diferenciado, acompanha a direo do desenvolvimento dos pases capitalistas ditos

    desenvolvidos e dirigido por eles.

    Datas e acontecimentos vividos pelos brasileiros em diferentes pocas podem ser mais bem compreendidos se vistos articulados aos modelos de desenvolvimento que foram sendo implementados ao longo da nossa histria. Tambm as transformaes que ocorrem no campo, no

    9 Este texto foi elaborado tendo como referncia: Fausto, 1998; Caldart, 2008c; Car- Este texto foi elaborado tendo como referncia: Fausto, 1998; Caldart, 2008c; Car-valho 1996 e 1998; Carvalho, 2007; Skidmore, 1979; Ianni, 1996, Paludo e Thies (Org.), 2008; Grgen, 2004; Stdile, 1997, 2002 e 2008.

  • 40 anotaes

    Brasil, devem ser vistas de forma articulada ao que ocorre na direo do desenvolvimento no pas, que, por sua vez, est inserido no contexto

    maior, o mundo.

    Tendo esses elementos presentes, pode-se dizer que o Brasil passou por quatro momentos marcantes que representam mudanas significativas na

    direo do seu desenvolvimento.

    De 1500 a 1930, vivenciou o modelo agroexportador dependente; de

    1930 at 1964 se d o perodo da substituio de importaes, nacional

    desenvolvimentismo ou industrializao dependente; de 1964 a 1990

    h o aprofundamento da internacionalizao da economia, e na dcada de 1990 implementa-se o que se chama de modelo neoliberal de

    desenvolvimento, que, atualmente, passa por uma crise profunda que penaliza os trabalhadores.

    importante tambm ter clareza de que a primeira mudana de direo do desenvolvimento representa uma mudana estrutural, dado que muda a forma de organizao econmica, poltica, social e cultural. Quer dizer,

    h uma mudana de projeto de nao, uma vez que, de colnia e imprio colonial dependente, o Brasil assume o projeto da industrializao, da Modernidade, passando a se organizar nos moldes dos pases capitalistas

    considerados desenvolvidos.

    Esste projeto, como j vimos, traz consigo a viso de desenvolvimento como crescimento econmico e avano tecnolgico, e se alicera: a) nas

    relaes de produo capitalistas: compra e venda da fora de trabalho,

    ou seja, na explorao do trabalho pelo capital; b) na constituio

    do Estado de direito, cuja democracia apenas representativa e, c) numa viso social de mundo que dissemina os valores burgueses do individualismo, do consumismo, da valorizao da cincia e da tcnica, e de uma escola cujo papel o de preparar cada vez mais para o mercado de trabalho.

  • 41anotaes

    desde o incio, dois modelos de agricultura em disputa

    Vendo mais de perto a questo do meio rural, os estudos mostram que no campo, no Brasil, at mais ou menos 1900, existiam trs classes: a oligarquia rural, que controlava as fazendas, a nobreza e o povo, formado pelos escravos. Foi o colonizador que imps a construo de fazendas chamadas de Plantation, cujas caractersticas eram a monocultura

    (cana, algodo, pecuria para exportar o couro, o cacau e o caf10), a venda para o mercado externo e o trabalho escravo.

    J no sculo XIX esse modelo comea a entrar em crise, entre outros elementos, pela fuga dos escravos, que escasseou a mo-de-obra, a necessidade de produo de outras mercadorias para no ter que importar tudo da Europa e a diminuio do mercado externo em relao aos produtos agrcolas.

    Deste modo as elites agrrias coloniais acabam sendo foradas, especialmente pela Inglaterra, a substituir o modelo de desenvolvimento baseado na mo-de-obra escrava. Para isso foi criada uma srie de leis, que se inicia com a abolio do Trfico Negreiro (1850), passa pela Lei

    do Sexagenrio e do Ventre Livre, at chegar Lei urea, em 1888.

