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5/26/2018 CaptuloIIIPODERESADMINISTRATIVOS-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/capitulo-iii-poderes-administrativos 1/32 Capítulo III PODERES ADMINISTRATIVOS 1 Considerações gerais 1.1 Distinção entre poderes administrativos e poderes políticos Para bem atender ao interesse público, 1  a Administração é dotada de poderes administrativos - distintos dos poderes políticos - consentâneos e proporcionais aos encargos que lhe são atribuídos. Tais poderes são verdadeiros instrumentos de trabalho, adequados à realização das tarefas administrativas. Daí o serem considerados poderes instrumentais, diversamente dos poderes políticos, que são estruturais e orgânicos,  porque compõem a estrutura do Estado e integram a organização constitucional. 1  Interesse público é a aspiração de uma coletividade para a obtenção de um bem, de uma atividade ou de um serviço de fruição geral. Os poderes administrativos nascem com a Administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem. Dentro dessa diversidade, são classificados, consoante a liberdade da Administração para a prática de seus atos, em poder vinculado e poder discricionário; segundo visem ao ordenamento da Administração ou à punição dos que a ela se vinculam, em poder hierárquico e poder disciplinar,; diante de sua finalidade normativa, em poder regulamentar:; e, tendo em vista seus objetivos de contenção dos direitos individuais, em poder de polícia. Esses poderes são inerentes à Administração de todas as entidades estatais - União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios - na pro porção e limites de suas competências institucionais, e podem ser usados isolada ou cumulativamente para a consecução do mesmo ato. Tal o que ocorre, p. ex., com o ato de polícia administrativa, que é normalmente precedido de uma regulamentação do Executivo (poder regulamentar), em que a autoridade escalona e distribui as funções dos agentes fiscalizadores (poder hierárquico), concedendo-lhes atribuições vinculadas (poder vinculado) ou discricionárias (poder discricionário), para a imposição de sanções aos infratores (poder de polícia). Feitas estas considerações de ordem geral, vejamos, destacadamente, cada um desses  poderes administrativos. 2. Poder vinculado Poder vinculado ou regrado é aquele que o Direito Positivo - a lei - confere à Administração Pública para a prática de ato de sua competência, determinando os elementos e requisitos necessários à sua formalização. 2  

Capítulo III PODERES ADMINISTRATIVOS

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Captulo III PODERES ADMINISTRATIVOS1 Consideraes gerais1.1 Distino entre poderes administrativos e poderes polticosPara bem atender ao interesse pblico,1 a Administrao dotada de poderes administrativos - distintos dos poderes polticos - consentneos e proporcionais aos encargos que lhe so atribudos. Tais poderes so verdadeiros instrumentos de trabalho, adequados realizao das tarefas administrativas. Da o serem considerados poderes instrumentais, diversamente dos poderes polticos, que so estruturais e orgnicos, porque compem a estrutura do Estado e integram a organizao constitucional.

1 Interesse pblico a aspirao de uma coletividade para a obteno de um bem, de uma atividade ou de um servio de fruio geral.

Os poderes administrativos nascem com a Administrao e se apresentam diversificados segundo as exigncias do servio pblico, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem. Dentro dessa diversidade, so classificados, consoante a liberdade da Administrao para a prtica de seus atos, em poder vinculado e poder discricionrio; segundo visem ao ordenamento da Administrao ou punio dos que a ela se vinculam, em poder hierrquico e poder disciplinar,; diante de sua finalidade normativa, em poder regulamentar:; e, tendo em vista seus objetivos de conteno dos direitos individuais, em poder de polcia.Esses poderes so inerentes Administrao de todas as entidades estatais - Unio, Estados-membros, Distrito Federal e Municpios - na pro poro e limites de suas competncias institucionais, e podem ser usados isolada ou cumulativamente para a consecuo do mesmo ato. Tal o que ocorre, p. ex., com o ato de polcia administrativa, que normalmente precedido de uma regulamentao do Executivo (poder regulamentar), em que a autoridade escalona e distribui as funes dos agentes fiscalizadores (poder hierrquico), concedendo-lhes atribuies vinculadas (poder vinculado) ou discricionrias (poder discricionrio), para a imposio de sanes aos infratores (poder de polcia).Feitas estas consideraes de ordem geral, vejamos, destacadamente, cada um desses poderes administrativos.2. Poder vinculadoPoder vinculado ou regrado aquele que o Direito Positivo - a lei - confere Administrao Pblica para a prtica de ato de sua competncia, determinando os elementos e requisitos necessrios sua formalizao.2

