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Paulo Victorino
CAPÍTULO DOIS
COMO SE FAZ UM PRESIDENTE
A ELEIÇÃO DE CASTELO BRANCO
A atriz Vera Gertel conta: "Resolvemos ir até a Cinelândia, a pé,
pois não havia transporte algum. Tudo em greve. Quando
estávamos chegando, Isolda, eu e Regina, encontramos com um
pessoal que vinha de lá e nos avisou que não fôssemos: era tempo
perdido, estava havendo um tiroteio, massacre na Cinelândia.
Pedimos uma carona, sentamos no banco de trás e, na frente,
vinham dois oficiais da Marinha, um deles tinha nas mãos um arpão
de pesca submarina. Eles riam muito, porque, ao mostrar o arpão
para as pessoas, elas saiam correndo. Ao passarmos pelo Aterro,
vimos a UNE em chamas. Eles pararam o carro para observar o
espetáculo. Isolda caiu em prantos ao ver a cena. E eu, beliscando-
a, mandava-a calar a boca e ficar quieta. (...) Ao passarmos pelo
Tunel Novo, aquelas buzinas todas festejavam o golpe. O clima era
de festa. E o oficial de Marinha que segurava o arpão gritava:
‘Agora sim, o dólar vai baixar!"
O início da marcha dos soldados mineiros (que formam a Coluna Tiradentes)
em direção ao Rio de Janeiro, na madrugada de 31 de março de 1964, apanhou
de surpresa todos, tanto nas hostes governistas como no entre os conspiradores,
civis e militares, que se preparavam para a derrubada do presidente João
Goulart, mas que não esperavam pela antecipação do movimento, feita pelo
general Mourão Filho à revelia de todo o comando revolucionário.
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Os acontecimentos que se seguiram mostraram, entretanto, que as forças
anti-Jango estavam melhor preparadas para enfrentar a emergência, dominando
de pronto a situação, com o controle dos meios de comunicação e de transporte,
e cuidando de todas as manobras militares necessárias para a tomada da praça
do Rio de Janeiro, onde se achava instalado de fato o governo federal.
Por seu lado, o presidente João Goulart confiara demais em sua condição de
chefe supremo das Forças Armadas e descuidou de montar um esquema militar
de emergência a ser acionado em momento de necessidade, deixando à mostra
todo o seu despreparo para enfrentar a rebelião que, se sabia, havia de estourar
a qualquer momento.
Como complicador, o ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro
achava-se internado num hospital, com seu estado de saúde bastante agravado,
sofrendo duas cirurgias seguidas e deixando acéfalo o comando militar do
governo. Quando o presidente Goulart se decidiu a fazer seu ministro o
comandante do 1º Exército, general Morais Âncora, a situação já estava
totalmente fora de controle. Inclusive o próprio Âncora apenas simulava acatar
as ordens do chefe supremo das Forças Armadas.
Perdendo o controle da comunicação e do transporte, as forças civis de apoio
ao Presidente, vale dizer, as classes trabalhadoras e o movimento estudantil,
ficaram impossibilitadas de pôr em execução o plano de greve geral, por não
disporem nem dos serviços telefônicos, nem das estações de radiodifusão, que
se achavam já nas mãos dos rebeldes.
A greve, pois, anunciada num primeiro momento, teve de ser desativada
horas depois, tanto mais que o único setor que chegou a paralisar totalmente foi
o de transporte coletivo, impedindo a locomoção de trabalhadores para o centro
da cidade. Era como se dessem um tiro no próprio pé.
Não surpreende, assim, que o movimento militar tenha rapidamente
dominado o Rio de Janeiro, consolidando suas posições com a auto-nomeação
do general Costa e Silva como ministro da Guerra e com a subsequente
nomeação de novos comandantes para o 1º Exército e a 1ª Região Militar.
Cuidou-se até da criação de um ambiente político, supostamente popular, para
a apresentação do nome general Castelo Branco à presidência da
República.
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Agiram, pois, os militares, com competência e profissionalismo, triunfando no
campo militar e isolando a sociedade civil o suficiente para evitar que esta lhes
arrebatasse, num segundo momento, os louros do sucesso alcançado.
O general Juarez Távora, comandante da ala norte-nordeste na revolução
de 1930, deixou isso bem claro, na reunião com os governadores fiéis ao
movimento:
"Em 1930, nós tivemos a cerimônia e o constrangimento em não
querer assumir diretamente o governo. Pensávamos em colocar os
civis na frente e manobrá-los de perto. Que ilusão, a nossa! Dentro
de pouco tempo, nós havíamos sido postos para trás, inteiramente
desarticulados, sem poder fazer nada do que planejávamos."
Revolução ou golpe, seja o que for, não houve, em 1964, uma vitória popular.