    Mas importante destacar que a abolio fruto tambm das lutas dos povos negros, que resistiam, principalmente, por meio das fugas e da criao de quilombos espalhados pelo Brasil.

    Aps a abolio, entretanto, os negros e os pobres do campo em geral

    no puderam se transformar em camponeses. Isto se deve implantao

    da lei de Terras, no ano de 185011. A Lei de Terras, segundo Grgen

    (2004, p.17), dizia que quem j tinha terra doada pela coroa podia

    legalizar e ficar de dono e, quem no tinha, da para diante s poderia ter

    10 No se pode esquecer da extrao dos minrios, principalmente o ouro e a prata, No se pode esquecer da extrao dos minrios, principalmente o ouro e a prata, que era de interesse do colonizador.

    11 Note que no mesmo ano em que foi implantada a Lei de Terras foi decretado Note que no mesmo ano em que foi implantada a Lei de Terras foi decretado tambm o fim do trfico negreiro, por meio da Lei Eusbio de Queiroz. Esse foi um movimento de precauo da classe dominante para que a terra ficasse concentrada nas mos das oligarquias e no fosse distribuda para os trabalhadores, especialmente os negros ex-escravos.

  • 42 anotaes

    se comprasse. Quer dizer, o acesso terra s foi garantido para quem

    j tinha a terra, que eram os latifundirios. Os negros no tinham como comprar terra, devendo se submeter ao trabalho assalariado.

    Nesse mesmo perodo se deu a chegada dos imigrantes europeus,

    muitos dos quais indo trabalhar nas grandes fazendas. Com os imigrantes e com a fim da escravido, foi se constituindo a agricultura camponesa,

    a agricultura dos pequenos, que produziam de forma diversificada, tanto

    para a sua subsistncia, quanto para o mercado interno, com a mo-de-obra da prpria famlia. Os camponeses tambm tinham o controle da

    tecnologia que utilizavam (controle das sementes, conhecimento dos ciclos agrcolas, controle das doenas, etc.).

    Esses dois modelos de agricultura, o dos latifundirios e o dos camponeses, nascem e continuam em conflito. O que os coloca em

    conflito a disputa pela propriedade da terra e a explorao do

    trabalho. A resistncia dos camponeses pode ser constatada em Canudos (1893-1897), na guerra contra os caboclos do Contestado (1912-1916)

    e na luta atual dos Movimentos Sociais de trabalhadores sem-terra pela Reforma Agrria, entre os quais o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que completou 25 anos em 2009.

    Continuam as transformaes no Brasil

    A partir dos anos 1920 uma srie de transformaes continuou

    acontecendo no Brasil. Dentre elas podemos destacar: o surgimento da burguesia nacional; a reduo de importaes e a industrializao;

    a formao de uma classe mdia devido ao processo de urbanizao, confirmado pelo aumento das cidades, especialmente no centro-sul do

    pas, e a organizao da classe trabalhadora por meio dos sindicatos

    e partidos polticos de esquerda. Essas foram algumas mudanas

    importantes que deram base para um novo modelo de desenvolvimento, que tem nos marcos da Revoluo de 1930 e no governo Vargas (1930-1945) a sua marca maior.

  • 43anotaes

    A Revoluo de 1930 representa uma troca das elites no poder sem maiores rupturas. Ou seja, caem as oligarquias agrrias e sobem os

    militares, os tcnicos diplomados, os jovens polticos e os industriais.

    Houve, nesse perodo, a superao da viso de que o destino do Brasil

    era exclusivamente agrcola, pois havia um processo de industrializao

    em andamento, e o Brasil parecia irremediavelmente ligado indstria.

    nesse perodo que ganha fora a industrializao do Brasil e tambm

    do campo. Isso se deu em razo da substituio da agricultura tradicional pela chamada agricultura moderna, processo que j estava caminhando, em larga escala, na Europa.

