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CADERNOS IPPUR Publicação semestral do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro O CADERNOS IPPUR é um periódico semestral, editado desde 1986 pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio- nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmico interdisciplinar formado por professores, pesquisadores e estudantes interessados na compreensão dos objetos, escalas, atores e práticas da intervenção pública nas dimen- sões espaciais, territoriais e ambientais do desenvolvimento econômico-social. É dirigi- do por um Conselho Editorial composto por professores do IPPUR e tem como instância de consultação um Conselho Científico inte- grado por destacadas personalidades da pes- quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe e seleciona artigos escritos por membros da comunidade científica em geral, baseando- se em pareceres solicitados a dois consulto- res, um deles obrigatoriamente externo ao corpo docente do IPPUR. Os artigos assina- dos são de responsabilidade dos autores, não expressando necessariamente a opinião do corpo de professores do IPPUR. Editor Henri Acselrad Conselho Editorial Ana Clara Torres Ribeiro Henri Acselrad Pedro Abramo Rosélia Perissé Piquet Conselho Científico Aldo Paviani (UNB) Bertha Becker (UFRJ) Celso Lamparelli (USP) Inaiá Carvalho (UFBA) Leonardo Guimarães (FIJN) Lícia do Prado Valladares (IUPERJ) Maria Brandão (UFBA) Maurício de Almeida Abreu (UFRJ) Milton Santos (USP) Neide Patarra (UNICAMP) Roberto Smith (UFCE) Tânia Bacelar de Araújo (UFPE) Wrana Maria Panizzi (UFRGS) IPPUR / UFRJ Prédio da Reitoria, Sala 543 Cidade Universitária / Ilha do Fundão 21941-590 Rio de Janeiro RJ Tel.: (21) 598-1676 Fax: (21) 564-4046 E-mail: [email protected] http:\\www.ippur.ufrj.br

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CADERNOS IPPURPublicação semestral do Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

O CADERNOS IPPUR é um periódicosemestral, editado desde 1986 pelo Institutode Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmicointerdisciplinar formado por professores,pesquisadores e estudantes interessados nacompreensão dos objetos, escalas, atores epráticas da intervenção pública nas dimen-sões espaciais, territoriais e ambientais dodesenvolvimento econômico-social. É dirigi-do por um Conselho Editorial composto porprofessores do IPPUR e tem como instânciade consultação um Conselho Científico inte-grado por destacadas personalidades da pes-quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe eseleciona artigos escritos por membros dacomunidade científica em geral, baseando-se em pareceres solicitados a dois consulto-res, um deles obrigatoriamente externo aocorpo docente do IPPUR. Os artigos assina-dos são de responsabilidade dos autores, nãoexpressando necessariamente a opinião docorpo de professores do IPPUR.

Edi torHenri Acselrad

Conselho EditorialAna Clara Torres RibeiroHenri AcselradPedro AbramoRosélia Perissé Piquet

Conselho Cientí ficoAldo Paviani (UNB)Bertha Becker (UFRJ)Celso Lamparelli (USP)Inaiá Carvalho (UFBA)Leonardo Guimarães (FIJN)Lícia do Prado Valladares (IUPERJ)Maria Brandão (UFBA)Maurício de Almeida Abreu (UFRJ)Milton Santos (USP)Neide Patarra (UNICAMP)Roberto Smith (UFCE)Tânia Bacelar de Araújo (UFPE)Wrana Maria Panizzi (UFRGS)

IPPUR / UFRJPrédio da Reitoria, Sala 543

Cidade Universitária / Ilha do Fundão21941-590 Rio de Janeiro RJ

Tel.: (21) 598-1676Fax: (21) 564-4046

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CADERNOS IPPURAno XIII, No 2Ago-Dez 1999

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Cadernos IPPUR/UFRJ/Instituto de Pesquisa e Planeja-mento Urbano e Regional da Universidade Federaldo Rio de Janeiro. – ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) –Rio de Janeiro : UFRJ/IPPUR, 1986 –

Irregular.Continuação de: Cadernos PUR/UFRJISSN 0103-1988

1. Planejamento urbano – Periódicos. 2. Planejamen-to regional – Periódicos. I. Universidade Federal do Riode Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbanoe Regional.

Indexado na Library of Congress (E.U.A.)e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.

Apoio CAPES / PROAP

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CADERNOS IPPUR

SUMÁRIOAno XIII, No 2Ago-Dez 1999

Resumos e Abstracts, 7

Atualidade Analítica , 13Milton Santos, 15O Território e o Saber Local: algumascategorias de análise

Artigos, 27Michael Storper, 29Las Economías Regionales comoActivos RelacionalesPedro Abramo, 69A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana esuas Fissuras: o papel da interdependêncianas escolhas de localização

Pesquisas, 93Fernanda Sánchez,Rosa Moura, 95Cidades-modelo: espelhos de virtude oureprodução do mesmo?Sérgio Costa,Angela Alonso,Sérgio Tomioka, 115A Re-significação das Tradições:o Acre entre o rodoviarismo e osocioambientalismoTeresa Cristina Faria, 133Estratégias de Localização Residencial eDinâmica Imobiliária na Cidade doRio de Janeiro

Resenhas, 157Fania Fridman, 159Donos do Rio em nome do rei: uma históriafundiária da cidade do Rio de Janeiro(por Murillo Marx)Saskia Sassen, 161As cidades na economia mundial(por Rose Compans)

ASSISTENTE DE COORDENAÇÃO

Dulce Portilho Maciel

SECRETÁRIA

Jussara Bernardes

REVISÃO DE PORTUGUÊS

Claudio Cesar Santoro

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO

Claudio Cesar Santoro

PROJETO GRÁFICO DA CAPA

André DorigoLícia Rubinstein

ILUSTRAÇÃO DA CAPA

Ricardo Azoury / Postais Digitais

COLABORARAM NESTE NÚMERO

Ana Lúcia N. P. BritoBarbara Deutsch-LynchBrent MillikanCarlos B. VainerLuciana C. do LagoRicardo SallesRobert Pechman

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 7-12

Resumos Abstracts

Milton Santos

O Território e o Saber Local:algumas categorias de análise

Determinadas categorias de análiserequerem reelaboração para compreen-der o território no contexto da globali-zação. A categoria evento une o mundoe o lugar, o tempo e o espaço. O tempoempírico encarna nos trabalhos científicoe político a possibilidade de futuros reali-záveis. A idéia de forma-conteúdo traduza “inércia dinâmica” que explica as socie-dades particularizadas. O “acontecer soli-dário” constitui o território por meio daprodução histórico-geográfica dos even-tos. O território usado, de relações, con-teúdos e processos – que permitiria quea política fosse elaborada de baixo paracima – é um campo de forças, lugar dadialética entre Estado e Mercado, entreuso econômico e usos sociais dos recur-sos, lugar do conflito entre localidades,velocidades e classes. A “universalidadeempírica” faz a ponte entre a produçãoteórica da Geografia e os lugares de rea-lização do mundo, construindo a coerên-cia e a solidariedade entre os eventos.Para tanto, o saber da região tem de ser

Territory and Local Knowledge:some analytical categories

The territorial planning has been failingto plan the space as it doesn’t recognizespace as a totality, that comprehendsflows and communication and not onlyeconomic processes. The prevailingnorms imposed by corporations over po-litical regulations indicates the crisis of theNation and the ungovernability of the ter-ritory. Some analytical categories needto be reelaborated in order to favor theundestanding of territory in a globalizedcontext. The idea of event unites theworld and the place, time and space. Theempirical time introduces the differentpossible futures into the scientific and po-litical works. The idea of form-contentexplains the particular societies and thatof “solidary happening” constitutes theterritory through the historical-geogra-phical production of events. The “usedterritory” of relations, processes and con-tents is a field for conflicting velocities andlocalities. The “empirical universality”makes the links between the theoreticalproduction of Geography and the places

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8 Resumos / Abstracts

Michael Storper

As Economias Regionais comoAtivos Relacionais

Nos últimos anos, a economia regionalexperimentou o surgimento de um pa-radigma heterodoxo, que implica o quepoderíamos chamar de uma nova “san-tíssima trindade”: tecnologias-organi-zações-territórios. O autor sustenta queé preciso encher de conteúdo a análisedesses três componentes. Para isso, é ne-cessário superar a metáfora dos sistemaseconômicos como máquinas com insu-mos e outputs sólidos, cujas física e geo-metria podem compreender-se de formatotal e determinada. Essa ênfase na me-cânica do desenvolvimento regional deveagora complementar-se com outro enfo-que, em que as metáforas dominantessejam a da economia como relações, ado processo econômico como conversa-ção e coordenação, a dos agentes doprocesso não como fatores mas comoatores humanos reflexivos e a da naturezada acumulação econômica não só comoativos materiais mas como ativos rela-cionais. Assim, a economia regional, emparticular, e as economias territoriais inte-gradas, em geral, são redefinidas comoestoques de ativos relacionais.

Palavras-chave: economia regional,coordenação territorial, reflexividade

Regional Economies as RelationalAssets

Over the last few years, regional eco-nomics has seen a heterodox paradigmemerge in its midst which involves whatwe might call a new “holy trinity”: tech-nologies-organizations –territories. Theauthor proposes that it is accurate to givecontent to the analysis of these threecomponents. In order to do so, it is nec-essary to overcome the metaphor ofeconomic systems as machines, withhard inputs and outputs, the physics andgeometry of which may be understoodin a complete and determinate way. Thefocus on the mechanics of regional de-velopment must now be complement-ed by another focus, where the guidingmetaphor is the economy as relations,the economic process as conversationand co-ordination, the subjects of theprocess not as factors but as reflexivehuman actors, and the nature of eco-nomic accumulation as not only mate-rial assets, but as relational assets. In thissense, regional economies in particularand integrated territorial economies ingeneral are redefined here as stocks ofrelational assets.

Keywords: regional economies, terri-torial coordination, reflexivity

devidamente considerado produtor dosdiscursos do cotidiano e da política.

Palavras-chave: saber local, eventosterritorializados, tempo empírico

where the world is built, establishing coher-ence and solidarity between the events.

Keywords: local knowledge, territori-alized events, empirical time.

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9Cadernos IPPUR

Pedro Abramo

A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras: opapel da interdependência nasescolhas de localização

As crises da política urbana intervencio-nista tendem a rejeitar a cultura do pla-no, conduzindo a uma revalorização domercado como mecanismo por exce-lência de coordenação das decisões delocalização urbana. O presente textodesenvolve um exercício crítico da eco-nomia urbana ortodoxa no própriocampo de argumentação neoclássico,propondo uma leitura da estrutura ur-bana a partir da problemática da incer-teza. Nessa perspectiva, a ruptura darelação auto-referencial entre as hipó-teses de Von Thünen sobre a represen-tação do espaço e a racionalidadeparamétrica proposta pela síntese wal-raso-thüneniana é vista como um pri-meiro passo para a constituição de umaeconomia heterodoxa pós-keynesianadas antecipações urbanas.

Palavras-chave: ordem urbana, esco-lhas de localização, economia regionaldas antecipações

The Walrasian-Thünenian UrbanOrder and its inconsistency:the role of interdependence inlocation choices

The crisis of interventionist urban policiesstresses the rejection of the planning cul-ture, leading to a restatement of themarket as a main coordinating mecha-nism of urban location decisions. Thepresent text develops a critical assessmentof the urban orthodox economics at thesame neoclassical arguing domain, pre-senting an analysis of the urban structurefrom the point of view of the uncertaintyproblematics. In this perspective, thedissociation between the auto-referencialrelation of Von Thünen’s hypothesisabout space representation and the par-ametrical rationality suggested by thewalrasian-thunenian synthesis is seen asa first step to the constitution of an het-erodox post-keynesian economics ofurban expectations.

Keywords: urban order, location choices,regional economics of expectations

Cidades-Modelo: espelho devirtude ou reprodução do mesmo?

Algumas cidades são eleitas como refe-rências-modelo, e seus programas eprojetos são incorporados na agendaurbana hegemônica. Expressiva da fase

Fernanda Sánchez e Rosa Moura

Model Cities: mirror of virtues orreproduction of the same?

Some cities has been defined as modelsand its basic projects are integrated intothe hegemonic urban agenda. Reflect-ing the contemporary stage of capitalis-

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10 Resumos / Abstracts

contemporânea do capitalismo, essaagenda difunde um ideário sintonizadocom os impulsos globais, apoiando-sena codificação de ações desejáveis degovernos locais que procuram a inserçãocompetitiva no novo mapa do mundo.Os governos que sucumbem aos encan-tos da cidade-mercadoria a transformamem produto destinado a atrair cidadãos-consumidores e investidores. O presentetrabalho procura desvendar e desnatu-ralizar certos nexos e estratégias presen-tes nos discursos e imagens que têmtraduzido as noções características dascidades-modelo. Um padrão homoge-neizador parece revelar-se nas confluên-cias de políticas urbanas que, entretanto,destinam-se a cidades profundamentediferentes, como Curitiba e Cingapura,enfocadas na presente reflexão.

Palavras-chave: cidades-modelo, citymarketing, agenda urbana hegemônica

tic development, this agenda disseminatethe ideas compatibles with the globaltendencies, based on the actions envi-sioned by local governments in searchfor competitive insertion in the worldmarket. The governments that conceivethe city as a commodity treat it as ameans to attract consumers and inves-tors. The present text tries to identify thestrategies and discourses that character-ize the model-cities. An homogeneouspattern of urban policy seems to be ap-plied to very different cities as Curitibaand Cingapura, the two cases examinedin the present discussion.

Keywords: model cities, city marketing,hegemonic urban agenda

Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

A Resignificação das Tradições:o Acre entre o rodoviarismo e osocioambiental ismo

O artigo tem por objeto os conflitos emtorno de projetos de expansão viária noAcre, nos anos 90. O argumento é queos constrangimentos jurídico-políticos emorais advindos da redemocratizaçãogeram a regulação pública de conflitosambientais e a reconfiguração dos pro-jetos e linhas de ação dos agentes. Oprocesso inclui a resignificação das tra-dições rodoviarista e socioambientalista

Giving new Meanings toTradition: the state of Acrebetween road building ideologyand socioenvironmentalism

The text discusses the conflicts over roadbuilding expansion in the Amazonianstate of Acre. It argues that the moral andjuridical-political constraints derived fromthe redemocratization process createdconditions to a public regulation of theenvironmental conflicts and to the rede-signing of social actors projects andguidelines for action. This process com-prehended both the road building ideol-

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11Cadernos IPPUR

Teresa Cristina Faria

Estratégias de LocalizaçãoResidencial e DinâmicaImobiliária na Cidade doRio de Janeiro

O texto analisa as tendências migratóriasintra-urbanas na Cidade do Rio de Janei-ro a partir das suas relações com a estru-turação da cidade quanto às mudançasno padrão de ocupação do solo. Nessesentido, tenta contribuir para um maiorentendimento das relações entre omercado imobiliário e a estruturação in-tra-urbana, via análise da mobilidaderesidencial. Os dados analisados são re-sultado de pesquisa realizada em 1995/96 na Secretaria Municipal de Fazendado Município do Rio de Janeiro, com osindivíduos que compareciam ao balcãodo ITBI (Imposto de Transmissão deBens Imóveis) intervivos. Além dessafonte, foram utilizados os dados do arqui-vo ITBI/IPTU/IPPUR, que contém infor-mações das guias de recolhimento doreferido imposto. O texto apresenta, naprimeira parte, a descrição do perfil domigrante intra-urbano e os fluxos de des-locamento residencial, relacionando-os,na segunda, com a dinâmica imobiliáriana cidade e as transformações ocorridasna estrutura intra-urbana, através dosdados das transações imobiliárias com

Strategies of Residential Locationand Real Estate Dynamics in Riode Janeiro

This work analyzes the intra-urban mi-gratory tendencies in the city of Rio deJaneiro, from their relationships with thestructuring process of the city and thechanges in the land use pattern. So, ittries to contribute for a larger under-standing of the relationships between thereal estate market and the intra-urbanstructuring process, through an analysisof the residential mobility. The data usedcomes from a specific survey carried outin 1995/96, in the Rio de Janeiro localauthority, with costumers in the counterof ITBI (Municipal Tax for Real EstateTransactions). Another source was thedata from the ITBI/IPTU/IPPUR files, thatcontain information from all the sheetsof the referred tax. This work presents,in the first part, the description of theintra-urban migrant’s characteristics andthe flows of residential displacement,relating them in another part of the text,with the real estate dynamics in the cityand the changes verified in the intra-urban structure, through the data of thereal estate transactions with apartmentsbetween 1975 and 1995. Finally, there

locais e a explicitação de suas ambigüi-dades.

Palavras-chave: conflitos ambientais,rodoviarismo, espaço público

ogy and socioenvironmentalist traditionsas well as the clarification of its ambigui-ties.

Keywords: environmental conflicts,road building ideology, public space

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12 Resumos / Abstracts

apartamentos entre 1975 e 1995, parafinalmente analisar as diferentes dimen-sões das estratégias de localização resi-dencial dos indivíduos e/ou famílias.

Palavras-chave: mobilidade residencial,mercado imobiliário, estrutura urbana

is an analysis of the different dimensionsof individuals and/or families strategiesfor residential location.

Keywords: residential mobility, real es-tate market, urban structure

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Atualidade Analítica

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O Território e o Saber Local:algumas categorias de análise *

Milton Santos

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 15-26

Retomarei aqui algumas categorias de análise que vêm norteando minha reflexãoao longo dos últimos anos em suas implicações para uma melhor compreensão daproblemática do território nesta era de globalização.

O evento

A primeira dessas categorias é a noçãode evento. Ela tem entrada recente nomeu vocabulário e imagino que sejatalvez a minha contribuição pessoal maisimportante, na medida em que é aforma de resolver uma série de proble-mas de método. Isso porque permiteunir o mundo ao lugar; a História quese faz e a História já feita; o futuro e o

passado que aparece como presente. Opresente é fugaz e sua análise se realizasempre a partir dos dois pólos: o futurocomo projeto e o passado como reali-zação já produzida. O evento aparececomo essa grande chave para unir tam-bém as noções de tempo e espaço, queaté recentemente não apareciam comoum todo único. Mesmo os que avança-

* Texto apresentado em seminário organizado pelo Laboratório de Conjuntura Social: tecnologiae território (LASTRO/IPPUR) e pelo Núcleo de Cidadania e Políticas Públicas da FASE.Ricardo Salles, doutorando em História na UFF, colaborou na edição, e Cristiane CalheirosFalcão, Laura Maul de Carvalho e Alice Lourenço, na transcrição.

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16 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise

ram mais na questão do “tempoespaço”eram obrigados a pôr um travessão entreessas duas palavras. A minha propostaé que só é possível falar em tempo-espa-ço a partir da idéia de evento, que reúnetempo e espaço numa categoria única.

Nesse sentido, temos a noção detempo empírico como solução a ser en-contrada. Como unir tempo e espaço,este sempre contendo um componenteempírico, se o tempo não for considera-do na sua empiricidade, na sua histo-ricidade, que está atrás da sua realizaçãohistórica e geográfica? Realização enten-dida no sentido de tornar-se realidade,de fazer-se atualidade. Um tempo empí-rico que vai ser buscado numa definiçãomuito simples do que existe, em que oque existe é um conjunto de possibilida-des a tomar ou a deixar de tomar. Possi-bilidades que apenas alguns atores sãocapazes de exercer e que são exercidasapenas em certos lugares. Esse tempoempírico que flui da existência de possi-bilidades concretas, que permite umahistória já feita ou uma história por fazer,

recuperando, por conseguinte, a noçãode futuro e atribuindo à idéia de utopiaum conteúdo – diriam os céticos – realis-ta, trabalhado a partir de possibilidadesque são reais, as que são conhecidaspela história a cada momento. Dessaforma, a noção de evento, de tempoempírico, do mundo como possibilidadede um futuro realizável (logo, a negaçãoda idéia dos impossíveis) é uma ameaçaà queda na depressão. Essa foi a buscaque fiz para justificar o meu permanenteotimismo quanto à realização da história.

Esse tempo empírico é trabalhávelapenas com base na noção de periodiza-ção. Essa noção é fundamental porquenão vamos poder trabalhar no nosso coti-diano ou no trabalho científico, tampou-co no trabalho político, com momentosfugazes; trabalhamos com pedaços detempo. Assim, ela encarna a realidade detempo empírico. Do tempo empiricizado,como conjunto de possibilidades, tantoas utilizadas quanto as que serão utiliza-das, sem o qual a idéia de projeto tam-bém se torna impossível.

A forma-conteúdo

Nesse caso não se trata de trabalhar aforma em si, nem o conteúdo em si. Essaseria a contribuição dos “territoriólogos”,geógrafos à frente, evidentemente, parao entendimento da sociedade. A socieda-de em si pode ser uma categoria, masquem jamais trabalhou o país com essaidéia de sociedade em si, dessa sociedadetotal? Onde está ela? Será que o país se

realiza através sobretudo de formas-conteúdo? Estas seriam as dotadas doque chamei também de inércia dinâmica,enquanto não havia ainda inventado essaidéia de forma-conteúdo. Uma formaque, por ter um conteúdo, realiza a socie-dade de uma maneira particularizada,que se deve à forma. Isto é, aquelaconcha na qual a sociedade deposita

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17Milton Santos

fração do seu dinamismo e que se tornadinâmica por isso. Um dinamismo quenão é explicado pela sociedade sozinha,mas pelo fato de ela, naquele momento,naquele período – para retomar a idéiade periodização – se realizar e, a partirdesse ponto, rever a noção de região, anoção de cidade e, quem sabe, tambéma de bairro ou de sub-região.

Além de suas quatro dimensões, oespaço teria uma quinta dimensão, a docotidiano, que permitiria exatamentechegar à idéia de ação comunicacional apartir do nosso trabalho como “territo-riólogos”. E outra idéia, então, que mepareceu importante trabalhar foi a do“acontecer solidário”, que vem da minhainconformidade com a maneira como tra-balhamos a noção de escala na geografia.Essa noção, a meu ver, é insuficiente parapermitir uma análise dinâmica dos fatossociogeográficos; por isso, andei propon-do – e nisso também estou balbuciando –a noção de “acontecer solidário”. Restao grande problema da definição dosníveis da solidariedade ou, na expressãoconsagrada, das escalas da solidariedade.O que possibilitaria reconstituir um terri-tório a partir de mosaicos – porque o ter-ritório é sempre dado como mosaico –seria este “acontecer solidário”. Haveriaalgo que levaria à realização concreta, àprodução histórica e geográfica de even-tos solidários. E é isso que dá o limite daárea. Quer dizer, a idéia de escala (já queé também uma idéia de limite) ganhariaem dinamismo a partir dessa noção de“acontecer solidário”, embora não atenha desenvolvido suficientemente.

O meio geográfico tem um conteúdo

em técnica, um conteúdo em ciência eum conteúdo em informação que permi-tem formas de ação diferentes, segundoas densidades respectivas. A racionali-dade, nesse fim de século, chega ao ter-ritório; ou seja, ela não é apenas umacategoria da sociedade, da economia, dapolítica. O próprio território, em certoslugares, acaba por tornar-se racional.Racional dessa racionalidade sem razão.Haveria uma produtividade espacial.Dentro de um certo tipo de economiahegemônica há espaços que são maisprodutivos do que outros, e assim ter-se-ia que medir, ou ao menos considerar,produtividades espaciais diferentes se-gundo os lugares, o que tornaria possíveisparticipações diferentes no processoglobal.

Há quarenta anos, quando distin-guiu a noção de espaço econômico doque chamava de espaço banal, FrançoisPerroux dizia que o espaço econômicoera a reunião de pontos para possibilitaro exercício da economia. Essa idéia deespaço de fluxos ele contrapunha à deespaço geográfico. Haveria um espaçodo geógrafo, que não seria o espaço dofluxo, e haveria o espaço dos fluxos, queseria o dos economistas. A idéia de hori-zontalidade e verticalidade tem, de algu-ma maneira, essa filiação. Não no sentidoliteral, porque o momento histórico é di-verso. Nos espaços da globalização have-ria relações verticais e relações horizontaisque resultariam na produção desses es-paços banais – que são o espaço da co-munhão, da comunicação, o espaço detodos –, não apenas em contraposiçãoao espaço dos fluxos econômicos, maspor serem também considerados o lugar

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18 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise

de todos, sem excluir quem quer queseja, sem excluir qualquer que seja a ins-tituição ou a empresa. Dessa forma, have-ria uma volta à noção de totalidade dosatores agindo no espaço. Coisa que os“territoriólogos”, mas sobretudo os pla-nejadores, deixaram para trás, porque apesquisa e o ensino do planejamento sãorealizados, na maior parte dos casos,sobre algo que não é o espaço. O plane-jamento espacial, o planejamento terri-torial, o planejamento regional não sãoplanejamentos do espaço. Não o são naprática, na pesquisa e no ensino, o que é

muito grave, porque não são considera-das a totalidade dos atores, a das institui-ções, a das pessoas e a das empresas.Procura-se explicar aos empresários oque eles fazem, dedica-se muito aosfluxos dominantes e abandonam-se osoutros. Ou, pelo contrário, estuda-se apobreza como se ela fosse independentedo conjunto de circunstâncias. O que seproduz não é uma interpretação da po-breza, pois falta essa idéia de totalidade,que só poderá ser alcançada pela noçãode horizontalidade.

O território usado

O território não é uma categoria de aná-lise, a categoria de análise é o territóriousado. Ou seja, para que o território setorne uma categoria de análise dentrodas ciências sociais e com vistas à pro-dução de projetos, isto é, com vistas àpolítica, com “P” maiúsculo, deve-setomá-lo como território usado. Por queessa insistência? O marxismo vendeu, evendeu bem, algumas idéias que eu pró-prio escrevi na minha maturidade, tam-bém repetindo o mainstream marxista.Uma delas é a relação sociedade–natu-reza que abunda na literatura que nosconcerne como “territoriólogos”. Masonde é que se encontra essa relaçãosociedade–natureza? Será que há real-mente essa dialética sociedade–nature-za? Eu creio que não. A dialética somentese realiza a partir da natureza valoradapela sociedade; é aí que começa a dia-

lética. A sociedade não atua sobre a na-tureza em si. O entendimento dessa açãoé o nosso trabalho e parte do valor queé dado àquele pedaço de natureza –valor atual ou valor futuro.

É o caso da Amazônia. A ação presen-te, os interesses sobre parte do território,a cobiça, e mesmo as representaçõesatribuídas a essa parte do território têmuma relação com o valor que é dado aoque está ali presente. O que há na reali-dade é relação sociedade e sociedadeenquanto território, sociedade enquantoespaço. O território não pode ser umacategoria de análise, tem de ser conside-rado território usado. Na realidade,quando uma empresa, uma instituição,um grupo, agem sobre uma fração doterritório, num momento “T” do tempo,não desconsideram o que ali já existe,

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19Milton Santos

ou seja, não só as coisas mas também oshomens e as relações. Dessa maneira éque talvez possamos ajudar os cientistaspolíticos a avançar um pouco mais nasua reflexão, inclusive a propósito daprodução de idéias políticas sobre o paíse, de maneira mais prática, nos conselhosque lhes serão solicitados numa próximareforma constitucional. Porque há umareforma constitucional “de cima parabaixo” e haverá a nossa, a reforma cons-titucional de “baixo para cima”, que vailevar em conta o território usado. Aciência política de modo geral ignora oterritório – dá conta da divisão dos esta-dos, dos municípios, mas não dos con-teúdos –, como se ele não tivesse umconteúdo social. Este aparece apenascomo estatísticas, que são caixinhas quevamos abrindo à medida que necessi-tamos produzir o discurso. Mas estáexcluído o conteúdo – o dinamismosocioterritorial, socioespacial, essas for-mas-conteúdo que têm a ver com a exis-tência. Talvez por culpa nossa, já que nãoelaboramos de maneira conveniente osconceitos capazes de dialogar com asoutras ciências sociais.

Acho que esse é um drama dos “ter-ritoriólogos”. Num mundo simples, comofoi de modo geral até os anos 50, a enu-meração das categorias não exigia umrefinamento muito maior. Desde entãotudo mudou e temos de reelaborar ascategorias de análise. O nosso trabalhoé apreciado academicamente quandobem feito, mas o que é apreciação acadê-mica? Para que serve, se a compreensãoda dinâmica da sociedade escapa? Emum país como o Brasil, onde o planeja-mento regional nunca foi feito, é possível

deixar os governantes fazerem o quequerem. A realização do planejamentoregional não dependeu do que nós que-ríamos, exceto em casos muito específi-cos, isolados do conjunto. Nunca houveum esforço para pensar a idéia de terri-tório como um todo, território da nação,território do país, território como totalida-de. Os planejadores eram irresponsáveisdo ponto de vista do que escreviam. Mascreio que chegará o dia em que não po-deremos continuar falando irresponsa-velmente, quando será indispensável queafinemos nossos conceitos para quesejam realmente representativos não deuma sociedade estática, mas do dina-mismo social.

Essa idéia de território usado, a meuver, pode ser mais adequada à noçãode um território em mudança, de umterritório em processo. Se o tomarmosa partir de seu conteúdo, uma forma-conteúdo, o território tem de ser vistocomo algo que está em processo. E eleé muito importante, ele é o quadro davida de todos nós, na sua dimensão glo-bal, na sua dimensão nacional, nas suasdimensões intermediárias e na sua di-mensão local. Por conseguinte, é o ter-ritório que constitui o traço de uniãoentre o passado e o futuro imediatos.Ele tem de ser visto – e a expressão denovo é de François Perroux – como umcampo de forças, como o lugar do exer-cício, de dialéticas e contradições entreo vertical e o horizontal, entre o Estadoe o mercado, entre o uso econômico eo uso social dos recursos. Esta últimaquestão, hoje fundamental, refere-se àdissonância entre os usos econômicos eos usos sociais dos mesmos recursos, ou

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20 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise

à possibilidade de produzir recursos. Oque estou chamando de “país de cima”e “país de baixo” é algo que vai ser im-portante, não obrigatoriamente com asmesmas palavras, como forma de en-tender o território. Não se fala mais ementreguista, mas pode-se falar em “paísde cima”, o que pode ser entendidoatravés do exame dos conflitos de atri-buição de competência, de possibilida-des. Estou pensando muito seriamenteno nosso papel numa reforma da Cons-tituição. Acho que o discurso dos “terri-toriólogos” e dos que a nós se associampode ser fundamental no debate daConstituição, se forjarmos instrumentosque nos auxiliem a reinterpretar dadosempíricos e produzir uma idéia de paísvisto a partir do território. Evidentemen-te, no nosso caso, a contribuição, quenão vai ser toda assimilada à Constitui-ção, será sobretudo a produção de umaconsciência territorial da Nação. O con-flito entre níveis de governo, por exem-plo, merece um capítulo na análise,assim como o conflito entre os ramosde mercado.

O mercado não é categoria de aná-lise. O mercado é uma grande palavraque, para ser transformada em categoriade análise, tem que ser muito esmiuçada.Cada ramo do mercado, para não usaroutra palavra, tem um comportamentodiferente, produz uma topologia própria.Isto é, uma distribuição no território, mastambém o uso do território e demandasrelacionadas a esse uso. Devem ser con-siderados os conflitos entre classes, osconflitos entre localidades e áreas e osconflitos entre velocidades, dentro do ter-ritório. Como sabemos, a velocidade não

é um dado da técnica, é um dado dapolítica. Assim, podemos incluir a noçãode velocidade como uma das característi-cas de análise do território. Se tomo aindao território como território usado, estu-dando-o a partir das normas, eu tenhodois partidos a levar em conta. Se tomoo partido do “país de cima”, o que vejoé que as próprias técnicas são normas.Uma das características da técnica é serela mesma norma. A técnica normativaé normatizada no seu uso e é normativana sua repercussão sobre os agentes. Re-pito: ela é normatizada na sua constituiçãoíntima, porque é uma forma particularde uso; e ela é normativa quanto ao seuuso. E essas normas procuram arrastar aexistência de outros agentes – as normasdas técnicas. Alguns adaptam, segundodiversos graus, as suas próprias normas.Ou seja, os agentes adaptam suas nor-mas para que haja compatibilidade comas normas dos agentes hegemônicos. Eessa adaptação rompe com equilíbriosexternos e internos, condenando os equi-líbrios preexistentes.

É nesse sentido que o território hojeé nervoso, instável... E é por isso que, apartir do território, se verifica no Brasila crise da Nação. Não há melhor indica-dor da crise por que passa a Nação queo território; pela sua nervosidade, pelasua instabilidade, pela sua ingovernabi-lidade, como território usado. Trata-sedessas mudanças rápidas de normas quereconhecemos como luta global pelamais-valia maior, essa competitividadeque está na raiz mesma da posição ocu-pada na economia global e exige umaadaptabilidade permanente das normasdas grandes empresas, o que aumenta

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a instabilidade do território “de cima”para “baixo”. Isto é, a produção daordem para as empresas e da desordempara todos os outros agentes, e para opróprio território, incapaz de se ordenarporque ideologicamente decidimos queessas grandes empresas são indispensá-veis. Assim, aceitamos a idéia de que oterritório tem que ser desorganizado. Éo que nós estamos fazendo. Aqui façoum parêntese para sugerir que a noçãode poder não seja estudada somente apartir do Estado, porque, na realidade,o poder maior sobre o território deixade ser do Estado e passa a ser das gran-des empresas. A gestão do território, aregulação do território são cada vezmenos possíveis pelas instâncias ditas po-líticas e passam a ser exercidas pelas ins-tâncias econômicas.

O que acontece é que hoje a econo-mia se realiza pela política. Não é a eco-nomia que ocupa hoje a posição central;é a política exercida pelos agentes econô-micos hegemônicos. Sobre o território,o resultado é o que estamos apreciando,embora não estejamos analisando aindapor que o nosso meio de análise está decerta maneira atrasado em relação à novarealidade. Somos prisioneiros da Univer-sidade, porque supomos que ela contémos anéis de mudança intelectual. Mas osistema reprodutivo que garante à Uni-versidade a sua permanência também éaquele que impede o progresso dopensamento. O que é grave é que as ne-cessidades das empresas globais, e isso oterritório mostra, arrastam os governos –nacional, estaduais, no caso do Brasil, elocais.

O saber local

A territorialidade é um atributo do terri-tório ou dos seus ocupantes? Vivo o meucotidiano no território nacional ou nolugar? Essas perguntas me parecem im-portantes porque estão ligadas ao queeu chamaria de saber da região em con-traposição a saber do expert internacio-nal. Este, cada vez mais, é chamado afalar sobre o lugar, quando no máximodeveria fazer uma palestra de dois diase ir embora. Porque o saber local, queé nutrido pelo cotidiano, é a ponte paraa produção de uma política – é resultadode sábios locais. O sábio local não éaquele que somente sabe sobre o local

propriamente dito; tem de saber, maise mais, sobre o mundo, mas tem de res-pirar o lugar em si para poder produziro discurso do cotidiano, que é o discursoda política. Por conseguinte, o expert defora vem como aquele que atiça a brasacomo um fole. E tem que ir embora.Tenho cada vez mais consciência de quehá necessidade de se fortalecer a pro-dução desse saber local e, no caso bra-sileiro, de apoiar a multiplicação daUniversidade, sobretudo de mestrados,para a geografia brasileira. Essa é a nossagarantia de que a disciplina vai continuarviva. E isso é central: que os monopólios

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sejam quebrados. Essa produção dosaber local é o que vai permitir que osestudos sejam menos dirigidos aos cole-gas, já que o que hoje produzimos nãoé para mais ninguém senão para nósmesmos. Trata-se do que os franceseschamariam hoje uma produção fecha-da. Os colegas lêem, os colegas citam eficamos felizes. Felizes interni corporis,mas se desejarmos que o nosso trabalhorealmente seja uma produção queapresse o desenvolvimento social, seráoutra a forma de produção do saber.

Neste ponto, podemos introduzir aidéia de universalidade empírica, quevenho trabalhando desde 1985 e creioser muito importante porque é umaidéia que somente pode ser gestada apartir da globalização. A idéia da totalida-de, que os filósofos nos legaram comoproduto da sua cosmovisão, como pro-duto da sua formidável penetração noentendimento do mundo, agora, coma planetarização da técnica hegemônica,é trabalhável empiricamente. Acho queessa é a grande novidade, a grandeponte entre a produção de uma geogra-fia teórica, isto é, o estudo dos conceitos,e os lugares. Por essa razão atribuímostanta importância ao fenômeno da téc-nica na interpretação de lugares. Nessesentido, o lugar é o lugar de uma escolha.O mundo está aí e o lugar colhe nomundo atributos que o realizam históricae geograficamente. É o mundo que sedá seletivamente no lugar. O fenômenotécnico, na sua abrangência telúricaatual, permite entender a totalidade-mundo a partir dessa empiricidade. Porconseguinte, a possibilidade de uma teo-rização que abranja o todo e a parte no

campo do espaço se tornou possível tam-bém através, creio eu, e digo com todaa timidez, do cotidiano. Porque o cotidia-no é a realização das pessoas e, quemsabe, também das instituições e das em-presas nos lugares.

Essa união de espaço e tempo, atra-vés do que antes chamávamos igual-mente de espaço, pode-nos dar aconsciência da permanente mudança.As formas só têm significado apenas apartir do que contêm. Qual foi o filó-sofo que falou que o mistério da formaé mais complicado que o mistério daciência? Isso porque a forma se dá comocoisa e impõe uma imagem que dura.Como penetrar a forma e descobrir asua verdadeira significação? Por exem-plo, a questão da habitação. Se estu-dássemos a questão da habitação noBrasil nos anos 1980, 1970, constata-ríamos o envelhecimento rápido das ci-dades. Acho que ainda não houve umatese sobre isso. As cidades brasileirasenvelheceram rapidamente nos anos1970 porque o BNH facilitava às classesmédias a mudança de lugar. Às classesmédias era concedido, com facilidade,dinheiro para comprar casas, o queMarx chamou de envelhecimentomoral da forma. A idéia que eu quistrazer com essa noção de “espaço-tempo”, que é uma outra versão daidéia de “forma-conteúdo”, é sugerirque desconfiemos do significado que aforma nos oferece pelo seu corpo. Queduvidemos do nosso corpo. E que en-frentemos a forma a partir de seu con-teúdo permanentemente renovado. Eaí também vem a esperança de que seuse de outra forma a cidade.

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Aqui retomo a noção de tempo em-pírico. O que buscar para tornar o even-to analítico analiticamente utilizável?Vou, se o que está em questão é a açãodo fato financeiro, tentar encontrar oque o caracteriza em geral, em seguidao que o caracteriza em particular e, apartir daí, verificar como incide sobreuma sociedade e um lugar. O mesmoprocedimento se aplicaria para o fatoindustrial, o fato informacional, aquelanotícia, aquele rumor. Acho que isso éque permitiria datar os eventos. Essaseria a metodologia a utilizar. Escolheriaainda um número de variáveis signifi-cativas e acompanharia sua historiciza-ção e geografização. Faria esse caminhopara trás, reconhecendo presentes su-cessivos, porque se trata de (re)encon-trar presentes sucessivos.

Quando se lê um relatório da Asso-ciação dos Geógrafos Brasileiros dosanos 1940 ou 1950, vê-se uma tentati-va de reconstituição do passado. A in-tenção era descrever o presente; mas,lido a posteriori, torna-se uma oferta deinterpretação do que passou, que podeser canhestra, que pode ser insuficien-te, que pode ser pobre, mas que podetambém ser rica se escolhermos bem ascategorias. E é por isso que a Geografiaé cada vez mais uma disciplina que só épraticada a partir de uma teoria. Paraevitar exatamente que as interpretaçõessejam incoerentes. Essa busca de coe-rência, de solidariedade entre os “acon-teceres” num pedaço do território é oque temos por fim. E isso é válido tam-bém para a História, já que o espaço eo tempo são a mesma coisa. Quandoconsidero espaço e tempo como uma

mesma coisa, estou fornecendo um ca-minho de método para a História e,paralelamente, para a Geografia.

O que é que estamos vendo acon-tecer agora em relação à composiçãoorgânica do território? É que no territó-rio diminui o número de empregos pro-priamente agrícolas e, mais ainda, onúmero de empregos rurais. Isso pelamudança de composição orgânica daatividade agrícola e da vida do território.A cidade abriga uma parte importantedos empregos agrícolas, de tal maneiraque temos hoje no país mais empregose atividades agrícolas do que rurais. Ocampo é que é o lugar do capital e nãomais a cidade. É o campo brasileiro olugar de acolhimento mais fácil para ocapital. A cidade resiste às formas hege-mônicas do capital e passa a ter um papelde porta-voz desse campo larga e pro-fundamente capitalizado, juntamentecom a obrigação de estender a vertica-lidade ao campo por meio de processostécnicos nas áreas da produção direta.A cidade é cada vez mais um interme-diário, na produção direta, do processotécnico da produção, mas não do pro-cesso político. Só que ela se investe deuma vontade política que é diferente daque havia há quinze anos no Brasil. Essavontade política se manifesta através daimprensa local, da rádio local, dos pro-longamentos locais da televisão, que têmde usar uma linguagem diversa da utili-zada pela grande imprensa nacional,estadual ou pela televisão mais geral.Assim, a partir de um certo tamanho, acidade acaba sendo esse laboratório po-lítico, dado que a agricultura exige umacerta quantidade de emprego urbano

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que não tem relação direta com a pró-pria agricultura. Esse fato cria dentro dacidade uma complexidade de funçõesinimagináveis há vinte anos e uma com-plicação em matéria de interesse, quepoderá transformar-se em uma comple-xidade de preocupação da ordem polí-tica, já que tudo se resolve na ordemda política e a economia se realiza apartir da política das empresas e do Esta-do. Creio que por aí aproximar-se-ia, apartir do acontecer empírico (o aconte-cer é sempre empírico, mesmo quantoàs idéias), de uma tentativa de interpre-tação que talvez encontrasse essa pro-dução de horizontalidade, quando oque se quis produzir foi a exclusiva verti-calidade, mesmo quando não se fala dagrande cidade, mas também das cidadesque no Brasil chamamos de médias. E,a partir disso, é originado esse mecanis-mo de horizontalização, que é tanto maisrico quanto maior é a divisão do traba-lho interna às cidades e que tem um po-tencial de despertar político na medidaem que a própria atividade econômicasugere esse entendimento a partir da po-lítica.