Registrou-se, ao inverso, uma indiscutível conquista militar, em que a força
sobrepujou o direito, ficando este último, a partir de então, sujeito a regras
casuísticas, transformadas em diplomas plenamente legais, ainda que, muitas
vezes, ilegítimos.
O movimento, visto de dentro
Chovia, intermitentemente, no dia 31 de março e nos dias que se seguiram.
E foi dentro desse ambiente carregado que se desenvolveram as manobras para
sustentação e consolidação do movimento militar.
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Ainda no dia 31, atendendo recomendações, o general Artur da Costa e
Silva esconde-se em local seguro, mas de fácil comunicação, enquanto o
general Humberto de Alencar Castelo Branco prefere dar seu expediente
no edifício do ministério do Exército, no gabinete do EMEx, cujo comando
lhe pertencia. Comparecer ao trabalho, achava ele, era a melhor maneira de
despistar. Lá encontra 50 oficiais-estudantes da ECEME-Escola de Comando do
Estado Maior do Exército, que foram mandados pelo comandante Jurandir de
Bizarria Mamede para dar-lhe proteção e fazer-lhe a escolta.
Em seu gabinete, Castelo mantêm contatos telefônicos com o Congresso
Nacional em Brasília, recebe visitas dos generais Emilio Maurel Filho e Ernesto
Geisel, do coronel Ariel Pacca da Fonseca e, por fim, do próprio general Costa
e Silva, com quem são estabelecidas as bases de comando da revolução. Costa
e Silva assumiria ad-hoc o Ministério da Guerra e o Comando Geral do
movimento; Castelo suspenderia naquele momento suas funções no
comando militar e assumiria o comando civil, cuidando tão somente da
articulação política.
"Parece que estou sendo raptado", graceja Castelo, no momento em que é
escoltado pelos oficiais-alunos da ECEME. Desce pelo elevador, sai do
Ministério, vence o bloqueio do Regimento de Reconhecimento Mecanizado que
cercava o edifício, e é conduzido à sua casa da rua Nascimento Silva.
Após trocar a farda por trajes civis, mais adequados à sua missão política,
segue para o apartamento no Edifício Igrejinha, na Avenida Atlântica, onde
instala seu Estado Maior informal. Lá, se articula com Ademar de Queirós,
Ernesto Geisel e Golberi de Couto e Silva, recebendo e despachando
mensagens com auxílio dos tenentes-coronéis Murilo Gomes Ferreira,
Leônidas Pires Gonçalves e Ivã de Sousa Mendes. Já havia feito uma centena
de contatos telefônicos quando, por volta da meia-noite, recebe ligação do
comandante do 2º Exército (São Paulo), general Amauri Kruel, informando sua
adesão ao movimento acrescentando que iria colocar suas tropas na rua. Inicia-
se a madrugada do dia 1º de abril.
Está fechado o esquema. Agora, já com apoio consolidado do Rio de Janeiro,
de São Paulo e de Minas Gerais, seria mais fácil colocar sob controle o 3º
Exército (Porto Alegre) e o 4º Exército (Recife), ainda indefinidos.
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Esses eram dois pontos críticos: em Recife se achava o governador Arrais e
o Rio Grande do Sul era a terra de Jango e Brizola, onde certamente ambos
procurariam refúgio, ao se sentirem perdidos.
Aliás, a recomendação dada a Kruel, quando este chegou a Resende para
encontrar-se com as tropas mineiras, foi para que se deslocasse ao Rio Grande
do Sul, a fim de assumir o controle da situação naquele Estado.
As notícias eram de que pelo menos a cidade de Porto Alegre se achava sob
o controle dos legalistas e o comandante da 5ª Zona Aérea, brigadeiro Lavanère-
Wanderley, havia sofrido um atentado, felizmente sem maiores consequências
para ele, morrendo um dos rebeldes.
- 038 -
No Rio de Janeiro, a situação se acha sob controle em todos os pontos
estratégicos. Dominando a Praia Vermelha e a Urca encontra-se o comandante
da ECEME, general Bizarria Mamede; na Academia Militar de Agulhas Negras
(Resende) o comandante é o general Emílio Garrastazu Médici; no posto do
Castelo, acha-se o general Ademar de Queirós. De seu posto de comando, o
general Costa e Silva, agora Comandante Geral do movimento, fecha o cerco,
enviando generais de sua confiança para assumir os demais comandos no Rio
de Janeiro.
A certa altura da noite, por razões estratégicas, tanto Costa e Silva como
Castelo Branco mudaram, cada um de per si, o local de seus postos de comando,
auxiliados nessa tarefa pelo general Orlando Geisel, pelos tenentes-coronéis
João Batista de Figueiredo e Ivã de Sousa Mendes (que cedeu seu
apartamento a Castelo) e pelo major Dickson Melges Grael.
