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DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA Um breve panorama para entender o universo de atuação, o cenário atual e os desafios de uma especialidade médica estratégica para a saúde no Brasil e no mundo. CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 4 DIMENSÕES E DESAFIOS INFECTOLOGIA · Gripe, hepatite, Aids, tuberculose, malária... No Brasil e ... A ameaça da SARS e da gripe aviária, que têm mobilizado esforços

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DIMENSÕES E DESAFIOS

DA INFECTOLOGIA

Um breve panorama para entender o universode atuação, o cenário atual e os desafiosde uma especialidade médica estratégica para asaúde no Brasil e no mundo.

CAPÍTULO 4

a história recente das doenças infecciosas, a par-tir do final do século 20 e início do século 21 –período em que a Sociedade Brasileira deInfectologia completou 25 anos – o Brasil re-produziu, em cenário nacional, uma realidadeN

dura na batalha da humanidade contra algumas doenças que são grandesdesafios da saúde pública, da ciência e da Medicina. Os obstáculos sãoainda maiores, se levadas em consideração as mazelas sociais e as desi-gualdades econômicas que assolam as populações que vivem nos paí-ses em desenvolvimento, caso dos brasileiros.

No intervalo de uma geração, duas décadas exatamente, o mun-do se assustou com novas doenças infecciosas associadas a causaspotencialmente bem evidentes: o crescimento das cidades e a urba-nização descontrolada, o desmatamento das áreas verdes do planeta,a dinâmica do fluxo de pessoas entre países, o comportamento dohomem e os hábitos de vida modernos, o aumento da temperaturana terra, a evidência, enfim, da responsabilidade humana no que dizrespeito ao fatores propícios para a propagação das infecções e epi-demias do século 21.

De um lado, doenças emergentes e reemergentes, com poderfulminante de multiplicação ao redor do mundo, como a Aids, ocólera, a dengue, a SARS, ou a febre aviária, desafiando governos,pesquisadores e infectologistas. Do outro, infecções com quadrode persistência, ainda que aparentemente sob controle, como a

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meningite, a febre amarela e as hepatites virais, para citar apenasalguns exemplos. No terceiro grupo, as doenças identificadas comode tendência descendente, como a poliomielite, o sarampo, a ru-béola, entre outras tantas.

Com recursos, políticas e disposições diferentes para o enfren-tamento de cada um destes desafios, a realidade brasileira passou aser um retrato de uma idéia que é mundial no combate às infecções:sem decisão política, sem mobilização de recursos materiais e hu-manos e sem participação da sociedade, é impossível deter a ação e

o potencial devastador de novos agentes infecciosos. E sómesmo a solidariedade internacional poderá deter as in-fecções que encontram terreno fértil nas áreas mais po-bres do mundo causando uma média de 14 milhões demortes anuais. Significa também, no plano social, comba-ter a miséria, a pobreza, a desnutrição, as desigualdades ea dificuldade de acesso a tratamentos hoje só disponíveisnos países mais ricos.

A Sociedade Brasileira de Infectologia, cuja história éconstruída neste cenário da humanidade e da Medicina,tem se esmerado na produção de conhecimento científi-co, no acompanhamento sistemático da informação, dosavanços e descobertas. Ao mesmo tempo tem buscadoimplementar ações efetivas em diversas frentes, na convic-ção de que é uma especialidade médica cada vez maisimportante na preservação da vida e da saúde, individualou coletiva.

DE TEMPOS EM TEMPOS

Gripe, hepatite, Aids, tuberculose, malária... No Brasil eno mundo, as doenças infecciosas ainda representam uma importantecausa de morbidade e mortalidade humana. Em todos os tempos, aHistória mostra que grandes epidemias arrasaram o mundo, como apeste na Idade Média ou a gripe espanhola no início do século 20. AMedicina, que sonha um dia eliminar estes flagelos que ameaçam ahumanidade, já conquistou um arsenal terapêutico e diagnóstico con-siderável. Os antibióticos, por exemplo, são recursos eficazes contradoenças bacterianas. A imunização permite não só prevenir inúmerasdoenças, mas é capaz até de erradicar outras, como a varíola.

O IMPACTODAS INFECÇÕES

São seis os grupos de doençasque representam 90%* das

mortes por infecção, por ano,no mundo.

Aids: 3,1 milhõesDoenças respiratórias

agudas bacterianas e virais:3 milhões

Doenças diarréicas:2,5 mihões

Tuberculose:cerca de 2 milhões de mortes

(dependendo do país,até 80% dos casos estão

ligados ao HIV/Aids)

Malária:mais de um milhão de mortes

(com 300 a 500 milhõesde casos clínicos)

Rubéola:750 mil mortes, ainda queexista vacina que previne

totalmente essa mortalidade.*De um total de 14 milhões de mortes,

em 2004, de acordo com a OMS.