Haveria a possibilidade de distinguirlugares pela sua capacidade inata deproduzir mais ou menos solidariedade?Haveria lugares onde essa disposiçãopara a solidariedade pudesse se exercermais fortemente, mais rapidamente,mais conscientemente? Retomo rapida-mente uma oposição hoje factível nasáreas mais modernas entre o rural e ourbano. O rural submetido às leis da glo-balização convoca os participantes dotrabalho rural a uma atitude de subor-dinação a essas normas, porque sem

obediência a estas eles serão excluídos.Assim, a primeira coisa que o agricultorde uma área moderna terá de fazer, sequiser sobreviver, é obedecer, comonum exército, à palavra de ordem. Po-deríamos identificar na figura do servoda gleba, da Idade Média, esses agricul-tores modernos. Ou seja, são servos deuma ordem global cujo mecanismo co-nhecem pouco, sabendo porém que aobediência é indispensável para conti-nuar presentes. Nesse caso, o lugar paraa solidariedade é menor porque o pro-cesso de vida, a produção de sua exis-tência, de alguma maneira, supõepreocupações menos altruísticas. Trata-se da tensão da bolsa, do mercado, danecessidade de obedecer às regras deprodução, de colheita, de empacota-mento. Tudo o que verificamos no Pa-raná e sobretudo em Santa Catarina,por exemplo, com a produção de por-cos ou de frangos, é exemplo típico dessaobediência indispensável do produtor auma cadeia técnica que responde a umademanda econômica que cria nele com-portamentos regulados, de tal formaque excluem a idéia que se possa ter deprática da solidariedade.

Talvez desse modo pudéssemos ana-lisar o que se chama sociabilidade a partirde condições geográficas, ou geo-socio-econômicas, ou geo-sociopolítico-eco-nômicas, o que implica uma diferençaessencial entre o que chamaríamos derural e o que chamaríamos de urbano.Isto é, a oposição rural e urbano vai to-mando novos contornos, novos conteú-dos, novas definições, diferentes das queaprendemos e ensinamos ainda há vinteanos. A cidade é isso: ela fornece a pre-

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sidência das atividades técnicas domundo rural e, inclusive, uma parcela daatividade intelectual das cidades médiasque depende diretamente de uma de-manda rural – o que denominei, emalgum lugar, de consumo produtivo docampo. Esse consumo produtivo docampo gera nas cidades atividades querespondem diretamente à demanda docampo. Mas o fato de as pessoas estaremjuntas e terem uma renda, estarem subor-dinadas ao meio de consumo e às exigên-cias da vizinhança cria outras atividades.Com isso, a própria cidade olha atônita,sem saber como explicar essa demandapolítica que lhe é também feita, essepapel de intermediação em relação aomundo. Isso porque a cidade tem umcerto papel também na área política dadivisão do trabalho, e não apenas na áreatécnica, através do entendimento dospreços, dos incentivos, do custo do di-nheiro. Tudo isso é a cidade que teste-munha. Esse conjunto de testemunhosque lhe é conferido constitui também umelemento de cristalização de demandasexpressas, entre outras coisas, pela mídialocal, pelas associações locais, pelos sin-dicatos locais, pelas cooperativas. Todassão, de um lado, elementos da produçãode um lobby e, de outro, produtoras deum discurso da cidade, que é novo e queatribui a essa cidade esse papel, tambémnovo na discussão do mundo e do país.E esse papel será tanto mais eficaz quantomais a cidade explicar esses processos.

Aqui, finalmente, podemos retomara questão do saber local, que deixamossuspensa um pouco atrás. E como essesaber local não é independente do saberglobal, as universidades, ainda que este-

jam situadas no Rio de Janeiro ou emSão Paulo, podem ter um papel impor-tante na produção do saber local, coma produção de um saber global que nãoseja apenas discurso, mas que permitaoferecer elementos de análise localmentereciclados. Não podemos realmente ofe-recer as fórmulas de entendimento dolocal. Oferecemos um quadro geral dereflexão, a ser refeito localmente. O queacabo de dizer é uma introdução tam-bém a essa pergunta sobre a federaçãode lugares que, segundo minhas previ-sões, ocorrerá na medida em que osaber local se impuser. As combinaçõeslocais são múltiplas. O que se produznas chamadas grandes universidades,nos grandes centros da produção dosaber, são generalizações e abstrações eque, por isso, não são diretamente apli-cáveis às políticas locais. São guias; por-tanto os experts não podem demorarmuito tempo nos lugares porque serãodesconsiderados, porque falarão tolices,certamente. Esse saber do homem dauniversidade, do grande centro ou dopequeno centro – que não se imagineque só somos grandes se estamos nasgrandes universidades – é indispensáveltambém como um dado central na co-zinha do saber local. A cozinha é local.E esse saber local é urbano. Isso porqueo campo é extremamente vulnerável aogrande capital, já que tem de transigir,se quiser oferecer o produto que o mun-do pede, nas condições em que pede.

A datação do mundo faz com quetenhamos sempre que estar revendo con-ceitos. Mas a própria palavra conceito éuma palavra que depende da época, daaceitação da idéia de que o mundo é da-

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tado. Assim, se a relação cidade–campomuda, a definição de campo tambémmuda. Temos que alcançar essa definiçãode um modo geral, global, e de ummodo nacional, porque em cada país édiferente. Como também é diferente apartir de cada lugar.

Milton Santos é professor emérito daUniversidade de São Paulo

(Recebido para publicação em outubrode 1999)

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Ar t igos

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Las Economías Regionalescomo Activos Relacionales

Michael Storper

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 29-68

La “santisima trinidad” de la economía regional

En los últimos años, tanto la economíaregional y la geografía económica, asícomo gran parte de la economía gene-ral, han experimentado el surgimientode un paradigma heterodoxo. Este pa-radigma heterodoxo introduce el pro-blema del desarrollo económico en lasregiones, países y a nivel global, en unaserie de campos empíricos y teóricosfundamentales, intentando construiruna explicación en multiples capas. Elenfoque heterodoxo implica lo que po-dríamos llamar una nueva “santísimatrinidad”: tecnologías-organizaciones-territorios (Figura 1).

Actualmente, la tecnología y el cam-bio tecnológico se consideran entre losprincipales motores del cambio de los pa-trones territoriales de desarrollo económi-

co; el surgimiento y caída de los nuevosproductos y procesos de producción tienelugar en los territorios y, en su mayorparte, depende de sus capacidades paratipos de innovación específicos. El cam-bio tecnológico altera, a su vez, las dimen-siones coste-precio de la producción,incluyendo los aspectos locacionales. Lasorganizaciones, sobre todo las empresasy grupos o redes de empresas implicadosconjuntamente en sistemas de produc-ción, no sólo dependen de contextosterritoriales de inputs físicos e intangibles,sino también de las mayores o menoresrelaciones de proximidad entre cada una.Los territorios, ya sean regiones periféricaso núcleos de sectores, pueden caracte-rizarse por fuertes o débiles interaccioneslocales y efectos de difusión entre facto-res, organizaciones, o tecnologías.

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Figura 1 - La santísima trinidad del paradigma heterodoxo

El paradigma heterodoxo integraimportantes avances teóricos que hantenido lugar en cada uno de los com-ponentes de la santísima trinidad en losúltimos años. El cambio tecnológico, nosigue siendo la caja negra que se pensa-ba. Actualmente, es una práctica comúndistinguir entre tecnologías estandariza-das, dependientes de la escala, y tecno-logías no estandarizadas, tecnologíasque facilitan la diversificación –o flexibi-lidad- en la producción, aquellas que se

destinan a determinados productos yaquellas que pueden ser re-utilizadasentre diferentes outputs. 1 El problemade la territorialidad del cambio tecnoló-gico y de los efectos del cambio tecno-lógico en el territorio están actualmentebien planteados si bien no resueltos. Elestudio de las organizaciones ha sidorevolucionado por el trabajo de Coasey Williamson, mostrando que las em-presas son, al menos en parte, estructu-ras transnacionales confronteras fluídas 2.

1 La literatura acerca del cambio tecnológico, tanto en economía general como en economíaregional, es muy amplia. Véase el artículo de Dosi (1988) sobre literatura económica (aunquedesde entonces ha aumentado aún más), y las numerosas colecciones sobre la geografía delcambio tecnológico que han surgido en los últimos años: Angel (1994); Antonelli (1987);Aydalot y Keeble (1988); Bellandi (1989); Debresson y Amesse (1991); Hakansson (1994);Lundvall (1990,1993); Maillat y al. (1993); Malecki (1984); Maskel y Malmberg (1995);Nelson (1987); Rallet (1993); Todtling (1992).

2 Coase (1937); Williamson (1985).

Tecnología

Geografía de innovación

Espacios económicos:

Espacios tecnológicos

Estandarización vs.Diversificación/flexibilidad

Territorios

Economías de escala externas yeconomías de oportunidad.

Geografía de transacciones/vínculos.Complejidades industriales.

Organización

Relaciones Input-Output.Fronteras de la empresa.

Vínculos de Transacción

Geo

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Otros han reconceptualizado las empre-sas en términos de derechos de propie-dad y de apropiabilidad de activos; ocomo agentes estratégicos, maximizado-res del crecimiento. 3 Al mismo tiempo,la economía territorial se ha revolucio-nado, integrando ideas provenientes deestudios sobre tecnología y organizacio-nes. Los efectos de las organizacionesen los modelos de economía territorial,ya imaginados por Perroux y la escuelamoderna de análisis input-output, 4 hansido los nuevos microfundamentos, apli-cando la economía de los costes de tran-sacción a la geografía de las relacionesinput-output. 5 Por tanto, se puedencomprender ahora los orígenes organi-zativos de las economías de aglomera-ción. Estamos pues muy lejos de la ideade las economías externas como sim-ples economías de escala; estas son elresultado complejo de interaccionesentre escala, especialización, y flexibili-dad en el contexto de la proximidad.Las aglomeraciones pueden tambiénfacilitar procesos dinámicos, como loscambios tecnológicos localizados. 6

El paradigma heterodoxo comenzóa sugir con fuerza a principios de los 70,cuando los economistas regionales einternacionales intentaban comprenderla desindustrialización de las regiones deantigua industrialización 7; maduró a me-

diados de los 80 y principios de los 90,según intentaban comprender el resur-gimiento de economías regionales, delas industrias de alta tecnología y de lasregiones, el crecimiento de los nuevostigres industriales de Asia, y la globali-zación. Pero surge nuevamente un vacíoen el sistema teórico de desarrollo regio-nal o territorial. El paradigma heterodo-xo ha definido, en realidad, la santísimatrinidad, pero no ha capturado todavíapor completo, el contenido adecuadopara el análisis de tecnologías, organiza-ciones y territorios. La economía regionalheterodoxa, como la economía general,continua estando cautiva de la metáforade los sistemas económicos como má-quinas, con inputs y outputs duros,donde la física y la geometría de esosinputs y outputs pueden comprendersede manera completa y determinada.Este énfasis en la mecánica del desa-rrollo regional debe ahora complemen-tarse con otro, en el que la metáfora quepredomine sea la de la economía comorelaciones, el proceso económico comoconversación y coordinación, los agen-tes del proceso no como factores sinocomo actores humanos reflexivos, tantoindividual como colectivamente, y la na-turaleza de la economía de acumulaciónno sólo como beneficios materiales, sinocomo activos relacionales. La economíaregional en particular, y las economías

3 Sobre la empresa, véase la discusión de la tradición de Perroux en Best (1990).4 Perroux (1950 a, b, 1955); Leontief (1953); Richardson (1973).5 Scott (1988 a).6 El término cambio tecnológico “localizado” no hace sólo referencia a la localización en el

sentido geográfico y sino también en el sentido económico. Para una explicación completa,véase Antonelli (1995).

7 Massey (1984); Bluestone y Harrison (1982); Vernon (1996, 1974); Norton y Rees (1979).

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integradas territoriales en general, seránredefinidas aquí como stocks de activosrelacionales.

Este cambio de guía de las metáfo-ras, refleja un nuevo contenido paracada uno de los elementos de la econo-mía regional de la santísima trinidad,contenido que va más allá del que nun-ca ha existido incluso en el paradigmaheterodoxo. La tecnología implica nosólo la tensión entre escala y variedad,sino entre a la codificación o no codifi-cación del conocimiento; su ámbitosustantivo es el aprendizaje y la conver-sión, no sólo la difusión e utilización. Lasorganizaciones forman un tejido común,

sus fronteras se definen y cambian, ylas relaciones que se establecen entreellas no son simplemente relacionesinput-output o conexiones, sino inter-dependencias no intercambiables y quetienen un mayor grado de reflexividad.Las economías territoriales no sólo sehan creado, en una economía que seglobaliza, por la proximidad en las rela-ciones input-output, sino más bien porla proximidad en las dimensiones quehacen referencia a aspectos de relacióny a aspectos no intercambiables de lasorganizaciones y tecnologías. Sus prin-cipales ventajas –debido a la escasez ylentitud para crear e imitar– son ya ma-teriales, sino relacionales.

La reflexividad como característica principal delcapitalismo contemporáneo

En los últimos años, los científicos socia-les han realizado grandes esfuerzos porcaracterizar el conjunto de la naturalezadel capitalismo que comenzó a tenerforma a principios de los 70. Las capaci-dades económicas del capitalismo con-temporáneo han experimentado unagran expansión y un profundo cambiocualitativo. Entre las nuevas “metacapa-cidades” del capitalismo moderno, sepueden destacar varias como las másimportantes. En primer lugar, la revo-lución en la producción, información, ytecnologías de la comunicación que per-mite una gran expansión de la naturalezay esferas de control de las empresas,mercados, e instituciones, lo que implicauna retroalimentación más intensa e

inmediata entre las diferentes partes deestas complejas estructuras, abarata-miento drástico de las diferentes formasde producción material, e incrementossignificativos en la diversidad de inputsy outputs materiales e intangibles. Se-gundo, se ha dado una amplísima ex-tensión espacial y profundización socialde la lógica de las relaciones de merca-do, en parte facilitada por el saltotecnológico (especialmente por el aba-ratamiento de las telecomunicaciones ylos medios de comunicación como vehí-culos de las relaciones de mercado, y através de la extensión de la infraestruc-tura física). La producción de mercan-cías, basada en las necesidades demercado, supone tener en cuenta cada

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vez mayores porcentajes de población,y de sus relaciones, estando a su vez másy más sujeta a lugares mucho más leja-nos de lo que nunca había estado. Estoes, en cierta manera, una continuaciónde los procesos de “modernización” alargo plazo; por otra parte supone uncruce cualitativo en términos de exten-sión y profundidad. Y, tercero, combi-nando los efectos de los dos primerosprocesos, se ha producido una genera-lización sin precedentes del cruce de losmétodos organizativos modernos, reglasburocráticas y procesos de comunica-ción hacia nuevas dimensiones de lavida tanto económica como no econó-mica. Esto no significa la extensión deun único régimen, jerárquicamenteadministrado para todo el mundo, sinoel compartir ciertos modos generales devida que son comunes a la sociedad in-dustrial-de mercado contemporánea. 8

Las consecuencias cualitativas deestas meta-capacidades son más nove-dosas que la simple expansión cuanti-tativa del sistema del capitalismo demercado. En términos más generales,se pueden resumir como un gran saltoen la reflexibidad económica. Este tér-mino hace referencia a la posibilidad,para grupos de agentes de las diferentesesferas del capitalismo moderno –em-presas, mercados, gobiernos, economíasdomésticas, u otros colectivos–, de darforma al curso de la evolución económi-ca. Estos pueden hacerlo porque ahorapueden reflexionar sobre el funciona-miento de sus entornos respectivos deuna forma que no está limitada por losparámetros existentes, y donde ciertos

grupos están explícitamente interesadosen reorganizar dichos entornos en bene-ficio propio (innovación). Este tipo deacción va bastante más allá de las anti-cipaciones correctas de las acciones delos otros (expectativas racionales). Enlugar de esto, implica una distancia críticadel tradicional funcionamiento de lasesferas en las que esto normalmentetiene lugar, distancia que viene facilitadapor tecnologías y prácticas de comunica-ción contemporáneas que retroalimen-tan a los agentes de información demaneras radicalmente nuevas. Interpre-taciones e imágenes de la realidad, sonahora tan importantes como cualquierrealidad material “real”, ya que estasinterpretaciones e imágenes son difun-didas y aceptadas y se convierten en lasbases sobre las que la gente actúa: seconvierten en reales. Dichas interpreta-ciones e imágenes son fundamentalespara la organización y evolución de losmercados, precios, y otras variables eco-nómicas clave. Son así, en este sentido,tan reales y materiales como máquinas,personas y edificios. Las temporalidades,las trayectorias evolutivas, y el papel deretroalimentación de los procesos socia-les y económicos hoy en día, hacen deesto algo radicalmente diferente de loque hasta ahora había intentado com-prender la ciencia social.

Tal y como han demostrado loscientíficos sociales institucionalistas, lasreglas, instituciones, y marcos de acciónsiempre han sido, por supuesto, impor-tantes. Pero estos se consideraban im-perfectos, fundamentalmente en elcapitalismo moderno, como en la idea

8 Giddens (1994); Beck (1992); Beck y al (1994).

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de “estados versus mercados” 9. Funda-mentalmente, estos eran consideradoscomo fuerzas no económicas y premo-dernas que no permitían la completaexpresión del capitalismo moderno o,para algunos, como barreras, humanay socialmente necesarias, de las tenden-cias voraces del mercado.10 El contenidoideológico de estas disputas teóricas nodebería cegarnos de la nueva realidadhistórica: en muchas ocasiones, los mer-cados estaban enfrentados a los estados,lasreglas, y otras instituciones, pero esteno es ya el caso en la mayoría de lasocasiones. Irónicamente, sin embargo,el triunfo del capitalismo de mercado enOccidente no ha acabado con una ge-neralización de mercados capitalistas“perfectos”, anónimos, estándar, sinoque coincide con un nuevo gran saltoen las posibilidades para la reflexividaden esa misma economía, generandouna nueva enorme diversidad en la eco-nomía de mercado. En muchos senti-dos, los mercados capitalistas están hoymás entrelazados con fuerzas de “no-mercado” de lo que jamás habían estado,con impulsos desde la “sociedad civil”. 11

Esto se debe a que el creciente dominiodel capitalismo también coincide con eldesarrollo de las nuevas metacapaci-dades potenciadoras de la variedad y ladiversidad descritas anteriormente.

Esto no implica, sin embargo, que

dicha reflexividad este libre de limitacio-nes. Por el contrario, el viejo debate delas ciencias sociales entre determinismoy voluntad propia, estructura y agencia,ha sido dejado atrás empíricamente porel propio curso de la evolución real socio-económica, en la que las dos caras deestas tradicionales oposiciones han lle-gado a ser producidas inseparablementelas unas por las otras. Las metacapacida-des del capitalismo contemporáneo,abarcando lo que Marx denominó las“fuerzas” y las “relaciones” sociales deproducción, han desarrollado y madura-do el punto en que la variedad de posibili-dades empíricas particulares para laorganización de mercados, empresas, yotras esferas institucionales de la vida eco-nómica y social han aumentado enorme-mente. Por una parte, los márgenesempíricos de lo que puede sucederdentro de unos limites “estructural”establecidos, se han ampliado en estasáreas. Por otra, la naturaleza dependientede la trayectoria de la evolución institu-cional significa que estas innovacionesgeneradas por los agentes pueden tenerefectos de larga duración en las “estruc-turas”. Aun así, en cualquier momento,las posibilidades para la variedad sólopueden hacerse realidad a través de losefectos selectivos de la competencia, y através de los efectos movilizadores de lasreglas, rutinas institucionales, y marcosde acción colectiva.

9 La literatura de los estados versus los mercados es muy extensa. Para una utilización económicaadecuada, véase North (1981).

10 Esto vuelve sobre el debate acerca de si el mercado es un incentivo para le doux commerceo simplemente para la explotación y acumulación. Se puede encontrar debate sobre el temaen Hirschman (1970).

11 Este segundo argumento se puede encontrar en Arato y Cohen (1992).

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35Michael Storper

Además, las nuevas capacidades yagencia también suponen la generaciónde nuevas limitaciones, o “estructuras”.El capitalismo reflexivo contemporáneoes un sistema que produce nuevos clasesde riesgos 12 (económicos, personales,ecológicos, psicológicos, sociales, etc.).En la esfera económica, estos riesgos seexpresan a través de la redefinición dela competencia –qué se requiere paraganar y cómo es posible perder. Ganarse convierte en un objetivo más comple-jo ya que las condiciones que una em-presa, región o sistema productivo debesatisfacer ahora para poder ganar, sonproducidas y reproducidas más intensay aceleradamente que nunca, creandouna meta móvil para conseguir el éxito,y un campo minado en constante cam-bio de riesgo de fracasar. Esto es unaconsecuencia directa del aumento de lareflexividad de la actividad económicaen el contexto de un sistema generali-zado de mercado.

En los últimos 20 años, las teoríasde la competitividad han intentado cap-turar estos fenómenos desarrollandodiversas denominaciones descriptivaspara la nueva economía: el postindus-trialismo, la economía de la información,la especialización flexible, y el post-For-dismo. 13 Aunque cada una de estas eti-quetas ayuda a comprender algunasdimensiones del proceso económicocontemporáneo, el modo más general

y profundo de describir la lógica de lasformas más avanzadas de la compe-tencia económica es la del “aprendi-zaje”. 14 La idea de que el capitalismocontemporáneo constituye una econo-mía de aprendizaje fue propuesta porprimera vez por Lundvall y Johnson en1992. El argumento es que el apren-dizaje es el resultado competitivo delaumento de reflexividad. Aquellas em-presas, sectores, regiones, y nacionesque pueden aprender más rápido omejor (consiguiendo una calidad mayoro un precio más barato para una deter-minada calidad) se convierten en com-petitivas porque su conocimiento esescaso y por ello no puede ser inmedia-tamente imitado por nuevos partici-pantes o transferido, a través de canalescodificados y formales, a empresas,regiones o naciones competidoras. Elmargen precio-coste de los productosque generan puede, en este sentido,incrementarse, mientras que sus partici-pación de mercado pueden aumentar;el conocimiento resultante o las rentastecnológicas alivian los salarios descen-dentes o la presión de los beneficios. Lasactividades basadas en el aprendizaje noson inmunes a la relocalización o susti-tución por los competidores. Una vezque son imitadas o que sus productosson estandarizados, entonces, estánsometidos a presiones a la baja desalarios y empleo. Las empresas o laseconomías territoriales deben por tanto

12 Beck (1992).13 Ver la crítica del posindustrialismo en Cohen y Zysman (1984). En la economía de la

información, véase Castells (1989); en especialización flexible, véase Piore y Sabel (1984).14 Lundvall y Johnson (1992); Arrow (1962); Rosenberg (1982).

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36 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

prepararse para impedir la entrada delas potentes fuerzas de imitación en laeconomía mundial. Deben convertirseen objetivos móviles, realizando un con-tinuo esfuerzo de aprendizaje. La econo-mía de aprendizaje es, por lo tanto, unconjunto de posibilidades competitivas,de naturaleza reflexiva, engendrada porlas nuevas metacapacidades del capita-lismo, así como por los riesgos y limita-ciones producidas por el aprendizajereflexivo de los demás. 15

Las dimensiones de la nueva refle-xividad económica se convierten, deeste modo, en la principal preocupación

de cualquier tipo de análisis económicointeresado en los procesos de desarrollo.Estas dimensiones se pueden aprove-char, al menos de forma preliminar, através de palabras clave tales como“acción”, “reglas creadas” “marcos deacción”, y “rutinas”. Fundamentalmente,su estudio requiere que nos fijemos encómo opera la reflexividad individual ycolectiva en la economía contemporá-nea, a través de procesos cognosciti-vos, 16 dialogados, e interpretativos, conel objetivo fundamental de comprendercómo se establecen las relaciones decoordinación entre agentes reflexivos yorganizaciones.

El giro “relacional” en el análisis económico:Tecnologías, organizaciones y territorios

En el campo de la economía regional ydel desarrollo territorial, los progresosdescritos anteriormente suponen que elcontenido de la teórica santísima trini-dad –tecnologías, organizaciones y terri-torios– debe ser redefinido, desde unaserie de máquinas hasta un grupo derelaciones17 y sus procesos reflexivosconstituyentes.

Tecnología

En la economía ortodoxa, la tecnologíase consideraba una “caja negra”, 18 y lateoría asumía que los agentes racionales,disponiendo de plena información,hacían elecciones óptimas bajo unascondiciones muy restrictivas. En con-traste con lo anterior, la economía del

15 La denominación “economía de aprendizaje” tiene diversas e importantes consideraciones –tanto en términos teóricos como en orientaciones políticas-, junto con otros conceptos apli-cados en la nueva economía del período posterior a 1970 (por ejemplo, especializaciónflexible, pos-Fordismo, economía de la información, economía de servicios, etc).

16 Rip (1991).17 Para ver el enfoque original de este tema, véase Asanuma (1989). Mi concepto de relaciones

difiere en cierta manera del suyo, aunque reconozco su inspiración.18 Rosenberg (1982).

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37Michael Storper

cambio tecnológico ha centrado suatención en la generación de conoci-miento tecnológico y su relación con lapráctica económica. Los mercados tie-nen grandes fallos en relación con estetema: es difícil establecer los preciosporque el vendedor no entrega el cono-cimiento, la posesión es permanente, yel comprador no siempre puede haceruna valoración a priori.

El paradigma heterodoxo adaptó losdescubrimientos de la economía del cam-bio tecnológico al análisis de los efectosdel cambio tecnológico en la geografíade la producción, distribución y transpor-te. En la geografía de la producción, sa-bemos ahora que las actividades basadasen las tecnologías estandarizadas que per-miten economías de escala en la empresapueden deslocalizarse, mientras queaquellas basadas en tecnologías no estan-darizadas y diversas, tienden a localizarseen aglomeraciones. Las primeras tiendena estar verticalmente integradas y ser au-tónomas, o dependientes de inputs quese encontraban alejados, mientras queen las otras sucede lo contrario. Por ello,el paradigma heterodoxo ha compren-dido mejor la espacialidad de la ma-quinaria input-output de la economíamoderna y, por ello, ha revolucionadola teoría de la aglomeración.

Los límites del paradigma se encuen-tran esencialmente en el análisis de las

causas del cambio tecnológico, y la geo-grafía de la innovación y el aprendizaje.La explicación dominante sobre el cam-bio tecnológico en la posguerra, 19 con-sistía en un modelo linear input-ouput,con vínculos hacia arriba de I+D (inves-tigación y desarrollo) científico, deinnovación en el medio, y de comercia-lización y difusión hacia abajo. La difu-sión era tanto económica (interempresae interindustria), como geográfica (desdelos centros hasta las periferias), y en cual-quier momento la distribución espacialde las tecnologías adoptaba la forma deáreas especializadas en cada una de estasfases. Aunque ya en los primeros añosestaba ya implícita, en gran medida, laidea de las tecnologías surgiendo comoinnovaciones poco frecuentes y noestandarizadas que más tarde se desa-rrollan en crecientes tecnologías es-tandarizadas “maduras”, capaces deexplotar economías de escala, esta idease fue haciendo cada vez más explícita,a través de modelos como el “ciclo devida del producto” en la economía in-dustrial y de desarrollo, y “la divisiónespacial del trabajo” en economía re-gional e internacional. 20 En muchossentidos, este enfoque teórico encajabien con la experiencia del desarrollode la tecnología, en los períodos deentre guerras y posguerra, como pro-ducto derivado de la ciencia, con el“problema” definido como su desigualdistribución económico-espacial, 21 una

19 Mansfield (1972).20 Norton y Rees (1979); Pred (1977); Rallet (1993).21 Pero debe recordarse que ciertos economistas en países en desarrollo no disminuyeron el

problema tendiendo hacia una difusión. Celso Furtado (1963), por ejemplo, expresa a lolargo de sus escritos que el problema para desarrollar áreas consiste en dominar la creaciónde tecnología.

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38 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

posición compartida no sólo pormuchos economistas de los países envías de desarrollo, sino también pormuchos Europeos preocupados por lareconstrucción de la posguerra y la mo-dernización.

La experiencia que existe desde losaños 70, sin embargo, ha cuestionadode forma radical el supuesto de que elvínculo de unión entre tecnología y de-sarrollo consiste en la progresión de lainvención/innovación hacia la escala yestandarización, donde la productividadcreciente de los factores dentro de cadaempresa o tecnología conduce unamayor creación de riqueza. Ahora pa-rece que el desarrollo, al menos en paísesy regiones ricas, depende, al menos enparte, de la desestandarización y de lageneración de diversidad. La crecienteintegración espacial de mercados paraproductos estandarizados reduce lasrentas monopolistas mientras que laautomatización reduce el empleo y lasventajas revierten en áreas de bajossalarios, bajo-coste. La única salida a estedilema es crear de nuevo la competenciaimperfecta a través de la desestanda-rización, la fuente de la escasez.

Esto obliga a una reconceptualiza-ción completa del proceso de la inno-vación tecnológica en el desarrolloeconómico: esto supone ahora no sólolas gigantescas organizaciones de inves-tigación de laboratorios, universidades,

y empresas multinacionales, que se co-rresponden con nuestra idea del pro-ceso como jerárquico y linear, sino conla proliferación y dramática complejidadde las relaciones entre aquellas institu-ciones, y entre estas y otros elementosdel entorno económico. Paradójica-mente, el crecimiento cada vez mayorde la ciencia y del I+D no ha ido acom-pañado de un creciente aislamiento enla cabecera, sino que ha ido acompaña-do de una creciente integración conotros grupos de procesos económicos ysociales. Dentro del “gran” I+D, porejemplo, existe hoy una retroalimen-tación más compleja que nunca, entreciencia y saber hacer en las industriasde alta y media tecnología, 22 mientrasque en muchos sectores de tecnologíamedia o baja el saber hacer es objetode deliberación y reflexión para intentarla sistematización, y apropiación de losresultados de la ciencia y la ingeniería. 23

La investigación sobre el cambio tecno-lógico ha documentado la importanciade las relaciones usuario-productor(interempresas, interindustrias y consu-midor-productor); las relaciones ciencia-producción; las relaciones interempresaen áreas tecnológicamente semejantes;y las relaciones empresa-gobierno-universidad en innovación tecnológica.También ha mostrado, significativa-mente, que estas relaciones están cadavez más organizadas como procesos nojerárquicos, de trabajo en red, complejosy repletos de comunicación y acción.24

22 Nelson (1992); Griliches (1991); von Hippel (1987, 1988), Jaffe (1986, 1989); Jaffe y al.(1993); Antonelli (1995).

23 Lundvall (1990).24 Hakansson (1987, 1989); Johansen y Mattson (1987); Cohendet y Llerena (1989); Callon

(1992).

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39Michael Storper

La investigación sobre la proliferaciónde distritos industriales “con especiali-zación flexible” ha demostrado, además,que el capitalismo en gran número deregiones y países ricos se construye en-torno a formas prácticas de innovacióntecnológica, suponiendo papeles rela-tivamente pequeños o indirectos parala ciencia formal o para la I+D, mientrasque la retroalimentación relacionalcompleja en los sistemas de producciónson responsables del éxito de la actua-ción innovadora.

La empresa tecnológica que es tanclave en el capitalismo contemporáneo,parece que conlleva, hoy en día, ungrupo de procesos circulares. La crecien-te densidad y complejidad de las rela-ciones es el medio para nuevas formasde reflexividad colectiva, que conduzcana un salto cuantitativo en la posibilidadde generar diversidad tecnológica, esdecir, de aprender. Esta diversidad tienedos consecuencias principales. Por unaparte, activa los tradicionales ciclos decodificación, estandarización, imitacióny difusión del conocimiento. Por otra,en un momento dado, existen innume-rables “islas” de conocimiento no cos-mopolita 25 en esta economía tancentrada en la diversidad, donde sóloaquellos agentes que están implicados

en las relaciones requeridas para teneracceso al conocimiento y, quizás aúnmás importante, las relaciones que serequieren para conmprender, interpre-tar y utilizar eficientemente el conoci-miento, serán capaces de emplearlo deformas económicamente útiles. A su vez,estos nodos de agentes vinculados porrelaciones, pueden “generar” nuevosprocesos de estandarización y descodi-ficación, aunque también pueden re-generar la diversidad con su trabajo,alargando la vida de los nodos de inte-racción no cosmopolita. Esta no es másque una de las nuevas dinámicas de unaeconomía de reflexividad, y de las opor-tunidades y riesgos que ésta genera.

En resumen, la esencia del procesodel cambio tecnológico es ahora el tejidode las relaciones a través de las cuales elconocimiento asimétrico y no cosmopo-lita se genera, aplica y continúa desarro-llándose. El incremento de la diversidades el resultado del funcionamiento deestas relaciones en un entorno econo-nómico radicalmente diferente de aqueldefinido por la teoría ortodoxa: empí-ricamente, consecuencia del salto cuali-tativo de las capacidades comunicativasde los agentes del capitalismo moderno,fenómeno histórico resultante de losavances tecnológicos y de la generali-

25 Agradezco a una serie de autores por sensibilizarme acerca del conocimiento cosmopolitaversus no cosmopolita. El primero es Rip (1991). En los primeros procesos de diseño llevadosa cabo fuera un ámbito familiar, predominan los modelos mentales técnicos “privados”. Sinembargo, no hay duda sobre el vínculo con representaciones cognitivas cosmopolitas exis-tentes, pocas veces es explícito; en consecuencia, “meta-modelizar” no aparece aún comouna actividad distinta. El segundo es Haas-Lorenz (1994). Véase también los excelentesartículos de Lecoq (1993), sobre comunicación y conocimiento en el contexto geográfico.

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zación de los metamodelos de organiza-ción y comunicación de la modernidad;y teóricamente, porque (como la econo-mía evolutiva ha mostrado) las empresasy otros agentes operan en entornos másbien “flexibles” que “estrechos” (Pareto-optimizadores) como consecuencia desu reflexión y comunicación con losdemás. 26

Para la economía regional y territo-rial, esto significa una reorientación delos temas centrales planteados por elcambio tecnológico: de la estandariza-ción a la desestandarización y diversidadcomo el aspecto central del procesocompetitivo, de la difusión a la creacióndel conocimiento asimétrico como prin-cipal fuerza motriz, y de la codificacióny cosmopolitanización del conocimientohasta las dimensiones organizativas ygeográficas del conocimiento no codifi-cado y no cosmopolita.

Organizaciones

El segundo elemento de la santísima tri-nidad son las organizaciones, que hacenreferencia, fundamentalmente, a las em-presas y los sistemas de producción. 27

En el periodo de posguerra, las organi-zaciones han tenido una participacióndestacada en la economía general, y enla economía regional e industrial enparticular. La teoría de la empresa –ini-ciada por Coase y desarrollada por laeconomía de los costes de transacción–ha definido como su tema central lasfronteras funcionales de la empresa, ladivisión del trabajo entre empresa ymercado y las relaciones o transaccionesentre empresas. 28 La teoría de los siste-mas de producción, tuvo un mayor em-puje a finales de los 40 y principios delos 50, con la idea de Perroux sobre losespacios económicos y las complejidadesindustriales, y con las aportaciones deLeontief que le dio un mayor poder degeneralidad y analítico con sus modelosde desarrollo input-output de econo-mía.29 Los economistas regionales hicie-ron grandes esfuerzos por utilizar lateoría y las técnicas input-output en lamodelización de las economías regio-nales. 30

La economía de los costes de tran-sacción, desarrollada por Williamson,ofrecía una comprensión más precisa delos generadores de costes para las es-tructuras input-output, acercando así la

26 Nelson y Winter (1982).27 He elegido utilizar el término “organizaciones” para referirme a empresas y a sistemas de

producción, más que “instituciones” que es el término que prefiere la economía institucional.Esto se debe a que deseo reservar la utilización del término instituciones para referirme arutinas, prácticas y organizaciones formales no privadas, así como a gobiernos, asociacionescomerciales y otros. Es además una forma de ligar las organizaciones al tema de la organizacióneconómica en general.

28 Coase (1937); Williamson (1985); Dosi y Salvatore (1992).29 Perroux (1950 a, b); Leontief (1953).30 Richardson (1973).

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teoría de la empresa a la del sistemaproductivo. 31 A su vez, se le dio unanueva dimensión a la teoría de los com-plejos industriales y de la aglomeración,considerando las dimensiones geográfi-cas de llevar a cabo transacciones. Sedemostró que la geografía figura en loscostes de transacción en general y, portanto, influye en las fronteras de la em-presa y del sistema de producción (esdecir, la geografía influye en el gradode internalización o externalización delsistema de producción). 32 También sedemostró que la geografía de los costesde transacción ayuda a explicar la aglo-meración y las divisiones espaciales deltrabajo. Los interrogantes de gran partede los estudios sobre divisiones espa-ciales del trabajo eran compartidos porlas investigaciones sobre empresas multi-locales o multinacionales, los primeros,abordando el problema desde la geo-grafía y, los segundos, desde el de la em-presa, encontrándose en las cuestionesrelacionadas con las dinámicas loca-cionales de los sistemas complejos deproducción. 33 Además, la teoría de loscostes de transacción se extendió a losmercados de productos y a los mercadosde trabajo desde el lado input, integrán-dose ambos en la teoría y los modelosde los costes de transacción geográficos.La teoría de la innovación, en muchos

aspectos, ha intentado comprender elcontexto transaccional para el cambiotecnológico, y los geográfos y regiona-listas han proclamado que este contextotienen profundas dimensiones territo-riales; aunque todavía se encuentra enlas primeras fases,34 esta es en la actuali-dad un área de trabajo muy activa y suobjetivo es nada menos que la elabora-ción de una teoría integrada del espacioeconómico, que consiste en las interrela-ciones entre el espacio organizacional,el tecnológico y el geográfico. Final-mente, la nueva teoría del crecimiento 35

ha planteado que el cambio organiza-tivo en la división del trabajo es un resul-tado de los procesos de crecimiento detipo Smith-Stigler, mientras que la nuevageografía económica 36 ha asociado denuevo la teoría de la localización con laestructura de mercado, sobre la base deque la competencia espacialmente im-perfecta se extiende en el capitalismomoderno debido a las economías deescala en la producción, mientras quela economía en su conjunto es objetode rendimientos crecientes debido a lasinterrelaciones de productores especia-lizados y la acumulación de conocimien-to. Ambos están dedicados a aportar losmicrofundamentos para el trabajo co-menzado por Allyn Young en los años20.

31 Tal y como desarrollo Stigler el análisis de la escala de división del trabajo, y algunos neo-Sraffianos (Stigler, 1951).

32 Scott (1988 a).33 Dunning (1979); véase la crítica de la literatura “geografía de la empresa” de Sayer y Walker

(1992).34 Camagni (1991); Malecki (1984); Maillat y al. (1990, 1993); Russo (1986); Bellandi (1986,

1989, 1995); Djellal y Gallouj (1995).35 Romer (1986, 1987, 1990), Lucas (1988).36 Krugman (1991 b, 1992, 1995).

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42 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

Se puede observar que, en la últimamitad del siglo, se han conseguido avan-ces teórico importantes en cuanto a lacomprensión de las organizaciones eco-nómicas, y su extensión hacia la locali-zación y la geografía de los sistemasproductivos. Sin embargo, las principalespreocupaciones de la teoría y de su mo-delización estan centradas casi por com-pleto en las relaciones comerciales entreempresas y lugares (factores de mercado,instituciones), en relaciones de intercam-bio entre empresas (comercio interem-presa), o enintercambios entre unidadesde producción de grandes empresas(comercio intraempresa). El mecanismoexplica los resultados organizativos y geo-gráficos son los precios, cantidades, ycalidades de estas interdependencias in-tercambiables. Este mecanismo explicati-vo es similar, sin importar a cuál de lasdiferentes fuerzas motrices señaladas sepriorice (la tecnología, las divisiones deltrabajo, el factor de sustitución neoclásico,etc.), ni qué tipo de metanarrativa teóricase prefiera (la racionalidad neoclásica, labúsqueda del control en los marxistas,varios tipos de institucionalismo).

Sin embargo, la idea de que esas rela-ciones entre los agentes económicos seexpresa en términos de interdependen-cias directas y comerciales no se sostiene.Hay muchas razones para explicar porqué esto es así. En primer lugar, existeuna dimensión histórica. El crecimientode una economía en la que las formasmás lucrativas de competencia sucedenen torno al aprendizaje tecnológico ha

estimulado el surgimiento de nuevasformas de organización económica. Lasempresas y los sistemas productivosdeben estar bien preparados para movi-lizar los recursos aplicando lo que apren-den: esto es lo que se ha venido aconocer como la condición de “flexibili-dad”. Algunos tipos de aprendizaje supo-nen, necesariamente, una atención muyfocalizada por parte de los que estánaprendiendo, a través de divisiones deltrabajo: esto es lo que se ha venido enllamar la condición de “especialización”.Estos dos atributos organizativos delaprendizaje contribuyen a la transforma-ción bien documentada de las organi-zaciones de producción, lejos de latradicional y típica jerarquía directiva dela producción en serie de la posguerra,en la dirección de lo que se puede llamar(de forma poco elegante) “cuasi-externa-lización” o “desverticalización” de la di-visión del trabajo. Con ello se intentaexplicar la tendencia de los sistemas deproducción basados en el aprendizaje, aasumir la forma de redes basadas en unadivisión del trabajo interempresa o, paralas grandes empresas, de imitar atributosde externalización, en ocasiones víaalianzas interempresas, otras veces vía in-troducción de mecanismos de preciosdentro de la gran empresa, o vía unamayor dependencia de los proveedoresexternos, y a veces vía un sistema organi-zativo interno, de la empresa, más des-centralizado. 37 Estas condiciones, sea cuálsea la forma concreta que adopten, po-tencian la reflexividad organizacional 38 yno meramente el control burocrático.

37 Sabel (1993); véase también Bramanti y Maggioni (1994); Powell (1990).38 Cooke y Morgan (1990, 1991), en reflexividad institucional en Baden-Wurttemburg, me

inspiraron en esta reinterpretación de las redes y la literatura de la organización corporativa.