2 Sobre poder vinculado, v. Caio Tcito, "Poder vinculado e poder discricionrio", RDPG 19/1; Fernando Henrique Mendes de Almeida, "Vinculao e discrio na teoria dos atos administrativos", RT 367/17; Lino di Pual, La Comptence Lie, Paris, 1964; Charles Debbasch, Droit Administratif, Paris, 1969, pp. 377 e ss.

Nesses atos, a norma legal condiciona sua expedio aos dados constantes de seu texto. Da se dizer que tais atos so vinculados ou regrados, significando que, na sua prtica, o agente pblico fica inteiramente preso ao enunciado da lei, em todas as suas especificaes. Nessa categoria de atos administrativos a liberdade de ao do administrador mnima, pois ter que se ater enumerao minuciosa do Direito Positivo para realiz-los eficazmente. Deixando de atender a qualquer dado expresso na lei, o ato nulo, por desvinculado de seu tipo-padro.O princpio da legalidade impe que o agente pblico observe, fiel mente, todos os requisitos expressos na lei como da essncia do ato vinculado. O seu poder administrativo restringe-se, em tais casos, ao de praticar o ato, mas de o praticar com todas as mincias especificadas na lei. Omitindo as ou diversificando-as na sua substncia, nos motivos, na finalidade, no tempo, na forma ou no modo indicados, o ato invlido, e assim pode ser reconhecido pela prpria Administrao ou pelo Judicirio, se o requerer o interessado.Nesse sentido firme e remansada a jurisprudncia de nossos Tribunais, pautada pelos princpios expressos neste julgado do STF: "A legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao Poder Judicirio, compreende no s a competncia para a prtica do ato e de suas formalidades extrnsecas, como tambm os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos estejam definidos em lei como vinculadores do ato administrativo".3

3 STF, RDA 42/227 e, no mesmo sentido, TJSP, RT206/114, 254/247.

Dificilmente encontraremos um ato administrativo inteiramente vinculado, porque haver sempre aspectos sobre os quais a Administrao ter opes na sua realizao. Mas o que caracteriza o ato vinculado a predominncia de especificaes da lei sobre os elementos deixados livres para a Administrao.Elementos vinculados sero sempre a competncia, a finalidade e a forma, alm de outros que a norma legal indicar para a consecuo do ato. Realmente, ningum pode exercer poder administrativo sem competncia legal, ou desviado de seu objetivo pblico, ou com preterio de requisitos ou do procedimento estabelecido em lei, regulamento ou edital. Relegado qualquer desses elementos, alm de outros que a norma exigir, o ato nulo, e assim pode ser declarado pela prpria Administrao ou pelo Judicirio, porque a vinculao matria de legalidade (v. cap. IV, item 6).Diversamente do poder vinculado, dispe a Administrao do poder discricionrio para praticar certos atos com maior liberdade de ao, como veremos a seguir.3. Poder discricionrioPoder discricionrio o que o Direito concede Administrao, de modo explcito ou implcito, para a prtica de atos administrativos com liberdade na escolha de sua convenincia, oportunidade e contedo.4

