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0 0 corrsu rno s'~lr¥e pO'lra pense r1 U Mt>. ZOIN A Pfl:O PiGA para COlupliovar q u e 0 se nso comurn nao CO] ncide com 0 b om sens 0 e ( I con S~ m o Na Hrrtguagern corriqueira, eensumir costurna ser associado a gastcs .im(iJu~ise com,plLllsoes irraciouais. Esa desqu.d.i fi(;<li~ a o moral e itel ectual e ap6 ia e r n outrcs lugares-comuns sabr ~1 onipotencia. dos melos d e 11I1I<lS a, que inc iUIT] am nSIlHlss as < I . se Ia[l~arem irrefletid arne nte so bre os ben s, Ai~Hl,<1 M qt~e-m justifique n pobreza alegando que as pessoas eempram releviscres, vldeecassetes e carro s enquanto ]hes fa l ta c asa propria, Co m 0 se explica qu e famflias que n~o lem 0 que comer e vestir d uranre 0 an 0 , qua ndochega a N ~U!] dis s]pan'll 0 p 0'1.1 co a mai s que gan harem em fest.• s e presentee? Sera. q I I e os adeptos d a cornu n ic agao de 11H!1.8S a n~iQse dao conn de que os U'louici l:'] os menrem e as tel enovelas distor- cern. a vid a r e ~J'?

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00 corrsu rno s'~lr¥e

pO'lra pense r 1

U Mt>. ZOIN A Pfl:OPiGA para COlupliovar que 0 se n so

comurn nao CO]ncide com 0 b om sens 0 e (I con S~mo.

Na Hrrtguagern corriqueira, eensum ir costurna ser

associado a gastcs .im(iJu~ ise com,plLl lsoes irraciouais.

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doceis audlencias, Sabe-se que um bom rnimero de

estudes sabre eornun ica(f50 de mas sa tern rnostrado que

< I. h eg em cn ia c ultu ra l na o se re aliz a m ed ia nte acees

vert icai s, onde os domi nadores capturari am 0 S recep ~

teres: entre uns e outros se reconhecern mediadores

como a familia, 0 bairro e Q grupo de trabalho,2Nessas

ana ] ises dei x ou -s e ta rn be m d e c on ce be r o s v fn cu l 0 5 entre

aqueles que emitem as rnensagens e aqueles que as

recebem com o relacoes, unicam ente, de dom inacjlo. A

cornurrieacao na D e eflcaz se nan inclui tamberninte-

raeoes de colaboraciio e tral'lstlfUO entre unse outros,

Para. avam~ar ne s r a 1inha e . neces sari (I siuar os

processes comunicacionais em urn quadro conceitual

rnais amplo, que pode surgir das reorlas e investiga-

~oe$ sobre 0 consume. 0 que significa consumir? Qual

e. a razao - para os produtores e pam os consum i-

dores - que faz corn que 0 consume se expand a e se

renove incessan temente?

Rvmo 0uma teoria

mu/t,.drscip';fiCir

N a G e facil responder a estas perguntas, Ainda

que as pesquisas sobre 0 < consumn tenham se rnultlpli-

cado nos ultim .o s arIOS,> reproduzem a .segme nta ~a .o e

desconexso exisrente entre- as eiencias sociais. Ternes

teorias economicas, scclologicas, psicanalfticas, psicos-

sociais e antropologicas sabre 0 que ocorre quando

cons u r n ima s; h a te o ri a s I ite ra ri a s so bre a . recepcao e

teorias esteticas scbre a fortuna critica das obras at-risticas. Mas nao existe uma teoria sociocultural do

!on.nmw. Tentarei reun ir Hes tas notas aspri.nc ipais

I inhas de Inrerpretacno e assinalar ns seus possiveis

pontes de confluencia, COm 0 objetivo de partieipar de

uma conceitual iza~ao global do consume na qual

possam ser incluidos os processes de comunlcacao e

recep~lio de bens simboliccs.

Proponho partir de uma definic;ao; 0 consume

e 0 conjuntc de pmcessos socioculterais em que se

realizarn a apropriacao e os usos dos produtos .. E sta

caracterizacdo ajuda a enxergar os atos pelos quais

consumimcs c-omo algo mais do que simples exercfcios

de gostos, caprichos e compras irrefletidas, segundo

os julgamentos moralistas, ou atitudes individuals,

tal como costumam ser explorados peJasllesquisas

de rnercado.