Enquanto isso, os legalistas, fiéis a João Goulart, somente haviam
conseguido tomar a TV Tupi, na Urca, e não puderam evitar que o Palácio das
Laranjeiras, sede do governo federal no Rio de Janeiro, fosse obstruído por
caminhões da limpeza pública que o general Salvador Mandim, secretário de
Segurança de Lacerda, mandara para bloquear a entrada e saída de pessoas e
veículos.
A visão de dentro do palácio
Desde o primeiro momento, o presidente João Goulart, sob uma redoma
construída com suas próprias ilusões, se achava completamente afastado da
realidade. Não acreditou quando o senador Juscelino Kubitschek telefonou ao
Palácio das Laranjeiras para avisá-lo de que o movimento militar saíra para as
ruas.
Quando encontrou razões para preocupar-se, foi a busca do auxílio de seu
ministro da Guerra, convalescendo em leito de hospital, após uma delicada
cirurgia. Com efeito, o ministro Jair Dantas Soares, quixotescamente,
instalou seu gabinete no próprio hospital, tentando articular a reação, mas
seu estado de saúde agravou-se, tendo de sofrer uma segunda operação.
- 039 -
Desorientado, Jango nomeou como ministro da Guerra o comandante do 1º
Exército, general Morais Âncora, de cuja fidelidade, a esta altura, já era lícito
duvidar.
Ao general Luís Tavares da Cunha, comandante da 1ª Divisão de Infantaria,
sediada em Niteroi, foi dada a incumbência de barrar o avanço da Coluna
Tiradentes, que seguia para o Rio de Janeiro, comandada pelo general Murici e,
para isso, foram colocados à sua disposição três Regimentos de Infantaria
sediados no Rio de Janeiro.
Cedo, Tavares da Cunha descobriu que era um comandante sem
comandados. O 3º RI (Regimento Sampaio) já seguira para Resende, sob o
pretexto de dar combate aos rebeldes; o 1º e o 2º RIs já haviam aderido ao
movimento militar, recebendo de Costa e Silva a incumbência de barrar a entrada
das tropas de São Paulo, caso Kruel insistisse em se manter legalista.
As últimas tentativas de reação
Na manhã de 1º de abril, Jango se convencera de que já perdera a praça do
Rio de Janeiro e, consultando seus três ministros militares (general Morais
Âncora, almirante Wilson Fadul e brigadeiro Anísio Botelho), decidiu
transferir-se para Brasília, dizendo ao seu secretário de imprensa, Raul Riff:
"Vamos. Vou sair daqui. Isto aqui está se transformando em uma armadilha."
Em Brasília, havia ainda alguns focos de resistência. No Palácio do Planalto
encontravam-se, pelo menos, Darci Ribeiro, chefe da Casa Civil e Waldir Pires,
procurador geral da República. No comando militar permanecia o general
Nicolau Fico, sustentando a posição, mas cuja fidelidade estava sendo posta à
prova, por suas ligações com o general Kruel que, ao final da noite de 31, aderira
ao movimento.
Ainda assim, e apesar da interdição do aeroporto em Brasília, Jango chegou
sem maiores dificuldades, sendo recebido pelo próprio general Fico e seguindo
para a granja do Torto, onde se reuniu-se com os que ainda lhe eram fiéis: o
próprio general Fico, mais Waldir Pires, Doutel de Andrade, Almino Afonso,
Tancredo Neves, o general Assis Brasil e outros auxiliares.
- 040 -
Conta o historiador e jornalista Hélio Silva:
"Jango estava cansado. Dizia que a revolução não era contra
ele, mas contra as reformas. Se renunciasse a elas, continuaria. Se
quisesse restringir as prerrogativas dos trabalhadores, ficaria. A lei
que regulamentou a remessa de lucros para o exterior estava na
base do movimento (...) Comentou que a CIA [órgão de inteligência
dos Estados Unidos] estava inspirando tudo."
Após uma análise da situação, decidiu-se que Jango deveria seguir para
Porto Alegre, onde ainda persistia resistência ao golpe. Com ele iriam o general
Assis Brasil e alguns de seus assessores. Mas, no aeroporto, o Coronado da
Varig, requisitado pela presidência da República, apresentou falha
mecânica e não pôde levantar voo. Conseguiram, então, um avião de pequeno
porte, no qual seguiram João Goulart e o general Assis Brasil. Ficaram em
Brasília Darci Ribeiro, Valdir Pires e o general Fico, além do deputado
Tancredo Neves, que ia comandar a reação no Congresso.
Encerrando este tópico: Em Porto Alegre, João Goulart e Leonel Brizola
tiveram um forte desentendimento. Brizola queria levantar os quartéis e o povo
para uma contra-revolução; Jango tencionava encerrar o assunto, pedindo asilo
ao Uruguai, o que acabou acontecendo.
Nasceu daí uma inimizade entre os dois que perdurou por doze anos. Só
vieram a se encontrar novamente em 1976, pouco antes da morte de Jango.