4 Sobre poder discricionrio v. Vctor Nunes Leal, "Poder discricionrio e ao arbi trria da Administrao", in Problemas de Direito Pblico, Rio, 1960, p. 278; L. Lopes Rod, "O poder discricionrio da Administrao", RDA 35/40; Afonso Rodrigues Queir, "Limites do poder discricionrio das autoridades administrativas", RDA 97/1; Themstocles Brando Cavalcanti, "Do poder discricionrio", RDA 101/1; Caio Tcito, "Poder vinculado e poder dis cricionrio", RDPG 19/1; Luciano Ferreira Leite, Discricionariedade Administrativa e Con trole Judicial, So Paulo, Ed. RT, 1981; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Discricionariedade Administrativa na Constituio de 1988, Atlas, 1991; Almiro do Couto e Silva, "O poder dis cricionrio no Direito Administrativo Brasileiro", RDA 179-180/51; Veli Merikoski, Le Pou voir Discrtionnaire de VAdministration, Bruxelas, 1958; Jean-Claude Venezia, Le Pouvoir Discrtionnaire, Paris, 1959; Bartolom A. Fiorini, La Discrecionalidad en la Administracin Pblica, Buenos Aires, 1948; Antonio Mozo Scoane, La Discrecionalidad de la Administracin Pblica en Espana, Madri, 1985.

Convm esclarecer que poder discricionrio no se confunde com po der arbitrrio. Discricionariedade e arbtrio so atitudes inteiramente di versas. Discricionariedade liberdade de ao administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbtrio ao contrria ou excedente da lei. Ato discricionrio, quando autorizado pelo Direito, legal e vlido; ato arbitr rio sempre ilegtimo e invlido. De h muito j advertia Jze: "II ne faut pas confondre pouvoir discrtionnaire et pouvoir arbitrair\ Mais uma vez insistimos nessa distino, para que o administrador pblico, nem sempre familiarizado com os conceitos jurdicos, no converta a discricionariedade em arbtrio, como tambm no se arreceie de usar plenamente de seu poder discricionrio quando estiver autorizado e o interesse pblico o exigir.A faculdade discricionria distingue-se da vinculada pela maior liberdade de ao que conferida ao administrador. Se para a prtica de um ato vinculado a autoridade pblica est adstrita lei em todos os seus elementos formadores, para praticar um ato discricionrio livre, no mbito em que a lei lhe concede essa faculdade.Por a se v que a discricionariedade sempre relativa e parcial, por que, quanto competncia, forma e finalidade do ato, a autoridade est subordinada ao que a lei dispe, como para qualquer ato vinculado. Com efeito, o administrador, mesmo para a prtica de um ato discricionrio, de ver ter competncia legal para pratic-lo; dever obedecer forma legal para a sua realizao; e dever atender finalidade legal de todo ato administrativo, que o interesse pblico. O ato discricionrio praticado por autoridade incompetente, ou realizado por forma diversa da prescrita em lei, ou informado de finalidade estranha ao interesse pblico, ilegtimo e nulo. Em tal circunstncia, deixaria de ser ato discricionrio para ser ato arbitrrio - ilegal, portanto."At a possibilidade de agir sem competncia - adverte Seabra Fagundes, em luminoso acrdo -, de negar o interesse pblico ou de violar as formas pr-traadas no vai a faixa de oscilao deixada pelo legislador, sob o imprio das necessidades mltiplas e urgentes da vida administrativa, ao Poder Executivo". E, logo, ajunta o mesmo jurista: "A competncia discricionria no se exerce acima ou alm da lei, seno como toda e qualquer atividade executria, com sujeio a ela".5

5 Seabra Fagundes, como relator de acrdo do TJRN, RDA 14/54. Esse julgado mere ceu comentrio de Vctor Nunes Leal, em rodap, que constitui substancioso estudo do poder discricionrio e da possibilidade do controle judicial sobre os atos praticados com fundamento nesse poder.