N a perspectiva desta defirricjio, 0 consume ecompreendido sobretudo pela sua. racionalidade eco-

nomica .. Estudos de diversas correnres consideram 0

consume como urn mem ento do ciclo de plf'Odu~ ao e

reprcducao soda]; e 0 lugar em que se ccrnpleta 0

processo iniciado cum a geracao de produtcs, em qu e

se realize a expansao do capital e se reproduz a for c; :. ade rrabalho, Sob este enfoque, nilo S ao .1 .£ 1necessldades

ou os gcstcs individuals que determinam Q que; como

e quem consom e. 0 m odo com o se planifica a distri-

bu i~iiio des b ens depende das g randes estruturas de

admi nistracao do capital, Ao se organizar para prover

alimento, habitacao transporte e diversao aos mem-

bros de urna sociedade, 0 sistema econdmico "pensa"

como rep roduzir a ~or~11 de trab al hoe au memar <I

lucrarividade des produtos. Podemos na.o estar de acor-

do com a estrategia, com a seleeao de quem consumira

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mats au m enos, m as e inegave! que as ofertas de bens

e a indl,H~aiQpublicitaria de sua compra nao sao atos

arbitrarios.

No entanto, a racionalldade de tipo macrcssocial,

definida pelos grandes agentes econom icos, nao e a

tI n ic a que mode] a o can sumo. Os estudos man. istas

sobre 0 consume e sobre it primeira etapa da eomunl-

ca~ii0 de m assa (de ]95 () a 1970) Supe resti rnarama

capacidade de determinacao <las empresas em re]a~,ao

aos usuaries e ,asalldiencias.J I Jma teoria rnais COIl1~

plexa sobre a interacao entre produtores e consu-

midores, entre em issores e receptores, tal COmO a de~

senvolvem algumas correntes da antropclogia e da

so c i0 1o gia u rb ana, rev el a q 1Ie no cons um o 5e rna n ifesta

tarnbern uma racionaiidade sociopolitica interativa.

Quandovemos a proliferacao de objetos e de rnarcas,

de redes de comunicacjio e de acesso ao consume, a

partir da pe rspec tiva dos movimentos de consumidores

e de s u as demaadas, perceb emos que as regras -

In 6vei s - da distin~5!o e n t re osgrupos da e xp an s ~ o

educacional e das inovacoestecnologicas e da mcda

t am h em intervern nestes prnces sos, 0 cons U 0 "10 , di z

Manuel Castella, e um lugar onde 'os conflitos entre

classes, originados pela desigual participacao Iliaestru-

rura produtiva, ganham connnuidade atraves da distri-

bui\;!lo e apmpriacan dos bens.' Consumir 6 participar

de : um cenario de disputes por aquilo que a socie-

dade prcdu z e pel os modus de u Sa -1 0, A im p o dan ci a

que as demand as pelo aumento do consume e pelo

salarin jndireto adquirern nos conflitos sindicais e a

reflexao crftica desenvolvida pelos agruparnentos de

censurnidores sao evidencias de como 0 consume e

pensade desde os setores populates. Se algurna vez

esra quesrao foi territorio de decisfies m ais ou m enos

unilaterais, hoje 6 um espaco de interacao, no q U < I : I us

pro d u teres e emi sse res rlao so. dev em sed uzir os des-rinatarios, mas t arnbem just if ic a r- se racionalmente.

Percebe-se jarnbem a importancia politica do

consume quando vemos politicos que deti veram a hipe-

rinfla9ao na Argentina, no Brasil e no Mexjco centra-

rem sua estrategia de consume na ameaca de que uma

mud an ca d e o rte nra eso econfnnica afetaria aq ueles q ue

se end ividaram comprando a prazo caHOS QU apa:re-

lhos e]urodom,estlcos. ,.,Se nau querem que a inf! a~a.o

volte, aumentem as taxas de juros e naio ccnsigam

contlnuar pagando 0 que cornpraram, devem VOlar em

rnim nova mente", dlz Carlos M enem ao tentar a re-

e]ei-~ao p'lI~aa lPresi.dencia da Argentina. Uma formula

empregada nil campanha eleitoral "0 votc-prestacao"

exibe a cumplicidade que existe hoje entre consume

e cidad ant a,

Urna terceira linha de trabal hos , os que estudam

o consume cornn Iugar de diferenciacao e distinefio

entre as classes e os grupos, tem chamado a aten~a:o

para as aspectos simbolicos e esteticos da raciona-

lidade consumidora: Existe uma lcglca na construcao

des signos de status e nas maneiras de comunica-Ios.

