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Caderno de experiências agroecológicas CAMINHOS AGROECOLÓGICOS DO RIO DE JANEIRO

Caminhos agroecológicos do Rio de Janeiro: caderno de

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Caderno de experiências agroecológicas

CAMINHOS AGROECOLÓGICOS DO

RIO DE JANEIRO

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CAMINHOS AGROECOLÓGICOS DO RIO DE JANEIRO

Caderno de experiências agroecológicas

1ª edição

Rio de Janeiro

2014

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Caminhos agroecológicos do Rio de Janeiro: caderno de experiências agroecológicas / --1 .ed.-- Rio de Janeiro, 2014.249 p.

Organização e redação: Grupo de Trabalho de Construção do Conhecimento Agroecológico da Articulação de Agroecologia do RJ (Alexandre Gollo, Guilherme Strauch, Mônica Cox de Britto Pereira, e Thiago Michelini Barbosa).

Colaboradores: Paulo Petersen e Claudemar Mattos.

Editor: AS-PTA.

Co-editor: Pacs.

ISBN 978-85-87116-17-8

Os editores agradecem a todos e todas que participaram do processo de sis-tematização das experiências que deu origem a essa publicação; agricultores e agricultoras, técnicos e técnicas, em seus distintos territórios e no âmbito de suas organizações, instituições e movimentos.

Essa publicação é fruto do esforço coletivo!

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Sumário

Olhares sobre a agroecologia emergente no Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16

Palmeira Juçara: uso da biodiversidade como ferramenta da conservação da Mata Atlântica e desenvolvimento local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32

Cristiana Reis, Eduardo Darvin Ramos da Silva, Fernanda Horiye, Luciano Maciel Corbellini

A agrofloresta promovendo a qualidade de vida: a experiência da Família Ferreira - Paraty-RJ 45Danielle dos Santos Sanfins, Jorge Alves da Silva Ferreira, José Ferreira da Silva Neto

Protagonismo juvenil e manejo da Palmeira Juçara em comunidades quilombolas (AMOQC) .53Fábio José dos Reis Oliveira, Ronaldo dos Santos , Luciano Marciel Corbelline

Mutirões de planejamento e organização de assentamentos: a experiência do Assentamento Roseli Nunes - Pirai-RJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .64

Andréia Matheus, Patrícia Dias Tavares, Nivia Regina da Silva

Rede Ecológica: uma experiência de organização de consumidores conscientes . . . . . . . . . . . . . . . . .74Miriam Langenbach

De ambientalistas a agroecologistas: uma leitura sobre a inserção do Verdejar na interação entre comunidades e o ambiente na Serra da Misericórdia-RJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .84

Luiz Carlos M. Marins (Poeta), Rafael Santos Nunes, Luiz C. Nicácio da Silva

Plantando a semente: trajetórias, rumos e reflexões da agroecologia numa universidade carioca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .92

Daniele C. F. Pinheiro, Gabriel Pereira da Silva Teixeira, Vinicius dos Reis Soares, Marcia Vargas Cortines Peixoto

Um espaço de formação na Baixada Fluminense – a escolinha de agroecologia de Nova Iguaçu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

Maria Conceição Rosa (Mariella)

Semeando agroecologia na cidade - Notas sobre a construção da Rede da Agricultura Urbana do Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

Marcio Mattos de Mendonça, Denis Monteiro

Práticas alternativas em saúde: valorização de conhecimentos, autonomia e organização em saúde no MST . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

Ivi Tavares A. Castillero, Julia da Silva de Farias, Francisco Martinez, Iranilde de Oliveira Silva

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Geração participativa de conhecimentos entre pesquisadores e agricultores familiares na região serrana fluminense: a experiência da Embrapa com o núcleo de pesquisa para agricultores . . 133

Renato Linhares de Assis, Adriana Maria de Aquino

FUNBOAS - Valorizando a agricultura familiar, fortalecendo a agroecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143Natalia Ribeiro, Denise Spiller

Tapinoã: a importância do conhecimento tradicional na conservação de sementes crioulas . . 154Vera Regina Câmara

Experiência Agroecológica da Articulação de Agroecologia Serramar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165Claudemar Mattos, Jaime Lima Franch, Maria Inês da Silva Bento, Thiago Michellini Barbosa

O processo de criação de uma casa de sementes livres - Escola da Mata Atlântica: da semente ao fruto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172

Carlos Henrique Nicolau da Silva, Tadzia Maya, Tainá Mie

A escolinha de agroecologia: reconstruindo conhecimentos de forma participativa . . . . . . . . . . . 182Juvenal José da Rocha, Alcimaro Honório Martins

Iniciativas de destaque na transição agroecológica identificadas pela Cooperativa CEDRO no Programa de Assessoria Técnica, Ambiental e Social à Reforma Agrária no Rio de Janeiro – dezembro/2005 a agosto/2009 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192

Alexandre Magno Lopes Gollo

Juventude e Participação: Uma experiência de valorização das práticas de saúde popular em Campos dos Goytacazes-RJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202

Viviane Ramiro da Silva, Alcimaro Honório Martins

Cooperativa CEDRO: 10 anos de ATER pública não Estatal no Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . 215Alexandre Magno Lopes Gollo

Sistematização Campo e Campus – jovens rurais/quilombolas protagonizando o fortalecimento da agricultura familiar e a construção do conhecimento agroecológico no RJ . . . . . . . . . . . . . . . . . 223

Lia Maria Teixeira, Carmen Oliveira Frade, Monica Aparecida Del Rio Benevenuto, Iranilde de Oliveira Silva, Andréia C. Matheus, Fernanda Oliveira, Patrícia Dias Tavares, Luciana Moreira, Marina Praça

ABIO – Associação de Agricultores BIOLÓGICOS do RJ: duas iniciativas no pioneirismo da organização de produtores e consumidores de alimentos orgânicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233

Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245

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Olhares sobre a agroecologia emergente no Rio de Janeiro

O processo que originou este livro pode ser comparado a uma troca de óculos. Mas não por que precisávamos de lentes de maior grau para enxergar melhor o que antes víamos embaçado. Esses novos óculos seriam mais daqueles que utilizamos para assistir filmes 3D, pois eles possibilitam a visualização de novas luzes, sombras e, igualmente im-portante, permitem que nos vejamos como participantes da realidade.

O fato mais significativo nessa “troca de óculos” foi que ela se deu como resultado de uma decisão coletiva, conjuntamente executada pe-las organizações vinculadas à Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ), que empreenderam o esforço de identificação e leitura de variadas expressões da Agroecologia no estado do Rio de Janeiro. Para conduzirem esse exercício de reinterpretação do papel e do lu-gar da perspectiva agroecológica na agricultura fluminense, tomaram como referência um conjunto amplo e diversificado de experiências sociais em curso nas várias regiões do estado. Em sua diversidade, essas experiências são rurais e urbanas, de produção e de consumo, agrícolas e não agrícolas. São protagonizadas por atores portadores das mais va-riadas identidades socioculturais (agricultores(as) familiares, assenta-dos(as), quilombolas, caiçaras, agricultores(as) urbanos(as), consumi-dores(as), etc.) e afiliações institucionais (organizações e movimentos

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da agricultura familiar e da reforma agrária, ONGs, cooperativas de serviço e de consumo, instituições oficiais de ensino, de pesquisa e de extensão rural).

O traço de união que agrega essa impressionante diversidade em um todo coerente não pode ser encontrado em delimitações normativas, que procuram categorizar a complexa realidade da produção de base familiar entre a “agroecológica” e a “não agroecológica”. Essa é a pri-meira das conclusões-chave que emergem quando a realidade é enfo-cada pela perspectiva tridimensional empregada pela AARJ. No lugar das classificações maniqueístas e esterilizantes que encaram o mundo em preto e branco, o enfoque agroecológico procura situar as expe-riências particulares em diferentes matizes do espectro das cores que correspondem a níveis diferenciados de avanço na construção da sus-tentabilidade socioambiental. Nesse sentido, expressa a natureza emi-nentemente processual das lutas sociais. A coerência entre as experiên-cias aqui relatadas está exatamente no fato de que são, antes de tudo, expressões de lutas imersas em contextos socioeconômicos, culturais, políticos e ideológicos hostis, com raízes históricas longínquas, mas que foram mais recentemente remoldados pelo projeto da moderniza-ção conservadora e pela globalização neoliberal.

Pelo seu caráter essencialmente local, e algumas vezes social e geogra-ficamente isolado, essas experiências permanecem pouco visíveis e não costumam ser encaradas como expressões relevantes de força transfor-madora. De fato, vistas individualmente, aparentam ser inofensivas ao status quo. No entanto, segundo a nossa mirada em 3D, a existência empírica dessa multiplicidade de experiências autônomas, localmente enraizadas e construídas de baixo para cima representa a manifesta-ção efetiva de resistência aos padrões de desenvolvimento impostos de cima para baixo.

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Analisadas em conjunto, essas expressões localizadas de resistência re-velam-se, portanto, como poderosas forças sociais. Sua vitalidade so-brevém de cotidianos alimentados pela criatividade popular na busca de soluções locais para problemas que também se manifestam global-mente, dentre os quais se destacam a insegurança alimentar e nutricio-nal, a degradação e a poluição ambiental, o desemprego, a pobreza, a erosão cultural, o patriarcado, etc.

Interpretações convencionais tendem a encarar essas soluções locais como resíduos de um passado que será inexoravelmente superado pelo roteiro imposto pelo paradigma da modernização. Mas, ao si-tuá-las no âmbito de processos permanentes de construção social imersos no mundo contemporâneo, percebemos que essas iniciativas particulares integram um repertório amplo, eclético e executado se-gundo arranjos específicos às peculiaridades locais. Essa percepção corresponde também a um ponto de ruptura com a visão bidimen-sional da realidade: a nova imagem realça o valor da diversidade e das especificidades locais, opondo-se às soluções generalizantes transfe-ridas de fora.

A luta por autonomia frente aos atores hegemônicos que dominam o mercado, a política e a produção de valores culturais parece ser o princípio fundador desse repertório de práticas sociais que se des-viam da normalidade pregada pela modernização. Saber e inovação local, racionalidade ecológica, criatividade, cooperação, solidarie-dade, produção artesanal, cuidado e campesinidade figuram como elementos norteadores desses processos locais de luta pela reinven-ção do destino. Contrariam-se assim as narrativas hegemônicas mais centradas em noções como maximização produtiva, artificialização, competitividade, difusão tecnológica, produção em série, eficiência econômica e empreendedorismo mercantil.

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Em termos práticos, as experiências sistematizadas pela AARJ de-monstram que a luta por autonomia manifesta-se em várias esferas da existência: no âmbito do manejo produtivo, na organização para a co-mercialização, no encurtamento dos processos que encadeiam a pro-dução e o consumo, na revalorização de saberes e práticas culturais, na afirmação de identidades socioculturais, no empoderamento das mu-lheres, na construção do protagonismo juvenil, na reconstrução da cul-tura da paz e do cuidado em comunidades urbanas conflagradas, etc.

O reencontro com a natureza também aparece como elemento estrutu-rante e como pano de fundo do conjunto dessas práticas emancipató-rias. Por meio dessa reconciliação, a produção econômica e a reprodu-ção social são ressituadas, material e simbolicamente, como dinâmicas de coprodução entre o humano e a natureza. Nessa concepção, a noção de desenvolvimento enfatiza processos endógenos que canalizam os saberes e o trabalho em direção aos potenciais ambientais localmente disponíveis. Dessa forma, o ideal de sustentabilidade socioambiental vai se materializando nas experiências através da construção de al-ternativas técnicas, econômicas e sócio-organizativas que conjugam produção e distribuição equitativa de riquezas, redinamização da vida cultural e conservação do meio ambiente.

Está justamente nesse arranjo da perspectiva agroecológica a chave para a compreensão das estratégias locais adotadas para desativar os mecanismos geradores de dependência impostos pela lógica da mer-cantilização de parcelas crescentes do mundo natural e do mundo so-cial. Vem daí também a força social emergente capaz de contrapor com suas respostas concretas o modelo único de desenvolvimento propug-nado pelos agentes do mercado globalizado em aliança com setores hegemônicos do estado.

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A grande virtude do esforço analítico realizado pela AARJ foi a de cons-truir a percepção coletiva de que essa força social associada aos princí-pios agroecológicos é, no Rio de Janeiro, muito mais ampla e diversifica-da do que até então poderíamos supor. A partir dessa constatação, novas questões surgem no horizonte da articulação, dentre as quais:

• Como canalizar essas forças emergentes em processos trans-formadores que extrapolem a escala local sem que isso signifi-que a criação de aparelhos hierárquicos com baixa sensibilidade às diversidades?

• Como imprimir sinergia entre os grupos protagonistas dessas experiências sem retirar-lhes a autonomia que sustenta sua exis-tência e vitalidade?

• Como enfrentar o agronegócio no campo político-ideológico sem lançar mão de propostas universalizantes, e que se mostram incapazes de incorporar as estratégias e projetos inscritos nas diversificadas formas nas quais as populações locais enfrentam seus problemas e constroem suas identidades?

Questões como essas se colocam no presente momento como o princi-pal desafio político-metodológico para que a Agroecologia que emerge das comunidades como práticas alternativas isoladas se convertam em práticas convergentes contra-hegemônicas em escalas crescentes da luta social.

Esse desafio vem sendo apresentado como objeto de reflexão da AARJ, assim como de outras articulações estaduais e regionais do campo agroecológico vinculadas à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Essa reflexão se faz tanto mais necessária quanto mais evidente

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se tornam as limitações das tradições político-organizativas de nossos movimentos e organizações sociais, naquilo que se refere à valorização da experimentação social e das estratégias contra-hegemônicas que ela implicitamente suscita.

O aprofundamento desse debate incide também sobre a essência da proposta agroecológica como enfoque científico portador de concei-tos e métodos para a leitura e a ação sobre a realidade. Estamos, pois, em um momento em que as conclusões mais profundas da “troca de óculos” precisam ser tiradas para que a ciência da Agroecologia vá ao encontro do movimento agroecológico, um movimento emergente por excelência.

Paulo Petersen Diretor-Executivo da AS-PTA

Presidente da Associação Brasileira de Agroecologia

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Introdução

Introdução: aprendendo com a sistematização da diversidade de experiências agroecológicas

Este conjunto de artigos materializa o esforço coletivo da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro – AARJ em avançar na dinâmi-ca de construção do conhecimento agroecológico dentro do estado, valorizando o processo de sistematização de experiências em agroe-cologia como sendo um dos pilares fundamentais para atuação em rede. A publicação desses artigos é resultado de intensos processos de articulação, intercâmbios e vivências entre as experiências nele re-tratadas, onde a aprendizagem e a construção coletiva figuram como os principais benefícios do trabalho, assim como a qualificação do debate político acerca da Agroecologia e a maior dinamização do movimento agroecológico fluminense. Dar visibilidade às suas expe-riências e potencializar a construção do conhecimento agroecológico no estado foram os principais motes deste trabalho, assim como os processos de reflexão que envolveram as sistematizações nos mostra-ram o quanto a construção coletiva foi importante para a consolida-ção da rede de âmbito estadual.

A AARJ procura pautar sua atuação política a partir das práticas agroe-cológicas vivenciadas no dia-a-dia dos seus protagonistas, que no caso

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do Rio de Janeiro engloba uma grande diversidade de atores, movi-mentos e organizações. Esta metodologia de atuação e abordagem se efetivou de fato quando a rede percebeu que era preciso saber onde se encontravam estas experiências, em qual contexto sócio ambiental se localizavam, como se organizavam, e quais inovações sinalizavam, procurando a partir destas informações e dos processos relacionados à sua obtenção, qualificar seu debate político e avançar na construção do conhecimento acerca da agroecologia.

Neste sentido, a AARJ vem nos últimos anos realizando esforços de ma-peamento, identificação e sistematização de experiências em agroecolo-gia no estado do Rio de Janeiro, tendo como referências principais as estratégias de atuação e os princípios apontados pela Articulação Nacio-nal de Agroecologia – ANA e pela Associação Brasileira de Agroecolo-gia – ABA-Agroecologia. Já em 2006 foram identificadas e selecionadas 32 experiências de agroecologia no RJ, através do processo ocorrido du-rante o encontro estadual preparatório ao II ENA – Encontro Nacional de Agroecologia, realizado em Recife. Ao final de 2007, parte destes es-forços de sistematização foi viabilizada pelo projeto “Desenvolvimento participativo de metodologias e processos de construção de conhecimento agroecológico no estado do Rio de Janeiro”, financiado pelo CNPq/MDA e sob a coordenação da Universidade Federal Fluminense - UFF. Nesse processo, as estratégias de mapeamento, identificação e sistematização de experiências utilizadas pela AARJ se valeram de metodologias par-ticipativas, onde o diálogo de saberes e os intercâmbios entre as inicia-tivas formaram a base de todo o trabalho de articulação e consolidação da rede estadual. Partiu-se do princípio que o desenvolvimento de pro-cessos relacionados com a construção do conhecimento agroecológico no Rio de Janeiro criaria as condições para o fortalecimento da AARJ, e também para sua atuação como movimento.

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Valendo-se da estratégia de utilizar o processo de sistematização como catalisador de dinâmicas mais profundas de análise e reflexão acerca das próprias experiências, a partir de seus próprios protagonistas, a AARJ, via projeto CNPq/MDA, estimulou uma espécie de “mutirão” es-tadual de sistematização de experiências em agroecologia, e que foi re-forçado através do processo de sistematização de experiências em CCA – Construção do Conhecimento Agroecológico, ocorrido em 2009 1. Nesta ocasião participaram da oficina nacional algumas experiências ligadas à AARJ. Como consequência desta participação formou-se um Grupo de Trabalho ligado à rede fluminense, dedicado exclusivamente a fomentar o tema relativo à Construção do Conhecimento Agroeco-lógico, cabendo ao mesmo deflagrar o “mutirão” de sistematização de experiências no âmbito do Rio de Janeiro. Este trabalho consistiu pri-meiramente na organização e realização de uma Oficina Estadual de Sistematização, no âmbito da AARJ, em outubro de 2009, onde partici-param representantes de 25 experiências em agroecologia do estado do Rio e 01 de São Paulo. A oficina trabalhou os princípios e fundamentos da sistematização, com o objetivo principal de estimular uma reflexão e uma análise crítica acerca das experiências ali representadas, vislum-brando a geração de artigos descritivos e analíticos sobre os processos e as práticas, para posteriormente comporem uma publicação2.

É salutar ressaltar que a dinâmica da oficina estadual possibilitou uma intensa troca de saberes entre os atores e articuladores das experiências presentes, os exercícios desenvolvidos viabilizaram uma análise coletiva dos principais pontos de inovação que as iniciativas abordavam, assim

1 - Esse processo foi deflagrado em todas as regiões do Brasil em 2009, numa iniciativa da ABA- Associação Brasileira de Agroecologia e da ANA – Articulação Nacional de Agroecologia, com apoio da EMBRAPA, como estratégia preparatória ao III Seminário Nacional sobre Construção do Conhecimento Agroecológico (III SNC-CA), realizado de forma integrada ao VI Congresso Brasileiro de Agroecologia (Curitiba, novembro de 2009).

2 - Materiais de referencia utilizados nessa oficina: Chavez-Tafur, Jorge. Aprender com a prática: uma me-todologia para sistematização de experiências, AS-PTA, Brasil, 2007; e Freire, A.G. et al. A sistematização no fortalecimento de redes locais de inovação agroecológica. Revista Agriculturas, v. 3 nº 2, julho de 2006.

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como os desafios colocados em seus caminhos. A prática da constru-ção coletiva do conhecimento agroecológico estimulou um processo es-tadual de sistematização de experiências, refletido no “mutirão” que se seguiu após a oficina. Ao final do processo o Grupo de Trabalho – Cons-trução do Conhecimento Agroecológico da AARJ 3recebeu 22 artigos elaborados sob o prisma dos protagonistas das experiências, através de processos locais participativos de aprendizagem, reflexão e construção.

Portanto, a gênese desta publicação está baseada fundamentalmente nos processos de construção participativa, que buscam não somente descrever uma determinada prática ou iniciativa, como também dar significado político às mesmas. Esses processos sinalizam os avan-ços e desafios inerentes à dinâmica da transição agroecológica no estado do Rio de Janeiro, assim como a necessidade de articulação para o fortalecimento de um movimento agroecológico a partir de experiências concretas dos agricultores familiares camponeses e das populações tradicionais, dos consumidores e grupos de estudantes, das associações, organizações e instituições, enfim, de pessoas e de coletivos comprometidos com uma agricultura participativa desen-volvida em bases ecológicas.

Um encontro com algumas das expressões da agroecologia no Rio de Janeiro

A organicidade da articulação de agroecologia no estado do Rio de Janeiro, em sua dinâmica de efetivação autônoma, não se restringe à delimitação política administrativa das regiões de governo. Extrapola essa divisão, ao estabelecer novas conexões e territorialidades na pro-

3 - O GT Construção do Conhecimento Agroecológico da AARJ, responsável pela organização e edição do ma-terial, foi composto por: Alexandre Gollo; Guilherme Strauch; Mônica Cox e Thiago Michellini.

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moção de eventos, reuniões e intercâmbios entre as famílias, organi-zações e instituições que desenvolvem a agroecologia fluminense. Em alguns casos de identidade institucional ou cultural, a abrangência es-tadual também é extrapolada, como acontece com o Centro Nacional de Agrobiologia da EMBRAPA, assim como com a Rede Juçara, a qual incorpora experiências desenvolvidas em Ubatuba-SP, e em Paraty e Angra dos Reis – RJ, numa mesma dinâmica de territorialidade. Dessa forma, a organicidade da AARJ vem se expressando em regiões agroe-cológicas assim denominadas: Costa Verde, Vale do Paraíba, Metropo-litana, Serramar e Norte Fluminense, conforme visualizamos no mapa abaixo:

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No presente trabalho, o agrupamento das experiências sistematizadas procura refletir essa lógica de organicidade, a qual revela identidades que tanto se determinam pela proximidade física, quanto pelos proces-sos de construção histórica relacionados à resistência em torno das lu-tas pela terra, bem como às opções por uma vida mais saudável, à troca de saberes nas inovações em manejo agroecológico, à conservação das sementes e da biodiversidade, às experiências de formação em espaços formais e informais, ou à busca de soluções para o abastecimento via comercialização direta de produtos saudáveis.

Esses laços de identidade atuam no fortalecimento das experiências individuais e coletivas, dando vida à articulação pela agroecologia nas suas diferentes escalas e dimensões de atuação. Levando-se em consi-deração a dimensão temporal – período de existência das experiências – percebe-se que a sequência de apresentação dos textos se pauta em critérios arbitrados pela coordenação de edição, de forma a contemplar a diversidade de artigos enviados em resposta à demanda de auto-sis-tematização, como parte do processo de mapeamento das experiências agroecológicas em desenvolvimento no estado.

Regiões Costa Verde e Vale do Paraíba Sul Fluminense

A denominada região da Costa-Verde, que tem em sua trajetória a força das comunidades tradicionais - quilombolas, indígenas, caiçaras – legí-timos herdeiros de uma região que permaneceu praticamente intocada até os anos 1970, quando foi aberto um trecho da BR 101 (Rodovia Rio--Santos) – vivenciou uma progressiva marcha de especulação imobiliá-ria, extração predatória da biodiversidade, expulsão de habitantes e de comunidades nativas, passando pela instalação de áreas de preservação ambiental no limítrofe das regiões de conflito pela posse da terra.

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Nessa região as experiências agroecológicas apresentadas se rela-cionam à possibilidade de fortalecimento da agricultura familiar em convivência com a conservação ambiental, ao manejo agroflo-restal e outras estratégias de sustentabilidade, bem como ao fortale-cimento da identidade cultural dos povos tradicionais na luta pela garantia dos direitos territoriais, expressando-se através dos fóruns interestaduais como a Rede Juçara – que se propõem a ampliar o cultivo e uso da referida Palmeira (E. edulis) como ferramenta de conservação da Mata Atlântica. Com isso contribuem para o debate atual e necessário sobre o manejo ecológico dos recursos naturais, realizado justamente pelas populações tradicionais. As experiências dessa região nos conduzem também ao fortalecimento da identi-dade cultural dos povos tradicionais, em sua luta pela garantia dos seus direitos territoriais, expressando a dimensão sóciopolítica da Agroecologia nas ações sociais coletivas exercidas pelo Fórum das Populações Tradicionais.4

As experiências da família Ferreira, da Associação de Moradores do Quilombo Campinho da Independência - AMOQC e do Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica (IPEMA) envolvem ainda temas como manejo da biodiversidade, protagonismo juve-nil, formação e extensão em agroecologia, e o acesso aos mercados institucionais, nos revelando estratégias e conquistas, assim como as lutas e questões atuais colocadas para o enfrentamento pelas ex-periências.

Já na região do Vale do Paraíba, o processo de ocupação das terras pe-las fazendas de café, e depois pelos mega projetos de especulação fun-

4 - O Fórum de Populações Tradicionais é um espaço de fortalecimento e articulação em rede, criado na região sul do estado do Rio de Janeiro e litoral norte de São Paulo em 2007, onde as comunidades tradicionais se reúnem para discutir questões comuns, tais como: o território, turismo, educação, cultura, pesca, agricultura, agroecologia, mercado solidário, etc. Ver http://forumtradicionais.blogspot.com

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diária e de desenvolvimento industrial, tanto dizimou as populações nativas quanto promoveu a degradação ambiental e da agricultura camponesa, na sequência de apogeu e declínio da cultura do café.

A experiência da organização de trabalhadores rurais sem terra - MST, num processo de estudo e planejamento coletivo, em parceria com gru-pos de estudantes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em atuação pelo Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental, do INCRA, é registrada para o Projeto de Assentamento Roseli Nunes, situado em Piraí/RJ, tendo como foco o método do planejamento para o desenvolvimento sustentável e a referência da implantação dos siste-mas agroflorestais de produção. Nessa experiência, evidencia-se que a transição para a agroecologia começa com a quebra do latifúndio.

Região Metropolitana

Justamente de onde se poderia mais facilmente supor que as experiên-cias agroecológicas inexistissem – face à insistência das estatísticas da alta taxa de urbanização, da segurança/violência como principal ques-tão do estado, e da preponderância da expressão industrial e do setor de serviços – insurgem experiências que traduzem respostas de resis-tência camponesa; de alertas sobre o desordenamento na ocupação espacial; de resistência cultural na agricultura urbana; e de estudo e formação em distintos centros acadêmicos.

A EMATER-RIO de Nova Iguaçu apresenta a premiada experiência da “Escolinha de Agroecologia de Nova Iguaçu”5, resgatando o histórico de lutas pela terra na região, abordando a ocupação e a organização fundiá-

5 - Em agosto de 2009 a experiência recebeu o prêmio Baixada, na categoria Meio Ambiente, concedido pelo Fórum de Cultura da Baixada Fluminense, e em novembro de 2010 recebeu o prêmio CREA RJ de Meio Ambiente.

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ria vivenciadas pelas famílias na baixada fluminense, destacando o pa-pel das organizações e instituições parceiras na construção da proposta pedagógico-metodológica, sua integração aos Conselhos de Desenvolvi-mento Rural e ao processo de comercialização direta nos municípios que abrange, fortalecendo as feiras municipais da agricultura familiar.

Com o título “Semeando a agroecologia na cidade”, a Rede de Agricul-tura Urbana registra a presença da utopia de quem não se dá por ven-cido por estar confinado entre construções de laje e cimento. Quintais inesperados ocupam ínfimos espaços, alimentam a alma e temperam a vida de quem não desistiu do verde. O Verdejar apresenta sua estraté-gia de convivência entre a violência urbana e a preservação ambiental no alto da Serra da Misericórdia, num nem sempre pacificado Com-plexo do Alemão: seu artigo “de ambientalistas a agroecologistas” é, em essência, um poema urbano-agroecológico.

Os estudantes universitários de postura crítica, aqueles que descobriram que não podem se limitar às matérias que são repassadas em salas de aula e por isso se reúnem/ se articulam aos grupos de estudos extra-acadêmi-cos (GAE/UFRRJ, MÃE/UFF, Agrocrioulo/UENF, entre outros) podem encontrar estímulo e identidade de trajetória no texto que é apresentado pelo Grupo Capim Limão da UFRJ. “Plantando a semente, na trilha da agroecologia” foi também a trajetória do departamento de Geografia da UFF, que durante anos numa disciplina optativa tem se proposto a re-pensar “o papel da universidade, na formação de técnicos e acadêmicos despertos para um trabalho interdisciplinar”.

Em todas essas experiências, a relação interinstitucional é propulsora de novas descobertas e de encorajamentos demonstrando, em con-junto, que a prática da agroecologia pressupõe e determina o fim dos isolamentos.

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Região Serrana

A região serrana do Rio de Janeiro tem como característica marcante a expressão de complexos sistemas agroprodutivos, implantados ao lon-go de um processo de colonização/ ocupação territorial que alia fortes características camponesas e alta produtividade, com predominância do uso dos insumos agroquímicos – e consequentemente com todos os seus riscos. Ela inspira atenção tanto pela instabilidade climática e geológica, fortemente evidenciada na região no início de 2011, quanto pela fragilidade social dos trabalhadores que atuam sob condição de meeiros e de arrendatários, dando vida à referida alta produtividade alcançada.

Não obstante o símbolo de ter sido a cidade de Petrópolis a sede do 1º Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa – EBAA, em início dos anos 1980 e ao fato de que, pelo menos desde essa época, a temática da agricultura orgânica e da agroecologia vem sendo pautada de forma progressiva entre agricultores, extensionistas e pesquisadores, a ex-pressão das experiências em agroecologia nessa região transparecem, neste trabalho, apenas em duas sínteses, quais sejam: a dos núcleos de organização da ABIO – Associação de Agricultores Biológicos do Esta-do do Rio de Janeiro (experiência que tem abrangência estadual) e a do Núcleo de Pesquisa e Treinamento a Agricultores – NPTA, uma unida-de avançada para integração de três Centros de Pesquisa da Embrapa no RJ (Agrobiologia, Alimentos e Solos) com o propósito de promover a transição agroecológica de sistemas de cultivos familiares.

A experiência do NPTA da Embrapa, localizado em Nova Friburgo, conjuga características de experimentação agronômica tradicional com princípios de metodologias participativas. O artigo registra uma abordagem sobre a evolução dos processos agroecológicos na região,

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bem como a trajetória interinstitucional de construção da proposta, aproximando agricultores familiares da formulação e condução da pes-quisa agronômica.

Região Serra Mar

As experiências emergem localizadas entre a “desnaturalizada” região do vale do rio São João e a bacia do rio Macaé. A retificação do São João, associada a obras de drenagem, moldaram o cenário para a ocu-pação socioeconômica que sucedeu a essas intervenções.

As referidas ações de desnaturalização, paralelamente à construção da Ponde Rio-Niterói, intensificaram o interesse da especulação imobiliária sobre a região, com a instalação de grileiros e o fortale-cimento de latifundiários, cuja parcial retomada de terras propor-cionou a inserção de Projetos de Assentamento de Reforma Agrária (Aldeia Velha, Imburo, Cambucaes, Sebastião Lan, Visconde – para citar alguns exemplos).

Predominantemente com essas famílias assentadas é que se iniciou o trabalho da Articulação de Agroecologia Serra Mar, que entre outros temas se pauta pela troca de experiências na formação teórica e práti-ca sobre o manejo agroflorestal, numa integração de agricultores e de técnicos em um processo metodológico autêntico, de construção par-ticipativa e interinstitucional, demonstrando a possibilidade de convi-vência entre o social e o ambiental.

A ação da Articulação Serra Mar, iniciada em 2004, se ampliou na identificação de novas experiências por toda a região de governo deno-minada Baixada Litorânea, nos revelando ícones da resistência cultural

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ao processo de desenvolvimento pautado pela degradação ambiental, como resultado dos mega-interesses econômicos.

“A história de Tapinoã - A importância do conhecimento tradicional na conservação de sementes crioulas”, uma experiência apresentada pela EMATER RIO de Araruama, é uma referência de fortalecimen-to da identidade comunitária e valor da expressão cultural de origem africana, destacando os serviços de preservação de sementes crioulas, resistindo em meio a tantas transformações espaciais e sociais.

Num contexto dinâmico, o Projeto de Assentamento Aldeia Velha – área retomada pelo INCRA ao latifúndio – é emancipado e dá vez ao ingresso de sitiantes em áreas repassadas pelos antigos assentados. “Vi-sitando e morando em Aldeia Velha”, estudantes de diferentes regiões se depararam com uma rica cultura rural, e registram essa história no artigo “ O processo de Criação de uma Casa de Sementes Livres”, um fruto da Escola da Mata Atlântica, pautada na pedagogia do diálogo de saberes.

Novos tempos se anunciam com a incorporação de mecanismos de incentivo à preservação ambiental, a exemplo do caso do “Fundo So-cioambiental de Boas Práticas em Microbacias – FUNBOAS”. Em arti-go encaminhado pelo Consórcio Intermunicipal Lagos São João apre-sentam-se os fundamentos e a metodologia de ação na comunidade de Cambucaes (projeto de Assentamento do INCRA), no município de Silva Jardim. A experiência traz uma importante contribuição ao de-bate atual sobre os mecanismos de incentivo à preservação ambiental, justamente por trabalhar com uma perspectiva diferenciada à do PSA – Pagamento por Serviços Ambientais, já que utiliza a compensação pelos serviços ambientais prestados pelas famílias camponesas através da viabilização de práticas agroecológicas.

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Região Norte

Registra-se o desafio e o valor de resistir a dupla “latifúndio-mono-cultivo”. No artigo “Escolinha de Agroecologia: re-construindo conhe-cimentos de forma participativa”, os agentes da Comissão Pastoral da Terra oferecem um resgate histórico sobre a evolução do modelo de desenvolvimento adotado no Brasil, analisando suas influências e con-seqüências e apresentando a iniciativa do Projeto da Escolinha no foco de “fortalecer a reforma agrária e os pequenos agricultores tradicionais da Região Norte Fluminense”.

Novamente confrontam-se modelos dominantes, capitalizados, com a busca de alternativas, através de articulações interinstitucionais e da ampliação de massa de trabalhadores em condição de conquistar di-reitos, a partir do processo da reforma agrária. Neste tópico, a falência da agroindústria canavieira fluminense, acentuada no início dos anos 1990, possibilitou a concentração de assentamentos de reforma agrária e a ampliação do universo de famílias assentadas na região do entorno de Campos dos Goytacazes.

Trata-se, no entanto, de um público que apesar do estágio de fragi-lidade social e econômica, atende predominantemente às indicações do sistema hegemônico nas orientações para o manejo produtivo. Seguem na referência da lógica da mecanização, do uso de insumos químicos e só não intensificam mais essas formas de manejo por con-ta dos custos proibitivos vivenciados no sistema de produção que ocupam e desenvolvem. O trabalhador rural que sempre foi subor-dinado, precisa de apoio para iniciar um autônomo processo de to-mada de decisão; reside aí, portanto, um dos valores da Escolinha de agroecologia.

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No artigo “Iniciativas de destaque na transição agroecológica identifi-cadas pela Cooperativa CEDRO no Programa de Assessoria Técnica, Ambiental e Social à Reforma Agrária no Rio de Janeiro – Dezem-bro/2005 a Agosto/2009” este tema é abordado a partir de foco em duas unidades de produção familiar, nos municípios de Macaé e Conceição de Macabu. A despeito das trajetórias de luta em prol da agroecologia, Gilmar “Barbudo” ainda não possuía lote para trabalho no PA prefeito Celso Daniel/ Macaé (em dezembro de 2010) e “Maria Baixinha” fale-ceu em agosto de 2010 sem ter conseguido regularização na terra que ocupava,por isso trabalhava desde 1996 em Capelinha/ Conceição de Macabu.

Ainda na região norte, o artigo do “Movimento Popular de Saúde Al-ternativa na Região Norte Fluminense” retrata uma experiência de or-ganização comunitária que ocorre desde 1997, com apoio da Comissão Pastoral da Terra e a iniciativa de mulheres que partilham saberes e constroem estratégias de mobilização e de organização para promoção da cidadania e da saúde.

Essa experiência extrapola às áreas de reforma agrária e inclui quilom-bolas e trabalhadores sazonais do corte de cana de açúcar. O artigo descreve desde o ambiente até o método de atuação, pelo processo de articulação com grupos de saúde alternativa, como a Rede Fitovida, fortalecendo a concepção de que as práticas de promoção de saúde e de autonomia, seja de conhecimentos ou financeira, estão na essência das pretendidas transformações agroecológicas.

Por fim são apresentados cinco artigos que refletem atuação em âmbito estadual ou mesmo inter-estadual, na promoção da transição para a agroecologia: “Rede Ecológica – uma experiência de organização de consumidores conscientes”; “ABIO – Associação de Agricultores Bio-

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lógicos do Estado do Rio de Janeiro: pioneirismo na organização de produtores e consumidores de alimentos orgânicos”; “Cooperativa CE-DRO – 10 anos de ATER pública não Estatal no Rio de Janeiro”; “Práti-cas Alternativas em Saúde -valorização de conhecimentos, autonomia e organização em Saúde no MST” e “Sistematização Campo e Campus – jovens rurais/quilombolas protagonizando o fortalecimento da agri-cultura familiar no estado do Rio de Janeiro”.

O artigo sobre o projeto Campo-Campus, elaborado no período da sua primeira fase, já despontava como uma das mais preciosas ações da Articulação de Agroecologia do RJ; sempre com a articulação de parcerias, o envolvimento na formação em agroecologia de jovens per-tencentes a variadas comunidades do estado, representa um conjunto de boas sementes de envolvimento e participação comunitária, e o ali-nhamento do Instituto de Educação da UFRRJ no processo maior de facilitação à reflexão e formação crítica dos participantes.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST apresen-ta em artigo sua proposta de organização metodológica para o curso de formação continuada em saúde a partir das condições vivenciadas nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária. Agroecologia e saúde compõem a referência de mudanças pretendidas pela organi-zação do MST.

O texto da Cooperativa CEDRO revela o desafio de uma cooperati-va de trabalho, a serviço de programas institucionais que apresentam a transição agroecológica como uma de suas diretrizes, ao promover efetivas ações de mudança nos paradigmas da extensão rural. As li-mitações de pessoal/ profissional, as concepções sobre o que é a tran-sição agroecológica, a difícil prática das relações cooperativas e uma interpretação sobre a percepção dos agricultores com o trabalho, são

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elementos que estão na essência da análise desenvolvida pela equipe de campo em 2009.

Por fim as duas pontas do comércio dos produtos agroecológicos são representadas pelos textos da organização dos consumidores – Rede Ecológica e pela organização dos produtores – ABIO. No caso da Rede Ecológica, além do resgate do histórico e registro de método e estrutu-ra, o texto é uma declaração veemente a favor da vida, pela produção e consumo de produtos saudáveis, e pela relação de comércio justo entre consumidores e produtores. No caso da ABIO, destaca-se o pioneiris-mo na organização dos agricultores, em duas grandes conquistas: o espaço da Feira da Glória e o Sistema Participativo de Garantia, este último um procedimento estabelecido pela legislação atual de atesto de conformidade sobre produtos orgânicos, que privilegia a participação dos agricultores ao invés de empoderar empresas contratadas “para di-zer que se está falando a verdade”, analogia possível no caso da lógica da certificação de produtos.

Apresentamos um breve panorama dos textos reunidos nessa coletâ-nea, desdobrados da Oficina Estadual de Sistematização coordenada pela AARJ em outubro de 2009, e que propiciaram uma oportunidade de conhecimento de algumas das expressões da agroecologia no Rio de Janeiro. Esse material foi reunido no processo de organização do 2º Encontro de Agroecologia do Rio de Janeiro, realizado na UFRRJ em agosto de 20106, através do qual acreditamos nos servir tanto de retrato para compartilhar os avanços já efetivados, bem como os desafios que nos impõem a construção participativa do conhecimento agroecológi-co no estado do Rio de Janeiro.

6 - Organizado pela AARJ e apoiado pelo projeto “Desenvolvimento participativo de metodologias e processos de construção de conhecimento agroecológico no estado do Rio de Janeiro”, CNPq/MDA/UFF.

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Palmeira Juçara: uso da biodiversidade como ferramenta da conservação da Mata

Atlântica e desenvolvimento local

Cristiana Reis1, Eduardo Darvin Ramos da Silva2, Fernanda Horiye3, Luciano Maciel Corbellini4

O Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica (IPEMA), desde 2005 vem desenvol-vendo ações e projetos para o desenvolvimento comunitário e uso sustentável do Bioma junto aos agricultores familiares e comunidades tradi-cionais (quilombolas, indígenas e caiçaras) loca-lizadas no município de Ubatuba, litoral norte do estado de São Paulo. São 39 famílias envolvidas diretamente no manejo sustentável da palmeira juçara para produção de polpa e sementes a par-tir de seus frutos. O desenvolvimento da cadeia produtiva de ambos os produtos visam a geração de renda, segurança alimentar e repovoamento da espécie, em áreas no entorno e de sobreposição do Parque Estadual da Serra do Mar e Parque Nacional da Serra da Bocaina.

1 - Engenheira Florestal - IPEMA - Email: [email protected]

2 - Biólogo – IPEMA

3 - Engenheira Florestal - IPEMA - Email: [email protected]

4 - Biólogo – IPEMA

Área de coleta na comunidade do Sertão do Ubatumirim.

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A palmeira Juçara (Euterpe edulis – Mart.) é uma espécie de extrema importância para a biodiversidade, pois seus frutos servem de alimen-to para mais de 70 espécies de animais e aves, sendo considerada es-pécie chave para a conservação de florestas no Bioma Mata Atlântica. O alto valor comercial do palmito mantido durante décadas, fez dele um dos produtos florestais mais explorados no Bioma. O extrativismo predatório e ilegal do palmito levou à sua inserção na lista oficial de espécies ameaçadas de extinção (Instrução Normativa nº 6, de 23 de setembro de 2008, MMA).

No município de Ubatuba o quadro de risco de extinção da espécie só não é mais grave devido ao papel exercido por algumas comuni-dades que garantiram sua preservação em seus territórios. Fato este constatado através da experiência de cinco anos de projeto, onde as áreas potenciais de coleta da Juçara e populações remanescentes estão associadas à presença humana, mais especificamente, comunidades tradicionais que mantêm vínculos e usos dos recursos naturais e seus territórios de origem.

Ubatuba, assim como todo Litoral Norte do estado, sofreu um forte processo de urbanização a partir da expansão econômica no eixo Rio--São Paulo e abertura de empreendimentos de infra-estrutura, con-tribuindo para o aumento da pressão exploratória sobre os recursos naturais e promovendo uma crescente degradação social e ambiental na região. Além destes fatores, nos últimos anos o impacto também é registrado pelo incentivo a diversas modalidades de turismo e pela aquisição de terras para instalação de casas de veraneio e sítios de lazer, resultante da alta especulação imobiliária por conta da beleza local.

Por outro lado, 80% do território de Ubatuba é ocupado pelo Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo de Picinguaba (PESM/ NP), e em

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menor porção pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina. Estas duas Unidades de Conservação (UC’s) são de proteção integral conforme es-tabelecido no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e se sobrepõem em algumas áreas, bem como sobre os territórios origi-nais das comunidades locais. Muitas famílias dependem da utilização dos recursos naturais para sua sobrevivência, seja através de práticas agrícolas ou de extrativismo. Como lidar com esses aspectos após a criação destas UC’s?

As restrições ambientais e a pressão de uso sobre tais recursos levaram a um crescente agravamento da situação de vida de muitas famílias e, por consequência, geraram conflitos socioambientais e territoriais. A partir do momento em que as áreas das comunidades tiveram seus territórios sobrepostos pelas UC’s, o uso tradicional dos recursos lo-cais por estas foi muito dificultado ou mesmo impedido de ocorrer, o que implicou na ruptura do modo de vida tradicional e na transmissão dos saberes locais a cerca do uso da biodiversidade e práticas agrícolas. Este quadro levou a maioria das comunidades a buscarem outras alter-nativas econômicas para sua sobrevivência, principalmente ligadas ao turismo e construção civil.

Este conflito de interesses sobre a Mata Atlântica - conservação pe-las UC’s e manejo dos recursos pelas comunidades - é ponto chave para discussão do desenvolvimento local. Diante deste contexto, res-saltamos a importância de se promover o desenvolvimento social das comunidades rurais e tradicionais envolvidas, com base no resgate e valorização da cultura local e o manejo sustentável dos recursos natu-rais. Para isso, se devem buscar meios de garantir o acesso a terra e ao uso da agrobiodiversidade como garantia de ampliar as possibilidades de conservação ambiental da Mata Atlântica conjugada a melhoria de vida das populações tradicionais.

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O trabalho desenvolvido tem como foco a promoção e difusão do ma-nejo sustentável da juçara por meio da produção de polpa alimentar e consolidação da cadeia produtiva como forma de garantir a recupera-ção da espécie e conservação das florestas. A concretização disto se dá através do desenvolvimento de técnicas de manejo da palmeira “em pé” e sistemas agroflorestais, sendo estimulada a produção de outros pro-dutos que vêem sendo associados à polpa, como a farinha de mandio-ca e a banana, além de plantios consorciados com espécies nativas da mata atlântica potenciais para plantios em agrofloresta, como cambuci, cambucá, grumixama, jatobá e espécies madeireiras, medicinais, etc.

O trabalho é traçado sob a estratégia de fomentar o protagonismo so-cial nas comunidades tradicionais, com o fortalecimento dos grupos e associações, capacitação em agrofloresta e manejo florestal sustentável, viabilizando a conquista pelas comunidades de sua sustentabilidade socioeconômica, ambiental e de segurança alimentar.

Manejo Sustentável da Palmeira Juçara: produção de polpa e sementes

O inicio deste trabalho, em 2005, teve como objetivo a difusão e capacitação no manejo dos frutos da palmeira juçara para produção de polpa e sementes, além da implantação e manejo de sistemas agroflorestais, resgate e valorização da agricultura tradicional, bem como o licenciamento ambiental. A partir de 2007, com o avanço das ações, dos resultados alcançados e da crescente adesão e fortalecimento das comunidades, ampliamos nossa atuação e passamos a focar na capacitação e articu-

Oficina de beneficiamento de produtos da agrofloresta.

