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CÁLCULO AVANÇADO II Felipe ACKER Departamento de Matemática Aplicada Instituto de Matemática Universidade Federal do Rio de Janeiro Caixa Postal 68530 21945-970 Rio de Janeiro Brazil email: [email protected] 6 de abril de 2009

Calculo Avancado Felipe

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CÁLCULO AVANÇADO II

Felipe ACKERDepartamento de Matemática AplicadaInstituto de MatemáticaUniversidade Federal do Rio de JaneiroCaixa Postal 6853021945-970 Rio de Janeiro Brazilemail: [email protected]

6 de abril de 2009

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2

Nuestro hermoso deber es imaginar que hay un laberinto y unhilo. Nunca daremos con el hilo, acaso lo encontramos y lo perde-mos en un acto de fe, en una cadencia, en el sueño, en las pala-bras que se llaman filosofía, o en la mera y sencilla felicidad.

Jorge Luis Borges

Estas notas são dedicadas ao time do Botafogo (e seu treinador) campeãocarioca de 1989

Page 3: Calculo Avancado Felipe

Sumário

I INTEGRAIS MÚLTIPLAS 7

1 INTRODUÇÃO 9a Sobre a definição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9b Critério de integrabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11c Integrais iteradas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13d Mudanças de variáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15e Integral e convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

2 DEFINIÇÃO DE INTEGRAL 23

3 CONJUNTOS DE MEDIDA NULA 27

4 INTEGRAIS ITERADAS 33

5 FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE 35

6 MUDANÇAS DE VARIÁVEIS 45

7 INTEGRAIS IMPRÓPRIAS 57

8 EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES 59a Integrais de Superfície . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59b Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

9 INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA 69a Convergência Uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69b Regularização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

3

Page 4: Calculo Avancado Felipe

4 SUMÁRIO

II ANÁLISE VETORIAL CLÁSSICA 79

10 INTRODUÇÃO 83a Campos Conservativos e Integrais de Linha . . . . . . . . . . . 83b Integrais de Superfície . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87c O Teorema de Kelvin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91d A variação de ângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96e O Teorema de Gauss-Ostrogradski . . . . . . . . . . . . . . . . 101f “O Campo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106g Pausa para Reflexão : Será que é tudo um Teorema só ? . . . 110

11 OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS 115a Curvas e Superfícies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115b Curvas e Superfícies parametrizadas . . . . . . . . . . . . . . . 119c Cadeias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121d O bordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

12 OS TEOREMAS 129a Kelvin-Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129b Gauss-Ostrogradski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132c Um outro ponto de vista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

13 OS INTEGRANDOS 137a Campos de vetores e 1-formas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137b Formas Diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143c A notação de formas diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . 148d Campos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

14 A DERIVADA 157a A divergência e a densidade de fluxo . . . . . . . . . . . . . . 157b O rotacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158c Uma nova derivada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160d O Teorema do Valor Médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163e O Teorema de Green revisitado . . . . . . . . . . . . . . . . . 169f O Pullback . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171g A Derivada Exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172h Green, Kelvin, Ostrogradski e Gauss . . . . . . . . . . . . . . 175i A dualidade entre formas e cadeias . . . . . . . . . . . . . . . 179

Page 5: Calculo Avancado Felipe

SUMÁRIO 5

j O Lema de Volterra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181

15 APLICAÇÕES 187a Índice de uma Curva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187b Funções de Variável Complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189c O Teorema de Brouwer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195d Algumas Questões Topológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198e Homologia × Homotopia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204f O Operador de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212g Difusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217h Funções Harmônicas e a Equação de Laplace . . . . . . . . . . 220i O problema de Dirichlet na Bola . . . . . . . . . . . . . . . . . 225j Mecânica dos Fluidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233k O rotacional e as rotações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236l A decomposição de um campo de velocidades . . . . . . . . . 237m Sistemas Hamiltonianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238n Equações de Maxwell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243

III FORMAS DIFERENCIAIS 251

16 INTRODUÇÃO 253a Cenas de Capítulos Anteriores . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253b Os Objetos e os Integrandos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254c A Derivada Exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259d O Teorema de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262

17 O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA 267a (N-1)-Formas em IRN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267b O Bordo do Cubo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 268c O Teorema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270

18 PEQUENA PAUSA PARA REFLEXÃO 273

19 O PULLBACK 275

20 O BORDO 277

Page 6: Calculo Avancado Felipe

6 SUMÁRIO

21 O TEOREMA DE STOKES E A DERIVADA EXTERIOR,VERSÃO CLÁSSICA 281

Page 7: Calculo Avancado Felipe

Parte I

INTEGRAIS MÚLTIPLAS

7

Page 8: Calculo Avancado Felipe
Page 9: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 1

INTRODUÇÃO

A função destes capítulos iniciais, dedicados à integral de funções de IRN emIR, é tornar o texto auto-suficiente (se é que isto pode existir), do ponto devista do Cálculo Integral. Um resumo da história é apresentado nos pontosa., b., c., d. e e. desta introdução . A construção da integral “de Riemann”para funções de mais de uma variável (que não traz grandes novidades doponto de vista teórico para quem já lidou com o caso de uma variável) serátratada no ponto a.. Nos pontos b., c. e d. comentaremos três resultadosfundamentais, que serão desenvolvidos mais à frente: o critério de integra-bilidade (de Riemann-Du Bois Reymond-Lebesgue-Vitalli), o teorema sobreintegração iterada (princípio de Cavalieri, dito teorema de Fubini) e a fórmulade mudança de variáveis (de Jacobi). No ponto e. discutimos a possibilidadede "derivar dentro do sinal de integral"(regra de Leibniz).

a Sobre a definição

Considere uma função limitada

f : B −→ IR,

onde B = [a1, b1]× [a2, b2] é um retângulo em IR2. Diremos que

s = β1, . . . , βn

9

Page 10: Calculo Avancado Felipe

10 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

β8

β9

β7

β6

β4

β1

β2

β3

β5

é uma subdivisão 1 de B se:(ı) cada βi é um retângulo (fechado);(ıı) B =

⋃ni=1 βi;

(ııı) se i 6= j, entãoo

βi ∩o

βj é vazio.

Podemos então definir, associadas a cada subdivisão s de B, duas aproxi-mações para a integral de f sobre B:

U(f, s) =∑β∈s

sup f(β)µ(β),

L(f, s) =∑β∈s

inf f(β)µ(β),

onde, para cada retângulo R = [a, b]× [c, d],

µ(R) = (b− a)(d− c).

Procedendo como no caso de uma variável, consideramos o conjunto ς(B) detodas as subdivisões de B e dizemos que f é integrável se

1este termo não será muito utilizado no resto do livro

Page 11: Calculo Avancado Felipe

B. CRITÉRIO DE INTEGRABILIDADE 11

infU(f, s), s ∈ ς(B) = supL(f, s), s ∈ ς(B).

O número assim obtido é chamado de integral de f sobre B e notado∫B

f .

Exercício: Uma partição de um intervalo [a, b] é um conjunto finito P = a0, a1, . . . , antal que

a = a0 < a1 < . . . < an = b.

Os subintervalos de P são os intervalos [ai−1, ai], i = 1, 2, . . . , n. Uma partiçãode B = [a1, b1]× [a2, b2] é um conjunto P = P1 × P2, onde Pi é partição de [ai, bi],i = 1, 2. Os sub-blocos de P são os retângulos obtidos como produtos cartesianosde subintervalos de P1 por subintervalos de P2. A subdivisão de B associada a Pé a coleção S(P ) dos sub-blocos de P .

(ı)Mostre que se s1 e s2 são subdivisões de B e s2 refina s1 (isto é, todo elementode s1 é união de elementos de s2), então

U(f, s1) ≥ U(f, s2) ≥ L(f, s2) ≥ L(f, s1).

(ıı) Mostre que para toda subdivisão s de B existe uma partição P de B talque S(P ) refina s.

(ııı)Conclua que, para a definição de integral, podemos nos restringir a subdi-visões associadas a particões .

b Critério de integrabilidade

De forma análoga ao caso de uma variável, toda função contínua f : B → IR(onde B é um retângulo fechado) é integrável. É claro, porém, que existemfunções descontínuas integráveis. Quando se trata de funções de uma vari-ável, é usual observar que um número finito de descontinuidades não muitofeias pode ser tolerado e deixar para outra oportunidade uma discussão maisaprofundada. Em dimensões maiores somos forçados a uma postura menosinocente.

Page 12: Calculo Avancado Felipe

12 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

X

a2a1

b2

b1B

Seja X ⊂ IR2 um conjunto bem razoável (conexo e limitado, pelo menos).Seja

f : X −→ IR

uma função a integrar (f igualmente razoável - contínua, digamos). Amaneira mais simples de definir a integral de f sobre X parece ser a seguinte:considere um retângulo B contendo X e defina

f : B −→ IR

x 7−→f(x) , x ∈ X0 , x /∈ X

Faça, agora, ∫X

f =

∫B

f.

Deixemos aos onanistas fervorosos o exercício de praxe: mostre que a definiçãoacima independe de B. Prazeres mais refinados nos promete a observação

Page 13: Calculo Avancado Felipe

C. INTEGRAIS ITERADAS 13

de que, mesmo se f é contínua, f será, em geral, descontínua em todos ospontos da fronteira de X.Trata-se, pois, de responder à seguinte questão : dada uma função integrávelf definida em um retângulo, quão descontínua pode ser f?Numa primeira abordagem, nota-se que é suficiente que, para cada ε positivo,se possa cobrir o conjunto D dos pontos de descontinuidade de f por umacoleção finita de retângulos β1, . . . , βn tal que

µ(β1) + . . .+ µ(βn) < ε.

O primeiro a obter um critério mais profundo parece ter sido Riemann 2 . Opasso decisivo foi dado por Lebesgue, que introduziu o conceito de conjuntode medida nula: X é dito de medida nula se para todo ε positivo existeuma coleção enumerável (βn)n∈IN de retângulos tal que:

(ı) X ⊂ ∪∞n=1βn(ıı)

∑∞n=1 µ(βn) < ε.

O critério de integrabilidade de Lebesgue, que demostraremos mais à frente,é o seguinte: f é integrável se e somente se o conjunto D de seus pontos dedescontinuidade é de medida nula.

c Integrais iteradas

O segundo teorema a ser atacado diz respeito à decomposição do cálculo deuma integral em IRN em cálculos de sucessivas integrais de funções de umavariável.

A fórmula é bem conhecida (usualmente pelo nome de Teorema de Fubini);sua versão mais simples, com N = 2, é∫

[a1,b1]×[a2,b2]

f =

∫ b1

a1

(

∫ b2

a2

f(x1, x2) dx2) dx1.

2No trabalho Sobre a possibilidade de representar uma função por uma sérietrigonométrica, de 1854

Page 14: Calculo Avancado Felipe

14 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

∫[a1,b1]×[a2,b2] f =

∫ b2a2

(∫ b1a1

f(x1, x2) dx1

)dx2

x2

f(x1, x2)

b1

b2a2a1

x1

0

hárea S(h)

volume V

H

V =∫ H

0 S(h) dh

A demonstração tem suas sutilezas. . . Limitemo-nos, por ora, à observação deque por trás de tudo está uma idéia conhecida como Princípio de Cavalieri,do qual damos uma versão livre no exercício abaixo.Exercício: Seja X um subconjunto de IR3 dotado de volume (seja lá isso o que for).Seja v um vetor unitário de IR3. Defina

s : IR −→ IRt 7−→ area de π(t) ∩X,

onde o plano π(t) é definido por

π(t) = u ∈ IR3, < u, v >= t.

Você acredita que o volume de X, µ(X), é dado por

µ(X) =∫ ∞−∞

s(t) dt ?

E se v não é unitário, como fica a fórmula?

Page 15: Calculo Avancado Felipe

D. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS 15

f

aα βt0 t0 + ∆t bx0 + ∆xx0

ϕ

f ϕ

d Mudanças de variáveis

Comecemos com o caso de uma variável: seja

f : [a, b] −→ IR

integrável e suponhamos que exista um difeomorfismo

ϕ : [α, β] −→ [a, b]

de classe C1 (neste caso ϕ é crescente ou decrescente, conforme ϕ(α) = a ouϕ(α) = b).

Sabemos que não é verdadeira a fórmula∫ b

a

f(x) dx =

∫ β

α

f(ϕ(t)) dt,

porque, embora a cada x0 em [a, b] corresponda um t0 em [α, β] com ϕ(t0) =x0, o intervalo [α, β] sofre um esticamento (não uniforme, em princípio). Aintegral ∫ β

α

f(ϕ(t)) dt

é aproximada por retângulos de base ∆t e altura f(ϕ(t0)), aos quais corre-spondem, em

Page 16: Calculo Avancado Felipe

16 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

∫ b

a

f(x) dx,

retângulos de base ∆x e altura f(x0), onde x0 = ϕ(t0). Conseqüentemente(supondo ϕ crescente),

f(ϕ(t0)) = f(x0),

mas

∆x = ϕ(t0 + ∆t)− ϕ(t0) 6= ∆t.

Escrevendo

∆x = ϕ(t0 + ∆t)− ϕ(t0) =ϕ(t0 + ∆t)− ϕ(t0)

∆t∆t,

obtemos

f(x0) ∆x = f(ϕ(t0))ϕ(t0 + ∆t)− ϕ(t0)

∆t∆t,

o que é um razoável argumento a favor da fórmula∫ b

a

f(x) dx =

∫ β

α

f(ϕ(t)) ϕ′(t) dt

(já que, quando ∆t é “infinitamente pequeno”, temos ∆t = dt, ∆x = dx eentão “dx = ϕ(t0 + dt0)− ϕ(t0) = ϕ′(t0) dt”).

Pensemos agora no caso de várias variáveis. Suponhamos que C é imagemdo bloco B por um difeomorfismo ϕ de classe C1 e que

f : C −→ IR

é integrável. O fator de correção a introduzir na fórmula (errada)∫C

f =

∫B

f ϕ

é o “coeficiente de esticamento” referente à deformação de B em C operadapor ϕ.

Page 17: Calculo Avancado Felipe

D. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS 17

ff ϕ

ϕ

ϕ

x x+ ∆x ϕ(x+ ∆x)ϕ(x)

Q

ϕ(x)

A B

ϕ(Q) ∼= ϕ(x) + ϕ′(x)(Q)

x

Esse “coeficiente de esticamento” será, é claro, o limite da relação entre asáreas (no caso bidimensional) de ϕ(β) e de β, onde β é um quadradinhocontido em B.

Analisemos, pois, esta relação .Se t0 é o centro de β e ϕ(t0) = x0, os pontos de ϕ(β) serão da forma

ϕ(t0 + h) = x0 + ϕ′(t0)h+ ε(h),

com

ϕ

c = ϕ(B)B

ϕ(β)β

Page 18: Calculo Avancado Felipe

18 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

ϕ(β)

x0t0

γ

ϕ

β

limh→0ε(h)

|h|= 0.

Sabemos que, entre outras coisas, isto significa que, se β é pequeno, ϕ(β) separece com o paralelogramo

γ = x0 + ϕ′(t0)h, t0 + h ∈ β.

Temos, pois,

area de ϕ(β)

area de β∼=area de γ

area de β.

E, é claro, suspeitamos que

limλ→0area de ϕ(β)

area de β= limλ→0

area de γ

area de β,

onde λ é o lado de β.

Comparar as áreas de ϕ(β) e γ não é tarefa simples, já que nenhum dos doisconjuntos está, em princípio, contido no outro. Comecemos notando que oselementos das fronteiras respectivas são da forma

x0 + ϕ′(t0)h, para γ,

e

ϕ(t0 + h) = x0 + ϕ′(t0)h+ ε(h), para ϕ(β),

Page 19: Calculo Avancado Felipe

D. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS 19

ϕ

t0 + β

t0

ϕ(t0 + β)

γ2

γ1

ϕ(t0)

onde t0 + h está na fronteira de β 3.Assim, a distância entre um elemento ϕ(t0 + h) da fronteira de ϕ(β) e afronteira de γ será no máximo |ε(h)|.

Observemos ainda que as relações entre as dimensões de γ e de β independemdo tamanho do lado de β (como ϕ′(t0) é linear, são dadas por regra de três).Mas, para t0 + h em β, temos que |ε(h)| é pequeno em relação às dimensõesde γ se o lado de β é pequeno.Considere então

d = maxt0+h∈β|ε(h)|.

As considerações acima nos garantem que d é pequeno em relação às dimen-sões de γ (se o lado de β é pequeno) e que os pontos do bordo de ϕ(β) estãoa uma distância do bordo de γ menor do que d. Mas isto nos diz (porque ϕ édifeomorfismo) que ϕ(β) está entre dois paralelogramos γ1 e γ2, semelhantesa γ e de dimensões aproximadamente iguais às de γ.

Mas então

area de γ1

area de β≤ area de ϕ(β)

area de β≤ area de γ2

area de β,

com

limλ→0area de γ2

area de γ1

= 1,

o que justifica

3Isto se deve ao fato de que ϕ é difeomorfismo e pode ser demonstrado a partir doTeorema da Função Inversa

Page 20: Calculo Avancado Felipe

20 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

limλ→0area de ϕ(β)

area de β= limλ→0

area de γ

area de β.

Exercício: Preencha os detalhes da demonstração .

E agora, qual a relação entre as áreas de γ e de β?

Exercício: Seja T : IR2 → IR2 linear. Seja Q um quadrado em IR2 de lados paralelosaos vetores e1 e e2 da base canônica. Observe que a relação entre as áreas de T (Q)e de Q independe das dimensões e da posição de Q. Você está convencido de quese X é um subconjunto razoável de IR2 então esta é a relação entre as áreas deT (X) e de X?Exercício: Mostre que se T : IR2 → IR2 é linear e Q = [0, 1] × [0, 1], então a áreade T (Q) é o valor absoluto do determinante de T .

Tendo reduzido nosso problema ao caso linear, podemos concluir que o fatorde correção que procuramos é o valor absoluto do determinante de ϕ′(t0)(conhecido como jacobiano de ϕ e notado Jϕ(t0)). Ou seja,∫

ϕ(B)

f =

∫B

f ϕ |Jϕ|.

e Integral e convergência

Suponhamos dada

f : IR× [a, b]→ IR

diferenciável e façamos, para x em IR,

g(x) =

∫ b

a

f(x, y)dy.

Se quisermos derivar g, teremos

g′(x) = limh→0

∫ b

a

f(x+ h, y)− f(x, y)

hdy,

Page 21: Calculo Avancado Felipe

E. INTEGRAL E CONVERGÊNCIA 21

o que nos dá muita vontade de, permutando o limite em h com a integral,concluir que

g′(x) = limh→0

∫ b

a

f(x+ h, y)− f(x, y)

hdy =

=

∫ b

a

limh→0

f(x+ h, y)− f(x, y)

hdy =

∫ b

a

∂f

∂x(x, y)dy.

A permutação entre a passagem ao limite e a integração pode ser vistada seguinte forma: fixado x, associamos a cada h uma função de y, ϕh, dadapor

ϕh : y 7→ f(x+ h, y)− f(x, y)

h.

Para cada y em [a, b], temos (se nossa f tem derivada parcial em relaçãoa x em todos os pontos), que

limh→0

ϕh(y) =∂f

∂x(x, y).

Assim, a questão que se nos coloca é a seguinte: se ϕh(y) → ϕ(y) ∀y ∈[a, b], podemos afirmar que∫ b

a

ϕh(y)dy →∫ b

a

ϕ(y)dy?

Exercício: Considere, para y ∈ [0, 1] e h > 0, ϕh(y) dada por

ϕh(y) =

2h sin(πy/h), y ≤ h0, y > h.

Mostre que ϕh(y)→ 0 ∀y ∈ [0, 1] (quando h→ 0), mas∫ 1

0 ϕh(y)dy > 1∀h > 0.

O exemplo acima mostra que não podemos ser totalmente inocentes natroca de ordem entre passagem ao limite e integração . No entanto, se nossodomínio de integração é limitado e a convergência é uniforme, não é difícilver que a troca pode ser feita. De fato, se f e g são integráveis sobre o blocoB e | f(y)− g(y) |< ε ∀y ∈ B, então é claro que

|∫B

f −∫B

g |< εµ(B).

Page 22: Calculo Avancado Felipe

22 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

Assim, para podermos derivar dentro do sinal de integral, podemos exigirhipóteses que nos garantam que

limh→0

f(x+ h, y)− f(x, y)

h=∂f

∂x(x, y)

uniformemente em y. Estas condições , veremos, são satisfeitas quando f écontínua e tem derivada parcial em relação a x contínua. Em particular, sef é de classe C1 e a integral se faz sobre um bloco (que é um compacto),podemos derivar sem medo dentro do sinal de integral.

Page 23: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 2

DEFINIÇÃO DE INTEGRAL

Um bloco N -dimensional é um produto cartesiano de N intervalos fechadosnão degenerados (N ≥ 1).Se B = [a1, b1] × · · · × [aN , bN ] então a medida de B (também chamadavolume, área ou comprimento, em alguns casos) é notada por µ(B) edefinida por

µ(B) = (b1 − a1)(b2 − a2) · · · (bN − aN)

(é claro que µ(B) = b1 − a1 se N = 1).

Se B = [a, b], uma partição de B é um subconjunto finito de [a, b] contendoa e b, geralmente notado por a0, . . . , an, sendo

a = a0 < · · · < an = b

(os intervalos [ai−1, ai] são chamados subintervalos da partição).

Se B = [a1, b1] × · · · × [aN , bN ] chamaremos de partição de B um produtocartesiano P = P1 × · · · × PN , onde cada Pi é uma partição de [ai, bi] (osprodutos cartesianos dos subintervalos das Pi serão chamados sub-blocosde P ). Convencionemos ainda chamar de S(P ) o conjunto dos sub-blocos deP e de p(B) o conjunto das partições de B.Seja agora f : B → IR limitada (onde B é um bloco N -dimensional). Se Pé uma partição de B definiremos a soma superior e a soma inferior de fassociadas a P por, respectivamente,

U(f, P ) =∑

β∈S(P ) sup f(β)µ(β) e

L(f, P ) =∑

β∈S(P ) inf f(β)µ(β) .

23

Page 24: Calculo Avancado Felipe

24 CAPÍTULO 2. DEFINIÇÃO DE INTEGRAL

A integral superior e a integral inferior de f são definidas por, respec-tivamente, ∫

Bf = infP∈p(B) U(f, P ) e∫

Bf = supP∈p(B) L(f, P ) .

Quando∫Bf =

∫Bf , este valor é chamado integral de f sobre B, e f é

dita integrável à Riemann.

Exercício : Sejam B bloco em IRN e f : B → IR limitada. Mostre que f éintegrável se e só se ∀ε > 0 ∃P ∈ p(B) | U(f, P )− L(f, P ) < ε.Exercício : Prove tudo que lhe parecer importante ou necessário sobre integral.Em particular, prove que o conjunto das funções Riemann-integráveis em B é umespaço vetorial, digamos R(B), e que

∫B : R(B)→ IR é linear.

Se X ⊂ IRN é limitado e f : X → IR é limitada, considere um bloco B talque X ⊂ B. Estenda f a f : B → IR dada por f(x) = 0 se x ∈ B \ X(f(x) = f(x) em X).

Exercício : Mostre que∫Bf e

∫Bf não dependem de B (isto é, os valores são

sempre os mesmos, qualquer que seja o bloco B contendo X).

Definimos integral superior, integral inferior e, quando for o caso, inte-gral de f sobre X por∫

X

f =

∫B

f ,

∫X

f =

∫B

f e

∫X

f =

∫B

f

Exercício : Mostre que se X1 ∩ X2 = ∅ e f : X1 ∪ X2 → IR é integrável àRiemann sobre X1 e sobre X2, então f é integrável à Riemann sobre X = X1 ∪X2

e∫X f =

∫X1f +

∫X2f .

Se X é tal que1 : X → IR

x 7→ 1

é integrável, então X é dito Jordan-mensurável (J-mensurável). A me-dida de X é definida por

µ(X) =

∫X

1

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25

Observação : A classe dos conjuntos J-mensuráveis é ainda insuficiente parauma “boa” teoria da medida. Não partiremos na direção de estender atéonde for possível a classe dos conjuntos que podem ser medidos, mas con-sideraremos aqui um exemplo clássico. Seja X = IQ ∩ [0, 1]. É fácil provarque X não é J-mensurável (se achar que não, faça-o). Por outro lado, sendoX enumerável, podemos, qualquer que seja ε > 0, encontrar uma seqüên-cia (βn)n∈IN de intervalos fechados não degenerados com X ⊂

⋃n∈IN βn e∑

n∈IN µ(βn) < ε. Isto nos indica que X poderia perfeitamente ser conside-rado como tendo medida igual a zero.

Exercício : Sejam B um bloco e f : B → IR integrável com f(x) ≥ 0 para todox em B.

(i) Mostre que se existe x em B com f(x) > 0 e f é contínua em x, então∫B f > 0.

(ii) Se f(x) > 0 para todo x em B mas f não é necessariamente contínua, éverdade que

∫B f > 0 ?

Daremos a seguir uma definição alternativa de integral.

Dado um bloco B, uma partição indexada de B é um par ordenado (P, ξ)tal que P é uma partição de B e ξ é uma aplicação de S(P ) em B, comξ(β) ∈ β para todo β em S(P ) (isto é, ξ consiste em escolher um ponto emcada sub-bloco de P ). Seja f : B −→ IR dada. Para cada partição indexada(P, ξ), definimos a correspondente soma de Riemann, S(f, P, ξ), por:

S(f, P, ξ) =∑β∈s(P )

f(ξ(β))µ(β).

A integral de f sobre B é então definida (caso exista) por:∫B

f = lim|P |→0

S(f, P, ξ),

sendo |P | a norma da partição P , definida como o maior dentre os compri-mentos dos sub-intervalos das partições Pi, com P = P1× . . .×PN . O limitedeve ser entendido no seguinte sentido:

∀ε > 0 ∃δ > 0 | |P | < δ ⇒ |S(f, P, ξ)−∫B

f | < ε.

Exercício: Prove que as duas definições de integral são equivalentes.

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26 CAPÍTULO 2. DEFINIÇÃO DE INTEGRAL

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Capítulo 3

CONJUNTOS DE MEDIDANULA

Investiguemos agora o alcance e o limite da definição precedente, ecoloquemo-nos esta questão: em que casos uma função é suscetível deintegração ? em que casos não o é ?

Bernhard Riemann

Exercício : Seja B ⊂ IRN um bloco e seja f : B → IR contínua

(i) Prove que f é integrável

(ii) Sejam x0 ∈ B, c ∈ IR e f1 : B → IR dada por

f1(x) =f(x) , x 6= x0

c , x = x0.

Mostre que f1 é integrável e∫B f1 =

∫B f .

(iii) Sejam x1, . . . , xn ⊂ B e g : B → IR dada

g(x) =f(x), x 6∈ x1, . . . , xnci, x = xi

,

onde c1, . . . , cn ⊂ IR. Mostre que g é integrável e que∫B g =

∫B f .

(iv) Observe que (ii) e (iii) valem mesmo se f não é contínua, mas apenas inte-grável.

(v) Observe que todo conjunto finito é J-mensurável e tem medida igual a zero.

27

Page 28: Calculo Avancado Felipe

28 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS DE MEDIDA NULA

(vi) Mostre que se X ⊂ B é J-mensurável com µ(X) = 0 e M ∈ IR,entãoh : B → IR dada por

h(x) =f(x), x 6∈ Xqualquer coisa entre −M e M,x ∈ X

é integrável e∫B h =

∫B f . Observe que o mesmo vale se se supõe apenas f

integrável.

(vii) Observe que X é J-mensurável e µ(X) = 0 se e só se para todo ε > 0 existecoleção finita B1, . . . , Bn de blocos tal que X ⊂ B1 ∪ · · · ∪ Bn e µ(B1) + · · · +µ(Bn) < ε. Mostre que o conjunto de Cantor é J-mensurável.

(viii) Mostre que se X é J-mensurável e µ(X) = 0, então seu fecho X é J-mensurável e µ(X) = 0.

(ix) Mostre que se ϕ : B → IR é limitada e o conjunto de seus pontos de descon-tinuidade é J-mensurável e de medida zero, então ϕ é Riemann-integrável (observe:isto é mais que (vi)).

(x) Mostre que ϕ : [0, 1]→ IR dada por

ϕ(x) =

0, x irracional ou zero1q , x = p

q irredutivel , p, q ∈ IN

é Riemann-integrável mas descontínua em um conjunto que não é J-mensurável.

Observemos que se f : B → IR é limitada (B bloco N -dimensional) e P éuma partição de B, então

U(f, P )− L(f, P ) =∑

β∈S(P )

[sup f(β)− inf f(β)].µ(β) .

Ora, f é integrável se e só se para todo ε > 0 existe uma partição P deB com U(f, P ) − L(f, P ) < ε. Se f é contínua, sabemos que para todoε1 > 0 existe δ > 0 tal que se o diâmetro de β é menor do que δ, entãosup f(β) − inf f(β) < ε1. Assim, para provar que se f é contínua então éintegrável, basta, dado ε > 0, tomar uma partição P tal que os diâmetros deseus blocos β sejam suficientemente pequenos para que

sup f(β)− inf f(β) <ε

µ(B).

Page 29: Calculo Avancado Felipe

29

Se f não é contínua, porém, não podemos tomar P tal que os sup f(β) −inf f(β) sejam todos “tão pequenos quanto se queira”. A solução é introduziruma medida de quão descontínua é f : a oscilação de f é a função Of :B → IRN dada por

Of(x) = limε→0+

[sup f(Bε(x))− inf f(Bε(x))]

(onde Bε(x) = y ∈ B| | y − x |< ε)

Agora vejamos. Queremos, dada f : B → IR limitada e dado ε > 0, obterpartição P de B tal que U(f, P )−L(f, P ) < ε. É claro que isto é possível seOf (x) < ε

µ(B)para todo x em B. A questão é, porém, controlar o conjunto

dos pontos em que Of é grande.

Lema: Sejam B bloco em IRN e f : B → IR limitada. Então f é Rie-mann integrável se e somente se para todo ε positivo o conjunto Xε = x ∈B,Of (x) ≥ ε é J-mensurável e µ(Xε = 0.

Demonstração :(i) Se para algum ε > 0 Xε não for J-mensurável com µ(Xε) = 0, então existeδ > 0 tal que toda coleção finita B1, . . . , Bn de blocos cobrindo Xε é tal queµ(B1) + · · ·+ µ(Bn) ≥ δ. Daí segue U(f, P )−L(f, P ) ≥ εδ para todo P em p(B),e f não será integrável.

(ii) Suponhamos agora que para todo ε > 0 Xε é J-mensurável com µ(Xε) = 0.Observe que isto significa que para todo δ > 0 se podem tomar blocos B1, . . . , Bn

tais que µ(B1) + · · · + µ(Bn) < δ e Xε ⊂B1 ∪ · · · ∪

Bn (é importante notar que

podemos trabalhar com os interiores dos Bi).Seja então ε > 0 dado. Vamos construir uma partição P tal que U(f, P )−L(f, P ) <ε.Considere X ε

2µ(B)= x ∈ B,Of (x) ≥ ε

2µ(B). Observe então que para cada x em

B\X ε2µ(B)

existe um bloco Bx tal que x ∈Bx e sup f(Bx)− inf f(Bx) < ε

2µ(B) . Poroutro lado, sendo δ = ε

2M (ondeM = 1+sup f(B)− inf f(B)), existem B1, . . . , Bn

tais que X ε2µ(B)

⊂B1 ∪ · · · ∪

Bn e µ(B1) + · · ·+ µ(Bn) < δ.

Ora,B1, . . . ,

Bn formam, com os

Bx anteriormente definidos, uma cobertura aberta

de B. Podemos então garantir que teremos uma coleção finita de blocos B1, . . .

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30 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS DE MEDIDA NULA

, Bn,Bn+1, . . . , Bm (incluindo B1, . . . , Bn e alguns dos Bx, x ∈ B\X ε2µ(B)

) tal queB = B1 ∪ · · · ∪Bm.Seja P = P1×· · ·×PN definida da seguinte forma: cada Pi é formada pelas i-ésimascoordenadas dos vértices dos Bj (isto é, se Bj = [aj1, bj1] × · · · × [aji, bji] × · · · ×[ajN , bjN ], então aji e bji estão em Pi). Então é claro (quem duvidar que prove !)que

U(f, P )− L(f, P ) ≤∑n

j=1[sup f(Bj)− inf f(Bj)]µ(Bj)+

+∑m

j=n+1[sup f(Bj)− inf f(Bj)]µ(Bj) ≤

< M. ε2M + ε

2µ(B) .µ(B) = ε

O resultado acima é devido a Du Bois-Reymond (seguindo a linha de inves-tigação aberta por Riemann). Observemos agora o seguinte: se (Xn)n∈IN éuma família enumerável de subconjuntos de IRN , todos J-mensuráveis e taisque µ(Xn) = 0 para todo n, então, dado ε ≥ 0 qualquer, podemos achar,para cada n em IN , uma coleção finita Bn1, . . . , Bnin de blocos tal que

(i) Xn ⊂ Bn1 ∪ · · · ∪Bnin

(ii) µ(Bn1) + · · ·+ µ(Bnin) < ε2n+1

Daí segue que se X=⋃n∈IN Xn, então existe uma família enumerável (Bn)n∈IN

tal que(i) X ⊂

⋃n∈IN Bn

(ii)∑∞

n=1 µ(Bn) < ε .

Definição : X ⊂ IRN ê dito de medida nula se para todo ε > 0 existe umafamília enumerável (Bn)n∈IN de blocos tal que

(i) X ⊂⋃n∈IN Bn

(ii)∑∞

n=1 µ(Bn) < ε

Exercício : Mostre que se (Xn)n∈IN é uma família enumerável de conjuntos demedida nula, então X = ∪n∈INXn é de medida nula. Em particular, todo conjuntoenumerável é de medida nula.

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Observação : É costume chamar os conjuntos J-mensuráveis de medidazero de conjuntos de conteúdo nulo. Os conjuntos de medida nula acimadefinidos podem não ser J-mensuráveis (são, na realidade, Lebesgue-mensuráveis)

Observe agora o seguinte:(i) Se f : B → IRN é dada e pomos Xf = x ∈ B, f descontínua em x,então Xf =

⋃n∈IN Xn, onde Xn = x ∈ B,Of (x) ≥ 1

n

(ii) Para todo ε > 0 o conjunto Xε = x ∈ B,Of (x) ≥ ε é fechado (eportanto compacto).

(iii) Se X é compacto e de medida nula, então X é J-mensurável (e µ(X) =0).

Daí segue:

Teorema de Lebesgue:1 Se B é um bloco N -dimensional e f : B → IR élimitada, então f é Riemann-integrável se e somente se o conjunto de seuspontos de descontinuidade é de medida nula.

Exercício : Sejam X ⊂ IRN e f : X → IR limitados. Mostre que

(i) X é J-mensurável se e só se ∂X (fronteira de X) tem medida nula.

(ii) Se X é J-mensurável e f é integrável, então todo Y comX⊂ Y ⊂ X é J-

mensurável e∫Y f =

∫X f (onde f é uma extensão limitada qualquer de f|

X

a

Y ).

(iii) Se X é um bloco, f é contínua e g : X → IR é limitada e tal que x ∈X, f(x) 6= g(x) tem medida nula, podemos ter g não integrável.

(iv) Motre que se f é integrável e Y ⊂ X é J-mensurável, então f|Y é integrável.

Exercício : Mostre que o conjunto de Cantor tem medida nula. Mostre, modifi-cando adequadamente sua construção, que existem conjuntos compactos de interiorvazio e que não têm medida nula. Conclua que existem abertos limitados que nãosão J-mensuráveis.

Exercício : Mostre que se M < N , A ⊂ IRM e f : A→ IRN é de classe C1, entãof(A) tem medida nula.

Exercício : Prove o que mais lhe parecer interessante ou necessário.

1Lebesgue demonstrou, em sua tese de doutorado, que a condição é suficiente. Anecessidade aparece em seu livro Leçons sur l’intégration et la recherche des fonctionsprimitives e foi provada também, de forma independente, por Vitalli

Page 32: Calculo Avancado Felipe

32 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS DE MEDIDA NULA

Page 33: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 4

INTEGRAIS ITERADAS

Exercício : Seja f : [0, 1] × [0, 1] → IR, f(x, y) = 0, se x 6∈ IQ ou y 6∈ IQ ef(x, y) = 1

q se x = pq fração irredutível e y ∈ IQ. Mostre que f é integrável mas,

sendo ϕx(y) = f(x, y), o conjunto dado por

x ∈ [0, 1] | ϕx : [0, 1]→ IR e integravel

não é J-mensurável.

O exercício acima mostra que seria impróprio enunciar o “teorema”∫[0,1]×[0,1]

f =

∫ 1

0

(∫ 1

0

f(x, y)dy

)dx .

Melhor fazer:

TEOREMA (dito de Fubini1: Sejam B1 ⊂ IRM e B2 ⊂ IRN dois blocos.Seja f : B1 ×B2 → IR integrável. Seja, para cada x em B1,

ϕx : B2 −→ IRy 7−→ f(x, y)

Seja ψ : B1 → IR definida por ψ(x) = qualquer coisa entre∫B2ϕx e

∫B2ϕx.

Então ψ é integrável e1O teorema de Fubini é o resultado que corresponde, na teoria da integral de Lebesgue,

ao que aqui apresentamos

33

Page 34: Calculo Avancado Felipe

34 CAPÍTULO 4. INTEGRAIS ITERADAS

∫B1

ψ =

∫B1×B2

f

.

Demonstração :Podemos considerar ψ1, ψ2 : B1 → IR, ψ1(x) =

∫B2ϕx, ψ2(x) =

∫B2ϕx.

Basta então provar que∫B1×B2

f ≥∫B1ψ2 ≥

∫B1ψ1 ≥

∫B1×B2

f .Como a desigualdade do meio é óbvia e as outras duas são equivalentes, provaremosapenas que

∫B1×B2

f ≥∫B1ψ2.

Sejam P1 partição de B1 e P2 partição de B2. Seja P = P1 × P2.Observando que cada sub-bloco β em S(P ) é produto cartesiano de β1 ∈ S(P1)por β2 ∈ S(P2), temos

U(f, P ) =∑

β∈S(P ) sup f(β)µ(β) =

=∑

β1∈S(P1)

(∑β2∈S(P2) sup f(β1 × β2)µ(β2)

)µ(β1) ≥

≥∑

β1∈S(P1)

(supx∈β1

∑β2∈S(P2) sup f(x × β2)µ(β2)

)µ(β1) =

=∑

β1∈S(P1)

(supx∈β1

U(ϕx, P2))µ(β1) ≥

≥∑

β1∈S(P1)

(supx∈β1

∫B2ϕx

)µ(β1) =

= U(ψ2, P1) ≥∫β1ψ2 .

O resultado segue imediatamente

Page 35: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 5

FORMAS ALTERNADAS E ODETERMINANTE

Este capítulo, preparatório para a fórmula de mudança de variáveis, contémidéias fundamentais para tudo que será feito no resto do texto. Aqui co-meçamos realmente a entrar no centro de nosso assunto. Boa parte de seuconteúdo é, usualmente, discutido nos cursos de Álgebra Linear; no entanto,talvez seja útil encará-lo de um ponto de vista mais próximo da integração .

A questão básica é a seguinte: dado um espaço vetorial E de dimensão N ,que opções temos se quisermos criar uma “forma de medir” sólidos em E queseja “coerente” com a estrutura algébrica de E ?

Colocando a coisa de maneira menos abstrata, considere o seguinte pro-blema: sejam u = (u1, u2) e v = (v1, v2) vetores em IR2; calcule a área doparalelogramo de vértices 0, u, v e u+v. Atenção: não venha com argumentosgeométricos, queremos a medida de A = su + tv, (s, t) ∈ [0, 1] × [0, 1],conforme definida nas seções anteriores !

O melhor que podemos fazer para evitar o vexame de cobrir A por retângu-los é imitar a demonstração da Geometria (que é um pouco menos simplesdo que parece) ou usar os teoremas de Fubini e Fundamental do Cálculo (econsiderar todos os casos possíveis).

35

Page 36: Calculo Avancado Felipe

36 CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE

A

u1 + v1v1u1

u2

v2

~u

~v

~u+ ~vu2 + v2

ϕ

X ϕ(X)

A ϕ(A)

Supondo u1, v1, u2, v2 positivos e v2 > u2, por exemplo, teremos

µ(A) =∫ v1

0v2

v1xdx+

∫ u1+v1

v1

[v2 + u2

u1(x− v1)

]dx−

−∫ u1

0u2

u1xdx−

∫ u1+v1

u1

[u2 + v2

v1(x− u1)

]dx =

= u1v2 − u2v1

Exercício : Sejam a1, . . . , aN vetores de IRN . Seja A = t1a1 + · · · + tNaN ,

(t1, . . . , tN ) ∈ [0, 1]N. Calcule µ(A). Tente ao menos provar que se a1, . . . , aNsão ortogonais então µ(A) =| a1 | · · · | aN | !

Há uma importante questão por trás destas considerações. Na realidade,queremos, dados X em IRN e ϕ : X → IRN , comparar µ(ϕ(A)) e µ(A), paraA ⊂ X.

Page 37: Calculo Avancado Felipe

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Te1

Te2e2

e1

T

A T (A)

É claro que se T : IRN → IRN é linear e A ⊂ IRN , a relação entre µ(T (A)) eµ(A) é dada por µ(T (Q)), onde Q é o bloco [0, 1]N : Se e1, . . . , eN é a basecanônica de IRN , então

T (Q) = t1v1 + · · ·+ tNvN , (t1, . . . , tN) ∈ [0, 1]N,

onde vi = Tei, i = 1, . . . , N .

Exercício : Mostre que se T : IRN → IRN é linear, com Tei = vi, i = 1, . . . , N ,então, se A ⊂ IRN é J-mensurável temos T (A) J-mensurável com µ(T (A)) =αµ(A), onde α = µ(t1v1 + · · ·+ tNvN , (t1, . . . , tN ) ∈ [0, 1]N).

Exercício : Seja T : IRN → IRN linear(i) Se existir i tal que

Tej =

ej , j 6= iλei, j = i

,

mostre que µ(T (A)) =| λ | µ(A) para todo A ⊂ IRN , J-mensurável.(ii) Se existem i e j tais que

Tek =

ek, k 6= i, jei, k = jej , k = i

,

mostre que µ(T (A)) = µ(A) para todo A ⊂ IRN J-mensurável.(iii) Se existem i e j tais que

Tek =

ek, k 6= iei + ej , k = i

,

Page 38: Calculo Avancado Felipe

38 CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE

mostre que µ(T (A)) = µ(A) para todo A ⊂ IRN J-mensurável.(iv) Mostre que µ(T (A)) =| detT | µ(A) para todo A ⊂ IRN J-mensurável (observeque T é produto de transformações como as de (i), (ii) e (iii)).

As considerações acima indicam, para o leitor com algum conhecimento sobreo assunto, que os determinantes têm tudo a ver com nossa discussão . Mas,já que vamos falar de determinantes, comecemos do começo.Considere a aplicação

m2 : IR2 × IR2 → IR

que a cada par (u, v) associa a área do paralelogramo tu+ sv, 0 ≤ t, s ≤ 1.Analogamente, considere

m3 : IR3 × IR3 × IR3 → IR,

m3(u, v, w) = µ(ru+ sv + tw, 0 ≤ r, s, t ≤ 1).

Exercício: Mostre que

(i) m2(λu, v) = λm2(u, v), λ ≥ 0(ii) m2(u1 + u2, v) = m2(u1, v) +m2(u2, v) ou

m2(u1 + u2, v) =| m2(u1, v)−m2(u2, v) |(iii) m2(u, v) = m2(v, u) ;

resultados similares valendo para m3 (não se preocupe com demonstrações formais,use a intuição geométrica).

Vemos que m2 (assim como m3 e, podemos imaginar, mN) morre de vontadede ser linear em cada componente. Para que o fosse realmente, precisaríamosadmitir que tomasse valores negativos.

Exercício : Considere um plano, azul de um lado e vermelho do outro. Sejam u

e v ortogonais marcados sobre o lado azul e seja T linear com Tu = u e Tv = −v.Enxergue T como a transformação que gira o plano de 180o em torno de um eixodado pela reta gerada por u.

Exercício :(i) Seja E um espaço vetorial real de dimensão N + 1 e sejam v1, . . . , vN vetoreslinearmente independentes de E. Observe que o subespaço gerado por v1, . . . , vNdivide E em dois semi-espaços.

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azul

azul

vermelho

(ii) Nas mesmas condições de (i), suponha que u e w em E são tais queu, v1, . . . , vN e w, v1, . . . , vN são bases de E. Considere as bases ordenadas

α = (v1, . . . , vi, u, vi+1, . . . , vN ) eβ = (v1, . . . , vi, w, vi+1, . . . , vN )

Diga que α e β têm a mesma orientação se u e w estão no mesmo semi-espaço(da divisão vista em (i)).

(iii) Se u0, . . . , uN são linearmente independentes, mostre que

(u0, . . . , ui, . . . , uj , . . . , uN ) e(u0, . . . , ui + uj , . . . , uj , . . . , uN )

têm a mesma orientação e que

(u0, . . . , ui + uj , . . . , uj , . . . , uN ) e(u0, . . . , ui + uj , . . . , ui, . . . , uN )

não têm a mesma orientação.

(iv) Mostre que as bases α e β de (ii) têm a mesma orientação se e somente seexiste uma aplicação contínua f : [0, 1] −→ E tal que f(0) = u, f(1) = w e(v1, . . . , vi, f(t), vi+1, . . . , vN ) é linearmente independente para todo t em [0, 1].

Definição : Seja E um espaço vetorial de dimensão N . Diremos que duasbases ordenadas

α = (u1, . . . , uN) eβ = (v1, . . . , vN)

de E têm a mesma orientação se existem funções f1, . . . , fN : [0, 1] −→ Etais que:

(i)fi é contínua ∀i = 1 . . . N ;

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40 CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE

(ii)fi(0) = ui, fi(1) = vi ∀i = 1 . . . N ;(iii)f1(t), . . . , fN(t) são linearmente independentes ∀t ∈ [0, 1].

Exercício: Mostre que "ter a mesma orientação "é uma relação de equivalência noconjunto das bases de E.Exercício: Seja m2 : IR2× IR2 → IR como definida há pouco. Seja ω2 : IR2× IR2 →IR dada por ω2(u, v) = 0 se u e v são linearmente dependentes, ω2(u, v) = m2(u, v)se (u, v) tem a mesma orientação que (e1, e2) e ω2(u, v) = −m2(u, v) se (u, v) nãotem a mesma orientação que (e1, e2). Mostre que

(i) ω2(u, v) = 0 sss u e v sao linearmente dependentes(ii) ω2(u, v) = −ω2(v, u), ∀u, v

(iii) ω2(λu+ w, v) = λω2(u, v) + ω2(w, v) ∀λ, u, w, v

Definição : Seja E um espaço vetorial sobre o corpo K. Uma forma p-linear alternada (ou forma de medir coisas de dimensão p) em E é umaaplicação ω : Ep → K tal que:

(i) ω é linear em cada coordenada e(ii) ω(v1, v2, . . . , vp) = 0

sempre que v1, v2, . . . , vp forem linearmente dependentes.

O espaço das formas p-lineares alternadas em E é denotado por Ap(E).

Exercício: Seja ω : Ep → K p-linear alternada.(i) Mostre que ω é, de fato, alternada, isto é:

ω(v1, . . . , vi, . . . , vj , . . . , vp) = −ω(v1, . . . , vj , . . . , vi, . . . , vp)

para quaisquer v1, . . . , vp em E.Exercício: Suponha que K é tal que 1 + 1 = 0. Mostre que é possível a existênciade ω : Ep → K linear em cada coordenada e satisfazendo à condição do exercícioanterior, mas sem que ω(v1, . . . , vp) = 0 sempre que v1, . . . , vp for linearmentedependente.

Exercício: Mostre que se dimE = N , então o espaço das formas p-lineares alter-

nadas de E tem dimensão(Np

).

Exercício: Mostre que toda forma p-linear definida em um espaço de dimensãofinita sobre um subcorpo de IC é contínua.

Page 41: Calculo Avancado Felipe

41

Exercício: Sejam E um espaço vetorial de dimensão k e ω uma forma k-linearalternada em E. Mostre que são equivalentes:

a) ω é identicamente nula;b)existe base v1, . . . , vk de E tal que ω(v1, . . . , vk) = 0;c)para toda base v1, . . . , vk de E se tem ω(v1, . . . , vk) = 0.

Exercício: Sejam E um espaço real de dimensão N+1 e ω uma forma (N+1)-linearalternada em E. Suponha que ω não é identicamente nula. Mostre que duas basesordenadas

(v1, . . . , vi, u, vi+1, . . . , vN ) e (v1, . . . , vi, w, vi+1, . . . , vN )

têm a mesma orientação se e somente se

ω(v1, . . . , vi, u, vi+1, . . . , vN ) e ω(v1, . . . , vi, w, vi+1, . . . , vN )

têm o mesmo sinal.

Proposição : Sejam E um espaço vetorial real de dimensão N + 1 e ω umaforma (N + 1)-linear alternada em E, não identicamente nula. Então duasbases ordenadas (u1, . . . , uN+1) e (v1, . . . , vN+1) de E têm a mesma orientaçãose e somente se ω(u1, . . . , uN+1) e ω(v1, . . . , vN+1) têm o mesmo sinal.

Demonstração :Supondo que as duas bases tenham a mesma orientação, considere as funções

contínuas f1, . . . , fN+1 : [0, 1] → E que transformam uma na outra e faça α :[0, 1]→ IR, α(t) = ω(f1(t), . . . , fN+1(t)). Como α não pode se anular, o resultadosegue do Teorema do Valor Intermediário.

Para a recíproca, comecemos observando que podemos supor que nosso espaçotem produto interno e que a base (u1, . . . , uN+1) é ortonormal. O processo deortonormalização de Gram-Schmidt nos fornece uma deformação de (v1, . . . , vN+1)em uma base ortonormal com a mesma orientação , mantendo o sinal de ω. As-sim, podemos supor que as duas bases são ortonormais e que ω(u1, . . . , uN+1) eω(v1, . . . , vN+1) têm o mesmo sinal. Vamos agora, passo a passo, deformar cada uiem cada vi.

Se u1 = v1 ou u1 = −v1, nada fazemos; caso contrário, tomamos θ tal quecos θ = < u1, v1 >, fazemos e1 = u1, v1 = v1− < v1, u1 > u1, e2 = (1/|v1|)v1

e, para t ∈ [0, 1], consideramos a transformação Tt de E em E dada por Tte1 =cos(tθ)e1 + sin(tθ)e2, Tte2 = − sin(tθ)e1 + cos(tθ)e2, mantendo fixos os vetores or-togonais ao espaço gerado por e1 e e2. Assim, como Tt preserva a ortonormalidade,a antiga base (u1, . . . , uN+1) se deforma em uma nova, com o novo u1 igual a v1.Fazemos o mesmo com u2 até uN . Teremos então uma nova base ortonormal, que

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42 CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE

continuamos chamando (u1, . . . , uN+1), em que ui = vi ou ui = −vi, i = 1, . . . , N .Daí decorre que também temos uN+1 = vN+1 ou uN+1 = −vN+1. Durante todoo processo, o sinal de ω(u1, . . . , uN+1) não se alterou, continuando igual ao deω(v1, . . . , vN+1). Logo, o número de índices i para o s quais ui = −vi é par. Mas,se ui = −vi e uj = −vj , podemos fazer, no espaço gerado por ui e uj , uma rotaçãode 1800, transformando finalmente uma base na outra.

Examinemos agora o espaço das N -formas lineares alternadas num espaço Ede dimensão N , que será notado AN(E) (o espaço das p-formas será notadoAp(E)). Se ω ∈ AN(E), então ω é determinada por seu valor em (v1, . . . ,vN), onde v1, . . . , vN é base de E. Assim, AN(E) tem dimensão 1, isto é,se ω, η ∈ AN(E), ω 6= 0, então existe λ ∈ IR tal que η = λω (ou seja, amenos de fixação da unidade de medida, só existe uma forma de medir coisasde dimensão N em E).Seja agora T : E → E linear. Para cada ω ∈ AN(E), seja ωT ∈ AN(E) dadapor

ωT (v1, . . . , vN) = ω(Tv1, . . . , T vN)

A aplicação ω → ωT é claramente um homomorfismo de AN(E) em AN(E).Sendo AN(E) de dimensão 1, existe um único escalar detT tal que

ω(Tv1, . . . , T vN) = detT.ω(v1, . . . , vN)∀ω ∈ AN(E) .

detT é chamado determinante de T .

Observe que se T1, T2 : E → E são lineares, então, para qualquer ω emAN(E), temos

det(T1T2)ω(v1, . . . , vN) = ω(T1T2v1, . . . , T1T2vN) == ωT1(T2v1, . . . , T2vN) = detT1ω(T2v1, . . . , T2vN) =

= detT1.detT2.ω(v1, . . . , vN) ∀(v1, . . . , vN) ∈ EN ,

o que prova a famosa fórmula

det(T1T2) = detT1.detT2 .

Note ainda que nossa construção do determinante não utiliza o fato de estar-mos trabalhando com espaços vetoriais reais. Podemos, portanto considerá-lo

Page 43: Calculo Avancado Felipe

43

definido em espaços vetoriais quaisquer de dimensão finita (inclusive sobreIC).Recordamos que se E é um espaço (de dimensão finita) com produto interno〈, 〉 e T : E → E é linear, a adjunta de T , T ∗, é definida por

〈Tu, v〉 = 〈u, T ∗v〉 ∀u, v ∈ E

Exercício: Mostre que T ∗ está bem definida e é linear. Mostre que (ST )∗ = T ∗S∗

e que (T−1)∗ = T ∗−1 . Mostre que (λS + T )∗ = λS∗ + T ∗.

Exercício: Mostre que detT ∗ = detT (a barra indica conjugação complexa). Sug-estão: escreva T como produto de transformações lineares elementares.

Exercício: Mostre que se U preserva produto interno então | detU | = 1.

Ao leitor que só conhecia a tradicional definição de determinante para ma-trizes quadradas e que eventualmente esteja entusiasmado com a simplicidadeda definição que apresentamos, observamos que as dificuldades inerentes aesta foram escamoteadas sob forma de um inocente exercício : dimAp(E) =(Np

), onde N é a dimensão de E. Nosso objetivo aqui é menos enfrentar

estas dificuldades, mas, principalmente, tirar o conceito de determinante deum quadro puramente algébrico. Assim, do ponto de vista que adotamos,a fórmula det(AB) = detA.detB é intuitivamente óbvia (do ponto de vistageométrico). Já a fórmula detA∗ = detA, intuitivamente óbvia do ponto devista algébrico, deixou de sê-lo ao adotarmos um ponto de vista geométrico.