    Desde a perspectiva do capital, havia dois projetos de desenvolvimento para o Pas: liberalismo x nacionalismo, cujo conflito, que passou por

    um perodo de ditadura, chamado de Estado Novo, de 1937 a 1945, foi

    resolvido com o Golpe Militar de 1964.

    O liberalismo defendia que o processo de industrializao s seria

    possvel com o capital internacional atravs de emprstimos ou de

    empresas (multinacionais) com a necessria transferncia tecnolgica.

    A dvida externa e a remessa de lucros das empresas para o exterior

    no eram consideradas como problemas. Internamente o governo deveria buscar a estabilidade econmica atravs da adoo de medidas monetaristas para melhor adequar o Brasil aos padres do comrcio

    internacional.

    O nacionalismo, tambm chamado de nacional-desenvolvimentismo, inspirava-se nos princpios da CEPAL (Comisso Econmica para a

    Amrica Latina). Estes rejeitavam a abertura da economia ao capital estrangeiro e diziam que a alternativa era recorrer ao capital nacional para o desenvolvimento econmico e autnomo do Brasil. Acreditavam que o desenvolvimento feito de forma independente e com a participao do Estado levaria soluo dos problemas sociais.

    No dia-a-dia, as concepes apareciam de forma mesclada,

    impossibilitando a diviso rgida entre os capitalistas liberais

  • 44 anotaes

    tradicionais e os liberais nacionalistas, tambm chamados de sociais

    democratas.

    Entre os anos 1945 e 1964 aprofunda-se uma perspectiva de desenvolvimento da economia brasileira do chamado nacional-desenvolvimentismo. Esse foi um perodo marcado pelo otimismo em

    um desenvolvimento acelerado. Entretanto, o desenvolvimentismo, at ento marcado pelo nacionalismo, comea a entrar em contradio com o incio da internacionalizao da economia, resultante da instalao das

    multinacionais, a partir do governo Kubitschek. Houve uma contradio que foi se acirrando entre a ideologia poltica: nacionalismo (construo

    da identidade nacional, construo da independncia, populismo) e o modelo econmico que se internacionalizava cada vez mais e se submetia e ao controle estrangeiro.

    Nessa fase evidente a organizao da classe trabalhadora no campo e na cidade, seja na defesa de outro projeto histrico, seja para garantir

    direitos sociais. No incio da dcada de 1960 as lutas de classe no Brasil

    se acirram e se constri um movimento popular de apoio s Reformas

    de Base do Governo Joo Goulart.

    O resultado dessa disputa entre os dois modelos de desenvolvimento para o Brasil foi o golpe militar de 1964, que se estende at 1985. Nesse

    perodo, acentua-se o processo de desnacionalizao da economia, h a

    liquidao do nacional-desenvolvimentismo e com ele as propostas das reformas de base: educao, habitao, saneamento, reforma agrria e sade.

    O perodo do Regime Militar impe um modelo de desenvolvimento

    centrado na ideia de desenvolver o Brasil com segurana nacional. Em outras palavras, uma ditadura da classe dominante nacional, com o apoio do capital internacional, que teve nas foras armadas a instncia de execuo desse projeto.

    A ditadura militar foi um perodo de forte represso s organizaes

    da classe trabalhadora e aos crticos do regime. nesse momento

  • 45anotaes

    histrico que implementada no campo brasileiro, com fora, a chamada

    Revoluo Verde, como veremos mais adiante.

    Em finais da dcada de 70, devido organizao da economia e dos

    emprstimos conseguidos com credores internacionais, uma srie de problemas se instaura no pas. Dvida externa, inflao, arrocho salarial,

    aumento da pobreza, depauperizao da classe mdia. Ressurgem as lutas populares. Esse processo de resistncia e de luta coroado com o fim

    do regime militar e a elaborao de uma nova constituio, em 1988.