A atividade discricionria encontra plena justificativa na impossibilidade de o legislador catalogar na lei todos os atos que a prtica administrativa exige. O ideal seria que a lei regulasse minuciosamente a ao administrativa, modelando cada um dos atos a serem praticados pelo administrador; mas, como isto no possvel, dadas a multiplicidade e diversidade dos fatos que pedem pronta soluo ao Poder Pblico, o legislador somente regula a prtica de alguns atos administrativos que reputa de maior relevncia, deixando o cometimento dos demais ao prudente critrio do administrador.Mas, embora no cuidando de todos os aspectos dos atos relegados faculdade discricionria, o legislador subordina-os a um mnimo legal, consistente na estrita observncia, por parte de quem os vai praticar, da competncia, da forma, da finalidade e dos princpios do regime jurdico administrativo deixando o mais livre escolha do agente administrativo.Essa liberdade funda-se na considerao de que s o administrador, em contato com a realidade, est em condies de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e convenincia da prtica de certos atos, que seria impossvel ao legislador, dispondo na regra jurdica - lei - de maneira geral e abstrata, prover com justia e acerto. S os rgos executivos que esto, em muitos casos, em condies de sentir e decidir administrativamente o que convm e o que no convm ao interesse coletivo. Em tal hiptese, executa a lei vinculadamente, quanto aos elementos que ela discrimina, e discricionariamente, quanto aos aspectos em que ela admite opo.Mesmo quanto aos elementos discricionrios do ato h limitaes, impostas pelos princpios gerais do Direito e pelas regras da boa administrao, que, em ltima anlise, so preceitos de moralidade administrativa.Da dizer-se, com inteira propriedade, que a atividade discricionria permanece sempre sujeita a um duplo condicionamento: externo e interno. Externamente, pelo ordenamento jurdico a que fica subordinada toda atividade administrativa, como j demonstramos em tpicos anteriores; in ternamente, pelas exigncias do bem comum e da moralidade da instituio administrativa.O bem comum, identificado com o interesse social ou interesse coletivo, impe que toda atividade administrativa lhe seja endereada. Fixa, assim, o rumo que o ato administrativo deve procurar. Se o administrador se desviar desse roteiro, praticando ato que, embora discricionrio, busque outro objetivo, incidir em ilegalidade, por desvio de poder ou de finalidade, que poder ser reconhecido e declarado pela prpria Administrao ou pelo Poder Judicirio.Erro considerar-se o ato discricionrio imune apreciao judicial, pois a Justia poder dizer sobre sua legitimidade e os limites de opo do agente administrativo, ou seja, a conformidade da discricionariedade com a lei e com os princpios jurdicos.O que o Judicirio no pode , no ato discricionrio, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz. No pode, assim, "invalidar opes administrativas ou substituir critrios tcnicos por outros que repute mais convenientes ou oportunos, pois essa valorao" privativa da Administrao.6 Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administrao.

6 Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurana e Aes Constitucionais, 33 ed., p. 174. Nesse sentido, sobre a escolha de meio eletrnico na realizao das eleies, v. deciso do Min. Czar Peluso, AO/MC 772-1, DJUde 3.5.2005.

Para maiores esclarecimentos sobre este aspecto veja-se, no cap. IV, os itens 6.1.2 a 6.1.4, sobre anulao dos atos administrativos.4. Poder hierrquicoPoder hierrquico o de que dispe o Executivo para distribuir e escalonar as funes de seus rgos, ordenar e rever a atuao de seus agentes, estabelecendo a relao de subordinao entre os servidores do seu quadro de pessoal. Poder hierrquico e poder disciplinar no se confundem, mas andam juntos, por serem os sustentculos de toda organizao administrativa.Hierarquia a relao de subordinao existente entre os vrios rgos e agentes do Executivo, com a distribuio de funes e a gradao da autoridade de cada um. Dessa conceituao resulta que no h hierarquia no Judicirio e no Legislativo, nas suas funes prprias, pois ela privativa da funo executiva, como elemento tpico da organizao e ordenao dos servios administrativos.7

7 Mrio Masago, Curso de Direito Administrativo, So Paulo, 1959, 1/74; Aparicio Mndez, LaJerarqua, Montevidu, 1973, p. 29.