PROBLEMA: Encontre uma forma de tornar intuitivamente óbvia, do ponto devista geométrico, a fórmula detA∗ = detA.

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44 CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE

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Capítulo 6

MUDANÇAS DE VARIÁVEIS

A esta altura já devemos estar convencidos dos seguintes fatos:(i) Se T : IRN → IRN é linear e Q = [0, 1]N , então T (Q) é J-mensurável eµ(T (Q)) =| detT |.(ii) Se T : IRN → IRN é linear e A ⊂ IRN é J-mensurável, então T (A) éJ-mensurável e µ(T (A)) =| detT | µ(A).

A partir daí devemos ser capazes de concluir que se ϕ é um difeomofismoC1 entre A e ϕ(A) e f : ϕ(A) → IR é integrável, então f ϕ : A → IR éintegrável e ∫

ϕ(A)

f =

∫A

f ϕ | Jϕ |

Tentemos, pois, demonstrar o resultado acima. Deveríamos, é claro, sercapazes de prová-lo facilmente no caso em que ϕ é linear . . . e no entanto acoisa, na prática, se mostra inesperadamente complicada.Suponhamos então que ϕ é uma isometria. Aos poucos vamos descobrindosurpreendentes dificuldades até mesmo para provar que um cubo de lado 1tem volume 1 !A razão pela qual estamos sendo humilhados é que nossa definição de medidautiliza apenas retângulos de lados paralelos aos eixos. Não há nada que nospermita dizer que figuras congruentes têm a mesma medida (embora sejaverdade). Qualquer rotação é um problema enorme.Reduzindo nossas ambições, podemos abordar alguns casos em que temoscerteza de sucesso, como translações, homotetias, reflexões não muito com-plicadas, etc.. . . Ora, o processo de solução de sistemas lineares por elimi-

45

Page 46: Calculo Avancado Felipe

46 CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS

nação nos fornece a prova de que toda transformação linear de IRN em IRN

é produto de transformações de um dos seguintes tipos:

(i) Tei =

ei, i 6= j, kek, i = jej, i = k

, i = 1, . . . , N

(ii) Tei =

ei, i 6= j

λej, i = j, i = 1, . . . , N

(iii) Tei =

ei, i 6= j

ej + λek, i = j, i = 1, . . . , N

Exercício: Mostre que podemos fazer o mesmo com transformações dos seguintestipos:

a) Tei =

ei, i 6= 1, kek, i = 1,e1, i = k

,

b) Tei =λe1, i = 1ei, i 6= 1

,

c) Tei =ei, i 6= 1e1 + ej , i = 1

,

ou dos seguintes tipos:

d) Tei = ∑N

j=1 λjej , i = 1ei, i 6= 1

e a) .

Examinando as transformações dos tipos (i), (ii) e (iii) acima, vemos facil-mente que, sendo Q = [0, 1]N , temos µ(T (Q)) = 1 se T é do tipo (i) (edetT = −1) e µ(T (Q)) =| λ | se T é do tipo (ii) (e detT = λ). Quantoao tipo (iii), podemos aplicar-lhe o Fubini e mostrar que µ(T (Q)) = 1 (edetT = 1).Assim, com uma tacada de Álgebra Linear, conseguimos escapar das rotaçõese enunciar:

Lema 1: Se T : IRN → IRN é linear e A ⊂ IRN é J-mensurável, então T (A)é J-mensurável e µ(T (A)) =| detT | µ(A).

Demonstração :

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47

Comecemos provando que basta demonstrar o Lema para Q = [0, 1]N .Se T não é sobrejetiva não há nada a demonstrar. Suponhamos então que T é umisomorfismo e que µ(T (Q)) =| detT |.Seja iA a função característica de A, dada por iA(x) = 1 se x ∈ A e iA(x) = 0se x 6∈ A (escolha um bloco B contendo A para domínio de iA). Da mesma forma,considere iT (A) = iA T−1.A idéia agora é fazer um sanduíche de iT (A) entre duas funções que sabemos in-tegrar. Considere uma partição P de B tal que U(iA, P ) − L(iA, P ) < ε. SejamS1(P ) o conjunto dos sub-blocos de P que interceptam A e S2(P ) o conjunto dosque estão contidos em A. Sejam

f1 =∑

β∈S1(P )

iβ , f2 =∑

β∈S2(P )

Temos f1 ≥ iA ≥ f2 e

U(iA, P ) =∫f1 =

∑β∈S1(P )

∫iβ =

∑β∈S1(P ) µ(β) ,

L(iA, P ) =∫f2 =

∑β∈S2(P )

∫iβ

=∑

β∈S2(P ) µ(β)

Mas se µ(T (Q)) =| detT | µ(Q), é imediato que a mesma relação vale para qualquerbloco. Temos então iβ T−1 integrável qualquer que seja o bloco β (aberto, semi-aberto ou fechado) e, portanto, f1 T−1 e f2 T−1 integráveis, com

f1 T−1 ≥ iA T−1 = iT (A) ≥ f2 T−1

Mas∫f1 T−1 =

∑β∈S1(P )

∫iβ T−1 =

∑β∈S1(P )

| detT | µ(β) =| detT | U(iA, P ) ,

∫f2 T−1 =

∑β∈S2(P )

∫iβ T−1 =| detT | L(iA, P )

Fazendo tender ε a zero obteremos T (A) J-mensurável e µ(T (A)) = | detT | µ(A).Resta provar que µ(T (Q)) =| detT | µ(Q). Pelas considerações que precedem oLema isto vale se T é uma transformação elementar dos tipos (i), (ii) ou (iii). Oque acabamos de provar garante que podemos estender o resultado ao produto detransformações lineares (observe que isso é necessário para podermos garantir queµ(T1T2(Q)) =| detT1 | µ(T2(Q)), já que T2(Q) não é, em geral, um bloco).

Passemos agora ao caso não linear. Devemos dar legitimidade à idéia de que,ϕ(x) perto de um ponto x0 sendo aproximada por ϕ(x0) + ϕ′(x0).(x − x0),devemos ter

ϕ(x0 + β) ∼= ϕ(x0) + ϕ′(x0)(β)

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48 CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS

ϕ

x0 + β

x0

ϕ(x0 + β)

ϕ(x0)

para blocos β pequenos contendo 0 e, conseqüentemente,

µ(ϕ(x0 + β)) ∼=| Jϕ(x0) | µ(β)

Comecemos pelo que deve ser mais fácil: para δ pequeno, o conjunto dosϕ(x0 + h), com h ∈ [−δ, δ]N deve estar contido em algo pouco maior do queo conjunto dos ϕ(x0) +ϕ′(x0)h. Mais precisamente, dado r > 1, devemos terδ0 > 0 tal que

ϕ(x0 + [−δ, δ]N) ⊂ ϕ(x0) + ϕ′(x0)([−rδ, rδ]N) ∀δ ∈]0, δ0] .

Mais delicado (e similar à parte mais complicada do Teorema da FunçãoInversa) é o seguinte: dado r < 1, devemos ter δ0 > 0 tal que

ϕ(x0 + [−δ, δ]N) ⊃ ϕ(x0) + ϕ′(x0)([−rδ, rδ]N) ∀δ ∈]0, δ0]

Supondo verdadeiras as afirmações acima, devemos ainda “juntar pedaci-nhos”, o que leva a crer que seja necessária alguma hipótese de compacidade.

Lema 2: Sejam A,B ⊂ IRN abertos ϕ : A→ B um difeomorfismo de classeC1. Se K ⊂ A é compacto, então , para qualquer r1; r2 com 0 < r1 < 1 < r2,existe δ0 > 0 tal que, sendo x0 ∈ K E β = [−δ, δ]N , 0 < δ ≤ δ0, temosx0 + β ⊂ A e

ϕ(x0) + ϕ′(x0)(r1β) ⊂ ϕ(x0 + β) ⊂ ϕ(x0) + ϕ′(x0)(r2β) .

Demonstração :Sendo K compacto e A aberto, podemos garantir que existe δ1 > 0 tal que x0 +[−δ, δ]N ⊂ A para todo x0 em K. Podemos também garantir que existe R > 0 talque

ϕ′(x0)([−1, 1]N ) ⊃ BR(0) ∀x0 ∈ K

(vamos fixar desde já R = maxx∈K ‖ ϕ′(x0)−1 ‖)−1) .

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(r2 − 1)δR

ϕ′(x0)([−δ, δ]N

)

x0 + [−δ, δ]N

x0

ϕ′(x0)([−(r2 − 1)δ, (r2 − 1)δ]N

)

0

(i) Seja então r2 > 1Se x0 ∈ K, podemos escrever

ϕ(x0 + h) = ϕ(x0) + ϕ′(x0)h+ ε(x0, h) .

A idéia é fazer ε(x0, h) suficientemente pequeno para caber dentro de

ϕ′(x0)([−(r2 − 1)δ, (r2 − 1)δ]N )

.Ora, como

∂hε(x0, h) = ϕ′(x0 + h)− ϕ′(x0) ,

que é contínua em K × [−δ1, δ1]N (δ1 definido acima), e

∂hε(x0, 0) = 0 ∀x0 ∈ K ,

temos, pela compacidade de K × 0, que, dado η > 0 existe δ2 > 0 (com δ2 ≤ δ1)tal que

‖ ∂

∂hε(x0, h) ‖< η ∀h ∈ [−δ2, δ2]N

Nestas condições, teremos, para h ∈ [−δ, δ]N , 0 < δ ≤ δ2,

| ε(x0, h) |≤ η | h |≤ ηδ .

Ora, tomando η = (r2 − 1)R (R definido acima), teremos

ε(x0, h) ∈ B(r2−1)δR(0) ⊂ ϕ′(x0)([−(r2 − 1)δ, (r2 − 1)δ]N ) ( por homotetia).

Como ϕ′(x0)h ∈ ϕ′(x0)([−δ, δ]N ), teremos

ϕ(x0 + h) = ϕ(x0) + ϕ′(x0)h+ ε(x0, h) ∈ ϕ(x0) + ϕ′(x0)([−r2δ, r2δ]N ) ,

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50 CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS

x0 + [−r1δ, r1δ]N

ϕ′(x0)−1ε(x0, h)

x0 + [−δ, δ]N

x0

quaisquer que sejam x0 em K e h em [−δ, δ], com 0 < δ ≤ δ2

(ii) Seja agora r1 entre 0 e 1Escrevendo ϕ(x0 + h)− ϕ(x0) = ϕ′(x0)h+ ε(x0, h), queremos investigar para quevalores k podemos encontrar h tal que

k = ϕ′(x0)h+ ε(x0, h) ,

ou, equivalentemente,

h = ϕ′(x0)−1k − ϕ′(x0)−1ε(x0, h)

Ora, se F (h) = ϕ′(x0)−1k − ϕ′(x0)−1ε(x0, h), temos

| F (h1)− F (h2) |≤‖ ϕ′(x0)−1 ‖ . | ε(x0, h1)− ε(x0, h2) |≤

≤ R−1 maxK×[−δ3,δ3]N ‖ ∂ε∂h(x0, h) ‖ . | h1 − h2 |

(R já definido, δ3 anegociar).

Podemos tomar δ3 > 0 tal que R−1 maxK×[−δ3,δ3]N ‖ ∂ε∂h(x0, h) ‖< 1 e além disso,

tal que

ϕ′(x0)−1ε(x0, h) ∈ [−(1− r1)δ3, (1− r1)δ3]N∀(x0, h) ∈ K × [−δ3, δ3]N .

Basta, dado que K × 0 é compacto e ∂ε∂h é contínua, termos δ3 tal que

R−1 maxK×[−δ3,δ3]N

‖ ∂ε∂h

(x0, h) ‖< 1− r1

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Segue então, se k ∈ ϕ′(x0)([−r1δ, r1δ]N ), que F é uma contração forte em [−δ, δ]N(sempre que 0 < δ ≤ δ3). Logo, existe

h ∈ [−δ, δ]N com ϕ(x0 + h) = ϕ(x0) + k .

Concluindo a demonstração do Lema, tome, dados r1, r2 > 0 com r1 < 1 < r2,δ0 = minδ1, δ2, δ3 e estará tudo certo.

Agora já podemos atacar nosso Teorema:

Teorema de Jacobi: Sejam A, B abertos IRN e ϕ : A → B um difeo-morfismo de classe C1 (isto é, ϕ é uma bijeção de classe C1 tal ϕ′(x) éisomorfismo, para todo x EM A). Se K ⊂ A é compacto e f : ϕ(K)→ IR étal que f ϕ | Jϕ | é integrável, então f é integrável e∫

ϕ(K)

f =

∫K

f ϕ | Jϕ | .

Demonstração :Considere r1, r2 > 0 com r1 < 1 < r2. Tome δ0 > 0 tal que

ϕ(x0) + ϕ′(x0)([−r1δ, r1δ]N ) ⊃ ϕ(x0+]− δ, δ[N ) eϕ(x0 + [−δ, δ]N ) ⊂ ϕ(x0) + ϕ′(x0)([−r2δ, r2δ]N )

para quaisquer x0 em K1 e δ em ]0, δ0], onde K1 é um compacto que contém K eestá contido em A, com

x0 + [−δ0, δ0]N ⊂ K1 ∀x0 ∈ K

(pequena alteração do Lema 2, sem dificuldades).Vamos começar supondo f ≥ 0.Tome, agora, um bloco B contendo A de modo que todas as arestas de B tenhamcomprimento 2nδ0.Divida B em nN blocos de arestas 2δ0 (seja P0 a partição correspondente de B).A idéia é ir dividindo os sub-blocos de P0 e formar uma seqüência de partições(Pn)n∈IN , de modo que Pi+1 é obtida dividindo cada bloco de Pi (de aresta 21−iδ0)em 2N blocos (de aresta 2−iδ0). Quando n→∞, teremos

U(f ϕ | Jϕ |, Pn)→∫kf ϕ | Jϕ |← L(f ϕ | Jϕ |, Pn)

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52 CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS

(a demonstração desse fato é um exercício a ser explicitamente enunciado a seguir).

Agora observe:(i) Estendendo f a um bloco contendo ϕ(A)1 (f(x) = 0 se x 6∈ ϕ(K)), é fácil verque se X é conjunto dos pontos de descontinuidade de f ϕ | Jϕ |, então ϕ(X)é o conjunto dos pontos de descontinuidade de f (ϕ é um difeomorfismo, | Jϕ |é contínua e não nula). Mas X é de medida nula; pode portanto ser coberto porcubos N -dimensionais (que podem ser supostos todos de aresta menor que 2δ0)cujas medidas, somadas, são pequenas. Os Lemas 1 e 2 provam que ϕ(X) temmedida nula. Portanto, f é integrável.(ii) Seja agora Pn uma das partições anteriormente definidas. Seja R(Pn) a coleçãodos blocos relevantes (isto é, aqueles que interceptam K). Temos então, paraβ ∈ R(Pn), que ϕ(β) é J-mensurável (por (i)), que f é integrável sobre ϕ(β) e∫

ϕ(K) f ≤∑

β∈R(Pn)

∫ϕ(β) f ≤

∑β∈R(Pn) supβ f ϕµ(ϕ(β)) ≤

≤ rN2∑

β∈R(Pn)(supβ f ϕ) | Jϕ(xβ) | µ(β)

(onde xβ é o centro de β).

Seja εn = supβ∈R(Pn) supβ || Jϕ | − | Jϕ(xβ) ||. Como⋃β∈R(Pn) β ⊂ K1, temos

que limn→∞ εn = 0 (K1 compacto ⇒| Jϕ | uniformemente contínua). Segue∫ϕ(K) f ≤ rN2

([∑β∈R(Pn) sup(f ϕ | Jϕ |)µ(β)

]+ εn sup | f | µ(B)

)=

= rN2 (U(f ϕ | Jϕ |, Pn) + εn sup | f | µ(B))

Fazendo n→∞, temos ∫ϕ(K)

f ≤ rN2∫Kf ϕ | Jϕ |

(iii) Repetindo a mesma idéia teremos∫ϕ(K) f ≥

∑β∈R(Pn)

∫ϕ(β)f ≥

∑β∈R(Pn) infβ f ϕµ(ϕ(β)) ≥

≥ rN1∑

β∈R(Pn)(infβ f ϕ) | Jϕ(xβ) | µ(β) ≥

≥ rN1(∑

β∈R(Pn) infβ(f ϕ | Jϕ(xβ) |)µ(β)− εn sup | f | µ(B))

,

1Como ϕ(K) é compacto, podemos supor ϕ(A) limitado

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53

de onde concluímos, com n→∞, que∫ϕ(K)

f ≥ rN1∫Kf ϕ | Jϕ |

(iv) Fazendo r1 → 1← r2, temos para f ≥ 0, que∫ϕ(K)

f =∫Kf ϕ | Jϕ |

Trocando f por −f , temos o mesmo resultado para f ≤ 0 e, conseqüentementepara f = f1 + f2, f1 ≥ 0, f2 ≤ 0, f1 e f2 integráveis. Ora, se f é integrável temos,fazendo

f+(x) =f(x), f(x) ≥ 00, f(x) < 0 ,

f−(x) =f(x), f(x) ≤ 00, f(x) > 0 ,

f = f+ + f− e o conjunto dos pontos de descontinuidade de f contém os de f+ ef−. Logo f é integrável se e só se f+ e f− o são, e pronto.

Observação : Na demonstração acima utilizamos alguns resultados cujasprovas não foram explicitadas. Os exercícios abaixo destacam esses pontosobscuros.

Exercício: Seja B ⊂ IRN um bloco. Se P = P1 × P2 × · · · × PN é uma partição deB, a norma de P , | P |, é o comprimento do maior subintervalo de todas as Pi.Suponha que f : B → IR é integrável e que (Pn)n∈IN é uma seqüência de partiçõesde B com limn→∞ | Pn |= 0. Mostre que

limn→∞

U(f, Pn) =∫Bf = lim

n→∞L(f, Pn)

Exercício: Um cubo em IRN (ou N -cubo) de aresta l é um bloco do tipo [a1, a1 +l] × [a2, a2 + l] × · · · × [aN , aN + l]. Seja X ∈ IRN de medida nula. Mostre quepara todo ε > 0 existe uma família (Cn)n∈IN de cubos com X ⊂

⋃n∈IN Cn e∑∞

n=1 µ(Cn) < ε

Exercício: Sejam A ⊂ IRN aberto e ϕ : A→ IRN de classe C1.(i) Mostre que, se X tem medida nula e X é um compacto contido em A, entãoϕ(X) tem medida nula.(ii) Mostre que se X ⊂ A tem medida nula, então ϕ(X) tem medida nula.

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54 CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS

(iii) Mostre que se K ⊂ A, K compacto e f : ϕ(K)→ IR é integrável, então f ϕnão necessariamente é integrável, mas isto é verdade se ϕ for difeomorfismo declasse C1.(iv) Seja K o conjunto de Cantor (obtém-se K retirando, inicialmente, o terçocentral, aberto, de [0, 1]; em seguida retiram-se os terços centrais dos intervalosremanescentes e assim sucessivamente; o que resta é K). Mostre que K tem medidanula.(v) Modifique a construção de K de forma a obter um conjunto similar mas que nãotenha medida nula (troque, na construção de K, os terços centrais por intervalosmenores).(vi) Sejam A = [0, 1] \K e B = [0, 1] \ L, onde L é o conjunto construído em (v).Mostre que a fronteira de A é K e a de B é L. Mostre que A é J-mensurável e Bnão. Observe que A e B são reuniões enumeráveis de intervalos abertos disjuntos.Conclua que existe um difeomorfismo de classe C∞ entre A e B.(vii) Observe que os intervalos que constituem B são menores que seus correspon-dentes em A. Conclua que podemos criar difeomorfismo ϕ : A → B de classeC∞ com | Jϕ(x) |≤ 1 para todo x em A. Mostre que existe f : B → IR tal quef ϕ | Jϕ | é integrável mas f não é.

Os exercícios acima tapam os buracos da demonstração e explicam as hi-póteses do Teorema. Passemos agora a outro tipo de comentário. Nossademonstração é boa, por ser geométrica, mas pode ser simplificada.

Simplificação :Retome a demonstração no final de (ii). Fazendo r2 → 1, temos∫

ϕ(K)f ≤

∫Kf ϕ | Jϕ |

Considere agora g : K → IR, g(x) = f ϕ(x) | Jϕ(x) |. Então g ϕ−1 | Jϕ |= f éintegrável (por (i)) e, por (ii),∫

Kf ϕ | Jϕ |=

∫Kg ≤

∫ϕ(K)

g ϕ−1 | Jϕ−1 |=∫ϕ(K)

f

Daí se pode passar diretamente a (iv), suprimindo metade do Lema 2.

Exercício : Sejam A ⊂ IRN aberto limitado tal que ∂A tem medida nula eϕ : A→ IRN de classe C1 tal que ϕ|A : A→ ϕ(A) é um difeomorfismo. Mostre quef : ϕ(A) → IR é integrável se e só se f ϕ|Jϕ| é integrável e que neste caso vale∫ϕ(A) f =

∫A f ϕ|Jϕ|. Ou seja: é permitido usar coordenadas polares.

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55

Aproveitemos a linha de idéias do Lema 2 e demonstremos a parte fácil (masainda assim útil) do Teorema de Sard.

Teorema de Sard (parte fácil): Sejam A aberto em IRN e ϕ : A → IRM

de classe C1, N ≤ M . Seja D = x ∈ A | ϕ′(x) não é sobrejetiva . Entãoϕ(D) é um conjunto de medida nula.

Demonstração :Observe, inicialmente, que a continuidade de ϕ′ garante que D é fechado em A.Como A é união de uma família enumerável de compactos, basta provar que seK ⊂ D é compacto, então ϕ(K) é de medida nula.A demonstração está baseada no seguinte fato: se X está contido em um subespaçode dimensão M − 1 de IRM e seu diâmetro é menor ou igual a d, então o conjuntoXε = y ∈ IRM , ∃x ∈ X com | y − x |< ε está contido em um conjunto demedida 2Mε(d+ ε)M−1 (demonstração: rode X até ficar contido em IRM−1 × 0;X cairá dentro de um cubo de IRM−1 × 0 de aresta 2d, Xε dentro de um blocoda forma [a1−ε, a1 +2d+ε]×· · ·× [aM−1−ε, aM−1 +2d+ε]× [−ε, ε], cuja medidaé 2Mε(d+ ε)M−1).A idéia agora é estender esta afirmativa local a conjuntos compactos.Seja então K ⊂ D compacto. Escreva

ϕ(x+ h)− ϕ(x)− ϕ′(x)h = ε(x, h)

Como ∂ε∂h(x, 0) = 0 para todo x em D, temos (K é compacto) que dado η > 0

existe δ > 0 tal que

| h |≤ δ ⇒| ε(x, h) |< η | h | ∀x ∈ K .

Podemos então, dado η > 0, cobrir K por uma coleção C1, . . . , Cn de cubos demesmo diâmetro (< δ) e tal que µ(C1) + · · · + µ(Cn) ≤ V , onde V é um númerofixo independente de η (V pode ser a medida de um cubão contendo K), todos osCi dentro de K1 compacto, K1 ⊂ A.Daí segue que se x ∈ Ci, temos x = xi + h (xi = centro de Ci) com | h |< δ e,portanto,

ϕ(x) = ϕ(xi + h) = ϕ(xi) + ϕ′(xi)h+ ε(xi, h)

Seja agora L = maxK1 | ϕ′ |. Então ϕ′(xi)h está em subconjunto de um espaço dedimensão M −1 e diâmetro menor que Lδ. Como | ε(xi, h) |< ηδ, temos que ϕ(Ci)está contido em um conjunto de medida inferior a

2Mηδ(Lδ + ηδ)M−1 = 2Mη(L+ η)δM .

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56 CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS

K

c1 c2 c3

c4 c5 c6 c7

c12 c13

c8 c9 c10 c11

A

Como N ≤M e podemos supor δ < 1, temos que ϕ(K) ⊂⋃ni=1 ϕ(Ci) e cada ϕ(Cn)

está contido em um conjunto de medida inferior a 2Mη(L + η)δN . Assim, comoV ≥

∑µ(Ci) ≥ nδN , temos que ϕ(K) está contido em um conjunto de medida

inferior a 2M (L+ η)ηV . Como η é arbitrário e V e L são fixos, ϕ(K) é de medidanula.

Problema: A conclusão do teorema de Sard vale se N > M ?

Definição : Sejam A aberto em IRN e ϕ : A → IRM de classe C1. Umponto x de A tal que ϕ′(x) não é sobrejetiva é dito um ponto crítico deϕ; os demais pontos são chamados de pontos regulares. A imagem de umponto crítico é chamado valor crítico de ϕ; os demais pontos de IRM sãochamados de valores regulares.

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Capítulo 7

INTEGRAIS IMPRÓPRIAS

Nossa definição de integral excluiu liminarmente de consideração duas classesde funções perfeitamente honradas: as ilimitadas e aquelas, limitadas ou não,cujos domínios de definição não são limitados. Trataremos agora de eliminartais restrições .

Exercício : Sejam X ⊂ IRN limitado e f : X → IR limitada. Sejam f+,f− : X → IR dadas por

f+(x) =f(x), f(x) ≥ 0

0, f(x) < 0e f−(x) =

f(x), f(x) ≤ 0

0, f(x) > 0.

Mostre que f é integrável se e somente se f+ e f− são integráveis.

Consideremos, pois, X ⊂ IRN qualquer e f : X → IR limitada. Escrevendof = f++f− como acima, vemos que basta definir

∫Xf para f positiva. Supo-

nhamos pois f positiva. Seja f : IRN → IR dada por f(x) =

f(x), x ∈ X

0, x 6∈ X .

Diremos que f é integrável se o conjunto dos pontos de descontinuidade def é de medida nula. Neste caso, definimos∫

X

f = limR→∞

∫[−R,R]N

f ,

entendido que o resultado pode ser infinito.Para f não necessariamente positiva, diremos que f é integrável se pelo menosuma das integrais

∫Xf+,

∫X−f− for finita (supondo, é claro, que f+ e −f−

57

Page 58: Calculo Avancado Felipe

58 CAPÍTULO 7. INTEGRAIS IMPRÓPRIAS

são integráveis). Definimos∫X

f =

∫X

f+ −∫X

−f− .

Desta forma, podemos considerar que todas as funções estão definidas noespaço inteiro. Seja agora f : IRN → IR positiva mas não necessariamentelimitada. Diremos que f é integrável se o conjunto de seus pontos de des-continuidade tem medida nula. Para cada R ∈ IR, considere fR : IRN → IR

dada por fR(x) =

f(x), f(x) ≤ RR, f(x) > R

. Neste caso existe o limite de∫fR

quando R tende a infinito (finito ou infinito). Definimos então∫f = lim

R→∞

∫fR

Finalmente, dados X ⊂ IRN e f : X → IR, diremos que f é integrável se f+

e −f− são integráveis e ao menos uma das duas integrais é finita. Definimos∫X

f =

∫f+ −

∫−f−

onde f+ e −f− são entendidas como funções definidas em IRN .

Exercício : Mostre que o conceito de integral assim estendido tem as propriedadesque deve ter. Mostre que existe limR→∞

∫ R0

senxx dx mas senx

x não é integrável.

Exercício : Estenda a integrais impróprias os Teoremas de Fubini e de Jacobi.

Aproveitando o ensejo, defina integral vetorial da seguinte maneira: sef : X → IRN é tal que o conjunto de seus pontos de descontinuidade é demedida nula, então

∫Xf =

(∫Xf1, . . . ,

∫XfN), onde as fi são as componentes

de f .

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Capítulo 8

EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES

Os exercícios e aplicações abaixo são qualitativamente diferentes, em suamaioria, dos que foram incluídos nos parágrafos anteriores. Aqueles tinhamcaráter conceitual ou teórico, principalmente; estes têm um aspecto mais“cálculo” e procuram estimular mais a criatividade do que o rigor lógico.

a Integrais de Superfície

Não vamos definir aqui o que vem a ser uma superfície. Intuitivamente, trata-se de um subconjunto de IR3 que tem dimensão 2. Superfícies sem “bicos”devem ter plano tangente em cada ponto. Superfícies regulares não devemter auto-interseções e os planos tangentes devem variar continuamente.

superfície comauto-interseções

superfície regularsuperfície com bicos

59

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60 CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES

u0

D ∆S∆D

u0 + ∆u

ϕ

x

y

z

Sv0

v

u

v0 + ∆v

Seja, pois, S ⊂ IR3 uma superfície (seja lá isso o que for) e suponhamos queexistem D ⊂ IR2 e ϕ : D → IR3, injetiva e de classe C1, com ϕ(D) = S.

Se considerarmos em D um retângulo ∆D de vértices (u0, v0), (u0 + ∆u, v0),(u0 + ∆u, v0 + ∆u), (u0, v0 + ∆u), sua imagem ∆S será aproximada peloparalelogramo formado, a partir de ϕ(u0, v0), pelos vetores ∆u∂ϕ

∂u(u0, v0) e

∆v ∂ϕ∂v

(u0, v0). A área de ∆S será aproximada, pois, por ∆u∆v | ∂ϕ∂u

(u0, v0)×∂ϕ∂v

(u0, v0) | 1.Desta forma, dada f : S → IR, sua integral (se existir e seja lá o que for)deve ser calculada por∫

S

fdS =

∫D

f ϕ | ∂ϕ∂u× ∂ϕ

∂v|

(neste sentido, chamamos | ∂ϕ∂u× ∂ϕ

∂v| de jacobiano de ϕ).

Com estas breves considerações, podemos dar por entendido o que vem a serintegral de superfície. Uma discussão sobre o conceito de superície ficapara mais tarde; para mais tarde ainda ficam definições rigorosas de superfíciee integral de superfície (observe que há dificuldades: se S é uma esfera, porexemplo, não há ϕ : D → IR3 injetiva e de classe C1 com ϕ(D) = S, D ⊂ IR2,a menos que ϕ−1 seja descontínua).

b Exercícios

1) Seja c : [a, b] → IRN (considere dada uma norma | | em IRN). Paracada partição P de [a, b] defina S(c, P ) =

∑ni=1 | c(ti)− c(ti−1) |, onde P =

1Se u = (u1, u2, u3) e v = (v1, v2, v3), então u × v é definido por u × v = (u2v3 −u3v2, u3v1 − u1v3, u1v2 − u2v1)

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B. EXERCÍCIOS 61

t0, . . . , tn, a = t0 < t1 < · · · < tn = b: Defina S(c) = supP∈p([a,b]) S(c, P )(finito ou infinito). Mostre que se c é de classe C1 (ou C1 por partes), entãoS(c) é finito e S(c) =

∫ ba| c′(t) | dt. Defina

∫cf analogamente ao que foi feito

para integrais de superfície.

2) Mostre que a construção acima não funciona para superfícies. Mais pre-cisamente, mostre o seguinte: existe uma superfície S para a qual podemos,aproximando sua área pela soma das áreas de triângulos com vértices emS, obter valores arbitrariamente grandes (com triângulos pequenos e proce-dendo honestamente). Espera-se, é claro, que você encontre um exemplo emque a área de S é claramente finita.

3) Abra um livro de Cálculo e calcule algumas integrais de superfície (ouinvente algumas).

4) Calcule os Jacobianos de

coordenadas polares :(r, θ) 7−→ (rcosθ, rsenθ)

coordenadas cilíndricas :(r, θ, z) 7−→ (rcosθ, rsenθ, z)

coordenadas esféricas :(r, θ, ϕ) 7−→ (rcosϕsenθ, rsenϕsenθ, rcosθ)

5) Mostre que∫∞−∞ e

−x2dx =

√π.

Sugestão: ∫ ∞−∞

e−x2

dx =

(∫ ∞−∞

e−x2

dx

∫ ∞−∞

e−y2

dy

) 12

6) Calcule a área da casquinha de sorvete dada por z2 = a2(x2 + y2), 0 ≤z ≤ bx+ c, a, b, c positivos fixos, b < a.

7) Considere uma distribuição uniforme de cargas elétricas positivas sobrea superfície de uma esfera. Mostre que o campo elétrico resultante é nulono interior da esfera e igual ao que seria gerado pela carga total da esfera,se concentrada em seu centro, para pontos no exterior da esfera. Calcule ocampo gravitacional gerado por uma bola de raio R e massa M uniforme-mente distribuída.

Page 62: Calculo Avancado Felipe

62 CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES

x

projecaocilíndricade x

N

8) O centróide de uma figura S é o ponto cujas coordenadas são

x0 = 1µ(S)

∫SxdS ,

y0 = 1µ(S)

∫SydS ,

z0 = 1µ(S)

∫SzdS ,

onde µ(S) representa o comprimento, área ou volume, conforme o caso (se Sé finita, então µ(S) = #S e

∫representa somatório em S).

Mostre que se S é uma figura plana “cheia” (isto é, com área), então o volumedo sólido obtido pela rotação de S em torno de um eixo l contido no mesmoplano que S (e tal que S fica inteiramente contida em um dos semi-planosdeterminados por l) é 2πRµ(S), onde R é a distância do centróide de S a l(Teorema de Pappus).

9) A projeção cilíndrica consiste em uma transformação p que a cadaponto de uma esfera de raio R (excluídos dois pontos simétricos em relaçãoao centro) associa um ponto da superfície cilíndrica de raio R e altura 2R,da seguinte maneira:Pensando a esfera como se fosse a Terra e o cilindro tangenciando-a ao longoda linha do Equador, a cada ponto x da Terra corresponderá o ponto em quea semi-reta ligando o centro do paralelo que passa por x a x corta o cilindro.Mostre que a projeção cilíndrica preserva áreas, isto é: o mapa de qualquerregião tem área igual à da região.

Page 63: Calculo Avancado Felipe

B. EXERCÍCIOS 63

Seja f : [a, b] → IR de classe C1 e tal que f(x) 6= 0 ∀x ∈ [a, b]. Seja S asuperfície de revolução obtida girando o gráfico de f em torno do eixo dos x.Mostre que para qualquer R > 0 existe uma bijeção que preserva áreas entreS e a superfície cilíndrica cuja base é o círculo de raio R e cuja altura H étal que 2πRH = área de S.

10) Seja S uma superfície parametrizada por ϕ : [a, b] × [c, d] → IR3, ϕ declasse C1. Mostre que existem uma região D ⊂ IR2 e uma aplicação f : D →IR2 tais que f(D) = [a, b]×[c, d], f é injetiva e de classe C1 e a parametrizaçãoψ = ϕ f preserva áreas. Encontre D ⊂ IR2 e ψ : D → IR3 preservandoáreas de modo que ψ(D) seja um toro (ψ deve ser dada explicitamente porfómulas envolvendo apenas funções elementares e D deve ser desenhada).

11) Uma função é dita uma transformação conforme se preserva ângulos(isto é, as imagens de curvas que se cortam segundo um ângulo α são curvasque também se cortam segundo o ângulo α).Seja ϕ : IR2 → IR2 uma transformação conforme de classe C2 tal que Jϕ seja

sempre positivo. Mostre que a matriz jacobiana de ϕ é da forma(a −bb a

).

Sendo ϕ(x, y) = (ϕ1(x, y), ϕ2(x, y)), mostre que a função ψ : IR2 → IR2

dada por ψ(x, y) =(∂ϕ1

∂x(x, y), ∂ϕ2

∂x(x, y)

)também tem uma matriz jacobiana

da forma(a −bb a

). Mostre que toda transformação conforme em IR2 de

jacobiano positivo e preservando áreas é uma rotação.

12) A projeção estereográfica é a aplicação P de IR2 em S2 = (x, y, z)∈ IR3, x2 + y2 + z2 = 1 definida da seguinte maneira : cada ponto do planoé ligado ao “pólo norte” (0, 0, 1) por uma reta; a interseção desta reta comS2 \ (0, 0, 1) é a projeção estereográfica do ponto. Encontre a expressão deP e do jacobiano de P . Mostre que P é uma transformação conforme. Calculea integral sobre D = (x, y) ∈ IR2, x ≥ 1 da função f(x, y) = 1

(x2+y2+1)2 .

13) Seja c : [a, b] → IR2 uma curva fechada de classe C2, tal que c(s) 6=(0, 0) ∀s ∈ [a, b] e c(a) = c(b) (isto é, c não tem bicos). Suponha aindaque c é estritamente convexa. Seja n : [a, b] → S1 definida por n(s) =vetor normal a c em c(s), unitário e apontando para fora de c. Mostre que∫ ba| n(s) | ds = 2π.

Seja R > 0. Para cada s ∈ [a, b] trace um círculo de raio R e centro c(s). SejaD a região exterior a c coberta pelos círculos. Mostre que µ(D) = LR+πR2,onde L é o comprimento de c. Mostre que o mesmo resultado vale se c é

Page 64: Calculo Avancado Felipe

64 CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES

c(s)

n(s)

Dc

apenas convexa e tem “bicos”.

14) Se você não gostou do argumento final da demonstração da fórmula demudança de variáveis para o caso linear (quando utilizamos a decomposiçãode uma transformação linear em transformações simples), experimente a al-ternativa a seguir. Admitamos provado que se T : IRN → IRN é linear ebijetiva, então X ⊂ IRN é J-mensurável se e só se T (X) o é e que existeλ > 0 tal que µ(T (X)) = λµ(X) para todo X J-mensurável (isto já deveestar claro). Então basta provar que

µ(T (B)) =| detT | µ(B), B = x ∈ IRN , | x |≤ 1

(é interessante notar que se T preserva produto interno, ou seja T ∗T = I,então T (B) = B e portanto T preserva medida – mesmo se não soubermosprovar a fórmula acima ou se não soubermos provar que neste caso | detT |=1). Seja, pois, T : IRN → IRN linear e invertível. Mostre que o elipsóideT (B) é imagem de B por uma transformação auto-adjunta R (no fundo éuma questão de achar os eixos principais de T (B)). Faça assim: TT ∗ é auto-adjunta e invertível, com auto-valores estritamente positivos. Tome R talque R2 = TT ∗. Então U = R−1T é tal que UU∗ = I. Conclua (observe queé preciso mostrar que | detU |= 1). Aproveite e prove que detT ∗ = detT .

15) Seja SN−1 = x ∈ IRN , | x |= 1. Considere ϕ : [0,∞[×SN−1 → IRN

dada por ϕ(r, u) = ru. “Mostre” que o “jacobiano” de ϕ é rN−1. Mostreque

∫AR

1rα

< ∞ se e só se α > N , onde AR é região de IRN exterior aBR = x ∈ IRN , | x |≤ R. Mostre que

∫BR

1rα<∞ se e só se α < N .

16) Calcule a área de SN−1 e o volume de BN (BN = x ∈ IRN , | x |≤ 1)para cada N . Mostre que limN→∞ µ(BN) = 0 = limN→∞ µ(SN)

Sugestão: πN2 =

∫IRN

e−|x|2

=∫∞

0

∫SN−1 e

−r2rN−1dSdr. Usando s = r2,

Page 65: Calculo Avancado Felipe

B. EXERCÍCIOS 65

∇F∇F

D

F = b

F = a

mostre que se σN é a área de SN , então vale a fórmula

σN =2π

N − 1σN−2

Integrando em r mostre que se vN é o volume de BN , então vN = σN−1

N.

17) Considere F : IR2 → IR de classe C1 e suponha que as curvas de nível deF são fechadas e que ∇F não se anula.

Considere a região D compreendida entre as curvas F = a e F = b. Paracada r em [a, b], seja cr a curva F = r. Seja f : D → IR contínua. Mostreque ∫

D

f =

∫ b

a

(∫cr

f

| ∇F |

)dr

Faça o mesmo para F : IR3 → IR.

18) Suponha que para cada t ∈ [0, T ] está definida uma figura plana St que“varia continuamente” com t. Suponha ainda que o plano de St “varia con-tinuamente” com t. A questão é calcular o volume varrido pelas St. Suponhaque o movimento se dá segundo o fluxo de um campo de vetores: existeϕ : [0, T ]× S0 → IR3 injetiva e de classe C1 tal que St = ϕ(t, S0) ∀t ∈ [0, T ](cada ponto x0 se move, a partir de S0, segundo ϕ(t, x0)). Suponhamos aindaque ∂ϕ

∂t(t, x) = F (ϕ(t, x)) ∀(t, x) ∈ [0, T ]× S0, com F de classe C1 (ϕ é dito

fluxo associado ao campo F ), F 6= 0. Mostre que o volume varrido pelasSt é dado por ∫ T

0

F (xt).n(t)µ(St)dt ,

Page 66: Calculo Avancado Felipe

66 CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES

onde xt é o centróide de St, n(t) é o vetor unitário normal a St (n(t) pode serescolhido de forma que F (x).n(t) ≥ 0 ∀x ∈ St) e µ(St) =

∫S0| det∂ϕ

∂x(t, x) |

dx.Suponha agora que, para cada t o centróide xt de St seja dado por xt =ϕ(t, x0) e que F (ϕ(t, x0)) seja normal a St. Conclua que o volume varridopelas St é ∫

c

µ(St)dS ,

onde c é a curva dada por c(t) = ϕ(t, x0). Em particular, se µ(St) é constantee igual a A, então o volume varrido é LA, onde L é o comprimento da curvapercorrida pelo centróide.

19) Considere um corpo X ⊂ IR3 (pode ser constituído de um número finitode partículas, ser uma curva, uma superfície ou um sólido). Suponha que Xé rígido e gira ao redor de um eixo. Suponha que a distribuição de massaem X é dada por µ : X → IR e que as distâncias dos pontos de X ao eixosão dadas por r : X → IR. Se v(x) é a velocidade de cada ponto, temos que| v(x) | = ωr(x), onde ω é a velocidade angular. Se calcularmos a energiacinética de x, dada por

∫X

12µ(x) | v(x) |2 = 1

2ω2∫Xµ(x)r(x)2, vemos que

é uma boa idéia definir o momento de inércia (de X em relação ao eixo)por

I =

∫X

µ(x)r(x)2 .

Prove o Teorema de Huygens: O momento de inércia de X em relação aoeixo s é igual à soma do momento de inércia de X em relação ao eixo s0

paralelo a s e passando pelo centro de massa de X mais Md2, onde M é amassa total de X e d a distância a s do centro de massa de X.Suponha agora que X1 e X2 são dois corpos (sem interseções) e que X =X1 ∪ X2. Se I1, I2 e I representam os respectivos momentos de inércia emrelação a eixos paralelos passando pelos respectivos centros de massa, mostreque

I = I1 + I2 +M1M2

M1 +M2

d2 ,

onde M1 e M2 são as massas totais de X1 e X2 e d é a distância entre osrespectivos centros de massa.

(20) Seja SN = x ∈ IRN+1, x21 + · · · + x2

N+1 = 1. Seja, para k inteiro e

Page 67: Calculo Avancado Felipe

B. EXERCÍCIOS 67

ε > 0 fixos, SNk,ε = x ∈ SN , | xi |≤ ε, i = 1, . . . , k. Mostre que

limN→∞

“area′′ de SNk,ε“area′′ de SN

= 1

Seja BN = x ∈ IRN , x21 + · · ·+x2

N ≤ 1. Seja, para k inteiro, ε > 0 e r entre0 e 1 fixos, ANr,k,ε = x ∈ BN , | xi |≤ ε, i = 1, . . . , k, r2 < x2

1 + · · · + x2N.

Mostre que

limN→∞

µ(ANr,k,ε)

µ(BN)= 1

Interprete probabilisticamente os resutados acima.Sugestão : Se a “área” de SN−1 é dada por σN−1, “mostre” que a “área” deSN1,ε é dada por

σN−1

∫ ε

−ε(1− r2)

N−22 dr .

Aproveite para mostrar que

σN = σN−1

∫ π2

−π2

(cosθ)N−1dθ .

(21) Seja U : IR→ IR uma função convexa de classe C2 tal que

lim|x|→∞

U(x) =∞.

Seja x : IR → IR solução de..x= −∇U(x). Sendo y =

.x, mostre que existe

ε ∈ IR tal que E(x(t), y(t)) = ε ∀t ∈ IR, onde E : IR2 → IR é dada porE(x, y) = y2

2+ U(x). Mostre que x é periódica. Seja S : E(IR2) → IR dada

por S(e) = area da regiao dada por E(x, y) ≤ e. Mostre que o período de xé dS

de(ε).

(22)Seja

ϕ : IR3 − (0, 0, 0) −→ S2

(x, y, z) 7−→ 1√x2+y2+z2

(x, y, z) .

Seja S superfície em IR3 − (0, 0, 0) tal que ϕ|S seja injetiva. O ângulosólido compreendido por S (vista da origem) é a área de ϕ(S). Suponha Sparametrizada por ϕ[a1, b1] × [a2, b2] → IR3 \ 0, de classe C1. Mostre queo ângulo sólido compreendido por S é dado pelo valor absoluto da integral

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68 CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES

ϕ(S)S

S2

∫ b1

a1

∫ b2

a2

1

|ϕ(s, t)|3ϕ(s, t).

∂ϕ

∂s(s, t)× ∂ϕ

∂t(s, t)dt ds

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Capítulo 9

INTEGRAIS ECONVERGÊNCIA

a Convergência UniformeConsidere uma seqüência (fn)n∈IN de funções fn : X → IR, X ⊂ IRN , cadauma das fn integráveis. Suponhamos que fn → f de alguma forma. Podemosdizer que f é integrável? Se f é integrável, podemos dizer que

∫Xfn →

∫Xf?

Exercício: Suponha que (qn)n∈INé uma enumeração dos racionais entre 0 e 1. Sejamfn : [0, 1]→ IR dadas por

fn(x) =

0, x 6∈ q1, . . . , qn1, x ∈ q1, . . . , qn

.

Observe que para todo x em [0, 1] existe f(x) = limn→∞ fn(x), mas a função fassim definida não é integrável, embora cada uma das fn o seja.

Exercício : Suponha que X é limitado e que f, g : X → IR são integráveis.Observe que se | f(x)− g(x) |< ε para todo x ∈ X e se B ⊃ X, B J-mensurável,então |

∫X f −

∫X g |< εµ(B).

Exercício: Sejam fn :]0, 1]→ IR, fn(x) =

0, x > 1/nn, x ≤ 1/n

. Observe que para todo

x em ]0, 1] existe f(x) = limn→∞ fn(x) = 0, mas limn→∞∫ 1

0 fn(x) = 1 6= 0.

69

Page 70: Calculo Avancado Felipe

70 CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA

Os exemplos acima mostram que a integral de Riemann é bem comportadaem relação à convergência uniforme, mas não em relação à convergência sim-ples. É esta a principal razão pela qual a Integral de Lebesgue conquistou apreferência dos matemáticos: seu comportamento em relação à convergênciaé bem melhor (em particular, a função f do primeiro dos exercícios acimaé integrável à Lebesgue e sua integral é 0). Vamos nos restringir aqui àconvergência uniforme, que já nos permite obter interessantes resultados.

Seja X um conjunto e sejam fn, f : X → IRN (IRN pode ser substituído porum espaço métrico). Diz-se que a seqüência (fn)n∈IN converge uniforme-mente para f se

∀ε > 0 ∃n0 ∈ IN | n > n0 ⇒| fn(x)− f(x) |< ε ∀x ∈ X

Teorema: Sejam X ⊂ IRN limitado e (fn)n∈IN uma seqüência de funçõesde X em IR convergindo uniformemente para f : X → IR. Se as fn sãointegráveis, então f é integrável e∫

X

f = limn→∞

∫X

fn.

Demonstração :Observe inicialmente que não estamos supondo que f ou as fn sejam limitadas. Dequalquer forma, se Dn é o conjunto dos pontos de descontinuidade de fn e D o dosde f , então D ⊂ ∪n∈INDn e os Dn são de medida nula. Logo, D é de medida nula.(i) Suponhamos inicialmente que f é limitada (e, portanto, fn também o são paran suficientemente grande). Então, pelo Teorema de Lebesgue, f é integrável e, sefn é tal que | fn(x)− f(x) |< ε para todo x em X, é fácil ver que

|∫Xfn(x)−

∫Xf(x) |< εµ(B)

onde B é um bloco contendo X. Logo,∫X fn →

∫X f .

(ii) Se f não é limitada, observe que f+n → f+ e f−n → f− uniformemente. Da

mesma forma f+nR→ f+

R e −f−nR → −f−R uniformemente (recorde que se g é

positiva, gR(x) =g(x), g(x) ≤ RR, g(x) > R

). Segue, se B é um bloco contendo X e fn

é tal que | fn(x)− f(x) |< ε para todo x em X, que

|∫f+nR−∫f+R | < εµ(B) > |

∫−f−nR −

∫−f−R | ∀R > 0 .

Page 71: Calculo Avancado Felipe

A. CONVERGÊNCIA UNIFORME 71

Passando ao limite quando R→∞, temos

|∫f+n −

∫f+ | ≤ εµ(B) ≥ |

∫−f−n −

∫−f− | .

Logo∫f+ e

∫−f− não podem ser ambas infinitas e o resultado segue.

Exercício: Construa uma seqüência de funções integráveis fn : IR→ IR convergindouniformemente para uma função não integrável.

Vamos agora extrair outro importante resultado similar ao apresentado acima:trata-se de legitimar a chamada Regra de Leibniz,

d

dx

∫f(x, y)dy =

∫∂

∂xf(x, y)dy .

Embora as hipóteses possam ser enfraquecidas, vamos ficar no nível elemen-tar: f e ∂

∂xf contínuas.

Proposição : Sejam A aberto em IRN ,K compacto em IRM e f : A×K → IRcontínua. Seja F : A→ IR dada por

F (x) =

∫K

f(x, y)dy .

Se ∂f∂x

existe e é contínua em A×K, então F é de classe C1 e

F ′(x) =

∫K

∂xf(x, y)dy

(observe que∫K

∂∂xf(x, y)dy é uma integral vetorial).

Demonstração :Fixado x0 em A e dado ε > 0 tal que | h |< ε⇒ x+ h ∈ A, temos

1|h| | F (x0 + h)− F (x0)−

∫K

∂∂xf(x0, y)dyh |≤

≤∫K

1|h| | f(x0 + h, y)− f(x0, y)− ∂

∂xf(x0, y)h | dy ≤

≤∫K supBε(x0) ‖

∂∂xf(x, y)− ∂

∂xf(x0, y)‖dy ≤

≤ µ(K) supBε(x0)×K ‖∂∂xf(x, y)− ∂

∂xf(x0, y) ‖ ,

Page 72: Calculo Avancado Felipe

72 CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA

e o resultado segue da continuidade uniforme de ∂∂xf em Bε(x0)×K.

Exercício: (introdução ao Cálculo das Variações ) Nas situações em que a variáveldo problema é uma função , é freqüente que a grandeza a considerar seja dada poruma integral, que se deseja minimizar.(i)Pense em curvas de comprimento mínimo, superfícies de menor área dentre as quetêm um certo bordo (ditas superfícies mínimas), trajetórias minimizando o tempodo percurso, princípios de menor ação , estratégias de investimento maximizandoo lucro, etc..(ii)Seja K um compacto em IRN e considere E = C1(K, IRN ) e f : K × IRN ×L(IRN , IRM )→ IR de classe C1 (usaremos a notação f(x, y, y′)). Se u vive em umsubconjunto X de E, podemos considerar o funcional J : X → IR dado por

J(u) =∫Kf(x, u(x), u′(x))dx.

Suponha que a norma de E é dada por |u| = supK |u|+ supK |u′| e que X é abertoem E. Mostre que J é contínuo.(iii)Se supusermos que u minimiza J em X, é natural considerar as derivadasdirecionais de J em u (que deverão ser todas nulas). Dado h em E, calcule aderivada direcional de J em u na direção h e mostre que é dada por

∂J

∂h(u) =

∫K

[∂f

∂y(x, u(x), u′(x))h(x) +

∂f

∂y′(x, u(x), u′(x))h′(x)

]dx.

(iv)Mais particularmente, suponha que A é um aberto em IRN e considere tra-jetórias ligando os pontos P0 e P1 de A, minimizando um certo funcional de ação,dado pelo lagrangeano L:

J(x) =∫ b

aL(t, x(t), x(t))dt,

onde L(t, y, y) e x : [a, b]→ A são de classe C2 (por razões técnicas que aparecerãoa seguir), com x(a) = P0 e x(b) = P1. Neste caso o espaço a considerar é umsubespaço afim de E, E0, dado por E0 = x ∈ E|x(a) = P0, x(b) = P1. Umavariação de x é dada por x(t) + sh(t), onde h : [a, b]→ IRN é de classe C2 e talque h(a) = h(b) = 0. Mostre que, nestas condições , fixado x, x(t) + sh(t) está emA para todo t em [a, b], se s é suficientemente pequeno.(v)Mostre que, neste caso, para que x minimize J , é necessário que∫ b

a

[∂L

∂y(t, x(t), x(t))h(t) +

∂L

∂y(t, x(t), x(t))h(t)

]dt = 0.

Page 73: Calculo Avancado Felipe

B. REGULARIZAÇÃO 73

(vi)Integre por partes a segunda parcela, use o fato de que h(a) = h(b) = 0, observeque a derivada direcional se anula em todas as direções e prove que, para que xminimize J , é necessário que

∂L

∂y(t, x(t), x(t))− d

dt

(∂L

∂y(t, x(t), x(t))

)= 0.

Esta equação é conhecida como equação de Euler, ou de Euler-Lagrange. Ofuncional L costuma ser chamado de ação .(vii)Calcule a equação de Euler-Lagrange no caso em que L é dado por

L(t, y, y) =12m|y|2 − U(y)

(m é a massa, de forma que o minuendo é a energia cinética, e o subtraendo U é aenergia potencial).

b Regularização

Exercício: Seja f : IRN → IR integrável (f limitada). Dado ε > 0, seja, para cadax = (x1, . . . , xN ) ∈ IRN , cε(x) = [x1 − ε

2 , x1 + ε2 ] × · · ·× [xN − ε

2 , xN + ε2 ].

Seja fε : IRN → IR dada por f(x) = 1εN

∫cε(x)

f . Mostre que fε é contínua e que

fε(x) ε→0−→ f(x) se f é contínua em x. Mostre que se K é compacto e f é contínuaem K, então fε

ε→0−→ f uniformemente em K.

A lição a tirar é clara: se substituímos, para cada x, f(x) pela média de fperto de x, obtemos uma função mais regular que f . Ora, médias podem serponderadas. Considere uma função ϕ como a da figura abaixo: ϕ : IR → IRpositiva e de suporte1 compacto contendo 0, com

∫IRϕ = 1.

A média de f perto de x pode ser ponderada por ϕ e dada por∫IR

f(y)ϕ(x− y)dy

Exercício: Seja ϕ como acima. Se f : IR → IR é integrável, defina f : IR → IR porf(x) =

∫IR f(y)ϕ(x− y)dy (suponha

∫| f |<∞).

1O suporte de ϕ é definido por suppϕ = x, ϕ(x) 6= 0

Page 74: Calculo Avancado Felipe

74 CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA

ϕ

0

(i) Mostre que f(x) =∫IR f(x− y)ϕ(y)dy.