Os desafios da Infectologia atual são de toda ordem: da resistên-cia crescente das bactérias patogênicas aos antimicrobianos às bar-reiras econômicas e à ausência de políticas públicas que impedemque muitos países lancem mão dos tratamentos disponíveis parabeneficiar a população. Cria-se, no campo da bioética, da ciência eda civilização, contradições e abismos inaceitáveis.

Soma-se o fato de que, historicamente, novas doenças sempresurgem para desafiar o homem. E a dificuldade de elaborar vacinascontra certos agentes infecciosos – o parasita da malária, por exem-plo – é outra grande barreira a ser superada, entre tantos desafios.Veja-se o exemplo da Aids, que transformou-se, no século 20, numapandemia de proporções incontroláveis: cerca de 40 milhões de pes-soas estavam infectadas pelo HIV no mundo em 2005.

A ameaça da SARS e da gripe aviária, que têm mobilizadoesforços de saúde pública em todos os continentes, revela novas facesda mesma realidade e evidencia que a pesquisa de novas armas anti-infecciosas nunca foi tão necessária.

Para prevenir inúmeras doenças, todos os governos e países pre-cisam cada vez mais investir em vigilância epidemiológica e vacina-ção, além de promoção e educação em saúde que conduzam a mu-danças dos comportamentos que potencialmente expõem as pessoasao risco de infecções.

É neste contexto global que a SBI tem valorizado, ao longo desua história, a educação continuada dos infectologistas, a excelênciado ensino e da pesquisa, a parceria com instituições públicas, priva-das e órgãos governamentais, no sentido de colocar a Infectologia aserviço do bem comum.

AS DOENÇAS INFECCIOSAS SEMPRE EXISTIRÃO

De longe, os microorganismos ultrapassam o homem em quan-tidade e em diversidade genética. As bactérias têm uma capacidadeextraordinária de mutação ou de transferência horizontal de genes,de se adaptar ao ambiente em que vivem, particularmente ao meioanimal ou humano. Além disso, cada vez mais a população aumen-ta, cada vez mais o homem oferece condições para o fortalecimentodos micróbios patogênicos, que são potencializados e transmitidosmais facilmente. Não conhecemos nem 1% das espécies bacterianasque vivem no planeta. Nas escalas da evolução, portanto, as doenças

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infecciosas e parasitárias provavelmente apenas começaram a se de-senvolver. Sempre existirá uma espécie bacteriana adaptada a umasituação específica. É o caso, por exemplo, da listeria monocytogenesque, transmitida por alimentos, é capaz de se multiplicar a 4º C,mesmo na geladeira.

Paralelamente a esta constatação, o rápido crescimento dapopulação na Terra, particularmente nos países em desenvolvimento,representa uma situação alarmante em matéria de doençasinfecciosas, seja pelo crescimento de reservatórios potenciais depatógenos; pela facilidade de sua transmissão devido à pobreza,miséria, falta de higiene, desnutrição e ausência de prevenção; peladificuldade de acesso a imunização e tratamento; ou pelo usoirracional de antimicrobianos.

Também as modificações ecológicas em certas regiões do pla-neta, devido à expansão territorial das populações, estabelece con-dições, antes inexistentes, de o homem ter contato com espéciesanimais ou vetores que lhes transmitem microorganismos. Rara-mente, mas sempre de forma dramática, esses microorganismospodem se mostrar particularmente patogênicos ao homem, comofoi o caso do vírus Ebola, do próprio HIV, da Borrelia burgdorferi,dentre outros.

Os comportamentos humanos que geram guerras e fome nomundo, o deslocamento em massa de populações para campos derefugiados precários também causam sérias epidemias. E, ainda, asviagens, principalmente de avião, permitem aos microorganismosse moverem rapidamente de um lugar a outro no mundo. O turis-mo representa a maior migração do planeta; segundo a OrganizaçãoMundial do Turismo, 700 milhões de viagens turísticas foram rea-lizadas em 2002.

OS PARADOXOS DO PROGRESSO

Certo número de doenças infecciosas emergentes correspondede fato a doenças ligadas ao progresso e à civilização. A industrializa-ção dos alimentos pode favorecer a transmissão da Salmonella, Listeria,Yersenia, E. coli, dentre outras. Algumas infecções respiratórias estãoligadas aos dispositivos de ar condicionado, aos circuitos dedistribuição de água, a exemplo da Legionella penumophila.

Há infecções ligadas aos viajantes, como doenças diarréicas,54 l 25 ANOS DA SBI

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malária, dengue e febres hemorrágicas virais. Além disso, o aviãotem favorecido a propagação de agentes infecciosos, que causam agripe e a tuberculose, por exemplo. Foi justamente por meio dasviagens aéreas que a epidemia da SARS se espalhou rapidamente nomundo em 2003.

Algumas infecções estão ligadas também às modificações causa-das pelo desenvolvimento. É o caso da relação entre desflorestamentoe o aparecimento de febres hemorrágicas. O vírus Guanarito, res-ponsável por uma epidemia na Venezuela em 1989, que infectou104 pessoas, com 26 mortes, atingiu inicialmente uma co-munidade rural que passou a ocupar área desmatada.