O embate no Congresso
No Congresso, as forças se dividem, fazendo prever um tumulto na sessão
convocada para o dia 2 de abril, que se estendeu até as 3 horas da madrugada
do dia seguinte. A pedido de Moura Andrade, o deputado Adauto Lúcio Cardoso
forma um pelotão de choque, postando em lugares estratégicos os
parlamentares mais corpulentos e bem alimentados, instituídos naquele
momento em leões de chácara do parlamento. Os tumultos realmente
acontecem, levando até, em certo momento, à suspensão dos trabalhos.
Apesar de ter em mãos um ofício de Darci Ribeiro, chefe da Casa Civil da
Presidência, comunicando que o Presidente constitucional seguira para Porto
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Alegre a fim de comandar a resistência, o presidente do Congresso, Moura
Andrade, prefere considerá-lo em lugar incerto e não sabido, objetivando uma
solução definitiva à questão, o que fez subir ainda mais a temperatura. É isso
que registram os anais do Congresso:
Moura Andrade: "O senhor presidente da República deixou a
sede do governo. (Protestos. Palmas prolongadas.) Deixou a nação
acéfala numa hora gravíssima da vida brasileira, em que é mister
que o chefe de Estado permaneça à frente do Governo. (Apoiados.
Muito bem.) O senhor presidente da República abandonou o
Governo. (Aplausos calorosos. Tumulto. Soam insistentemente as
campainhas). (...) Recai sobre a mesa a responsabilidade pela
sorte da população do Brasil em peso.
"Assim sendo, declaro vaga a presidência da República.
(Palmas prolongadas. Muito bem. Protestos). E, nos termos do
artigo 79 da Constituição Federal, invisto no cargo o presidente da
Câmara dos Deputados, sr. Ranieri Mazzilli. (Palmas prolongadas.
Muito bem. Protestos.) Está encerrada a sessão."
Isto posto, Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Congresso e
Ranieri Mazzili, presidente da Câmara, juntam-se ao ministro Álvaro Ribeiro
da Costa, presidente do Supremo Tribunal Federal. Os três saem pelos
fundos do edifício e seguem para o 3º andar do Palácio do Planalto, onde Mazzili
toma posse de fato na presidência da República.
São 3h45m da madrugada de 2 de abril de 1964. Ranieri Mazzili toma
posse efetiva da presidência da República, exercendo, como da vez anterior, o
nada honroso papel de vaquinha de presépio. Quando da renúncia de Jânio
Quadros, encontra uma junta, formada pelos três ministros militares, que
vetavam a posse de João Goulart; agora, tem de aceitar uma situação inusitada:
o comando do país se encontra no Rio de Janeiro, dividido entre Costa e Silva,
autonomeado ministro da Guerra, e Castelo Branco, candidato certo à
Presidência, com os poderes do comando civil. O ministério de Mazzili teve de
ser escolhido no Rio de Janeiro e submetido à apreciação do alto comando
revolucionário, ao qual pertencia a última palavra.
Aliás, quando alguém levou a Costa e Silva um boato mal-intencionado de
que Mazzili teria nomeado Israel Pinheiro [homem forte de JK] para chefe de sua
Casa Civil, o general foi categórico: "Se nomeou, vai ter que desnomeá-lo!"
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O povo nas ruas
No Rio de Janeiro, os lacerdistas e os partidários do movimento entram no
clima do oba-oba, acreditando que os problemas do país estavam
definitivamente resolvidos (um ano após o próprio Lacerda estava
desencantado, mas neste momento, o clima é esse).
As senhoras católicas, a exemplo de São Paulo e Santos, levam às ruas sua
Marcha com Deus, pela Família e pela Liberdade, cujos manifestantes se
deslocaram da avenida Presidente Vargas até a Cinelândia. Na marcha, uma
figura de especial destaque: D. Antonieta Castelo Branco Diniz, a dona Nieta,
filha mais velha do general Castelo Branco.
Entusiasmado, também, com o sucesso inesperado do movimento, o Cardeal
do Rio de Janeiro, D. Jaime de Barros Câmara (sucessor de D. Helder, que havia
sido transferido, tempos atrás para Olinda), defende punições exemplares,
buscando uma frase sepultada com os tempos da Inquisição: Punir os que
erram é uma obra de misericórdia.
- 043 -
Contagiando-se com o clima, uma parte da população vai às ruas, disposta à
revanche. O jornal Última Hora, partidário de Goulart é invadido e
empastelado, sendo queimadas oito viaturas de reportagem e distribuição.
Por todos os lados, muitas manifestações, mas poucos confrontos, já que a
polícia civil, misturada aos manifestantes revolucionários, tornava difícil, quando
não impossível, qualquer movimento de protesto. As notícias sobre a situação
nas ruas eram desencontradas.