(ii) Mostre que se ϕ é contínua então f é uniformemente contínua.

(iii) Mostre que se ϕ é de classe Ck, então f é de classe Ck.

Desta forma, a situação se apresenta ainda melhor: escolhendo o peso demaneira adequada, podemos obter médias de f de classe C∞. É claro tambémque, para f contínua, quanto “menor” for o suporte de ϕ, mais próxima de festará a média obtida.

Vamos, então, fixar uma seqüência regularizante (ϕn)n∈IN . As funçõesϕn : IRN → IR serão definidas da maneira a seguir. Seja ϕ dada por

ϕ(x) =

0, | x |≥ 1

e−(1−|x|2)−1, | x |< 1

, x ∈ IRN(| x |2= x21 + · · ·+ x2

N) ;

Exercício: Prove que ϕ é de classe C∞; observe que∫IRN

ϕ(nx)dx =1nN

∫IRN

ϕ(x)dx .

Sendo a =∫IRN

ϕ, defina

ϕn(x) =nN

aϕ(nx), n = 1, 2, . . .

Temos então que cada ϕn é de classe C∞, tem como suporteB 1n(0) e

∫ϕn = 1.

A idéia agora é usar os ϕn como pesos.

Page 75: Calculo Avancado Felipe

B. REGULARIZAÇÃO 75

Proposição : Seja f : IRN → IR integrável. Para cada n em IN , sejafn : IRN → IR dada por

fn(x) =∫

IRN

f(y)ϕn(x− y)dy 2

(suponha |∫IRN

f |<∞ ).

Então :(i) as fn são de classe C∞;

(ii) se K ⊂ IRN é compacto e f é contínua em K, temos fn → f uniforme-mente em K;

(iii) se K ⊂ IRN é compacto e ∂f∂xi

é contínua em K, então ∂fn∂xi→ ∂f

∂xiuniformemente em K.

Demonstração :Observe que a mudança de variáveis y 7→ (x− y) mostra que

fn(x) =∫IRN

f(x− y)ϕn(y)dy .

Assim,

fn(x)− f(x) =∫IRN f(x− y)ϕn(y)dy − f(x)

∫IRN ϕn(y)dy =

=∫IRN [f(x− y)− f(x)]ϕn(y)dy =

=∫B 1n

(0) [f(x− y)− f(x)]ϕn(y)dy .

Se K é compacto e f é contínua em K, então f é uniformemente contínua em K.Portanto, dado ε > 0, podemos tomar δ > 0 tal que | y |< δ⇒ | f(x−y)−f(x) |< εpara todo x em K. Segue , se 1

n < δ,

| fn(x)− f(x) |≤∫B 1n

(0)| f(x− y)− f(x) | ϕn(y)dy < ε

∫ϕn = ε ∀x ∈ K ,

o que prova (ii).Para provar (i), tentemos mostrar que

f ′n(x) =∫IRN

f(y)ϕ′n(x− y)dy

2fn, num contexto mais geral, é notada f ∗ ϕn e chamada produto de convoluçãode f por ϕn

Page 76: Calculo Avancado Felipe

76 CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA

Ora, temos, para x ∈ IRN fixo e h ∈ IRN ,

1| h |

[fn(x+ h)− fn(x)−

∫IRN

f(y)ϕ′n(x− y)hdy]

=

=∫IRN

f(y)ϕn(x− y + h)− ϕn(x− y)− ϕ′n(x− y)h

| h |dy .

Mas1|h| | ϕn(x− y + h)− ϕn(x− y)− ϕ′n(x− y)h |≤

sup|k|≤|h| ‖ ϕ′n(x− y + k)− ϕ′n(x− y) ‖ .

Como ϕ′n é uniformemente contínua, podemos garantir que, se | h | é pequeno,então sup|k|≤|h| ‖ ϕ′n(x− y + k)− ϕ′n(x− y) ‖ é pequeno, independentemente de y– menor do que ε, se | h |< δ, digamos. Logo,

1| h |

| fn(x+ h)− fn(x)−∫IRN

f(y)ϕ′n(x− y)hdy |≤ ε∫IRN| f(y) | ,

o que prova que

f ′n(x) =∫IRN

f(y)ϕ′n(x− y)dy .

Isto significa que as derivadas parciais de fn são dadas por

∂fn∂xi

(x) =∫IRN

f(y)∂ϕn∂xi

(x− y)dy ,

e o resultado segue por indução.Para provar (iii) basta integrar por partes a fórmula acima para obter

∂fn∂xi

(x) =∫IRN

∂f

∂xi(y)ϕn(x− y)dy

e usar (i).

Problema: Sejam fn, n ∈ IN e f funções integráveis. Diz-se que (fn) convergeem média para f se

limn→∞

∫| fn − f |= 0 .

Se não se supõe que f é contínua, é possível concluir que as fn da proposiçãoconvergem em média para f ?

Page 77: Calculo Avancado Felipe

B. REGULARIZAÇÃO 77

Exercício (introdução às distribuições : Se pensarmos que não interessa conhecero valor de uma função em cada ponto, mas seu valor médio perto de cada ponto,podemos olhar cada função f como uma aplicação

ϕ 7→∫fϕ ,

onde ϕ é qualquer peso3 possível. Suponha que se f : Ω → IR, Ω aberto em IRN ,então ϕ é tomada em C∞0 (Ω) = ϕ ∈ C∞(Ω), suppϕ é compacto . Não há malalgum em estender nossa aplicação a todas as funções ϕ em C∞0 (Ω). Observe quepodemos então pensar f como uma aplicação

Tf : C∞0 (Ω) −→ IRϕ 7−→

∫fϕ = 〈Tf , ϕ〉

(i) Mostre que se f é localmente integrável (isto é, f|K é integrável com∫k f

finita para todo compacto K ⊂ Ω) então Tf está bem definida.

(ii) Mostre que se f é de classe C1, então

〈T ∂f∂xi

, ϕ〉 = −〈T, ∂ϕ∂xi〉 ∀ϕ ∈ C∞0 (Ω)

(iii) Conclua que podemos, para f como em (i), “pensar” ∂f∂xi

da seguinte forma :não sabemos quanto vale para cada x em Ω, mas sabemos que se ϕ ∈ C∞0 (Ω), então

“∫

∂f

∂xiϕ “ = −

∫f∂ϕ

∂xi

(iv) Uma distribuição é uma aplicação linear T : C∞0 (Ω) → IR, contínua noseguinte sentido: se (ϕn)n∈IN é uma seqüência em C∞0 (Ω) cujos suportes estão to-dos contidos em um mesmo compacto, tal que ϕn → ϕ uniformemente e todas asseqüências de derivadas parciais das ϕn convergem uniformemente para as corre-spondentes derivadas parciais de ϕ, então 〈T, ϕn〉 → 〈T, ϕ〉 (isto é, seDαϕn → Dαϕuniformemente para todo α, onde Dα indica qualquer derivada parcial de qualquerordem, então 〈T, ϕn〉 → 〈T, ϕ〉). Mostre que se f é localmente integrável, então Tfé uma distribuição.

(v) Se T é uma distribuição, suas derivadas no sentido das distribuições sãodefinidas por

〈 ∂∂xi

T, ϕ〉 = −〈T, ∂ϕ∂xi〉

3Um peso é, em termos mais eruditos, uma densidade de probabilidades.∫fϕ seria,

então , o valor esperado de f

Page 78: Calculo Avancado Felipe

78 CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA

Mostre que toda distribuição é infinitamente diferenciável. Seα = (α1, . . . , αN ), α1, . . . , αN ∈ IN , e | α |= α1 + · · ·+ αN , seja

Dα =∂|α|

∂xα11 · · · ∂x

αNN

.

Mostre que 〈DαT, ϕ〉 = (−1)|α|〈T,Dαϕ〉.

(vi) Assim, num passe de mágica, toda função localmente integrável passa a serinfinitamente diferenciável. Mostre que se f é de classe C |α|, então DβTf = TDβf∀β com | β |≤| α |.

(vii) Seja, para a ∈ IR, Ha : IR → IR dada por Ha =

0, x < a1, x ≥ a . Mostre que

sua derivada no sentido das distribuições (isto é, a de THa) é δa dada por 〈δa, ϕ〉= ϕ(a). Observe que δa pode ser pensada como uma distribuição de probabilidadeconcentrada em a. Esta distribuição é conhecida pelo nome de distribuição deltade Dirac.

(viii) Uma sequência de distribuições (Tn)n∈IN é dita convergente para T se 〈Tn, ϕ〉→ 〈T, ϕ〉 ∀ϕ ∈ C∞0 (Ω). Considere a sequência regularizante ϕn definida neste pará-grafo e suponha que N = 1 (isto é, ϕn : IR→ IR). Mostre que Tϕn → δ0. Observeque se fixarmos x em IR e tomarmos ψn : IR → IR dada por ψn(y) = ϕn(x − y),então Tψn → δx.

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Parte II

ANÁLISE VETORIALCLÁSSICA

79

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Page 81: Calculo Avancado Felipe

81

TEOREMA DE STOKES 4

e

TEOREMA DE GAUSS 5

4Embora o nome “Teorema de Stokes” esteja consagrado pelo uso, é fato reconhecidono meio matemático que o resultado é devido a Sir William Thomsom (Lord Kelvin) (valea pena dar uma olhada, também, nas contribuições de Ampère e de Green); vamos pois,ao longo do texto, usar o nome “Teorema de Kelvin”, numa tentativa de fazer justiça aoverdadeiro pai da criança

5É comum que resultados atribuídos no Ocidente a um ou outro autor tenham na Rússiaoutros nomes; no presente caso o nome russo é “Teorema de Ostrogradski”, o que talvezesteja bem próximo da verdade; para evitar polêmica e diante da fama de Gauss, vamoschamá-lo de “Teorema de Gauss-Ostrogradski”

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Page 83: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 10

INTRODUÇÃO

a Campos Conservativos e Integrais de Linha

Seja Ω ⊂ IRN um aberto e seja F : Ω → IRN um campo de vetores. Par-tiremos da seguinte questão: sob que condições podemos afirmar que existef : Ω→ IR tal que F = ∇f ?

Exemplo 1: Se N = 1 sabemos, pelo Teorema Fundamental do Cálculo, que bastaexigir a continuidade de F .

Exercício : Seja Ω ⊂ IR2 aberto. Seja F : Ω → IR2 de classe C1. Observe quese F = (F1, F2) = ( ∂f∂x1

, ∂f∂x2) então ∂F2

∂x1− ∂F1

∂x2≡ 0. Invente 53 exemplos de campos

contínuos não conservativos em IR2.

Definição : Um campo F : Ω→ IRN , Ω ⊂ IRN aberto, é dito conserva-tivo se existe U : Ω→ IR tal que F = −∇U (o sinal é uma homenagem aosfísicos). U é chamada uma energia potencial ou, mais carinhosamente, umpotencial para F .

Exercício : Seja F = −∇U : Ω→ IRN . As linhas de fluxo de F são as curvasϕ :]a, b[→ Ω tais que ϕ(t) ≡ F (ϕ(t)). Mostre que U ϕ :]a, b[→ IR é decrescentesempre que ϕ é uma linha de fluxo de F .

Exercício : Seja F = −∇U : Ω → IRN . Seja m ⊂ IR uma constante. Umatrajetória sob a ação do campo F é uma curva c :]a, b[→ Ω tal que mc(t) ≡

83

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84 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

F (c(t)). Mostre que E(t) = 12m | c(t) |

2 +U(c(t)) é constante sempre que c é umatrajetória.1

Exemplo 2: Seja

F : IR2 − 0 −→ IR2 .(x, y) 7−→ 1

x2+y2 (−y, x)

F é o campo inventado a partir da seguinte consideração: como inverter a trans-formação

]0,∞[×[0, 2π[ −→ IR2 − 0(r, θ) 7−→ (rcosθ, rsenθ) ?

É fácil concluir que r(x, y) =√x2 + y2, mas a obtenção de θ(x, y) é menos evidente.

Logo nos damos conta de que θ será descontínua em ]0,∞[×02. Na hora deescrever a fórmula para θ, surgem expressões do tipo

θ(x, y) = arctgy

x, arccotg

x

y, arccos

x

r, arcsen

y

r,

todas igualmente insatisfatórias. No entanto todas têm algo em comum: em qual-quer caso, teremos

∇θ(x, y) =1

x2 + y2(−y, x) = F (x, y)

Nosso campo F tem tudo, portanto, para ser gradiente de uma função θ. Só háum problema: F está definido em IR2 − 0, mas, por mais que nos esforcemos, θacaba sempre sendo descontínua em alguns pontos desta região.

Pensemos um pouco mais. Se F : Ω→ IRN é o gradiente de uma funçãof : Ω→ IR, então, para toda curva c : [a, b]→ Ω diferenciável, teremosf c : [a, b]→ IR diferenciável e d

dt(f c)(t) = F (c(t)).c(t).

Melhor ainda, se F é de classe C0 e c de classe C1, então

1Assim, quando o campo de forças F é conservativo, a energia total E se conserva aolongo das trajetórias sob a ação de F

2Na realidade não é necessário que θ seja descontínua em ]0,∞[×0, mas em algumalinha ligando (0, 0) ao infinito.

Page 85: Calculo Avancado Felipe

A. CAMPOS CONSERVATIVOS E INTEGRAIS DE LINHA 85

a b

c(a)

c

Ω

c(b)

ba

c(t)c′(t)

c

Ω

F (c(t))

A = c(a) B = c(b)

f(c(b))− f(c(a)) =

∫ b

a

F (c(t)).c(t)dt .

Ou seja, podemos recuperar os valores de f através de integrais ao longo decurvas ligando os pontos de Ω. Desta forma, se A ∈ Ω e se fixarmos o valorde f(A) como α, teremos, para B ∈ Ω,

f(B) = α +

∫ b

a

F (c(t)).c(t)dt

onde c : [a, b]→ Ω é um caminho C1 com c(a) = A e c(b) = B.Temos aí algo interessante: existem sempre infinitos caminhos ligando A aB. No entanto, qualquer que seja o caminho c escolhido, teremos∫ b

a

F (c(t)).c(t)dt = f(B)− f(A)

A esta altura já podemos parar, pensar um pouco, e concluir que a respostaa nossa questão não é, se N > 1, tão simples como no caso N = 1.

Definicão : Se Ω ⊂ IRN é aberto, F : Ω → IRN é C0 e c : [a, b] → Ω éC1, a integral de linha de F sobre c é definida por

Page 86: Calculo Avancado Felipe

86 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

∫c

F =

∫ b

a

F (c(t)).c(t)dt.

Exercício : Suponha que m > 0, Ω ⊂ IR3, F : Ω → IR3 é contínua e quec : [a, b] → Ω é tal que mc(t) = F (c(t))∀t ∈ [a, b]. Mostre que a variação daenergia cinética é igual ao trabalho realizado por F , isto é:

12m | c(b) |2 −1

2m | c(a) |2=

∫cF.

Exercício : c : [a, b] → Ω é dita C1 por partes se c é contínua e existe umaparticão P de [a, b] tal que c é C1 em cada subintervalo de P . Note que a definicãode integral de linha se estende ao caso em que c é C1 por partes.

Teorema: Sejam Ω ⊂ IRN aberto e F : Ω → IRN de classe C0. Sãoequivalentes:

(i) existe f : Ω→ IR tal que ∇f = F ;

(ii) para quaisquer c1 : [a1, b1]→ Ω e c2 : [a2, b2]→ Ω C1 por partes,com c1(a1) = c2(a2), c1(b1) = c2(b2), vale∫ b1

a1

F (c1(t)).c1(t)dt =

∫ b2

a2

F (c2(t)).c2(t)dt;

(iii) para qualquer c : [a, b]→ Ω C1 por partes,com c(a) = c(b), vale∫ b

a

F (c(t)).c(t)dt = 0.

Demonstração : É óbvio que (i)⇒ (iii); (iii)⇒ (ii) é um exercício fácil. Limitemo-nos, pois, a provar que (ii) ⇒ (i). Como Ω é união disjunta de abertos conexospor caminhos C1 por partes, podemos nos restringir ao caso em que Ω é conexopor caminhos C1 por partes.

Fixemos A em Ω e a em IR. Seja então f : Ω→ IR dada por

f(B) = a+∫cF,

onde c é qualquer caminho começando em A e terminando em B. Por (ii), f estábem definida. Para provar que ∇f = F , basta, já que F é contínuo, mostrar que

Page 87: Calculo Avancado Felipe

B. INTEGRAIS DE SUPERFÍCIE 87

suas derivadas direcionais em um ponto qualquer B são dadas pelo produto escalarpor F (B).

Sejam, pois, B em Ω e v em IRN . Fixemos h > 0 tal que B + tv está em Ωpara todo t em [0, h] e um caminho C1 por partes c : [α, β] → Ω, com c(α) = Ae c(β) = B. Podemos, é claro, esticar c até B + tv, se 0 < t ≤ h, obtendo umcaminho c1 : [α, β + t]→ Ω (fazendo c1(s) = B + (s− β)v, se β < s ≤ t). Temos,então ,

f(B + tv)− f(B) =∫c1

F −∫cF =

∫ t

0F (B + sv).vds.

Multiplicando por (1/t) e passando ao limite quando t tende a zero, temos, dacontinuidade de F , o resultado desejado.

Exercício : Mostre que não existe θ : IR2 \ (0, 0) → IR tal que ∇θ(x, y) =1

x2+y2 (−y, x). E se quisermos θ : IR2\]0,∞[×(0, 0) → IR ?

b Integrais de Superfície

Consideremos um campo de vetores F em IR3 (suposto de classe C1). Con-sideremos em IR3 as linhas de fluxo de F , isto é, as curvas x(t) satisfazendoa

x(t) = F (x(t))

Consideremos agora uma superfície S (seja lá o que for isso) em IR3. Supondoque as linhas de fluxo carregam “alguma coisa” (água que escoa, por exemplo),tentemos calcular o volume dessa “alguma coisa” que atravessa S por unidadede tempo. Para isto é preciso fixar uma direção positiva de escoamento,através, por exemplo, da escolha de um campo contínuo de vetores normaisa S (definido apenas nos pontos de S, claro !). Considerando uma “porçãoinfinitesimal” de S, de área dS e um intervalo de tempo dt,o “volume infinitesimal” que atravessa o pedacinho de superfície no tempodt é o de um paralelepípedo infinitesimal cuja base tem área dS, cuja alturatem a direção de n(x) e cujo terceiro lado é dtF (x), onde x é um ponto dopedacinho.

Volume Infinitesimal = dSdtF (x).n(x) (com sinal)

Page 88: Calculo Avancado Felipe

88 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

x(t)

F (x(t))

n

S

dS

dtT (x)

x

n(x)

Page 89: Calculo Avancado Felipe

B. INTEGRAIS DE SUPERFÍCIE 89

R0 R(t)

x(t)x0

Dividindo por dt e integrando sobre S, teremos o que pode ser chamadofluxo de F através de S, dado por∫

S

F.ndS

Note que esta é uma integral escalar e deve ser calculada, em princípio viauma parametrização de S.

Exercício : Suponha que S é uma superfície fechada limitando uma região R0.Defina R(t) como a região constituída pelos“pontos que estavam em R0, levados pelas linhas de fluxo, depois de um tempo t”.Seja V (t) o volume de R(t). Mostre (para si mesmo) que é razoável concluir que

V ′(0) =∫SF.ndS (n = normal exterior) .

Para o cálculo de∫SF.ndS, suponhamos que S é a imagem de uma super-

fície parametrizada (de classe C1) ϕ : [a1, b1] × [a2, b2] → IR3, ϕ(u, v) =(x1(u, v), x2(u, v), x3(u, v)).A imagem do quadradinho de lados ∆u e ∆v será aproximada pela diferen-cial de ϕ, obtendo-se um paralelogramo de lados (vetoriais) ∂ϕ

∂u(u0, v0)∆u e

∂ϕ∂v

(u0, v0)∆v. A área deste paralelogramo é calculada pelo produto veto-rial,

∆u∆v∂ϕ

∂u(u0, v0)× ∂ϕ

∂v(u0, v0) = det

e1 e2 e3∂x1

∂u∂x2

∂u∂x3

∂u∂x1

∂v∂x2

∂v∂x3

∂v

∆u∆v

Page 90: Calculo Avancado Felipe

90 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

v0 + ∆v

v0

u0 + ∆uu0

∆u∆v ∂ϕ∂u(u0, v0)× ∂ϕ∂v (u0, v0)

Exercício : Considere um triângulo ABC cujos vértices estão sobre os eixoscoordenados. Mostre, usando o Teorema de Pitágoras, que o quadrado de suaárea é a soma dos quadrados das áreas de suas projeções OAB, OBC, OCA nosplanos Ox1x2, Ox2x3 e Ox3x1. Mostre que o mesmo resultado vale, não só paratriângulos, mas para figuras planas quaisquer (sugestão : a área da projeção é igualà área original vezes o cosseno do ângulo entre os planos). Conclua que a área doparalelogramo formado por dois vetores a = (a1, a2, a3) e b = (b1, b2, b3) é dada por√

(a1b2 − a2b1)2 + (a3b1 − a1b3)2 + (a2b3 − a3b2)2 =

=| (a1b2 − a2b1)e1 + (a3b1 − a1b3)e2 + (a2b3 − a3b2)e3 |=

=| a× b |Observe que a× b é realmente normal a a e a b.

Assim, o vetor ∂ϕ∂u

(u0, v0)× ∂ϕ∂v

(u0, v0) é normal a S em ϕ(u0, v0) e tal que suanorma espressa a relação entre o “elemento de área” dS de S e o “elementode área” dudv de [0, 1] × [0, 1]. Desta forma, nosso fluxo de um campo Fatravés de S pode ser calculado por∫

S

F.ndS =

∫ b1

a1

∫ b2

a2

F (ϕ(u, v)).∂ϕ

∂u(u, v)× ∂ϕ

∂v(u, v)dudv

Observação : ndS costuma ser notado ~dS. O integrando à direita é oproduto misto de F (ϕ), ∂ϕ

∂ue ∂ϕ∂v. Assim, podemos também escrever∫

SF.ndS =

∫SF. ~dS =

Page 91: Calculo Avancado Felipe

C. O TEOREMA DE KELVIN 91

A

Q

B

.

.

c1

c0

s

t ϕ

=

∫ b1

a1

∫ b2

a2

det

F1 ϕ F2 ϕ F3 ϕ∂x1

∂u∂x2

∂u∂x3

∂u∂x1

∂v∂x2

∂v∂x3

∂v

(u, v)dudv

onde ϕ(u, v) = (x1(u, v), x2(u, v), x3(u, v)). Usaremos também a notaçãomais abreviada

∫SF .

c O Teorema de Kelvin

Voltemos à questão que nos serviu de ponto de partida: dado um campoF em IR3 (ou num aberto de IR3), gostaríamos de entender 3 o que estáacontecendo quando F não é conservativo.

Seja Ω ⊂R3 e seja F : Ω → IR3 um campo de vetores (para simplificar ascontas que faremos mais adiante, vamos supor F de classe C1).Consideremos duas curvas de classe C1, c0, c1 : [0, 1] → Ω, com c0(0) =c1(0) = A, c0(1) = c1(1) = B. Suponhamos que c0 pode ser deformada atése transformar em c1 da seguinte maneira: para cada s ∈ [0, 1], temos umacurva cs : [0, 1]→ Ω de classe C1, com cs(o) = A e cs(1) = B.

Seja Q = [0, 1] × [0, 1]. Seja ϕ : Q → Ω dada por ϕ(s, t) = cs(t) (ϕ é ditauma homotopia entre c0 e c1).

Em princípio deveríamos exigir apenas que as curvas cs variem continuamentecom s, mas, para evitar aborrecimentos desnecessários na hora das contas,vamos supor que ϕ é de classe C2 .

3O termo entender tem, aqui, um sentido estético, como em toda forma de conheci-mento: dizemos que “entendemos” aquilo que nos parece harmonioso

Page 92: Calculo Avancado Felipe

92 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

.

.t

c1

B

s

A

c0

Q Ω

ϕ

Note que

ϕ(s, 0) ≡ A, ϕ(s, 1) ≡ B.

Seja então

I(s) =

∫ 1

0

F (cs(t)).cs(t)dt =

∫ 1

0

F (ϕ(s, t)).∂ϕ

∂t(s, t)dt.

Recordemos que se F fosse conservativo (isto é, se existisse f : IR3 → IRtal que ∇f = F ) I deveria ser constante. Uma tentativa de entender o casogeral pode começar pelo estudo da derivada de I. Calculando I ′(s), obtemos,se F = (F1, F2, F3) e ϕ = (x1, x2, x3):

I ′(s) =∫ 1

0

[F ′(ϕ(s, t))∂ϕ

∂s(s, t) · ∂ϕ

∂t(s, t) + F (ϕ(s, t)) · ∂2ϕ

∂s∂t(s, t)

]dt.

Integrando por partes a segunda parcela, obtemos:

I ′(s) =∫ 1

0

[F ′(ϕ(s, t))∂ϕ

∂s(s, t) · ∂ϕ

∂t(s, t)

]+

+F (ϕ(s, t)) · ∂ϕ∂s

(s, t) |t=1t=0 −

∫ 1

0

[F ′(ϕ(s, t))∂ϕ

∂t(s, t) · ∂ϕ

∂s(s, t)

]dt.

Como ϕ(s, 0) ≡ A e ϕ(s, 1) ≡ B, temos ∂ϕ∂s

(s, 0) ≡ 0 e ∂ϕ∂s

(s, 1) ≡ 0. Logo,

I ′(s) =∫ 1

0

[F ′(ϕ(s, t))∂ϕ

∂s(s, t) · ∂ϕ

∂t(s, t)−F ′(ϕ(s, t))∂ϕ

∂t(s, t)· ∂ϕ

∂s(s, t)

]dt=

=∫ 1

0(F ′(ϕ(s, t))− F ′(ϕ(s, t))∗) ∂ϕ

∂s(s, t) · ∂ϕ

∂t(s, t)dt,

Page 93: Calculo Avancado Felipe

C. O TEOREMA DE KELVIN 93

onde A∗ indica a adjunta de A, cuja matriz, no caso, é a transposta da deA. Subtraindo da matriz jacobiana de F sua transposta, obtemos para I ′(s)a seguinte expressão :

∫ 1

0

0 ∂F1

∂x2− ∂F2∂x1

∂F1∂x3− ∂F3∂x1

∂F2∂x1− ∂F1∂x2

0 ∂F2∂x3− ∂F3∂x2

∂F3∂x1− ∂F1∂x3

∂F3∂x2− ∂F2∂x3

0

(ϕ(s, t))

∂x1∂s (s, t)∂x2∂s (s, t)∂x3∂s (s, t)

·

∂x1∂t (s, t)∂x2∂t (s, t)∂x3∂t (s, t)

dt.Exercício: Mostre que o produto da matriz anti-simétrica

0 c b−c 0 a

−b −a 0

pelo vetor (v1, v2, v3) é igual ao produto vetorial de (−a, b,−c) por (v1, v2, v3).

Concluímos, então , que I ′(s) é dada por:∫ 1

0

[(∂F3

∂x2− ∂F2

∂x3

)(ϕ(s, t))

[∂x2

∂s∂x3

∂t− ∂x3

∂s∂x2

∂t

](s, t)−

−(∂F1

∂x3− ∂F3

∂x1

)(ϕ(s, t))

[∂x1

∂s∂x3

∂t− ∂x3

∂s∂x1

∂t

](s, t)−

+(∂F2

∂x1− ∂F1

∂x2

)(ϕ(s, t))

[∂x1

∂s∂x2

∂t− ∂x2

∂s∂x1

∂t

](s, t)]dt =

=∫ 1

0∇× F (ϕ(s, t)) · ∂ϕ

∂s(s, t)× ∂ϕ

∂t(s, t)dt ,

onde, abusando um pouco da notação ,

∇×F=

(∂F3

∂x2

−∂F2

∂x1

,∂F1

∂x3

−∂F3

∂x1

,∂F2

∂x1

−∂F1

∂x2

,

),

ou, abusando um pouco mais,

∇×F=“det′′

e1 e2 e3∂

∂x1

∂∂x2

∂∂x3

F1 F2 F3

.

Page 94: Calculo Avancado Felipe

94 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

∇×F é chamado o rotacional de F 4. Observemos que o que obtemos temcara de integral de superfície:∫ 1

0F (c1(t)).c1(t)dt−

∫ 1

0F (c0(t)).c0(t)dt =

= I(1) − I(0) =∫ 1

0I ′(s)ds =

=∫ 1

0

∫ 1

0∇× F (ϕ(s, t)).∂ϕ

∂s(s, t)× ∂ϕ

∂t(s, t)dsdt .

Esta é a forma paramétrica do Teorema de Kelvin.

Escólio: A conclusão do Teorema continua válida se substituirmos a hipótesede que nossa curva se deforma, mantendo fixas as extremidades (cs(0) ≡ A,cs(1) ≡ B) pela seguinte: nossa curva se mantém fechada, isto é, cs(0) = cs(1)para todo s. De fato, nossa hipótese só foi utilizada para eliminarmos ostermos que surgiram da integração por partes, o que também é obtido coma hipótese alternativa.

Observação: Note que não há razões para trabalharmos com (s, t) ∈ [0, 1]×[0, 1]. O resultado vale, igualzinho, para ϕ : [a1, b1]× [a2, b2]→ IR3.

Voltemos a nosso Teorema. Se a imagem de ϕ é uma superfície S e entende-mos ∫ 1

0

F (c1(t)).c1(t)dt−∫ 1

0

F (c0(t)).c0(t)dt

como uma integral de linha sobre o bordo de S (∂S), teremos a forma nãoparamétrica ∫

∂S

F =

∫S

∇× F. ~dS ,

onde as orientações para ∂S e S estão ligadas por ϕ.

No caso em que nossa superfície está inteiramente contida em um plano,podemos considerar que S ⊂ IR2, esquecer a terceira componente de F (quenão vai desempenhar papel algum) e concluir que∫

∂S

F =

∫S

(∂F2

∂x1

− ∂F1

∂x2

).

4Maxwell, em seu tratado, propõe, with great diffidence, o termo rotation

Page 95: Calculo Avancado Felipe

C. O TEOREMA DE KELVIN 95

c0

c1

t

s

Q

1

0 1

ϕ

ϕ(Q)

Este caso particular é conhecido como Teorema de Green. Para F : IR2 →IR2, usaremos também a notação

dF =∂F2

∂x1

− ∂F1

∂x2

.

No caso geral, porém, não há razão para supor que nossa ϕ parametrize defato uma superfície sem auto-interseções .O Teorema de Green tem, é claro, sua versão para as situações em queϕ : [0, 1] × [a, b] → IR2 não é tão bem comportada. Neste caso, sendo nossocampo F = (F1, F2) definido apenas em IR2, teremos:∫

c1

F −∫c0

F =

∫ 1

0

∫ b

a

(∂F2

∂x− ∂F1

∂y

)(ϕ(s, t))Jϕ(s, t)dtds.

Exercício: Certifique-se de que entendeu. Mostre que a conclusão continua válidacaso a hipótese ϕ(s, a) ≡ A, ϕ(s, b) ≡ B seja substituída por ϕ(s, a) ≡ ϕ(s, b).Exercício : Entenda que ∇ × F “mede quanto F deixa de ser conservativo”.Observe que se F de classe C1 é conservativo, então ∇ × F = 0. Suponha agoraque F : Ω −→ IR3 é de classe C1 e que ∇ × F = 0 e entenda que o problemade saber se F é conservativo depende de Ω (dê um exemplo em que ∇ × F = 0mas F não é conservativo e mostre que se Ω é uma bola e ∇ × F = 0 então F éconservativo).

Observação : Na demonstração do Teorema de Kelvin trabalhamos com umasuperfície parametrizada ϕ de classe C2, quando o natural seria exigir que ϕfosse apenas C1. Isto pode ser (e será, mais à frente) remediado com umademonstração mais cuidadosa.

Page 96: Calculo Avancado Felipe

96 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

Q

c0

t

ϕ

s

Ω

0 1

1

c1

Problema : Sejam Ω um aberto de IR3, F : Ω→ IR3 um campo de vetores de classeC1 e ϕ : [0, 1] × [0, 1] → Ω uma superfície parametrizada de classe C1. Defina obordo de ϕ de maneira adequada e dê um jeito de provar que∫

∂ϕF =

∫ϕ∇× F .

d A variação de ângulo

Voltemos ao nosso campo

F : IR2 − 0 −→ IR2

(x, y) 7−→ 1x2+y2 (−y, x)

Temos (faça as contas) dF = ∂F2

∂x− ∂F1

∂y= 0. Isto não é surpreendente, pois,

como já vimos no ponto a., se não fizermos questão de definir θ em IR2−0,mas trabalharmos em uma região um pouco menor, teremos F = ∇θ.Observando as curvas c1 e c0 da figura, vemos que c1 pode ser contraída emum ponto A de IR2 − 0, isto é, existe

ϕ : [0, 1]× [0, 1] −→ IR2 \ (0, 0)de classe C2 com

ϕ(0, t) ≡ A,ϕ(1, t) = c1(t), ϕ(s, 0) = ϕ(s, 1) ∀s ∈ [0, 1].

Page 97: Calculo Avancado Felipe

D. A VARIAÇÃO DE ÂNGULO 97

y

c0

c1

x0

A

Assim

∫ 1

0

F (c1(t)).c1(t)dt =

∫ 1

0

F (A).0dt+

∫ 1

0

∫ 1

0

dF (ϕ(s, t))Jϕ(s, t)dtds = 0

Já c0 dá uma volta em torno da origem. Não podemos deformá-la em umponto de IR2−0. Seria possível, por outro lado, deformá-la em um círculo

c : [0, 1] −→ IR2 − 0 ,t 7−→ (cos 2πt,− sin 2πt)

de modo que ∫ 1

0

F (c0(t)).c0(t)dt =

∫ 1

0

F (c(t)).c(t)dt = −2π

Como o leitor já terá observado, dada c : [a,b]→ IR2 − 0 de classe C1,∫ baF (c(t)) · c(t)dt mede a variação (com sinal) do ângulo θ ao longo de c.

Exercício : Seja c : [a, b]→ IR2 −0 de classe C1, com c(a) = c(b). Mostre quen(c) = 1

∫ ba F (c(t)).c(t)dt é inteiro. Convença-se de que n(c) é o número de voltas

que c dá em torno da origem, com sinal positivo para o sentido trigonométrico enegativo para o sentido horário. Mostre que se existe uma homotopia ϕ : [0, 1] ×[0, 1] 7→ IR2 \ 0 de classe C2 com ϕ(0, t) = c0(t) e ϕ(1, t) = c1(t), então n(c0) =

Page 98: Calculo Avancado Felipe

98 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

n(c1). Seja f : IC 7→ IC dada por f(z) = zk, onde k é um inteiro positivo. Pense fcomo uma função de IR2 em IR2. Seja c(t) = f(Rcos2πt,Rsen2πt), t ∈ [0, 1], R > 0fixo. Mostre que n(c) = k.

Vamos utilizar a forma paramétrica do Teorema de Green para demonstraro Teorema Fundamental da Álgebra:

Teorema Fundamental da Álgebra : Todo polinômio não constantesobre o corpo dos complexos possui ao menos uma raiz.

Demonstração : Seja

p : IC −→ IC .x 7−→ akz

K + · · ·+ a0

Podemos, sem perda de generalidade, supor ak = 1 e a0 6= 0. Vamos considerar pcomo uma transformação de IR2 em IR2 e examinar a imagem por p dos círculosde centro na origem. A idéia da demonstração é linda. Para cada R em [0,∞[,consideramos o círculo de raio R e centro na origem. Sua imagem por p será umacurva cR que podemos parametrizar por

cR : [0, 1] −→ IC .t 7−→ p(Re2πit)

Note que, quando R vai de 0 a ∞, cR varre a imagem de p. Ora, quando R ébem pequeno, cR está muito perto de a0 e não pode, portanto, envolver a origem.Desta forma, se notarmos por n(R) o número de voltas de cR em torno da origem5 , teremos, para R pequeno, n(R) = 0. Já quando R é grande, os pontos decR serão imagens de números complexos z para os quais zk é muito maior do queak−1z

k−1 + . . .+ a0.

Podemos então afirmar que, para R bem grande, cR está “próxima” da imagem porf(z) = zk do círculo de centro na origem e raio R e, portanto, envolve forçosamentea origem. Ou seja, n(R) > 0 se R é grande (na verdade teremos n(R) = k). Masse cR passa de uma situação em que não envolve a origem para outra em que aenvolve, somos forçados a concluir que em algum momento cR passa pela origem(e nesse instante achamos uma raiz de p).

Vamos agora cuidar dos detalhes burocráticos indispensáveis.

5Note que se cR passar pela origem n(R) não estará definido

Page 99: Calculo Avancado Felipe

D. A VARIAÇÃO DE ÂNGULO 99

00

cR

p

a0

Suponhamos que p não se anula, isto é, p é uma aplicação de classe C∞ de IR2 emIR2 \ (0, 0).

Sejan : [0,∞[ −→ IR2

R 7−→ 12π

∫ 10 F (cR(t)).cR(t)dt ,

onde F (x, y) = 1x2+y2 (−y, x) , cR(t) = p(Rcos2πt,Rsen2πt).

Temos

n(0) =1

∫ 1

0F (a0).0dt = 0 .

Fixado R > 0, seja

ϕ : [0, 1]× [0, 1] → IR2 \ (0, 0)(s, t) 7→ p(sRcos2πt, sRsen2πt)

ϕ satisfaz às condições da forma paramétrica do Teorema de Green: ϕ é de classeC∞, ϕ(0, t) = c0(t), ϕ(1, t) = cR(t), ϕ(s, 0) = ϕ(s, 1) para todo s. Então

n(R)− n(0) =1

[∫ 1

0F (cR(t)).cR(t)dt−

∫ 1

0F (c0(t)).c0(t)dt

]=

=1

∫ 1

0

∫ 1

0dF (ϕ(s, t)).Jϕ(s, t)dtds = 0 .

Logo, n(R) = 0 para todo R em [0,∞[.

Mostremos agora que, se k > 0, n(R) = k para R suficientemente grande.

Page 100: Calculo Avancado Felipe

100 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

t

0 0

0 s

p

ϕ

(s, t) 7→ sR(cos 2πt, sin 2πt)

1

1 a0

Escrevendo p(z) = zk(1 + ak−1

z + · · ·+ a0

zk), temos

| p(z) | ≥≥| z |k

[1−

(|ak−1||z| + · · ·+ |a0|

|z|k

)].

Além disso, existe R0, tal que

| ak−1 || z |

+ · · ·+ | a0 || z |k

<12

para todo z com | z |≥ R0. Podemos então deformar, para R ≥ R0, cR(t) emcR(t) = (Re2πit)K , através de

ϕ : [0, 1]× [0, 1] −→ IR2 − 0(s, t) 7−→ (Re2πit)K + s

[ak−1(Re2πit)K−1 + · · ·+ a1(Re2πit)1 + a0

].

Temos ϕ de classe C∞, ϕ(0, t) = cR(t), ϕ(1, t) = cR(t), ϕ(s, 0) = ϕ(s, 1) para todos (observe que | ϕ(s, t) |≥ Rk

2 ∀(s, t) ∈ Q).

Então, pelo Teorema de Green, temos

n(R)− 12π

∫ 1

0F (cR(t)). ˙cR(t)dt =

∫QdF ϕJϕ = 0

Mas1

∫ 1

0F (cR(t)). ˙cR(t)dt = k,

o que prova que n(R) = k.E pronto.

Page 101: Calculo Avancado Felipe

E. O TEOREMA DE GAUSS-OSTROGRADSKI 101

Observação: Este é um caso em que temos boas razões para a utilizaçãoda forma paramétrica do Teorema de Green: não temos informações precisassobre as regiões limitadas pelas curvas; além disso, dF = 0, o que tornasimples as contas, já que não é preciso estar a calcular derivadas parciaise jacobianos. Mais interessante ainda: embora estivesse, durante toda ademonstração , implícito que o número de voltas n(R) é um número inteiro,tal fato (cuja demonstração não é tão simples assim) não foi utilizado emmomento algum!

e O Teorema de Gauss-Ostrogradski

O Teorema de Kelvin nos indica que é possível iterar o processo que conduziua sua dedução. Se F é um campo de vetores e

G = ∇× F =

(∂F3

∂x2

− ∂F2

∂x3

,∂F1

∂x3

− ∂F3

∂x1

,∂F2

∂x1

− ∂F1

∂x2

,

),

então, dada uma superfície S, temos∫S

G. ~dS =

∫S

∇× F. ~dS =

∫∂S

F .

Portanto, se tomarmos duas superfícies S1 e S2 tais que ∂S1 = ∂S2 (istoinclui também as orientações), teremos∫

S1

G. ~dS =

∫S2

G. ~dS.

Um campo G tal que existe F com ∇ × F = G costuma ser chamadosolenoidal.

Assim, dado um campo G (não necessariamente solenoidal), poderíamosquerer saber o que estará acontecendo caso

∫S1G. ~dS 6=

∫S2G. ~dS para S1

e S2 com ∂S1 = ∂S2.

Exercício : Considere um aberto Ω em IR3, G −→ IR3 de classe C1 e ϕ : [0, 1]3 −→Ω de classe C2 tal que ϕ(t1, u, v) = ϕ(t2, u, v) sempre que u = 0; u = 1, v = 0 ou

Page 102: Calculo Avancado Felipe

102 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

S2

S1

n ∂S1 = ∂S2

v = 1, quaisquer que sejam t1 e t2 em [0, 1]. Considere as superfícies St definidaspor St(u, v) = ϕ(t, u, v). Defina I : [0, 1] −→ IR por I(t) =

∫StG. ~dS. Calcule I ′,

escreva I(1) − I(0) =∫ 1

0 I′(t)dt e veja o que encontra. Repita supondo que ϕ é

apenas de classe C1.

O exercício anterior é um plágio do roteiro que nos conduziu ao Teoremade Kelvin; sua resolução conduz ao Teorema de Gauss-Ostrogradski. Noentanto, para não estarmos sempre a repetir a mesma estória, vamos deduzirnosso teorema de outra maneira.

Consideremos um campo F : IR3 −→ IR3 de classe C1 (ou C2, ou C∞, sefor preciso). Consideremos as linhas de fluxo de F , isto é, as soluções daequação x = F (x).Para evitar problemas, vamos supor que as linhas de fluxo x(t) estão definidaspara todo t em IR. Consideremos então as aplicações

ϕt : IR3 −→ IR3 ,

ϕt(x) = posição no tempo t de quem está em x no tempo 0 e caminha sobre

Page 103: Calculo Avancado Felipe

E. O TEOREMA DE GAUSS-OSTROGRADSKI 103

F (ϕt(x))

ϕt(x)

x

uma linha de fluxo)

De forma equivalente, podemos definir

ϕ : IR× IR3 −→ IR3

(t, x) 7−→ ϕ(t, x) = ϕt(x) ,

dada por(i) ϕ(0, x) = x ∀x ∈ IR3

(ii) ∂∂tϕ(t, x) = F (ϕ(t, x)) ∀(t, x) ∈ IR× IR3

Exercício : Entenda que ϕ(s, ϕ(t, x)) = ϕ(s + t, x) ∀s, t ∈ IR, x ∈ IR3, o queequivale, já que ϕt(x) = ϕ(t, x), a ϕs(ϕt(x)) = ϕs+t(x), ou ainda, de forma maissucinta, a ϕsϕt = ϕs+t.

Temos assim, para cada t, uma aplicação ϕt que nos diz “onde vão parar ospontos depois de um tempo t”.Consideremos agora uma região R0 limitada por uma superfície S0 e acom-panhemos o que acontece com R0 (imagine uma bolha de tinta azul no meiode água que escoa). Um pouco menos informalmente, se R0 ⊂ IR3, ∂R0 = S0,sejam

R(t) = ϕt(R0) , V (t) = volume de R(t) =

∫R(t)

1 .

Coloquemo-nos a seguinte questão: V (t) varia ? Se varia, quem é V ′(t) ?

Page 104: Calculo Avancado Felipe

104 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

F (x)

x

ϕt(R0)R0

R(h)R(0)

Exercício : Deduza, de ϕ(t, ϕ(s, x)) = ϕ(t+s, x), que basta saber calcular V ′(0).

Exercício : Tome h pequeno, desenhe R(h), R(0) e conclua (com argumentos nãonecessariamente rigorosos, do ponto de vista matemático, mas bastante razoáveis)que V ′(0) =

∫S0F. ~ds. Comece observando que R(h) − R(0) = volume do que sai

menos volume do que entra (através de S0) no tempo h.

Observação : O exercício acima é obrigatório.

Vamos agora calcular V ′(0) diretamente:

V ′(t) =d

dt

∫R(t)

1 =d

dt

∫ϕt(R(0))

1 =d

dt

∫R(0)

Jϕt

Page 105: Calculo Avancado Felipe

E. O TEOREMA DE GAUSS-OSTROGRADSKI 105

Observação : Não vamos provar isto, mas ϕt é de classe C1. Como valeϕt ϕ−t = ϕ−t ϕt = I, temos Jϕt 6= 0 ∀t. Além disso Jϕt depende conti-nuamente de t. Como Jϕ0 = JI = 1, temos Jϕt > 0 ∀t.

Proseguindo, temos

V ′(t) = ddt

∫R0det(∂ϕ∂x1

(t, x), ∂ϕ∂x2

(t, x), ∂ϕ∂x3

(t, x))dx =

=∫R0det(

∂2ϕ∂t∂x1

(t, x), ∂ϕ∂x2

(t, x), ∂ϕ∂x3

(t, x))dx+

+∫R0det(∂ϕ∂x1

(t, x), ∂2ϕ∂t∂x2

(t, x), ∂ϕ∂x3

(t, x))dx+

+∫R0det(∂ϕ∂x1

(t, x), ∂ϕ∂x2

(t, x), ∂2ϕ∂t∂x3

(t, x))dx

Mas ∂ϕ∂t

(t, x) = F (ϕ(t, x)). Portanto,

V ′(t) =∫R0det(∂F (ϕ(t,x))

∂x1(t, x), ∂ϕ

∂x2(t, x), ∂ϕ

∂x3(t, x)

)dx+

+∫R0det(∂ϕ∂x1

(t, x), ∂F (ϕ(t,x))∂x2

(t, x), ∂ϕ∂x3

(t, x))dx+

+∫R0det(∂ϕ∂x1

(t, x), ∂ϕ∂x2

(t, x), ∂F (ϕ(t,x))∂x3

(t, x))dx

Observemos ainda que ϕ(0, x) ≡ x, donde ∂ϕ∂xi

(0, x) = ei. Logo,

V ′(0) =∫R0

[det(∂F (x)∂x1

, e2, e3

)+ det

(e1,

∂F (x)∂x2

, e3

)+ det

(e1, e2,

∂F (x)∂x3

)]=

=∫R0

[∂F1(x)∂x1

+ ∂F2(x)∂x2

+ ∂F3(x)∂x3

]dx .

Page 106: Calculo Avancado Felipe

106 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

Escrevendo

∇.F (x) =∂F1(x)

∂x1

+∂F2(x)

∂x2

+∂F3(x)

∂x3

e igualando os dois valores obtidos para V ′(0), deduzimos o Teorema deGauss-Ostrogradski: ∫

S0

F. ~ds =

∫R0

∇.F

∇.F é chamado de divergência de F .

Observação : No termo à esquerda a normal a S0 “aponta para fora”. Éimportante ainda salientar que a dedução acima não é uma demonstração:calculamos V ′(0) e obtivemos V ′(0) =

∫R0∇.F ; mas a igualdade V ′(0) =∫

S0F. ~dS resultou apenas do “significado físico” de

∫S0F. ~dS.

f “O Campo”

Considerando a importância dos campos elétrico e gravitacional, “o campo”é, sem dúvida,

F : IR3 − (0, 0, 0) −→ IR3

(x, y, z) 7−→ 1

(x2+y2+z2)32

(x, y, z) ,

ou, mais ao gosto dos físicos,

F =~r

r3,

onde

~r(x, y, z) = (x, y, z)

e

r =| ~r | .

Page 107: Calculo Avancado Felipe

F. “O CAMPO” 107

ϕ(S)S

S2

Do ponto de vista geométrico, F está associado à construção do conceito deângulo sólido.Seja

ϕ : IR3 − (0, 0, 0) −→ S2

(x, y, z) 7−→ 1r(x,y,z)

~r(x, y, z) .

Seja S superfície em IR3 − (0, 0, 0) tal que ϕ|S seja injetiva. O ângulosólido compreendido por S (vista da origem) é a área de ϕ(S). 6

Exercício : Seja S como acima. “Mostre” geometricamente que o ângulo sólidocompreendido por S é dado por

Ω(S) =∫SF. ~dS ,

onde a orientação de S é tal que o vetor normal aponta sempre “para longe” de(0, 0, 0).

Exercício : Prove que ∇.F = 0. Refaça o exercício acima.

Exercício : Seja S ⊂ IR3 − (0, 0, 0) uma superfície fechada. Mostre que∫S F.

~dS = 0 se (0, 0, 0) é exterior a S e que∫S F.

~dS = 4π se (0, 0, 0) é interiora S e se considera a orientação de S com normal exterior.

Exercício : Prove que ∇ × F = 0. Conclua que F é conservativo (isto é,existe f : IR3 − (0, 0, 0) → IR tal que F = ∇f). Mostre que F = −∇f , ondef(x, y, z) = 1

r .

6Esta é, na realidade, uma definição provisória, a ser substituída pela que nos forneceo exercício seguinte

Page 108: Calculo Avancado Felipe

108 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

Exercício : Calcule∫S F.

~dS nos seguintes casos:

(i) S dada por z = a+ b(x2 + y2), a ≥ 0, b ≥ 0(ii) S dada por z2 − b(x2 + y2) = a, a ≥ 0, b ≥ 0

Vamos agora a uma questão mais delicada: pode existir G tal que

F = ∇×G?

Exercício : Mostre que isto implica em∫S F.

~dS = 0, sempre que S for umasuperfície fechada contida no domínio de G. Conclua que não existe G : IR3 \(0, 0, 0) → IR3 tal que F = ∇×G.

Exercício : Seja s uma semi-reta partindo de (0, 0, 0). Seja S ⊂ IR3 \ s umasuperfície fechada. Mostre que

∫S F.

~dS = 0.

Consideremos uma superfície S que não “envolve” a origem. Para fixar idéias,suponhamos que S não contém pontos na semi-reta s = (0, 0, z), z ≥ 0.Então a projeção de S sobre S2 = (x, y, z), x2 + y2 + z2 = 1 não contémo “pólo norte” (0, 0, 1). Isto é, se ϕ(x, y, z) = 1

r(x, y, z), então ϕ(S) pode ser

transportada para IR2 pela projeção estereográfica

p : IR2 −→ S2 \ (0, 0, 1)

(x, y) 7−→(

2x

x2 + y2 + 1,

2y

x2 + y2 + 1,x2 + y2 − 1

x2 + y2 + 1

).

Lembrando que o “jacobiano” de p é 4(x2+y2+1)2 , podemos dizer que

área de ϕ(S) =∫p−1(ϕ(S))

4(x2+y2+1)2dxdy

Exercício : Considere, no plano, a 1-forma

ω(x, y) =−2y

x2 + y2 + 1dx+

2xx2 + y2 + 1

dy

Page 109: Calculo Avancado Felipe

F. “O CAMPO” 109

ϕ(S)

p−1 (ϕ(S))

NS2

S

Mostre que dω(x, y) = 4(x2+y2+1)2 (ω foi obtida por advinhação e tentativa). Con-

clua que se D ⊂ IR2 é limitada por uma curva fechada, então∫D

4(x2 + y2 + 1)2

dxdy =∫∂D

−2yx2 + y2 + 1

dx+2x

x2 + y2 + 1dy

Exercício : Use o exercício anterior e a projeção estereográfica para concluir quese R ⊂ S2 \ (0, 0, 1) é uma superfície limitada pela curva c, então

area de R =∫c

2x2 + y2 + (1− z)2

(ydx− xdy)

Exercício : Conclua que se S é uma superfície que não contém pontos no semi-eixoOz+ e é tal que ϕ|S é injetiva, então

Ω(S) =∫∂S

1r(r − z)

(y,−x, 0)d~S .

Seja G dado por G(x, y, z) = 1r(r−z)(y,−x, 0). Mostre que ∇ × G = F e explique

por que só podia dar isso.

Page 110: Calculo Avancado Felipe

110 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

Problema: Considere uma superfície S orientada contida em IR3. Para x ∈IR3 \ S, seja α(x) =

∫SFx. ~dS, onde Fx(y) = 1

|y−x|3 (y − x) (isto é, α(x) é oângulo sólido compreendido por S vista de x). Observe que α(x) dá um saltoquando x “passa através de S”. Tente estudar esta questão.

Exercício: Seja B = (x, y, z) ∈ IR3, x2 + y2 + z2 ≤ 1. Demonstre o Teoremade Brouwer: se f : B → B é contínua, então f tem ponto fixo.

g Pausa para Reflexão : Será que é tudo umTeorema só ?

Agora que já apresentamos nossos dois teoremas, vale a pena reparar emcertas parecenças que guardam entre si e com o Teorema Fundamental doCálculo.

Comecemos por observar que estamos lidando com quatro classes de objetos,quanto à dimensão : pontos (dimensão 0), curvas (dimensão 1), superfícies(dimensão 2) e sólidos (dimensão 3). A cada uma destas classes está asso-ciada uma integral: integral de linha para curvas, integral de superfície (oufluxo) para superfícies, integral volumétrica para sólidos; podemos tambémconsiderar que o valor de uma função f em um ponto P é a “integral” de fsobre P .

Fixado um aberto Ω de IR3, podemos estabelecer o seguinte quadro:

DIMENSÃO OBJETO INTEGRANDORESULTADO DA

OPERAÇÃO0 ponto x f : Ω→ IR f(x)

1 curva c F : Ω→ IR3∫cF

2 superfície S F : Ω→ IR3∫SF

3 região R f : Ω→ IR∫Rf

Page 111: Calculo Avancado Felipe

G. PAUSA PARA REFLEXÃO : SERÁQUE É TUDOUMTEOREMA SÓ ?111

Vejamos agora os Teoremas.

(ı) O Gradiente

Consideremos f : Ω→ IR de classe C1 e façamos um ponto A se deslocar atéB ao longo da curva c. O Teorema Fundamental do Cálculo nos diz entãoque a variação de f é dada por uma integral sobre c:

f(B)− f(A) =

∫c

∇f .

(ıı) O Rotacional

Seja agora F : Ω → IR3 de classe C1 e consideremos a aplicação F que acada curva c em Ω associa

F(c) =

∫c

F.

