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TEATRO TEXTOS & ROTEIROS

A Maldição do Vale Negro

CAIO FERNANDO ABREU LUIZ ARTHUR NUNES

Porto Alegre

1988

Editora Igel

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PEDRO SIMON

Governador do Estado

CARLOS JORGE APPEL

Secretário Executivo

Conselho Estadual de Desenvolvimento Cultural

REGINA ZILBERMAN

Diretora do Instituto Estadual do Livro

1988

INSTITUTO ESTADUAL DO LIVRO

Rua Florêncio Ygartua, 359 — Fone (0512) 32-3603 90.410 — Porto

Alegre — RS

EDITORA IGEL

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94.900 — Distrito Industrial - Cachoeirinha — RS

http://groups.google.com.br/group/digitalsource

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Coordenação editorial

Léa Masina

Editoria

Vera Regina Morganti

Regina Câmara Schmitt

Revisão

Judis Blacher

Léa Masina

Regina Câmara Schmitt

Capa

Gerson Candeloro

Planejamento gráfico

Carmen Lucca

© Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes

FICHA CATALOGRÁFICA

Abreu, Caio Fernando

A maldição do Vale Negro, por Caio Fernando Abreu e Luiz

Arthur Nunes. Porto Alegre, IGEL/IEL, 1988. 72p. (Teatro:

textos & roteiros)

CDU 869.0(816.5)-2

Catalogação elaborada pela Biblioteca Pública do Estado em

24.06.1988

ISBN 85-7063-021-2

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SUMÁRIO

A Maldição do Vale Negro e os outros textos ......................5

Flávio Mainieri

A Pré-história de um Melodrama .........................................13

Luiz Arthur Nunes

A Maldição do Vale Negro ..................................................17

Caio Fernando Abreu Luiz Arthur Nunes

Memória do Espetáculo .......................................................57

Sobre os Autores .................................................................71

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A Maldição do Vale Negro

e os outros textos

Flávio Mainieri

DO GROTESCO E DO SUBLIME

O Século XVIII é marcado por grandes transformações: da

Revolução Industrial, da Revolução Francesa, que expressam as

inquietações do espírito moderno e configuram uma sociedade voltada para

o "bem-estar" da maioria da população, entramos, nos séculos

subseqüentes, numa sociedade de massa. Se os objetivos são atingidos é

outra história mas, em princípio, as modificações sociais se fazem em nome

do povo ("Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, diga ao

povo que fico". "Tudo pelo social"): a vontade do governante se submete à

vontade do povo.

O espírito democratizante invade, também, a área das letras. O

romance se estrutura como forma narrativa a partir do século XVIII, com o

livro impresso. Com a difusão do jornal surge, na França, o "feuilleton-

journal" — romance publicado em capítulos no jornal cotidiano. No teatro,

o melodrama é reconhecido como um gênero dramático.

Essas formas se dirigem não mais a um público cultivado, mas visam

atingir a um público indiferenciado. No caso do romance e do folhetim, o

livro e o jornal se encontram à disposição de quem quiser (e puder)

comprá-los; no caso do melodrama, está à disposição, no "Théâtre de

boulevard", de quem quiser (e puder) se divertir. Pelo público visado, as

formas clássicas são abandonadas, subvertendo-se então o

institucionalizado. Daí a relação com o Grotesco e o Sublime. É no drama

romântico que temos a legitimação "do Grotesco como categoria estética,

em convivência com o Sublime da Arte Clássica" (Nascimento, 1983,

p.106). Estamos caracterizando este período como viabilizador e

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legitimador de formas desviantes, culminando com o "Prefácio de

Cromwell", de Victor Hugo, 1827, que

"resgata o Grotesco da marginalidade a que o ideal clássico de

perfeição, harmonia, equilíbrio, sublimidade o relegou,

concitando os teatrólogos a meditarem sobre as regras e modelos

pré-estabelecidos" (Nascimento, 1983, p.108).

Incorporam-se a vida moderna e os tempos modernos à literatura. O

mundo perfeito (clássico) é substituído pelo mundo contraditório

(moderno), onde coexistem "harmonicamente" o

[pág. 5]

Bem e o Mal, o Belo e o Feio, o Corpo e o Espírito. A vida cotidiana è

fonte de inspiração para a Arte. E o povo se diverte "vendo-se" (ou vendo a

imagem que se faz e que se quer dele), da mesma forma na literatura: o

povo "se lê" no romance, no folhetim.

A valorização de manifestações populares é necessária em

sociedades "democráticas"; o esboço efetuado é extremamente redutor e

não dá conta da complexidade do problema; mas, para um estudo do

melodrama, que foi/é uma forma de teatro popular, não poderíamos deixar

de fazer referência a tais manifestações.

AS CONTRALITERATURAS

Estamos, então, no domínio das contraliteraturas:

"Qualquer texto que não seja entendido e transmitido — num

determinado momento da história — como pertencente à

"literatura". (Mouralis, 1982, p.43).

Pela definição abrangente, é difícil a delimitação do campo deste tipo

de literatura mas, no momento, o que nos interessa é a possibilidade de

incluir o melodrama e o romance no campo das contraliteraturas; conforme

afirmamos anteriormente, tais manifestações constituem formas desviantes,

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se tomamos como referência a Arte. Os novos modos de ficção, desde que

não possuam ancestrais ilustres, são sempre vistos preconceituosamente,

isto é, não são admitidos de imediato no universo das Artes.

Com o passar do tempo, o romance é incorporado à literatura culta,

embora tenhamos a subdivisão romance popular, que modernamente se

transformou em literatura de massa, "best-seller", e não pertencem à

literatura. O drama romântico, tal como é defendido por Victor Hugo,

também é incorporado ao teatro. O melodrama resiste à inclusão; no final

do século XV11I, é reconhecido como um gênero novo, mas não pertence

ao teatro culto — seu público é outro. E mesmo a sua transformação em

novos modos de ficção, em pleno século XX, a saber: a fotonovela, a

radionovela, alguns filmes, a telenovela, ainda não foram incorporados às

Artes; com exceção do cinema, aqui encontramos a mesma subdivisão do

romance: alguns filmes são considerados Arte, outros, comerciais que

seriam os equivalentes à literatura de massa.

Às manifestações de massa atribui-se um caráter alienante, seja pela

visão simplificada do mundo, seja pelo didatismo visando integrar o

indivíduo na ordem social. Em alguns casos, o riso pode ser empregado

como o elemento subvertor da ordem. Citemos um exemplo: a chanchada

no cinema brasileiro, quando se parodia o cinema-divertimento,

identificando-se, então, o elemento desviante. O modelo de cinema é o

americano, o "western", por exemplo: em 1954, temos "Matar ou Correr"

dirigido por Carlos Manga, parodiando "Matar ou Morrer", de 1952,

dirigido por Fred Zinnemann; ou o filme histórico "Nem Sansão nem

Dalila", de 1954, dirigido por Carlos Manga, parodiando "Sansão e Dalila",

de Cecil B. de Mille, de 1949. A referência ao modelo está explícita no

título, que apresenta uma modificação do título original. O público, a partir

da identificação pelo título, já sabia o que ia ver no cinema — um

[pág. 6]

filme pobre, feito com poucos recursos, que era um espelho do Brasil

subdesenvolvido, sobretudo se comparado com o filme original saído dos

estúdios de Hollywood, produto da técnica desenvolvida, tão característica

dos filmes do primeiro mundo. Mas, na nossa tradição ocidental, o riso não

é coisa séria, embora ele possa ser empregado corrosivamente em relação à

ordem institucionalizada. Talvez o riso provoque o medo expresso no

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"venerável Jorge", de O Nome da Rosa, que destrói a parte da Poética, de

Aristóteles, referentes à comédia, pois

"O riso é a fraqueza, a corrupção, a insipidez de nossa carne. É o

folguedo para o camponês, a licença para o embriagado, mesmo a igreja em

sua sabedoria concedeu o momento da festa, do carnaval, da feira, essa

ejaculação diurna que descarrega os humores e retém de outros desejos e de

outras ambições... Mas desse modo o riso permanece coisa vil, defesa para

os simples, mistério dessacralizado para a plebe." (Eco, 1986, p.532).

Mas o riso não é uma característica das contraliteraturas, é antes uma

exceção. Ele é próprio da sátira, da paródia — que são manifestações da

contraliteratura, na maioria dos casos, mas não são a única manifestação.

Examinemos, então, de que forma o antigo romance popular, a antiga

literatura de cordel, o antigo melodrama funcionavam subversivamente em

relação à cultura letrada. Por exemplo, vinculavam um saber e práticas

dificilmente aceitáveis pela Igreja, como a astrologia, a bruxaria, a sedução

amorosa, e ainda os heróis saídos do cotidiano; a tentativa de desvenda-

mento da parte oculta da sociedade e sua comunicação com a realidade

aparente ou a relação existente entre o universo da justiça e o dos

marginais, constituindo "um outro tipo de referências, uma outra cultura,

veiculados para fora das estruturas da tradição letrada." (Mouralis, 1982,

p.56). As mesmas funções desempenham, modernamente, os novos modos

de ficção: a fotonovela; há algum tempo atrás, a radionovela; a ficção

científica; a telenovela; a história em quadrinhos.

Ao lado dos aspectos "subversivos", encontramos os reintegradores,

que nos parecem os mais determinantes: defesa da moral burguesa,

racismo, nacionalismo, condenação dos desvios de comportamento.

Tomando a fotonovela como exemplo, que é dirigida a um público

feminino, identificamos a exaltação das qualidades ditas femininas:

suavidade, doçura, como forma de a heroína conseguir seus objetivos; a

maternidade, aliada ao sofrimento e à dor; o casamento é a meta a ser

atingida, retomando o "E foram felizes para sempre..." dos contos de fada;

o trabalho não é valorizado socialmente, mas é empregado para aumentar o

fascínio do personagem e, muitas vezes, a profissão é um empecilho para a

realização da mulher que só pode acontecer "no amor e para o amor".

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"Todos os conflitos existentes se reduzem a problemas meramente

pessoais. A fotonovela, no Brasil, é um dos modos de ficção mais

difundidos, junto com a telenovela, pois a combinação dos dois elementos

textuais — fotografias e texto escrito — facilita a compreensão do leitor

semi-alfabetizado; não podemos esquecer que ela se dirige à camada de

baixo

[pág. 7]

poder aquisitivo, à diferença da telenovela, que se dirige a um público

heterogêneo. Portanto, é obrigada a incorporar uma visão de mundo mais

"atual".

Em "Sassaricando"(sic), novela de Sílvio de Abreu, da TV Globo, os

personagens interpretados pelas atrizes Irene Ravache e Eva Wilma são

mulheres maduras que "transam" com dois garotos, bem mais jovens,

naturalmente, caracterizando um comportamento desviante em relação à

moral vigente; tanto assim que o filho de Eva Wilma, na novela, não

admite que sua mãe namore o amigo. Identificamos, aqui, um elemento

subversor. Porém, numa telenovela nem tudo é tão simples assim.

"Sassaricando" (sic) é a novela das dezenove horas, que segue a linha

cômica, trabalhando as situações de forma inverossímel, isto é, não existe

uma preocupação de, aparentemente, adequá-las ao cotidiano, tanto que se

permite a um personagem comentar a ação, comparando-a a um

"vaudeville" — pelas entradas e saídas inesperadas, pelas confusões. Isto é,

o que o telespectador vê é uma novela, é ficção. Outro elemento que

possibilita o comportamento desviante é que elas são apresentadas como

"maluquinhas", estão um pouco fora da realidade. Além do mais, os dois

personagens são mulheres que estão à procura de um milionário, mas o

prazer elas encontram ao lado dos jovens. Talvez seja uma forma de

resgatá-las da ambição, ou talvez, no final, o bem/a moral vigente triunfe, e

elas encontrem satisfação junto a senhores de meia-idade: tudo é possível

até o não-resgate de alguns personagens.

MELODRAMA

As colocações anteriores foram uma tentativa de apontar outras

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manifestações que permitissem um alargamento das possíveis leituras de

um melodrama, desde que se relacionem com outros textos. Um texto não

se escreve isoladamente. O que observamos em qualquer prática

significante é esta inter-relação, que poderíamos chamar de

intertextualidade ou, empregando a metáfora do palimpsesto — um texto se

escreve sobre outros textos e, esses textos, ou anteriores ou

contemporâneos, se escondem e se mostram sob o texto em questão. Daí a

necessidade de examinarmos a constelação de textos existentes ao lado do

melodrama. Agora è o momento de ajustarmos o foco sobre o melodrama,

procurando caracterizá-lo como uma manifestação que possui sua própria

autonomia. Quando falamos em autonomia, talvez devêssemos falar em

autonomia relativa, pois o melodrama incorpora características dos outros

textos, assim como os outros textos também se inter-relacionam.

Segundo a etimologia grega, significa drama cantado:

"Consiste en una obra donde la musica interviene en los

momentos más dramáticos para expresar la emoción de un

personaje silencioso." (Pavis, 1980, p.304).

Antes de adquirir as características que permitem identificá-lo como

manifestação popular, alguns aspectos melodramáticos são encontrados nas

tragédias familiares de Eurípedes, segundo Kitto.