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43Michael Storper

La segunda dimensión es teórica.Toda actividad productiva depende delas acciones de los demás, las cuáles, sino próximamente, revocarán en noso-tros mismos acciones ineficientes e im-productivas; la actividad económica estáfundada en la necesidad pragmática decoordinar las acciones de uno mismocon las de los demás. Virtualmente, sinembargo, todas esas acciones estánplagadas de incertidumbres –cada unode nosotros se enfrenta a la incerti-dumbre de decidir qué se debería hacercon respecto a un grupo de circunstan-cias dadas. Parte de está incertidumbrees “secundaria”, es decir que surge delhecho de que los otros de los cuálesdependemos también se enfrentan a esaincertidumbre por otra parte, así queellos no saben con seguridad qué harán;parte de esto viene de nuestro conoci-miento imperfecto o de su comunica-ción incompleta de intenciones. Todoesto es otra forma de decir que la activi-dad productiva es, necesariamente, unaforma de acción colectiva fundada enla paradoja de las acciones individuales.La coordinación entre personas se pre-senta, de esta manera, como el proble-ma central de la vida económica.

La cuestión es cómo se las arreglanlos agentes para implicarse en formasde acción colectiva, coordinadas y exito-sas. Ahora sabemos que las solucionesde la mayoría del pensamiento econó-mico acerca del problema de la coordi-nación bajo incertidumbre son parciales.Mucha de la incertidumbre en la vidaeconómica no puede resolverse en tér-minos de precios y contratos, tal y comola economía de los costes de transacción

ha mostrado. De acuerdo con estoúltimo, esa es la razón por lo que existenempresas (internalización = control +certidumbre). Pero también está claroque ahora las empresas no puedencoordinarse exitosamente, simplementeporque internalicen transacciones, yaque la autoridad burocrática es frecuen-temente ineficiente en presencia de altosniveles de incertidumbre: o bien fracasaen tener las cosas bajo control, o lo haceeliminando la respuesta necesaria a laincertidumbre, que es la reflexividadorganizativa requerida para aprender ypor tanto para competir.

A diferencia de las transacciones debienes estandarizados y sustitutivos, fac-tores inputs, y de información, las tran-sacciones asociadas con muchos tipos dereflexividad organizativa suponen unainterpretación mutua consistente de in-formación que no está completamentecodificada, y por tanto no es totalmentecapaz de ser transmitida, comprendiday utilizada independientemente de losagentes que la están desarrollando y uti-lizando. Algunos tipos de información,por ejemplo, no se mantienen por ellosmismos: necesitan comunicación, fuerade la estructura formal de la información–como han demostrado los lingüistas–para que la gente llegue a un acuerdocomún de lo que se está diciendo. Estono es menos cierto para la informacióntécnica y económica no estandarizada.Es necesario también para la informa-ción política en la economía, tal y comosucede con las reglas de trabajo, reglasde gobierno y formas de relaciones in-terempresa, para funcionar con más de-senvoltura. Es más, para que exista esta

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44 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

convergencia interpretativa basada enla comunicación, debemos tener ciertogrado de confianza en lo que los demásestán diciendo, o por lo menos algo deconfianza en cómo nosotros les interpre-tamos. En el primer caso, tenemos ciertogrado de confianza; en el segundo, serequiere una profunda y múltiple com-prensión de lo que está siendo trans-ferido, es decir, formas de leer entrelíneas, de verificar de múltiples formasposibles los significados de lo que es uncontenido formal inherentemente in-cierto.

En todas estas situaciones, el proble-ma de los agentes es cómo los otrosagentes se comportan ante las incerti-dumbres más próximas, y a su vez cómolo deberían hacer ellos. Los científicosanglo-americanos son amantes de losdilemas prisioneros y de los juegos nocooperativos que tienen, como compro-miso prioritario e inevitable modeloresultante, la dificultad o el fracaso de lano coordinación del mercado (institu-cional). 39 Este es el microfundamentode “estados versus mercados”. Pero in-cluso la teoría de juegos ha demostradoclaramente, a través del trabajo deAxelrod, 40 que esos juegos de ajustescooperativos son racionales y fiablesbajo la mayoría de las circunstancias; ysi se abandonan las discutibles suposicio-nes de la teoría de juegos, que limitanla acción individual a la estricta defensade los intereses, 41 aumentan dramática-

mente las circunstancias en las que lasformas de coordinación no-mercadopueden ser generadas por los agentes.

La forma específica y el contenidode la coordinación variará de acuerdocon el producto de que se trate, tecno-logías, mercados, etc., así como conotros factores históricos y estructuralesimposibles de inventariar aquí, y cuyasvariaciones son tan reales como la vidamisma. Existen dos niveles de este tipode cualidad relacional de las transaccio-nes. En el primero, los contactos perso-nales, el conocimiento del otro, y lareputación son la base de la relación. 42

En muchos otros casos, sin embargo, lastransacciones no son tan idiosincráticas;tienen dimensiones que pueden ser re-producidas o imitadas por otros agentes.Pero la transacción es, por definición,mutua; así que sólo aquellos agentes queestén preparados para participar en eltipo de relaciones que deben aceptarsecomo norma para determinados proce-sos de aprendizaje próximos (a las partescon las que ellos llevarán a cabo la tran-sacción) podrán hacerlo. Estos están pre-parados cuando poseen facultades queles permiten asimilar, interpretar y utilizarla información en un sentido consistentecon la otra parte que participa en la tran-sacción. Dichas facultades son, fun-damentalmente, convenciones quecoordinan a estos agentes productivos.Las convenciones pueden definirse deforma que se incluyan, como determi-

39 Esta literatura se discute en profundidad en Salais y Storper (1993).40 Axelrod (1984).41 Para una discusión más profunda sobre estos micro-fundamentos véase más abajo.42 Lecoq (1993); Haas-Lorenz (1994).

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45Michael Storper

nadas, expectativas mutuamente cohe-rentes, rutinas y prácticas; que aunquea veces se manifiestan como institu-ciones y reglas formales, no es comosucede a menudo. 43 La mayoría de lasconvenciones se quedan a mitad de ca-mino entre las relaciones totalmentepersonalizadas e idiosincráticas y otrascompletamente despersonalizadas,relaciones fácilmente imitables (aunqueincluso las últimas tienen orígenes con-vencionales, no naturales o de funciona-miento universal).

Las transacciones convencionales orelacionales (a partir de ahora C-R) afec-tan a muchas dimensiones de los siste-mas de producción, pero la naturalezay funciones de tales convenciones difierede una industria a otra, dependiendode la naturaleza del producto, de las fluc-tuaciones económicas asociadas con susmercado y procesos de producción, yel tipo de aprendizaje que sea posible. 44

Las transacciones C-R pueden encon-trarse en, al menos, 5 ámbitos principa-les: 1. en las transacciones “duras”interempresa, como las relacionescomprador-vendedor que conllevanimperfecciones de mercado; 2. en lastransacciones “blandas” interempresa,como las que se darían en la difusiónde información no intercambiada acercadel entorno o sobre el aprendizaje (porejemplo, a través de la circulación delpersonal, a través del mismo mercadode trabajo externo, o a través de contac-

tos entre productores); 3. en las tran-sacciones intraempresa duras y blandas,como en las bases para el funciona-miento de las grandes empresas queestán “internamente externalizadas” enel sentido al que se hacía referencia an-teriormente; 4. en mercados de factores,especialmente en los mercados de tra-bajo, que suponen capacidades o habi-lidades que no son completamentesustituibles sobre una base interindustriao interregional (por ejemplo, cuando enuna industria –o región– específica exis-ten unas dimensiones para las capaci-dades de los trabajadores); y 5. en lasrelaciones entre la economía e institu-ciones formales, donde las universida-des, gobiernos, asociaciones industrialesy empresas son capaces únicamente decomunicar y coordinar sus interaccionesutilizando canales con un fuerte conte-nido C-R.

Los orígenes C-R de coordinacióneconómica, no hacen referencia a unmarcado contraste entre propiedad in-terna y externalización de los sistemasde producción, o entre jerarquías versusmercados o redes externamente incor-poradas, sino más bien a la idea de quelas oportunidades y riesgos que se obtie-nen a través de la reflexividad organiza-tiva (respectivamente, aprendiendo o elreto competitivo del aprendizaje de losotros), están extendiéndose en el capita-lismo contemporáneo. Cada tipo de sis-tema de producción tiene que hacer

43 La definición “clásica” de una convención es de Lewis (1969). Sin embargo, la definiciónutilizada aquí difiere de la formulación de Lewis en que ésta no conduce a una noción decoordinación de “equilibrio” sino más bien a una del tipo coordinación de “satisfacción”.Para una discusión más amplia sobre este tema, veáse Storper y Salais (1997, Cap. 1 y 2).

44 Para una discusión más amplia, véase Storper y Salais (1997).

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46 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

frente a algún tipo de fluctuación en losmercados, diseño de producto, tecno-logía disponible y precios, que hacendifícil la completa rutina afín de las rela-ciones entre las empresas, de sus entor-nos y de sus empleados.

Los sistemas reales de producciónreflejan una gran variedad de fenóme-nos convencionales, desde las reglas quegobiernan el mercado de trabajo y lasprácticas laborales, hasta los mercadosde capitales y prácticas de inversión, lasformas de organización de la empresa,los hábitos y propensiones tecnológicas,e incluso las ideas ampliamente defen-didas acerca de la adecuada calidad delos productos. La economía evolutiva hademostrado que la competencia del ca-pitalismo se produce en un ambiente“holgado-flexible”, donde son posiblesmúltiples caminos en múltiples y dife-rentes momentos, y por ello donde lasrutinas de comportamiento y los patro-nes de los agentes se convierten en algopositivamente importante. Las conven-ciones y las relaciones “llenan” el espa-cio de esta selección flexible de entornos,dándole forma y contenido. 45

Así pues, es preciso un enfoque adi-cional en el análisis de las organizaciones–empresas, y sistemas de producción.Este contaría con 3 componentes princi-pales: la atención a las interdependenciasno intercambiadas y no simplemente alas transacciones comerciales como lapieza clave de la cuestión organizativa;

las cualidades convencionales y relacio-nales de dichas interdependencias nocomerciales; la forma en la que las con-venciones y las relaciones organizan yhacen posible muchas de las transaccio-nes comerciales de la economía con-temporánea.

Territorios

La mayoría de la ciencia social ha consi-derado, tradicionalmente, la economíaregional o, de forma más generalizada,la economía territorial a cualquier escalageográfica subnacional, como derivadade los reflejos de las fuerzas más “bási-cas” de las tecnologías y organizaciones.Incluso hoy en día, las economías nacio-nales están siendo degradadas, pormuchos analistas, al mismo estatus se-cundario tradicionalmente asignado a lasregiones, debido al creciente alcance delas tecnologías y organizaciones globales.Desde el punto de vista estándar, sondos los elmentos de la santísima trinidadque provocan un conjunto de resultadosen la forma del tercero: el territorio.

En contraste con este punto devista, el aparente resurgimiento de laeconomía regional y el crecimiento dela diferenciación económica entre lasmayores economías comerciales delmundo, ha estimulado la idea de que laeconomía territorial llegue a contribu-ciones definidas, y permita importantesefectos de retroalimentación para las

45 Estos temas son, por supuesto, temas de investigaciones de los institucionalistas en muchasdisciplinas de las ciencias sociales; la economía de las convenciones, sin embargo, van másallá y argumenta que son elementos de coordinación de actores, y que la razón de quefuncionen es que suman una coordinación coherente de sistemas de relacionados.

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47Michael Storper

tecnologías y organizaciones. Es más,algunas ramas de la teoría contemporá-nea de la innovación, como se acabade señalar, proponen un grupo de inte-rrelaciones dinámicas entre los espaciostecnológicos, organizativos y geográ-ficos. Desde este punto de vista, el te-rritorio es un elemento básico y nosimplemente secundario de la santísimatrinidad.

La forma común en que el análisiseconómico trata con la proximidad geo-gráfica y la distancia es analizando lageografía de las transacciones econó-micas –intercambios de bienes, infor-mación y recursos humanos sobre ladistancia geográfica. La geografíaeconómica considera las dimensiones delprecio de llevar a cabo transacciones,de identificar circunstancias donde laconcentración geográfica es necesariapara realizar una transacción eficiente,y de aquellas donde la dispersión geo-gráfica de las empresas, consumidores,trabajadores e instituciones es consis-tente con esto. En algunos análisis, laaglomeración es el medio de realizarmayores eficiencias pecuniarias para

cada transactor (por ejemplo, la em-presa). 46

No hay nada inherente a las transac-ciones que haga necesaria la proximidadgeográfica. Piensese, por ejemplo, en lasituación imaginaria donde cada unotuviese una alfombra mágica 47 y la pro-ximidad se pudiese conseguir a ladistancia que fuese, a coste cero e instan-táneamente. Entonces, cualquier tipo decomunidad de interacción, sería posiblesin afinidad, incluyendo aquellas tran-sacciones de información e interaccionesentre personas que son las que estánmás sometidas a la incertidumbre, talescomo las prácticas no codificadas, com-prensiones informales, así como aquellastransacciones de bienes más sensibles alos costes de cubrir la distancia. Nuestrasalfombras mágicas en California podríanllevar zumo de naranja fresco y floresde invierno del jardín, mientras se diri-gen a recoger los croissants de la pana-dería de Paris. Los estudiantes de unprofesor podrían venir desde cualquierparte del mundo y la clase se podría im-partir en cualquier lugar.

46 Existe una gran ambigüedad acerca de las economías externas tanto en la literatura geográficay como en la económica. La cuestión fundamental surge entorno a si la aglomeración essimplemente un efecto más del individuo, optimizando a los productores, en el que noexisten verdaderamente bienes colectivos que impliquen efectos derivados del sistema detrasacción, sin existir en tal caso externalidades reales. En la literatura, se han hecho dossugerencias sobre estas líneas: una es que existe intensos efectos de retroalimentación entreproximidad y especialización entorno a la división del trabajo (el trabajo de Scott sugiereesto). El otro es que las aglomeraciones son lugares que dependen de que se realicentransacciones de innovación tecnológica. En ambos casos, la aglomeración no se refieresimplemente al efecto estático de Stigler y Smith, sino al efecto dinámico de Young.

47 Esta idea surge al trabajar con Allen Scott; véase Storper y Scott (1995).

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48 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

En ausencia de esa tecnología detransacción, existen, sin embargo,muchas circunstancias en las cuales ladistancia es una barrera. La principal detales circunstancias es el alto grado deincertidumbre, lo que impide la plani-ficación que podría facilitar las tran-sacciones repetidas a larga distancia(reduciendo precios y aumentando lacerteza). Es probable que se adopte laproximidad en las transacciones en estascircunstancias. ¿En qué es probable queconsistan tales circunstancias? Aunquees imposible construir una lista comple-ta, muchas de ellas probablemente haránreferencia al cambio tecnológico y alaprendizaje, tanto en productos comoen procesos. Las industrias con dife-renciación de producto en curso, porejemplo, dependen de conocimientos ysensibilidades informales y tradicionales,que pueden después recombinarse sinque se note mucho en nuevos diseñosde producto. En las industrias de tecno-logía avanzada, donde la frontera tec-nológica no se ha alcanzado (el ejemploaquí no es el diseño de producto comoen la actual industria de los ordenadorespersonales, sino más bien aquella de lossignificativos avances en tecnología demicrochips), es difícil reducir por com-pleto la interacción, a proyectos y equi-pos que puedan relacionarse unos conotros con procedimientos absoluta-mente formales y a grandes distancias.

Pero incluso en ausencia de cambiotecnológico como fuente de incerti-dumbre, existen muchas circunstanciasdonde no es posible ni la integración

vertical (y su complemento, la incerti-dumbre de los procedimientos adminis-trativos) ni la desintegración vertical uhorizontal que complete contratos for-males (lo que debería ser indiferente ala distancia). Los costes de cubrir la dis-tancia crecen bastante bajo estas cir-cunstancias, porque la interacción tieneque ser frecuente y sostenible, y nopuede planificarse de antemano a me-nudo. Estas son situaciones que implicanaltos grados de complejidad en la tran-sacción entre personas; en general soncircunstancias que dependen de la inte-racción interpretativa y que requierenpersonas que consigan y reproduzcanla confianza 48 en las relaciones, dondela autoridad externa, para el último, ylas reglas de codificación, para el primer,no servirán.

¿Qué significa esto para el problemacentral de la economía espacial, la ten-sión entre la concentración espacial dela producción y su dispersión? La expli-cación dominante de la existencia de lossistemas de producción geográficamenteconcentrados, tales como Silicon Valley(semiconductores), Hollywood (películasy televisión), Manhattan (servicios finan-cieros) y Connecticut River Valley (tra-bajos de precisión en metal), es que estosexisten porque muchos de sus vínculos,dada la tecnología existente de la comu-nicación y el transporte, son profunda-mente dependientes de la proximidadgeográfica. En esta explicación, cuandolos vínculos suponen pequeñas escalaso altos niveles de incertidumbre, la pro-ximidad reduce el coste real de cubrir la

48 Lorenz (1992); Granovetter (1985); Hakansson y Johansen (1993); Powell (1990); Planque(1990); Axelrod (1984).

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49Michael Storper

distancia y permite por tanto que se ate-núe la incertidumbre, permitiendo a losproductores difuminar los riesgos, au-mentando el acceso a otros productoresen la aglomeración. La ley de los gran-des números funciona aquí para ellos.Un ejemplo es el subcontratista queobtiene acceso a mas clientes para asicompensar los riesgos asociados conapoyarse en unos pocos pedidos. Sinembargo, en la práctica, incluso relacio-nes transaccionales a las que se atribuyeeste tipo de economización óptima seresuelven mediante la determinación dealgunas reglas de juego entre los agentesque participan: incluso, vínculos “de mer-cado” dependen de convenciones espe-cíficas de la acción de mercado 49 entreagentes sin las cuales no hay coordina-ción entre ellos.

Pero esta explicación es, seguramen-te, todavía inadecuada, en el sentido deque únicamente propone un modelo demotivación sobre el que economizar através de los vínculos –ese del oportu-nismo y azar moral: el subcontratistasiempre tiene miedo de estar al límite yel cliente siempre de comprometersedemasiado. 50 La incertidumbre, no sólopuede resolverse a través de medios quepuedan expandir riesgos por ajustarsea la ley de un sistema aglomerado devínculos, puede ser que la expansión deriesgo sea por sí misma ineficiente, oincluso, que no sea posible; algunos vín-culos pueden hacerlo mejor cuando son

resueltos a través de convenciones másque cuando lo son a través de mercadosy contratos. Y sin considerar lo concer-niente a la eficiencia, sabemos quemuchos vínculos son resueltos en lapráctica a través de otros principios decoordinación. La incertidumbre que serefiere a la proximidad geográfica es asíla misma que la que, en presencia deproximidad, se resuelve a través de con-venciones entre agentes, pero la formade resolución no se determina por lapropia incertidumbre.

La región no es, sin embargo, sim-plemente un resultado derivado de laestructura informativa o afín a las tran-sacciones asociadas con tecnologías yorganizaciones. En primer lugar porquelas convenciones y las relaciones que sedesarrollan en asociación con determi-nados sistemas de producción en unaregión concreta pueden afectar a la evo-lución a largo plazo de tecnologías yorganizaciones en esos sectores, y elentorno “distendido” de selección delcapitalismo contemporáneo indica queexisten muchos casos donde esas formasespecíficas de vida económica no desa-parecen por una única “mejor práctica”;territorialidad y equilibrios múltiples vande la mano. Además, el conjunto deconvenciones y relaciones que llegan aexistir en una economía territorialmentedefinida puede traspasar la gran varie-dad de sistemas de producción y activi-dades que allí se encuentren, afectando

49 Salais y Storper (1993) discuten sobre cómo la acción comercial, más que ser la formauniversal del actor económico, es simplemente una manera de coordinación con otros actoresen un sistema de mercado, apropiado para ciertos productos e ineficaz para otros.

50 Este es el paradigma de Williamson. Williamson (1985).

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50 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

los senderos evolutivos de una variedadde sectores en un sentido nacional o re-gional común.

Debido a estas razones, los efectosde las convenciones inducidos por laproximidad, pueden hacerse eternosdurante mucho tiempo, después de quedesaparezcan o puedan ser eliminadaslas razones de input-output (de transac-ción) que hicieron surgir la concentracióngeográfica del sistema de producción.También puede favorecer la actual con-centración geográfica, incluso cuando elsistema input-output podría permitir ladesaglomeración. Y pueden, quizás, dife-renciar los resultados de sistemas input-output superficialmente similares, entérminos de coordinación transaccional,cualidades del producto y tendencias evo-lutivas. Vease el ejemplo de la industriaaeroespacial de California del Sur. Mien-tras los grandes productores están rodea-dos de centros de trabajo más pequeñosy proveedores de materias primas, haypoca capacidad para explicar, en estrictostérminos de input-output (transaccio-nales), la agrupación geográfica de lasgrandes fuerzas contratistas. Estos pue-den hacer surgir, casi en cualquier parte,las redes locales de proveedores de mate-rias que necesiten. Se puede hacer refe-rencia, entonces, al mercado de trabajoaltamente cualificado como explicación,pero el trabajo cualificado es muy móvil.Al mismo tiempo, el trabajo cualificadoes específico a la industria –e incluso a laaglomeración–, no en términos delcontenido de los estudios, sino porqueen la aglomeración aerospacial de laregión, las personas implicadas, comopor ejemplo gerentes y otros empleados

de la empresa, aprenden mucho sobrela cultura de producción de una industriaespecífica. Estas son formas convencio-nales de ventajas específicas, de las quelos recursos (las ventajas) humanos decaracterísticas genéricas, se convierten enespecíficos y mantienen su especificidady aún así no pueden ser completamenteinternalizadas en las empresas y se mue-ven fácilmente de una región a otra. Losmarcos de acción (conjuntos de conven-ciones) aprendidos por los agentes cons-tituyen la forma clave de la ventaja deespecificidad en economía, ajenos a lasempresas particulares; y por lo tanto,aquellas personas que participan en esasredes de convenciones permiten a lasempresas coordinarse eficientementeunas con otras en situaciones de inter-dependencia mutua.

Esta explicación de la concentracióngeográfica y diferenciación territorial seencuentra ahora bastante lejos de aque-lla que depende de vínculos, sistemasinput-output e incluso de economías deescala y de alcance en los mercados defactores. Sin excluir nada de esto último,lo anterior sugiere que el contenido delos vínculos adquiere forma a través deconvenciones, subraya la coordinaciónde los agentes económicos en los siste-mas de producción, y da empuje al gradode eficiencia económica que se logra ya las cualidades específicas de los pro-ductos que son capaces de dominar.

Resumiendo, el elemento territorialde la santísima trinidad necesita unnuevo enfoque que parta desde las re-laciones geográficas de input-output –complejos industriales y divisiones

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espaciales del trabajo- y la economía dela proximidad en los vínculos intercam-biables, hasta la geografía de las inter-dependencias no intercambiables y ladialéctica de proximidad y distancia enéstas. Esto, a su vez, está necesariamen-te unido a la geografía de las conven-ciones y relaciones, que tienen orígenes

cognoscitivos, informativos, psicológicosy culturales. Atravesando todo esto,debe existir una consideración simultá-nea del territorio y la región como resul-tados derivados de la tecnología y lasorganizaciones, y como los lugares deconvenciones y relaciones diferenciadas.

Figura 2 - La santísima trinidad del giro “reflexivo”

De las economías externas alas ventajas relacionales

La economía regional suelen caracteri-zarse, teóricamente, como sistemas deeconomías externas; este concepto sirvetambien para entender los puntos fuer-tes de la economía nacional. Esta ideaha estado presente largo tiempo tantoen el pensamiento económico como enel regionalista, pero sigue existiendo una

gran confusión sobre que es lo que estosignifica. Para algunos regionalistas, laseconomias externas se reducen simple-mente a los efectos de las economías deurbanización, simples economías deescala que surgen de las infraestructurasindidivisibles. Por supuesto, en esta con-cepción la región no goza de un nivelbásico en la vida económica; es un efec-to derivado de las indivisibilidades tecno-lógicas. Para otros regionalistas que

Tecnología

Organización

Geografía de interdependencias nocomerciales; relaciones; convenciones

Ventajas relacionales, regionalmenteespecíficas

Territorios

Mundos regionales de innovación

Mundos de producción e innovación(marco de acción)

Mundos regionalesde producciónConocimiento codificable/

no codificable.

Cosmopolita/ no cosmopolita.

Interdependencias no comerciales.Vínculos convencionales-relacionales.

.

.

Productos

Competición

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52 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

consideran la economía de la proximi-dad, las economías de localización se hananalizado como la fuente de las especia-lizaciones económicas de las regiones.Hasta hace muy poco, las economías delocalización se consideraban la expresiónespacial de los límites de la distancia enlas conexiones (vínculos). La integraciónde la economía de los costes de transac-ción y de las teorías dinámicas de la divi-sión social del trabajo y la geografía delas transacciones –o a lo que hacíamosreferencia anteriormente como relacio-nes entre espacios tecnológicos, espaciosde organizaciones y espacios geográ-ficos–, ha reabierto el vínculo entre lateoría de las externalidades y la teoríade la localización o aglomeración. Unasimple extensión de la teoría de loscostes de transacción a la geografía delos costes de transacción, aunque analí-ticamente sea muy potente, no generaun estatus teórico diferente para la regiónen el pensamiento económico porquela aglomeración se mantiene como unsimple resultado de la maximización in-dividual. Sin embargo, extensiones máscomplejas pueden cambiar el estatus dela región: una vez que se considera laproximidad como un input en la divisiónsocial del trabajo –permitiendo a las em-presas tomar decisiones entre lo que loque producen internamente y lo quecompran externamente–, esta permitea las empresas experimentar con dife-

rentes grados de especialización de loque en otro caso sería posible, y esto, asu vez, pone en marcha dinámicas dedesarrollo tecnológico que tampocoserían posibles de otra forma. Así queahora la región es una contribuidora ala dinámica del capitalismo moderno yno sólo un producto de él. Las “econo-mías” asociadas a la proximidad nopueden retornar a una maximizaciónindividual bajo condiciones estables;éstas suponen inherentemente efectosde difusión, líneas borrosas de eficiencia,cálculos en relación a un objetivo organi-zativo móvil cuya trayectoria está ligadaa su geografía. Con gran probabilidadrepresentan externalidades reales posi-tivas –en el sentido identificado porYoung 51 y Kaldor 52 – y no solamente enlos efectos de visión del trabajo deStigler-Smith 53 (efectos originados porla mecánica relación entre mayor escalay mayor división del trabajo). Existenmuchas formas empíricas en las que estopodría suceder, pudiendo variar desdelas especializaciones de alta tecnología,hasta la metropolitanización como“fondo de flexibilidad”. 54

Aun así, pueden darse muchas oca-siones en que las limitaciones físicas ydirectivas de la distancia, incluso pararelaciones input-output muy especiali-zadas, se reduzcan progresivamente enel tiempo. Existen distintas posibilidades,

51 Young (1928). Tener en cuenta que se está volviendo de nuevo a la distinción entreexternalidades pecuniarias y no pecuniarias, tratadas inicialmente con una gran precisiónpor Scitovsky (1952).

52 Kaldor (1972).53 Stigler (1951).54 Veltz (1995).

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53Michael Storper

con el desarrollo de tecnologías de co-municación cada vez más eficientes y ladifusión de metarutinas organizativas, demanera que incluso los sistemas tran-saccionales más sofisticados podrán dis-frutar de un potencial cada vez mayorpara evitar aglomeraciones.

Pero la historia no acaba con estasinterdependencias comerciales. En oca-siones, las limitaciones de la proximidadparece que siguen siendo muy impor-tantes para la dimensión comunicativa,interpretativa, reflexiva y de coordina-ción de las transacciones, donde inclu-so el correo electrónico no sustituye a laproximidad.

Las convenciones y las relacionesque permiten reflexividad, actúan comoventajas para las organizaciones y regio-nes que las poseen, o incluso para losagentes individuales que se ven envuel-tos en ellas. Las regiones y organizacionesque las tienen, tienen ventajas debido aque dichas convenciones y relaciones –mucho más que los stocks de capitalfísico, conocimiento codificado o infraes-tructura– son difíciles, lentas y costosasde reproducir y, a veces, son imposiblesde imitar. El estatus de la región ahora,no consiste simplemente en un lugar deexternalidades verdaderamente pecu-niarias, sino –para las regiones afortu-nadas– una localización de importantesstocks de ventajas relacionales.

Convenciones, coordinación y racionalidad: Los microfundamentos del giro “reflexivo”

El comportamiento económico no estáúnicamente “incorporado” en las fuerzasno económicas, ya sean culturales, cog-niscitivas, políticas o estructurales; ladistinción entre fuerzas económicas y noeconómicas debería sustituirse por unanálisis de las maneras en que diversostipos de información sostienen la coor-dinación de los agentes económicos. Eneste sentido, la ciencia social de las con-venciones rechaza la distinción, comúna la economía moderna, entre raciona-lidad de la toma de decisiones –la formaen la que los individuos reaccionan a lainformación– y la acción basada enactos de comprensión, entendimiento ointerpretación, pragmáticos y cognosci-tivos. No es simplemente que diferentes

versiones de comprensión, entendi-miento o interpretación generan dife-rentes “parámetros” para la toma dedecisiones en forma de diferentes pro-gramas de preferencias o diferentes as-pectos que deben ser maximizados, sinoque la acción que dirige la coordinaciónes, a menudo, un proceso de compren-sión mutua, entendimiento y interpreta-ciones comunes entre los agentes encondiciones de incertidumbre.

La pregunta surge, naturalmente,sobre dónde la noción de reflexividad yel mecanismo de convención se sitúarespecto a la racionalidad de la toma dedecisiones, tan importante para el pen-samiento económico. Se podrían co-

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54 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

mentar dos breves aspectos de esteproblema: los micro fundamentos y lascuestiones pragmáticas. 55

Las convenciones son mucho másque simples cualidades cogniscitivas,culturales o psicológicas que permiten alos agentes sobrevivir en los mercados.Cuando los agentes llevan a cabo unaactividad, lo hacen con la expectativade tener un marco de acción común conotros actores implicados en esa activi-dad. 56 Esto implica que las expectativasque subyacen de la coordinación conotros agentes no son, como defiendenotros autores, fundamentalmente psico-lógicas o cogniscitivas, aunque tienencon seguridad estas dimensiones. Ni tam-poco son simples anticipaciones, aunquecontengan anticipaciones. No son tanto“racionales” sino más formas de la razónpráctica. Estas expectativas están funda-mentalmente relacionadas con las di-mensiones pragmáticas de la acción, alas que Herbert Simon57 llamó su “efec-tividad”. En toda acción hay una tensióncontinua, consecuencia de la búsquedade coherencia pragmática entre los finesy los medios. Las intenciones de lasacciones se definen y clarifican según sevan llevando a cabo éstas últimas, y se

ajustan a circunstancias cambiantes. Laacción depende y surge de cosas y per-sonas implicadas en situaciones pragmá-ticas próximas. Esta persecución por unaefectividad pragmática tiene una cohe-rencia práctica que quizás no parezcauna coherencia lógica; desde el puntovista de coherencia lógica, la acciónpráctica puede combinar varias lógicas.

Por estas razones las convencionesmejor comprendidas son en términos decómo prestan o dificultan el acceso adiferentes tipos de acción. Un ambientede acción se compone de dos elemen-tos fundamentales. El primero, es queexisten otras personas que actúan deforma coherente con nuestras propiasacciones, de forma que ambos respon-den a la incertidumbre de formas mu-tuamente compatibles: este es un marcode acción. La segunda, es un entornomaterial e institucional práctico, en el quelos agentes de las acciones se adaptanbien a un problema práctico próximo,es decir, a las herramientas, conocimien-to existente, materiales y condicionesexternas (por ejemplo institucional ocompetitivas) bajo las cuales se requie-re actuar. Diferentes combinaciones delo anterior es lo que podríamos llamar

55 La mayoría de lo que aparece en esta sección surge del trabajo realizado conjuntamente conRobert Salais, y explicado en parte en nuestro libro Les Mondes de Production (1993, Paris).También he extraído parte de un reciente texto, no publicado, “Conventions, mondes possible,et action économique”. Cualquier tipo de error de interpretación es de mi absolutaresponsabilidad.

56 Pero esto, para nada implica que todos los actores tengan el mismo grado de satisfacción, quesean igual de entusiastas, o que tengan las mismas relaciones políticas y distributivas. Esto esuna descripción de que están acuerdo con las mismas reglas del juego, aunque no quenecesariamente les guste hacerlo. Otro forma diferente de tratar esta cuestión se puede en-contrar en Crozier y Friedberg (1977).

57 Simon (1979).

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55Michael Storper

“posibles mundos de acción”. Esta ma-nera de enfrentarse al problema plan-tea tres cuestiones acerca de los procesoscolectivos dinámicos en la economía.

La primera cuestión trata acerca dela diversidad de marcos de acción. Aun-que en principio existen innumerablesmaneras de coordinar la acción econó-mica, en la práctica existe un númerolimitado de combinaciones prácticamen-te coherentes de acciones para cada tipode bien material o de servicio producidoen la economía. Esta diversidad –queconduce a una pluralidad de mundosposibles– es en cierto sentido muchomejor que la que prevé la teoría ortodo-xa, con su idea de una única frontera deproducción posible, para cada grupo detecnologías y mercados. Nosotros mante-nemos que en una situación de partidaexiste más de una solución económicaeffectiva. En otras palabras, es más restric-tivo que la teoría ortodoxa, que con sen-cillas sustituciones de factores presentanun mundo de combinaciones ilimitadas,circunstancia que no se da en la situaciónpráctica real. En comparación con laeconomía de negocio empírica, esto nosconduce a aceptar la diversidad como lamejor opción, en el sentido de que recha-za la idea de convergencia hacia las mejo-res prácticas globales de los mercados, afavor de un considerable conjunto deefectivas soluciones prácticas a los pro-blemas de producción.

La segunda cuestión tiene que vercon el papel de la racionalidad. Laacción económica no está únicamentemotivada por el estricto utilitarismo opor los deseos de satisfacción individual,

sino por la voluntad de hacer efectiva laacción que uno lleva a cabo. Esta moti-vación le da dos características princi-pales a la acción. Por una parte está suparticularidad: una determinada situa-ción de acción está compuesta de obje-tos, circunstancias y personas, cuyanaturaleza variada y heterogénea llevana sinergías particulares y complejas. Esimposible reducir la situación a seriespreestablecidas de rutinas prefijadas. Porotra parte, su carácter colectivo: debidoa esta heterogeneidad básica, las accio-nes mutuamente interdependientes pue-den tener éxito sólo si existe un caráctercolectivo en ellas, en el sentido de accióndentro de un marco común de acción.Sólo si al acción se redujese a lo prefi-jado, situaciones completamente anti-cipadas, se podría reemplazar su caráctercolectivo por reglas ajenas que no su-pongan una coordinación básica entrelas personas implicadas. El Taylorismopleno es la excepción, no la regla, e in-cluso el Taylorismo nunca logró un éxitocompleto en sustituir relaciones conreglas. Heterogeneidad también signi-fica una pluralidad de procesos colecti-vos, una cierta “fragmentación” deacción; cuando se sitúa en el contextode un entorno de selección competitiva“distendido”, se llega a la idea de queexisten muchos tipos de acciones econó-micamente eficientes, no una única je-rarquía de acciones de mejor a peor.

La tercera cuestión hace referencia ala naturaleza de la acción misma. Lasciencias sociales estuvieron dominadasdurante mucho tiempo por la idea utilita-rista de acción como manipulación estra-tégica de datos, con la intención de

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56 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

satisfacer un interés predefinido de unarealidad externa previamente definida ala realización de la acción. Esta concep-ción condujo a una idea reduccionista deintencionalidad: con fines dados, la bús-queda de los medios adecuados paraconseguirlos. La economía y sociologíade las organizaciones ha desarrolladoesta idea de acción. Aún así, hace hinca-pié en las diferencias con el análisis eco-nómico ortodoxo, poniendo énfasis enlos difíciles e ineficientes efectos de la ra-cionalidad en los contextos organizacio-nales; no obstante, encajan bien con elparadigma utilitarista-instrumentalista.Para romper con este paradigma, tal ycomo aquí se hace, se requiere un cam-bio en la forma de entender la acción;acción como “hacer”, en la que la princi-pal incertidumbre de todos los agentesse encuentra, no en algo exclusivo de loque intentan aislarse o protegerse estra-tégicamente, vía predicciones o manio-bras estratégicas. 58 La incertidumbre delas situaciones de acción es también unafuente de posibilidades para darse cuentade las intenciones de la acción. Enmuchas ocasiones, especialmente en lasde innovación y otros procesos dinámicosen economía, el agente puede, muybien, percibir la situación completa como“imperfecta”, como podría ser el caso enque su acción se diseñe para completar

lagunas de coordinación y por tanto con-tribuir hacia la construcción de un marcode acción nuevo. Cuando esto funciona,el marco de acción del agente ha sidopragmáticamente efectivo; cuando nofunciona, la coordinación ha fracasado(por ejemplo, en la economía, el produc-to o la empresa falla algunos test exter-nos) y los agentes deben intentarlo denuevo, utilizando un marco de acción dis-tinto para resolver la incertidumbre.

La dinámica temporal de los proce-sos económicos surge porque en cual-quier momento determinado existe unavariedad de posibilidades, no una infini-dad. La acción navega continuamenteentre mundos posibles en el momentopresente, y la realidad se define a lo largodel despliegue pragmático de acciones,tanto las que tienen éxito como las quefracasan. Por ello, la teoría no puededefinir, en ningún caso, de forma previa,las convenciones que desarrollarán losagentes. Pero la teoría sí puede definirgrupos de convenciones generales yprobables que frecuentemente aparecenen la resolución de ciertos tipos de dile-mas económicos prácticos, y puede de-finir también cómo parecen ir ligados, amenudo. Estos son los “mundos posi-bles” a los que hacíamos referenciaantes. Más que gramática generativa 59

58 Aunque ello pueda ciertamente consistir en parte en estas dimensiones, bajo circunstanciasparticulares, no es una descripción precisa de la naturaleza de la acción.

59 La “gramática generativa” en lingüística: una analogía a las teorías explicativas de la cienciasocial que son no deterministas, pero en las cuales, no obstante, existe un conjunto deherramientas y una estructura prefijada pero empíricamente fluida, que define el rango deposible creación de acciones individuales (discursos). Ha existido un gran debate sobre si lagramática generativa es restrictiva o creativa. Como no somos lingüísticos profesionales, nopodemos opinar sobre ello. En relación con nuestro objetivo aquí, únicamente se dice que la“gramática generativa” de la economía no debería estar ligada a una estructura que prefije elposible rango de acciones individuales, y si existe una analogía con el pensamiento lingüísticoque reclame lo mismo, entonces estamos de acuerdo con ello. Véase Searle (1977).

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57Michael Storper

o estructuras, estos marcos de acciónson una especie de pistas para los ex-ploradores. Así pues, no tienen sólo unorigen en la ciencia social, en el giro re-flexivo tienen diferentes micro orígenes,esto requiere también completar los

métodos tradicionales de investigacióny modelización, con métodos que pro-bablemente no resulten familiares ycómodos a aquellos educados en el pa-radigma metodológico dominante.

Los mundos que construyen regiones y las regionescomo mundosAhora nos queda empezar a reconstruiráreas concretas de investigación y explica-ción en los campos del desarrollo econó-mico territorial, de la geografía económicay de la economía regional. Estos camposse pueden reconstruir como series deproyectos humanos colectivos intencio-nados –donde las acciones pragmáticasbuscan algún tipo de efectividad. La san-tísima trinidad –tal y como ha sido recon-ceptualizada– ofrece unos bloques básicosde construcción, en los que tecnologías,organizaciones y regiones son campospragmáticos de la actividad humana in-ternacional. Aunque no tienen la mismafuerza e importancia. Los territorios y lasregiones no son ya los espacios de acciónpragmática básicos del capitalismo. Laspersonas actúan para salvar regiones yactúan conscientemente para desarro-llarlas y promocionarlas, en unos paísesmás que en otros. En algunos lugares,

las sociedades regionales tienen profun-dos sentimientos regionalistas, aunque enotros son más débiles. 60 La pragmáticaregionalista esta, sin embargo, subordina-da a otras redes de acción pragmática:esto se debe a que el capitalismo cadavez más, se basa en mercados de produc-tos, empresas, y factores de mercados,geográficamente extensos. Como resulta-do de esto, los mercados 61 se han con-vertido en los árbitros principales de loque es una acción colectiva legítima enel capitalismo contemporáneo; otrasagrupaciones, tales como regiones, nacio-nes, familias y empresas, deben someter-se al examen del mercado, y están cadavez más sujetas a regímenes políticos quenecesitan prueba de que esas agrupacio-nes no se construyen en oposición a losmercados. 62 Los mercados, en conjun-ción con las capacidades tecnológicascontemporáneas, hacen muy importan-

60 En el tema del regionalismo, veáse Markusen (1985).61 Esto no significa, necesariamente, mercados “perfectos”, sino más bien mercados como un

principio general de organización de las interacciones legítimas en el capitalismo contem-poráneo. Dentro de este principio general, se presentan inmumerables variaciones.

62 Hemos comentado poco sobre la relación entre la acción pragmática y la “justificación” y“legimidad” de la acción realizada. Pero es suficiente decir que toda acción pragmática –especialmente en la medida que tiene como objeto la reciprocidad entre otros actores- sebasa en alguna noción de legitimidad, en alguna forma de justificación, bien sea implícita oexplícita, que debe compartirse entre los actores implicados en la acción colectiva. Estascuestiones se han estudiado con mayor amplitud en Boltanski y Thévenot (1991). En el casode los modelos económicos de productos, Salais y Storper (1993) discuten diferentes prin-cipios de justificación para diferentes mundos posibles de acción económica.