Suponhamos que nossa curva se desloca de uma posição c0 a uma posiçãoc1, mantidas fixas as extremidades. No deslocamento de c0 a c1 a curva“varre” uma superfície S. O Teorema de Kelvin mostra que a variação de F ,F(c1)−F(c0), é dada por uma integral sobre S:∫

c1

F −∫c0

F =

∫S

∇× F .

(ııı) A Divergência

Voltemos a considerar um campo F : Ω → IR3 de classe C1 mas associemosagora a F uma aplicação F que age sobre as superfícies em Ω:

F(S) =

∫S

F .

Mais uma vez, se deslocarmos S da posição S0 à posição S1, de forma que,no caminho, S varra uma região R (e mantido fixo o bordo de S), teremospelo Teorema de Gauss-Ostrogradski, que a variação de F será dada por umaintegral sobre R: ∫

S1

F −∫S0

F =

∫R

∇.F .

Page 112: Calculo Avancado Felipe

112 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

c0

c1

SR

S0

S1

A

B

Note que no caso (ı) os pontos A e B constituem o bordo da curva c; no caso(ıı) as curvas c0 e c1 formam o bordo da superfície S; e no caso (ııı) o bordoda região R é dado pelas superfícies S0 e S1. Assim, cada um de nossos trêsTeoremas diz que a integral de “algo” sobre o “bordo” de um objeto é igual àintegral de uma espécie de “derivada” deste “algo” sobre o próprio objeto.

Há aqui duas operações que se cruzam:

(ı) A operação (que notaremos por ∂) que a cada objeto M 7 (de dimensãok) associa seu bordo ∂M (de dimensão k − 1);

(ıı) A operação (que notaremos por d) que a cada integrando ω (uma funçãof ou um campo de vetores F , este último desempenhando papéis diferentesconforme M tenha dimensão 1 ou 2) associa uma espécie de “derivada” dω,que chamaremos de derivada exterior de ω (note que, conforme o caso,dω = ∇f, dω = ∇× F ou dω = ∇.F ).

∂M ←− Mω −→ dω

Sob esta ótica, nossos Teoremas dizem todos a mesma coisa:∫∂M

ω =

∫M

dω .

Já poderíamos dizer que tivemos sucesso em unificar os três Teoremas. Maso que até agora foi feito tem um caráter puramente descritivo: observamos

7Do alemão Mannigfaltigkeit (multiplicidade, ou variedade), aparentemente usado pelaprimeira vez nos primórdios da Teoria da Relatividade para descrever o conjunto dospossíveis valores das coordenadas x, y, z, t do espaço-tempo

Page 113: Calculo Avancado Felipe

G. PAUSA PARA REFLEXÃO : SERÁQUE É TUDOUMTEOREMA SÓ ?113

semelhanças e classificamos espécies, algo assim como se fôssemos biólogos doséculo XIX. Há lacunas gritantes em nossa compreensão : se, por um lado,nossa experiência com Geometria e Álgebra Linear faz com que saibamosrazoavelmente bem o que entendemos por objetos de dimensão k, o mesmonão pode ser dito quando falamos dos integrandos. É evidente a falta de umadefinição unificada para os diversos tipos de integral envolvidos.

Mais ainda: se o operador de passagem ao bordo tem um apelo geométricoque praticamente o isenta de explicações , seu adjunto, o operador de derivaçãoexterior, faz aparições misteriosas, e em cada caso se apresenta sob uma formadiferente. Fica pois o duplo desafio:

(ı) Estabelecer uma definição unificada para as diversas integrais;

(ıı) Esclarecer o conceito de derivada exterior, de forma que gradiente, rota-cional e divergência apareçam claramente como diferentes manifestações deuma idéia geral.

Não seria demais exigir, ainda, que daí possa resultar uma teoria geralaplicável também a dimensões mais altas.

Page 114: Calculo Avancado Felipe

114 CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO

Page 115: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 11

OS OBJETOS: CURVAS,SUPERFÍCIES E CADEIAS

a Curvas e Superfícies

Curvas e superfícies são objetos geométricos; é natural que sejam definidasnão como funções (forma paramétrica) mas como subconjuntos de IR3.

Exemplo : A esfera S2 = (x1, x2, x3) ∈ IR3, x12 + x2

2 + x32 = 1 tem

todo o direito de ser chamada de superfície – mais direito do que a aplicaçãoϕ : [0, 1]×[0, 1]→ IR3, ϕ(s, t) = (sen(πs)cos(2πt), sen(πs)sen(2πt), cos(πs)).

Uma definição razoável de curvas e superfícies poderia ser a seguinte: umasuperfície (curva) em IRN é um subconjunto de IRN que é imagem de umaaplicação injetiva C1 ϕ : [0, 1] × [0, 1] → IRN (ϕ : [0, 1] −→ IRN) tal queϕ′(s, t) é injetiva (ϕ′(s) é injetiva) em todos os pontos (s, t) de [0, 1] × [0, 1](s de [0, 1]).

Exercício : Entenda esta definição. Mostre que, se a adotarmos, S2 não ésuperfície. Observe que se retirarmos a injetividade de ϕ teremos superfícies comauto interseções; se retirarmos a injetividade de ϕ′(s, t) teremos superfícies combicos.

115

Page 116: Calculo Avancado Felipe

116CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS

superfície comauto-interseções

superfície regularsuperfície com bicos

Embora seja razoável a idéia de que uma superfície é um plano deformado. sequisermos trabalhar com esferas, toros e outras menos populares, é precisodeformar e colar. Colar significa perda de injetividade. A alternativa érenunciar a usar uma parametrização única (qualquer cartógrafo sabe disto).

Definição : S ⊂ IR3 é uma superfície de classe Cr (r ≥ 1) se para todoponto x de S existem um aberto U de IR2 e uma aplicação ϕ : U −→ IR3 declasse Cr tais que:

(i) ϕ(U) = V ∩ S 3 x(ii) ϕ é injetiva

(iii) ϕ−1 : V ∩ S → U é contínua(iv) ϕ′(u) é injetiva ∀u ∈ U .

ϕ é dita uma parametrização ou carta local. Uma coleção de parametriza-ções cujas imagens cobrem S é dita um atlas ou sietema completo decartas locais.

Exercício : Mostre que se excluirmos o item (iii) (ϕ−1 contínua) da definição,então nossas superfícies poderão ter auto-interseções. Trabalhe com alguns exem-plos. Observe que nossa definição não inclui a possibilidade de termos superfíciescom bordo.

A definição de superfície com bordo é praticamente a mesma vista acima,com uma alteração: as parametrizações

ϕ : U −→ IR3

são definidas de modo que U seja um aberto não necessariamente de IR2,mas de um semi-plano (por exemplo, U ⊂ (x1, x2) ∈ IR2, x1 ≤ 0). Isto

Page 117: Calculo Avancado Felipe

A. CURVAS E SUPERFÍCIES 117

S

ϕ

U ϕ(U)

Figura 11.1: U inclui pontos (x1, x2) com x1 = 0. A imagem de U inclui pontosde S que estão no bordo ( e correspondem aos pontos de U com x1 = 0) que nãosão abertos de IR2 (o que permite parametrizar vizinhanças de pontos do bordo)

inclui abertos de IR2 (e nos permite parametrizar vizinhanças de pontos do“interior”) e abertos como o abaixo:O bordo de S consiste exatamente nos pontos de S que não têm vizinhançaparametrizada por aberto de IR2 (notação: ∂S). ∂S é certamente uma curva(ou união de curvas).

Dado x ∈ S, o plano tangente a S em x é o subsepaço de IR3 dado porϕ′(u)v, v ∈ IR2, onde ϕ é uma parametrização para uma vizinhança dex com ϕ(u) = x. Se x ∈ ∂S e ϕ : U ⊂ (u1, u2) ∈ IR2, u1 ≤ 0 → IR3

é uma parametrização para uma vizinhança de x com ϕ(u1, u2) = x, entãonecessariamente u1 = 0. Então a reta tangente a ∂S em x é o subespaçode IR3 dado por ϕ′(u1, u2)te2, t ∈ IR

É claro que existem muitas questões sobre as definições acima. Mais ainda,dados um campo F e uma superfície S, definir corretamente a integral de Fsobre S de forma independente das diferentes parametrizações de S dá umcerto trabalho e apresenta algumas dificuldades técnicas. 1 Vamos deixá-lasde lado, por ora. O que realmente nos interessa, no momento, é compreendero seguinte:

1Tais dificuldades não estão , absolutamente, acima de nossas forças, mas enfrentá-lasagora nos desviaria do objetivo principal

Page 118: Calculo Avancado Felipe

118CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS

S

n

∂S

(i) curvas e superfícies podem ser definidas como subconjuntos de IR3

(ii) se S é uma superfície orientada (isto é, para a qual se escolheu um campocontínuo de vetores normais)2, então ∂S é uma curva para a qual se podeescolher uma orientação compatível com a de S (de maneira que o enunciadoda forma não paramétrica do Teorema de Kelvin esteja correto)(iii) se F é um campo de vetores C1 em um aberto contendo uma superfícieorientada S, o Teorema de Kelvin pode ser expresso por:∫

∂S

F =

∫S

∇× F

(orientações compatíveis para S e ∂S).

(iv) se V é um aberto cujo bordo é uma superfície S orientada com normalexterior e F é um campo C1 em V , então o Teorema de Gauss-Ostrogradskipode ser expresso por: ∫

S

F =

∫V

∇.F

2Nem toda superfície é orientável; um exemplo famoso de superfície não orientável é afaixa de Möbius

Page 119: Calculo Avancado Felipe

B. CURVAS E SUPERFÍCIES PARAMETRIZADAS 119

b Curvas e Superfícies parametrizadasNas considerações seguintes, limitaremos a variabilidade das grandezas x e ya um domínio finito, e, como lugar do ponto 0, não teremos em vista maiso próprio plano A, mas uma superfície T recobrindo este plano. Escolhemoseste modo de representação onde não há nada de chocante em falar de super-fícies superpostas, a fim de podermos admitir que o lugar do ponto 0 possarecobrir várias vezes a mesma parte do plano . . .

B. RiemannPrincípios fundamentais para umateoria geral das funções de umagrandeza variável complexa,

Göttingen, 1851

Definição : Uma curva parametrizada é uma aplicação c : [a, b] → IRN

de classe C1 (onde a, b ∈ IR, a < b). Uma superfície parametrizada éuma aplicação ϕ : [a, b]× [c, d]→ IRN de classe C1 (com a < b e c < d).

Podemos aproveitar a ocasião e definir logo a generalização para dimensõesmaiores.

Definição : Um bloco singular de classe C l é uma aplicação c : B → IRN

de classe C l (neste caso, B é um bloco não degenerado em IRk e c é tambémdito um k-bloco de classe C l; à falta de indicação, supomos que c é ao menosC1).

Observação : Dada uma superfície ϕ, não estamos exigindo que sua derivada,ϕ′, seja injetiva; nossas superfícies (se confundidas com suas imagens) nãotêm necessariamente dimensão 2, assim como a imagem de uma curva podese restringir a um só ponto. Além disso, nossas superfícies parametrizadaspodem ter auto interseções ou mesmo recobrir a mesma região várias vezes(o que é particularmente claro no caso N = 2).

Definição : Seja ϕ : [a, b] × [c, d] → IR3 uma superfície parametrizada (declasse C1) e seja F : Ω→ IR3, com ϕ([a, b]× [c, d]) ⊂ Ω, tal que

F (ϕ(s, t)).

(∂ϕ

∂s(s, t)× ∂ϕ

∂t(s, t)

)

Page 120: Calculo Avancado Felipe

120CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS

é integrável. A integral de superfície de F sobre ϕ é dada por∫ϕ

F =

∫[a,b]×[c,d]

F ϕ.(∂ϕ

∂s× ∂ϕ

∂t

)=

=

∫ b

a

∫ d

c

F (ϕ(s, t)).

(∂ϕ

∂s(s, t)× ∂ϕ

∂t(s, t)

)dtds .

No caso de campos de vetores no plano, o Teorema de Green torna naturala definição a seguir.

Definição : Seja ϕ : [a, b]× [c, d]→ IR2 uma superfície (de classe C1) e sejaf : Ω→ IR, com ϕ([a, b]× [c, d]) ⊂ Ω tal que f ϕJϕ é integrável. A integralde superfície de f sobre ϕ é dada por∫

ϕ

f =

∫[a,b]×[c,d]

f ϕJϕ =

∫ b

a

∫ d

c

f(ϕ(s, t))Jϕ(s, t)dtds .

Exercício: Sejam ϕ e f como acima. Faça ψ : [a, b] × [c, d] → IR3, ψ(s, t) =(ϕ1(s, t), ϕ2(s, t), 0) e F : Ω→ IR3, F (x, y, 0) = (0, 0, f(x, y)). Mostre que∫

ψF =

∫ϕf.

Como já vimos, o Teorema de Kelvin relaciona a integral de linha de umcampo F no bordo (seja lá o que for isso) de uma superfície com a integral desuperfície de algo que estamos chamando de dF . Passemos, pois, à definiçãodo bordo de uma superfície.Consideremos o retângulo R = [a, b]× [c, d].

O bordo de R é composto por quatro segmentos de reta, que formam umcircuito fechado, misteriosamente percorrido no sentido trigonométrico.Da mesma forma, se ϕ : R→ IRN é uma superfície parametrizada, seu bordoserá formado por quatro curvas, de modo que o bordo de ϕ seja a imagempor ϕ do bordo de R.

Page 121: Calculo Avancado Felipe

C. CADEIAS 121

Q

c3

c1(0, 0) (1, 0)

(1, 1) ϕ

c4 c2

(0, 1)

Exercício : Note que o bordo de ϕ pode ser diferente da fronteira do conjuntoϕ(R).

Agora deveríamos definir o bordo de ϕ como sendo uma curva C1 por partes.Mas não vamos.

Exercício : Pense no cubo [0, 1]× [0, 1]× [0, 1] = Q. Pense ϕ : Q→ IRN de classeC1. Pense o bordo de ϕ. Como você definiria uma "superfície parametrizada C1

por partes"?

c CadeiasUma cadeia é, basicamente, uma colagem de curvas (ou de seus análogos dedimensões maiores).Dadas duas curvas parametrizadas

c1 : [a1, b1] −→ IRN , c2 : [a2, b2] −→ IRN ,

poderíamos "colá-las"definindo

c : [0, b1 − a1 + b2 − a2] −→ IRN

t 7−→c1(a1 + t), t ∈ [0, b1 − a1]c2(a2 + t− (b1 − a1)), t ∈ [b1 − a1, b1 − a1 + b2 − a2]

Temos três problemas:(ı) c(b1 − a1) está mal definida;(ıı) não parece simples fazer o mesmo para superfícies;

Page 122: Calculo Avancado Felipe

122CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS

(ııı) de qualquer forma, está horrível.

Definição : Uma cadeia unidimensional (ou 1-cadeia ) de classe Cr emIRN é uma soma formal

c = n1c1 + · · ·+ nkck ,

onde cada ni é um inteiro e cada

ci : [ai, bi] −→ IRN

é de classe Cr (com ai 6= bi).3

As multiplicidades ni indicam que ci deve ser contada ni vezes (com sentidoinvertido se ni for negativo). As cadeias generalizarão as curvas quandoestivermos tratando de integrais de linha: dado um campo F definido emum aberto contendo as imagens das ci, definiremos∫

c

F = n1

∫c1

F + · · ·+ nk

∫ck

F .

Da mesma forma definimos cadeias bi-dimensionais ou 2-cadeias (e nada nosimpede de generalizar logo para dimensões maiores):

Definição : Uma cadeia k-dimensional (ou k-cadeia) de classe Cr emIRN é uma soma formal

c = n1c1 + · · ·+ nlcl ,

onde cada ni é um inteiro e cada

ci : Bi −→ IRN

é de classe Cr (Bi é um bloco não degenerado em IRk). Considerando os nitodos não nulos, a imagem de c é ∪li=1ci(Bi).

No caso particular em que ϕ1, . . . , ϕl são superfícies parametrizadas em IR2

e f é uma função a valores em IR cujo domínio contém as imagens das ϕi,definimos, se

ϕ = n1ϕ1 + · · ·+ nlϕl ,

3Do ponto de vista formal, não há impedimento para que se troque o anel dos inteirospor qualquer outro; assim, podemos (e frequentemente vamos) supor que os ni estão emIR ou C.

Page 123: Calculo Avancado Felipe

C. CADEIAS 123∫ϕ

f = n1

∫ϕ1

f + · · ·+ nl

∫ϕl

f ;

da mesma forma, para superfícies parametrizadas ϕ = n1ϕ1 + · · · + nlϕlem IR3 e campos de vetores F , fazemos∫

ϕ

F = n1

∫ϕ1

F + · · ·+ nl

∫ϕl

F .

Estamos também em condições de definir a integral volumétrica paracadeias de dimensão três. Se B é um bloco em IR3, c : B → IR3 é C1 ef : Ω → IR, com c(B) ⊂ Ω, é tal que a integral abaixo existe, definimos aintegral de f sobre c por ∫

c

f =

∫B

f cJc.

Se c = n1c1 + . . .+ nlcl, a integral é definida por∫c

f = n1

∫c1

f + . . .+

∫cl

f.

Exercício: Certifique-se de que entendeu a definição . Note que o jacobiano de c étomado com seu sinal. A exemplo das curvas e superfícies, mudar a parametrizaçãopode mudar a orientação e, com ela, o sinal de Jc e o resultado da integral.

Cadeias de mesma dimensão a valores no mesmo IRN podem ser somadas damaneira óbvia e multiplicadas por números inteiros. Consideramos nula ncse o número n for zero ou se c : B −→ IRN , B bloco em IRk, for tal que oposto de c′(t) for menor do que k para todo t em B. 4

Exercício: Uma definição mais abstrata de cadeias pode considerar que pegamos,dentre todas as c : B → IRN , algumas para multiplicar por inteiros não nu-los, multiplicando por 0 as demais. Confira e entenda a seguinte definição dek-cadeia em Ω. Dados Ω ⊂ IRN , k ∈ IN e r ∈ IN , seja B = c : B →Ω | B bloco em IRk, c de classe Cr. Uma k-cadeia em Ω é uma aplicaçãoc : B → ZZ tal que c 6= 0 apenas para um número finito de elementos de B.Dada a cadeia c, teremos os elementos c1, . . . , cm de B em que c não se anula, com

4Veremos mais à frente uma definição mais geral de equivalência entre cadeias

Page 124: Calculo Avancado Felipe

124CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS

os correspondentes valores n1, . . . , nm em ZZ, o que significa que cada cj é contadonj vezes.

d O bordoDada uma superfície parametrizada

ϕ : [a1, b1]× [a2, b2] −→ IRN ,

seu bordo será uma cadeia composta pelas curvas

ϕa1 : [a2, b2] −→ IRN ,t 7−→ ϕ(a1, t)

ϕa2 : [a1, b1] −→ IRN ,s 7−→ ϕ(s, a2)

ϕb1 : [a2, b2] −→ IRN ,t 7−→ ϕ(b1, t)

ϕb2 : [a1, b1] −→ IRN .s 7−→ ϕ(s, b2)

Para manter o sentido trigonométrico (misteriosamente escolhido), somosforçados a definir o bordo de ϕ por

∂ϕ = ϕa2 + ϕb1 − ϕb2 − ϕa1

Page 125: Calculo Avancado Felipe

D. O BORDO 125

Exercício : Entenda isto.

De maneira geral, dada uma 2-cadeia

ϕ = n1ϕ1 + · · ·+ nlϕl ,

o bordo de ϕ é definido por

∂ϕ = n1∂ϕ1 + · · ·+ nl∂ϕl .

Exercício : Seja ϕ : [a0, a2]× [b0, b2]→ IR2 uma superfície parametrizada. Dadosa1 em ]a0, a2[ e b1 em ]b0, b2[, considere, para i = 0, 1 e j = 0, 1, as superfícies

ϕij : [ai, ai+1]× [bj , bj+1] −→ IR2 .(s, t) 7−→ ϕ(s, t)

Dadas f : IR2 → IR e F : IR2 → IR2 contínuas, mostre que, sendo

ϕ = ϕ00 + ϕ01 + ϕ10 + ϕ11 ,

tem-se ∫ϕf =

∫ϕf

e ∫∂ϕF =

∫∂ϕF .

O exercício acima é muito fácil mas é fundamental.

Exercício: Seja c : [0π1]×[0, 2π]→ IR3 dada por c(θ, φ) = (sin θ cosφ, sin θ sinφ, cos θ).Calcule ∂c.

Se c é uma k-cadeia a valores em A ⊂ IRN e

f : A −→ IRM

é de classe C1, definimos a imagem de c por f (que, claro, é uma cadeia emIRM):

fc = n1f c1 + · · ·+ nlf cl ,

ondec = n1c1 + · · ·+ nlcl .

Page 126: Calculo Avancado Felipe

126CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS

Exercício : Mostre que se ϕ é uma 2-cadeia a valores em A e f : A→ IRM é declasse C1, então ∂(fϕ) = f(∂ϕ).

Para podermos definir bordo de uma 1-cadeia, somos obrigados a criar as0-cadeias. Uma 0-cadeia em IRN é uma soma formal

c = n1c1 + · · ·+ nlcl ,

onde cada ni é inteiro e cada ci é um ponto em IRN (a soma é formal, nadaa ver com somar vetores em IRN). A rigor, cada ci deveria ser uma funçãode 0 em IRN , mas vamos abrir mão do rigor.

Se c : [a, b]→ IRN é uma curva, o bordo de c é a 0-cadeia

∂c = c(b)− c(a)

(insistimos em lembrar que a soma é formal : o bordo de c é constituídopelos pontos c(a) e c(b) - os sinais indicam que a "entrada"é por c(a) e a"saída"por c(b)).

Sec = n1c1 + · · ·+ nlcl ,

definimos∂c = n1∂c1 + · · ·+ nl∂cl .

Uma cadeia c é dita fechada se

∂c = 0 .

Exercício : Emende umas tantas curvas umas nas outras de forma a obter umcircuito fechado (com uma orientação bem definida). Mostre que o bordo da cadeiaassim obtida é nulo.Exercício : Seja ϕ uma 2-cadeia. Mostre que ∂(∂ϕ) = 0.

Resta-nos definir o bordo de uma 3-cadeia. É claro que podemos nos res-tringir a c : B → IRN , onde B é um bloco em IR3. Se

B = [a1, b1]× [a2, b2]× [a3, b3]

seu bordo deve ser composto pelas seis faces dadas por:

Page 127: Calculo Avancado Felipe

D. O BORDO 127

ca1 : [a2, b2]× [a3, b3] −→ IRN

(s, t) 7−→ c(a1, s, t),

cb1 : [a2, b2]× [a3, b3] −→ IRN

(s, t) 7−→ c(b1, s, t),

ca2 : [a1, b1]× [a3, b3] −→ IRN

(s, t) 7−→ c(s, a2, t),

cb2 : [a1, b1]× [a3, b3] −→ IRN

(s, t) 7−→ c(s, b2, t),

ca3 : [a1, b1]× [a2, b2] −→ IRN

(s, t) 7−→ c(s, t, a3),

cb3 : [a1, b1]× [a2, b2] −→ IRN

(s, t) 7−→ c(s, t, b3).

Cada uma destas superfícies parametrizadas vem com sua orientação . Peloque temos visto, gostaríamos que as orientações fossem tais que, c preser-vando orientação , as normais apontassem para fora.

Exercício: Pense no caso em que c : B → IR3 é a identidade.

Definimos, então , o bordo de c por:

∂c = −ca1 + cb1 + ca2 − cb2 − ca3 + cb3 .

Exercício: Entenda bem as escolhas dos sinais, na definição acima. Lembre-se deque e1 × e2 = e3, e2 × e3 = e1, mas e1 × e3 = −e2.

No caso geral, c = n1c1 + . . .+ nlcl, o bordo de c é definido por:

∂c = n1∂c1 + . . .+ nl∂cl

Exercício: Seja c uma 3-cadeia. Mostre que ∂(∂c) = 0.Exercício : Mostre que se ϕ é uma 3-cadeia a valores em A e f : A→ IRM é declasse C1, então ∂(fϕ) = f(∂ϕ).Exercício: Seja c : [0, R]× [0, π]× [0, 2π]→ IR3 dada por

c(r, θ, φ) = r(sin θ cosφ, sin θ sinφ, cos θ).

Calcule ∂c.Exercício: Pense em como definir o bordo de uma k-cadeia, para k > 3.

Page 128: Calculo Avancado Felipe

128CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS

Page 129: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 12

OS TEOREMAS

Podemos agora repassar nossos teoremas, aproveitando para esclarecer ashipóteses. Já decidimos adiar a definição de integral de superfície, no caso nãoparamétrico. Assim, todos os objetos que consideraremos (curvas, superfíciese mesmo sólidos) serão parametrizados. De maneira geral, estaremos traba-hando com cadeias de dimensão um, dois e três (e - não há por que discriminá-las - também de dimensão zero).Se, por um lado, tal situação gera um certo desconforto (nas aplicações ,estaremos com freqüência nos referindo a integrais não paramétricas que,rigorosamente, não foram definidas), por outro ganharemos a liberdade detrabalhar com curvas superfícies e sólidos com bicos e auto-interseções , oque é, em muitos casos, excelente.Com relação às demonstrações propriamente ditas, terão tratamentos umpouco diferentes, no que diz respeito à maneira como eliminaremos a hipótesede que as cadeias devam ser de classe C2 e não C1. No Teorema de Kelvinusaremos um truque elementar; já no de Gauss-Ostrogradski, recorreremos auma idéia extremamente útil, aproximando funções de classe C1 por funçõesC∞.

a Kelvin-Green

Na introdução , o Teorema de Kelvin surgiu do estudo que fizemos da variaçãoda integral de linha de um campo F ao longo de uma curva que se movia, de

129

Page 130: Calculo Avancado Felipe

130 CAPÍTULO 12. OS TEOREMAS

t

s

c1

c0ϕ

uma posição inicial c0 até uma posição final c1, mantidas fixas suas extremi-dades. Isto gerava uma superfície ϕ, cujo bordo era, precisamente, c1 − c0.Podemos observar, é claro, que se deixarmos livres as extremidades da curva,o bordo da superfície que geraremos terás mais dois pedaços, além de c0 e c1.Parece claro que é possível lidar com esta situação , o que deve alterar poucoa demonstração do Teorema.

Teorema: Sejam Ω aberto em IR3, F : Ω → IR3 um campo de vetores declasse C1 e ϕ : B = [a1, b1]× [a2, b2]→ Ω de classe C1. Então∫

∂ϕ

F =

∫ϕ

∇× F.

Demonstração : Comecemos, para não complicar, supondo que ϕ é de classe C2.Façamos, para cada s em [a1, b1], cs : [a2, b2]→ Ω, c(t) = ϕ(s, t) e

I(s) =∫cs

F =∫ b2

a2

F (ϕ(s, t)).∂ϕ

∂t(s, t)dt.

Derivando I, obtemos:

I ′(s) =∫ b2

a2

F ′(ϕ(s, t))∂ϕ

∂s(s, t).

∂ϕ

∂t(s, t)dt+

∫ b2

a2

F (ϕ(s, t)).∂2ϕ

∂s∂t(s, t)dt

Integrando por partes a segunda parcela, obtemos

I ′(s) =∫ b2a2F ′(ϕ(s, t))∂ϕ∂s (s, t).∂ϕ∂t (s, t)dt−

∫ b2a2F ′(ϕ(s, t))∂ϕ∂t (s, t).∂ϕ∂s (s, t)dt+

+F (ϕ(s, b2)).∂ϕ∂s (s, b2)− F (ϕ(s, a2)).∂ϕ∂s (s, a2).

Page 131: Calculo Avancado Felipe

A. KELVIN-GREEN 131

Integrando de a1 a b1, obtemos

∫cb1F −

∫ca1

F −∫ b1a1F (ϕ(s, b2)).∂ϕ∂s (s, b2)ds+

∫ b1a1F (ϕ(s, a2)).∂ϕ∂s (s, a2)ds =

=∫ b1a1

∫ b2a2

(F ′(ϕ(s, t))∂ϕ∂s (s, t).∂ϕ∂t (s, t)dt− F ′(ϕ(s, t))∂ϕ∂t (s, t).∂ϕ∂s (s, t)

)dtds.

O primeiro termo é exatamente∫∂ϕ F . O segundo, após manipulações (ver a In-

trodução ), é∫ϕ∇× F . Isto demonstra o Teorema, no caso em que ϕ é de classe

C2.Vejamos agora o caso em que ϕ é apenas C1. Note que, nestas condições , não

podemos calcular I ′ da mesma forma. Vamos trabalhar com a definição . Dado h,temos:

I(s+ h)− I(s) =∫ b2a2

[F (ϕ(s+ h, t)− F (ϕ(s, t))] .∂ϕ∂t (s+ h, t)dt−

−∫ b2a2F (ϕ(s, t)).

[∂ϕ∂t (s+ h, t)− ∂ϕ

∂t (s, t)]dt.

Integrando por partes a segunda parcela, obtemos:

∫ b2a2F (ϕ(s, t)).

[∂ϕ∂t (s+ h, t)− ∂ϕ

∂t (s, t)]dt =

= F (ϕ(s, b1)). [ϕ(s+ h, b1)− ϕ(s, b1)]− F (ϕ(s, a1)). [ϕ(s+ h, a1)− ϕ(s, a1)]−

−∫ b1a1F ′(ϕ(s, t))∂ϕ∂s . [ϕ(s+ h, b1)− ϕ(s, b1)] .

Agora é só escrever

I ′(s) = limh→0

I(s+ h)− I(s)h

e observar que as convergências dos integrandos são uniformes. O resto é igual.

Como conseqüência imediata, temos o mesmo teorema para cadeias. Noteque o resultado vale tanto para cadeias em IR3 como para cadeias em IR2.

Teorema: Sejam Ω aberto em IR3 ou em IR2, F : Ω→ IR3 ou IR2 um campode vetores de classe C1 e c uma 2-cadeia de classe C1 em Ω. Então

Page 132: Calculo Avancado Felipe

132 CAPÍTULO 12. OS TEOREMAS

∫∂c

F =

∫c

dF,

onde dF = ∇× F , se Ω ⊂ IR3, ou dF = ∂F2

∂x1− ∂F1

∂x2, se Ω ⊂ IR2.

Exercício: Seja F : IR2 \ (0, 0) → IR2 dado por

F (x, y) = − 1x2 + y2

(−y, x)

e seja c = c1−c2, c1, c2 : [0, 2π]→ IR2 dadas por c1(t) = (5+10 cos t,−4+10 sin t),c2(t) = (10 cos t, 10 sin t). Calcule

∫c F .

b Gauss-Ostrogradski

A demonstração do Teorema de Gauss-Ostrogradski, no caso C2, segue amesma linha da do teorema de Kelvin. O truque que usamos para passar aocaso C1, no entanto, não funciona tão bem. Vejamos...

Teorema: Sejam Ω aberto em IR3, F : Ω → IR3 um campo de classe C1 eϕ : B = [a1, b1]× [a2, b2]× [a3, b3]→ Ω de classe C1. Então∫

∂ϕ

F =

∫ϕ

∇.F.

Demonstração : Comecemos supondo ϕ de classe C2 e façamos, para t1 ∈ [a1, b1],

I(t1) =∫B1

F (ϕ(t1, t2, t3).(∂ϕ

∂t2(t1, t2, t3)× ∂ϕ

∂t3(t1, t2, t3)

)dt2dt3,

ondeB1 = [a2, b2]×[a3, b3]. Derivando I, obtemos (omitindo o argumento (t1, t2, t3)):

I ′(t1) =∫B1F ′(ϕ) ∂ϕ∂t1 .

(∂ϕ∂t2× ∂ϕ

∂t3

)dt2dt3+

+∫B1F (ϕ).

(∂2ϕ∂t1∂t2

× ∂ϕ∂t3

)dt2dt3 +

∫B1F (ϕ).

(∂ϕ∂t2× ∂2ϕ

∂t1∂t3

)dt2dt3.

Page 133: Calculo Avancado Felipe

B. GAUSS-OSTROGRADSKI 133

Integrando por partes as parcelas com derivadas segundas, obtemos

I ′(t1) =∫B1F ′(ϕ) ∂ϕ∂t1 .

(∂ϕ∂t2× ∂ϕ

∂t3

)dt2dt3+

−∫B1F ′(ϕ) ∂ϕ∂t2 .

(∂ϕ∂t1× ∂ϕ

∂t3

)dt2dt3 −

∫B1F ′(ϕ) ∂ϕ∂t3 .

(∂ϕ∂t2× ∂ϕ

∂t1

)dt2dt3−

−∫B1F (ϕ).

(∂ϕ∂t1× ∂2ϕ

∂t2∂t3

)dt2dt3 −

∫B1F (ϕ).

(∂2ϕ∂t3∂t2

× ∂ϕ∂t1

)dt2dt3+

+∫ b3a3F (ϕ(t1, b2, t3).

(∂ϕ∂t1

(t1, b2, t3)× ∂ϕ∂t3

(t1, b2, t3))dt3−

−∫ b3a3F (ϕ(t1, a2, t3).

(∂ϕ∂t1

(t1, a2, t3)× ∂ϕ∂t3

(t1, a2, t3))dt3+

+∫ b2a2F (ϕ(t1, t2, b3).

(∂ϕ∂t2

(t1, t2, b3)× ∂ϕ∂t1

(t1, t2, a3))dt2−

−∫ b2a2F (ϕ(t1, t2, a3).

(∂ϕ∂t2

(t1, t2, a3)× ∂ϕ∂t1

(t1, t2, a3))dt2.

Agora devemos:

1. notar que as parcelas com derivadas segundas se cancelam;

2. passar as parcelas com integrais simples para o lado esquerdo do sinal deigual;

3. integrar tudo de t1 = a1 a t1 = b1;

4. observar que, à esquerda do sinal de igual, teremos a integral de F sobre obordo de ϕ;

5. reorganizar as parcelas à direita do sinal de igual, obtendo:∫B

F ′(ϕ) ∂ϕ∂t1 .

(∂ϕ∂t2× ∂ϕ

∂t3

)+ ∂ϕ

∂t1.(F ′(ϕ) ∂ϕ∂t2 ×

∂ϕ∂t3

)+ ∂ϕ

∂t1.(∂ϕ∂t2× F ′(ϕ) ∂ϕ∂t3

);

6. notar que o integrando que obtivemos é trilinear e alternado em ∂ϕ∂t1, ∂ϕ∂t2, ∂ϕ∂t3

;

7. lembrar que o espaço das transformações trilineares alternadas em IR3 é dedimensão um e que, portanto, nosso integrando se escreve, para algum realα(t1, t2, t3), como α ∂ϕ

∂t1.(∂ϕ∂t2× ∂ϕ

∂t3

)= αJϕ;

Page 134: Calculo Avancado Felipe

134 CAPÍTULO 12. OS TEOREMAS

8. calcular α substituindo as derivadas parciais por vetores mais simples, comoe1, e2, e3, e obter α = trF ′(ϕ) = ∇.F (ϕ).

Isto completa a demonstração para o caso em que ϕ é de classe C2. Para passarao caso C1, recorreremos a aproximações : se ϕ é de classe C1, podemos estendê-laa uma ϕ definida em IR3 e aproximá-la por por uma seqüência (ϕn) de funçõesC∞ de forma que as ϕn e suas derivadas primeiras convergirão , uniformementesobre compactos em que ϕ seja contínua, para ϕ e suas correspondentes derivadasparciais. Devemos, porém, tomar uma precaução : se fizermos ϕ ≡ 0 fora de B,perderemos a continuidade de ϕ e suas derivadas em B. A solução é, primeiro,estender ϕ de forma C1 a um aberto contendo B, o que pode ser feito de formabarata com simetrias em relação às faces que compõem o bordo de B (o que édeixado como exercício para o leitor que prefira este caminho). Outra possibilidadeé fazer mesmo ϕ ≡ 0 fora de B e considerar, para blocos B′ contidos no interiorde B, ψ : B′ → Ω, dada pela restrição de ϕ a B′. Neste caso, nossas preocupaçõesse desfazem: ψ e suas derivadas primeiras são aproximadas, uniformemente sobreB′, pelas ϕn e suas derivadas primeiras. Vale notar que, como ϕ(B) é compacto,teremos ϕn(B) ⊂ Ω, se n é grande. Como nosso resultado vale para as ϕn, quesão C∞, valerá também, passando ao limite, para ψ. Agora é só fazer o bloco B′

crescer para B, de modo que as integrais convergirão , isto é:∫∂ψF →

∫∂ϕF,

∫ψ∇.F →

∫ϕ∇.F.

Daí decorre, imediatamente, que o resultado vale também para o caso C1.

A extensão para cadeias é imediata.

Teorema: Sejam Ω aberto em IR3, F : Ω→ IR3 um campo de classe C1 e cuma 3-cadeia de classe C1 em Ω. Então∫

∂c

F =

∫c

dF,

onde dF = ∇.F .

Page 135: Calculo Avancado Felipe

C. UM OUTRO PONTO DE VISTA 135

c Um outro ponto de vista

O Teorema de Green é usualmente apresentado de uma outra maneira, quetratamos, a seguir, sob forma de exercícios. A mesma linha de raciocíniopode ser usada para demonstrar o Teorema de Gauss-Ostrográdsqui e, comum pouco mais de trabalho, o de Kelvin (todos na forma não paramétrica).Para mais detalhes, veja qualquer livro de Cálculo.

Exercício importante: Seja R = [a1, b1] × [a2, b2] e seja ω = Pdx + Qdy contínuaem R e tal que ∂Q

∂x e∂P∂y existem no interior de R e são contínuas. Mostre que∫∂RPdx+Qdy =

∫R

(∂Q

∂x− ∂P

∂y

).

Sugestão : integre separadamente ∂Q∂x (primeiro em relação a x) e ∂P

∂y (primeiro emrelação a y), e observe que pode aplicar o Teorema Fundamental do Cálculo emambos os casos.

Exercício: Sejam R,P,Q como no exercício anterior. Mostre que se F = (P,Q) e

∂Q

∂x=∂P

∂y

em R, então F é conservativo.

Exercício: Seja D uma região do plano com a seguinte propriedade: existemf1, g1 : [a, b] → IR C1 por partes, com f1(x) ≤ g1(x) para todo x em [a, b]e f2, g2 : [c, d] → IR C1 por partes, com f2(x) ≤ g2(x) para todo x em[c, d], de forma que D = (x, y) ∈ IR2 | a ≤ x ≤ b, f1(x) ≤ y ≤ g1(x) eD = (x, y) ∈ IR2 | c ≤ y ≤ b, f2(y) ≤ x ≤ g2(y). Seja ω = Pdx + Qdycontínua em D e tal que ∂Q

∂xe ∂P

∂yexistem no interior de D e são contínuas.

Mostre que ∫∂D

Pdx+Qdy =

∫D

(∂Q

∂x− ∂P

∂y

).

Sugestão : siga a mesma do primeiro exercício. Para a orientação de ∂D,veja a figura.

Page 136: Calculo Avancado Felipe

136 CAPÍTULO 12. OS TEOREMAS

y

x

∂DD

Page 137: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 13

OS INTEGRANDOS

a Campos de vetores e 1-formas

Comecemos com uma observação de caráter formal: dada f : Ω → IR, Ω ⊂IRN aberto, o gradiente de f em x é apenas uma representação mais popularda diferencial de f :

f ′(x) : IRN −→ IR

h 7−→ ∂f∂x1

(x)h1 + · · ·+ ∂f∂xN

(x)hN = ∇f(x).h .

Assim, quando nos colocamos a questão de, dado F : Ω → IRN , saber seexiste f tal que F = ∇f , estamos, na verdade, interessados em saber seexiste f : Ω → IR tal que f ′(x)h = F (x).h para cada x em Ω e cada h emIRN . Isto é, não nos interessam os vetores F (x), mas as formas lineares aeles associadas.Isto parece, é claro, coisa de gente pedante, mas não nos custa nada substituirvetores por formas lineares.

Definição : Seja Ω ⊂ IRN . Uma 1-forma diferencial em Ω é uma aplicaçãoω : Ω→ L(IRN , IR)1.

Observação : Suporemos em geral que nossas 1-formas são contínuas comoaplicações de Ω em L(IRN , IR), mas isto não é estritamente necessário. Como

1 L(IRN , IR) = T : IRN → IR, T linear

137

Page 138: Calculo Avancado Felipe

138 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

veremos mais à frente, é outra a continuidade que está em jogo. Da mesmaforma, dizer que ω é de classe C1 significa que a aplicação ω é diferenciávelcomo função de Ω em L(IRN , IR) e que sua derivada é contínua (note aindaque isto equivale a dizer que o campo de vetores F correspondente a ω é declasse C1).

Utilizando em L(IRN , IR) a base dx1, . . . , dxN definida por

dxi(h1, . . . ,hn) = hi

podemos escrever qualquer 1-forma ω como combinação linear dos dxi:

ω(x) = a1(x)dx1 + · · ·+ aN(x)dxN .

Existe, é claro, uma dualidade entre campos de vetores e 1-formas:

F (x) = (F1(x), . . . , FN(x))←→ F1(x)dx1 + · · ·+ FN(x)dxN = ωF(x)

Observação sobre a notação : Um campo de vetores nos serviu, no queaté aqui temos feito, para o cálculo de integrais de linha. O integrando, dadauma curva

x : [a, b] −→ Ωt 7−→ (x1(t), . . . , xN(t)) e

F (x(t)).x(t) = F1(x(t))dx1

dt(t) + · · ·+ FN(x(t))

dxNdt

(t) .

Ou seja, estamos interessados em integrais da forma∫ b

a

[F1(x(t))

dx1

dt(t) + · · ·+ FN(x(t))

dxNdt

]dt ,

o que nos leva,fazendo

dxidtdt = dxi,

à notação ∫x

F1(x)dx1 + · · ·+ FN(x)dxN .

Page 139: Calculo Avancado Felipe

A. CAMPOS DE VETORES E 1-FORMAS 139

Mais ainda, a integral acima encontra suas origens nas somas∑nj=1 F (x(tj−1)).(x(tj)− x(tj−1)) =

=∑N

i=1

∑nj=1 Fi(x(tj−1))(xi(tj)− xi(tj−1)) =

=∑N

i=1

∑nj=1 Fi(x(tj−1))∆xi ,

com a = t0 < t1 < · · · < tn = b

o que também nos conduz a∫x

F1(x)dx1 + · · ·+∫x

FN(x)dxN .

Definição : Seja c : [a, b] → IRN uma curva parametrizada. Seja A ⊂ IRN

tal que c([a, b]) ⊂ A e seja ω uma 1-forma diferencial em A (tal que ω c sejaintegrável). A integral de ω sobre c (integral de linha) é∫

c

ω =

∫ b

a

ω(c(t))c(t)dt ,

onde c(t) = c′(t)1 (lembre-se de que c′(t) é uma transformação linear de IRem IRN). c(t), onde estiver definido, é chamado vetor velocidade de c.Dada uma 1-cadeia

c = n1c1 + · · ·+ nlcl ,

a integral de ω sobre c é∫c

ω = n1

∫c1

ω + · · ·+ nl

∫cl

ω .

Exercício: Seja ω uma 1-forma contínua em um aberto A do plano. Mostre queexiste f : A→ IR tal que ω = df se e só se∫

cω = 0

para toda 1-cadeia fechada c .

Page 140: Calculo Avancado Felipe

140 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

Exercício: Seja c : [a1, b1]→ IRN uma curva parametrizada C1 por partes. Suponhaque exista ϕ : [a2, b2]→ IR, C1 por partes e tal que ϕ([a2, b2]) = [a1, b1]. É verdade(ou sob que condições é verdade) que para toda forma 1-forma ω em c([a1, b1])∫

cω =

∫cϕ

ω ,

ondec ϕ : [a2, b2] −→ IRN ?

t 7−→ c(ϕ(t))

Sob que condições vale ∫cω = −

∫cϕ

ω ?

Exercício: Sejam c1 : [a1, b1]→ IRN , c2 : [a2, b2]→ IRN curvas parametrizadas C1

por partes tais que c1([a1, b1]) = c2([a2, b2]). É verdade (ou sob que condições éverdade) que para toda 1-forma ω em c1([a1, b1])∫

c1

ω =∫c2

ω ?

Exercício: Uma curva parametrizada c : [a, b]→ IRN é dita retificável se

S(c) = supP∈P

S(c, P ) <∞ ,

onde P é o conjunto das partições do intervalo [a, b] e, para cada P ∈ P, dada porP = t0, t1, . . . , tn, a = t0 < t1 < · · · < tn = b,

S(c, P ) =n∑i=1

| c(ti)− c(ti−1) | .

Mostre que toda curva c : [a, b]→ IRN C1 por partes é retificável e que

S(c) =∫ b

a| c(t) | dt .

Exercício: Seja c : [a, b] → IRN curva parametrizada e seja ω 1-forma em c([a, b]).Para cada partição P = t0, t1, . . . , tn de [a, b], defina

ω(c, P ) =n∑t=1

ω(c(ti)).(c(ti)− c(ti−1)) .

Page 141: Calculo Avancado Felipe

A. CAMPOS DE VETORES E 1-FORMAS 141

Defina ω(c) porω(c) = lim

|P |−→0ω(c, P ) se existir,

onde | P |= max| ti − ti−1 |, i = 1, . . . , n, sendo P = t0, . . . , tn, a = t0 < t1 <· · · < tn = b.Mostre que se c é C1 por partes, então

ω(c) =∫cω

É verdade que ω(c) existe sempre que c é retificável ?

A idéia de fluxo, que nos serviu de motivação para definirmos integrais desuperfície, também faz sentido em termos de integrais de linha. Considereum campo de vetores F : IR2 → IR2 não mais como um campo de forçasmas como um campo de velocidades. Pense num escoamento plano (isto é,suponha que temos uma fina camada de água, mas que a velocidade nãodepende da profundidade - podemos então trabalhar com áreas no lugar devolumes). Considere uma curva c e suponha que em cada ponto de c estejadefinido um vetor normal unitário n e que n varia continuamente. Então aquantidade de água que atravessa c por unidade de tempo é (proporcional a)∫ b

a

F (c(t)).(−c2(t), c1(t))dt ,

sendo c parametrizada por

c : [a, b] −→ IR2 , c(t) = (c1(t), c2(t)) .

Exercício: Entenda (note que no ponto c(t) n é dado por

n(t) = ± 1

(c(t)2 + c(t)2)12

(−c2(t), c1(t)) .

Exercício: Suponha que c é uma curva fechada simples (isto é, c(a) = c(b) e c nãotem autointerseções ). Então c encerra um região A do plano2. Suponha que c está

2Este fato banal não é muito fácil de demonstrar; na literatura matemática é conhecidocomo Teorema da curva fechada de Jordan

Page 142: Calculo Avancado Felipe

142 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

c(t)

F (c(t))

n(t)

c(t)

AF (x)

x

parametrizada de forma que, ao percorrermos c, A fica à esquerda. Se F = (F1, F2),entenda que a quantidade de água que atravessa c por unidade de tempo, de dentropara fora de A, é (proporcional a) ∫

cω ,

onde ω = −F2dx1 + F1dx2.

Imagine agora que a curva fechada c encerra uma bolha de tinta azul quepreenche a região A. A bolha de tinta vai se deslocando segundo o fluxo docampo F .Exercício: Defina S(t) como a área da bolha no tempo t (em t = 0 a bolha ocupaa região A). Entenda que

Page 143: Calculo Avancado Felipe

B. FORMAS DIFERENCIAIS 143

c(t)

F (c(t))

c(t)

S′(0) =∫cω .

Calcule diretamente S′(0) e mostre que

S′(0) =∫A

(∂F1

∂x1+∂F2

∂x2

).

b Formas Diferenciais

Tentemos refletir sobre os integrandos com que temos estado tratando. Come-cemos pelos campos de vetores. O primeiro aspecto a salientar é que nossoscampos têm significados distintos, conforme estejamos lidando com integraisde linha ou com integrais de superfície.

Consideremos o campo F . Se c é uma curva e queremos calcular∫cF , F nos

serve apenas para associar um número a cada vetor tangente a c:Já destacamos que F (x) pode ser pensado como uma 1–forma.

Se, por outro lado, S é uma superfície e queremos∫SF. ~dS, F nos serve para

associar um número a cada par de vetores tangentes a S.Neste sentido, F (x) pode ser pensado como uma forma bilinear em v1 e v2.

Page 144: Calculo Avancado Felipe

144 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

v2

F (x)

xv1

v

u

w

volume = det(u, v, w)

Talvez valha a pena, neste ponto, colocar uma questão mais filosófica: quandocalculamos uma integral, qual é o significado do integrando ?∫ b

a

f(x)dx,

∫ b1

a1

∫ b2

a2

f(x, y)dxdy,

∫ b1

a1

∫ b2

a2

∫ b3

a3

f(x, y, z)dxdydz

Nos três casos acima, podemos pensar que nosso conjunto de base tem umamedida de comprimento, área ou volume e que f representa uma densidade.Ou, de maneira mais ousada, que f modifica nossa forma original de medircomprimentos, áreas ou volumes: a medida original é dx, a nova é f(x)dx.Deixemos de lado, por ora, o caso de dimensão 1. Em dimensão 2 e dimensão3, as formas de medir áreas e volumes são dadas pelo determinante.Mas o determinante, em IRN , pode ser pensado como a única formaN–linear alternada que assume o valor 1 quando aplicada aos N vetoresda base canônica 3.

3Lembrete: uma forma k–linear alternada em um espaço vetorial E é uma aplicação ω :

Page 145: Calculo Avancado Felipe

B. FORMAS DIFERENCIAIS 145

u2 ϕ

e2

u

u1

e1

∂ϕ∂u2

(u)

∂ϕ∂u1

(u)

ϕ(u)

Exercício : Seja E um espaço vetorial real de dimensão N . Seja Ak(E) o conjuntodas formas k–lineares alternadas de E. Mostre que Ak(E) é um espaço vetorial

de dimensão(Nk

). Em particular AN (E) tem dimensão 1, ou seja, toda forma

N–linear em IRN é um múltiplo do determinante. Mostre que se k > N , entãoAk(E) = 0.

Assim, poderíamos dizer que quando integramos a função f : IRN → IRsobre o conjunto A, estamos substituindo, perto de cada ponto x de A, amedida original de IRN por uma nova medida, dada pela forma N–linearf(x)det : (v1, . . . , vN) 7−→ f(x)det(v1, . . . , vN). Ou seja, podemos repensar oconceito de integral de modo que os integrandos devam ser formas diferen-ciais (neste caso, aplicações que a cada ponto associam uma forma N-linearalternada).

Passemos agora às superfícies. Seja S uma superfície e suponhamos S parametrizadapor

ϕ : U −→ IR3 , U ⊂ IR2 .

Para calcular a área de S, recorremos a∫U

| ∂ϕ∂u1

(u)× ∂ϕ

∂u2

(u) | du1du2 .

Ora, o que representa o número | ∂ϕ∂u1

(u)× ∂ϕ∂u2

(u) | ?

Ek → IR com ω(v1, . . . , vi + λwi, . . . , vk) = ω(v1, . . . , vi, . . . , vk) + λω(v1, . . . , wi, . . . , vk)para qualquer i = 1, . . . , k e com ω(v1, . . . , vk) = 0 sempre que v1, . . . , vk são linearmentedependentes — isto implica em ω(v1, . . ., vi, . . ., vj , . . ., vk) = − ω(v1, . . ., vi, . . ., vj , . . ., vk)∀i, j = 1, . . . , k

Page 146: Calculo Avancado Felipe

146 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

Exercício : O que representa o número | ∂ϕ∂u1(u)× ∂ϕ

∂u2(u) | ?

Ora, dados dois vetores v1,v2 no plano tangente a S, | v1 × v2 | é a área doparalelogramo formado por v1 e v2 (ou seja, o valor absoluto do “determinantedo plano tangente a S” aplicado a (v1,v2)). Em verdade, como a variável deintegração é o parâmetro u, | ∂ϕ

∂u1(u)× ∂ϕ

∂u2(u) | aparece para indicar a relação

entre o “elemento de área” da imagem por ϕ e o “elemento de área” originalem U (sendo que o elemento de área da imagem é medido não sobre S, massobre o plano tangente – só sabemos medir coisas retas !).

Que significa então

∫S

F · ~dS=

∫U

F (ϕ(u))· ∂ϕ∂u1

(u)×∂ϕ∂u2

(u)du=

∫U

det(F (ϕ(u)),∂ϕ

∂u1

(u),∂ϕ

∂u2

(u)) ?

Significa que estamos mudando a forma de medir área em S (mudando nosplanos tangentes). Dados dois vetores v1, v2 no plano tangente a S emx = ϕ(u), vamos "medir"o paralelogramo por eles formado não mais pelodeterminante, mas por uma nova forma bilinear alternada, ωF (x), dada por

ωF (x)(v1, v2) = F (x).v1 × v2 = det(F (x), v1, v2)

Como toda integral sobre S deve ser transformada em uma integral sobre U ,o procedimento é o seguinte:O elemento de área (v1, v2) é transformado no elemento de área dS = (ϕ′(u)v1,ϕ′(u)v2). Isto significa que, para medir a área de dS, substituímos a formade medir

det(v1, v2)

pela nova forma de medir (no plano tangente a S em ϕ(u))

“det(ϕ′(u)v1, ϕ′(u)v2)”

Page 147: Calculo Avancado Felipe

B. FORMAS DIFERENCIAIS 147

v2

ϕ

u v1

ϕ′(u)v2

ϕ(u)ϕ′(u)v1

Mas ainda não terminamos: a forma de medir em S não será o “determinante”,mas a forma ωF (x). Assim, o elemento de área (v1, v2) será medido por

ωF (ϕ(u))(ϕ′(u)v1, ϕ′(u)v2)

Desta maneira, se para cada x em S temos uma forma bilinear alternadaω(x)4 no plano tangente a S em x (isto é, uma nova forma de medir áreasem S), podemos integrar ω sobre S trazendo ω para U :

(v1, v2) será medido pela nova forma

ϕ∗ω(u)(v1, v2) = ω(ϕ(u))(ϕ′(u)v1, ϕ′(u)v2)

Como ϕ∗ω(u) é uma forma bilinear em IR2 que altera as medidas de área“perto de U ”, temos que existe, para cada u em U , um número f(u) tal que

ϕ∗ω(u)(v1, v2) = f(u)det(v1, v2)

Basta então definir ∫S

ω =

∫U

ϕ∗ω =

∫U

f

Em termos práticos temos, dado um campo de vetores F em S, que a 2–formaωF é definida por

ωF (x)(w1, w2) = F (x).(w1 × w2) = det(F (x), w1, w2)

4Uma aplicação ω que a cada ponto x de S associa uma forma bilinear alternadadefinida no plano tangente a S em x é chamada uma forma diferencialde grau 2, ou2–forma em S.