[pág. 8]

A Electra, de Euripedes,

"é constituída por um conjunto absolutamente pessoal e privado

de defeitos sem significado universal. É uma Medéia, sem a

tragédia mas com todos os efeitos de Grand Guignol de Medéia;

por outras palavras, uma heroína de melodrama." (Kitto, 1972,

V.II, p.263. Em francês no texto.)

A partir do momento em que a tragédia perde seu significado mais

vasto, quando os atos dos personagens são regidos pela sua subjetividade,

submetendo os acontecimentos à emoção, prendendo o interesse do

espectador a efeitos teatrais, transforma-se em melodrama que, para Kitto,

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é quase sinônimo de romântico. Como já vimos, o drama romântico é

incorporado à literatura culta, enquanto o melodrama pertence à popular,

embora a delimitação dos campos seja difícil de ser estabelecida:

"no século XVIII, o campo teatral se dividiu da seguinte maneira:

por um lado, o teatro que se poderia qualificar de 'cultural'

representado nomeadamente pela Comédia-Francesa e baseado

num repertório, por outro, o teatro da Feira, e, entre ambos, a

Ópera, os Italianos, os jogos teatrais — provérbios, comédias

cantadas, espetáculos de marionetas, teatro de sombras," etc. —

que recusando o academismo e inspirando-se, se necessário, no

jogo cênico do teatro popular, vão renovar a estética teatral e irão

mesmo constituir um novo teatro letrado, como o podemos ver

através dos casos de Marivaux e de Beaumarchais." (Mouralis,

1982, p.50).

O melodrama põe em causa essa repartição:

"Tal como o teatro de feira, o melodrama dirige-se a um público

popular, mas com a diferença de que a sua estética se baseia em

princípios próximos dos que subentendem, na mesma época, o

teatro letrado" (Mouralis, 1982, p.51),

donde a dificuldade em estabelecer os limites. Expressa-se, pois, como o

"grande" teatro. Mouralis aponta a causa desta particularidade nas

modificações ocasionadas pela Revolução — quando a aristocracia se

refugiara no estrangeiro, obrigando aos autores e diretores procurarem um

novo público. O público popular será o traço mais definidor do melodrama,

o que nos permite a aproximação com a cultura de massa: em nome do

povo, simplifica-se tudo.

No programa de A Maldição do Vale Negro, Luiz Arthur Nunes já

aponta as características do melodrama:

"heroínas abnegadas, vilões implacáveis, súbitas revelações,

reconhecimentos, reviravoltas, medalhões ciganos, subterrâneos,

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venenos e punhais, culminando com a punição dos culpados e a

recompensa dos justos"

são os clichês que comporão o texto melodramático. A estrutura narrativa

apresentar-se-á imutável de um texto para outro, o espectador conhece de

antemão o fim da história, o bem triunfará sobre o mal. A divisão

maniqueísta corresponderia à simplificação a que nos referimos

anteriormente, e é interessante salientar, para uma melhor identificação da

ideologia veiculada,

[pág. 9]

que o bem estará sempre do lado da ordem institucionalizada; equivale

dizer, da classe dominante. Apesar, ou melhor, talvez por isto mesmo, de o

melodrama se dirigir ao povo, os valores transmitidos correspondem ao

mundo burguês, dai o caráter didático,

"el melodrama sella el orden burgués, recientemente estabelecido, al

univerzalizar sus conflictos y sus valores y al intentar producir en el

espectador una 'catarsis social' que desalienta toda reflexión o

contestación." (Pavis, 1980, p.305/06).

Identifica-se, mais uma vez, o caráter alienante das manifestações

que se dirigem à massa.

Afirmamos, anteriormente, que o melodrama e o romance popular

tentavam uma aproximação com o "mundo real", na medida em que se

afastavam do "mundo letrado". Ao mesmo tempo, e essa é uma das grandes

contradições da cultura de massa, distanciam-se, seja no tratamento dado

aos aspectos espetaculares do espetáculo, seja no caráter modelado dos

personagens, que se dividem em bons e maus, não apresentando nenhuma

contradição, ou ainda nas situações que se apresentam claramente

delineadas: desgraça ou felicidade absolutas, destino cruel transformando-

se no final, quando a virtude é recompensada. Ocorre também na

localização da ação em

"lugares totalmente irreales y fantásticos (naturaleza salvaje,

castillo, isla, bajos fondos) vehicula abastraciones sociales, oculta

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los conflictos sociales de su época, reduce las contradicciones a

una atmosfera de meado ancestral o de felicidad utópica." (Pavis,

1980, p.305).

Um outro aspecto interessante do melodrama é o seu caráter de

paródia, se relacionado com a tragédia. Conforme colocação anterior, Kitto

identifica na tragédia familiar elementos melodramáticos — quando se

passa do universal para o pessoal. O estreitamento da visão de mundo,

identificado por Kitto, no melodrama é exacerbado. O reconhecimento, a

passagem do ignorar ao conhecer, se dá a cada momento, sendo no meio da

ação sempre fonte de desdita, até o reconhecimento final, quando tudo se

soluciona. A multiplicação dos efeitos teatrais enfatizam os elementos

espetaculares; não esqueçamos que no século XVIII o teatro se teatraliza,

isto é, o texto escrito passa a ser um dos elementos fundadores do

espetáculo, não o seu elemento fundamental.

Que o texto de Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes é um

melodrama, não temos a menor dúvida (nem os autores). Um melodrama

escrito em 1976. É claro que não estamos mais no século XVIII, estamos

no final do século XX — a sociedade "democrática", a qual já nos

referimos, "democratiza-se" cada vez mais — os novos modos de ficção

dirigidos à massa proliferam. Serão eles os informadores do melodrama em

1976, obedecendo às suas raízes populares — a radionovela, a fotonovela, a

telenovela, conforme o programa da peça. No século XVIII ainda se

poderia acreditar numa sociedade democrática, e hoje? Rimos (seriamente)

da nossa "herança cultural" democrática.

Pelo deslocamento no tempo, não estamos frente a um texto original,

no sentido de origem, mas a uma imitação; assim como a tragédia e a

epopéia só foram possíveis, enquanto "original",

[pág. 10]

na antigüidade clássica, o melodrama foi possível nos séculos XVIII e XIX.

O medo, o pavor, no século XX, não se localizam no desconhecimento das

origens, nos subterrâneos, na governanta corcunda, nos senhores-vilões,

nos cães ferozes — estes são pavores infantis que nos fascinam e nos

divertem, e por isso rimos. Mas não riríamos do Césio 137, da Aids, da

política econômica dos nossos ministros. O nosso pavor é o do

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desaparecimento da espécie. O deslocamento temporal nos permite, então,

identificar A Maldição do Vale Negro como uma paródia do melodrama,

isto é, um texto que nos remete a outro(s) texto(s) e chegamos à noção de

intertextualidade, já referida.

Observando o texto de Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes

levando em conta a intertextualidade, vemos que ele não pode ser reduzido

a uma citação, que seria a forma mais simples, nem se enquadra na

intertextualidade restrita: "reescritura de um certo enunciado de uma

passagem hipotextual" (Issacharoff, 1985, p.42), enquadrando-se na

intertextualidade ampla:

"que consiste na retomada de grandes segmentos, mais do que

microelementos, de um hipotexto. Neste caso, a relação que une

as duas peças de teatro situar-se-ia num outro nível, não

puramente textual, que poderia ser temático, actancial e mesmo

visual." (Issacharoff, 1985, p.42).

É interessante ressaltar que A Maldição do Vale Negro não nos

remete a um intertexto específico, na medida em que ele não é a reescritura

de um outro texto, mas de um gênero, ou de uma série de textos que se

inscrevem no gênero melodramático. O intertexto, no caso, seria o

melodrama. Na conceituação de intertextualidade ampla, falamos na

relação de duas peças, a saber: a paródia e o texto parodiado. Todos os

personagens são nossos conhecidos: Rosalinda, a donzela de 19 anos; o

marquês Rafael d'Allençon, um jovem mancebo; Agatha, uma velha

governanta; etc. A situação também já foi vista em algum outro lugar. Mas

o hipotexto (o texto parodiado) não é identificável, solicitando do

leitor/espectador um conhecimento mais geral. Daí Issacharoff afirmar que

"o sistema de hipotexto ausente... destina-se a um público culto, exige uma

atenção mais apurada do espectador." (p.58).

Nos dois exemplos anteriores — "Matar ou Correr" e "Nem Sansão

nem Dalila" —, o hipotexto é claramente identificável; o espectador, para

melhor decifrar o texto, precisaria conhecer somente um texto: o parodiado.

O público do cinema não é tão seleto, sobretudo o da chanchada, como o do

teatro.

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É uma pena, mas deixamos de lado alguns aspectos que tornam A

Maldição do Vale Negro um belo texto: o discurso político-subversivo da

condessa Úrsula de Belmont, uma traidora de sua classe (que nos remete ao

teatro engajado da década de 60); a linguagem arcaica dos personagens,

eivada de adjetivos; o narrador-radiofônico, embora não tenhamos

nenhuma indicação nas rubricas, jamais poderíamos pensar num narrador-

brechtiano (no espetáculo foi usado um narrador em "off", remetendo-nos à

radionovela); o espanhol falado pelos ciganos (a nossa "herança cultural"

das radionovelas, dos dramalhões (no cinema) argentinos e mexicanos);

etc.

[pág. 11]

Com a espátula procuramos remover um pouco da cera que recobria

o pergaminho, à procura de outros textos subjacentes, não num trabalho de

resgate da origem — porque a origem não nos interessa — mas no sentido

de reconhecer "o(s) outro(s)" para conhecer "o eu" = Maldição do Vale

Negro. Este texto se afirma na medida que é perpassado por traços

indeléveis de outros textos (como os da pós-modernidade). Assim, após

tornar aparentes alguns textos subjacentes, desejamos ao leitor um bom

espetáculo.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENTLEY, Eric. Melodrama. In: A experiência viva do teatro. 2ª edição.

Rio de Janeiro, Zahar editores, 1981. pp. 181/200.

CATANI, Afrânio M. e Souza, José I. de Melo. A Chanchada no cinema

brasileiro. São Paulo, Editora brasiliense — Tudo é história-76, 1983.

HUGO, Victor. Do Grotesco e do sublime. São Paulo, Editora Perspectiva

— Coleção Elos, S/D.

ISSACHAROFF, Michel. Le Spectacle du discours. Paris, Librairie José

Corti, 1985.

KITTO, H.D.F. A Tragédia grega. V.II. Coimbra, Armênio Amado —

Editor, Sucessor, 1972.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 3ª edição. São Paulo,

Editora Cultrix, 1982.

MOURALIS, Bernard. As Contraliteraturas. Coimbra, Livraria Almedina,

Page 17: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

1982.

NASCIMENTO, Dalma. O Drama romântico: Jogo do Sublime com o

Grotesco. In: Teatro sempre. Rio de Janeiro, Tempo brasileiro, 72,

Janeiro/Março, 1983. pp. 106/115.

PAVIS, Patrice. Diccionario del teatro. Barcelona, Ediciones Paidós,

1980.

VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Dicionário de teatro. Porto Alegre,

L&PM Editores, 1987.

[pág. 12]

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A pré-história de um melodrama

Luiz Arthur Nunes

Uma arqueologia do processo de criação de A Maldição do Vale

Negro teria de investigar uma infância e uma primeira adolescência vividas

nos anos cinqüenta e inícios da década de sessenta. Nessa época não havia

televisão em Porto Alegre. Eram os rádios days. Eu, de minha parte,

adorava as radionovelas e, de modo especial, os dramalhões cubanos e

mexicanos do "Grande Teatro Colgate-Palmolive", apresentados com o

prefixo musical de "La Golondrina". Não acompanhei o clássico O Direito

de Nascer de Felix Caignet, que aconteceu antes de eu me entender por

gente, mas vibrei intensamente com Uma Voz ao Longe, em que a loira e

aristocrática Bianca apaixonava-se pelo sedutor cigano Wladimir. Houve

também Lírios que Nascem no Lodo, em que a feia e doente condessa

Cristina, após ser rejeitada pelo marido, o conde Maurício de Belmont,

sofre um tratamento numa clínica na Suíça e metamorfoseia-se numa

mulher deslumbrante. Fazendo-se passar primeiro pela pastora Maritza e

depois pela enigamática Leonor de Castelfranc, ela consegue despertar uma

paixão irrefreável no marido, que jamais suspeitara de sua verdadeira

identidade. Não é preciso dizer que o final era perfeitamente feliz. Também

me encantavam as novelas nacionais de Ghiaroni, Amaral Gurgel, Ivani

Ribeiro e Janete Clair, sem falar nas locais de Roberto Lys, pseudônimo do

radialista gaúcho Érico Kramer (que, imagino, deve ser também um

pseudônimo). A esses nomes de personagens e de autores, cuja simples

sonoridade já tinham um poder de fascínio sobre minha imaginação, vieram

juntar-se centenas de outros nomes das histórias em quadrinhos românticas,

desenhadas ou em forma de fotonovela (as melhores eram as italianas), das

revistas Grande Otelo e Capricho. Leitor voraz, eu devorava tudo sem

nenhum critério: os folhetins de oitocentas páginas tipo As Doidas de Paris

ou A Toutinegra do Moinho (os autores, se não me falha a memória, eram

Perez Escrich e Xavier de Montépin, novamente os nomes encantatórios), a

literatura de aventuras (Michel Zevaco, Rafael Sabatini, H. Ridder Haggard

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— ah, os inesquecíveis Pardaillans, Ella, a Feiticeira, As Minas do Rei

Salomão, Capitão Blood, o Pimpinela Escarlate — sem falar nos vários

volumes do Tarzan de Edgar Rice Burroughs, que eu lia três, quatro vezes),

os romances de amor de minha mãe e minhas tias, da Coleção Rosa e da

Biblioteca das Moças (Madame Delly, Elinor Glyn, Max du Veuzit) e os

romances policiais de meu pai, da Coleção Vampiro e da Coleção Amarela,

com os clássicos de Edgar Wallace e os Fu-Manchus e Sumurus de Sax

Rohmer. A tudo isso eu acrescentei, à medida que o gosto se "aprimorava",

[pág. 13]

a ficção do romantismo, desde As Minas de Prata de José de Alencar até os

Miseráveis de Victor Hugo.