Há ainda o paradoxo do progresso médico: certas téc-nicas utilizadas na Medicina podem expor os pacientes ariscos de infecção. Os cateteres vasculares e as sondasurinárias nos pacientes hospitalizados são algumas vezesportas de entrada para bactérias. Esses dois instrumentospodem ser responsáveis por até 40% das infecçõeshospitalares.

AS DOENÇAS INFECCIOSAS

NO BRASIL E NO MUNDO

Provocadas por vírus, bactérias, parasitas ou fungos, asdoenças infecciosas são responsáveis por cerca de 14 mi-lhões de mortes a cada ano no mundo, sendo que mais de90% desses registros estão concentrados nos países emdesenvolvimento.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima quepelo menos um bilhão de pessoas no mundo, no começodo século 21, ainda estão privadas da “revolução sanitária”,ou seja, não têm acesso aos avanços da Infectologia, da ciência e dasaúde pública para prevenção, diagnóstico e tratamento das doençasinfecciosas e parasitárias.

Nem mesmo os países desenvolvidos estão salvos das ameaçasmicrobianas, já que a emergência ou reemergência de certas doen-ças também acontece nas nações ricas, que assistiram crescimento de10 a 20% dos casos de doenças infecciosas a partir dos anos de 1990.A tuberculose – principalmente como co-infecção do HIV/Aids –,por exemplo, estava, na virada do século, em franco ressurgimento na

Nas escalas daevolução, as

doençasinfecciosas eparasitárias

provavelmenteapenas

começaram a sedesenvolver.

Sempre existiráuma espécie

bacterianaadaptada a uma

situação específica

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Europa e nos Estados Unidos. O crescimento da doençameningocócica, a doença de Lyme, a coqueluche, a varicela e atémesmo a febre do oeste do Nilo, surgida em Nova York em 1999,são outros exemplos.

Há um importante detalhe da desigualdade global: as doenças in-fecciosas são responsáveis por 43% das mortes nos países em desenvol-vimento contra 1% nos países do Primeiro Mundo, segundo a OMS.

É preciso levar em conta, ainda, que a mortalidade imputada adiversos tipos de câncer, guarda uma realidade constantemente ig-

norada: pelo menos 15% dos casos de câncer têm origeminfecciosa. Se certas infecções fossem prevenidas,diagnosticadas e tratadas, calcula-se que cerca de 1,5 milhãode mortes por câncer seriam evitadas por ano no mundo.

Menos de 1% dos mais de 1.300 novos medica-mentos desenvolvidos nos últimos 25 anos foram des-tinados às doenças infecciosas que atingem os paísespobres. Esta é uma das conclusões do dossiê DesequilíbrioFatal, da organização não-governamantal Médicos SemFronteiras (MSF), que aborda a crise em Pesquisa &Desenvolvimento (P&D) de medicamentos para asdoenças negligenciadas. A negligência é resultado defalhas do mercado e da ausência de políticas públicasde saúde. Os países em desenvolvimento representam80% da população mundial, mas respondem por apenas20% do mercado de medicamentos. Para essas pessoas,o desequilíbrio entre suas necessidades e a disponibili-dade de remédios é fatal.

NO BRASIL

No Brasil, nos anos 30, as doenças infecciosas etransmissíveis eram a principal causa de morte nas cidades. Com amelhoria da assistência à saúde e da vigilância sanitária, com a che-gada de novas tecnologias, os antibióticos e as vacinas, esse quadromudou bastante. As doenças circulatórias, as neoplasias, as causasexternas, acidentes e violências, agora matam muito mais que asdoenças infecciosas.

Mesmo assim, essas doenças têm grande impacto no adoecimentoe morte dos brasileiros, principalmente devido ao cruzamento com a

DO TERMOINFECTOLOGIA

Qual seria a demoninaçãocerta para o segmento da

Medicina que engloba ainvestigação, o diagnóstico eo tratamento das infecções?

Entre outros nomesutilizados no Brasil, doenças

ou moléstias infecciosasprocura reproduzir a

nomenclatura queinternacionalmente se

impõe, a da língua inglesa:infectious diseases. No

entanto, vale aqui também osenso mais comum, no qual

as especialidades médicas noBrasil são referidas quase

sempre englobando o sufixogrego logos: cardiologia,

reumatologia,endocrinologia, etc. Por isso,

a criatividade brasileiraintroduziu a palavra

infectologia, atéentão inexistente nos léxicos

e hoje consagrada eaprovada pelo uso.

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situação sócio-econômica, com as questões ambientais e com os há-bitos de vida. A falsa idéia de que estariam estabilizadas, controladasou extintas no país tem levado ao relaxamento ou omissão na tomadade decisões inadiáveis para o enfrentamento das doenças infecciosas.