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lação para o desenvolvimento da cadeia/arranjo produtivo da polpa de juçara em Ubatuba.

Foram realizados cursos e oficinas abordando temáticas diversas, além das relacionadas ao manejo sustentável da juçara e seu beneficiamento, assim como visitas técnicas, mutirões, reuniões periódicas de planeja-mento e avaliação com as comunidades, participação em eventos, en-contros e trocas de experiências.

Atualmente trabalhamos na organização/formalização de cinco gru-pos de produtores, tendo em vista a estruturação de empreendimentos familiares e comunitários voltados à produção sustentável de polpa, sementes e mudas de juçara, e demais produtos da agricultura familiar e agroflorestal. Outros grupos encontram-se mais focados na produção e plantio de mudas da espécie e sistemas agroflorestais devido, entre outros fatores, a ausência de estoques de juçara suficientes para uma relevante produção de polpa em seus sítios.

Uma das premissas é o respeito às particularidades de cada comuni-dade e suas potencialidades na atividade, assim como o dinamismo de suas organizações. Estas peculiaridades são demonstradas pelos dife-rentes estágios de envolvimento e atuação de cada uma.

O despertar para a atividade é contínuo e a cada safra da juçara, novas famílias e comunidades são envolvidas. Em 2009, por exemplo, houve a inserção de 17 famílias e 01 comunidade que estão em uma etapa inicial de capacitação e organização. A inclusão de novas famílias e o fortalecimento dos grupos já envolvidos no manejo da palmeira de-monstra a importância deste recurso florestal para a agricultura fami-liar no Bioma da Mata Atlântica.

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O manejo dos frutos da Juçara teve sua colheita regularizada no Parque Estadual da Serra do Mar/Núcleo Picinguaba (PESM/NPic), a partir da aprovação pela Fundação Florestal do Estado de São Paulo do Plano de Manejo para Colheita de Frutos de Juçara no interior e entorno do Núcleo Picinguaba do PESM, conforme previsto no zoneamento esta-belecido no Plano de Manejo do PESM/NP, nas Zonas Histórico Cul-tural Antropológica (ZHCA). Nesta zona é onde estão as comunidades tradicionais e através do Plano de Uso Tradicional (PUT) permite-se o manejo dos recursos naturais dentro de uma Unidade de Conservação de Uso Integral.

A coleta dos frutos é feita principalmente pela escalada manual com uso de pecunha. Para evitar a perda de qualidade dos frutos, e conse-quentemente da qualidade da polpa, a colheita é feita, de preferência, na parte da manhã e a despolpa na tarde do mesmo dia.

O processamento dos frutos ocorre tanto nas comunidades envolvidas como na Planta Piloto de Capacitação e Bene-ficiamento dos Frutos. Para o processamento da polpa, após a lavagem e higienização dos frutos, estes são despolpados num equipamento elé-trico (despolpadeira) com adição de água de acordo com a consistência de polpa desejada. Então a polpa é embalada e levada ao freezer para congelamento logo após envase.

As sementes recém despolpadas, lavadas e secas à sombra, são um importante produto do manejo dos frutos e destinada ao repovoa-mento da espécie. A semeadura pode ser feita diretamente no local tanto a lanço como por enterrio, ou utilizada para a produção de mu-das. A produção e comercialização de mudas e sementes, alternativas

Coleta dos frutos da palmeira juçara.

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para o uso da palmeira, possuem um mercado potencial, porém, as atividades são regulamentadas pela Lei Nacional de Sementes e Mu-das 10.711/03 que exige uma série de procedimentos que dificultam a entrada de pequenos produtores neste ramo.

Atualmente, temos enfrentado uma dificul-dade logística visto que a unidade de bene-ficiamento dos frutos se localiza a 35 km da comunidade mais próxima. Isso dificulta o transporte dos frutos entre os locais de coleta e o beneficiamento, além de tornar a atividade insustentável e inviável financeiramente, sem o apoio do projeto. Por isso, uma das medidas prioritárias para a consolidação da cadeia produtiva é a estruturação e formalização dos grupos de produtores, e a construção de unida-des de beneficiamento nas comunidades. No entanto, isto também esbarra numa série de exigências legais e burocráticas relacionadas a adequação e registro dos estabelecimentos de processamento e de registro do produto, relacionados tanto a normas estabelecidas pela Agencia Nacional de Vigilância e Inspeção Sanitária (ANVISA) quan-to o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA).

A organização das equipes de coleta e de beneficiamento dos frutos é um tema trabalhado constantemente. A cada safra os grupos mos-tram-se mais envolvidos e organizados, como podemos ver quando comparamos as safras de 2008 e 2009 no município de Ubatuba (Ta-bela 1).

O beneficiamento da polpa é realizado na “Planta Piloto de Capaci-tação e Beneficiamento dos Frutos da Palmeira Juçara”, na sede da APTA-UPD Ubatuba que já possui licença de funcionamento expedi-

Beneficiamento dos frutos da Planta Piloto na APTA - UPD

Ubatuba.

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da pela Vigilância Sanitária do Município, de forma a garantir o for-necimento do produto regularizado no mercado local e na merenda escolar.

Considerando que a polpa de juçara é um produto inovador em termos de utilização da biodiversidade e geração de renda para o desenvolvi-mento local, demos início à prospecção de estratégias no mercado atra-vés da experimentação e parceria com consumidores e comerciantes no município. A estratégia de comunicação e comercialização desen-volvida, desde então, se deu com o aprimoramento gradual da apre-sentação visual da embalagem para polpa, além dos banners, cartazes e folders de divulgação. Foi mantida a identidade visual adotada inicial-mente no projeto buscando a referencia local focada na identidade e territorialidade caiçara e quilombola da Mata Atlântica.

Tabela 1: dados de monitoramento comparativos das safras de 2008 e 2009 em Ubatuba, SP

Safra 2008 Safra 2009 Total

Colheitas 30 40 70

Frutos coletados (Kg) 1478 3754 5232

Polpa produzida (L) 810 1871 2681

Rendimento (L/Kg) 0,54 0,50 0,51

Semente gerada (Kg) 831 2102 2933

Média de cachos por pé 1 1,4 1,5 1,46

Média de cachos bons por pé 2 1,2 1,4 1,34

Média de fruto coletado por pé (Kg) 3 2,4 3,42 3,04

Cachos sem interesse para polpa 450 337 774

Fonte: IPEMA

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A estratégia de mercado local está baseada na identificação de pontos de comercialização no município em que o proprietário seja aberto e disposto a colaborar em parceria com os objetivos do projeto. Após a seleção destes estabelecimentos iniciou-se a articulação com proprie-tários para realizar a comercialização da polpa e difundir a proposta de uso sustentável da espécie e os valores agregados ao produto de caráter socioambiental. Atualmente existem 03 pontos em que a polpa vem sendo comercializada regularmente durante o ano todo e com perspec-tiva de ampliação de pontos de venda até o fim de 2010.

Nos estabelecimentos em que a polpa já está sendo comercializada estamos disponibilizando material de divulgação, além de sementes e mudas. Outros produtos vêm sendo articulados para comercialização junto à polpa de juçara, tais como cambuci, acerola, banana e farinha de mandioca. A comercialização também é realizada pelos próprios produtores através da venda direta aos consumidores. Esta inserção no mercado vem ocorrendo de maneira bastante positiva, onde o consu-midor tem valorizado o trabalho desempenhado por estas comunida-des, estimulando e fortalecendo a atividade.

Junto a isto, focado na inclusão da polpa na alimentação escolar, ponto este prioritário do projeto, começamos a articular os produto-res locais em mercados institucionais como o Programa da Aquisição de Alimentos para Fortalecimento da Agricultura Familiar (PAA/CO-NAB) e Merenda Escolar por meio do CAE/ Conselho de Alimentação Escolar. Sua admissão na alimentação das escolas de ensino público está garantida por duas ferramentas importantes: a Lei Nº 11947, de 16 de junho de 2009 e a Resolução/CD/FNDE Nº 38, de 16 de julho de 2009. A entrada da polpa da juçara na merenda escolar ocorreu no mês de junho de 2010.

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Além de beneficiar os produtores de juçara e contribuir para a introdu-ção de um novo hábito alimentar – associado a valorização da árvore “em pé” - a qualidade nutricional dos frutos da juçara impressiona e justifica, ainda mais, sua entrada na merenda escolar. Estes dados estão sendo obtidos através do projeto de pesquisa “Processamento e Sistema de Garantia de Qualidade da Cadeia de Produção da Polpa de Juçara (Euterpe Edulis)”, desenvolvido pelo Departamento de Agroindústria Alimentos e Nutrição da ESALQ/USP, projetos FAPESP 2008 e 2006. 5

A consolidação do trabalho vem sendo fortalecida com a articulação de uma rede de parcerias, envolvendo instituições governamentais e não governamentais, para a inserção da cadeia produtiva da polpa e sementes em políticas e programas públicos. A Rede Juçara integra 14 organizações nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro com projetos e ações voltados ao uso sus-tentável da palmeira, com foco no uso dos frutos. A articulação desta rede tomou maior dimensão a partir do projeto “O Uso Sustentável da Palmeira Juçara como Estratégia para Conservação da Mata Atlântica”, com apoio do Programa PDA Mata Atlântica do Ministério do Meio Ambiente e executado de forma articulada entre as organizações que integram a rede no sul e sudeste do Brasil. As ações em rede abrem uma perspectiva mais ampla na construção e articulação de políticas públi-cas e na estruturação de uma estratégia de desenvolvimento comuni-tário e conservação do bioma, tendo como eixo a cadeia produtiva da palmeira juçara e o protagonismo comunitário.

As articulações regionais também tem sido um fator importante para potencializar as ações locais, das quais destacamos algumas parcerias. A AMOC (Associação dos Moradores do Quilombo do Campinho)

5 - Pesquisa de Pós-doutorado - ESALQ/USP.

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que atua em Paraty e Angra dos Reis no estado do Rio de Janeiro bem como em Ubatuba, fo-mentando o protagonismo juvenil no manejo da juçara, e a Akarui (Associação para Cultura, Meio Ambiente e Cidadania), OSCIP que en-volve produtores rurais na produção de mudas, recuperação de áreas degradas e produção de polpa de juçara nos municípios de São Luis do Paraitinga e Natividade da Serra, configuram um novo cenário regio-nal. Isto se dá com a consolidação de um pólo de ações e experiências com o uso sustentável da palmeira, integrando projetos e instituições governamentais e de pesquisa também parceiras como o PESM, Fun-dação Florestal, ESALQ/USP e UNITAU.

Desafios: Desenvolvimento Socioambiental da Mata Atlântica

Tendo em vista o histórico de atuação exposto e as experiências gera-das ao longo deste processo, na reflexão e análise desta trajetória foi identificada uma serie de desafios que se impõem para a efetivação e desenvolvimento de práticas de uso sustentável da biodiversidade e do desenvolvimento socioambiental na Mata Atlântica. Hoje, temos uma legislação ambiental extremamente complexa, fundamentada numa visão estritamente preservacionista e que praticamente desconsidera a possibilidade de uma relação sustentável entre sociedade e ambiente. Na prática, esta legislação expressa um caráter altamente restritivo e fiscalizatório, que em maior parte incide sobre agricultores familiares/comunidades tradicionais e em muitos casos desconhece e/ou desqua-lifica os conhecimentos e práticas utilizadas historicamente por estes. No mesmo rumo vemos a legislação relacionada a regulamentação e

Reunião da Rede Juçara.

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fiscalização de estabelecimentos de produção agroindustrial e registro de produtos. Uma legislação concebida num modelo de desenvolvi-mento industrial em grande escala, que tem se mostrado insustentável, atendendo aos interesses de corporações e grandes empresas de ali-mentos, inviabiliza pequenos produtores de obterem uma licença de funcionamento, selos para comercialização e registro de seus produtos e estabelecimento. Acaba por relegar aos pequenos produtores o papel de meros fornecedores de matéria prima a baixos valores, sem autono-mia na cadeia e capacidade de influir na regulação de preços.

Talvez ainda seja cedo para afirmar o real potencial que a polpa de juça-ra representa em termos de mercado, mas tudo indica que este produto atingirá cada vez mais uma maior importância e escala nos empreen-dimentos rurais e no mercado nacional e internacional. Diante disto se impõe o desafio de construir uma cadeia produtiva que contemple os benefícios sociais e ambientais potenciais, aliados ao manejo dos frutos da juçara e de destaque ao papel da agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais na construção deste processo e na conser-vação ambiental.

Diante destes desafios o IPEMA tem buscado fomentar esta discussão no âmbito das redes articuladas e com inserção política nas esferas pú-blicas competentes. A interface com instituições parceiras em municí-pios próximos reforça a tendência do desenvolvimento de programas regionais, neste caso, necessitando de um maior envolvimento e apoio efetivo dos governos municipais, estadual e federal com políticas de fomento e apoio as ações em andamento, cujo objetivo principal seja a promoção de experiências concretas com o uso sustentável dos recur-sos naturais e de empreendimentos sustentáveis protagonizados por comunidades tradicionais e agricultores familiares na Mata Atlântica.

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Parceiros

Associações e organizações comunitárias das comunidades do Quilombo do Cambury, Qui-lombo da Fazenda, Sertão do Ubatumirim, Aldeia Boa Vista, Bairro do Corcovado e Praia Grande do Bonete, Rede Juçara, Prefeitura Municipal de Ubatuba, NP/ PESM, FF, APTA/UPD Ubatuba, Akarui (OSCIP), UNITAU (Universidade de Taubaté), Departamento de Nutrição da ESALQ/USP, e AMOC.

Cartaz de divulgação do projeto.

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A agrofloresta promovendo a qualidade de vida: a experiência da Família Ferreira -

Paraty-RJ

Danielle dos Santos Sanfins1, Jorge Alves da Silva Ferreira2, José Ferreira da Silva Neto3

Um pouco da história...

A família Ferreira chegou ao bairro do Sertão do Taquari em Paraty no ano de 1987, para trabalhar na produção de banana, que na época tinha grande predominância no mercado. A partir desse trabalho o agricul-tor José Ferreira teve a oportunidade de conhecer um senhor dono de terras da região que lhe ofereceu um sítio em troca de trabalho e dessa forma pode realizar seu sonho de ter uma terra para plantar e tirar o sustento da família.

No começo não foi muito fácil, José Ferreira e sua esposa Carmelita, quando chegaram ao sítio, localizado a uma hora de trilha do bairro Ser-tão do Taquari, não tinha nada construído, fizeram um pequeno barraco para moradia e começaram a plantar banana e café para vender.

1 - Agrônoma. Email: [email protected]

2 - Agricultor. Email: [email protected]

3 - Agricultor. Email: [email protected]

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Iniciaram uma roça com pouca diversidade, plantavam milho, man-dioca, feijão e inhame que contribuía no sustento da família. A renda com a venda da produção de banana e café era pouca devido às despe-sas com transporte e o pouco que tinham era gasto no mercado. Devi-do essas dificuldades foi preciso que José Ferreira saísse para trabalhar fazendo “bicos” para sustentar a família que estava crescendo, pois em 1997 nasceu o quarto filho: Jonatan.

O trabalho na roça sempre teve a ajuda dos filhos maiores Jorge, Tiago e Catiana que desde muito jovens aprenderam a lidar com a terra. Na época esse trabalho era muito cansativo, pois utilizavam enxada para manter a área limpa onde cultivavam em sistema de monocultura, tra-zendo muita insatisfação por passarem a maior parte do tempo capi-nando e, além disso, o cultivo não dava o retorno esperado.

A esposa Carmelita, sempre muito dedicada aos trabalhos da casa, se preocupava com as dificuldades financeiras e para ajudar na renda da família começou o trabalho com vendas e algumas vezes na semana descia a trilha para vender roupas e cosméticos, quando sobrava tempo ia com os filhos trabalhar na roça. Estava difícil viver somente da terra e era preciso encontrar outra alternativa para manter a família no sítio.

A mudança e os avanços

No ano de 1999, José Ferreira conheceu o agrônomo Rodrigo Barcelar (formado pela “escola do GAE” da UFRRJ), que na época trabalhava na Secretaria de Agricultura de Paraty e incentivava a agroecologia na re-gião. Nesse mesmo ano foi convidado por ele a fazer uma visita ao Vale do Ribeira em São Paulo para conhecer umas experiências com siste-mas agroflorestais, junto com Ernest Goest. Essas experiências trouxe-

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ram um novo conceito de agricultura para a família, aprenderam que não era necessário capinar e sim roçar, pois dessa maneira mantinham o solo protegido e garantiriam sua fertilidade. Aprenderam também que plantar em sistemas agroflorestais era mais benéfico tanto para o meio ambiente como para a família, por plantarem diversificado e exigir menos mão de obra. Com esses conhecimentos adquiridos José Ferreira junto com seus filhos iniciou os primeiros experimentos em agrofloresta no sítio.

Em março de 2000 é novamente convidado para fazer visita as expe-riências do Vale do Ribeira dessa vez junto com seu filho Tiago e alguns agricultores de Paraty; foi um momento importante, por poder intera-gir com os agricultores da região e trocar experiências.

Após essa viagem Zé Ferreira se aproximou do movimento agroecoló-gico que iniciava em Paraty, começou a participar de mutirões promo-vidos pela Secretaria de Agricultura, durante a Residência do agrôno-mo Claudemar Mattos, onde teve a oportunidade de estar em contato com estudantes do Grupo de Agricultura Ecológica (GAE) da Univer-sidade Federal Rural do Rio de Janeiro e conhecer mais os trabalhos da agroecologia. A partir daí passou a sair para fazer cursos com o intuito de aprender mais sobre agroecologia e aplicar no sítio o aprendizado.

Com as experiências adquiridas, Zé Ferreira junto com seus filhos deci-diu implantar sistemas agroflorestais em uma grande área de pasto que haviam aberto para criar gado, mas como esse tipo de criação requer uma grande área não se tornava sustentável para a família, além de observarem que o pisoteio do gado causava degradação do solo. Nessa área tiveram trabalho no controle da braquiária e perceberam que a única forma de controlá-lo seria sombreando, introduziram então o Ingá, uma leguminosa de crescimento rápido, resistente a podas drás-

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ticas e com boa produção de biomassa. Testa-ram várias espécies de Ingá e observaram que algumas não tinham todas essas característi-cas, então selecionaram as que seriam mais importantes para a finalidade.

Durante esse tempo a família começou a rece-ber visitas de estudantes, de agricultores e de alguns técnicos para conhecerem os sistemas agroflorestais do sítio; estes também traziam suas experiências e ajudavam na implantação de novos SAF´s. O filho Jorge aproveitava es-sas visitas para aprender um pouco da parte botânica com os estudantes e técnicos, assunto que sempre o interessou e no qual passou a se aprofundar e aprender cada vez mais de forma autodidata. Esse conhecimento foi de suma im-portância para a identificação das espécies nativas da floresta o que faci-litou as coletas de sementes para a produção de mudas e a implantação de um viveiro que contribuiu para o reflorestamanto do sítio e de outras propriedades da região como, Fazenda Goura e Pousada da Bromélia.

No ano de 2004 Jorge iniciou um trabalho de acompanhamento do desenvolvimento das espécies dos SAF´s, onde demarcou algumas es-pécies e mediu circunferência, diâmetro e altura de forma avaliar como estava o desenvolvimento das espécies a cada ano. O acompanhamento foi realizado até 2007 e foi montada uma planilha que atualmente está sendo trabalhada para concluir a pesquisa avaliando todos os fatores negativos e positivos que influenciaram no desenvolvimento das espé-cies, para observar o que erraram e o que acertaram em cada experi-mento de SAF implantado.

Do planejamento à intervenção: um dos SAF´S da área de Brachiaria

implantado em 2006 com Ingá e mandioca e manejado

em 2009, com poda drástica do Ingá para plantio de feijão.

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A sustentabilidade da família

Com os conhecimentos agroecológicos aflorados e sendo colocados em prática, os frutos vieram e logo no primeiro ano em que iniciaram os experimentos já começaram a perceber a melhoria na sustentabilidade do sítio, pois com a melhoria da diversidade dos produtos foi possível aumentar a colheita e diminuir os gastos no mercado. Nesse período a esposa Carmelita teve a oportunidade de participar de um curso de fabricação caseira de doces, compotas e conservas onde aprendeu a conservar sem o uso de produtos químicos utilizando o processo de cozimento do produto dentro do vidro em “banho maria”, de maneira a obter o vácuo e garantir a conservação dos produtos, por um prazo de validade que chega até dois anos.

Como no sítio não existe luz elétrica essa experiência foi de grande importância para o armazenamento da colheita e dessa forma pode aproveitar frutas, legumes e grãos produzidos e que se perdiam em quantidades, como: goiaba, mamão, jabuticaba, jussara, milho verde, guandu, chuchu, feijão e inhame garantindo diversidade na mesa du-rante o ano inteiro, além de poder vender o excedente, gerando nova fonte de renda para a família.

Além das compotas e conservas Carmelita também fez um curso sobre remédios caseiros, onde aprendeu a manipular as ervas medicinais e a produzir seus próprios “remedinhos”. Com os conhecimentos aprendi-dos e com a diversidade de plantas no sítio não demorou muito e ela colocou logo em prática os seus novos saberes, conciliando também com o que já conhecia.

Começou a produzir xaropes, xampus, tinturas, repelentes naturais, sabonetes e diversos outros produtos que foram de grande ajuda para

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a saúde da família e de várias outras pessoas, pois quando os amigos e moradores das re-giões próximas conheceram os produtos e começaram a fazer uso gostaram muito do resultado, então Carmelita passou a descer a trilha, uma vez na semana, para vender os produtos complementando a renda da família e deixando para trás as vendas de roupas.

A promoção da troca de saberes

Com o aumento do interesse de pessoas em conhecer as experiências da família Ferreira, no ano de 2004 o amigo e agrônomo Claudemar Mat-tos, propôs que fosse realizada uma Vivência Agroflorestal no sítio, com o intuito de reunir estudantes, técnicos e agricultores com interesse em aprender e trocar experiências sobre agroecologia e sistemas agroflores-tais. A I Vivência Agroflorestal do Sítio São José foi então realizada no mês de novembro de 2004 com a presença de estudantes do GAE da Uni-versidade Federal Rural do Rio de Janeiro, alguns agricultores da região e técnicos. Nessa vivência foi implantado um sistema agroflorestal.

A vivência deu tão certo, que no ano seguinte foi realizada novamente, mas dessa vez com es-tudantes de outros estados, envolvendo maior número de pessoas. O interesse só aumentou e a vivência passou a ser realizada todos os anos no mês de novembro, recebendo grupos de es-tudantes de diversas universidades como: Gru-po MAE da Universidade Federal Fluminense – UFF; Capim Limão da Universidade Federal

Mostruário de produtos: doces, compotas e conservas

preparadas no sítio.

V Vivência Agroflorestal realizada em 2008.

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do Rio de Janeiro – UFRJ; Grupo Yebá da Uni-versidade Federal de Lavras – UFLA, entre ou-tros. Atualmente a família tem um programa de estágio onde recebe pessoas, estudantes da área, ou não, que possuem interesse em prati-car a agroecologia, vivenciando as atividades do dia-a-dia da família, como: plantar, colher, beneficiar produtos e manejar as áreas.

As dificuldades vivenciadas e o aprendizado

Apesar da qualidade de vida ter sido garanti-da ao longo desses anos, a família não obtém a produtividade esperada, devido ao clima do local ser muito úmido. Por causa dessa umi-dade a produtividade com os grãos fica com-prometida; principalmente no que refere à co-lheita e ao armazenamento, sendo fases com muitas perdas por apodrecimento e por ataque de fungos.

Além da baixa produtividade causada pelos fa-tores climáticos, atualmente a família observa uma dificuldade de produtividade nos primei-ros SAF´s implantados, pois o espaçamento utilizado entre as árvores de grande porte e as frutíferas foi muito pequeno o que resultou num sombreamento das frutíferas dificultan-do a produção das mesmas.

Primeiro SAF implantado no sítio em estágio avançado de

desenvolvimento.

Preservação Ambiental

Desde que a família começou a trabalhar dentro dos princípios

da agroecologia, uma das preocupações foi a recuperação da floresta, que fora suprimida

antes da época em que entraram no sítio.

A implantação dos SAF´S foi uma das formas que

encontraram de repor espécies nativas da mata atlântica como a palmeira Jussara,

ameaçada de extinção devido ao corte indiscriminado para

comercialização de seu palmito.

Durante o período de 2000 a 2005 foram produzidas,

no próprio sítio e plantadas 31.844 mudas de espécies

arbóreas e frutíferas, sendo que 80% foram de espécies

nativas da mata atlântica, tais como: araribá, jatobá, canela, cambucá, guapuruvu, pitanga, sassafrás, diversidade de ingás,

entre outras.

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A solução para esse problema tem sido o manejo de algumas árvores, com poda ou até mesmo a retirada de algumas das plantas que se repe-tem em grande número nos SAF`s.

Com essas dificuldades foi possível perceber que é muito importante a observação e o estudo aprofundado das espécies a serem colocadas na área, conhecendo e avaliando seu porte, para que se dimensionem os espaçamentos, de forma a que as espécies adquiram harmonia entre si, sem comprometer futuramente o seu desenvolvimento e a sua produ-tividade.

Atualmente o Sítio São José possui doze SAF´s cada um com uma ca-racterística diferente e a partir das observações tem sido possível avaliar aos erros e acertos dos sistemas implantados, servindo de aprendizado tanto para a família como para os estudantes, técnicos e agricultores que visitam o sítio no intuito de conhecer mais sobre os Sistemas Agro-florestais.

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Protagonismo juvenil e manejo da Palmeira Juçara em comunidades

quilombolas (AMOQC)

Fábio José dos Reis Oliveira1, Ronaldo dos Santos2 , Luciano Marciel Corbelline3

Direitos Territoriais e Resistência dos Quilombolas

As comunidades Remanescentes de Quilombos, cujas primeiras exis-tências são datadas do século XVI, sempre estiveram às margens do projeto de desenvolvimento nacional. Inicialmente, os quilombolas eram considerados “bandidos”, por se tratar de grupos que viviam na ilegalidade, pessoas que se rebelavam contra o regime escravocrata, fugindo da condição de escravizado, e passando a fazer parte da cres-cente “rede de negros fujões”, o que representava cada vez mais, uma grande ameaça à soberania nacional. Outras maneiras menos lembra-das de formação dos quilombos são aqueles “que se originaram de fa-zendas falidas, das doações de terras para ex-escravos, das compras de terras pelos escravos alforriados, da prestação de serviços de escravos em guerras como a do Paraguai, Balaiada entre outras, das terras de Ordem Religiosas deixadas a ex-escravos, dentre outras situações”.

1 - Eng. Florestal, Coordenador Técnico do Projeto Protagonismo Juvenil - Email: [email protected]

2 - Coordenador Executivo da CONAQ - Email: [email protected]

3 - Biólogo, Coordenador Rede Juçara - Email: [email protected]

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A manutenção dos territórios quilombolas representa a manutenção da identidade cultural das comunidades negras rurais nos mais distintos contextos socioambientais no território nacional. A criação do artigo 68 do ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias), em ocasião da promulgação da constituição de 1988, e também centenário da abolição, representou um passo fundamental para o reconhecimen-to dos povos quilombolas, trazendo a questão quilombola novamente para a pauta de discussão da sociedade brasileira, não mais se tratando de um grupo perseguido em condição de marginalidade, mas um povo excluído do processo de desenvolvimento social e econômico do país, agora na condição de um novo sujeito de direito.

Hoje, com cerca de 3.500 comunidades remanescentes de quilombos reconhecidas pelo estado brasileiro, e mais de 5.000 estimadas pelo movimento quilombola em todo o território nacional, lutam para manter seus territórios étnicos, sua identidade cultural, a implementa-ção de políticas públicas e a promoção da qualidade de vida dos distin-tos grupos que compõem as comunidades: juventude, griôs, artesãos, agricultores, mulheres e lideranças locais.

Os avanços das comunidades quilombolas na luta por reconhecimento e por direitos têm provocado uma grande reação por parte do setor ruralista que historicamente tem suas bases sustentadas pelo racismo e pelo capitalismo. O ano de 2003 foi um marco na história do movimen-to quilombola, pois no dia 20 de novembro o Presidente da República publicou o decreto 4887/2003 regulamentando os procedimentos para o processo de reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios quilombolas. Esse decreto foi criado de forma participativa através de um grupo de trabalho que incluía organizações representativas do go-verno e da sociedade, entre elas a CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). Logo, o

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resultado final desse grupo de trabalho representou um avanço signifi-cativo para o movimento, bem como uma grande ameaça para o agro-negócio. A estratégia do movimento quilombola é ampliar suas bases de sustentação e fortalecer politicamente suas organizações, fazendo a formação de seus quadros e subsidiando com informações para uma atuação mais qualificada.

Articulação em rede regional e o protagonismo juvenil

Nos municípios de Angra dos Reis e Paraty (RJ), bem como em Uba-tuba (SP), várias comunidades quilombolas vem conseguindo resistir às ameaças da região. Essas comunidades mantiveram historicamen-te uma relação cultural, comercial, política, e até mesmo de migração para moradia e casamento entre si. Porém, essa relação foi interrompi-da devido à situação que cada uma dessas comunidades, isoladamente, passou a viver nas últimas décadas, por conta dos grandes projetos na-cionais desenvolvidos na região, como a criação de diversas unidades de conservação, a construção da rodovia Rio-Santos e da usina nuclear em Angra dos Reis, e a conseqüente especulação imobiliária.

Dentro da idéia da reorganização política das comunidades quilombo-las, a partir de 2005, renasce uma rede de articulação das comunidades quilombolas do litoral sul fluminense e norte paulista, fortalecendo uma identidade territorial comum, como uma nova estratégia políti-ca de luta. É a partir desse contexto que se organiza o Protagonismo Juvenil no Fortalecimento das Comunidades Quilombolas e Promoção da Palmeira Juçara, projeto aprovado junto ao Programa de Projetos Demonstrativas do Ministério do Meio Ambiente – PDA/MMA, com o intuito de estimular e envolver a juventude quilombola nos processos de organização comunitária em curso e intercâmbio cultural perma-

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nente através de uma campanha da valorização da palmeira juçara não só como parte importante do ecossistema, mas também como alterna-tiva para a soberania alimentar nos cinco territórios envolvidos nessa construção: Quilombos do Campinho da Independência, do Cabral, e de Santa Rita do Bracuí, no Sul Fluminense, e os Quilombos da Fa-zenda e de Cambury, no Litoral Norte Paulis-ta, além do Instituto de Permacultura da Mata Atlântica - IPEMA.

O projeto teve inicio no final de 2007, com previsão de conclusão prevista para o final de 2010, e orienta o foco de sua ação no Protago-nismo através de três linhas: Juventude, Orga-nização Comunitária Quilombola e Manejo da Palmeira Juçara. Essas estratégias de atuação aconteceram a partir da consolidação e difusão da agroecologia através da formação de agentes locais nas comunida-des quilombolas envolvidas, estimulando o repovoamento da palmeira juçara em sistemas agroflorestais, o enriquecimento produtivo da vege-tação de capoeira e o manejo florestal comunitário.

Para tanto, formou-se em cada comunidade as equipes de agentes lo-cais, cada uma com no mínimo cinco jovens, que passaram a ser iden-tificados como Protagonistas, os quais contaram com uma ajuda de custo pela sua participação. A efetivação dos objetivos propostos neste projeto requer um esforço centrado na capacitação e animação perma-nente dos agentes locais escolhidos pelas comunidades. Nos módulos do curso de formação foram abordados os princípios, fundamentos e técnicas que possibilitam a formação de agentes de desenvolvimento comunitário de base sustentável. À partir de uma abordagem teórica mais ampla fundamentada na agroecologia e no desenvolvimento sus-tentável, foram desenvolvidas atividades e experiências práticas sobre

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temas mais pontuais e específicos que possibilitassem integrar tais co-nhecimentos a realidade sócio-ambiental de cada comunidade.

O programa do curso preconiza a participação de todos os atores envolvidos na condição de sujeitos e não espectadores do processo, rompendo com o sistema de aula expositiva baseada puramente no repasse de técnicas. Tal programa aconteceu de forma flexível quanto ao número de módulos e conteúdos, abordando temas como: Movi-mento Negro/Quilombola: Sua Trajetória e Perspectivas, Desenvol-vimento Rural sustentável, Manejo da Palmeira Juçara, entre outros. Os instrutores fundamentalmente têm como principal papel atuarem como mediadores entre o grupo, estimulando e problematizando a

reflexão dos temas e saberes necessários para a construção de conceitos e princípios para o manejo da agrobiodiversidade e formação de lideranças comunitária.

Essa dinâmica de formação abriu um leque de possibilidades que permitiu a integração de te-mas transversais, como os de comunicação e

turismo de base comunitária, contribuindo para ampliação das áreas de ação e fortalecimento dos intercâmbios culturais, não só Quilom-bola, mas favorecendo a interação destes com os Caiçaras e com os Indígenas Guaranis, através da participação nas atividades do Fórum de Comunidades Tradicionais4. A articulação desses três grupos étni-cos na região, em prol da garantia dos seus respectivos territórios, tem abordado temas de grande relevância para manutenção da identidade cultural desses grupos. O Turismo de base comunitária propõe um tu-

4 - O FÓRUM DE COMUNIDADES TRADICIONAIS é um espaço político constituído por legítimos representantes das comunidades tradicionais Quilombolas, Caiçaras e de Índios Guaranis, situados no território compreendi-do entre o sul de Angra dos Reis, o município de Paraty e o norte de Ubatuba (SP), lutando pela garantia dos direitos e a manutenção da identidade cultural dessas comunidades.

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rismo onde seja reconhecida e valorizada a cultura local, bem como a Comunicação, as quais a partir do contato com as ferramentas para produção áudio visual, refletem-se sobre a democratização da comu-nicação e sua função social, além da grande mídia, sempre à partir do protagonismo e da autogestão das comunidades.

Vale ainda ressaltar as contribuições da construção da cultura de redes, ao buscar a interação em âmbito estadual com a Associação de Comu-nidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro – ACQUILERJ e com a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro, e a nível interes-tadual com a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas – CONAQ, com a Rede Juçara e a Rede Mocambo5. Tais articulações têm favorecido as trocas de experiências e compreensão da dimensão dos demais movimentos sociais, assim como de processos políticos gover-namentais que influenciam as dinâmicas de construção local.

Manejo da palmeira Juçara como estratégia de conservação em territórios tradicionais da Mata Atlântica

O manejo dos frutos da palmeira juçara (Euter-pe edulis Mart.) para obtenção tanto da polpa alimentar como das sementes, pode ser consi-derado como uma importante estratégia de conservação desta espécie e das florestas nativas, além do potencial sócio-econômico e contri-buições para soberania alimentar das comunidades na Mata Atlântica.

O estímulo para manejo dos frutos, ao invés da extração do palmito, pode contribuir consideravelmente para reduzir a pressão sobre esta

5 - Sites: www.redejucara.org.br e www.redemocambo.org.br

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espécie, e favorecer na resolução de conflitos socioambientais relacio-nados ao uso de recursos naturais por comunidades em áreas de inte-resse para conservação.

Esta palmeira até então era conhecida e usada apenas para a produção de palmito, através de um processo de exploração sem controle, e que representou uma opção de renda para muitas famílias de agricultores e comunidades excluí-das, mas que levou esta espécie ao risco de ex-tinção nesta região, e em praticamente todo o

domínio da Mata Atlântica. A partir da perspectiva de utilização de seus frutos para a produção de polpa, de forma similar a do açaí (Eu-terpe oleracea) produzido na Amazônia, esta espécie passou a possuir uma posição de destaque, conferida pela multifuncionalidade do pon-to de vista ecológico e sócio-econômico.

Um aspecto positivo do manejo da juçara para a produção da polpa do fruto, em relação ao manejo para palmito, é que a retirada do pal-mito implica na morte da planta, que leva de 5 a 8 anos para chegar a um estágio de corte, enquanto que a coleta de fruto pode ser feita aproximadamente a partir dos 7 anos, e possibilita a coleta ano após ano com a mesma planta, pois não é necessário cortá-la. Outro fa-tor relevante é que os frutos depois de serem despolpados fornecem como produto não só a polpa para ser consumida como alimento, mas também uma grande quantidade de sementes viáveis que po-dem ser utilizadas para incremento das populações dessa espécie, e repovoamento de áreas onde ela foi extinta, inclusive em locais aonde não há mais capacidade de repovoamento natural e implantação em diferentes sistemas produtivos.

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A partir das ações do protagonismo Juvenil ocorreu um incremento nas atividades de promoção da palmeira juçara, que já vinha ocorren-do em Paraty desde 2006 como ação da Associação de Moradores do Quilombo Campinho da Independência - AMOQC e em Ubatuba, por incentivo e empenho do Instituto de Permacultura da Mata Atlântica – IPEMA, desde 2005, parceiro nessa empreitada, contribuindo para a construção das possibilidades de manejo e da criação de identida-de sócio-ambiental dos produtos provenientes dessas iniciativas. Tal identidade pretende expressar os valores culturais dos povos da Mata Atlântica, e a geração de serviços ambientais decorrentes dessa estra-tégia de conservação. Com mais ânimo e mobilização para realização das atividades, os jovens são protagonistas em todas as fases do ciclo produtivo da polpa, proporcionando o encontro de gerações, uma vez que os responsáveis pelas áreas de coleta são pessoas de mais idade, e a grande maioria nunca tinha atentado para o uso dos frutos, contri-buindo também, para integração das mulheres aos mutirões para cole-ta e despolpa dos frutos.

Os produtos obtidos - polpa e sementes - rece-bem os devidos tratamentos para cumprirem distintas funções que, no caso específico da polpa, é a de contribuir para soberania ali-mentar e geração de renda nas comunidades. A polpa produzida no dia de trabalho inicial-mente é repartida em três partes: uma parte é dividida entre os integrantes das atividades de coleta e despolpamen-to; uma segunda é destinada aos responsáveis pelas áreas de coleta, proporcional a quantia de frutos coletados em sua área, e a terceira é mantida em um fundo coletivo destinado a divulgação e venda em distintas ocasiões.

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Na safra de 2009 iniciou-se o diálogo com a Coordenação da Nutrição da Merenda Escolar da Prefeitura Municipal de Paraty-RJ, o que já ha-via ocorrido anteriormente em Ubatuba por intermédio do IPEMA, com o intuito de oferecer a polpa da juçara em forma de complemen-to alimentar, acompanhada com banana e outros produtos oriundos da agricultura familiar da região na merenda escolar do município. No primeiro momento focando as possibilidades existentes junto ao Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e posteriormente reco-nhecendo a Lei 11.947 (Lei da Alimentação Escolar). Nesse contexto, a polpa da juçara representa a ponta da lança para inclusão dos demais produtos agroecológicos na alimentação dos estudantes, e acesso as políticas públicas que contribuam para melhorias, tanto da organiza-ção produtiva como da qualidade de vida das famílias envolvidas nessa articulação.

A construção de redes de economia solidária e consumo ético crescem em todo o mundo, e na atualidade representam importantes merca-dos potenciais para a comercialização de produtos oriundos de mane-jo sustentável gerados por grupos étnicos. A partir da articulação da rede de quilombos e parceiros, este projeto tem também como foco estabelecer um referencial ético comum para o produto (polpa), uma vez que incorpora as dimensões social (étnica), ecológica e solidária. Por isso, irá estimular e se constituir na base de princípios e valores que nortearão futuramente o processo de produção e comercialização, para a estruturação de uma cadeia produtiva que se insira nos sistemas de economia popular e solidária, contribuindo para as dinâmicas de desenvolvimento local.

Nesta perspectiva o produto polpa de juçara, a ser expresso através das ações desta experiência, agrega em si outros valores incomuns na eco-nomia de mercado convencional, apresentando aos potenciais consu-

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midores um produto que representa não apenas qualidade nutricional e sabor, mas inclusão social, valorização étnica e cultural, recuperação de nascentes e matas ciliares, bem como a recomposição e conservação de florestas no bioma Mata Atlântica.

Desafios em curso

As estratégias de conservação da Mata Atlântica a partir do protago-nismo social e manejo da agrobiodiversidade envolvem reconhecer as práticas tradicionais, e se adequar às novas possibilidades de uso dos recursos naturais nos territórios ocupados pelas comunidades tradi-cionais, e também por coletivos da agricultura familiar.

O manejo da palmeira juçara para a produção de polpa alimentar e ob-tenção de sementes, neste momento, representa a ponta de lança para a transição agroecológica nos mais distintos sistemas de produção e de manejo de produtos florestais não madeireiros na região da Costa Verde. Para tanto, é fundamental para consolidação das possibilida-des de manejo no Bioma e para a garantia dos territórios em questão a implementação e a integração de políticas públicas que contribuam para o fortalecimento da organização das relações produtivas. Essas necessitam estar aliadas ao entendimento mais amplo e diferenciado da legislação ambiental, e que seja reconhecedor da importância do manejo dos recursos naturais já desenvolvidos pelas populações tradi-cionais do território.

O Protagonismo da juventude nos processos comunitários em curso e intercâmbio cultural como um dos eixos para articulação política dos territórios quilombolas passa por reconhecer os diferentes momentos vividos por cada comunidade, e respeitar o tempo de cada um desses

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jovens diante da consolidação dos valores culturais e visão de mundo em construção. Assegurar a participação desses jovens após o termino do projeto em tais processos é o grande desafio, que representa impac-tos positivos nas relações familiares e comunitárias, e que deverá pro-porcionar a permanência dos jovens nos seus territórios com geração trabalho de renda.

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Mutirões de planejamento e organização de assentamentos: a experiência do

Assentamento Roseli Nunes - Pirai-RJ

Andréia Matheus1, Patrícia Dias Tavares2, Nivia Regina da Silva3

Setor de Produção Cooperação e Meio Ambiente – SPCMA/MST

Introdução

O texto e contexto apresentados a seguir referem-se a uma das expe-riências desenvolvidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e se fundamenta na necessidade de planejamento e orga-nização permanente das áreas de assentamentos de reforma agrária.

Historicamente as áreas da reforma agrária foram pensadas sem con-siderar a realidade do local, tanto quanto aos recursos naturais, quan-to às características sócio-culturais das famílias, num quadro a ser re-vertido e que demanda novas formas de organização que possibilitem a consolidação participativa dos assentamentos.

A experiência de aplicação da metodologia “Mutirões de Planejamento e Organização de Assentamentos”, cuja implementação é feita de forma articulada com outras instituições – como o Grupo de Estudos Terra,

1 - Email: [email protected]

2 - Email: [email protected]

3 - Email: [email protected]

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Ensino e Reforma Agrária-GETERRA e o Grupo de Agricultura Ecoló-gica–GAE, da UFRRJ, parceiros no exercício do Programa de Assesso-ria Técnica Social e Ambiental – ATES, do INCRA-RJ, tem se revelado um importante instrumento para o “novo” assentamento.

Foi concebida para ser uma metodologia que facilite a tomada de de-cisões pelas famílias assentadas, apontando para construção do as-sentamento baseado nos princípios da agroecologia e da cooperação, que traga novas perspectivas e estimule um processo de planejamento participativo, levando em consideração os aspectos sociais, culturais, econômico e ambiental.

As famílias se apropriam do planejamento sobre o local onde moram. São elas que definem os caminhos para desenvolver as ações conjun-tas, pensadas para a construção e desenvolvimento do “novo” assen-tamento. Desta forma participam homens, mulheres, idosos, jovens e crianças visto que a construção está pautada em novos valores para a sociedade e sua relação com o ambiente.

A formação, capacitação e planejamento, para permitir às famílias con-dições de definir as ações que serão implementadas a curto, médio e longo prazo, imprimem um ciclo de crescimento do trabalho, para o qual se mostra fundamental a identificação e o acionar de novas parce-rias que irão potencializar o desenvolvimento do assentamento, junto às famílias.

A Experiência e o Método

A presente experiência está sendo realizada no assentamento Roseli Nunes, localizado no Município de Piraí-RJ. Consiste em um méto-

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do de trabalho para auxiliar e orientar a Assistência Técnica Social e Ambiental - ATES para a execução do Plano de Desenvolvimento de Assentamento – PDA (um conjunto de estudos contratados pelo IN-CRA para instituir os Projetos de Assentamento), bem como as demais atividades executadas que têm por base a agroecologia, cooperação e novos valores socioculturais.

A execução é subdivida em etapas, que contemplam: formação, ca-pacitação e atividades de campo, com coletas de dados qualitativos e quantitativos, tanto do assentamento, quanto da sua região de inserção. Todo o levantamento de informações e planejamento das ações se dá em forma de reuniões, assembléias, oficinas e entrevistas.

Para facilitar os trabalhos e a sistematização dos dados a “equipe” que envolve as famílias assentadas, os profissionais da ATES, os parceiros e os setores4 do MST, são divididos em grupos de trabalho5, a saber: Territorial - identifica as questões referentes à composição física e geo-gráfica do assentamento, deverá analisar os dados de solo, clima, rele-vo, hidrografia, vegetação, fauna, flora e localização; Social - identifica as informações relacionadas às dimensões sócio-cultural das famílias; Político - identifica o nível de organização política do assentamento; Econômico - identifica o perfil produtivo do assentamento, levando em consideração a composição e a utilização dos meios de produção no atual estágio do assentamento.

Dessa forma, os Mutirões têm por propósito construir, junto às fa-mílias do “novo” assentamento, uma nova forma de pensar o modelo produtivo, com base em práticas mais sustentáveis, bem como com a

4 - O MST é organizado por setores: Produção, Cooperação e Meio Ambiente; Educação; Saúde; Gênero; Frente de Massas; Comunicação; Formação, dentre outros.