Page 148: Calculo Avancado Felipe

148 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

ϕ∗ωF é dada por

ϕ∗ωF (u)(v1, v2) = ωF (ϕ(u))(ϕ′(u)v1), ϕ′(u)v2) =

= F (ϕ(u)).(ϕ′(u)v1 × ϕ′(u)v2) = det(F (ϕ(u)), ϕ′(u)v1, ϕ′(u)v2).

Temos ϕ∗ωF (u)(v1, v2) = f(u)det(v1, v2), onde f(u) pode ser calculado ob-servando que det(e1, e2) = 1:

f(u) = ϕ∗ωF (u)(e1, e2) = det(F (ϕ(u)), ϕ′(u)e1, ϕ′(u)e2) =

= det(F (ϕ(u)), ∂ϕ∂u1

(u), ∂ϕ∂u2

(u))

Assim, ∫S

ωF =

∫U

det(F (ϕ(u)),∂ϕ

∂u1

(u),∂ϕ

∂u2

(u)) =

∫S

F. ~dS

c A notação de formas diferenciais

Estamos agora em condições de reenunciar nossos teoremas em termos deformas diferenciais.

Exercício (Teorema de Kelvin): Seja dado um campo de vetoresC1 F na vizinhança de uma superfície com bordo S. Considere a 1–forma

ω(x) = F1(x)dx1 + F2(x)dx2 + F3(x)dx3 .

Seja G = ∇× F ,

G(x) =(∂F3

∂x2− ∂F2

∂x3,∂F1

∂x3− ∂F3

∂x1,∂F2

∂x1− ∂F1

∂x2

)(x) .

Defina dω como a 2-forma associada a G, isto é, dω(x)(u, v) = det(G(x), u, v). SeS é orientável e S e ∂S têm orientações compatíveis, entenda que o Teorema deKelvin significa ∫

∂Sω =

∫Sdω .

Page 149: Calculo Avancado Felipe

C. A NOTAÇÃO DE FORMAS DIFERENCIAIS 149

Se dx2 ∧ dx3, dx3 ∧ dx1, dx1 ∧ dx2 são formas bilineares alternadas dadas por

(dx2 ∧ dx3)(u, v) = det(e1, u, v) = det

1 0 0u1 u2 u3

v1 v2 v3

= det

(u2 u3

v2 v3

),

(dx3 ∧ dx1)(u, v) = det(e2, u, v) = det

0 1 0u1 u2 u3

v1 v2 v3

= det

(u3 u1

v3 v1

),

(dx1 ∧ dx2)(u, v) = det(e3, u, v) = det

0 0 1u1 u2 u3

v1 v2 v3

= det

(u1 u2

v1 v2

),

Observe que:(ı) (dxi ∧ dxj)(u, v) representa a área da projeção do paralelogramo formado poru e v no plano 0xixj ;(ıı)

∫∂S F1dx1 + F2dx2 + F3dx3 =

=∫S

(∂F3∂x2− ∂F2∂x3

)dx2 ∧ dx3+

(∂F1∂x3− ∂F3∂x1

)dx3 ∧ dx1+

(∂F2∂x1− ∂F1∂x2

)dx1 ∧ dx2.

Exercício (Teorema de Gauss-Ostrogradski): Seja V um aberto de IR3 cujo bordo éuma superfície S orientada com normal exterior a V . Seja F um campo de vetoresC1 em V . Considere a 2-forma

ω(x) = F1(x)dx2 ∧ dx3 + F2(x)dx3 ∧ dx1 + F3(x)dx1 ∧ dx2.

Seja

f(x) = ∇.F (x) =∂F1

∂x1+∂F2

∂x2+∂F3

∂x3.

Seja dω a forma trilinear alternada dada por dω(x)(u, v, w) = f(x)det(u, v, w).Entenda que o Teorema de Gauss-Ostrogradski significa que∫

∂Vω =

∫Vdω .

Se dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 é definida por (dx1 ∧ dx2 ∧ dx3)(u, v, w) = det(u, v, w), usa-seescrever

d(F1(x)dx2 ∧ dx3 + F2(x)dx3 ∧ dx1 + F3(x)dx1 ∧ dx2) =

=(∂F1∂x1

(x) + ∂F2∂x2

(x) + ∂F3∂x3

(x))dx1 ∧ dx2 ∧ dx3

Page 150: Calculo Avancado Felipe

150 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

Exercício: Se (dxi ∧ dxj)(u, v) representa a área da projeção do paralelogramoformado por u e v no plano Oxixj , entenda que é natural concluir que

dx1 ∧ dx1 = dx2 ∧ dx2 = dx3 ∧ dx3 = 0 .

Veja se

dx3 ∧ dx2 = −dx2 ∧ dx3

dx1 ∧ dx3 = −dx3 ∧ dx1

dx2 ∧ dx1 = −dx1 ∧ dx2

são boas definições. Veja ainda se concorda que

(dxi ∧ dxj ∧ dxk)(u, v, w) = det

dxiu dxju dxkudxiv dxjv dxkvdxiw dxjw dxkw

esteja bem (lembre-se que dxiu = ui).

Conclua que, se definirmos ∧ de maneira a ser distributivo, i.e.,

(aidxi + ajdxj) ∧ (bidxi + bjdxj) =aibidxi ∧ dxi + aibjdxi ∧ dxj + ajbidxj ∧ dxi + ajbjdxj ∧ dxj

e(aidxi + ajdxj) ∧ (bdxk ∧ dxl + cxm ∧ dxn) =aibdxi ∧ dxk ∧ dxl + aicdxi ∧ dxm ∧ dxn+ajbdxj ∧ dxk ∧ dxl + ajcdxj ∧ dxm ∧ dxn ,

então:

(i) Se ω é a 1-forma dada por ω = F1dx1 +F2dx2 +F3dx3, então (observe que dFi= ∂Fi

∂x1dx1 + ∂Fi

∂x2dx2 + ∂Fi

∂x3dx3)

dω = dF1 ∧ dx1 + dF2 ∧ dx2 + dF3 ∧ dx3

(ii) Se ω é a 2-forma dada por ω = F1dx2∧dx3 +F2dx3∧dx1 +F3dx1∧dx2, então

dω = dF1 ∧ dx2 ∧ dx3 + dF2 ∧ dx3 ∧ dx1 + dF3 ∧ dx1 ∧ dx2

Page 151: Calculo Avancado Felipe

C. A NOTAÇÃO DE FORMAS DIFERENCIAIS 151

Dadas duas formas alternadas ω e η, ω∧ η é chamada produto exterior deω e η. Observe que ω ∧ η é uma forma alternada de grau i+ j, se i é o graude ω e j é o grau de η.

Pelo que já vimos, formas diferenciais servem para unificar nossos vários tiposde integral: 1-formas são integradas sobre objetos de dimensão 1 (curvas);2-formas são integradas sobre objetos de dimensão 2 (superfícies); 3-formassão integradas sobre objetos de dimensão 3 (sólidos).

Definição : Seja A ⊂ IR3 aberto. Uma forma diferencial de grau k(k = 1, 2 ou 3) ou, abreviadamente, uma k-forma em A, é uma aplicaçãoω : A→ Ak(IR3).5

Definição : Sejam A ⊂ IR3 aberto, ω uma forma diferencial de grau k emA e c : B → A de classe C1, onde B é um bloco em IRk, k = 1, 2 ou 3. Aintegral de Ω sobre c é definida por∫

c

ω =

∫B

ω(c(t)(c′(t)e1, ..., c′(t)ek)dt,

sempre que a integral à direita exista (e1, .., ek são os vetores da base canônicade IRk). Se c = n1c1 + . . .+ nlcl é uma cadeia C1, definimos∫

c

ω = n1

∫c1

ω + . . .+ nl

∫cl

ω.

No caso particular em que c : B → B é c(t) = t ∀ t ∈ B, usaremos asnotações

∫Bω e

∫∂Bω para

∫cω e

∫∂cω.

Exercício: Note que as definições acima se generalizam imediatamente para dimen-sões maiores.Exercício: Seja ω uma k-forma em A. Mostre que

5A forma ω serve para ser integrada, de maneira que deveremos acrescentar algumahipótese que garanta, conforme o caso, a existência da integral de linha, de superfície ouvolumétrica de ω; a maneira mais simples, caso não se queira esquentar a cabeça, é supor acontinuidade de ω (note que Ak(IR3) é espaço vetorial de dimensão finita e que, portanto,a continuidade de ω independe da norma escolhida)

Page 152: Calculo Avancado Felipe

152 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

(i) Se k = 1, então existe F : A→ IR3 tal que

ω(x) = F1(x)dx1 + F2(x)dx2 + F3(x)dx3

(ii) Se k = 2, então existe F : A→ IR3 tal que

ω(x) = F1(x)dx2 ∧ dx3 + F2(x)dx3 ∧ dx1 + F3(x)dx1 ∧ dx2

(iii) Se k = 3, então existe f : A→ IR3 tal que

ω(x) = f(x)dx1 ∧ dx2 ∧ dx3

Observe que:(i) Se k = 1, ω(x)v = 〈F (x), v〉 ∀v ∈ IR3, x ∈ A(ii) Se k = 2, ω(x)(u, v) = 〈F (x), u× v〉 = det(F (x), u, v) ∀u, v ∈ IR3, x ∈ A(iii) Se k = 3, ω(x)(u, v, w) = f(x)det(u, v, w) ∀u, v, w ∈ IR3, x ∈ A

As funções F1(x), F2(x), F3(x), f(x) que aparecem em cada um dos casosacima são chamadas de coeficientes de ω. Uma forma é dita de classe Cr

se seus coeficientes têm derivadas parciais contínuas até ordem r.O Teorema de Kelvin, em sua forma não paramétrica, mostra que se ω é uma1-forma de classe C1 no aberto A de IR3, então existe uma 2-forma dω em Ade classe C0 tal que ∫

S

dω =

∫∂S

ω ,

sempre que S ⊂ A seja uma superfície com bordo compacta e orientada e asorientações de S e ∂S compatíveis.

Já o Teorema de Gauss-Ostrogradski (também na forma não paramétrica)afirma que se ω é uma 2-forma em A e V ⊂ A é um aberto cuja fronteira emIR3 é uma superfície S, então ∫

S

ω =

∫V

Page 153: Calculo Avancado Felipe

D. CAMPOS 153

para uma certa 3-forma dω de classe C0 em A (a orientação de S é tal que anormal “aponta para fora de V”).

Temos ainda o velho Teorema Fundamental do Cálculo, que nos diz que sef : A→ IR é de classe C1, então existe uma 1-forma C0 df em A tal que sec ⊂ A é uma curva orientada partindo do ponto a para o ponto b, então∫

c

df = f(b)− f(a)

Se considerarmos que o bordo da curva c é o conjunto (de dimensão 0 !)a, b, com a orientação negativa em a e positiva em b, poderíamos dizer quea função f é uma 0-forma em A e, escrevendo

∫∂cf = f(b)− f(a), obter∫

c

df =

∫∂c

f .

Definimos então, dada uma k-forma ω, k = 0, 1, 2, sua derivada exteriorcomo sendo a (k + 1)-forma dω tal que se M é um objeto (curva, superfícieou sólido) de dimensão k + 1, orientado, e seu bordo ∂M (que é um objetode dimensão k) também é orientado convenientemente, então∫

∂M

ω =

∫M

Como nossa teoria está toda construída com objetos parametrizados, a definiçãoacima fica mais precisa se, simplesmente, substituímos objeto orientado porcadeia.

Observação : Guardamos para os próximos capítulos a definição da derivadaexterior em um ponto, o que deverá fazer a luz sobre a maneira algo miste-riosa como foram obtidas as diversas versões de dω, que ora aparece comogradiente, ora como rotacional, ora como divergência, tendo a unificá-lasapenas uma certa magia algébrica.

d Campos

Pelo que acabamos de ver, uma função escalar f : Ω → IR define, simul-taneamente, uma 0-forma e uma 3-forma (supondo Ω ⊂ IR3). Da mesma

Page 154: Calculo Avancado Felipe

154 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

maneira, um campo de vetores F : Ω → IR3, F = (F1, F2, F3), define, emΩ, a 1-forma ω1 = F1dx1 + F2dx2 + F3dx3 e a 2-forma ω2 = F1dx2 ∧ dx3 +F2dx3 ∧ dx1 + F3dx1 ∧ dx2. Diremos que ω2 é a adjunta de ω1 e usaremosa notação ω2 = ∗ω1. Da mesma forma, ω1 é a adjunta de ω2 (ω1 = ∗ω2).No caso de 0-formas versus 3-formas, teremos ∗f = fdx1 ∧ dx2 ∧ dx3 e∗(fdx1 ∧ dx2 ∧ dx3) = f .

Neste sentido, um campo pode ser entendido como um par (ω1, ω2) de for-mas, com ω2 = ∗ω1.

Exercício: Note que, como as dimensões de Ak(IRN ) e AN−k(IRN ) são iguais, esteprocedimento pode ser estendido a formas k-lineares em IRN , de maneira que a cadak-forma ω seja associada uma (N − k)-forma ∗ω. Existe um procedimento simplespara se obter ∗ω, se usarmos a base canônica de Ak(IRN ). Se dxI1 ∧ . . . ∧ dxIkaplicado a k vetores nos dá o determinante da matriz obtida considerando, destesvetores, apenas as coordenadas I1, . . . Ik, então ∗(dxI1 ∧ . . . ∧ dxIk) = dxJ1 ∧ . . . ∧dxJN−k , de forma que dxI1 ∧ . . . ∧ dxIk ∧ dxJ1 ∧ . . . ∧ dxJN−k seja o determinanteem IRN . Note que, em IR2, temos ∗dx1 = dx2 e ∗dx2 = −dx1. Conclua que∗(∗ω) = ±ω, dependendo das dimensões envolvidas. Mostre que, sendo ω umak-forma em IRN , ∗(∗ω) = (−1)k(N−k)ω.

A passagem à adjunta nos fornece ferramentas para interpretar, no âmbitodas formas diferenciais, operações como ∇ × (∇ × F ) e ∇.(∇u). De fato,a operação que consiste em tomar o gradiente (u 7→ ∇u) associa uma 1-forma a uma 0-forma. Mas a operação que consiste em tomar a divergência(F 7→ ∇.F ) associa uma 3.forma a uma 2-forma. Assim, não faria, emprincípio, sentido tomar a divergência do gradiente de u. No entanto, usandoos operadores d e ∗, podemos entender∇.(∇u) como ∗(d(∗(du))) (de maneiraque, assim como u, ∇.(∇u) seja uma 0-forma. Da mesma maneira, podemosentender ∇× (∇×F ) como associando à 2-forma ω definida por F a 2-formadada por ∗(d(∗(df))).

Exercício: Note que, considerando u como 3-forma, podemos ver ∇. (∇u) como a3-forma d(∗(d(∗u))). Interprete ∇× (∇×F ) como uma 1-forma, caso F seja vistocomo uma 1-forma. Note que há outras possibilidades, se incluirmos o operadorinverso de ∗.Exercício: Mostre que, para uma função escalar u, temos

∆u = ∇. (∇u) =∂2u

∂x12

+∂2u

∂x22

+∂2u

∂x32.

Page 155: Calculo Avancado Felipe

D. CAMPOS 155

Exercício: Para um campo de vetores F , calcule ∇× (∇× F ) e ∇(∇. F ).Exercício: Mostre, sendo F = (F1, F2, F3), que

∇(∇. F )−∇× (∇× F ) = (∆F1,∆F2,∆F3)

(∆, para funções escalares, foi definido no exercício anterior). (∆F1,∆F2,∆F3)também costuma ser denotado por ∆F .

Page 156: Calculo Avancado Felipe

156 CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS

Page 157: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 14

A DERIVADA

a A divergência e a densidade de fluxo

Suponhamos dado um campo de vetores C1 F : IR3 → IR3 e procuremos darum sentido à divergência de F . Fixado x em IR3 e dada qualquer bolinha Bcontendo x, teremos, do Teorema da Divergência,

1

µ(B)

∫∂B

F =1

µ(B)

∫B

∇.F.

Passando ao limite quando o diâmetro de B tende a zero, temos

∇.F (x) = limdiam(B)→0

1

µ(B)

∫∂B

F.

Esta caracterização da divergência tem vantagens que merecem destaque:

(i) a divergência aparece como resultado de uma passagem ao limite de umquociente de termos que tendem a zero, o que lhe dá uma simpática cara dederivada;

(ii) o teorema de Gauss-Ostrogradski passa a ser óbvio.

A segunda afirmação pode ser justificada da seguinte forma: se trocarmosbolinhas por bloquinhos, o resultado não se altera, isto é:

157

Page 158: Calculo Avancado Felipe

158 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

B

β

∇.F (x) = limdiam(B)→0

1

µ(B)

∫∂B

F,

onde B é um bloquinho contendo x. Suponhamos agora que B é um blocofixo em IR3. Se o dividirmos em sub-bloquinhos β de uma partição P , teremos

∫∂B

F =∑β

∫∂β

F =∑β

(1

µ(β)

∫∂β

F

)µ(β).

Se fazemos tender a zero a norma da partição , é bastante razoável concluirque o lado direito tenderá a

∫B∇.F , o que nos dá, essencialmente, nosso

Teorema.

Exercício: Reflita a respeito. Note que a "demonstração "acima é, basicamente,a demonstração do Teorema Fundamental do Cálculo. Observe que o mesmoraciocínio pode ser feito em dimensão dois, conduzindo ao Teorema de Green.Exercício: Recorde que

∫B∇.F , no caso em que F é visto como um campo de veloci-

dades, nos dá a taxa de expansão volumétrica da porção de um fluido que ocupassea posição de B, sendo transportada pelo fluxo de F . Neste caso, reinterprete ∇.Fcomo densidade da taxa de expansão volumétrica.

b O rotacional

Podemos tentar o mesmo truque com o rotacional. Dados um campo devetores F : IR3 → IR3 e um ponto x de IR3, podemos tomar uma superfície

Page 159: Calculo Avancado Felipe

B. O ROTACIONAL 159

c

S, passando por x e nela considerar uma vizinhança de x (em S), σ, que vaiencolher até x. Se F é C1, podemos usar o Teorema de Kelvin e obter

limσ→x

1

area de σ

∫∂σ

F = limσ→x

1

area de σ

∫σ

∇× F.~ndS = ∇× F (x).~n(x),

onde ~n(x) é o vetor unitário normal a S em x.

Temos, neste caso ,duas dificuldades suplementares:

• não obtemos diretamente ∇× F , mas apenas seu produto escalar poralgum n;

• não é tão simples trabalhar com a área de σ (só calculamos diretamenteáreas de blocos).

A questão da área de σ pode ser resolvida via parametrização de S: S,como de costume, será parametrizada por c : B → IR3, onde B ⊂ IR2 é umretângulo. Assim faremos σ = c(β), onde β é um retangulozinho que encolhepara t (com c(t) = x). Note que, se

v1 = c′(t)e1 =∂c

∂t1(t), v2 = c′(t)e2 =

∂c

∂t2(t),

então quando σ é pequenininho, temos área de σ ∼= |v1 × v2| área de β. Aomesmo tempo, temos

n(x) =1

|v1 × v2|v1 × v2.

Se trocarmos a (incômoda) divisão por área de σ pela divisão por área de β,teremos

Page 160: Calculo Avancado Felipe

160 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

limβ→t

1

µ(β)

∫∂σ

F = limβ→t

1

µ(β)

∫σ

∇× F.~ndS = |v1 × v2|∇ × F (x).~n(x),

ou seja,

limβ→t

1

µ(β)

∫∂σ

F = ∇× F (x).(v1 × v2).

Este resultado não é tão mau assim: se nos damos conta de que F é, naverdade, uma 1-forma ω e que ∇× F é a 2-forma dω, dada por

dω(x)(v1, v2) = ∇× F (x).(v1 × v2),

conhecer ∇× F (x) é, no fundo, conhecer ∇× F (x).(v1 × v2).

Exercício: Observe que, usando a notação de formas diferenciais, o que obtivemossignifica

dω(c(t))(c′(t)e1, c′(t)e2) = lim

β→t

1µ(β)

∫∂c(β)

ω.

c Uma nova derivada

A idéia da seção anterior é tão boa que seria uma pena não explorá-la umpouco mais. Para simplificar as coisas, vamos nos restringir a IR2 e definir(provisoriamente) a derivada de uma 1-forma ω no ponto x por

dω(x) = limB→x

1

µ(B)

∫∂B

ω,

onde B → x significa que:

(i) x ∈ B;(ii) o diâmetro de B tende a zero;

Page 161: Calculo Avancado Felipe

C. UMA NOVA DERIVADA 161

(iii) se L(B) designa o maior lado de B e l(B) designa o menor, existeuma constante K tal que L(B)/l(B) < K para todos os B considerados1.

Definição : Seja A um aberto de IR2 e seja ω uma 1-forma em A integrávelnos bordos dos retângulos contidos em A. Diremos que dω(x) é a derivadade ω no ponto x de A se

∀ε > 0 ∀K > 1 ∃δ > 0 tal que

L(B) < δ, x ∈ B, L(B)

l(B)< K ⇒

∣∣∣∣ 1

µ(B)

∫∂B

ω − dω(x)

∣∣∣∣ < ε,

onde B designa um bloco qualquer contido em A, L(B) designa o maior ladode B e l(B) designa o menor.2

Exercício: Mostre que, se I é um intervalo da reta real, f : I → IR é derivável emx se e só se existe

lima, b→ xa 6= bx ∈ [a, b]

1b− a

(f(b)− f(a)) ,

ou seja:

∀ ε > 0 ∃ δ > 0 tal que

L([a, b]) < δ, x ∈ [a, b] ⇒

∣∣∣∣∣(

1µ([a, b])

∫∂[a,b]

f

)− f ′(x)

∣∣∣∣∣ < ε.

Poderíamos então tentar a generalização do seguinte e famoso Teorema, ditoTeorema Fundamental do Cálculo:

1Esta hipótese, aparentemente desnecessária ou, pelo menos, pouco natural, tem o seuvalor: graças a ela, poderemos mostrar que a diferenciabilidade de ω em x implica em suaderivabilidade

2Rigorosamente, dω(x) é uma forma bilinear alternada. Mas como o espaço das for-mas bilineares alternadas em IR2 é de dimensão 1, podemos ficar com esta definiçãosimplificada, entendido que o número real dω(x) corresponde à forma bilinear (u, v) 7→dω(x)det(u, v)

Page 162: Calculo Avancado Felipe

162 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

Teorema : Se f : [a, b] → IR é contínua em [a, b] , derivável em ]a, b[ e f ′é integrável, então

f(b)− f(a) =

∫ b

a

f ′ .

É interessante notar que a ferramenta básica para a demonstração do Teo-rema Fundamental do Cálculo é o Teorema do Valor Médio 3.De fato, se P = a0, a1, . . . , an é uma partição de [a, b], escrevemos

f(b)− f(a) =n∑i=1

f(ai)− f(ai−1) =n∑i=1

f ′(ξi)(ai − ai−1) ,

onde ξi ∈]ai−1, ai[. Temos então

L(f ′, P ) ≤ f(b)− f(a) ≤ U(f ′, P )4,

e o Teorema segue.

Exercício: Recorde que o Teorema do Valor Médio afirma que: se f : [a, b] → IR écontínua em [a, b] e derivável em ]a, b[, então existe c em ]a, b[ tal que

1µ([a, b])

∫∂[a,b]

f = f ′(c).

O teorema a provar, no caso de uma 1-forma ω definida em um retângulo Bseria: se ω é contínua em B e derivável no interior de B, sendo dω integrável5em B, então ∫

∂B

ω =

∫B

dω.

Tentemos imitar a demonstração acima.Dada uma partição P de B, sejam β1, . . . , βn seus sub-blocos. Então :

3Observe que esta é uma situação em que o verdadeiro Teorema do Valor Médio, sobforma de igualdade é utilizado

4U(f ′, P ) e L(f ′, P ) designam, como de costume, as somas superior e inferior referentesà partição P

5Neste caso, ficando implícito que dω é limitada

Page 163: Calculo Avancado Felipe

D. O TEOREMA DO VALOR MÉDIO 163

∫∂B

ω =n∑i=1

∫∂βi

ω

(quem não achar óbvio que demonstre!). Tudo dará certo se pudermos garan-tir que no interior de cada βi existe ξi tal que∫

∂βi

ω = µ(βi)dω(ξi) .

Ou seja, precisamos generalizar o Teorema do Valor Médio.

d O Teorema do Valor Médio

O leitor observará que a formulação deste teorema, que evidentemente sedá para funções a valores vetoriais, difere em aparência do teorema clássicodo valor médio (para funções a valores reais), que se escreve correntementeem forma de igualdade f(b) − f(a) = f ′(c)(b − a). O que confunde nestademonstração clássica é que: 1onão se apresenta nada análogo quando fassume valores vetoriais; 2ofica completamente oculto o fato de que não seconhece nada sobre o número c, exceto que está compreendido entre a e b,e na maioria dos casos, a única coisa que se necessita saber é que f ′(c)é um número que está compreendido entre o extremo superior e o extremoinferior de f ′ em [a, b] (e não o fato de ser efetivamente um valor de f ′). Areal natureza do teorema do valor médio se revela expressando-o por meio deuma desigualdade e não mediante uma igualdade.

Page 164: Calculo Avancado Felipe

164 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

x

ff(x)

Jean DieudonnéFundamentos da Análise Moderna, 1960

O trecho acima, extraído de um livro bastante conhecido, expressa com fi-delidade uma crença que se consolidou ao longo dos tempos. No entanto,como veremos a seguir, há uma interessante generalização , sob forma deigualdade, que é bastante reveladora no que diz respeito à verdadeira naturezado teorema. Aparentemente, as razões que podem ter encoberto uma idéiatão simples são duas: 1ouma definição insatisfatória de derivada exterior; 2oademonstração usual do Teorema do Valor Médio é tão boa que deixa poucamargem a que se procure pensar em outra.

Comecemos, pois , por dar ao Teorema do Valor Médio clássico uma novademonstração .

Lema: Se f : [a, b]→ IR é contínua, então existem a1 e b1 em ]a, b[ tais que

f(a1)− f(b1)

b1 − a1

=f(b)− f(a)

b− a,

com

(a1 − b1)

3= b− a .

Demonstração :Divida [a, b] em três intervalos de mesmo comprimento através dos pontos α0, α1,α2 e α3. Como

Page 165: Calculo Avancado Felipe

D. O TEOREMA DO VALOR MÉDIO 165

f(b)− f(a)b− a

=13

3∑i=1

f(αi)− f(αi−1)αi − αi−1

,

temos que ou bem as três parcelas à direita são todas iguais (e neste caso bastafazer a1 = α1, b1 = α2), ou bem se tem uma das parcelas superior e outra inferiorao termo à esquerda. Neste caso, sendo h = b−a

3 , a função contínua

m : [a, b− h] −→ IR

x 7−→ f(x+h)−f(x)h − f(b)−f(a)

b−a

assume valores positivos e negativos.Existe, pois, a1 em ]a, b− h[ tal que m(a1) = 0.

Teorema do Valor Médio: Se f : [a, b]→ IR é contínua em [a, b] e derivávelem ]a, b[, então existe c em [a, b] tal que f(b)− f(a) = f ′(c)(b− a).

Demonstração : Aplicando reiteradamente o Lema, obtemos uma seqüência deintervalos encaixantes [an, bn] ⊂]a, b[ tais que

f(bn)− f(an)bn − an

=f(b)− f(a)

b− a∀n ∈ IN .

Basta tomar como c o ponto interseção dos [an, bn].

Generalizemos o Lema. Trata-se de, dados um bloco B = [a1, b1]× [a2, b2] eum campo de vetores contínuo

F : B −→ IR2 ,

mostrar que existe um bloco B1 contido no interior de B tal que

1

µ(B1)

∫∂B1

F =1

µ(B)

∫∂B

F ,

sendo as dimensões de B1 iguais a um terço das de B.

Comecemos dividindo B em nove blocos iguais, que vamos batizar de β1,β2,..., β9.Temos então ∫

∂B

F =9∑i=1

∫∂βi

F .

Page 166: Calculo Avancado Felipe

166 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

β1 β2 β3

β4

β5β6β7

β8 β9

B

Observando que

µ(B) = 9µ(βi) , i = 1, . . . , 9,

vem

91

µ(B)

∫∂B

F =9∑i=1

1

µ(βi)

∫∂βi

F ,

ou, equivalentemente,

9∑i=1

(1

µ(βi)

∫∂βi

F − 1

µ(B)

∫∂B

F ) = 0 .

Sejam então

h1 =b1 − a1

3, h2 =

b2 − a2

3e

β = [0, h1]× [0, h2].

Consideremos a função contínua

m : [a1, b1 − h1]× [a2, b2 − h2] −→ IRx 7−→ 1

µ(β)

∫∂(x+β)

F − 1µ(B)

∫∂BF ,

onde x+ β = x+ y, y ∈ β.

Page 167: Calculo Avancado Felipe

D. O TEOREMA DO VALOR MÉDIO 167

B

B1

Agora note que ou bem m(a1 + h1, a2 + h2) = 0 (e então basta fazer B1 =(a1+h1, b1+h2)+β), ou bem a funçãom assume valores positivos e negativosem ]a1, b1 − h1[×]a2, b2 − h2[ 6. Mas então m se anula em um ponto x0 de]a1, b1 − h1[×]a2, b2 − h2[, e podemos fazer B1 = x0 + β.

Observação : Note que a continuidade de F só intervém para garantir acontinuidade dem. Desta forma, se, por exemplo, alterarmos o valor de F emum número finito de pontos, F deixará de ser contínuo mas a demonstraçãoacima não se alterará. Podemos pois dizer que demonstramos o seguinteresultado:

Lema: Seja ω uma 1-forma em B = [a1, b1] × [a2, b2] tal que que para todoretângulo β = [0, h1]× [0, h2] com h1 < b1 − a1 e h2 < b2 − a2 a aplicação

x 7−→∫∂x+β

ω

é contínua em [a1, b1 − h1] × [a2, b2 − h2] 7 . Então existe um retângulo B1

contido no interior de B tal que:

(ı) os lados de B1 medem um terço dos de B;

(ıı) 1µ(B1)

∫∂B1

ω = 1µ(B)

∫∂Bω.

O Teorema do Valor Médio toma então o seguinte aspecto em IR2:6Atenção !Podemos garantir isto porque m é contínua7Estamos representando por x+ β a cadeia dada pela aplicação identidade em x+ β

Page 168: Calculo Avancado Felipe

168 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

Teorema do Valor Médio: Seja ω uma 1-forma em B = [a1, b1] × [a2, b2]tal que que:

(ı) para todo retângulo β = [0, h1]× [0, h2] com h1 < (b1 − a1)e h2 < (b2 − a2) a aplicação

x 7−→∫∂(x+β)

ω

é contínua em [a1, b1 − h1]× [a2, b2 − h2] ;(ıı) ω tem derivada em todos os pontos de ]a1, b1[×]a2, b2[.

Então existe um ponto c em ]a1, b1[×]a2, b2[ tal que

dω(c) =1

µ(B)

∫∂B

ω .

Demonstração : Aplique reiteradamente o Lema de forma a obter uma seqüência(Bn) de retângulos encaixantes tais que:

(ı) para todo n, Bn está contido no interior de B;

(ıı) os lados de Bn+1 medem um terço dos de Bn;

(ııı) para todo n, 1µ(Bn)

∫∂Bn

ω = 1µ(B)

∫∂B ω.

Seja c o ponto comum aos Bn. Como c está no interior de B, ω tem derivadaexterior em c e o resultado segue da definição de derivada exterior.

Exercício: Seja ω a 1-forma definida em IR2 por

ω(x1, x2) = 0 , (x1, x2) 6= (0, 0) ,ω(0, 0) = dx1 .

Mostre que, embora seja descontínua em (0, 0), ω satisfaz às hipóteses do Teoremado Valor Médio em qualquer retângulo de IR2.Exercício: Considere a 1-forma definida em IR2 por

ω(x1, x2) = 1

(x12+x2

2)12

(x1dx1 + x2dx2) , (x1, x2) 6= (0, 0) ,

ω(0, 0) = 0 .

Mostre que não existe limx→0 ω(x).

Page 169: Calculo Avancado Felipe

E. O TEOREMA DE GREEN REVISITADO 169

Mostre que dω(0, 0) = 0.Mostre que ω satisfaz às hipóteses do Teorema do Valor Médio em qualquer retân-gulo de IR2. Mostre que dω(x) = 0 ∀x ∈ IR2.

Quando alguém diz que sabe alguma coisa,fico perplexa:ou estará enganado, ou é um farsante,—ou somente eu ignoro e me ignoro desta maneira?

E os homens combatem pelo que julgam saber.E eu, que estudo tanto,inclino a cabeça sem ilusões ,e a minha ignorância enche-me de lágrimas as mãos .

Cecília Meireles1960

e O Teorema de Green revisitado

Já estamos em condições de enunciar e provar uma nova versão do Teoremade Green. Trata-se de uma versão preliminar, mas que permite antever clara-mente suas generalizações .

Teorema de Green: Seja ω uma 1-forma em B = [a1, b1]× [a2, b2] tal queque:

(ı) para todo retângulo β com 0 ∈ β a aplicação

x 7−→∫∂(x+β)

ω

é contínua em x ∈ B, (x+ β) ⊂ B ;(ıı) ω tem derivada exterior em todos os pontos de ]a1, b1[×]a2, b2[;(ııı) dω é integrável (e limitada) em B.

Então

Page 170: Calculo Avancado Felipe

170 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

∫∂B

ω =

∫B

dω .

Demonstração: Seja P uma partição de B. Sendo S(P ) o conjunto dos sub-blocosde P , temos ∫

∂Bω =

∑β∈S(P )

∫∂βω ,

onde estamos identificando cada retângulo com a aplicação identidade. Aplicandoem cada β o Teorema do Valor Médio, temos∫

∂Bω =

∑β∈S(P )

µ(β)dω(xβ) ,

com xβ em β. Então

L(dω, P ) ≤∫∂Bω ≤ U(dω, P ) ,

e o Teorema está demonstrado.

Exercício: Copie tudo que foi feito em IR2 para IR3 e prove uma versão similar doTeorema da Divergência.

Suponhamos agora dadas c : B → A ⊂ IR3, onde B é um bloco em IR2

e ω 1-forma em A. O Teorema de Kelvin deve nos dar, com as hipótesesadequadas, ∫

∂c

ω =

∫c

dω.

Antes de discutirmos o significado do lado direito (e, particularmente, o dedω), podemos observar que, no frigir dos ovos, todas as integrais serão cal-culadas em IR2 (mais especificamente, em B a do lado direito e em ∂B a dolado esquerdo). Esta é, aliás, uma característica básica de nossas integrais:sempre trazemos nossos integrandos para um bloco. Uma pequena pausapara estudar este procedimento pode ser proveitosa.

Page 171: Calculo Avancado Felipe

F. O PULLBACK 171

ϕ

v1

vk

xϕ′(x)v1

ϕ′(x)vk

ϕ(x)

f O Pullback

Coloquemo-nos num caso bastante geral. Suponhamos dados A aberto emIRN , B aberto em IRM , ϕ : A→ B diferenciável e ω k-forma em B.

Dados x em A e v1, . . . , vk em IRN , podemos levar v1,...,vk para IRM pormeio de ϕ′(x) e calcular ω(ϕ(x))(ϕ′(x)v1, . . . , ϕ

′(x)vk). É muito interessanteobservar que, vista como função de v1,...,vk, ω(ϕ(x))(ϕ′(x)v1, . . . , ϕ

′(x)vk) ék-linear alternada. Podemos, então , tomá-la como uma k-forma em A.

Definição : Dados A aberto em IRN , B aberto em IRM , ϕ : A→ B diferen-ciável e ω k-forma em B, definimos o pullback de ω por ϕ, ϕ∗ω, por:

ϕ∗ω(x)(v1, . . . , vk) = ω(ϕ(x))(ϕ′(x)v1, . . . , ϕ′(x)vk).

ϕ∗ω é, é claro, uma k-forma em A.

A função básica do pullback é nos dar uma outra perspectiva para as mu-danças de variáveis.

Proposição (Fórmula de Mudança de Variáveis): Suponhamos dadosA aberto em IRN , B aberto em IRM , ϕ : A → B diferenciável e ω k-formaem B. Então , para toda k cadeia c em A, temos ω integrável sobre ϕc se esomente se ϕ∗ω é integrável sobre c. Neste caso,∫

ϕc

ω =

∫c

ϕ∗ω.

Page 172: Calculo Avancado Felipe

172 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

A demonstração é um mero exercício de aplicação das definições (note que,por enquanto, nosso k varia de 1 a 3, mas é claro que tudo deve funcionarpara dimensões maiores).

Um caso particular interessante ocorre quando temos uma k-forma ω em Ae c : B → A de classe C1, onde B é um bloco em IRk. A própria definiçãoda integral de ω sobre c pode ser refraseada:∫

c

ω =

∫B

ϕ∗ω.

g A Derivada Exterior

Voltemos ao Teorema de Kelvin: temos uma 1-forma ω no aberto A de IR3,um bloco B em IR2 e c : B → A de classe C1. Sabemos o que nosso Teoremadeve dizer: ∫

∂c

ω =

∫c

dω.

Reescrevendo em termos de pullback, teríamos:∫∂B

c∗ω =

∫B

c∗dω.

Mas, agora, sabemos exatamente o que devemos ter do lado direito. Deacordo com nossa nova versão do Teorema de Green, temos, com as hipótesesapropriadas sobre c∗ω, ∫

∂B

c∗ω =

∫B

d(c∗ω),

onde

d(c∗ω)(t) = limβ→t

1

µ(β)

∫∂β

c∗ω.

Assim, igualando os integrandos, um bom chute para dω seria dado por

Page 173: Calculo Avancado Felipe

G. A DERIVADA EXTERIOR 173

c∗dω = d(c∗ω).

Observação : Na realidade, devemos lembrar que tanto c∗dω como d(c∗ω)são 2-formas em B ⊂ IR2:

• c∗dω é dada por c∗dω(t)(v1, v2) = dω(c(t))(c′(t)v1, c′(t)v2);

• d(c∗ω) é dada por d(c∗ω)(t)(v1, v2) = α(t)det(v1, v2), onde α(t) é onúmero real dado por

α(t) = limβ→t

1

µ(β)

∫∂β

c∗ω.

Ora, isto nos leva a

dω(c(t))(c′(t)v1, c′(t)v2) = lim

β→t

1

µ(β)

∫∂β

c∗ω det(v1, v2).

Fazendo v1 = e1 e v2 = e2, obtemos

dω(c(t))(c′(t)e1, c′(t)e2) = lim

β→t

1

µ(β)

∫∂β

c∗ω = limβ→t

1

µ(β)

∫∂c(β)

ω.

Interpretação Geométrica: Suponhamos que ω é dada por um campo devetores F , isto é: ω(x)v = F (x).v e que tenhamos uma superfície parametrizadapor c, de forma que c(t0) = x0, c

′(t0)e1 = u1, c′(t0)e2 = u2. Se F for de

classe C1, podemos escrever∫∂S

F =

∫S

∇× F.d~S =

∫S

∇× F.~ndS

Se pudéssemos dividir pela área de S e passar ao limite com S → x0, teríamos

∇× F (x0). ~n0 = limS→x0

1

µ(S)

∫∂S

F,

onde

Page 174: Calculo Avancado Felipe

174 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

c

β

S

∂S

n0 =1

|u1 × u2|u1 × u2.

Por outro lado, fazer S tender a x0 é fazer um bloquinho β tender a t0 efazer S = c(β). Com β pequenino, temos µ(S) ∼= |u1 × u2|µ(β). Como écomplicado dividir por µ(S) (teríamos que calcular a área de S), podemosdividir pela área de β. Isto nos dará:

∇× F (x0). ~n0 = limS→x0

1

µ(S)

∫∂S

F = limβ→t0

1

|u1 × u2|µ(β)

∫∂S

F,

ou seja,

∇× F (x0).(u1 × u2) = limβ→t0

1

µ(β)

∫∂S

F.

Voltando para a notação de formas, isto significa exatamente

dω(c(t0))(c′(t0)e1, c′(t0)e2) = lim

β→t

1

µ(β)

∫∂β

c∗ω = limβ→t0

1

µ(β)

∫∂c(β)

ω.

Definição : Seja ω uma k-forma integrável8 em A, k = 0, 1 ou 2. Dizemosque a forma (k + 1)-linear dω(x) é a derivada exterior de ω em x se, paratoda ϕ : U → A de classe C1, com U aberto em IRk+1 e ϕ(t) = x,

limB→t

1

µ(B)

∫∂B

ϕ∗ω = dω(x)(ϕ′(t)e1, . . . , ϕ′(t)ek+1).

8Isto significa que existe a integral∫

cω, para toda cadeia C1 c em A

Page 175: Calculo Avancado Felipe

H. GREEN, KELVIN, OSTROGRADSKI E GAUSS 175

Explicitamente, o limite acima significa que

∀ε > 0 ∀K > 1 ∃δ > 0

tal que, se

L(B) < δ, t ∈ B, L(B)

l(B)< K,

então ∣∣∣∣ 1

µ(B)

∫∂B

ϕ∗ω − dω(x)(ϕ′(t)e1, . . . , ϕ′(t)ek+1)

∣∣∣∣ < ε,

onde B designa um bloco qualquer contido em U , L(B) designa o maior ladode B e l(B) designa o menor.

Exercício: Seja F : IR3 → IR3 de classe C1 e seja ω a 2-forma em IR3 dada porω(x)(v1, v2) = F (x).(v1 × v2). Mostre que, com a definição acima, dω existe emtodos os pontos e é dada por

dω(x)(v1, v2, v3) = ∇.F (x)det(v1, v2, v3).

h Green, Kelvin, Ostrogradski e Gauss

Com a definição da derivada exterior, podemos unificar nossos teoremas emum só, cuja demonstração , a partir do resultado básico da página 169, con-sistiu em encontrar a correta definição de derivada exterior:

Teorema: Sejam A ⊂ IR3 e ω uma k-forma em A (k=0, 1 ou 2). Sejam Bum bloco em IRk e c : B → A de classe C1 e tal que:

• c∗ω é contínua em B;

• ω tem derivada exterior em c(B);

• c∗(dω) é integrável em B.

Page 176: Calculo Avancado Felipe

176 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

Então ∫∂c

ω =

∫c

dω.

Escólio: O enunciado está, claro, extremamente pedante (ainda mais seconsiderarmos que a continuidade de c∗ω é aquela referida na versão pre-liminar do Teorema de Green (página 169). Podemos, sem susto, torná-lomais ameno exigindo apenas a continuidade de ω no sentido usual (isto é,ω : A → A é contínua) e a existência de dω em todos os pontos de A. Oimportante é compreender que o resultado segue, quando k = 0, do TeoremaFundamental do Cálculo e, quando k=1, da versão preliminar do Teorema deGreen . O caso k = 2 é a generalização natural que o leitor está convidadoa fazer. Sua aplicabilidade depende, porém, da possibilidade de obtermosdω de maneira barata. Como já vimos, no caso em que ω é de classe C1,dω existe e coincide com o que já tínhamos. O resultado a seguir vai darsubstância a todo o processo.

Teorema: Sejam ω uma k-forma (k=0, 1 ou 2) definida e integrável em umaberto A de IR3, e x um ponto de A. Se ω é diferenciável em x, então ω temderivada exterior em x, dada por

• dω(x)v = ∇f(x)v, se k = 0 e ω é dada pela função escalar f ;

• dω(x)(v1, v2) = ∇×F (x).(v1× v2), se k = 1 e ω é dada pelo campo F ;

• dω(x)(v1, v2, v3) = ∇.F (x)det(v1, v2, v3), se k = 2 e ω é dada pelocampo F .

Demonstração : Vamos fazer o caso k = 2, que os outros são até mais fáceis.Suponhamos ω dada por ω(y)(v1, v2) = F (y).(v1× v2), onde F : a→ IR3 é diferen-ciável em x.Devemos provar que para toda ϕ : U → A de classe C1, com U abertoem IR3 e ϕ(t) = x,

limB→t

1µ(B)

∫∂Bϕ∗ω = ∇.F (x)det(ϕ′(t)e1, ϕ

′(t)e2, ϕ′(t)e3).

Fixemos, pois, ϕ como acima e observemos que, da diferenciabilidade de ω, temosque F se escreve como soma de três campos:

Page 177: Calculo Avancado Felipe

H. GREEN, KELVIN, OSTROGRADSKI E GAUSS 177

F (y) = F (x) + F ′(x)(y − x) + |y − x|e(y),

com limy→x e(y) = 0.

Chamaremos o campo constante F (x) de F0, F ′(x)(y − x) de F1(y) |y − x|e(y)de E(y). Note que dois primeiros são de classe C1; podemos, pois, aplicar-lhes oTeorema de Gauss-Ostrogradski, considerando, dado B em U , a cadeia elementarϕB : B → A dada por ϕB(s) = ϕ(s).

Exercício: Mostre que ∇.F1(y) = ∇.F (x)∀ y ∈ A.

Temos, então ,

limB→t1

µ(B)

∫∂B ϕ

∗ω =

= limB→t1

µ(B)

∫∂ϕB

F0 + limB→t1

µ(B)

∫∂ϕB

F1 + limB→t1

µ(B)

∫∂ϕB

E =

= limB→t1

µ(B)

∫ϕB∇.F0 + limB→t

1µ(B)

∫ϕB∇.F1 + limB→t

1µ(B)

∫∂ϕB

E =

= 0 +∇.F (x)det(ϕ′(t)e1, ϕ′(t)e2, ϕ

′(t)e3) + limB→t1

µ(B)

∫∂ϕB

E.

Resta provar que este último limite é zero. Examinemos, pois, para B próximo det, o tamanho de

1µ(B)

∫∂ϕB

E.

Fixemos ε > 0. Podemos, antes de mais nada, nos fixar em uma vizinhança de tna qual ||ϕ′|| seja menor que um certo M . Como nossos blocos devem satisfazera L(B)/l(B) < K, para um certo K > 1, vamos querer, para s em B, que ϕ(s)

caia em uma vizinhança de x tal que |e(y)| < ε/(6√

3M3K2). Como e(y)y→0−→ 0

e ϕ é contínua, podemos encontrar uma vizinhança de t em que isto tambémaconteça. Para B na interseção das duas vizinhanças de t supracitadas, com t ∈ Be L(B)/l(B) < K, teremos

1µ(B)

∫∂ϕB

E ≤ 1l(B)2L(B)

6L(B)2sup |c(s)− x||e(c(s)|, s ∈ ∂BM2 ≤

≤ 1l(B)2L(B)

6L(B)2M√

3L(B) ε6√

3M3K2M2 = εL(B)2

K2l(B)2 < ε.

Page 178: Calculo Avancado Felipe

178 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

Nosso Teorema está provado.

Exercício: Note que, finalmente, usamos a extranha hipótese L(B)/l(B) < K.Observe que sua função é garantir que (diâmetro (B).área(∂B))/volume(B) fiquelimitado.

Corolário 1: Sejam A aberto em IR3 e F : A → IR3 diferenciável. Se B éum bloco em IR2 e c : B → A é de classe C1, então∫

∂c

F =

∫c

∇× F,

desde que a integral do lado direito exista.

Corolário 2: Sejam A aberto em IR3 e F : A → IR3 diferenciável. Se B éum bloco em IR3 e c : B → A é de classe C1, então∫

∂c

F =

∫c

∇.F,

desde que a integral do lado direito exista.

Vale a pena destacar um caso, mais particular ainda, por conta de seu inte-resse para a Teoria das Funções de Variável Complexa (ver página 189).

Corolário 3: Seja Pdx1 +Qdx2 uma 1-forma no aberto A de IR2. Se P e Qsão diferenciáveis em A, com

∂Q

∂x1

− ∂P

∂x2

≡ 0,

então ∫c

Pdx1 +Qdx2 = 0

para toda curva fechada c homotópica a um ponto em A. Em termos decadeias, a conclusão se expressa por∫

∂c

Pdx1 +Qdx2 = 0

para toda 2-cadeia c em A.

Page 179: Calculo Avancado Felipe

I. A DUALIDADE ENTRE FORMAS E CADEIAS 179

Agora podemos dizer que quase chegamos lá. Temos uma boa definiçãode derivada exterior, que claramente pode ser generalizada para dimensõesmaiores, e um bom Teorema, que também se generaliza. Os últimos resulta-dos, que mostram que a diferenciabilidade implica na derivabilidade, porém,parecem ainda depender de teoremas cuja generalização é menos evidente.No entanto, já temos condições de pressentir que uma versão para dimensõesmaiores está ao alcance da mão .

i A dualidade entre formas e cadeias

Poderíamos fazer uma tentativa de resumir o que já temos. Podemos dizerque, dado um aberto Ω em IR3, temos, para cada inteiro k, de 0 a 3, obje-tos e integrandos de dimensão k, chamados de k-cadeias e k-formas, consti-tuindo conjuntos que podemos chamar, respectivamente, de Ck(Ω) e Fk(Ω).Juntando Ck(Ω) e Fk(Ω), está definida uma operação de integração , quedesignaremos por <,>, dada por

<,> Ck(Ω)×Fk(Ω) → IR(c, ω) 7→

∫cω

Para que as coisas façam sentido, podemos convencionar que nossas cadeiassão C1 e que nossas formas, além de serem integráveis sobre as cadeias, com asintegrais variando continuamente (ver página 169), têm derivadas exteriores(que serão (k + 1)-formas) integráveis (sobre as (k + 1)-cadeias). Temos,então, duas aplicações , ∂ e d, com

∂ : Ck(Ω)→ Ck−1(Ω)

e

d : Ak(Ω)→ Ak+1(Ω),

ligadas pelo Teorema (de um monte de gente):

< ∂c , ω > = < c , dω > .

Page 180: Calculo Avancado Felipe

180 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

Dados dois abertos Ω1 e Ω2, cada f : Ω1 → Ω2 de classe C1 define, para cadak, duas aplicações ,

f : Ck(Ω1)→ Ck(Ω2)

e

f ∗ : Ak(Ω2)→ Ak(Ω1),

ligadas pela fórmula de mudança de variáveis

< fc , ω > = < c , f ∗ω > .

Exercício: Note que f é um homomorfismo de grupos e f∗ é linear.

Exercício: Note que f comuta com ∂, ou seja: para cada c, vale ∂(fc) = f(∂c).

Decorre também da definição de d a regra da cadeia que d(f ∗ω) = f ∗(dω),ou seja: f ∗ comuta com d.

Exercício: Compreenda esta última asserção .

De ∂(∂c) = 0, e do Teorema de um monte de gente, decorre o seguinteresultado, conhecido como Lema de Poincaré: d(dω) = 0.

Lema: Suponha que a k-forma ω tem derivada exterior dω integrável sobrecadeias em uma vizinhança do ponto x. Então dω tem derivada exterior emx e d(dω)(x) = 0.

Demonstração: Note que dω é uma (k + 1)-forma. Se c é uma (k + 2)-cadeia emuma vizinhança de x, temos, usando um de nossos teoremas,∫

∂cdω =

∫∂(∂c)

ω.

Mas ∂(∂c) = 0. Daí segue d(dω)(x) = 0. 9

Exercício: Compreenda e prove que ∂(∂c) = 0.

9O Lema de Poincaré, classicamente, é um resultado um pouco mais fraco: supõe-seque ω é duas vezes diferenciável em x e prova-se o resultado sem recurso a integrais, usandoa simetria da segunda derivada

Page 181: Calculo Avancado Felipe

J. O LEMA DE VOLTERRA 181

Como as cadeias cujo bordo é nulo são ditas fechadas, dizer que sempre vale∂(∂c) = 0 significa que o bordo de uma cadeia é, sempre, uma cadeia fechada.Por analogia, chamamos de fechadas as formas que têm derivada exterior nula.Assim, a derivada exterior de uma forma é, sempre, uma forma fechada.

Não é difícil ver que, por outro lado, nem toda k-cadeia fechada é bordo de alguma(k + 1)-cadeia.

Exercício: Entenda que isto está relacionado com a existência de "buracos"em Ω.Dê exemplos de abertos em que toda cadeia fechada é um bordo e de abertos emque isto não acontece. Observe que, em geral, em um mesmo aberto podemoster que toda k-cadeia fechada é um bordo, para certos valores de k, sem que istoaconteça para todos os valores de k. Considere, em particular, os casos IR3 menosum ponto, IR3 menos uma reta e IR3 menos um plano.

De maneira análoga, nem toda k-forma fechada é derivada exterior de alguma(k − 1)-forma.

Exercício: Lembre-se da forma de variação de ângulo em IR2 \ 0 e da forma deângulo sólido em IR3 \ 0. Note que, em ambos os casos, também nos deparamoscom "buracos".

Uma k-forma ω é dita exata se existe uma (k − 1)-forma η tal que dη = ω.Analogamente, se existe uma (k + 1)-cadeia b tal que ∂b = c, c será dita umacadeia exata. Do teorema de Kelvin e da caracterização dos campos conservativos,decorre o seguinte resultado:

Proposição : Se Ω é tal que toda cadeia fechada de C1(Ω) é exata, então todaforma fechada de A1(Ω) é exata.

j O Lema de Volterra

A partir das observações da seção anterior, seria razoável perguntarmos se é ver-dade, para qualquer aberto Ω e qualquer k, que, sendo exata toda cadeia fechadade Ck(Ω), então será também exata toda forma fechada de Ak(Ω).

Se tentarmos imitar a demonstração do caso k = 1, veremos que há uma alteraçãono quadro. Dada a 1-forma ω, uma forma η tal que dη = ω associa números a

Page 182: Calculo Avancado Felipe

182 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

AB

c0

c1

pontos de Ω. Fixado um ponto de base A e supondo Ω conexo, todo ponto B deΩ é tal que a cadeia B − A é bordo de uma curva, o que facilita as coisas. Sepassamos para o caso em que ω é uma 2-forma, a coisa muda de figura. A formaη, agora, associa números a curvas (1-cadeias) e, se fixarmos uma curva de base c0,não teremos, em geral, dada uma curva c1 em Ω, que c1 − c0 será bordo de uma2-cadeia em Ω.

Uma forma de criar uma situação um pouco mais favorável é padronizar as ligaçõesentre as cadeias de Ω e um ponto privilegiado de Ω.

Definição : X ⊂ IRN é dito retrátil se existe h : [0, 1] ×X → X, de classe C1,tal que h(1, x) = x ∀x ∈ X e h(0, x) = x0 ∀x ∈ X, para um certo x0 em X.

Suponhamos, pois, que nosso aberto Ω é retrátil e que ω é uma 2-forma fechadaem Ω. Queremos definir η, de maneira que η seja uma 1-forma em Ω, com dη = ω.Nossa estratégia é encarar η como uma aplicação que associa números reais a curvasem Ω. Como Ω é retrátil, podemos fixar x0 em Ω e h : [0, 1] × Ω → Ω, de classeC1, com h(0, x) ≡ x e h(0, x) ≡ x0.