    Nesse perodo, embora com excees, a esquerda acreditou que o

    Brasil pudesse entrar numa espcie de Estado de Bem-Estar Social. Nesse Estado, que j existia na Europa desde a Segunda Guerra Mundial,

    as polticas pblicas atenuavam os conflitos de classe entre o capital e

    o trabalho. No foi isso que aconteceu, porque, para responder a uma crise que ocorria desde 1970, os Estados Unidos e a Inglaterra acabaram mudando a direo mundial do desenvolvimento, o que ficou sendo

    conhecido como neoliberalismo. Essa nova direo foi imposta aos pases ditos em desenvolvimento ou emergentes atravs de um plano de

    ajustes monitorado e controlado desde fora.

    Houve desse modo, um aprofundamento no modelo de desenvolvimento que o concebe como crescimento econmico e avano tecnolgico.

    Esste modelo est sendo dirigido de fora para dentro e de cima para baixo, quer dizer, os trabalhadores no opinam, apenas sofrem as consequncias. Assim, no se trata de negar o desenvolvimento econmico e o crescimento tecnolgico, mas de refletir sobre para

    quem se destina o crescimento econmico e sobre qual tecnologia a ser desenvolvida, a servio de quem e para qu. Atualmente o chamado neoliberalismo, o sistema do capital, est em crise. Todo dia se ouve e l esta palavra na televiso e nos jornais. A crise vivida pelos trabalhadores no seu cotidiano, e o desemprego cresce.

  • 46 anotaes

    A continuidade da disputa de projetos no campo

    Como se viu, impulsionados pela Revoluo de 1930 o campo e a cidade passam a ser regidos por esse novo modelo de desenvolvimento urbano e industrial, com nfase na substituio de importaes e com trabalho

    assalariado. Esse modelo se torna, ao longo do tempo, cada vez mais associado e dependente do capital internacional. No campo, esse processo de industrializao e modernizao, que j estava andando a passos largos na Europa, como j foi mencionado

    anteriormente, chamado de Revoluo Verde.

    Revoluo Verde significa a mudana do modelo tecnolgico. Esste

    modelo tecnolgico revolucionou as bases tcnicas de produo,

    instalando um padro agroqumico para a agricultura, que est alicerado

    na extenso rural, pesquisa agrcola e crdito rural, e mudou o jeito de

    viver dos camponeses. De acordo com Grgen (2004), a Revoluo

    Verde passa por trs fases, todas elas com consequncias negativas muito srias para os camponeses e tambm para os trabalhadores da cidade.

    A primeira fase se estendeu de 1960 at 1990. Ela corresponde ao que se chama de modelo extensivo de agricultura. Nesse modelo, aumentam a rea plantada e a difuso de grandes lavouras de gros: monocultura (trigo, soja, arroz, cacau, caf, etc.). H a industrializao da agricultura, que vira uma atividade de empresrios. Para as indstrias, vira um ramo de negcios: venda de mquinas, sementes, adubos e venenos. A renda

    produzida fica na mo dos empresrios e industriais e no retorna para

    o agricultor, que quem produz.

    Esse modelo de desenvolvimento para o campo ampliou o xodo rural e inchou as periferias das grandes cidades, com aumento de concentrao de terras, troca da adubao orgnica pela qumica e produo voltada

    para a exportao em detrimento do mercado interno, que levou os agricultores ao endividamento e perda de terras.

  • 47anotaes

    A segunda fase da Revoluo Verde vai de 1990 a 1999. Nessa fase houve a busca do aumento da produtividade como forma de superar a crise na agricultura, dar respostas econmicas aos agricultores, diminuir os problemas com a devastao ambiental, conter o xodo rural, entre outras consequncias. Essa fase aumentou a modernizao do campo, o lucro das empresas e o endividamento dos agricultores, comeou a exigir maior especializao e profissionalizao e uma maior integrao

    da produo com a agroindstria e com as empresas de exportao. A agricultura brasileira, no mercado globalizado, foi colocada na concorrncia do mercado mundial de alimentos, e o uso macio de agrotxicos criou novos desequilbrios no ambiente.