É papel da SBI e dos infectologistas acompanhar e interferir, aolado dos programas governamentais, técnicos, demais especialidadesmédicas e sociedade civil organizada, no quadro complexo e híbri-do das doenças infecciosas no país. Há um cenário em que doençastransmissíveis registram tendência de diminuição ou estabilidade,resultado de ações bem sucedidas de prevenção e controle; ao ladode doenças persistentes, típicas de países pobres, que colecionampéssimos indicadores de saúde; e existem ainda as doenças emer-gentes e reemergentes.

DOENÇAS EM DECLÍNIO

Com intensa vigilância, prevenção e tratamento eficiente,o Brasil conseguiu diminuir casos de doenças infecciosasEspecialmente a partir da década de 1970, com alguns registros de

decréscimos significativos, e daí por diante, com ações específicas realizadasa partir dos anos de 1990, o Brasil viu declinar doenças como o tétano,a coqueluche ou a paralisia infantil. No primeiro caso, em vinte anos,os registros baixaram de milhares de casos para algumas poucas dezenas.A coqueluche, que chegou a fazer 40 mil vítimas nos anos de 1980, nãoregistrava mais que 2000 casos na virada do século.

A paralisia infantil, por sua vez, teve, em 1994, certificado deerradicação no país concedido pela Organização Mundial de Saúde.O sarampo, que atingia até 3 milhões de crianças nos anos de 1970,também teve seu vírus eliminado, ainda que possam ocorrer surtoscomo o de 1997, revelando o comportamento cíclico da doença.Por extensão, a rubéola também foi controlada.

A raiva transmitida por animais também entra no grupo dedoenças em declínio no contexto brasileiro, assim como a Doençade Chagas, que permanece sob monitoramento entomológico, oque permite identificar e combater o barbeiro, transmissor da do-ença. Mesmo que não tenha atingido a meta determinada pelaOMS, de erradicar a hanseníase até 2005, o país vê a doençadiminuir em território nacional, mesma situação da febre tifóide,que persiste de forma endêmica em regiões específicas.

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DOENÇAS PERSISTENTES

Doenças persistem por causa da geografia, da impossibilidadede prevenção ou das condições ambientais e sócio-econômicasA malária chegou a vitimar seis milhões de brasileiros por ano

na década de 40, em todas as regiões do país. Hoje está concentradana região da Amazônia Legal, que responde por mais de 99% doscasos. Em proporções e situações diferentes, doenças como aleishmaniose visceral, antes predominantemente silvestre e hoje re-gistrada em cenários urbanos, a febre amarela silvestre, a esquis-tossomose mansônica, a leptospirose ou o tracoma, também man-têm-se no grupo de infecções que persistem no país.

É o caso ainda da tuberculose, cuja associação com a Aids acon-tece em 25% dos registros da infecção pelo HIV. No mundo, atuberculose mata 2 milhões de pessoas por ano, 98% em países po-bres. A meningite também integra o grupo de doenças persistentese segue, no Brasil, como problema complexo e multifacetado, já quetem diferentes etiologias, impactos e estratégias de prevenção.

DOENÇAS EMERGENTES

Aids, dengue e cólera são os exemplos mais impactantes dedoenças novas ou reemergentesReintroduzida no Brasil em 1991, vinda do Peru, a cólera atin-

giu todas as regiões do país até 2001, com as maiores epidemias noNordeste. Foram 168.598 casos e 2.035 mortes. Persiste o risco desua reintrodução, sobretudo em regiões já atingidas, pois estudosdetectaram, em 2002 e 2003, a presença do V. cholerae toxigênico noNordeste. Aumentar o monitoramento das doenças diarréicas agu-das é uma estratégia imprescindível para identificar casos precocesde cólera, ao mesmo tempo que deve ser aumentado o controle daqualidade da água.

O Aedes aegypti havia sido erradicado em vários países das Amé-ricas nos anos 50 e 60, mas voltou na década de 70, devido à falhasna vigilância e à depredação do meio ambiente, dentre outrosfatores. Há surtos importantes de dengue no Brasil, Cuba,Venezuela, e Paraguai. O Programa Nacional de Controle daDengue gasta R$ 1 bilhão por ano, para que não se repita o gran-de aumento da incidência verificado entre 1999 e 2002, ano emque o Brasil registrou quase 800 mil casos.

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Já as hantaviroses não existiam no Brasil até 1993, quando a doençaapareceu em São Paulo e, no começo dos anos 2000, era detectadatambém na região Sul, em Minas Gerais e Mato Grosso. Desde 1993já foram registrados mais de 300 casos em onze estados. Por sua vez, afebre maculosa brasileira, causada pela bactéria do gênero Rickettsia(R.rickettsii) e transmitida por carrapatos, foi registrada em 2005 emSão Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.

INFECÇÃO HOSPITALAR E BACTÉRIAS RESISTENTES

Conduzido pela Coordenação de Controle de InfecçãoHospitalar do Ministério da Saúde, em 99 hospitais terciáriosde 100 a 299 leitos, nas capitais e no Distrito Federal, umestudo realizado em 1994 apontou que a taxa de prevalênciade infecção hospitalar no Brasil chegava a 15,5%. Ou seja:mais de um em cada dez dos pacientes internados no paíscontraíam algum tipo de infecção hospitalar.