5 - CONCRAB – Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil “Construindo o Planejamento Participativo do Assentamento – Processo de Planejamento e Organização do Assentamentos/PPOA“

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valorização e o restabelecimento das relações sócio-culturais, de forma a promover a inserção de trabalhadores na sociedade. Entende-se que para além do acesso a terra, a reforma agrária envolve um processo de reestruturação fundiária, melhor distribuição de terra e renda, apro-fundando na questão da mudança do modelo tecnológico aplicado na agricultura.

Caracterização da Região e da Comunidade Roseli Nunes

O Vale do Médio Paraíba do Sul, aonde se localiza o assentamento Roseli Nunes é uma região marcada pela predominância de grandes propriedades rurais, que atravessaram distintos ciclos de exploração e assim transformaram a sua realidade geoambiental.

O principal ciclo econômico foi o do Café que, como conseqüência do modo de produção, levou à exaustão dos solos e ao abandono das áreas, após a queda da produtividade e a decadência do setor; foi seguido pelo ciclo da pecuária, e mais recentemente passou a ter uma economia baseada na indústria, em virtude da instalação das metalúrgicas e da construção da Rodovia Presidente Dutra.

Ao observar esse histórico, nota-se porque as áreas destinadas aos assentamentos de reforma agrária, na maioria das vezes, apresentam passivos ambientais provocados pela intensa exploração dos recursos naturais, como é o caso na área em que se instalou o assentamento Roseli Nunes.

O assentamento Roseli Nunes, localizado no município de Piraí – Rj, é composto por 45 famílias totalizando 137 pessoas. A maioria das fa-mílias veio do meio urbano, tendo como origem as cidades de Volta

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Redonda, Barra Mansa e Barra do Piraí, além da baixada fluminense, onde viviam “nos morros”, ou seja nos bairros mais pobres dessas cida-des, caracterizando o retorno dessas famílias para o campo. Apenas pe-quena parte das famílias são oriundas da Zona Rural, tendo sua origem no mesmo município do assentamento ou em áreas circunvizinhas.

Apesar de estarem em condição de acampamento e sem recursos fi-nanceiros, as famílias mantêm produção para subsistência em áreas pequenas e localizadas principalmente no entorno das barracas. O assentamento adiante leva a possibilidade da produção de alimentos para o consumo familiar e comercialização, uma etapa que virá com a liberação de recursos para ampliar a produção.

O fato dos agricultores estarem produzindo constitui uma forma rele-vante para que ampliem os seus conhecimentos empíricos, num resga-te cultural proporcionado pelo acesso à terra. Percebe-se o fortaleci-mento da relação de troca entre os assentados, reforçando a prática da experimentação e a valorização dos conhecimentos já acumulados. A partir daí pode-se identificar o trabalho que eles realizam como agroe-cológico, observando-se a recuperação do ambiente e o manejo de re-cursos existentes na própria área.

A Experiência do Assentamento Roseli Nunes – Pirai/RJ

A aplicação dessa metodologia envolveu setores/militantes do MST que atuam nas diversas áreas, profissionais da equipe ATES do campo do MST e parceiros institucionais do assentamento.

A primeira etapa foi fundamental para conhecer o histórico das famílias através da metodologia da linha do tempo, aplicada jun-to aos núcleos de organização interna. Procurou-se compreender

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o território através do desenho do mapa do assentamento, pelas famílias nos núcleos e de realização de caminhada pela área junto com pessoas indicadas pela comunidade.

As caminhadas transversais também facilita-ram a visualização dos sistemas produtivos que foram posteriormente debatidos em reu-niões, por núcleos. Nessa etapa foi observada tanto a lógica da produção, sem uso de insu-mos químicos sintéticos, quanto uma preocu-pação com a recuperação ambiental e com os recursos hídricos.

Foi colocado pelas famílias que apesar das condições do atual estágio do assentamen-to, existe produção, mesmo que em pequena quantidade. Existem as criações de: porcos, galinhas, bezerros; e as plantações de: abóbora, jiló, aipim, feijão, abobrinha, couve, taioba e outras hortaliças.

Utilizam como insumos o esterco de gado e de galinha; lixo orgâ-nico (buraco com lixo, na lógica da compostagem); urina de vaca. Dizem que “Tem que começar com aquilo que dá rápido”. Possuem a proposta de plantar ainda girassol, fumo, gergelim. Dizem que “Tem que fazer as experiências, os lugares são diferentes. Agroecolo-gia é experimentação”.

A segunda etapa foi construída a partir dos elementos observados na primeira etapa e das demandas colocadas pelas famílias; foram realizados espaços de formação em agroecologia, cooperação e em legislação am-

O Programa de Assessoria Técnica Social e Ambiental à

Reforma Agrária – ATES é uma conquista dos movimentos sociais, na lógica de que as

famílias beneficiárias do Programa Nacional de Reforma

Agrária demandam por serviços de acompanhamento

diferenciado, pela extensão rural.

Sua ação inicial nos Assentamentos é destinada à

produção de documentos para balizar as ações do INCRA, o que requer sensibilidade

redobrada para que não se produzam meras peças

burocráticas, mas sim registros e sínteses que expressem

aos reais interesses e potencialidades das famílias

em questão.

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biental, com debates sobre as diferentes formas de aplicação de métodos agroecológicos no assentamento, facilitando-se “conhecer” as produções já existentes. Além disso, esses espaços também traziam a necessidade de compreender o território e organização interna onde se encontram e as formas/jeitos que podem ocupá-lo, desde as habitações até a produção.

Para subsidiar o debate, houve um estudo sobre as experiências de or-ganização de assentamentos que o MST desenvolveu em outros estados, destacando os princípios e a realidade de cada uma delas.

Também foram realizados debates no sentido de fortalecer as práticas agroecológicas e de cooperação já encontradas na comunidade, apon-tando a necessidade de apoiar novas experiências, através do processo de planejamento que ajude a definir as questões: “onde?”, “como?”, “res-ponsáveis?”, pontos esses fundamentais para a viabilidade das mesmas, dando-se prosseguimento nas etapas que seguem.

A terceira etapa consistiu da coleta de dados referentes à qualidade e ao tipo do solo da área, para a elaboração de mapas de solo e mapeamento litológico, além da qualidade de habitat. Foi realizada a coleta de dados qualitativos e quantitativos com relação aos recursos hídricos para o ma-peamento, a fim de estabelecer uma referência do início da experiência, e futuro acompanhamento, estabelecendo parâmetros para avaliar os está-gios e avanços do processo de recuperação da área a partir dos princípios agroecológicos.

Uma das ações desdobradas do Mutirão foi o estudo da qualidade e fer-tilidade do solo. A perspectiva foi realizar com as famílias um processo de reflexão e debate sobre a qualidade e recuperação do solo, ressaltan-do-se a importância do questionamento da produção do conhecimen-to e seu uso, levando em consideração os agricultores como sujeitos

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importantes no processo de construção do conhecimento, em um diálogo entre conheci-mento científico e conhecimento dos agricul-tores. Foi feito um mapeamento participativo do solo, cuja elaboração foi uma ferramenta para evidenciar a percepção espacial dos agri-cultores e as categorias de solos definidas por eles. Durante a avaliação participativa os agri-cultores tiveram oportunidade de expor os

motivos da degradação dos solos no assentamento. Segundo eles, o es-tado de degradação é conseqüência de uma série de atividades anterio-res e a avaliação geral é de que a terra do assentamento está desgastada, fraca e em algumas partes muito seca e dura. “O que degradou muito a terra foi o fogo, a terra não pode ficar nua, e colocar fogo enfraquece o solo. O mato é o cabelo da terra” (agricultor núcleo Zumbi). No entanto, apontam que á terra pode ser recuperada e melhorada. Essa perspecti-va é bem presente entre assentados. “As terras do assentamento são 90% terra fraca, mas com ponto de recuperação, ela com tratamento melhora, ela não tão ruim, está judiada do eucalipto, a vegetação aqui mostra que ela pode ficar terra boa” (agricultor núcleo Roseli). A definição de solo de boa qualidade, segundo os agricultores, envolve uma terra com pre-sença de água (umidade), solta, macia, estercada (presença de matéria orgânica) que tenha adubo da natureza e não fique nua para segurar a água, e sim a terra descansada com bastante cobertura vegetal.

Os agricultores apontaram a partir daí, ações para recuperação, que serão detalhadas na quinta e na última etapa adiantes – na proposta de implantação de uma agrofloresta numa terra bem degradada, bem como uma área coletiva do assentamento.

Na quarta etapa, as famílias colocaram quais são os sonhos individuais

Reunião para elaboração participativa do mapa do solo.

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e coletivos, através de reuniões com as mulheres, jovens, crianças, e em núcleos realizaram desenhos nos mapas. Nesse momento apareceram sonhos importantes ligados ao acesso a educação, saúde, produção e comercialização, cultura e lazer para todos. A partir desses elementos as famílias fizeram propostas de como ocupar o território, a forma/jeito e a proposta de produção a partir de princípios agroecológicos.

Na quinta etapa, de posse de todos os elementos das etapas anteriores foi o momento de pensar em como consolidar os sonhos, ou seja, quais as ações a serem desenvolvidas e qual é o caminho a ser percorrido. Nesse sentido as famílias em assembléias e nos núcleos fizeram as pro-postas deflagrando o processo de planejamento das ações, bem como o mapeamento de parceiros.

Dentre as propostas, as famílias apontaram a necessidade de estabe-lecer uma área coletiva para que pudessem realizar experimentos de práticas agroecológicas, que conciliassem a recuperação da área e a produção para sustento das famílias e para comercialização. Queriam aplicar conhecimentos destacados nas fases anteriores e descobrir no-vas práticas, em uma área que pudesse servir como referência para o assentamento e para a região, já que outros assentamentos da região apresentam as mesmas características.

Para proporcionar mais segurança na nova forma de trabalho foram realizadas visitas de troca de experiências. Destacou-se a visita a um agricultor e experimentador da região de Parati, chamado Zé Ferreira, referência na produção agroecológica. As famílias conheceram diver-sas experiências de SAFs (sistemas agroflorestais), que segundo elas foi importante visualizar e praticar, associando-se a uma “nova” forma de produzir, facilitando a compreensão acerca da agroecologia. Trocas de

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experiências aconteceram também nas visitas as Comunas da Terra6 em São Paulo, Nesses assentamentos as famílias passaram por uma nova dinâmica de organização de assentamentos, tendo muito presente a cooperação e as práticas agroecológicas.

A última etapa do mutirão foi o início de uma experiência prática e consistiu na implantação de uma área demonstrativa com enfoque na recuperação ambiental, com adoção de princípios agroecológicos. Na área selecionada foi implantado um SAF - Sistema Agroflorestal sob regime de Mutirão, utilizando-se de adubação verde, espécies nativas da região além de espécies exóticas, bem adaptadas, a destacar algumas frutíferas e plantas de características melíferas, dado o interesse pela criação de abelhas.

Toda a proposta prática e os textos gerados fo-ram pensados e discutidos de forma voltada a facilitar a implementação pelas famílias, junto com parceiros como professores da Universi-dade Estadual do Norte Fluminense – UENF e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, GETERRA, GAE, ATES e assessores.

A experiência com o Sistema Agroflorestal está no principio e será mantido um acompanha-mento da área experimental e de atividades posteriores para o desen-volvimento sustentável do futuro assentamento, com planejamento de ações continuadas com as famílias e colaboradores.

6 - A Comuna da Terra tem a sua centralidade num público diferenciado do campesinato tradicional, ela procura entender a dinâmica urbano-rural, é um espaço de resistência dos trabalhadores/as e está funda-mentada no vinculo das pessoas com o trabalho, a propriedade social da terra, a produção agroecológica, a cooperação em diversos aspectos e o desenvolvimento das questões sociais básicas. CONCRAB – Novas formas de assentamento de reforma agrária: A Experiência da Comuna da Terra.

Área de implantação do SAF no PA Roseli Nunes.

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Rede Ecológica: uma experiência de organização de consumidores conscientes

Miriam Langenbach1

Introdução

A Rede Ecológica é um grupo informal de con-sumidores no Rio de Janeiro, que compram juntos diretamente de produtores agroecoló-gicos, alguns do estado do Rio de Janeiro, e ou-tros de regiões mais distantes.

Mas como aconteceu isto? Nós, consumidores, fomos nos dando conta de que quando íamos ao supermercado, não tínhamos noção de onde e de quem vinham os produtos, que interferências tinham sofrido.

Não sabíamos nada sobre as condições ambientais e sociais nas quais estes produtos foram confeccionados. Nosso guia para as compras era a publicidade nos dizendo o que seria bom. A lógica que a norteia trans-mite a visão de que a natureza é uma mercadoria, a ser utilizada cega-mente, sendo o principal alvo proporcionar lucro para alguns poucos.

1 - Consumidora integrante da Rede Ecológica - Email: [email protected]

Ponto de venda em Niterói-RJ

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Um pouco da história e dos fundamentos da Rede Ecológica

Nos anos 70 tivemos uma oportunidade rara, de aprender o que era consumo consciente com uma associação de consumidores chamada Coonatura, que surgiu no Rio de Janeiro, nossa cidade. Sua proposta, além de encampar lutas ecológicas, foi trazer produtos orgânicos dire-tamente de agricultores do Brejal, estimulados pela garantia de com-pra, a plantar sem veneno.

Ao longo dos 20 anos de seu funcionamento fomos aprendendo que era possível para nós, consumidores, fazermos compras diferentes das do sistema habitual. Infelizmente a Coonatura fechou suas portas no inicio deste milênio.

E porque a compra é tão importante do ponto de vista do consumo consciente? Um dos grandes problemas dos produtores é a comerciali-zação, já que não conseguem, ou sofrem para se adequar a um sistema de baixos preços, devoluções, pagamento depois de meses da entrega, característica do formato dos supermercados. E também não conse-guem atender à escala exigida.

Por sua vez, os consumidores, ficam desejando comprar produtos agroecológicos que ficam sempre inviáveis, por serem tão caros. Uns querem vender, outros comprar. O que impede? A intermediação joga os preços nas alturas.

Este é o panorama. Mas o que existe de modo mais profundo? Os consu-midores foram domesticados para comprar de acordo com as diretrizes de grandes corporações, que definem o futuro do planeta, na medida em que se tornaram donos da cadeia produtiva, das sementes, da água. Assim essas corporações dominam na prática os consumidores, isto é, a população, tornando-a dependente e submissa. Como se contrapor?

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Um dos instrumentos cotidianos que temos à nossa disposição são nossas compras e precisamos nos perguntar: elas beneficiam a quem? A estes grandes grupos ou aos agricultores familiares agroecológicos? Nos demos conta que poderíamos intervir, sim, buscando os produto-res, estabelecendo com eles outro tipo de relação.

Uma relação de fraternidade: campo e cidade se dando as mãos! Este é o nosso lema. Mas o que é isto? Para nós, que somos da cidade, o cam-po é um mundo desconhecido. Como fazer?

O primeiro passo é buscarmos, nós, consumidores, nos juntarmos, em pequenos grupos para, a partir daí, fazer o contato com produtores, conhecê-los, saber o que produzem, como vivem, e quais são as suas dificuldades. E o que foi ficando claro: os agricultores que estão na ter-ra plantando sem veneno, em realidade são os grandes ecologistas de nossos tempos, pois cuidam da limpeza da terra, da água, do ar, cui-dam da nossa saúde, e como são muito apegados à natureza e à vida rural, permanecem no campo. Não engrossam as fileiras problemáticas que chegam à cidade.

E de que precisam nossos agricultores, já que sua vida não é nada fácil e que contam com pouquíssimo apoio? Nossos agricultores, em primei-

ro lugar, precisam de consumidores “olho no olho” ou à distância, dizendo como gostam dos produtos, como estão gratos por sua atuação, pagando pontual e rapidamente, atendendo aos preços solicitados, agindo como interlocutores na busca de soluções para os seus problemas.

Aos poucos, à medida que campo e cidade co-meçam a se conhecer, surgem amizades e tro-

João Pimenta, agricultor, assentado pela Reforma Agrária, em Seropédica: interação com consumidores faz diferença!

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cas solidárias. Fidelidade, o desejo de apoiar de outros modos, para além da compra. Tudo isto vai animando os agricultores, lhes dando uma sensação de solidez, de poder contar com aliados e parceiros. A cidade vai se tornando, também para eles, mais familiar e suave.

O que resulta disto? Consumidores compram a preços muito bons, produtos de qualidade, que preservam o meio ambiente, e os produ-tores são pagos com preços justos, bem diferentes dos que recebem no sistema habitual. O fato de sermos um coletivo, possibilita este tipo de compra, vantajosa para os 2 lados. Se estabelece um outro circuito, que em realidade está nas mãos dos consumidores e produtores. Rompe-se o circuito vicioso anterior, e passa-se a um circulo virtuoso.

Mas será que é tão fácil? Não é nem tão fácil, nem tão difícil. É mui-to viável, desde que haja consciência do consumidor, de que ele não pode adentrar pela Rede Ecológica, como se estivesse indo a um su-permercado, no qual chega, tem tudo a disposição, pessoas a servi-lo e o anonimato.

A estrutura e o funcionamento da Rede Ecológica

Na proposta da Rede Ecológica, os consumidores estruturam o lado da cidade para receber os produtos. O que é isto? Montamos ao longo de 9 anos de existência, uma estrutura de certo modo leve, que busca num local de referência, que é uma feira ecológica (feira da Glória), os produtos encomendados anteriormente pela internet. Motoristas autô-nomos distribuem estes produtos pelos 8 núcleos (Urca, Santa Teresa, Vila Isabel, Freguesia, Humaitá, Botafogo, Recreio (bairros do Rio de Janeiro) e Niterói, em espaços comunitários cedidos por algumas horas por escolas, igrejas, associações de moradores, etc.

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Ao longo dos anos, estes espaços temporários, no qual os consumi-dores vão buscar suas compras encomendadas, vão se tornando um momento de interação de consumidores, que precisam participar para que a entrega aconteça de modo harmonioso. Cada espaço tem sua forma de interagir, mas em comum existe o espírito de cooperação e solidariedade, e as definições coletivamente estabelecidas, pelo próprio núcleo ou em assembléias.

O que significa a proposta de compras coletivas da Rede Ecológica? Que os produtores não precisam se preocupar com a estrutura urbana, de venda e entrega. Sua parte tem a ver com produzir, e encaminhar para a cidade itens que estejam em bom estado.

A nós, da Rede Ecológica, cabe organizar o recebimento, a distribuição e o pagamento aos produtores. E ao assumirmos este papel, necessaria-mente precisamos funcionar de modo auto-gestionário, isto é, nós nos organizando para não centralizar em alguns poucos as tarefas. Isto nem sempre é fácil, levamos anos até ficar claro para vários de nossos associa-dos, que sem a participação de toda(o)s a proposta se inviabiliza.

Assim, atualmente existe a categoria de associado, que envolve o paga-mento de uma taxa mensal durante, no mínimo, um ano, e que cobre os gastos de logística necessários para a chegada dos produtos. Além da mensalidade, todos os consumidores da Rede Ecológica têm que ter algum nível de participação, sem o que a proposta se inviabiliza. A participação mínima proposta atualmente aos consumidores da Rede Ecológica é fazerem trabalhos voluntários durante 6 horas por ano, ajudando em algumas atividades cruciais.

Não compramos apenas produtos frescos, mas também produtos como arroz, feijão, castanha do Pará, queijos, palmitos, gergelim, linhaça, etc.

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Assim, em realidade a maior parte do que comemos cotidianamente, vem de grupos de agricultores familiares agroecológicos e diminuímos drasticamente nossa ida aos supermercados. Entretanto, para viabilizar a compra do mês, faz-se necessário um mutirão na véspera da entrega, ao qual mais de uma dezena de consumidores vem, quando conferem e separam os produtos, que no dia seguinte serão levados para os oito núcleos atualmente existentes.

No dia seguinte, na entrega nos núcleos, precisa-se novamente de ajuda de vários voluntários. Os responsáveis pelas entregas são remunerados, assim como a responsável por receber as encomendas, o financeiro, a res-ponsável pelo mutirão. Mas os demais são voluntários. Este casamento entre trabalhos remunerados e uma forte participação voluntária é que viabiliza as compras coletivas da Rede Ecológica. E podermos ir além.

Temos várias comissões, que tratam de assuntos que vão além das com-pras coletivas propriamente, reforçando o consumo consciente de ou-tras formas. Toda a parte de comunicação é muito importante na Rede Ecológica, e se apóia fortemente na internet, que tem tido um papel essencial. Assim, temos um site www.redeecologicario.org que fala dos vários aspectos da Rede.

Todas as semanas por duas vezes nos comunicamos com os consumi-dores por internet, para encaminhar a lista de produtos (a segunda vez é uma ultima chamada para lembrar os esquecidos) e junto vão infor-mações sobre fatos que estão acontecendo com a Rede, campanhas, informes sobre a agroecologia, etc. A equipe, formada de mais de 30 pessoas também discute por internet questões do dia a dia. A transpa-rência é um de nossos princípios, de modo que o máximo de pessoas possa acompanhar a vida da Rede Ecológica.

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Além da comissão de comunicação, existe a comissão de cuidados com o núcleo, acompanhamento aos produtores, em que há representan-tes próximos dos produtores; finanças; logística; conscientização dos consumidores; tecnologia da informação; segurança alimentar. Além disto, há a representação junto a Articulação Estadual de Agroecologia e a região metropolitana. Vocês podem observar que a ação da Rede Ecológica extrapola as compras.

Autogestão e (re) educação através da relação de consumo

O que isto provoca? Uma revolução nos costumes. Em que sentido?

Primeiramente é uma experiência concreta de auto-gestão, em que cada pessoa percebe que toda (o)s intervém. E além disto, passamos a refletir e agir de modo diferente em questões como: quais alimentos são impor-tantes? Será que muito do que compramos é necessário? Ou faz parte da estratégia de marketing das grandes empresas, oferecendo variedade do mesmo, sem nenhum conteúdo alimentar mais significativo, mas com uma fachada bonita e gostosa quimicamente engendrada? Não quere-mos isto! O que é bom para nossa saúde? Para a saúde do planeta?

Passamos a nos reeducar – coletivamente, mas ao mesmo tempo no rit-mo de cada um – do ponto de vista alimentar, de nosso paladar e saúde, de nossas escolhas. Aprendemos receitas gostosas para os produtos no nosso blog em ecosdarede-receitasecologicas.blogspot.com

Nos re-educamos também em relação ao manejo do lixo, diminuindo ao máximo as embalagens (os produtos frescos vem a granel em ge-ral), nos familiarizando com a compostagem, para transformar um lixo problemático em adubo.

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E nos re-educamos a enxergar nossos produtores como parceiros e amigos, e não serviçais. Cada vez mais os agricultores se confirmam como grandes ecologistas de nossos tempos. Saem de uma posição de desvalorização na nossa sociedade, na qual muitos se envergonham de sê-lo e querem sair do campo, querem que seus filhos saiam. Com nos-sos produtores isto não acontece. Tem orgulho de serem agricultores, porque percebem sua importância para manter a vida humana no pla-neta, além de amarem a vida no campo. E o fato de nós estarmos juntos faz uma grande diferença.

Concluindo: os atores e os caminhos para novas relações com o mercado.

Vamos citar alguns produtores, enfatizando nosso agradecimento: cronologicamente, conforme vimos anteriormente, os produtores do Brejal, uma comunidade nas montanhas, próxima a Petrópolis, que iniciou a agricultura orgânica no estado do Rio de Janeiro; o pessoal da APAT, de Tombos, Minas Gerais, que desde 2002, a partir do I En-contro Nacional de Agroecologia, nos traz a cada mês delicioso fubá, feijão vermelho, multimistura e muitos outros produtos; os produtores do Serorgânico, com o qual a parceria é muito estreita, já que seu surgi-mento se deveu ao estimulo provocado pelas nossas compras.

A família Freitas, a Joana, Rubia e Rubenilto, que há anos estão en-volvidos com a Rede, tanto na sua estrutura, quando nos trazendo produtos de limpeza e confeccionando cadernos ecológicos. Até itens como fraldas de pano vão passar a fazer parte dos produtos cuja com-pra incentivamos! A variedade é grande, ao redor de 150 itens, mas não pretendemos ir estendendo isto indefinidamente. Sabemos dos limites de nossa estrutura que não deverá se tornar uma loja. Não poderá ficar

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pesada. Enfatizamos o satisfazer-se com o bom, justo e limpo, aceitar as estações do ano, e isto nos faz desenvolver a fidelidade e a aceitação de limites, algo alheio a muitos consumidores. Somos constantemente estimulados a buscar e aderir ao que se oferece de momento, sempre querendo mais, dentro de um esquema individualista e empobrecedor.

Fica claro por esta descrição que o consumo consciente praticado pela Rede Ecológica pode, na medida em que maior numero de gru-pos busquem se organizar desta forma, mudar a correlação de forças, atualmente existente em nosso planeta. Esta favorece inteiramente os grandes proprietários, o agronegócio, as corporações, que nos ento-pem de agrotóxicos, transgênicos, monocultura biológica e mental, nos desviando da possibilidade de sustentabilidade.

Gostaríamos de destacar que além das compras coletivas, outras for-mas de comercialização são fundamentais: primeiramente, as feiras ecológicas e da agricultura familiar. Elas são importantes pela relação direta entre consumidores e produtores que ali acontece. Mas sem dú-vida exigem o trabalho dos produtores irem, venderem, se organizarem para vir à cidade, além dos riscos que a compra não planejada traz. As feiras ecológicas precisam se expandir, exatamente pela possibilidade de trocas entre consumidores e produtores. Mas as compras coletivas podem ser um complemento importantíssimo, já que os produtores investiram em transporte, na sua vinda, então podem deixar em locais mais ou menos próximos à feira, produtos que aí serão assumidos de uma forma participativa pelos consumidores.

As lojas e mercados de economia solidária e os mercados de produto-res constituem outros mecanismos que caminham na mesma direção. A perspectiva da merenda escolar, para a qual pelo menos 30% por lei deverão vir da agricultura familiar, pode ganhar também cada vez mais

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fortemente a ênfase nos produtos sem agrotóxicos, fortalecendo este movimento por um campo de muitos e que seja valorizado.

A Rede Ecológica se insere na proposta da agroecologia e da economia solidária, que bus-cam novos caminhos e formas de organiza-ção que possibilitem tornar possível um outro mundo, e dentro de um outro paradigma, mais simples, mais justo, mais sustentável. A Rede Ecológica está junto! Espaço...

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De ambientalistas a agroecologistas: uma leitura sobre a inserção do Verdejar na

interação entre comunidades e o ambiente na Serra da Misericórdia-RJ

Luiz Carlos M. Marins (Poeta)1, Rafael Santos Nunes2, Luiz C. Nicácio da Silva3

Apresentação

O Verdejar durante seu tempo de atuação no bairro do Engenho da Ra-inha, zona norte do município do Rio de Janeiro, fundamenta seu trabalho em princípios que vi-sam consolidar uma prática de desenvolvimen-to sócio-ambiental, em diretrizes agroecológi-cas, pelas quais a população em foco torna-se protagonista e agente de sua própria mudança.

O histórico dos conflitos com o qual o Verdejar se confronta se estabelece a partir da “evolução urbana” desencadeada no inicio do século XX, pautada pelos projetos do então Prefeito Pereira Passos e até de período anterior, quando a

1 - Email: [email protected]

2 - Email: [email protected]

3 - Email: [email protected]

O “Verdejar: proteção ambiental e humanismo” é uma ONG, que tem como meta a preservação

ambiental e o humanismo; atua no bairro do Engenho da Rainha, comunidade Sérgio Silva na Serra da Misericórdia zona norte do Rio

de Janeiro-RJ.

http://goo.gl/3JJjhA

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área ainda era considerada uma zona rural, voltada para o abasteci-mento da capital.

A região que hoje é o perímetro central da zona norte da cidade, du-rante as primeiras décadas do século passado, foi elevada à categoria de área urbana proletária, o que deflagrou um processo de descaracteriza-ção de suas feições rurais, com conseqüente incorporação à dinâmica da cidade.

Foi pressionada pelo avanço da indústria e dos transportes urbanos, em conjunto com a migração da população pobre do centro da cidade para o subúrbio, instalando-se um paulatino processo de transforma-ção de ordem social e econômica, de alto custo ambiental que promo-veu, de forma incisiva, uma reconfiguração da organização do espaço urbano, destacadamente no âmbito social.

Atualmente, a desordem na utilização do espaço urbano, ocasionada pelo processo de favelização do seu entorno, e o descabido crescimento imobiliário conferem, à região, características caóticas e desarmônicas.

Uma nova postura a interagir com os conflitos sócio-ambientais

O Verdejar, nas suas ações, se propõe a promover através da agricultura urbana, da educação ambiental e da agroecologia uma pedagogia de envolvimento pelo trabalho e consciência que compõe a construção de uma nova percepção entre proteção ambiental, agricultura e cidade.

Propõe-se a assumir uma postura de “protagonista-de-elo”, propor-cionando à população espaços de interação entre conhecimentos bá-sicos, que possibilitem desencadear mudanças significativas nos seus

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hábitos e modos de viver, onde a questão ambiental com ênfase na agricultura urbana e na agroecologia são os fundamentos que susten-tam essas ações.

Na prática, o Verdejar cuida de uma área em recuperação, inserida en-tre dez distintos bairros, inclusive o Complexo do Alemão, que é for-mado por onze comunidades, com cerca de 100 mil habitantes e que ostenta o menor IDH do município do Rio de Janeiro (IBGE,2009); Realiza mutirões de reflorestamento com ampla divulgação e convite à participação das comunidades.

Com essas ações do Verdejar, somam-se os esforços para conter a ex-pansão urbana desordenada em pelo menos duas das comunidades, fato que mereceu registro em jornal grande circulação, em matéria pu-blicada em 2009, que registrou que naquele ano, apenas três comunida-

des da cidade do Rio não se expandiram sobre áreas verdes; estando entre elas, as comunida-des Sérgio Silva e Nova Maracá – na primeira, encontra-se instalada uma horta comunitária, que foi a primeira “ferramenta” utilizada pelo Verdejar para criar um limite ecológico à ex-pansão urbana.

Lidar com estes conflitos constitui o principal desafio da instituição que, por sua singulari-

dade, incorpora-se ao cotidiano do coletivo como impulsionadora das ações efetuadas tornando-se ao mesmo tempo “desafio e moti-vação” ao trabalho, tamanho é o paradoxo da questão ambiental em meio urbano.

Imagem de satélite, destacando a região da serra da Misericórida.

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O desafio da construção do protagonismo comunitário e da organização social.

Um dos maiores desafios é a mobilização de moradores locais. Os motivos podem variar desde o descrédito a esse tipo de trabalho até a falta de afi-nidade voluntária ou ainda a falta de identidade com a causa. Não são de-safios particulares ao trabalho do Verdejar. Como lidar com essa situação?

A princípio, a horta agroecológica do Verdejar começou com a função de limitar a expansão da comunidade sobre as áreas de interesse am-biental; após o sucesso na fase de implantação, a horta passou a ser um local de experimento de cultivo agroecológico no meio urbano, com a participação da comunidade.

Através desta prática, a ONG iniciou o resgate de conhecimentos an-cestrais sobre plantas espontâneas, alimentícias e medicinais, de culti-vo extremamente vantajoso por serem nativas da região tropical e de fácil cultivo, sem necessidade de insumos, como são as verduras euro-péias, hoje largamente comercializadas.

Ampliava-se o grupo de Trabalho, ao mesmo tempo em que se iniciava a participação do grupo em encontros de experiências em agroecolo-gia, inspirando a instalação da primeira área com agrofloresta na Serra da misericórdia, com a intenção de acelerar o processo de regeneração das áreas degradas do maciço.

Além da função de recuperação da mata nativa, a implantação de um sistema agro-florestal-SAF na área revelou outro grande benefício, que é o de interagir para a redução da carência alimentar da população eco-nomicamente mais fragilizada, que circunda todo o maciço da Serra da Misericórdia.

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Outra iniciativa é a manutenção de um horto comunitário, onde se pro-duzem mudas da mata nativa, além de árvores frutíferas, que são utiliza-das no reflorestamento e no SAF. As comunidades do entorno interagem com doações de mudas, que produzem em suas casas e levam para o horto para as etapas de crescimento e destinação aos plantios.

Apesar do Verdejar ter conquistado o reconhecimento pela popula-ção local, ainda existem  problemas constantes, como moradores que ateiam fogo no lixo, religiosos que acendem velas na área verde, dentre outros problemas próprios do meio urbano. A ONG atua com trabalho totalmente voluntário, obtendo recursos através da colaboração de co-merciantes locais e da aprovação de alguns projetos.

De ambientalistas a agroecologistas

A partir de 2005, após parceria com a ONG AS-PTA – Agricultura Fa-miliar e Agroecologia e com o Grupo de Agricultura Ecológica – GAE/UFRRJ, o Verdejar se insere no movimento agroecológico, optando por vivenciar uma alternativa à preservação ambiental de forma indepen-dente à política partidária, caminho pelo qual trilhou o movimento ambientalista.

O Verdejar percebeu que a agroecologia, envolve homem e o meio am-biente, através de respeito mútuo, produção de alimentos saudáveis, promoção da saúde, e estímulo ao trabalho cooperativo.

Após a participação em eventos agroecológicos, como o III Congresso Brasileiro de Agroecologia, o II Encontro Nacional de Agroecologia e visitas a experiências de âmbito nacional: em Barra do Turvo-SP e Campina Grande- PB, os membros do Verdejar ficaram entusiasmados

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com a prática de recuperação agroecológica, e implantaram o primeiro Sistema Agroflorestal-SAF na serra da Misericórdia, onde antes era um lixão da comunidade.

Essa área se desenvolve e em breve irá servir de “corredor ecológico” interligando a dois fragmentos de mata, resultado de um trabalho de sucessão e manejo que controlou o capim Colonião (Panicum maxi-mum) e beneficiou o solo a ponto de já ser possível a implantação de árvores nativas mais exigentes.

Além da preservação, o SAF já oferece alimentos para os membros do Verdejar, comunidades, visitantes, associados, sem contar as refeições nos dias de mutirão e reuniões.

Atualmente, a instituição participa das articulações de agroecologia, metropolitana, estadual e do município do Rio de Janeiro, tendo le-vado a palavra da agroecologia a outros eventos como o Fórum Social Urbano.

A agroecologia, atualmente, permeia todas as ações e diretrizes do grupo, através da educação ambiental em escolas e comunidades, sempre pautando a questão da agricultura em pequenos espaços, a alimentação saudável, o uso de ervas medicinais e a segurança ali-mentar e nutricional.

Nas oficinas promovidas também abordam um contraponto ao agro-negócio, divulgando a possibilidade de cultivo consorciado à floresta, respeitando a biodiversidade e preservando a natureza, ao invés de lu-tar contra ela e/ou de cobrar pelo seu desfrute.

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Verdejar em 2010

O trabalho de recuperação da área da Serra da Misericórdia funciona na forma de mutirões mensais, onde dispomos de voluntários e compa-nheiros para sua execução. Nestes encontros, as trocas de experiências são algo incomensurável, nesse ínterim, utilizando-se de uma meto-dologia de trabalho compartilhado entre o coletivo dando ao processo dinamismo de diálogo e execução.

Normalmente os mutirões são divididos em 3 frentes de trabalho: mane-jo da horta agroecológica, manejo da Agrofloresta e produção de mudas no Horto. Tendo como foco principal a disseminação de princípios vol-tados a uma alimentação saudável, enfatizando a segurança alimentar e nutricional, com troca de informações processadas em forma de oficina.

Em 2010, através de um edital da Secretaria Municipal da cultura, a instituição executará um projeto de educação ambiental em duas es-colas do entorno da Serra da Misericórdia, de-senvolvendo um trabalhando focado no tema do Meio ambiente e na comunicação, utilizan-do-se de vídeos, fotografia e teatro de bonecos, como ferramentas de aprendizado e de disse-minação de conhecimento.

Através de trabalhos como este, no exercício dos objetivos da instituição, temos como meta prin-cipal a conscientização da população do entor-no, no que concerne à importância e à preser-vação da Serra da Misericórdia e de todo o seu Patrimônio Natural.

Nos anos de 2002 e de 2006, através de um financiamento, o Verdejar realizou um curso de práticas agrícolas oferecendo bolsas de estudo a jovens da

comunidade Sérgio Silva, durante quatro meses, tendo alguns

jovens continuado o trabalho após o término do curso, como

complementação da renda familiar e integração à proposta

maior do trabalho.

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Lembranças e Presente: projeto Horta Horto Chico Mendes (2002)

Nos anos de 2002 e de 2006, através de um fi-nanciamento, o Verdejar realizou um curso de práticas agrícolas oferecendo bolsas de estudo a jovens da comunidade Sérgio Silva, durante quatro meses, tendo alguns jovens continua-do o trabalho após o término do curso, como complementação da renda familiar e integra-ção à proposta maior do trabalho.

Imagem de satélite, destacando a região da serra da Misericórida.

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Plantando a semente: trajetórias, rumos e reflexões da agroecologia numa

universidade carioca

Daniele C. F. Pinheiro1, Gabriel Pereira da Silva Teixeira2, Vinicius dos Reis Soares3, Marcia Vargas Cortines Peixoto4

A Germinação – na trilha da Agroecologia

Na faculdade de Biologia da UFRJ, localizada na Ilha da Fundão, há alguns anos vinha sendo traçado o caminho que levou os estudantes do curso a se organizarem e plantarem a semente da agroecologia neste ambiente urbano repleto de contradições, que também é uma das maiores universidades do Brasil. No início de 2006, ano em que se formou o Projeto Capim Limão, o Centro Acadêmico da Biologia (CABio) já era autogestionário e contava com a participação massiva dos estudantes, cultivando relações horizontais, coletividade, autono-mia e responsabilidade. Além disso, mantinha muito boa relação com a diretoria do Instituto de Biologia, que apoiava as ações e os proje-tos realizados. Este contexto é muito importante para compreender o projeto, uma vez que se reflete diretamente na sua construção e forma de organização.

1 - Estudante de Biologia – UFRJ integrante do Capim-Limão - Email: [email protected]

2 - Estudante de Biologia – UFRJ integrante do Capim-Limão - Email: [email protected]

3 - Biólogo ex-integrante do Capim-Limão - Email: [email protected]

4 - Bióloga ex-integrante do Capim-Limão - Email: [email protected]

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Um dos principais eventos que incentivou a formação do grupo se deu em 2005, em uma vivência no Sítio Abaetetuba, em Lumiar – RJ, orga-nizada por um ex-aluno do curso de Biologia. No sítio um casal de bió-logos estava começando a estruturar suas vidas como produtores rurais dentro da filosofia da Permacultura. A vivência consistiu em mutirões para implantação de uma agrofloresta e em reflexões sobre aquela for-ma de viver, se alimentar e produzir em equilíbrio com o ambiente. Este foi o primeiro contato coletivo que o grupo fundador do Projeto Capim Limão teve com a permacultura e com questões relacionadas à busca por autonomia e sustentabilidade no campo.

A partir daí, no início de 2006, um grupo de aproximadamente dez alunos começou a se reunir para pensar junto sobre como aprender e desenvolver atividades relacionadas ao manejo sustentável dos recursos

naturais. De início optou-se por trabalhar uma composteira, devido à facilidade de sua constru-ção, e à proximidade que o tema do lixo apre-sentava da realidade urbana. Posteriormente, no segundo semestre do mesmo ano, as ações seguiram-se com o viés de plantio e produção de mudas de espécies nativas, com a intenção de fazer da área uma agrofloresta experimental – a Ocupação Verde. Desde o início, a participação sempre foi aberta a todos os interessados, as dis-

cussões e deliberações são tomadas em reuniões por consenso, e a prin-cipal forma de aprender é refletir sobre a prática.

O Crescimento - ampliando o entendimento e a ação

Devido à formação acadêmica dos integrantes do projeto, as questões

Manejando a Ocupação Verde – agrofloresta experimental (agosto

de 2009).

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abordadas inicialmente tinham enfoque biológico, sendo relacionadas à conservação dos recursos naturais e à restauração de ecossistemas. As atividades consistiam no manejo da Ocupação Verde, identificação de espécies vegetais, viveiro de mudas, espirais de ervas, bioconstrução e atividades semestrais com os calouros no trote da Biologia.

Através de um processo de amadurecimento e reflexões coletivas, pro-piciado por experiências em encontros estudantis, mutirões, projetos de pesquisa, congressos etc., o grupo passou a entender o manejo sus-tentável a partir de uma perspectiva mais abrangente: não só ecologi-camente sustentável, mas também socialmente justa e economicamente viável. Desta forma, o discurso e as ações foram se aproximando cada vez mais aos de uma agroecologia que valoriza o diálogo entre saberes e cria propostas a problemáticas sociais.

Assim, os integrantes do Capim Limão buscaram expandir sua atuação para além da universidade, ampliando o diálogo com outros atores da rede de agroecologia e procurando se aproximar da realidade agrícola do estado. Um momento que marcou o início desse processo foi uma vivência organizada em 2007 pelo grupo, em parceria com o CABio, no Sítio Cultivar, localizado em Nova Friburgo – RJ. Nesta ocasião houve a oportunidade de entrar em contato com diversas questões da realidade dos agricultores; relacionadas à qualidade de vida, à produção orgânica e à comercialização.

Ao longo de 2008, ao acompanhar a construção do Restaurante Univer-sitário da UFRJ, os integrantes do projeto se deram conta de que a grande demanda de alimentos poderia ser suprida, pelo menos em parte, pela agricultura familiar agroecológica, dada a falta de incentivos e as gran-des dificuldades para o escoamento dessa produção no estado. O grupo entrou em contato com a administração do Restaurante Universitário

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(RU), que já delineava objetivos semelhantes, e com a Creche Universitá-ria para pensar um projeto inicial de fornecimento de alimentos em me-nor escala. Surgiram muitas dificuldades, uma vez que as compras são feitas por licitação, não sendo encontrada até então uma via que facilite este processo, seja no sentido dos pequenos agricultores terem condições de concorrer com a produção em larga escala; de restringir o processo licitatório à agricultura familiar; ou ainda de encontrar caminhos que não envolvam licitação, como por exemplo o título 32 da CONAB, que se encontra inviabilizado. Os principais obstáculos estão relacionados à política de favorecimento do agronegócio em detrimento da agricultura familiar, que apesar de ser a grande fornecedora de alimentos básicos, possui muito menos recursos públicos para suporte de suas atividades. Outro aspecto dessa contradição diz respeito às políticas publicas que pretendem beneficiar os pequenos produtores, mas que acabam sendo excludentes. Dessa forma, os agricultores familiares não têm condições de concorrer com grandes empresas produtoras de alimentos, devido ao custo de produção, ao padrão qualitativo e quantitativo exigido, a exi-gências de obtenção de selos de certificação etc. Estas questões surgidas durante o processo aprofundaram as reflexões e o entendimento do gru-po em relação às dificuldades legais e materiais enfrentadas pelos peque-nos agricultores para escoarem sua produção e para serem reconhecidos como familiares e agroecológicos, além de expandir os conhecimentos relacionados às legislações e trâmites burocráticos que regem a dinâmica universitária.

Em 2009 a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ) convocou uma reunião para discutir o acesso de produtos agroeco-lógicos a mercados institucionais. Estavam presentes representantes do Projeto Capim Limão, RU, Instituto de Nutrição Josué de Castro, Agência UFRJ de Inovação, ABIO, EMATER, PESAGRO, entre outros,

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marcando o início de um diálogo e de ações mais efetivas para a concretização da proposta de fornecimento. Como primeiro desdobra-mento, em uma parceria entre o RU, a Agência UFRJ de Inovação e o Capim Limão, foi reali-zado o I Encontro de Sabores e Saberes: uma feira agroecológica com exposição de traba-lhos acadêmicos e apresentações artísticas que, atualmente, ocorre semanalmente. O objetivo é, por um lado, fortalecer a agricultura familiar através do escoamento da produção (tendo a preocupação de não assumir posturas assisten-cialistas) e, por outro, promover o acesso da comunidade universitária a produtos orgânicos a preços justos, além de inserir e aprofundar o debate em torno da agroecologia, envolvendo esses diferentes atores. Isso se reflete nas reuniões de construção coletiva das regras da feira, da partilha das dificuldades encontradas por cada ator envolvido, da divisão de tarefas e responsabilidades por todos.

Em paralelo às ações junto ao RU, em abril de 2009, o Capim Limão, começou a organizar a I Semana de Agroecologia UFRJ. Durante o pro-cesso de construção houve a preocupação de abordar a agroecologia

de forma holística, de envolver agricultores no evento- considerando seus saberes, e de com-prar alimentos diretamente dos produtores para os lanches. Neste momento o grupo já contava com integrantes de outras faculdades, como Be-las Artes, Geografia, Engenharia Ambiental que contribuíram com novos olhares e com a expan-são da agroecologia para além da faculdade de biologia, atingindo outros cursos da universi-

Feira agroecológica no Restaurante Universitário.

Discussão coletiva sobre as feiras com os agricultores.

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dade. Este evento refletiu de maneira bastante concreta o acúmulo de experiências dos integrantes do projeto ao longo dos anos anteriores, ao passo que proporcionou o primeiro contato do grupo com discussões mais sistemáticas relativas às outras dimensões da agroecologia.

Nesse sentido, com o objetivo de inserir a agroecologia institucional-mente na UFRJ, difundindo e aprofundando esse debate, o Capim Li-mão em parceria com a professora Maria Cristina Lemos Ramos, do Departamento de Ecologia, participou da construção da ementa de uma disciplina eletiva que, a cada período, aborda um tema dentro do universo da ecologia, contemplando, no primeiro período de 2010, as diversas dimensões da agroecologia.