Vera Gertel conta:
"Resolvemos ir até a Cinelândia, a pé, pois não havia transporte
algum. Tudo em greve. Quando estávamos chegando, Isolda, eu e
Regina, encontramos com um pessoal que vinha de lá e nos avisou
que não fôssemos: era tempo perdido, estava havendo um tiroteio,
massacre na Cinelândia. Pedimos uma carona, sentamos no banco
de trás e, na frente, vinham dois oficiais da Marinha, um deles tinha
nas mãos um arpão de pesca submarina. Eles riam muito, porque,
ao mostrar o arpão para as pessoas, elas saiam correndo.
"Ao passarmos pelo Aterro, vimos a UNE em chamas. Eles
pararam o carro para observar o espetáculo. Isolda caiu em prantos
ao ver a cena. E eu, beliscando-a, mandava-a calar a boca e ficar
quieta. (...) Ao passarmos pelo Tunel Novo, aquelas buzinas todas
festejavam o golpe. O clima era de festa. E o oficial de Marinha que
segurava o arpão gritava: ‘Agora sim, o dólar vai baixar!"
Na UNE, a situação é crítica
Na UNE, a situação é crítica. José Serra, eleito presidente após o término
do mandato de Aldo Arantes, refugiou-se com outro diretor na casa de um
amigo no "sertão carioca", onde, se imaginava, não seriam encontrados.
À medida que vão chegando as notícias sobre a vitória do movimento, os
estudantes, em sua maioria, se retiram, ficando apenas um punhado de jovens,
dispostos a testar sua própria coragem e resistência. Não imaginavam o estado
de anarquia em que se achavam as ruas, com blocos de vândalos praticando
atos de violência contra os que, em passado recente, ousaram apoiar o governo
João Goulart.
- 044 -
Carlos Veneza, participante do grupo teatral da UNE, descreve o momento:
"No dia 1º de abril eu passei pela Cinelândia e notei um
movimento estranhíssimo de militares na janela do Clube Militar.
Peguei uma carona e fui avisar o Vianinha [Oduvaldo Viana Filho]
de que a manifestação que nós havíamos marcado, também para
a Cinelândia, onde faríamos um teatro de rua em defesa do
governo João Goulart, não poderia mais acontecer. Ao chegar à
UNE, nossos colegas já haviam feito uma barricada com móveis e
cadeiras, em frente ao prédio. E lá ficamos todos nós sitiados,
esperando os acontecimentos.
"Aos poucos, foram chegando carros e mais carros em frente à
UNE, com rapazes da então classe média, comendo cachorro-
quente com Coca-Cola e dizendo que ‘os comunistas foram
derrotados, que Jango já havia fugido.’ (...) Aquelas pessoas
buzinavam, jogavam objetos que podiam provocar incêndios na
barricada. Vianinha disse: ‘Vamos procurar sair daqui o mais rápido
possível porque eles vão invadir a UNE.’
"Saímos pelos fundos, pelo quintal e, de um dos edifícios ao
lado as pessoas gritavam: ‘Foge, que eu quero ver, comunista!’,
enquanto, do outro lado, outras pessoas diziam: ‘Não foge, não,
menino, nós estamos do lado de vocês. Vocês têm toda razão! ’.
De certa maneira, isso é a síntese desse maniqueísmo em que se
transformou a história política deste país.
"E nós, enquanto víamos o prédio ser tomado, pulamos o muro
dos fundos e saímos numa tinturaria. Pegamos um taxi, que deu
volta pelo Aterro e, em lágrimas, vimos nosso prédio pegando fogo
– eu, o Vianinha, o João das Neves e acho que o Milani – em meio
a um verdadeiro piquenique da classe bem alimentada, dos jovens
rapazes da classe média que comemoravam, entre urras, o
incêndio do Centro Popular de Teatro e da União Nacional de
Estudantes. Dali, fomos para a casa de Vera Gertel. (...)
"Para espanto nosso, no dia seguinte, um dos renomados
matutinos brasileiros reproduzia, em primeira página, uma foto com
vários rifles simulados, de madeira, que iam ser usados na peça
"Ripió Lacraia". A legenda dizia que ‘um farto material bélico havia
sido encontrado nos salões da UNE."
A sede da UNE, ou o que restou dela depois do incêndio, constituiu-se num
símbolo da resistência estudantil, incomodando o novo sistema instalado no
- 045 -
país. Anos depois, quando os estudantes haviam conseguido recursos para sua
reforma, setores do governo determinaram sua demolição, ignorando até uma
liminar conseguida na Justiça para evitar a destruição. Estando trancados os
portões o juiz teve de escalar o muro para, de arma em punho, fazer cumprir a
determinação judicial. Depois, cassada a liminar, a demolição prosseguiu até
extinguir, para todo sempre, qualquer lembrança dos dias gloriosos vividos por
aquela juventude, cheia de idealismo, embora não necessariamente certa em
seus propósitos.