Os textos de Pierre Bourdieu, Arjun Appadurai e Stuart

Ewen, entre outrns, mostraen que nas sociedades con-

temporaneas bca parte ddt racionalidade das relacoes

socials Sf, co n stroi , mais do queml lutapelcs meios

de producao, da disputa pela aprop~]a~ao des meres

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de distln~ao simbrilica, S H a urna coerencia entre os ill-

gares nnde 08 mernbros de LUTI<1cJasse e a[ e de UIn81.

fr.a.~aode classe se alimen tam, cstudam, habi ram, pas ~

sam as f6rias, naquilo que leem e desfrutam, em como

Sf: iuformam e no que transmitem aos outros. Essa

coerencia emerge quando a visao socioantropoltigi-

ca busea compree nder em con] 11 n to rals cenaries, A 1.6~

gica que rege a apropriac a o des bens enquanto 0bje-

tos de dis tim;;~onao ea da sari s f as :ao de necessi clades,

mas sim a d a c sc asse z desses bens e da impossibilidade

de que QU1rOS os poss uam,

Contudo, nessas pesquisas eostuma-se vel' os

comportamenros de consumo como se s6 servi ssern para

dlvidir. Mas se os membros de uma sociedade nIio c:OIU~

partilhassem us sentidos des bens, se estes s o fossem

comp re en s tv ei s il l elite ou a mai 0d a que 08 utiliza, na o

servir: am DO mo instrumentos de diferenclacao, Um carro

nnportado ou lim compurador com novasfuncbes dis-

tinguern os seus poueos proprietarios a medida que

quem. nao pode pos suI-los eonhece 0 seu signtficado

sociocultural ,Inversanlente, urn artesanato Oil uma

festa indigena cujo sentido mftico r ! propriedade dos

qu e pertencem a etnia que os gerou se tornam elemen-

tos de distincao all dlscrimlnacao a rnedida que ou-

tro s setore S d o n roes ma s o d edade s e interess am por

elas e entendem em algum nfvel seu signiflcadc.Logc,

devemos admitir que no consume se constroi parte da

racionalidade integrative e comunicativa de umCl'

sociedade.

H6 u.rna rocionalidade

pOt; . moder no?

AI gumas correntes d o pen sam en to p os -rno dern o

temcharnad 0 a a te :m ;ao e m u rn 11 di re< ; ;ao oposta ~L queestamos sugerindo - sobre a disseminacao do sentido,

a dispersao des signos e a dificuldade de estabelecer

codigos estaveis e compartilhados. Os cenarios do COIl-

sumo sao invocedospor esses autnres eomo Iugares

onde se mani festa Com mai or evidenciaa crise da racio-

nalidade moderna eseus efeitos sabre alguns princfpios

que haviam regido 0 desenvolvimentc cultural,

Sem diivida, Jean Francois Lyotard acerra quan-

do identifica 0 esgotarnenrc dos paradigmas que Or-

g an izavam a rae i onalid ade hi stork", moderns. Mas a

queda de eertas narrativas onicom preensi vas naa pede

implicar urn desaparecimento do global como hori-

zonte, A crltiea p6s-nwdenm servlu pan!. repensar as

forrnas de organtzacao compaeta do soda] insta uradas

pela rnedernidade (as naeoes, as classes etc.), E legfti-

1n0 levar esse questionamenro ate a exaltacao de uma

suposta desordem pcs-mcderna, uma dispersao dos

sujeitos que- teria sua m<lJliJesta~ao exemplar na llber-

dade dos mercados? . 6 curiosa que nesses tempos de

ecncentraeae planetarla em volta do controle (10 mer-

e ado as cetebracces acrlticas da di sseminacao indi vi-

dual e a visao das sociedades como eoexistencia en-a-

rica de impulses e desejos alcancem tanto presugio.

Surpreende tambem que 0 pensam.enw pes-

moderno seja sobretudo feito de reflexoes Hlos6ficas,

inclusi ve quando se trata de 0bjetos tao concretes quan-

to 0 desenho arquitetonico, a organizacao da industria

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cultural. e das interacoes socials, Quando se trata

de comprovar hipdteses em pesquisas ernpiricas, ob-

servamos que nenhurna scciedade e nenhum grupo

suportam per multo tempo a irrupcao erratlca dos

desejo s, nern a conseq Heme Lncerteza de signi fi cados.

Em au tras pala v ras, precis amos pen sar, ordenar aquil 0

que. desejarnos,

E proveitoso invocar aqui alguns escudos antro-

polcgicos sobre rituais e relaciona-Ios a s perguntas que

iniciaram este artigo sobre a suposta irracionalidade

dos consurnidores, Como diferenciar as formas de gastn

que contribuem para a reproducao de lima sociedade,

daquelas que a dissipam e desagregam? 0 "desper-

dfcio" do dinheiro no consume papillar e urna aueo-

sabotagem des pobres, simples mostra de sua incapa-

cldade de se organizer para progredir?