Não sei exatamente o que o meu colaborador na autoria d'A

Maldição do Vale Negro, o Caio Fernando Abreu, leu nos seus verdes anos.

Mas imagino que tenha sido mais ou menos a mesma coisa que eu. E sei

que ele também escutava muita novela de rádio e ainda levava uma

vantagem sobre mim: no interior — ele é de Santiago do Boqueirão — teve

a chance de assistir aos melodramas do circo-teatro. Nós dois fomos

parelhos, entretanto, na assiduidade ao cinema, para ver tudo o que

Hollywood nos mandava.

Essa, digamos, é a pré-história d'A Maldição do Vale Negro. Nesse

baú da memória Caio e eu nos debruçamos para escrever o texto. A ocasião

surgiu quando, em 1976, ao retornar de um tempo de estudos nos Estados

Unidos, eu dirigi para o Grupo de Teatro Província o espetáculo Sarau das

9 às 11. Eu tinha conhecido o riquíssimo teatro experimental americano dos

anos setenta. Entre suas diversas linhas estéticas, uma havia me marcado

especialmente: a do "teatro do ridículo", defendida com brilhantismo pela

Ridiculous Theatrical Company, sob a direção de Charles Ludlam. A tônica

da companhia era a paródia dos gêneros: os vários tipos de melodrama, o

vaudeville, a ópera wagneriana, a própria vanguarda teatral novaiorquina,

etc. O estilo era propositalmente amadorístico, carregado, artificial, visando

basicamente o comentário satírico de certos clichês e cacoetes da nossa

tradição cultural, principalmente dentro do teatro e da literatura. Além de

textos de sua autoria, Ludlam atacava diretamente também clássicos como

Page 20: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

A Dama das Camélias ou Hedda Gabler ou a Salambô de Flaubert, sempre

com ele, é claro, nos papéis-título.

Pois eu estava com a cabeça cheia do humor anárquico do pessoal do

Ridiculous (com o qual eu havia inclusive trabalhado num workshop de um

mês num festival de teatro), quando me propus montar o Sarau das 9 às 11.

O Sarau era, na verdade, um "shopping center" das tendências da

vanguarda americana. Espetáculo composto de quadros independentes, em

cada um deles eu exercitava uma linha de trabalho. O último quadro era

para ser uma paródia de melodrama. Caio, que também atuava na

montagem, e eu pusemos mãos à obra. Inventamos juntos a história, a

trama — ingrediente fundamental na estrutura melodramática — no regime

da explosão de idéias. Colocamos no mesmo saco todos os clichês que nos

vieram à cabeça, a partir de um motivo básico chupado não sei se de Delly

ou de quem: a da louca secretamente encarcerada nos subterrâneos do

castelo, cujos gritos sinistros se ouvem no meio da noite. Combinamos o

argumento nos seus mínimos detalhes, cada um foi para o seu lado escrever

um pedaço e depois voltamos a nos reunir para mostrar um ao outro o

material criado e fazer os necessários ajustes. Como se tratava de

compactar uma história crivada de reviravoltas e lances espetaculares em

menos de meia hora de teatro, lançamos mão do recursos da voz gravada de

um narrador para descrições, criação de atmosfera e mesmo para o relato de

peripécias que não havia tempo de desenvolver dramaticamente. Além do

quê, a narração gravada lembrava demais o estilo das novelas de rádio.

[pág. 14]

A montagem do Província era feita com os parcos recursos do teatro

portoalegrense da época. Cenário e figurinos meio enjambrados, mas muita,

muita garra na atuação. A forma dos atores interpretarem não seguia à risca

a linha estradulada do Ridiculous. Em vez de crítica imediata através da

distorção de um estilo já distorcido, busquei uma crítica em segunda

instância: atingir a comicidade por meio de uma fidelidade total aos

cânones do gênero, permanecendo nos seus limites. Não são eles já de per

si exagerados, afetados, démodés? Julguei que montar um melodrama

comme il faut bastava para chamar a atenção para a extravagância, o

absurdo da forma. Acertei. A reação da platéia foi estrondosa.

Page 21: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

No Sarau, A Maldição do Vale Negro era apenas um momento entre

outros. Seu sucesso, porém, foi tamanho, que ficou sempre aquela

impressão de que a cena de meia hora merecia ser desenvolvida a ponto de

transformar-se numa peça teatral completa. A oportunidade surgiu dez anos

mais tarde, quando fui convidado a dirigir uma montagem para o Teatro

Vivo de Porto Alegre. Durante esse tempo eu havia brincado com o

melodrama, enquanto forma dramática e teatral, em alguns momentos de

outros espetáculos, desses compostos de diversos quadros, que costumava

fazer. Faltava ainda realizar o melodrama completo. O Teatro Vivo me

incentivou a isso Caio Abreu topou com entusiamo. Por telefone e por

correio repartimos as tarefas e nos encontramos numa semana de carnaval

numa São Paulo deserta. A versão de 76 continha nas narrações o embrião

de várias cenas que foram então desenvolvidas. A linha do argumento não

foi alterada em nem um fio de cabelo, mas a ação ganhou novas peripécias,

e certos personagens, como os de Úrsula e do marques Rafael d'Allençon,

foram consideravelmente ampliados. A cena da carta, a ária da loucura, o

confronto dos dois irmãos são inteiramente novos. A cena de cripta, além

de aumentar, ganhou um efeito cômico com as sucessivas oscilações de

Úrsula entre a sanidade e a loucura, suscitando manifestações de

impaciência da cigana Jezebel. Em muitos outros momentos houve

acréscimos e aperfeiçoamento. O vocabulário, o fraseado tornaram-se ainda

mais preciosos. Foi realmente um trabalho a quatro mãos, que atingia

momentos de verdadeira volúpia ao brotarem seqüências de adjetivos como

"opípara, rubicunda e capitosa".

A montagem de 86 foi incomparavelmente melhor produzida em

termos de recursos materiais. Bem cuidados figurinos de época, adereços,

telões pintados, uma trilha sonora requintadíssima. A ficha técnica era

totalmente outra, com exceção de Graça Nunes, bisando sua inesquecível

criação da governanta Agatha, da seleção da trilha musical feita novamente

por Wesley Coll, e da iluminação de João Acyr. Busquei o mesmo efeito a

nível de estilo de representação: fazer o mais possível a sério para alcançar

um ridículo mais sofisticado. Na primeira versão, o espetáculo terminava

com o rock d'A cor do Som, cujo refrão repetia: "Esse mundo não é mais o

mesmo!" enquanto os personagem vivos e mortos saiam de cena em câmara

lenta. Já a segunda versão se encerrava com um quadro vivo de felicidade

Page 22: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

completa sob música triunfal. Dez anos depois, esse final aparentemente

mais feliz, tem, na realidade, para mim um sabor mais amargo. Como se eu

quisesse preservar inteiro, intacto, o mundo não mais possível do

melodrama. Com nostalgia, com carinho até. Só assim a sua terrível

falsidade poderia emergir.

[pág. 15]

[pág. 16] página em branco

[pág. 17] Título

[pág. 18] página em branco

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A Maldição

do

Vale Negro

Page 24: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

PERSONAGENS

Narrador

Agatha, uma velha governanta

Conde Maurício de Belmont, um velho nobre, muito doente

Rosalinda, uma donzela de 19 anos

Marquês Rafael D'Allençon, um jovem mancebo

Condessa Úrsula de Belmont, irmã do Conde e louca

Jezebel, uma cigana

Vassili, um cigano cego

[pág. 19]

[pág. 20] em branco

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CENA I

NARRADOR

Na província de Castelfranc, estende-se um vale coberto por densa floresta

de pinheiros e ciprestes, conhecido pelo nome de Vale Negro. No topo de

uma das montanhas que dominam o vale, ergue-se, imponente, o castelo

dos condes de Belmont, de antiqüíssima linhagem e senhores daquela

região. A nossa história tem início na tarde de 15 de abril do ano da graça

de 1834. Uma chuva miúda e fria cai sobre a terra, paralizando a formosa

primavera, que já por toda parte começava a ostentar os dons fecundos do

seu rico e poético reino. Numa sala do castelo, o velho conde Maurício,

último descendente da estirpe e que, outrora, governara seus domínios com

mão de ferro, dorme um sono entrecortado de gemidos e sobressaltos. A

governanta Agatha, que há muitos anos serve a família, pinga lentamente

algumas gotas de uma tisana escura num cálice de cristal.

AGATHA

Uma... duas., três... quatro... cinco... seis... sete... Acho que é o suficiente

por hoje. (Observa Maurício) Talvez mais uma ou duas... (Pinga mais) ou

três.

MAURÍCIO

(Gemendo) Agatha... sinto-me dolorosamente mal, Agatha... Não vais dar-

me a tisana?

AGATHA

Estava justamente a prepará-la para vós, senhor conde. Aqui está. (Serve-

lhe)

MAURÍCIO

Arre, que sabor repugnante! E se ao menos adiantasse de alguma cousa!

Parece-me, ao contrário, que estou cada vez pior, Agatha... Oh, Senhor, que

cruéis provações ainda me reservará o destino?

[pág. 21]

AGATHA

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Não vos preocupeis demasiado, senhor conde. Deus, na sua infinita

bondade e misericórdia, saberá por certo apiedar-se de vossa desdita.

Vamos, deveis beber a tisana toda. Mais um gole... Assim.

MAURÍCIO

Agatha, onde está Rosalinda?

AGATHA

Ainda não a vi hoje, senhor. Deve andar pelos bosques colhendo frutos e

flores silvestres, como é de seu feitio.

MAURÍCIO

Com este tempo chuvoso?

AGATHA

A chuva parou já faz mais de hora. Temos sol de novo. O senhor conde

quer que eu descerre os reposteiros?

MAURÍCIO

Não, por favor. A luz me molesta. (Suspira) Pobre Rosalinda! Deus permita

que não descubra jamais o hediondo segredo que envolve as suas origens...

Agatha, juras que, se eu morrer, jamais revelarás a verdade a Rosalinda?

AGATHA

Tranqüilizai-vos, senhor. Ela jamais saberá.

CENA II

ROSALINDA

(Entrando com um cesto de palha carregado de flores e frutos) Quem

jamais saberá o quê?

AGATHA

(Friamente) Falávamos sobre os males que afligem vosso padrinho,

Page 27: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

Rosalinda.

MAURÍCIO

Aproxima-te, meu primaveril crisântemo. Que trêfega estás. Então, andavas

pelos bosques?

ROSALINDA

Sim, padrinho. Oh, quando raiou o sol, a natureza toda parecia explodir em

cores inefáveis e perfumes inebriantes. Caminhava pelos montes, entre as

cabras, e pensava em vós, abandonado aqui neste leito. Como deveis

padecer, meu amado benfeitor!

[pág. 22]

MAURÍCIO

(Amargo) Quiçá eu mereça todos estes abomináveis tormentos.

AGATHA

(Seca) Deus sabe o que faz.

ROSALINDA

O que dizeis, Agatha? Todos os camponeses e mineiros do Vale Negro

sabem que não existe fidalgo mais nobre, mais justo e magnânimo que meu

amado padrinho, o conde Maurício de Belmont.

AGATHA

Caluda! (Escutando) Ouvis? A cascata parou.

MAURÍCIO

(Agitado) Não! (Ouvem-se gritos ao longe)

AGATHA

Os gritos novamente.

ROSALINDA

Tenho tanto medo, padrinho. De que sofrida garganta brotam esses brados

Page 28: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

inumanos? E por que a cascata pára?

AGATHA

(Lúgubre) A cascata costuma parar quando algo terrível está para

acontecer. Esta é a maldição do Vale Negro.

MAURÍCIO

Cala-te, Agatha. Não atemorizes nossa linda pequena. (A Rosalinda) Não te

assustes, minha rósea tulipa. É apenas um fenômeno natural, inexplicável

pela ciência dos homens. (Ouvem-selatidos) E quanto aos gritos...

AGATHA

(Cortando) Os cães estão latindo. Deve ter chegado alguém. (Indo à janela)

Cérbero, Belzebu, Astaroth, Asmodeu, Belfegor, Lúcifer, quietos! (Cessam

os latidos. Ouvem-se batidas de aldrava)

MAURÍCIO

Atende, Agatha. (Agatha sai)

ROSALINDA

Quem poderá ser? Oh, padrinho, sinto um aperto no coração. Tenho um

pressentimento...