Preparando o caminho
de Castelo
Embora o general Costa e Silva usasse a artimanha do despistamento,
dizendo que, pessoalmente, preferia um candidato civil (chegou a ser sugerido
o nome de Rafael de Almeida Magalhães), em realidade, todas as ações políticas
estavam sendo endereçadas para o lançamento oficial do nome do general
Humberto de Alencar Castelo Branco.
No dia 4 de abril, reuniam-se no Palácio Guanabara os sete
governadores mais achegados ao movimento revolucionário: Carlos
Lacerda (GB), Ildo Meneghetti (RS), Ademar de Barros (SP), Magalhães
Pinto (MG), Fernando Costa (MT), Nei Braga (PR) e Mauro Borges (GO). [A
esse "Clube dos Sete" logo se acrescentaria um oitavo nome, o de Virgílio
Távora, que assumiu o poder no Ceará, após a prisão do governador Miguel
Arrais]. Presentes estavam, também, no salão nobre do palácio, vários
políticos de Brasília e do Rio de Janeiro, entre eles o deputado Afrânio de
Oliveira, da ala janista.
Em certo momento chega, aparentemente sem ser convidado, o general
Augusto Cesar Moniz de Aragão, da ala mais radical do Clube Militar, que faz
um veemente discurso, indicando o nome de Castelo Branco. Ato contínuo, o
deputado Afrânio de Oliveira, remanescente do janismo, apoia o general e
termina seu discurso com as palavras:
"Se o Congresso não se mostrar à altura deste momento histórico
que vivemos, serei o primeiro a pedir da tribuna da Câmara o
fechamento desse Congresso."
Carlos Lacerda, então, libera o salão para a imprensa, rádio e TV, fazendo
seu pronunciamento de que os governadores, em peso, apoiam o nome de
Castelo Branco para a presidência da República.
- 046 -
Castelo, em casa, assiste o pronunciamento pela televisão. Ao seu lado se
encontra o coronel Vernon Walters, adido da Embaixada Americana no Brasil.
Eram 11 horas da noite quando os governadores foram ao edifício do
Ministério da Guerra para levar a decisão dos governadores a favor de Castelo.
Não foram felizes nesse encontro. Costa e Silva aproveitou o momento para
tentar enquadrar alguns dos governadores ao sistema militar que se instalava.
Repreendeu Magalhães Pinto, dizendo-lhe que a atitude de Minas no movimento
tinha um caráter nitidamente separatista, que não mais seria tolerado. Quando
Magalhães procurou notícias sobre o governador sergipano Seixas Doria, Costa
e Silva lhe respondeu: "Seixas Dória está na prisão. E muitos outros serão
presos."
Mas o momento de maior tensão foi quando Costa e Silva insinuou a Carlos
Lacerda que não deveria falar antes que ele próprio lhe dessa permissão.
Lacerda destravou a língua e, lembrando acontecimentos anteriores, disparou
contra o general:
"Não sei onde o senhor estava em 1945. Não sei onde o senhor
estava em 1954. Mas sei onde o senhor estava no dia 11 de
novembro [de 1955]. O senhor estava ao lado do general Lott” [que
derrubou dois Presidentes em 10 dias].
Às 4 horas da manhã, ao encerrar-se a reunião, Lacerda tentou recompor-se
com o general, mas este virou-lhe as costas, deixando-o a falar sozinho. Na
segunda reunião dos governadores, ocorrida no dia seguinte, Lacerda não
compareceu, preferindo enviar, em seu lugar, o udenista baiano Juraci
Magalhães. Lacerda já estava sob observação e, anos depois, quando se juntou
a JK e Jango para formar uma Frente Ampla, teve seus direitos políticos
suspensos, sendo afastado da política e impedido de exercer sua profissão de
jornalista.
Uma concentração pró Castelo
A partir do ato dos governadores, telegramas de apoio a Castelo chegam de
todo o Brasil. O poeta e político Augusto Frederico Schmidt (1906-1965) dá
uma entrevista à imprensa defendendo a candidatura de Castelo.
- 047 -
E a professora Sandra Cavalcanti, secretária de Serviços Sociais da
Guanabara reúne cerca de mil senhoras em frente à casa de Castelo Branco
para uma manifestação de apoio, na manhã de domingo, dia 5 de abril de 1964.
Para garantir o sucesso, não descuida em acertar a presença do grupo
empresarial de Roberto Marinho: a TV, a rádio e o jornal O Globo. O radialista
Cesar de Alencar que, um dia, ficaria tristemente famoso por sua ação delatória,
faz a transmissão do acontecimento ao vivo. Castelo Branco, da janela, assiste
a tudo, na companhia do marechal Mascarenhas de Morais.
Mascarenhas é um nome de peso. Foi o comandante-em-chefe da Força
Expedicionária Brasileira, o único marechal brasileiro, além de Caxias, com
legitimidade para usar esse título. Está ali para endossar o nome de Castelo que,
ainda como tenente-coronel, fez parte de seu estado-maior na FEB.