As infecções mais comuns verificadas foram as localiza-das no trato respiratório inferior (29% do total), seguidaspelas infecções de sítio cirúrgico (15,5%). Estudos europeussemelhantes observaram taxas de prevalência inferiores, va-riando entre 3,5 % (Alemanha) a 10,1% (Suíça).

Além das hospitalares, infecções cada vez mais potentesestão resistentes aos tratamentos, por causa do uso indis-criminado de medicamentos. Esta é hoje a principal causa doaumento da resistência aos antimicrobianos. Devido a muta-ções genéticas e à seleção natural pelo uso excessivo de anti-bióticos, algumas bactérias tornaram-se capazes de produzirenzimas que destroem os efeitos dos medicamentos. É o queacontece com as bactérias do grupo pseudomonas aeruginosa,uma das causas mais freqüentes de infecção hospitalar no Brasil, res-ponsável por altos índices de mortalidade por pneumonia hospitalar.

OS MAIORES DESAFIOS

A epidemia da Aids

Em duas décadas, a doença matou 20 milhões de pessoas. NoBrasil, a estimativa era de 600 mil infectados em 2005Um dos mais graves e complexos problemas de saúde pública da

atualidade, a epidemia da Aids, doença diagnosticada pela primeira

A SARS e agripe aviária, quetêm mobilizado

esforços de saúdepública em todos

os continentes,revelam novas

faces da mesmarealidade e

evidenciam que apesquisa de novas

armas anti-infecciosas nuncafoi tão necessária

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vez em 1981, está longe de ser controlada. Conforme estimativa doPrograma Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids),em 2005, o total de infectados pelo HIV em todo o planeta já chegavaperto de 40 milhões, dos quais 66% na África Subsaariana. No come-ço do século 21, só 20% da população mundial infectada tinha acessoà prevenção e somente 10% das pessoas que vivem com Aids no mundorecebiam anti-retrovirais.

Segundo o Relatório 2004 sobre a Epidemia Global de Aids, daUnaids, até aquele ano, 20 milhões de pessoas haviam morrido de

Aids desde o aparecimento da doença. Só em 2003 foram2,9 milhões de óbitos no mundo. O documento alertavaque a Ásia abriga 60% da população mundial e que a cres-cente epidemia no continente tem implicações globais.

No Brasil, a Aids apresentou um crescimento na inci-dência até 1998, quando foram registrados 25.732 casosnovos, com um coeficiente de 15,9 casos/100.000 habi-tantes. A partir de então observou-se uma desaceleraçãonas taxas de incidência de doença no conjunto do País, adespeito da manutenção das principais tendências da epi-demia: crescimento em direção aos heterossexuais, mu-lheres e população em situação de miséria, pobreza e ex-clusão social.

No início dos anos 2000, cerca de 600 mil brasileirosestavam infectados pelo HIV e mais de 10.000 morteseram registradas por ano. Em 2005, cerca de 170 mil pes-soas seguiam em tratamento na rede pública de saúde. Oprograma brasileiro de combate à Aids foi reconhecidomundialmente pelo fato de garantir acesso universal aosanti-retrovirais para todos os pacientes, o que fez cair pelametade a mortalidade e as internações. A sustentabilidade

desta política, no entanto, estava ameaçada pelos custos crescentesdos medicamentos, sobretudo as drogas de segunda geração prote-gidas por patentes. Em 2005, o Brasil gastou mais de R$ 1 bilhãocom medicamentos anti-Aids.

Em pouco mais de 20 anos de existência da Aids, sabia-se quasetudo sobre o HIV: seu ciclo de replicação, sua diversidade e suainteração com as células. Daí vieram os sofisticados e caros anti-retrovirais. O tratamento da Aids progrediu muito após a introdução

SOCIEDADESPIONEIRAS

Dos poucos antibióticosinicialmente disponíveis, as

décadas de 1970 e 1980assistiram à chegada de uma

avalanche de novosmedicamentos desta classe,

exigindo conhecimentosespecíficos para manuseio

adequado. Conforme previu,em 1945, o bacteriologistainglês Alexander Fleming,que descobriu a penicilina

em 1929, a evolução dasresistências bacterianas aos

antibióticos gerou maiorcomplexidade das infecções.

Expandiram-se, igualmente, abacteriologia e a virologia.

Novos agentes etiológicos enovas doenças infecciosas

exigiam esforços da ciência erespostas da Medicina. Foi

neste contexto queinternacionalmente surgiram

as pioneiras sociedades dedoenças infecciosas, como a

Infectious Diseases Society ofAmerica, nos Estados Unidos.

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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA

da combinação dessas drogas, sobretudo com os inibidores da protease,em meados da década de 90; dos exames marcadores da evoluçãoda infecção – CD4, carga viral e genotipagem – e dos medicamen-tos que permitem o controle das doenças oportunistas.