No se pode compreender as atividades do Executivo sem a existncia de hierarquia entre os rgos e agentes que as exercem, o que levou Duguit a advertir que "o princpio do poder hierrquico domina todo o Direito Administrativo e deveria ser aplicado, ainda mesmo que nenhum texto legal o consagrasse".8

8 Lon Duguit, Trait du Droit Constitutionnel, Paris, 1923, III/250.

O poder hierrquico tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no mbito interno da Administrao Pblica. Ordena as atividades da Administrao, repartindo e escalonando as funes entre os agentes do Poder, de modo que cada um possa exercer eficientemente seu encargo; coordena, entrosando as funes no sentido de obter o funcionamento harmnico de todos os servios a cargo do mesmo rgo; controla, velando pelo cumprimento da lei e das instrues e acompanhando a conduta e o rendimento de cada servidor; corrige os erros administrativos, pela ao revisora dos superiores sobre os atos dos inferiores. Desse modo, a hierarquia atua como instrumento de organizao e aperfeioamento do servio e age como meio de responsabilizao dos agentes administrativos, impondo-lhes o dever de obedincia.Pela hierarquia se impe ao subalterno a estrita obedincia das ordens e instrues legais superiores e se define a responsabilidade de cada um. As determinaes superiores devem ser cumpridas fielmente, sem ampliao ou restrio, a menos que sejam manifestamente ilegais. No tocante a essa questo a doutrina no uniforme, mas o nosso sistema constitucional, com o declarar que "ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei" (art. 5, II), torna claro que o subordinado no pode ser compelido, pelo superior, a praticar ato evidentemente ilegal. O respeito hierrquico no vai ao ponto de suprimir, no subalterno, o senso do legal e do ilegal, do lcito e do ilcito, do Bem e do Mal. No o transforma em autmato executor de ordens superiores. Permite-lhe raciocinar e usar de iniciativa no tocante ao desempenho de suas atribuies, e nos restritos limites de sua competncia. Da no lhe ser lcito discutir ou deixar de cumprir ordens seno quando se apresentarem manifestamente ilegais.9 Somente as que se evidenciarem, ao senso comum, contrrias ou sem base na lei que permitem ao subalterno recusar-lhes cumprimento.

9 A Lei 8.112/90 consagrou a lio do Autor, ao dispor que dever do servidor "cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais" (art. 116, IV).