    A terceira fase, que acontece a partir do ano 2000, traz a doena, tanto das plantas, quanto dos seres humanos. Os custos da produo ficaram cada vez mais altos. Enfim, uma srie de problemas

    foi produzida pela terceira fase da Revoluo Verde, que est em curso ainda hoje: o que se chama de modelo do Agronegcio. Estamos falando das plantas transgnicas e da

    clonagem de plantas e animais, de rigorosos mtodos de controle de produo, com o uso de alta tecnologia e da integrao de alguns agricultores a algumas agroindstrias. A grande maioria dos agricultores j est, ou estar, em mdio prazo, nesse modelo de desenvolvimento, fora da produo.

    Agronegcio, (agribusiness, em ingls), o nome que designa o

    avano da modernizao conservadora do campo, comandada por grandes empresas multinacionais. conservadora, porque aprofunda a concentrao de terras e no altera as relaes sociais e de trabalho, e

    modernizao, porque introduz tcnicas de cultivo mecnicas, qumicas e

    biolgicas. Resultado: aumento da misria, da excluso social, do trabalho

    escravo e da degradao ambiental. O processo da Revoluo Verde representa o desenvolvimento do capitalismo na agricultura, o que tem levado a concentrao de renda, patrimnio e poder para a classe social dominante.

    Revoluo Verde significa a mudana do modelo tecnolgico. Esse modelo

    tecnolgico revolucionou as bases tcnicas de produo, instalando um padro agro-qumico para a

    agricultura, que est alicerado na extenso rural, pesquisa agrcola e

    crdito rural, e mudou o jeito de viver dos camponeses.

  • 48 anotaes

    Esse projeto de desenvolvimento do campo, que significa, na verdade,

    um projeto de expanso do capital no campo, tem como caracterstica

    principal hoje o controle da agricultura pelo capital financeiro

    internacionalizado. Nesse projeto a agricultura artificializada e

    transformada num ramo da indstria, e a natureza subordinada aos interesses das empresas capitalistas. Um resultado bem visvel dessa

    lgica que, em duas dcadas, aproximadamente, 30 grandes empresas

    transnacionais passaram a controlar praticamente toda a produo e o comrcio agrcola do mundo. E a consequncia estrutural um processo

    acelerado de marginalizao da agricultura camponesa, cada vez mais sem papel nessa lgica de pensar o desenvolvimento do pas.

    Esse projeto, hoje dominante, supe, do ponto de vista do modelo

    tecnolgico: a privatizao da cincia e da tecnologia, com a consequente

    privatizao do saber - a homogeneizao e especializao da produo agropecuria e florestal, negando a biodiversidade -; o domnio de

    poucas empresas privadas multinacionais na produo agropecuria e florestal e a imposio poltica e econmica das sementes transgnicas;

    a apropriao privada da biodiversidade e da gua. Nesse modelo as sementes transformaram-se em negcios e a vida vegetal e animal, em

    mercadoria.

    Os camponeses e os trabalhadores do campo, organizados nos Movimentos Sociais, resistem a esse projeto de desenvolvimento rural,

    ao modelo tecnolgico e s relaes sociais e de trabalho que ele impe.

    Em seu lugar, os Movimentos trabalham na perspectiva de construo de um projeto popular de desenvolvimento do campo, compreendendo,

    com isso, que a economia e a tecnologia devem estar a servio do atendimento das necessidades humanas, e no do capital.

    A construo desse projeto alternativo comea pela denncia das contradies do projeto dominante, buscando explicar populao do

    campo e da cidade como o modelo de produo da agricultura industrial insustentvel, por ser totalmente dependente de insumos, como fertilizantes qumicos e derivados do petrleo, que tem limites fsicos

  • 49anotaes

    naturais e, portanto, expanso limitada a um mdio prazo. Denuncia, tambm, como o controle sobre os alimentos, feito por algumas empresas, apenas, tem gerado preos acima do seu valor, o que j est provocando aumento da fome no mundo e revolta da populao, que fica cada vez com menos acesso ao alimento necessrio para uma vida

    digna, alm do fato de que os alimentos que consegue so cada vez mais contaminados por agrotxicos, que fazem mal sade.