Desde a aprovação do AZT, a primeira droga para o tratamen-to da Aids, em 1987, até 2005, o arsenal terapêutico para enfrentaro HIV/Aids incluía 20 anti-retrovirais liberados pelo FDA – Foodand Drug Administration do EUA. Com esses medicamentos, dis-tribuídos em cinco classes terapêuticas, era possível chegar a maisde 1.300 combinações entre eles, conhecidas como coquetéis.

Apesar dos avanços, limites e incertezas também caracterizavamestes medicamentos, pois nenhum deles é capaz de erradicar total-mente o vírus. Inevitáveis, as resistências a eles e seus efeitos colateraispreocupam médicos e pacientes.

O fato é que há uma busca frenética por novos medicamentospara assegurar a manutenção da saúde e da vida das pessoas infectadaspelo HIV. As novas drogas – geralmente mais potentes, mais fáceisde tomar e com menos efeitos colaterais – poderão beneficiar aspessoas HIV-positivas virgens de tratamento ou ser alternativas paraaqueles que se tornaram resistentes ou intolerantes aos medicamen-tos disponíveis.

A descoberta de uma vacina será, no entanto, a única forma decontrolar definitivamente com a Aids, mas a comunidade interna-cional e os laboratórios privados não investiram até agora recursossuficientes na pesquisa, em que pesem os esforços de cientistas emtodo o mundo. Calcula-se que seriam necessários mais de 1 bilhãode dólares anuais para avançar nos estudos. Em menos de dez anos,acreditava-se em 2005, não haverá uma vacina eficaz.

As hepatites virais

Cerca de dois bilhões de pessoas já tiveram contato com ovírus da hepatite B no mundo, segundo a OMSDe distribuição universal e magnitude variável, de acordo com

a região, as hepatites virais são um importante problema de saúdepública no mundo e no Brasil. Segundo a Organização Mundial deSaúde, cerca de dois bilhões de pessoas já tiveram contato com ovírus da hepatite B. No mundo, são cerca de 325 milhões de porta-dores crônicos da hepatite B e 170 milhões da hepatite C.

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No Brasil, o Ministério da Saúde estima que pelo menos 70% dapopulação já teve contato com o vírus da hepatite A e 15% com o vírusda hepatite B. A maioria das pessoas desconhece sua situação sorológicae constitui elo importante na cadeia de transmissão do HBV e HCV.

Do ponto de vista global, as hepatites A e E apresentam altaprevalência nos países em desenvolvimento, onde as condições sanitá-rias e sócio-econômicas são precárias. A prevalência de hepatite Btem sido reduzida em países onde a vacinação foi implementada, po-rém permanece alta em populações potencialmente expostas a risco,como profissionais de saúde, usuários de drogas injetáveis, homosse-xuais masculinos, profissionais do sexo, dentre outros.

No Brasil, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)estimava a infecção pelo HAV em aproximadamente 130 casosnovos por 100 mil habitantes ao ano e que mais de 90% da popu-lação maior de 20 anos já foi exposta ao vírus. Entretanto, com asmelhorias nas condições de saneamento, alguns estudos têm de-monstrado um acumulo de suscetíveis em adultos jovens acimadesta idade.

Estudos do final da década de 1980 e início de 1990 sugeriramuma tendência crescente do VHB em direção às regiões Sul e Norte.

Quanto à hepatite C, ainda não existem estudos capazes de es-tabelecer sua real prevalência no país.

Um dos poucos estudos de base populacional realizado no Bra-sil revelou 1,42% de portadores de Anti-HCV na cidade de SãoPaulo. Resultado semelhante foi obtido em um estudo desoroprevalência realizado na cidade de Salvador, com 1,5% de por-tadores de Anti-HCV. Atualmente a transmissão da hepatite C viatransfusão sanguínea e hemoderivados é rara.

O tratamento das hepatites B e C crônicas está em plena evolu-ção, com o lançamento de promissores medicamentos, mas que ain-da não estão disponíveis no Brasil para todos que necessitam.

Tendo em vista a magnitude das hepatites virais no Brasil, éurgente a criação de mecanismos para organizar, articular e integraras ações voltadas à prevenção e ao controle dessas doenças. Nestesentido, o Programa Nacional para a Prevenção e o Controle dasHepatites Virais do Ministério da Saúde – que sempre poderá con-tar com a colaboração da SBI – deve ser dotado de recursos capazesde aprimorar a prevenção, o diagnóstico e a vigilância epidemiológica,

62 l 25 ANOS DA SBI

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e ao mesmo tempo ampliar o acesso e a capacidade instalada dosserviços de saúde que atendem os portadores de hepatites virais.

NOVAS AMEAÇAS: GRIPE AVIÁRIA E SARS

A evolução da comunicação multiplicou o alarde em torno decada nova doença infecciosaEm 2005 o mundo viu-se atordoado diante da hipótese de que

a gripe aviária pudesse se tornar uma epidemia de proporções catas-tróficas. Doença infecciosa que acomete aves, causada pelo vírusinfluenza A e seus diferentes subtipos, a exposição às avesinfectadas e suas excreções (saliva, secreção nasal e fezes)ou solo contaminado pode resultar em infecção humana.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, houveconfirmação da presença do vírus influenza A/H5N1, dealta patogenicidade, em amostras coletadas de aves domés-ticas na Turquia e na Romênia.