Os Frutos – amadurecendo e refletindo através da prática

As experiências desenvolvidas e o contato com outras realidades trou-xeram intensas e variadas reflexões, que culminaram no questiona-mento de determinadas posturas acadêmicas, também presentes na universidade. No Instituto de Biologia, por exemplo – local de origem do grupo Capim Limão – fala-se em genética e biotecnologia duran-te a graduação, sem sequer questionar as utilidades dessas inovações tecnológicas nas dinâmicas sociais. Discussões relacionadas à preser-vação não problematizam as causas que levam as pessoas a preservar. Muitas vezes trabalha-se em cima de uma visão fragmentada de reser-vas biológicas, pouco contextualizadas com as dinâmicas predatórias da produção de massas capitalista, além de desconsiderar a milenar convivência entre homem-natureza e as possíveis formas de convivên-cia equilibrada entre o ser humano e outros seres vivos. A formação ganha um ar técnico, ao passo que possibilita uma instrumentaliza-ção dos profissionais recém formados sem, no entanto, problematizar

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suas atuações em sociedade. Como resultado desses questionamentos, a disciplina surge com o propósito de ampliar o campo de estudo da biologia, contextualizando diversos saberes que, muitas vezes, são mi-nistrados de forma desarticulada.  

Uma grande motivação que leva os integrantes do grupo a dedicar tan-to tempo e energia nas atividades desenvolvidas durante estes 4 anos de existência do grupo Capim Limão, é acreditar, verdadeiramente, que um desenvolvimento rural poderia se dar a partir de uma lógica eco-lógica, pautando-se em justiça social, na emancipação dos agricultores e agricultoras e também num maior envolvimento de pessoas que vem do ambiente urbano com a zona rural, em prol da construção de novas realidades em ambos os espaços.

Em toda a caminhada, umas das reflexões mais presentes foi a do pa-pel das universidades públicas na (des)construção das subjetividades dos seus alunos , futuros profissionais atuantes na sociedade. E é neste sentido que o grupo acredita que a experiência Capim Limão tenha contribuído, por complementar a formação técnica em biologia, enge-nharia ambiental, entre outras graduações. Conhecer e atuar no cená-rio agroecológico fluminense traz grande contextualização para esse conhecimento. As reflexões ainda possibilitam discutir as possíveis atuações profissionais na sociedade enquanto biólogos, engenheiros, artistas e etc., repensando a formação que os estudantes querem e a universidade que os forma.

O convívio e constantes diálogos com agricultores, além da interação com outros atores já inseridos nos meios agroecológicos, permitiram um amadurecimento do coletivo. As demandas a serem consideradas no momento de planejar atuações resultam principalmente do diálogo entre os principais envolvidos, sejam eles do grupo ou do público alvo

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interessado. Demandas de trabalho devem surgir da relação entre os atores envolvidos, com forte vínculo na realidade cotidiana das partes, evitando-se posturas provedoras – como algumas políticas públicas que vem de “cima para baixo”. Para realizar as atividades de maneira horizontal e participativa, o grupo reflete constantemente acerca de como são construídos e desenvolvidos os espaços de interação entre os atores. O envolvimento de pessoas de realidades distintas (estudan-tes, técnicos e professores, agricultores) traz a tona maneiras diferentes de resolução de conflitos, participação, exposição de idéias e formas de deliberação. Em alguns momentos o grupo encontra dificuldades de mediar os diálogos entre os envolvidos, de forma a garantir que os agricultores sejam realmente ouvidos e exponham suas demandas e in-teresses, firmando um contato verdadeiramente horizontal.

A forma aberta e autogestionária de organização do nosso grupo per-mitiu que, ao longo desses anos, um número grande de alunos já tenha se envolvido com o projeto. Ao mesmo tempo em que um grupo gran-de e rotativo permite maior diversidade de ações, interesses, pontos de vista, divisão de tarefas e a possibilidade de continuidade das ações ao longo do tempo, o grupo constantemente passa por algumas difi-culdades. Em um contexto universitário como o vivido, as obrigações acadêmicas competem com o tempo dedicado ao projeto. Além disso, a rotatividade dos participantes acaba por gerar interrupções de algu-mas atividades realizadas e torna outras atuações bastante efêmeras, dependentes do interesse individual. Há também episódios em que o coletivo opta por determinadas atuações ou frentes de trabalho que não priorizadas por todos, gerando situações que sobrecarregam al-guns integrantes. A questão é que a autogestão das atividades torna im-prescindível o comprometimento. Não que este se traduza em assidui-dade, mas compromisso para com as ações coletivas. É neste momento

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que o grupo sente falta de manter, mais rigorosamente, as decisões e passos a serem tomados bem claros e documentados, de forma a evitar confusões, efemeridade das ações e perda dos rumos a cada vez que um membro (re)aparece junto ao grupo. O maior controle e documenta-ção das ações pode permitir uma constante sistematização dos feitos, que por sua vez possibilitam novas reflexões pelos integrantes.

A touceira – difundindo a Agroecologia

Até hoje o grupo atuou independe da presença e reflexões de um orien-tador e acredita que seria bastante positivo contar com a colaboração de pessoas com mais experiência e tempo de caminhada, por enrique-cer as reflexões e atuações dentro e fora da universidade. Mas deve-se ressaltar a grande autonomia adquirida pelos integrantes, no decorrer das práticas. Das áreas de plantio experimental até a organização das Feiras de produtos Agroecológicos, no que diz respeito ao grupo Capim Limão, todas as ações foram construídas pelo interesse e dedicação de seus participantes. Tal autonomia trouxe contribuições valiosíssimas para o coletivo: pode-se compreender as dinâmicas de funcionamen-to da universidade, mobilizando recursos materiais e físicos para as atuações. Ademais, mostrou-se também o potencial latente presente nos diferentes projetos e grupos universitários, tornando explícitas a capacidade dos mesmos de interferirem na dinâmica universitária. A inserção da agroecologia na UFRJ, por exemplo - até então inexistente, já atinge diversos setores da universidade, como a Agência UFRJ de Inovação e o Restaurante Universitário (através das Feiras Agroecoló-gicas), congregando também professores dos Institutos de Nutrição e Biologia, e também alunos da Escola de Belas Artes, Geografia, Facul-dade de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Ambiental.

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Esses resultados mostram a possibilidade da inserção de novas discus-sões e atuações nos espaços acadêmicos, podendo se tornar, inclusive, alvo de novas investigações científicas. O fato é que novas discussões foram incluídas nos certames da UFRJ. No entanto quando fala-se de modificações estruturais, como o abastecimento dos RU’s por exemplo, a questão muda de configuração. Ainda falta apoio político, legislativo, interesse e/ou atenção por parte dos centros de decisão da universi-dade. Tais práticas do projeto implicam no contato direto com outros saberes e com informações que, novamente enriquece e complementa a formação profissional dos integrantes, ao passo que traz obstáculos e desafios a serem superados coletivamente. O envolvimento com legis-lações, licitações e políticas locais requeridas pela iniciativa desenvol-vida no Restaurante Universitário é um exemplo desse tipo de dificul-dade encontrada pelo coletivo.

O Projeto hoje é reconhecido por diversas estâncias e cursos perten-centes a universidade, onde é considerado referencia no que tange a temática agroecológica. Este contribui para a formação dos participan-tes, de forma a expandir as possibilidades de atuação nas trajetórias profissionais dos mesmos, proporcionando uma maior transdisciplina-ridade e uma visão mais integradora dos saberes e aspectos sócio-am-bientais a serem considerados. A forma de organização horizontal e auto-gestionada também contribui muito com o permanente exercício de se deliberar ações através de consenso, de se estabelecer comprome-timento independentemente de cargos, de se trabalhar em grupo vi-sando englobar as contribuições e considerações de cada participante.

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Um espaço de formação na Baixada Fluminense – a escolinha de agroecologia

de Nova Iguaçu

Maria Conceição Rosa (Mariella)1

Contexto da Experiência

Na região da Baixada Fluminense há predominância de agricultores familiares, sendo que na área de abrangência da Escolinha de Agroeco-logia cerca de 50% são oriundos de movimentos de ocupação organi-zada, alguns gerando projetos oficiais de assentamento. Note-se que os movimentos de ocupação na região são de duas épocas: início dos anos 60, com forte atuação das Ligas Camponesas, e início da década de 80, com a abertura política e a crise econômica que gerou razoáveis índi-ces de desemprego. Nesse contexto, diversos desempregados urbanos, percebendo-se de origem rural (muitos oriundos da região Nordeste, Norte Fluminense, Minas Gerais e Espírito Santo), viram no retorno à terra um meio de viabilização econômica. Esses movimentos resgata-ram para a agricultura extensas áreas que teriam sido em poucos anos totalmente loteadas, caso não tivessem sido ocupadas.

Além desses movimentos de ocupação, a região é composta historicamen-te com predominância de posseiros e pequenos estabelecimentos rurais.

1 - Engenheira Agrônoma da EMATER-RIO. Escritório local de Nova Iguaçu. E-mail: [email protected]

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A intensa aglomeração populacional dos centros urbanos próximos tem relegado o setor rural a uma grande ausência de políticas públicas.

A produção em bases sustentáveis, além de ser importante para a viabi-lidade econômica e social do setor rural e para os consumidores, toma especial dimensão nesta região, tendo em vista boa parte das áreas ru-rais estarem localizadas em entorno de áreas de proteção ambiental. Além do mais, práticas de transição agroecológica vêm sendo adotadas há vários anos na região, fato este favorecido pelo baixo poder aquisi-tivo dos agricultores locais, pela dificuldade de acesso às grandes for-necedoras de insumos sintéticos, pela estrutura fundiária e pela proxi-midade com o consumidor, que influencia na busca de qualidade pelo produtor. A instalação de uma Feira da Roça em 2006, antiga reivin-dicação dos agricultores atendida pela Prefeitura de Nova Iguaçu, deu mais visibilidade à produção local, ao mesmo tempo em que valorizou os produtos obtidos de forma mais “natural”.

Histórico da Escolinha de Agroecologia

A iniciativa de promover a Escolinha de Agroecologia foi da CPT- RJ – Comissão Pastoral da Terra - Regional Baixada Fluminense, basean-do-se em experiência similar desenvolvida na região norte do estado do Rio de Janeiro. Iniciou em 2007, em parceria com a Prefeitura de Nova Iguaçu. Ao longo de seus 4 anos, as parcerias foram aumentando: a EMATER-Rio participa com instrutores e compartilha a coordena-ção pedagógica com a CPT; a EMBRAPA CNPAgrobiologia cede ins-trutores e recebe todos os anos os alunos da Escolinha para uma visita à sua fazenda experimental; a PESAGRO Olericultura também recebe os alunos em visitas técnicas; o Instituto Logus – Solar de Pesquisas Holísticas, de Minas Gerais, envia instrutor para as aulas do segmento

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de Homeopatia aplicada à Agropecuária; o Sindicato dos Trabalhado-res Rurais de Nova Iguaçu participou da coordenação geral em alguns momentos; a UFRRJ apoiou a Escolinha cedendo ônibus para algumas visitas técnicas, além de instrutores; as Secretarias de Agricultura de Japeri e Queimados cedem suas kombis para o transporte de alunos; o MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – viabi-liza as atividades da Escolinha através de apoio financeiro, assim como as ongs CISV e ASPTA. A Escolinha também se integra ao projeto de Banco Comunitário de Sementes de Adubos Verdes, do MAPA.

A experiência da Escolinha de Agroecologia foi apresentada em no-vembro de 2008 no Encontro de Agroecologia da Região Metropolita-na, na UFRRJ, tendo tido grande repercussão, e em 2009 foi umas das 5 experiências selecionadas no Rio de Janeiro para ser apresentada no Seminário Regional de Construção do Conhecimento Agroecológico, realizado em Viçosa em outubro de 2009.

Em agosto de 2009, a experiência recebe o prêmio Baixada, na catego-ria Meio Ambiente, do Fórum de Cultura da Baixada Fluminense. O prêmio destaca pessoas ou experiências com significativa contribuição para diversos temas na Baixada Fluminense, o que contribui para a visibilidade da experiência e abre as portas para novas parcerias.

Âmbito da Intervenção e beneficiários

A Escolinha de Agroecologia vem aumentando a abrangência de sua inter-venção a cada ano. Em 2007 e 2008, ficou restrita a alunos do município de Nova Iguaçu, com predominância da comunidade de Marapicu. Em 2009 atinge alunos dos Municípios de Nova Iguaçu (9 comunidades rurais), Queimados (2 comunidades rurais), Japeri (4 comunidades rurais), Mes-

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quita e Belford Roxo. Em 2010, seus alunos são oriundos de Nova Iguaçu (8 comunidades), Japeri (4 comunidades), Queimados (3 comunidades), Paracambi (2 comunidades) e Duque de Caxias (1 comunidade).

O público beneficiário é composto prioritariamente por agricultores, mas também participam agentes de pastoral, ambientalistas, técnicos de prefeitura e estudantes de ciências agrárias. Há equilíbrio entre a participação de homens e mulheres.

Dentre os alunos, existe um número considerável de lideranças de as-sociações de agricultores e de membros de Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural. Essa composição não foi buscada proposital-mente, mas quando se abrem as inscrições, quem frequenta as reuniões de Conselho ou de Associações tem mais oportunidade de ficar saben-do que a Escolinha vai acontecer.

Também é importante ressaltar que há entre os alunos um número conside-rável de participantes das Feiras da Roça de Nova Iguaçu e de Queimados.

Em 2008, receberam diploma de conclusão de curso 26 alunos. Em 2009, foram 43.

Municípios de origem dos alunos da Escolinha de Agroecologia.

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Temas e Metodologias

A grade horária e os temas a serem aborda-dos são decididos entre os parceiros promoto-res da Escolinha. Entre os temas estão: O que é a agroecologia; manejo ecológico do solo, práticas conservacionistas, adubação verde, compostagem e substratos alternativos para sementeiras; vermicompostagem; águas – con-servação e legislação; visão crítica sobre histó-ria dos agrotóxicos e transgenia; identificação de pragas e doenças das plantas; métodos al-ternativos de controle de pragas e doenças; sistemas agroflorestais; homeopatia aplicada à agropecuária; piscicultura; criação de aves se-mi-confinadas; saneamento rural, entre outros. Procura-se mesclar aulas teóricas (ilustradas com vídeos de curta duração e apresentações digitais) e práticas, com demonstrações de mé-todo e excursões.

Todas as etapas são fotografadas, e as fotos das au-las práticas são utilizadas depois em sala de aula para suscitar debates sobre as mesmas. Para cada tema há uma ou mais apostilas correspondentes, preparadas para o evento ou aproveitando mate-riais didáticos já existentes dos diversos parceiros.

As aulas têm periodicidade quinzenal e duram 6 horas cada, com intervalo para almoço, que é fornecido pela própria Escolinha.

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Em 2010, será adotado pela primeira vez, em caráter experimental, um “trabalho de conclusão de curso”, ou seja, cada aluno - ou grupo de alunos - deverá experimentar em sua propriedade uma das práticas agroecológicas discutidas durante o ano, cujo resultado será trazido para debate no mês de dezembro. A escolha do tema é livre é deverá ser feita até meados do mês de julho.

Avaliação de Resultados até o Momento

Muitos resultados só serão mensuráveis nos próximos anos. Mas já é possível perceber que a Escolinha de Agroecologia vem cumprindo com seus objetivos. Novos produtos que vem aparecendo nas feiras da roça, tais como ovos e húmus de minhoca, a constatação de produção de humus e composto em algumas propriedades rurais, o apoio que ex--alunos têm dado aos vizinhos no sentido de orientá-los em determi-nadas práticas, além da adoção destas em suas propriedades, o próprio discurso dos produtores ao descrever seus produtos aos compradores, tudo isso demonstra uma inserção num outro modo de produção que não o convencional. Nas feiras da roça, é comum os produtos serem apresentados como “produzidos sem agrotóxicos, de forma natural”, o que sem dúvida chama atenção sobre eles. Na Feira da Roça de Quei-mados, iniciada este ano, metade dos produtores são alunos ou ex-alu-nos da Escolinha, e isto sem dúvida gerou uma confluência de objetivos e de modos de ação que não precisaram ser previamente combinados, simplesmente aconteceram. E de forma geral, pode-se dizer que há um resgate em termos de auto-estima e identidade rural.

Há também depoimentos de agricultores que abandonaram o uso de herbicidas. Este é o depoimento de Maria Bethânia, agricultora do Ma-rapicu, sobre o marido:

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“O Ronaldo sempre usou round-up como água, usava veneno de vários tipos de qualidade. Chegou a ficar doente, ninguém sabia o que ele tinha e depois ele aceitou que era o excesso de round-up no corpo. Depois de assistir as aulas de homeopatia, se libertou de todos esses venenos. Não usa mais. Começamos a usar composta-gem, e isso é um ponto muito positivo, pois não foi fácil mudar aquela cabeça . Antes estávamos tão habituados a comprar aque-les produtos que tínhamos até ficha na loja, mas agora ele não quer nem saber, o negócio dele é agroecologia e biodiversidade. Isso é importante colocar, que é estar libertando o produtor dos ‘defensivos agrícolas’. Pra mim foi uma vitória.”

A abrangência da experiência em termos de número de comunidades atingidas e a frequência de um bom número de alunos – com uma par-ticipação bastante equilibrada de homens e mulheres, sem interrupção, vem garantindo a formação de multiplicadores, o que faz esperar um bom impacto nos próximos anos, amadurecendo o processo de tran-sição agroecológica ora em curso. O efeito multiplicador foi detectado em diversas comunidades, onde os alunos da Escolinha vão trocando seus conhecimentos com os vizinhos. Sobre alguns produtores da co-munidade de Marapicu que nunca freqüentaram a escolinha e come-çaram a diminuir o uso de agrotóxicos, Maria Auxiliadora, presidente da Associação, diz: “foi de tanto a gente falar, falar e falar, e dizer dos prejuízos à saúde”.

A participação de um número considerável de lideranças de associa-ções de agricultores e de conselheiros municipais de desenvolvimento rural, além dos participantes da Feira da Roça, é um fator que poten-cializa o alcance da experiência. O produtor Claudino Nicolau, de Vis-ta Alegre (Queimados), que faz parte da diretoria de sua associação e também está presente na Feira da Roça de Queimados, disse:

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“Estou usando o que tenho aprendido no curso lá dentro do meu sítio, estou trabalhando direto sobre vários assuntos que foram en-sinados na Escolinha. Eu tenho feito a divulgação (da Escolinha) entre as pessoas que eu conheço, e venho comentando sobre as coi-sas que venho aplicando, e muitos tem se interessado em partici-par da Escolinha no ano que vem.”

Uma das preocupações dos promotores era se a metodologia emprega-da, na forma de “aulas”, não estaria impedindo a comunicação entre os alunos, de forma a impossibilitar a troca de saberes entre eles. Durante as reuniões de avaliação, ficou claro que a troca está acontecendo, in-dependentemente do formato da “aula”. Escambo de mudas, sementes, animais, vem sendo frequentes, e o uso de práticas por um agricultor vem animando os outros a também usarem a mesma prática.

A participação de pessoas de tantas comunidades rurais diferentes está provocando não só a troca de saberes agroecológicos, como também a troca de experiências sobre associativismo e participação em conse-lhos municipais. Os alunos estão se apropriando, além de uma visão agroecológica, de uma idéia geral de território. Aproveitam todos os momentos possíveis para esta troca: intervalos, hora de almoço, hora de perguntas. Visitas entre alunos, fora do horário ou atividades da Escolinha, já se notam. Alunos de um município começam a visitar reuniões de CMDRS de outro município, começando a observar dife-renças de funcionamento.

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Semeando agroecologia na cidade - Notas sobre a construção da Rede da Agricultura

Urbana do Rio de Janeiro1

Marcio Mattos de Mendonça2, Denis Monteiro3

“As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis!” Manoel de Barros

ATENÇÃO, ATENÇÃO!!!

Entre os dias 26 a 28 de novembro de 2009, aconteceu o III En-contro de Experiências de Agricultura e Saúde na Cidade, em Campo Grande, Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, RJ. Participaram mais de 300 pessoas, agricultores urbanos, lide-ranças comunitárias, de pastorais sociais, agentes comunitários de saúde, e agricultores familiares periurbanos.

O evento teve quatro eixos temáticos centrais: manejo agroeco-

1 - As reflexões que seguem foram sistematizadas pelos autores a partir de debates com pessoas e grupos que fazem parte da rede de agricultura urbana. Procuram abordar a questão da construção do conhecimento agroecológico a partir da trajetória recente da rede, mais exatamente de finais de 2006 até os dias de hoje. Reflexões de um período anterior a este podem ser encontradas em Monteiro & Mendonça. Promoção da Agroecologia na Cidade: reflexões a partir do programa de agricultura urbana da AS-PTA. In: Construção do Conhecimento Agroecológico: novos papéis, novas identidades. Caderno do II Encontro Nacional de Agroe-cologia. 2007. págs. 131-140. Este e outros artigos produzidos pelos autores podem ser acessados em www.aspta.org.br.

2 - Engenheiro Agrônomo, MSc, coordenador do Programa de Agricultura Urbana da AS-PTA Agricultura Fa-miliar e Agroecologia.

3 - Engenheiro Agrônomo, membro da Rede de Agricultura Urbana e da secretaria executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

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lógico de quintais; alimentação saudável; plantas medicinais e remédios caseiros; e sócioeconomia solidária.

As pessoas saíram animadas para plantar mais nos seus quin-tais, dizem que vão se alimentar melhor, com produtos ecoló-gicos, e preparar remédios caseiros com as plantas medicinais.

Muitos levaram sementes e mudas para as comunidades, e dis-seram que vão trabalhar para incentivar que mais gente nas comunidades possa participar desse movimento de cultivo de uma cidade saudável e solidária.

O evento citado acima foi um dos “pontos altos” de um trabalho feito por uma rede composta por muitas mãos, mentes e corações. Um tra-balho de resgatar e multiplicar conhecimentos, experiências e idéias que, infelizmente, vem se perdendo na vida corrida da cidade, e para os quais, em geral, nem os governos nem os movimentos sociais urbanos dão muita atenção.

Nos últimos anos houve outros momentos marcantes nessa caminhada: no final de 2008, aconteceu, em Seropédica, o Encontro Metropolitano de Agroecologia, reunindo iniciativas de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro, e em novembro de 2007, o II Encontro de Experiên-cias de Agricultura e Saúde na Cidade (II EEASC), também em Campo Grande4. Aconteceram também encontros para debater a promoção da agricultura urbana, visitas de intercâmbio nas comunidades, reuniões de trabalho e outros momentos de formação.

4 - O II EEASC foi organizado pela AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia; Verdejar; Rede Fitovida e Pas-toral da Criança. Já o III EEASC, em 2009, teve na organização uma rede mais ampla de grupos: AliFlor; AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia; Capim Limão; Centro Comunitário de Formação Padre Rafael (CCFPR); Congregação das Servas de Maria Reparadoras; Lar Fabiano de Cristo – UPI Suzana Wesley; PACS Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul; Pacs Batan; Pastoral da Criança; Profito / NGBS / Farmanguinhos / Fiocruz; Projeto Mendanha / Pastoral da Criança; Projeto ProJovem Adolescente / SMAS / 9ª CRAS; Rede de Sócioeconomia Solidária da Zona Oeste; Rede Fitovida; Saúde Pela Natureza / Rede Fitovida; Sítio da Galícia; SMSDC/SUBPAV/SPS/Instituto de Nutrição Annes Dias; Verdejar; Fundação Xuxa Meneghel.

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A proposta da realização dos encontros de experiências de agricultu-ra e saúde na cidade surgiu nos espaços de debate sobre a promoção da agricultura urbana, onde se reúnem as pessoas e organizações que participam da rede. A organização e construção de ambos os eventos contou com a participação de diversos grupos comunitários, redes e instituições, que constituíram uma comissão organizadora. Foi feito um grande mutirão de visitações a grupos e pessoas que têm práti-cas de agricultura urbana e periurbana5. Em preparação ao III EEASC, fruto da ampliação e amadurecimento da rede de promoção da agri-cultura urbana, foram realizados dois encontros microrregionais, na zona norte do município e na região de Jacarepaguá, e um seminário de construção política do evento.

Como parte da mobilização para os encontros, inserida na estratégia metodológica de valorização e socialização das práticas concretas, fo-ram sistematizadas experiências e produzidos materiais de comunica-ção. Receitas e dicas fornecidas em 2007 pelos moradores das comuni-dades de: (I) como manejar os quintais urbanos sob uma perspectiva agroecológica; (II) como preparar alimentos com o que se colhe dos quintais e (III) como fazer remédios caseiros com as ervas medicinais, compuseram uma cartilha, distribuída para todas as pessoas presen-tes no II EEASC. Em 2009, além de uma nova cartilha, foi produzido o vídeo “Com a Mão na Massa”, distribuído aos grupos6. As dicas e experiências do vídeo foram organizadas em torno aos quatro eixos

5 - O estudo desenvolvido por Satandreu e Lovo (2007) intitulado “Panorama da Agricultura Urbana e Pe-riurbana no Brasil e Diretrizes para sua Promoção: identificação e caracterização de iniciativas de AUP em Regiões Metropolitanas Brasileiras” caracteriza a agricultura urbana e periurbana (AUP) como “um conceito multidimensional que inclui a produção, a transformação e a prestação de serviços, de forma segura, para gerar produtos agrícolas (hortaliças, frutas, plantas medicinais, ornamentais, cultivados ou advindos do agro extrativismo, etc.) e pecuários (animais de pequeno, médio e grande porte) voltados ao autoconsumo, trocas e doações ou comercialização, (re) aproveitando-se, de forma eficiente e sustentável, os recursos e insumos locais (solo, água, resíduos, mão-de-obra, saberes etc.)”.

6 - Este vídeo e outros sobre agricultura urbana que abordam iniciativas da rede podem ser acessados em www.youtube.com.br/cipocaboclovideos.

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temáticos: manejo agroecológico dos quintais; alimentação saudável; plantas medicinais e remédios caseiros; e sócioeconomia solidária. Es-ses materiais, que valorizam e permitem a irradiação das experiências, são utilizados pelos grupos como instrumentos de incentivo à agricul-tura urbana e periurbana nas comunidades.

UM POUCO MAIS DOS ENCONTROS DE EXPERIÊNCIAS DE AGRICULTURA E SAÚDE NA CIDADE

Os participantes chegaram em grupos, de forma organizada, e levaram na bagagem alimentos colhidos nos quintais para o preparo da alimentação agroecológica. Muitos temperos: man-jericão, alecrim, coentro. Beldroega e serralha, para os sucos verdes. Frutas: acerola, banana, para os sucos e as sobremesas. Aipim, abóbora e batata doce. Levaram também ervas medici-nais cultivadas em hortas nas comunidades para ensinar a fa-zer garrafadas, xaropes, pomadas, repelentes e xampus, e para montar a tenda da saúde. O pessoal da sócioeconomia solidária, que participou do III EEASC, levou palha de milho e fibra de bananeira para as oficinas de artesanato. Alguns ensinaram a fa-zer canteiros verticais, para plantio em espaços muito pequenos, outros produziram o adubo caseiro com a matéria orgânica que se produz na cidade, e deram dicas do quê se pode plantar em cada época do ano na região e como lidar de forma natural com insetos e doenças das plantas. Os participantes levaram de suas comunidades, sementes e mudas produzidas nos quintais para trocar, como forma de incentivar o cultivo nas comunidades, aumentando a biodiversidade e multiplicando as experiências. No terceiro encontro, até um teatro com a participação do pú-blico organizaram, para mostrar que a melhor forma de ter um quintal saudável é diversificar o plantio, e produzir as próprias sementes e mudas, para trocar com os companheiros. Além das sementes trazidas pelos participantes, as equipes técnicas

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de assessoria disponibilizaram outras sementes agroecológicas, de hortaliças, milho e feijão, e mudas de árvores frutíferas e de nativas da Mata Atlântica.

As pessoas presentes ao II e ao III EEASC são de várias comunidades, a maioria das zonas norte e oeste da cidade do Rio de Janeiro. No tercei-ro encontro houve uma participação maior de agricultores periurba-nos em relação ao evento anterior, e também de jovens da cidade. Em ambos, houve grande participação de mulheres e crianças.

Um aspecto importante se relaciona ao envolvimento das mulheres nas atividades de agricultura urbana. Nos dois encontros de experiências, assim como nas demais atividades da rede, a grande maioria das pes-soas participantes são mulheres. Este fato está relacionado: 1) à maior participação das mulheres nos grupos comunitários envolvidos, quais sejam: pastorais sociais, em especial as pastorais da Criança e da Saúde; programa de saúde da família (PSF); grupos ligados à Rede Fitovida; 2) ao maior interesse das mulheres pelos temas que se relacionam com a saúde da família, cuidado do espaço, alimentação; e 3) à maior dedica-ção de tempo das mulheres à família, e maior permanência destas nos lares e nas comunidades do que os homens, na maioria das famílias.

O III EEASC deu passos importantes no envolvimento dos jovens. São preocupações: o pouco interesse da juventude pelos temas tra-balhados, o risco da perda dos conhecimentos e o conseqüente aban-dono ou enfraquecimento das experiências de agricultura urbana. No evento, os jovens se mobilizaram, organizaram reuniões prepara-tórias, participaram da comissão organizadora. Esse maior envolvi-mento da juventude foi fruto de um trabalho de articulação entre as iniciativas envolvendo jovens presentes na rede de agricultura urbana com jovens de outras regiões do estado envolvidos na Articulação de

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Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ), por conta da participação no Projeto Campo-Campus, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em parceria com a AARJ.

Nas comunidades, merece muita atenção a questão das crianças. A violência é um tema de grande preocupação, inclusive a violência do-méstica. Questões relacionadas à educação, alimentação, lazer, tam-bém requerem atenção no que diz respeito à vida das crianças. Para se pensar a agricultura urbana, deve-se considerar a família como um todo. Nos encontros de experiências foram realizadas as “Cirandas Infantis”, espaços dedicados especialmente a trabalhar com as crian-ças enquanto os responsáveis puderam participar das demais ativi-dades. A Ciranda foi pensada como um espaço sócio-educativo, com momentos de recreação e atividades focadas nas questões que esta-vam sendo trabalhadas no encontro como um todo.

Pouco a pouco, a rede de agricultura urbana, que predominantemen-te articula grupos urbanos, vai envolvendo outros agricultores fami-liares provenientes de áreas periurbanas da região metropolitana do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que os grupos passam a interagir em fóruns de agroecologia da região. Esta interação é fruto do tra-balho de construção política da AARJ. A rede de agricultura urbana tem participado ativamente desta construção, em especial na região metropolitana.

O ENCONTRO METROPOLITANO DE AGROECOLOGIA

Desde o Encontro Estadual de Agroecologia, em 2006, vêm sendo construídas as bases para uma articulação política entre grupos e organizações atuantes na região metropolitana do Rio de Janeiro. De lá para cá, vêm sendo realizadas visitas de inter-

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câmbio e reuniões de trabalho em várias localidades da região, envolvendo agricultores familiares e experiências da rede de agricultura urbana. Este trabalho teve como ponto de destaque o Encontro Metropolitano de Agroecologia, com a participação de cerca de 300 pessoas. Neste evento, foi aprofundado o debate sobre os conflitos entre a valorização da agricultura familiar e a urbanização da região. Também foram debatidos os seguintes temas: plantas medicinais e remédios caseiros; reforma agrária e assentamentos; organização popular e dos agricultores; ensi-no, pesquisa e diálogo de saberes; comercialização e consumo de produtos agroecológicos.

As atividades descritas mostram como se aplicam, na prática, os princí-pios políticos e metodológicos que vêm orientando o trabalho em rede de promoção da agricultura urbana. É preciso reconhecer e valorizar as experiências existentes nas comunidades, sistematizar seus acúmulos e ensinamentos, e promover momentos e espaços de intercâmbio, dando maior visibilidade às mesmas. Isto inclui o diálogo entre os saberes dos moradores das comunidades e dos assessores técnicos. A promoção da agricultura urbana deve se orientar pelos princípios da Agroecologia, valorizando os recursos disponíveis localmente, escolhendo as espécies adaptadas às condições da região, promovendo a diversificação dos cultivos e das criações, não usando adubos industriais ou agrotóxicos, promovendo o uso da biomassa e a ciclagem de nutrientes. Outro prin-cípio importante é a busca do protagonismo das pessoas e organizações que atuam nas comunidades.

No II EEASC, foi organizado um “Carrossel de Experiências”, interati-vo, para mostrar e debater a diversidade de “tipos” de agricultura urba-na: desde cultivo em lajes, passando por hortas em escolas e trabalhos de alimentação saudável e remédios caseiros com plantas medicinais,

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até iniciativas da agricultura periurbana, nas áreas agrícolas da região metropolitana do Rio de Janeiro. Para o evento, foi produzido e lança-do um vídeo, “Sementes Urbanas”, abordando a questão.

Já no III EEASC, houve um momento inovador denominado “Que tal o meu quintal?”, quando as pessoas puderam, em forma de teatro, poe-sia, mímica ou pequenas falas, se apresentar, relacionando suas histó-rias de vida e suas experiências de cultivo nos quintais para o conjunto dos participantes.

Que tal Meu Quintal... Por Dona Leda

Que tal meu quintal?Meu quintal é muito lindo

Dá gosto da gente verTem plantas variadas

Que encantam o nosso ser.

Planto tudo misturado eAcolho as espontâneasQue venham a nascer...

As vezes dou um controle para que nenhumavenha a morrer.

Todas são bem vindaspois delas precisamos

para melhor viveras plantas fazem parte

da minha vida esem elas não sei viver.

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Uso todas as minhas plantasOs frutos, as medicinais para

O remédio fazerE as ornamentais que tanto

Alegram o meu viver.

Que tal meu quintal?Eu havia esquecido que comErvas espontâneas costumo o

Suco de clorofila fazer.

Para facilitar o intercâmbio de conhecimen-tos, foram organizadas oficinas práticas e visi-tas a experiências, com foco nos quatro eixos temáticos prioritários.

O terceiro encontro teve, ainda, uma “Feira Agroecológica”. Muitos produtos estavam em exposição: alimentos colhidos nos quintais, remédios caseiros feitos com plantas, artesanato dos grupos da sócioe-conomia solidária, sementes, mudas, folhetos, livros e vídeos. Além

disso, houve espaço para poesias e músicas. Pouco a pouco os grupos que praticam a agri-cultura urbana vão se colocando as questões de geração de renda; valorização da produção para o autoconsumo e das trocas e consumo consciente. Ao mesmo tempo em que a Rede de sócioeconomia solidária vem pautando a questão da agricultura urbana.

Oficina de Horta em quintais.

III EASC – Agricultura e Saúde na Cidade.

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Esses eventos têm permitido a consolidação da Rede de Agricultura Urbana. O III EEASC foi um marco importante na interação entre as redes de agricultura urbana e sócioeconomia solidária e no envol-vimento de grupos de agricultores familiares periurbanos. A cons-trução de redes permite, além das trocas de experiências, o forta-lecimento das organizações comunitárias, a qualificação das práticas, ampliando a escala do trabalho desenvolvido. A rede tem permi-tido também evidenciar as diversas funções da agricultura urbana e a inserção dos temas trabalhados na rede na agenda das organiza-ções atuantes na região.

Essas experiências são fruto de um trabalho de construção de forças políticas que atuam na contramão das lógicas de privatização dos espaços, degradação ambiental, homogenei-zação dos hábitos alimentares, disseminação do uso dos remédios alopáticos, isolamento social e indução de valores consumistas.

A Rede permite tirar da invisibilidade experiências extremamente importantes, e a sua construção multiplica idéias, valores e práticas, que nos fazem acreditar na utopia de uma outra cidade e de uma outra sociedade.

Exposição de produtos e integração no III Encontro de Experiências de

Agricultura e Saúde na Cidade.

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ATENÇÃO, ATENÇÃO PARA AS NOTÍCIAS MAIS RECENTES!!!

Agricultura urbana está em alta nas cidades!!!

Se o governo não se der conta, as praças e quintais estarão to-mados de alimentos e plantas medicinais.

Mais e mais gente trocando mudas e sementes; mais e mais gen-te se alimentando daquilo que planta e colhe. As feiras se mul-tiplicam pelos bairros. Almoços agroecológicos se espalham pelos pátios das associações de moradores do Rio de Janeiro. Todo mundo repara na beleza das fruteiras do bairro de Santa Cruz. O raizeiro da comunidade de Antares não pára de dar entrevista nos jornais e rádios principais. As empresas multi-nacionais estão falindo. Grandes redes de fast food fechando. Donos de farmácia desesperados porque não conseguem mais vender seus remédios alopáticos.

Aquilo que não era visto e ouvido há pouco tempo atrás, passou a tomar conta dos debates e das agendas das pessoas e grupos na cidade. Esse é um dos principais assuntos de vários jornais e rodas de conversas das esquinas cariocas.

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isto: para caminhar.” Eduardo Galeano citando Fernando Birri.

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Práticas alternativas em saúde: valorização de conhecimentos, autonomia e organização em saúde no MST

Ivi Tavares A. Castillero, Julia da Silva de Farias, Francisco Martinez, Iranilde de Oliveira Silva

Setor de Saúde MST/RJ

Apresentação

Há quatro anos, em 2006, começou a primeira turma do Curso de Prá-ticas Alternativas em Saúde, realizado para os acampados e assentados da reforma agrária do Rio de Janeiro. É com muito carinho que esta-mos socializando essa experiência como uma conquista agroecológica. Dentre os temas abordados no curso está a Agroecologia, assim como a Medicina Tradicional Chinesa (que envolve Acupuntura, Moxabus-tão, Automassagens, Ti Kum, Shiatsu, Meditação), Fitoterapia, Saúde da Mulher, Saúde da Criança, Primeiros Socorros e Políticas em Saúde. A elaboração do curso foi fruto de uma parceria com a ASBAMTHO (Associação Sino Brasileira de Acupuntura, Moxabustão e Terapias Holísticas), Pastoral da Saúde e outros amigos. Para começar uma apresentação mais detalhada do curso, trazemos algumas questões que antecederam essa experiência. Nossos acampamentos e assentamentos tinham difícil acesso aos postos de saúde, aos hospitais e ao Progra-ma Saúde da Família, e quando as pessoas recorriam a esses serviços

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muitas vezes não eram atendidas por não terem endereço fixo, o que as desestimulavam a pro-curar novo atendimento e a lutar por seus di-reitos, a fim de evitar serem novamente humi-lhadas. Quando conseguiam atendimento, nem sempre obtinham melhora de seus sofrimen-tos. Assim como, em situações de emergência os veículos demoravam a chegar para o atendimento. Dessa forma, por falta de políticas públicas em relação ao saneamento básico, entre ou-tras coisas, eram freqüentes os problemas de saúde em relação aos cui-dados com os animais e com o lixo, e a falta de recursos para o plantio dificultavam uma alimentação saudável e variada. Diante desses fatos, tínhamos muitos desafios para gerar saúde.

Como lidar com as situações emergenciais? Como promover saúde nos acampamentos e assentamentos sem recursos? Ter um serviço de saúde perto ajudaria na saúde das pessoas? E a autonomia em relação a outras maneiras de lidar com as doenças, como o uso de plantas me-dicinais? Muitas eram as questões que nos desafiavam a promover um curso que teve e tem como grande meta a conquista de autonomia em relação à saúde, ao conhecimento sobre seu corpo e seus direitos. Essas são perguntas que antecederam essa experiência e de diferentes formas ainda permanecem, porém com alguns avanços a partir da experiên-

cia concreta. Na penúltima etapa do segundo curso, que terminou neste ano de 2010, fizemos entrevistas com educadores, apoiadores e edu-candos e estas estão presentes neste texto para dar alicerce a nossa sistematização.

Realizamos dois cursos de saúde no período de 2006 a 2009. O primeiro curso foi feito no

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período de 2006 a 2007, cujo objetivo era formar pessoas capazes de atender a comunidade e oferecer novos cursos multiplicando o conhe-cimento e o acesso às práticas alternativas. Esse primeiro curso foi rea-lizado primeiro no acampamento Terra Prometida, em Nova Iguaçu na Baixada Fluminense e depois na cidade do Rio de Janeiro. Vimos que o curso estimulou e resgatou sentimentos que envolvem, não só o lidar com a saúde e suas enfermidades, como também motivou a di-versidade de conhecimento e cultura, o que proporcionou o incentivo ao cuidado entre as pessoas, o estudo de práticas alternativas em saúde e também a busca pelos direitos em relação à assistência em saúde. A prática da medicina chinesa mostrou-se inovadora. Resgatou-se a medicina popular presente nessas áreas pelo uso das ervas medicinais, aproximando e fortalecendo relações sociais, já que pressupõe ajuda e solidariedade, de forma acessível e com baixo custo. Após a realização dessa primeira turma, os objetivos do curso foram ampliados e o tema da fitoterapia ganhou mais força. Uma segunda turma se iniciou em agosto de 2008, incluindo como educadores alguns daqueles forma-dos no primeiro curso, tendo a ASBAMTHO um papel de orientação desses terapeutas, dando impulso para autonomia destes. Além desses atores temos os coordenadores do setor de saúde do MST que são Julia Farias e Francisco Martinez, assim como companheiros de outros se-tores do MST. O curso proporcionou oficinas de produtos fitoterápicos e fitocosméticos que mantém financeiramente, com muita dificuldade, a efetivação do mesmo. Essa segunda turma inovou não somente neste sentido, mas também no local de sua realização, agora acontecendo simultaneamente em regiões distintas. Na região Sul (Vale do Paraíba) ocorreu em três acampamentos: Assentamento Roseli Nunes em Piraí, acampamento Terra Livre em Resende e assentamento Vida Nova em Barra do Piraí. E na região Norte do Rio de Janeiro ocorreu no assenta-mento Josué de Castro em Campos dos Goytacazes.

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Metodologia do curso

O curso é dividido em oito etapas, totalizando dois anos e cada etapa num período de 10 dias, com intervalos de três meses de uma para outra, durante este tempo, há tarefas que chamamos Tempo Comuni-dade. Cabe ressaltar que no período de curso todos os educandos, edu-cadores e a Coordenação Político Pedagógica estão juntos, dormem no local, dividindo responsabilidades com o espaço, alimentação, limpeza, mística e atividades culturais. Encontramos dificuldades com o Tem-po Comunidade, desde a falta de recursos até a aceitação dentro de suas áreas. A educadora Débora (acampamento Campo Alegre) rela-tou que:“um desafio é o estranhamento das pessoas com o shiatsu, para praticar tem muita resistência”. Por outro lado, conforme havia alívio das sensações de dor e melhora geral, a aceitação era maior. As turmas eram compostas por pessoas entre 20 e 70 anos, a maioria mulheres. Algumas pessoas da turma tinham dificuldade em ler e escrever e isso impulsionou outros métodos de trabalho, que não fossem somente a partir de textos, mas com incentivos visuais e muita prática. Infeliz-mente, a alfabetização total não foi alcançada, porém temos exemplos de superação de cada um e solidariedade da turma com os companhei-ros. Tivemos onze formados na primeira turma e onze na segunda tur-ma. Os educandos das duas turmas reúnem 12 áreas de acampamentos e assentamentos do estado do Rio de Janeiro, que são: Roseli Nunes em Piraí, Terra Livre em Resende, Vida Nova em Barra do Piraí, Terra da Paz em Piraí, Manoel Congo em Valença, Terra Prometida em Nova Iguaçu, Campo Alegre em Nova Iguaçu, Sebastião Lan em Casimiro de Abreu, Eldorado dos Carajás em Bom Jesus de Itabapoana, Josué de Castro, 17 de Abril e Zumbi dos Palmares, esses três últimos em Cam-pos dos Goytacazes.

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Inovações pedagógicas

Neste curso valorizamos os educandos(as) que se formaram na pri-meira turma para serem os novos educadores da segunda turma e ob-tivemos uma resposta interessante com essa experiência. Luiza (Pas-toral da saúde/ Nova Iguaçu), uma das educadoras, diz que: “Nunca tinha dado aula, e neste curso experimentei isso, o que me salvou foi no primeiro dia começar pela prática incluindo todo mundo”. Para exemplificar tal proposta pedagógica como eficiente e construtora de outras relações sociais, temos o relato de uma educanda, Bia (as-sentamento Zumbi dos Palmares), de 20 anos, que disse: “o modo de ensinar é bem diferente da escola que estudei, não fico só ouvindo, e o carinho também ajuda”. Na fala de Maria (assentamento Vida Nova), “o curso fez com que tivesse mais força para colocar o que sei em prá-tica”. A prática educativa visou favorecer os espaços de perguntas, contrapondo o espaço de aula centrado somente na transmissão de conhecimentos. Julia, que compõe a coordenação do curso, colocou que “A troca de experiência também é muito valorosa, e somos todos educadores, o tempo todo, na cozinha, nos corredores, sempre trocamos conhecimentos”.

Para nós, o educador popular em saúde assume uma grande respon-sabilidade. Deve discutir os problemas de saúde de suas áreas indo além das doenças, tendo em vista um projeto mais amplo para ajudar na promoção de saúde de todo acampamento ou assentamento. Pro-cura se desafiar a caminhar junto com as pessoas para a solução de problemas e não somente levar uma solução para sua enfermidade e seu sofrimento. Incentivar o conhecimento que cada um tem.

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Rompendo paradigmas

No curso o tema da saúde foi abordado de forma bem ampla, quando deparávamos com momentos de crítica ao Sistema de Saúde a maioria era bem enfático na crítica, e sempre tinham exemplos sobre momentos ruins e sobre a ineficiência do modelo biomédico voltado para os medi-camentos. Para o educando Popino (assentamento Josué de Castro) “O curso ajudou a mostrar formas de viver mais saudavelmente, ajudando a prevenir ao invés de só tratar”. Para muitos houve a experiência pessoal de ter conseguido se livrar dos medicamentos e ter conseguido aumentar suas defesas orgânicas pondo em prática os conhecimentos adquiridos para prevenção das enfermidades, a partir da alimentação, uso de plan-tas medicinais, massagem e autoconhecimento. Maria José (FETAG) nos disse que: “Eu tomava mais de 40 comprimidos por dia, era dependente de medicamentos, sempre quis fazer um curso para me conhecer melhor, mas tudo era caro e agora esse curso está me ajudando, melhoraram minhas do-res de coluna, ansiedade e mudei minha concepção sobre os remédios”. Ela também colocou que: “Achava que era impossível me alimentar melhor dentro de um acampamento, lá as limitações são muito grandes, mas no curso aprendi algumas coisas sobre alimentos e ponho em prática”. Uma de nossas parceiras no curso, a Letícia (farmacêutica), ressaltou que: “O au-tocuidado vem como forma de resistência ao Sistema de Saúde que coloca todo o poder nas mãos de um profissional de saúde”.