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58 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

tes ciertos tipos de espacios de acción.Para empezar, está el producto, el focoprincipal de los mercados. Los mercadosde productos incorporan dos elementosbásicos de la santísima trinidad: tecnolo-gías (de productos y procesos) y organiza-ciones (fundamentalmente empresas,aunque también las organizaciones queapoyan a las empresas, como las escuelasy los estados). Los mercados de factoresimplican a la mayoría de las organizacio-nes (empresa, aunque también aquellasde reproducción social colectiva, comoel estado, colegios y las organizacionesde I+D públicas). Estos dos elementosde la santísima trinidad son los principalesvehículos de los proyectos intencionalesprimarios de la acción económica hoy.Es fundamentalmente el despliegue deestas acciones lo que “produce” actual-mente economías regionales, 63 cuandoéstas se sitúan o subdividen en lugares.

Sin embargo, este tipo de actividadespueden llegar a estar muy próximas enlos restringidos espacios geográficos delas regiones, por medio de complejos pa-trones y estructuras locacionales, dondeéstas se constituyen como economíasterritoriales. A su vez, estas actividadespueden desarrollar diferentes formas decoherencia, efectos de difusión y retroali-mentaciones regionales; cuando esto ocu-rre, es porque los agentes económicosregionales han desarrollado convencio-

nes y relaciones que permiten desplegardichos procesos co-evolutivos, regional-mente centrados, entre organizaciones ytecnologías. Tanto las ventajas físicascomo relacionales de la producción, seconvierten, en cierto grado, en ventajasregionalmente específicas. En otras pala-bras, los mundos regionales de la pro-ducción pueden surgir de los mundostecnológicos y organizacionales queconstruyen las regiones. Aunque estosólo sucede en algunos casos; en muchosotros, la economía regional deja, durantela mayor parte, un mero depósito lo-cacional para los mundos u objetos or-ganizativos y tecnológicos, dirigidosexógenamente, presentando una escasaco-evolución regional o, como lo handenominado tradicionalmente los regio-nalistas, “desarticulada” o “periférica”.

De modo que la economía modernapuede imaginarse como un complejopuzzle organizativo hecho de mundosmúltiples y parcialmente solapados, enlos que se desarrolla la acción colectivareflexiva. En cualquier ámbito de análisiseconómico, la labor consiste en compren-der la naturaleza funcional de los espaciosde acción implicados, y el contenido delas convenciones-relaciones – mundo deacción – a través de las cuales los agentescoordinan y dan forma a sus accionesparticulares de funcionamiento en dichoámbito, 64 conforme ilustra la figura 3.

63 Incluso admitiendo que gran parte proviene del pasado y de feedback de la economíaregional actual.

64 No se debe, sin embargo, poner demasiado énfasis en que los campos funcionales de acciónestán predefinidos, ni por la lógica funcional de Parsons ni por ninguna estructura capitalistamayor. El punto de la teoría pragmática subrayada en este capítulo, es que estructura y acciónse desarrollan y redefinen simultáneamente. Unicamente podemos modelizar las áreas funcio-nales básicas que se nos presentan actualmente, pero estas son indicativas, en ningún casocausales.

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59Michael Storper

Figura 3 - La economía como un conjunto de áreas de acción interrelacionadas yparcialmente solapadas

En términos operativos, estos cam-pos, que tienen una gran influencia enla evolución de la economía regionalcuando llegan a ser mundos de accióncoordinados, pueden ser consideradoscomo distintos “cortes” en el análisis re-gional. Cuatro de estos cortes, que soncomplejas interacciones dentro de lasantísima trinidad, pueden ser conside-rados como prioritarios para la teoría yla investigación de la forma siguiente.

Tecnologías y organizaciones

Las tecnologías y las organizaciones sonlos principales generadores de las “posi-bilidades de producción” del capitalismo.La primera define el envoltorio de lasposibilidades físicas e intelectuales, y lasegunda define las posibilidades institu-cionales para utilizar la primera de unaforma económicamente fiable. Como yase ha indicado, cada uno de estos ele-

Productos

Mundosregionales deproducción

Sistemas deinnovación

Mundosregionales deinnovación

Mundos de innovación

Tecnologías

Territorios

Organizaciones

TerritoriosTecnologías

Territorios

Tecnologías

Organizaciones

Organizaciones

Territorios

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60 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

mentos de la santísima trinidad se harevolucionado recientemente por el giroreflexivo. En combinación, generancomplejas posibilidades de coordinacióny problemas, aparecen dos tipos queson los más importantes. El primero sonlos productos, que son el resultado dela acción reflexiva coordinada, frente aun fondo de limitaciones y posibilidadestecnológicas y organizativas de fondo;los productos son el resultado de marcosde acción de origen convencional-rela-cional, o “mundos de producción”. Elsegundo son los sistemas de innovación,que están basados en marcos de accióna través de los cuales se desarrollan yevolucionan las capacidades físicas-inte-lectuales; estos son los “mundos de lainnovación”.

Organizaciones y territorios

Las organizaciones, especialmente lasempresas, “construyen” regiones a tra-vés de su comportamiento locacional,pero organizaciones como las empresasson también resultado de los entornosinstitucionales de sus localizaciones. Estoes mucho más obvio en las empresasque tienen un único emplazamiento,aunque incluso las empresas más gran-des que cuentan con múltiples locali-zaciones están influenciadas, en ciertamanera, por las localidades en las quesitúan ciertas actividades. 65 Para otrotipo de organizaciones, como colegios,instituciones de gobierno y “entornos”institucionales políticos o culturales (lasreglas formales e informales de gobierno

de la economía), la relación con el lugarnegocio más directo. Como se señalaanteriormente, las economías territoria-les pueden suponer efectos transversalesentre diferentes actividades, a través detecnologías (derivados de conocimientolocalizados), a través de organizaciones(vínculos input-output localizados), o deaspectos de los marcos de acción local através de los que se coordinan múltiplessectores de la economía y se movilizanrecursos. Estos entornos convenciona-les-relacionales localizados son losmundos regionales de producción.

Tecnologías y territorios

El desarrollo del conocimiento y delknow-how está sujeto a una comple-jidad de movimientos entre codifica-ción/difusión económica e innovación/carácter tácito. Mientras las primerastienden a dirigir la difusión geográfica,las segundas pueden, en algunos casos,aunque no en todos, surgir de contex-tos geográficos restringidos e impedir,al menos durante cierto tiempo, quede una difusión geográfica fácil. Elpapel de la localización en la innovacióny utilización tecnológica, se construyeen su mayor parte porque ciertas for-mas de innovación surgen del cono-cimiento interactivo y de derivados del“know-how”, los cuales aparecen enespacios geográficos restringidos, asícomo de espacios organizativos defi-nidos. Una de las cuestiones más impor-tantes para los estudiantes del desarrolloeconómico en la “learning economy”

65 Patel y Pavitt (1991); Dunning (1979, 1988); Pianta (1996); Amendola y al (1992).

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61Michael Storper

ref lexiva del capitalismo contem-poráneo es, por lo tanto, la geografíadel conocimiento y el desarrollo del“know-how”, que es la geografía de lainnovación. Junto a la cuestión de lageografía de la innovación está la cues-tión de cómo surge esta forma deacción colectiva excesivamente com-pleja y cómo se coordina en contextosparticulares. Paralelamente investiga losmundos de la innovación en general,luego se debe analizar cómo surgen enforma de mundos regionales de inno-vación la localización del conocimientoy del aprendizaje.

Tecnologías, organizacionesy territorios

Cuando se consideran todos los elemen-tos de la santísima trinidad equitativa ysimultáneamente, no hay “paréntesis”teórico con el propósito de simplificar.Como resultado, sólo se pueden conside-rar los problemas más complejos y con-cretos del desarrollo económico. Pero sepueden construir utilizando ideas adquiri-das a través de rigurosas teorizaciones delos elementos individuales de la trinidad,y las limitadas combinaciones identifica-das anteriormente.

Conclusión

El enfoque del desarrollo económicoterritorial que aparece en este artículotiene poco que decir acerca de los pro-blemas estándares de la economía es-pacial o teoría locacional, base de laliteratura sobre la geografía del desarro-llo económico, pero tiene mucho quedecir sobre la diferenciación territorialdel desarrollo, resultados e institucioneseconómicas. Su principal contribucióna las disciplinas espaciales es analizar elpapel de la proximidad territorial en laformación de convenciones; el papel delas convenciones a la hora de definir las“capacidades de acción” de los agenteseconómicos y por tanto, las identidadeseconómicas de los territorios y regiones;

el estatus económico de las convencio-nes regionales de la producción comoun tipo de ventaja colectiva, regional-mente específica, de la economía; elestatus de las convenciones como inter-dependencias no comerciales en lossistemas económicos; y por qué es tandifícil, en algunas regiones, imitar otomar prestadas convenciones e institu-ciones de otros lugares. Su propósito esaumentar el poder explicativo de la cien-cia social regionalista, aproximándola alos temas principales de muchas otrasciencias sociales contemporáneas mien-tras se llevan a cabo nuevas contribu-ciones específicas a esos debates.

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62 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

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A Ordem Urbana Walraso-Thünenianae suas Fissuras: o papel dainterdependência nas escolhas delocalização

Pedro Abramo

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 69-91

As leituras sobre a constituição da ordemespacial urbana e, mais particularmente,da ordem residencial, partem da consta-tação de que, aparentemente, a configu-ração da estrutura intra-urbana não seriaaleatória, isto é, de que existem certasregularidades que poderiam ser identifi-cadas pelos discursos das “ciências so-ciais”. Mas, a questão de saber como seconstitui uma ordem espacial urbana nosremete às representações sobre o com-portamento dos homens, portanto, àsparticularidades disciplinares das ciênciassociais. Nesse sentido, a sociologia faz ape-lo às normas, à cultura, aos efeitos simbó-licos, às macroestruturas, para explicaras decisões de localização como manifes-tação referente ao espaço das relaçõesentre homens. As regularidades espaciais(ordem) são, assim, o resultado dessasdimensões das ações dos homens: o com-

portamento do homo sociologicus é quepermitirá a emergência de uma ordemespacial 1. A interrogação sobre se essasregularidades correspondem aos objeti-vos de funcionalidade (ou beleza) e se aRazão, e a “vontade esclarecida” doshomens, podem “redesenhar” essas re-gularidades é que permite ao urbanismosurgir como um discurso alternativo sobrea ordem espacial. Nesse caso, a ordemnão será mais o resultado da ação dohomo sociologicus, mas, sobretudo, oproduto da “Razão” de um homem uni-versal. A perspectiva de oferecer à socie-dade uma ordem espacial independentedos particularismos dos homens (homosociologicus, homo œconomicus, homopoliticus, homo ludens, homo volensetc.) traduz o desejo moderno de colo-nizar o mundo por uma Razão que tudoresolve e a tudo responde. É o projeto

1 Tomamos de empréstimo a distinção entre homo sociologicus e homo œconomicus propostapor Elster (1991) e Dupuy (1989).

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da modernidade racionalista, caro à tra-dição dos urbanistas, que faz do plano aúnica maneira de conceber uma ordemespacial que seja funcional e produtorade felicidade. De forma esquemática, po-demos dizer que a prática arquitetural do“projeto” colonizou o espaço urbano eque o exercício generalizado da “perspec-tiva” tornou-se o “projeto” de cidade. Emuma palavra, o plano transformou-se nomecanismo produtor da ordem urbana.

Rejeitando essa imposição de umplano concebido por uma razão “cons-trutivista” que se sobrepõe aos desejosdos indivíduos, o discurso da ciênciaeconômica (ortodoxa) identifica nomercado um mecanismo de coordena-ção das escolhas de localização dos in-divíduos livres. O mercado seria omecanismo que conciliaria a liberdadedas escolhas individuais, a maximizaçãodas satisfações individuais e a configu-ração de uma ordem espacial eficiente.O projeto da “mão invisível urbana” setraduz na idéia de um mercado de lo-calização residencial. De fato, o discursodo urbanismo e o projeto da “mão in-visível urbana” da economia urbanaortodoxa opõem-se radicalmente.

De um lado, encontramos a pers-pectiva do plano e, portanto, a submis-são do indivíduo egoísta a uma ordemconcebida por uma razão que lhe é ex-terior. De outro, a perspectiva do mer-cado e da liberdade mercantil em que

os indivíduos, independentemente unsdos outros e movidos por seus interes-ses estritamente pessoais, fazem emer-gir uma ordem que concilia eficiênciaalocativa e liberdade individual.

Cada um desses discursos teve suaépoca; o urbanismo funcionalista reinoudurante décadas como o mecanismo de“imposição” de ordens espaciais mais“justas” e/ou funcionais, enquanto o dis-curso de alocação espacial via mercadoretorna com força durante os anos oi-tenta sob o impulso do neoliberalismoe da recuperação da idéia renascentistade Arte Urbana 2. De forma esquemáti-ca, diríamos que o período dourado dourbanismo funcionalista corresponde àfase fordista, enquanto o retorno daidéia de mercado urbano representa acrise da regulação fordista e um desejode flexibilização3. As crises do urbanismoe, portanto, de uma política urbanaintervencionista são múltiplas 4, mastendem a rejeitar a cultura do plano e aconduzir a uma revalorização do merca-do como “o” mecanismo de coordena-ção das decisões de localização urbana.É o retorno triunfante do discurso daeconomia urbana ortodoxa do mercadoresidencial como uma “mão invisível ur-bana”que nos levou a interrogar sobresua capacidade de explicar certas carac-terísticas da lógica de decisões de umaeconomia descentralizada. Para tal, pro-pomos uma breve apresentação do dis-curso ortodoxo da economia urbana.

2 Sobre o conceito de Arte Urbana, ver Choay (1965), e sobre sua recuperação atual, verTribillon (1991).

3 Abramo (1993).4 As críticas à razão construtivista e os debates filosóficos sobre a pós-modernidade são, talvez,

sua expressão mais sofisticada.

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Insistimos aí em que esse discurso seconstitui a partir de uma operação desíntese que retoma a representação doespaço e a teoria da renda fundiária deVon Thünen em um quadro analíticowalrasiano. A nosso ver, essa síntese es-pacial ortodoxa estabelece uma relaçãosimbiótica entre a representação natura-lizante do espaço proposta por Thünene a racionalidade paramétrica do mode-lo de base walrasiano. Ao se auto-refor-çarem, essas duas hipóteses permitemque a síntese espacial ortodoxa ofereçauma imagem coerente do processo deequilibragem do mercado de localização.Na terceira parte, propomos introduziralguns elementos de interdependêncianas funções-objetivo dos participantesdo processo de equilibragem ortodoxopara verificar os limites da representaçãonaturalizante do espaço da síntese orto-

doxa. Na quarta parte, substituímos ahipótese de racionalidade paramétricados modelos da síntese pela noção deracionalidade estratégica, para verificarse os resultados clássicos do equilíbriowalrasiano (unicidade e eficiência) conti-nuam válidos para o caso do equilíbrioespacial. Apesar de a nossa intenção sera de estabelecer uma ruptura com a pro-blemática da economia urbana ortodo-xa 5, procuramos apresentar nossoexercício crítico no “campo da argu-mentação” do discurso neoclássico.

Para tal, convocaremos os argu-mentos de Gary Becker para “testar” ahipótese do trade off entre acessibi-lidade e espaço e, em seguida, apre-sentaremos um exercício de interaçãoestratégica a partir da cidade racista deRose-Ackerman.

A perspectiva da síntese walraso-thünenianaA tradição dos estudos urbanos neoclás-sicos está ancorada em uma matriz deleitura da coordenação das decisões delocalização residencial dos agentes eco-nômicos cujo ponto de partida é umaoperação de tradução das hipóteses deVon Thünen sobre a representação doespaço e do processo de determinaçãoda renda fundiária para a “linguagem”da teoria de consumidor da microecono-mia tradicional. Essa operação de estabe-lecimento de uma teoria da escolha delocalização segundo o procedimento ha-bitual da microeconomia neoclássica tem,a nosso ver, dois movimentos gerais, que

permitem a passagem do equilíbrio delocalização individual ao equilíbrio espa-cial (ordem urbana): a representaçãoeconômica de espaço e a hipótese sobrea racionalidade dos agentes econômicos.

Como na teoria do consumidor, aconstrução do argumento neoclássicoparte da representação que um agenterepresentativo faz das suas intenções(desejos) de consumo. A curva de indife-rença traduz, para um nível de satisfaçãodado, as combinações alocativas dos in-divíduos. No caso da teoria da localiza-ção (residencial), a dimensão espacial é

5 Em Abramo (1994), procuramos apresentar alguns exercícios para uma perspectiva hetero-doxa da economia urbana a partir de uma problemática da incerteza radical urbana.

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traduzida pela distância entre o lugar demoradia e o local de trabalho (t) e pelaquantidade de espaço consumido (q);todos os outros bens são grupados emum bem composto (z) que serve de nu-merário nos modelos de equilíbrio delocalização neoclássicos. Assim, a funçãode utilidade que os indivíduos devemmaximizar é U(q, t). Como há um custode deslocamento entre o local de mora-dia e o local de trabalho, que por defi-nição é no centro da cidade (CentralBusiness District - CBD), a acessibilidadeao centro será um atributo de localiza-ção desejada pelos indivíduos.

O desejo de acessibilidade, dadas asvantagens de localização, traduz-se emrenda fundiária, o que leva os indivíduosa estabelecer suas escolhas de localizaçãosegundo um trade off entre acessibili-dade e consumo de espaço. Portanto, arepresentação individual do espaçothüneniano (distância ao CBD) será re-velada nos moldes de localização neo-clássicos por um conjunto de curvas deindiferença entre acessibilidade e consu-mo de espaço com níveis diferentes desatisfação. De fato, a primeira operaçãoda leitura neoclássica da configuraçãoda estrutura intra-urbana é a de repre-sentar o universo de consumo espacial(localização) segundo o critério de indife-rença locacional de um agente represen-tativo; para cada nível de satisfação, osindivíduos são indiferentes quanto à sualocalização, supondo que as perdas emacessibilidade são compensadas porconsumo de espaço. Em outras palavras,

o primeiro pilar sobre o qual a síntesewalraso-thüneniana se edifica é o da re-presentação das hipóteses de Thünensobre o espaço segundo o critério aloca-tivo individual do trade off entre acessibi-lidade e espaço.

Seguindo o percurso do equilíbrio doconsumidor da microeconomia tradicio-nal, a leitura neoclássica de Thünensupõe que os agentes econômicos ado-tam um certo procedimento racional emsuas escolhas de localização. Essa racio-nalidade supõe que os indivíduos tomamsuas decisões de forma autônoma e inde-pendente, buscando maximizar suasfunções-objetivo sob a restrição orça-mentária individual. Como essa restriçãoorçamentária é um parâmetro exógeno,as escolhas são tomadas segundo umaracionalidade que é identificada comouma racionalidade paramétrica. Comoveremos nos parágrafos seguintes, a re-presentação do homo œconomicus queessa racionalidade paramétrica traz em-butida é a de indivíduos que tomam suasdecisões sem se questionar sobre as to-madas de decisões dos outros partici-pantes do mercado; seus cálculos sãoformulados de forma autônoma e inde-pendente, sem que os cálculos dos outrostomadores de decisões econômicassejam percebidos como uma variável queinfluencie suas formulações de localizaçãoresidencial 6. Em outras palavras, o equi-líbrio individual (maximização de suafunção-objetivo, dados os parâmetrosrestritivos) independe das decisões dosoutros agentes econômicos.

6 A racionalidade paramétrica supõe que a informação seja perfeita e que não hajainterdependência das decisões dos agentes. Para uma discussão sobre os princípios geraisda racionalidade paramétrica, ver Mongin (1984) e Walliser (1993).

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É fácil perceber que a hipótese deracionalidade paramétrica da teoria dadecisão de localização ortodoxa articula-se com a representação naturalizante doespaço (distância do CBD) proposta porThünen. Assim, a tradução econômicada distância ao centro (custo de deslo-camento) seria uma função da distânciapercorrida, da tecnologia do transportee de outras variáveis exógenas ao pro-cesso de equilibragem espacial. O espaçoseria, portanto, uma dimensão da esco-lha de localização que se apresenta paraos tomadores de decisões como um pa-râmetro, isto é, uma variável indepen-dente das escolhas dos participantes domercado de localização residencial.Como veremos através de um modelode externalidade, esse tipo de represen-tação naturalizante do espaço (exógenoao processo de equilibragem espacial)deixa de ser a referência de base paraas escolhas de localização quando asdecisões de localização são interdepen-dentes. Nesses casos, as utilidades de-pendem da configuração espacial expost, isto é, o espaço será o resultadoagregado das decisões de localização dosagentes. Portanto, a hipótese de raciona-lidade paramétrica dos modelos de baseda síntese espacial neoclássica, além degarantir que o processo de equilibragemtenha as características de um grande“encontro no mercado” do tipo walra-

siano, garante também a representaçãothüneniana do espaço no plano estrita-mente individual das tomadas de decisãode localização.

Sem dúvida, a leitura neoclássica foicapaz de propor modelos de base queoferecem uma leitura agregada da confi-guração espacial intra-urbana a partir dacoordenação do mercado. Como po-demos ver no estilizado diagrama naFigura 1, o processo de equilibragemespacial da síntese neoclássica, em quecada indivíduo chega ao mercado compropostas de pagamento de renda paratodo o espaço (curva de oferta de rendade equilíbrio), ao determinar o preçode equilíbrio espacial (renda ou preçofundiário), determina simultaneamenteas principais variáveis da estrutura intra-urbana, tais como a distribuição espacialdas famílias com recursos diferentes eas curvas de densidade e verticalidade 7.

Como podemos constatar, o proces-so de equilibragem da síntese espacialneoclássica e o equilíbrio espacial a queesse processo conduz, cujas característi-cas são as mesmas do modelo walrasia-no (unicidade, estabilidade e eficiênciaalocativa), levam esses autores a concla-mar o mercado como o mecanismo decoordenação mais eficiente e democráti-co (liberdade de escolha) 8. A rigidez do

7 Esse diagrama é composto a partir dos modelos clássicos de Alonso (1964), Wingo (1961),Muth (1969) e Mills (1971); para uma apresentação formal dos modelos, ver Fujita (1989) eAbramo (1994).

8 É importante sublinhar o debate axiomático atual sobre a existência do equilíbrio espacial. Apartir das críticas de Berliant (1985, 1990) e das respostas de Fujita et al (1990) e de Thissee Papageorgiou (1990), instaurou-se uma controvérsia sobre a possibilidade de uma teoriaespacial segundo a axiomática walrasiana. Esse debate, que é conhecido na literatura como“controvérsia da função contínua versus a função discreta”, é reproduzido por Abramo(1994) como um dos sinais dos limites do approche walraso-thüneniano.

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plano urbano seria, portanto, um meiopouco eficiente de alocação dos indiví-duos e atividades nos espaços vis-à-visda liberdade do mercado. A nosso ver,essas conclusões são tributárias da inter-relação entre as hipóteses de representa-ção naturalizante do espaço de Thünene da racionalidade paramétrica dos mo-

delos walrasianos. Propomos, pois, umabreve apresentação de um problema dedecisão de localização residencial quandotemos interdependência das funções deutilidade, para verificar se os atributos deunicidade, estabilidade e eficiência doequilíbrio espacial fundado no trade offentre acessibilidade e espaço se mantêm.

Uma breve variação beckeriana sobre a representaçãodo espaço

A síntese espacial neoclássica tem comocritério alocativo básico em seu modelode equilíbrio de localização o trade offentre acessibilidade e espaço cuja mani-festação ao nível da função contínua darepresentação do espaço (hipótese deThünen). Mesmo nos modelos de ex-ternalidade e multinucleados da novaeconomia urbana neoclássica, a repre-

sentação canônica dos modelos de baseé mantida 9. A identidade entre o equilí-brio espacial, produto do processo deequilibragem walraso-thüneniano, e aordem espacial (distribuição espacial dasfamílias com recursos diferentes em círcu-los concêntricos, curvas de verticalidadee densidade descendentes do centro paraa periferia etc.) é resultado da função de

9 Ver, por exemplo, Fujita (1994).

Figura 1 - O equilíbrio urbano e as densidades residenciais

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utilidade contínua e, portanto, da escolhasegundo o critério do trade off entre aces-sibilidade e espaço.

Entretanto, basta introduzirmosalguns elementos de interdependêncianas funções de utilidade dos indivíduosque participam do processo de equili-bragem espacial para verificarmos as difi-culdades da representação thünenianado espaço. Tomemos, por exemplo, asargumentações da economia do casa-mento e do capital humano de Becker,para verificarmos até que ponto o crité-rio do trade off entre acessibilidade eespaço determina a escolha de localiza-ção das unidades familiares. Comece-mos pela economia do casamento emque o princípio de manutenção (contra-to) do casal é a maximização das funçõesde utilidade de cada um dos cônjugues.

Segundo a síntese neoclássica, a es-colha de localização do casal obedeceriaao critério do trade off do chefe da famí-lia (agente representativo) 10. Assim, alocalização escolhida seria a que maximi-zasse a função de utilidade U(q.t), dadasas preferências por espaço e acessibilida-de em função da renda familiar. Supon-do que a renda do casal seja superior àque cada um dos cônjugues tinha antesdo casamento, a escolha da localizaçãode equilíbrio do casal tenderá a se deslo-car para a periferia, vis-à-vis de suas esco-lhas de solteiros 11. Entretanto, segundo

o argumento de Becker, a manutençãodo casal depende da interdependênciae complementaridade das funções deutilidade de cada um dos cônjuges. Issosignifica que a escolha de uma localiza-ção mais distante do CBD realizada pelomarido pode induzir a um decréscimodo grau de satisfação de sua esposa(menor tempo de lazer e/ou convíviocomum, maior despesa em custos detransporte etc.) que eventualmentepode pôr em cheque o contrato de casa-mento que os une. Aqui, a perda deutilidade do marido com um rompimen-to do contrato de casamento (divórcio)pode ser superior aos ganhos com a lo-calização ótima, segundo o princípio dotrade off da síntese neoclássica. Nessecaso o casal tenderia a escolher umalocalização que aumentasse a comple-mentaridade de suas funções de utilida-de para fortalecer seus laços (contrato)matrimoniais. A escolha locacional nãoseria mais comandada pelo trade off dasíntese espacial, mas sobretudo por umabusca de um “lugar romântico” que ma-ximizasse os ganhos de utilidade emviver como cônjuges. Da mesma manei-ra, o casal pode tomar uma decisão delocalização que leve em consideraçãouma dimensão intertemporal, isto é,que leve em consideração a velhice, emque os ganhos monetários com a inter-dependência das funções de utilidadesejam compensados pelo aspecto desegurança de envelhecer juntos e/ou em

10 Para uma discussão sobre o problema de agregação das funções de utilidade no interior daunidade familiar (chefe ditatorial, altruísmo etc.), ver Abramo (1994).

11 A partir de exercícios de estática comparativa, os modelos de base econômica urbananeoclássica concluem que a elevação dos recursos iniciais conduz a uma rotação para adireita da curva de renda ofertada, revelando, portanto, uma preferência por espaço emdetrimento de acessibilidade.

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que disporiam de mais tempo de con-vívio. Nesse caso, em que se levam emconsideração o ciclo de vida dos indiví-duos e o contrato de casamento, aseventuais perdas com a escolha da loca-lização no presente (segundo o critériodo trade off entre acessibilidade e espa-ço) seriam compensadas pelos ganhosde utilidade futura.

Enfim, haveria uma infinidade desituações que poderiam ser interpreta-das pelas funções de localização comoum meio de investir no contrato de ca-samento. A decisão de localização nãoseria uma decisão de alocação ótima emsi, mas, de fato, um meio de que as fa-mílias lançam mão para aumentar seuslucros familiares, a partir das interdepen-dências de suas funções de utilidade.Nesses casos, a representação do espa-ço não mais seria uma representação àthüneniana e estaria subordinada àscaracterísticas particulares da interde-pendência das utilidades de cada con-trato de casamento. A escolha seriadeterminada, assim, por uma busca deum “lugar romântico” que garantisse emaximizasse o contrato de casamentoem termos intertemporais.

Ainda utilizando a argumentação deBecker, podemos imaginar uma outrasituação em que a decisão de localizaçãose transforma em um meio de investi-mento familiar; por exemplo, aquela emque os chefes de família formulam suasdecisões de localização segundo critério

de investimento em capital humano deseus filhos. Para tal, supomos que as fa-mílias se distinguem segundo seus níveisde renda. Nesse caso, o resultado doprocesso de equilibragem walraso-thü-neniano é a emergência de uma ordemespacial segmentada segundo os níveisde renda familiar, como podemos verna Figura 1. O critério de escolha delocalização eficiente dos chefes de famíliafoi o trade off entre acessibilidade-espaço. Entretanto, podemos imaginarque alguns chefes de família podemformular suas decisões de localização re-sidencial pensando na formação futurade seus filhos (capital humano). Elesimaginam que, independentemente daformação escolar, as possibilidades fu-turas dos seus filhos dependem das “re-lações de vizinhança” e dos laços deconhecimento e amizade que essas rela-ções permitam estabelecer. De fato, essesatributos podem-se constituir em umverdadeiro capital humano para seusfilhos no futuro 12. Os chefes de famíliapodem supor que esse capital humanopotencial seria superior nas localizaçõesonde seus filhos estabeleceriam relaçõesde vizinhança com filhos de famílias denível superior. Assim, o chefe de famíliapode formular sua decisão de localizaçãoem termos intertemporais objetivandomaximizar o surplus familiar através doinvestimento em capital humano de seusfilhos. Nesse caso, a escolha não seriamais ditada pelo critério de trade off tra-dicional da síntese espacial neoclássica,mas sobretudo pela busca de uma exter-

12 Basta imaginar um mercado de trabalho com forte assimetria informacional para concluirmosque uma “rede” de relações de conhecimento e amizade acumulados durante a infânciapode reduzir significativamente os custos de busca de emprego e/ou pesar positivamente nasrelações de confiança (contratos) entre empregadores e empregados.

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nalidade de vizinhança (famílias comrenda superior). O cálculo do chefe defamília seria o de compensar as perdasde utilidades no curto prazo (critério dotrade off) pelos ganhos esperados, dadoo capital humano de seus filhos advindodas relações de vizinhança. É importantesublinhar que esse chefe de famíliasupõe que os outros chefes de famíliatomam suas decisões segundo o critériode localização da síntese neoclássica, poissó assim ele poderia tomar uma “decisãooportunista” em que se é beneficiadopela externalidade produzida pela inter-relação entre as famílias de rendasuperior sem com ela contribuir.

Como no caso do casal beckeriano,o chefe de família utiliza uma decisão delocalização como um meio de investi-mento na função de produção familiar.O critério do trade off da síntese é substi-tuído por uma busca de externalidadede vizinhança de nível de renda superior.A representação do espaço para essechefe de família não seria redutível àshipóteses de Thünen de distância e custode deslocamento. Esse chefe de famíliaformula sua escolha a partir de efeitosespaciais produzidos pela interdepen-dência das decisões de localização e suadecisão procura maximizar, em termosintertemporais, a função de produção fa-miliar a partir do efeito de externalidadede vizinhança (ex post) criado pelo pro-cesso de equilibragem espacial. É fácilperceber que a decisão oportunista dessechefe de família envolve um cálculo deantecipação dos ganhos esperados comcapital humano de seus filhos (caráterintertemporal das escolhas beckerianas),mas ela exige também um exercício de

antecipação espacial, pois o chefe de fa-mília deve antecipar a localização daexternalidade de vizinhança que permiti-ria maximizar o investimento em capitalhumano de seus filhos.

Temos, portanto, que a transforma-ção da decisão de localização em ummeio de investimento na função de pro-dução beckeriana das famílias faz emergirum problema novo, qual seja: a incertezaurbana. No caso da decisão oportunistado chefe de família, a incerteza urbana éevidente, dado que o efeito de localizaçãodesejado (externalidade de vizinhança)é o produto ex post das decisões dosoutros participantes do mercado de loca-lização. A solução corrente dos modelosde síntese espacial neoclássica é a de su-bordinar a emergência de externalidadeao critério do trade off entre acessibili-dade e espaço, impondo uma racionali-dade paramétrica aos participantes domercado de localização. Ao impor a hi-pótese de racionalidade paramétrica, asíntese neoclássica afasta o problema depercepção da virtualidade de decisõesoportunistas e, portanto, dos eventuaisganhos e reações que elas poderiam criar.Em termos de formulação das decisõesde localização das famílias, as decisõesoportunistas introduzem elementos de in-teração estratégica no cálculo de localiza-ção e alteram de forma significativa osresultados do processo de equilibragemwalraso-thüneniano. Para exemplificar asdificuldades com que a síntese espacialse depara quando interações estratégicassão introduzidas no processo de equilibra-gem espacial, propomos o exercício desubstituir a hipótese de racionalidade pa-ramétrica do modelo de aversão racista.

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O modelo da cidade racista de Rose-Ackerman e ainteração estratégica

Podemos tomar o modelo da cidade ra-cista de Rose-Ackerman 13 como a inter-pretação canônica da síntese neoclássicapara o papel das externalidades de vizi-nhança no processo de equilibragem pelomercado e seus efeitos na estrutura intra-urbana 14. Para avaliar essas alterações,Rose-Ackerman apresenta o resultado deum processo de equilibragem espacialem que os brancos não são racistas e ocompara com os resultados do equilíbrioespacial em que os brancos têm aversãoaos negros. Para tal, o modelo supõe queos brancos têm um nível de renda supe-rior ao dos negros. Segundo os resulta-dos da síntese neoclássica, os brancos-ricos não-racistas (B) teriam preferênciapor espaço e tenderiam a apresentaruma curva de intenções de pagamentode rendas em função da distância aoCBD (r0B(t)), menos inclinada que aoferecida pelos negros-pobres (r0N(t)),tendo em vista que estes últimos tendema ter uma preferência por acessibilidade.Como podemos visualizar na Figura 2a,o resultado do processo de equilibragemconfigura uma ordem residencial urbanaem que os negros se localizariam próxi-mo ao centro, enquanto os brancos ten-deriam a se localizar mais distante doCBD. A fronteira entre a zona ocupada

pelos negros e a zona das famílias brancasnão-racistas é dada pela interseção dascurvas de intenção de pagamento de ren-da dos brancos e negros, isto é, o ponto(b0); o limite urbano da cidade é dadopelo ponto onde a curva de oferta derenda dos brancos corta a da renda ofer-tada pelos agricultores. A configuraçãoda ordem espacial pode ser identificadacomo a de uma cidade segregada: umazona homogênea de negros ao centro euma zona homogênea de brancos quetende a se localizar em direção à periferia.Essa estrutura interurbana seria o resul-tado da concorrência espacial (coorde-nação do mercado de localização) erepresenta o equilíbrio espacial maiseficiente em termos alocativos, dadas aspreferências e os recursos orçamentáriosdos agentes. Essa configuração de umaordem urbana segregacionista entrebrancos e negros, entretanto, não refletenenhum preconceito racial; é resultadodas hipóteses sobre as dotações de recur-sos entre os participantes do mercado delocalização. A pergunta formulada porRose-Ackerman refere-se às possíveismodificações na estrutura intra-urbanaquando os brancos-ricos manifestaremuma aversão racista em relação aosnegros-pobres.

13 Rose-Ackerman (1975, 1977).14 O modelo de cidade racista é uma forma extrema de introduzir uma dimensão não-econômica

na formulação de decisões de localização. No caso brasileiro, podemos substituir o critério de“aversão aos negros” e imaginar que os ricos têm “aversão aos pobres”; suas funções deutilidade teriam uma variável de externalidade positiva dada pela proximidade de famíliasricas; ver Abramo (1994).

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Figura 2: Comparação entre os equilíbrios espaciais de uma cidade racista e umanão-racista.

A aversão dos brancos em relaçãoaos negros reflete-se em termos da esco-lha de localização, pela preferência dese localizar entre famílias brancas. Assim,o efeito de aglomeração entre brancosé visto como uma externalidade positivapara essas famílias, enquanto as famíliasnegras seriam (por definição) indiferen-tes à localização das outras famílias(sejam brancas ou negras). A função deutilidade dos brancos racistas (BR) seria,portanto, uBR(z.q.E(t-b)), onde E é va-riável de externalidade que cresce emfunção da distância t-b, e a dos negroscontinua ser uN(z, q). Em relação aoequilíbrio espacial de negros e brancosnão-racistas, é razoável supor que osbrancos racistas estariam dispostos aoferecer uma renda superior para se dis-tanciarem da zona de negros: nas loca-lizações fronteiriças à zona dos negros,os brancos racistas ofereceriam umarenda superior à esperada em umaordem espacial sem aversão racista.

Assim, a curva de renda oferecida pelosbrancos apresenta uma tendência decrescimento à medida que se distanciada fronteira entre negros e brancos.Quando a distância começa a represen-tar um custo de deslocamento significa-tivo, a curva tende a retornar ao perfiltradicional de curva de renda oferecidada síntese walraso-thüneniana. Comopodemos ver na Figura 2b, o desejo dosbrancos racistas de se afastarem dafronteira com os negros reduz a deman-da de localização branca nessa áreafronteiriça e, conseqüentemente, reduzuma intenção de pagamento de rendainferior nas proximidades da fronteiranegros-brancos. Duas alterações impor-tantes podem ser vislumbradas: a pri-meira é o deslocamento para baixo dacurva de oferta de renda dos negros(r0N(t)); a segunda indica que, apesarde a curva de renda oferecida pelosbrancos racistas apresentar uma infle-xão, ela também se desloca para baixo,

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pois os brancos racistas que se localizamperto da fronteira são “recompensados”pela perda de utilidade de estarem pró-ximos aos negros com uma queda nopagamento de rendas. Essas alteraçõesnas curvas de ofertas de renda modifi-cam substantivamente a estrutura intra-urbana. A primeira modificação quepodemos ver como resultado do equilí-brio da cidade racista é que os gastosdos negros com localização (renda fun-diária) serão inferiores aos desembol-sados em ordem espacial, onde osbrancos não têm aversão racista 15. Por-tanto, a ordem espacial racista para umamesma localização permite um ganhode utilidade aos negros (r0N>r1N). Damesma maneira, o deslocamento dacurva de intenções de pagamento derenda dos brancos racistas (r1BR) parabaixo redefine o ponto de fronteiraentre as zonas dos negros e brancos ra-cistas. O processo de equilibragem es-pacial faz emergir uma nova fronteiranegros-brancos (bi) que será mais dis-tante do CBD. Portanto, na cidade racis-ta, os negros se localizam em uma áreasuperior à de uma ordem espacial semaversão racista. Dado que a populaçãonegra não se alterou, a densidade nazona dos negros diminui quando a aver-são racista dos brancos se manifesta nosresultados da concorrência espacial.Esses dois resultados, queda dos preçosda terra para as famílias negras e dimi-nuição da densidade na zona negra,permitem a Rose-Ackerman concluirque a estrutura intra-urbana de uma ci-dade racista (ordem eficiente) produz

uma elevação do nível de utilidade dasfamílias negras (u0N<u1N). De forma ca-ricatural, teríamos algo como uma corre-ção (econômica), por interferência da“mão divina” do mercado, dos “peca-dos” (morais) da alma humana.

No modelo de Rose-Ackerman, osnegros seriam indiferentes às escolhasdos brancos racistas. As famílias negrastomam suas decisões a partir da sacros-santa miopia da racionalidade paramé-trica: dadas as curvas de indiferença delocalização a partir do trade off entreacessibilidade e espaço, a curva de res-trição orçamentária definiria a localiza-ção de equilíbrio que maximizasse afunção de utilidade dos negros. Os agen-tes tomam suas decisões de localizaçãosem levar em consideração as escolhasdos outros participantes do mercadonem tampouco os resultados do pro-cesso de equilibragem espacial. Entre-tanto, podemos imaginar um processode equilibragem espacial ortodoxo, emque a racionalidade do cálculo econô-mico dos agentes leve em consideraçãoa interdependência das funções de uti-lidade dos participantes do mercado.Assim, os negros podem ter em conta aaversão dos brancos racistas e anteci-par as conseqüências das preferênciasde externalidade de vizinhança dosbrancos racistas na estrutura intra-urba-na (redução dos preços e das densida-des residenciais para as famílias negras);isto é, eles não formulariam suas deci-sões de localização de forma míopecomo nos modelos da síntese espacial

15 Um dos resultados clássicos da síntese walraso-thüneniana é o que diz que equilíbrios delocalização em curvas de oferta de renda mais baixas produzem um nível de satisfaçãosuperior; Alonso (1964) e Fujita (1989).

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81Pedro Abramo

neoclássica. As famílias negras, ao ques-tionarem-se sobre as conseqüências fu-turas das decisões dos brancos racistase as eventuais modificações que essasdecisões possam ocasionar em seus ní-veis de utilidade, passam a realizar umcálculo de localização cuja dimensão“estratégica” seria um elemento deter-minante na formulação das suas deci-sões. A interdependência das funções deutilidade leva os agentes a incorporarem seus cálculos as virtuais escolhas dosoutros participantes do mercado de lo-calização e suas conseqüências no novoequilíbrio (ordem) espacial. Aqui a hi-pótese de racionalidade paramétrica ésubstituída por uma racionalidade estra-tégica cujas escolhas são interdependen-tes e exigem um exercício cognitivo:antecipar as possibilidades de escolhados outros participantes do mercado 16.

A título ilustrativo, podemos suporque as famílias negras da cidade racistade Rose-Ackerman formulam suas deci-sões de localização a partir de uma racio-nalidade estratégica. Nesse caso, osnegros podem antecipar que os brancostêm aversão racista e que tal caracterís-tica conduz à emergência de uma ordemespacial (cidade racista) em que os pre-ços e densidades são inferiores na zonade ocupação negra 17. Ao antecipar osresultados da equilibragem walraso-thü-neniana de Rose-Ackerman, os negrospodem adotar um comportamento “ex-pansionista”. Isto é, antecipando a aver-

são dos brancos, os negros declaramuma intenção de residir em uma localiza-ção que virtualmente seria ocupada porfamílias brancas (curva de oferta derenda superior a r0). A princípio essadeclaração seria “irracional” segundo oscritérios da racionalidade paramétrica.Porém, supondo que os negros ante-cipam a reação dos brancos racistas(reação à proximidade dos negros), cujoresultado é um deslocamento parabaixo das curvas de intenção de paga-mento de renda dos brancos racistas e,portanto, uma tendência de queda dospreços e densidades na zona dos negros,a estratégia “expansionista” dos negros,que poderia ser interpretada como irra-cional para os modelos canônicos da sín-tese espacial ortodoxa, transforma-se defato na estratégia de decisão de localiza-ção que maximizaria suas funções deutilidade.