[pág. 23]

AGATHA

(Anunciando) O marquês Rafael d'Allençon.

CENA III

RAFAEL

(Entrando) Maldição! Esses cães são verdadeiros demônios! (A Maurício)

Por que razão viveis cercado de feras? (Melífluo) Acaso tendes medo que

alguém vos roube esta gentil donzela?

Page 29: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

MAURÍCIO

A maldade no coração dos homens é incalculável, caro marquês. Mas não

precisais temer. Os cães, durante o dia, permanecem acorrentados. Só são

soltos ao anoitecer.

RAFAEL

Folgo em sabê-lo. Para não incorrer no erro de vir visitar-vos à noite. O que

dificilmente aconteceria. (Olhando de soslaio a Rosalinda) A não ser que...

AGATHA

(Levemente irônica) Seria um erro fatal. São animais ferocíssimos, que só

obedecem ao seu tratador, o velho feitor Bonifácio. Seriam capazes de

trucidar qualquer um de nós. Inclusive eu, que os alimento.

RAFAEL

(Estremecendo) Brrrrrrr! Que conversa desagradável!

MAURÍCIO

(Secamente) Abreviêmo-la, pois, senhor marquês. A que devo a honra de

vossa presença aqui em meu tugúrio?

RAFAEL

Assunto particular, caríssimo conde.

MAURÍCIO

Agatha, retira-te. (A Rosalinda) Bálsamo de minh'alma, necessito estar a

sós com o marquês.

ROSALINDA

(De olhos baixos) Vós ordenais, meu padrinho. A mim cabe obedecer.

Com vossa licença, senhor marquês. (Sai com Agatha)

[pág. 24]

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CENA IV

RAFAEL

Não desejo roubar vosso precioso tempo, estimado conde. Outrossim,

quero crer que já não vos resta muito. Devo confessar que pareceis já um

cadáver. E em adiantado estado de putrefação.

MAURÍCIO

Deus, a Virgem e o Espírito Santo são testemunhas de minha desventura.

Ide logo ao cerne da questão. Não tolero vossa presença maligna.

RAFAEL

(Lentamente) A hipoteca vence hoje.

MAURÍCIO

Que dizeis?

RAFAEL

A hipoteca vence hoje. Apenas isso.

MAURÍCIO

(Agitado) Não é possível... Isso é um engodo... Conheço vossas diabólicas

tramas... Por certo adulterastes os papéis...

RAFAEL

Os papéis cá estão em minha algibeira. Não há sombra de fraude neles.

Podeis verificar. (Entrega-os) Parece-me que vossa senil memória anda já a

pregar-vos peça.

MAURÍCIO

(Examinando os papéis) Tendes razão. Oh, Senhor! Inesgotável é a taça de

infortúnios que me fazeis sorver neste vale de lágrimas!

RAFAEL

Sois injusto com o bom Deus, senhor conde. Ao fim e ao cabo, sois vós o

Page 31: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

único responsável por vossas próprias desditas.

MAURÍCIO

Que quereis dizer com isso, biltre dos infernos?

RAFAEL

Ora, caro senhor, apesar de possuir a metade de vossa idade, conheço

bastante bem vosso passado. Acaso esquecestes que vosso companheiro

preferido das noitadas de esbórnia e deboche era, coincidentalmente, o meu

finado pai? (Compungido) Que Deus o tenha!

[pág. 25]

MAURÍCIO

(Amargo) Vosso pai...

RAFAEL

Sim, o velho marquês d'Allençon, de quem, aliás, herdei muitas "virtudes",

como o gosto pelos "prazeres" da vida: a boa mesa, o vinho, as mulheres,

as canções...

MAURÍCIO

Ah, que acerbas recordações vindes me despertar!

RAFAEL

A concupiscência, a devassidão e o vício que levaram o meu progenitor à

loucura e à morte são agora a causa de vossa ruína financeira, senhor

Conde Maurício de Belmont. Ou porventura olvidais que foi sobre o pano

verde que empenhastes toda a vossa fortuna?

MAURÍCIO

(Num arranque) Basta, basta de ressuscitar esses horrendos fantasmas do

passado!

RAFAEL

(Implacável) Não, não basta! Já fui assaz insultado por vós, e não vou

perder a oportunidade de vos dar o merecido troco! Não, senhor conde, não

Page 32: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

podeis negar que estais colhendo hoje o amargo fruto de vossa desenfreada

paixão pelo jogo!

MAURÍCIO

Aquela noute... aquela noute nefasta...

RAFAEL

Ah, vejo que vossa memória começa a reavivar-se. Sim, foi numa "noute

nefasta", como dizeis, há mais de dez anos que, sentado a uma mesa de

truco, com meu pai, após já haver perdido vultosíssima quantia e já

embotado pelos vapores etílicos...

MAURÍCIO

(Cortando, no auge do desespero) Eu não podia, não conseguia parar! Era

mais forte do que eu!

RAFAEL

(Continuando, implacável)... já embotado pelos vapores etílicos, Vossa

Senhoria ofereceu como garantia de sua derradeira aposta, os títulos de suas

propriedades. Todos os bens da ilustre clã dos Belmont hipotecados à não

menos ilustre casa d'Allençon!

[pág. 26]

MAURÍCIO

Ah, Deus de minh'alma! O que me resta fazer agora?

RAFAEL

Se vós tivésseis uma mente... digamos... mais atilada, poderíeis fazer bem

mais do que imaginais em vosso próprio benefício.

MAURÍCIO

Falai logo, canalha! O que mais ainda quereis deste lamentável destroço

humano?

RAFAEL

(Direto) Não sou homem de meias palavras. Quero vossa afilhada.

Page 33: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

MAURÍCIO

(Tomado de cólera) Como vos atreveis? Ficai sabendo que não sois digno

de lamber o chão onde roça a fímbria da saia de Rosalinda. (Tossindo

violentamente) O mais ignóbil dos répteis é mais nobre do que vós. Cederia

a mão de Rosalinda ao mais imundo dos mineiros do Vale Negro, jamais a

vós. Mil vezes a mais negra miséria!

RAFAEL

(Sem se abalar) Então estais completamente arruinado. A escolha é vossa.

Mas... como sou um homem magnânimo, tendes até amanhã, ao meio dia,

para vos retirardes do castelo.

MAURÍCIO

(Tossindo muito, agitadamente) Infâmia! Gozasse eu de alguma saúde e

vos expulsaria daqui a chicotadas, vil cobarde!

ROSALINDA

(Entrando com Agatha) Senhor, que tendes?

MAURÍCIO

Ajuda-me, Agatha, preciso respousar. (Agatha sai, conduzindo Maurício)

ROSALINDA

(A Rafael) O que fizestes a meu padrinho, arrogante mancebo?

CENAV

RAFAEL

Vamos, minha pombinha. Nada fiz a vosso padrinho.

[pág. 27]

ROSALINDA

Mas então por que está ele neste deplorável estado?

Page 34: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

RAFAEL

A vida desregrada que levou, minha flor das montanhas, os ágapes

desenfreados, os muitos crimes que cometeu o corroem por dentro.

ROSALINDA

Crimes? De que falais? Meu padrinho nunca cometeu crime algum.

RAFAEL

Como não? Então não sabeis que hipotecou todas as suas propriedades à

casad'Allençon?

ROSALINDA

Sei-o. Mas isso não é crime. As propriedades pertencem a ele.

RAFAEL

Crime é deixar ao desabrigo uma donzela como vós. A hipoteca vence

justamente hoje.

ROSALINDA

Isso quer dizer que... que...

RAFAEL

(Interrompendo) Que não tendes mais teto que vos abrigue, menina. Nem

vós, nem vosso padrinho, nem a bruxa governanta, nem aqueles cães

demoníacos.

ROSALINDA

Mas não podeis cometer essa vileza. O senhor conde está gravemente

enfermo. Sua morte é questão de meses, como pudestes observar. Oh,

senhor marquês, apiedai-vos de nossa desgraça! Que tendes vós em lugar

de coração? Uma taça de veneno?

RAFAEL

Tudo depende de vós, minha pequena...

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ROSALINDA

De mim? Sabei que tudo faria para amenizar as derradeiras horas de meu

benfeitor.

RAFAEL

Basta que sejais... complacente com este vosso admirador.

[pág. 28]

ROSALINDA

Complacente? Que insinuais? Não vos entendo. Falai claramente, por

misericórdia.

RAFAEL

(Incisivo) Sobre esse assunto não há necessidade de falar claramente.

(Insinuante) Não haverá lugar em vosso coração para um pouco de ternura?

ROSALINDA

(Percebendo) Oh, sim. Agora compreendo o que desejais. (Resoluta,

persignando-se) Está bem. Se isso pode salvar meu benfeitor da ruína,

podeis dispor de meu corpo e de minh'alma como quiserdes, para a

satisfação de vossos brutais prazeres. (Abre os braços resolutamente)

RAFAEL

(Abraçando-a) Sois mais ladina do que aparentais, pequena. Nos menores

frascos, repousam as mais puras essências.

CENA VI

NARRADOR

Alguns meses depois daquele dia em que Rosalinda levou a cabo o

seu gesto de despreendimento e afeto filial, a situação modificou-se

sensivelmente no castelo dos Belmont. O marquês d'Allençon, desistindo

de protestar os títulos da hipoteca, a ameaça da ruína deixara de pender

sobre a família. A atitude do marquês, aliás, sofrerá uma profunda

Page 36: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

transformação. Seu habitual cinismo e arrogância, como num passe de

mágica, cederam lugar a uma cortês solicitude. Rafael passou a visitar mais

amiúde o castelo e, inclusive, a participar das tertúlias e saraus familiares.

Freqüentemente, ele e Rosalinda passavam as calorosas tardes estivais a

percorrer os bosques e pradarias. Voltavam ao castelo ao pôr-do-sol,

carregando braçadas de antúrios, gerânios, crisântemos, hortênsias,

magnólias, petúnias, begônias e miosótis. Entrementes, fatos mui estranhos

continuavam a ocorrer nos sombrios aposentos da mansão dos Belmont.

(Em semi-obscuridade, o Conde Maurício está dormindo, recostado no

sofá, quando entra Úrsula. Roupas rasgadas, desgrenhada, inteiramente

louca. Traz uma boneca nos braços.)

ÚRSULA

(Fala para as paredes, às vezes para si mesma ou para a boneca) — Como

sói ser verde o campo quando o astro-rei principia a tombar no horizonte!

Por um segundo, a natureza inteira se veste de dourado... Vês, filhinha? O

[pág. 29]

verde dos campos sendo mansamente invadido por todo esse esplendor

dourado que brota do arrebol. Que espetáculo redentor para a torturada

visão dos homens! O ouro derramando-se sobre o verde, tingindo o azul do

firmamento. (Estremecendo) Até... até que os besouros começam a cair.

Lentamente, despencam dos céus feito gotas negras de chuva. Vindos do

infinito, qual aranhas viscosas e peçonhentas... E quando caem de costas —

ah, quando um besouro cai de costas, não se levanta nunca mais. (Quase

gritando) Nunca, nunca mais! (Com o grito, Maurício agita-se e geme

dormindo. Úrsula volta-se para ele) Vês, filhinha? É assim que são os

poderosos. Desalmados, impiedosos. Dormem profundamente, confortáveis

como se repousassem sobre um campo de ouro. Indiferentes à queda lenta

dos besouros negros sobre o charco de sua alma manchada pelo sangue dos

inocentes. Alheios à desventura dos oprimidos camponeses que labutam no

fundo lamacento das minas para cobrir de ouro seu medonho latifúndio.

(Vai-se aproximando de Maurício) Mas se todos — ah, se todos unidos

erguessem atrevidos suas sofridas cabeças para gritar não! ao opressor...

Ah, filhinha: como tudo poderia ser diverso desta iniqüidade. Quão ditosa

Page 37: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

seria novamente a pobre corça dos pés quebrados! (Gritando)

Companheiros, uni-vos! Uni-vos para destroçar o maligno! (Segura

Maurício e começa a sacudi-lo violentamente) Este, que se traveste de

benfeitor dos pobres e dos oprimidos! Uni-vos como lobos famintos de

justiça para destroçá-lo em pedaços sangrentos!

MAURÍCIO

(Despertando, estonteado) — Rosalinda, Rosalinda, que aconteceu, minha

cornucópia de água-régia?

ÚRSULA

(Possessa, aos uivos, tentando estrangular Maurício) Somente a morte do

maldito poderá redimir o sangue dos oprimidos!

MAURÍCIO

(Num espasmo) Úrsula, que fazes aqui?

ÚRSULA

Sim, assassino! Apesar dos pés quebrados, a corça ainda pode fugir.

MAURÍCIO

(Tenta levantar-se, Úrsula o empurra. Ele está apavorado. Grita) Agatha!

Agatha, tira esta louca daqui!

ÚRSULA

Tarde demais, corrupto! Como a ave peregrina que mais dia, menos dia,

torna ao ninho — a justiça sempre chega.

[pág. 30]

AGATHA

(Entrando, com um chicote) — Para trás, animal! (Estalando o chicote)

Afasta-te, fera repelente! Ou te reduzirei a pó num estalar de dedos.