Encontru uma chave para responder ill esras per-

guntas na frequencia com que esses gastos suntuosos,

"dispendiosos", se associarn a rituais e celebracces.

Na o so porq ue lima data au 0 aniversari 0 0 d 0 0 santo

padroeiro justifiquem moral au religiosarnente 0 0 gastc,

mas tambem porque neles ocorre algo atraves de qual

a sod edade busea se organ izar raei onal men te ,

Por meio dos rituals, dizern Mary Douglas e

Baron Isherwood, os grupos seleclonam e fixarn -

grac;:as a aeordos coletivos - os significados que re-

gulam a sua vi cia,. Os rituai s servem para t'c outer 0

CUlrSoOdos siguificados'' e tornar explfcltas as defini-

~oe,s piiblicas do que 0 consenso geral julga .valioso.

Os ri tue is ef caz ..es 8[1.0 os que uti) izam 0 bjetos male-

riais para estabelecer 0 se ntid 0 e as praticas que 0S

preservam. Quante rnais custosos sejarn esses bells,

rnais forte sera oinvestimento afetivo e a ritualizacao

que fixa os significados a eles associados, Por isso,

des, definem muitos dos bens que sao consumidos co-

mo "acessorios rituals", e veem 0 consume como um

processo ritual cuja fun~ao primaeia consiste em "dar

sentido ao f JUKO rudimentar dos accntecimentos". ~

Cenas condutas ansiosas e obsessi vas de Con-

sumo podem ter origem numa insatisfas:ao profunda,

segundo analisam muitos psicologos ..Mas em lim sen-

tido mads radical, 0 consume se liga, de outre modo,

com. a insaustacao que 0 fluxo erratico des signifi-

cades sngendra, Cornprar objetos, pendura-los on dis-

tribuf-los pela casa, assinalar-Ihes um. lugar em lima

ordern, atribnlr-lhes funcnes na eom unicacao C Om os

outros, sao os recurscs para se pensar 10 proprio COI]lO,

a instavel ordem social e as interacoes incertas com os

demais, Consurnire tcrnar mais inteligfvel urn rnundo

onde 0 s ol id o. s e evapora, POll 'isso, alern de serem uteis Iara. a expansao do mercado e a reproducao da forca

de trabalho, para nos dis t ing uirrnos dos demai s enos

cornunlcarmos cern des, como afirmam Doughs e

Isherwood, "as mercadorias servem para pensar","

.E neste jogo entre desejos e estruturas que as

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mercadorias e 0 consume servem tambem para orde-

nar politicarnente cada sociedade, 0 consurno e ur n

processo em que os desejos se transformarn em de-

rn andas e em ate s sod < 1.1en te re g ul a do s, P or q l ie , a rte -

saos indigenas ou comerciantes populares que enrique-

cem pela repercussao afortunada de seu trabalho, por

que tantos politicos e llderes sindieais que acumulam

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CO[luu:io. estas comunidades de peerencimento e

contra le estao se reestruturando. A que eonj 1,1 nto 3 1 .

patti cipa.~a() numa socied ade construf da predcminan-

ternente pelos processosde gJobal izados de cons umo

nos faz pertencer? Vivernos urn tempo de fraturas e he-

terogeneidade, de segmenHI.~6es dentro de cada l l a c ; : a Q

e de GOHIUnica95es fluidas com <IE ordens transnacic-

nai s da in fo rm a c;a o , da moda e do saber_Em mei 0 a

es ta heterogeneidade er.c(nuu:amos co di g o's.q ue n o s u ni ~

Iicam, au que an menos permitem que r l J O S enteudamos,

Mas esses c6digos compartijhados :SaO cada vez menos

dinheiro par meio da conu.p~r..o continuarn vi vendo em

bairrcs populates, controlam seus gastos etentam t'nao

apareeer'tt Porque acham m ais interessante continuar

pertencendo a seus grupos originarios (eas vezes pre-

eisam disso p~nl manter seu poder) do que exercera

ostentaeao a que a sua prosperidade os impulsiona.