As questões do conhecimento e a medicalização andam juntas, e nos-so grande desafio é a disputa da concepção hegemônica de promoção de saúde. Não pretendemos ser totalmente independentes dos avan-ços tecnológicos das medicações industriais, porém compreendemos a concepção atrelada à lógica do consumo desses insumos, dessas mer-cadorias, tal como abordamos nos momentos de estudo do modelo agrícola baseados nos fertilizantes, desde a revolução verde. Na fala de

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Donati Caleri, coordenador da ASBAMTHO, este diz que: “Minha con-tribuição com o curso é política no sentido de trabalhar um princípio de autonomia e independência com relação a um sistema de saúde vigente o qual penso ser ineficaz em sua globalidade e em seus princípios. Este está atendendo a interesses de grupos privados. Quando trabalho num curso onde o projeto além da autonomia se propõe a fortalecer a potência de agir de cada individuo e conseqüentemente do coletivo, entendo que esse fortalecimento cria condições para um enfrentamento mais eficaz de todas as frentes pelas quais com muita justiça o Movimento dos Traba-lhadores Rurais Sem Terra enfrenta”.

Fitoterapia, reconstrução de novas culturas

Nos acampamentos e assentamentos do MST, o uso das plantas medici-nais é muito forte, de certa forma o curso traz essa temática mais como reconhecimento dessa prática do que como algo inovador. Desde que iniciou o curso, muitos aprimoraram essa prática e outros voltaram a usar seus conhecimentos sobre plantas medicinais. Na fala do educan-do Serafim (acampamento Eldorado dos Carajás), coloca que: “Tenho o projeto de fazer pomadas e gel para o local onde moro, antes só conhecia xaropes e chás”. É importante frisar que o uso das plantas medicinais não é somente uma opção mais barata e acessível. Usamos também porque muitas vezes é mais eficaz, tendo no nosso corpo uma ação mais ampla que a dos medicamentos da indústria. A organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que 80% da população mundial utilizam plantas medici-nais como medicamentos e especula-se que 70% dos medicamentos de-rivados de plantas valeram-se dos conhecimentos populares como fortes indícios de reais propriedades medicinais e que um em cada quatro pro-dutos vendidos nas farmácias é fabricado a partir de materiais extraídos de plantas das florestas tropicais.

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No nosso curso, os educandos e os agricultores dos acampamentos e assentamentos, foram as principais fontes de informação sobre plantas medicinais. Socializamos várias formas de uti-lizar diferentes plantas, e todos se dispuseram a fazer em suas áreas hortas medicinais. Maria (assentamento Vida Nova) informou que “Em casa mudou tudo, comemos melhor, faço garrafadas que deixaram meu marido mais disposto, agora trabalho com abelhas e estudo muito mesmo, não consigo mais parar. Me sinto valorizada pelo meu estudo, não troco o conhecimento que tenho pela medicina de faculdade, dei uma oficina ou-tro dia e adorei”. As melhores experiências foram construídas a partir de caminhadas pelo acampamento e assentamento, onde víamos as plantas em seu estado natural, junto aos arbustos e matos da vegetação local. É importante o contato com a planta, sentir o cheiro, ver se tem pêlos ou são lisas, duras ou macias, o formato, se têm flores. Para Débora (acam-pamento Campo Alegre), “Esse conhecimento popular foi expropriado do povo e concentrado nas mãos da elite, o curso fortalece o resgate desse co-nhecimento”.

Agroecologia é saúde

A temática da agroecologia foi apresentada em espaços para além da sala de aula, pelas aulas serem no campo, nos permitiu trabalhar a par-tir da realidade da biodiversidade existente,

traçando melhor a temática da agroecologia, tanto na prática, como na identificação de agrossistemas, fizemos hortas e trocamos experiências agroecológica de plantio. Sempre foram ressaltados os aspectos de con-servação ambiental e como isso se relaciona com a promoção de saúde.

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Vimos que mesmo que a temática não se apresentasse em outras aulas na palavra agroecologia, foi algo que permeou nosso curso como um todo já que mais do que uma ciência representa uma nova forma de ver o mundo, um diálogo com o conhecimento do povo, procurando entender as relações entre os seres humanos e destes com a natureza. Vários exemplos que foram abordados no curso afirmam essa impor-tância como: a forma de fazer nossas hortas medicinais; a disputa por alimentos sadios, sem agrotóxicos; valorizar o conhecimento historica-mente acumulado sobre o poder medicinal das plantas; lutar por outra cultura que não seja a do consumo. Todos esses temas giram em tor-no da agroecologia. Para alguns educandos foi um primeiro encontro com o tema, Carlão (assentamento Roseli Nunes) disse que “A parte de agroecologia foi a parte que mais gostei do curso e agora sei como unir o conhecimento das ervas com o do shiatsu e acupuntura”. Na fala de Julia (coordenação do curso) vemos o potencial agroecológico desse curso, ela disse que “O que mais achei importante foi a aprender a cuidar um do outro, a fazer a promoção da saúde e a prevenção de doença envol-vendo muita coisa como o cuidado com a terra, as plantas, animais e saneamento”.

Autonomia em saúde

Falamos muito da palavra Autonomia em nosso curso, pois para nós significa promoção de uma nova relação de vida, de consumo, de com-preensão de nossos corpos e da natureza. Como também envolve uma nova relação com o domínio do conhecimento que não deve estar concentrada nos profissionais de saúde ou na universidade, envolve compreender a complexidade das doenças e não somente um modo de saber curar. Não queremos com isso desvalorizar o saber médico, mas ressaltar que esta relação deve ser de parceria. A educanda Mercedes

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(acampamento 17 de Abril) colocou que “Os assentamentos estão sen-do invadidos pelos costumes industriais, da alimentação até os remédios, temos que usar alimentos mais saudáveis, valorizar nossa mãe terra e respeitar nosso corpo”. Na fala de Ivi (médica), que compõe a coordena-ção do curso, nos disse que “O modelo biomédico pouco valoriza outros saberes e o uso das plantas medicinais. Os medicamentos têm seu valor em diversas situações, mas está atrelado a uma lógica de consumo que gera muita dependência, tanto aos medicamentos como ao profissional perdendo o estímulo ao autoconhecimento”. Para dar mais elementos ao que buscamos em Autonomia, Donati, coordenador da ASBHAMTO coloca que “Não sou um defensor incondicional da medicina chinesa, sou defensor de práticas de saúde que promovam a libertação, todas as medicinas alternativas devem ter esse caráter, mas infelizmente várias práticas alternativas caíram no canto da sereia e acabam gerando tam-bém dependência e consumismo dessas práticas”.

Luta para além da Saúde

Um dos nossos objetivos com esse curso é termos em cada acampa-mento e assentamento um representante da saúde, que tem muito mais do que uma responsabilidade em guardar esse conhecimento e ser a referência em saúde. Tem a responsabilidade de socializar esses conhe-cimentos e a participação nas lutas políticas gerais da organização. Te-mos claro que lutar por saúde é lutar por uma vida digna, e isso envolve a luta pela reforma agrária, pela água, pela educação, pelo emprego. Por isso, fazer e sentir-se parte da organização do MST, conhecendo, se organizando e se mobilizando são pilares importantes do curso. Dona Zilda (acampamento 17 de Abril), educanda do curso, disse que“Não tinha nem um ano de acampamento e fui fazer o curso, mesmo sem sa-ber ler e escrever direito, presto muita atenção na aula e por meio desse

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curso comecei a conhecer melhor meu corpo e o MST, fui para Brasília e participei da tenda de saúde e me senti muito bem contribuindo.” Um avanço da experiência do curso foi consolidar um coletivo de saúde no estado do Rio de Janeiro, não somente no sentido de ter representantes, mas de ter uma identificação com essa responsabilidade. Julia coloca que “Com o curso o coletivo de saúde se firmou, e com pessoas de várias áreas”. O educador Paraíba (assentamento Roseli Nunes), coloca que “Conheci o curso indo acompanhar um menino e acabei ficando, de lá para cá tudo mudou, vim investindo no conhecimento e contribuindo sempre que possível, antes não conhecia o valor das ervas e acupuntura, e hoje dou apoio até em outro acampamento nessa área”.

Terminamos esse texto com uma responsabilidade muito maior. Muito além de fazer o curso, estamos nos desafiando a colocar no papel nos-sas experiências, mesmo com dificuldades de diversos âmbitos, deixa-mos a certeza de que as práticas de saúde não são uma propriedade pri-vada, são patrimônios da humanidade. E esse curso se desafia a fazer uma promoção de saúde onde homens e mulheres se conheçam, onde a natureza seja conservada, que entendam seu adoecimento e participem da transformação que almejamos para essa sociedade.

Bibliografia

Cf. Elói S. Garcia, Biodiversidade e biotecnologia, Rio de Janeiro, Fun-dação Oswaldo Cruz, s/d, pp4-5

Santos, Fernando Sergio Dumas dos & Muaze, Mariana de Aguiar Fer-reira. Tradições em Movimento: uma etnohistória da saúde e da doen-ça nos vales dos rios Acre e Purus, Brasília – Paralelo 15, 2002.

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COLETIVO NACIONAL DE SAÚDE do MST. Caderno de Saúde n.1: Lutar por saúde é lutar pelavida, 2ª ed. São Paulo: Gráfica e Editora Peres, 2000.

ILLICH, I. A expropriação da saúde: Nêmesis da medicina, 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1975.

SETOR NACIONAL DE SAÚDE do MST. Cartilha de Saúde n.5: Cons-truindo o Conceito de Saúde do MST. Brasil: s/ ed, 2000.

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Geração participativa de conhecimentos entre pesquisadores e agricultores

familiares na região serrana fluminense: a experiência da Embrapa com o núcleo de

pesquisa para agricultores

Renato Linhares de Assis1, Adriana Maria de Aquino2

Introdução

O Núcleo de Pesquisa e Treinamento para Agricultores (NPTA) da Região Serrana Fluminense surgiu como resultado de negociação en-tre a Prefeitura Municipal de Nova Friburgo e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com o intuito de aproximar os pesquisadores, em especial das três Unidades desta Empresa no estado do Rio de Janeiro (Solos, Agrobiologia e Agroindústria de Ali-mentos), da realidade agrícola da região serrana fluminense, área de agricultura mais dinâmica no estado e conhecida pela produção de hortaliças, flores e frutas.

1 - Engenheiro Agrônomo, DSc. em Economia Aplicada, Pesquisador da Embrapa Agrobiologia, Núcleo de Pesquisa e Treinamento para Agricultores (NPTA), Avenida Alberto Braune, 223, Centro, Nova Friburgo, RJ, CEP 28613-001, [email protected]

2 - Bióloga, PhD em Agronomia, Pesquisadora da Embrapa Agrobiologia, Núcleo de Pesquisa e Treinamento para Agricultores (NPTA), Avenida Alberto Braune, 223, Centro, Nova Friburgo, RJ, CEP 28613-001, [email protected]

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Tendo como proposta de trabalho promover a transição agroecoló-gica de sistemas de cultivos familiares na região serrana fluminen-se através de pesquisa participativa, envolvendo várias Instituições Públicas e Associações de Agricultores, o NPTA foi inaugurado em 2007. Tem sua sede localizada junto a Secretaria Municipal de Agri-cultura de Nova Friburgo e um espaço físico no meio rural, cedido pela Associação dos Pequenos Produtores e Moradores de Santa Cruz e Centenário, no Terceiro Distrito desse município.

Com o objetivo de criar condições para a adaptação, consolidação e multiplicação de tecnologias e práticas aplicadas à produção ecoló-gica e considerando a tradição dos sistemas de produção, a atuação deste núcleo tem ocorrido a partir da identificação de demandas por ações de pesquisas que favoreçam a estes sistemas avançarem na tran-sição agroecológica. A identificação destas demandas aparece como mote inicial para o estabelecimento da articulação entre pesquisa-dores e agricultores, podendo ter-se desde questões mais explicitas relacionadas a práticas ou tecnologias agroecológicas, até a identifi-cação da necessidade de ação visando resolver problema específico, mas que permita iniciar processo de debate com os agricultores sobre a necessidade redirecionamento tecnológico de seus sistemas de pro-dução.

Além disso, este trabalho de pesquisa participativa é acompanhado e avaliado durante oficinas envolvendo agricultores, pesquisadores e outros técnicos de instituições parceiras, bem como de forma rotinei-ra durante as atividades de campo. Este monitoramento do processo de construção participativa de conhecimento possibilita que a equipe técnica envolvida avance na reflexão e ajuste acerca do método parti-cipativo, bem como contribuir para a inserção na agenda de pesquisa da Embrapa, tanto de temas relacionados a transição agroecológica

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de sistemas de produção familiares, como da necessidade de uma abordagem diferenciada para estes.

Pesquisa participativa e agroecologia como base da atuação

A agricultura na Região Serrana Fluminense caracteriza-se por altas produtividades baseadas na utilização de tecnologias industrializadas, notadamente fertilizantes sintéticos concentrados e agrotóxicos. Estu-dos realizados na região mostram que o uso generalizado dos agrotó-xicos, tem levado à contaminação do lençol freático e comprometido a saúde dos agricultores. Esse modelo de agricultura tem levado a uma vulnerabilidade social e a um acentuado processo de degradação am-biental que termina por comprometer a capacidade produtiva das uni-dades familiares. Altas taxas de erosão são verificadas como decorrên-cia do uso generalizado de práticas pouco conservacionistas, levando ao aumento nos riscos econômicos para os agricultores, já elevados, face os altos custos dos insumos utilizados, associados à incerteza de preço para os produtos agrícolas que remunerem adequadamente os produtores.

Nesse sentido, as práticas agroecológicas tem um potencial positivo como referencial teórico e instrumental importante, na implementa-ção de processos de desenvolvimento agrícola sustentável, que tenham a agricultura familiar como foco prioritário e a Região Serrana Flu-minense apresenta-se com experiências pioneiras, tanto de produção como de pesquisa, articulando agricultores e pesquisadores no enten-dimento dos processos agroecológicos aplicados a região serrana.

No que se refere a produção agrícola, remonta a 1978, na comunidade dos Albertos em Petrópolis, a formação do primeiro núcleo de pro-

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dução orgânica do estado do Rio de Janeiro, núcleo este que soma-do a outras experiências neste sentido que vieram a ocorrer na região principalmente, determinaram a formação em 1984 da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO).

Em relação a pesquisa, observa-se um longo histórico de cooperação entre as diferentes iniciativas institucionais fluminenses em agroeco-logia. Dentre essas destaca-se a Rede Agroecologia Rio. Com foco de atuação na pesquisa participativa e na agricultura familiar, esta rede foi formada em 1998 com a união dos esforços das seguintes sete institui-ções: Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Ja-neiro (ABIO); Agrinatura Alimentos Naturais Ltda. (AGRINATURA); Assessoria e Serviços em Agricultura Alternativa (AS-PTA); Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro (Emater-Rio): Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio); Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRuralRJ); Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia da Empre-sa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Agrobiologia).

Esta experiência, aliada a ações subsequentes desenvolvidas por pes-quisadores da Embrapa junto a comunidades de agricultores familiares em municípios da Região Serrana Fluminense (destaque para Petró-polis, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim e Nova Friburgo) possibilitaram a construção de novos conhecimentos, agregando as experiências prática e acadêmica, respectivamente, dos agricultores e pesquisadores. O destaque nesta trajetória foi no sentido de aprofun-dar a transição agroecológica dos sistemas de produção familiares com a incorporação de novas práticas de manejo que otimizem os processos ecológicos e que favoreçam o desempenho produtivo e econômico das unidades agrícolas.

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Desta forma o desafio que se impõe ao NPTA desde a sua concepção é a interação entre agricultores e pesquisadores e a busca por métodos passíveis de serem moldados conforme as características sociais, eco-nômicas e ambientais locais. Desde já os agricultores através das asso-ciações tem demandado ações de pesquisas que viabilizem alternativas ao manejo de solo tradicionalmente utilizado. Para tanto, há necessida-de de viabilizar sistemas de produção, que a partir da racionalização do uso de insumos, avancem no processo de transição agroecológica, isto de forma interativa entre pesquisadores e agricultores, com prioridade para o incremento e manejo do nível de matéria orgânica do solo.

Principais ações do NPTA

Desenvolvimento de sistemas de cultivo de hortaliças de base agroecológica

Na região em questão o município de Nova Friburgo destaca-se como pólo econômico regional e também importante produtor de produtos hortícolas, com destaque para a couve-flor em que este município caracteriza-se como maior produtor do país, produção esta concen-trada em seu terceiro distrito, onde o processo de articulação com os agricultores caracterizou a demanda por ações de pesquisas que viabilizem alternativas ao manejo de solo tradicionalmente utilizado. Destaca-se a ocorrência generalizada nas comunidades em questão, da doença conhecida como hérnia das crucíferas, cujo agente causal (Plasmodiofora brassicae) se encontra largamente disseminado na re-gião, em decorrência principalmente de manejo e preparo inadequa-do do solo.

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Este problema fitossanitário é exemplar no que tange ao nível de de-sequilíbrio ambiental regional, e o impacto deste nos níveis de pro-dutividade e custos de produção. Analisando historicamente a cadeia produtiva de hortaliças da região, em especialmente a produção de couve-flor oriunda do terceiro distrito de Nova Friburgo, verifica-se que havia um uso intensivo de cama de aviário, caracterizando forte in-tegração desta com a cadeia produtiva de aves localizada no município vizinho de Bom Jardim. Com a mudança locacional, observada a cerca de 10 anos, dos custos de oportunidade relativos a produção avícola, esta sofreu uma derrocada neste município. Este fato determinou para os produtores de couve-flor de Nova Friburgo a necessidade de busca-rem alternativas para adubação. Isto foi feito com redução acentuada dos níveis de adubação orgânica, com o incremento do uso de adubos sintéticos em substituição. Este fato tem sido entendido como o que possibilitou ao patógeno em questão, normalmente presente no solo e mantido sob controle a partir de mecanismos supressores e antago-nistas estabelecidos pela biota do solo, viesse a se tornar um problema crônico nos sistemas de produção em questão.

Não há estudo avaliando de forma precisa o impacto desta doença na economia da produção de hortaliças na região, mas relatos de agricul-tores dão conta de que, em plantios de verão, as perdas de produção giram em torno de 40 a 60 %, fato este que pode ser facilmente obser-vado de forma empírica através de visita a região na época em questão.

As alternativas que se apresentam referem-se a mecanismos que possam novamente proporcionar aporte de matéria orgânica aos sistemas de pro-dução, no mínimo nos níveis anteriores. Isto pode ser tentado primeiro via produção de materiais na própria unidade de produção agrícola, qual seja utilização de rotação de cultivos com plantas de cobertura de solo, quer com sistema de preparo do solo convencional ou de plantio direto.

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Neste sentido, o problema fitossanitário relacionado a hérnia das crucíferas tem representado para o trabalho do NPTA, importante ponto de partida para o diálogo com os agricultores, acerca da necessidade de introdução de práticas de base agroecológica nos sistemas de produção, como forma de reduzir a vulnerabilidade social e econômica da agricultura na região.

Iniciou-se então o desenvolvimento de sistemas de rotações de cultivo que possibilitem tanto a diversidade de espécies de interesse econômi-co como a introdução do uso de plantas de cobertura, promovendo o enriquecimento do solo com matéria orgânica e consequentemente o favorecimento a redução da incidência da hérnia das crucíferas.

Aproveitamento de resíduo da indústria têxtil na agricultura

A região serrana fluminense, notadamente Nova Friburgo e outros municípios no seu en-torno, destaca-se como importante pólo da in-dústria têxtil. Esta atividade é grande geradora de resíduos o que, considerando a proximidade de um expressiva produção agrícola, determi-nou que esta surgisse como oportunidade para a deposição de resíduos originários de indús-tria de fiação de algodão.

Neste sentido, dois produtores de caqui loca-lizados na comunidade da Janela das Andori-nhas, interessaram-se pelo referido resíduo, utilizando-o de forma intuitiva na base de um fardo por planta (± 200 kg), verificando aumento na produtividade, melhoria na firmeza do fruto e redução da incidência de pragas e doenças.

Foto 1: Avaliação de cultivo de ervilha sob plantio direto (rotação:

aveia-preta/couve-flor/milheto/ervilha), com participação de

alunos de escola família agrícola localizada na região (Santa Cruz,

Nova Friburgo, RJ).

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Apesar das evidências acerca dos benefícios do uso do resíduo de al-godão na produção de caqui, os agricultores articularam-se de forma a demandar do NPTA ação de pesquisa participativa em curso no senti-do de avaliar a melhor adequação do manejo do resíduo de algodão “in natura”, as doses adequadas a serem aplicadas e seu impacto nas pro-priedades do solo, bem como outras formas de uso em outras culturas. O retorno em produtividade desde já verificado na cultura do caqui com uso deste resíduo oriundo da fiação de algodão tem despertado o interesse de outros grupos de agricultores, entre os quais da comunida-de de São Pedro da Serra, que junto com o NPTA iniciou avaliação do uso “in natura” do referido resíduo na cultura da bananeira.

Promoção da transição agroecológica junto a sistemas orgânicos de produção

As ações desenvolvidas em Petrópolis e São José do Vale do Rio Preto, desde a época da Rede Agroecologia Rio têm possibilitado a constru-ção de novos conhecimentos, agregando as ex-periências prática e acadêmica, respectivamen-te, dos agricultores e pesquisadores. Ao longo dessa trajetória tem-se buscado aprofundar a transição agroecológica de sistemas de pro-dução orgânica com a incorporação de novas

práticas de manejo que otimizem os processos ecológicos e que favore-çam o desempenho produtivo e econômico das unidades agrícolas. De maneira geral, os conceitos trabalhados têm sido bem recebidos pelos agricultores, que adaptam algumas das práticas avaliadas para a sua realidade. Todavia, destaca-se algumas dificuldades, como a limitada disseminação das experiências realizadas junto a outros agricultores.

Foto 2: Experimentação participativa na comunidade da

Janela das Andorinhas (Nova Friburgo, RJ) visando avaliar o efeito de diferentes doses de

resíduo industrial da fiação de algodão na cultura do caquizeiro.

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Experiência visando ampliar esta dissemina-ção tem ocorrido através de ações articula-das entre a Embrapa Agrobiologia e a Asso-ciação Horta Orgânica, as quais visando não somente agricultores orgânicos certificados, mas também agricultores com possibilidades de conversão para a agricultura orgânica, tem possibilitado a articulação junto a um número maior de agricultores motivados a promove-rem a transição agroecológica junto aos siste-mas de produção. Isto tem ocorrido principalmente através de ações que favoreçam a adaptação do uso de adubos verdes junto a estes sis-temas, assim como a introdução ou melhoria da eficiência da produ-ção de pequenos animais, visando a integração desta com a atividade de produção de hortaliças.

Comentário final

Verifica-se com a análise das ações destacadas do trabalho do NPTA que nas comunidades onde o início da articulação com os agricultores ocor-reu por conta de uma demanda inicial por uma solução tecnológica para um problema específico (exemplo: hérnia das crucíferas), o trabalho tem ocorrido com maior dificuldade para o envolvimento de um número maior de agricultores no processo de construção de conhecimentos, fi-cando as ações participativas restritas, em grande medida, aos agriculto-res onde as ações de campo estão sendo desenvolvidas. Diferentemente, nas comunidades onde a articulação com os agricultores ocorreu por conta de demanda por um ajuste tecnológico de processo de construção de conhecimentos já em curso (exemplo: introdução da produção ani-mal em sistemas orgânicos de produção de hortaliças), tem sido mais

Foto 3: Diversificação e integração de atividades em unidade de

produção orgânica na comunidade de Morro Grande (São José do Vale

do Rio Preto, RJ).

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eficiente a articulação com os agricultores em grupos a partir de uma ação localizada em unidades de produção específicas.

Além disso, tem sido possível obter importantes informações que con-tribuem para entender os mecanismos que influem no comportamento dos agricultores no que concerne a mudanças tecnológicas. Assim tem sido possível identificar obstáculos à adoção de práticas alternativas com menor impacto ambiental e delimitar as condições agro-econô-micas para integração de práticas agroecológicas.

Entende-se que novas práticas de valorização de processos ecológicos devem passar por um processo gradual de disseminação e de assimila-ção, no que para a transição agroecológica dos sistemas de produção na região serrana fluminense, particularmente os de base convencional, os primeiros passos consistem em racionalizar o uso de insumos quí-micos e começar a substituição deles. Neste sentido, o abandono das antigas práticas e a transição para as novas devem ser graduais e incluí-das numa escala de tempo suficiente para que essas sejam ajustadas e adotadas pelos agricultores. Esta é a condição para formular, a partir das adaptações levadas pelos agricultores, políticas agrícolas dedicadas a melhorar a sustentabilidade dos sistemas de produção regionais.

Finalmente, observa-se que a proposta de aproximação da estrutura de pesquisa da Embrapa das áreas de produção, a exemplo do NPTA, tem um caráter inovador, especialmente, no sentido de identificar de-mandas efetivas da agricultura familiar, e incorporá-las a agenda de pesquisa da empresa. Assim, apesar da identificação de alguns desafios passíveis de serem superados no que se refere a logística administrativa e de infra-estrutura, verifica-se que o NPTA representa promissora ex-periência no sentido de potencializar a articulação da pesquisa agrícola da produção agrícola familiar.

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FUNBOAS - Valorizando a agricultura familiar, fortalecendo a agroecologia

Natalia Ribeiro1, Denise Spiller2

Motivação e sensibilização - Origem da ideia

Os agricultores familiares da região da Bacia Hidrográfica do Rio São João e que desenvolvem boas práticas socioambientais, estão tendo acesso ao Fundo Socioambiental de Boas Práticas em Microbacias – FUNBOAS, alimentado com recursos oriundos da cobrança pelo uso da água, para melhorar as condições ambientais de seu território, da sua comunidade e das suas propriedades individualmente.

O FUNBOAS foi criado pelo Comitê de Bacia Lagos São João, e é um mecanismo de incentivo pelos serviços ambientais aos que conservam direta ou indiretamente os recursos naturais, e especificamente os re-cursos hídricos. É importante salientar que o FUNBOAS é uma política de compensação pelos serviços ambientais prestados, onde os agricul-tores não são recompensados monetariamente, como na premissa do pagamento por serviços ambientais, mas sim incentivados financeira e tecnicamente para que possam manejar suas terras de forma ecologi-

1 - Engª Agrônoma Consórcio Intermunicipal Lagos São João - Email: [email protected]

2 - Coordenadora de Projetos Consórcio Intermunicipal Lagos São João

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camente correta sem perder sua capacidade de produção e geração de renda, inserindo ainda o fator social.

O FUNBOAS é instrumento do Programa de Gestão Ambiental Parti-cipativa em Microbacias que está contido no Plano de Bacia do Comi-tê, e visa despertar o comprometimento dos produtores rurais, gestores e demais atores sociais com as políticas de conservação e com práticas sustentáveis, como a agroecologia. Por fim, busca ainda uma maior va-lorização da agricultura familiar, fortalecendo os pequenos produtores, aliados estratégicos na conservação do ambiente e das águas.

A proposta de criação do FUNBOAS decorreu da constatação de que a Bacia do Rio São João é responsável pelo abastecimento de água de 75% da população residente na região, em especial dos municípios da zona costeira. Outro fator que contribuiu para sua implantação foi o projeto de educação ambiental Comunidades em Ação nas Microba-cias, que produziu diagnósticos ambientais participativos e planos de ação ambientais construídos coletivamente, cujas proposições aponta-vam o reconhecimento da necessidade de conservação e de recupe-ração ambiental, mas deixavam claro que estas medidas deveriam ser decorrentes de compromissos compartilhados no enfrentamento dos desafios identificados.

Para o Comitê essa ação é o começo de um processo necessário de re-torno dos recursos arrecadados, para investimentos na própria bacia, sendo a adoção dos processos agroecológicos estratégica para aliar a conservação do meio ambiente com o fortalecimento da agricultura familiar.

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Mobilização social - Como funciona o FUNBOAS?

O FUNBOAS considera prioritárias as microbacias que, além da im-portância quanto à conservação de recursos naturais, existam ações de instituições que se alinhem com a proposta do fundo. Além disso, é con-siderada prioritária a microbacia com alta concentração de agricultores familiares, principalmente em assentamentos de reforma agrária, e que preferencialmente possuam organização comunitária, para que possam participar efetivamente dos espaços de decisão.

Escolhida a microbacia a ser trabalhada, é procedida a caracterização socioeconômica e ambiental, onde em visitas as propriedades rurais as famílias são incentivada a listar os impactos vivenciados em seu ambien-te, descrevendo e localizando os problemas, suas causas e soluções, e o que já está sendo feito para revertê-los ou mitigá-los, sugerindo, a todo o momento, ações e/ou mobilizações. Este metodologia também aponta os projetos coletivos necessários à microbacia e/ou à comunidade residen-te, que serão decididos coletivamente.

Para orientar a aplicação dos recursos foi desenvolvido um instrumento que avalia o nível de boas práticas socioambientais, de uso obrigatório na propriedade, que define a forma de acesso ao FUNBOAS. Os agriculto-res familiares dessas áreas que se candidatam a acessar o FUNBOAS são avaliados, e podem receber recursos para melhorar o manejo da paisa-gem, ou para aquisição de bens de capital que contribuam para a melho-ria da geração de renda e da qualidade de vida.

Outro instrumento utilizado pelo FUNBOAS é o plano individual, cons-truído de forma participativa, que caracteriza as propriedades rurais, descrevendo todas as atividades e sistemas de produção desenvolvidos nesta, o manejo do solo e da água, saneamento ambiental, e outros. Os

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agricultores são estimulados a entender melhor suas propriedades, suas responsabilidades ambientais, e principalmente a adotar práticas agore-cológicas.

As práticas a adotadas nas propriedades rurais são acompanhadas pelos técnicos responsáveis, que auxiliam na implementação do plano, super-visão das atividades, além de assistência aos agricultores envolvidos. Os agricultores familiares podem acessar o FUNBOAS a cada dois anos, desde que tenham melhorado sua avaliação do nível de boas práticas so-cioambientais.

Nossa experiência em pequena escala

A primeira microbacia selecionada pelo Programa de Gestão Ambiental Participativa foi a do Córrego Cambucaes, no município de Silva Jardim, localizada à montante do Reservatório de Juturnaíba, maior manancial de abastecimento de água da bacia, além de ser limítrofe da Reserva Bio-lógica Poço das Antas. Sua comunidade rural já possuía um potencial importante de espírito coletivo e de pequenas práticas de conservação dos recursos hídricos, com destaque para os sistemas agroflorestais, além da participação nos espaços do Comitê. Outra questão importante é o fato de a comunidade pertencer a um assentamento de reforma agrária, que tem um histórico de ausência de políticas públicas voltadas ao de-senvolvimento dessas comunidades e assistência socioambiental, o que ocasionou o agravamento principalmente de problemas sociais.

A escolha desta microbacia decorreu do fato de a comunidade possuir um longo histórico de envolvimento com as atividades do Programa de Extensão da Associação Mico Leão Dourado, do Comitê de Bacias Lagos São João e da Articulação de Agroecologia Serramar. Além disso, a mi-

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crobacia do Cambucaes foi selecionada para receber recursos do FUN-BOAS, pela participação de sua comunidade no Processo de Educação Ambiental Comunidades em Ação nas Microbacias, e na metodologia dos “mapas falados” desenvolvida pela Articulação de Agroecologia Ser-ramar, que produziu diagnósticos ambientais participativos, apontando as potencialidades e dificuldades.

Durante todo o processo de aplicação da metodologia do Fundo na mi-crobacia, os agricultores foram estimulados a participar de todas as deci-sões e ações a serem otimizadas com os recursos disponíveis. A adoção do processo participativo permitiu a construção coletiva do conheci-mento, além de servir para a criação e aprimoramento dos instrumentos metodológicos propostos. O FUNBOAS vem fortalecer as ações de im-plantação de sistemas agroflorestais, nas áreas do Comitê, onde essas e outras boas práticas estejam sendo desenvolvidas.

Projeto comunitário

Em reunião da Câmara Técnica Permanente de Microbacias (CTPEM) do Comitê de Ba-cia Lagos São João, realizada no assentamen-to de Cambucaes/INCRA foi decidido que o recurso de R$ 30.000,00 seriam aplicados em saneamento rural (instalação de fossas sépticas biodigestoras e caixas de gordura, adequação de sistemas de captação de água), em 24 pro-priedades rurais. O modelo escolhido foi o pro-posto pela EMBRAPA, que permite o uso do efluente final na adubação dos sistemas agro-florestais implantados.

Modelo Embrapa, 2002 e sua aplicação no campo.

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Projetos individuais

Foram apoiados seis planos individuais, de agricultores familiares selecionados, que foram contemplados com um recurso previsto de R$ 5.000,00 para cada plano. Foram adotadas prá-ticas de manejo da paisagem, boas práticas agrí-colas, e investimentos em bens de capital, incen-tivando principalmente a integração das ações com a lógica agroecológica. Os recursos foram utilizados ainda para a melhoria das casas e das benfeitorias que apresentavam problemas.

• Enriquecimento de 60.000 m² (6 ha) de sistemas agroflorestais;

• Implantação de 20.000 m² (2 ha) sistemas agroflorestais subs-tituindo antigas áreas degradadas e de pastagens, com o plan-tio de espécies frutíferas (jabuticaba, citros, banana, café, açaí, etc.), nativas (jussara, pupunha, aroeira, ingá, quaresmeira, etc.) e anuais (milho, feijão, guandu, mandioca, etc.);

• Aquisição de equipamentos e construção de pequena unidade para beneficiamento de produtos agrícolas;

• Implantação de horta sombreada;

• Manejo do gado leiteiro;

• Medidas de controle da erosão com o uso de cobertura morta e uso de áreas adequadas para a agricultura;

• Plantio de espécies de adubação verde (plantio de guandu e

Implantação de Sistema Agroflorestal junto à família de S.

Genildo e D. Ângela - Assentamento Cambucaes.

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feijão de porco) para melhoria da qualidade do solo, e melhor produtividade das espécies agrícolas;

• Implantação de cerca para a proteção da APP.

Parcerias consolidadas

É muito importante compreender que o Programa de Gestão Ambien-tal Participativa em Microbacias estimula a ação sinérgica das insti-tuições parceiras do Comitê, e que além das ações dinamizadas com recursos exclusivos do FUNBOAS, muitas outras ocorrem com investi-mentos específicos de cada instituição envolvida. Ações como implan-tação de sistema provisório de tratamento de esgoto para redução da poluição causada pelos dejetos domiciliares do bairro do Boqueirão no Rio Cambucaes, através da parceria com a Concessionária de água e es-goto Águas de Juturnaíba; o CBH Lagos São João/Consórcio Intermu-nicipal Lagos São João em parceria com o WWF - Brasil e a CATI-SP, o Curso de Adequação de Estradas Vicinais, sendo os públicos-alvo téc-nicos, engenheiros e operadores de máquinas das prefeituras, agrôno-mos, agricultores familiares, comunidade e outros profissionais, sendo essencial para a redução dos processos erosivos, de assoreamento dos corpos hídricos, além da importância para o escoamento da produção agrícola.

O Programa de Gestão Ambiental Participativa em Microbacias e o FUNBOAS contam ainda com a parceria técnica firmada junto a Fun-dação Nacional de Saúde – FUNASA, que disponibilizou agentes de saneamento para trabalho em campo junto aos produtores, orientando nas adequações dos poços e instalações sanitárias. No dia 14 de agos-to de 2009, foi realizada junto a FUNASA e a Associação Mico Leão

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Dourado, o primeiro dia de campo na microbacia do Cambucaes, que contou com a participação de agricultores familiares.

A Associação Mico Leão Dourado junto a Articulação Agroecologi-ca do Estado do Rio de Janeiro, importantes parceiros do FUNBOAS, promoveram com apoio da Prefeitura Municipal de Silva Jardim a im-plantação de uma Feira Agroecológica semanal na sede do município, que garante aos agricultores familiares um espaço para comercializa-ção dos produtos agroecológicos.

O nascimento do projeto “Nossas Águas, Nosso Chão”, um programa de rádio (www.radiolitoralam.com.br) que trata de temas ambientais ligados principalmente à gestão de recursos hídricos, se deu na Câmara Técnica de Educação Ambiental do Consórcio Intermunicipal Lagos São João e está no ar desde setembro de 2008.

Resultados obtidos na conservação dos recursos hídricos - Impactos do FUNBOAS

As ações do FUNBOAS estão contribuindo para a melhoria da quali-dade ambiental da bacia, contribuindo para a descontaminação do len-çol freático e do rio Cambucaes, e consequentemente do Rio São João, aumento da cobertura do solo com sistemas agroflorestais, reduzindo os processos erosivos, melhoria da qualidade do solo devido à ado-ção da adubação verde. Além disso, as ações visaram promover uma melhoria na qualidade de vida da comunidade, criando um ambienta mais saudável através de consumo de água com índices de potabilida-de satisfatórios, aumento da produtividade dos sistemas agroflorestais irrigadas com o efluente do processo de biodigestão, geração de renda e a fixação dos agricultores no campo, envolvendo principalmente os

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jovens. Através do FUNBOAS e das ações dos parceiros, as famílias estão exercitando o planejamento coletivo e individual, principalmente na ótica agroecológica.

Outro objetivo do FUNBOAS é uma maior qualidade da participação dos agricultores familiares através de suas organizações nas decisões da Câmara Técnica Permanente de Microbacias (CTPEM), no Sub-Comi-tê do Rio São João e no Comitê, visando um empoderamento político da comunidade para efetiva gestão de seu território, e principalmente dos recursos hídricos. Atualmente a Associação de Moradores de Cam-bucaes é membro da CTPEM, e de outros espaços de decisão como os Conselhos de Desenvolvimento Rural, Sindicatos, etc.

As ações do FUNBOAS na Microbacia do Cambucaes estão estimulan-do a participação de outros agricultores familiares, que vem demons-trando grande interesse em participar das atividades, principalmente na implantação dos sistemas agroflorestais. Outras famílias vêm solici-tando à instituição e aos parceiros a implantação de sistemas agroflo-restais em seus lotes.

Para o Comitê o FUNBOAS vem fortalecendo o modelo de gestão ado-tado e descrito no Plano de Bacia de “Abordagem Ecossistêmica”, em contraposição à gestão exclusiva e isolada dos recursos hídricos. Neste sentido, a agroecologia apresenta soluções práticas de gestão dos recur-sos naturais aliada à produção agrícola e a geração de renda.

Efeito Multiplicador - Novos Horizontes

A Associação Mico Leão Dourado e o Consórcio Intermunicipal Lagos São João adotaram a metodologia de funcionamento do FUNBOAS

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em projeto aprovado junto à Petrobrás Ambiental que destinará para aplicação R$ 100.000,00 nas microbacias de Cambucaes e Imbaú.

O Comitê deliberou a destinação de mais R$ 68.856,40 para o FUN-BOAS em 2009, que mediante aplicação dos critérios do FUNBOAS, em reunião da CTPEM, selecionou a Microbacia do Roncador/Mato Grosso no município de Saquarema para ser a próxima comunidade a ser trabalhada. A Microbacia do Roncador/Matogrosso é de extrema importância para a conservação dos recursos hídricos, pois apresenta um grande número de nascentes, além de já possuir uma organização da comunidade e outras instituições parceiras, como a EMATER e a Prefeitura Municipal, atuando nesse território.

O FUNBOAS é uma metodologia de trabalho que pode ser utilizada em outras áreas e regiões, sendo de fácil aplicação e entendimento pelos exe-cutores e por toda a comunidade. O FUNBOAS é uma ferramenta que auxilia no processo de gestão das águas aliado a construção do conheci-mento agroecológico, se apresentando como uma alternativa concreta e viável, que busca o compromisso e aproximação dos ocupantes dos ter-ritórios com as políticas e ações de conservação dos recursos naturais.

Principais entraves

Os recursos destinados ao FUNBOAS oriundos da cobrança pelo uso da água permitem que a quantia deliberada pelo Comitê todo ano ga-ranta minimamente a continuidade das ações do Fundo. Porém, sendo esta inicialmente a única fonte continua de recursos, a possibilidade de expansão deste processo para outras áreas se torna complexa, visto a grande extensão da Bacia e intensa demanda por atendimento a áreas prioritárias com projetos socioambientais.

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Outro fator importante é a questão dos recursos humanos, que em geral não estão preparados para trabalhar na ótica socioambiental e agroecológica, o que demanda sensibilização e capacitação dos atores envolvidos. Além disso, devido à limitada disponibilidade de recursos financeiros, a expansão da equipe de trabalho também tem sido um entrave à continuidade do Fundo.

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Tapinoã: a importância do conhecimento tradicional na conservação de sementes

crioulas

Vera Regina Câmara1

Tradição e história fazem de comunidade rural espaço de poder, crenças e diversidade

A história de Tapinoã retrata a origem de uma comunidade, cujos grupos familiares se caracterizam por uma forte herança com os escravos da fa-zenda Prodígio, localizada no segundo distrito do município de Ararua-ma, estado do Rio de Janeiro. Essas famílias possuem uma história que se confunde com a história de prosperidade das fazendas do século XIX.

Todavia, o desenvolvimento econômico, social e cultural desta região, tem sua origem nas antigas fazendas formadas em razão do processo de ocupação do litoral, e deve-se principalmente a mão de obra escrava, oriunda do tráfego de negros vindos de países africanos para esta região.

Os primeiros dados estatísticos2 concretos sobre suas freguesias rea-lizado em 1858 revelam que a população negra, escrava, era superior

1 - EMATER-Rio. Bióloga, extensionista lotada no Escritório Local de Araruama. Email: [email protected]

2 - Relatório Estatístico do Presidente Antonio Nicolau Tolentino, sobre a Freguesias de Araruama e São Vi-cente de Paulo, divulgado em 29 de Julho de 1858, citado no livro Araruama: Panorama de uma Cidade. 1992.

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a população de pessoas livres, caracterizando desta forma os escravos como a principal força de trabalho das fazendas, e que mais tarde irá se constituir em comunidades rurais, e ainda comunidades rurais re-manescentes de quilombos, conforme o reconhecimento previsto na Constituição de 1988.

As famílias residentes em Tapinoã são principalmente de origem negra, as quais com a decadência das antigas fazendas passam a compartilhar espaços geográficos nas proximidades e entorno destas, em busca da sobrevivência, da subsistência, configurando uma realidade de valores, tradições e de forte identidade.

A decadência da fazenda, o avanço da legislação trabalhista e o cha-mado “pagamento de renda” onde boa parte das famílias era obrigada pelo menos duas vezes na semana dar o dia de trabalho aos senhores proprietários, propiciou aos remanescentes que ocupassem uma faixa pequena de área das terras da fazenda e de seu entorno, onde muitos permanecem, ora como posseiros, ora como pequenos proprietários.

A formação desta comunidade aconteceu mediante uma realidade complexa, todavia, mesmo diante de um cenário desenvolvimentista, de modernização da agricultura, são evidentes e muito fortes as in-fluências da cultura africana camponesa junto às famílias. Todo um sistema de cooperação e solidariedade serve como base às experiências vivenciadas por estas famílias e reforçam a nossa crença com respeito à importância do conhecimento tradicional no processo de transição agroecológica. O conhecimento tradicional a qual nos referimos está pautado em processo cultural, que compreende hábitos e costumes re-passados por gerações e que evidenciam uma realidade de resistência, sobretudo diante das transformações impostas a esta região.

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Tradicionalmente, muitas das experiências adotadas no cotidiano das famílias que vivem em Tapinoã nos reportam a cultura camponesa e, sobretudo, servem como ponto partida à sustentabilidade.

Embora tenha havido mudanças significativas na produção nas últi-mas décadas, principalmente em face aos incentivos à introdução de culturas consideradas mais promissoras do ponto de vista econômico; de modo geral, as unidades familiares apresentam importante nível de diversidade3, explorando culturas tradicionais e mantendo importan-tes áreas verdes preservadas.

As experiências de Tapinoã constituem um universo ainda a ser des-vendado. No entanto observamos que as unidades familiares valorizam o sistema de subsistência e produção diversificada, onde predominam o cultivo de aipim, quiabo, maxixe, abóbora, milho, feijão, amendoim, urucum, laranja e frutíferas. Os mutirões, quase esquecidos pelas co-munidades em geral, são experimentados e faz parte da realidade das famílias, visando principalmente os tratos culturais, a fabricação de farinha e atividades sociais. A mandioca desempenha papel impor-tante na subsistência e produção local, onde existem pequenos enge-nhos destinados à produção de farinha, sola e o biju. As construções de “pau a pique”; os hábitos alimentares que incluem pequenos roedores, a criação de aves e a engorda de porcos, como fonte de proteínas; e, sobretudo a guarda e troca de sementes, plantas e mudas, fazem da co-munidade uma referência em suas experimentações para a agricultura familiar e camponesa desta região.

3 - Em entrevista a Regina da Conceição (Dona Reis), realizada em 18 de novembro de 2009, constatamos grande diversidade de plantas e cultivos: Pinha, Goiaba, Aipim, Guandu, Laranja, Banana, Coco, Cajá, Manga, Acerola, Fruta de Conde, Amora, Romã, Uva, Maracujá, Tomatinho Cereja, Quiabo, Maxixe, Millho, Batata-Do-ce, Feijão Preto, Feijão de Corda, Abacate, Jamelão, Seriguela, Fava, vick, poejo, hortelã, novalgina, Alevante, Erva-Doce, Capim-Limão, Cidreira, Erva-Macaé, Sete-Sangria e macela.