ÚRSULA

(Encolhe-se, a boneca cai ao chão, ela tenta inutilmente apanhar) Por

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piedade, não! Minha filhinha! Mata-me, se quiseres. Mas por tudo que há

de mais sagrado, peço-te: poupa o mais puro fruto de meu ventre!

AGATHA

Besta imunda! (Vai chicoteando Úrsula para fora da sala) Retira-te para

teu infecto covil! Foste feita para o aconchego dos ratos, das lacraias e dos

escorpiões — não para o convívio dos seres humanos. (Para Maurício,

antes de sair) Serenizai-vos, senhor Conde. O velho Bonifácio saberá tratar

desta lepra em forma de gente. (Vai saindo, chicoteando Úrsula. Os cães

latem furiosamente lá fora. Grande alarido. Depois, volta o silêncio. A

boneca ficou caída ao chão, aos pés de Maurício)

MAURÍCIO

(Após demorado silêncio, apanha a boneca e começa a acariciá-la

doridamente) Haverá de ser tão inesgotável a bondade de Deus a ponto de,

um dia, ser capaz de perdoar-me? Merecerei a graça suprema de sua doce

mão pousada sobre este fervilhar de vermes no caldeirão de minha alma

pútrefa? (Grita, como numa tragédia grega) Infeliz de mim! (Num frenesi,

beija a boneca. Depois joga-a longe) Agatha, Agatha! Tira este aborto

daqui! Socorre-me que morro... (O Conde Maurício soluça, arquejante.

Foco em Maurício e na boneca caída. A luz vai diminuindo em resistência,

enquanto ele geme. Em off, sobrepondo-se aos gemidos, vão crescendo a

gargalhada de Agatha, os uivos de Úrsula e os latidos dos cães

enfurecidos).

CENA VII

NARRADOR

Transcorridos mais alguns meses, a situação no castelo de Belmont em

nada se modificara. Rafael d'Allençon soubera perfidamente ganhar a

confiança de Rosalinda com juras de eterno amor e promessas de

matrimônio. Pouco a pouco, as fibras do coração da donzela, passaram a

vibrar no compasso da mais pura e devotada paixão. Porém, horas mais

negras estavam por vir. Um dia, Rosalinda descobriu que ia ser mãe. Sem

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coragem de contar a Rafael, durante vários dias, amargou sozinha seu

terrível segredo. Por casualidade, iniciara-se a temporada da caça à raposa,

e Rafael passara uma semana sem visitá-la. Uma manhã, munindo-se de

coragem, Rosalinda tomou da pena e verteu seu coração, transbordante de

receios, numa longa missiva endereçada ao marquês.

[pág. 31]

(Rafael aproxima-se por trás de Rosalinda, que não percebe sua presença,

e atira-lhe a carta a seus pés)

RAFAEL

(Agressivo) Qual a razão disto?

ROSALINDA

Ah, meu amado, és tu. Que susto me causaste!

RAFAEL

(Seco) E então?

ROSALINDA

E então o quê? Não te entendo. O que se passa contigo? Por que chegas

assim, tão agastado, sem uma saudação sequer... nem ao menos um

ósculo... um amplexo?

RAFAEL

Ora, Rosalinda, não me venhas de borzeguins ao leito! Quero saber o que

significam as aleivosas insinuações contidas nessa missiva.

ROSALINDA

(Ressentida) Amor meu, que duras palavras! Tu, que sempre me

demostraste tanto carinho, tanta afeição, tanto... ardor...

RAFAEL

Tratava-te assim porque eras dócil e cordata comigo. Porque te curvavas a

todos os meus caprichos. Mas agora...

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ROSALINDA

Mas eu não mudei! Eu continuo sendo tua escrava fiel e obediente! Sabes

bem que meu antigo asco por ti transmutou-se na mais excelsa paixão!

RAFAEL

Chega de tergiversações! Exijo que me esclareças imediatamente o

significado dessa carta!

ROSALINDA

Peço-te perdão, meu querido amigo. Foi quiçá por excesso de pundonor

que não fiz mais cristalinas as minhas palavras. Mas como transmitir à fria

brancura impassível do papel o turbilhão que me devasta o peito, desde que

fui abençoada por este milagre... este augusto milagre...

RAFAEL

Que história é essa de milagre? Vamos, fala!

[pág. 32]

ROSALINDA

(Em êxtase) O milagre da maternidade!

RAFAEL

O quê? Um filho?!

ROSALINDA

Sim, um filho! Sublime fruto a coroar o nosso amor!

RAFAEL

(Agarrando-a brutalmente) O que estás a dizer? Ficaste louca?

ROSALINDA

Rafael, Rafael, foste tu quem perdeu a razão! Não te reconheço. Julgava

que rebentadas de alegria ao saber...

RAFAEL

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(Cortando-a, possesso, e sacudindo-a pelos braços) Alegria? Alegria?!!!

ROSALINDA

Sim, amado. Agora só nos resta finalmente desvelar aos olhos do mundo a

nossa união, realizar o nosso sonho dourado... Ah, meu príncipe, toda noite,

em meu leito, contemplo-me, núbil, galgando ao lado teu o mármore dos

degraus do altar...

RAFAEL

(Empurrando-a) Casar contigo? Quem te pôs esta idéia ridícula na cabeça?

ROSALINDA

(Chocada) Tu mesmo, Rafael! Tu mesmo quantas vezes juraste que um

dia... que só precisávamos um pouco de paciência e ocultar por algum

tempo o nosso amor, até conseguires convencer tua família...

RAFAEL

(Cortando, irônico) ...que eu desposaria uma enjeitada? Uma bastarda?

Uma criatura sem nome, sem posição e sem fortuna? Porventura chegaste a

acreditar um segundo que eu, um nobre, um aristocrata, um d'Allençon

uniria meus destinos a uma qualquer? Alguém que não sabe sequer de onde

veio nem quem são seus pais?

ROSALINDA

(Com dolorosa compreensão) Então isto significa que estiveste a mentir-

me esse tempo todo...

[pág. 33]

RAFAEL

(Rindo a bandeiras despregadas) Que esperta és! Só agora percebes que eu

estava tão somente...

ROSALINDA

(Cortando) ... brincando comigo... iludindo meu pobre coração... fazendo-

me crer que me querias, apenas para me seduzir, me conquistar... desfrutar-

Page 42: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

me como mero objeto de tua lascívia, de teus instintos libidinosos...

RAFAEL

(Às gargalhadas) E tu caíste na esparrela, franguinha! E com que

facilidade! A tua estultícia, menina, é realmente espantosa!

ROSALINDA

Oh, Virgem Santíssima! Oh, Senhora protetora dos aflitos! Valei-me nesta

sombria encruzilhada do destino!

RAFAEL

Isso! Reza, reza, pois vais precisar muito da misericórdia divina. Porque de

mim, minha cara, não tens mais nada a esperar. Apaga meu nome de tua

memória! Esquece para sempre que eu existo! Nunca mais, ouviste bem?

Nunca mais pretendo voltar a ver-te!

ROSALINDA

(Reagindo como uma loba ferida) Rafael, Rafael, não tens o direito de fazer

isso comigo! É cruel, é monstruoso demais! O que será de minha honra

ultrajada?

RAFAEL

(Irônico) Naquelas noites ardentes, quando gemias, deleitada, em meus

braços, qual uma gata no cio, não pensavas em tua honra. Porque se não a

entregasses a mim, tê-la-ias entregue ao primeiro que passasse! Pois fica tu

sabendo, insensata, que doravante não há mais nada entre nós! Nada!

ROSALINDA

(Numa última e desesperada tentativa, agarrando-se a ele) Rafael, meu

dilacerado amor!

RAFAEL

(Desvencilhando-se) Basta! Só tenho uma única e derradeira palavra a

dizer-te!

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ROSALINDA

(Abrindo os braços, com renovada esperança) Dize, meu anjo e meu algoz!

Que palavra é essa?

[pág. 34]

RAFAEL

(Cuspindo a palavra) Marafona! (Sai a passos largos)

ROSALINDA

Ah, por piedade! (Rosalinda, soluçando, em seu desespero, apodera-se da

carta esquecida, despedaça-a com fúria e esfrega freneticamente os

pedaços pelo rosto e pelo corpo.)

CENA VIII

NARRADOR

Depois desse trágico desfecho, Rosalinda chorou, dias inteiros, lágrimas

grossas como punhos. Fundas olheiras ensombreceram seu semblante

angelical. Só deixava a solidão dos seus aposentos para ir à capela atirar-se

aos pés da Virgem. Com freqüência, deixava-se adormecer sobre as frias

lages do oratório, até ser despertada, muitas horas depois, pela mão da

governanta Agatha. Deste modo, a pérfida serviçal terminou descobrindo o

segredo que torturava o coração de Rosalinda. Insidiosamente, conseguiu

conquistar a confiança da rapariga, dizendo-se sua amiga e protetora.

Finalmente, quando Rosalinda não podia mais esconder o seu estado, a

perversa Agatha aconselhou que revelasse toda a verdade ao conde.

MAURÍCIO

Bons dias, minha querida. (Observando-a) Mas por que estás assim,

cabisbaixa e meditabunda? Pareces infeliz... Teu semblante, onde sempre

luziam os arrebóis da alegria, agora está turvo de uma névoa de tristeza...

ROSALINDA

Padrinho...

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MAURÍCIO

Sim, dize... Conta-me a razão de tuas penas.

ROSALINDA

(Hesitante) Padrinho querido... eu...

MAURÍCIO

Vamos, fala. Não confias em teu velho amigo?

ROSALINDA

Padrinho, há mais um anjinho aos pés da Virgem Maria...

MAURÍCIO

Não entendo o sentido de tuas palavras, Rosalinda. Podes ser mais precisa?

[pág. 35]

ROSALINDA

Padrinho, uma nova flor começa a desabrochar para a vida...

MAURÍCIO

Que flor tão rara é essa, que floresce em tempo de inverno? Onde está ela?

ROSALINDA

(Baixando os olhos) Aqui, padrinho. Eu meu ventre.

MAURÍCIO

(Surpresíssimo) Que dizes, Rosalinda? Não me atormentes com enigmas e

despautérios! Recuso-me a aceitar a terrível verdade que se esconde por

detrás de tuas palavras!

ROSALINDA

Está bem, padrinho. Sei que haveis de compreender e perdoar-me. (Pausa)

Vou ter um filho.

MAURÍCIO

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(Reagindo com violência) Um rebento? Um bastardo? Mas quem te

desonrou? (Esbofeteando-a) Vamos, fala, maldita!

ROSALINDA

(Aos prantos) O marquês Rafael d'Allençon é o culpado da minha

desventura.

MAURÍCIO

Ah, aquele réptil nauseabundo! (Tossindo, agitado) Desgraçada, não vês

que apressas a minha morte? Atraiçoaste toda a cega confiança que durante

esses 19 anos depositei em ti. Retira-te daqui, vamos! Enxovalhaste o nome

do conde Maurício de Belmont!

ROSALINDA

Perdão, padrinho, perdão! Eu juro que...

MAURÍCIO

(Cortando) Perjura! Jamais te perdoarei! (Chamando) Agatha, socorre-me

que morro... (Agatha acorre e o ampara) Todos, todos me atraiçoaram...

Pobre idiota! De onde supunha que só pudessem vir flores e sorrisos, surge

inesperadamente a lâmina que me estraçalha o peito.

ROSALINDA

Foi para salvar vossos bens que cometi essa iniqüidade, padrinho.

[pág. 36]

MAURÍCIO

Não me chames mais de padrinho, não tens esse direito! E retira-te

imediatamente daqui! Não pertences mais a este lar. Não passas de uma

reles meretriz, como o foi tua mãe. (Agatha vai conduzindo-o para fora)

Hás de pagar amargamente, criatura ingrata e sem pudor! O demônio

tomou conta de tua alma. Hás de rolar na lama e te arrastar no vício, noite

após noite, ébria e solitária, à margem de qualquer dignidade, clamando

inutilmente por misericórdia!

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CENA IX

ROSALINDA

(Sozinha) Infeliz de mim! Deus é testemunha de que agi com a melhor das

intenções. Agora nada mais me resta a fazer aqui. Oh, Senhor, o que será

desta pobre órfã com um filho a germinar-lhe no seio? Abandonada por

todos, por todos desprezada. Jamais pensei que minh'alma pudesse abrigar

tamanha dor! O fel da desilusão inunda-me o peito! (Recobrando-se) Tenho

de ir-me. (Olhando ao redor) Jamais olvidarei estes salões, estas paredes,

estes móveis... Aqui passei os melhores anos de minha desditosa existência.

(Detendo-se diante de um objeto, comovida) Ah, o velho cofre de charão...

Nunca me foi permitido abri-lo. Deve conter antigos segredos de família.

Mas, que vejo? Alguém haverá esquecido a chave na fechadura... Sei que

não devo abri-lo mas a curiosidade me espicaça... Sinto os dedos a

queimar... (Abre o cofre) Velhos papéis... e... oh! um daguerreótipo! Que

belo! (Examina o medalhão enquanto fecha a tampa do cofre) Quem será

esta dama de tão melancólico semblante? Que formosa! Mas... oh, Senhor!

Como se parece comigo! Dir-se-ia minha irmã... ou minha... minha...

(Neste instante entra Agatha, segurando uma capa. Num ato reflexo,

Rosalinda esconde o daguerreótipo no seio)

AGATHA

Ainda estais aí? Que fazeis aí parada, minha pequena? Tão assustadiça.