Oeswdo de Alfred > 0 ell Sobre cs mu ri a gondos

da Jndia" propoe urna Iinha sutil para explicar este

papel regulador do consume. Os muria que, gnl~as . a s .

mudancas do . economia tribal durante 0 nlrimo seculo,

ficaram mais ricos do que seus vizinhns, man t e r n . lim

estil 0 simples de vi d a que A ppad ural, i n v e r t en d o 8l

expressso de Veblen, chama de "avareza conspieua","

GaSUlJl1 em bens com certa prodigalidade, mas com a

condicao de que representem valores compartilhedos,

qu e m ao alterem a h om o ge ne id a de SUUlUOS a.

Comeobservei em povos indtgenas do Mexico,

a inttod w ;: a Q de Qbjetas exteriores rnademos e acei ra

desde que possam ser assimilados pela logics comuni-

taria, 0 cresci mente da renda, a expansao e variedade

da s ofertas dee mere ado, as s.im co m o a capaci d ad e t , e c - ~nica para. se ap rop ri arem dos nov0 S bens e mens agens,

gracas ao acesso a Mvets de educacao mal s ele v ados,

nao bastampara fazer com que 0s membros de um

grupo seatirem sobre as novidades. 0 desejo depos-

suit "0 novo" naa atua como algo irracional OU inde-

pendente daculturacoletiva a que se pertence,

Ainda em SntiHl~6es plenamente modernas, (I

consume nao e aJgo "privado, aromizado epassivo",

sustenta Appadarai, mas sim "eminenremente social,

correlative e arivo", subordmado a urn. certn contrele

politico das elites. 0 go.sw des setores hegemonicos

te rn e sta f ' lm~ao d e " fu I: 1LW ',3 . p artir do ql!J la~va o sendo

seleeionadas as ofertas exteriores e fornecidos me-

delos polftico-culturais para admiaistrar as tensbes

entre 0 proprio e 0 alheio,

Nos estudo S so bre cons !,m10' cultural no Mexico

q ue m en eio na re i m ais < lid i~ H lte ,descobrlmos que a fal-

ta de lnteresse de setores populares em e:XPQs.i~oes de

arte, teatro ou cinema experimentais [I.fiose deve ape-

nas an fraco capital simbolico de que dispoero. para

apreciar estas mensagens .• mastambem a fidelidade

aos gmpas eru que sei nserem, Denno d a ci dade, sao

seus contexte s famili ares. de bai r ro e de trab alho, os

qu e control am a hom ogeneid ade do consumo, cs des-

vi 0 S nos gOSf:08 e no sg astcs, Nmn< l e s cala mais ampla,

o que se entende como cultura nacinnal continua ser-

vi ado de eontex to para selecao do exo geno"

CQmun ido de5 fro n s no c i0~10; s

de ccmsumiclores

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os da etnia, da classe OLl da n a c ; : a o em. que nascemos.

Essas velhas unidades, ~l rnedida que subsistem, pa-

recem se refurrnular como pactos moveis de leitura

dos hens e das mensagens, Uma na~ao, por exemplo,

a.esta altura e poueo definjda pelos limites territoriais

ou pur sua his.Mria pohtlca. Sobrevive melhor como

uma comunidade hermeneutica de consurnidores, CIJjOS

habitos tradicionais fazern com que se relacione de um

modo peculiar com os objetos e a infcrmacao circulante

nas redes internacionais, Ao mesmo tempo encontra-

mos comunidades internacionais de consumidores - ja

men cio na rn os a s de [ovens e de telespectadores- que

dao sentido de pertencimento quando se diluem as

l ea ld ad es n a ci on a is .

Como os acordos entre produtoresvinstituicoes,

mere ados e recepto res - qu e consti tlIem e ren ov am os

pactos de leitura periodicarnente - se fazem arraves

dessas redes internacionais, 0 setor hegemoaico de

uma nac;:ao tem rnais afinidades corn aquele de outra

do que com os setores subalternos da propria. H a v in te

anos os seguidores cia, teoria da dependeneia reagiamdiante d as p ri m e iras m an ifesta c G ·e sde ste p ro cesso ac u -

sando aburguesia de falta de fidelidade aos interesses

nacionais. E, naturalmente, 0 cararer nacional dos in-

teresses era definido a partir de tradicoes "autenricas''

do povo ..Hoje sabemos que essa nutenticidade e . iluso-

ria, pois 0 sentido "proprio" de urn repertorio de objetos

e arbirrariarnente delimitado e reinterpretado em pro-

cessos hi st.o ric os h lbr id 0 S o , Mas, aJem di Sso.a mi srur ade ingredientes de' origem "autoctone" e "estrangeira'