Entretanto, podemos imaginar queos brancos racistas podem especularsobre as intenções (estratégicas) de locali-zação dos negros e, conseqüentemente,adotar estratégias de localização diferen-tes segundo suas antecipações sobre aescolha dos negros. Nesse ambiente detomadas de decisões em que brancosracistas e negros formulam suas decisõesde localização antecipando as eventuaisdecisões de decisão uns dos outros, con-figura-se um quadro de antecipaçõescruzadas cujas conseqüências no proces-so de equilibragem espacial são substan-

16 Para uma discussão da dimensão cognitiva da racionalidade estratégica, ver Walliser (1993).17 Os negros formulam seus planos a partir de uma relação de causa e conseqüência de suas

decisões, considerando a mesma relação de causalidade das decisões dos outros agentes.Para Walliser (1985, p. 39-40), esta seria uma definição minimal de uma racionalidadeestratégica.

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cialmente diferentes daquelas propostaspela síntese walraso-thüneniana. A fimde visualizarmos o processo de interaçãoestratégica dos negros e brancos racistas,a partir da cidade racista de Rose-Acker-man, podemos fazer uso da apresenta-ção estilizada proposta pela teoria dosjogos. Segundo a tradição da teoria dosjogos, devemos sempre começar poruma descrição dos participantes da “con-frontação do mercado”, de seus objeti-vos e conhecimentos e, enfim, das regrasdo jogo 18. Os participantes do jogo(equilibragem espacial) da cidade racistasão as famílias negras e os brancos racis-tas. Como cada um dos participantes domercado de localização deseja maximi-zar suas funções-objetivo, podemos dizerque temos um jogo não-cooperativo,isto é, cada um procurará maximizarsuas satisfações (utilidades) julgando asdecisões possíveis dos outros jogadores,sem levar em consideração a mediaçãode uma eventual “instituição” que pode-ria conduzir a uma solução de interessecomum 19. No caso da cidade racistaneoclássica, supomos que os negrospodem ter estratégias “expansionistas”e que os brancos podem reagir a essastentativas de expansão, caracterizando,assim, um ambiente de confrontação(via mercado) nas escolhas de localiza-ção. Estilizando de uma forma simpleso “ambiente estratégico” de tomadas dedecisões de localização, podemos suporque cada “tipo” de família (de brancose de negros) pode optar seja por umcomportamento passivo, ou pacífico,

(P), isto é, resignar-se a aceitar a confi-guração espacial do equilíbrio para-métrico da cidade racista, seja por umcomportamento agressivo, (A), em rela-ção às alterações na estrutura espacialdevidas à existência da aversão racial.

O passo seguinte é o de atribuir osvalores (utilidades) correspondentes acada uma das escolhas possíveis dosbrancos e negros em função dos com-portamentos estratégicos que eles pen-sam assumir, e portanto, da configuraçãoespacial resultante das suas escolhas.Assim, quando negros e brancos adotamestratégias passivas, a ordem espacial seráa do equilíbrio paramétrico do modelode Rose-Ackerman. Nesse caso, pode-mos supor que as utilidades sejam nulas(0) para os dois tipos de agentes. Entre-tanto, quando os negros escolhem umaestratégia agressiva (A), isto é, expansio-nista, e os brancos, uma estratégia passiva(P), os primeiros se aproveitarão dos efei-tos espaciais da aversão racial, enquantoos segundos terão uma redução dos seusníveis de satisfação em termos de equilí-brio paramétrico. Podemos supor que osnegros têm uma utilidade de dois (2),enquanto os brancos teriam menos cinco(-5). O caso simétrico será aquele emque os brancos adotam a estratégia (A)e os negros, a estratégia (P). Enfim, po-demos imaginar uma situação em queos brancos e os negros adotam a estraté-gia (A). Nesse caso, supomos que a redu-ção de utilidade será menos um (-1) paraos dois tipos de família.

18 As regras de um jogo descrevem o que cada jogador pode fazer e quando pode fazer, assimcomo as perdas e lucros associados a cada decisão. Para uma apresentação das noções debase, ver Shubik (1982) e Rasmusen (1990); e para os jogos dinâmicos, Tirole (1983).

19 Harrington (1989, p. 178).

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83Pedro Abramo

Dado que a situação de interação es-tratégica da cidade racista é uma situaçãode conflito, propomos apresentá-la sobsua forma extensiva 20. Na Figura 3a,supomos que o segundo jogador (osbrancos) conhece a escolha do primeiro(os negros); temos, portanto, um jogoem que a informação é perfeita. Quandoum dos jogadores ignora a escolha dooutro, temos um jogo em que a informa-ção é imperfeita (Figura 3b). Como sabe-mos, a apresentação de um jogo sob sua

forma extensiva impõe o problema doprimeiro a jogar 21. Para solucionar esseproblema, podemos utilizar como refe-rência o modelo de Schelling e supor queos negros tendem a assumir uma ativi-dade “oportunista” e, portanto, se preci-pitam em formular suas intenções delocalização 22. Assim, contrariamente aojogo de xadrez, os negros seriam os pri-meiros a jogar, como podemos ver naárvore de Kuhn (Figura 3).

Figura 3 - Árvore de Kuhn

Em situações de interação estratégi-ca em que os jogadores buscam maxi-mizar seus próprios interesses, como seacabou de descrever, os teóricos de

jogos propõem “conceitos de solução”para resolver essas situações. Sem dúvi-da, o mais influente e utilizado é o con-ceito de equilíbrio de Nash23 . Além disso,

20 Van Damme (1989, p. 139), “the most general model used to decribe conflict situations is theextensive form model, which specifies in detail the dynamic evolution of each situation andthus provides an exact description of ‘who knows what when’ and ‘what is the consequenceof which’.”

21 A apresentação de um jogo sob a formação normal ou estratégica elimina esse problema.Entretanto, como nos diz Shubik (1982, p. 77), a forma estratégica implica a perda de infor-mações sobre a estrutura do jogo.

22 Schelling (1971, 1978). Para justificar esse procedimento, ver Abramo (1994).23 Segundo a apresentação de Kreps (1990, p. 404), “a Nash equilibrium is a strategy profile in

which each player’s part is as good a response to what the others are meant to do as any otherstrategy available to that player”. Do ponto de vista matemático, o equilíbrio de Nash é umponto fixo; para uma apresentação formal, ver Tirole (1985, p. 117).

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o equilíbrio de Nash adapta-se particu-larmente bem a situações de conflito 24

como no caso da cidade racista. Assim,supondo que a informação seja perfeita(Figura 3a), temos quatro combinaçõesde estratégias possíveis: os negros ebrancos são agressivos (A, A); os negrossão passivos e os brancos agressivos (P,A); os negros são agressivos e os brancossão passivos (A, P); ambos são passivos(A, A). De acordo com os valores (utili-dades) que atribuímos a cada uma dasestrátegias, podemos concluir que acombinação das estratégias (P, P) seriaa mais proveitosa para os negros e bran-cos. Podemos, portanto, perguntar seessa combinação é um equilíbrio deNash.

Partindo do pressuposto que os par-ticipantes do mercado de localizaçãoescolhem a estratégia que maximize seuinteresse próprio, podemos ver (Figura3a) que quando os negros escolhemuma estratégia passiva (P), os brancostendem a utilizar uma estratégia agres-siva (A), pois assim eles teriam um nívelde utilidade superior (2), enquanto ocomportamento passivo lhes daria umautilidade nula (0). A combinação (P, A)não seria, portanto, um caso de equilí-brio de Nash, pois se os negros anteci-pam que os brancos tendem a escolheruma estratégia agressiva, eles reformu-lam suas estratégias e adotarão um com-portamento agressivo (P, P). No casoinverso, isto é, de os negros escolheremum comportamento agressivo, os bran-

cos evitam adotar um comportamentopassivo, tendo em vista que esse lhedaria uma satisfação de -5, enquanto aatitude agressiva permitiria ter uma uti-lidade de -1. Enfim, somente a combi-nação (A, A) constitui um equilíbrio deNash, pois, uma vez que cada jogadorconhece as estratégias do outro e esco-lhe seu comportamento procurandomaximizar seu interesse pessoal, a es-tratégia agressiva é a única solução queevita a revisão das escolhas dos partici-pantes do mercado.

Entretanto, o equilíbrio de Nash (A,A) da cidade racista não é o equilíbrioeficiente, pois a combinação (P, P) permi-te um grau de satisfação superior paraos participantes da equilibragem espacial.Isto é, o equilíbrio de Nash do jogo dacidade racista é subótimo. O mercado delocalização não seria, assim, o mecanismode coordenação eficiente que o discursowalraso-thüneniano tende a afirmar. Paragarantir o equilíbrio eficiente (P, P) serianecessária a intervenção de um “terceiro”que não participe da confrontação domercado e que conduza os agentes aoequilíbrio eficiente com a conseqüenteperda de liberdade de ação no mercado.A identidade entre a liberdade de açãono mercado e a eficiência alocativa dolivre jogo de mercado é comprometidaquando introduzimos uma dimensão deinteração estratégica entre os agentes domercado de localização; um dos resulta-dos clássicos da equilibragem walrasiana(eficiência do equilíbrio geral) é posto em

24 Moreaux (1988, p. 15): “il s’agit bien (o equilíbrio de Nash) d’un concept adapté aux jeuxnon coopératifs puisque chaque joueur choisit sa stratégie en fonction de son seule intérêtpersonnel en considérant comme données les stratégies des autres joueurs. Il n’y a pas decoordination des joueurs pour améliorer leurs gains”.

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xeque quando os agentes adotam umaracionalidade estratégica.

Esse resultado é, sem dúvida, emba-raçoso para a tradição ortodoxa walra-siana. Podemos, portanto, indagar se, emum quadro de interação estratégica cominformação imperfeita, o equilíbrio deNash seria também ótimo. Na Figura 3b,supomos que os brancos escolhem suasestratégias sem conhecer o comporta-mento escolhido pelos negros. Apesar dodesconhecimento da estratégia adotadapelos negros, os brancos podem formularsuas hipóteses sobre o comportamentoestratégico que permite a maximizaçãode suas satisfações. Por exemplo, se osbrancos antecipam que os negros ado-tam uma estratégica passiva, os brancosterão interesse de adotar uma estratégiado tipo ”ataque surpresa”, pois ao esco-lherem um comportamento agressivo elesteriam um ganho de 2, enquanto sua uti-lidade seria nula se adotassem um com-portamento passivo. No caso em que osnegros decidem por uma estratégia agres-siva, os brancos optam também por umaestratégia agressiva (-1 será sempremelhor do que -5). Portanto, os brancosescolhem sempre a estratégia (A), inde-pendentemente da escolha dos negros.Segundo os termos correntes da teoriados jogos, os brancos têm uma “estratégiadominante”: adotar um comportamentoagressivo seja qual for a estratégia escolhi-da pelos negros. Invertendo o raciocínio,e portanto pondo os negros diante deuma escolha de informação imperfeita,chegaremos à conclusão de que os

negros terão sempre interesse em esco-lher uma estratégia agressiva (estratégiadominante). Assim o equilíbrio estávelserá o mesmo do jogo com informaçãoperfeita: combinação das estratégias (A,A). De fato, quando negros e brancosescolhem suas estratégias a fim de maxi-mizar seus interesses pessoais, e conhe-cedores da eventualidade de “ataquessurpresa”, o único equilíbrio estável é oequilíbrio de Nash. Entretanto, esse equi-líbrio não é eficiente em termos do ótimode Pareto. Aqui temos o que normalmen-te é chamado de “dilema do prisioneiro”:“para um jogador que não está seguroquanto às intenções pacíficas de seu par-ceiro, o uso da estratégia agressiva seimpõe em nome dos interesses indivi-duais, mas o interesse comum decertorecomenda que se faça de tudo para atin-gir a paz.” 25 Em razão de a estratégiadominante induzir cada um dos partici-pantes do mercado de localização a terum comportamento agressivo e insen-sível ao interesse comum, o equilíbrio quese impõe é um equilíbrio não-coopera-tivo e subótimo. A única maneira de recu-perar a eficiência do equilíbrio (ótimo) éimpor a renúncia a todo comportamentooportunista (ataque surpresa) que, doponto de vista individual de cada parti-cipante do processo de equilibragemespecial, seria sua decisão ótima. O para-doxo de uma racionalidade individualmaximizadora que conduz a uma ordem(agregada) não-eficiente (ótima) revelaos limites do mercado de localizaçãocomo “o” mecanismo de coordenaçãoespacial.

25 Moulin (1981, p. 6-7).

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Conclusão: das fissuras da ordem ortodoxa a umaproblemática da incerteza urbana

A imagem otimista proposta pela síntesewalraso-thüneniana de um processo deequilibragem espacial em que a liberda-de de escolha de localização dos indi-víduos faz emergir uma ordem espacialúnica e eficiente encontra seus pontosde fissura. Nosso caminho foi o de per-seguir essas fissuras da ordem espacialortodoxa sem sair do campo de argu-mentação teórico neoclássico. Nossoprimeiro movimento foi o de recuperara argumentação do autor que propõea colonização das ciências sociais pelodiscurso da economia (Gary Becker)para sinalizar que a decisão de localizaçãopode, eventualmente, transformar-seem um verdadeiro meio de investimen-to familiar. Sua utilização em escolhasintertemporais pode servir para maximi-zar a complementaridade das funçõesde utilidade de um contrato de casa-mento ou permitir que um chefe de fa-mília tome a decisão oportunista cujoobjetivo é o de possibilitar que seus filhosse beneficiem das externalidades de vizi-nhança de famílias de renda superior.Nos dois casos, a decisão de localizaçãoé tomada a partir de uma representaçãodo espaço definida pela estratégia demaximizar o “lucro familiar”. A interde-pendência das funções de utilidade dafamília permite visualizar os limites deuma representação do espaço naturali-

zante (critério do trade off entre acessibi-lidade e espaço). Assim, a representaçãoeconômica do espaço passa a ser plurale, sobretudo, produto das decisões expost dos participantes do mercado delocalização. Aqui, a dimensão da coor-denação espacial pelo mercado torna-se crítica, pois os tomadores de decisãode localização devem antecipar os efeitosde localização dos outros participantesdo mercado. O problema de coordena-ção espacial torna-se mais crítico quandotemos interação estratégica entre os par-ticipantes do mercado de localização.Nos parágrafos anteriores, utilizamos ocaso da cidade racista neoclássica deRose-Ackerman para sublinhar as dificul-dades da equilibragem espacial quandoos agentes formulam suas decisões apartir de uma racionalidade estratégica.Utilizando o dilema do prisioneiro paracaracterizar os comportamentos oportu-nistas dos negros e brancos da cidaderacista da síntese neoclássica, chegamosa uma ordem urbana (equilíbrio) subóti-ma. Poderíamos, por exemplo, utilizaro paradoxo da cadeia de lojas deSelten 26 e as propostas de solução deKreps-Wilson 27 para ver que a introdu-ção de perturbações em termos infor-macionais (incerteza) pode conduzir àemergência de equilíbrios espaciais porreputação 28. Essa possibilidade de uma

26 Selten (1978).27 Kreps-Wilson (1982).28 Em Abramo (1994), utilizamos o conceito de equlíbrio seqüencial e de reputação de Kreps-

Wilson para analisar o equilíbrio espacial de uma cidade racista.

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87Pedro Abramo

crença permitir a coordenação das deci-sões espaciais abre caminho a uma “eco-nomia das antecipações” urbanas e auma leitura da estrutura urbana a partirde uma problemática da incerteza urba-na. Acreditamos que a ruptura da rela-ção auto-referencial entre as hipótesesde Thünen sobre a representação do es-paço e a racionalidade paramétrica pro-posta pela síntese walraso-thüneniana esua problematização em termos de in-terdependência das decisões de locali-

zação é um primeiro passo para a pro-posição de uma leitura heterodoxa daeconomia urbana. Uma economia dasantecipações urbanas faz emergir a di-mensão crucial do tempo em uma aná-lise sobre a coordenação espacial e aestruturação urbana e, a nosso ver,deixa entrever a possibilidade da concei-tuação da noção de incerteza urbanaradical e de um projeto de leitura pós-Keynesiano da economia urbana.

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88 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

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Pedro Abramo é professor do Insti-tuto de Pesquisa e Planejamento Urba-no e Regional da Universidade Federaldo Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ

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Pesquisas

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Cidades-modelo: espelhos devirtude ou reprodução do mesmo?

Fernanda Sánchez e Rosa Moura

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 95-114

(...) construí na minha mente um modelo de cidade do qualextrair todas as cidades possíveis – disse Kublai. – Ele contémtudo o que vai de acordo com as normas. Uma vez que ascidades que existem se afastam da norma em diferentesgraus, basta prever as exceções à regra e calcular as combi-nações mais prováveis.

– Eu também imaginei um modelo de cidade do qual extraiotodas as outras – respondeu Marco. – É uma cidade feita sóde exceções, impedimentos, contradições, incongruências,contra-sensos. Se uma cidade assim é o que há de maisimprovável, diminuindo o número de elementos anormaisaumenta a probabilidade de que a cidade realmente exista.Portanto, basta subtrair as exceções ao meu modelo e emqualquer direção que eu vá sempre me encontrarei diantede uma cidade que, apesar de sempre por causa das exce-ções, existe. Mas não posso conduzir a minha operação alémde um certo limite: obteria cidades verossímeis demais paraserem verdadeiras.

(Calvino, 1990, p. 67)

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A construção da cidade-modelo

Como pontos luminosos no mundo, umconjunto eleito de cidades é qualificadocomo modelo – qualidade constituída apartir de elementos urbanísticos, de prá-ticas de gestão ou das chamadas solu-ções criativas para problemas urbanos.

Dois exemplos de políticas engen-dradas em cidades bem distintas, masque guardam fortes semelhanças quan-do traduzidas em modelos, permitempôr em discussão os principais conteúdosdessa condição observada na esfera dacirculação simbólica em escala mundial.Efetivamente, as políticas urbanas deCuritiba e Cingapura reproduzem umaseqüência de padrões e orientam-se,através do city marketing, para açõesvoltadas à conquista e à manutenção damarca de cidades-modelo. Tais padrões,embora apresentados como condiçõesintrínsecas dos lugares, resultam forte-mente do atendimento aos requisitosinternacionais de atratividade, medianteos quais as cidades globalizadas captaminvestimentos. Sorkin, referindo-se aessa adaptação técnica e política doespaço social a um modelo urbano, dizque a nova cidade tem o poder de nãosimplesmente desviar-se das tradicionaiscenas de urbanidade, mas de cooptá-las, para relegá-las a meras interseçõesnuma malha global (Sorkin, 1992).

A despeito da enorme diferençaentre as cidades concretas, a similaridadedas suas imagens construídas emerge noplano analítico. O enfrentamento desseapenas aparente paradoxo define nossas

questões centrais: por que no atual mo-mento histórico as políticas urbanas comorigem em cidades tão distintas produ-zem “modelos” semelhantes e, diantedisso, quais são e o que refletem os pa-drões dominantes de sucesso?

Um modo de ver o mundo,uma leitura da cidade

Algumas cidades, como Curitiba e Cin-gapura, mostram ter alcançado o statusde cidades-modelo, a julgar por suasimagens internacionais, provenientes,sobretudo, da retórica oficial de seus go-vernos e coalisões empresariais assimcomo da notoriedade que lhes conferemos organismos internacionais, as agên-cias multilaterais e as chamadas “redesmundiais de cidades”. Para compreen-der a dinâmica de construção e difusãodesse padrão irradiador, que conferelegitimidade internacional a determina-dos projetos de cidade, é preciso situar-se no atual contexto da globalização daeconomia e da mundialização da cultura.Mais do que resultado natural da consa-gração desses projetos, a elevação deuma cidade à condição de “modelo”obedece a articulações políticas reno-vadas de atores envolvidos em processosde reestruturação do espaço urbano ede reorganização das formas e sentidosdo poder nas cidades.

Os discursos associados ao chamado“pensamento único” e ao consenso mini-mizam as diferenças e os conflitos exis-

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tentes. Eles impõem um modo de ver omundo e moldam as condições para aação dos grupos locais. A tentativa demodelização conduz a uma hegemoniadesencarnada e desterritorializada, per-mitindo um desvendamento mais plenodos denominados “impulsos globais”,que, para Ribeiro (1999), designam anova ação hegemônica na escala-mundo. Essa ação, conduzida pelo dis-curso da flexibilidade e pela correlataidealização da técnica, expressa o teordessa nova modernização.

É notável a difusão da idéia domi-nante de que a globalização é um pro-cesso inexorável de acirrada disputa ede que, a partir do local, podem serdescobertas as possibilidades de inser-ção competitiva 1. Nessa visão, as políti-cas públicas poderiam capacitar ascidades para a competição interurbana,de modo a torná-las atrativas aos inves-timentos internacionais. Numa leituracrítica, pode-se afirmar que “o embateque caracteriza o mundo contemporâ-neo se manifesta na própria cidade,compreendida como arena de interes-ses antagônicos. As políticas urbanasvoltadas para a inserção competitiva dacidade constroem uma relação entre olocal e o global conforme lógicas quesão de interesse de grupos dominantes.”(Novais e Leal, 1999, p. 1)

Embora a circulação da noção decidade-modelo tenha eficácia política esocial considerável no mundo atual,

dada sua notável aceitação, ou, comoexpressa Lefebvre ao se referir aos pa-radigmas, dado “seu poder mágico demetamorfosear o obscuro em transpa-rência” (1998, p. 39), sua construçãoestá intrinsecamente ligada a represen-tações e idéias. Enquanto tal, portanto,obedece à visão de mundo daquelesque, ao se imporem como atores do-minantes nos processos de produção doespaço, passam também a ocupar posi-ção privilegiada para dar conteúdo aodiscurso sobre o espaço.

Com aparência universal e consa-grada, a construção dos modelos passa,porém, pelo reconhecimento de umdeterminado projeto de cidade, emconfronto com outros projetos locais.Emergem também, no campo da lutasimbólica, determinados atores quepostulam a legitimidade para carac-terizar as chamadas “boas práticas”,freqüentemente elencadas como refe-rência forte dos modelos.

Nesse campo constroem-se tambémcanais de interlocução apropriados e dedifusão técnica e política eficientes paraa aprovação ampliada dos modelos,num movimento permanente de repro-dução e reafirmação de patamares jáconquistados. A inserção em “redes decidades”, a organização de grandeseventos de caráter internacional e aoutorga de premiações e destaques porparte das agências multilaterais eviden-ciam os fluxos comunicativos eleitos

1 Swyngedouw identifica o fortalecimento das escalas global e local e a redução da importânciade outras – regional, nacional – como parte da nova estratégia discursiva dominante. Em suainterpretação, as escalas não são um dado pronto e objetivo da nova geografia do mundo,mas sim uma construção política com arranjos cambiantes (Swyngedouw, 1997, p. 141).

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como os mais apropriados para a circu-lação e a irradiação dos modelos.

A imagem como estratégiade internacionalidade

As articulações lógicas que sustentam odiscurso das cidades-modelo sinalizamo sentido daquilo que se pretende legi-timar, apresentando as cidades eleitascomo as que conseguiram um esque-ma de funcionamento, um desenho or-ganizativo, uma “maneira de fazer” queoutras cidades gostariam de imitar.

Trata-se, no mais das vezes, da apre-sentação das mesmas como “cidadesinternacionais” – noção-síntese queemerge tanto nos discursos oficiais, naimprensa, como nos trabalhos acadêmi-cos (Benach e Sánchez, 1999). O fatode aparecerem, efetivamente, comocidades-modelo é o maior prêmio aoqual aspiram os gestores dos seus res-pectivos projetos, o reconhecimento de-finitivo, na escala internacional, das suasestratégias de cidade. Conseguida já aadmiração e o reconhecimento, torna-se necessário cobrir a distância entre aadmiração e a efetiva reprodução. Tra-tando-se do prestígio internacional deuma cidade, ser apenas admirada oureconhecida é diferente de ser verdadei-ramente imitada. A medida do sucessotambém passam a ser as solicitações para

importar sua “experiência”, para com-prar seu know-how.

Essa aparente intangibilidade quecaracteriza a cidade-modelo provém deuma imagem construída, de uma estra-tégia a mais na elaboração de uma ima-gem de cidade inserida no mundo,internacional. Em outras palavras, “aconstrução de uma cidade modelo é,por si mesma, uma estratégia de inter-nacionalidade” (Benach e Sánchez,1999, p. 40).

A internacionalização formuladacomo necessidade inelutável apóia-seem boa parte em representações de in-ternacionalidade mais do que em fatos.Freqüentemente se confunde a aspira-ção ou o objetivo com a própria reali-dade. Para efeitos de análise, essaconfusão mostra a relevância da ima-gem para que, efetivamente, esta aca-be por transformar-se em realidade –exemplo de quanto as representaçõesdo espaço têm capacidade efetiva deinfluenciar as práticas espaciais.

Tudo o que é realizado na cidade eque pode ser identificado com sua proje-ção internacional contribui bastantepara facilitar sua aceitação por parte doscidadãos. A opinião do estrangeirochega a ser transformada em medidada qualidade dos projetos 2. Trata-se, emdefinitivo, de proporcionar mais uma lei-

2 Como exemplo está o caso da exposição do urbanismo de Curitiba em Nova York, durantea qual foi posta em circulação uma linha de ônibus urbano chamada de “ligeirinho”, comsuas respectivas “estações-tubo”, com design futurista. O paradoxo é que a imprensa local,em Curitiba, destacava o fato dizendo que “agora também o Primeiro Mundo copia as idéiascuritibanas”, dando a entender que o sistema de transportes curitibano começaria a circulardefinitivamente em Manhattan. O “ligeirinho” foi também levado à Conferência das NaçõesUnidas sobre Assentamentos Humanos, Habitat II, em Istambul, em 1996.

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tura positiva da modernização e, ade-mais, por um juiz supostamente impar-cial e qualificado. Mas as mudançasestruturais necessárias para adaptar ascidades às novas exigências do contextointernacional, sob pressão dos gruposdo capital internacional com interesseslocalizados, requerem enormes custos,os quais, ao serem assumidos pelas ad-ministrações públicas, são socializados.Para legitimar tais custos, a moderniza-ção urbanística internacionalizante se faráacompanhar da busca de coesão social,do sentido de comunidade. Assim,como observa Harvey (1997), a cone-xão entre forma espacial e processosocial é aqui feita por meio da relaçãoentre design arquitetônico e uma certaideologia de comunidade. Desse modo,o novo urbanismo estrutura grandeparte de seu poder retórico e políticoatravés do apelo nostálgico à “comu-nidade” como panacéia para os malessociais, econômicos e urbanos.

As várias faces dos modelos

Os modelos têm alcançado diversos âm-bitos para lançar-se no mercado interna-cional: modelo em soluções urbanísticasde transporte, em programas ambientaisde eficiência energética, em preservaçãode áreas verdes e reciclagem de resíduos,na capacidade de organizar megaeventosou em planejamento estratégico. 3

Mais recentemente, os projetos es-tritamente físico-urbanísticos que permi-tiam a formatação de “modelos” abremespaço para que uma gama de ações epráticas de gestão passe a ser objeto dereprodução por outras cidades, assimcomo de premiações internacionais. NaConferência Mundial sobre Cidades-Modelo, realizada em Cingapura, emabril de 1999, prevaleceu a noção decidade-modelo, muito mais como resul-tante do exercício da gestão urbanavoltada a “otimizar a competitividadepriorizando os interesses coletivos”, queresultante de intervenções urbanísticasnotórias (Moura, 1999).

Na classificação de cidade-modelo,os expositores apontaram as seguintescondições: a) preparo para a vida emcomunidade, com a requalificação dodesenho urbano e a universalização dosserviços; b) garantia da mobilidade e daacessibilidade a partir de sistemas pú-blicos de transportes de massa; c) uso eocupação do solo mesclados a uma va-riada estrutura funcional; d) valorizaçãoda atratividade urbana a partir da iden-tidade e qualidade ambiental; e) existên-cia de uma base econômica sustentável;f) organização funcional e tecnológicapara a realização de negócios; g) capaci-dade de articulação e troca de práticasinovadoras com outras cidades e comu-nidades; h) participação comunitária nasdecisões; i) parcerias entre o setor públi-

3 Para estes dois últimos âmbitos, é exemplar a forma como foi trabalhado o “modelo Barcelona”,a partir da exportação de know-how diante do sucesso na organização da Olimpíada Barcelona92, assim como da difusão do seu modelo de planejamento estratégico, com forte orientaçãopara o mercado latino-americano e visível repercussão nos governos locais do Brasil. VerBenach e Sánchez, 1999.

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co e o privado; j) planejamento contínuoe transparência na gestão. 4

O conjunto de procedimentos elen-cados em foros internacionais como essesintetiza e, ao mesmo tempo, molda ascondições necessárias ao que é atual-mente considerado uma “cidade com-petitiva e dinâmica” capaz de sustentaro desenvolvimento numa economiaglobal.

O processo de transformação deuma cidade em modelo supõe tempo eestratégia atualizadora. Não basta umaprimeira enunciação para a definitivaconsagração. Nesse processo, nenhumaoportunidade deixa de ser aproveitadapara reforçar o modo como a cidadeestá sendo “falada”, “nomeada”, “visi-tada” e, sobretudo, “imitada” em todasas partes. São ocasiões para insuflar or-gulho nos cidadãos, para rentabilizarpoliticamente as conquistas. Ao mesmotempo, representam momentos precio-sos para, literalmente, “vender” o mo-delo, exportá-lo a outras cidades. As“soluções urbanas” passam a valer nãonecessariamente por suas qualidadesintrínsecas mas pelo seu lugar de origem.A cidade se torna um produto, uma mar-ca ela mesma, como destaca Koolhas(1995) ao referir-se ao modelo-Barce-

lona: “às vezes uma antiga e singularcidade, como Barcelona, através dasuper-simplificação de sua identidade,torna-se Genérica, transparente, comouma logomarca”.

A noção de “modelo”, em sua maiscorrente acepção, sugere sua reprodutibi-lidade: objeto digno de ser reproduzidopor imitação. Ora, efetivamente, essanoção, quando associada às cidades, estásubmetida à lógica das “best practices”,que, em muitos casos, passam a integraros documentos oficiais das agências mul-tilaterais de desenvolvimento, indicandoprocedimentos, maneiras de ser, lições eaté mesmo “decálogos” 5 que incitam arepetição por parte dos governos locais.

No plano da análise, o que pareceser mais inconsistente é justamente essasugerida virtualidade, essa descolagemdas “boas práticas” da textura social deque elas surgiram. De fato, condiçõessingulares relativas a tempo e espaço 6

são, para efeitos do discurso, irrelevantese, por conseqüência, desconsideradas.As “lições” podem ser transportadas.Uma ideologia simplificadora que reforçaa tecnificação do espaço urbano, redu-tora da sua dimensão política. Comoafirma Ribeiro, “a fixação em modelosexternos colabora para ocultar os inte-

4 Os trabalhos apresentados nessa conferência internacional constituem-se em importantereferência acerca da agenda urbana hegemônica. Ver Moura, 1999.

5 Ver, por exemplo, a publicação “Barcelona: um modelo de transformação urbana - 1980-1995”, Nações Unidas e Banco Mundial, destinada às cidades latino-americanas, em quesão expostas as “lições da cidade” assim qualificadas no prólogo. Ver, também, Castells eBorja, “Local y Global”, 1997. Este último documento contém, literalmente, um “decálogopara administradores urbanos”.

6 Tempo e espaço como categorias do acontecer no lugar vinculado à política e às relaçõessociais que dão conteúdo e possibilidade histórica às práticas.

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resses envolvidos nas ondas moderni-zadoras e para postergar o exame daorquestração entre tempos sociais quecaracteriza a vida social” (1998, p. 108).

Por outro lado, a tecnificação contidana difusão de boas práticas reforça a co-dificação da eficácia, do desempenho edo sucesso que levam mais à condutaracional adequada às imposições dareestruturação produtiva do que pro-priamente à transformação social.

Sustentabilidade urbanacomo pressuposto comum

Quase sempre associada à noção de“cidade-modelo”, encontra-se a noçãode “cidade sustentável”. Pode-se dizerque, de modo recorrente, uma evoca aoutra na atual agenda urbana. Longede configurar um sentido objetiva e con-sensualmente aceito, a noção de “cida-de sustentável” compreende diferentesconteúdos e práticas a reivindicar seunome (Acselrad, 1999).

Cada uma das chamadas “boas prá-ticas”, no que se refere à sustentabili-dade, inscreve-se nos quadros de umprojeto urbano, fundado em um apa-rente saber objetivo sobre fluxos e pa-râmetros. Nota-se, nesses casos, orecorrente acionamento de uma basetécnica para apresentar e legitimar indi-cadores de qualidade de vida ou desustentabilidade urbana: metros qua-drados de área verde por habitante, to-neladas de lixo reciclado, quilômetros deciclovias. É sobretudo o recurso à técni-ca que distingue as boas práticas das

ruins. Como anteparo da política – dasrelações sociais capazes de erigir omodelo –, objetivam-se as representa-ções e constroem-se esquemas ordena-dores da vida urbana e demarcadoresda ordem que se intenciona impor.

As práticas que se pretendem por-tadoras de sustentabilidade articulam,sobretudo, argumentos da eficáciaecoenergética e da qualidade de vida.Permeia tais modelos uma represen-tação tecnomaterial da problemática edas soluções para as cidades. Atribui-seao planejamento urbano, entre outrascoisas, o papel de minimizador da de-gradação energética através do desen-volvimento de tecnologias voltadas paraa reciclagem e para a despoluição. A tra-jetória evolutiva rumo à eficiência eco-lógica conjuga projetos de mudançatécnica urbana e programas de edu-cação ambiental, voltados à ampliaçãoda chamada “consciência ecológica”.Com efeito, nesses projetos de cidadeverifica-se uma nítida despolitização daquestão ambiental, uma recusa do reco-nhecimento de conflitos entre meio am-biente e economia.

Outra noção estruturadora do dis-curso da sustentabilidade, amplamentetransformada em recurso da modeliza-ção, é a de “qualidade de vida” – ex-pressa na incorporação social de práticasorientadas à pureza ambiental, no exer-cício da cidadania, no cultivo ao patri-mônio cultural, assim como nas medidasde eficiência e eqüidade das políticasurbanas (Acselrad, 1999). Os governoslocais lutam por ostentar os melhoresindicadores e as melhores posições nos

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rankings de cidades. “Qualidade de vida”passa a ser uma noção introjetada nocotidiano, até mesmo no imaginário dosmoradores mais despossuídos ou pos-tos à margem do projeto modernizador.

Esse padrão discursivo projeta na“cidade sustentável” alguns dos atributoscapazes de inseri-la no contexto da com-

petitividade global: requalificar o ambien-te urbano para realçar a atratividade,inspirar orgulho nos moradores e, prin-cipalmente, ganhar confiança dos poten-ciais investidores. As próprias imagens demarca das cidades são produzidas parareforçar o modelo de sustentabilidade:“Cidade Jardim” para Cingapura e“Capital Ecológica” para Curitiba.

I m a ge ns de m a r c a

Cingapura

Cidade modelo Cidade sustentável Cidade planejada Global city Cidade jardim Cidade equatorial de excelência Cidade multiétnica: where the world comes together Cidade de alta tecnologia New Asia Singapore

Curit iba

Cidade modelo Cidade sustentável Cidade planejada Cidade de Primeiro Mundo Capital ecológica Capital brasileira da qualidade de vida Curitiba de todas as gentes Cidade saudável O Brasil urbano que deu certo

Na escala local, entretanto, os proje-tos apresentam singularidades por ques-tões tanto de ordem da compreensãofragmentada das relações sociedade/ambiente quanto de ordem geopolítica.No caso de Cingapura, a soberania na-cional e a sobrevivência da ilha impõemestratégias ambientais otimizadoras derecursos, o que faz com que se respeitemos princípios e pressupostos do discursoecológico ali construído, enquanto node Curitiba, afloram descontinuidadesmais visíveis entre princípios ambientaise estratégias de ação com vistas à sus-tentabilidade.

Para o caso de Cingapura, além dosjá implementados projetos de recupera-ção ambiental e otimização do uso dosrecursos naturais, também a densa paisa-gem amenizadora do clima e da urbaniza-ção compõe, com os demais elementos,a construção da imagem de “CidadeJardim”. No projeto, entretanto, sãoevidentes a perda dos elementos naturaisno paisagismo urbano e a pequena capa-cidade de preservação de hábitats e dabiodiversidade (Kiat, 1999).

No modelo-Curitiba, a imagem de“Capital Ecológica” incorpora elementos

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de programas ambientais de reciclagemde lixo, criação e expansão de áreasverdes e de parques urbanos temáticosou parques étnicos, além do investi-mento em programas de educação am-biental. O fundamento ecológico da açãoplanejadora foi questionado, entretanto,quando das audiências públicas sobre oimpacto ambiental dos novos distritosindustriais destinados ao parque automo-tivo, instalado hoje sobre áreas de ma-nanciais. A “atualização da legislação” queviabilizou essa atividade, transgredindoa disciplina ambiental, foi justificada me-diante a perspectiva da oferta de empre-go, também questionável dado o tipo detecnologia empregado.

Efetivamente, “cidades sustentá-veis”, “preservação da qualidade devida” e “eficiência ecoambiental” são

noções presentes no conjunto das polí-ticas urbanas, nos pactos e acordos entreagentes, ou no conteúdo atribuído à“boa governança” relacionada com osprojetos de desenvolvimento econômi-co. Os dois modelos em foco – Curitibae Cingapura – reproduzem de modoparadigmático e reforçam o que Pugh(1996) indica como macrotendência: aeconomia política dominante fornece aspautas para as relações mercado-estadona cidade, incorporando, como estrutu-radoras, as noções de governança e desustentabilidade.

O ambientalismo parece assim defi-nitivamente incluído na agenda do libe-ralismo de final de século, como mostraa internacionalização desses modelospelas agências multilaterais como asNações Unidas e o Banco Mundial.

Modelos: onde se sustentam, onde se rompem

A intenção manifesta de participação noprojeto de internacionalização da eco-nomia implica a adequação de práticase instrumentos de gestão urbana aospreceitos das relações empresariais as-sim como a adaptação técnica das cida-des. São reconhecidas, nesse âmbito, afunção econômica e política das práti-cas culturais bem como a influênciaexercida pelas tecnologias de comuni-cação e informação na configuração dascidades-modelo. Isso se traduz na defi-nição e na permanente reciclagem deestratégias que assegurem poder de con-vencimento, aceitação e baixa capaci-

dade crítica da população envolvida,bem como criatividade para atração daatenção externa. A orientação políticapara produzir o efeito modernizante for-nece pautas para uma economia orien-tada a atividades de ponta, como ageração de tecnologia e do conheci-mento, ou a atividades de um terciáriocomplexo. O marketing de cidade tam-bém é instrumental ao processo de re-estruturação econômica.

Vasta literatura apresenta os mode-los em foco como se esculpidos basica-mente por voluntarismos visionários dos

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governos locais, revestindo muitas vezessuas principais lideranças de um poderquase mítico.

O suporte econômico einst itucional

Em Cingapura, a indústria eletroeletrô-nica foi implantada como decorrênciada expansão do capital japonês, passan-do a compor uma divisão vertical e ho-rizontal do trabalho com a Malásia, aTailândia e as Filipinas. Porém, é o setorfinanceiro que firma o país no mapa dainternacionalização do capital, revelan-do-se decisivo ao desenvolvimento daregião. “Em 1971, o governo iniciou oAsian Dollar Bond Market. Sua localiza-ção vantajosa e seu papel de interme-diário financeiro e cambial num períodomarcado por drásticas mudanças ma-croeconômicas e nos preços relativosdificilmente podem ser exagerados nasexplanações sobre o ‘milagre’ asiático”.(Medeiros, 1997, p. 313)

Para Sassen, pesaram na consolida-ção de Cingapura o forte impulso dasestratégias descentralizadoras da pro-dução industrial norte-americana, embusca de novos mercados, assim comoos incentivos fiscais, infra-estruturais ede mão-de-obra de baixo custo. Hoje,consolida-se como centro regional se-cundário, reproduzindo em outra escalao papel desempenhado por Nova York,Londres e Tóquio, em escala mundial(Sassen, 1996, p. 41).

Acionada como modelo para paísesem desenvolvimento, Cingapura é alçada

como exemplo no que se refere à “admi-nistração urbana” e à “governança” etambém referenciada pelos elevadospadrões de qualidade da infra-estruturafísica, por inovações na oferta de habi-tação, no provimento de áreas verdes,na gestão do trânsito e na eficiência deseus serviços públicos, elementos que,ordenados, constroem a imagem de“Cidade Equatorial de Excelência”. Cha-mamos a atenção para o poder evocadordessa imagem-síntese. Longe de ser ca-sual, ela define o campo no qual a cidadetransita como modelo e compete em con-dições vantajosas: cidades equatoriais,cidades em desenvolvimento.

Curitiba, por sua vez, já nos anos70, durante o período do governo mili-tar, foi eleita “cidade modelo” pelas ins-tâncias centrais, uma espécie de versãourbana do chamado “milagre brasilei-ro”, por levar adiante uma moderniza-ção urbanística que traduzia na escalalocal um modelo de planejamento tec-nocrático pretendido para os demaiscentros urbanos do país.

Desde então, as diversas fases dacristalização do projeto, com pouca des-continuidade política, em associaçãocom a imagem de cidade-modelo têmoutorgado à administração municipal opapel de exportadora de tecnologiasurbanísticas, seja no âmbito dos trans-portes urbanos, do desenho de espa-ços públicos, ou, mais recentemente, noda “gestão urbana ambientalmente sus-tentável”. Com efeito, em diversos lu-gares do Brasil, os governos municipaistentam copiar as “soluções curitibanas”,e, na escala internacional, periódicos

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especializados afirmam que qualquercidade poderá ser como Curitiba umdia, desde que sejam adotadas as solu-ções ali implantadas.