A OMS, até final de 2005, não havia modificado onível de alerta diante de uma possível pandemia. Este per-manecia na fase 3, isto é, há um novo subtipo viral queinfecta os seres humanos, que no entanto não é facilmen-te transmitido de uma pessoa para outra.

A maioria dos países, inclusive o Brasil, adotaram sis-tema de vigilância e passaram a planejar a rede de assistên-cia, laboratório, e reserva estratégica de vacinas e antiviraisdiante de uma eventual pandemia de gripe aviária.

A identificação, notificação e investigação de surtosde doença respiratória, com detecção rápida do agentecausal, são outras medidas efetivas para prevenção e con-trole da gripe aviária.

SARS

A Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), ou pneumoniaasiática, é outra doença emergente que assustou o mundo em 2003.A repercussão da SARS foi intensa, devido à expansão de casos dadoença para os Estados Unidos, Canadá e alguns países europeus, ea hipótese aventada de que a SARS pudesse estar vinculada aobioterrorismo. A maioria dos casos ocorreu em profissionais de saú-de e nos familiares que tiveram contato direto com os pacientes, o

Pelo menosum bilhão de

pessoas em todoo mundo não

têm acesso aosavanços da

Infectologia, daciência e da

saúde públicapara prevenção,

diagnóstico etratamento das

doençasinfecciosas

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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA

que fortaleceu a hipótese de transmissão direta.Do foco central em Hong Kong, onde provocou centenas de

mortes, a SARS também matou outras 32 pessoas em Cingapura ecinco no Vietnã. No Canadá, foram 40 mortes na região de Toron-to, quase 400 casos registrados e 12 mil moradores colocados emquarentena, um dos recursos utilizados para manter a doença sobcontrole.

Em maio de 2003, dois meses depois do registro dos primeiroscasos, pesquisadores da Universidade de Hong Kong, divulgaram que

o vírus da SARS, um Coronavírus, pode ter chegado aosseres humanos pelo consumo da carne de civeta (Viverraciveta), uma iguaria muito apreciada no sul da China. Em2004, na Austrália, houve dois casos suspeitos de SARS,enquanto a comunidade científica de diferentes lugares domundo, na Ásia especialmente, tentava encontrar novas dro-gas e até uma vacina contra a doença.

EXPERIÊNCIA BEM-SUCEDIDA

Programa Nacional de Imunizações

O PNI completa 30 anos com o objetivo de enfrentardoenças preveníveis por meio de vacinaçãoAo registrar três décadas de atuação no país, em 2003,

o Programa Nacional de Imunizações do Ministério daSaúde anunciava como metas de médio prazo, para oscinco anos seguintes, conquistas consideráveis: a amplia-ção da auto-suficiência nacional dos principais produtosadquiridos e utilizados pela população brasileira no com-bate e prevenção de doenças infecciosas e a produção dealgumas vacinas, a saber: contra o Haemophilus influenzab, a combinada tetravalente (DPI + Hib) e a tríplice viral

(contra sarampo, rubéola e caxumba), assim como a vacina contrapneumococos e a vacina contra influenza, e ainda a vacina anti-rábica em cultivo celular.

O objetivo de avançar numa trajetória bem sucedida ao longode trinta anos baseou-se em feito essencial do ponto de vista dasaúde pública: eliminar, ou pelo menos manter sob controle, numdos países mais populosos e de maior extensão territorial do mun-do, doenças preveníveis por meio de vacinação.

OS GRANDESFLAGELOS

Bactérias, vírus eoutros microorganismos já

causaram estragos tãograndes à humanidadequanto as mais terríveisguerras e catástrofes da

natureza:

Peste (1333-1351) 50 milhões de mortos

Tuberculose (1850-1950)1 bilhão de pessoas

Varíola (1896-1980)300 milhões mortos

Gripe Espanhola(1918-1919)

20 milhões de mortosTifo (1918-1922)

3 milhões de mortosFebre Amarela

(1960-1962)30 mil mortos

Sarampo (até 1963)6 milhões de mortes/ano

Malária (desde 1980)3 milhões mortes/ano

Aids (desde 1981)20 milhões de mortes

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O PNI, conforme ficou conhecido, tem respaldo internacionale já foi usado como referência pela Organização Pan-Americana deSaúde (OPAS). O programa organizou, por exemplo, duas campa-nhas de vacinação no Timor Leste, já promoveu cursos no exteriore, entre outros países, mantém cooperação técnica com os EstadosUnidos, México, Israel, Argentina, Angola e Filipinas.

Oficialmente criado em 18 de setembro de 1973, o PNI,especializou-se no desenvolvimento de ações planejadas e de es-tratégias diversas – de varreduras a grandes campanhas de alcancenacional – que possibilitaram feitos como a erradicação da polio-mielite no ano de 1989.