e percebida, de forma analoga, no consume dos setores

populares, nos artesaos camponeses que adaptarn seus

saberes arcaicos para. interagir com turistas, 110S tra-

balhadores que se viram para adaptar sua cultura ope-

uiria as novas tecnologias, mantendo sum. crencas

antigas elocais. Varies decadas de construcao de sfrn-

boles transnacioneis criararn 0 que Renate Ortiz de-

nomina lima "culture lnternacional-pnpular", com urna

memoria coletiva feita com fragmentos de diferentes

na<;oes.11) Sem deixar de estarjnscritos na mem oria

nacional, os consumidores populates sa o capa:zes de

ler as ciracoes de um imaginario multilocalizado que

a televisao e a publicidade reunem: os [dolos do cine-

ma hollywoodiano e da rrnisica pop. os Iogodpos de

jeans e cartoes de credito, os hertiis do esporte de varios

parses e os do proprio que jogam em outre compoem

U111 repertorio de signos constantemente disponfvel,

Marilyn Monroe e os animals jurassicos, Che Guevara

e a queda do mum, 0 refrigerante mais bebido no mun-

do e Tilly Toon pcdem ser cltados au insinuados pO I"

qualquer desenhista de publicidade internaeional con-

Handa em qu e sua mens agemte

ra . sentid0 ai

nda pantaq u eles que n unca sal ram do seu pais.

E precise, pois, averiguar, como se reestruturam

as identidades e as aliancas quando a comunidade na-

clonal se debilita, quando aparticipacao segrnentada

110COlisumo ~ que setorna 0 principal prccedimento

de identlficacao - solidariza as elites de cada pals

atraves de Hill circuito rransnecional, e, de outre lado,

cs setores populates? Ao estudar o consume culturalno Mexico!', descobrimcs que, a separacao entre gru-

pes hegemonicos e subalternos ja na o se apresenta

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corrs urn idores 8' cidadao~

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priu cip alm eu te com o o pcsicao entre 0 native e 0 rm -

portado, ou entre otradlcional e 0modernc, mas como

adesao diferencial a subsistemas culturais de diversa

eomplexidade e capacidade deinovacao: enquanto a]·

guns escuram Santana, Sting e Carlos Fuentesvoutrospreferem Julia Iglesias, Alejandre Guzmane asteleno-

ve l a s venezue lanas.

E sta cU siio nao se produz unicamente no con-

sumo ligado ao entretenimento. Segrnenta tambem os

setores sociais em rela~li1oaos bens estratcglccs neces-

sarles para. que se situem no muncie) contem porjneo e

sejam c apazes de tam ar decisoes, Ao m esm o tern p o em

que 0 processo de modernizacao tecnologica da in-dus tria e dos services ex ige m ao~de~obra mai s qualifi ~

cada, ere-see a evasaoescolar, limitaudo-se 0 acesso

dos setores medics [e, obviameute, das maiorias po-

pnlares) ii . informacao mais non. 0 conhecimento des

dados e des instrumentcs que habiliram . 9 1 0 trabalho

autenom o au crlanvo se reduz am ; que- podem as-

sinar services de inform atica e redes exclusivas de te-

levisao (antena parabolica, TV a cabo, egta~oes trans-m i ssoras de canal s metrop o lit an os ). P ar a 0 resto d as

pessoas, se ofereee urn modele de comunicacao de

massa, eoncentrado em grandes monopo Hos, que se

n u rr e d a p ro grama ca o standard norte-ameriean a , . a lem

de produtos repetitivos, de enrretenimento light, genl~

des em cada pats.

Coloca-se, pols, de ouua maneira a crftica ao

consume como lugar irrefletido e de gastosindteis. 0

q ue o co rre e que a r eo rg an iz ac ao tran s n aci an a] des

sistemas simbolicos, feita sob as regras neoliberais de

0 e¢n~umo serve para pcn~o r

maxima rentabilidade dos bens de massa, gerando a

concentracfio cia culrura que confere <I capacidade de

decisao em elites selecionadas, exclui as maiorias das

co rren tes m ais criativas da cu ltu ra co ntem poran ea. N ao

e a esrrutura do meio (~elevlsaQ,rtid.iQ au video) a

C ausa do acha tamento c u ltural e da desari va~ a o polf-

tica: as possibilidades de interas:ao e de promover a

reflexao critica destes instrumentos tern side muitas

vezes demonstradas, ainda que em microexperiencias

de baixa eficacia para. as rnassas. T arnpouco deve-se

atribuir apenas a diJTlinui~ao da vida pub]lca eao retire

familiar da culrura eletronica a domicilio a explicacao

do daslnteresse pela pclftica: [ ' l a o obstante, esta transfer-

ma~ao das relacoes enure 0 publico e a privadn no

consum e eultura l cotidiano represents um a m udanca

basica das condicoes em que devera se exercer urn

novo tipo de responsabilidade cfvica.