Pólo de uma aglomeração metropo-litana cuja base econômica se pautoudesde os 70 num projeto industrial comatividades da área metalmecânica, nosanos 90 esse projeto se recicla e se dina-miza com a incorporação de novos seg-mentos. Quanto à sua inserção territorial,a região de Curitiba encontra-se num dosvetores de desconcentração da atividadeeconômica do sudeste brasileiro. O novopadrão que surge nos anos 90 deveráestar dominado pelas montadoras deveículos estrangeiras e supridores diretos,cuja concretização está apoiada em fortesestímulos fiscais e no reforço à instalaçãode infra-estrutura.

Seu território é visivelmente seg-mentado: a destacada “qualidade devida” e os “elementos urbanísticos ino-vadores” concentram-se nas áreas cen-trais e nobres em detrimento de extensaperiferia carente, interna e externa aomunicípio. A forte atuação do mercadoimobiliário aliada à ação planejadora(Oliveira, 1995), bem como a ausênciade programas habitacionais intensivospara a população de baixa renda con-tribuíram expressivamente para a sele-tividade da ocupação.

Tanto em Curitiba como em Cinga-pura, o aporte financeiro, próprio oumediante contração de empréstimos,para sustentar a capacitação e adequa-ção técnica às exigências de novas ativi-dades, implicou numa política de

benefícios fiscais, financeiros e infra-es-truturais fundamentais. Nos dois casos,tais condições foram possíveis a partirde uma estrutura de poder forte, aliadaà hábil construção de estratégias comu-nicativas.

Adaptação técnica dacidade

Ao tomarmos como referência as matri-zes discursivas da sustentabilidade urba-na, expostas por Acselrad, veremos queos casos de Cingapura e Curitibaaderem a uma representação tecnoma-terial da cidade, que “associa a transiçãopara a sustentabilidade à reproduçãoadaptativa das estruturas urbanas comfoco no ajustamento das bases técnicasdas cidades, segundo modelos de racio-nalidade ecoenergética ou de metabo-lismo urbano.” (Acselrad, 1999, p. 82)

A política ambiental de Cingapura,impelida pela escassez de recursos nailha, adota medidas de monitoramentopara proteção, controle e inovação, es-pecialmente quanto ao abastecimentohídrico e à reciclagem de lixo. No en-tanto, o mais promovido símbolo dessarepresentação tecnomaterial rumo à sus-tentabilidade é a despoluição dos riosCingapura e Kallang Basin, que cortama cidade. No caso de Curitiba, a adap-tação técnica do ambiente é limitada àárea político-administrativa do muni-cípio, a despeito de depender totalmentede recursos naturais situados nos muni-cípios vizinhos. A elogiada criação deparques urbanos é apresentada comoa melhor alternativa técnica para conter

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o problema crônico das enchentes e das“moradias em áreas inadequadas”.

Em ambas as cidades, a represen-tação técnica da problemática urbana éacompanhada por uma forte preocu-pação em construir uma base social deapoio, através de campanhas de educa-ção ambiental na tentativa de difundira “consciência ecológica”. De modogeral, percebe-se um efeito residualdessas campanhas no imaginário da po-pulação, que assimila atitudes menospredatórias no que respeita a uma rela-tiva limpeza urbana e à incorporação defrases de efeito do discurso oficial emseu cotidiano.

No processo de tecnificação da cida-de, a busca de alternativas energéticasao transporte – na substituição do indi-vidual pelo coletivo – e o controle dacirculação oferecem marcas fundamen-tais à modelagem urbana. Em Curitiba,o sistema implementado de trânsito emvia exclusiva para transporte coletivotornou-se ícone do urbanismo dos anos70 e das décadas subseqüentes, poden-do ser considerado até hoje o elementoprincipal da consolidação do modelo 7.Entretanto, Curitiba é hoje uma das ci-dades com maior índice de motorizaçãoe apresenta uma das mais elevadas taxasde acidentes de trânsito do país. No ex-tremo do paradoxo, no que se refere àsustentabilidade, a peça principal dapolítica de atração de investimentos nasegunda metade dos anos 90 volta-se

para as montadoras de veículos, orien-tação contraditória com o discurso daracionalidade ambiental.

Outra orientação que liga o discursoda sustentabilidade à eficiência energé-tica é a redistribuição espacial da popu-lação e das atividades com base nosrecursos ambientais urbanos. Em Cinga-pura, essa orientação, entretanto, parecevoltada à elevação da “produtividadeurbana” valendo-se de padrões urbanís-ticos que ressuscitam a velha escola ra-cionalista: descentralização através denew towns auto-suficientes que articu-lam a idéia de integração de usos e vidacomunitária, uma reprodução atualiza-da das “unidades de vizinhança” de LeCorbusier. Ao mesmo tempo, as novasações descentralizadoras propõem umarede regional que impeça a saturaçãodo Central Business District com a cria-ção de novos parques de negócios dis-tribuídos no território (Siew, 1999).Quanto à atividade industrial, a induçãode atividades “limpas”, como a da in-dústria dos eletroeletrônicos, apóia-sena conjuntura internacional favorável.Ações promotoras de novos arranjos ter-ritoriais são condições sine qua non deadaptação técnica da cidade à reestru-turação produtiva.

Em Curitiba e sua região metropoli-tana, ressalvadas as diferenças comCingapura quanto à intensidade dosimpulsos globais, também o período re-cente de reestruturação produtiva pres-

7 O último relatório do Banco Mundial aponta esse sistema como exemplo de como o plane-jamento público integrado pode melhorar a acessibilidade com baixo custo, considerando opapel indutor que os eixos estruturais desempenham no crescimento da cidade, o queconseqüentemente permite reduzir o uso do automóvel (World Bank, 1999, p. 150).

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sionou para a realização de grandesobras de infra-estrutura viária, portuáriae aeroportuária, e de adaptações técni-cas do território que visassem garantir aeficácia do parque automotivo em for-mação. Quanto ao reordenamento daatividade industrial, a ação planejadoraseleciona atividades “limpas” para a ci-dade e remete para a área metropolitanaas impróprias à qualidade ambiental.

A representação tecnomaterial dacidade informa um determinado ideáriorelacionado à sustentabilidade e legitimaum conjunto de ações voltadas para asua adaptação aos tempos e espaços daglobalização. Se essas representações eações são adequadas aos que hoje sãoalçados como modelos de cidade noscircuitos dominantes, tendem a esvaziar,contudo, a dimensão política do espaçourbano e as múltiplas possibilidades deconstruir alternativas legítimas ao mo-delo.

A gestão centralizada

Cingapura, diferentemente de Curitiba,que constitui-se num município de umEstado federado, é uma cidade-nação,portanto autônoma no poder de deci-são. Após a independência, o modelotop down implementado dominou opensamento político, dirigiu o investi-mento econômico e comandou um pro-cesso de planejamento articulado, cujoprincípio fundamental era o de garantirconfiabilidade aos investidores e firmar

a cidade no mundo internacional denegócios 8.

O zoneamento implementado após1970 rompeu com identidades físico-territoriais e culturais, resultando numabrupto processo de alteração das carac-terísticas originais da cidade e, sobretudo,da efervescência social das ruas. A mo-dernização das áreas centrais, a cons-trução de gigantescos shopping centerse, principalmente, a abertura de novasáreas de alimentação (food courts) parti-cipam do atual modo de reestruturaçãodo espaço: a codificação de lugares glo-balizados de consumo e circulação visivel-mente seletivos. Segundo Smith (1992),nessa limpeza refuncionalizadora, aorefazer-se a geografia da cidade se rees-creve sua história social como justificativapara o futuro.

Nesse modo verticalista de planeja-mento e gestão, há escassos canais de-mocráticos de participação. Entretanto,o discurso dos modelos faz referência àampla participação cidadã, que, nessecaso, parece falar mais de uma adesãosocial ao projeto hegemônico, acrítica ereverenciadora, do que propriamentede uma cidadania substantiva. Pensa-mos, com Vainer (1999a), que o esti-mulado “patriotismo de cidade” é umcomponente autoritário do novo mo-delo. Tanto em Cingapura quanto emCuritiba, as instâncias de participaçãonos projetos urbanos têm um conteú-do tenuemente consultivo e claramen-te legitimador das políticas oficiais. O

8 Vianna compara o capitalismo high tech de Cingapura com seu exacerbado controle político-social. Lembra Willian Gibson, que diz que o país é uma “Disneylândia com pena de morte”(Vianna, 1999).

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influente envolvimento em instânciasdecisórias fica restrito aos atores partíci-pes das coalisões dominantes ligadas aosgrandes interesses localizados (Oliveira,1995).

A política cultural e oss imulacros

Embora a difusão do modelo enfatize aimportância da diversidade cultural, acriação da Ethnic Singapore, uma políti-ca de “revitalização de bairros étnicos”como Chinatown, Little India, ArabianStreet ou o Geylong Serai (bairro ma-laio), incorpora a estratégia temática nodesenvolvimento do turismo e tende atransformar a imagem da cidade emproduto de consumo internacional. Osplanos de revitalização fazem eco ao pro-jeto de forjar uma nova harmonia nosvínculos sociais. Nesse sentido, Arantesdiz que “a cultura vem então em socorroda política para atenuar e dissimular ocumprimento de uma lógica securitáriaque, sob muitos pontos de vista, podeparecer totalitária” (1995, p. 145).

Efetivamente, a pasteurização dasculturas e a “parque-tematização” pare-cem ser os caminhos mais proveitososdos programas de renovação urbanacontemporâneos, promovendo uma“ordem branca da cultura”, teatros damemória que procuram avançar sobreos enclaves resistentes. Como mostraCohen (1998), há uma iconografia ofi-cial do multiculturalismo inscrita nummapa narrativo de modernidade, pro-gresso e regeneração urbana, no qual apresença do pobre, do desempregado,

do velho, do criminoso e mesmo dequalquer um que não combine com aimagem dominante do empreendedoreconomicamente ativo é efetivamentevarrida para fora do quadro.

A política cultural oficial dos anos 90em Curitiba recompõe as várias culturasque participaram do movimento decolonização da região, através de me-moriais étnicos na arquitetura urbanaassociados a novos parques como oTingui, dos ucranianos, o “Bosque Ale-mão”, ou o “Bosque do Papa”, dos polo-neses. Esses espaços de celebração dasetnias e da natureza exaltam, ao mesmotempo, o próprio projeto de cidade, omodelo. Fabrica-se uma identidade fake,portanto sem resistência. Desencadeia-se uma lógica de evocação que mais fun-ciona como uma antimemória coletivaque esconde as marcas do tempo, repri-me as metamorfoses do espaço e acarre-ta uma redução ao idêntico. A políticacultural é, de fato, o álibi com o qual sefabrica o espelho que reflete o própriopoder.

Se no mundo contemporâneo tudoé cultural por razões econômicas, oscasos analisados parecem reforçar o ca-ráter atribuído ao mercado da cultura eseu papel promotor do turismo e denovas formas de acumulação de capi-tal. No campo das artes, os investimen-tos em Cingapura se orientam no sentidode construir uma agenda cultural comprogramação dos grandes fluxos mun-diais da cultura em detrimento dos pro-jetos culturais locais. Também emCuritiba desenvolve-se uma política quebusca construir a referência de grandes

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festivais de teatro anuais que não guar-dam relação com o lugar.

Essas referências parecem sinalizaruma teatralidade ostensiva do cenáriocultural destas cidades-modelo, sintomasde uma civilização do simulacro, queevidencia a lógica cultural do capitalis-mo avançado (Jameson, 1995).

Eficiência e eqüidade: asmargens do discurso

Para manter o padrão de competitivi-dade há, em ambas as cidades, umaexplícita política de atração de trabalha-dores qualificados estrangeiros juntocom outra, de atração de “talentos dasartes e da cultura”. A convivência dessasnovas categorias profissionais comgrandes segmentos subempregados ouexcluídos põe em cheque a eficácia dosmodelos, no que se refere ao acirramen-to do conflito pela inclusão.

Enquanto em Cingapura uma elitede profissionais, em grande parte es-trangeiros, assume postos relevantes ecompõe um “oásis de talentos”, paragarantir sua posição de cidade mais com-petitiva no ranking mundial (Yeoh eChang, 1999), em Curitiba, os estran-geiros chegam com os novos investi-mentos, ao mesmo tempo que chegamcontingentes expressivos de migrantespouco qualificados, futuros excluídos domercado de trabalho. Para os migran-

tes comuns, há em Cingapura uma po-lítica regulatória dos fluxos, altamenteexcludente, enquanto em Curitiba, coma segregação espacial dos novos migran-tes de baixa renda, atraídos tambémpelo city marketing que acompanha essanova fase de reestruturação produtiva,há o aumento de uma pressão latentedas periferias.

Na construção dos modelos de cida-de há recorrente referência às noções,objetivadas, de “eficiência” e “eqüidade”.Tanto em Curitiba como em Cingapura,supõe-se que a trajetória evolutiva da“eficiência técnica” na gestão do territórioconduziria à “eqüidade” e aos benefíciosda urbanização. Para dar legitimidade aessa interpretação, a orquestração deindicadores torna-se fundamental naconstituição do rol de atrativos locais.

Para o caso de Cingapura, os indica-dores sociais e de qualidade de vida ado-tados em diversos rankings mundiais aincluem entre as cidades com melhordesempenho, o que se soma ao acessouniversal aos serviços e a programas in-tensivos de habitação 9. Pode-se dizerque o modelo de Estado autoritário “be-nevolente” proporcionou a base sociale espacial local indispensável para o pro-jeto econômico orientado ao sistemaglobal. Entretanto, a ameaça do desem-prego, a vida em clandestinidade e o tra-balho informal dos migrantes são alheiosà universalidade veiculada.

9 Os programas de habitação em Cingapura foram desenvolvidos como “política de integraçãosocial”, diluidora dos conflitos interétnicos dos anos 60. A ordenação espacial regulamentaaté a porcentagem máxima de moradores de cada etnia nos blocos de apartamentos. VerCastells e Borja, 1997, p. 233.

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110 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

Indicadores favoráveis não elimi-nam, dessa maneira, as contradiçõessociais que afloram sob o governo auto-ritário. Manter a imagem de “CidadeEquatorial de Excelência” implicará emum perfil urbano cada vez mais seletivo.Por outro lado, o modelo de desenvol-vimento adotado expõe a sociedade aosriscos da grande mobilidade do capital.

Na busca do melhor desempenhoentre as capitais brasileiras, o governomunicipal de Curitiba enfatizou, duran-te muito tempo, a qualidade de seusindicadores locais, sem referência aoscontrastantes indicadores dos municí-pios periféricos (Ultramari e Moura,1994) 10 – uma forma de adquirir visibi-lidade apenas a partir de um fragmentodo espaço metropolitano. Qualqueranálise que revelasse as desigualdadesinternas ou as crescentes condições demiséria circundante era sutilmente es-condida. Porém, essa imagem depu-rada foi viável até que indicadoresnacionais com ampla divulgação (comopor exemplo o Índice de Desenvolvi-

mento Humano) expuseram a real si-tuação da capital paranaense, pior doque a de outras capitais sulinas.

Certamente o modelo de Cingapu-ra apresenta grandes diferenças em rela-ção ao de Curitiba, principalmente pelaautonomia local na condução do proje-to, pela possibilidade de adequação doarcabouço institucional do Estado aosseus objetivos, pelo maior controle sobrea sociedade e pela base econômica efinanceira que lhe garante maior atrati-vidade e recursos. Entretanto, o modelode Curitiba provavelmente está menossujeito aos efeitos de futuras crises oudeslocamentos de capitais, já que fazparte de uma realidade nacional maisampla. As diferenças, ao contrário defragilizar a argumentação, não fazemmais que fortalecer a percepção das se-melhanças dos instrumentos utilizadospor ambos os modelos na construçãode suas atuais imagens. Com efeito, aconvergência de imagens mostra a simi-litude dos projetos sociopolíticos 11.

10 Uma série de artigos desses autores contesta o divulgado padrão homogêneo e desenvolveanálise da fragmentação territorial da Grande Curitiba.

11 Nessa direção ver, por exemplo, o trabalho realizado dentro do projeto “Made in Barcelona”([email protected]) que desenvolve uma consistente crítica cultural às maisrecentes versões do “modelo-Barcelona”, base para a preparação do Fórum Universal dasCulturas 2004.

Elementos comuns nos modelos Cingapura e Curitiba

Cidade-modelo: gestão ambiental, transporte de massa e urbanismo Planejamento centralizado, forte controle social por parte do Estado e da mídiaContinuidade administrativa e de implementação do plano Ausência de canais de participação popular legítimos Política urbana “market friendly”

continua

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111Fernanda Sánchez e Rosa Moura

Modelos e espelhos: algumas conclusões

A cidade ideal da virada de século já estámodelada, a julgar pela agenda urbanahegemônica difundida por agênciasmultilaterais, consultores internacionaise governos locais. Sintetiza-se na cida-de competitiva, globalizada, conectada,flexível, administrada como empresa,fortemente apoiada em estratégias demarketing, apta a aproveitar com agili-dade oportunidades e apresentar-seatrativa ao mercado e aos investidores(Vainer, 1999b).

Como modelos internacionais, as ci-dades bem-sucedidas são as que melhorapresentam essas virtudes em seus proje-tos de desenvolvimento; aquelas cujaspolíticas urbanas estão mais aggiornadascom esse padrão homogeneizador am-plamente difundido. Em última instân-cia, parecem ser as que sucumbem aosencantos da cidade-mercadoria. Com-preende-se assim por que políticasurbanas originadas em cidades tão pro-fundamente diferentes podem, no atual

momento histórico, aproximar-se emsua construção discursiva e utilizar-se dosmesmos instrumentos para apresentar-se ao mundo como modelos, para“vender” as cidades.

Efetivamente, a esfera de circulaçãosimbólica desses modelos em escalamundial desempenha funções políticase econômicas de grande relevância.Nesse processo, observa-se um duplomovimento de legitimação: enquanto ascoalisões locais dominantes capturamideários renovados da agenda urbanaglobal para atualizar seus projetos decidade, os ideólogos dos organismosinternacionais capturam dos projetoslocais as “boas práticas”, que, “pasteu-rizadas”, porque abstraídas de seuscontextos, ressurgem em versões despo-litizadas.

Alguns nexos e estratégias dos dis-cursos e imagens que têm traduzido asnoções mais difundidas do novo paco-

continuação

Imagem como estratégia local de desenvolvimento City marketing Meio urbano “inovador” e “qualidade de vida” Sustentabilidade urbana: “Cidade Jardim” e “Capital Ecológica” Dependência externa de recursos naturais Construção do senso de pertencimento Difusão de modelo de gestão ( boas práticas )“ ” Ícones urbanos: elementos paisagísticos e do patrimônio Indústria cultural e mídias urbanas: festivais de cinema e de teatroIndústria do turismo: multiculturalismo, identidade urbana, paisagemTecnificação urbana: transportes, circulação, indústria ambiental

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112 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

te urbano das cidades-modelo, comodesenvolvimento sustentável, moderni-zação tecnológica e produtiva, qualida-de de vida, eqüidade e eficiência noplanejamento, parcerias público-priva-das, multiculturalismo, memória urba-na, renovação de áreas, meio ambienteequilibrado, governança e participaçãocidadã, permanecem em pauta.

Diante desse conjunto articuladode aparentes virtudes, máculas – nemsempre refletidas e necessariamente àespera de serem desvendadas – persis-

tem em interpelar os modelos: o paraí-so utópico da cidade virtual pode reve-lar-se uma máscara para a especulaçãoe para os grandes empreendimentos,o estimulado civismo urbano pode en-cobrir o desprezo pela participaçãosubstantiva do cidadão, a retórica domulticulturalismo tende a transformaro “outro” em simples imagem, vazia deconteúdo, e a construção da cidade sus-tentável pode ser a última versão deuma retórica apenas adjetiva, condicio-nada por um modelo político de expor-tação.

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113Fernanda Sánchez e Rosa Moura

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Fernanda Sánchez é arquiteta,mestre pelo IPPUR/UFRJ e doutorandaem Geografia Humana na USPRosa Moura é geógrafa do Centrode Pesquisa do Instituto Paranaense deDesenvolvimento Econômico e Social(IPARDES)

(Recebido para publicação em novembrode 1999)

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A Re-significação das Tradições:o Acre entre o rodoviarismo e osocioambientalismo *

Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 115-131

Ainda hoje o Acre é uma “fronteira”. ATransamazônica é o caso fragoroso dofracasso dos projetos viários que pro-metiam gerar no estado “uma estruturaeconômica moderna, destacadamenteuma economia rural, em substituiçãoaos sistemas pré-capitalistas característi-cos das áreas extrativistas da região” 1.

Uma das razões da permanência debiomas hoje mundialmente valorizadosfoi a insuficiência do rodoviarismo emcumprir suas promessas civilizadoras.Porque as rodovias não chegaram, o es-tado manteve sua economia extrativista

e seu quinhão de floresta amazônica.Grande parte da sociedade acreana viveainda do extrativismo e de atividadescorrelacionadas e segue vendo a estradade integração como caminho para o de-senvolvimento.

Este artigo analisa as peculiaridadesda relação meio ambiente/desenvol-vimento nesse contexto, enfocando doisconflitos recentes em torno de projetosde expansão viária e os constrangimen-tos jurídico-políticos e morais que o pro-cesso de redemocratização gerou paraas atividades ambientalmente deletérias.

* Este artigo é uma versão reduzida do Capítulo 4 de Modernização Negociada: expansão viáriae riscos ambientais no Brasil, 1999 (prelo), de Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka,que resulta de pesquisa realizada no âmbito de um convênio entre o Cebrap e o Ibama.

1 Geraldo Mesquita, 1975, p. 15.

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116 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

O projeto federal para o Acre

A dependência da economia acreanapara com o extrativismo vegetal tornaos anos 1980 e começo dos anos 1990particularmente dramáticos para o es-tado. Além da queda do preço da bor-racha, nesse período ocorre também adesarticulação do sistema de financia-mento e de manutenção das estruturasprodutivas gomíferas que tinham mino-rado antes a tendência de desarticula-ção da economia da região. Com o fimdos incentivos à produção e da regula-ção estatal do preço da borracha e adiminuição crescente dos financiamen-tos à comercialização e produção pormeio de bancos estatais 2, o extrativis-mo desarticula-se de vez 3.

A ambigüidade constitutiva da políti-ca federal para a região até o final dosanos 1980 impediu que se revertesse afragilidade da economia acreana. De umlado, continuou subsidiando a agonizan-te economia gomífera. De outro, o go-verno federal pretendia, ao longo dosanos 1970, modernizar inteiramente aeconomia acreana, incentivando a pe-cuária extensiva e a extração madeirei-ra 4, e integrar a região por meio de suaocupação por colonos e migrantes 5.

O projeto de construção da infra-estrutura viária na Amazônia Ocidentalnesse período estava no escopo do queantes definimos como “rodoviarismo” 6.O rodoviarismo pode ser descrito portrês características principais: a ênfasetécnica nas rodovias como forma ótimade espacialização do desenvolvimento;a centralidade do Estado no planeja-mento, administração e execução dasobras viárias e a despreocupação comsuas conseqüências ambientais. Seunúcleo era a crença na capacidade darodovia de gerar desenvolvimento.Grandes obras de integração nacionalforam realizadas sob essa égide (aPresidente Dutra; a Rio-Bahia; a Belém-Brasília; a Transamazônica), contandocom ampla aprovação popular.

No caso da Amazônia Ocidental, arodovia seria o meio de transformar aregião em fronteira de expansão econô-mica. A BR-364, materialização desseprojeto, possibilitou a ocupação de Ron-dônia, alterando o relacionamento desseestado com outras regiões do país e acele-rando o processo de ocupação e explo-ração da região, além de ter consolidadoe povoado suas fronteiras. Era o que se

2 Francisco R. S. Castro e Maria E. Santos, 1992, p. 12 e p. 42-44; cf. também AQUIRI, mar./1997, p. 47 ss.

3 Na década de 1970 a expansão da atividade agropecuária teve fortes repercussões sobre aestrutura agrária da região, acarretando, ao mesmo tempo, sérios problemas ambientais. Cf.IBGE/IPEA, 1990, p. 64.

4 AQUIRI, op. cit., p. 46 ss.; IBGE/IPEA, op. cit.; Mesquita, op. cit., p. 15 ss.5 Cf. IBGE/IPEA, op. cit.6 Costa, Alonso e Tomioka, op. cit.

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117Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

visava também para o Acre. O projeto,porém, não chegou a se efetivar 7.

O projeto do governo federal paraa Amazônia Ocidental sofreu profundainflexão na segunda metade dos anos1980. A antiga “fronteira de recursos”transforma-se em área de interesse am-biental. Como o Acre tinha grande partede sua cobertura vegetal intocada, osconflitos entre expansão econômica epreservação ambiental ficaram explícitosali. O governo federal, desde o final dosanos 1980, propusera vários projetosambientais para a região. O principaldeles, o Projeto de Proteção ao MeioAmbiente e às Comunidades Indígenas(PMACI I) 8, já era produto da reaçãodo movimento ambientalista internacio-nal à pavimentação da BR-364 na regiãode Rondônia, que denunciava os im-pactos sociais e ambientais decorrentes.O Banco Mundial fora responsabilizadopor ambientalistas de ser o financiadorda devastação da Amazônia 9. O BID exi-giu, por isso, garantias de minimização

dos impactos ambientais como condiçãodo financiamento da pavimentação dotrecho Porto Velho–Rio Branco 10.

O PMACI I apresentava um cenárioexplosivo: a pavimentação da rodoviacausaria impactos ambientais, sociais eeconômicos. O governo federal deveriaalterar os parâmetros usados até entãopara o investimento na região, de modoa compatibilizar desenvolvimento, defesado meio ambiente e melhoria da quali-dade de vida da população.

Em consonância, o governo fede-ral redefiniu suas metas para a região:em vez de apostar na capacidade deprodução agropecuária do estado, en-fatizou a importância da preservaçãoambiental 11.

O PMACI I expôs, portanto, o com-promisso do governo federal de regulare limitar a pressão econômica sobre oambiente natural do estado 12. Razõesgeopolíticas e econômicas motivaram

7 Cf. IBGE/IPEA, op. cit.8 O PMACI I se refere ao entorno da BR-364, no trecho entre Porto Velho e Rio Branco. Poste-

riormente, foi feito o PMACI II, seguindo a mesma perspectiva, para o outro trecho da mesmarodovia, entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul (que até 1999 ainda não estava totalmenteasfaltada). Cabe destacar também o amplo projeto do BNDES para a reserva extrativista doAlto Juruá e para o desenvolvimento comunitário das áreas indígenas circunvizinhas, em 1989(AQUIRI, op. cit., p. 40-41). Nem o PMACI II nem o projeto do BNDES serão analisados aqui.

9 A pavimentação do trecho Cuiabá–Porto Velho da BR-364 era a principal obra do Projeto deDesenvolvimento Integrado do Noroeste do Brasil (Polonoroeste), que fora financiado peloBanco Mundial e tinha o intuito de suprir as demandas por infra-estrutura na região de Rondôniae de induzir o desenvolvimento da região. A esse respeito ver John Redwood III, 1993.

10 Cf. AQUIRI, op. cit., p. 41, e IBGE/IPEA, op. cit.11 Cf. IBGE/IPEA, op. cit.12 O projeto respondia “às preocupações nacionais e externas quanto à necessidade de um

plano para orientar a ocupação da área de influência direta e indireta da rodovia BR-364,tendo em vista controlar ou minorar os impactos decorrentes do seu asfaltamento, previstopara o trecho Porto Velho–Rio Branco (IBGE/IPEA, op. cit., p. 15).

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118 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

essa nova posição federal em relação àconstrução da rodovia: o meio ambientetornara-se uma preocupação internacio-nal e o governo brasileiro ajustava-se aesse cenário. A adoção de medidas am-bientais passava a ser imperativa para aobtenção de financiamento externo paraquaisquer projetos de infra-estrutura.

A Conferência da ONU para o MeioAmbiente e o Desenvolvimento(Rio-92)evidencia o cruzamento de duas condi-cionantes que explicam a alteração noprojeto federal: as mudanças advindasdo processo de democratização do país

e a entrada na agenda nacional da pautaambiental já consolidada internacional-mente. O número de ONGs ambientalis-tas brasileiras cresce exponencialmenteàs vésperas da conferência 13. Em para-lelo, a pauta ambiental se institucionaliza;surgem instrumentos jurídicos e políticosque limitam as ações ambientalmentedanosas 14. Essa conjunção de fatoresgerou, no início da década de 1990, aomesmo tempo a valorização das po-tencialidades ambientais do Acre e oabandono do projeto rodoviarista dogoverno federal para o estado.

A construção da identidade socioambiental

O movimento ambientalista se confi-gurou no Acre como um socioambien-talismo, isto é, a partir da re-significaçãodos movimentos sociais locais de defesados seringueiros, que passaram a serchamados “povos da floresta”. Sua rei-vindicação primordial era o direito deposse e exploração (restrita) das florestaspelas comunidades da região. No início,segundo os próprios ambientalistas, nãose tratava de ecologia, mas de sobrevi-vência. “O desmatamento das grandesáreas para a instalação da pecuáriarepresentava uma ameaça direta à vida

de milhares de famílias no interior dafloresta” 15. Derrubar florestas para fazerpastagens significaria expulsar o serin-gueiro, o índio, enfim, os “povos da flo-resta”, de sua terra e do seu modo devida, coagindo-os a ir para as periferiasdas cidades 16.

A identidade socioambientalista sópôde se constituir porque as comunida-des extrativistas que viviam nas florestasforam definidas como intrinsecamentepreservacionistas. Esse significado estáno próprio termo “povos da floresta”,

13 A esse respeito ver Leilah Landim, 1993.14 De que são exemplos o EIA-Rima e as audiências públicas.15 Marina Silva, 1997.16 É possível aferir essa posição a partir das entrevistas que realizamos com diferentes setores e

tendências do movimento ambientalista local (Costa, Alonso e Tomioka, op. cit.). Ver, tam-bém, a esse respeito, IBGE/IPEA, op. cit.

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119Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

que apresentava os seringueiros comoos fiéis depositários da preservação domeio ambiente. A atividade econômicadessas comunidades era considerada de“baixo impacto ambiental”. A partir dissoe da suposição de que essas populaçõesteriam um saber tradicional sobre a flo-resta, argumentava-se que a melhormaneira de mantê-la preservada seriageneralizar essa organização social. A re-democratização do país e a entrada empauta de temas ambientais favoreceramessa sobreposição de sentidos e interes-ses sociais e ambientais. O próprio pro-cesso de elaboração e implementaçãodo PMACI I constituiu um desses mo-mentos de afirmação política da iden-tidade socioambientalista 17.

O PMACI I expressa o ponto de vista“socioambientalista”, reconhecendo ocaráter social e ambientalmente proble-mático do projeto de expansão da fron-teira econômica do governo federal paraa região entre 1970 e 1980. Propunha-se um modelo que transformasse as

populações tradicionais em responsáveisnaturais pela preservação ambiental doAcre 18. Nesse sentido, o projeto marcaa emergência do socioambientalismo.

A maneira encontrada para garantirao seringueiro a posse da terra foi a de-fesa da preservação da floresta. Essaestratégia funda o movimento socioam-bientalista local. A união do movimentopela posse da terra a setores ambienta-listas capazes de articular-se com orga-nizações e instituições ambientalistasnacionais e internacionais permitiu criarum modelo de ocupação territorial quepreenchesse os requisitos de preservara floresta e oferecer condições mínimasde sobrevivência às comunidades queali viviam.

A principal realização desse modeloforam as reservas extrativistas (Resex),grandes áreas sem demarcação delotes 19 habitadas por um número definidode famílias que tirariam da extração oseu sustento e, pretendia-se, algum exce-

17 Do PMACI I, coordenado pelo Ipea/Iplan, participaram diversos órgãos federais e estaduais –Secretaria Especial do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, Mi-nistério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (na época Incra), Fundação Nacional doÍndio (Funai), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O projeto tambémconstituiu um grupo de trabalho executivo com representantes da sociedade civil (GT-PMACI),como Cimi (Conselho Indigenista e Missionário), CPI-Acre (Comissão Pró-Índio), CTA (Centrodos Trabalhadores da Amazônia), CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros) e representan-tes de órgãos federais e dos Estados de Rondônia, do Acre e do Amazonas (IBGE/IPEA, op. cit.,p. 15). Sobre propostas apresentadas pelo CNS e pela UNI (União das Nações Indígenas),incorporadas ao projeto, ver IBGE/IPEA, op. cit., p. 109 ss.

18 “Ainda hoje a exploração da seringueira nativa permanece estreitamente vinculada à quali-dade e às características ambientais (...). Representa não apenas a fonte de sobrevivênciamas a expressão cultural da população, expressão que se caracteriza pelas relações que elamantém com o ambiente [...]. Algumas características da exploração seringueira, como ararefação da população em virtude da dispersão das espécies e da necessidade de grandesáreas para cada extrator, foram fatores primordiais para o aspecto conservacionista da ativi-dade.” (IBGE/IPEA, op. cit., p. 85-86)

19 Cf. IBGE/IPEA, op. cit.

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120 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

dente. Nessas áreas desenvolver-se-ia“uma economia florestal que fosse mo-derna, mas que levasse em conta o sabere a cultura das populações locais da Ama-zônia” 20. As reservas extrativistas foramcriadas em consonância com as reivindi-cações do movimento de trabalhadoresextrativistas e primeiro instituídas em1990. Implicavam a desapropriação degrandes áreas de seringais, conferindo aosseringueiros/castanheiros a concessão deuso 21 dessa terra, de sorte a assegurar apermanência desses produtores “em seuhábitat” e garantir a preservação da flo-resta 22. A forma dessa união entre inte-resses sociais e ambientais é representadapela figura do habitante da floresta. Odiscurso ambiental abriu a seringueirose sindicalistas a possibilidade de mobiliza-ção de recursos financeiros e organizacio-nais antes inexistentes ou inacessíveis. Empouco tempo já se falava em um “novomodelo de desenvolvimento e [em]buscar aliados, dentro e fora do Brasil” 23.

Dessa superposição originária entredemandas sociais e ambientais, entre-tanto, também derivam muitas de suasdificuldades posteriores. As fissuras es-truturais desse projeto se evidenciamquando a imagem idealizada dos “po-vos da floresta” como intrinsecamentedefensores do meio ambiente se chocacom os interesses efetivos desses habi-tantes. Essa mudança é resumida comprecisão por um membro do movimen-

to ambientalista acreano: “A gente diziaque a floresta não podia ser tocada (...).E até hoje dizemos isso. A sociedade ci-vil, o governo federal, o Estado, de ummodo geral, estão cobrando isso: ‘Vo-cês não pediram reserva extrativista?’ Ospecuaristas, as empresas, estão cobran-do: ‘Não queriam essas áreas de ummilhão de hectares para Chico Mendes?O seringueiro está saindo do mesmojeito, e vocês diziam que era a pecuáriaque estava expulsando! E o seringueiroestá saindo dali para a periferia das ci-dades. E aí?’ Nós temos que dar umretorno, uma resposta” (membro daONG ambientalista A, entrevista).

O próprio funcionamento das reser-vas extrativistas criaram novas necessi-dades e reivindicações por parte dos“povos da floresta”. Já tendo assegura-do o direito à terra, passaram a exigirmelhorias na qualidade de sua vida. Atéa segunda metade dos anos 1990, a la-tente contradição entre a busca porqualidade de vida e preservação ambi-ental não estava formulada, pois quali-dade de vida restringia-se à posse daterra e qualidade ambiental significavaatividade de baixo impacto ambiental.A ambigüidade do socioambientalismoapenas se explicita quando o projetosocioambientalista é confrontado comprojetos desenvolvimentistas para a re-gião, exatamente o que ocorre nos con-flitos em torno das BRs 364 e 317.

20 Silva, op. cit., p. 5.21 IBGE/IPEA, op. cit., p. 112.22 ELI (Environmental Law Institute), 1995, p. 22 ss.; o PMACI I também sugere a criação de

várias reservas extrativistas no Acre (mais de vinte projetos em Rio Branco, Xapuri, Brasiléiae Assis Brasil). (IBGE/IPEA, op. cit., p. 112).

23 Silva, op. cit.

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121Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

O projeto local rodoviarista

Nos anos 90, o governo do Acre formu-lou, juntamente com o empresariadolocal e os diferentes partidos políticosque o sustentavam, um projeto rodovia-rista para o estado. Esse projeto, queaparece explicitamente nos documentose ações dos órgãos oficiais e da buro-cracia vinculada ao setor de transportesdo estado, visava reaquecer a economialocal e promover o escoamento da pro-dução local por meio de uma ligaçãoviária com as demais regiões do país.Reativava-se, assim, a política federal dadécada de 1970 para o estado, queentão objetivava a incorporação denovos territórios à economia nacional,só que agora destituída de seu intuitogeoestratégico, de garantia da segurançanacional e de povoamento da região.O projeto de integração rodoviária doestado passava a ser formulado emtermos da modernização do Acre, comoúnica possibilidade de desenvolvimentoeconômico local.

O projeto rodoviarista acreano tinhacomo fundamento a idéia de que a im-plantação de um sistema viário eficienteno Acre bastaria para gerar ali desenvol-vimento econômico, tirando o Acre daestagnação econômica mediante oincentivo à produção agropecuária. Omodelo era Rondônia, que apareciacomo prova do vínculo entre rodovia eprogresso: “Hoje você vê o nível de eco-nomia de Rondônia, que se desenvolve

e já foi até indicado como ‘celeiro brasi-leiro’. Deixa abrir estradas para ter áreaprodutiva capaz de sustentar o estado.”(representante dos produtores agrícolaslocais, entrevista)

O processo de difusão do rodovia-rismo no Acre dos anos 1990 cria umparalelo com o antigo projeto rodovia-rista nacional. Através de seminários, deenduros e do estímulo a movimentos eentidades civis rodoviaristas procurava-se sensibilizar as instâncias federais e apopulação do estado para a necessidadeda pavimentação das BRs 24. Tãocomuns nos anos 1920, nos primórdiosdo rodoviarismo brasileiro, essas açõestinham por fim a promoção e a legiti-mação do projeto rodoviarista tambémno Acre dos anos 1990. Mas, com a de-mocratização do país, os rodoviaristaspassaram a enfatizar os aspectos sociaispositivos da construção rodoviária, ênfa-se antes inexistente, pois os argumentosprincipais em favor da ligação viáriaaventados eram sempre econômicos. Érecorrente a partir do começo da déca-da de 1990 o destaque conferido àmelhoria de qualidade de vida da popu-lação, argumento claramente marginalnos projetos do regime militar, pelo qualo projeto rodoviarista local se moldou.As preocupações com as conseqüênciaspolíticas são claras. Fica evidente que aopção rodoviária, antes “natural”, passa-va a necessitar de justificação pública.

24 Cf. A Gazeta, Rio Branco, 07/06/1991.

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122 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

A configuração do conflito em torno das BRs

A pavimentação das BRs 364 e 317permite observar como as diferentesperspectivas se enfrentam praticamente.

Concluída a ligação com Rondônia,a extensão da BR-364 e a conclusão daBR-317 passaram a ser alardeadascomo alavanca na modernização doAcre. A BR-364 integraria duas regiõesdo estado, o Vale do Acre, mais ao sul,onde se situa Rio Branco, e o Vale doPurus, mais ao norte, onde está Cruzeirodo Sul. A estrada aqueceria a economialocal e acabaria com o isolamento dovale do Purus, integrando as diversas re-giões do estado. A BR-317, por sua vez,ganhou importância como possibilidadede interligação do estado com os paísesandinos e com o Pacífico, através doporto de Ilo, no Peru. A produção acrea-na seria escoada por esse porto, alcan-çando novos mercados e propiciandoo desenvolvimento econômico do Acre(Mapa 1).

A primeira contestação efetiva à ex-pansão viária então em curso é feita pelomovimento ambientalista nacional, pormeio de sua representação no ConselhoNacional do Meio Ambiente (Conama).Em dezembro de 1990 é aprovada noConama moção contrária à pavimen-tação das BRs 364 e 317. A moção,“conforme proposição da conselheirarepresentante das entidades ambienta-listas da região Sudeste”, propunha queo Conama elaborasse “indicativos de

cuidados a serem tomados na escolha ena execução deste caminho em direçãoao Pacífico” 25.

O movimento ambientalista nacio-nal mostrava-se pouco sensível aos ar-gumentos sociais e desinformado atémesmo sobre a situação geográfica doAcre. A moção pretende, por exemplo,saídas viárias ideais, como a construçãode ferrovias ou o uso de hidrovias emuma região onde os rios correm todosquase paralelamente, em direção aoAmazonas (ver Mapa 1). Apesar de nãoter força de lei (a menos que fosse trans-formada em resolução), a moção gerouprotestos veementes no Acre por partede jornais, políticos e até mesmo deagências de proteção ao meio ambiente,como o Instituto do Meio Ambiente doAcre (Imac) e a Superintendência doIbama no estado.

As reações da sociedade acreana àmoção evidenciam o significado das ro-dovias para a população do estado. Asnotícias e os editoriais veiculados nosprincipais jornais do estado recorrerama termos bastante duros. O presidenteda Federação das Indústrias do Acredesqualificou “a proposta do Conama,seja para as hidrovias quanto as ferro-vias, por serem ridículas; [a estrada] nãovisa apenas o escoamento de produtosdo Centro-Oeste e nem destruirá terrasvirgens, pois seu percurso já está em suamaioria ocupado ou demarcado como

25 CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), Moção no 20, de 6 de dezembro de 1990.

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123Sérgio C

osta, Angela A

lonso e Sérgio Tomioka

Mapa 1Mapa 1Mapa 1Mapa 1Mapa 1 - Infra-estrutura de transportes do Estado do Acre

FFFFFonteonteonteonteonte: Atlas geográfico ambiental do Estado do Acre, Governo do Estado do Acre - Imac, Rio Branco, 1991

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124 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

reservas extrativistas e indígenas” 26.Além de empresários, também políticose outros setores sociais manifestaram-se prontamente contra a moção 27.

A reação local se configurou con-sensualmente como antagonismo aomovimento ambientalista, consideradoresponsável pela aprovação da moção.Houve até mesmo a acusação de umpossível complô ambientalista 28, quepretenderia trocar o desenvolvimentopela preservação da floresta. O meioambiente seria um limite ao progressoe à ligação do estado com a economianacional e internacional. A moção doConama gerou um intenso debate locale, ao contrário do que propunha (parara construção das BRs no Acre), tevecomo resultado a disseminação de umaposição favorável à construção das ro-dovias.