Dada uma curva c : [a, b] → Ω, definimos hc : [0, 1] × [a, b] → Ω por hc(s, t) =h(s, c(t)). Se c = n1c1 + . . .+nlcl é uma cadeia, fazemos, claro, hc = n1hc1 + . . .+nlhcl .

Se c é uma curva em Ω, o bordo de hc tem, além de c e de menos o ponto x0, duascurvas ligando as extremidades de c a x0; vamos, mesmo assim, definir a 1-formaη por

< c , η > =∫hc

ω

(estendemos η às 1-cadeias c = n1c1 + . . . + nlcl por < c, η >=< n1c1 + . . . +nlcl, η >= n1 < c1, η > + . . .+ nl < cl, η >=

∫hcω).

Page 183: Calculo Avancado Felipe

J. O LEMA DE VOLTERRA 183

t

s

c

x0

1

0 1

hc

x0

hc

S

B

Exercício: Dê uma pensada e entenda por quê η deve ser um homomorfismo emC1(Ω), respeitando < c1, η >=< c2, η > sempre que c1 e c2 forem equivalentes.

Vejamos agora como deve ser dη. Basicamente, se x é um ponto de Ω e S é umasuperfície passando por x, queremos ver no que dá

limS→x

1areadeS

∫∂Sη.

Exercício: Suponha S dada por ϕ : B → Ω, B bloco em IR2. Defina hϕ : [0, 1]×B →Ω por hϕ(s, t1, t2) = h(s, ϕ(t1, t2)). Estude o bordo de hϕ até se convencer de que(usando o teorema da divergência e o fato de que dω = 0)∫

∂Sη =

∫Sω.

Conclua que, de fato, se ω é contínua em x, então dη(x) = ω(x).

Page 184: Calculo Avancado Felipe

184 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

Já podemos enunciar e provar o Lema de Volterra10.

Lema: Se Ω ⊂ IR3 é um aberto retrátil, então toda k-forma fechada em Ω, k =1, 2, 3, é exata (neste caso, estamos supondo a continuidade de nossas k-formasem cada ponto de Ω).

Demonstração : O caso k = 0 foi feito na Introdução , o caso k = 3 é maistrabalhoso e é deixado para o leitor. Façamos o caso k = 2. Suporemos a retraçãode Ω dada por h como acima.

Usando as definições acima, devemos provar que, dados x em Ω e ϕ : U → Ω declasse C1, com U aberto de IR2, 0 ∈ U , ϕ(0) = x, vale

limB→0

1µ(B)

∫∂ϕB

η = ω(x)(ϕ′(0)e1, ϕ′(0)e2).

Basta definir hϕB : [0, 1] × B → Ω por hϕB (s, t1, t2) = h(s, ϕ(t1, t2)) e calcular∂hϕB , obtendo ∂hϕB = ϕB − h∂ϕB − x0, onde x0 designa a 2-cadeia constante(t1, t2) 7→ x0 (preste atenção aos sinais). Daí segue:∫

∂ϕB

η =∫h∂ϕB

ω = −∫∂hϕB

ω +∫ϕB

ω −∫x0

ω.

Das três integrais à direita, a terceira é, obviamente, nula. À primeira aplicamos oteorema da divergência e, usando dω = 0, obtemos:∫

∂hϕB

ω =∫hϕB

dω = 0.

Resta, pois,

limB→0

1µ(B)

∫∂ϕB

η = limB→0

1µ(B)

∫ϕB

ω = limB→0

1µ(B)

∫Bϕ∗ω.

Se ω é contínua no ponto x, o limite é exatamente o anunciado.

Escólio: Omitimos até agora a definição pontual da forma η, evitando, assim, atentação de calcular explicitamente dη. O objetivo foi fazer com que a idéia dademonstração ficasse mais clara. Mas não custa nada, agora, explicitar. De

10Na literatura, este resultado aparece, em geral, como recíproca do Lema de Poincaré,assim batizado por Élie Cartan. Georges de Rham, contudo, registra que o resultadoaparece nos trabalhos de Vito Volterra

Page 185: Calculo Avancado Felipe

J. O LEMA DE VOLTERRA 185

< c , η > =∫hc

ω,

temos, para o caso em que c : [a, b]→ Ω é uma curva,

< c , η > =∫ 1

0

(∫ b

aω(h(s, c(t)))(

∂h

∂s(s, c(t)),

∂h

∂x(s, c(t))c(t))dt

)ds.

Trocando a ordem das integrações , temos:

< c , η > =∫ b

a

(∫ 1

0ω(h(s, c(t)))(

∂h

∂s(s, c(t)),

∂h

∂x(s, c(t))c(t))ds

)dt.

Agora, salta aos olhos a definição :

η(x)(v) =∫ 1

0ω(h(s, x))(

∂h

∂s(s, x),

∂h

∂x(s, x)v)ds.

Exercício: Suponha que ω é de classe C1. Calcule dη, a partir da fórmula acima eda expressão do rotacional. Se tudo estiver certo, devemos ter dη = ω.Exercício: Considere, em IR3 \0 a 2-forma ω do ângulo sólido. Note que IR3 \0não é retrátil, mas Ω = IR3 \

(x1, x2, x3) ∈ IR3, x2

1 + x22 = 0, x3 ≥ 0

é. Escolha

um ponto de Ω, defina h e calcule, pela fórmula acima, uma 1-forma η tal quedη = ω. Escreva η como um campo de vetores.Exercício: Note que, para Ω em IR3, toda 3-forma em Ω é fechada. Obtenha, paraum aberto retrátil, fórmula análoga à que temos acima para uma 2-forma η tal quedη = ω.Exercício: Sejam P1, . . . , Pn pontos de IRN , N ≥ 2, e seja Ω = IRN \ P1, . . . , Pn.Mostre que Ω é união de dois abertos retráteis.

Page 186: Calculo Avancado Felipe

186 CAPÍTULO 14. A DERIVADA

Page 187: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 15

APLICAÇÕES

Um apanhado razoavelmente completo das aplicações dos resultados que acabamosde abordar deveria cobrir praticamente toda a Física do século XIX. Com efeito,pouco ou nada se fez em matéria de Física (e Matemática) durante o século passadoque não girasse em torno do que hoje é conhecido como Teorema de Stokes1. Trata-se de uma obra faraônica: se considerarmos que sua formulação dá seguimento aoCálculo dos séculos XVII e XVIII, não é exagero dizer que veio coroar dois séculosde esforços, envolvendo praticamente todos os físicos e matemáticos da Europa.Diante do tamanho da empreitada, faremos algumas escolhas. Destacaremos algu-mas importantes questões topológicas que estão por trás de muitos acontecimentos;as questões físicas serão abordadas sob a forma de exercícios, sem qualquer preten-são de sermos completos ou sistemáticos.

a Índice de uma Curva

Tem estado presente em nossas considerações , aqui e ali, o número de voltas queuma curva plana c dá em torno de um ponto P . Tal número, em matematiquês2, échamado índice da curva c em relação ao ponto P e notado n(c, P ). Para facilitarum pouco a notação , lidaremos com o índice em relação à origem, estando claroque o caso geral é análogo.

1Veremos, mais à frente, a forma geral deste resultado, que engloba os teoremas clássicosde Newton, Leibniz, Euler, Green, Gauss, Ostrogradski e Kelvin.

2Toda corporação cria seu jargão , que consiste em dar a coisas simples nomes incom-preensíveis para os demais

187

Page 188: Calculo Avancado Felipe

188 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

Exercício: Sejam c : [a, b]→ IR2 \ 0, 0, de classe C1, c(t) = (x(t), y(t)), e ω uma1-forma em IR2 \ 0, 0 tal que dω ≡ 0.

• (i) Seja H : [0, 1]× [a, b]→ IR2 dada por

H(s, t) =(s+

1− s| c(t) |

)c(t).

Mostre que H é de classe C1, que H(s, t) 6= (0, 0)∀(s, t) ∈ [0, 1]× [a, b], queH(1, t) = c(t) e que H(0, t) = (1/ | c(t) |)c(t).

• (ii) Seja c : [a, b]→ IR2 \ 0, 0 dada por c(t) = (1/ | c(t) |)c(t). Mostre que,se c(a) = c(b), então

∫c ω =

∫c ω.

• (iii) Seja c1 : [a, b] → S1 = (ξ, η) ∈ IR2 | ξ2 + η2 = 1 de classe C1. Usea forma de variação de ângulo para mostrar que existe θ : [a, b] → IR, declasse C1, tal que c1(t) = (cos θ(t), sin θ(t))∀ t ∈ [a, b]. Sugestão : tenteθ(t) = θ0 +

∫ ta(−yx+ xy), com θ0 adequadamente escolhido.

• (iv) Seja c1 como em (iii). Mostre que existe H : [0, 1]× [a, b]→ S1, de classeC1, tal que H(1, t) = c1(t)∀ t ∈ [a, b], H(s, a) = c1(a)∀ s ∈ [0, 1], H(s, b) =c1(b)∀ s ∈ [0, 1] e H(0, t) = c0(t), onde c0(t) = (cos θ0(t), sin θ0(t)), sendoθ0 : [a, b]→ IR dada por

θ0(t) = θ(a) +t− ab− a

(θ(b)− θ(a))

(θ é a função cuja existência é provada em (iii)).

• (v) Suponha agora que c(a) = c(b). Mostre que existe uma 2-cadeia ϕ, declasse C1, tal que ∂ϕ = c− c, onde c : [a, b]→ IR2 é dada por

c(t) =(

cos(2πn)t− ab− a

, sin(2πn)t− ab− a

),

para um certo n ∈ ZZ (mostre também que há uma homotopia C1 por partesde caminhos fechados entre c e c). Conclua que n só depende de c e é dadopor

n =

∫c ω∫u ω

,

u : [0, 2π]→ IR2 dada por u(t) = (cos t, sin t).

Page 189: Calculo Avancado Felipe

B. FUNÇÕES DE VARIÁVEL COMPLEXA 189

• (vi) Seja ω0 a 1-forma de variação de ângulo, dada por

ω0(x, y) =−y

x2 + y2dx+

x

x2 + y2dy.

Conclua que o número n obtido em (v) é dado por

n =1

∫cω0.

Definição : Se c é uma cadeia fechada C1 em IR2 \ (0, 0), o índice de c emrelação à origem é o número inteiro n(c, 0) dado por

n(c, 0) =1

∫c

(−y

x2 + y2dx+

x

x2 + y2dy

).

Se P ∈ IR2 e c é uma cadeia fechada em IR2 \ P, o índice de c em relação a Pé definido por

n(c, P ) = n(fc, 0),

onde f : IR2 \ P → IR2 \ (0, 0) é dada por f(X) = X − P .

Exercício: Mostre que, no caso de cadeias fechadas, n(c, 0) é, de fato, um númerointeiro.

b Funções de Variável Complexa

Considere a função f : IR→ IR dada por

f(x) =1

1 + x2.

f é de classe C∞. Se desenvolvermos f em série de potências de centro em 0,teremos

f(x) = 1− x2 + x4 − x6 + · · · , | x |< 1 .

Gostaríamos de discutir por quê, embora sendo f de classe C∞ em IR, sua sériede potências só converge num intervalo limitado. A resposta nos vem se tentarmosestender f aos números complexos. Considerando

f(z) =1

1 + z2

Page 190: Calculo Avancado Felipe

190 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

−1 1

i

−i

0

onde z é um número complexo, vemos que será necessário (se quisermos f(z) ∈ ICe f contínua) excluir do domínio os pontos z = i e z = −i.É claro também que, se | z |< 1, vale

11 + z2

= 1− z2 + z4 − z6 + · · ·

(trata-se da soma de uma PG). Agora podemos entender por que, embora f nãotenha singularidades em IR, sua série de potências não tem raio de convergênciainfinito: existe um obstáculo, não em IR, mas em IC.

Exercício : Considere f(x) definida por

f(x) =∞∑n=0

an(x− x0)n

e suponha que existe R > 0 tal que∑∞

n=0 anRn < ∞. Mostre que f está bem

definida para x ∈]x0 − R, x0 + R[. Mostre que, se definirmos f para z complexopor

f(z) =∞∑n=0

an(z − x0)n ,

f está bem definida BR(x0) = z ∈ IC || z − x0 |< R.

Assim, toda função de variável real que se escreve como soma de uma série depotências de centro x0 se estende a uma vizinhança de x0 no plano complexo.

Exercício : Seja (an)n∈IN uma seqüência de números complexos. Seja

Page 191: Calculo Avancado Felipe

B. FUNÇÕES DE VARIÁVEL COMPLEXA 191

f

zc2

v1

v2

c1

θθ

f ′(z)v1f(c2)

f(c1)

f(z)

f ′(z)v2

R = (lim | an |1n )−1.

Mostre que se z0 ∈ IC então∑∞

n=0 an(z − z0)n converge se | z − z0 |< R e divergese | z − z0 |> R. R é chamado raio de convergência da série. Mostre que sef : BR(z0)→ IC é definida por f(z) =

∑∞n=0 an(z − z0)n, então existe, para todo z

em BR(z0),

f ′(z) = limh→0

f(z + h)− f(z)h

e que f ′(z) =∑∞

n=0 n.an(z − z0)n−1.

Pelo acima exposto, as funções de variável complexa que surgem como extensãonatural de funções de variável real (polinômios, por exemplo, se quisermos ficar noscasos mais simples) são diferenciáveis no sentido complexo.

Definição : Seja Ω ⊂ IC aberto e seja f : Ω → IC. f é dita diferenciável nosentido complexo em z ∈ Ω se existe o limite

f ′(z) = limh→0

f(z + h)− f(z)

h.

Se f ′(z) existe para todo z em Ω, f é dita holomorfa3.

Exercício : Mostre que f é diferenciável no sentido complexo se e só se é diferen-ciável (como função de Ω ⊂ IR2 em IR2) e Df(z) é a composição de uma homotetiapositiva com uma rotação ou Df(z) = 0. Conclua que:

(i) Se f ′(z) 6= 0, então f preserva ângulos entre curvas que

3Diz-se também analítica. O termo “analítica” corresponde à possibilidade de desen-volver f em série de potências. Temos, como conseqüência do Teorema de Cauchy, que asduas noções são equivalentes.

Page 192: Calculo Avancado Felipe

192 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

se cruzam em z.

(ii) Jf (z) ≥ 0.

(iii) Se f(z) = (f1(z), f2(z)) = f1(z) + if2(z), então valem as

Equações de Cauchy–Riemann:

∂f1

∂x1(z) =

∂f2

∂x2(z) ,

∂f1

∂x2(z) = −∂f2

∂x1(z) .

(iv) f é holomorfa com f ′ contínua se e só se f1 e f2 têm derivadas parciais contínuassatisfazendo às equações de Cauchy–Riemann.

Fixemos agora Ω ∈ IC aberto e f : Ω→ IC. Gostaríamos de saber se existe g : Ω→ ICtal que g′ = f . Suporemos que f é holomorfa em Ω.

Ora, a primeira condição para que exista g é, como no caso que nos conduziuao Teorema de Green, que dados A e B em Ω e duas curvas c0, c1 : [0, 1] → Ω,ci(0) = A, ci(1) = 0, tenhamos∫ 1

0f(c0(t))c0(t)dt =

∫ 1

0g′(c0(t))c0(t)dt =

= g(B)− g(A) =∫ 1

0g′(c1(t))c1(t)dt =

=∫ 1

0f(c1(t))c1(t)dt ,

onde as integrais acima têm duas componentes, uma para g1 e outra para g2.

Exercício : Se dx, dy : IR2 → IR são por dx(u, v) = u e dy(u, v) = v, definadz : IC → IC, dz(u + iv) = u + iv = dx(u, v) + idy(u, v). Defina agora a 1–formaf(z)dz : Ω −→ L(IC, IC) por (f(z)dz)(ζ) = f(z)ζ.

Page 193: Calculo Avancado Felipe

B. FUNÇÕES DE VARIÁVEL COMPLEXA 193

Para cada curva parametrizada c : [a, b] → Ω de classe C1, c(t) = (x(t), y(t)),defina ∫

cf(z)dz =

∫ b

af(c(t))c(t)dt =

=∫ b

a(f1(c(t)) + if2(c(t)))(x′(t) + iy′(t))dt =

=∫ b

a(f1(c(t))x′(t)− f2(c(t))y′(t))dt+

+ i

∫ b

a(f2(c(t))x′(t) + f1(c(t))y′(t))dt =

=∫cf1(z)dx− f2(z)dy + i

∫cf2(z)dx + f1(z)dy

Se você entendeu isso, então analise em separado as duas 1–formas

ω1(x, y) = f1(x, y)dx− f2(x, y)dy eω2(x, y) = f2(x, y)dx+ f1(x, y)dy .

Mostre que se c é uma curva fechada em Ω e existe uma homotopia de classe C1

entre c e um ponto de Ω, então decorre do Teorema de Green que∫cf(z)dz = 0

(Teorema de Cauchy-Goursat).

Exercício : Considere a 1–forma 1zdz. Mostre que

1zdz =

xdx+ ydy

x2 + y2+ i−ydx+ xdy

x2 + y2

e conclua que se c é uma curva fechada de classe C1 em IC \ 0, então

12πi

∫c

1zdz = n(c)

Mostre que, sendo z0 ∈ IC fixo,

12πi

∫c

1z − z0

dz = n(c, z0)

Page 194: Calculo Avancado Felipe

194 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

c(t)

z0

c0(t)

Exercício : Fixe z0 ∈ Ω. Considere a 1–forma f(z)z−z0dz. Mostre que se c é uma

curva fechada em Ω \ z0 tal que existe uma homotopia de classe C1 entre c e acurva constante z0, então ∫

c

f(z)z − z0

dz =∫c0

f(z)z − z0

dz ,

onde c0 anda sobre um círculo de raio R, tão pequeno quanto se queira, comn(c0, z0) = n(c, z0).Aproxime, sobre c0, f(z) por f(z0) + f ′(z0)(z − z0) e conclua que

n(c, z0)f(z0) =1

2πi

∫c

f(z)z− z0

dz

(Fórmula Integral de Cauchy).

Exercício : Considere, na fórmula acima, que c é um círculo (dando uma voltano sentido positivo) de raio R tal que BR(z0) ⊂ Ω.Observe que

f(z) =1

2πi

∫c

f(ξ)ξ − z

dξ ∀z ∈ BR(z0)

Escreva

1ξ − z

=1

(ξ − z0)− (z − z0)=

1ξ − z0

11− z−z0

ξ−z0=∞∑n=0

(z − z0)n

(ξ − z0)n+1

Page 195: Calculo Avancado Felipe

C. O TEOREMA DE BROUWER 195

C

z

z0

ξ

e conclua que, para z ∈ BR(z0), vale

f(z) =∞∑n=0

an(z − z0)n , onde

an =1

2πi

∫c

f(ξ)(ξ − z0)n+1

dz

Isto prova

Teorema de Cauchy : Se f : Ω → IC é holomorfa , então f é analítica, isto é,se escreve como soma de uma série de potências em torno de cada ponto de Ω. Emparticular, f é de classe C∞.

c O Teorema de Brouwer

Vimos na Introdução uma demonstração do Teorema Fundamental da Álgebra ba-seada na forma dθ. Vamos aqui obter um resultado um pouco mais geral, que jáestava, essencialmente, contido naquela demonstração.

Page 196: Calculo Avancado Felipe

196 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

S

(0, 0)

B ϕ(B)ϕ

Consideremos B = (x, y) ∈ IR2, x2 + y2 ≤ 1. B pode ser pensado como umaunião de círculos concêntricos de centro em (0, 0). Neste sentido, toda aplicaçãocontínua ϕ : B → IR2 dá origem a uma homotopia entre ϕ(0, 0) e ϕ(S), sendoS = (x, y) ∈ IR2, x2 + y2 = 1.

É razoável supor, portanto, que se ϕ(S) “envolve” um ponto P de IR2, então existeQ em B tal que ϕ(Q) = P . “Envolve”, no caso, significa: se c : [0, 1]→ IR2 é dadapor c(t) = ϕ(cos2πt, sen2πt), então n(c, P ) 6= 0.

Exercício: Seja ϕ : B → IR2 de classe C1. Seja P ∈ IR2 \ϕ(S). Seja c : [0, 1]→ IR2

dada por c(t) = ϕ(cos2πt, sen2πt). Mostre que se n(c, P ) 6= 0, então existe Q ∈ Btal que ϕ(Q) = B.

Exercício: Exiba ϕ e P como acima de modo que n(c, P ) = 0 mas exista Q ∈ Bcom ϕ(Q) = P . O que está acontecendo ? Entenda que se P /∈ ϕ(S) então devemosesperar que ϕ−1(P ) tenha, em geral, | n(c, P ) | pontos.

Exercício: Prove o Teorema Fundamental da Álgebra.

Esperemos que já esteja clara a idéia básica: não é possível deformar uma curva c0

em uma curva c1, sem passar pelo ponto P , se n(c0, P ) 6= n(c1, P ), isto é,

se ϕ : [0, 1] × [0, 1] → IR2 de classe C1 e definimos cs : [0, 1] → IR2 por cs(t) =ϕ(s, t), sendo que cs(0) = cs(1)∀s ∈ [0, 1], então, se n(c0, P ) 6= n(c1, P ), existe(s0, t0) ∈ [0, 1]× [0, 1] tal que ϕ(s0, t0) = P .

Exercício: Prove isto.

Exercício: Seja ϕ : B → S tal que ϕ(x) = x ∀x ∈ S, ϕ de classe C1. Mostre queϕ não existe.

Page 197: Calculo Avancado Felipe

C. O TEOREMA DE BROUWER 197

P

c0

n(c0, P ) = 1

n(c1, P ) = −1

c1

Exercício: Seja ϕ : B → B de classe C1. Suponha que ϕ não tem ponto fixo (istoé, ∃/ x ∈ B tal que ϕ(x) = x). Construa ψ : B → S assim: ψ(x) é a interseção com

S da semi-reta−→ϕ(x)x. Mostre que ψ é de classe C1. Conclua que se ϕ : B → B é

de classe C1 então ϕ tem ponto fixo.

Teorema de Brouwer: Se ϕ : B → B é contínua, então ϕ tem ponto fixo.

Demonstração : Estenda ϕ a IR2 de forma contínua fazendo

ϕ(x) = ϕ

(x

| x |

).

Agora aproxime ϕ em IR2 por uma seqüência (ϕn) de funções de classe C1 con-vergindo uniformemente em B para ϕ. Para cada n, seja (xn) ponto fixo de ϕn.Tome subseqüência de (xn) convergindo para x ∈ B e mostre que ϕ(x) = x.

Definição : Sejam c0, c1 : [a, b] → Ω contínuas e tais que c0(a) = c0(b), c1(a) =c1(b). Uma homotopia entre c0 E c1 é uma aplicação ϕ : [0, 1] × [a, b] → Ωcontínua, com ϕ(0, t) ≡ c0(t) ϕ(1, t) ≡ c1(t) e ϕ(s, a) ≡ ϕ(s, b) 4.

Problema: Sejam c0, c1 : [a, b]→ IR2−0 curvas fechadas de classe C1. É verdadeque se n(c0) = n(c1) então existe homotopia de classe C1 entre c0 e c1 ? SejamP1, . . . , Pn pontos de IR2, c0, c1 : [a, b] → IR2 − P1, . . . , Pn. Sob que condiçõespodemos garantir que existe homotopia entre c0 e c1 em IR2 − P1, . . . , Pn ?Exercício: Use a forma de ângulo sólido para provar o Teorema de Brouwer emdimensão três.

4Mais precisamente, ϕ é chamada de homotopia de curvas fechadas

Page 198: Calculo Avancado Felipe

198 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

d Algumas Questões Topológicas

Já vimos que uma 1-forma (ou um campo de vetores) pode ser pensada como umaaplicação que a cada curva associa um número. Tentemos ser um pouco maisrigorosos. Para simplificar a vida, consideremos apenas curvas fechadas.

Exercício: Seja E = c : [0, 1] → IRN , c de classe C1 e tal que c(0) = c(1).Mostre que E é um espaço vetorial. Mostre que ‖ ‖0: E → IR dada por ‖ c ‖0=max| c(t) |, t ∈ [0, 1] é uma norma. Mostre ‖ c ‖1= max| c(t) |, t ∈ [0, 1] +max| c′(t) |, t ∈ [0, 1] também é uma norma .

Sendo o espaço E definido acima um espaço vetorial normado, podemos aplicar aE técnicas do Cálculo Diferencial. Em particular, se f : E → IR é diferenciável ef ′ ≡ 0, então, pelo Teorema do Valor Médio, f é constante.

Seja F um campo de vetores em IR2 e seja E como acima, com N = 2. Sejaf : E → IR dada por

f(c) =∫cF

Não vamos nos preocupar com demonstrações, por ora, mas é evidente que f ′ estádiretamente relacionada com dF (o próprio processo que nos levou a “inventar” dFconsistia em derivar f).De fato, já que f(0) = 0, segue do Teorema de Green que, se dF ≡ 0, entãof ≡ 0. Observe que a demonstração disto consiste em considerar c ∈ E e fazeruma deformação de c em 0. Ora, uma deformação (homotopia) de c em 0 nadamais é do que um caminho em E !

Considere agora Ω = c : [0, 1] → IR2 − (0, 0), c de classe C2 e tal que c(0) =c(1).

Exercício: Mostre que Ω é um aberto em E (com qualquer uma das normasdefinidas acima).

Coloquemo-nos agora a seguinte questão: Ω é conexo ? Embora estejamos emcondições de justificar rigorosamente nossa resposta usando o Teorema de Green e aforma dθ, a explicação intuitiva parece suficientemente convincente: Ω não é conexo

Page 199: Calculo Avancado Felipe

D. ALGUMAS QUESTÕES TOPOLÓGICAS 199

c

sc

Figura 15.1: α : [0, 1]→ E leva s em sc, onde (sc)(t) = s(c(t))

(0, 0)

Page 200: Calculo Avancado Felipe

200 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

porque não há como deformar (dentro de Ω) uma curva fechada “envolvendo” (0, 0)em outra que não “envolva” (0, 0)Nova questão: quantas são as componentes conexas 5 de Ω ?

Mais uma vez vamos recorrer à intuição. Existe claramente uma componenteconexa que é formada pelas curvas fechadas em IR2 \ (0, 0) que não envolvem aorigem. Consideremos agora duas curvas c1 e c2 com índices diferentes em relaçãoà origem (isto é, o número de voltas que c1 dá em torno de (0, 0) é diferente donúmero de voltas que c2 dá em torno de (0, 0)). Podem c1 e c2 pertencer à mesmacomponente conexa de Ω ? Intuitivamente é claro que não. Não é difícil acreditar,também, que cada componente conexa de Ω corresponde a um número de voltasem torno de (0, 0), isto é :

Ω =⋃i∈ZZ

Ωi , Ωi = c ∈ Ω, n(c, 0) = i

Seja agora f : Ω → IR diferenciável e suponhamos que f ′ ≡ 0. Como Ω não éconexo, não podemos garantir que f seja constante sobre Ω, mas apenas que f éconstante sobre cada Ωi.

Exercício: Seja F : IR2 \ (0, 0) → IR de classe C1 e tal que dF ≡ 0. Sejaf : Ω→ IR dada por f(c) =

∫c F . Mostre que f é constante sobre cada componente

conexa de Ω.

Exercício: Estude o seguinte caso: Sejam P1, . . . , Pn ∈ IR2 e seja Ω(P1, . . . , Pn) =c : [0, 1]→ IR2 \ P1, . . . , Pn, c de classe C1 e tal que c(0) = c(1). Como são ascomponentes conexas de Ω(P1, . . . , Pn) ?Sugestão : estude π : Ω(P1, . . . , Pn)→ ZZn dada por π(c) = (n(c, P1), . . . , n(c, Pn)).

Consideremos agora o caso tri-dimensional. Seja

E = c : [0, 1]→ IR3, c de classe C1 e com c(0) = c(1)

Seja Ω = c ∈ E, c(t) 6= (0, 0, 0) ∀t ∈ [0, 1]

Exercício: Observe que Ω é conexo. Conclua que se F : IR3 \ (0, 0, 0)→ IR3 é talque ∇× F = 0, então existe f : IR3 \ (0, 0, 0)→ IR com ∇f = F

5Entenda-se, aqui, conexa por conexa por caminhos: conseqüentemente, dois elemen-tos c1 e c2 de Ω estão na mesma componente conexa (por caminhos) se existe umahomotopia de caminhos fechados em Ω entre c1 e c2

Page 201: Calculo Avancado Felipe

D. ALGUMAS QUESTÕES TOPOLÓGICAS 201

Exercício: Seja agora Ω = c = (c1, c2, c3) ∈ E, c21(t) + c2

2(t) 6= 0,∀t ∈ [0, 1]. Ω éconexo ? Seja F dado por F (x, y, z) =

(−y

x2+y2 ,x

x2+y2 , 0). Mostre que ∇× F = 0

mas f : Ω→ IR dada por f(c) =∫c F não é constante.

Os exercícios acima mostram que, do ponto de vista das integrais de linha, IR3 não“sente” a retirada de um ponto, mas “sente” a retirada de uma reta.

Exercício: Seja A ⊂ IR3 um aberto. Seja Ω = c ∈ E, c(t) ∈ A ∀t ∈ [0, 1]. Mostreque Ω é aberto em E. Tente entender como deve ser A para que Ω seja conexo.Estude os seguintes casos e procure ver, em cada um, quantas componentes conexastem Ω :

(i) A = IR3 \X, X = segmento de reta(ii) A = IR3 \X, X = semi reta(iii) A = IR3 \X, X = curva fechada simples(iv) A = bola(v) A = interior de um toro(vi) A = x ∈ IR3, | x |> 1(vii) A = exterior de um toro(viii) A = IR3 \ (∪ni=1ri), onde cada ri é uma reta(ix) A = IR3 \ (∪ni=1ci), onde cada ci é uma curva fechada simples

Estude as semelhanças e diferenças entre os diversos exemplos acima.

Deixemos de lado as curvas, já que estas não “sentem” a ausência de um ponto deIR3. O mesmo não se pode dizer das superfícies fechadas (certamente não se podedeformar S2 = x ∈ IR3, | x |= 1 em um ponto sem passar por (0, 0, 0)).

Para falar em superfícies parametrizadas fechadas usaremos de um pequeno artifí-cio. Seja

σ : [0, 1]× [0, 1] −→ IR3

(s, t) 7−→ (senπtcos2πs, senπtsen2πs, cosπt)

Isto é, σ é a parametrização usual de S2 em coordenadas esféricas.

Considere agoraE = ϕ : S2 −→ IR3, ϕ de classe C1

(lembremos que se X ⊂ IRN ; ϕ : X → IRM de classe Ck significa que existem Aaberto em IRN com X⊂A e ψ : A→IRM de classe Ck com ψ(x)=ϕ(x)∀x ∈ X).

Page 202: Calculo Avancado Felipe

202 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

Exercício: Mostre que E é um espaço vetorial normado, por exemplo com a norma‖ ϕ ‖= maxx∈S2 | ϕ(x) | + maxx∈S2 | ϕ′(x) |.

Seja Ω = ϕ ∈ E,ϕ(x) 6= (0, 0, 0)∀x ∈ S2

Exercício: Mostre que Ω é aberto. Entenda que Ω não é conexo. Considere ϕn :S2 → IR3 dada para n ∈ ZZ, por

ϕn(x, y, h) =

(|z|

(z|z|

)n, h), se z 6= 0

(0, h), se z = 0 ,

onde estamos identificando (x, y) ∈ IR2 com z ∈ C.

Mostre que se n 6= m, então ϕn e ϕm estão em componentes conexas distintas deΩ.

Exercício: Seja F dado em IR3 \ (0, 0, 0) por F = ~rr3 . Seja f : Ω → IR dada

por f(ϕ) =∫ϕσ F (σ foi definida logo acima). Mostre que f(ϕn) = 4πn, ϕn

como definida no exercício anterior. Compare com o que foi feito para 1-formas emIR2 \ (0, 0).

Mais Exercício: (i) Considere uma 1-forma ω em IR2 \ (0, 0) com dω = 0. Jávimos que

∫c ω deve ser constante em cada componente conexa de

Ω = c : [0, 1]→ IR2 \ (0, 0), c(0) = c(1), c de classe C1.

Na realidade, porém,∫c ω não pode tomar quaisquer valores. Mostre que se cn(t) =

(cos2πnt, sen2πnt), então∫cnω = n

∫c1ω. Considere dθ(x, y) = −y

x2+y2dx+ xx2+y2dy.

Seja α = 12π

∫c1ω. Mostre que

∫c ω = α

∫c dθ ∀c ∈ Ω.

Conclua que existe f : IR2 \ (0, 0) → IR tal que ω = αdθ + df , onde df =∂f∂xdx+ ∂f

∂y dy.

(ii) Uma 1-forma ω é dita exata se existir f tal que ω = df , fechada se dω = 0.Seja Z1(A)=1-formas fechadas de classe C1 em A, A aberto conexo de IR2. SejaB1(A) = 1-formas exatas de classe C1 em A. Mostre que B1(A) é um sub-espaçovetorial de Z1(A). Mostre que se A = IR2, então Z1(A) = B1(A). Como deve serA para que Z1(A) = B1(A)? Se Z1(A) = B1(A), diz-se que A é simplesmenteconexo. Mostre que se A = IR2\(0, 0), então Z1(A) 6= B1(A). De maneira geral,dado A, seja H1(A) = Z1(A)/B1(A) (H1(A) é o espaço quociente de Z1(A) porB1(A)). Observe que o exercício (i) leva à conclusão seguinte: se A = IR2\(0, 0),

Page 203: Calculo Avancado Felipe

D. ALGUMAS QUESTÕES TOPOLÓGICAS 203

então H1(A) é de dimensão 1. Entenda que a dimensão de H1(A) é igual ao“número de buracos” de A. Mostre que A é simplesmente conexo se e somente seΩ = c : [0, 1] → A, c de classe C1, c(0) = c(1) é conexo. Duas formas fechadasω1 e ω2 tais que ω1 − ω2 é exata são ditas cohomólogas; para cada ω em Z1(A),sua classe de cohomologia é dada por ω +B1(A)

(iii) Seja A um aberto conexo em IR2. Seja Ω = c : [0, 1] → A, c de classe C1,c(0) = c(1). Seja ω = F1dx1 +F2dx2 1-forma de classe C1 em A. Seja f : Ω→ IRdada por f(c) =

∫c ω. Mostre que f é diferenciável e que

f ′(c)h =∫ 1

0

(∂F2

∂x1− ∂F1

∂x2

)(c(t))

[h1(t)c′2(t)− h2(t)c′1(t)

]dt

(isto significa provar o seguinte: Ω é um aberto do espaço E = c : [0, 1] → IR2,c de classe C1, c(0) = c(1) e para cada c ∈ ω a aplicação f ′(c) : E → IR definidaacima é linear e contínua e tal que limh→0

f(c+h)−f(c)−f ′(c)h‖h‖ = 0 – considere em E

a norma ‖ c ‖1 = maxt∈[0,1] | c(t) | + maxt∈[0,1] | c′(t) |). Mostre que f ′ é contínua.bs

Considere agora dois elementos c0 e c1 de Ω (c0 e c1 são , lembre-se, duas cur-vas). Uma homotopia entre c0 e c1 é uma aplicação contínua H : [0, 1] → Ω,com H(0) = c0 H(1) = c1 (observe que nem sempre, dependendo de A, existemhomotopias entre dois elementos quaisquer de Ω). Seja agora H : [0, 1] → Ω umahomotopia entre c0 e c1 e suponha que H seja de classe C1 (isto é, para todos ∈ [0, 1] existe H ′(s) = limh→0

1h(H(s + h) − H(s)), onde o limite é referente à

norma ‖ ‖, definida acima). Observe que temos, pelo Teorema Fundamental doCálculo,

f(c1)− f(c0) = f(H(1))− f(H(0)) =∫ 1

0

d

ds(f H)(s)ds

Seja ϕ : [0, 1]× [0, 1]→ A de classe C1, com ϕ(s, 0) ≡ ϕ(s, 1). Seja H : [0, 1]→ Ωdada por H(s)(t) = ϕ(s, t). Mostre que H é uma homotopia de classe C1. Concluaque vale o Teorema de Green: ∫

∂ϕω =

∫ϕdω

Observe que o mesmo resultado, com a mesma demonstração, vale em IR3 para oTeorema de Kelvin.

Page 204: Calculo Avancado Felipe

204 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

(iv) Seja A um aberto conexo em IR3. Seja Ω = c : [0, 1] → A, c de classe C1,c(0) = c(1). Seja E = c : [0, 1] → IR3, c de classe C1, c(0) = c(1). Considereem E as normas ‖ c ‖0= maxt∈[0,1] | c(t) |, ‖ c ‖1= maxt∈[0,1] | c(t) | + maxt∈[0,1] |c′(t) |. Mostre que Ω é aberto em E com qualquer uma das duas normas. Umahomotopia H em Ω é dita C1 por partes se existem a0, . . . , an com 0 = a < a1 <· · · < an = 1 tais que H é de classe C1 em cada intervalo [ai, ai+1] (com a norma‖ ‖1). Mostre que o resultado do problema (iii) vale também para H C1 por partes.Para cada c em Ω, seja Ωc = d ∈ Ω, existe H homotopia C1 por partes entre ce d. Mostre que para todo c em Ω existe ε < 0 tal que d ∈ E, ‖ d − c ‖0< ε⊂ Ωc (Ωc é dita componente conexa de c por arcos seccionalmente C1). Sejaagora E0 = c : [0, 1] → IR3, c contínua, c(0) = c(1). Considere em E0 a norma‖ ‖0. Observe que E ⊂ E0. Mostre que E é denso em E0 (vale qualquer resultadode aproximação de funções C0 por funções C1). Seja Ω0 = c ∈ E0, c(t) ∈ A ∀t.Mostre que se c ∈ Ω0, então existe ε < 0 tal que se c1, c2 ∈ E, ‖ c1 − c ‖0< ε,‖ c2 − c ‖0< ε, tem-se que c1, c2 estão em Ω e na mesma componente conexa.Conclua que se F : A → IR3 é de classe C1 e ∇ × F = 0, então podemos definir,para c em Ω0, ∫

cF = lim

‖c1−c‖0→0c1∈Ω

∫c1

F

Mostre que∫c F é constante em cada componente conexa por caminhos de Ω0.

Observe que o mesmo pode ser feito em IR2 e conclua que faz sentido falar emíndice de uma curva c em relação a um ponto mesmo quando c é apenas contínua.

(v) Considere um aberto conexo A de IR2. Seja E0 = c : [0, 1]→ IR2, c contínua,c(0) = c(1), com a norma ‖ ‖0 usual. Seja Ω = c ∈ E, c(t) ∈ A ∀t. Para cadac em Ω, sua componente conexa (por arcos) é dada por Ωc = d ∈ Ω, existehomotopia entre c e d. A é dito simplesmente conexo se Ω tem uma só com-ponente conexa (isto é, se quaisquer duas curvas fechadas em A são homotópicas).Mostre que esta definição coincide com a do exercício (ii) acima. É verdade queo número de componentes conexas de Ω é igual à dimensão de H1(A) definida noexercício (ii)?

e Homologia × HomotopiaContinuemos trabalhando em um aberto A ⊂ IR2 (ou IR3). Nas questões topológi-cas que acabamos de discutir, a idéia básica era observar que o conjunto das curvasfechadas em A é dividido em componentes conexas (por arcos), chamadas classesde homotopia.

Page 205: Calculo Avancado Felipe

E. HOMOLOGIA × HOMOTOPIA 205

A2A1

Q

P

Figura 15.2: homotopia de extremidades fixas e homotopia de curvas fechadas

A ideia de homotopia, na verdade, está presente em nossos estudos desde a de-dução do Teorema de Kelvin/Green. Temos, desde então, utilizado deformações decurvas em outras curvas, como na figura (usualmente distinguimos dois casos: ho-motopia de extremidades fixas e homotopia de curvas fechadas; no primeiro, temosH : [0, 1] × [a, b] → A contínua, com H(s, a) ≡ P , H(s, b) ≡ Q, com P e Q fixos;no segundo, H : [0, 1]× [a, b]→ A contínua é tal que H(s, a) ≡ H(s, b)).O Teorema de Kelvin, assim como o de Green, se aplica a situações em que umasimples homotopia não dá conta do recado. Um exemplo instrutivo é o seguinte,em que o aberto considerado é IR2 \ P1, P2:A definição de bordo é um outro exemplo em que as coisas ficam mais simples seconsiderarmos várias curvas juntas como uma coisa só.Não é difícil considerar várias curvas como um só objeto. Dadas as curvas c1 e c2,esse objeto pode ser definido formalmente (ou informalmente, diriam alguns) comosendo c1+c2. Considerando ainda que freqüentemente somos obrigados a inverter osentido d uma curva c, tal operação deveria ter como resultado um objeto designadopor −c. Da mesma forma, nc, onde n é um número inteiro, deve significar que acurva c deve ser contada n vezes (se n é negativo temos (−n) vezes −c; se n = 0isto significa que c “não conta”)

Page 206: Calculo Avancado Felipe

206 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

c c

c1c1 c2

c2

d1

d2

Figura 15.3: Não há como deformar c em "c1 e c2 juntas", mas, se fizermosuma “ligação”entre c1 e c2, podemos deformar c em "c1, d2, c2 e d1 juntas"

ϕ

Page 207: Calculo Avancado Felipe

E. HOMOLOGIA × HOMOTOPIA 207

Como já vimos, uma 1-cadeia de classe Cr em A é uma soma formal

c = n1c1 + n2c2 + . . .+ nkck ,

onde c1, c2, . . . , ck são curvas de classe Cr e n1, n2, . . . , nk são inteiros.

Exercício: Mostre que as cadeias c0 e c1 dadas, respectivamente por c0 : [0, 1] →IR2, c0(t) = (cos(4πt), sin(4πt)), c1 = 2α, α : [0, 2π] → IR2, α(t) = (cos t, sin t)são diferentes mas, para toda 1-forma ω de classe C0, se tem

∫c0ω =

∫c1ω.

O exercício acima mostra, claramente, que nossa definição tem um defeito: as1-cadeias c1 e c0 deveriam ser consideradas iguais.

Definição : Duas 1-cadeias c1 e c2 em A são equivalentes se∫c1

ω =∫c2

ω

para toda 1-forma C0 ω em A.

Exercício: Certifique-se de que entendeu a definição de equivalência acima. Vocêpoderia dar uma definição mais elementar para a mesma idéia? Se c1 e c2 são duascurvas, quando podemos garantir que c1 ≡ c2?

Analogamente, uma cadeia bi-dimensional ou 2-cadeia de classe Cr em A éuma soma formal

ϕ = n1ϕ1 + · · ·+ nkϕk,

onde n1, . . . , nk ∈ Z e ϕ1 : [a11, b11]×[a21, b21]→ A, . . . , ϕk : [a1k, b1k]×[a2k, b2k]→A são superfícies de classe Cr. Como no caso de dimensão 1, duas cadeias ϕ1 e ϕ2

são consideradas equivalentes se∫ϕ1

ω =∫ϕ2

ω

para toda 2-forma C0 ω em A.

Cadeias podem ser somadas e multiplicadas por números inteiros da maneira ób-via (o conjunto das 1-cadeias em A, munido de tais operações, constitui o quechamamos um módulo sobre Z – o mesmo vale para as 2-cadeias).

Page 208: Calculo Avancado Felipe

208 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

Se c = n1c1 + · · ·+ nkck é uma 1-cadeia de classe C1 e ω é 1-forma C0, ambas emA, definimos ∫

cω = n1

∫c1

ω + · · ·+ nk

∫ck

ω ,

definição análoga valendo para 2-cadeias e 2-formas (para quem gosta, vale a obser-vação de que

∫ω é um homomorfismo de módulos entre as 1-cadeias – analoga-

mente para 2-cadeias – e IR).

Observe agora que se ϕ : [a1, b1]× [a2, b2]→ A é uma superfície, então seu bordoé a cadeia ∂ϕ definida por

∂ϕ = ϕ20 + ϕ11 − ϕ21 − ϕ10

onde ϕ20(s) = ϕ(s, a2), ϕ11(t) = ϕ(b1, t), ϕ21(s) = ϕ(s, b2), ϕ10(t) = ϕ(a1, t)

Podemos então, se ϕ = n1ϕ1 + · · ·+ nkϕk é uma 2-cadeia, definir seu bordo por

∂ϕ = n1∂ϕ1 + · · ·+ nk∂ϕk

Recordemos que, com as definições acima, o Teorema de Kelvin se estende a cadeiascom o seguinte enunciado:

Teorema de Kelvin: Seja A ⊂ IR3 um aberto. Se ϕ é uma 2-cadeia de classe C1

em A e ω é uma 1-forma de classe C1 em A, então∫∂ϕω =

∫ϕdω

Podemos agora introduzir o conceito de homologia entre cadeias, que generalizao de homotopia entre curvas:HOMOLOGIA: a curva c é homóloga à soma c1 + c2 + c3, porque existe umasuperfície ϕ tal que c− (c1 + c2 + c3) = ∂ϕ. Pelo Teorema de Kelvin, teremos, parauma 1-forma ω,

∫c ω −

∫c1+c2+c3

ω =∫ϕ dω. Em particular, se dω = 0, teremos∫

c ω =∫ϕ ω.

Definição : Duas 1- cadeias c e d de classe Cr em A são ditas Cr-homólogas emA (quando não houver dúvidas quanto a A diremos simplesmente homólogas) seexiste uma 2-cadeia ϕ em A de classe Cr tal que c− d = ∂ϕ. Notação: c ∼ d.Observação : Para efeitos de homologia, consideramos iguais duas cadeias equi-valentes no sentido anteriormente definido (c1 ≡ c2 ⇔

∫c1ω =

∫c2ω∀ω contínua em

A)

Page 209: Calculo Avancado Felipe

E. HOMOLOGIA × HOMOTOPIA 209

c

c3c2c1

c1

c2

p2

c

p1

Exercício: Mostre que a homologia é uma relação de equivalência.

Exercício: Para cada n ∈ Z, seja cn; [0, 1] → IR2 \ (0, 0) dada por cn(t) =(cos2πnt, sen2πnt). Mostre que c2 ≡ 2c1 em IR2 \ (0, 0), no sentido anteri-ormente definido (

∫c2ω =

∫2c1

ω∀ω contínua em IR2 \ (0, 0)). É verdade quecn ≡ −c−n∀n ∈ Z ? É verdade quen∑

i=−nαici ≡

n∑i=−n

βicise e só sen∑

i=−niαi =

n∑i=−n

iβi ?

Exercício:(ı)Na figura abaixo, mostre que c ∼ (c1 + c2) no aberto constituído pelo planomenos os pontos P1 e P2.(ıı)E na figura seguinte?

Page 210: Calculo Avancado Felipe

210 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

c1

c

p1

c2

p2

Como ainda não falamos em bordo de 1-cadeias, falemos agora. O bordo de uma1-cadeia deve ser constituído de pontos. O natural é, então, definir 0-cadeias (que,para não complicar demais, formaremos através de pontos). Como já vimos, uma0-cadeia é uma soma formal

P = n1P1 + · · ·+ nkPk ,

onde n1, . . . , nk ∈ Z, P1, . . . , Pk ∈ A.

Observação: Recordemos que a “multiplicação” de n ∈ Z por P ∈ A é formal, enada tem a ver com a do escalar n ∈ IR pelo vetor P . Como de hábito, se n = 0,nP será considerado nulo.

Se c : [a, b]→ A é uma curva, seu bordo é definido por

∂c = c(b)− c(a)

Se c = n1c1 + · · ·+ nkck é 1-cadeia, seu bordo é

∂c = n1∂c1 + · · ·+ nk∂ck

O bordo de uma 0-cadeia será sempre o número 0, por definição.

Podemos agora introduzir o conceito análogo ao de curva (superfície) fechada:

Definição : Uma cadeia é dita fechada se seu bordo é nulo. Uma 1-cadeia fechadaé também dita um ciclo.

Exercício: Pare e pense. Tente desenhar uma cadeia que seja “geometricamentefechada” e não seja fechada pela definição acima e vice-versa. Pelo amor de Deus,não consiga !

Page 211: Calculo Avancado Felipe

E. HOMOLOGIA × HOMOTOPIA 211

Exercício IMPORTANTE: Seja ϕ uma 2-cadeia. Mostre que seu bordo é uma cadeiafechada (observe que basta provar para uma superfície). Entenda o seguinte : seA ⊂ IR2 não tem buracos, então toda 1-cadeia fechada em A deve ser bordo deuma 2-cadeia.

Definição : Uma 1-cadeia c é dita exata (em A) se existe uma 2-cadeia ϕ em Atal que ∂ϕ = c.

Exercício: Diga que um aberto A é simplesmente conexo se toda 1-cadeiafechada em A é exata. Entenda que essa nova definição coincide com as ante-riores.

Exercício: Seja A um aberto conexo (em IR2 ou IR3, mas podia ser em qualquerlugar). Sejam Z1(A) = 1− cadeias fechadas em A, B1(A) = 1− cadeiasexatas em A. Mostre que B1(A) é um subgrupo de Z1(A) e que o grupo quocienteZ1(A)/B1(A) é formado pelas classes de equivalência de Z1(A) pela homologia.H1(A) = Z1(A)/B1(A) é chamado primeiro grupo de homologia de A (paraquem gosta: o posto de H1(A), isto é, o número mínimo de geradores de H1(A),é chamado primeiro número de Betti de A; mostre que se A ⊂ IR2, “primeironúmero de Betti de A” é uma forma sofisticada de dizer “número de buracos deA”).

Exercício: Só para ir pensando. Considere, dado um aberto A ⊂ IR3, os seguintesconjuntos

Ark(A) = k − formas de classe Cr em A, k = 0, 1, 2Crk(A) = k − cadeias de classe Cr em A, k = 0, 1, 2

e as aplicações

〈 , 〉 : C1k(A)×A0

k(A) −→ IR , k = 1, 2(c, ω) 7−→ 〈c, ω〉 =

∫c ω ,

d : Ark(A) −→ Ar−1k+1(A) , k = 0, 1

ω 7−→ dω

∂ : Crk(A) −→ Crk−1(A) , k = 1, 2c 7−→ ∂c

(ı) Observe que 〈 , 〉 é “bilinear” isto é

〈nc1 + c2, ω〉 = n〈c1, ω〉+ 〈c2, ω〉∀n ∈ ZZ, c1, c2 ∈ C1k(A), ω ∈ A0

k(A);〈c, λω1 + ω2〉 = λ〈c, ω1〉+ 〈c, ω2〉∀λ ∈ IR, c ∈ C1

k(A), ω1, ω2 ∈ A0k(A).

Page 212: Calculo Avancado Felipe

212 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

(note que poderíamos ter usado números reais no lugar de inteiros na definição decadeia).

(ıı) Observe que o Teorema de Kelvin afirma que d e ∂ são duais:

〈∂c, ω〉 = 〈c, dω〉∀c ∈ C11(A), ω ∈ A1

1(A).

(note que tanto ∂ como d são homomorfismos).

(ııı) Observe as seqüências

A20(A) d−→ A1

1(A) d−→ A02(A)

C10(A) ∂←− C1

1(A) ∂←− C12(A)

e note que a imagem de A20(A) por d é constituída pelas formas exatas e está con-

tida no núcleo de d : A11(A)→ A0

2(A) (que é constituído pelas formas fechadas).O grupo quociente d−1(0)/d(A2

0(A)) (isto é, o grupo formado pelas classes deequivalência de formas fechadas por ω1 ≡ ω2 ⇔ ∃η | dη = ω1 − ω2) é chamadoprimeiro grupo de cohomologia de A. O grupo quociente ∂−1(0)/∂(C2

2(A))(isto é, o grupo formado pelas classes de equivalência de cadeias fechadas porc1 ∼ c2 ⇔ ∃c | ∂c = c1 − c2) é, como vimos, chamado primeiro grupo dehomologia de A6.

Problema: Os dois grupos acima definido são isomorfos ?

f O Operador de Laplace

Consideremos uma função u : [0,∞[×A → IR, onde A é um aberto de IR3. Penseu(t, x) como representando a temperatura de x no tempo t, ou algum tipo de

6Há aqui uma assimetria que tira um pouco da elegância da formulação. Na realidade,o que importa não é a diferenciabilidade das formas, mas sua derivabilidade. De fato, sea forma ω tem derivada exterior dω, dω é automaticamente derivável, com derivada nula.Assim, é possível trabalhar com algo do gênero

A10(A) d−→ A1

1(A) d−→ A12(A)

C10(A) ∂←− C11(A) ∂←− C12(A)

Page 213: Calculo Avancado Felipe

F. O OPERADOR DE LAPLACE 213

x

0

S2

~n

x+ r~n

concentração em x no tempo t. A propriedade que nos interessa aqui é a seguinte:fixado x, u(t, x) tende a variar, quando t aumenta, em função da diferença entreseus valores em x e nos pontos vizinhos a x. Podemos imaginar que u tenda aaumentar se seu valor em x no tempo t é menor que a média de seus valores nospontos vizinhos a x no tempo t (da mesma forma, u tende a diminuir se seu valorem x é maior do que sua média nos pontos vizinhos). A idéia é que os valores deu se redistribuam de forma a amenizar as diferenças.

Vamos então fixar o tempo t e esquecê-lo. Considere A⊂IR3 aberto e u :A→ IRde classe C2 (já veremos por quê). Fixemos ainda x ∈ A e R > 0 tal que BR(x)=y ∈ IR3, | y−x |<R⊂A. Para cada r ∈]0, R[, seja Sr(x)=y ∈ IR3, | y−x |= r.Vamos calcular a média de u sobre Sr(x). Seja m : [0, R[→ IR dada por

m(r) = 14πr2

∫Sr(x) udS , r > 0 ,

m(0) = u(x)

Exercício : Mostre que m é contínua em 0.

Para entender a diferença entre u(x) = m(0) e a média de u nos pontos vizinhosa x, seria conveniente calcular m′. Ora, lembrando que S2 = ~n ∈ IR3, | ~n |= 1,temos a mudança de variáveis

S2 −→ Sr(x)~n 7−→ x+ r~n .

Page 214: Calculo Avancado Felipe

214 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

Podemos então escrever, observando que o “jacobiano” desta transformação é r2,

m(r) =1

4πr2

∫S2

u(x+ r~n)r2dS =1

∫S2

u(x+ r~n)dS .

Agora é fácil derivar:

m′(r) =1

∫S2

∇u(x+ r~n) · ~ndS .

Fica melhor se retornarmos a Sr(x):

m′(r) =1

4πr2

∫S2

∇u(x+ r~n).~nr2dS =1

4πr2

∫Sr(x)

∇u. ~dS ,

ou seja, m′(r) tem a ver com o fluxo do gradiente de u através de Sr(x). Aplicandoo Teorema da Divergência, vem:

m′(r) =1

4πr2

∫Br(x)

∇.(∇u) .

Ora, considerando que o que mais nos interessa, a princípio, é o sinal de m′(r), valea pena investigar o sinal de ∇.(∇u).