Se 0 consume tomou-se urn lugar onde fre-

q lienternente e d m ci 1 p ens a r, e pe la libe ra~50 do seu

cenario ao jogc pretensamente livre, on seja, feroz,

entre as forcas do mercado. Para que se possa articu-lar 0 consume com urn exerclcio refletido da cidadania,

e necessaeio que se reun am ao rn en os estes re qu isito s:

~.) Ulna oferta vasta e diversificada debens e mensa-

gens repreaentauvos da variedade jnternacional d08

mercados, de acesso facil e equitarivo para as maio-

rias; bjinformacao rmrltidirecional e c:o[lf~i'i.vel respeito

da qualidade des produros, cujo commie seja efetiva-

mente exercido por parte dos ctmsumidores, capazesde refutal' as pretensees e seducoes da propaganda; c)

panidpa< ;ao democratlca dos principais setores da

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con~um idores 'ecidCldaos

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sociedade civil nas decisoes de ordern material, simbo-

lica, ju ridica e polftica em que se organizarn os

COl]SUII10S: desde 0 contra le de quO;1,1dade dos a] imente S

ate as concessoes de frequencies radiaise televisivas,

desde 0 julgamento dos especuladores que escondern

produtos de primelra necessidade ate os que admi-

nistrarn infcrmacdes estrategicas para a tornada de

decisoes.

Bstas a((ues. politicas, pelas quais os consu-

midores ascendern a condicao de cidadacs, irnplicam

num a concepcao do m crcado nao com o sim ples lugar

de tree a de mercadorias, mas como parte de iteracce S .

socloculturais rnais complex as. Da mesrna maneira, 0

consume e visto n ao co mo a m era possessao individual

de objetos Isoladcs mas ,COlIl0 a apropeiacao coleti va,

em relacoes de solidariedade e distill~fio com outrcs,

de bens que proporcionam satisfacoes biologicas e sim-

bolicas, que servern para envi 21' e receber rnensagens.

As teorias sobre 0 consume evocadas neste capitulo

mostram, ao seremlidas de forma complementar, que

o valor mercantil nlio e alguma coisa contida natura-

listicamente 11 0S objetos, mas e resultante das interaeoes

socioculurrals em. que os homens os usam, 0 carater

abstrato des intercambios mercantis, acentuado agora

pela disrancia espacial etecnologica entre produtores

e consumidores, levou a crer na aurouomia das rnerca-

dorias e no carater inexoravcl, alheio aos objetos, das

leis objetivas que regulariam os VlflCII110s entre oferta

e demands, 0 confronto das scciedades modernas com

as "arcaicas" permite ver que em todas as sociedades

os bens exercem muiras funeoes, e que O il mercamil e

apenas urna delas, Nos hornens intercambiamos obje-

tos para satisfazer necessidades que fixarnos cultural-

mente, para integrarmo-nos com outros e para nos dis-

tinguirrnns de longe, pam realizer desejos e para pensar

oOSS8isitua~ao no rnnndo, para controlar Q fluxo erratico

des desejos e dar-lhe constancia au seguranca em ins-

11tuit;oese rituais, Dentro desta multiplicidade de a~5e-s

e interacoes, os objetos tern urna vida complicada. Em.

certa fase sao apenas "candidatos a mercadorias?",

em outra passam par uma etapa propriamente mer-

cantil e em seguida pcdcm perder essa caracteristica

e ganhar outra, Urn exemplo: as mascaras feitas pm

indigenas para uma cerimoniavlogo vendidas a lim

consumidor moderno e finalmenteinstaladas em apar-

tamentos urbancs OlL museus, onde se esquece sen

valor econcmico. Outre: urna cancao produzida por

motivacoes purarnente esteticas logo alcanca uma re-

percussao massi va e lucros como disco, e, flnalmente,

apropriada e modificada por urn movimento polftleo,

se torna urn recurso de identificaeao e mobilizarao

coletivas. Estas biografias icarnbiantes das ccisas e

da s Inemagens nOS levam a pensar no carater mer-

can t i I dos bens como op0rtu fIidades e riscos de seu de-

sempenhu. Podemcs atuar como consumidores JIlOS si-

tuando sornente em urn dos processes de interacao -

o que a mercado regula. - etambern podemos exercer

como cidadacs lima reflexao e uma experimentacao

mais ampla que leve em. conta as mriltiplas poten-

cialidades dos objetos, que aproveite seu "virtuosismo

serniotico'"! nos variados contextcs em que as eoisas

nOS perm iern e nc 0 n trar com as pes S0 as.