O coronel Vernon Walters, que não tinha sido avisado previamente, se dirigia
para a casa de Castelo, quando viu a concentração e voltou. Não ficaria bem,
naquele momento, a presença do adido da Embaixada americana, mesmo
havendo ele atuado nos campos da Itália ao lado de Castelo e Mascarenhas.
Ao final da manifestação Castelo Branco discursou, agradecendo e
redirecionando os aplausos recebidos a seus camaradas das Forças Armadas,
aos governadores destemidos, a homens que tinham sabido enfrentar o ‘governo
intolerante’, e à mulher brasileira que, além de mostrar sua grandeza de coração,
tinha também revelado sua grande fibra de combatente.
"Três vezes me negarás"
O apoio representado por aquela manifestação – é, para Castelo Branco, o
último ato para mostrar ao mundo que os militares não estavam promovendo um
golpe de estado, sendo a candidatura militar um produto da vontade popular. A
partir desse momento, Castelo se sentia agora livre para aceitar a indicação de
seu nome e o fez na tarde do mesmo dia, quando recebeu a visita dos
governadores e de políticos. Essa eleição, embora indireta, se faria nos termos
da Constituição vigente (a de 1946) e se destinava a completar o mandato de
João Goulart, que iria até 31 de janeiro de 1966. Pelo menos, é o que se pensava
e é o que diziam os militares para convencer a população.
- 048 -
Então, o governador de São Paulo, Ademar de Barros, candidato virtual à
Presidência nas eleições de 1955, pergunta a Castelo: “Queremos saber se,
assumindo a presidência da República, o senhor procederá como um magistrado
nas eleições de 1965." Castelo responde, contrariado, dizendo que seu
passado era a melhor garantia que lhe poderia dar.
No dia seguinte, já no edifício do ministério da Guerra, quem lhe faz a mesma
pergunta é Francisco Negrão de Lima, elemento de ligação entre o movimento
militar e JK, este último, também, candidato à Presidência em 1965. Juscelino,
agora senador, se oferecia para trabalhar junto aos parlamentares do PSD para
descarregar a votação no nome de Castelo Branco, mas queria ter uma garantia
de que as regras constitucionais continuariam sendo respeitadas em seu
governo. Castelo mandou o seguinte recado: "Eles [os militares] não vão
estabelecer uma ditadura."
A resposta não satisfez inteiramente o PSD e, desta vez, coube a Amaral
Peixoto, genro do falecido presidente Getúlio Vargas, fazer os contatos com
Castelo Branco, em busca de uma garantia de que as regras democráticas
seriam respeitadas.
Pela terceira vez, Castelo fez sua profissão de fé democrática: "Se eu for
Presidente, a eleição de 1965 será realizada de acordo com o calendário
eleitoral e, em seguida, tomarão posse os eleitos".
Como se sabe, nada disso aconteceu. Em 1965 o mandato de Castelo foi
prorrogado e, em 1967 o nome de Costa e Silva foi levado ao Congresso para
ratificação como seu sucessor. Ficava estabelecida uma dinastia militar dentro
da qual a função do Congresso era apenas a de confirmar os nomes dos
príncipes-eleitos.
Nasce o Ato Institucional nº 1
No princípio, era apenas um Ato Adicional, que seria votado pelo
Congresso, estabelecendo as regras da transição, após a vitória do movimento.
Fora redigido pelo jurista Carlos Medeiros Silva, especializado em direito
constitucional, e entregue ao general Castelo Branco, que o encaminhou ao
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general Costa e Silva, que endereçou o documento ao presidente do Congresso,
senador Auro Soares de Moura Andrade, que reuniu-se, no dia 6, com o
presidente-interino, Ranieri Mazzili e com o ministro da Justiça Gama e Silva
(nomeado pelo general Costa e Silva). Juntos, examinaram não apenas o
conteúdo do documento como também sua viabilidade de aprovação no
Congresso.
No dia seguinte, Mazzili viaja para o Rio de Janeiro, onde encontra a cúpula
do Parlamento e combina com os parlamentares a tramitação do Ato no
Congresso. Os parlamentares consultados informam que, com muita sorte, isso
demandaria pelo menos uma semana.
Uma semana é muito tempo. Bilac Pinto (UDN) entra em contato com
jurista Carlos Medeiros e pede-lhe que solicite a ajuda de Francisco
Campos para encontrar uma solução mais rápida. Francisco Campos,
apelidado de "Chico Ciência" foi o autor da Constituição do Estado Novo
que, em 1937, permitiu o fechamento do Congresso, entregando todos os
poderes ao ditador Getúlio Vargas.
Era o homem certo para aquele momento. Reunindo-se os dois juristas com
Costa e Silva, Francisco Campos insinuou que, se tinham pressa, deviam
transformar o documento num Ato Institucional, a ser outorgado pelo próprio
comando revolucionário, recebendo sinal verde para que ambos refizessem o
texto.