Definição : O operador ∆ = ∇.∇ (também notado ∇2), que a cada função u declasse C2 associa ∆u definida por

∆u(x) = ∇.(∇u)(x) =(∂2u

∂x21

+∂2u

∂x22

+∂2u

∂x23

)(x)

é chamado operador de Laplace ou laplaciano.

Das considerações que precedem segue:

Propriedade da média: Sejam A ⊂ IR3 um aberto e u : A → IR de classe C2.Então

(i) Se ∆u(y) ≥ 0 para todo y em A, vale

u(x) ≤ 14πr2

∫Sr(x)

udS

Page 215: Calculo Avancado Felipe

F. O OPERADOR DE LAPLACE 215

para todo x em A e todo r positivo com Br(x) ⊂ A. Neste caso, u é dita sub-harmônica.

(ii) Se ∆u(y) ≤ 0 para todo y em A, vale

u(x) ≥ 14πr2

∫Sr(x)

udS

para todo x em A e todo r positivo com Br(x) ⊂ A. Neste caso, u é dita superharmônica.

Em particular, se ∆u(y) ≡ 0 em A, temos, para x e r como acima,

u(x) =1

4πr2

∫Sr(x)

udS ,

ou também, integrando em r,

u(x) =3

4πr3

∫Br(x)

u .

Observe que, sendo u de classe C2, é claro que qualquer uma das duas identidadesacima, se válida para todo x em A e todo r tal que Br(x) ⊂ A equivale a ∆u ≡ 0.Neste caso u é dita harmônica.

Exercício: Use as idéias acima e o Teorema de Green para demonstrar a propriedadeda média para u : A→ IR2, A aberto em IR2 (neste caso ∆u = ∂2u

∂x21

+ ∂2u∂x2

2e a média

é tomada sobre uma circunferência).Exercício: Observe que o correspondente ao Laplaciano em dimensão 1 é a segundaderivada. Note que se u :]a, b[→ IR é tal que u′′(y) ≥ 0 ∀y ∈]a, b[, então u éconvexa; se u′′ ≤ 0, então u é côncava; traduza geometricamente, neste caso, apropriedade da média. Não exagere nas analogias: se u1, u2, u3 : IR2 → IR sãodadas por u1(x, y) = x2 − y2, u2(x, y) = 2x2 − y2, u3(x, y) = x2 − 2y2, então∆u1 ≡ 0, ∆u2 > 0, ∆u3 < 0, mas u1 não é linear afim, u2 não é convexa e u3 nãoé côncava.

Um corolário importante da propriedade da média é:

Princípio do Máximo: Sejam A ⊂ IR3 um aberto conexo e u : A→ IR de classeC2

Page 216: Calculo Avancado Felipe

216 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

(i) Se ∆u(y) ≥ 0 para todo y em A e u atinge em A seu valor máximo, então u éconstante.

(ii) Se ∆u(y) ≤ 0 para todo y em A e u atinge em A seu valor mínimo, então u éconstante.

Demonstração : É claro que basta provar (i). Suponha que x0 ∈ A e u(x0) ≥u(x)∀x ∈ A. Seja B = x ∈ A | u(x) = u(x0). Como u é contínua, B é fechadoem A. Mostraremos que B é aberto: se x ∈ B e R > 0 é tal que BR(x) ⊂ A,temos, pela propriedade da média, que u(x) ≤ 1

4πr2

∫Sr(x) udS, ∀r ∈]0, R[. Como x

é ponto de máximo de u, vale também u(x) ≥ 14πr2

∫Sr(x) udS, e portanto u(x) =

14πr2

∫Sr(x) udS ∀r ∈]0, R[. Se existir y em BR(x) com u(y) < u(x), teremos, para

r =| y − x |, u(x) > 14πr2

∫Sr(x) udS. Logo BR(x) ⊂ B. Como A é conexo, segue

B = A.

Exercício: Mostre que se u : A → IR é de classe C2, A ⊂ IR3 aberto conexo e ∆ué estritamente positivo em A, então u não pode ter ponto de máximo local em A.Isto é verdade se se supõe apenas 4u(x) ≥ 0 ∀x ∈ A ?Exercício: Mostre que se A ⊂ IR3 é aberto limitado, u : A→ IR é contínua em A eC2 em A com ∆u ≡ 0, então u assume seus valores máximo e mínimo na fronteirade A. Mostre que se v, w : A→ IR são contínuas em A e C2 em A com ∆v ≡ ∆wem A e v ≡ w em ∂A, então u ≡ v.

Vale ainda uma observação sobre o comportamento do Laplaciano quanto a mu-danças de sistemas de coordenadas: seu caráter geométrico ou, em outras palavras,sua invariância por mudanças de coordenadas que preservem a métrica de IR3:

Proposição :Seja T : IR3 → IR3 dada por Tx = x0 + Ax, onde x0 é fixo A éortogonal (isto é, AA? = I). Seja u : IR3 → IR de classe C2 e seja v = uT . Então∆v(x) = ∆u(Tx).

Demonstração : Observe que ∆v(x) = traço de D2v(x) (como Dv(x) pode seridentificada a ∇v(x), D2v(x) pode ser pensada como uma transformação linear).Então, temos

Dv(x) = Du(Tx)A, ou ∇v(x) = A?∇u(Tx)

Logo, identificando D2v a D(∇v) e D2u a D(∇u), vem:

∆v(x) = trD2v(x) = trD(A?∇u(Tx)) == tr(A∗D2u(Tx)A) = trD2u(Tx) == ∆u(Tx)

Page 217: Calculo Avancado Felipe

G. DIFUSÃO 217

Exercício: Considere (x, y, z) = (rsenθcosϕ, rsenθsenϕ, rcosθ) (coordenadas es-féricas) e v(r, θ, ϕ) = u(x, y, z) = u(rsenθcosϕ, rsenθsenϕ, rcosθ). Mostre que

∆u(x, y, z) =1

r2senθ

[∂

∂r(r2senθ

∂v

∂r) +

∂θ(senθ

∂v

∂θ) +

∂ϕ(

1senθ

∂v

∂ϕ)]

(se não conseguir, ou não tiver coragem, olhe no COURANT).

Veremos mais à frente o aparecimento do operador de Laplace em equações aderivadas parciais. Nestas situações torna-se importante estudar o comportamentodos autovalores e autovetores de ∆.

Exercício: Seja A ⊂ IR3 um aberto limitado cuja fronteira S é uma superfície boapara a aplicação do Teorema da Divergência.

(i) Sejam u, v : A → IR de classe C2 com u ≡ v ≡ 0 em S. Mostre que∫A4uv =∫

A u4v. Sugestão: calcule ∇ · (fF ), onde f é uma função escalar e F é um campode vetores, aplique a u∇v e a v∇u, use o Teorema da Divergência, etc..

(ii) Mesmas hipóteses sobre u e v. Suponha que existem λ, µ ∈ IR com 4u = λu,4v = µv, λ 6= µ. Mostre que

∫A uv = 0.

(iii) Mostre que se u : A→ IR é de classe C2, u ≡ 0 sobre S, u(x) 6= 0 para algumx em A e 4u = λu, λ ∈ IR, então λ < 0.

(iv) Adapte este exercício para dimensão 1 fazendo A =]0, π[ e 4 = D2 (segundaderivada) e veja que tudo funciona. Neste caso quem são os autovalores e autove-tores ?

g Difusão

Retomemos u : [0,∞[×A→ IR, A aberto em IR3, u(t, x) representando a tempera-tura de x no instante t. Consideremos uma porção de A dada por um aberto B debordo S bom para o Teorema da Divergência. Se µ representa a massa específica ec o calor específico (supostos constantes para simplificar), a energia interna de B,no instante t, será dada (no nosso caso é melhor dizer definida) por

E(t) =∫Bµcu(t, x)dV

Page 218: Calculo Avancado Felipe

218 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

dV designa integração apenas em relação a x.A taxa de variação da energia interna em relação ao tempo, que representa o ganhode calor por unidade de tempo é

E′(t) =∫Bµc∂u

∂t(t, x)dV .

Por outro lado, se não há fontes de calor em B o ganho de calor se realiza apenaspor meio de trocas com o exterior, através da fronteira de B, que designamos porS.Suponhamos que o fluxo de calor se dê de forma proporcional, em cada instante, aogradiente de temperatura (em sentido contrário) com constante de proporcionali-dade k, correspondendo à condutividade. Então o ganho de calor em B por unidadede tempo é dado pelo fluxo através de S de −k∇u, onde consideramos o gradienteapenas em relação à variável espacial e S com normal interior. Ou seja,

E′(t) =∫Sk∇u·

−→dS

(agora S é tomada com normal exterior).

Exercício : Iguale as duas expressões para E′(t), aplique o Teorema da Divergência(com t fixo) à segunda expressão, observe que a igualdade vale para todo B econclua que se u é de classe C2 então u satisfaz a

∂u

∂t(t, x) =

k

µc4u(t, x) ,

conhecida como Equação da Difusão.

Exercício : Seja A ⊂ IR3 aberto de fronteira S boa para o Teorema da Divergênciae seja

u : [0,∞[ × A→ IR

de classe C2 satisfazendo a

∂u

∂t(t, x) = K∆u(t, x), t ≥ 0, x ∈ A ,

onde, K é uma constante positiva.

(i) Suponha que u (t, x) = 0 ∀(t, x) ∈ [0,∞[ × S. Mostre que n1(t) =∫A |u(t, x)|2dV é decrescente.

Page 219: Calculo Avancado Felipe

G. DIFUSÃO 219

(ii) Suponha que ∂u∂n(t, x) = 0 ∀(t, x) ∈ [0,∞[×S (∂u∂n = ∇u ·n, onde n é a normal

exterior a S). Mostre que n2(t) =∫A |∇u(t, x)|2dV é decrescente.

Exercício: O Método de Fourier - nas hipóteses do exercício anterior, suponhaque u(t, x) = 0∀t > 0∀x ∈ S. Seja E = v : A → IR |

∫A v

2 < ∞. Considere emE o produto escalar

< v1, v2 >=∫Av1v2

(na verdade, nosso produto só será, de fato, um produto escalar se identificarmosfunções v1 e v2 tais que

∫A | v1 − v2 |2= 0). Seja U : [0,∞[→ E dada por

U(t)(x) = u(t, x).

(i) Reinterprete a equação da difusão como uma equação diferencial ordinária emE, nos seguintes termos:

U(t) = TU(t), t > 0,

onde T é o operador linear (definido em um subespaço de E) dado por TV = K∆V ,e U vive no subespaço E0 de E dado por E0 = V ∈ E|V (x) = 0∀x ∈ S.

(ii) Se tentarmos a idéia algo imprecisa de resolver nossa equação ordinária diago-nalizando T , note que os autovetores ϕ deverão satisfazer a

∆ϕ(x) = λϕ(x) , x ∈ Aϕ(x) = 0 , x ∈ S,

de modo que os autovalores serão todos negativos e autovetores associados a auto-valores distintos serão ortogonais.

(iii) Suponha ainda que o conjunto ϕnn∈IN dos autovetores seja enumerável eque todo elemento de E0 se escreva como combinação linear infinita dos ϕn. Façaentão U(t) =

∑n∈IN cn(t)ϕn, com cn : [0,∞[→ IR e conclua que cada cn satisfaz à

equação ordinária cn(t) = Kλncn(t).

(iv) Suponha conhecido que U(0) = f . Temos, então , f =∑

n∈IN cn(0)ϕn. Fixadom ∈ IN , multiplique escalarmente dos dois lados por ϕm e obtenha

cm(0) =

∫A fϕm∫A ϕ

2m

.

Page 220: Calculo Avancado Felipe

220 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

(v) Considere o caso de dimensão 1, com A =]0, π[, K = 1. Mostre que (a menosde multiplicações por constantes e mudanças de ordem), ϕn(x) = sin(nx). Calculea solução u(t, x) =

∑n∈IN cn(t) sin(nx), no caso em que u(0, x) = x.

h Funções Harmônicas e a Equação de Laplace

Exercício: Sejam A e B dois pontos do plano α, k um real positivo e seja c =P ∈ α | PA = kPB

. Mostre que c é um círculo (dito círculo de Apolônio).

Mostre que, se trocarmos o plano α por IRN , c será uma esfera (N−1)-dimensional.Sugestão para a primeira parte: chame de V1 e V2 os dois pontos de c situados nareta AB; mostre que P ∈ c se e somente se as bissetrizes dos ângulos formadospelas retas PA e PB passam por V1 e por V2; conclua que P ∈ c⇔ V1PV2 é reto.Sugestão para a segunda parte: use a experiência adquirida na primeira parte emostre que P ∈ c ⇔ |P − C| = |V1 − V2|/2, onde C = (V1 + V2)/2 . Mostre que|A− C||B − C| = R2, onde R é o raio de c.Exercício: Sejam S uma esfera (de dimensão N − 1) em IRN e P um ponto outroque o centro de S. Mostre que existe um (único) ponto P tal que S é esfera deApolônio para P e P . Mostre que, neste caso, a razão k é d/R, onde R é o raio deS e d a distância de P ao centro de S.Exercício: Considere duas cargas puntiformes, q1 e q2, situadas em dois pontosdistintos, x1 e x2, de IR3. Os correspondentes campos elétricos provêm de potenciaisV1 e V2 dados por (a menos de multiplicação por constante)

V1(y) = q11

|y − x1|, V2(y) = q2

1|y − x2|

.

Note que, se q1 e q2 têm sinais opostos, então existe uma esfera em que V1 + V2 seanula.Exercício: Suponha S =

y ∈ IR3 | y2

1 + y22 + y2

3 = R2e x ∈ IR3, x 6= 0. Dado

q ∈ IR, determine x ∈ IR3, q ∈ IR tais que a soma dos potenciais devidos à cargaq em x e à carga q em x se anule em S.

Consideremos o potencial V devido a uma carga puntiforme. Para simplificar,nossa carga estará em (0,0,0) e faremos

V (x) =1|x|.

Page 221: Calculo Avancado Felipe

H. FUNÇÕES HARMÔNICAS E A EQUAÇÃO DE LAPLACE 221

Sabemos que ∆V (x) = 0 ∀x 6= 0. O que talvez seja menos evidente é que podemosdar um significado a ∆V (0). Uma conta simples mostra que ,se B é uma bolinhade centro 0 e S é seu bordo, ∫

S∇V = −4π,

o que aponta para −∆V (0) = ∞. Mais interessante ainda é tentar olhar para olaplaciano de V no sentido das distribuições (veja página 77). Se ϕ : IR3 → IR éuma função -teste C∞ de suporte compacto, teremos, no sentido das distribuições,

< ∆V, ϕ >= ”(∫

IR3

∆V ϕ)

” =∫IR3

V∆ϕ = limε→0

∫BR−Bε

V∆ϕ =

= limε→0

∫BR−Bε

ϕ∆V +∫Sε

V∇ϕ−∫Sε

ϕ∇V

= 0 + 0− 4πϕ(0),

(R > 0 é tal que ϕ e todas suas derivadas se anulam para x ≥ R; BR, Bε, Sεrepresentam, como de hábito, bolas e esferas, tendo os respectivos raios como sub-índices).

Exercício: Confira as igualdades acima. Em particular, se ainda não o fez, noteque, para u e v duas vezes diferenciáveis, vale ∇.(u∇v)−∇.(v∇u) = u∆v − v∆u.Exercício: Conclua que, no sentido das distribuições , o laplaciano de (−V/4π) éa distribuição δ de Dirac. Isto é (e, de maneira um pouco mais geral, sem suporx = 0), se ϕ : IR3 → IR é C∞ e de suporte compacto, então

”∫IR3

”∆”(

−14π|x− y|

)ϕ(y)dy” = ϕ(x).

Exercício: Use os mesmos argumentos para provar que, se B ⊂ IR3 é uma regiãolimitada pela superfície S e u : B → IR é contínua em B e C2 em B, com ∆u ≡ 0em B, então , com normal exterior em S,

u(x) =∫Su(y)∇

(−1

4π|x− y|

)d~Sy −

∫S

(−1

4π|x− y|

)∇u(y)d~Sy.

Exercício: Suponha agora, nas condições do exercício anterior, que B é uma bolade centro na origem e raio R e faça, para x em B, x 6= 0, x = (R2/|x|2)x. Noteque

∆y

(R

4π|x||y − x|

)= 0 ∀y ∈ B

Page 222: Calculo Avancado Felipe

222 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

e que

R

4π|x||y − x|− 1

4π|x− y|= 0 ∀y ∈ S.

Conclua que, neste caso,

u(x) =∫Su(y)∇

(R

4π|x||y − x|− 1

4π|x− y|

)d~Sy.

Faça as contas e obtenha

u(x) =R2 − |x|2

4πR

∫S

u(y)|x− y|3

dSy

(note que, pela propriedade da média, esta fórmula vale também para x = 0).

Problema: Suponhamos agora, sendo B a bola de raio R e centro (0, 0, 0) e S = ∂B,que queiramos construir uma função u : B → IR, harmônica em B, a partir de seuvalor em S. Podemos concluir que, dada f : S → IR contínua, então u dada pelafórmula

u(x) =R2 − |x|2

4πR

∫S

f(y)|x− y|3

dSy

é contínua em B e harmônica em B, com u(x) = f(x) ∀x ∈ S?

Comecemos por um exame mais detalhado da função de Green, definida para xe y em B, x 6= y, por

G(x, y) =R

4π|x||y − x|− 1

4π|x− y|.

Note que, por construção , ∆yG(x, y) = 0 ∀(x, y) ∈ B × B, e que G(x, y) =0 ∀(x, y) ∈ B × S.

Exercício: Mostre que

G(x, y) =1

(R

(|x|2|y|2 +R4 − 2R2 < x, y >)1/2− 1|x− y|

)= G(y, x),

a igualdade valendo para x e y em B, com x 6= y. Note que isto garante ∆xG(x, y) =0 ∀(x, y) ∈ B × B, além de G(x, y) < 0 ∀(x, y) ∈ B × B. Note ainda que nossa

Page 223: Calculo Avancado Felipe

H. FUNÇÕES HARMÔNICAS E A EQUAÇÃO DE LAPLACE 223

G(x, y) está, agora, definida também para x = 0 e também para (x, y) ∈ B × B,com x 6= y.

Exercício: Mostre que, para x em B e y em S, ∆x∇yG(x, y) = ∇y∆xG(x, y) = 0(o laplaciano, neste caso, é tomado coordenada a coordenada). Mostre que

∇yG(x, y) =R2 − |x|2

4πR2|y − x|3y.

Conclua que a função u definida em B por

u(x) =R2 − |x|2

4πR

∫S

f(y)|y − x|3

dSy,

é tal que ∆u(x) = 0 ∀x ∈ B (onde f : S → IR é contínua e dSy representa oelemento de área em S). Note ainda que, para o caso em que v : B → IR éharmônica em B e contínua em B, com V (y) = f(y) ∀y ∈ S, já provamos que afórmula acima (chamada de fórmula de Poisson) nos dá u = v.

Resta mostrar que, dada : S → IR contínua, a função u definida pela fórmula acimasatisfaz a limx→y0 = f(y0) ∀y0 ∈ S.

Exercício: Seja então , para x em B e y em S,

K(x, y) =R2 − |x|2

4πR|y − x|3.

Faça u ≡ 1 em B e conclua que, para todo x em B,∫SK(x, y)dSy = 1. Note,

ainda, que K(x, y) > 0 ∀(x, y) ∈ B ×S. Assim, para cada x em B, K(x, y) nos dáuma densidade de probabilidades em S, de forma que u(x) é uma média, ponderadapor K, dos valores de f em S (K é chamada de núcleo de Poisson).

Exercício: Para concluir, fixe y0 em S e ε > 0. Tome δ1 > 0 tal que |y−y0| < δ1 ⇒|f(y) − f(y0)| < ε/2. Se S0 = y ∈ S| |y − y0| < δ1 e S1 = S \ S0, escreva, parax em B,

u(x)− f(y0) =∫SK(x, y)f(y)dSy −

∫SK(x, y)f(y0)dSy =

∫S0

K(x, y)(f(y)− f(y0))dSy +∫S1

K(x, y)(f(y)− f(y0))dSy.

Mostre que, quando x tende a y0, K(x, y) converge, uniformemente sobre S1, parazero. Com esta dica enorme, prove que limx→y0 u(x) = f(y0).

Page 224: Calculo Avancado Felipe

224 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

x y

0

y

Problema: Note que a diferenciabilidade de u em S é discutível. O que você tema dizer a respeito?

Os exercícios a seguir dão uma idéia de um possível caminho alternativo, algofantasioso, conduzindo à fórmula de Poisson.

Exercício: Suponha que u : [a, b]→ IR satisfaz a u′′ ≡ 0. Mostre que, para cada xem [a, b], u(x) é uma média ponderada de u(a) e u(b), dada por

u(x) =b− xb− a

u(a) +x− ab− a

u(b).

Exercício: Suponha dada f : S → IR e procuremos definir, para x em B, u(x) comouma média ponderada dos valores de f . Para começar, suponhamos que x "vê"ospedaços de S segundo o ângulo sólido (a partir de x e não de 0). Desta forma, cadacone de vértice x vai recortar em S dois pedaços opostos em relação a x. Cada parde pedaços contribuirá com um peso igual a seu ângulo sólido (visto de x)

Por outro lado, se y e y são pontos de S alinhados com x, suas ponderações serãodistintas (embora sejam vistos segundo o mesmo ângulo sólido): f(y) ganha peso|y− x|/|y− y| e f(y) ganha peso |y− x|/|y− y|. Assim, cada ponto de S contribui

Page 225: Calculo Avancado Felipe

I. O PROBLEMA DE DIRICHLET NA BOLA 225

segundo seu elemento de ângulo sólido, sendo que pontos opostos em relação a xtêm suas ponderações distribuídas de acordo com a condição acima. Mostre que,sendo u(x) dada pela média dos valores de f em S segundo a ponderação assimdefinida, u(x) será dada pela fórmula de Poisson.

O visível aspecto probabilístico da fórmula de Poisson não é mera coincidência, éclaro. Dentro da área de Probabilidades, há toda uma sub-área dedicada á Teoriado Potencial, em que nossa fórmula é obtida com argumentos bastante diferentes.

i O problema de Dirichlet na Bola

Voltemos à função de Green, definida para x e y em B, x 6= y:

G(x, y) =R

4π|x||y − x|− 1

4π|x− y|.

Exercício: Note que já provamos que, sendo u : B → IR de classe C1 em B ecom ∆u limitada e integrável em B, então vale a fórmula de representação deGreen:

u(x) =∫BG(x, y)∆u(y)dy +

∫Su(y)∇yG(x, y).d~Sy −

∫SG(x, y)∇u(y).d~Sy.

Como tomamos a precaução de escolher G de forma que G(x, y) = 0 para y em

S, temos

u(x) =∫BG(x, y)∆u(y)dy +

∫Su(y)∇yG(x, y).d~Sy,

o que mostra que u pode ser reconstruída a partir de seus valores em S e dos valoresde seu laplaciano em B. É natural que nos coloquemos a seguinte conjectura: dadasρ : B → IR, limitada e integrável, e f : S → IR contínua, a função u, definida emB por

u(x) =∫BG(x, y)ρ(y)dy +

∫Sf(y)∇yG(x, y).d~Sy

e em S por u(x) = f(x), é contínua em B e satisfaz a ∆u = ρ em B?

Page 226: Calculo Avancado Felipe

226 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

A igualdade ∆u = ρ é, evidentemente, delicada: se alterarmos o valor de ρ em umponto x, u(x) não mudará, de modo que a igualdade pontual fica comprometida7.Podemos (e vamos) simplificar um pouco a discussão , supondo ρ contínua. Como jásabemos que a fórmula de Poisson produz uma função contínua em B e harmônicaem B, podemos concentrar nossa análise em

v(x) =∫BG(x, y)ρ(y)dy, x ∈ B.

Exercício: Suponha que ρ é limitada e integrável em B.(i) Mostre que limx→y0 v(x) = 0 ∀y0 ∈ S.(ii) Mostre que v é de classe C1 em B, com ∇v dado por

∇v(x) =∫Bρ(y)∇xG(x, y)dy

(note que a derivação dentro do sinal de integral, neste caso, exige uma justificaçãodelicada).

Para calcular ∆v = ∇.∇v, a tentativa de derivar pela segunda vez dentro do sinalde integral conduz a uma integral cujo resultado não é, em geral, finito (algo daforma

∫B1|z|−3dz, onde B1 é uma bola de centro 0).

Exercício: Confira (faça ρ ≡ 1).

No entanto, podemos calcular a divergência como derivada exterior, diretamente,pela definição . Neste caso obtemos, de fato, ∇.∇v = ρ. A idéia é, essencialmente,sendo β uma bolinha contendo x, de bordo σ, calcular

limβ→x

1µ(β)

∫σ∇v . d~s.

Se pudermos trocar a ordem das integrações (note que, neste caso, estamos lidandocom integrais impróprias e a situação é menos elementar do que no caso de funçõeslimitadas), teremos

∫σ∇v.d~s =

∫σ

(∫Bρ(y)∇xG(x, y)dy

). d ~sx =

∫B

(∫σρ(y)∇xG(x, y) . d ~sx

)dy.

Exercício: Observe que, se β ⊂ B,

7Na verdade, ∆u é uma 3-forma, de modo que seu valor em x não importa, mas sim osvalores de suas integrais sobre 3-cadeias

Page 227: Calculo Avancado Felipe

I. O PROBLEMA DE DIRICHLET NA BOLA 227

∫σρ(y)∇xG(x, y) . d ~sx = ρ(y)

∫σ∇xG(y, x) . d ~sx =

0, y /∈ βρ(y), y ∈ β

Exercício: Conclua que ∫σ∇v . d~s =

∫βρ(y)dy

e que, portanto, nos pontos x de B em que ρ é contínua,

∆v(x) = limβ→x

1µ(β)

∫σ∇v . d~s = lim

β→x

1µ(β)

∫βρ(y)dy = ρ(x).

Para fazer tudo conforme o figurino, devemos justificar a troca de ordem nas inte-grais. Usaremos livremente, no Lema abaixo, a forma não paramétrica do Teoremada Divergência.

Lema 1: Seja ρ : IR3 → IR3 limitada e integrável e seja E : IR3 → IR3 dado por

E(x) =∫IR3

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y)dy.

Então , se B ⊂ IR3 é um aberto "bom para o Teorema da Divergência", temos∫∂BE =

∫Bρ.

Demonstração : Comecemos observando que E é dado por uma integral duplamenteimprópria, porém finita.

Exercício: Seja f : IRN → IR integrável (mas não necessariamente limitada), comintegral finita. Mostre que para todo ε positivo existe δ positivo tal que, para AJordan mensurável,

µ(A) < δ ⇒∫Af < ε.

Continuando a demonstração , vamos mostrar que, para todo ε > 0, a diferençaentre as integrais cuja igualdade pretendemos provar é menor do que ε. Seja, pois,fixado ε > 0. Observemos que, como ∂B é compacto e de medida nula, podemoscobri-lo por um aberto A, união finita de blocos abertos, tal que

Page 228: Calculo Avancado Felipe

228 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

∫A

|ρ(y)|4π|x− y|2

dy <ε

3 area de ∂Be ∫

A|ρ(y)|dy < ε

3.

Podemos, também, tomar um bloco C, com A ⊂ C e B ⊂ C, tal que∫IR3\C

|ρ(y)|4π|x− y|2

dy <ε

3 area de ∂B.

Nosso campo E se escreve, então , como soma de três campos: E = E0 +EA+EC ,com

EA(x) =∫A

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y)dy,

EC(x) =∫IR3\C

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y)dy,

E0 =∫C\A

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y)dy.

Temos, então , ∫∂BE =

∫∂BEC +

∫∂BEA +

∫∂BE0.

Subtraindo dos dois lados a integral de ρ sobre B, temos:∣∣∫∂B E −

∫B ρ∣∣ ≤ ∣∣∫∂B EC∣∣+

∣∣∫∂B EA

∣∣+∣∣∫∂B E0 −

∫B ρ∣∣ <

< 2ε3 +

∣∣∫∂B E0 −

∫B ρ∣∣ .

Resta-nos, pois, mostrar que ∣∣∣∣∫∂BE0 −

∫Bρ

∣∣∣∣ ≤ ε

3.

Ora, em notação de integral de superfície, temos∫∂BE0 =

∫∂B

(∫C\A

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y)dy

). d~Sx.

Page 229: Calculo Avancado Felipe

I. O PROBLEMA DE DIRICHLET NA BOLA 229

Agora estamos com um integrando limitado, em um domínio limitado. Podemos,pois, trocar, sem medo, a ordem das integrais:∫

∂BE0 =

∫C\A

(∫∂B

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y). d~Sx

)dy.

Se y /∈ B, temos, pelo Teorema da Divergência,∫∂B

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y). d~Sx = 0.

Logo,

∫∂BE0 =

∫B\A

ρ(y)(∫

∂B

14π|x− y|3

(x− y). d~Sx

)dy =

∫B\A

ρ(y)dy.

Como esta última integral difere do que queremos de menos que ε/3. o Lema estádemonstrado.

Uma versão mais conforme a nossas definições , com superfícies parametrizadas,embora um pouco mais sofisticada, se demonstra com as mesmas ferramentas us-adas para provar o Lema 1.

Lema 2: Sejam ρ : IR3 → IR3 limitada e integrável e E : IR3 → IR3 dado por

E(x) =∫IR3

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y)dy.

Então , para toda c : B → IR3 de classe C1, onde B é um bloco em IR3, temos∫∂cE =

∫cρ.

Demonstração : Se c é um difeomorfismo, a demonstração segue, basicamente, doLema 1 (já que poderemos trabalhar com ∂c exatamente como o bordo de umaregião "‘boa para o teorema da divergência"’ - construir uma homologia entre ∂ce uma esfera parametrizada de centro x, para cada x no interior de c(B) dá umcerto trabalho, mas é factível).

Exercício: Se tiver coragem e determinação , construa esta homologia, isto é:mostre que existe uma 3-cadeia C1 cujo bordo é a diferença entre ∂c e uma es-fera parametrizada de centro x.

Page 230: Calculo Avancado Felipe

230 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

Vamos, pois, considerar provado o caso em que c é um difeomorfismo. Consideremosagora o caso geral.

Como no Lema 1, vamos mostrar que, para todo ε > 0, a diferença entre asintegrais cuja igualdade pretendemos provar é menor do que ε. Seja, pois, fixadoε > 0. Observemos que c(∂B) é compacto e de medida nula. Da mesma forma,pelo Teorema de Sard, o conjunto dos valores crítcos de c também é de medidanula (e é compacto). Podemos, pois, cobri-los por um aberto A, união finita deblocos abertos, tal que∫

A

|ρ(y)|4π|x− y|2

dy <ε

4 area de c(∂B).

Podemos, também, tomar um bloco D, com A ⊂ D e c(B) ⊂ D, tal que∫IR3\D

|ρ(y)|4π|x− y|2

dy <ε

4 area de ∂B.

Nosso campo E se escreve, então , como soma de três campos: E = E0 +EA+ED,com

EA(x) =∫A

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y)dy,

ED(x) =∫IR3\D

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y)dy,

E0 =∫D\A

ρ(y)4π|x− y|3

(x− y)dy.

Temos, então , ∫∂cE =

∫∂cED +

∫∂cEA +

∫∂cE0.

Subtraindo dos dois lados a integral de ρ sobre B, temos:∣∣∫∂cE −

∫c ρ∣∣ ≤ ∣∣∫∂cED∣∣+

∣∣∫∂cEA

∣∣+∣∣∫∂cE0 −

∫B ρ∣∣ <

< ε2 +

∣∣∫∂cE0 −

∫c ρ∣∣ .

Resta-nos, pois, mostrar que ∣∣∣∣∫∂cE0 −

∫cρ

∣∣∣∣ ≤ ε

2.

Page 231: Calculo Avancado Felipe

I. O PROBLEMA DE DIRICHLET NA BOLA 231

Exercício: Seja X o conjunto dos pontos críticos de c. Note que X é compacto.Mostre que existe uma coleção finita β1, . . . , βn de blocos fechados, contidos emB, tal que X está contido na união dos interiores dos βj e, para cada j, |Jc(x)| <ε/(2 µ(B) sup |ρ|) ∀x ∈ βj e c(βj) ⊂ A . Mostre que existe uma partição P deB tal que X está contido no interior de uma união de sub-blocos de P como os βjrecém descritos.

Tomemos, pois, uma partição como a do exercício. Sendo s(P ) = sub− blocos de P,podemos considerar as restrições de c aos β de s(P ), cβ : β → IR3, e escrever:∫

∂cE0 =

∑β∈s(P )

∫∂cβ

E0.

Agora, basta observar que s(P ) se divide em blocos β que contêm elementos de X,com c(β) ⊂ A e blocos β para os quais cβ é um difeomorfismo. Os do primeiro tipoformam uma coleção s1(P ) tal que:

i.∫∂cβ

E0 = 0 ∀β ∈ s1(P ),

ii.∑

β∈s1(P )

∫cβ|ρ| < ε

2 .

Os do segundo tipo formam uma coleção s2(P ) tal que∫∂cβ

E0 =∫cβ

ρ ∀β ∈ s2(P ).

O Lema 2 está demonstrado.

Juntando tudo, provamos o seguinte resultado:

Teorema: Sejam B a bola aberta de raio R e centro na origem em IR3, S seubordo, ρ : B → IR contínua e limitada e f : S → IR contínua. Seja G definida,para (x, y) em (B ∪ S)× (B ∪ S), x 6= y, por

G(x, y) =1

(R

(|x|2|y|2 +R4 − 2R2 < x, y >)1/2− 1|x− y|

).

Então a função u : B ∪ S → IR, dada, em B, por

u(x) =∫BG(x, y)ρ(y)dy +

∫Sf(y)∇yG(x, y).d~Sy,

Page 232: Calculo Avancado Felipe

232 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

e, em S, por u(x) = f(x), é contínua em B ∪ S e satisfaz a ∆u = ρ em B.8

Uma interessante abordagem alternativa, introduzida por Riemann (que atribui aDirichlet o princípio fundamental, usualmente chamado de princípio de Dirich-let), consiste em considerar, sendo Ω um aberto bom para o teorema da divergência,o problema

∆u(x) = ρ(x), x ∈ Ωu(x) = f(x), x ∈ ∂Ω

(dito, neste caso, problema de Dirichlet para a equação de Poisson). A idéiaé considerar ∆u = ρ como equação de Euler-Lagrange do funcional

J(v) =12

∫Ω|∇v|2 +

∫Ωρv.

Mais especificamente, suponhamos que u : Ω→ IR é contínua em Ω e de classe C2

em Ω,e que u é um ponto crítico (de mínimo, digamos) de J sobre

V =v ∈ C2(Ω, IR) ∩ C0(Ω, IR) | v(x) = f(x) ∀x ∈ ∂Ω

.

Então , para qualquer h ∈ C2(Ω, IR) ∩ C0(Ω, IR), com h(x) = 0 ∀x ∈ ∂Ω, temosque t = 0 é ponto crítico (de mínimo) de α : IR→ IR dada por α(t) = J(u+ th).

Exercício: Calcule α′(0) e mostre que, qualquer que seja h ∈ C2(Ω, IR), comh(x) = 0 ∀x ∈ ∂Ω, temos

α′(0) =∫

Ω(−∆u+ ρ)h.

Conclua que, α′(0) = 0 ∀h ∈ C2(Ω, IR), com h(x) = 0 ∀x ∈ ∂Ω se e somente se usatisfaz a ∆u = ρ em Ω.

Assim, cada solução do problema de Dirichlet é um ponto crítico de J , e vice-versa.

Problema: Suponha que Ω é um aberto limitado e simpático (mas não uma bola).Mostre que J possui, de fato, um ponto de mínimo.

8Note que, aqui, ∆u é tomado no sentido "‘físico"’, ou, mais rigorosamente, como afunção que corresponde à derivada exterior da 2-forma definida por ∇u

Page 233: Calculo Avancado Felipe

J. MECÂNICA DOS FLUIDOS 233

x

v(t, ϕ(s, t, x))

ϕ(s, t, x)

j Mecânica dos Fluidos

Considere um fluido em movimento em uma região do espaço dada pelo abertoA ⊂ IR3. Sejam v(t, x) a velocidade do fluido no ponto x de A no instante t eρ(t, x) a densidade de massa. Se considerarmos uma porção B de A (B aberto defronteira S boa para o Teorema da Divergência), temos, exatamente como no casoda difusão, uma equação de balanço: a variação da massa do fluido em B é medidapor seu escoamento através de S (supondo que não há ninguém com o canudinhoem B, claro). Isto significa que

d

dt

∫Bρ(t, x)dV = −

∫Sρ(t, x)v(t, x)·

−→dS

Exercício : Aplique o Teorema da Divergência, note que B pode ser qualquer econclua que ρ e v satisfazem à Equação da Continuidade:

−∂ρ∂t

= ∇ · (ρv) = ρ∇ · v +∇ρ · v

(supondo ρ e v de classe C1).

Considere agora as trajetórias ao longo do fluxo, isto é, para cada x, ϕ(s, t, x) dadapor

∂∂tϕ(s, t, x) = v(t, ϕ(s, t, x))ϕ(s, s, x) = x.

Page 234: Calculo Avancado Felipe

234 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

Supondo-se v de classe C1, pode-se mostrar que existe um aberto Ω ⊂ IR×IR×IR3,com (s, s, x), s ∈ IR, x ∈ A ⊂ Ω, tal que

ϕ : Ω→ A

é de classe C1. Além disso, se B ⊂ A é um aberto e s, t ∈ IR são tais que(s, t, x) ∈ Ω para todo x em B, então

ϕts : B → ϕ(s, t, B) (15.1)x 7→ ϕts(x) = ϕ(s, t, x) (15.2)

é um difeomorfismo.

Exercício : Mostre que ϕss = identidade, ϕts ϕsr = ϕtr e que Jϕts > 0 ∀s, t.

Exercício : Mostre que∂

∂tJϕts(x) = (∇ · v(t, ϕts(x))Jϕts(x).

Exercício : Mostre que a massa se conserva, isto é se B ⊂ A e

m(t) =∫ϕt(B)

ρ(t, y)dV ,

então m′(t) = 0. Sugestão: derive, aplique o exercício anterior e a equação dacontinuidade.

Exercício : Mostre que ρ(t, ϕ(s, t, x))Jϕts(x) ≡ ρ(s, x). Conclua que ϕts preservavolume (fluxo incompressível) se e só se d

dt [ρ(t, ϕ(s, t, x))] ≡ 0.

Exercício : Mostre que o fluxo é incompressível se e só se ∇ · v ≡ 0.

Considere ainda uma porção B caminhando ao longo do fluxo. Seu momentum édado por

π(t) =∫ϕts(B)

ρ(t, y)v(t, y)dv =∫Bρ(t, ϕ(s, t, x))v(t, ϕ(s, t, x))Jϕts(x)dv .

A derivada em relação a t desta expressão, π′(t), deve ser igual à soma das forçasexternas que atuam sobre B.

Exercício: Mostre que

Page 235: Calculo Avancado Felipe

J. MECÂNICA DOS FLUIDOS 235

B ϕ(s, t, B)

ϕts(x)x

π′(t) =∫

(D

Dt(ρv) + ρv∇ · v)dV

onde

D

Dtf(t, ϕ(s, t, x)) =

∂t(f(t, ϕ(s, t, x)) =

∂f

∂t(t, ϕ(s, t, x))+

∂f

∂y(t, ϕ(s, t, x))v(t, ϕ(s, t, x)) ,

ou seja, DDtf(t, y) = ∂f

∂t (t, y) + ∂f∂y (t, y)v(t, y)

(aqui ∂∂y representa a derivada em relação à variável espacial). D

Dtf é chamadaderivada substantiva de f .

As forças externas, no caso mais simples, podem ser representadas da seguinteforma:

F1(t) =∫ϕts(B)

ρadV

(estamos pensando, em particular, no caso em que a(t, y) ≡ g = aceleração dagravidade) e

F2(t) =∫ϕts(S)

−pndS

onde p representa a presão e n a normal exterior a ϕts(S).

Exercício : Mostre que F2(t) = −∫ϕts(B)∇pdV

Exercício: Suponha que o fluxo é incompressível (isto é, ϕts preserva volume).Mostre que desta condição, da equação da continuidade e do balanço de momentum

Page 236: Calculo Avancado Felipe

236 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

π′(t) = F1(t) + F2(t) (π, F1, F2 definidas acima) se deduzem as Equações deEuler:

ρDvDt = ρa−∇p

DρDt = 0

∇ · v = 0

k O rotacional e as rotações

Consideremos F : IR2 → IR2 como um campo C1 de velocidades e fixemos x em IR2.Se um disquinho D de raio r está espetado pelo centro no ponto x, de forma quepossa apenas rodar (no plano) em torno de x, sua velocidade angular em relação ax, ω, deverá ser a média das velocidades angulares dos pontos do bordo de D:

ω =1

2πr

∫ 2π

0F (x+ r(cos θ, sin θ).(− sin θ, cos θ)dθ =

12πr2

∫∂D

F.

Do Teorema de Green, temos, fazendo tender r a zero,

limr→0

ω =12

(∂F2

∂x1− ∂F1

∂x2

)(x).

Suponhamos agora que as coisas se passam em dimensão três. Nosso campo Fé um campo C1 de velocidades em IR3 e nosso disquinho D está espetado pelasmãos de um Deus tetradimensional em x, podendo rodar apenas em um planonormal ao vetor unitário n (o sentido de n e o sentido positivo de rotação tomadoscompatíveis). As mesmas contas nos darão , então ,

limr→0

ω =12∇× F (x).n.

Exercício: Cuide dos detalhes técnicos. Observe que, se nosso disquinho tiver odireito de escolher o plano em que a velocidade angular será máxima, a escolhatenderá, quando o raio tender a zero, para o plano normal a ∇× F (x).

Page 237: Calculo Avancado Felipe

L. A DECOMPOSIÇÃO DE UM CAMPO DE VELOCIDADES 237

l A decomposição de um campo de velocidades

Continuemos pensando nosso campo C1 F : IR3 → IR3 como um campo de veloci-dades e examinemos seu comportamento perto de x, aproximando-o pela derivada.Teremos, então , para h em IR3, h pequeno,

F (x+ h) ∼= F (x) + F ′(x)h.

Escrevendo F ′(x) como soma de uma transformação simétrica com uma anti-simétrica, obtemos:

F (x+ h) ∼= F (x) +F ′(x) + F ′∗(x)

2h+

F ′(x)− F ′∗(x)2

h.

Assim, podemos enxergar F , nas cercanias de x, como soma de três campos: oprimeiro, constante, age de forma transladar os corpos com velocidade fixa F (x);o segundo é dado por uma transformação linear simétrica; o terceiro, por umatransformação linear anti-simétrica.

Exercício: Note que∇.F (x) é o traço de (F ′(x)+F ′∗(x))/2 e que (F ′(x)−F ′∗(x))h =(∇× F (x))× h ∀h ∈ IR3. Note que (F ′(x)− F ′∗(x))(∇× F (x)) = 0.

Exercício: Seja T : IR3 → IR3 linear simétrica. Considere o fluxo associado ah = Th. Diagonalize T , resolva explicitamente a equação e mostre que a densidadeda taxa de expansão volumétrica é dada pelo traço de T .

Exercício: Seja T : IR3 → IR3 linear anti-simétrica. Considere o fluxo associado ah = Th. Diagonalize T , resolva explicitamente a equação e mostre que o fluxo con-siste em rotação em torno do eixo dado pelo autovetor correspondente ao autovalornulo. Calcule o vetor velocidade angular.

Exercício: Note que nem tudo são flores. O fluxo correspondente à equação x = Tx,com T linear, é dado por x(t) = exp(tT )x(0). No entanto, se T = A + B, nãovale exp(T ) = exp(A)exp(B), a menos que A e B comutem. Em particular, seA = (T +T ∗)/2 e B = (T −T ∗)/2, isto só acontece se TT ∗ = T ∗T . Mostre que istoacontece se T for a matriz jacobiana de f , com f holomorfa (interpretada comofunção de IR2 em IR2.

Page 238: Calculo Avancado Felipe

238 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

m Sistemas Hamiltonianos9

Consideremos um sistema de N partículas em IR3, movendo-se sob a ação de forçasque dependem apenas da posição do sistema (pense no tradicional problema dosN corpos, em que cada partícula está sujeita à atração gravitacional das demais).Se mi ∈ IR representa a massa e xi ∈ IR3 representa a posição de cada partícula,teremos, considerando xi como função do tempo t ∈ IR e Fi(x1, . . . , xN ) ∈ IR3 aforça atuando sobre a i-ésima partícula:

mixi(t) = Fi(x1(t), . . . , xN (t)) .

De maneira mais abstrata, estamos diante de uma equação diferencial de 2a. ordemdada por

x = f(x) ,

onde x : IR → IR3N é função a determinar, sendo f : IR3N → IR3N dada porfi = 1

miFi.

Neste caso é útil passar a um sistema de 1a. ordem dado porx = yy = f(x)

obviamente equivalente a nossa equação anterior.

Se considerarmos z : IR → IR6N dada por z(t) = (x(t), y(t)), estaremos diante deuma equação do tipo

z = G(z) ,

onde G(z) = G(x, y) = (y, f(x)).

Exercício : Mostre que nossa interpretação da divergência como taxa de expansãovolumétrica (que acaba de reaparecer na Mecânica dos Fluidos) pode ser adaptadasem problemas a qualquer dimensão, isto é: se G : IR × IRM → IRM é um campode vetores C1 e ϕ : IR× IRM → IRM fornece as soluções de z = G(t, z), isto é,

9“Sistemas Hamiltonianos” é um nome exageradamente pomposo para o que vamosfazer, já que procuraremos evitar aqui a passagem pelo Cálculo das Variações e pelasFormas Diferenciais em dimensão maior que três.

Page 239: Calculo Avancado Felipe

M. SISTEMAS HAMILTONIANOS 239

∂tϕ(t, z) = G(t, ϕ(t, z)) ,

então, se B é uma região de IRM e v : IR→ IR é dada por

v(t) = volume de ϕ(t, B) =∫ϕ(t,B)

1 =∫BJϕ(t, x)dx

(onde Jϕ(t, x) é calculado em relação a x com t fixo), vale

v′(t) =∫ϕ(t,B)

∇ ·G(t, x)dx =∫B∇ ·G(t, ϕ(t, x))Jϕ(t, x)dx ,

onde ∇ ·G(t, x) = ∂G∂x1

(t, x) + · · ·+ ∂G∂xM

(t, x).

Conclua que no caso acima, em que G : IR6N → IR6N é dada por G(z) = G(x, y) =(y, f(x)), o fluxo preserva o volume.

Voltando ao problema dos N corpos, notemos que a força Fi atuando sobre ai-ésima partícula é dada por

Fi(x1, . . . , xN ) =N∑j=1

j 6=i

Gmimj

|xj − xi|3(xj − xi)

Exercício : Seja A = (x1, . . . , xn) ∈ IR3N , i 6= j ⇒ xi 6= xj. Seja F : A→ IR3N

dada pelas Fi acima. Mostre que existe V : A→ IR tal que F = −∇V .

Exercício : Se q : IR → IR3N é de classe C2, seja pi = miqi (pi é chamadoimpulsão ou quantidade de movimento). Observe que a equação

miqi = Fi(q1, . . . , qN )

é equivalente a qi =

1mipi

pi = Fi(q) = −∂V∂qi

(q) .

Defina H : IR3N ×A→ IR por

Page 240: Calculo Avancado Felipe

240 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

H(p, q) =N∑i=1

12mi|pi|2 + V (q) .

Observe que nosso sistema pode agora ser escritop = −∂H

∂q(p, q)

q =∂H

∂p(p, q) .

Mostre que H se conserva sobre as trajetórias do sistema (isto é, se (p(t), q(t)) ésolução, entãoH(p(t), q(t)) é constante). Note que isto corresponde à conservaçãoda energia.

Exercício : Seja A um aberto de IR2N . Seja H : A → IR de classe C2. SejamI ⊂ IR um intervalo e (p, q) : I → A solução de

(∗)

p = −∂H

∂q(p, q)

q =∂H

∂p(p, q) .

Mostre que H(p(t), q(t)) é constante e que o fluxo do sistema (∗) preserva volume(isto é, se B ⊂ A é J-mensurável e tal que todas as soluções de (∗) começandoem qualquer ponto (p0, q0) de B existem no tempo t - dadas por ϕ(t, p0, q0) -então µ(ϕ(t, B)) = µ(B)). Mostre que se H depende também de t já não se tem“conservação da energia” mas a “preservação do volume” se mantém.

Observação : Um sistema como (∗) é dito um sistema hamiltoniano; H édito o hamiltoniano do sistema. Nos exercícios anteriores tomamos um atalhopara passar das equações de Newton às de Hamilton. Há que ressaltar que nossoprocedimento foi absolutamente desonesto e pode dar ao leitor a impressão deque trata-se apenas de chamar x de q (posição) e trocar a variável velocidade porimpulsão. Na realidade a coisa é bem mais profunda. Ver, por exemplo, Arnold,“Métodos Matemáticos da Mecânica Clássica”.

Consideraremos agora, para simplificar, H : IR3 → IR de classe C2 (as variáveissão (p, q, t)).

As soluções de

Page 241: Calculo Avancado Felipe

M. SISTEMAS HAMILTONIANOS 241

p = −∂H

∂q(p, q)

q =∂H

∂p(p, q) .

podem ser representadas em IR3 pelas curvas (p(t), q(t), t), que são também solu-ções do sistema autônomo

(∗)

p = −∂H∂q

(p, q)

q =∂H

∂p(p, q)

t = 1 .

Considere o campo de vetores em IR3 dado por

F (p, q, t) =(−∂H∂q

(p, q, t),∂H

∂p(p, q, t), 1

)

Exercício : Note que ∇·F = 0 e que, portanto, deve haver G tal que ∇×G = F .Procure G. Se não achar, tente G(p, q, t) = (0, p,−H). Em termos de formas, G éa 1-forma pdq −H(p, q, t)dt.

Considere agora uma curva fechada c em IR3. Vamos transportar c no tempo.Seja ϕ : IR × IR3 → IR3 o fluxo associado a (∗) (suponha que está bem definido),dado por ϕ(s, x) = posição de x depois de passado um tempo s. Então ϕ(s, c) éuma nova curva. Mais ainda, ϕ constrói uma homotopia entre c e ϕ(s, c), qualquerque seja s. Mas então, pelo Teorema de Kelvin∫

ϕ(s,c)pdq −Hdt−

∫cpdq −Hdt =

∫MF ·−→dS ,

onde F = (−∂H∂q ,

∂H∂p , 1) = ∇x(0, p,−H) e M é a superfície obtida deformando c

em ϕ(s, c) através do fluxo associado a F . Como F é obviamente tangente a M ,temos ∫

ϕ(s,c)pdq −Hdt =

∫cpdq −Hdt .

A 1-forma pdq −Hdt é chamada invariante integral de Poincaré-Cartan.

Page 242: Calculo Avancado Felipe

242 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

t

q

pc

F (p, q, t)

(p, q, t)ϕ(sc)

Exercício : Seja D uma região do plano t = t0 (isto é, os pontos de D ⊂ IR3

são todos da forma (p, q, t0), t0 fixo). Mostre que o fluxo associado a (∗) preservaa área de D (isto é, área de ϕ(s,D) = área de D), como corolário do resultadoacima.

Exercício : Sejam c0 e c1 duas curvas em IR3 de modo que c1 − c0 seja o bordode uma superfície M tangente a F . Mostre que

∫c1pdq −Hdt =

∫c0pdq −Hdt.

Para ter uma idéia de como as idéias acima se generalizam para dimensões maiores,considere

H : IR2N+1 → IR

de classe C2, notado H(p, q, t), p ∈ IRN , q ∈ IRN , t ∈ IR. Seja ϕ o fluxo associadoao sistema hamiltoniano

pi = −∂H∂qi

qi =∂H

∂pi.

Exercício : Mostre que se η é a 1-forma dada por η =N∑i=1

pidqi−Hdt (em IR2N+1)

e c é uma curva fechada em IR2N+1, então para todo s vale

Page 243: Calculo Avancado Felipe

N. EQUAÇÕES DE MAXWELL 243

∫ϕ(s,c)

η =∫cη .

O exercício acima deve ser difícil (ou ao menos trabalhoso - de certa forma implicaem refazer a demonstração do Teorema de Kelvin).

Exercício : Seja S uma superfície (objeto de dimensão 2) contido em um sub-espaço t = t0 de IR2N+1. Suponha que o bordo de S seja uma curva fechada c.Obtenha do resultado do exercício anterior que∫

c

N∑i=1

pidqi =∫ϕ(s,c)

N∑i=1

pidqi .

Conclua que se πi : IR2N+1 → IR2 é dada por πi(p, q, t) = (pi, qi) então

N∑i=1

area de πi(S) =N∑i=1

area de πi(ϕ(s, S)) .

n Equações de Maxwell

As chamadas Equações de Maxwell abarcam e enunciam de forma matematica-mente sucinta uma série de resultados obtidos, basicamente ao longo do séculoXIX, sobre os fenômenos elétricos e magnéticos. Consideraremos três campos devetores, E para o campo elétrico, H para o campo magnético e i para a densidadede corrente (definidos em IR× IR3). Consideremos também uma função escalar ρ,densidade de carga (também definida em IR× IR3), e uma constante c, velocidadeda luz no vácuo.

As equações de Maxwell no vácuo são :

∇.E = 4πρ (lei de Gauss)

∇.H = 0 (inexistencia de fontes magneticas)

∇× E = −1c

∂H

∂t(lei de Faraday)

∇×H =4πci+

1c

∂E

∂t(lei de Ampere)

Page 244: Calculo Avancado Felipe

244 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

Comecemos pela lei de Gauss. Da lei de Coulomb, temos que, em unidades ade-quadas, o campo elétrico devido a uma carga de intensidade q colocada no pontox (agindo sobre uma carga unitária positiva colocada em y)10 será dado por:

E(y) = q1

|y − x|3(y − x).

Para uma distribuição de cargas dada por ρ, podemos generalizar a lei de Coulomb,desde que ρ independa do tempo t:

E(y) =∫IR3

ρ(x)|y − x|3

(y − x)dx.

Exercício: Mostre que a integral acima é finita se ρ é limitada e integrável em IR3,com integral finita. Você pode melhorar estas hipóteses?Exercício: Pense a distribuição dada por ρ como caso limite de um grande númerode pequenas cargas, distribuídas por um grande número de pontos do espaço. Noteque, neste caso, o campo E é evidentemente conservativo (embora não definido nospontos ocupados pelas cargas). Note ainda que, neste caso, o fluxo de E atravésde qualquer superfície fechada S seria igual a 4π vezes a carga total encerrada porS.