Pareceis uma lebre surpreendida pelo caçador...

ROSALINDA

Estava apenas a despedir-me do cenário que emoldurou minha juventude.

Já estou a ir-me, Agatha. Enfrentarei com bravura a escuridão dos meus

caminhos.

AGATHA

Não deveis ter medo. O mundo é vasto, pequena. (Para si) E cheio de

prazeres inauditos... (Voltando-se à jovem) Deveis procurar um velho

cavalheiro que compreenda a vossa desventura...

[pág. 37]

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ROSALINDA

(Sem compreender) Que dizeis?

AGATHA

Que a vida pode ser vivida de muitas maneiras. Algumas, bem divertidas. E

não será difícil para uma rapariga encantadora como vós... (Tocando-a)

com esse porte de amazona, esses cachos de Pandora...

ROSALINDA

Não vos entendo, Agatha. E por que me tocais com tal ardor...?

AGATHA

Porque sois tenra como um faisão natalino. Opípara... rubicunda e

capitosa... (Largando-a) Mas entendereis com o tempo minhas palavras.

Agora ide sem mais delongas. Se vosso padrinho vos surpreender...

ROSALINDA

Tendes razão.

AGATHA

Levai isto para proteger-vos da intempérie. (Dá-lhe o manto)

ROSALINDA

Como sois bondosa, Agatha! (Vestindo a capa e acariciando-a) essa velha

capa... Lembro-me dela. Meu padrinho me contou que pertencera a minha

mãe.

AGATHA

Vossa mãe vos trazia envolvida nela quando veio estrebuchar nas

escadarias do castelo numa gélida noite de inverno há 19 anos atrás.

ROSALINDA

Pobre genitora! Como há de ter padecido! Devo partir agora. Adeus, minha

boa Agatha. (Abraçam-se. Rosalinda sai)

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AGATHA

Finalmente os fados estão a meu favor! Com o afastamento da pequena,

torno-me a única herdeira do conde Mauricio de Belmont. Serei a mulher

mais poderosa de todo o Vale Negro. Agatha, a reles governanta, a bruxa

intratável, a corcunda repugnante, a harpia selvagem! Ah, os camponeses

pagarão caro o seu desprezo, a sua maledicência. Resta apressar a morte do

conde. (Apanha a tisana) Algumas gotas a mais hoje, outras amanhã, e eu

em breve estarei completamente sozinha no castelo. (Conta as gotas)

Uma... duas... três... quatro...

[pág. 38]

CENA X

NARRADOR

Enquanto a pérfida governanta regozijava-se com o golpe do destino que

viera ajudar seus planos diabólicos, a desgraçada Rosalinda, com o peito

dilacerado pela dor, deixava o castelo de Belmont, onde vivera os anos

mais floridos da sua existência. E em meio à tempestade que rugia com

fúria, embrenhou-se na floresta e caminhou durante três dias e três noites,

só parando para repousar num monte de feno quando lhe faltavam

totalmente as forças. Deixava-se então cair ao pé de uma árvore e, com a

roupas estraçalhadas pelas urzes e espinhos e os pés ensangüentados pela

pedras do caminho, adormecia exausta, escutando ao longe os uivos

ameaçadores dos lobos e as lúgubres vozes das aves noturnas. Enquanto

isso, perto dali, numa clareira da floresta, uma tribo de ciganos havia

montado acampamento e dedicava-se a seus afazeres habituais. (Jezebel

põe as cartas do Tarot, enquanto Vassili toca seu violino)

JEZEBEL

Hay algo que vuelve del pasado... Cono, no consigo ver claramente! El pa-

sado se pone otra vez como presente y también como futuro... Una

muchacha... y que hermosa es! Un viejo senõr... y una mujer muy mala...

Muchos conflict... la Muerte.. Pero, al final, la Justicia vencerá...

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VASSILI

Que cosas estás a refunfuñar, Jezebel?

JEZEBEL

Nada, cariño. Sou los Arcanos del Tarot de los Bohemios que hoy solo me

dicen incongruências. Devo estar loca, carajo! Pero toca, por favor, toca

más... El sonido de tu violín tiene la virtud de acalentar mi alma como el

más dulce de los vinos...

VASSILI

(Toca mais um pouco, depois pára abruptamente) Jezebel, hay álguien

entre los árboles.

JEZEBEL

No hay nadie, Vassili. Algun conejito perdido, alguna serpiente. Vamos,

toca.

VASSILI

No, Jezebel. Yo conozco muy bien los sonidos de los animales y de las

personas. Son muy distintos. Tu sabes que desde que he perdido la visión,

mi audición se ha aguzado mucho.

[pág. 39]

JEZEBEL

Si, si, claro. Confio en tu oido, pero no confio en tus temores, carajo! Por

piedad, dejame ver la suerte en paz... (Invocando) Fuerzas ocultas del más

alto Astral, orientad mis manos para desvendar el secreto. (Ruído.

Rosalinda entra e coloca-se atrás de uma árvore) Pero, que es esto? Hay

álguien aqui?

VASSILI

Te lo dije, Jezebel. Mira, aqui, por la derecha...

JEZEBEL

(Erguendo-se) Quién está ay? (Saca do punhal) Vamos, coño, que no estoy

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para chistes!

ROSALINDA

(Aparecendo) Sou eu, senhora. Apenas uma pobre órfã.

JEZEBEL

Acercate. (Rosalinda aproxima-se) Con mil demônios, una muchacha! Y

toda mojada. Que pasó, nina?

ROSALINDÁ

Não tenho para onde ir. Perdi-me pela floresta e cheguei até aqui orientada

pelo som mavioso de um violino.

JEZEBEL

Es el violín de Vassili. (Para Vassili) Tenías razón, cariño, es una pobre

muchacha perdida en la tempestad.

VASSILI

(Caminhando para Rosalinda) Esta voz... por Diós, esta voz... Puedo tocar

en tu rostro, cariño?

ROSALINDA

(Hesitando) Não sei... que quereis vós de mim?

VASSILI

Es que me acuerdo de... de una mujer que he conocido en tiempos más

dichosos... (Passando os dedos no rosto de Rosalinda) Si, Si, por Diós, no

es possible, no lo puedo creer, no es verdad... la piél, los ojos, la nariz, las

cejas, los párpados... es lo mismo, exactamente lo mismo... Todo, todo es

igual...

[pág. 40]

JEZEBEL

Acalmate, Vassili. La muchacha está assustada. Acercate hasta el fuego,

toma un poco de vino. Como te llamas?

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ROSALINDA

Rosalinda, senhora. Mas por que ele está tão agitado?

JEZEBEL

Es su imaginación muy exacerbada. Se cree que te pareces a álguien que

conoció. Vamos, dame tu mantilla. Está toda mojada. (Examina-a) Que

raro trabajo. Estraño! Pareceme que ya he visto algo semejante... hace

mucho tiempo... Donde encontraste este manto, niña?

ROSALINDA

Agatha me lo deu.

JEZEBEL E VASSILI

(Muito espantados) Agatha!

ROSALINDA

Sim, a governanta do castelo do Vale Negro. (Nova reação dos ciganos)

Pertenceu a minha mãe. Gostai? Tomai. (Entrega o manto a Jezebel, o

daguerreótipo fica visível)

JEZEBEL

Pero que es esto? Eres tu?

ROSALINDA

Não. É um velho daguerreótipo. Encontrei-o por acaso...

JEZEBEL

Pero la semejanza es imprensionante!

VASSILI

(Agitadíssimo) Quien es la mujer del retrato?

ROSALINDA

Não sei, como posso saber? Mas imagino que seja...

Page 52: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

JEZEBEL E VASSILI

Quien?

ROSALINDA

Minha mãe... que eu não conheci...

[pág. 41]

VASSILI

(Muito emocionado) tu madre? Jezebel... mira el daguerreótipo y habla toda

la verdad... es... es... es Úrsula?

EZEBEL

Si, es Úrsula.

VASSILI

(Abraça Rosalinda, chorando) Hija mia... hermosura, miei de mi corazón,

que tortuosos caminos fue necessário cruzar hasta encontrarte...

ROSALINDA

(Assustada) Que está acontecendo? Não sou vossa filha, sou apenas uma

pobre órfã recolhida pela bondade do Senhor Conde Maurício de Belmont.

JEZEBEL

Maurício de Belmont! Maldición! Quieres decir que este perro todavia

vive?

ROSALINDA

Sim, mas por pouco tempo. Padece de grave enfermidade. (Chorando)

Expulsou-me do castelo, lançando-me os mais terríveis vitupérios.

VASSILI

Perro de los infiernos! Voy a matarlo con mis propias manos.

ROSALINDA

Não entendo o que dizeis. Porque quereis matar meu padrinho?

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JEZEBEL

No hay tiempo a perder. Tenemos que ir imediatamente al castillo. Nel

camino te explicaremos todo. Ahora vamonos. (Saem)

CENA XI

NARRADOR

Um turbilhão agitava a mente de Rosalinda, ainda incrédula, diante de tão

inesperadas revelações. Sua intuição, porém, aconselhava-a a obedecer ao

espírito forte e decidido da cigana Jezebel e a confiar na douçura do rosto e

da voz de Vassili, que calava fundo em sua alma de órfã desamparada. Sem

perda de tempo, Jezebel preparou uma carroça e os três puseram-se a

caminho. Quando chegaram ao castelo, já era noite fechada. A lua

escondera-se atrás de plúmbeas nuvens prenunciadoras de tempestade. A

astuta cigana havia preparado um narcótico para os cães que guardavam os

portões, e assim eles puderam penetrar na propriedade.

[pág. 42]

JEZEBEL

(Entrando com Vassili e Rosalinda)... y fue eso lo que sucedió.

ROSALINDA

Quer dizer que meus verdadeiros pais são...

JEZEBEL

El gitano Vassili y Úrsula, la hermana del conde Maurício de Belmont. Los

dos se enamoraram locamente, hace anos, por supuesto. Maurício no podia

admitir que una Belmont desposara un gitano. Estava tan poseso que queria

mandar matar a toda la tribu. Úrsula entonces abondonó el castillo y

ocultóse com los gitanos em la montañas. Allá se celebro ei casamiento.

ROSALINDA

Mas meu padrinho... meu tio descobriu tudo...

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VASSILI

Agatha, que se hacia pasar por confidente de Úrsula, Ia atraicionó,

contando toda Ia verdad a Maurício.

ROSALINDA

Posso imaginar o resto. Meu tio mandou seus esbirros invadirem o

acampamento cigano.

JEZEBEL

El mismo comando el ataque. Y con su própria mano cego a Vassili con

una chibatada.

ROSALINDA

Pobre, querido papai. (Toca-o com ternura)

VASSILI

Angel mio. (Subitamente.)

Oigo un ruido. Vamos escondemos.

ROSALINDA

Aqui... atrás deste reposteiro... (Vassili e Jezebel escondem-se)

AGATHA

(Entrando, surpresa) Vós por aqui novamente? Não bastaram as maldições

que vosso padrinho vos lançou? Que quereis? Uma esmola? Uma côdea de

pão?

ROSALINDA

Quero apenas o que me é de direito. Não preciso de vossa piedade!

[pág. 43]

AGATHA

Não vos entendo. Que quereis dizer com isso? Não tendes direito algum,

não passais de uma pobre enjeitada.

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ROSALINDA

Enjeitada, eu? Como, se meu pai está aqui próximo?

AGATHA

Vosso pai? Porventura delirais? Vosso pai há muito não pertence ao reino

dos vivos.

ROSALINDA

(Puxando o reposteiro) Como não?

AGATHA

(Recuando) O cigano Vassili! Jezebel! Que desejais?

VASSILI

Solo la verdad, Agatha. Nada más que la verdad.

JEZEBEL

(Ameaçando-a com o punhal) Vamos, hombre. Donde está Úrsula?

AGATHA

Não sei, não sei...

VASSILI

(Torcendo-lhe o braço) Vamos, confiesa antes que te mate como a un

perro.

AGATHA

Por piedade, eu conto. (Recompõe-se) Úrsula foi encarcerada na cripta

subterrânea embaixo da cascata.

ROSALINDA

A cascata... Quer dizer que aqueles uivos dilacerados que se ouvem quando

a cascata pára pertencem à... à minha mãe?

AGATHA

Sim. Ela perdeu a razão quando vós nascestes. Vosso tio então encerrou-a

Page 56: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

lá.

VASSILI

Mi pobre Úrsula.

[pág. 44]

JEZEBEL

"Y donde están las llaves de la cripta?.

AGATHA

Aqui. (Estendendo-lhe um molho de chaves)

VASSILI

Precisamos libertar mi amada Úrsula. Vamonos todos a la cripta. Y tu,

Agatha, vienes con nosotros para mostramos el camino.

JEZEBEL

Vamos.

AGATHA

A cascata parou novamente. (Ouvem-se gritos ao longe)

CENA XII

NARRADOR

Desse modo, através de uma passagem secreta, conhecida somente por

Agatha, os quatro penetraram nos subterrâneos do castelo de Belmont.