A apreciao da convenincia e da oportunidade das determinaes superiores refoge das atribuies meramente administrativas e, por isso, escapa da rbita de ao dos subalternos. Descumprindo-as ou retardando-as na execuo, poder o servidor relapso incorrer no s em falta disciplinar como, tambm, em crime funcional (prevaricao), previsto e definido no art. 319 do CP.A submisso hierrquica retira do inferior a atuao poltica, isto , despe o subordinado da ao de comando, permitindo-lhe, to-somente, agir no estrito mbito de suas atribuies especficas. Ao chefe do rgo executivo que incumbe tomar as resolues polticas, no sentido da escolha do objeto, dos meios e da oportunidade mais convenientes consecuo dos fins governamentais, que devem tender sempre para o bem comum.Do poder hierrquico decorrem faculdades implcitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuies e a de rever os atos dos inferiores.Dar ordens determinar, especificamente, ao subordinado os atos a praticar ou a conduta a seguir em caso concreto. Da decorre o dever de obedincia.Fiscalizar vigilar permanentemente os atos praticados pelos subordinados, com o intuito de mant-los dentro dos padres legais regulamentares institudos para cada atividade administrativa. Delegar conferir a outrem atribuies que originariamente competiam ao delegante. As delegaes dentro do mesmo Poder so, em princpio, admissveis, desde que o delegado esteja em condies de bem exerc-las. O que no se admite, no nosso sistema constitucional, a delegao de atribuies de um Poder a outro, como tambm no se permite delegao de atos de natureza poltica, como a do poder de tributar, a sano e o veto de lei. No mbito administrativo as delegaes so freqentes, e, como emanam do poder hierrquico, no podem ser recusadas pelo inferior, como tambm no podem ser subdelegadas sem expressa autorizao do delegante. Outra restrio delegao a de atribuio conferida pela lei especificamente a determinado rgo ou agente. Delegveis, portanto, so as atribuies genricas, no individualizadas nem fixadas como privativas de certo executor.Avocar10 chamar a si funes originariamente atribudas a um subordinado. Nada impede tal prtica, que, porm, s deve ser adotada pelo superior hierrquico quando houver motivos relevantes para tal substituio, isto porque a avocao de um ato sempre desprestigia o inferior e, no raro, desorganiza o normal funcionamento do servio. Pela avocao substitui-se a competncia do inferior pela do superior hierrquico, com todas as conseqncias dessa substituio, notadamente a deslocao do juzo ou da instncia para ajust-lo ao da autoridade avocante em caso de demanda. Assinale-se, tambm, que a avocao desonera o inferior de toda responsabilidade pelo ato avocado pelo superior (TJSP, RDA 34/244). No pode ser avocada atribuio que a lei expressamente confere a determinado rgo ou agente, como, p. ex., o julgamento de concorrncia pela Comisso competente, ou a aprovao de um ato por autoridade superior diversa da que deveria pratic-lo originariamente por determinao legal.11

10 Rgis Fernandes de Oliveira, "Avocao", RT 663/21.11 TJSP, RJTJSP 112/212.

Rever atos de interiores hierrquicos apreciar tais atos em todos os seus aspectos (competncia, objeto, oportunidade, convenincia, justia, finalidade e forma), para mant-los ou invalid-los, de ofcio ou mediante provocao do interessado. A reviso hierrquica possvel enquanto o ato no se tornou definitivo para a Administrao, ou no criou direito subjetivo para o particular, isto , no fez nascer para o destinatrio um direito oponvel Administrao (CF, art. 5, XXXVI; art. 6 da LICC; Smula 473 do STF).No se confunda subordinao com vinculao administrativa. A subordinao decorre do poder hierrquico e admite todos os meios de controle do superior sobre o inferior; a vinculao resulta do poder de superviso ministerial sobre a entidade vinculada (Dec.-lei 200/67, arts. 19 a 21) e exercida nos limites que a lei estabelecer, sem suprimir a autonomia conferida ao ente supervisionado. Para maiores esclarecimentos sobre o controle hierrquico veja-se o cap. XI, item 3.2.1.5. Poder disciplinarPoder disciplinar a faculdade de punir internamente as infraes funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas disciplina dos rgos e servios da Administrao. E uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam Administrao por relaes de qual quer natureza, subordinando-se s normas de funcionamento do servio ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente.12

12 Sobre poder disciplinar v. Caio Tcito, "Poder disciplinar e direito de defesa", RDA 37/345; Jos Duarte, "O poder disciplinar", RDA 50/1; Paulo Barros de Arajo Lima, "Do exerccio do poder disciplinar e seu controle", RDA 70/12; Carlos S. de Barros Jr., Do Poder Disciplinar na Administrao Pblica, So Paulo, 1972; Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, A Prova Administrativa, So Paulo, 1973; Egberto Maia Luz, Direito Administrativo Disciplinar, So Paulo, 1977; lvaro Lazzarini, "Do poder disciplinar na Administrao Pblica", RJTJSP 66/13.