Os defensores desse projeto rodo-viarista local mostraram grande capaci-dade organizacional e peso político nesseepisódio. Utilizando-se de todos os re-cursos disponíveis (imprensa, tribunasparlamentares etc.), constrangeram elimitaram as ações dos críticos ao seuprojeto, a tal ponto que o representan-te do Acre no Conama (presidente doImac) viu-se obrigado à retratação pú-blica, em sessão especial da Assembléia

Legislativa e em jornais locais, em facedas críticas veementes 29.

Diversas instâncias do governo doestado, empresários, agricultores e até ogoverno de Rondônia entraram em cenadefendendo um projeto de desenvolvi-mento de cunho rodoviarista. No inícioda década de 1990 o governo estadualpassara a ser o responsável pela admi-nistração dos recursos federais na con-tratação dos serviços para a construçãoe gestão das BRs no estado, o que permi-tiu ao rodoviarismo local efetivar-se. Issoofereceu aos defensores do projetogrande capacidade de intervenção públi-ca, tanto no debate quanto nas ações. Oúnico problema a ser solucionado era oda liberação dos recursos federais noorçamento da União, e assim, com esseobjetivo, políticos locais articularam-se epressionaram o congresso e o governofederal. Todos visavam associar-se aoempreendimento de pavimentação dasrodovias. O projeto rodoviarista tornou-se de tal modo hegemônico que nãocuidou de se justificar diante de constran-gimentos ambientais.

O questionamento dos efeitos am-bientais da pavimentação das BRs, noentanto, modificaram os termos do de-bate local. O debate público tornou-semais permeável aos argumentos am-

26 A Gazeta, 02/02/1991.27 Por exemplo, o Conselho Regional de Medicina do Acre publica matéria paga em um jornal

local (A Gazeta, 03/02/1991) contra a moção e favorável à construção das rodovias, e opróprio jornal A Gazeta (02/02/1991) publica editorial nos mesmos termos.

28 A Gazeta, 02/02/1991.29 O representante declara publicamente não ter participado da sessão do Conama na qual a

moção contrária à estrada foi aprovada, apesar de seu nome constar da ata da sessão. Cf.CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente): Ata da 26a reunião ordinária, 1990.

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125Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

bientalistas. Nesse novo contexto políticoocorreu o embargo do Ibama à conti-nuação da construção das rodovias.

Em junho de 1996, depois de umlongo processo, que passou por diversasinstâncias da Procuradoria da Repúblicae do governo federal, o Ibama embar-gou todas as obras de pavimentação dasrodovias BR-364 e BR-317, por des-cumprimento da lei ambiental que pre-via a elaboração de EIA-Rima para obrasdaquele porte e sob a alegação de riscosao meio ambiente e às comunidadeslocais. O Departamento de Estradas deRodagem do Acre (DER-AC) e o Imactinham elaborado anteriormente apenasum Relatório de Ausência de ImpactoAmbiental Significativo (Raias), sob oargumento de que as estradas já existiame que sua pavimentação não acarretariaimpactos ambientais graves 30. O Ibamaentrou em cena ao receber ofício do Mi-nistério Público pedindo a suspensãoadministrativa imediata das obras de pa-vimentação das BRs, por descumpri-mento da legislação ambiental 31.

Em face da não apresentação doEIA-Rima, em 25 de junho de 1996 oIbama notificou o DNER, o DER-AC eas empreiteiras acerca do embargo e dasuspensão temporária das obras nasduas rodovias federais no Acre. O Ibama

procurava firmar um termo de compro-misso envolvendo as partes que tivessevalidade legal, enquanto o governo esta-dual procurava a liberação mais rápidapossível das obras. Uma Comissão deVistoria para a região de influência daestrada já tinha sido constituída, com apresença de representantes do Imac,Ibama, DER-AC, Ministérios Públicosfederal e estadual e Funai 32, cuja finali-dade era encontrar uma solução nego-ciada para o embargo das obras dasBRs. A comissão lançou mão, inclusive,de consulta à comunidade afetada, me-dida usualmente requerida pelo movi-mento ambientalista. A intervenção doIbama levou ao estreitamento da relaçãoentre o governo federal e o movimentoambientalista, tornando explícita a opo-sição entre o projeto federal, que tentavavincular a vocação do Acre a metas desustentabilidade ambiental, e o projetorodoviarista local.

Essa aliança entre o governo fede-ral e o movimento ambientalista local 33

ficou evidente na exigência para liberaras obras em um trecho da BR 34. A co-missão prescreveu a destinação de re-cursos para a implantação de reservaextrativista e a criação de um programade desenvolvimento e proteção ao meioambiente e às populações tradicionaisdo vale do Juruá, similar ao PMACI I,

30 O Rio Branco, 03/04/1996; cf. também Imac, Processo nº 0044/95, 1995; e Imac, Processonº 0071/95, 1995; ainda sobre o tema, DER-AC (Departamento de Estradas de Rodagemdo Acre), 1995.

31 A Gazeta, 04/04/1996, 13/04/1996 e 06/06/1996.32 Imac, 1996; Comissão de Vistoria, ago. 1996.33 A aliança possibilitaria a implantação de outras medidas mitigadoras dos impactos ambientais

ou às comunidades locais (Imac, op. cit., 1996).34 Do km 32, em Rodrigues Alves, ao km 15, em Tarauacá (Imac, op. cit., 1996).

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126 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

para o novo trecho. O acordo firmadoentre o governo acreano e o Ibama, defato, apresentava medidas de minimi-zação dos impactos ambiental e socialcomo condição da continuidade dasobras 35.

O embargo, além da simples para-lisação das obras, teve como conse-qüências imediatas o aprofundamentode discussões acerca da avaliação técnicasobre impactos ambientais na região, aexplicitação local da posição dos órgãosambientais federais e locais, a efetivaçãoda legislação ambiental no Acre e a am-pliação do debate público sobre mode-los de desenvolvimento e a necessidadede proteção ambiental no estado.

Nesse processo, ficou evidente a ero-são da legitimidade até então incontestedo projeto rodoviarista. Os melhoresexemplos são a inflexão dos editoriaisdos jornais locais, dos discursos públicosde políticos anteriormente contrários aoembargo e da fala de técnicos de váriosníveis de governo. O PMDB, convicta-mente rodoviarista, ao mesmo tempoque exortava: “Pelo fim imediato do em-bargo decretado pelo Ibama! Pelo fielcumprimento da Constituição e das leis!Pela pavimentação das BRs 364 e 317!”,

pedia um prazo ao governo federal paraque o governo do estado desse “cumpri-mento às exigências legais com relaçãoà apresentação de um relatório de im-pacto ambiental” 36. Nota-se uma mu-dança significativa na forma de defesaostensiva da construção de rodovias noinício e no final do processo. O Imac,responsável pelo Raias, que era taxativoquanto ao caráter político do embargo,passou, no final de 1996, a uma posturaconciliatória, ressaltando “que se busca-va, democraticamente, uma soluçãoconjunta” 37, que contemplasse o desejode construção das rodovias e as deman-das socioambientais 38.

Os constrangimentos legais e a pu-blicidade do debate afetaram os agentescontrários ao embargo, obrigando-os acumprir a legislação ambiental e a nego-ciar com o movimento ambientalista eo governo federal medidas de minimi-zação dos impactos ambientais para con-seguir o desembargo das BRs. De outrolado, também o movimento ambienta-lista local 39 teve que alterar sua posiçãoao longo do processo. Se no começodefendia a preservação ambiental e adas populações tradicionais, ao finaladmitia publicamente a importância daestrada para a população do Acre 40.

35 Imac, op. cit., 1996; Imac, 17/02/1997; DER-AC, 10/04/1997.36 A Gazeta, 28/06/1996.37 A Gazeta, 12/11/1996.38 Dizia então o Imac: “Todo o estudo elaborado será apresentado durante a audiência pública,

com os impactos positivos e negativos. Vamos também estar abertos ao questionamento edepois de tudo isso iremos analisar para poder então conceder o licenciamento (...) [asaudiências] são reuniões abertas, onde qualquer pessoa, desde que previamente inscrita,pode apresentar questionamentos ao processo” (A Gazeta, 12/11/1996).

39 Cf. Imac, op. cit., 1996.40 Cf. Imac, op. cit., 1996.

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127Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

Um documento assinado pela senadoraMarina Silva, pelo então prefeito de RioBranco (hoje governador do estado),por lideranças socioambientalistas locais,por ONGs ligadas aos índios, por serin-gueiros e trabalhadores rurais, e atémesmo por uma ONG conservacionistaacreana, enviado ao presidente daRepública 41, revela como também a de-fesa do meio ambiente precisou ser feitaem novos termos. Nesse documento, aolado de tradicionais propostas ambienta-listas, propugnava-se a continuidade,tão rápido quanto possível, das obrasnos termos da lei, ou seja, com o devidoEIA-Rima.

Do ponto de vista político, então, oembargo fez com que a oposição entre

socioambientalistas e rodoviaristas setransformasse em um acordo públicotanto a respeito da necessidade das ro-dovias, para a melhoria da qualidadede vida da população local e para a via-bilidade econômica do estado, quantoda necessidade de mitigar as conse-qüências ambientalmente perversasgeradas pelas rodovias e de encontrarlimites ambientais claros para o processode modernização do Acre. Os institutosambientais, o arcabouço jurídico e a opi-nião pública acabaram por constrangeros projetos iniciais 42. O resultado foi aretomada das obras de pavimentaçãoapós a elaboração do EIA-Rima para osdiversos trechos e a consulta pública aosdiversos setores afetados pela obra.

Conclusões

O conflito configurado em torno doembargo das rodovias no Acre tem umduplo eixo explicativo: as mudanças ins-titucionais no Brasil e o debate públicolocal.

De um lado, o caso apresenta ca-racterísticas comuns a outros conflitosentre expansão viária e defesa do meioambiente, conforme demonstramos

para o conflito acerca das hidrovias doplano Brasil em Ação 43: a incorporaçãolocal da nova agenda nacional, a efeti-vidade de novos instrumentos legais epúblicos de controle das obras estatais(maior poder do Ministério Público,ações civis etc.) e a constituição de umespaço público de discussão das ques-tões ambientais (como as audiênciaspúblicas e o Conama).

41 Marina Silva, 03/07/1996, p. 4.42 Isso fica claro, por exemplo, na consulta às comunidades afetadas pela estrada. A Comissão

de Vistoria deparou-se com grupos indígenas que aceitavam a liberação da rodovia desdeque fossem atendidas necessidades imediatas como compra de alevinos para um açude,reposição de um rádio amador etc., o que indicava a existência de um trade-off entre a defesado meio ambiente e a qualidade de vida das comunidades. Cf. Comissão de Vistoria, op. cit.

43 Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka, 1999, p. 157-175.

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128 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

De outro lado, o caso guarda pecu-liaridades. O debate público local evi-dencia, nos casos das BRs 364 e 317, oconflito entre defesa do meio ambientee da expansão viária, cujo núcleo prin-cipal é o choque entre a posição dogoverno federal para o Acre e o projetode desenvolvimento local carreado pelogoverno estadual. No primeiro momen-to, da moção do Conama em 1991, ogoverno federal crê inviável a ligação dopaís ao Pacífico através do Acre, pormotivos tanto econômicos quanto am-bientais, enquanto o governo estadualjulga necessário o seu vínculo econômi-co com o país e com os outros países daregião através das BRs. No segundomomento, o do embargo das BRs 364e 317, o governo federal julga mais im-portante a preservação ambiental doAcre do que sua integração na econo-mia nacional, enquanto o governo es-tadual mantém intocada sua posiçãofavorável à construção das rodovias,apesar dos efeitos ambientais deletériosque ela teria. Enquanto o governo doAcre, em diferentes mandatos, pensa emdesenvolvimento a todo custo, seguin-do a lógica rodoviarista, o governo fe-deral passa a ter um projeto multimodalcom ênfase nas vocações regionais, in-cluindo constrangimentos ambientais econstruindo uma nova perspectiva demodernização do país 44.

Entre os dois conflitos, o debatedeslizou do caso específico das rodoviaspara a discussão da importância, em

geral, da expansão viária e da necessi-dade de instituição de limites socioam-bientais. Esse deslizamento expressa aimportância das mudanças institucionaisocorridas no país na década de 1990.Os canais de participação pública foramampliados. No caso do embargo, porexemplo, além dos órgãos dos gover-nos estaduais e federal, interveio o mo-vimento socioambientalista local. A“ambientalização” e ampliação do de-bate só ocorreram graças à ação doMinistério Público, que aplicou a lei,conduziu o processo de embargo e ges-tou o acordo de desembargo das obrasdas BRs. 45

Outro fator institucional determi-nante foram as audiências públicas rea-lizadas pela Comissão de Vistoria. Apartir de sua realização, com os compro-missos firmados publicamente, desa-pareceram as posições “principistas”iniciais. O movimento socioambientalis-ta, por exemplo, passa a apoiar melho-rias sociais apesar de possíveis impactosambientais 46. Também são formuladose reconhecidos publicamente, duranteo embargo, limites ambientais ao mode-lo rodoviarista de desenvolvimento parao Estado do Acre.

À diferença do cenário de 1991,quando a moção do Conama visavaapenas impedir o asfaltamento da liga-ção com o Pacífico, em 1996, o acordogerado pelo embargo não era apenasrodoviário, mas tinha em vista a melho-

44 Idem, ibidem.45 Imac, op. cit., 1996.46 Imac, op. cit., 1996.

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129Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

ria das condições da população local, amodernização do Acre e também a li-mitação dos impactos ambientais nego-ciados, em nome da população local edo valor ambiental da floresta.

Em torno da moção do Conama de1991 configurou-se um conflito “ou/ou”,no qual não havia possibilidade de con-ciliação entre posições de princípio anta-gônicas. Essa situação evoluiu, em 1996,quando ocorreu o embargo do Ibama,para uma negociação entre todos osagentes envolvidos. Nesse segundomomento, temos um conflito “mais/menos”, no qual o eixo principal do dis-curso e das ações sobre a relação entremeio ambiente, desenvolvimento e redeviária deixa de ser a convicção e o uni-verso de valores de cada agente e passaa ser a responsabilidade compartilha-da 47. O acordo não nasce de uma con-vergência espontânea, mas pelosconstrangimentos impostos por um es-paço público democrático a projetos emconflito.

O resultado do processo é a comple-xificação do debate público sobre meioambiente e desenvolvimento no estado,no qual tanto as peculiaridades do Acrequanto os cerceamentos institucionaisincidem. Do papel de simples área a serintegrada ao país e civilizada pelo gover-no federal, o Acre passa, ao longo dosanos 1990, a gerar seu próprio debate

acerca de benefícios e efeitos perversosda modernização, alterando, assim, suasconexões com os debates nacional einternacional.

As restrições morais se entranharamno contexto acreano. Depois do conflito,o que resta do rodoviarismo aparececontaminado de alguma concessão am-biental e vice-versa; mesmo o preserva-cionista mais radical não é capaz denegar publicamente a inevitabilidade daconstrução das BRs. O debate gera pro-jetos locais alternativos ao do governofederal para a região e revitaliza o in-teresse internacional sobre o meio am-biente acreano.

As posições de princípio que se con-frontaram em um primeiro momento re-presentavam uma re-significação simplesde tradições: o projeto desenvolvimentis-ta local incorporava a tradição modernado rodoviarismo enquanto o socioam-bientalismo atribuía qualidades susten-tabilistas ao modo de vida extrativista.

A conflagração do conflito, o conse-qüente debate em torno da relaçãoentre desenvolvimento e meio ambientee o desenlace negociado, mostram comoos constrangimentos morais e jurídico-políticos reconfiguram projetos e linhasde ação de todos os agentes, gerando aregulação pública de conflitos antes apa-rentemente insolúveis.

47 Ver Albert O. Hirschman, 1995.

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130 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

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Sérgio Costa é doutor em sociologiapela Universidade Livre de Berlim, pro-fessor da UFSC e pesquisador do CebrapAngela Alonso é doutoranda emsociologia na FFLCH-USP e pesquisa-dora do CebrapSérgio Tomioka é mestrando emfilosofia no IFCH-Unicamp e pesquisa-dor do Cebrap

(Recebido para publicação em novembrode 1999)

__________. Ofício GSMS no 157 (Cartaa Sua Excelência Sr. FernandoHenrique Cardoso, DigníssimoPresidente da República Federativado Brasil). Brasília, 03 jul. 1996.

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Estratégias de LocalizaçãoResidencial e Dinâmica Imobiliáriana Cidade do Rio de Janeiro

Teresa Cristina Faria

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 133-155

Introdução

O trabalho pretende analisar as tendên-cias migratórias intra-urbanas na Cidadedo Rio de Janeiro, a partir das suas rela-ções com a estruturação da cidade noque se refere às mudanças no padrãode ocupação do solo. Interpretamos aestrutura residencial como produto dadinâmica de valorização/desvalorizaçãointra-urbana, propiciada pelos investi-mentos imobiliários, que regulam o mer-cado imobiliário e modificam o estoqueresidencial. Desse modo, as estratégiaslocacionais do capital imobiliário inci-dem em mudanças nas característicasdas áreas da cidade, produzindo efeitosatrativos e repulsivos, deslocando a de-manda. Nosso interesse é contribuir paraum maior entendimento das relaçõesentre o mercado imobiliário e a estrutu-ração intra-urbana, via análise da mobi-lidade residencial. Os dados analisados

são resultado de pesquisa realizada naSecretaria Municipal de Fazenda do Mu-nicípio do Rio de Janeiro, com os indi-víduos que compareciam ao balcão doITBI (Imposto de Transmissão de BensImóveis) intervivos. Além dessa fonte,foram utilizados dados do arquivo ITBI/IPTU/IPPUR, que contém informaçõesdas guias de recolhimento do referidoimposto.

A identificação das estratégias loca-cionais dos agentes nos parece relevan-te, na medida em que permite um maiorentendimento da dinâmica do mercadoimobiliário na Cidade do Rio de Janeiro,vis-à-vis dos impasses correntes na litera-tura sobre o tema em relação a quemcomanda o processo de estruturaçãointra-urbana – a oferta ou a demanda?Ou seja, ou os capitais imobiliários se

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134 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

deslocam para áreas onde existe fortepressão da demanda sobre o mercadode usados, ou a demanda é atraída pelosnovos empreendimentos sob o efeito dopoder de arrasto dos empreendedoresimobiliários (Smolka, 1992). Chegamosagora na outra ponta do complexo nexode relações existentes na dinâmica domercado imobiliário – a demanda.

A extensa literatura sobre o temavem revelando, empiricamente, a prefe-rência dos capitalistas imobiliários pelaprodução de imóveis para as famílias demais alta renda (demanda solvável),atraindo-as para áreas onde seu lucro égarantido pela transformação de seuuso. Por outro lado, o estoque habitacio-nal proporcionado pelo deslocamentodessas famílias é utilizado por aquelasde renda inferior. Em ambos os casos,o migrante intra-urbano está continua-mente avaliando como a nova residên-cia poderá satisfazer suas necessidadese aspirações, modificadas por mudançasnas suas próprias características e nas deseu ambiente. A procura dos indivíduos/famílias é controlada pela avaliação do“estoque habitacional” e pela informa-ção e percepção sobre esse estoque.

No entanto, para que as famíliasmudem de residência é preciso tambémque certas condições individuais/estru-turais 1 sejam suficientemente determi-nantes para a mudança. Assim, muitos

estudos sobre o tema se dedicam a expli-car a mobilidade residencial através desua relação com as alterações no ciclode vida familiar 2 ou no status socioeco-nômico 3 e com o grau de satisfação/insatisfação dos indivíduos em relaçãoa sua localização residencial; neste últimocaso, o objetivo dessa mobilidade resul-taria num aumento na utilidade locacio-nal (Place Utility). A direção do fluxointra-urbano seria, então, determinadapelo grau de satisfação/insatisfação como lugar de origem, no que diz respeitoàs alterações urbanas ligadas ao proces-so de valorização/desvalorização do es-toque, que incide também na estruturasocial da vizinhança.

Desse modo, as relações entre a mo-bilidade residencial e a estruturação doespaço intra-urbano dependem do tipode famílias que se deslocam e das caracte-rísticas do lugar de origem e do lugar paraonde se deslocam. Apresentamos na pri-meira parte deste trabalho a descriçãodo perfil do migrante intra-urbano e dosfluxos de deslocamento residencial, rela-cionando-os na segunda parte com adinâmica imobiliária na cidade e com astransformações ocorridas na estruturaintra-urbana, através dos dados das tran-sações imobiliárias com apartamentosentre 1975 e 1995, para finalmente ana-lisarmos as diferentes dimensões das es-tratégias de localização residencial dosindivíduos e/ou famílias.

1 As condições individuais são as relacionadas às hipóteses do ciclo de vida familiar ou asrelacionadas à mobilidade social do indivíduo. Por outro lado, essas condições estarão de-pendentes dos fatores exógenos (condições estruturais), como a relação renda/emprego edisponibilidade de crédito imobiliário.

2 Ver o trabalho de Rossi (1980).3 Ver o trabalho de Simmons (1970).

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135Teresa Cristina Faria

Perfil do migrante intra-urbano

A intensidade da mobilidade resi-dencial está diretamente relacionada àscaracterísticas econômicas e demográfi-cas dos migrantes. As exigências/prefe-rências por localização e/ou imóvel dasdiferentes classes de renda, em diferentesfases do ciclo de vida, determinam certosmodelos de deslocamento. A classe de

idade modal para a mobilidade residen-cial intra-urbana tende a coincidir coma considerada mais produtiva, ou a deestabilidade profissional, isto é, a situadana faixa de 35 a 44 anos, em que seobserva maior número de adquirentes,resultado obtido também por Smolka(1994), como mostra a Tabela 1.

Tabela 1 - Composição percentual etária dos migrantes intra-urbanos na Cidade do Rio de Janeiro

Faixa de idade Pesquisa / 94 Pesquisa / 95 Censo 1991 De 20 a 24 4,2 3,4 16,6 De 25 a 34 28,2 25,6 27,3 De 35 a 44 33,7 38,0 19,6 De 45 a 64 30,3 29,0 27,4 Mais de 65 3,6 4,0 9,1 Total 100,0 100,0 100,0 Fonte: Faria (1997).

Conforme esperado, as faixas debaixa idade e de idosos são menos repre-sentadas na distribuição dos adquirentesdo que as intermediárias. Os indivíduosmais jovens, talvez por ainda não ha-verem se estabelecido plenamente nomercado de trabalho e/ou constituídofamília, e os mais idosos, por estaremem geral se desfazendo do patrimôniopara assegurar sua subsistência ou porjá estarem estabilizados e serem mais re-sistentes a mudanças.

Quanto à distribuição de renda,considerando que a renda média docarioca está na faixa de 5,8 SM e quenão se conhecem as transmissões ilegaisde imóveis (favelas, loteamentos ile-gais), a amostra sobre-representa osextratos de maior renda e indica umamaior mobilidade desse segmento, oque é confirmado se compararmos arepresentatividade da amostra com adistribuição dos diferentes extratos nacidade (Tabela 2).

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136 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

O número de domicílios transacio-nados varia diretamente com as classesde renda. Para a população como umtodo essa relação é inversa, indicandouma rotatividade maior dos extratos derenda mais elevada no mercado e, por-tanto, uma taxa de mobilidade que variadiretamente com o nível de renda. Essaconclusão é em parte explicada por seresse segmento o que possui melhores/maiores informações sobre o mercadoe disponibilidade de recursos 4.

Os capitais imobiliários, para nãocorrerem riscos de fracasso em seus in-vestimentos devido a fatores exógenosao circuito imobiliário 5, procuram atuarem determinadas faixas do mercadoque constituem demanda solvável. Paraisso, reproduzem na nova área de atua-ção as características da área de origemdas famílias que desejam atrair/deslocar,ou introduzem novas formas de morar,com atributos diferenciadores que contri-buem para a mudança na “qualidade”do imóvel, implicando em sua valoriza-

Tabela 2 - Distribuição da renda domiciliar dos adquirentes por faixa de renda (%)

Classe de Renda Pesquisa / 95 Anuário Estatístico do Rio de Janeiro 93/94

1-5 SM 11,8 66,8 5-10 SM 27,9 17,4 >10 SM 60,3 15,8

Total 100,0 100,0 Fonte: Faria (1997).

ção monetária pelas mudanças quer nascaracterísticas da residência em si querna configuração de externalidades devizinhança.

A condição de ocupação no imóveltambém afeta diretamente a mobilida-de residencial. Os proprietários perma-necem mais tempo em sua residênciado que os inquilinos: 12,7 e 9,5 anos,respectivamente. No entanto, 42,5% dosentrevistados estavam adquirindo a pri-meira casa própria (novos proprietários),enquanto 40,3% já eram proprietários.

Temos aqui um parodoxo. Mencio-namos que a taxa da mobilidade variadiretamente com a renda do migrante.Quanto maior a renda de um(a) indiví-duo/família, maior será a probabilidadede ele(a) trocar de residência com maisfreqüência. Esse resultado é demonstra-do em outros estudos de mobilidade re-sidencial (Rossi, 1980, e Smolka, 1994),assim como se evidencia que há maiormobilidade entre os indivíduos/famílias

4 Com a crise do SFH houve uma redução da demanda, que impôs novas formas de financia-mento dirigidas a determinado segmento do mercado, evidenciando mudanças também nascaracterísticas dos imóveis.

5 Sobre este aspecto, ver Abramo (1988), p. 151-152.

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137Teresa Cristina Faria

que ocupam imóveis alugados. O fatode já ser proprietário, ceteris paribus,reduz a probabilidade de mudança(Rossi, 1980). Para os economistas, omotivo está nos altos custos do movimen-to (estimado em torno de 10% do valordo imóvel), que inclui os de transação(escritura, ITBI etc.) e os decorrentes damudança em si. Outro aspecto, no en-tanto, poderia explicar a baixa mobilidadedos proprietários; considerando a hipóte-se de que a mobilidade residencial estariaassociada a uma adaptação da nova resi-dência às necessidades impostas pelasmudanças no ciclo de vida familiar e/ounas condições socioeconômicas dos mi-grantes, a propriedade garante à famíliaa possibilidade de modificá-la, adaptan-do-a às suas novas exigências/preferên-cias. No entanto, os nossos resultadosrevelam que há um percentual não negli-genciável de migrantes já proprietários,ou seja, de indivíduos/famílias que estãotrocando suas antigas residências poroutras, o que obviamente suscita ummaior número de questões sobre os mo-tivos relativos a esses migrantes do quesobre os relativos ao segmento dos novosproprietários.

A resposta a esse fenômeno podeestar na estratégia de inovação/diferen-ciação da moradia empreendida peloscapitalistas imobiliários no sentido deatrair demanda solvável, no caso, famí-lias de alta renda. Os capitalistas imobi-liários, ao utilizarem esse artifício – ainovação – baseiam-se num certo co-

nhecimento do que significa para as fa-mílias a aquisição de um imóvel. Essadecisão, segundo Abramo (1988), temduas motivações básicas: acesso aos“serviços de habitação” e posse de umativo monetário, que no futuro poderávalorizar-se e viabilizar a mudança deresidência da família. Dos proprietáriospesquisados, 75,4% venderam seusimóveis. Com a inovação, os capitaisimobiliários aumentaram a atratividadedos imóveis/localização, modificando aspreferências dos indivíduos/famílias.

As mudanças nessas preferências étambém resultado da evolução históricada sociedade. Como formula Taschner(1997), o espaço residencial e a maneirade morar são reflexo das transformaçõesdo processo de trabalho, do local ondese trabalha e das mudanças na compo-sição familiar e nas relações entre seusmembros. Hoje nos deparamos com oaumento do número de pessoas quemoram sós e do número de famílias mo-noparentais (mulheres chefes de famíliavivendo com os filhos) 6, em decorrên-cia, talvez, do aumento do número deseparações conjugais. Essa nova confi-guração da família, contrariando opadrão da família tradicional (pais efilhos), traz importantes implicações parao mercado habitacional, sinalizandonovas tendências das necessidades ha-bitacionais das famílias quanto às suascaracterísticas físicas e locacionais, já quenovas situações familiares redefinem oscritérios de localização.7

6 Segundo nossa pesquisa, o percentual de mulheres adquirentes de imóveis é de 39,57%.7 Taschner (1997) cita uma situação típica ao dar o exemplo de pais separados que tendem a

se localizar próximo aos parentes como estratégia para recorrer à ajuda deles na criação dosfilhos.

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138 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

O grande número de inquilinos nomercado de imóveis pode também serinterpretado pela elevação no valor dosaluguéis nos últimos tempos, que os levaa pedir auxílio a familiares, a lançar mãode poupanças prévias, para adquiriremcasa própria. Além disso, a propriedadegarante acesso fácil a crédito bancário ecomercial, prestígio, estabilidade de re-

sidência. Isso de certa forma é confir-mado pelos percentuais obtidos em re-lação aos recursos utilizados na comprado imóvel por esse segmento, em que28,8% utilizaram a poupança; 26,2%venderam bens como carro e telefone;22,4% sacaram seus FGTS e o restantepediu empréstimo a familiares, SFH,entre outros.

Direção dos fluxos

A mobilidade residencial está direta-mente relacionada à área em que sevive. Quanto maior for a expectativa demudança/reestruturação da área, maiorserá a mobilidade dos indivíduos/famí-lias (Rossi, 1980). A percepção sobre asmudanças na área pode ter efeito inde-sejável para determinadas famílias; podesignificar, por exemplo, o enfraqueci-mento dos laços de amizade, mais umfator importante a ser considerado naescolha da nova residência.

A maior parte dos movimentos é decurta distância. É uma tendência consta-tada também em outros estudos (Rossi,1980; Sell, 1983 e Smolka,1994), cujahipótese inicial corresponde a uma tenta-tiva de ajustamento da habitação (suascaracterísticas em relação às necessida-des familiares) e sua localização (áreasque correspondem aos desejos de captu-ra de externalidades de vizinhança). Esseresultado também foi verificado por nós:do total dos fluxos analisados, 75,1%são intrazonais, dos quais 59,5% se reali-

zam na própria RA (região administrati-va) e 47,6%, no próprio bairro. A nossahipótese é que essa tendência reafirma adelimitação ou segmentação das dife-rentes classes de renda, identificando-ascom seus respectivos locais de moradia,ratificando, portanto, o padrão de segre-gação social/residencial existente na Cida-de do Rio de Janeiro. 8

Quando o movimento é mais longo,pode-se tratar de uma reacomodaçãodo mercado; melhor explicando, ricos/pobres saem de áreas desvalorizadas/valorizadas e vão para áreas compatíveiscom seu status socioeconômico. Nesseaspecto – contrariando os modelos demigração elaborados pelos geógrafoscomportamentalistas, que reduzem asdecisões de localização dos indivíduos/famílias a simples erros de avaliação davizinhança/área, afetando sua percepçãoquanto às características sociais do am-biente –, desempenha importante papela dinâmica imobiliária na estruturaçãodo espaço, via investimentos capazes de

8 Os trabalhos de Smolka (1983, 1989, 1992) também obtiveram o mesmo resultado.

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139Teresa Cristina Faria

deslocar a demanda e influenciar as de-cisões.

Os estudos sobre mobilidade resi-dencial, em geral, tentam explicar a ten-dência para os fluxos de curta distânciana cidade, através das seguintes hipóte-ses, segundo Simmons (1968):

i- existe um grande número de opor-tunidades em toda a cidade, quedesobriga a família de procurar imó-vel em outro lugar;

ii- é relativamente fácil satisfazer asnecessidades/desejos das famílias;

iii- é perfeitamente factível o ajuste dasnecessidades habitacionais das famí-lias (características do imóvel) coma área socialmente compatível comseu status socioeconômico. Longosfluxos podem significar mudançasno ambiente social.

Ora, em poucos exemplos, apenasa disponibilidade e o custo isolados irãodefinir a localização. Importante estudode Smolka (1992) demonstra que háforte concomitância entre a produçãoespacial imobiliária (e a conseqüente va-lorização do seu estoque) e a descon-centração das famílias de alta renda, quedá origem ao processo de “filtragem”,com efeitos imediatos para as famílias

de baixa renda. Outros fatores entramem consideração, e as famílias poderãoescolher uma residência em local próxi-mo ao da moradia anterior, para mante-rem familiaridade espacial e contatossociais; ou seja, a procura por externali-dades de vizinhança, tanto físicas, comoa aparência estética da vizinhança e omeio ambiente (poluição, barulho),quanto sociais, como a compatibilizaçãosocioeconômica e cultural, comandaráos processos de decisão e a escolha finalde um novo endereço na cidade.

Harvey (1980) apresenta uma ques-tão importante a esse respeito, isto é,em relação ao acesso à habitação e àcidade em geral pelos diferentes gruposde renda. Segundo o autor, tanto peloaspecto dos valores sociais e culturaiscomo pelo econômico, os ricos tendema dominar o espaço por possuíremmaiores recursos e informações paraobterem a melhor residência na melhorlocalização da cidade, deixando para opobre o resíduo do mercado residencial.Assim. pelas razões apontadas, famíliasde maior renda tenderiam a se mudarpara mais longe, pois teriam mais con-dições de avaliar/perceber as transfor-mações de uma área/localização numfuturo próximo. Na Tabela 3 temos aconfirmação dessa indicação.

Tabela 3 - Percentual da direção dos fluxos por classe de renda na Cidade do Rio de Janeiro, 1995

Fluxos 1-5 SM 5-10 SM >10 SM Mesmo bairro 56,4 56,3 44,4 Mesma RA 17,9 12,5 20,0 Outras RA's 25,7 31,2 35,6 Total 100,0 100,0 100,0 Fonte: Faria (1997).

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140 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

Podemos observar que à medidaque a renda aumenta, a proporção defamílias que se mudam para o mesmobairro decresce. Assim como observa-mos que há uma relação direta entre afaixa de renda acima de 10 SM e osfluxos mais distantes. Conforme já men-cionado, essa faixa do mercado é de-manda cativa dos capitalistas imobiliáriose a estratégia da inovação/diferenciação

da moradia tem como objetivo deslocaressa demanda para as novas frentes deatuação dos agentes imobiliários.

Para entendermos melhor como ofer-tantes e demandantes se relacionamdentro da dinâmica de estruturação doespaço intra-urbano, analisaremos a ma-triz de fluxos de origem e destino dos mi-grantes entre as zonas urbanas (Tabela 4).

Tabela 4 - Matriz de origem e destino entre zonas urbanas - número absoluto

Zonas urbanas A B C D E F Total

A-Sul 90 7 17 2 2 3 121 B-Expansão imobiliária 5 39 4 5 1 2 56 C-Norte 6 12 78 3 2 0 101 D-Subúrbio 3 4 16 107 4 8 142 E-Centro 2 1 3 1 27 0 34 F-Oeste 0 5 0 4 0 28 37 Total 106 68 118 122 36 41 491 Fonte: Faria (1997).

Segundo a ordenação da linha (en-dereço de origem do migrante) e dacoluna (endereço da nova residência),verificamos na diagonal principal a con-centração dos fluxos intrazonais. Aszonas que apresentam maior númerode fluxos (origem e destino) são as zonasA - Sul, C - Norte e D - Subúrbio. Aszonas que mais “expulsaram” morado-res foram as A - Sul e D - Subúrbio e asque mais “atraíram” moradores foramas D - Subúrbio e C - Norte. Assim, elasserão objeto de nossas análises, em quese destaca a importância das RA’s 4, 5,6, 8, 9, 13, 16 e 24, que correspondem

a 93,7% do total de transações referen-tes a mudança de residência.

Pela Tabela 5, esse resultado nãopoderia estar isolado do fato de queexiste uma forte relação entre a dinâ-mica imobiliária, a estruturação intra-urbana e a mobilidade residencial dasfamílias.

As RA’s mais importantes contêm93,68% do total de transações de com-pra e venda de imóveis para fins de re-sidência, ou seja, que foram adquiridospara moradia, levantados na pesquisa

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141Teresa Cristina Faria

em 1995. E são essas mesmas RA’s quepossuem as maiores taxas de transaçõescom apartamentos, em relação à cida-de, por duas décadas!

Diante de tais evidências quanto àsestreitas relações entre o fenômeno da

mobilidade residencial e os processos deestruturação da cidade, realizaremos umrecorte na análise da direção dos fluxos,destacando o fenômeno da segregaçãoresidencial, e avaliaremos a ligação destecom os deslocamentos de curta distância.

O impacto da mobilidade residencial sobre asegregação socioespacial

Tabela 5 - Distribuição percentual dos fluxos intra-urbanos em 1995 e das transações com apartamentos na cidade em 1975/1985/1995 por RA

Total de Fluxos* Distribuição (Percentual de Transações) Região

Administrativa Nº absoluto Nº relativo 1975 1985 1995

4-Botafogo 87 17,71 13,46 9,73 12,20 5-Copacabana 49 9,97 17,52 10,13 11,33 6-Lagoa 29 5,90 10,07 7,40 9,94 8-Tijuca 85 17,31 6,54 5,17 6,05 9-Vila Isabel 61 12,42 5,75 7,40 8,52 13-Méier 63 12,83 7,32 8,92 9,40 16-Jacarepaguá 50 10,18 9,54 7,19 5,36 24-Barra da Tijuca 36 7,33 1,18 6,79 10,68 Total 460 93,68 71,38 62,73 73,48

*Total de fluxos na cidade = 491.

Fonte: Faria (1997).

O padrão segregacionista do espaço re-sidencial é produzido pela maior oumenor capacidade que os indivíduos/famílias de diferentes rendimentos têmde se apropriar das externalidades doespaço urbano.

Do ponto de vista dos neoclássicos,as externalidades (positivas) de uma lo-

calização são obtidas seguindo a doutri-na do “melhor e maior uso”, que leva osindivíduos a uma maximização das suasfunções utilidades, ou seja, ter acesso àsmelhores terras em termos de acessibili-dade. Só obterá a melhor localização (ademanda por terra na teoria neoclássicaé uma demanda por habitação) quemoferecer o maior valor ao proprietário

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142 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

da terra, como num leilão. Assim, osricos, por oferecerem lances mais altos,terão acesso às áreas cujos atributos so-ciais e físicos (externalidades) lhes sejammais relevantes.

A segregação será associada às dife-renças entre as rendas dos indivíduos eàs elasticidades-renda da demanda porterra, densidade, vizinhança etc. Segun-do Smolka (1983):

“ A existência de áreas onde predo-minam habitações deterioradas,bem como a localização periféricaou central de comunidades debaixa ou alta renda, ou qualqueroutro padrão, são todos interpre-tados (ou descritos) como resultan-tes da interação de preferênciasparametrizadas pela renda, numcontexto de dada escassez de ter-renos urbanos e outros pressupos-tos usuais da análise neoclássica.Assim, para um dado nível derenda ou grupos sócio-econômi-cos, a determinação de seu modode vida urbano é reduzido em últi-ma análise a uma confrontação deutilidades no mercado. Nestemodo o pensamento é verdadei-ramente imbatível! ”

No entanto, o argumento neoclás-sico, baseado na perfeita informação, nomercado livre, nos produtos homogê-neos, desconsidera que a terra, por seruma “mercadoria” escassa, é objeto de

competição, uma competição monopo-lista, em que se pressupõe a oferta deprodutos diferenciados, com preços eacesso diferenciados.

Como descrito anteriormente, a ino-vação/diferenciação da moradia é a es-tratégia usada pelo capitalista imobiliárioem busca de valorização de seus capitais.Essa inovação não apenas se refere aosatributos do imóvel em si, mas tambémaltera o padrão de ocupação de todauma área, valorizando-a em relação àsoutras áreas da cidade.

Essas estratégias se traduzem em ex-ternalidades, que são incorporadas aovalor dos imóveis. Nesse caso, a segrega-ção é definida pelo acesso diferenciadodas famílias com diferentes rendimentosàs externalidades “criadas” pelos capita-listas imobiliários, ajudados pelo Estado,que provê a infra-estrutura e os equipa-mentos coletivos, aumentando assim osganhos de incorporação.

Cabe agora analisarmos a Tabela 6,que indica o percentual de entrada, desaída e de permanência das faixas derenda nas principais RA’s, no sentido deidentificarmos alterações no perfil so-cioeconômico de seus moradores e ten-tarmos relacionar essas alterações como ciclo de vida dessas áreas. Para tal,vamos fazer uma análise por RA e veri-ficar as articulações existentes entre adinâmica imobiliária e a mobilidade resi-dencial intra-urbana.

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143Teresa Cristina Faria

RA 4 - BOTAFOGO

Embora tenha ocorrido um certoequilíbrio entre os que ficaram e os quesaíram da RA na faixa > 10 SM, o per-centual dos que foram “expulsos” émaior do que o dos que se dirigirampara a RA, no período analisado. Decerto modo, confirma-se a tendência dedegradação da RA, principalmente emrelação ao bairro de Botafogo, que vemapresentando alterações de uso dos imó-veis residenciais, que passam a ser ocu-pados por microempresas e serviços 9,alterando a composição social da área.A tendência à degradação é reafirmadapela possibilidade de atração de famíliasna faixa de renda de 5 a 10 SM, abaixoda média de rendimentos dos chefes defamília da RA, em torno de 12,2 SM.

Tabela 6 - Percentual dos fluxos de entrada, de saída e de permanência das classes de renda pelas RA's

Expulsão Atração Permanência RA

1-5 SM 5-10 SM >10 SM 1-5 SM 5-10 SM >10 SM 1-5 SM 5-10 SM >10 SM

4 5,9 17,6 76,5 0,0 30,7 69,3 0,0 24,0 76,0

5 0,0 11,8 88,2 0,0 0,0 100,0 9,1 9,1 81,8

8 0,0 33,3 66,7 9,1 9,1 81,8 15,0 5,0 80,0

9 8,3 8,3 83,3 0,0 20,0 80,0 7,7 53,8 38,5

13 60,0 20,0 20,0 25,0 25,0 50,0 27,8 5,5 66,7

16 9,1 27,2 63,6 7,7 23,1 69,2 16,7 38,9 64,4

24 50,0 50,0 0,0 0,0 5,4 84,6 12,5 0,0 87,5

Fonte: Faria (1997).