Desceram por uma íngreme escada em caracol e embrenharam-se num

labirinto de lúgubres corredores e estreitas galerias escavadas na rocha. Os

gritos misteriosos haviam cessado, e o sepulcral silêncio era apenas

perturbado pelo eco surdo dos seus passos e pelo ocasional bater de asas de

um morcego. Finalmente, desembocaram numa cripta úmida e infecta, que

dir-se-ia habitada apenas por ratazanas e aranhas, não fosse aquela estranha

voz entoando uma canção que parecia vir de além túmulo.

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ROSALINDA

Por Deus! Está tão escuro aqui. Não consigo ver nada.

JEZEBEL

(Tomando a vela das mãos de Agatha) Pronto. Asi es mejor. (Olhando em

volta) Pero que sitio sucio... Es una pocilga, carajo. (Para Agatha) Vamos,

desalmada. Donde esta Úrsula?

AGATHA

(Apontando para um ponto, que Jezebel ilumina) Ali. (Aparece Úrsula,

completamente louca, suja e desgrenhada. Canta, enquanto embala uma

boneca nos braços)

VASSILI

Mi querida, luz de mis ojos... Úrsula, bien amada!

[pág. 45]

ROSALINDA

(Avançando para Úrsula) Mamãe! Oh, mamãe, julgava que estáveis morta!

ÚRSULA

(Para a boneca) Filha, filhinha querida... Não deves ter medo, não deixarei

que te façam mal... (Para Vassili) Afasta-te, Maurício! Não permitirei que

destruas o fruto do meu amor! (Mudando o tom) Besouro que cai de costas

não levanta nunca mais...

JEZEBEL

Está completamente loca! Maurício de Belmont ha de pagar muy caro todas

las atrocidades que ha cometido!

ÚRSULA

(Chorando) A corça corria celeremente sobre o ouro dos campos. Como se

fora uma seta voando sobre o verde. Até... até que numa curva mais abrupta

do escarpado caminho, numa curva ignominiosa... seus pés... seus pés

Page 58: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

quebraram...

ROSALINDA

(Num gemido) Desditosa genitora!

ÚRSULA

(Em pleno delírio) E ela não pode correr mais. As corças de pés quebrados

não podem correr. Apenas rastejam. Como os besouros caídos de costas...

que não se levantam nunca mais.

VASSILI

(Para Úrsula) Cariño, no me reconoces? Soy yo, tu Vassili. Tu amor, el

gitano...

ÚRSULA

Vassili? Não, não: Vassili foi assassinado por Maurício... Seu sangue

cigano cobriu o verde dos campos como o sangue inocente dos pés

quebrados da corça... O vermelho da violência derramado impunemente

sobre o verde da humildade...

VASSILI

(Insistindo) Y esta chica, ves? Esta chica es Rosalinda, nuestra hija querida.

Mira que hermosa es!

ÚRSULA

(Para a boneca) Tanto tempo. Tudo faz tanto, tanto tempo. Hoje é como se

fora outrora. E nunca mais outra vez.

[pág. 46]

ROSALINDA

Mamãe, mamãe, sou eu, Rosalinda, tua filha, a flor de teu ventre puro.

ÚRSULA

(Para a boneca) Minha filha? Minha filha é esta aqui. Filhinha, filhinha...

(Para a boneca) Sossega, ninguém te fará mal.

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AGATHA

(Mordaz) É definitivamente inútil. Esta parva jamais recuperará a razão.

JEZEBEL

(Torcendo-lhe o braço) Callate, conchuda! Tus palabras son más

monstruosas que tu joroba! (Como se orasse) Nel amor, hay fuerzas

increíbles... capazes de cambiar el universo...

VASSILI

(Pegando Úrsula pelos ombros e sacudindo-a) Úrsula. Te digo que soy

Vassili! Muchos anos se han pasado. Pero estoy vivo., Y estoy acá para

vingar nuestro amor. Soy Vassili! Vassili!

ÚRSULA

(Com um lampejo de lucidez) Vassili?

VASSILI

Si, mi amada, no reconoces mi rosto?

ÚRSULA

Esse rosto... essa pele morena... esse corpo delgado... (Detém-se) Não, não!

Não acredito! Vai-te daqui! És um impostor! Um sicário a mando de

Maurício para me torturar ainda mais! (Em delírio) Bezouro que cai de

costas...

JEZEBEL

(Um tanto irritada) Ay, coño! Va a empezar de nuevo!

VASSILI

(Transtornado, agarrando-a com mais força) Úrsula, mirame bien en la

cara, en los ojos, en estes ojos ciegos...

ÚRSULA

(Tocando-o) Meu Deus, o manso veludo dessa tez... a suavidade desses

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lábios carmesim... Vassili, serás mesmo tu? O brinco em tua orelha

esquerda...

[pág. 47]

VASSILI

Úrsula, vida mia...

ÚRSULA

O frescor de hortelã de teu hálito cálido... tuas mãos nodosas e fortes... A

carícia áspera de tua barba dura que me lanhava o colo nas noites de

indizível prazer... Não, não pode ser verdade, seria bom demais... Será que

estou ficando louca, Virgem Santíssima?

VASSILI

Es verdad, cariño, soy yo! Y acá está también Jezebel, nuestra querida

amiga y protectora.

ÚRSULA

Vassili, meu Vassili... Ai, Jesus, parece um sonho... (Delírio) Ou quem

sabe Deus teve pena de mim e me chamou para sentar ao lado seu no

empírio celestial?

JEZEBEL

(Disfarçando) Ay, carajo!

VASSILI

No, no, estás viva! Acabaranse tus penas!

ÚRSULA

(Reconhecendo-o finalmente) Sim, agora eu tenho certeza! És tu, Vassili!

Meu adorado! Mas de que desvão esquecido da memória me surgiste?

VASSILI

Úrsula! (Abraçam-se e beijam-se ardentemente) Vamos ahora empezar

vida nueva, tu, yo y Rosalinda...

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ÚRSULA

Rosalinda?... (Olha para a boneca. Olha para Rosalinda. Deixa cair a

boneca) Meu Deus... não pode ser... seria demasiada ventura para meu

coração se essa donzela fosse... fosse...

ROSALINDA

(Abrindo os braços) Vossa filha!

ÚRSULA

(Abraçando-a) Filha querida! Oh, fruto mais puro que o meu ventre jamais

gerou! Enfim posso abraçar-te!

[pág. 48]

ROSALINDA

Mamãe, querida! Que felicidade encontrar-vos!

ÚRSULA

Minha boa Jezebel... Mas... que aconteceu? Por que estão todos aqui? Por

que estou vestida assim? Que tenebrosa masmorra é essa? (Começando a

delirar de novo) Há como um poço escuro em minha memória... Um poço

escuro onde flutuam corças de pés quebrados... negros besouros caídos de

costas. . .(Vê Agatha e recua espavorida) O que ela está fazendo aqui?

JEZEBEL

(Agarrando-a por um braço, impaciente) No hay tiempo para explicar,

Úrsula. Ni para locuras otra vez. Más tarde te esclareceremos todo.

Tenemos ahora que desmascarar Maurício. Vamonos deste infecto covil.

Solamente un monstro sin entranas podria encarcelar su propia hermana.

(Saem todos)

CENA XIII

NARRADOR

Celeremente voltaram todos ao castelo. Depois de tão cruéis sofrimentos, a

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felicidade parecia prestes a sorrir aos nossos heróis. O coração de

Rosalinda, porém malgrado a alegria do seu reencontro com os pais, ainda

estava velado por uma nuvem de inquietação. A pobre rapariga pensava no

fruto de seu desgraçado amor, que crescia em seu seio como uma erva

daninha e em breve viria ao mundo sem a proteção de um pai. Quando

chegaram ao castelo, o relógio soava as doze badaladas.

MAURÍCIO

(Está adormecido, quando Úrsula entra lentamente e toca em seus cabelos)

Quem me tocou? Úrsula? Fugiste novamente? Agatha, tira esta louca

daqui!

ÚRSULA

(Perfeitamente lúcida) Já não estou louca, meu caro irmão. Meu bem-

amado e minha querida filha me devolveram a razão.

MAURÍCIO

Teu bem-amado? Tua querida filha? Se te referes àquele cigano imundo,

fica tu sabendo que há muitos anos eu mesmo o ceguei com uma chicotada.

Deve andar esmolando pelas sarjetas. E quanto a tua ingrata filha, eu a

expulsei de meus domínios. Não há lugar para meretrizes no castelo do

Conde Maurício de Belmont. E tu, mais do que ninguém, sabes muito bem

disso...

ÚRSULA

(Muito segura) Tua maldade não tem limites, Maurício. Os sofrimentos que

já causaste, as vidas que destruíste, certamente fariam petrificar a própria

Górgona.

[pág. 49]

MAURÍCIO

(Interrompendo-a) Ousas acusar-me? Foste tu — tu, minha cara irmã —

quem iniciou este rosário de desgraças. És tu, e apenas tu, a culpada de

tudo. Ou não te recordas? Queres que te refresque a memória? Mesmo

antes de te amancebares com aquele cigano asqueroso, já me desafiavas,

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insuflando os mineiros do Vale Negro contra mim. Contra mim, teu próprio

irmão! Tu, uma aristocrata, uma condessa do clã dos Belmont!

ÚRSULA

Sim, uma aristocrata, uma condessa de Belmont. Mas antes de tudo, uma

mulher. E uma mulher com coração! Não podia assistir indiferente aos

tormentos dos desventurados mineiros e de suas miseráveis famílias.

Explorados, inermes, escravizados por ti, meu irmão! Os camponeses

entregando suas lamentáveis vidas às profundezas da terra de teu porco

latifúndio, enquanto as mulheres, as criancinhas e os anciãos inocentes

morriam à míngua em suas fétidas choupanas. Foi a caridade que me

levou...

MAURÍCIO

(Interrompendo-a) Caridade? Chamas de caridade a teu gesto de

incitamento à rebelião contra a autoridade?

ÚRSULA

Aproximei-me dos mineiros, inicialmente, movida por um sentimento

cristão de amor ao próximo. Queria somente mitigar as duras penas

impostas por ti àqueles infelizes. Queria levar-lhes comida e agasalho,

ensinar àquelas pobres criancinhas a cartilha e o catecismo. Mas o

verdadeiro espírito de solidariedade humana, eu o aprendi com aquele que

consideras um pária: Vassili!

MAURÍCIO

Maldito seja!

ÚRSULA

Sim, ele mesmo. Foi Vassili quem me ensinou que o mundo não precisa

necessariamente ser dividido entre pobres e ricos, em miseráveis e

poderosos, em senhores e escravos. Em nobres, de um lado, e, em mineiros,

ciganos e negros do outro.

MAURÍCIO

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Basta! Já foste longe demais, insensata! Vejo que estás mais demente do

que nunca. Retorna a teu repulsivo subterrâneo. Nada tens a fazer aqui, na

casa que desonraste. Teu sonho libertário acabou! (Irônico) E contudo teu

coração ainda pulse, a própria vida acabou para ti, espectro de gente!

[pág. 50]

URSULA

(Muito calma) Enganas-te, mui prezado irmão. Após tantos anos

obnubilada, a vida recomeça para mim. Neste exato momento, quando

acabo de reencontrar meu marido e minha filha. (Afasta o reposteiro e

aparecem Vassili, Rosalinda, Jezebel e Agatha)

CENA XIV

MAURÍCIO

Jezebel! Vassili! Rosalinda! Não é possível! (Tosse) Agatha, Agatha,

minha tisana!

AGATHA

(Libertando-se de Jezebel, muito sôfrega, apanha o vidro) Pronto, senhor

conde. Aqui está.

JEZEBEL

Dejame ver este frasco.

AGATHA

(Tentando escondê-lo) Não!

JEZEBEL

(Matreira) Y por que no? Por lo que dicen, tratase apenas de una tisana

medicinal. (Arranca-o das mãos de Agatha) Tisana medicinal! Esto es un

fuer-te veneno: arsênico! La joroba está asesinando lentamente el Conde!

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MAURÍCIO

Veneno! Oh, ingrata Agatha! E eu que te supunha a única criatura no

mundo a manter-me alguma fidelidade! (Tosse e entra em violenta crise).

AGATHA

Pois te enganaste, velhaco! Eu sempre quis apenas tua fortuna!

ÚRSULA

Não a deixem fugir!

VASSILI

(Segurando Agatha) No se escapará, maldita!

MAURÍCIO

(Tossindo muito) Ledo engano! Meu esfalfado coração já não resiste a

esses golpes cruéis... Que trevosa sina a minha! Ajudem-me que morro!

(Para Jezebel) Cigana Jezebel, antes de morrer quero revelar-vos um

segredo.

[pág. 51]

JEZEBEL

Un secreto? Por mi no escucharia tus súcias palabras. Pero la muerte es

poderosa. Está bien. Habla.

MAURÍCIO

Jezebel... sempre vos amei. Jezebel, ah Jezebel, deixai-me repetir vosso

nome como se música fora para meus fatigados ouvidos... Jezebel, meu

sonho mais acalentado sempre foi beijar vossos lábios de carmim. Tivesse

tido eu tal privilégio, quiçá o destino não me houvera transformado neste

sórdido algoz que ora agoniza. Mas sempre me desprezaste. (Tosse)

Jezebel, não negueis o derradeiro pedido de um moribundo. Sinto que

morro, Jezebel. Dai-me um beijo. Um único beijo, um derradeiro beijo e

morrerei feliz.