O poder disciplinar correlato com o poder hierrquico, mas com ele no se confunde. No uso do poder hierrquico a Administrao Pblica distribui e escalona as suas funes executivas; no uso do poder disciplinar ela controla o desempenho dessas funes e a conduta interna de seus servido res, responsabilizando-os pelas faltas cometidas. Da a exata afirmativa de Marcello Caetano de que "o poder disciplinar tem sua origem e razo de ser no interesse e na necessidade de aperfeioamento progressivo do servio pblico".13 Realmente, a Administrao, como titular do poder disciplinar, s o exerce a benefcio do servio, e, perseguindo esse objetivo, o nico juiz da convenincia e oportunidade da punio do servidor, dentro das normas especficas da repartio.

13 Marcello Caetano, Do Poder Disciplinar, Lisboa, 1932, p. 25.

No se deve confundir o poder disciplinar da Administrao com o poder punitivo do Estado, realizado atravs da Justia Penal. O poder disciplinar exercido como faculdade punitiva interna da Administrao e, por isso mesmo, s abrange as infraes relacionadas com o servio; a punio criminal aplicada com finalidade social, visando represso de crimes e contravenes definidas nas leis penais, e por esse motivo realizada fora da Administrao ativa, pelo Poder Judicirio.A punio disciplinar e a criminal tm fundamentos diversos, e diversa a natureza das penas. A diferena no de grau; de substncia.14 Dessa substancial diversidade resulta a possibilidade da aplicao conjunta das duas penalidades sem que ocorra bis in idem. Por outras palavras, a mesma infrao pode dar ensejo a punio administrativa (disciplinar) e a punio penal (criminal), porque aquela sempre um minus em relao a esta. Da resulta que toda condenao criminal por delito funcional acarreta a punio disciplinar, mas nem toda falta administrativa exige sano penal.15

14 Guido Zanobini, Le Sanzione Amministr ative, ed., p. III; Lcio Bittencourt, "Direi to disciplinar, princpio da legalidade", RDA 2/794; Gonalves de Oliveira, "Pena disciplinar", RDA 46/478; Gaston Jze, Derecho Administrativo, 1949, 111/92; Paul Duez e Guy Debeyre, Trait de Droit Administratif, 1952, p. 677, n. 927; Andr de Laubadre, Droit Administratif 1953, p. 705, n. 1.362.15 Georges Vedei, Droit Administratif 1961, p. 559.

Outra caracterstica do poder disciplinar seu discricionarismo, no sentido de que no est vinculado a prvia definio da lei sobre a infrao funcional e a respectiva sano.16 No se aplica ao poder disciplinar o princpio da pena especfica que domina inteiramente o Direito Criminal comum, ao afirmar a inexistncia da infrao penal sem prvia lei que a defina e apene: "nullum crimen, nulla poena sine lege". Esse princpio no vigora em matria disciplinar. O administrador, no seu prudente critrio, tendo em vista os deveres do infrator em relao ao servio e verificando a falta, aplicar a sano que julgar cabvel, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das infraes administrativas.A aplicao da pena disciplinar tem para o superior hierrquico o carter de um poder-dever, uma vez que a condescendncia na punio considerada crime contra a Administrao Pblica. Todo chefe tem o poder e o dever de punir o subordinado quando este der ensejo, ou, se lhe faltar competncia para a aplicao da pena devida, fica na obrigao de levar o fato ao conhecimento da autoridade competente. o que determina a lei penal (CP, art. 320).As penas disciplinares no nosso Direito Administrativo federal so de seis espcies, enumerando-se nesta ordem crescente de gravidade: 1) advertncia; 2) suspenso; 3) demisso; 4) cassao de aposentadoria ou disponibilidade; 5) destituio de cargo em comisso; 6) destituio de funo comissionada (Lei 8.112/90, art. 127).17 A enumerao das penas em ordem crescente de gravidade no quer dizer que o superior tenha que comear sempre pela mais branda para atingir a mais rigorosa.Conforme a gravidade do fato a ser punido, a autoridade escolher, entre as penas legais, a que consulte ao interesse do servio e a que mais bem reprima a falta cometida. Neste campo que entra o discricionarismo disciplinar. Isto no significa, entretanto, que o superior hierrquico possa punir arbitrariamente, ou sem se ater a critrios jurdicos. No este o significado da discricionariedade disciplinar. O que se quer dizer que a Administrao pode e deve, atendo-se aos princpios gerais do Direito e s normas administrativas especficas do servio, conceituar a falta cometida, escolher e graduar a pena disciplinar, em face dos dados concretos apurados pelos meios regulares - processo administrativo ou meios sumrios -, conforme a maior ou menor gravidade da falta, ou a natureza da pena a ser aplicada.18