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A necessidade de aproximar o conhecimento técnico, institucional ao conhecimento tradicional, camponês; nasce em razão das potenciali-dades endógenas experimentadas por este grupo. A disseminação de tecnologias produtivistas não rompeu em definitivo o vínculo com as tradições. Sabemos das dificuldades em subsistir as pressões impostas por um modelo econômico capitalista, entretanto, as famílias de Tapi-noã permanecem como experimentadores de processos, que, sobretu-do valorizam a cultura rural.

A nossa opção de dar atenção as sementes crioulas mantidas pela co-munidade de Tapinoã é conseqüência de um momento crucial vivido por tantas comunidades espalhadas por este Brasil e América Latina, que lutam pela vida de suas sementes e pelo conhecimento tradicional.

A partir das sementes crioulas podemos fortalecer o diálogo com a co-munidade. As sementes são instrumentos que permitem nossa aproxi-mação com as culturas camponesa e afro descendente. O modo como reproduzem as sementes crioulas, que perpassa gerações, é também o modo como reproduzem as tradições e mantém viva a história rural. As sementes crioulas podem transformar uma realidade e constituí-rem-se em objeto de educação agroecológica.

Estratégias simples marcam a história das sementes crioulas em Tapinoã

Agricultores e agricultoras da comunidade de Tapinoã há mais de meio século utilizam sementes crioulas de milho na subsistência e produção familiar. O milho produzido na comunidade pelas famílias faz parte de suas tradições, herança de seus antepassados. Como relata o seu Ma-noel Martins de 74 anos e Dona Virginia Clemente Martins de 79 anos:

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“...desde que a gente nasceu planta esse mi-lho, essas sementes são do tempo dos velhos, nunca deixamos a planta acabar... aí nós vem zelando, zelando, eu me casei e fomos zelando, tem mais de 50 (cinqüenta) anos...”

O milho tem sua importância no planejamento da produção e na subsistência das famílias. É consumido principalmente verde, e quando seco serve principalmente às criações (aves e porcos), que são à base da dieta de proteína das famílias. Todavia, o milho tem influencia direta na segurança e autonomia alimentar da comunidade. Para a agricultora e mulher rural Dona Genoveva Menezes de Souza:

“O milho hiba não serve pra gente, o hiba é um milho fraco, não alimenta as galinhas e nem engorda os porcos, o milho hiba deixa os ovos com a gema branca, sem gosto... o hiba é um milho grande e sem nutrientes.” 4

Observamos que na avaliação dos agricultores e agricultoras, as se-mentes crioulas de milho amarelo e roxo, por diversos aspectos, como: plantio em sistema de consórcio com diversas culturas, resistência às pragas, não exigência de insumos químicos, armazenamento por longo período mesmo com a adoção de tecnologias simples, propriedades nutritivas que favorecem a alimentação5; são as sementes da preferên-cia das famílias. Para o seu Nelson Santos, de 80 anos, a semente do milho crioulo pertenceu aos pais:

“...desde que eu me entendi por gente, gente adulta, eu alcancei sem-pre meus pais, meus avos, sempre com a preferência nesse milho...”

4 - O termo “hiba” citado pela agricultora refere-se ao milho “híbrido”.

5 - Para as famílias o milho deixa a gema do ovo mais vermelha, tornando este mais saboroso.

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Outro aspecto relevante a ser considerado é que o conhecimento cam-ponês tradicional recebe influências de outras culturas. Portanto, o conhecimento tradicional interage com o conhecimento técnico, que muitas vezes oferecem planos e projetos de desenvolvimento baseados em tecnologias modernas, como por exemplo, a oferta de sementes hí-bridas de alta produtividade. Todavia, as sementes de milho crioulo vêm sendo mantidas por gerações e atraindo atenção, contrariando as expectativas dos planos e projetos de ATER.

Na perspectiva da sustentabilidade dos agroecossistemas é estratégico estimular as experiências que tratam do resgate, multiplicação e con-servação de sementes tradicionais. Todavia, a iniciativa das famílias de Tapinoã em preservar as sementes da tradição, bem como as práticas associadas ao manejo e conservação das sementes, caracteriza-se como patrimônio cultural da comunidade. Os mecanismos que predominam no processo de conservação, e que ao longo dos anos favoreceram a manutenção das sementes apresentam-se de modo simples, principal-mente quanto à forma de armazenamento, garantindo as safras seguin-tes. As sementes são estocadas em sacos de alvenaria sobre tábuas, na casa de farinha dentro de cestos, em garrafas plásticas, penduradas no teto da cozinha e demais alternativas.

Ocorrendo perda da semente, o sistema de troca entre as famílias é acionado, a simplicidade do processo está centrada em valores. A pos-sibilidade de perda da semente do milho não existe porque as famílias estabeleceram ao longo dos anos uma rede solidária que se caracteriza por sentimentos de confiança, amizade, companheirismo, vizinhança, compadrio, em fim essas relações dão sustentabilidade ao processo de troca e desafiam o conhecimento técnico. A experiência da agriculto-ra Aluirdes dos Santos Teixeira conhecida por Indeco, reforça nossas observações:

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“Já tive dificuldades e fiquei com somente três espigas e tenho dado sementes para muita gente, de graça... Quando acontece da gente perder a gente recorre aos outros e começa tudo de novo.”

As sementes também podem ser adquiridas na feira. Algumas famílias quando conseguem um estoque representativo de sementes do milho, levam o produto para ser negociado. As sementes de milho, principal-mente do roxo são um atrativo para alguns visitantes e acabam muito valorizadas economicamente, ajudando na renda das famílias.

A experiência de Tapinoã demonstra que a produção de milho e as reservas de sementes variam muito de ano para ano. Dependem so-bremaneira das condições climáticas. As ausências de chuvas por pe-ríodos prolongados afetam diretamente os sistemas de subsistência e produção, que quase por unanimidade necessitam das chuvas para o seu desenvolvimento e reprodução. Conforme relatam os agriculto-res e agricultoras, ocorrendo clima favorável são realizados pequenos plantios durante praticamente todo o ano, de modo que seja mantida a produção para a subsistência.

“Normalmente plantamos de março a outubro, se o tempo correr bom. Janeiro e Fevereiro são meses muito quentes. Vamos começar a plantar agora em março, se houver ajuda da Secretaria de Agri-cultura no preparo das áreas. Em 2008 plantamos em novembro, foi um mês bom, com muita chuva.” 6

A dinâmica do clima é que vai orientar a produção para os próximos anos. As técnicas de plantio adotadas pelos agricultores e agriculto-ras são, no geral, resultados do aprendizado na vida camponesa, fazem

6 - João Félix Marinho dos Santos e Genoveva Menezes de Souza possuem um dos bancos familiares mais representativos, no entanto necessitam do apoio no preparo das áreas para o plantio e dependem das con-dições climáticas.

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parte dos saberes e experiências acumuladas pelos familiares, vizinhos e comunidade.

O conhecimento construído, apropriado no decorrer do processo his-tórico pelas famílias e comunidade, evidencia o tanto quanto necessita-mos fomentar uma ciência que possa considerar estas práticas e valorar os conhecimentos da cultura camponesa. O modo como as sementes são preservadas, com reverência a simplicidade do manejo de pequenos bancos familiares, elucida as faces da resistência das famílias no enfren-tamento dos limites e riscos, impostos à cultura rural tradicional.

Uma comunidade em processo de empoderamento e visibilidade

A socialização de uma experiência pode trazer ensinamentos muito promissores a uma comunidade e servir a seu empoderamento e visi-bilidade. A estratégia de fomentar os intercâmbios entre experiências, promovendo o diálogo de saberes entre as comunidades rurais de dife-rentes regiões e municípios, constitui-se um marco da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ).

A participação da comunidade de Tapinoã nos encontros, reuniões, cur-sos de formação e intercâmbios regionalizados, foram de fundamental importância para a visibilidade da comunidade e percepção do sentido de autonomia que se quer conquistar para a agricultura familiar.

A partir da interação e diálogo com outras famílias experimentadoras e comunidades rurais portadoras de potencial agroecológico, demos um passo importante em relação a romper o isolamento e desencadeamos um processo de visibilidade.

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Destaque à fala do presidente da Associação dos Agricultores e Agri-cultoras de Tapinoã7:

“Esse milho para a comunidade é uma potencialidade grande, tanto de renda, como para divulgação da comunidade também. Porque a nossa comunidade como já observou a maioria é o pessoal descen-dente de escravo que trabalhava na fazenda prodígio. Um pessoal que não tinha muitos recursos para derrubar a mata, pra cortar, pra meter máquina de esteira como fazem os fazendeiros. Então a comunidade ficou mais ou menos preservada, com muita área de mata e tal. Então essa situação da agroecologia que a gente já come-çou a se inserir... Eu acho que o milho é de grande importância até porque a gente começou a divulgar o milho e houve muito interesse das pessoas em conhecer o milho e pegar um pouquinho da semente para plantar e pra ver como é que é. Então eu acho que esse milho vai ajudar na divulgação da comunidade, na forma de trabalho que a comunidade vem fazendo que vive; frente essas situações de milho híbrido, de laboratório, e transgenia. Eu acho que no futuro, talvez eu não alcance, sei lá, pode vir uma coisa boa.”

Certamente a situação das sementes crioulas vem provocando reflexões e avaliações quanto ao modo de vida e as estratégias de reprodução da subsistência e da produção rural. Todavia o processo de visibilidade pautado no desenvolvimento sustentável requer consciência política e impõe desafios. A visibilidade é sem dúvida uma oportunidade de re-fletir sobre as nossas atitudes e comportamento.

A comunidade de Tapinoã recebeu em 2009 diversos agricultores para um intercâmbio de sementes, que reuniu experimentadores

7 - Roberto dos Santos Figueiredo é o Presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Tapinoã, que existe desde 1998.

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das regiões das baixadas litorâneas, centro e sul do estado do RJ, favorecendo ainda mais a construção deste aprendizado, despertando o interesse da comunidade em promover a valo-rização do saber local.

O conhecimento de origem tradicional, quan-do compartilhado, fortalece o protagonismo das comunidades rurais e gera uma sinergia de poder.

Conquistamos oportunidades importantes no processo de formação política da juventude rural. A participação de jovens da comunidade de Tapinoã no Projeto Campo e Campus8 abrem novas perspectivas para o comprometimento da geração com os desafios impostos ao fu-turo da agricultura familiar.

Para os jovens que participam do processo de aprendizagem do pro-jeto, as informações ajudam a fortalecer as atividades rurais e princi-palmente servem como apoio as pessoas que moram na comunidade, valorizando suas experiências, fazendo com que a auto-estima das pes-soas seja elevada, e evitando a desorganização social da comunidade.

“A gente aqui do campo teve que passar a nossa experiência lá pro pessoal da cidade9. Lá eles têm assim pouca experiência do que a gente passa, do que a gente vive, do que a gente produz. Lá quase o pessoal não tem espaço. A gente aprendeu um pouco com eles e eles aprenderam um pouco com a gente.” 10

8 - Projeto executado pela UFRRJ, dentro do Programa de Intervivência Universitária, com enfoque na agroe-cologia, em apoio a Juventude Rural.

9 - Referem-se ao período de intervivência que aconteceu respectivamente em julho e janeiro de 2009. Para maiores detalhes ver a experiência Campo – Campus, integrante dessa publicação.

10 - Geovani da Conceição Fernandes, fazendo referência a sua experiência no projeto Campo - Campus.

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Percebemos que as experiências não podem subsistir isoladas, acaba-riam enfraquecidas, sem visibilidade e sem o empoderamento neces-sário as suas estratégias de resistência. A troca de saberes torna a expe-riência mais forte e possibilita o entusiasmo entre os mais jovens.

A comunidade, com suas experiências, demonstram ter potencial para uma agricultura de base sustentável, necessitando que sua realidade seja problematizada, seus conhecimentos valorizados, e que sejam fei-tos investimentos na educação de jovens e adultos, principalmente no que diz respeito à formação em agroecologia.

Referências bibliográficas

Almeida, P. & Cordeiro,A. Semente da Paixão, Estratégia Comunitária de Conservação de Variedades Locais no Semi-Árido. AS-PTA. Esperan-ça – Paraíba. 2002.

Araruama: Panorama de Uma Cidade. Pesquisadora Maria de Fátima Moraes Rodrigues. Prefeitura Municipal de Araruama – Secretaria Mu-nicipal de Cultura. Araruama. Editora Damadá. 1992.

Caporal, F. R.; Costabeber, J. A. Agroecologia: alguns conceitos e prin-cípios. 24p. Brasília. MDA/SAF/DATER-IICA, 2007.

Chaves-Tafur, J. Aprender com a Prática: uma metodologia para siste-matização de experiências. ASPTA/ILEIA. Brasil, 2007.

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia. Sementes da bio-diversidade. Leisa Brasil. Outubro 2007. Vol. 4 número 3.

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Experiência Agroecológica da Articulação de Agroecologia Serramar

Claudemar Mattos1, Jaime Lima Franch2, Maria Inês da Silva Bento3, Thiago Michellini Barbosa4

Ações de Acompanhamento Técnico, Articulação e Trocas de Experiências voltadas para Práticas Agroecológicas

A Articulação de Agroecologia Serra Mar (AASM) surgiu de iniciati-vas agroecológicas em propriedades rurais próximas aos remanescen-tes de Mata Atlântica, numa realidade sócio-econômica de agricultores familiares e assentados rurais. Em conjunto foram realizados plantios de sistemas agroflorestais em áreas de gestão pública, com intercâmbio de experiências e a posterior adequação das técnicas pelos agriculto-res familiares, como condições que favoreceram o desenvolvimento de práticas agroecológicas e de adequação da produção em unidades familiares agrícolas. As experiências que surgiram com a atuação da AASM foram sistematizadas em forma de entrevistas, fotos, seminá-rios e mapas falados, ferramentas essas utilizadas na compreensão da visão do agricultor sobre sua propriedade e a atuação técnica no pla-nejamento das práticas. A divulgação da Articulação como uma expe-

1 - Extensionista Agroecológico

2 - Extensionista Agroecológico

3 - Extensionista Ambiental

4 - Extensionista Agroecológico

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riência agroecológica gerou um exercício de reflexão sobre a evolução dos movimentos envolvidos que compõe essa unidade, como estão evoluindo as práticas realizadas tanto no campo com os agricultores e suas unidades de plantio, na construção coletiva do conhecimento agroecológico regional, como na atuação do corpo técnico e as novas demandas que estão surgindo.

A AASM se formou com o intuito de reunir os diferentes atores com atuação no desenvolvimento rural da região, com ênfase na construção de uma proposição coletiva de uma agricultura de base ecológica. De um modo geral, esses diferentes atores identificam que a falta de polí-ticas públicas adequadas à agricultura familiar de base ecológica cons-titui-se num dos maiores obstáculos a consolidação das propriedades rurais, sejam elas originários pela tradicional colonização da região ou pelas ocupações e assentamentos de reforma agrária.

A prática agroecológica da Articulação de Agroecologia SerraMar (AASM) se desenvolve com comunidades rurais das Baixadas Litorâ-neas do Rio de Janeiro, pertencentes à Bacia Hidrográfica dos Rios São João e Macaé - nos municípios de Silva Jardim, Casimiro de Abreu e Araruama. Desde 2004, cerca de 20 famílias de agricultores familiares assentados rurais do Visconde, Sebastião Lan, Aldeia Velha e Cambu-caes; cerca de 10 técnicos e agentes de desenvolvimento locais e mais recentemente, 10 famílias de agricultores familiares de Tapinoã se reú-nem em torno das práticas agroecológicas.

A agricultura praticada nesta região se caracteriza como de subsistên-cia, valendo-se da força de trabalho familiar, sendo a banana, o feijão, o milho, o inhame e o aipim as principais culturas, embora a maioria dos agricultores possua também pequenas criações de animais, princi-palmente gado. Devido às condições de relevo acidentado, e a grande

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quantidade de áreas de preservação permanente, a agricultura nesta região causa fortes impactos ambientais, que refletem diretamente no potencial produtivo dos solos e consequentemente na produtividade das lavouras, além de gerar alguns problemas com a legislação ambien-tal, levando os agricultores desta região à insatisfação e ao desestímulo, influenciando a saída dos agricultores para as áreas periféricas das ci-dades próximas.

Entre outros problemas, ressalta-se:

• O difusionismo tecnológico unidirecional e com o sentido ver-tical, que vê o agricultor como depositário passivo dos conheci-mentos gerados pelas instituições de pesquisa;

• A venda da propriedade rural;

• A expansão territorial da especulação imobiliária e do uso de agrotóxicos;

• Os conflitos ambientais: áreas protegidas por lei x agricultura familiar;

• A ausência de execução de políticas públicas voltadas ao de-senvolvimento rural sustentável e à agroecologia.

Buscando atenuar tais problemas, uma parceira envolvendo técnicos da Secretaria de Agricultura e Pesca de Casimiro de Abreu (SMAP), da Agrojardim e da Associação Mico Leão Dourado (AMLD), veri-ficaram junto aos assentados de Aldeia Velha e da Fazenda Viscon-de, assim como junto aos agricultores familiares da região serrana de Casimiro de Abreu, uma forte demanda por alternativas de produção agrícola, mais viável e adequada às condições sociais e ambientais da

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região. Tais entidades trabalham na orientação de técnicas e princípios agroecológicos/agroflorestais junto a alguns destes produtores, reali-zando atividades que estimulam a capacitação e a troca de experiências entre os mesmos, visando a implantação de sistemas agroflorestais em suas propriedades, assim como o incremento de renda e da qualidade de vida destes agricultores.

As ações destas entidades que antes eram isoladas buscaram uma inte-gração a partir da realização de eventos para a apreensão de conheci-mentos agroflorestais. Visitas de intercâmbio junto com agricultores do Vale do Ribeira/SP e capacitação com facilitadores externos e internos formaram a base para a implantação de agroflorestas nas propriedades dos agricultores. Atualmente, na existem cerca de quinze famílias de

agricultores familiares, sendo pelo menos sete mulheres, cultivando em sistemas agroflorestais, baseados nos fundamentos sucessionais.

Além dos resultados técnicos conseguidos como o aumento da produção e da agrobiodi-versidade, a prática agroflorestal na região ser-viu para reflexão dos aspectos negativos de im-posição da aplicação do crédito agrícola oficial (PRONAF), ressurgimento de olhos d´água, valorização do conhecimento e da importância

das sementes crioulas e conexão de fragmentos florestais. Os agricul-tores praticantes dos princípios agroecológicos tem tentado e experi-mentado novas formas de se organizar para melhor comercializar os produtos advindos destas lavouras.  Os principais meios de comercia-lização dos produtos agroecológicos são as feiras locais em Casimiro de Abreu e em Silva Jardim , além das vendas no sistema de porta em porta, sempre atendendo uma clientela fiel.

Agrofloresta típica manejada na região com acompanhamento e diálogo entre o Técnico e o

Agricultor.

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As linhas de ação da AASM são a implantação de sistemas agro-florestais, o apoio às feiras locais e ao artesanato, e a promoção da construção coletiva e participativa do conhecimento agroecológico no estado do Rio de Janeiro. Para tanto a AASM procura:

• Desenvolver ferramentas metodológicas participativas vol-tadas à identificação, mapeamento e sistematização e inter-câmbios de experiências em agroecologia, desenvolvidas por agricultores familiares;

• Articular os conhecimentos necessários à promoção de pro-cessos sustentáveis de desenvolvimento local e territorial, por meio do diálogo entre os saberes construídos pelos agriculto-res e extensionistas, na execução de ações de transição para a agroecologia;

• Estimular os processos sociais de inovação tecnológica fo-mentando e difundindo processos de experimentação desen-volvidos pelos próprios agricultores familiares.

Além dos produtos gerados nas lavouras agroecológicas, outros produtos tem sido comercializados pelos agricultores, como o ar-tesanato em fibra de bananeira e sementes florestais e derivados do leite. A adoção desse sistema em suas propriedades vem também contribuindo para a recuperação dos recursos hídricos e da pai-sagem característica da região, sendo estes os grandes potenciais turísticos para o desenvolvimento econômico sustentável da nossa região.  Estas práticas agroecológicas são constantemente visitadas por outros agricultores e técnicos de regiões próximas, estudantes universitários e de escolas públicas.

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São exemplos de atividades desenvolvidas nos últimos anos com os agricultores familiares das referidas comunidades: realização de vários diagnósticos participativos, utilizando principalmente uma metodolo-gia de diagnóstico e desenho, com a confecção de mapas da unidade produtiva e a identificação de características ambientais; realização de cursos de capacitação; viagens de intercâmbio; estímulo à realização de mutirões agroflorestais, valorização do artesanato e do mercado local, reuniões de planejamento e o encontro de agroecologia local.

Uma atividade realizada pela AASM é a elaboração do “mapa falado” junto com as famílias dos agricultores. Com esta metodologia, a Equi-pe Técnica e o agricultor expressam em uma folha de papel pardo a rea-lidade atual da propriedade, e como aquela família deseja que as mo-dificações tornem a sua propriedade com mais práticas agroecológicas, demonstrando na folha de papel os seus sonhos de implementação de obras, plantio de lavouras ou até mesmo de ações conservacionistas ambientais. Esta ferramenta além de favorecer a compreensão da visão do agricultor sobre sua propriedade e a atuação técnica no planejamen-to das práticas, o sucesso desta metodologia resultou numa ação de compensação por serviços ambientais aos agricultores com boas prá-ticas agrícolas, por meio de recursos do pagamento pelo uso da água executado pelo Consórcio da Bacia do Rio São João.

Na caminhada da parceria aconteceu, desde o ano de 2005, o envolvi-mento dos técnicos e agricultores da região com o movimento agroe-cológico estadual composto por outras regiões também com as suas práticas agroecológicas características.  Este envolvimento resultou na constituição e identidade da Articulação de Agroecologia SerraMar (AASM), tendo o projeto “Desenvolvimento participativo de metodo-logias e processos de construção do conhecimento agroecológico no Estado do Rio de Janeiro”, coordenado pela Universidade Federal Flu-

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minense e pela Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro, como um instrumento condutor das suas ações.

A AASM também participa de outro proje-to, desta vez articulado com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e outros par-ceiros, (Campo e Campus – Jovens rurais/quilombolas protagonizando o fortalecimento da agricultura familiar e a construção do co-nhecimento agroecológico no estado do Rio de Janeiro) objetivando estimular os jovens rurais a procurarem caminhos de formação de qua-lidade, favorecendo a sua ação como protago-nista do fortalecimento da agricultura familiar em bases agroecológicas e promovendo a per-manência juvenil no campo.

Assim, espera-se que as dificuldades e pro-blemas do difusionismo das técnicas agríco-las possam ser superados já que a construção coletiva do conhecimento agroecológico por meio da valorização e estímulo às trocas de ex-periências envolvendo técnicos e agricultores são as principais ferramentas metodológicas utilizadas. Contudo, a carência de recursos financeiros e humanos e as complicações sócio-ambientais da região, são alguns dos entraves ao processo de multiplicação agroflorestal, dificultando que mais produ-tores adotem tal sistema de cultivo.

Diferentes etapas de elaboração do Mapa Falado – importante

metodologia de acompanhamento técnico praticado com os

agricultores da região.

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O processo de criação de uma casa de sementes livres - Escola da Mata Atlântica1:

da semente ao fruto

Carlos Henrique Nicolau da Silva, Tadzia Maya, Tainá Mie

Através da vivência com comunidades rurais e tradicionais, a Escola da Mata Atlântica (EMA) atua para a conservação e ampliação da diversidade natural e cultural dos ambientes, com um trabalho educacional popular e público. Procuramos estabelecer uma união em rede entre moradores do campo e da cidade, na pesquisa e a democratização de soluções lúdicas e transformadoras para o ensi-no-aprendizagem; o plantio e o consumo.

Com a proposta do diálogo de saberes, incen-tivamos tanto o conhecimento produzido em universidades, centros de pesquisa, quanto o Patrimônio Histórico e Natural das próprias comunidades tradicionais, entendendo a cul-tura como um bem comum livre de patentes.

1 - EMA – Educação Popular em Plantas Medicinais, Agroecologia e Cultura Livre. Estrada do Macharet, s/n. Aldeia Velha – Silva Jardim – RJ. CEP 28835-000. Carlos, Tadzia e Tainá são Coordenadores do Projeto. Site: escoladamataatlantica.org.br - Email: [email protected]

Aldeia Velha, no município de Silva Jardim-RJ é um desses lugares

mágicos que desperta a vontade de interação entre pessoas,

culturas e natureza.

Os Projetos/ a realidade “Escola da Mata Atlântica”; “a Casa de Sementes Livres”, “a interação

cultural” são expressões da agroecologia em terras

fluminenses.

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Por isso, valorizamos as escolas, os mais velhos, a história oral, as se-mentes nativas e caipiras, do mesmo modo que os softwares livres, o cinema e as bibliotecas.

Nosso trabalho teve início no ano de 2006, em Aldeia Velha, distrito de Silva Jardim (RJ), trabalhando com a pedagogia do diálogo de sa-beres, realizando cursos e vivências com as temáticas de agroecologia e plantas medicinais, sob a perspectiva da educação pública e do co-nhecimento livre, mantendo-nos atentos ao debate e às necessidades da educação rural.

A Escola da Mata Atlântica norteia-se pelos princípios educacionais de Paulo Freire e de outras pedagogias alternativas (Morin, Waldorf, Frei-net, Rubem Alves etc.) e tem como uma de suas diretrizes a integração da Casa de Sementes Livres com as atividades regulares da Escola Mu-nicipalizada Vila Silva Jardim, de Aldeia Velha, propondo que o espaço educativo não se restrinja apenas à escola, apesar dela ser um dos focos de nosso trabalho.

Dessa forma, realizamos diversas atividades de educação ecológica em diferentes locais: desde o coreto da praça, até os jardins da Escola Municipal.

Nossas principais missões são:

• A inserção de temas agroecológicos, sobretudo a dinâmica de funcionamento da Casa de Sementes Livres, no currículo formal da Escola Municipalizada Vila Silva Jardim (EMVSJ), respeitan-do os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) com vistas a tornar a educação ambiental um tema verdadeiramente trans-versal no cotidiano escolar;

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• Transformação dos espaços da comunidade em quintais agroe-cológicos de produção e transmissão de conhecimento, priori-zando a mesma Escola Municipal, com a construção de compos-teiras, hortas e viveiros;

• Valorização da alimentação viva, merenda diversificada e com-prada localmente,

• Defesa da tecnologia livre (softwares e ferramentas), educação artística e lúdica e valorização da rede de transmissão oral, atra-vés de mestres e griôs2 comunitários.

Nossos principais eixos de atuação são:

• Plantas medicinais como cultura e saúde alternativa;

• Agroecologia como movimento social para fim do agronegó-cio e soberania alimentar dos povos;

• Agricultura familiar para geração de renda no campo;

• Sementes caipiras (crioulas) como patrimônio dos povos;

• Cultura livre contra a propriedade intelectual;

• Êxodo urbano na construção de micros e médias cidades cul-turais.

2 - Griô é uma palavra francesa incorporada em diversos países africanos e que denomina pessoas que são contadores de estórias, genealogistas, mediadores políticos, comunicadores, cantadores e poetas populares.

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Histórico do grupo

Visitando e morando em Aldeia Velha, estudantes de diferentes áreas se depararam com uma rica cultura rural: “Vocês podiam nos ensinar isso tudo!” Pedíamos. Mas a cultura digital e o acesso aos livros, pessoas e técnicas também encantavam os moradores da vila: “Nos ensinem e nos coloquem em contato com esse mundo!” eles também pediam. As-sim surgiu a idéia de se construir uma escola, onde todos pudessem aprender e ensinar mutuamente.

A EMA nasce como coletivo formado por jovens universitários e mo-radores locais e tem em sua gênese a consciência do dever de retor-no social aos investimentos públicos em educação técnica e superior, através de projetos de extensão, integrando à população local, cien-tistas, universitários, estudiosos sobre tecnologias sustentáveis, bus-cando no coletivo aos frutos da fusão dos conhecimentos tradicionais e contemporâneos.

O elo entre as gerações, pouco presente na nossa sociedade atual, foi um acentuador da re-valorização do conhecimento tradicional; o pa-pel da juventude consciente é rever os valores na construção de uma nova relação entre grupos sociais e faixas etárias. Assim, no embate com os atores sociais locais foi constatada a demanda por atividades culturais e através delas se buscou a relação com os temas: soberania alimentar, agroecologia e redes de produtores.

Em novembro de 2006, com apoio da Pró-Reitoria de Extensão da Uni-versidade Federal Fluminense, a Escola da Mata Atlântica mapeou os produtores rurais de Aldeia Velha e produziu um documentário so-bre o vilarejo, chamado “Aldeia Velha e suas raízes”. No evento, “Aldeia Cultural: I Mostra de Conhecimento Tradicional de Aldeia Velha”, rea-

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lizado no dia 9 de dezembro daquele ano, a Rede de Produtores Rurais foi inaugurada com oficinas, exposições históricas e de produtos, além da estréia do documentário.

A casa de sementes livres

Em 2007, a EMA e a Interface Pública (IP), projeto de difusão de ferra-mentas livres de comunicação na área urbana do Rio de Janeiro, firmaram parceria com o Banco de Sementes Livres do Rio Grande do Sul, a fim de construir uma Casa das Sementes Livres, também em Aldeia Velha.

O termo de parceria foi firmado entre a ONG Verde Cidadania, parcei-ra das comunidades tradicionais do estado e a Associação do Software Livre (ASL), do Rio Grande do Sul, que já havia destinado parte da sua renda para a distribuição de sementes crioulas aos índios Guara-ni Kaiowa do Mato Grosso do Sul e disponibilizou para a EMA 5 mil reais, também para a compra e distribuição de sementes.

No entanto, durante a assinatura da parceria o coletivo decidiu que o mais eficaz não era somente comprar e distribuir sementes como ação pontual, mas arranjar uma maneira de multiplicar o processo, tornan-do-o permanente. Assim se chegou à proposta da construção de um banco de sementes.

A principal razão da criação da CSL surge justamente da consciência da extinção acelerada da agrobiodiversidade em todo o planeta, em conjunto com a necessidade de valorizar a cultura rural, uma vez que o patrimônio das sementes inclui receitas de pratos típicos, se relaciona com festas de plantio e colheita e com diversos outros aspectos artísti-cos e lúdicos das comunidades.

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Por fim, também se objetivou gerar renda no campo com práticas sustentáveis relacionadas à CSL, como viveiros de mudas nativas, hortas agroecológicas e, para o futuro, venda de sementes em proces-so semelhante ao vivenciado pela Bionatur, cooperativa de sementes agroecológicas do Rio Grande do Sul.

A CSL foi construída para ser um espaço de pesquisa, armazenagem e difusão de sementes tradicionais – as sementes crioulas, caipiras, cai-çaras e todas aquelas guardadas e utilizadas por campesinos há mi-lhares de anos. Ao mesmo tempo esse espaço também serviria para difusão de softwares livres, códigos de computadores que podem ser estudados, aperfeiçoados, copiados e distribuídos livremente, poden-do inclusive ser vendidos, pois o livre não se refere a gratuito, mas sim à liberdade de transmitir o conhecimento.

E o que une esses dois mundos aparentemente tão diversos? A sal-vaguarda de nossos bens comuns, patrimônio imaterial dos povos e culturas do mundo que sempre foi trocado e aperfeiçoado para sus-tento e proveito de comunidades inteiras e que agora se vê ameaçado por multinacionais com a multiplicação de patentes. Partindo deste conceito, o acesso às sementes livres associa-se à disseminação do próprio conhecimento livre. Nesse sentido, a re-apropriação desses bens comuns funciona como semente de uma nova visão de mundo da população.

Para iniciar o projeto, o grupo gestor realizou uma pesquisa na Uni-versidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), visitando os departamentos de Agronomia e conversando com os professores. A tarefa da construção do banco foi tida como complicada e difícil de realizar. No entanto, na Fazendinha Agroecológica da Embrapa o pesquisador Raul de Lucena encorajou a EMA a realizar a empreitada

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dando dicas de armazenamento e oferecendo uma pasta para o proje-to dentro do banco de germoplasma da instituição.

A construção da sede do projeto foi um período de grande aprendi-zado para o coletivo da EMA – considerando que todos eram muito jovens - pois incluiu desde a liberação de uma parte do terreno da escola local junto à Secretaria de Educação municipal até a constru-ção efetiva da casa, acompanhando a obra desde sua fundação até a instalação do telecentro.

Neste processo, os integrantes da EMA protagonizaram o mutirão de embarreamento das paredes da casa, que foram feitas com a técnica do pau a pique – já quase esquecida e muito desacreditada na co-munidade – que foi indicada em muitas pesquisas como construção ideal para conservar sementes, pois não varia a temperatura.

Concluída a construção, a primeira ação para o início das atividades da CSL foi um curso de esclarecimento e troca de experiências. Os atores sociais convidados colaboraram com conhecimentos e mate-riais para o inicio dos trabalhos. Um dos problemas encontrados foi o afastamento da população local das práticas agrícolas e consequen-temente a dificuldade em encontrar guardiões e guardiãs para as se-mentes crioulas.

Por isso a pesquisa estendeu-se para a Serra do Macharet – região cir-cunvizinha – onde muitos agricultores foram visitados e onde tam-bém encontramos guardiões do já raro milho branco.

Nesse período de pesquisa apreendemos que a importância funda-mental da formação de bancos de sementes se dá não só pela real ameaça de extinção das sementes crioulas/caboclas, substituídas pe-

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las transgênicas, mas fundamentalmente porque a posse de sementes de qualidade é a garantia de um processo satisfatório/ autônomo de produção de mudas, plantio e colheita.

No segundo semestre de 2008 a Casa de Sementes funcionou como La-boratório Digital em Software Livre. A Secretaria de Promoção Social financiou o salário de um instrutor durante 3 meses que ensinava in-formática básica para os moradores, com atenção especial à turma do EJA – Educação de Jovens e Adultos. Três vezes por semana a casa era aberta para a população local interagir com o mundo digital livre.

A EMA iniciou o ano de 2009 com a apresentação de uma proposta pedagógica do funcionamento Casa das Sementes às professoras da EMVSJ. As professoras concordaram com a importância do tema e pediram mais subsídios teóricos e práticos para possibilitar o in-teragir com as suas atividades. Desse modo, desenhamos um curso de formação, denominado “Da Semente ao Fruto” para educadores, estudantes, agricultores e a comunidade rural do entorno, e o apre-sentamos às Secretarias municipais de Meio Ambiente e de Educação de Silva Jardim.

O curso ofereceu debates, palestras, filmes e material didático dife-renciado, além de atividades, para possibilitar, sobretudo, aos edu-cadores ferramentas para a gestão da Casa de Sementes Livres. As-sim, os educadores poderiam posteriormente inserir e adaptar essas atividades no cotidiano escolar, ajudados pela reflexão pedagógica pautada na referência de Paulo Freire e da Escola da Ponte/ Portugal, referência esta estabelecida pela visita de seu fundador – José Pache-co, que esteve na EMA ao final de 2007.

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Os frutos

Como material de difusão do conhecimento gerado durante o curso, foi proposta a criação da Cartilha Ecopedagógica, construída pelas profes-soras da EMVSJ, em parceria com a EMA, apoiada pela Secretaria de Educação do município. A cartilha será distribuída entre as outras esco-las rurais da região, e também poderá servir como material de referência para outros projetos de agroecologia e de educação ambiental.

Nas avaliações das professoras sobre o Curso de Formação “Da Semen-te ao Fruto”, pudemos observar a importância de trazermos ao corpo docente da escola novos dados, informações, experiências, e sobretudo técnicos e atuantes destas experiências bem sucedidas, como forma de incentivo e disseminação de outras realidades semelhantes à encontrada na comunidade.

Na reunião de avaliação, foi de extrema importância para nosso trabalho ouvir das professoras elogios e críticas bem fundamentadas, comentários sobre a “exclusividade” do curso, o respeito às professoras, a “oportuni-dade de igualdade” que foi vivenciada, e sobre como se sentiram valori-zadas; tudo isso retorna para nós como resposta positiva ao trabalho e incentivo à sua continuidade.

Outros resultados do curso foram: a implantação de um Sistema Agroflo-restal (SAF) na Escola local, que serve de referência para toda a comuni-dade; além da própria implementação de técnicas de armazenamento e de preservação das sementes nativas locais e de sementes caboclas regionais.

Pontos Fortes e Fracos identificados no processo de avaliação da “Cons-trução da Casa de Sementes Livres”.

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PONTOS FORTES PONTOS FRACOS

• Inserção nas dinâmicas locais: com inclusão da temática das sementes na Agenda da rede municipal de educação;

• Participação e conquista do Edital Es-cola Viva do Ministério da Cultura, reco-nhecendo o trabalho;

• Vivência de Coleta de Sementes na mata com o agricultor agroecológico Milton Machado;

• Dinâmica de trabalho em rede, com diálogo de saberes e inserção em redes de envolvimento sustentável: “pontos de cultura” “movimento de comunida-des alternativas”, “software livre” e agri-cultura familiar.

• Evolução e consolidação do processo e da confiança da comunidade no grupo.

• Falta de estrutura para continuidade das ações pontuais,

• Falta de apoio financeiro e ao mesmo tempo de capacitação técnica para a formulação de alternativas de geração de renda;

• Dificuldade com a desilusão política da comunidade, com movimentos de organização social;

• Falta de apoio e de interesse das redes de meio ambiente e de agroecologia na implantação do projeto.

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A escolinha de agroecologia: reconstruindo conhecimentos de forma participativa

Juvenal José da Rocha1, Alcimaro Honório Martins2

A Escolinha de Agroecologia é uma experiência desenvolvida pela Co-missão Pastoral da Terra com o apoio de organizações na Região Norte Fluminense do estado do Rio de Janeiro. O público alvo desta expe-riência são os camponeses e as camponesas da agricultura familiar.

A articulação e a mobilização acontecem através de visitas, contatos e intercâmbio com experiências de outras regiões do estado e também de outros estados, através da realização de parcerias com entidades, movimentos e organizações da sociedade civil que atuam e apóiam a agricultura familiar.

Um dos principais objetivos é fortalecer a reforma agrária e os peque-nos agricultores tradicionais da Região Norte Fluminense; para isso, buscou-se ampliar e fortalecer as relações entre agricultores/consu-midores e técnicos, que partilham a intenção de contribuir para a tro-ca de experiências sobre conhecimentos alternativos agroecológicos, para o enfrentamento ao agronegócio, apoiado no latifúndio e nos monopólios agroindustriais e financeiros nesta Região.

1 - Sociólogo. Agente da Comissão Pastoral da Terra. Email: [email protected]

2 - Graduado em filosofia pela PUC Minas. Agricultor Familiar no Projeto de Assentamento Zumbi dos Palma-res e colaborador da CPT núcleo Campos RJ. Email: [email protected]

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Uma proposta alternativa ao modelo monocultor

A revolução industrial européia iniciada na Inglaterra no século XVI cuja expansão pelo mundo e amadurecimento se dá, sobretudo, a partir do século XIX, desencadeou um processo de abandono lento e progressivo de práticas agrícolas de caráter complexo, que envolviam rotações de cultura, controle biológico de pragas e a integração agricul-tura/pecuária (Terra, 2008). No Brasil, este projeto de revolução teve início a partir da era Vargas, na década de 1930. Contudo, é a partir da década de 70, período da ditadura militar, que o estado brasileiro adere à concepção de progresso industrial voltado também para a área rural causando conseqüências, tais como: a mecanização e o aumento da monocultura, o uso em larga escala do agrotóxico e o êxodo rural.

Na Região Norte Fluminense, que é historicamente governada pelo coronelismo com forte influência do monocultivo da cana-de-açúcar, a expressão do modelo de desenvolvimento pelo latifúndio, evidencia os seus danosos efeitos, no âmbito social, ambiental, político, econô-mico e cultural.

É nesse contexto de descontentamento com a prática dos usineiros e sob a motivação dos movimentos sociais de luta pela reforma agrária, que alguns camponeses/as da Região Norte Fluminense vêm buscan-do romper com a tradição herdada das usinas, ao que se propõem a fortalecer a prática da agricultura familiar que tem como característi-cas: a relação de cuidados com a terra, o fortalecimento dos vínculos sociais, culturais, econômicos e políticos.

No intuito de articular pessoas e organizações que já desenvolviam de alguma forma experiências agroecológicas, buscou-se criar um espaço onde houvesse a possibilidade de reflexão/ação sobre um mo-

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delo de desenvolvimento para a agricultura familiar pautado prin-cipalmente na diversidade, na participação coletiva, no respeito às diferenças e aos “saberes populares”. Dessa busca nasce a Escolinha de Agroecologia: pois o pequeno produtor, conforme apontam os úl-timos Censos Agropecuários do IBGE, mesmo com o “vento contrá-rio”, mostra-se resistente. (Terra, 2008).

A carta política do segundo Encontro Nacional de Agroecologia - II ENA também confirma a resistência da agricultura familiar. Registrou-se que o encontro realizado em Recife entre os dias 02 e 06 de junho de 2006, contou com a presença de 1.730 trabalhadores e trabalhadoras do campo de todos os estados brasileiros, com participação majoritária de trabalhadores e trabalhadoras rurais que apresentaram diversas expe-riências ligadas a diferentes temáticas tais como: técnicas de produção agroecológica, comercialização e acesso a políticas agrárias.

A Escolinha de Agroecologia quer somar neste embate político, sen-do mais um espaço onde os agricultores e agricultoras possam trocar idéias e práticas na busca de estratégias viáveis de superação nesta luta de forças antagônicas, entre a agricultura familiar e o agronegó-cio monocultor.

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Quadro 01 - Composição da Turma de 2010

Composição e origem dos participantes da Escolinha - Turma de 2010

Município

de origem

População

Homens MulheresAmplitude

etária

Inserção ocu-

pacional

Campos dos

Goytacazes17 19

Adultos e

jovens

Assemtados,

quilombolas

e pequenos

proprietários

São Fran-

cisco do

Itabapoana

3 4Adultos e

jovens

Assemtados e

quilombolas

São Fidélis 2 - Adultos Arrendatários

São João da

Barra- 1 Adulta

Pequena

proprietária

Cardoso

Moreira2 - Adultos Assentados

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Uma experiência agroecológica e sua história

Organizada pela Comissão Pastoral da Terra, a escolinha de agroe-cologia iniciou-se no ano de 2005, para atender à demanda de assen-tados da Reforma Agrária e de alguns agricultores tradicionais, que buscavam apoio para aperfeiçoar seus conhecimentos agroecológicos e intercambiar suas práticas.

A concretização da experiência vem possibilitando não só a refle-xão-ação com base no modelo alternativo de desenvolvimento para a agricultura familiar, como também a multiplicação das experiên-cias na Região. Tal processo de troca e intercâmbio se desdobrou em inúmeras dinâmicas que permitiram o desenvolvimento de novas ex-periências a partir dos agricultores/as, como a auto-sustentação de um Grupo de Produtores que vem promovendo a Feira dos Produtos Alternativos e a Feira dos Produtos Agroecológicos na Universida-de Estadual do Norte Fluminense com o apoio de alguns professores desta Instituição.

Pode-se afirmar, deste modo, que a escolinha se constituiu como es-paço de construção e troca de experiências do conhecimento agroe-cológico, entre agricultores/as, consumidores/as de produtos agroe-cológicos; assim como entre técnicos, estudantes e professores.

No início, procediam-se as atividades teórico-práticas propostas a partir das demandas dos agricultores, em diálogo com os conheci-mentos já construídos e elaborados neste campo por professores da Universidade Federal de Viçosa; posteriormente inseriu-se no pro-cesso também alguns educadores e graduandos da Universidade Es-tadual do Norte Fluminense - UENF, atual parceira do Projeto.

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Em relação à infra-estrutura, no que diz respeito ao espaço para rea-lização da escolinha, que ocorre mensalmente, as atividades ocorrem entre os espaços da Universidade Federal Fluminense – UFF, de Cam-pos RJ; da UENF e, ainda, em lotes/glebas dos camponeses/as que par-ticipam da experiência em Campos dos Goytacazes RJ.

A Associação dos Petroleiros da Bacia de Campos, nesse período, teve uma participação relevante, contribuindo com a alimentação através de doação de Cestas Básicas, oferecidas à Pastoral, mensalmente.

Neste mutirão de apoios que a Escolinha inspira a mais de 05 anos, os Pequenos Projetos da Igreja no Brasil têm uma participação muito sig-nificativa, através dos Projetos aprovados pela CESE e pela CARITAS BRASILEIRAS.

A Escolinha, como experiência educativa, já contribuiu com a formação de mais de 250 camponeses e camponesas, possibilitando uma maior com-preensão sobre a referência agroecológica, associada à apropriação de téc-nicas alternativas de cultivo e ao intercâmbio de experiências já praticadas há anos pelos camponeses, porém geralmente de forma isolada.

A escolinha: uma metodologia participativa

Um dos princípios básicos da escolinha é a metodologia participativa, pois as ações realizadas têm como base acolher e motivar a participa-ção de todos/as. O encontro começa com o café da manhã que é pre-parado geralmente com os alimentos agroecológicos produzidos pelos agricultores familiares dos assentamentos.

Na organização do espaço busca-se o ordenamento dos objetos e das pessoas de forma a possibilitar o nivelamento pela interação entre os

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presentes, constituindo-se o espaço de troca entre os sujeitos. Tudo é valorizado! O momento da alimentação é também de comunhão trans-formando-se em símbolo de resistência e de re-construção da vida. As-sim, diante da mesa do café celebra-se o pão partilhado por todos e cada um consome o que precisa.

Este é também um momento de encontro/reencontro onde os parti-cipantes de maneira geral se preparam para as atividades propostas. Após o café da manhã, a “abertura oficial” do curso se dá geralmente com uma reflexão chamada de mística, quando se forma uma grande roda de acolhida onde os participantes se reúnem entorno de alguns símbolos da natureza como terra, água, sementes e instrumentos musi-cais, sendo motivados a expressarem o que esperam do encontro.