Antes disso, seguindo estratégias similares, a febre amarela haviasido erradicada em 1942 e a varíola, cujo desaparecimento foi regis-trado pela Organização Mundial de Saúde, em 1973. Entre outrasconquistas importantes do PNI, registra-se o controle do sarampo.

Desde a década de 1980, o Ministério da Saúde investe em labo-ratórios produtores oficiais com o Programa de Auto-SuficiênciaNacional em Imunobiológicos (Pasni). Segundo dados do Ministério,77% dos imunobiológicos utilizados no Brasil, em 2004, tinham ori-gem nacional.

O FUTURO DA PESQUISA EM INFECTOLOGIA

Os pesquisadores buscam a cada dia um desenvolvimento maisracional de meios de lutar contra as doenças infecciosas e espera-sechegar a instrumentos mais eficazes do que os que atualmente aMedicina tem à disposição. Isso vale para as imunizações, os meiosdignósticos e os tratamentos.

As pesquisas em curso visam a descobrir novas drogas antiviraise antimicrobianas, cada vez mais eficazes e com menos efeitos ad-versos. Para isso há uma busca incansável para melhor conhecer aescala molecular, os microorganismos responsáveis pelas infecções,além de buscar definir, com precisão, tanto no nível celular quantomolecular, quais são as interações entre os hospedeiros e o homem.Conhecer cada vez mais os animais vetores e os modos de transmis-são é outro terreno fundamental.

A ciência deverá avançar ainda mais no estudo do verdadeiroexército de células que trabalham permanentemente para protegernossos organismos das infecções, a exemplo dos linfócitos e

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macrófagos. Neste sentido, foi fundamental a descoberta de que es-tas células se comunicam entre elas por meio das citoquinas, numaorquestração extremamente complexa. Conhecer a linguagem des-tas defesas imunitárias tornou-se indispensável para diversas pesqui-sas aplicadas, notadamente na busca de novas vacinas.

O estudo dos agentes infecciosos e da biologia molecular passarácada vez mais pela engenharia genética. Descobrir os genes responsá-veis pela invasão, aqueles que são códigos para as toxinas, ou aquelesligados à virulência, tornou-se uma peça-chave para os pesquisadores

e cientistas.O avanço das técnicas de sequenciamento dos genomas

é uma área que certamente guarda resultados promissorespara a Infectologia em um futuro próximo. Além de apon-tar os alvos certos para o desenvolvimento de novos me-dicamentos e novas vacinas, poderá igualmente melhoraro terreno do diagnóstico das doenças infecciosas.

Quanto às vacinas que estão sendo desenvolvidas nocomeço do século 21, elas são ainda mais precisas que asvacinas clássicas, e também buscam maior eficácia e me-nos efeitos colaterais. Nas clássicas, conforme é sabido, oprocesso consiste em injetar um microorganismo inteiromorto ou inativo para que o sistema imunitário acionesuas defesas contra ele. Daí, ele estará pronto para atacar omesmo microorganismo, ativo e potencialmentepatogênico, se vier a se introduzir naturalmente no orga-nismo.

As vacinas do futuro são baseadas no mesmo princí-pio mas serão muito mais potentes, por serem mais espe-cíficas. Boa parte delas será produzida utilizando uma

molécula ou frações de moléculas representativas do microorganismo.Outros métodos, que visam associar a molécula vacinal a um vetor(uma proteína, por exemplo), serão capazes de produzir vacinasque atuarão nas células mais fortes do sistema imunitário. Espera-se,assim, encontrar vacinas mais eficazes, inclusive para doenças quenão são hoje imunopreviníveis.

O avanço dos meios diagnósticos, testes e exames é outra etapaprimordial na luta contra as doenças infecciosas. De nada adiantaráos avanços da ciência se não for possível compreender como as

VANGUARDAPAULISTANA

Inaugurado em 08 de janeirode 1880, ainda no Império,

graças à contribuição dapopulação paulista que doouparte do dinheiro para a sua

construção, com o objetivode isolar e tratar os pacientes

portadores de doençasinfecciosas, o Instituto de

Infectologia Emilio Ribas, quecompleta 125 anos em 2005,

foi uma das primeirasinstituições de Saúde Pública

em São Paulo. O hospital,que inicialmente atendia

apenas varíola, foi ampliadoem 1894, para enfrentar as

epidemias de doençasinfecciosas que estavam

ocorrendo na época (febreamarela, tifo, peste, difteria),

passando a se chamarHospital de Isolamento de

São Paulo (Capital),considerado no início do

século 20 um dosmelhores do mundo.

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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA

doenças infecciosas se desenvolvem atualmente, e medir e monitorara eficácia real dos instrumentos atualmente utilizados contra elas; senão for desenvolvido um bom conhecimento epidemiológico dosproblemas sanitários que permita a escolha de medidas de saúdepública adequadas; e, principalmente, se não houver maior igualda-de e justiça na distribuição dos meios diagnósticos e terapêuticosdisponíveis.