JEZEBEL

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(Hesita. Todos olham. Acaba curvando-se e beijando-ó) Mi corazón siem-

pre pertenecera a Vassili, aunque el no me quiera. Que los dioses se

apiaden de tu espirito.

MAURÍCIO

Rosalinda, sobrinha querida... Úrsula, minha devotada irmã... Desventurado

cigano Vassili, eternamente a vagar pelas sombras... Todos vítimas de

minha cega cupidez! Por tudo que há de mais sagrado, perdoai-me! Deixo

para vós toda a minha fortuna... (Morre).

JEZEBEL

Se fino. (Fecha os olhos dele com delicadeza e melancolia) Acabo. Está

muerto. (Rosalinda e Úrsula choram).

AGATHA

(Aproveitando-se da emoção de Vassili, apanha a bengala que Maurício

deixou cair) Adeus, idiotas! Não me pegarão com vida. (Vassili tenta

apanhá-la. Leva uma pancada na cabeça e cai desfalecido. Agatha foge

rindo às gargalhadas)

ÚRSULA

Vassili! Oh, meu Deus, ela o matou!

ROSALINDA

Papai, papai! Fale comigo!

JEZEBEL

Maldición! (Ouvem-se os cães latindo. Jezebel corre à janela) Los perros...

Se despertaron... Y van a atacaria! Que escena horrible! Diós mio, la están

destrozando! Tanta sangre! (Pausa) Que es esto, ahora? Hay un cabalerro

que Uega. Pero demasiado tarde... Y saca de una escopeta... apunta a los

perros (Ouvem-se vários estampidos).

[pág. 52]

ROSALINDA

(Correndo à janela) Rafael, só pode ser ele!

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JEZEBEL

Quien es esse hombre?

ROSALINDA

(Baixando os olhos) O pai de meu filho.

VASSILI

(Despertando) Que oigo? Mi hija...

TODOS

Vassili! papai! Ele está vivo!

VASSILI

(Ainda tonto) Si. Estoy más vivo do que nunca. Y quiero saber, Rosalinda,

de que hombre estás hablando.

ROSALINDA

(Dolorosa) Do homem por quem me apaixonei. Do biltre infame a quem —

ah, tola donzela, iludida por perfídias! — entreguei minha pureza e que me

desgraçou.

CENA XV

RAFAEL

(Entrando com o corpo de Agatha) Os cães a destroçaram.

ÚRSULA

Teve o fim que merecia.

JEZEBEL

Pobre joroba!

RAFAEL

Rosalinda, eu...

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ROSALINDA

(Cortando) Que mais ainda quereis de mim, cruel mancebo? Ide-vos daqui.

Atraiçoaste-me com vossas juras inconseqüentes, com vosso falso amor.

[pág. 53]

RAFAEL

(Contrito) Vim justamente pedir-vos perdão por todo o mal que

involuntariamente vos causei. Estou amargamente arrependido. Desde que

vos desonrei, vossa imagem não me sai do pensamento. Doce Rosalinda,

julgo enlouquecer sem vosso amor. Quero reparar meu erro. Perdoai-me,

por piedade. Vim pedir vossa mão ao Conde Maurício.

ROSALINDA

Tarde demais. Ele está morto.

VASSILI

(Levantando-se) Pero yo la concedo. Yo soy su verdadero padre. Si es

seguro que usted quiere a mi hija de verdad... (Interrompendo-se, olhando

em volta) Pero, que pasa? Siento como un vértigo...

ÚRSULA

Vassili, o que tens? O sangue fugiu de tuas faces.

VASSILI

No compreendo... Mis ojos... Yo podia anteriormente decifrar algunos

colores... el verde... el azul... Si, porque no hay negror en la ceguera... Solo

una luminosidad... una luminosidad en las solombras... (Olhando para

qualquer coisa vermelha que há em cena) pero la escarlata... Hace quanto

tiempo no la veia... Por Dios, la escarlata!

JEZEBEL

Es una alucinación. Vassili, sientate un poco. Estás fatigado de tantas

emociones.

ÚRSULA

Venha, querido.

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VASSILI

No, no! Quiero quedarme en pie. Mis ojos... no compreendo...Que luz

cegante es esa? Que claridad espantosa hay en el mundo!

ROSALINDA

Papai, papai!

VASSILI

Quiero ver... ver... Nos es posible, no lo puedo crer... no es verdad! Es un

milagro... un verdadero milagro... un milagro divino! (Olhando uma a uma,

incrédulo) Jezebel, Úrsula, Rosalinda: impiezo a ver claramente vuestros

rostros queridos!

[pág. 54]

URSULA

A pancada que Agatha te deu...

ROSALINDA

... fez que com vossa visão voltasse!...

VASSILI

Si, si, por los dioses, si! Jesú, Jesú, yo he recuperado Ia visión!

JEZEBEL

Alabado sea Dios!

TODOS

Alabado sea!

RAFAEL

(Para Rosalinda) Então, quereis contrair matrimônio comigo?

ROSALINDA

Minha resposta só poderia ser afirmativa, meu amado. Não conseguiria

ocultar por mais tempo que meu coração vos pertence desde o primeiro

Page 70: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

momento que vos vi! (Beijam-se apaixonadamente)

VASSILI

Ahora seremos todos felizes...

ROSALINDA

Sim, os sofrimentos tiveram seu fim.

RAFAEL

Agora, a paz e a justiça reinarão para sempre no castelo de Belmont.

ÚRSULA

Amanhã mesmo triplicarei o salário dos mineiros.

ROSALINDA

Oh, meu Deus, como agradecer-vos tanta felicidade?

JEZEBEL

Las cartas no mienten jamás!

NARRADOR

E assim, punidos os culpados, e terminados os infortúnios daquelas almas

abnegadas, cerremos docemente as cortinas sobre este quadro familiar,

enquanto as auras da noite, acariciando o seio das flores, cantam o hino

misterioso do amor, da ventura e da paz.

[pág. 55]

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Memória

do

Espetáculo

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1986: A MALDIÇÃO DO VALE NEGRO

PRODUÇÃO: Teatro Vivo

AUTORIA: Luiz Arthur Nunes e Caio Fernando Abreu

DIREÇÃO: Luiz Arthur Nunes

ELENCO: Conde Maurício de Belmont Raul Machado

Agatha Graça Nunes

Rosalinda Mirna Spritzer

Marquês Rafael d'Allençon Breno Ruschel

Jezebel Valquiria Pena

Condessa Úrsula de Belmont Ida Celina

Vassili Antônio Carlos Brunet

Narrador Bira Valdez

TRILHA SONORA: Wesley Coll

ILUMINAÇÃO: João Acyr

CENÁRIO, FIGURINOS E ADEREÇOS: Alziro Azevedo

PRODUÇÃO EXECUTIVA: Lurdes Eloy

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Page 74: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

Raul Machado e Breno Ruschel

Comparável, em todos os sentidos, ao que de melhor se faz no eixo,

foi A Maldição do Vide Negro, produção do Teatro Vivo, que há sete anos

ocupa um lugar de primeiro plano entre os grupos experimentais de Porto

Alegre. A proposta era ousada e arriscada: os autores Caio Fernando Abreu

e Luiz Arthur Nunes mergulharam fundo na herança cultural do melodrama

clássico, e escreveram um espantoso texto que reúne, despudoradamente,

vários dos mais batidos clichês e arquétipos do gênero. E Luiz Arthur

encenou esse texto com a maior seriedade e com total respeito as

convenções do seu anacrônico estilo cênico. Essa seriedade e esse respeito

produziram, é claro, um resultado de notável poder cômico.

Yan Michalski — 1º Encontro Renner de Teatro —

Boletim do INACEM.

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Breno Ruschel e Mirna Spritzer

Page 76: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

Graça Nunes e Mirna Spritzer

Page 77: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

O melodrama é um exagero de ficção. É o drama composto sem

conteúdo nem profundidade. Apenas enredo sensacionalista, ação

extravagante e personagens estereotipados. Visa apenas impressionar e

distrair ao público menos exigente. O cinema e a televisão são grandes

fabricantes de melodramas com envólucro contemporâneo. Mas é claro que

a ópera do século XIX foi o coroamento do gênero. A Maldição do Vale

Negro volta-se com humor para este mundo de ficção descartável e figuras

inverossímeis. O resultado é excelente. Uma piada intelectual do melhor

nível, apresentada com capricho.

(...)O resultado é uma montagem muito bem orquestrada. Precisa de

um público especial que saiba rir da paródia que pretende fazer. E que

pede, antes de tudo, uma atitude critica em relação aos padrões do

melodrama. Para o grande público, que fica todas as noites hipnotizado

diante da telenovela do momento, rir de melodramas não è coisa fácil. No

entanto, A Maldição do Vale Negro é a melhor lição que poderiam receber.

Cláudio HEEMANN — "A Maldição...", melodrama divertido

Zero Hora, 23.05.86

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Raul Machado, Valquiria Peña, Ida Celina, Mima Spritzer e Antônio Carlos Brunet

Na melhor receita do folhetim romântico, de que Victor Hugo seria

inclusive um dos grandes expoentes, A Maldição do Vale Negro mistura o

drama individualizado de personagens-tipo, devidamente caracterizadas

com um discursivo tom participante e de reivindicação social. Assim,

paralelamente ao drama vivido pela órfã Rosalinda, recolhida pelo

padrinho, o Conde Maurício de Belmont, está a exploração dos pobres

aldeões mineiros que ali labutam, e que poderão ser libertados com a

salvação da Condessa Úrsula. Este paralelismo, além de ser um dos topos,

(um tema recorrente) do gênero, permite ainda aos dois autores uma

segunda paródia com os discursos popularescos contemporâneos, marca

registrada da esquerda, que reivindicam em nome das massas oprimidas,

mistificando-as tanto quanto seus exploradores as idealizam. (...)

Não teria bastado, porém, a excelência dos exercidos de linguagem

literária e cênica dos autores e diretor, se não houvesse um elenco capa/ de

transformá-las em diálogo vivo para o público.

Antônio Hohlfeldt - "Como a melhor receita

de folhetim romântico" - Gazeta Mercantil Sul

16.05.86

Page 79: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

Mirna Spritzer, Antônio Carlos Brunet, Ida Celina, Valquiria Peña e Graça Nunes

Para falar de A Maldição do Vale Negro, em cartaz no Clube de

Cultura, de 6as

a domingos, às 21 horas, é preciso não só respeito mas

humildade. O melodrama de Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes

não apresenta um erro sequer, do início ao fim, e isso se deve

principalmente ao elenco integradíssimo, que cria personagens impagáveis,

fazendo rir não apenas pelo pastiche, mas pela profunda experiência de

palco, pelos anos a fio de interpretação cênica. (...) Imperdível pelo

conjunto de iluminação, música, cenário, figurino, elenco, texto e direção,

A Maldição... é obrigatória para quem gosta de teatro bem feito, e se isso

não bastar, remexa seu baú de ossos da memória — todos tem — e entenda

o que o autor quer dizer com "teatro puro, artifício, ilusão, mentira e

prazer."

A Maldição do Vale Negro é tudo isso e muito mais. Não perca.

Angela Lulkim — "Perfeita Maldição" —

Jornal do Comércio — 16.05.86

Page 80: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

Valquiria Peña, Mirna Spritzer e Antônio Carlos Brunet

Page 81: Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes - A Maldição do Vale Negro (pdf)(rev)

Caio Fernando Abreu

Jornalista, escritor. Nasceu em Santiago, no Rio Grande do Sul e

reside atualmente em São Paulo. Colunista do Caderno 2, do jornal O

Estado de São Paulo, editor da revista A-Z. Já publicou várias obras sendo

as mais recentes: Morangos mofados, Triângulo das águas e Os dragões

não conhecem o paraíso. Para teatro escreveu: Sarau das nove às onze e A

Maldição do Vale Negro, com Luiz Arthur Nunes, Pode ser que seja só o

leiteiro lá fora, Prêmio de Literatura do Serviço Nacional do Teatro, A

comunidade do arco-íris, peça infantil, Zona contaminada, inédita. Por seu

trabalho literário recebeu os prêmios Fernando Chinaglia (1969), Status

(1980) e Jabuti (1984)..

Flavio Mainieri

Formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

em 1973. Bolsista do governo francês na Universidade de Paris 8, área de

literatura e cinema. Mestre em Letras pela UFRGS com a tese Literatura e

cinema: narrativas diferenciadas (Vidas secas, um exemplo). Professor de

Literatura Dramática e Semiologia Teatral do Departamento de Arte

Dramática da UFRGS. Trabalha na Casa de Cultura Mario Quintana com

Oficina Literária e Oficina de Roteiros de Cinema e Teatro. Leciona Teoria

da Literatura e Cultura Brasileira na Faculdade Porto Alegrense.

Luiz Arthur Nunes

Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do

Sul. Bacharel em Arte Dramática — Direção Teatral — pela UFRGS.

Mestre em teatro pela State University of New York. Doutor em Teatro

pela City University of New York. Professor Adjunto do Departamento de

Arte Dramática, Instituto de Artes, UFRGS. Diretor teatral e autor, de,

entre outros: O fabulário, Love, love, love, Sarau das nove às onze. últimos

espetáculos que dirigiu: Love, love, love; A Maldição do Vale Negro, A

Salamanca do Jarau, A mãe da miss e o pai do punk, A fonte.

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