Neste clima de interação os participantes são acolhidos, canta-se algu-mas músicas populares que refletem as questões dos saberes tradicio-nais do homem do campo e a partir deste momento as aulas começam. Geralmente subdivide-se o grupo em duas turmas. Dentro das salas de aula ou nas visitas de intercâmbio às experiências locais, que são esco-lhidas no encontro anterior pelos próprios participantes; cria-se um ambiente onde os participantes ficam à vontade para esclarecem suas dúvidas ou fazerem suas contribuições em relação ao tema abordado, geralmente uma demanda das práticas desenvolvidas nos lotes/glebas dos/as camponeses/as.

O curso é divido em três fases, de um ano de duração. Os conteúdos teóricos de cada etapa vão desde informações sobre pragas e técnicas de controle, com uso de fitoterápicos e de produtos homeopáticos, até o manejo do solo e aplicação de técnicas de diagnósticos para tratamen-tos agropecuários. A partir de 2008, a proposta metodológica ganhou mais um elemento, que é a visita aos lotes e comunidades dos partici-

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pantes que desde a primeira turma implementam seus experimentos práticos pautados pelas reflexões na escolinha.

A partir deste espaço, os agricultores percebem os avanços, os proble-mas e desafios da efetivação de um modelo alternativo de desenvolvi-mento para a agricultura familiar; propõem e reformulam suas idéias, alimentados pelo diálogo com professores, estudantes, lideranças e téc-nicos de movimentos e organizações sociais, visualizando novos cami-nhos para a agroecologia na Região Norte Fluminense.

A análise de alguns partipantes da escolinha

Para a sistematização desta experiência contamos com a participação de duas agricultoras, três agricultores, um agente da Pastoral da Terra e uma integrante da Rede Fito Vida, todos envolvidos na experiência descrita.

O grupo foi unânime ao apontar como positiva a participação da ju-ventude no espaço de formação promovido pela escolinha de Agroeco-logia. Os jovens que participam da escolinha são filhos de agricultores de assentamentos e de acampamentos da região e, ainda, jovens uni-versitários do curso de agronomia da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).

No segundo semestre do ano de 2009, os jovens do curso de agroeco-logia promovido pela Articulação de Agroecologia do Estado do Rio de Janeiro (AARJ) e pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) enriqueceram a escolinha com sua presença e troca de expe-riências adquiridas no curso. Fazem parte deste grupo, além de filhos de assentados e acampados, dois jovens da comunidade quilombola de Cafuringa, Campos RJ.

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“A participação do jovem na discussão agroecológica nos traz a esperança de que este conhecimento não vai acabar” (Catarina/agricultora);

“Os filhos muitas vezes ensinam aos pais sobre determinado co-nhecimento agroecológico” (Sr. Vigan/agricultor);

“A interação das experiências locais com experiências de dimen-sões regionais e/ ou estaduais como, por exemplo, o projeto juven-tude e agroecologia desenvolvido pela Articulação de Agroecolo-gia do Estado do Rio de Janeiro (AARJ) e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) possibilitam a reflexão sobre a construção de metodologias que contribuem para a inserção dos jovens nesta discussão” (Viviane/REDE FITO VIDA).

Revela-se que a Escolinha de agroecologia é uma ferramenta pedagógi-ca-metodológica que contribui na promoção das experiências a partir de seus territórios, de distintas formas e modos de vida, que permitem pensar um amanhã melhor.

Nestes poucos anos de caminhada este traba-lho despertou o aprendizado coletivo, contri-buiu com diversos aprendizados, tanto para os/as agricultores/as quanto para a equipe da Pastoral da Terra e seus parceiros, agricultores, professores, estudantes, técnicos. Um dos mais recentes desdobramentos – a participação da juventude – pode ser visto como resultado da articulação entre as redes locais, regionais, es-taduais e nacional de agroecologia.

Cena típica do ambiente da Escolinha de Agroecologia de Campos.

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Desafios a serem enfrentados para a continuidade da experiência

• Tornar os Educandos, Educadores Locais.

• Convencer, a cada Ano, um Grupo de Camponeses a assumir de forma sistemática o processo de Formação em Agroecologia.

• Manter os apoios, as parcerias para garantir a qualidade do conteúdo e da dinâmica da Experiência.

• Mobilizar recursos que garantam o pagamento de, pelo menos, parte do orçamento necessário para sua realização.

• Ampliar as parcerias com outras instituições de Educação para que as experiências possam influenciar na formação dos novos Técnicos e chegar a um maior número de camponeses.

Referências bibliográficas

Carta Política II ENA. Recife, 2006.

Terra, Maria Alice da Costa: O uso de agrotóxicos no assentamen-to zumbi dos Palmares em campos dos Goytacazes- RJ: Identificando percepções, conhecimento e práticas. Campos 2008.

Caderno de Agroecologia do Regional da CPT ES/RJ – Receitas e Práticas Agroecológicas – Abril de 2007.

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Iniciativas de destaque na transição agroecológica identificadas pela

Cooperativa CEDRO no Programa de Assessoria Técnica, Ambiental e Social à Reforma Agrária no Rio de Janeiro –

dezembro/2005 a agosto/2009

Alexandre Magno Lopes Gollo1

A caminhada no processo de transição agroe-cológica no estado do Rio de Janeiro tem se efetivado por múltiplas trilhas de elevado grau de dificuldade, algumas vezes interrompidas, n’outras reunidas em trechos alargados e esti-mulantes, como bem se pode associar aos En-contros regionais, estaduais e temáticos que têm sido promovidos por seus atores e respec-tivas parcerias na dedicação ao fortalecimento de referências autônomas para as relações de produção na agricultura e de fundação na sociedade.

Este artigo pretende registrar duas dessas experiências que estão se de-

1 - Engº Agrônomo / Cooperativa CEDRO

Encontro Regional de Agroecologia do Norte Fluminense.

Projeto de Assentamento Pref. Celso Daniel – Macaé. 23 a

25/10/2008.

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senvolvendo e que no processo de prestação de serviços ao Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental – ATES, do INCRA, pela Cooperativa CEDRO, tivemos a oportunidade de vivenciar e de faci-litar a interação com o conjunto do Movimento pela Agroecologia em eventos de âmbito estadual e no segundo ENA – Recife/2006.

As experiências de “Maria Baixinha”, em Conceição de Macabu e da Brigada Ambiental coordenada pelo “Gilmar Barbudo” em Macaé têm em comum a inserção em realidades de assentamentos de Refor-ma Agrária na região Norte Fluminense; ambas as áreas oriundas de desapropriação de propriedades de Usinas de Açúcar, que nos anos 1970/1980/1990 intensificaram o processo de exaustão dos solos pela sequência de monocultivos de Cana, com mecanização; manejo quími-co e fogo precedendo o corte das lavouras.

Destacam-se essas duas experiências – A CEDRO no período de de-zembro de 2005 a agosto de 2009 trabalhou com 850 famílias em oito Projetos de Assentamento. – no caso da Maria Baixinha, pela força do significado do seu trabalho, Mãe e provedora de Família, marginaliza-da no sistema da Reforma Agrária que não lhe reconhece um registro de assentada, tampouco créditos ou recursos oficiais e mesmo assim tem em seu lote de produção o reconhecimento de seus pares de que trata-se de uma referência de minoria, em matéria de subsistir do que produz, além das práticas desenvolvidas terem recuperado água e parte da diversidade em uma área degradada;

No caso do Gilmar e de sua família pelo engajamento coletivo nas ações de promoção do meio ambiente, como na instituição da brigada ambiental “anti-incêndio”, com apoio da Defesa Civil do Município de Macaé; ou do empenho para a articulação de produtores e articulação de ações campo-cidade, como na coleta de enxames de abelhas na Ci-

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dade de Macaé, para reprodução de colméias em lotes do Assentamento, numa atuação que deflagrou novos ciclos de organização no as-sentamento.

Ambos os produtores vivenciaram as ativida-des da articulação pela Agroecologia no esta-do do Rio de Janeiro, Dona Maria desde 2006 e Gilmar mais intensamente entre 2008 e 2009, tendo sido sua atuação no Assentamento fundamental para a realização do Encontro de Agroecologia da Região Norte, em outubro de 2008. As respectivas experiências estão identificadas no rol dos promotores da agroecologia no Rio de Janeiro.

Maria Pereira Braga é natural do estado de Goiás, onde nasceu em 1960. Desde criança trabalhou no campo, veio para o Rio de Janeiro na expec-tativa de melhorar de vida; conseguiu serviço no corte de cana, para a antiga Usina de Carapebus - Norte Fluminense. Pela força e pela graça, se destacou nos ciclos seguintes quando passou a exercer papel de “gato” ou Coordenadora de turma – papel geralmente associado aos homens.

Teve três filhos (dois ainda residem com ela) e em 1996 vivia em relação conjugal com um segundo parceiro quando, através de uma ação organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, participou da ocupação das fazen-das Capelinha I e II, sendo contemplados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária-PN-RA com um lote de 17 hectares na Gleba B do Projeto de Assentamento Capelinha, instituído em Conceição de Macabu.

Em destaque: Gilmar - CEDRO ATES - 2008.

D. Maria recebe comissão de outro PA em seu lote. CEDRO ATES - 2007

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Maria viu a oportunidade de conquistar a posse de uma área para produção e se dedicou ao acampamento, nascia a Maria Baixinha de Capelinha. Embora registrada no Sistema de informação do INCRA – SIPRA como cônjuge, o titular do Lote era o seu companheiro; em nome deste saíram todos os créditos e recursos do INCRA, PROCERA e PRONAF. Estes recursos foram investidos em gado de leite e mes-mo em atividades externas ao lote. Sem influência na aplicação dos recursos, Maria se dedicava a plantios diversificados, adotando o fei-jão guandu e o feijão de corda como plantas pioneiras no processo de produção e de recuperação dos solos. Com plantas frutíferas e nativas procurava recompor a vegetação de uma grota, donde ressurgiram nas-centes de água.

Ao final dos anos 1990 separou-se do companheiro, levando a uma divi-são informal do Lote, o que tem trazido transtornos, inclusive judiciais, com uma ação de “reintegração de posse” impetrada pelo ex-compa-nheiro contra ela na Justiça Estadual, no Foro de Conceição de Macabu.

O sistema de produção adotado pela Maria Baixinha é movido pela força de trabalho familiar: ela, sua filha Ana e suas três netas (Ana é mãe solteira) realizam as atividades produtivas. Maria e Ana trabalham nos plantios e nas colheitas; todas ajudam na debulha do guandu e do feijão de corda (Caupi) que, na safra, semanalmente são empacotados em sacolas de ½ Kg e conservados na geladeira para serem levados à feira de Macaé que se realiza aos sábados. O filho ajuda com um rebo-que, ao que leva as bolsas de mercadorias até o ponto de ônibus; Maria se desloca de ônibus até a feira, onde monta sua barraca e organiza os produtos, seus e de vizinhos de Capelinha, para a venda.

Os feijões Guandu e Caupi se tornaram “carros-chefe” de uma produ-ção que se diversificou a partir da melhoria do solo na área cultivada.

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Hortaliças, temperos, laranjas, ovos e mesmo frangos, sob encomenda, passaram a compor o cardápio de produtos oferecidos na bancada da Feira em Macaé. No rumo do Sítio uma cerca viva com árvores de Sá-bia (sanção do campo) agrega elementos de silvicultura à economia do Lote. Todas as atividades são desenvolvidas sem o uso de agrotóxicos o que revela um valor a mais na experiência da D. Maria.

No Projeto de Assentamento Capelinha, face à extensão da degradação ambiental herdada da antiga Usina e da forma de manejo com o solo, é comum o discurso de que nada se produz no assentamento. Durante realização dos trabalhos do Plano de Recuperação do Assentamento, CEDRO/2006, Dona Maria Baixinha foi referencia de 04 entre 09 pro-dutores distribuídos pelas cinco Glebas do Assentamento, em dinâmi-ca de “informantes qualificados”, como exemplo em que o beneficiário conseguia sobreviver do trabalho do Lote. Este trabalho indicou que 25% das famílias do PA encontravam-se nessa condição.

O diferencial no caso da Senhora Maria Pereira Braga – D. Maria Baixi-nha – é a sua determinação e a força de trabalho; o que influenciou na conquista do espaço na feira de Macaé (outro município e que por vá-rias vezes tentou negar o acesso de Dona Maria à feira); como está sen-do no caso da sua manutenção na terra: casa e lote, desassegurada por uma burocracia que não consegue lhe incluir plenamente no PNRA. A atenção recíproca com os filhos e com as netas, além da disposição em receber vizinhos e outros agricultores para dar o seu depoimento de vida e de trabalho, também compõe este quadro diferencial.

Em 2006 a D. Maria participou do 2º ENA/ Recife, onde apresentou sua experiência sob o título: “Contornando as adversidades de 60 anos de cultivo de Cana-de- açúcar”, relacionada aos temas “Agrobiodiversi-dade e Reforma Agrária”. Ao retornar do Encontro descobriu que todo

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um eito (uma Linha) de árvores de sabiá – que ela havia plantado e cui-dado – fora cortado e vendido pelo ex-companheiro, na sua ausência. Seu lote tem sido visitado por distintos grupos do Movimento agroe-cológico do Rio de Janeiro.

Gilmar Monteiro, o Barbudo, ingressou no processo da Reforma Agrá-ria através das discussões promovidas pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio das Ostras, nas reuniões de planejamento de ocupação das áreas da fazenda Cabiúnas, que pertenciam à Usina de Carapebus, desativada no final dos anos 1990. Vivenciou a conquista do direito à ocupação da propriedade, a que chamaram Projeto de Assentamento Prefeito Celso Daniel. Seu principal papel no início do assentamento era fazer a “vigia”, por uma das coordenações instituídas pelo processo de ocupação.

A CEDRO nos serviços de Assessoria Técnica Social e Ambiental – ATES de 2005 a 2009, desenvolveu uma sequência de trabalhos que proporcionou vários encontros interessantes, inclusive com ex caçado-res e trabalhadores que conheceram a região do Assentamento – ainda na década de 1970 – que resgataram um período em que a região era provida de muita mata e com presença de animais silvestres (referên-cias do Sr “Zé Onça”, assentado na Gleba Maria Amália). O ímpeto da Usina pela expansão da cana-de-açúcar removeu a vegetação original e pela sucessiva prática da monocultura intensiva levou a região a uma situação de avançado estado de degradação.

O P. A. Prefeiro Celso Daniel foi criado em março de 2005 e a refe-rência das famílias sobre os processos de produção e de ocupação da área se pauta pelas mais diversas influências, seja a inserção econômica nas cadeias produtivas locais: leite e a própria cana-de-açúcar; a sub-sistência, a experimentação de novas lavouras: feijão de corda (caupi)

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que tem se mostrado de fácil domínio na lógica das famílias e ainda, pelas propagandas de mercado e aspiração a investimentos de alta tec-nologia, como avicultura com matrizes de elevada qualidade, repleta de problemas sanitários, ao que convivem com vizinhos que fazem criação de aves “Pé duro”.

Também se influenciam pelas parcerias institucionais, que apresentam soluções como monocultivo de feijão preto e/ou áreas demonstrativas de agrofloresta, ou como programas de capacitação com recursos da Petrobras; além da implementação dos projetos do INCRA, que con-cluiu o parcelamento em 2008, e em 2009 deflagrou a aplicação do Cré-dito de Habitação, para a construção das casas – o que está praticamen-te concluído.

Nesse cenário de “efervescência cultural” surge o grupo que, em par-ceria com a Defesa Civil do Município de Macaé, passa a exercer o papel de “Brigada Ambiental”, buscando mínima organização para combate a incêndios – que continuavam a acontecer nas áreas do assentamento e que vinham consumindo as poucas áreas de rema-nescentes florestais. A iniciativa foi assim resumida para a “Ficha de identificação de experiências”, adotada pela Articulação de Agroeco-logia do Rio de Janeiro:

“O Assentamento Prefeito Celso Daniel está localizado na Estrada de Cabiúnas, na cidade de Macaé. Provem de uma fazenda que produzia cana-de-açúcar para a usina, ou seja, uma terra quei-mada e mal tratada. Como ainda há produção de canaviais em algumas partes do assentamento, a cultura de queimadas perma-nece e como muitas vezes ocorre, esse fogo se alastra invadindo plantações vizinhas e matas de entorno.”

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A Comunidade, preocupada com os estragos provocados pela queima, debateu este assunto em assembléia e levantou a proposta de formar uma brigada, foi então que nasceu o Núcleo Comunitário de Defesa Civil, Brigada Ambiental. O grupo formado entrou em contato com a Defesa Civil de Macaé, junto a Prefeitura, que prontamente apoiou a iniciativa oferecendo materiais e cursos, como primeiros socorros e de brigada de incêndio.

O núcleo é formado por diversas pessoas do assentamento, que se reú-nem de 15 em 15 dias. Quando ocorre um incêndio é feita a comuni-cação entre os membros para acionar o controle dos focos de fogo. Em sua constituição também se propuseram a atuar no controle da caça e na proteção dos remanescentes de floresta. Com a formação do gru-po, logo a noticia se espalhou inibindo a presença de caçadores nessas áreas do entorno do Projeto de Assentamento.

Em 2008 desenvolviam trabalho com educação ambiental, através de visitas aos lotes, procurando conscientizar os agricultores sobre os ma-les do fogo e sobre os riscos da queima do lixo doméstico, sem maiores cuidados; Trabalham com os temas da transição para a agroecologia, como sistemas agroflorestais e orientações para redução de uso de agrotóxicos, além de recuperação de margens dos rios.

“Com os assentados, no inicio, foi um difícil dialogo, mas com o tempo tornaram-se conscientes, sentando e resolvendo os proble-mas; fotografando os danos causados e indo em busca dos direitos que lhes cabem”. - Informou o Gilmar, numa entrevista à Equipe do projeto de Articulação pela Agroecologia no Rio de Janeiro.

O número de queimadas diminuiu consideravelmente e os benefícios são notados por todos. As áreas de Preservação Permanente já apresen-

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tam melhoras visíveis e chamou a atenção do pessoal para adequação ambiental dos lotes e para a criação de um viveiro de mudas florestais pensando na recuperação das áreas atingidas.

O trabalho de interação com a cidade, buscando-se enxames de abe-lhas e trazendo para área afastada dentro do Assentamento foi adotado como atividade econômica pela cooperativa do Assentamento, passan-do a envolver outros produtores e suas famílias.

Por conclusão, parece que se destaca que o processo de Reforma Agrá-ria, mesmo da forma incompleta como é realizada no Rio de Janeiro (no Brasil), ao que não se propõe a alterar a estrutura agrária, servindo apenas a um poder tampão para uma frente das demandas sociais, si-naliza para uma orientação de transição agroecológica, ao que fraciona o latifúndio e multiplica o número de pessoas com poder de decisão sobre a utilização da terra; acrescenta elementos de diversidade cultu-ral, social e econômica e traz inúmeras vantagens, até mesmo para a re-oxigenação do sistema capitalista.

A construção do paradigma agroecológico de produção extrapola em muito às disputas sobre os conceitos arcaicos de sistemas de organiza-ção econômica, ao que focaliza a busca de maior compreensão sobre a ecologia da produção, seus ciclos de energia e a possibilidade de pro-gressão de autonomia no processo produtivo, libertando o produtor e a natureza da lógica de haver necessidade de aporte de insumos externos para que se obtenha sucesso no processo produtivo. Preponderante-mente por este fato a agroecologia se mostra uma possibilidade que assusta a um determinado setor da indústria capitalista.

O público da Reforma Agrária não tem um pensamento uniforme so-bre os distintos sistemas e lógicas de produção. Se situam, predomi-

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nantemente, na base da descapitalização para o início das suas ativi-dades e por isso tendem às soluções alternativas àquelas propaladas pelas escolas agronômicas convencionais. Por estarem ingressando em ambientes dos quais – geralmente – não guardam histórico e/ou acúmulos de ciclos de trabalho e de produção anterior necessitam de acompanhamento técnico diferenciado, mais intensivo, serviços que em distintas linhas de Governos se fez prover na história recente do País (Projeto Lumiar 1997 a 2000; ATES 2004 aos dias atuais).

Em ambos os programas de assessoria técnica a diretriz de transição agroecológica esteve/está contemplada, demonstrando a compreensão sobre a necessidade de se buscar caminhos de maior sustentabilidade; todavia, de nada adianta a diretriz de um Programa ou mesmo de Go-verno se não houver na ponta e nos seus elos de transmissão a resso-nância necessária para que se alinhem os interesses e os trabalhos.

As adversidades são inúmeras e em parte figuram neste registro; trans-pô-las depende essencialmente da multiplicação das experiências que se pautem pela referência de buscar a transição. O diálogo que alimenta e faz crescer o movimento pela agroecologia, do qual Dona Maria, Gil-mar e tantos outros agricultores já são parte, devidamente registrada.

ContatosCEDRO – Cooperativa de Consultoria, Projetos e Serviços em Desenvol-vimento Sustentável Ltda. Rua do Ouvidor, 130/712 – Centro – Rio de Ja-neiro. [email protected] Monteiro – (Barbudo). PA Celso Daniel. Cabiúnas II. Tel: 22 9957.1793Maria Pereira Braga – (Maria Baixinha). PA Capelinha. Gleba B – Lote 03

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Juventude e Participação: Uma experiência de valorização das práticas de saúde

popular em Campos dos Goytacazes-RJ

Viviane Ramiro da Silva1, Alcimaro Honório Martins2

ColaboradoresBeatriz da Silva Nascimento, Luciana da Silva Peixoto

Um pouco da história do Movimento de Saúde Popular

O Movimento Popular de Saúde Alternativa na Região Norte Flumi-nense é uma experiência de organização co-munitária que ocorre desde 1997, com o apoio da Pastoral da Terra e a iniciativa de mulheres que partilham saberes e constroem estratégias de mobilização e organização de diversos atores sociais inseridos em movimentos e instituições locais.

Participam deste trabalho agricultores/as de três assentamentos e um acampamento para a reforma agrária, tais como o Assentamento

1 - Email: [email protected]

2 - Email: [email protected]

Arte desenvolvida pelo jovem Sávio Monção Figueiredo do

Assentamento Zumbi dos Palmares – núcleo cinco.

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Zumbi dos Palmares e o Che Guevara. E também três comunidades rurais, como os quilombos de Barrinha e de Conselheiro e os bairros de Travessão e Boa Vista. As atividades desenvolvidas ocorrem em di-mensões locais e regionais e reúnem de 30 a 150 pessoas por encontro respectivamente.

O trabalho ocorre nos espaços de associações, igrejas, escolas e em casas de lideranças em comunidades rurais e urbanas, sendo realiza-do por pessoas que detêm conhecimentos da medicina popular, reco-nhecidos como ervateiros, benzedeiras, curandeiros, parteiras, agentes de saúde, entre outras denominações. Especialistas em caracterizar os ambientes dos ecossistemas onde estão localizados, identificar na ve-getação local as plantas medicinais, coletar partes medicinais de uma planta, diagnosticar doenças, preparar e indicar remédios caseiros.

As principais atividades desenvolvidas têm sido oficinas para o reconhe-cimento de plantas medicinais, a produção de remédios caseiros, infor-mações sobre direito à saúde e o reaproveitamento de alimentos, assim como a implantação de hortas e farmácias comunitárias e a realização de encontros denominados “Partilhas3” para a troca de experiência e a construção de saberes. Um dos principais objetivos das ações realizadas é contribuir com a valorização e a organização dos sujeitos envolvidos na organização comunitária a partir da temática da saúde popular.

De acordo com Marins e Mendonça (2007) com o propósito de forta-lecer o trabalho nas comunidade a Rede Fitovida (Movimento Popular de Saúde Alternativa no Estado do Rio de Janeiro) propõem junto ao Instituto Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) o reconhecimento das práticas e saberes nos usos tradicionais e populares das plantas

3 - Nestes encontros se fundamentam pelo princípio da troca de: alimentos, plantas, sementes, saberes, práticas, sentimentos, historias de vida e relatos de “cura”.

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medicinais e remédios caseiros dos grupos de saúde comunitários. Na região norte este levan-tamento4 se deu a partir do apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e mais recentemente de alguns professores ligados a instituições de ensino como a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Este pro-cesso possibilitou a construção de instrumen-tos teóricos e metodológicos pelos sujeitos en-volvidos e o mapeamento de novas referências culturais que detém o saber tradicional e po-pular no cuidado com a saúde/doença. Assim como também permitiu a sistematização de saberes e práticas da medicina popular que ex-pressão uma visão de mundo que relacionam contextos, experiências e memórias coletivas, como a poesia feita no encontro da Partilha no Assentamento Zumbi dos Palmares com refe-rências culturais da região no campo das práti-cas de cura tradicionais e populares.

Contribuiu também para uma maior compreen-são da realidade onde tais práticas se desenvol-vem, suas principais demandas, problemas e desafios. Assim, foram iden-tificados os principais efeitos da marginalização5 destes saberes, dentre

4 - Em parceria com o Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artísticos Nacional e o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Maiores informações sobre este processo foram sistematizados por Elizabeth da Cruz Marins e Marcio Matos de Mendonça na Revista Agriculturas V. 4 – N. 4. Dezembro de 2007.

5 - Martín-Barbero (2003) aborda o processo de nacionalização que levou a centralização política e a unifica-ção cultural, ressaltando que esta se deu em duas dimensões: a) na abolição do tempo cíclico e a imposição do linear; e b) na transformação do saber e de seus modos de transmissão com o estabelecimento da escola em detrimento dos saberes ditos místicos e não científicos.

Para manter boa saúde com plantas medicinais cultivamos nossas

ervas os nossos bens culturais e ensinamos nossos filhos o que

herdamos de nossos pais.

Fazemos remédios caseiros usando abacaxi ananás usamos algumas folhas raízes, frutos ou mais para nós o que é mais importante é o

bom efeito que faz.

E o tempo vai passandoaparecem os sinais

às vezes tem muita chuvaàs vezes a seca é demais

destrói rios e lagoasnossos bens ornamentais.

Somos patrimônio do BrasilSomos comunidades tradicionaisSomos agricultores camponesesProduzimos alimentos saudáveisTemos profundos conhecimentos

Somos todos responsáveis.

Com as caldas alternativasprotegemos pequenos animais

que vivem nas plantaçõescumprindo seus rituaisfazendo o ciclo da vida

que tanta alegria nos trás.

Paulo Poeta - Julho de 2009

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os quais a ocorrência de uma lacuna etária na transmissão destes conhecimentos entre as ge-rações na atualidade. Saberes que eram transmi-tidos de geração em geração não estavam sendo mais vistos como importantes, principalmente, pelos mais jovens.

A experiência da Feira de Saúde Popular reali-zada em setembro de 2009 configurou-se como um instrumento pedagógico-cultural com o

objetivo de valorizar tais conhecimentos entre os jovens. Teve o apoio de educadores, lideranças e organizações, e motivou novos processos de re-construção de saberes e práticas da medicina popular. Buscamos, nesse sentido, contribuir com a valorização das identidades dos gru-pos de saúde locais, além de fomentar o debate em torno de questões sócio-culturais, econômicas e ambientais, ao fortalecer a relação entre escola e comunidade, assim como também motivar o espírito crítico e inovador dos sujeitos envolvidos nas ações desenvolvidas.

Apesar das inúmeras experiências comunitá-rias6 promovidas pelos grupos de saúde, não havia sido ainda implementado uma estratégia que fosse voltada para a questão da participa-ção da juventude nos espaços organizados pelo movimento de saúde popular. Foi neste senti-do que enfocamos a participação dos jovens na divulgação, promoção e valorização dos sabe-res da medicina popular por meio da realização da feira de saúde na escola.

6 - Desde meados da década de 70 a partir do movimento das comunidades eclesiais de base vem se configu-rando ações coletivas em torno da temática saúde que possibilitou o surgimento de grupos comunitários de saúde no estado do Rio de Janeiro e posteriormente a articulação dos mesmos através da Rede Fitovida em 1999 visando a promoção e valorização destas práticas.

Oficinas nas comunidades: Identificação das plantas medicinais

na Comunidade Quilombola de Cafuringa Campos (abril 2009).

Remédios Caseiros realizada pelo grupo Amor do Campo,

Assentamento Zumbi dos Palmares, São Francisco de Itabapoana (maio

de 2009).

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A realização do inventário possibilitou novas interações e o estabele-cimento de parcerias com outros grupos, organizações e instituições, tendo esta dinâmica gerado elementos para a elaboração do projeto: “Feira de Ciência da Saúde Popular na Escola”, premiado pela Secreta-ria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro com o valor de R$ 10.000,00 através do edital Culturas Populares7. O recurso foi utilizado para a implantação de uma horta e uma farmácia comunitária no Assenta-mento Zumbi dos Palmares, núcleo 05, município de São Francisco de Itapaboana,8 onde moram algumas referências do Grupo “Amor do Campo” (idealizador do projeto) 9, bem como na produção gráfica de materiais pedagógicos para a divulgação do trabalho realizado pelos grupos de saúde articulados a Rede Fitovida na Região Norte.

A feira de saúde na escola

Como fase preparatória para a “Feira de Saúde Popular” realizou-se encontros de partilha em 06 comunidades da Região Norte. A feira se constitui como uma atividade que proporcionou o encontro, a troca, o diálogo e a visibilidade dos sujeitos sociais que contribuem não só com ações de promoção e prevenção da saúde, mas também se organizam e expressam um modo de ser coletivo regido por princípios de solidarie-dade, diversidade e participação popular. Potencialidades, histórias de vida e experiências que dificilmente são encontradas nos livros utiliza-dos em escolas públicas e que geralmente também não fazem parte do currículo escolar, nem dos principais meios de comunicação de forma sistemática e contínua.

7 - Chamada Pública 008/08 (Culturas Populares) Inscrição 11050859. Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro

8 - O assentamento zumbi dos palmares composto por 508 famílias e subdividido em 5 núcleos que abran-gem os municípios de Campos e São Francisco do Itabapoana.

9 - O grupo de saúde Amor do Campo está localizado no Assentamento Zumbi dos Palmares. É um dos grupos que se articulam em redes locais, regionais e estaduais. É composto por aproximadamente 16 pessoas entre os quais 12 mulheres e 4 homens entre as idades de 16 a 72 anos de idade, sendo maioria adultos.

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Como escreveu a jovem quilombola Larisse, de 12 anos de idade, no encontro da partilha que ocorreu na comunidade de Barrinha10 em maio de 2009:

“[...] o remédio caseiro ajuda a dar saúde e a curar sem transmi-tir outras doenças. Há tantos comerciais na televisão falando esse remédio aqui é bom e muitas vezes nem faz efeito, agora pergunto: você já viu algum comercial de remédio caseiro na televisão.”

A Feira de Saúde Popular ocorreu no período de fevereiro a outubro de 2009 com a participação de aproximadamente 200 pessoas e envolveu pessoas inseridas em movimentos populares e organizações sociais de dez comunidades da Região Norte Fluminense (participaram além das nove comunidades articuladas a Rede Fitovida, o setor de saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), educandos/as e educadores/as de três escolas municipais e uma estadual, assim como também representantes dos grupos de saúde popular da Região Metropolitana no Rio de Janeiro).

Este encontro foi à culminância de processos que visou interligar distin-tas dimensões sociais. 1) Na dimensão comunitária foram realizados os encontros locais com a participação de jovens no processo de sistema-tização das práticas de saúde popular e na organização dos encontros da partilha. 2) Em diálogo com escolas da região apresentamos a pro-posta do projeto, ouvimos as experiências já em curso dos educadores e construímos uma agenda em comum para envolver educadores/as e educandos/as no processo de preparação da Feira de Saúde Popular. 3) E, em conversa e apoio da UENF, através do projeto de extensão coor-

10 - Esse encontro foi organizado, com o apoio e acompanhamento do Movimento de Saúde Popular, pela liderança quilombola Monica que é educadora popular na comunidade de Barrinha em São Francisco e orien-tou o resgate da memória coletiva da história da comunidade e das plantas medicinais e remédios caseiros usados na comunidade com a ajuda dos jovens.

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denado pelo professor Rodrigo Rodrigues de Oliveira (Laboratório de Química do Centro de Ciências Tecnológicas - CCT), a rede vem realizando o levantamento da biodiversidade da Mata Atlântica base da farmacopéia popular utilizada pelos agentes de cura articulados ao Movimento Popular de Saúde na região nor-te. Ação esta que pode contribuir não só com a possibilidade de utilização destes fitoterápi-cos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como também criar possibilidade de geração de ren-da para a agricultura familiar, através da possi-bilidade de fornecimento de plantas medicinais para o SUS.

O projeto foi co-gestado por um grupo organizado em dois níveis: o grupo executivo composto por três pessoas responsáveis por execu-tar as ações planejadas por um grupo maior formado por integrantes do “Grupo amor do Campo”, “Grupo Amigos da Saúde Alternativa de Travessão” como também por representantes das organizações locais que apoiam à experiência. Esses tiveram a função de contribuir com a elaboração dos instrumentos pedagógicos necessários para o processo de mobilização e organização das ações propostas nas reuniões de pla-nejamento do projeto.

Construindo metodologias participativas

A primeira atividade realizada pelo coletivo de gestão das ações e ati-vidades preparatórias do projeto foi uma enquete entre alguns jovens, com os quais já tínhamos contato. Acreditávamos que se quiséssemos

Feira de Saúde Popular no CIEP Luis Carlos Lacerda. Estande da

Biodiversidade. (24 de setembro de 2009).

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envolver a juventude era preciso conhecê-los, identificar seus interes-ses, suas demandas e suas formas de organização e expressão. Com este passo conseguimos estabelecer o primeiro vínculo com os jovens das comunidades onde o trabalho do movimento já havia se desen-volvido. A partir deste momento houve uma interação entre estes e o coletivo de gestão do projeto que favoreceu o surgimento de propostas para animação cultural durante o processo de preparação da feira, e um rico material pedagógico e para a arte de divulgação do projeto. De acordo com Beatriz, agente de saúde do setor de saúde do MST, este processo contribui para que “um vínculo se constitui-se entre os jovens dos núcleos quatro e cinco do Assentamento Zumbi dos Palmares e novas propostas surgiram como a inserção do grupo de mulheres para a comercialização de plantas medicinais e produtos a base de fitoterápicos nas feiras do MST”.

O envolvimento dos jovens nas atividades dos encontros locais foi sim-ples porém dinâmico. Estes se propuseram a sistematizar de formas diversas (poesias, teatro, registros sonoros de histórias de cura e tra-tamento de doenças, fotografias, etc) os conhecimentos existentes em suas comunidades sobre as plantas medicinais, os remédios caseiros, as referencias culturais e sobre as áreas de coleta das plantas medicinais utilizadas na comunidade. O resultado foi sistematizado numa carti-lha que descreve a história de seis referências culturais da medicina popular da região, nove experiências coletivas de movimentos e orga-nizações sociais com experiências de valorização das práticas de saúde popular e duas pesquisas realizadas por jovens e apresentadas no Con-curso Valorizando a Cultura Popular durante a feira.

Já nas escolas, a dinâmica foi um pouco diferenciada. Primeiro consi-deramos importante que os educadores e a direção do Ciep apoiassem a idéia e se comprometessem em acompanhar os/as educandos/as nas

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pesquisas e na sistematização do objeto investigado pelos mesmos. A partir de reuniões com a equipe pedagógica foi proposta uma parceria com educadores para que acompanhassem os educandos/as em suas pesquisas e utilizassem a temática da medicina e da cultura popular em suas disciplinas. Em contrapartida, representantes do projeto se res-ponsabilizariam por apresentar o projeto para as turmas, ir periodica-mente à escola para tirar dúvidas, e levar materiais e recursos pedagó-gicos já produzidos pelo movimento de saúde para auxiliar a pesquisa dos/as educandos/as.

A proposta de pesquisa na escola foi semelhante à realizada pelos jo-vens nas comunidades, a diferença consistia em que os/as educandos/as apresentassem o resultado de suas pesquisas a partir de registros criativos e com uma proposta de valorização dos saberes da medicina popular, no Concurso “Valorizando a Cultura Popular” durante a Feira de Saúde Popular.

Este evento envolveu seis comunidades e quatro escolas da região de Campos e São Francisco de Itabapoana. Participaram do concurso 38 jovens entre as idades de 12 a 24 anos de idade. A maioria se organizou de forma coletiva para realizar e apresentar suas pesquisas, a forma de exposição também foi muita criativa, três grupos com aproxima-damente dez jovens apresentaram suas pesquisas em forma de teatro, desenhos e poesias; e dois jovens apresentaram a pesquisa de identi-ficação e registro sobre a cultura e a medicina popular de forma oral.

Alguns ensinamentos

A parceria dos grupos de saúde com os movimentos e organizações não governamentais contribuiu para o debate e a reflexão das experiên-

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cias comunitárias de saúde popular, ao estimular os jovens a proporem ações que contribuíssem com a valorização e promoção das mesmas.

Além disso, o projeto possibilitou a construção de um diálogo com a escola, o que contribuir para a inserção de referências culturais locais em diferentes espaços de socialização como escolas e feiras. O com-prometimento destes atores potencializou e gerou novos recursos que viabilizaram a mobilização dos atores locais, os encontros nas comuni-dades e a realização da feira com a garantia de infra-estrutura, alimen-tação, recursos materiais e humanos e os prêmios do concurso11.

As principais dificuldades encontradas na implementação do projeto foi à participação dos professores durante todo o processo de planeja-mento e organização das ações propostas, bem como o envolvimento de outras escolas que apesar de terem participado da Feira tiveram di-ficuldade, principalmente, no que diz respeito a refletir e implementar junto com o movimento de saúde popular e os jovens metodologias inclusivas para a inserção de jovens no processo preparatório da feira. Registramos, por fim, a falta de interesse e apoio do governo local às demandas feitas pelo movimento popular de saúde não somente em relação ao evento que foi uma ação pontual, mas também em relação à falta de políticas públicas mais eficazes principalmente para a juven-tude.

A experiência demonstrou que é preciso superar as barreiras e os este-reótipos que construímos em relação ao outro, ao diferente. O que nos leva, ao invés de conhecer para entender, alimentar pré-conceitos que orientam nossas ações e atitudes muitas vezes discriminatórias. Assim, é preciso acreditar mais nos sujeitos sejam eles jovens, idosos, mulhe-

11 - Um computador, para o primeiro lugar, uma bicicleta, para o segundo lugar, e um violão, para o ter-ceiro lugar.

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res, crianças, negros, pobres e apostar em suas potencialidades para que juntos possamos superar todo e qualquer tipo de ação ou atitude formal ou informal que impeça que todos sejam iguais.

Principais considerações

A utilização dos saberes e das práticas da medicina popular como um recurso pedagógico mostrou-se um elemento inovador, não só por ter possibilitado o envolvimento dos jovens nas ações propostas como também no diálogo entre escola e comunidade na superação da frag-mentação entre realidade dos/as educandos/as e conteúdo curricular. Assim afirmou Arlene educadora do Ciep que com toda a equipe da es-cola contribuíram para o desenvolvimento desta experiência coletiva: “sempre trabalhamos com poetas consagrados, este projeto nos despertou para a possibilidade de trabalharmos com os artistas locais”. E o resul-tado desta experiência está presente na fala de Aldejar, um dos poetas populares de Travessão homenageados pelos educandos/as durante a feira de saúde: “como é diferente e gratificante ouvir nossa poesia sendo recitada pelos alunos!”.

O processo de mobilização e organização da Feira de Saúde se cons-tituiu num instrumento de reencontro dos sujeitos coletivos com sua história e cultura, buscou promover sua auto-estima através da valori-zação das identidades locais, motivando estes sujeitos a pesquisarem sua realidade, reconhecerem as referências culturais de suas comuni-dades, e proporem ações para a promoção de seus bens culturais. Se-gundo Carol – que vem contribuindo com o movimento popular de saúde na região – o jovens demonstraram um interesse diferente do que estamos acostumados a ver nos encontros comunitários anteriores ao projeto da feira: “havia um espírito de curiosidade misturado com

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a descoberta de novos saberes, da relação entre o popular e o científico; havia uma organicidade durante a feira de todos os atores envolvidos”.

Assim, o conhecimento crítico e propositivo aliado à apropriação cons-ciente pelos jovens do seu patrimônio foram fatores indispensáveis no processo de organização e realização da Feira de Saúde Popular. Deste modo, esta experiência visou socializar metodologias participativas de sistematização e documentação de saberes e práticas culturais e popu-lares. Um movimento de interação entre sujeitos diversos em busca de unidade, comunhão e partilha.

Os desdobramentos desta experiência se traduzem principalmente na renovação da articulação entre pessoas, grupos e movimentos que nos motiva a dar continuidade a ações que favoreça a participação dos su-jeitos como cidadãos ativos e reflexivos. Além disso, surgiram novos possibilidades de parcerias com instituições de ensino e pesquisa que acreditamos ser também uma ferramenta importante na construção de mundo melhor.

Bibliografia

BASTOS, Fernanda C. de Souza & SILVA, Viviane Ramiro Da. Juven-tude como sujeito social e político: potencialidades, dificuldades e desafios. Anais do I Seminário Internacional sobre Cultura, Imagi-nário e Imagem da América Latina. Universidade Federal de Curiti-ba/Paraná, 2009.

MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cul-tura e hegemonia. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.

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214

SILVA, Viviane Ramiro da Silva & MARTINS, Alcimaro Honório. Pa-trimônio Cultural: Uma abordagem pedagógica a partir da medici-na popular. Trabalho apresentado no I Congresso sobre Patrimônio Cultural. Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribei-ro, 2009.

TEIXEIRA, Simone & VIEIRA, Silviane de Souza. Educação patrimo-nial: novos caminhos na ação pedagógica. Campos dos Goytacazes, RJ: EDUENF, 2006.

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Cooperativa CEDRO: 10 anos de ATER pública não Estatal no Rio de Janeiro 1

Alexandre Magno Lopes Gollo2

Apresentação

A CEDRO é uma Cooperativa de Trabalho, com abran-gência Estadual, fundada em maio de 1999, em sua maio-ria por profissionais oriundos do Projeto Lumiar/INCRA (1997/2000) de Assistência Técnica à Reforma Agrária.

Em seus dez anos de existência atravessou crises e viven-ciou oportunidades de contribuições à qualificação da Reforma Agrá-ria e ao fortalecimento de Redes institucionais em prol da Agroecolo-gia (Rede Agroecologia Rio/2000-01; Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro/2007-09); além de efetiva contribuição ao processo de construção do Programa Estadual de ATER/PEATER-RJ/2004-06, no âmbito do desdobramento inicial da Política Nacional de ATER.

No campo das possibilidades de contribuição à construção do conhe-cimento agroecológico, destacam-se: a vocação pelo trabalho com o

1 - Cooperativa de Consultoria, Projetos e Serviços em Desenvolvimento Sustentável Ltda - CEDRO; Profissio-nais liberais reunidos em uma cooperativa de trabalho em prol da agricultura familiar.

2 - Sócio Fundador. Extensionista

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público da Reforma Agrária, que simultaneamente é esteio social e fundiário para a transição agroecológica; a vivência em organização cooperativa – uma “receita” comum entre as soluções socioeconômicas para o desenvolvimento e a participação na coordenação política da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro, “envolvimentos” que expressam os principais caminhos de aprendizado que têm sido utiliza-dos pela CEDRO na tentativa de fortalecer a agroecologia fluminense.

Neste artigo, construído a partir da socialização da história da CEDRO entre associados com diferentes tempos de filiação à cooperativa, se ex-pressam algumas das dificuldades práticas no exercício da auto-gestão e das dificuldades burocráticas nas tentativas de relação administrati-va com o poder público, analisadas a partir da síntese de reflexão da Equipe Técnica contratada pelo Programa de Assessoria Técnica Social e Ambiental à Reforma Agrária-ATES/INCRA (2009) e da revisão do texto final do II Planejamento Estratégico da CEDRO (2007).

A trajetória da CEDRO à luz da avaliação da Equipe contratada pelo programa ATES/INCRA (2009) e do II Planejamento Estratégico (2007)

Em dezembro de 2007, vinte e dois sócios cooperados da CEDRO re-uniram-se no Município de Tanguá/RJ para consecução de um Plano Estratégico para a Cooperativa. Neste evento, a história da Cooperativa foi registrada e avivada em uma “Linha do tempo”, que, atualizada, ora se apresenta.

Ao longo desses anos a cooperativa agregou distintas trajetórias de pro-fissionais, que ora chegaram, ora saíram da CEDRO, numa sucessão de oportunidades e de interesses, que marca o primeiro princípio do coo-

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perativismo, que é o da associação livre e voluntária. Atualmente, a CE-DRO se encontra com um quadro técnico composto por 48 (quarenta e oito) Profissionais dos campos das ciências humanas, sociais e agrárias.

Antes Movimentos sociais - CPT - Fórum de técnicos - Projeto Lumiar/Incra

1999 23 de maio - Fundação da Cedro (26 sócios) - Incubação no Cefet Campos

2000 Primeiros contratos - Embrapa Agrobiologia - P. M. - Angra - Maricultura - Incra - Ater - Creditícia

2001 Elaboração de projetos

2002 Contratos - Pesagro - Planejamento participativo - P.M. - Paraty - Maricultura

2003 Contratos - Fetag Consultoria - PDAs / Incra - Tetag - Territórios e cooperativismo - AS-PTA - Apoio social à agricultura urbana

2004 Crise para falta de contratos - I Planejamento Estratégico - Participação no Peater-RJ

2005 Capacitação agregação de sócios - Início da Ates no RJ - Fundação da Unicafes - Contrato Ates - Contrato Instituto Terra

2006 Ates agregação de profissionais - Instituto Terra - Agricultura faixa de dutos - Contrato Prefeitura Cabo Frio - Contrato Fetag - Art - Territorial

2007 Ates - Contrato PRAs Iterj - Credenciamento no Fater - II Planejamento Estratégico

2008 Ates 850 famílias - Consultorias individuais

2009Encerramento do contrato de Ates - Recredenciamento para ater. no Cedrus-RJ - Agregação de novos sócios - Licitação para Ates 2010 constitui equipe de 20 profissionais

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Para o processo de sistematização da experiência “CEDRO: 10 Anos de ATER Pública não estatal no Rio de Janeiro”, foram utilizados re-cursos de motivação pela Rede interna de Grupo de endereços eletrô-nicos da Cooperativa; colocação do tema em pauta nas reuniões de Diretoria e da Equipe Técnica a serviço do Programa ATES e resgate de documentos de outros ciclos de diálogo e de reflexão entre os só-cios cooperados.