Como mostra a Tabela 6, o percentualde famílias que entraram na RA na faixade 5-10 SM é superior ao das que saí-ram da RA nessa mesma faixa. Apesardisso, a RA ainda mantém suas caracte-rísticas de área da zona sul, expulsandoo segmento na faixa até 5 SM.

RA 5 - COPACABANA

A RA se manteve estável quanto àalteração no perfil socioeconômico dasfamílias. No entanto, há que ressaltar aestagnação no ciclo de vida da área.Assim como na RA de Botafogo, a taxade crescimento geométrico de domicíliosentre 1980/91 é muito baixa. Na RA deCopacabana ela é negativa (- 1,4%), nade Botafogo ficou em 0,9%. 10 Além

9 Esse aspecto é evidenciado pelo aumento da participação de imóveis comerciais na RA deBotafogo nas transações imobiliárias na cidade, passando de 2,56%, no início dos anos 70,para 3,53%, no início dos anos 80. Em 1990 esse percentual atingiu 6,68% das transaçõescom imóveis comerciais na cidade.

10 Dados do Censo do IBGE/91.

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144 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

disso, o bairro de Copacabana é o mais“democrático” da cidade. Graças à diver-sidade de tipologias habitacionais, ondecoberturas duplex de até 800 m2 convi-vem com 31.133 conjugados e famíliasde classe de renda baixa convivem comfamílias de renda alta. Não deixa de serinteressante, também, o fato de que62,0% das famílias que permaneceramno bairro de Copacabana moravam emimóveis alugados ou cedidos.

RA 8 - TIJUCA e RA 9 - VILA ISABEL

A renda média do chefe de famíliaresidente na RA 8 é de 10 SM, e estãonessa faixa de renda as famílias que paralá se dirigiram, mantendo um equilíbrionos fluxos de fora e nos intra-RA. Essasduas RA’s vêm reafirmando sua condi-ção de receptoras da classe média alta,demonstrada pela alta participação nastransações imobiliárias das faixas derenda acima de 10 SM. Destaca-se a altaporcentagem das famílias na faixa de 5a 10 SM que foram “expulsas” da RA 8em relação à das que foram atraídasnessa mesma faixa de renda. A RA 9,no entanto, vem sendo objeto de inves-timentos do capital imobiliário, no sen-tido de atrair uma população de maiorrenda.

RA 13 - MÉIER

O perfil dos moradores dessa RA vemse alterando devido às mudanças naestrutura urbana. Como mostram osdados, das famílias que saíram da RA,60,0% estavam na faixa de 1 a 5 SM de

rendimento, e das que nela entraram,50,0% tinham rendimento acima de 10SM. Podemos assim observar uma certaelitização da área, principalmente nobairro do Méier, de mais alta renda daRA (8 SM), que responde por 57,0% dastransações ocorridas na RA, no períodopesquisado. Pode-se dizer que a RA 13,apesar de ser heterogênea quanto aoperfil socioeconômico de seus mora-dores, vem apresentando um processode segregação bastante significativo, coma elitização dos bairros do Engenho deDentro, do Lins e especialmente doMéier.

RA 16 - JACAREPAGUÁ

A RA 16 e a RA 13 – Méier, apesarde se diferenciarem quanto aos aspectosfísicos naturais, apresentam semelhan-ças hoje em dia: ambas estão em proces-so de transição do ciclo de vida, sendoobjeto de investimentos imobiliários quevêm alterando a composição de seu esto-que residencial. Na RA 16 essa alteraçãoé mais recente.

No final da década de 60, o per-centual de transações com apartamen-tos na RA 13 era de 60,7% e o de casas,de 39,3%. Na RA 16, no mesmo perío-do, esses percentuais eram de 19,2% e80,8% respectivamente. No início dadécada de 90, a RA 16 superou a RA13 nas transações com apartamentos:enquanto nesta o percentual desse tipode transação é de aproximadamente89,9% e o de transação com casas, de10,9%, naquela são de 91,0% e de9,0% respectivamente. Esse processo de

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145Teresa Cristina Faria

crescimento nos investimentos e, porconseguinte, a alteração do ciclo de vidada RA de Jacarepaguá devem ser cre-ditados à grande quantidade de terrasdisponíveis ainda existentes e à sua con-tigüidade com a Barra da Tijuca. Comoos investimentos estão concentrados emalguns bairros, como o da Freguesia e oda Pechincha, a RA 16, do mesmomodo que a RA 13 - Méier, vem apre-sentando diferenças intra-RA quanto aoperfil de seu estoque residencial e aoperfil socioeconômico de seus morado-res. Isso evidentemente demonstra queo ciclo de vida da área ainda não secompletou. No entanto, já se observaum processo de segregação residencialem curso, constatado pelo aumento darenda média do chefe de família dosbairros da Pechincha (7,1 SM), da Fre-guesia (8,2 SM) e de Gardênia Azul, emrelação à renda média da RA, em tornode 5,2 SM.

RA 24 - BARRA DA TIJUCA

A RA 24, embora também seja umaárea de expansão imobiliária por exce-lência, como a RA 16 - Jacarepaguá,apresenta diferenças em relação a estaquanto ao tipo de investimento imobiliá-rio. Na RA 16, apesar da ocupação re-cente, já predominava uma populaçãode renda média baixa, o que de certaforma orientou os capitalistas imobiliá-rios no sentido de uma alteraçãogradual do padrão de ocupação. Assim,eles atuaram de forma diferenciada emdeterminadas áreas, reproduzindo emalgumas delas o mesmo padrão consoli-dado na zona sul e lançando em outras

os condomínios fechados similares aosda Barra. A RA 24 não alterou nenhumpadrão de uso do solo pretérito, poisera um conjunto de glebas e grandesterrenos urbanos. De fato, ela foi objetoda dinâmica da produção imobiliáriaempreendida pelos capitalistas em buscade um “mark-up” urbano, que utiliza-ram o marketing do “Venha morar ondevocê gostaria de passar suas férias”, como objetivo de atrair famílias de renda alta.

Os condomínios fechados da Barrada Tijuca tornaram-se uma opção alter-nativa para as classes mais abastadas, que“compraram” a idéia de lugar ideal, apra-zível e seguro. Os resultados apresentadosna Tabela 6 são esclarecedores, ao revela-rem a expressiva expulsão de famíliascom renda até 10 SM (das que saíramda RA, 50,0% estão na faixa de 1 a 5SM e 50,0%, na de 5 a 10 SM), em con-traposição à concentração de famíliascom renda acima de 10 SM que se muda-ram para a RA (84,6%) e à de famíliasque nela permaneceram (87,5%).

Os resultados analisados parecemindicar uma estreita relação entre astransformações ocorridas ou em proces-so, em determinadas áreas da cidade, ea ratificação e/ou produção da segrega-ção residencial. A produção da segre-gação é creditada à capacidade queindivíduos/famílias de diferentes faixas derenda têm de competir pelo(a) melhorimóvel/localização no mercado imobi-liário residencial, que, por sua vez, setornam mais ou menos acessíveis paraas famílias devido à valorização “orques-trada” pelas estratégias capitalistas. Mos-tramos na Tabela 7 os movimentos de

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146 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

“reacomodação” das diferentes classes derenda no espaço, a partir da análise dadireção dos fluxos: se esses foram para

áreas melhores/piores/iguais a suas áreasde origem, em relação ao tipo (renda)da vizinhança.

Tabela 7 - Percentual de fluxos ascendentes, descendentes e similares em relação ao bairro anterior, por classe de renda

Renda Fluxo ascendente

Fluxo descendente

Fluxo p/ área similar Total

1-5 SM 5,5 22,2 72,2 100,0 5-10 SM 17,6 14,1 68,3 100,0 > 10 SM 27,2 14,1 58,7 100,0

Fonte: Faria (1997).

Os dados apontam para uma seg-mentação espacial em termos de classede renda, revelada pela predominânciados fluxos para áreas cuja renda médiado chefe de domicílio é compatível coma do migrante.

Em relação aos fluxos ascendentesou descendentes, a classe de renda até5 SM apresenta um maior percentualde fluxos descendentes do que as classesde renda mais alta. Nesse aspecto, aclasse de renda > 10 SM tem percentualsuperior nos fluxos ascendentes. Essefato poderá ser comparado aos resul-tados da análise da Tabela 6, em queavaliamos o processo da segregação resi-dencial através dos fluxos das diferentesclasses de renda pelas RA’s mais impor-tantes.

O percentual dos fluxos para outrasRA’s de famílias com renda até 5 SM ésuperior ao percentual de famílias quese dirigiram para essas RA’s, ou seja, al-

gumas RA’s expulsaram mais famíliascom renda até 5 SM do que atraíram.Isso demonstra um movimento gradualde segregação residencial, considerandoque o fenômeno é evidenciado nas RA’sque estão em processo de mudança dociclo de vida da área (RA’s 9, 13, 16 e24) e estão sendo valorizadas pelos in-vestimentos do capital imobiliário, quepara elas atraem uma população demaior renda.

Nas classes de renda de 5-10 SM e> 10 SM, predominam os fluxos ascen-dentes, ou seja, que se dirigem paraáreas mais valorizadas do que as de ori-gem desses migrantes. De modo geral,conforme a Tabela 7, a predominânciados fluxos para área similar serve parareafirmar a segmentação social e ratificara segregação residencial na cidade.

Observe-se que a relação atração/expulsão/permanência, para todas asfaixas de renda, mas principalmente

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147Teresa Cristina Faria

para a de renda superior a 10 SM, éproporcional ao estágio do ciclo de vidadas áreas analisadas. Áreas que vêm al-terando o seu ciclo de vida valorizam-se e atraem uma população de rendasuperior à de seus moradores originais.Áreas estagnadas e/ou desvalorizadasem relação às novas frentes de atuaçãodo capital imobiliário apresentam altastaxas de expulsão das classes de rendamais alta.

Por outro lado, essa visão do indiví-duo que age dentro de uma racionalida-de econômica deve ser atenuada, já queas necessidades e desejos dos indivíduos/famílias também estão associados a seus“estilos de vida”, hábitos e costumes.Nesse aspecto, a vizinhança é valorizadana escolha de localização residencial dasfamílias.

Como observa Castells (1974), oapego ao bairro parece estar mais rela-cionado às relações sociais com os vizi-nhos e à existência de forte identidadecultural. A identidade cultural se expres-sa no conjunto de comportamentoscom respeito à vida social de cada bairroou área, particularmente as relaçõescom vizinhos, parentes e amigos, quese estabelecem ao nível da ajuda mútua,e a participação em associações e ati-vidades comunitárias. Essas relações, noentanto, variam de intensidade segundo“as dimensões e normas culturais inte-riorizadas por diferentes grupos sociais”

(Castells, op. cit., p. 119). A existênciada vizinhança segmentada socialmenteimplicará numa divisão do espaço emrelação à capacidade de percepção dosindivíduos. Áreas menos sujeitas a trans-formações, mais estáveis, tendem a secaracterizar pelo crescimento das rela-ções interpessoais, pois possuem maiorhomogeneidade interna (renda dos mo-radores). Essas relações se dão ao nívelda extensão da integração existenteentre os moradores, em que percebemser semelhantes ou diferentes de seusvizinhos. Procuramos avaliar a percep-ção dos moradores em relação aos seusantigos e novos vizinhos, e o resultadoindica que a maioria considera a suarenda compatível com a de seus antigos(52,4%) e novos (56,7%) vizinhos 11.

A tendência observada em váriascorrentes de pensamento sobre localiza-ção residencial é que os indivíduos pro-curam localizar-se em áreas onde vivemseus “iguais” (indivíduos com mesmarenda, raça, cultura). Essa tendênciapode ter enfoques diferentes, mas o re-sultado é um só: numa cidade segre-gada, a chegada de uns provoca a saídade outros, como nos modelos de segre-gação de Schelling (1971), de Davies(1984), de Rose-Ackerman (1977), deHoyt (1939) , entre outros 12. No entan-to, mais do que tentar encontrar o “seu”lugar no espaço residencial da cidade,os indivíduos/famílias pretendem usu-fruir esse espaço. Se a escolha da vizi-

11 Para esses dados foram feitas as seguintes perguntas aos migrantes: “Você considera suarenda (1) menor (2) maior ou (3) igual à de sua vizinhança anterior?” e “Você acha que vaipara um bairro cuja vizinhança tem renda (1) menor (2) maior ou (3) igual à sua?”

12 Ver Abramo (1994).

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148 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

nhança tem um papel preponderantena decisão do migrante residencial intra-urbano, é porque ela se compõe de umconjunto de atributos, como a aparênciaestética (estado de conservação dos imó-veis, qualidade das novas construções);a qualidade de vida do bairro (seguran-ça, ausência de barulho, poluição), aacessibilidade (ao trabalho, ao lazer, ao

comércio, às escolas), que terão maiorou menor importância dependendo dotipo (renda e condição de ocupação doimóvel anterior) de família. Assim, con-cordamos com Abramo (1994) quandoele diz que será o princípio das externa-lidades de vizinhança que guiará as es-colhas de localização residencial dosindivíduos.

As estratégias de localização residencial

Voltamos agora às hipóteses anterior-mente formuladas sobre a tendência dosfluxos de curta distância. De acordo comos resultados encontrados, podemosconcluir que, aliada ao aspecto da se-gregação residencial, a última hipóteseparece ser a que se impõe. A satisfaçãodas necessidades/desejos dos indivíduos/famílias está intrinsicamente relacionadaàs mudanças ocorridas em suas própriascaracterísticas (renda, posição no ciclode vida familiar, condição de ocupaçãodo atual imóvel) e/ou nas de seu am-biente (ciclo de vida das áreas). Nãoocorrendo mudanças significativas (ex-ternalidades de vizinhança) na área deorigem que gerem insatisfações com olugar, as famílias poderão optar por nelapermanecer, desde que encontrem imó-vel com as características pretendidas/adequadas. De acordo com esse raciocí-nio, poderíamos supor a priori que amobilidade residencial estivesse associa-da ao imóvel e não à localização.

De fato, considerando que uma dasestratégias dos capitais imobiliários é ainovação do produto moradia, cujo obje-tivo é diferençá-lo para atrair uma de-manda solvável, os capitalistas imobiliáriostomariam suas decisões de investimentoconfrontando o estoque presente comuma visão virtual sobre as suas caracte-rísticas futuras, através da noção deconvenção urbana 13, que traz em seuconceito uma certa proposição de exter-nalidades de vizinhança. As inovaçõesespaciais se traduziriam na reproduçãodessas externalidades de um lugar conhe-cido para outro desconhecido. Assim, aoproporem uma inovação no produtomoradia, seja no aumento da área útilconstruída, seja na introdução de novaspráticas habitacionais (varandas nosapartamentos, por ex.), os capitais indu-zem o deslocamento das famílias demaior renda, alterando assim a compo-sição social da área. Além disso, existeum consenso em vários estudos de que

13 Ver Abramo (1994).

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149Teresa Cristina Faria

a localização da residência é geralmentemenos importante do que as característi-cas do imóvel em si. 14

No entanto, seria demasiadamenteprecipitado de nossa parte afirmarmosque fator (a localização ou o imóvel)seria preponderante na preferência domigrante, a ponto de definir sua deci-são de localização final. Colaborandopara a corroboração de nossas hipóte-ses iniciais, a direção dos fluxos residen-ciais intra-urbanos, baseados nasdecisões de localização dos indivíduos/famílias, responde a lógicas e critériosdistintos, de acordo com a renda domigrante e com a sua condição de ocu-pação no endereço anterior, ou seja, semorava em imóvel próprio ou alugado.

Simmons (1968) assinala que emgeral os aspectos mais importantes rela-cionados à localização seriam os relati-vos ao ambiente social (proximidade deparentes e amigos, áreas de lazer, mar,entre outros) e ao acesso a serviços elocal de trabalho. A acessibilidade, en-tretanto, assumiria diferentes graus deimportância, dependendo do tipo defamília (renda), como propôs Alonso(1964). A Tabela 8 nos ajudará a eluci-dar essas proposições.

Ela mostra que a mudança dos jáproprietários e antigos inquilinos perten-

centes às três classes de renda não im-plicou aumento/redução no gasto comtransporte do novo local ao do trabalho.A análise dos fluxos realizados pelos pro-prietários revela que 59,4% se dirigema outras RA’s; já os antigos inquilinos rea-lizaram a maior parte de suas mudançasde residência no próprio bairro (53,7%).Esse aspecto, em relação aos ex-inqui-linos, pode ser explicado pela predomi-nância dos fluxos de curta distância, quenão acarretam grandes alterações nopercurso casa-trabalho. Poderíamos,então, concluir que os fluxos de curtadistância seriam uma estratégia dessesegmento para não alterar seus gastoscom transporte?

Para os proprietários, os custos comtransporte assumem menor importân-cia. Pressupondo-se que esse segmentopossua renda superior à dos novos pro-prietários 15, as despesas com transportesão um bem inferior, como propôsAlonso (op. cit.), portanto é indiferentese elas aumentam ou diminuem. Oequilíbrio residencial dos proprietáriosé obtido quando se dirigem para melho-res localizações e/ou melhores/maioresresidências. E nesse ponto, o modelo deequilíbrio residencial neoclássico éexemplar, ao afirmar que a quantidadede espaço constitui uma variável impor-tante da configuração do equilíbrio resi-dencial.

14 Simmons (1968) faz uma revisão dos vários estudos sobre mobilidade residencial, com oobjetivo de apontar tendências e padrões nos deslocamentos intra-urbanos. A conclusãoacerca da predominância do fator imóvel sobre a localização no processo de decisão dosindivíduos, na maioria dos estudos internacionais, deve-se, a meu ver, à ênfase dada nessesestudos aos acontecimentos demográficos (ciclo de vida familiar) como determinantes datroca de residência.

15 Dos entrevistados com renda > 10 SM, 43,9% eram proprietários que trocaram de imóvel e34,7% eram antigos inquilinos.

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150 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

Tabela 8 - Percentual da relação entre os atributos acabamento, tamanho, localização e gasto com transporte dos imóveis adquirido e anterior, por classe de renda e condição de ocupação

Percentual dos migrantes proprietários do imóvel anterior

Renda 1-5 SM Acabamento Tamanho Localização* Gasto com transporte

Em branco 12,5 25,0 12,5 12,5 Maior/Melhor 50,0 50,0 37,5 12,5 Pior/Menor 12,5 25,0 25,0 25,0 Igual 25,0 0,0 25,0 50,0 Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Renda 5-10 SM Acabamento Tamanho Localização* Gasto com transporte

Em branco 5,0 5,0 10,0 5,0 Maior/Melhor 50,0 60,0 50,0 15,0 Pior/Menor 30,0 25,0 0,0 25,0 Igual 15,0 10,0 40,0 55,0 Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Renda >10 SM Acabamento Tamanho Localização* Gasto com transporte

Em branco 2,3 1,1 2,3 1,1 Maior/Melhor 50,6 62,1 55,2 18,4 Pior/Menor 18,4 26,4 3,4 13,8 Igual 28,7 10,4 39,1 66,7 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 Percentual dos migrantes inquilinos do imóvel anterior

Renda 1-5 SM Acabamento Tamanho Localização* Gasto com transporte

Em branco 20,0 20,0 20,0 16,0 Maior/Melhor 24,0 24,0 28,0 16,0 Pior/Menor 20,0 40,0 20,0 20,0 Igual 36,0 16,0 32,0 48,0 Total 100,0 100,0 100,0 100,0

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151Teresa Cristina Faria

Renda 5-10 SM Acabamento Tamanho Localização* Gasto com transporte

Em branco 19,6 27,8 20,9 19,6 Maior/Melhor 32,6 25,0 27,9 15,2 Pior/Menor 17,4 38,9 9,3 10,9 Igual 30,4 8,3 41,9 54,3 Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Renda >10 SM Acabamento Tamanho Localização* Gasto com transporte

Em branco 13,0 13,0 14,5 14,5 Maior/Melhor 44,9 43,5 21,7 10,1 Pior/Menor 18,8 20,3 15,9 8,7 Igual 23,2 23,4 47,8 66,7 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 * A localização se refere ao tipo de vizinhança (renda).

Fontes : Faria (1997); IPPUR/ITBI/UFRJ – 1995.

Poderíamos também concordar comos ecólogos urbanos, quando afirmamque a melhor localização é aquela distantedo local de trabalho, onde as amenidadesfísicas, tais como baixa densidade, au-sência de poluição e barulho, prestígiodo bairro, ou seja, todos os atributos quedefinem a qualidade do bairro e que irãoinfluenciar na decisão de localização dasfamílias. Enfim, a busca de externalidadesde vizinhança, ligadas às vantagens e des-vantagens de uma localização, será de-terminante na localização residencial dasfamílias, como propõe Abramo (1994).Mas essa busca seria objetivo apenas dosproprietários, ou das classes de maiorrenda?

No primeiro caso, relativo aos pro-prietários, os resultados indicam que amudança de residência para esse seg-

mento do mercado possibilitou uma me-lhora nas características/qualidades doimóvel e de sua localização, observadapara as três classes de renda. Dos pro-prietários que estão trocando suas anti-gas residências, 50,0% o fazem paraimóveis maiores/melhores. Em relaçãoà localização (tipo de vizinhança), com-parada à anterior, 37,5% pertencentesà faixa de renda de 1 a 5 SM; 50,0%, àde 5 a 10 SM; e 55,2%, à > 10 SM,sentiram-se favorecidos. Esse resultadoé confirmado pela análise dos fluxos porbairro dos proprietários em geral, emque 42,0% dos deslocamentos foramfeitos para bairros onde a renda médiados chefes de domicílio é maior do quea similar nos bairros de origem. Os fluxospara bairros de renda média similar àdo bairro de origem somam 38,7%, eos fluxos para bairros de renda média

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152 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

inferior à do bairro de origem, 19,3%.Ou seja, os proprietários tendem a rea-lizar fluxos ascendentes quanto à suarenda.

Abramo (1988) explicita que a deci-são das famílias em adquirir um imóvelnuma determinada área dependerá dosatrativos do imóvel e os de sua locali-zação, em relação às outras áreas dacidade. Os atrativos de uma residência/localização representa a satisfação dasnecessidades/desejos dos indivíduos/famílias, que se modificam no tempo, epoderão estar relacionados ao ciclo devida familiar, à mobilidade social (altera-ções no nível de emprego/salário) e/ouàs alterações na estrutura urbana, princi-palmente no que tange à valorização/desvalorização de determinadas áreasda cidade. Eles poderão ser “naturais”,inerentes a cada área, ou “produzidos”pela atuação dos empreendedores imo-biliários. Essa produção (inovação) é oartifício/estratégia que os capitalistas imo-biliários utilizam para deslocar as famíliasno espaço residencial urbano e se traduzna oferta de residências com todos osseus atributos intrínsecos (forma, tama-nho, conforto etc.) – que implicam emnovos modos de morar e em novos ser-viços de habitação – e extrínsecos (aces-sibilidades que a localização permiteusufruir).

Além do aspecto “utilitário” da resi-dência, que corresponde aos seus valo-res de uso, a inovação é sinônimo devalorização para o proprietário migrante,que já consegue visualizar as alteraçõesna estrutura interna da cidade e, em

conseqüência, na estrutura de preçosimobiliários.

No segundo caso, relativo aos anti-gos inquilinos, a mudança residencialnão proporcionou melhora de localiza-ção, o que se confirmou pela predomi-nância de fluxos para o mesmo bairrorealizados por esse segmento do mer-cado e se comentou anteriormente. Essefato é explicado pela possibilidade deeles estarem abrindo mão de local maisprivilegiado para terem acesso à casaprópria. Ora, dos fluxos realizados pelosnovos proprietários, 56,4% dirigem-separa áreas onde a renda do chefe dedomicílio é igual à similar no bairro deorigem. Os fluxos descendentes, ou seja,para bairros de renda média inferior àdo bairro de origem, somam apenas26,6%, enquanto os ascendentes – quese dirigem para áreas mais valorizadas –chegam a 16,5%.

A decisão dos proprietários de obtermelhores residências/localizações deve-se em grande parte à venda de seus anti-gos imóveis 16, que se transformaram emfundos para a compra de outro imóvel.Assim, “criaram” a oportunidade espera-da pelos outros segmentos do mercado,que se tornaram aptos a adquiri-los,dada a desvalorização monetária do es-toque “rejeitado” pela classe de rendaalta.

O tamanho do imóvel não é tão im-portante para os ex-inquilinos maispobres, que parecem contentar-se comimóvel menor do que o que ocupavamantes, sugerindo de certa forma que

16 Dos proprietários entrevistados, 75,4% venderam seus antigos imóveis.

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153Teresa Cristina Faria

assim o fazem seguindo uma estratégiana qual um imóvel é substituído poroutro melhor/maior e assim sucessiva-mente, através de trajetórias residenciaispela cidade. Ou seja, o equilíbrio resi-dencial do ex-inquilino de baixa rendaé alcançado por etapas 17. O mais impor-tante seria a propriedade do imóvel. Noentanto, para os novos proprietárioscom renda > 10 SM, o tamanho e aqualidade do imóvel são atributos consi-derados essenciais, a ponto de justifica-rem sua aquisição em detrimento deuma melhor localização. A pergunta quese impõe é a seguinte: até onde a rela-

ção ou o “peso” relativo entre a opçãopelo imóvel ou pela localização é frutode uma decisão puramente econômica?Para respondê-la será necessário analisarcom mais detalhes o motivo das mudan-ças de endereço de cada família ou indi-víduo.

No momento, podemos apenas rea-firmar a forte concomitância entre a di-nâmica de deslocamentos residenciais nacidade e a dos investimentos imobiliários,que alteram a estrutura residencial ur-bana atraindo/expulsando os diferentessegmentos populacionais.

17 Poderíamos supor que alguns dos proprietários representados na pesquisa estivessem pas-sando por uma dessas etapas. Isto é, já foram inquilinos e através de trajetórias pela cidademudaram sua condição de ocupação e, conseqüentemente, alteraram seus objetivos.

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154 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

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155Teresa Cristina Faria

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Teresa Cristina Faria é doutorandado Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ

(Recebido para publicação em novembrode 1999)

Brasil: Notas Muito Preliminares”,v. 1, Anais do 7º Encontro Nacionalda ANPUR. Recife - PE, 1997.

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Resenhas

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Donos do Rio em nome do rei: uma história fundiáriada cidade do Rio de JaneiroFania FridmanRio de Janeiro: Jorge Zahar / Garamond1999, 304 p.

Murillo Marx

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 159-160

No próprio subtítulo do novo livro deFania Fridman, uma história fundiária dacidade do Rio de Janeiro, já se pode per-ceber o objetivo da inteligente reuniãodos seis textos muito bem encadeados:contribuir para o preenchimento da la-cuna na historiografia das cidades – emgeral e não apenas as nossas –; o quevem sendo realizado desde muito recen-temente. São três décadas, se tanto, queostentam os esforços mais disseminadospara lançar esse novo veio de interpreta-ção sobre a evolução urbana.

A meia dúzia de capítulos, que searticulam com lógica temática, levantaquestões de apropriação da terra e desuas correlações, desde os tempos co-loniais, com o cotidiano, com a fortepresença da Igreja na vida e na paisa-gem, com os portos de escoamento dosprodutos do interior, com as divisõesterritoriais que se consolidavam e, final-

mente, com a formação do patrimôniopúblico carioca.

Estrategicamente selecionados, oscasos de estudo impressionam pelo crité-rio e pelo número de dados arrolados,tanto dos pontos de vista demográficoe econômico quanto do iconográfico. Orol de fontes e de tabelas, e seus cruza-mentos, assim como as ilustrações apre-sentadas já constituem uma grandecontribuição ao assunto, tendo em vistaa usual pobreza de peças cartográficasou plantas urbanas entre nós e a conhe-cida restrição editorial quanto às repro-duções.

O encadeamento dos capítulos nadescrição, na análise e na interpretaçãodos casos em estudo é sensível à mudan-ça da sociedade, à transformação de seumeio, à História. Acompanha, delineiae esclarece a constituição dos âmbitos

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160 Resenha

privado e público de domínio sobre aterra no campo e na cidade, especial-mente na passagem do campo para acidade. A questão fundiária no Rio deJaneiro apresenta-se muito bem abali-zada em seus diferentes momentos enos respectivos recortes escolhidos.

O fato fundiário atinge decisivamen-te a paisagem, sobretudo a urbana. E ofaz pelo seu rebatimento direto sobre oquadro físico, que é o parcelamento dosolo, a definição das esferas comunaisou públicas, particulares ou privadas, adistinção entre parcelas menos ou maisprivilegiadas no tecido citadino. Apesardisso, o parcelamento do solo tem sidomenosprezado tanto nas propostas deintervenção como nas investigações aca-dêmicas.

O evoluir dessa partilha do solo cos-tuma ser lento, dotado de tremendaforça inercial. Essa partilha, pela fortepresença e pela resistência à mudança,constitui uma das mais usuais “rugosi-dades” do lugar, na expressão de MiltonSantos. De fato, o retalhamento do

chão, para o bem ou para o mal, demaneira menos ou mais explícita, teráum caráter indutor, se não condutor, daevolução posterior de determinada ocu-pação e uso do solo.

Assim, a economista Fania Fridman –além e antes da judiciosa escolha das fon-tes e dados, do rigor metodológico, dapropriedade de suas análises e da profun-didade de suas interpretações –, pormeio da valorização do espaço e da per-cepção de uma sua condicionante pri-mordial, dá sua contribuição à geografia,e por meio de seus questionamentos darealidade, com os olhos conscientes deseu tempo, à história. É essa sensibilidadeinterdisciplinar que a autora revela desobejo em seu Os donos do Rio em nomedo rei.

Murillo Marx é professor titular daFaculdade de Arquitetura e Urbanismoe diretor do Instituto de Estudos Brasi-leiros da Universidade de São Paulo

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As cidades na economia mundialSaskia SassenSão Paulo: Studio Nobel1998, 190 p.(trad. Carlos Eugênio Marcondes de Moura)

Rose Compans

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 161-164

No debate atual sobre o novo papel dascidades em face da globalização financei-ra e da reestruturação produtiva, SaskiaSassen tornou-se uma referência funda-mental com The Global City (1991),obra em que procurou demonstrarcomo a dispersão geográfica da ativida-de econômica ocorrida nos anos 80 –sobretudo a expansão e a internaciona-lização da indústria financeira, com ocrescimento de um grande número demercados financeiros secundários –requereu a centralização das decisões emalguns “sítios de controle específicos”, aschamadas “cidades globais”. Emboraconsidere que apenas três cidades apre-sentam a capacidade de controle globale de produção de inputs especializadosdos quais dependem as instituiçõesfinanceiras que dominam os mercadosmundiais, a autora sugere que a tendên-cia à desconcentração da produçãomanufatureira e de serviços, aliada à

extensão das funções centrais comoconseqüência da necessidade de geren-ciar as unidades descentralizadas, con-tribui para favorecer a criação de centrosregionais secundários, “versões redu-zidas e nacionais do que New York,Londres e Tóquio asseguram em escalamundial”.

Este é o argumento central de AsCidades na Economia Mundial, a partirdo qual Sassen busca aprofundar a análi-se sobre o impacto da globalização naformação de um novo regime econômiconas grandes cidades, não mais circuns-crevendo o fenômeno às cidades globais.Além de incorporar dados mais atualiza-dos sobre a evolução do IED (investi-mento estrangeiro direto) mundial – oque lhe permite inclusive observar que aprivatização foi, desde 1991, um elemen-to crucial para o crescimento do IED naAmérica Latina –, sobre as transfor-

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162 Resenha

mações na estrutura do emprego em di-versos países da OCDE, Japão e Oceania,e alguns estudos de caso sobre cidadestidas como “secundárias” na hierarquiada rede urbana global, Sassen apresentaoutras alternativas para a integração eco-nômica de cidades e regiões aos fluxosdo capital mundializado: as zonas de pro-cessamento de exportação, os centrosbancários offshore e os centros de turismointernacional.

Nas zonas de processamento de ex-portação as empresas produzem e/oureúnem componentes trazidos de outrospaíses para exportar e, em geral, situam-se em países onde os salários são baixos,onde há isenção de impostos e regula-mentações pouco exigentes quanto àscondições dos locais de trabalho (p. 34).Os centros bancários offshore são os cha-mados “paraísos fiscais” que oferecemcertos tipos de flexibilidade adicionalcom relação aos principais centros finan-ceiros internacionais: sigilo, aberturapara operações de depósito e transfe-rência não permitidas na maioria dosmercados, ainda que desregulamen-tados, e minimização da taxação paraas corporações multinacionais (p. 42).Os portos e os distritos industriais cujaprodução se destine à exportação, assimcomo os centros de turismo internacio-nal, também podem, segundo a autora,constituir-se em lugares estratégicos naeconomia global juntamente com as ci-dades globais.

Fora desses “lugares estratégicos”,existiria um vasto território com cidadesde pequeno e grande porte, juntamentecom aldeias, “cada vez mais desligadas

desta nova dinâmica de crescimento in-ternacional” (p. 56). Essa constataçãoconduz Sassen a formular a hipótese deque a globalização estaria contribuindopara aumentar as desigualdades entreas cidades e entre os setores existentesnas cidades que se articulam com a eco-nomia global e os setores em que issonão ocorre. Ela procura sustentar essahipótese analisando particularmente oimpacto dos processos de internaciona-lização sobre a rede urbana na AméricaLatina – que já se caracteriza por umaforte concentração interurbana – e naEuropa, onde os sistemas urbanos sãomais equilibrados.

É interessante notar entretanto que,em relação à América Latina, Sassen nãodispõe da mesma base de dados quan-titativos que lhe proporcionou a análiseprofunda da dinâmica dos mercadosfinanceiros presente em The Global Citye que em grande parte recupera nestelivro. Isso não a impede de se utilizar dosexemplos latino-americanos para dar“cientificidade” às suas assertivas, fun-dando-se mais em determinadas “evidên-cias” que caracterizariam a emergênciade um novo regime econômico nas cida-des. Ela lembra, por exemplo, como au-mentou a importância econômica degrandes centros comerciais como SãoPaulo, Cidade do México e Buenos Airescom a ampliação do IED, via privatizaçãode empresas estatais, associado à desre-gulamentação dos mercados financeirose das instituições econômicas fundamen-tais que se concentram nessas cidades.“Vemos nessas cidades o surgimento decondições que reúnem padrões eviden-tes nas grandes cidades ocidentais: mer-

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163Rose Compans

cados financeiros altamente dinâmicos esetores de serviços especializados; super-valorização do produto, das empresas edos trabalhadores desses setores; e desva-lorização do resto do sistema econô-mico.” (p. 56)

Uma conseqüência da intensificaçãodas relações entre as cidades centrais (in-cluindo São Paulo) através dos merca-dos financeiros, dos investimentos e dosfluxos de serviços, seria a configuraçãode um novo núcleo econômico urbanocomposto por atividades bancárias e poraquelas ligadas à prestação de serviços,refletindo a formação de uma “novaeconomia urbana”. Em que pese o fatode esse setor responder por apenas umafração da economia de uma cidade,Sassen considera que ele se impõe àeconomia mais ampla por sua alta lu-cratividade, o que tem o efeito de des-valorizar as manufaturas, uma vez queelas não podem gerar aqueles imensoslucros que caracterizam boa parte daatividade financeira (p. 76).

Tais tendências também se verifica-riam, em uma diferente ordem de mag-nitude, em escalas geográficas menorese em graus menos elevados de complexi-dade, pois, a exemplo do que ocorrecom as grandes empresas transnacionais,as empresas que operam regionalmen-te, embora não se vejam às voltas comas dificuldades alfandegárias e com asdistintas regulamentações dos países,ainda assim se vêem diante de uma redede operações dispersa, que tambémrequer controles e prestação de serviçoscentralizados. A observância da repro-dução dessa dinâmica na organização

produtiva em diferentes escalas conduzSassen a uma afirmação, aparentementeparadoxal à hipótese dos “lugares estra-tégicos” fora dos quais não haveriagrandes perspectivas de crescimentoeconômico, uma vez “desligados” dosfluxos globais do capital. Com efeito, elaafirma que nos diferentes níveis do siste-ma urbano de uma nação se observa ocrescimento dos serviços à produção nascidades e que, portanto, “algumas dessascidades atendem a mercados regionaisou subnacionais, outras se voltam paraos mercados nacionais e outras satisfa-zem os mercados globais.” (p. 76)

Essa nova economia urbana estariatransformando radicalmente a estruturasocial das próprias cidades, alterando aorganização do trabalho, a distribuiçãodos ganhos e a estrutura do consumo.Infelizmente, apesar de novamente reco-nhecer que tais tendências também sefizeram evidentes em inúmeras grandescidades do mundo “em desenvolvimen-to” que se integraram aos mercadosmundiais, Sassen apresenta como estu-dos de caso que comprovam a emergên-cia dessa “nova economia urbana”apenas as cidades de Miami, Toronto eSidney. Nelas, a autora identifica algunselementos que caracterizariam o desen-volvimento de funções globais na cidade,tais como concentração de escritórios debancos estrangeiros e sedes de empresasmultinacionais, grande crescimento deserviços financeiros e especializados emnegócios internacionais, infra-estrutura detelecomunicações, eixo de sistemas detransportes, como portos e aeroportos,adensamento do centro financeiro etc.(Cap. V).

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164 Resenha

A emergência desse novo regimeeconômico nas cidades, fundado nosetor de finanças e serviços altamenteespecializados, contudo, também serepercutiria no acirramento das desi-gualdades sociais e na tendência à infor-malidade crescente na economia nascidades. Uma combinação de fatores ex-plicaria tal fenômeno, entre os quais omenor prazo de duração dos empregosnesses setores e, conseqüentemente, umelevado grau de rotatividade, que, com-binado à oferta abundante de trabalha-dores qualificados nas cidades, pressionaos salários para baixo; a participaçãocrescente das mulheres e dos imigrantes,muitos dos quais clandestinamente, nastarefas rotineiras, pouco qualificadas esub-remuneradas; a instabilidade e avulnerabilidade próprias desses setores.Sassen fundamenta tais consideraçõesem pesquisas realizadas nos EUA, naEuropa e no Japão, que revelam enor-mes disparidades salariais e precarizaçãonas relações de trabalho no setor de ser-viços (Cap. VI).

Em suma, poderíamos dizer que AsCidades na Economia Mundial, aomesmo tempo que oferece ao leitor umpanorama mais abrangente das transfor-mações econômicas que se configuramatualmente nas grandes cidades sob oimpacto da globalização do que o apre-sentado em The Global City – pelo fatode ampliar o universo da análise no es-forço de teorização –, remete a uma

visão apocalíptica, “fetichizada” da glo-balização, como um fenômeno que seimpõe inexoravelmente a tudo e atodos, alterando comportamentos, ra-cionalidades e instituições. Desprezandoas especifidades históricas e culturais dassociedades reais e não-imaginárias, nomundo desenhado por Sassen não exis-tem resistências, porque não existematores sociais portadores de interessesdifusos e contraditórios, o que lhe facilitaoperar as simplificações analíticas queconduzem à universalização das tendên-cias verificadas nas grandes metrópolesdos países centrais. Por outro lado, nestelivro, embora reforce a tese lançada emThe Global City quanto à tendênciairreversível de internacionalização daseconomias urbanas à medida que o pro-cesso de desconcentração industrial, de“financeirização” da economia e de ex-pansão do comércio internacional deserviços avança, a autora relativiza asinterpretações que se sucederam a essaobra, segundo as quais o único e inexo-rável futuro reservado às cidades seriao de ascender à categoria de “cidadeglobal”1 , desmistificando, assim, o pró-prio paradigma que ajudou a criar.

Rose Compans é doutoranda doInstituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro - IPPUR /UFRJ

1 Interpretação alimentada pela própria autora em várias passagens da referida obra, como a queafirma explicitamente que, “em princípio, toda cidade deveria considerar o desenvolvimentodas telecomunicações como uma prioridade e se esforçar em ter a sua disposição todas asfunções hoje concentradas nas grandes metrópoles, na prática.” (Sassen, 1991, p. 453)

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REVISTA LATINOAMERICA DEESTUDIOS URBANO REGIONALES

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Artículos

ArtículosLas telecomunicaciones y el futuro de las ciudades: derribando mitosStephen GrahamReconversión industrial, gran empresa y efectos territoriales. El caso del sector automotriz enMéxicoJosé A. VieyraReforma de los Mercados de Suelo en Santiago, Chile: efectos sobre los precios de la tierra y lasegregación espacialFrancisco SabatiniChile: la vocación regionalista del gobierno militarSergio BoisierProducción del transporte público en la metrópolis de Buenos Aires. La movilidad ciudadanahacia el nuevo milenioAndrea Gutiérrez

Correspondencia, suscripciones y canje:Revista eure, El Comendador 1916, Casilla 16002, Correo 9, Santiago, Chile.

Código Postal Campus Lo Contador 6640064,Tel.: (56-2) 686 5511, Fax: (56-2) 232 8805,

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Vol. XXV/ N°76/Diciembre 1999

Globalización y dualización en la región metropolitana de Buenos Aires. Grandes inversionesy reestructuración socioterritorial en los años noventa.Pablo CiccolellaSantiago de Chile, globalización y expansión metropolitana: lo que existía sigue existiendoCarlos de MattosLos frutos amargos de la globalización: expansión y reestructuración metropolitana de la ciudadde MéxicoDaniel Hiernaux-NicolásQuão grande é exagerado? Dinâmica populacional, eficiência econômica e qualidade de vida nacidade de São PauloCarlos Roberto AzzoniTendências da Segregação Social em Metrópoles Globais e Desiguais: Paris e Rio de Janeironos anos 80Edmond PreteceilleLuiz Cesar de Queiroz RibeiroGestión de servicios y calidad urbana en la ciudad de Buenos AiresPedro Pirez

REVISTA LATINOAMERICA DEESTUDIOS URBANO REGIONALES

http://www.scielo.clVol. XXV/ N°77/Mayo 2000

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Ex.: Targino, Maria das Graças. Citações biblio-gráficas e notas de rodapé. Ciência e Cultura,São Paulo, v. 38, n. 12, p. 704-780, dez. 1986.

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