    As empresas esto ampliando a agricultura baseada nas sementes transgnicas, ao mesmo tempo em que aumentam as denncias e ficam

    mais visveis suas consequncias sobre a destruio da biodiversidade,

    sobre o clima e os riscos para a sade humana e a dos animais. A agricultura industrial, de monocultivo, destri necessariamente a

    biodiversidade, o que altera sistematicamente o regime de chuvas e contribui para o aquecimento global, problemas cada vez mais intensos no clima do planeta.

    Alm de mostrar essas contradies, os Movimentos Sociais do Campo

    tm se dedicado tambm a indicar alguns pilares para a construo de um novo projeto de desenvolvimento do campo. As formulaes

    destacam, especialmente: a) a Soberania Alimentar como princpio

    organizador de uma nova agricultura, com uma produo voltada para atender as necessidades do povo e com polticas pblicas voltadas

    para esse objetivo; b) a democratizao da propriedade e do uso da

    terra a Reforma Agrria integral deve voltar agenda prioritria do

    pas como forma de reverter o processo de expulso do campo e

    disponibilizar a terra para a produo de alimentos; c) uma nova matriz

    produtiva e tecnolgica, que combine produtividade do trabalho com

    sustentabilidade socioambiental, o que inclui a opo pela agroecologia;

    d) o princpio da cooperao, em lugar da explorao, para organizar a

    produo; e) a mudana da matriz energtica; f) o avano na organizao

    poltica, econmica e comunitria dos camponeses e pequenos

    agricultores.

  • 50 anotaes

    A construo desse modelo de desenvolvimento do campo necessita a superao do modo de produo capitalista. A resistncia12 a esse projeto tem possibilitado que os trabalhadores do campo lutem pelos seus interesses de classe e avancem em suas organizaes.

    2.3 Concepo de Educao do Campo

    A escola capitalista tem o papel de formar as pessoas para que aceitem a sociedade capitalista e a ela se integrem. No Brasil, no foi e nem diferente. A cada mudana no modelo de desenvolvimento, h mudanas no papel da educao13.

    assim que, no perodo colonial e no imprio, quando vigorava

    o modelo agroexportador, no existia a escola pblica como a conhecemos hoje. O incio da escolarizao foi obra dos jesutas, que

    implementaram o que os historiadores chamam de Teoria Educacional de cunho religioso. Os jesutas catequizavam os ndios, e alguns

    colgios de congregaes religiosas se dedicavam a ensinar os filhos das

    oligarquias e da nobreza e a preparar entre eles tambm os que seriam os futuros padres.

    A mudana no modelo de desenvolvimento trouxe consigo mudanas na forma de compreender a importncia e o papel da escola. O modelo industrial requeria um mnimo de conhecimento, e a nova classe, a

    burguesia, que ia assumindo o poder econmico e poltico, necessitava

    da escola. Assim, a partir de meados de 1890 se intensificou o debate

    sobre a construo de uma escola laica (no religiosa), pblica e gratuita, como dever do Estado. Alm disso, muitos educadores importantes do perodo acreditavam que pela educao poderiam ser solucionados os

    graves problemas sociais do Brasil.

    12 Lembrar, entre tantas outras, da resistncia indgena, dos negros, Mucker, Balaiada, Lembrar, entre tantas outras, da resistncia indgena, dos negros, Mucker, Balaiada, Sabinada, Canudos, Contestado, Ligas Camponesas, Lutas sindicais, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Movimento das Mulheres Camponesas, Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento dos Pequenos Agricultores.