Conta o brasilianista John Foster Dulles em seu livro "Castelo Branco – O
Caminho para a Presidência":
"Francisco Campos arregaçou as mangas e transformou o
preâmbulo convencional de Medeiros em um retumbante prólogo,
ou mensagem à nação, proclamando o direito e a responsabilidade
da revolução vitoriosa, representada pelos Comandantes-em-
Chefe dos três ramos das Forças Armadas, de editar o Ato
Institucional."
Basicamente, o Ato (que não tinha número, pois o ato que institucionaliza
uma revolução deve ser primeiro e único) dava ao comando revolucionário e,
depois, ao presidente eleito, o direito de cassar mandatos federais, estaduais e
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municipais, suspender direitos políticos, excluída a apreciação judicial dessas
decisões. Antecipava o prazo para a eleição do novo Presidente e de seu Vice,
que deveria ser feita pelo Congresso dois dias após a publicação do Ato
Institucional.
Outra inovação importante era a de que o presidente da República poderia
sancionar qualquer lei que, enviada ao Congresso, não fosse aprovada em trinta
dias. Surgia o recurso ao decurso de prazo, que inspirou em seguida os
famosos decretos-leis. Dava também poderes ao Presidente para apresentar
ao Congresso emendas à Constituição que poderiam ser aprovadas sem quórum
especial, ou seja, por maioria simples dos congressistas presentes à sessão.
O Ato Institucional deveria vigorar até 31 de janeiro de 1966, data prevista
para posse do novo Presidente constitucional a ser eleito em 3 de outubro
de 1955 (Só que em 1955 acabou não havendo eleição, porque o mandato
de Castelo Branco foi prorrogado).
Em 9 de abril, em cerimônia especial, o documento foi assinado pela junta
militar revolucionária, composta pelo general Costa e Silva, ministro da Guerra,
pelo almirante Augusto Rademaker, ministro da Marinha e pelo brigadeiro
Correia de Melo, ministro da Aeronáutica, na presença de Castelo Branco e dos
mais importantes nomes do comando militar nas três Armas.
Logo em seguida, foi anunciada a suspensão de direitos políticos de João
Goulart, Jânio Quadros e Luís Carlos Prestes. No dia seguinte foram
cassados os mandatos de deputados e senadores da Frente Parlamentar
Nacionalista, suspensos os direitos políticos de dezenas de pessoas de
destaque e, pouco depois, transferidos para a reserva 122 oficiais das três
Armas. Era a guilhotina que começava a funcionar e que iria trabalhar sem
cessar dali em diante.
E o Brasil tem seu
novo Presidente
Na tarde de sábado, 11 de abril de 1964, reúne-se o Congresso Nacional
para a eleição do novo presidente da República. Os parlamentares comparecem
em peso. Os deputados e senadores que tiveram seus mandatos preservados
estavam lá; e, para substituir os cassados, compareceram os suplentes que
conseguiram chegar a tempo em Brasília.
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Às cinco horas da tarde, com a transmissão pelo rádio (a TV ainda não tinha
condições técnicas de formar rede nacional) é iniciada a votação. Castelo recebe
361 votos, quase metade deles do PSD, conseguidos pela ação de JK, que
mais tarde viria a ser cassado pelo mesmo regime que ajudou a formar.
Registram-se 3 votos para o general Juarez Távora e outros 2 para o o general
Eurico Gaspar Dutra.
Para vice-Presidente o escolhido é o do civil José Maria Alkmin, do PSD
de JK, mas que também fora secretário do governo de Magalhães Pinto (UDN).
Trata-se, pois, de um elo entre as duas correntes divergentes e, ao mesmo
tempo, sua presença virtual no governo dá uma aparência de participação civil,
importante para manter a boa imagem do país no exterior. Auro Soares retirou
sua candidatura a Vice, o que garantiu a Alkmin 256 votos, sendo o restante
computado em abstenções.
Na casa de Castelo, invadida pelas visitas, já se achava todo aparato de TV
montado pela Agência Nacional, permitindo que o Presidente eleito fizesse, de
imediato, um discurso, agradecendo os apoios recebidos e ressaltando que
assumira essa tão grande responsabilidade “estimulado pelo calor da opinião
pública, revelado através de autênticas manifestações populares”. É um cuidado
quase obsessivo para convencer a todos que se tratava de uma revolução
popular, e não um golpe de estado militar.
Uma vez mais, em seu discurso, Castelo garantiu o cumprimento do
calendário eleitoral, solicitando o apoio de todos para
"entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao meu sucessor,
legitimamente eleito pelo povo em eleições livres, uma nação
coesa, ainda mais confiante em seu futuro, liberta dos temores e
dos angustiosos problemas do momento atual".
O futuro mostraria que, entre a prática e a gramática, vai uma distância maior
que a do universo.