Seja agora B uma região do espaço limitada por uma superfície S, boa para oteorema da divergência (B pode ser uma bola). O fluxo de E através de S serádado por ∫

SE.d~S =

∫S

(∫IR3

ρ(x)|y − x|3

(y − x)dx).d~Sy.

Exercício: Reflita sobre a possibilidade de se trocar a ordem das integrações nomembro à direita, já que a integral é imprópria. Que condições devemos exigirsobre ρ para que E seja C1? Note que, se, no lugar de uma distribuição contínuade cargas, com densidade ρ, tivéssemos uma quantidade finita (mesmo que enorme)de (pequenas) cargas, tais questões nem se colocariam; porém, como já destacamos,o campo E não estaria definido nos pontos em que houvesse carga.

Exercício: Trocando a ordem das integrações , mostre que∫SE.d~S =

∫IR3

ρ(x)(∫S

1|y − x|3

(y − x).d~Sy)dx = 4π∫Bρ(x)dx.

Conclua que, nos pontos de continuidade de ρ, temos ∇.E = 4πρ, pelo menos noseguinte sentido:

10Esta carga deve ser entendida como uma abstração , chamada carga de teste

Page 245: Calculo Avancado Felipe

N. EQUAÇÕES DE MAXWELL 245

limB→x

1µ(B)

∫SE.d~S = ρ(x),

onde B → x significa que B é uma bola contendo x, com raio tendendo a zero.

Exercício: Sob que hipóteses sobre ρ podemos dizer que E é conservativo, compotencial dado por

U(y) =∫IR3

ρ(x)|y − x|

dx?

Observemos agora que, mesmo com ρ dependendo de t, condições adequadas sobreρ fariam com que, permanecendo válida a lei de Coulomb, E fosse conservativoem x, o que seria incompatível com a lei de Faraday. Na concepção de Faraday,aprofundada por Maxwell, a idéia de carga elétrica e a lei de Coulomb não sãoo ponto de partida11. Assim, estaremos admitindo que os campos E e H sãoconceitos fundamentais.Exercício: Suponha que o campo E é conservativo (o que, como estamos em IR3,pode ser traduzido em ∇ × E = 0) e defina ρ por ∇.E = 4πρ. Seja ϕ tal que−∇ϕ = E. Use a segunda identidade de Green,∫

∂V(u∇v − v∇u).d~S =

∫V

(u4v − v4u)dV,

com u = ϕ e v(y) = 1/|x− y|, na região V compreendida entre as esferas Sε e SRde centro x e raios respectivamente iguais a ε e R, para obter:

∫SR

(1

|y − x|E(y)− ϕ(y)

y − x|y − x|3

).d~Sy −∫Sε

(1

|y − x|E(y)− ϕ(y)

y − x|y − x|3

).d~Sy = −4π∫V

ρ(y)|y − x|

dVy.

Suponha que E é limitado e que a integral sobre SR tende a zero quando R tendea infinito. Fazendo R→∞ e ε→ 0, conclua que

11Maxwell, referindo-se a Faraday, diz:Ele nunca considera corpos como existindo semnada entre eles a não ser sua distância. Ele concebe o espaço inteiro como um campode força, as linhas de força sendo em geral curvas, e aquelas devidas a cada corpo seestendendo a partir dele para todos os lados, suas direções sendo modificadas pela presençade outros corpos. Este trecho se encontra no ponto 529 do tratado de Maxwell, O métododeste tratado fundado no de Faraday

Page 246: Calculo Avancado Felipe

246 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

ϕ(x) =∫IR3

ρ(y)|y − x|

dV.

Agora suponha que o suporte de ρ está contido em uma bolinha Bε de centro y eraio r, com |x− y| > r. Mostre que

E(x) =∫Bε

ρ(z)|x− z|3

(x− z).dVz.

Suponha que ∫Bε

ρ(z)dVz = q.

Se fazemos ε tender a zero, mantendo q constante, mostre que, no limite, teremos

E(x) =q

|x− y|3(x− y).

Problema: Encontre condições razoavelmente gerais sobre E para que a integral∫SR

(1

|y − x|E(y)− ϕ(y)

y − x|y − x|3

).d~Sy,

que aparece no exercício acima, efetivamente tenda a zero quando R tende a in-finito.

Assim, temos bons motivos para, a partir da lei de Coulomb, acreditar na de Gauss(e vice-versa). Mas, como já salientamos, adotaremos o ponto de vista segundo oqual os campos E e H são considerados conceitos primitivos, a densidade de cargaρ sendo definida, a partir de E, pela lei de Gauss.

Nossa segunda lei, ∇.H = 0, expressa o fato de que, contrariamente ao que acontececom o campo elétrico, o campo magnético não é "gerado"por cargas magnéticas.Vamos tomá-lo como um resultado puramente experimental. Experimental, tam-bém, é a lei de Faraday. Os experimentos indicam que o campo elétrico não é,na verdade, conservativo. Se considerarmos uma curva fechada γ e uma superfícieS cujo bordo é dado por γ (com orientações compatíveis), então a integral de Esobre γ não é nula, mas está relacionada com a variação do campo H pela fórmula∫

γE = −1

c

d

dt

∫SH.

Aplicando o teorema de Kelvin, obtemos

Page 247: Calculo Avancado Felipe

N. EQUAÇÕES DE MAXWELL 247

∫S∇× E = −1

c

d

dt

∫SH.

Supondo E e H de classe C1, temos, já que a igualdade vale para toda S, aexpressão usual da lei de Faraday:

∇× E = −1c

∂H

∂t.

Exercício: Suponha que E tem derivada exterior em x e que H é contínua, comderivada em relação a t contínua. Mostre que a expressão acima para a lei deFaraday continua válida.

A lei de Ampère não tem, originalmente, a forma que lhe atribuímos acima. Numasimplificação um tanto grosseira, podemos dizer que, na versão inicial, esta leiestabelecia uma relação entre i e H, dada por∫

∂SH =

4πc

∫Si.

Aplicando o Teorema de Kelvin, teremos∫S∇×H =

4πc

∫Si,

o que dá, se i e ∇×H forem contínuos,

∇×H =4πci.

Tomando a divergência, isto nos daria ∇. i = 0. No entanto, se considerarmos umaregião B do espaço, a carga total em B será dada por

Q =∫Bρ,

de forma que

dQ

dt=

d

dt

∫Bρ.

Por outro lado, temos que a variação de Q pode ser medida pelo fluxo de i atravésde ∂B:

dQ

dt= −

∫∂Bi = −

∫B∇. i.

Page 248: Calculo Avancado Felipe

248 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

Assim, se ρ e i são de classe C1, devemos ter

∇. i = −∂ρ∂t

= − 14π

∂∇. E∂t

= − 14π∇.∂E

∂t.

Isto sugere que a equação original,

∇×H =4πci,

seja corrigida, sendo-lhe acrescentado o termo, devido a Maxwell (e chamado decorrente de deslocamento),

14π

∂E

∂t.

Ficamos, assim, com

∇×H =4πci+

1c

∂E

∂t.

Exercício: Suponha dados dois campos, E e H, satisfazendo à lei de Faraday e àcondição ∇. H = 0. Defina ρ e i pelas leis de Gauss e de Ampère. Mostre que E,H, ρ e i satisfazem às equações de Maxwell. Mostre também que ρ e i satisfazemà equação da continuidade:

∂ρ

∂t+∇. i = 0.

A partir das equações de Maxwell, podemos obter uma interessante relação entrenossos campos E e H e a equação da onda12.

Comecemos da equação mais simples, ∇. H = 0.

Exercício: Note que, como estamos em IR3, que é retrátil, podemos aplicar o Lemade Volterra e concluir que existe A : IR× IR3 → IR3 tal que

H = ∇×A.

Exercício: Note que nosso A não é único. Mostre que a diferença entre dois possíveisAs é dada por ∇f , para alguma f : IR× IR3 → IR.

12A equação da onda já fora bastante estudada antes de Maxwell, mas do ponto de vistadas vibrações mecânicas. Seu aparecimento no estudo dos fenômenos eletromagnéticostem importantes interpretações , do ponto de vista físico

Page 249: Calculo Avancado Felipe

N. EQUAÇÕES DE MAXWELL 249

Exercício: Substitua H = ∇×A na lei de Faraday e conclua que

E +1c

∂A

∂t= −∇ϕ,

para alguma ϕ : IR× IR3 → IR.Exercício: Note que, se acrescentarmos a nosso A o gradiente de alguma f (obtendoum novo A), nossa ϕ também mudará.

Substituir H = ∇×A na lei de Ampère exige uma conta:

Exercício: Mostre que ∇× (∇×A) = ∇(∇. A)−∆A, onde ∆A deve ser entendidocomo (∆A1,∆A2,∆A3), sendo A = (A1, A2, A3).Exercício: Conclua que

1c2

∂2A

∂t2−∆A =

4πci−∇

(∇. A+

1c

∂ϕ

∂t

).

Seria interessante, pois, escolher A e ϕ de forma a anular

∇. A+1c

∂ϕ

∂t.

Suponha que obtivemos (como o Lema de Volterra nos permite construir), um certovalor para A, que chamaremos de A0. A partir daí, temos uma correspondente ϕ0.Podemos, então , tentar determinar f de forma que, sendo A = A0 + ∇f , A e acorrespondente ϕ satisfaçam à relação acima.

Exercício: Substitua A = A0 +∇f , faça as contas e mostre que tudo estará bem sef satisfizer à equação :

1c2

∂2f

∂t2−∆f =

1c

∂ϕ0

∂t+∇. A0.

Exercício: Da lei de Gauss e das relaçõesE + 1

c∂A∂t = −∇ϕ

∇. A+ 1c∂ϕ∂t = 0,

deduza que ϕ deverá satisfazer à equação :

Page 250: Calculo Avancado Felipe

250 CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES

1c2

∂2ϕ

∂t2−∆ϕ = 4πρ.

Assim, podemos dizer que substituímos a determinação dos campos E e H, sat-isfazendo às equações de Maxwell, pela determinação do campo A (que pode serchamado de potencial vetorial) e da função ϕ (que também aparece como um po-tencial), satisfazendo às equações :

1c2∂2A∂t2−∆A = 4π

c i

1c2∂2ϕ∂t2−∆ϕ = 4πρ

∇. A+ 1c∂ϕ∂t = 0

As duas primeiras equações são equações da onda não homogêneas. A terceiraé chamada de condição de Lorenz.

Exercício: Suponha dados o campo i e a função ρ, e que A e ϕ satisfazem àsequações acima. Faça

H = ∇×A, E = −(∇ϕ+

1c

∂A

∂t

).

Mostre que ρ, i, H e E satisfazem às equações de Maxwell.

Page 251: Calculo Avancado Felipe

Parte III

FORMAS DIFERENCIAIS

251

Page 252: Calculo Avancado Felipe
Page 253: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 16

INTRODUÇÃO

a Cenas de Capítulos Anteriores

A discussão que leva ao conceito de determinante pode ser resumida em três pontos:(i) Se admitirmos volumes negativos e procurarmos ω : (IRN )N → IR,ω(v1, . . . , vn) = volume (com sinal) do paralelotopo formado por v1, . . . , vn, en-tão ω deve ser uma forma n-linear alternada1.

(ii) O espaço das FORMAS k-LINEARES ALTERNADAS em IRN , notado

por Ak(IRN ), tem dimensão(Nk

).

(iii) Cada transformação linear T : IRN → IRN define uma aplicação linear deAk(IRN ) em si mesmo, dada por ω 7→ ωT , ωT (v1, . . . , vN ) = ω(Tv1, . . . , T vN ).Segue de (ii) que, para cada T : IRN → IRN linear, existe um número detT tal queωT = detTω para toda ω em Ak(IRN ).

Exercício : Prove os pontos (ii) e (iii) acima (e entenda (i)).

Exercício : Prove que se (sendo 1 o elemento neutro de IK) 1 + 1 6= 0, entãoω(v1, . . . , vk) = 0 sempre que ω é k-linear alternada e v1, . . . , vk são linearmente

1Dado um espaço vetorial E sobre um corpo IK, uma forma k-linear alternada (ouanti-simétrica) em E é uma aplicação ω : Ek → IK tal que :(i) ω(λu + w, v2, . . . , vk) = λω(u, v2, . . . , vk) + ω(w, v2, . . . , vk), quaisquer que sejam u,wem E e λ em IK.

(ii) ω(v1, . . . , vi, . . . , vj , . . . , vk) = −ω(v1, . . . , vj , . . . , vi, . . . , vk), 1 ≤ i < j ≤ k

253

Page 254: Calculo Avancado Felipe

254 CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO

independentes (ou seja, se o paralelotopo formado por v1, . . . , vk tem dimensãomenor do que k, qualquer forma de medir seu “volume” k-dimensional dará 0 comoresultado). Em particular, AK(IRN ) = 0, se k > N .

OBSERVAÇÃO : Trate de entender bem os resultados acima.

Admitindo entendido que formas k-lineares alternadas servem para “medir coisasde dimensão k”, podemos mudar de cena. Fixemo-nos em IR3 e façamos mais trêsobservações:

(i) Toda forma 1-linear alternada em IR3 é dada por ω(v) = F1v1 + F2v2 + F3v3 =F.v para algum vetor F em IR3.

(ii) Toda forma 2-linear alternada em IR3 é dada por ω(u, v) = F1(u2v3 − u3v2) +F2(u3v1 − u1v3) + F3(u1v2 − u2v1) = F.(u× v) para algum vetor F em IR3.

(iii) Toda forma 3-linear alternada em IR3 é dada por ω(u,v,w)=det(u,v,w) 2

Desta maneira (vamos discutir isto em detalhe daqui a pouco), as clássicas “integraisde linha de um campo de vetores”, “integrais de superfície (fluxo) de um campo devetores” e “integral volumétrica de uma função escalar” podem ser re-interpretadasem termos de formas multilineares alternadas: um campo de vetores, do pontode vista das integrais de linha, é uma aplicação que a cada ponto associa umaforma linear (alternada); um campo de vetores, agora para efeito de cálculos deintegrais de superfície, é uma aplicação que a cada ponto associa uma forma bi-linear alternada; já uma função escalar, entendida como um integrando, é umaaplicação que a cada ponto associa uma forma tri-linear alternada.

b Os Objetos e os Integrandos

Nossa intuição geométrica identifica quatro classes de objetos em IR3, quanto àdimensão:

(i) Objetos compostos de um número finitos de pontos têm dimensão 0 e sãosuscetíveis de contagem;(ii) Curvas (ou uniões de curvas) têm dimensão 1 e comprimento;(iii) Superfícies (ou uniões de) têm dimensão 2 e área;

2Chamaremos, por abuso de linguagem, de determinante a forma N-linear alternadadet em IRN tal que det(e1, . . . , eN ) = 1.

Page 255: Calculo Avancado Felipe

B. OS OBJETOS E OS INTEGRANDOS 255

(iv) Sólidos têm dimensão 3 e volume.

Poderíamos, a esta altura e antes de mais nada, colocar duas questões bastantepertinentes:

Problema : Encontre definições adequadas de curva e de superfície.

Comecemos com as curvas. Temos duas possibilidades tradicionais, quanto aoponto de vista:

(i) Ponto de vista geométrico – uma curva é um subconjunto de IR3 satisfazendo acertas propriedades;

(ii) Ponto de vista paramétrico – uma curva é uma função de um intervalo da retaem IR3 satisfazendo a certas propriedades.

Adotaremos neste capítulo o ponto de vista paramétrico, por duas razões: primeiro,porque a definição é mais fácil; segundo, porque nossa experiência indica que asintegrais se calculam sempre via parametrizações. O ponto de vista geométricoserá abordado no próximo capítulo.

Assim, uma curva é uma função c : [a, b]→ IRN de classe C1.

Exercício : Por que não de classe C0 ? Por que não C1 por partes ?RESPOSTA : Já veremos.

De maneira mais geral, um cubo singular de dimensão k e classe Cr será umaaplicação c : B → IRN de classe Cr, onde B é um bloco (não degenerado) em IRk.Usualmente, diremos apenas um k-cubo Cr ou um k-cubo em IRN . Para todosos efeitos, um cubo é um objeto k-dimensional em IRN 3

Exercício : Observe que um k-cubo c : B → IRN não é um subconjunto de IRN .Observe que a imagem de c pode não ser realmente de dimensão k (para quem estáhabituado a pensar uma curva como trajetória não deve haver qualquer novidadeem pensar na curva c(t) = (0, 0, 0) ∀t ∈ [a, b]).

Consideremos agora um k-cubo de classe C1 em IRN e tentemos atribuir-lhe umvolume (entendido como um análogo k-dimensional da idéias de comprimento eárea). Comecemos observando que é possível definir em cada subespaço vetorialde dimensão k em IRN , uma forma k-linear alternada cujo valor em uma baseortonormal (para o produto vetorial herdado de IRN ) seja 1.

3Se k = 0, IRk = ∅. Um 0-cubo, portanto, é uma aplicação c : ∅ → IRN , o que,para efeitos práticos, corresponde a um ponto

Page 256: Calculo Avancado Felipe

256 CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO

c(x)

Exercício : Seja E um subspaço vetorial de IRN , de dimensão k. Seja v1, . . . , vkuma base ortonormal de E (para o produto vetorial de IRN ). Observe que existeuma única ω ∈ Ak(E) = formas k-lineares alternadas em E com ω(v1, . . . , vk) =1. Observe que se w1, . . . , wk é outra base ortonormal de E e ω ∈ Ak(E) étal que ω(w1, . . . , wk) = 1, então ω = ω ou ω = −ω (sugestão: a transformaçãoU : E → E dada por Uvi = wi é unitária; a forma ωU dada por ωU (z1, . . . , zk)= ω(Uz1, . . . , Uzk) é, como já vimos, dada por ωU = detUω; como detU = ±1,temos 1 = ω(w1, . . . , wk) = ωU (v1, . . . , vk) = ±ω(v1, . . . , vk); por outro lado, aindaporque dimAk(E) = 1, existe λ tal que ω = λω; como ω(v1, . . . , vk) = ±1, segueλ = ±1).

DEFINIÇÃO : SEJA E UM ESPAÇO VETORIAL DE DIMENSÃO k COMPRODUTO INTERNO. UMA FORMA k-LINEAR ALTERNADA EM E VAL-ENDO 1 EMALGUMABASE ORTONORMAL DE E SERÁ DITA UMA FORMADE VOLUME EM E.

OBSERVAÇÃO : O exercício acima mostra que:

(i) Se ω é uma forma de volume em E e w1, . . . , wk é uma base ortonormalqualquer de E, então ω(w1, . . . , wk) = ±1;

(ii) Só existem duas formas de volume em um espaço.

Como íamos dizendo, seja c : B → IRN de classe C1. Fixemos, para cada subespaçoE de dimensão k em IRN uma forma de volume volE . Nossa experiência commudanças de variáveis, comprimentos e áreas nos permite dizer que a relação entreo elemento de volume de nosso k-cubo nas cercanias de c(x) e o correspondenteelemento de volume nas cercanias de x é dada por

Page 257: Calculo Avancado Felipe

B. OS OBJETOS E OS INTEGRANDOS 257

| volE(c′(x)e1, . . . , c′(x)ek) |, onde e1, . . . , ek é base canônica de IRk e E é o espaço

gerado por c′(x)e1, . . . , c′(x)ek (se, por acaso, dimE < k, faremos volE ≡ 0).

Assim, se quisermos calcular o volume de nosso k-cubo, poremos

VOLUME DE c =∫

B| vol(c′(x)e1, . . . , c′(x)ek) |

Observe que a ambigüidade quanto ao integrando é apenas aparente:c′(x)e1, . . . , c

′(x)ek definem um subespaço E ; se dimE < k, entãovol(c′(x)e1, . . . , c

′(x)ek) = 0; se dimE = k, então só há duas formas de volumeem E, que diferem apenas no sinal.

Agora podemos colocar a questão: e se quisermos calcular outra coisa que não ovolume de c, mas que seja relacionada a volume (exemplos: massa. carga elétrica,energia interna) ? É claro que poderemos atribuir uma densidade a cada ponto daimagem de c (por exemplo por uma função f : c([0, 1k])→ IR) e calcular∫

Bf(c(x)) | vol(c′(x)e1, . . . , c

′(x)ek) |

Observando ainda o sinal de f(c(x)) pode ser mudado, podemos dizer que estaremoscalculando ∫

Bf(c(x))volE(c′(x)e1, . . . , c

′(x)ek)

Seja então, no espaço E gerado por c′(x)e1, . . . , c′(x)ek a k-forma

ω(c(x)) = f(c(x))volE . Não há mais como negar que, de maneira geral, estaremoscalculando ∫

Bω(c(x))(c′(x)e1, . . . , c

′(x)ek) ,

onde ω(c(x)) é uma forma k-linear alternada no espaço gerado por c′(x)e1, . . . , c′(x)ek

(que bem pode ser chamado espaço tangente A c EM c(x)).

A maneira mais simples de definir uma forma k-linear alternada no espaço tangentede cada ponto de c(B) é a seguinte: suponha que c(B) ⊂ A ⊂ IRN , A aberto, e quea cada ponto y de A associamos uma forma k-linear alternada ω(y) em IRN , istoé ω : A → Ak(IRN ) está definida; então, para cada x ∈ B temos a forma ω(c(x)),que pode ser restrita ao espaço tangente a c em c(x).

Juntando tudo:

Page 258: Calculo Avancado Felipe

258 CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO

DEFINIÇÃO : SEJA A UM ABERTO4 DE IRN . UMA FORMA DIFER-ENCIAL DE GRAU k E CLASSE Cr EM A É UMA APLICAÇÃO ω : A→Ak(IRN ) de classe Cr.

OBSERVAÇÃO : Ak(IRN ) é um espaço vetorial de dimensão finita. Portanto, adefinição de diferenciabilidade independe da norma escolhida. ω será dita tambémuma k-forma Cr, ou apenas uma k-forma. Mais adiante, quando generalizarmosa idéia de forma diferencial, usaremos, para os objetos que acabamos de definir, aexpressão forma diferencial clássica.

DEFINIÇÃO : SEJAM A UM ABERTO EM IRN , ω UMA k-FORMA C0 EMA E c UM k-CUBO SINGULAR DE CLASSE C1 COM VALORES EM A. AINTEGRAL DE ω SOBRE c É DEFINIDA POR∫

cω =

∫Bω(c(x))(c′(x)e1, . . . , c′(x)ek)

OBSERVAÇÃO : Se f : B → IR é contínua podemos re-interpretar∫B f da

seguinte maneira: Seja Ik : B → IRk dada por Ik(x) = x. Seja ωf a k-formadefinida por ωf (x)(v1, . . . , vk) = f(x)det(v1, . . . , vk). Então teremos∫

Bf =

∫Ikωf

(Observe que f pode ser estendida continuamente – por reflexão, por exemplo – aum aberto contendo B).

Exercício : Sejam A um aberto em IR3, F : A → IR3 um campo de vetorescontínuo e c : B → A de classe C1, B bloco em IR2.Seja ωF : A→ A2(IR3) dada por

ωF (x)(u, v) = det(F (x), u, v).

Observe que∫c ωF =

∫B F (c(x)).

(∂c∂x1

(x)⊗ ∂c∂x2

(x))

onde ⊗ indica produto vetorial.Sejam agora A um aberto de IRN , F : A→ IRN de classe C0 e c : B → A de classeC1, B bloco em IRN−1. Seja ωF : A→ AN−1(IRN ) dada por ωF (x)(v1, . . . , vN−1) =det(F (x), v1, . . . , vN ).

4A rigor, basta supor A ⊂ IRN . Neste caso ω de classe Cr significa que ω se estende auma forma k-forma Cr em um aberto contendo A.

Page 259: Calculo Avancado Felipe

C. A DERIVADA EXTERIOR 259

Observe que ∫cωF =

∫Bdet

(F (x),

∂c

∂x1(x), . . . ,

∂c

∂xN−1(x))

c A Derivada Exterior

Pelo que acabamos de ver, uma k-forma em A é uma aplicação ω : A → Ak(IRN )(supondo A ⊂ IRN ). Neste sentido, visto que Ak(IRN ) é um espaço vetorial dedimensão finita, podemos dizer que ω é diferenciável em x ∈ A se existe

ω′(x) : IRN → A(IRN ) ,

comlimh→0

‖ω(x+ h)− ω(x)− ω′(x)h‖| h |

= 0 ,

onde ‖ ‖ representa uma norma qualquer (todas são equivalentes) para Ak(IRN).

Exercício : Mostre que ‖ ‖ : Ak(IRN )→ IR dada por

‖ω‖ = max|v1|=···|vk|=1

| ω(v1, . . . , vk) |

é uma norma e que | ω(v1, . . . , vk) | ≤ ‖ω‖ | v1 | · · · | vk | ∀ω ∈ Ak(IRN ),v1, . . . , vk ∈ IRN

Até aqui nenhuma surpresa, mas não é desta diferenciação que vamos falar. Narealidade devemos mudar de ponto de vista e recomeçar com uma afirmação algobombástica, a partir da observação de que, dada uma k-forma ω em A, não nosinteressa tanto conhecer ω(x) para cada x em A, mas sim

∫c ω para cada k-cubo

em A.

Uma k-forma em A é uma aplicação que a cada k-cubo em A associa umnúmero real.

OBSERVAÇÃO : Evidentemente não é verdade que qualquer aplicação que acada k-cubo em A associa um número real seja oriunda de uma k-forma em A(pense, por exemplo, na aplicação c 7→| c(0, . . . , 0) |). O que nos importa agora é

Page 260: Calculo Avancado Felipe

260 CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO

c1

c0

o entendimento de que as k-formas constituem uma classe particular dentre estasaplicações.

Para esclarecer melhor as coisas, consideremos um aberto A de IRN e uma k-formaω : A→ Ak(IRN ), suposta de classe C0. Seja Sk,1 o conjunto dos k-cubos de classeC1 em A. Considere a aplicação

Fω : Sk,1(A) −→ IRc 7−→ Fω(c) =

∫c ω

Ora, o estudo da variação de ω pertence ao Cálculo Diferencial. O que realmentepode trazer alguma novidade é o estudo da variação de Fω (quando variamos c).Na verdade, porém, também aí não há nada de novo. A técnica é devida a Eulere Lagrange, está na base do cálculo das variações (rigorosamente, poderíamosdizer, um capítulo do Cálculo Diferencial em dimensão infinita).

Tudo que temos a fazer, em princípio, é considerar dois k-cubos c1 e c0 e analisarFω(c1)− Fω(c0). A maneira mais simples seria considerar uma “variação” de c0 ec1 parametrizada por um intervalo da reta. Em linguagem moderna,

devemos considerar uma homotopia H : [0, 1] × B → A, com H(0, x) ≡ c0(x) eH(1, x) ≡ c1(x). Para cada s ∈ [0, 1] teremos um k-cubo cs dado por cs(x) =H(S, x), o que produz uma função

f : [0, 1] −→ IRs 7−→ Fω(cs) =

∫csω

Page 261: Calculo Avancado Felipe

C. A DERIVADA EXTERIOR 261

.

.

c1

c0

O único cuidado a tomar é o seguinte: quando variamos o k-cubo de c0 a c1, o“deslocamento” dos pontos do “bordo” produz novos k-cubos, que terão que serconsiderados, a menos que convencionemos fazer homotopias “de bordo fixo”.

Recordemos, para ilustrar o procedimento, o Teorema de Stokes em IR3.

Escrevendo cs(x) = H(s, x) e considerando f(s) =∫Csω, onde ω é a 1-forma

dada por ω(x)(v) = F (x).v, obtemos∫c1ω −

∫c0ω∫ 1

0 f′(s)ds =

=∫ 1

0

∫ 10 ∇× F (H(s, x)).

(∂H∂s (s, x)⊗ ∂H

∂x (s, x))dsdx

A observação crucial é que H é um 2-cubo e o termo à direita representa a integralsobre H da 2-forma dω dada por dω(y)(u, v) = ∇ × F (y).(U ⊗ v). Observandoainda que c0 e c1 constituem, de alguma forma, o bordo de H, concluímos quenosso porocedimento produz algo de novo enfim: se “variamos” um k-cubo de c0 ac1 de maneira que c0 e c1 constituam o “bordo” de um (k+1)-cubo H, então existeuma (k + 1)-forma dω tal que∫

c1

ω −∫c0

ω =∫Hdω

A forma dω será chamada derivada exterior de ω.

O objetivo básico deste capítulo é desenvolver as idéias esboçadas acima. O tra-balho é, principalmente, psicológico: trata-se de deixar de pensar em termos de

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262 CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO

c0

c1

funções de pontos e diferenciais relacionando valores de uma função em pontosdistintos; para pensar em termos de formas e derivadas exteriores relacionandoobjetos geométricos e seus bordos.

d O Teorema de Stokes

Comecemos observando que nosso interesse não são os pontos e as funções de pon-tos, mas objetos geométricos tais como curvas, superfícies e seus análogos de outrasdimensões; as funções que nos ocupam associam números a objetos geométricos.

Consideremos pois que nossos objetos geométricos estão divididos em classes, se-gunda a dimensão. Os objetos geométricos de dimensão k serão constituídos de k-cubos (essencialmente, uniões finitas de k-cubos). Vamos chamá-los de k-cadeias.O exemplo básico de uma k-cadeia é o bordo de um (k+1)-cubo, que é constituídode 2(k + 1) k-cubos.

Pensemos pois um k-cubo como um objeto geométrico de dimensão k, dotado deuma orientação (se k = 1, temos curvas com sentido de percurso definido; se k = 2,temos superfícies com direção normal definida – idéias válidas em IR3 é claro). Um0-cubo é um ponto. Convencionaremos chamar de −c o objeto c com a orientaçãotrocada, de nc o mesmo objeto contado n-vezes.

Page 263: Calculo Avancado Felipe

D. O TEOREMA DE STOKES 263

c2c1

c

Vamos substituir a idéia de homotopia pela de homologia. Basicamente, a difer-ença é a seguinte: uma homotopia entre dois objetos de dimensão k é uma defor-mação de um no outro; uma homologia é a “construção” de um objeto de dimensãok + 1 cujo bordo é constituído pelos objetos homólogos.

Vale observar que, em nossas homotopias, temos sempre incluído hipóteses quefazem com que sejam, em verdade, homologias. Sejamos um pouco mais explícitos.

Fixemo-nos em um aberto A ∈ IRN e consideremos objetos k-dimensionais em A.

HOMOTOPIA – Consideremos que os nossos objetos são k-cubos c : B → A declasse Cr. Podemos pensar que estamos trabalhando em Ω = c : B → A, c declasse Cr, que é um aberto do espaço E = c : B → IRN , c de classe Cr. Dadosdois k-cubos c0 e c1 em A, uma homotopia em A entre c0 e c1 nada mais é queum caminho h : [0, 1]→ Ω; com h(0) = c0, h(1) = c1 (podemos exigir, é claro queh seja de classe Cr, ou ao menos C0).

Page 264: Calculo Avancado Felipe

264 CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO

c0

c1

No entanto, nem todas as homotopias são “boas”:

Na realidade, são “boas” apenas as homotopias que fazem de c1− c0 o bordo de um(k+ 1)-cubo em A. Embora sem definir bordo e sem explicar por que c1− c0 e nãoc1 + c0, podemos entender que este é o caminho para o que procuramos. A idéiade homotopia é considerar os k-cubos como pontos em E; o fato de desconhecer-mos seu caráter k-dimensional faz com que tenhamos que escolher quais as “boas”homotopias.

HOMOLOGIA – Consideremos o bordo de um (k + 1)-cubo; certamente é umobjeto k-dimensional, mas não é um k-cubo (é, na verdade, composto de 2(k + 1)k-cubos). Assim, se quisermos falar em bordo, somos forçados a trabalhar comobjetos mais gerais do que simples k-cubos. Diremos que uma k-cadeia de classeCr é uma soma formal

c = n1c1 + · · ·+ nlcl ,

c1, . . . , cl k-cubos de classe Cr, n1, . . . , nl números inteiros. k-cadeias podem sersomadas formalmente da maneira óbvia. Convencionaremos ser nula a cadeia ncse n = 0 ou se c é um k-cubo degenerado (isto é, se dimc′(x)IRk < k para todox em B – essencialmente, isto quer dizer que c é um objeto de dimensão menor doque k).

Não vamos definir aqui o bordo de uma cadeia. Basta que possamos entender quese c é uma (k + 1)-cadeia, então seu bordo é uma k-cadeia (notada ∂c). O grupodas k-cadeias de classe Cr em A será notado Ck,r(A).

Duas k-cadeias c0 e c1 em A serão ditas homólogas se existe uma (k + 1)-cadeia(tão Cr quanto c0 e c1) c tal que ∂c = c1 − c0.

Page 265: Calculo Avancado Felipe

D. O TEOREMA DE STOKES 265

Agora considere uma k-forma ω em A e uma k-cadeia c, também em A (ω de classeC0 e c de classe C1). Sendo c = n1c1 + · · ·+ nlcl defina∫

cω = n1

∫c1

ω + · · ·+ nl

∫cl

ω5

O Teorema de Stokes diz simplesmente que se ω é uma k-forma em A, suaderivada exterior é uma (k + 1)-forma dω em A tal que se c0 e c1 são duask-cadeias em A “ligadas” pela (k + 1)-cadeia c (isto é, c1 − c0 = ∂c), então∫

c1

ω −∫

c0

ω =∫

cdω ,

ou, se preferirmos, ∫∂cω =

∫cdω

Observação : Notando por Ak,1(A) o espaço das k-formas de classe C1 em A,temos que a integral define uma dualidade entre Ak,0(A) e Ck,1(A), dada por

〈ω, c〉 =∫

Neste sentido, as operações d : Ak,1(A) → Ak+1,0(A) e ∂ : Ck+1,1(A) → Ck,1(A)são duais, já que podemos re-enunciar o Teorema de Stokes como

〈ω, ∂c〉 = 〈dω, c〉

Observação : Ao leitor que se pergunte se não seria mais honesto adotar desdeo princípio um ponto de vista não paramétrico, já que raciocinamos todo o tempocomo se nossas k-cadeias fossem subconjuntos k-dimensionais de IRN , observamosque existem situações simples e importantes em que o ponto de vista paramétricoé mais natural (ou praticamente o único possível)

Observação : O fato de o operador d levar formas C1 em formas C0, o que nãoacontece, em relação às cadeias, com o operador ∂, tira um pouco da beleza da

5Note que não há ambigüidade : se n ∈ ZZ e c é um k-cubo de forma que nc = 0,então n = 0 ou c é degenerado; em ambos os casos teremos n

∫cω = 0

Page 266: Calculo Avancado Felipe

266 CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO

c0

c1

c1

c0 BA

dualidade. Veremos depois que, com definições adequadas, é possível eliminar estadiscrepância.

Page 267: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 17

O TEOREMA DADIVERGÊNCIA

O que até aqui foi dito, por enquanto, deixou apenas no ar a possibilidade de umteorema bastante geral. Vamos agora pôr os pés no chão e abordar um caso emque as coisas devem ser relativamente simples.

a (N-1)-Formas em IRN

Exercício : Seja a ∈ IRN . Observe que ωa : (IRN−1)→ IR dada por ωa(v1, . . . , vN−1)= det(a, v1, . . . , vN−1) é uma (N − 1)-forma alternada em IRN .

PROPOSIÇÃO : SE ω ∈ AN−1(IRN ), ENTÃO EXISTE a ∈ IRN TAL QUE ωÉ DADA POR ω(v1, . . . , vN−1) = det(a, v1, . . . , vN−1)

Demonstração : Num estilo tradicional,gostaríamos de desenvolver det(a, v1, ..., vN−1)em “determinantes menores” relativos a a. Se a = (a1, . . . , aN ), devemos certamenteter ai = (−1)i+1ω(e1, . . . , ei, . . . , eN ), onde ei significa que o vetor ei não estáincluído.

Para uma demonstração um pouco mais formal, considere em AN−1(IRN ) as formasei, i = 1, . . . , N , dadas por

ei(v1, . . . , vN−1) = det(ei, v1, . . . , vN−1)

267

Page 268: Calculo Avancado Felipe

268 CAPÍTULO 17. O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA

que constituem uma base de AN−1(IRN ). Observe que se (α1e1 + . . . + αN eN )(v1, . . . , vN ) = 0 ∀v1, . . . , vN−1 ∈ IRN , então, sendo α = (α1, . . . , αN ), teremosdet(α, v1, . . . , vN−1) = 0∀v1, . . . , vN−1 ∈ IRN , e portanto, α = (0, . . . , 0). Temosentão que, para cada ω ∈ AN−1(IRN ), existem a1, . . . , aN ∈ IR com ω = a1e1 +· · ·+ aN eN , o que prova o resultado.

Exercício: Já estamos com a mão na massa, prove que se α ∈ IRN edet(α, v1, . . . , vN−1) = 0 ∀v1, . . . , vN−1 ∈ IRN , então α = (0, . . . , 0)).

A conclusão que tiramos é a seguinte: se A é um aberto de IRN e ω é uma (N −1)-forma de A de classe Cr, então existe um campo de vetores a : A→ IRN de classeCr com

ω(x)(v1, . . . , vN−1) = det(a(x), v1, . . . , vN−1)∀v1, . . . , vN−1 ∈ IRN

Exercício: Observe que, em IR3, a coisa se passa assim: Se A ⊂ IR3 é aberto eω : A → A2(IR3) é dada por ω(x)(u, v) = det(a(x), u, v) = a(x).(u ⊗ v), então,dada uma superfíicie parametrizada c : [a1, b1] × [a2, b2] → A, a integral de ωsobre c é exatamente o fluxo de a através de c. Note que, em IR2, se fizermosω(x)v = det(a(x), v), então a integral de ω sobre uma curva c também representaráum fluxo (estaremos integrando a componente do campo a normal a c).

b O Bordo do CuboSeja B bloco em IRN . Consideremos o N -cubo IN : B → IRN dado por IN (x) = x.Não há a menor dúvida que qualquer definição razoável de bordo de IN terá queser construída “juntando” suas faces Fij dadas por

Fij(s1, . . . , sN−1) = (s1, . . . , si−1, j, si, . . . , sN−1), j = 0, 1, i = 1, . . . , N,

(podemos também escrever Fij(s1, . . . , si, . . . , sN ) = jei +N∑k=1k 6=1

skek).

A experiência em dimensões 2 e 3, porém, ensina que devemos ser cautelosos

Page 269: Calculo Avancado Felipe

B. O BORDO DO CUBO 269

figura 8

Exercício: Podemos utilizar um método tradicional e definir o bordo de IN segundoa orientação da normal exterior. A idéia é considerar os Fij como parametriza-ções das faces de IN . Os vetores e1, . . . , ei, . . . , eN (ei omitido)1 formam umabase orientada do plano tangente à face perpendicular a ei na altura j, segundo aparametrização Fij . O vetor normal à face, segundo a parametrização Fij , seráobtido pelo produto vetorial de e1, . . . , ei, . . . , eN . Generalizando a regra usual,definiremos, para v1, . . . , vN−1 ∈ IRN , seu produto vetorial por

v1 ⊗ · · · ⊗ vN−1 = (u1, . . . , uN) ,

onde cada ui é definido da seguinte maneira: sendo πi : IRN → IRN−1 dada por

πi(x1, . . . , xN ) = (x1, . . . , xi, . . . , xN ) ,

poremosui = (−1)i+1det(πivi, . . . , πivN−1) .

Mostre que e1 ⊗ . . . ⊗ ei ⊗ . . . eN = (−1)i+1e1. Se Fij é tal que o vetor normalcorrespondente “aponta para fora” do cubo, dar-lhe-emos o sinal positivo; casocontrário, sinal negativo. É claro então que a “normal exterior” em Fij é ei se j = 1e −ei se j = 0. Assim, podemos considerar razoável definir o bordo de IN comosendo a (N − 1)-cadeia

∂IN =N∑

i=1

1∑j=0

(−1)i+jFij.

Observação: A definição acima está formalmente correta, geometricamente moti-vada e é coerente com nossa experiência em dimensões 2 e 3. Falta, porém, oprincipal: por que esta e não outra, para quê ? Já que não há pressa, podemos,pelo menos por enquanto, considerá-la apenas uma definição possível. Não pre-cisamos definir agora o bordo de IN ; a boa definição deve surgir ao procurarmosdemonstrar nosso teorema no cubo.

1Usaremos sempre esta convenção: x1, . . . , xi, . . . , xN significa que “xi não existe”.

Page 270: Calculo Avancado Felipe

270 CAPÍTULO 17. O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA

c O Teorema

Consideremos o bloco B em IRN e o cubo singular IN : B → IRN e suas 2N facesFij como definidos acima. Seja ω uma (N − 1)-forma de classe C1 definida em umaberto A contendo B, ω dada por

ω(x)(v1, . . . , vN−1) = det(a(x), v1, . . . , vN−1) ,

a(x) = (a1(x), . . . , aN (x)), ai : A → IR de classe C1, i = 1, . . . , N . Se calcular-mos

∫Fij

ω, obteremos, sendo Bi a projeção de B em IRN−1 que omite a i-ésimacoordenada,

∫Fij

ω ==∫

Bidet(a(x1, . . . , xi−1, j, xi+1, . . . , xN ), e1, . . . , ei, . . . , eN )dx1 . . . dxi . . . dxN =

= (−1)i−1∫

Biai(x1, . . . , xi−1, j, xi+1, . . . , xN )dx1 . . . dxi . . . dxN

Agora basta observar que, para cada i, o integrando é o mesmo tanto para j = 1como para j = 0: ai calculado como xi = j. Quem já aprendeu o TeoremaFundamental do Cálculo sabe o que isto significa. Para acertar o sinal, bastariaque

∫Fij

ω fosse precedida da mesmo sinal que (−1)i−1, se j = 1 e o contrário sej = 0. Uma boa escolha é (−1)i+j . Já podemos ratificar a definição do bordo deIN :

∂IN =N∑

i=1

1∑j=0

(−1)i+jFij .

Só resta enunciar (a prova está feita) nossa primeira versão doTeorema de Stokesem dimensão N qualquer (provavelmente já conhecida no século XVIII):

TEOREMA DA DIVERGÊNCIA2: SEJA ω UMA (N − 1)-FORMA EM UMABERTO A DE IRN , DADA POR ω(x)(v1, . . . , vN−1) = det(a(x), v1, . . . , vN−1).SE a : A→ IRN É DE CLASSE C1 e B é um bloco contido em A, ENTÃO∫

∂IN

ω =∫

IN

dω ,

2a expressão ∂a1∂x1

+ · · ·+ ∂aN

∂xNé conhecida por divergência de a

Page 271: Calculo Avancado Felipe

C. O TEOREMA 271

ONDE dω É A N -FORMA (DE CLASSE C0) EM A DADA POR

dω(x)(v1, . . . , vN) =(∂a1

∂x1+ · · ·+

∂aN

∂xN

)(x)det(v1, . . . , vN) .

Page 272: Calculo Avancado Felipe

272 CAPÍTULO 17. O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA

Page 273: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 18

PEQUENA PAUSA PARAREFLEXÃO

Já temos uma primeira versão do resultado que estamos buscando. Sólida, óbviae, principalmente, insatisfatória. Queremos um teorema relativo a integrais deformas de grau k qualquer envolvendo objetos de dimensão (k + 1) e seus bordos(de dimensão k).

Ora, se considerarmos um (k+ 1)-cubo singular c : B → IRN , é razoável supormosque seu bordo seja a “imagem por c” do bordo de IK+1. Por outro lado, se A é umaberto de IRN contendo c(B) e ω : A→ Ak(IRN ) é uma k-forma, todos os cálculosde integrais referentes a ω terão que ser feitos “trazendo tudo de volta” para IRk+1

(e depois, é verdade, para IRk).

Em termos geométricos, a aplicação c leva B para IRN ; na hora das contas, porém,c traz os cálculos de IRN para B. É essa a nossa chance, pois em B já temos oteorema desejado. Procuraremos a seguir esclarecer esse “leva e traz”.

c

273

Page 274: Calculo Avancado Felipe

274 CAPÍTULO 18. PEQUENA PAUSA PARA REFLEXÃO

Page 275: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 19

O PULLBACK

Consideremos a situação descrita pela figura acima. Se c é um k-cubo em A,podemos “levar” c para B através de ϕ, obtendo o k-cubo ϕ c. Se ω é umak-forma em B, podemos agora calcular

∫ϕc ω:∫

ϕcω =

∫Bω(ϕ(c(x)))(ϕ′(c(x))c′(x)e1, . . . , ϕ

′(c(x))c′(x)ek)dx

Ora, se olharmos com cuidado, veremos que o termo à direita representa a integralsobre c de uma nova k-forma,

ϕ∗ω : A −→ Ak(IRN)x 7−→ ϕ∗ω(x) ,

ϕ∗ω(x)(v1, . . . , vk) = ω(ϕ(x))(ϕ′(x)v1, . . . , ϕ′(x)vk)

v2

v1x

ϕ c

ϕ

c

ϕ(x)

ϕ′(x)v2

ϕ′(x)v1

275

Page 276: Calculo Avancado Felipe

276 CAPÍTULO 19. O PULLBACK

ϕ∗ω é chamada pullback de ω por ϕ.

Exercício : Entenda que “pullback” é apenas uma forma modernosa de dizerem inglês o que usualmente é chamado de mudança de coordenadas (ou devariáveis).

Assim, o pullback nos fornece uma fórmula de mudança de variáveis bvastanteadequada. Para estendê-la a cadeias:

DEFINIÇÃO : SEJAM A ⊂ IRN , B ⊂ IRM , c = n1c1 + · · · + nici UMAk-CADEIA DE CLASSE Cr EM A E ϕ : A→ B DE CLASSE Cr. A IMAGEMDE c POR ϕ É A k-CADEIA Cr EM B DEFINIDA POR

ϕ(c) = n1ϕ c1 + · · ·+ niϕ ci

Temos então a fórmula de mudança de variáveis: nas condições da definiçãoacima (com r ≥ 1), se ω é uma k-forma C0 em B, vale∫

ϕ(c)ω =

∫cϕ∗ω.

Page 277: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 20

O BORDO

Já definimos o bordo do k-cubo singular Ik : B → IRk, Ik(x) = x. Visto quequalquer k-cubo c se escreve c = c(Ik), é natural definirmos

∂c = c(∂Ik)

Observemos que isto significa que, para cada i = 1, . . . , k, j = 0, 1, consideramos,supondo dado c : B → IRN ,

cij : Bi −→ IRN

(x1, . . . , xi, . . . , xk) 7−→ c(x1, . . . , xi−1, j, xi+1, . . . , xN)

e definimos

∂c =k∑

i=1

1∑j=0

(−1)i+jcij

Se c = n1c1 + · · ·+ nlcl é uyma k-cadeia, definimos

∂c = n1∂c1 + · · ·+ nl∂cl

É imediato observar que o operador bordo (c 7→ ∂c) comuta com as mudançasde variáveia, isto é: se c é uma cadeia em A e ϕ : A→ B é dada, então

∂(ϕ(c)) = ϕ(∂c)

277

Page 278: Calculo Avancado Felipe

278 CAPÍTULO 20. O BORDO

OBSERVAÇÃO : É muito importante ter presente que, embora raciocinemos comfreqüência como se isto fosse verdade, o cubo c : B → IRN não deve ser confundidocom sua imagem c(B). Para o leitor que tenha passado um pouco rapidamentepelo Capítulo I, recitamos Riemann em seus “Princípios fundamentais para umateoria geral das funções de uma grandeza variável complexa” (Göttingen, 1851):

“Nas considerações seguintes, limitaremos a variabilidade dasgrandezas x e y a um domínio finito, e, como lugar do ponto0 não teremos mais em vista o próprio plano A, mas umasuperfície T recobrindo ente plano.

Escolhemos este modo de representação onde não há nadade chocante em falar de superfícies superpostas, a fim depodermos admitir que o lugar do ponto 0 possa recobrir váriasvezes a mesma parte do plano . . .”

Exercício : Pense um 2-cubo com um pedaço de fazenda.

Exercício : Seja c : [0, 1]2 → IR2 dada por c(x1, x2) = ((2x1 − 1)2, x2). Mostreque o bordo de c é um tanto diferente da fronteira do conjunto c([0, 1]2).

Exercício: Seja c uma cadeia. Mostre que ∂(∂c) = 0 (faltou dizer isto: o bordo deuma 0-cadeia é definido como sempre nulo).

EXEMPLO : Considere o 2-cubo c : [0, 1]2 → IR3 representando a esferaparametrizada; dado por

c(s, t) = (senπscos2πt, senπssen2πt, cosπs)

Calculemos o bordo de c:

c10(t) = (0, 0, 1),c11(t) = (0, 0,−1),c20(s) = (senπs, 0, cosπs)c21(s) = (senπs, 0, cosπs)

Observando que c10 e c11 são degenerados (e portanto nulos), temos

∂c = −c10 + c11 + c20 − c21 = 0

EXEMPLO UM POUCO MAIS GERAL : Vamos definir por indução a esferaparametrizada de dimensão N por

S1(x1) = (cos2πx1, sen2πx1)SN+1(x1, . . . , xN , xN+1) = (senπxN+1S

N (x1, . . . , xN ), cosπxN+1) , N ≥ 1,

Page 279: Calculo Avancado Felipe

279

onde estamos identificando IRN+1 com IRN × IR. Observe que

SN+1(x1, . . . , xN+1) = (senπxN+1 · · · senπx2cos2πx1,senπxN+1 · · · senπx2sen2πx1,senπxN+1 · · · senπx3cos2πx2, . . . ,senπxN+1 · · · senπxi+1cos2πxi, . . . , cosπxN+1),

(x1, . . . , xN+1) ∈ [0, 1]N+1.

Note ainda que se y21 + · · · + y2

N+1 = 1, então existe um único xN+1 ∈ [0, 1]com cosπxN+1 = yN+1 e que y2

1 + · · · + y2N = sen2πxN+1 (compreenda que isto

significa que a imagem de SN+1 é a esfera SN+1 = (y1, . . . , yN+1) ∈ IRN+1,y21 + · · ·+ y2

N+1 = 1 “coberta apenas uma vez”).Para mostrar que ∂SN+1 = 0, observe que SN+1

ij é degenerado sempre que i > 1 eque SN+1

10 = SN+111 .

Page 280: Calculo Avancado Felipe

280 CAPÍTULO 20. O BORDO

Page 281: Calculo Avancado Felipe

Capítulo 21

O TEOREMA DE STOKES E ADERIVADA EXTERIOR,VERSÃO CLÁSSICA

Suponhamos dados um aberto A ⊂ IRN e uma (k − 1)-forma ω em A. Dado umk-cubo singular c : B → A, podemos, supondo ω contínua e c de classe C1, trazera integral de ω sobre ∂c para ∂Ik, observando que ∂c = c(∂Ik):∫

∂cω =

∫c(∂Ik)

ω =∫∂Ik

c∗ω .

Aplicando nossa versão preliminar do Teorema de Stokes, teremos∫∂cω =

∫∂Ik

c∗ω =∫Ikd(c∗ω) .

c

A

281

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282CAPÍTULO 21. O TEOREMADE STOKES E A DERIVADA EXTERIOR, VERSÃO CLÁSSICA

É, pois, praticamente um dever pesquisar uma expressão para d(c∗ω)1. Para istoprecisamos saber como escrever

c∗ω(x)(v1, . . . , vk−1) = det(a(x), v1, . . . , vk−1) .

Exercício: Seja η uma (k − 1)-forma em A ⊂ IRk dada por

η(x)(v1, . . . , vk) = det(a(x), v1, . . . , vk) ,

onde a(x) = (a1(x), . . . , ak(x)) ∈ IRk. Mostre que

ai(x) = (−1)i+jη(x)(e1, . . . , ei, . . . , ek), i = 1, . . . , k

Podemos então escrever

d(c∗ω)(x) =(∂a1

∂x1+ · · ·+ ∂ak

∂xk

)det ,

ondeai(x) = (−1)i+1(c∗ω)(x)(e1, . . . , ei, . . . , ek) =

= (−1)i+1ω(c(x))(c′(x)e1, . . . , ˆc′(x)ei, . . . , c′(x)ek)

Resta calcular∑k

i=1∂a1∂xi

(x). Basta observar que, dados uma forma l-linear η el vetores v1, . . . , vl, a expressão η(v1, . . . , vl) é (l + 1)-linear (em η, v1, . . . , vl) e,portanto, se deriva como um produto.Vamos supor que c seja de classe C2 e que ω seja de classe C1 (isto significa quese y ∈ A e h ∈ IRN , então ω′(y)h é uma (k + 1)-forma em IRN ). Mãos à obra:

∂ai∂xi

(x) = (−1)i+1ω′(c(x))c′(x)ei(c′(x)e1, . . . , ˆc′(x)ei, . . . , c′(x)ek)+

+ (−1)i+1k∑j=1

j 6=i

ω(c(x))(c′(x)e1, . . . , c′′(x)eiej , . . . , ˆc′(x)ei, . . . , c

′(x)ek)

Observemos agora que cada termo j dentro do sinal∑

reaparece em ∂aj∂xj

(x), sóque os sinais se cancelam. De fato, consideremos i e j distintos. Podemos suporj < i. Os termos em questão são

1Este comentário, na verdade, só aparece em um texto quando o autor já sabe que a“pesquisa” vai dar bons frutos.

Page 283: Calculo Avancado Felipe

283

(−1)i+1ω(c(x))(c′(x)e1, . . . , c′′(x)eiej , . . . , ˆc′(x)ei, . . . , c

′(x)ek) (em ∂ai∂xi

(x))e (−1)i+1ω(c(x))(c′(x)e1, . . . , ˆc′(x)ej , . . . , c

′′(x)ejei, . . . , c′(x)ek) (em ∂aj∂xj

(x))

A única diferença é que (−1)j+1 e que o j-ésimo vetor da primeira expressão “saltou(i− 1− j) casas” para “virar” o i− 1-ésimo vetor na segunda expressão, o que fazcom que os dois termos se cancelem.Temos, portanto,

k∑i=1

∂ai∂x1

(x) =k∑i=1

(−1)i+1ω′(c(x))c′(x)ei(c′(x)e1, . . . , ˆc′(x)ei, . . . , c′(x)ek).

Podemos, agora dar uma primeira definição de derivada exterior e uma primeiraversão do Teorema de Stokes.

Definição : Sejam A um aberto de IRN e ω : A→ Ak−1(IRN ) diferenciável em x.A derivada exterior de ω em x é a forma k-linear alternada dω(x), dada por

dω(x)(v1, . . . , vk) =k∑i=1

(−1)i+1ω′(x)vi(v1, . . . , vi, . . . , vk).

Teorema: Sejam A um aberto de IRN e ω : A→ Ak−1(IRN ) de classe C1. Se c éuma k-cadeia C1 em A, então ∫

∂cω =

∫cdω.

Demonstração : O caso c de classe C2 está feito. O caso C1 se faz aproximando osk-cubos singulares de classe C1 por k-cubos singulares de classe C2 e passando aolimite, como de hábito.