    13 Texto elaborado a partir dos seguintes autores: Caldart, 2008 a e b; Saviani, 2007; Texto elaborado a partir dos seguintes autores: Caldart, 2008 a e b; Saviani, 2007; Gadotti, 2004; Coleo Por uma Educao do campo, nmeros 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7.

  • 51anotaes

    Nesse perodo, que vai at a Revoluo de 1930, ao lado da Teoria

    Tradicional de Educao, presente desde os jesutas, comeam a se

    constituir, no Brasil, as duas grandes concepes de educao, que

    estudamos no captulo um. Duas concepes se articulavam em torno

    do iderio Liberal da educao: a concepo de Educao Tradicional no religiosa (laica), que Paulo Freire, no livro Pedagogia do Oprimido, chama de Educao Bancria, e a concepo Liberal Renovada Progressiva, tambm chamada de Escola Nova. Ao lado dessas, outra concepo, inspirada no iderio Socialista, era praticada pelos anarquistas, socialistas e comunistas daquele perodo.

    Essas concepes de educao iam se confrontando, terica e

    praticamente, na realidade brasileira. Acompanhando o Movimento de apoio s reformas de base, uma dcada antes do Golpe Militar, Paulo

    Freire formula a Pedagogia Libertadora de Educao a Pedagogia do Oprimido. Em 1964, com o Golpe Militar e com o aprofundamento

    da internacionalizao da economia brasileira, o governo, com o apoio dos Estados Unidos, orienta o ensino a partir da Teoria Tecnicista de Educao. O ressurgimento das foras populares, que lutaram contra a ditadura, trouxe consigo tambm o repensar sobre a educao e sobre o projeto de nao. Nesse perodo se construiu no Brasil e na

    Amrica Latina o que ficou conhecido como Educao Popular: uma

    concepo de educao profundamente identificada com os interesses

    dos trabalhadores.

    Com a mundializao do capital a partir de 1990, cada vez mais a educao colocada a servio das demandas do capital e do mercado, e h uma tendncia forte a sua privatizao. A educao dos trabalhadores sofre um alto grau de seletividade, de excluso, de evaso e de repetncia. A seletividade contempla tambm a discriminao social na luta pela escola. As camadas mdias procuram a universidade e as camadas populares, formao bsica/profissional. Mantm-se a

    dicotomia entre educao humana geral e profissional. H uma expanso

    heterognea com grandes desigualdades regionais e tambm urbano-

  • 52 anotaes

    rurais. Continua a vergonha do analfabetismo e a defasagem idade e srie. As escolas pblicas carregam muitos problemas de estrutura, os professores no so valorizados. Enfim, a educao do povo continua

    insuficiente e inadequada.

    A partir de 1960, como vimos anteriormente, o processo de industrializao do campo recebeu forte impulso do capital internacional, com o Golpe Militar de 1964. Com o apoio dos Estados Unidos

    desenvolvida uma srie de programas educativos, todos eles distantes das necessidades dos que vivem do seu trabalho no campo.

    Assim, no Brasil, a chamada Educao Rural sempre foi uma educao

    para o meio rural, sempre visto como lugar do inferior e do atraso, em oposio cidade, considerada o lugar do moderno. Nesse processo,

    a educao da cidade acabou sendo parmetro para a educao dos trabalhadores do campo. O mais significativo, entretanto, que esta

    educao, atualmente, visa adaptar e adequar os camponeses e os trabalhadores rurais ao modelo de desenvolvimento que as elites rurais querem implantar: o desenvolvimento rural na perspectiva do agronegcio, no importando as consequncias humanas, sociais e

    ambientais.

    Vimos que houve, aps 1964, uma retomada das lutas pelos

    trabalhadores. No campo, isso tambm aconteceu, e foram se constituindo os Movimentos Sociais do Campo e, particularmente, os Movimentos Sociais de luta pela Reforma Agrria, entre os quais o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que em seu percur