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Proper estas questces implica recolocar a ques-

tao do po b Uco. 0 deseredito des Estadcs C01TIQ adrni ~

uistradores de areas basicas da p ro du cao e infer-

ma~iio. assim como a nao··credi.biUdade des partidos(incluidos os de oposi9ao), dirninuiu os espa90s onde

o interesse pu blico podia se fazer preaen te, onde deve

se r Iim itada e ar hitrada a Iuta - de outro 1110do selv <1-

gem ~ . (;[Itre os poderes m ercan tls privados, C orn ecam

a s urg ir e III < 1 . 1 gun s parses - a tra v ·6s da figura do

omb udsman; de com i ssoes de d .i reitosh um ano s de ins-

timi~6es e perlodleos independemes - instancias nao-

g ov er n amen ta u s e apart idari.as que perm item d esern-baragar a necessidade d e fazer valer 0 publico em face

da de c a den cia d a s b uro craci as esta tais, A I gu n s cons n··

mldores querem ser cldadaos,

D epois cia decada perdida para 11 AlhericaLa~

tin a, q ue foia des oiten ta, durante a qual os E s . U U : l O ~ i ;

eederam 0 centro led a econom ia mute ri <1.1 s imb6 lica

a s empresas, esta clare aonde it. privatlzacao sem limi-

res co nd uz : d esc ap ita llza ca o u acio na l, su bc on sumo d as

malerias, desemprego, empobrecimento da oferta cul-

tural. S6 a~ raves da reconquista criativ a d os espacos

ptibliccs, do interessepelo pubjicc, 0 consuruo po-

dera ser urn lugar de valor cognitivo, uti] p ara p en sa r

e agir significativae renovadoramente na vida social,

Vincular 0 COIiiSmYlO com . a cidadania requer ensaiar

urn reposlcion am en tc d o m ercado na soeiedade, teu tar

<I reconq uista imaginati v a des espa~ Q ~ piibl ieo s, do

interesse pelo p ublicc. A ssim 0 consum e se m ostrara

como urn lugar de valor cognitivo, util para pensar e

. 1 t U < 1 1 " significativ a e renovadoramente, r na v id a s ocia l.

Netas

1, Esre capitulo e U!1Hl reelaboracao ampliada do

artigo que, com 0 mesmo tltu~o·, publiquei na revista DM,

logos de it! Com.unfcaciOn, Lima, n, 30, junl199l.

2. VeL, entre ourras, as cbras de LULL, James (ed.),

World Families Watch Television. Newbury-California.

Sage, 1981); dc B A .R BERG, Jesus Marlin" De los medias alas

med ia c ic . .me s" Mexico: Gustavo om , 1987; e de OROZCO ,

Gui llenno (compiladorl. Hablo» lo s televidenres. Estudios

de recepcioe; en vario~' 'J£d~-es. Mexico: Universkliad

Iberoa merieana, 1992"

3. U In exemplo: os rextes de TE~"AlL, Jean-Pierre,

PIl.nEClElll.~, Desmond, URBVET, Patrice, N.ru;ei~~·dades COI~·

s umo . Mexico: Grij al bo, 1977.

4. CMTG:LtS, Manuel. La Cuestian urbana. Mexico:

S.iglo X X T, 197 ,:],: apendiec i i i . segu nda edi~ao,

5. BOU!i:.IDli'lU, Pierre. La Di~·/~nciJI~. M<ulr;: Taurus,

1988; Ar'PAlDuRAi., Arjun (60.). La vida social de (a.~·casas.

Mexico: Gdjalbo,. 1991; EWEN. Stuart, T od as la s im dg en :e s

d e l c o n~ 'UJ rd smo . Mhk,r,); Gdjalbo-CNCA, 1991,

6. D(lI)O~AS.Mary, Isuenwooc, Baron, El Mundo de

ios bienes. Hscia wta tuttropolog{a d~I cmlSnmto . Mhico:

Grijfll bo"CNCA, 1990. p. 80.

7. Idem. p. 77.

8. G E L ! . . . , A lfred .. L os Reclen l I G . g a d o s 21.1mundo d e

~os blenes: el consumo entre 1(J)l gcndcs murla. In'

ApPA[lUI~AI, A, Op, eit., p, 143-175.

9. AI'~'i'.[)1.JRA~, A. Op. cit., p, 47"

10. ORTIZ, Renaro, Op, cit, cap. IV.

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