Inicialmente foram escolhidos quatro “campos de atenção” para foca-lizar o exercício da sistematização do conhecimento que a Cooperati-va tem vivenciado, a saber: 1) contribuição e crescimento individual/ profissional; 2) o cooperativismo; 3) a transição agroecológica e 4) a percepção dos agricultores; todos estes campos relacionados ao tra-balho pelo programa ATES/ INCRA, no processo de avaliação final das atividades, pelo contrato ATES, em agosto de 2009. Oito profis-sionais participaram dessa avaliação.

Este quadro, ao ser comparado com o resultado obtido a partir do II Planejamento Estratégico da Cooperativa (2007) – que em seu pro-cesso de análise para construção do Planejamento em matrizes de ações interna e externa se valeu da metodologia de identificação das Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças (FOFA) – revela a atua-lidade das reflexões feitas àquela época, por um universo maior de cooperados (22 sócios), conforme registrado anteriormente.

No ambiente externo, as principais ameaças identificadas foram o desconhecimento sobre o cooperativismo e a dependência de con-tratos com o poder público; enquanto por principais oportunidades quatro, entre sete itens, relacionavam a capacidade de articulação com parcerias para o exercício dos trabalhos que nos são contratados.

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No ambiente Interno, um rol de vinte e duas fraquezas, que podem ser agrupadas em: sentimento de pertença; grau de engajamento dos profissionais; necessidade de definição de papéis e de revisões estatu-tárias e no regimento interno, contrapõem-se a um conjunto menor de fortalezas, onde o posicionamento crítico, o compromisso com o desenvolvimento social e a disposição à construção participativa dos rumos da Cooperativa bem refletem os Valores e a Missão Institucional afirmadas no Planejamento Estratégico; esta última compilada a seguir.

Quadro: síntese da Avaliação com a Equipe ATES/ CEDRO (2009)

Profissional / Individual

Alta rotatividade de técnicos. Você tem de aprender a lidar com os novos colegas; É grati-ficante o trabalho com a promoção das famílias; Nas condições do Programa (visitas semanais, 1 técnico para 85 famílias, 1 equipe para três/quatro comunidades; contratos anuais; paralisa-ções por atrasos de até três meses nos repasses financeiros) conseguir mais resultados só por milagre; Precisamos nos capacitar para obter melhores resultados; de 30 profissionais que passaram pelo Projeto, só 01 esteve do início ao fim; A estrutura do Programa limita o trabalho; Em um ano de atuação não consegui alterar os índices de produtividade nos PA’s.

Transição Agroecológica

Um desafio para além da ATES, implica filosofia de vida; na situação atual, instruir o uso correto de agrotóxicos já é uma meta difícil; Transição só no sentido objetivo, ou seja, o produtor de-mandar este apoio. O tema está longe de nos-sas rotinas nos PA.s; O desafio é exercer o papel de Educador, estimulando a experimentação; As pessoas precisam ser sensibilizadas para a transição à outra sociedade; Cabe ao agricultor a decisão de mudar; Um trabalho importante é a orientação sobre preparo e uso das caldas alter-nativas; Não existe um Boom pela transição, mas na caminhada percebe-se um trabalho sério, até pela busca de credibilidade no mercado.

Cooperativismo

É uma relação que requer diálogo permanente, sendo uma dificuldade a mais na gestão dos projetos; O trabalho nos proporcionou muitos conflitos e crescimento; temos muito que cres-cer, para permanecer no mercado; Na CEDRO se percebe o respeito à opinião das pessoas; um desafio é manter a participação na tomada de decisões; Cooperativismo é uma congregação de autonomias; se dá por práticas dialógicas e dialéticas, na maioria das vezes, não sabemos o que é, nem como lidar com isso.

Percepção dos Agricultores

Clamor por soluções imediatas, por presença e por continuidade incompatíveis ao formato do Programa de ATES; No público da Reforma Agrária predomina a falta de perfil para trabalho com a terra; foi bem avaliada a abordagem de Visitas seguidas por trabalhos de capacitação, na Gleba Presidente Lula /PA Cantagalo em Rio das Ostras.

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“Trabalhamos para promover, de forma participativa, a relação harmônica ser humano-trabalho-natureza, atuando a partir de uma visão cooperativista solidária em parceria com atores que se aproximem dos nossos valores, a fim de promover assessoria técnica, ambiental e social, com ênfase em agroecologia, para a garantia da sustentabilidade em todos os seus aspectos.” (CEDRO, Planejamento Estratégico, 2007).

Em essência, a construção coletiva da missão institucional de uma or-ganização/ instituição reflete o resultado de um processo reflexivo, que no caso da CEDRO tem características dinâmicas (no que contempla o constante ingresso de novos cooperados) e cíclicas, que têm mantido a diretriz institucional da Cooperativa.

O conjunto das expressões registradas no campo “Transição Agroe-cológica”, e o quadro geral dessas expressões, refletem ser a CEDRO – Cooperativa de Trabalho – um espaço/ ferramenta para o exercício profissional compromissado com uma perspectiva de mudança na so-ciedade: cultural, social, ambiental, técnica e política, deveras contin-genciada pelas circunstâncias de cada contrato.

Na condição de Entidade prestadora de serviços de ATER, credenciada no DATER/SAF /MDA e no Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável CEDRUS-RJ; partícipe da construção do Programa Estadual de ATER/ PEATER-RJ a CEDRO tem ciência e vivência das dificuldades de implementação dos Princípios da Política Nacional de ATER, que se engessam mais pelas formulações administrativas que impedem um serviço estável e continuado, como deve ser por sua na-tureza educativa; do que pelo atual estágio de afinidade do público com o manejo da terra, nas suas distintas dimensões produtivas.

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Ao longo de sua trajetória, foram dois contra-tos na área de Maricultura, apoiando alterna-tivas de atividade econômica para famílias de pescadores; diversos contratos no campo da articulação, formação e planejamento parti-cipativo; alguns contratos para consultorias individuais, onde todos esses, se por um lado, proporcionaram maior liberdade de execução e construção participativa dos trabalhos, por outro, tiveram seu objeto focado e restrito no tempo de execução, envolvendo a poucos profissionais da Cooperativa na sua implementação.

É no campo da prestação de serviços ao que tem sido denominado de Reforma Agrária no Rio de Janeiro (assim como no País) que a CEDRO tem obtido sucessivas oportunidades de constituir equipes maiores de profissionais, tem exercido maior diálogo com os movimentos sociais (STTR’s, FETAG, CPT, Associações e Cooperativas Locais) e com ges-tores públicos (INCRA, MDA, Estado, Prefeituras, Banco do Brasil) defendendo posições do interesse dos trabalhadores, no processo de assessoria aos assentamentos contemplados pelo Programa ATES/IN-CRA e mesmo no apoio à elaboração de documentos (Planos) voltados à Recuperação de Assentamentos do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ).

Em todos estes trabalhos a motivação à transi-ção agroecológica tem se feito expressar tanto nos textos produzidos, quanto nas práticas de vivências e de troca de experiências, na roti-na dos trabalhos e nos Encontros promovidos pelos distintos movimentos que compõem a articulação pela Agroecologia no Rio de Janei-ro. Fazer parte dessa história maior é orgulho e motivação de existência para a CEDRO.

Cooperados ao final do Planejamento Estratégico da

CEDRO, em out./2007.

Reunião com Equipe Técnica ATES CEDRO, em jan/2010.

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Através de contrato após processo de Licitação realizada pelo INCRA--RJ, em dezembro de 2009, a CEDRO assumiu a prestação de serviços pelo programa de Assessoria Técnica. Social e Ambiental – ATES para vinte e um (21) Projetos de Assentamento no Rio de Janeiro, locali-zados em diversos municípios e regiões do estado, atendendo a 1.686 famílias assentadas.

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Sistematização Campo e Campus – jovens rurais/quilombolas protagonizando o fortalecimento da agricultura familiar

e a construção do conhecimento agroecológico no RJ

Lia Maria Teixeira1, Carmen Oliveira Frade2, Monica Aparecida Del Rio Benevenuto3, Iranilde de Oliveira

Silva4, Andréia C. Matheus5, Fernanda Oliveira6, Patrícia Dias Tavares7, Luciana Moreira8, Marina Praça9

Contexto histórico

A Articulação de Agroecologia no Rio de Janeiro, a partir do acúmu-lo gerado nas regiões do estado, onde existem diversas experiências agroecológicas, pode identificar demandas de formação e capacitação dos jovens no âmbito da agroecologia. Desta forma, este projeto tem por objetivo possibilitar a construção de uma identidade e protago-

1 - Coordenadoras do Projeto pela UFRRJ - Email: [email protected]

2 - Email: [email protected]

3 - Email: [email protected]

4 - Bolsista EXP-3 CNPq - Email: [email protected]

5 - Bolsista ITI A CNPq - Email: [email protected]

6 - Bolsista de Extensão UFRRJ e membro do GAE - Email: [email protected]

7 - Bolsista Extensão da UFRRJ e membro do GETERRA - Email: [email protected]

8 - Bolsista de extensão da UFRRJ e membro do GAE - Email: [email protected]

9 - Membro do GETERRA atuante na coordenação da Intervivência - Email: [email protected]

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nismo juvenil para o fortalecimento do movimento agroecológico, a partir da aproximação com a temática da agroecologia, e compreensão da necessidade de estabelecer um novo modelo produtivo no campo e na cidade. Resgatando assim valores e práticas culturais que busquem a conservação e preservação do meio ambiente. E que os jovens sejam protagonistas direto neste resgate de cultura e valores junto à comuni-dade e sua organização social.

Três experiências deram base para o desenvolvimento do projeto:

• Atuação com jovens rurais nas comunidades de Casimiro de Abreu, com o projeto Agente Jovens.

• Quilombo do Campinho em Paraty/RJ com o protagonismo juvenil na coleta de palmeira juçara. Buscando a preservação e conservação dos recursos naturais e a permanência dos jovens nos quilombos, mantendo uma estrutura de organização que permita a atuação desses jovens na comunidade, mantendo e resgatando a cultura local.

• Programa de formação de jovens do campo e da cidade organi-zado pelo MST trabalhando o despertar para a sociedade seja na sua atuação nos movimentos sociais do campo quanto da cidade.

Construção do projeto

Para criar condições de consolidar algumas ações isoladas, a AARJ fez parcerias com instituições como a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com intuito de contribuir na execução das deman-das propostas pelo projeto.

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A proposta então foi encaminhada para o Edital MCT/CNPq/CT – AG/ MDA – Nº 23/2008 – Programa Intervivência Universitária. Com o objetivo de atender as experiências já identificadas pela AARJ e am-pliar para as demais regiões.

Metodologia de atuação

A base metodológica está centrada na Pedagogia da Alternância que está relacionada a construção do conhecimento a partir de outro paradigma; protagonismo dos atores que implica em perceber saberes e conhecimen-tos na transversalidade e na interação de processos sociais, econômicos, produtivos, culturais em ocorrência no nexo local-regional-global.

Esta metodologia se adequa aos objetivos da proposta, uma vez que dialoga com os conhecimentos produzidos pelas comunidades locais/regionais, valorizando-os e articulando-os com o espaço universitário--acadêmico.

O acompanhante regional

A cada região foram indicados pelas organizações de 01 a 02 pessoas que são os acompanhantes regionais durante o Tempo Comunidade. Os acompanhantes por conhecer bem a dinâmica da região contri-buem na execução do planejamento feito para o tempo comunidade, fomenta as discussões e ações com comunidade e organizações.

A participação é durante todo o processo de formação da Intervivên-cia, além de fazer esta relação com os jovens também contribuem na coordenação executiva do projeto.

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Preparando para a Intervivência

Os jovens e as regiões

As reuniões da AARJ nas regiões contribuíram para a compreensão da importância da construção e atuação do projeto.

Em algumas regiões como das Baixadas Litorâneas, Costa Verde e Nor-te do estado do RJ, já havia jovens atuando em outros projetos que tem como foco a temática da Agroecologia, desta forma foram indicados por suas organizações/comunidades. A região Metropolitana e Vale Paraíba indicaram os jovens em potencial, que não estão inseridos em projetos diretamente, mas partem de uma realidade que contribuem no debate da agroecologia, seja por experiências do campo ou da cidade.

O projeto também tem por objetivo potencializar experiências agroe-cológicas já mapeadas que não estão articuladas dentro da AARJ, e apresenta as questões e conflitos sócio-ambientais e agrários da região.

Cada Região pode indicar 05 jovens. A relação de Gênero foi levada em consideração, além das características apresentadas pelo próprio edital do CNPq. Como a faixa etária de 15 a 18 anos, e estar matriculado e cursando o ensino médio ou fundamental, bem como estar desenvol-vendo atividades na sua comunidade ou região.

Os jovens e sua forma de apresentação

Após a apresentação dos jovens pelas organizações nas regiões, foram realizados dois espaços de diálogo. Um apenas com os jovens para poder-lhes apresentar o programa de formação, conversar sobre seus

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anseios e desejos em relação ao projeto e o que esperavam sobre este processo. O segundo momento foi com os pais para explicar os objeti-vos e metodologias do projeto, tirar as dúvidas, ouvir as expectativas, acrescentar sugestões à formação dos jovens, e por fim acordar com os mesmos a tarefa de que, no retorno, os jovens precisariam de apoio para o desenvolvimento de suas atividades e atuação em sua unidade de produção familiar, na sua vizinhança, na comunidade e ampliando para a sua região.

Trechos das cartas escritas na dinâmica de apresentação proposta no momento com os jovens:

“Procuro ser uma pessoa que desenvolve projetos de melhoria para a minha comunidade; eu e mais sete jovens desenvolvemos uma estufa de hortaliças para serem vendidas para outros agricultores; com isso procuramos tirar os jovens da rua, dando uma chance para o trabalho com a terra.” (jovem projeto campo campus)

“Participo de cursos; participo de mobilizações pela comunidade. Fui ao 1º seminário de educação do campo e oficinas do PRONE-RA. O curso de agroecologia será uma experiência inovadora, que eu espero também que seja uma experiência para conhecer outras pessoas, trocando conhecimentos e conhecer a Universidade. Saber melhor sobre Agroecologia e poder ensinar para outras pessoas.” (jovem projeto campo campus)

“Está descobrindo seus valores e raízes da cultura Quilombola.” (jovem projeto campo campus)

Nesta fala o jovem ressalta a importância do projeto protagonismo

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juvenil10, que além de proporcionar espaços de trocas de conhecimen-tos e culturas, também vem contribuindo para o seu convívio social. Assim como “espera que haja uma maior valorização da cultura de sua comunidade, e que os jovens e todas as outras pessoas comecem a ter uma participação maior nessa luta”(jovem projeto campo campus)

A Intervivência

A Intervivência é o momento que os jovens passam na Universidade um período de 15 dias, discutindo e adquirindo e transmitindo conhecimen-tos, que por vezes não são tratados como importantes em suas escolas.

Neste período os jovens discutem, participam de oficinas e visitas referentes à Agroecologia, Organização Social, Juventude, Educação do Campo, Cultura e principalmente para troca de experiências entre as diversas culturas e or-ganizações sociais de cada jovem. Ao final da Intervivência é notável a maturidade dos jo-vens em relação ao seu papel na sociedade, na sua comunidade, e com anseios de retornar a

comunidade e contribuir no que já existe, ou que está em processo de construção do protagonismo comunitário assim como a organização social e a valorização cultural.

Tempo Comunidade

O tempo comunidade é parte fundamental na execução do projeto,

10 - Projeto desenvolvido na região Costa Verde pelo IDACO que atua com jovens quilombolas no resgate e preservação da Palmeira Juçara, nativa da Mata Atlântica, onde os protagonistas deste projeto são os jovens.

Visita ao Sitio dos Pimenta/Seropédica-RJ.

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este é a continuidade do processo de forma-ção, mantendo o enraizamento com a comu-nidade ou coletivo de origem e de participa-ção na organização no qual foi indicado. Será o momento de todos/as buscarem criar a sua identidade enquanto juventude na organiza-ção que faz parte e no Movimento Agroecoló-gico. Buscando primar neste momento ações que possam articular a comunidade, e outros jovens sejam agregados à este processo de formação, resgate e fortale-cimento das organizações sociais que fazem parte.

A atuação no Tempo Comunidade foi organizada por região e por afi-nidade entre os jovens, e as suas perspectivas de atuação, seja na famí-lia, na comunidade ou em âmbito de região na sua organização e no movimento agroecológico.

Todas as atividades foram traçadas durante a Intervivência, buscando rea-lizar planejamento de atuação e de acompanhamento, com objetivo de dar suporte na execução das ações ou até mesmo no amadurecimento e refle-xões quando as atividades pensadas não poderiam ser desenvolvidas.

Problemáticas do Tempo Comunidade

• A falta de recurso:

- Fez com que muitos jovens mudassem seus planos de atua-ção. Muitos conseguiram apoios regionais como doações de mudas, sementes, transportes e etc.

- Dificultou o acompanhamento a ser realizado no Tempo

Visita a Rede Fito Vida/Campo Grande-RJ.

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Comunidade tanto pela coordenação quanto pelos acompa-nhantes das regiões.

• As organizações tiveram muitas dificuldades de acompanha-mento do projeto, fossem por motivos políticos ou de viés eco-nômico.

Avanços no Tempo Comunidade

• Mesmo com a falta de recursos os jovens não se deixaram de-sanimar. Muitos foram observando que o planejamento deverá sem bem elaborado de acordo com a realidade em que estão inseridos. Assim houve mudanças em seus trabalhos, mas não deixaram de realizar dando retorno para sua família e para sua comunidade, através de relatos de como foram os dias na In-tervivência.

• As parcerias das Associações Locais, de Escolas, de Técnicos e Universidades puderam fazer com que os jovens executassem as tarefas e os planejamentos de atividades a serem desenvolvidas na comunidade e na região.

• A participação dos jovens nos espaços da AARJ, é fundamental.

- Nas organizações de eventos como aconteceu na região Me-tropolitana,

- Participação na escolinha de agroecologia e em eventos como a feira de saúde e medicina popular na região Norte,

- Discussão sobre a identidade quilombola e a preservação da

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mata atlântica e da palmeira juçara como tem acontecido na região de Paraty.

- Discutir a conservação da biodiversidade através das Se-mentes Crioulas como tem acontecido com os jovens da re-gião Serra Mar,

- No Vale do Paraíba houve uma troca de experiências entre os jovens e os demais assentados a partir do ninho feito com bananeira11 pelos jovens.

Conclusão

O projeto apesar de estar em andamento já surte efeito na atuação dos jovens, através da execução das ações planejadas para o tempo comunidade. As parcerias da AARJ com entidades e instituições (UFRRJ, CAIC, Embrapa Agrobiologia, Universidade Estadual Norte Fluminense – UENF, entre outras), são importantes para a execução do projeto e na construção de propostas de continuidade e acompa-nhamento.

O Tempo Comunidade (em andamento) tem demonstrado a pers-picácia dos jovens na busca por seus espaços de discussão, aprimo-rando parcerias nas suas comunidades e região com objetivo de fo-car ações existentes que possam contribuir no desenvolvimento das ações propostas, assim como fortalecer o Movimento Agroecologico.

11 - Prática utilizada ao inicio de recuperação de áreas degradadas ou em plantio de hortas, quando fazem plantio de bananeiras em formato de ninho.

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Agradecimentos ao:

CNPq pelo financiamento do Projeto Campo Campus e disponibiliza-ção de Bolsas.

A UFRRJ pela coordenação do projeto; ao Decanato de Extensão por disponibilizar bolsas de extensão à estudantes atuantes no projeto, a Reitoria pelo Apoio logístico durante a Intervivência e ao CAIC por sede as instalações que foram usadas como alojamento e salas de aula.

E a todas as Organizações que fazem parte da Articulação de Agroeco-logia em cada região, assim como as pessoas que nas regiões dedicam parte de seu tempo em Acompanhamento Pedagógico as atividades dos jovens.

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ABIO – Associação de Agricultores BIOLÓGICOS do RJ: duas iniciativas no

pioneirismo da organização de produtores e consumidores de alimentos orgânicos

Em 1984, um pequeno grupo de agricultores reuniu-se na cidade de Nova Friburgo, estado do Rio de Janeiro, para implantar a primeira feira de alimentos orgânicos do Brasil. No ano seguinte, esse mesmo grupo fundou a Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro - ABIO, com o objetivo de contribuir para a expansão do movimento orgânico, então incipiente no país.

Desde então a ABIO vem participando dos mais diferentes embates, que passaram pela definição do conceito de “agricultura orgânica”, pelo debate e sistematização de normas técnicas para certificação da produ-ção; pela integração inter-institucional à Rede Agroecologia Rio, além do processo essencial de formação e consolidação de Núcleos de Pro-dutores orgânicos e instituição de canais para a comercialização, cons-tituindo-se numa incansável instituição de representação e difusão das possibilidades da agroecologia.

Seus cerca de 200 associados encontram-se distribuídos em onze (11) Núcleos, presentes no conjunto das regiões do estado do Rio de Janei-

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ro. Entre as diferentes possibilidades para a sistematização e expressão da experiência da ABIO, duas foram apresentadas e reunidas para esta publicação. A Feira Orgânica e Cultural da Glória e o Sistema Partici-pativo de Garantia, remetem a iniciativas complementares no fortale-cimento da transição agroecológica no Rio de Janeiro.

A feira orgânica e cultural da Glória

História e contexto

A Feira Cultural e Orgânica da Glória foi criada em 1994, a partir de uma iniciativa conjunta da ABIO e da COONATURA1. Originalmen-te, a COONATURA ficou responsável pela organização geral da Feira, cabendo à ABIO os aspectos técnicos ligados à produção e a garantia da qualidade orgânica dos produtos comercializados. Com a extinção da COONATURA, a ABIO assumiu a responsabilidade pela iniciativa, mantendo, no entanto, todos os princípios de gestão acordados no mo-mento da sua implantação, os quais serão descritos adiante.

Os anos noventa do século XX, quando a Feira foi criada, foram, tam-bém, os anos que marcaram o início do fornecimento de produtos or-gânicos para as grandes cadeias de supermercados, em parte provocado pela ABIO. Foram criadas empresas distribuidoras, e uma associação, a Horta Orgânica, dedicou-se a reunir a produção dos agricultores da região Serrana para a venda coletiva a essas cadeias.

1 - Associação Harmonia Ambiental, uma cooperativa de consumidores, voltada para o acesso a alimentos de qualidade por meio de circuitos alternativos. Na década de setenta do século passado, a COONATURA implantou uma área de produção de hortaliças orgânicas na localidade do Brejal, município de Petrópolis, que depois se tornou autônoma, e hoje se constitui em no mais antigo e no principal núcleo de produtores orgânicos do estado do Rio de Janeiro.

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O entusiasmo inicial provocado pelos grandes volumes escoados atra-vés dos supermercados, somado ao direcionamento quase exclusivo da ABIO para as atividades de certificação, contribuiu para o enfraqueci-mento das iniciativas de venda direta. Esse fato torna ainda mais rele-vante a permanência da Feira Orgânica e Cultural da Glória, que tem se mantido em funcionamento ininterrupto com suas próprias forças, todos os sábados pela manhã, na Praça do Russel.

O escoamento dos produtos orgânicos via supermercados logo revelou suas limitações: custos elevados, provenientes da exigência de embala-gens e de uma logística de distribuição complexa; imposição da mes-ma lógica que rege a comercialização de produtos da agricultura con-vencional; competição desenfreada com produtos orgânicos de outros estados; prática de preços elevados ao consumidor, sustentando uma visão de mercado de nicho.

Além da substituição da certificação por um Sistema Participativo de Garantia, (artigo a seguir apresentado) por meio do qual se trabalhasse também a construção do conhecimento agroecológico e o assessora-mento técnico aos agricultores, a Associação volta a lutar pela implan-tação de pontos de venda direta de produtos orgânicos em espaços pú-blicos, tomando a Feira Orgânica e Cultural da Glória como referência e inspiração, e instigando seus Associados a protagonizarem essa luta.

Organização

Em 2010, registra-se na participação direta da Feira Orgânica e Cultu-ral da Glória sete agricultores individuais, dois grupos de agricultores e dois comerciantes que atuam como prepostos de grupos de agricultores. Como os agricultores individuais também recebem produtos de outros

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agricultores para venda, a Feira envolve cerca de quarenta agricultores de diferentes regiões do estado do Rio de Janeiro, principalmente a Ser-rana e a Metropolitana. O envolvimento desse número significativo de agricultores é responsável pela oferta diversificada de hortaliças, frutas, ovos, laticínios e produtos apícolas. Complementados por produtos in natura e processados provenientes de outros estados e comercializados por dois feirantes, e por produtos de panificação artesanal, essa diversi-dade representa um dos fatores de sustentação da Feira.

Apesar de não possuir um espaço reservado para alimentação, a Feira conta com duas barracas voltadas para produtos destinados ao consu-mo no local.

A produção que circula é registrada em formulários, chamados roma-neios, preenchidos pelos feirantes a cada feira. Os romaneios têm como objetivo controlar a origem dos produtos, permitindo a verificação de que todos eles estão submetidos a alguma forma de garantia de cumpri-mento dos regulamentos da produção orgânica. Constituem-se, além disso, em uma fonte de informações para que se trabalhe o equilíbrio da oferta e a complementação dos produtos entre as diferentes regiões; no entanto, têm sido pouco utilizados com esse objetivo, em razão da falta de recursos da ABIO para sistematizá-los e analisá-los.

A Feira da Glória tem funcionado como um pequeno entreposto de produtos orgânicos, no qual vem se abastecer pequenos comerciantes, como lojistas e fornecedores em domicílio. Apesar das limitações de infraestrutura, essa função atende uma necessidade que já vem sendo percebida pela ABIO há tempos: a de implantação de um espaço que reúna a oferta de produtos orgânicos do estado do Rio de Janeiro e fa-cilite a distribuição dos mesmos aos pontos de varejo da cidade .

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Uma das principais formas de expressão do sistema de autogestão que vigora na Feira Cultural e Orgânica da Glória, desde as suas origens, está relacionada à entrada de novos feirantes. A solicitação para par-ticipar é encaminhada ao Coordenador da Feira, que verifica, junto à ABIO, a garantia da qualidade orgânica dos produtos, e provoca uma reunião para discutir a solicitação, da qual participa o proponente. A decisão cabe exclusivamente ao coletivo dos feirantes.

Historicamente, têm sido admitidos novos feirantes apenas quando se abre uma vaga, ou seja, quando algum feirante antigo deixa a Feira, ou quando se trata de um produto diferente, ainda não ofertado em nenhuma barraca. Este vem sendo um ponto de tensão entre diferentes visões: alguns defendem a abertura e a ampliação da Feira, enquanto outros consideram que a competição não deve ameaçar a viabilização econômica dos atuais feirantes, que construíram e sustentaram a Fei-ra ao longo dos seus quinze anos de existência. A última visão tem prevalecido, e não ocorrem conflitos explícitos em torno da questão: esgotadas as argumentações, as decisões sobre o tema costumam ser tomadas por consenso.

O coletivo de feirantes é, na verdade, responsável pela construção dos acordos que regem o funcionamento da Feira, desde a escolha do Coordenador, até o rateio das despesas. Ao Coordenador cabe executar as decisões tomadas coletivamente, administrar as finanças e prestar contas aos feirantes do uso dos recursos arrecadados. O Coordenador também promove atividades que dinamizam a Feira como um espaço de trocas entre os agricultores e entre estes e os consumidores, como eventos culturais e visitas aos sítios dos feirantes agricultores.

Assim, a ABIO, enquanto Associação de agricultores, constitui-se em um dos elementos do sistema de auto gestão da Feira Cultural e Or-

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gânica da Glória. Seu papel é o de facilitar o processo e promover ar-ticulações institucionais com os órgãos públicos, inclusive buscando parcerias com vistas à captação de recursos a serem investidos na Feira.

A ABIO atua, ainda, no controle da qualidade orgânica dos produtos comercializados no espaço da Feira, e buscando o aperfeiçoamento des-se espaço como uma expressão da agroecologia. Nesse sentido, o traba-lho se desenvolve também junto aos Núcleos de Produtores, onde são realizadas oficinas de comércio justo e economia solidária, planejamen-to da produção e formação de preços, cujos resultados espera-se que se reflitam nas práticas que se desenrolam na Feira, e sirvam como com-bustível para o exercício da cooperação nas relações com o mercado.

Desafios

Um longo caminho que precisa ser percorrido para que os produtos or-gânicos se tornem acessíveis a um número maior de consumidores. A ABIO assume esse desafio, e considera a venda direta em suas diferen-tes modalidades, e as feiras em particular, como um espaço privilegiado para se refletir sobre esse tema, e para o exercício de práticas inovadoras.

No entanto, para os feirantes que participam da Feira Orgânica e Cultu-ral da Glória, nenhum tipo de administração de preços se coloca como alternativa. Cabe à Associação manter o debate vivo nos Núcleos de Produtores e na própria Feira, provocando os agricultores a lançarem um olhar crítico sobre a lógica de formação de preços que prevalece nos mercados, e apoiando-os na busca pela redução de custos por meio da incorporação dos princípios agroecológicos aos sistemas produtivos e da prática da cooperação e do associativismo na comercialização dos produtos.

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A experiência na implantação do sistema participativo de garantia – SPG, no Rio de Janeiro

História e contexto

A luta pelo reconhecimento de mecanismos de garantia de produtos orgânicos alternativos à certificação por auditoria teve início no I ENA – Encontro Nacional de Agroecologia, em 2002. Nessa ocasião, for-mou-se o GAO – Grupo de Agricultura Orgânica que, constituído por representantes da sociedade civil e do governo, passou a intervir direta-mente na construção do marco legal da agricultura orgânica brasileira.

Ao longo de sete anos, até a publicação da Instrução Normativa nº 19 - Mecanismos de Garantia, o Grupo de Trabalho de Sistemas Participa-tivos de Garantia do GAO promoveu, com o apoio de diferentes órgãos governamentais2, trocas de conhecimentos e debates por todo o Brasil, com o objetivo de avaliar e demonstrar a eficácia das diferentes expe-riências em curso no país e no mundo, e de incorporar seus princípios e formas de funcionamento aos instrumentos legais em construção.

A ABIO participou direta e intensamente desse processo, inclusive da coordenação do GT de Sistemas Participativos de Garantia do GAO.

O sistema de garantia adotado pela ABIO, apesar de incluir elementos de auditoria, possuía forte componentes participativos. A ABIO é uma Associação formada por agricultores – que, em última instância, detêm o poder de decisão sobre as regras de funcionamento do sistema. Além disso, as avaliações das unidades de produção do ponto de vista das normas da agricultura orgânica eram, também, tratadas como ferra-

2 - Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e PESAGRO--RIO.

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mentas para as atividades de assistência técnica e extensão rural que, ainda que de forma incipiente e limitadas pela falta de recursos, eram desenvolvidas nos Núcleos em que os agricultores se organizavam.

Por isso, a ABIO, com suas características específicas, foi reconhecida com uma experiência de certificação participativa, ao lado da ACS--Amazônia (Associação de Certificação Sócio Participativa da Amazô-nia), da Rede Xique Xique (Rio Grande do Norte) e da Rede Ecovida de Agroecologia, dentre outras.

Os procedimentos adotados pela certificação por auditoria foram ela-borados para ser aplicados a processos de produção industriais, cuja característica principal é a repetição. Eles partem do princípio de que, se um processo pré definido for aplicado a um conjunto de matérias primas, o resultado serão produtos idênticos, portadores das caracte-rísticas que serão avaliadas. Diferentemente, a agricultura orgânica não se faz a partir de “pacotes” tecnológicos, mas da aplicação dos princí-pios da agroecologia a uma infinita diversidade de condições ecológi-cas, sociais e culturais; isso exige uma avaliação mais complexa, cujos procedimentos devem, também, contemplar essa diversidade.

Outra questão intensamente debatida no GAO foi a da neutralidade da avaliação, proporcionada pela “terceira parte independente” (a ins-tituição certificadora), que os sistemas participativos não seriam ca-pazes de prover, comprometendo, assim, a qualidade da garantia. O que as experiências de garantia participativa demonstram, no entanto, é que, como a neutralidade absoluta simplesmente inexiste, o encontro dos diferentes interesses em jogo – às vezes convergentes, às vezes con-flitantes – proporcionado pela participação é perfeitamente capaz de alcançar o mesmo resultado buscado pela certificação por auditoria: a garantia da qualidade orgânica dos produtos.

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A impossibilidade de as certificadoras atuarem no assessoramento técnico aos agricultores foi um fator decisivo para que os sistemas participativos demonstrassem sua melhor adequação à agricultura familiar e à pequena produção orgânicas. Numa situação de perma-nente limitação de recursos, não fazer das visitas de avaliação tam-bém visitas de troca de conhecimentos acaba por excluir da produção orgânica aqueles agricultores que não têm como buscar por conta própria os meios para corrigir as não conformidades aos regulamen-tos detectadas nas inspeções.

A convivência no Grupo de Trabalho de SPG do GAO, e com a di-versidade de experiências que brotavam pelo Brasil afora, foi decisiva para a opção que a ABIO veio a fazer, na reunião da Assembléia Geral de abril de 2007, pela adoção do Sistema Participativo de Garantia. Em debates realizados nos Núcleos, fortaleceu-se a convicção, por um lado, quanto à inadequação, para a agricultura orgânica de base familiar e para a pequena produção, da certificação por auditoria; e, por outro lado, quanto à eficácia da participação como mecanismo de garantia.

Uma vez promovidos os esclarecimentos e as discussões sobre os di-ferentes mecanismos de garantia previstos, solicitou-se que os Asso-ciados manifestassem sua opção individual por um deles. É impor-tante ressaltar que a opção, seja por qual mecanismo for, não elimina, por si só, o vínculo do agricultor com a ABIO. Assim, em alguns ca-sos, todos os Associados de um Núcleo optaram pela certificação; em outros, em um mesmo Núcleo, alguns Associados optaram pela certificação, outros pelo SPG. Dentre os agricultores familiares e pe-quenos produtores, a grande maioria optou pelo sistema participati-vo de garantia.

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Organização

A base do SPG-ABIO são os Núcleos da Associação, atualmente em número de onze, a saber: Nova Friburgo, Itaboraí, Cachoeiras de Ma-cacu, Teresópolis, Petrópolis, São José do Vale do Rio Preto, Seropé-dica, Paty do Alferes, Noroeste, Valença e Rio da Prata. No interior dos Núcleos, constituem-se os Grupos, formados pelos Associados que aderem ao SPG-ABIO como membros fornecedores (produtores e co-merciantes) e pelos consumidores e técnicos que a ele aderem como membros colaboradores.

No SPG, o papel da ABIO é o de, enquanto pessoa jurídica, represen-tar legalmente o Sistema perante os órgãos públicos, e assumir a res-ponsabilidade legal pelo conjunto de atividades desenvolvidas, e pela garantia delas resultante. Cabe também à ABIO emitir os documentos do Sistema, organizar e guardar os registros e documentos relativos à avaliação da conformidade. Para cumprir essas funções, a ABIO pos-sui, na sua estrutura, um único órgão especificamente voltado para as atividades do SPG, a Comissão de Avaliação, que é acionada apenas quando demandada. A vida do SPG-ABIO se desenrola nos Núcleos.

Cada Grupo deve formar sua Comissão Local de Avaliação, constituí-da obrigatoriamente por membros fornecedores (produtores e comer-ciantes) e, sempre que possível, também por membros colaboradores (consumidores e técnicos). A Comissão Local de Avaliação é responsá-vel pela realização das Visitas de Verificação às unidades de produção.

Ao final de cada Visita de Verificação, a Comissão emite, na presença do produtor visitado, o seu parecer sobre a conformidade da unidade visitada aos regulamentos da produção orgânica. A visita e o parecer da Comissão são relatados em reunião do Grupo, que é o responsável

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pela decisão final da avaliação. O parecer do Grupo, assinado por todos os membros presentes na reunião, é repassado à Coordenação da ABIO, que emite o Certificado de Conformidade Orgânica do pro-dutor.

São também atividades obrigatórias do SPG-ABIO as visitas entre produtores, chamadas visitas de pares.

Cada Grupo constrói, a partir dos parâmetros da legislação, o seu próprio “Acordo de Funcionamento”, que contêm, no mínimo, os critérios para a escolha e a duração do mandato dos membros que compõem a Comissão de Avaliação Local, os mecanismos de con-trole a serem utilizados pelo Grupo nos intervalos entre as visitas de verificação e as atividades nas quais é obrigatória a participação dos produtores.

Todo esse processo, além de verificar se os regulamentos estão sendo cumpridos, tem como objetivo promover ações de natureza preventiva que garantam o cumprimento dos regulamentos da produção orgâni-ca, assessorar os fornecedores para a resolução das não conformidades e para o aperfeiçoamento dos sistemas produtivos, bem como promo-ver a troca de experiência entre os participantes do Sistema.

Já estão constituídos cinco Grupos do SPG-ABIO: Nova Friburgo, Petrópolis, Seropédica, São José do Vale do Rio Preto e Valença. Um grupo de Tombos/MG, ligado à APAT – Associação dos Produtores Agroecológicos de Tombos também aderiu ao SPG-ABIO. A práti-ca desses Grupos será a matéria prima para a elaboração do Manual de Procedimentos da ABIO, com o qual a Associação dará entrada no seu pedido de credenciamento como Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade junto ao Ministério da Agricultura.

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Desafios

Em primeiro lugar, será preciso substituir a “cultura da certificação” pela “cultura da participação”. Do ponto de vista da ABIO, a participação vai muito além da presença de agricultores em encontros e reuniões. Partici-par significa se apropriar do poder de decisão, o que não acontece auto-maticamente ao se substituir o mecanismo de garantia certificação pelo mecanismo de garantia SPG. Tem se manifestado, às vezes, no processo de implantação do SPG-ABIO idéias e comportamentos arraigados, que reproduzem o espírito da auditoria no interior de métodos supostamen-te participativos. O cuidado para que isso não se cristalize e para que o SPG-ABIO não se transforme em uma certificação disfarçada é perma-nente, e exige um trabalho – e recursos para que ele se realize – sistemá-tico e metodologicamente bem fundamentado.

Em segundo lugar, na medida em que cada agricultor é co-responsável pela decisão de conformidade orgânica da sua própria produção e da produção dos demais membros fornecedores do Grupo, todos preci-sam ser capacitados e conhecer os regulamentos da produção orgânica, o que também demanda o provimento permanente de recursos.

Finalmente, a qualidade do SPG-ABIO será dada pela capacidade da As-sociação de promover a inclusão de consumidores e técnicos parceiros ao processo, de incorporar ao Sistema a diversidade de práticas que cer-tamente brotarão dos Grupos, e de facilitar as trocas entre esses Grupos.

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Conclusão

Fortalecimento da transição agroecológica no Rio de Janeiro: perspectivas e desafios

Ressaltamos que as experiências aqui retratadas dizem respeito às fa-mílias e comunidades que encontraram na Agroecologia um caminho para retomar as rédeas de seus destinos. Expressam em suas experiên-cias caminhos e possibilidades de continuarem como agricultores fa-miliares camponeses, tanto nas áreas rurais como nas áreas urbanas e periurbanas do Rio de Janeiro. Assim como muitos reaprendem a pos-sibilidade de tornarem-se agricultores, como forma de ganhar autono-mia e reinventar a forma de viver. Os protagonistas aqui em questão envolvem um conjunto de atores sociais, os quais têm em comum as práticas de resistência frente à desterritorialização, à industrialização da vida, e ao avanço do modelo dominante de desenvolvimento.

Um grande desafio que pautamos a partir desta publicação é o for-talecimento da transição agroecológica no Rio de Janeiro. Fortalecer as experiências localmente, gerando um processo em rede que mobi-lize mais agricultores com mais experiências, e possibilite um forta-lecimento em escala regional, estadual e nacional. Verificamos nesse processo de sistematização como diferentes práticas sociais constroem alternativas, acumulando aprendizados.

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Sobretudo, ressaltamos que a Agroecologia não é somente um processo vinculado às instituições e técnicas de substituição de insumos sinté-ticos por insumos “orgânicos”; ela vem sendo construída na força do processo social e dentro de um processo de aprendizagem e de cons-trução do conhecimento, coletivamente. Pautamos duas vertentes de construção do conhecimento agroecológico, uma social e outra insti-tucional, cujo desafio que apontamos é o da aproximação e da constru-ção deste encontro e diálogo. As instituições operam com projetos que tem o desafio de dialogar com os processos sociais, com sua dinâmica espaço-temporal e com a complexidade da vida em sua concretude, bem como com a realidade da vida das pessoas e das práticas sociais camponesas. O desenvolvimento rural é fruto do processo social, e não de projetos que desconsideram e atravessam a dinâmica de organiza-ção comunitária. Perceber em conjunto num processo de aprendizado integral, tanto o ensino, a pesquisa, quanto a extensão, experimentan-do um processo dinâmico em que na formação coletiva se ensina, se pesquisa e se intercambia.

É importante sublinhar que estamos assumindo a valorização de prá-ticas populares, que são compreendidas aqui nesta publicação como um potencial de experiências que individualmente e coletivamente vem construindo conhecimento. Trata-se de um novo conhecimento, histórico em suas práticas, e frequentemente considerado atrasado por não seguir o pacote tecnológico do modelo dominante de desenvolvi-mento; contudo, inovador nas respostas que vem conseguindo oferecer aos atuais dilemas sociais e ambientais da cidade, do campo, e da terra.

Um processo de construção do conhecimento que requer outro mé-todo, que considere um novo olhar para a diversidade e para o prota-gonismo dos atores sociais e para o território, valorizando o diálogo de saberes, tão pouco praticado por organizações e instituições. Ele

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exige a presença de profissionais em formação, de técnicos, professores e pesquisadores que partam da aproximação das experiências agroe-cológicas, e que permitam vivenciar os processos sociais e construir os participativos. Esclarecidos que é importante desenvolver participa-tivamente metodologias e processos de construção do conhecimento agroecológico a partir de uma intervenção horizontal, comunicativa, dialógica, e na qual pesquisador e pesquisado; agricultor e técnico; pro-fessor e estudante; consumidor e agricultor estão juntos, possibilitando mapear o que vem sendo marginalizado, e que é considerado como residual, arcaico, extinto, ou em processo de desaparecimento. A par-tir deste mapeamento, poder visualizar um processo na contramão da destruição da vida, perceber a existência de um processo em sinergia com a vida, com os ciclos ecológicos, com a renovação da água, com a recuperação da floresta, conjugado à reprodução de modos de vida ligados a terra, de agricultores, pescadores, e populações tradicionais.

Através desta publicação, chamamos a atenção para a necessidade de políticas públicas que tenham um viés agroecológico, e que efetiva-mente apoiem as iniciativas sociais de base ecológica, desprezando a homogeneização como melhor forma de se alcançar a eficiência. Po-demos perceber nas várias experiências aqui retratadas o significado destas para a vida das pessoas, assim como as múltiplas dimensões ali presentes: ecológica, social, cultural, política, ética e econômica. Ao tratarmos de políticas públicas podemos exemplificar que um desafio posto é a concepção de natureza. Vem sendo reconhecida como unâ-nime no conjunto das experiências que tem interface com floresta e vegetação bem conservada, que existe nos órgãos ambientais uma con-cepção exógena que trata a natureza como uma natureza sem gente. Assim, entende-se que os locais onde a natureza está vigorosa são, por conseguinte, áreas em que o ser humano não é bem vindo. As ações

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acabam, portanto, por proibir, criminalizar, ou invisibilizar as popu-lações tradicionais, ou mais ainda, retirando-as de seus locais de mo-radia. Valorizar as interfaces e a unidade que existem entre manejos tradicionais da terra e populações tradicionais é poder construir uma concepção diferente de natureza, a qual inclui os moradores e agricul-tores como parceiros, reforçando a ideia da existência de uma raciona-lidade ecológica na agricultura familiar camponesa.

Concluindo, ressaltamos que estas 21 experiências aqui descritas são uma pequena amostra do processo sócio-técnico vinculado à Articu-lação de Agroecologia no Estado do Rio de Janeiro, e que se insere num conjunto maior de experiências já identificadas. Isto nos remete ao nosso principal desafio que é o de ampliar a nossa atuação em rede, possibilitando que outras experiências e processos agroecológicos ain-da não alcançados por nós, se vinculem de forma autônoma à AARJ. Com isso haveria a possibilidade não só de sua sistematização, como também favoreceria a participação ativa de seus protagonistas no pro-cesso, permitindo que as decisões coletivas tenham maior legitimidade e contribuam para a ampliação de uma agricultura familiar fluminense em bases agroecológicas, onde seus modos de vida, seus territórios e sua rica diversidade, sejam respeitados e ampliados. Nessas bases, a agricultura cumpriria não só a função social de produção de alimentos, mas também contribuiria para uma melhor distribuição das riquezas e conservação dos recursos naturais.

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Verdejar

Morar em Piabas, quando será?

A Serra é quem clama, Misericórdia!

Entre balas e fumaças, Zona Norte, Rio

A Serra se lança no maior desafio

Verdejar, já!

Já te amo Serra da Misericórdia, te amo!

O seu verde precisa verdejar essa redondeza, sem paz, pálida e poluída

Te amo Serra da Misericórdia, te amo!

Penha, Inhaúma,

Olaria, Complexo do Alemão, Ramos, Bonsucesso

Engenho da Rainha, Tomás Coelho, Vicente de Carvalho

Vila Cosmos, Vila da Penha e Penha Circular

Circundam a Serra da Misericórdia

Te amo Serra da Misericórdia, te amo!

O seu verde precisa verdejar essa redondeza, sem paz, pálida e poluída.

Te amo Serra da Misericórdia, te amo!!!

Luiz Poeta

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