16 Caio Tcito, "Poder disciplinar e direito de defesa", RDA 37/345. No mesmo sentido: Roger Bonnard, Droit Administratif 13 ed., p. 77; Santi Romano, "I poteri disciplinari delle publiche amministrazioni", in Scritti Minori, 11/91.17 Em face do art. 5-, LXI, da CF, no mais permitida a priso administrativa (STF, RTJ 128/228).18 TJSP, RDA 23/117.

A apurao regular da falta disciplinar indispensvel para a legalidade da punio interna da Administrao. O discricionarismo do poder disciplinar no vai ao ponto de permitir que o superior hierrquico puna arbitrariamente o subordinado. Dever, em primeiro lugar, apurar a falta, pelos meios legais compatveis com a gravidade da pena a ser imposta, dando-se oportunidade de defesa ao acusado. Sem o atendimento desses dois requisi tos a punio ser arbitrria (e no discricionria), e, como tal, ilegtima e invalidvel pelo Judicirio,19 por no seguir o devido processo legal - due process of law -, de prtica universal nos procedimentos punitivos e acolhi do pela nossa Constituio (art. 5, LIV e LV) e pela nossa doutrina.20 Da o cabimento de mandado de segurana contra ato disciplinar (Lei 1.533/51, art. 5, III).

19 STF, RDA 3/69, 24/134, 37/345.20 Jos Frederico Marques, "A garantia do due proccess of law no Direito Tributrio", RDP 5/28; Srgio de Andra Ferreira, "A garantia da ampla defesa no Direito Administrativo Processual Disciplinar", RDP 19/60.

Como bem observa Barros Jr., "a discricionariedade da punio disciplinar se reduz tambm no que tange ao procedimento para aplic-la. O processo disciplinar tende a uma jurisdicionalizao acentuada, mediante adoo de um contraditrio moderado no seu processamento".21

21 Carlos S. de Barros Jr., Do Poder Disciplinar da Administrao Pblica, So Paulo, 1972, p. 207. STF, Pleno, MS 20.999-2-DF, DJU 25.5.91.

A motivao da punio disciplinar sempre imprescindvel para a validade da pena. No se pode admitir como legal a punio desacompanhada de justificativa da autoridade que a impe. At a no vai a discricionariedade do poder disciplinar. O discricionarismo disciplinar circunscreve-se escolha da penalidade dentre as vrias possveis, graduao da pena, oportunidade e convenincia de sua imposio. Mas, quanto existncia da falta e aos motivos em que a Administrao embasa a punio, no podem ser omitidos ou olvidados no ato punitivo. Tal motivao, c bem de ver, pode ser resumida, mas no pode ser dispensada totalmente. O que no se exige so as "formalidades" de um processo judicirio, se bem que boa parte de seu rito possa ser utilmente adotada pela Administrao, para resguardo da legalidade de seu ato. A autoridade administrativa no est adstrita, como a judiciria, s frmulas processuais. Pode usar de meios mais simples e consentneos com a finalidade disciplinar para apurar a falta e impor a pena adequada. Inadmissvel que deixe de indicar claramente o motivo e os meios regulares de que usou para a verificao da falta, objeto da punio disciplinar.A motivao destina-se a evidenciar a conformao da pena com a falta e a permitir que se confiram a todo tempo a realidade e a legitimidade dos atos ou fatos ensejadores da punio administrativa. Segundo a moderna doutrina francesa, hoje aceita pelos nossos publicistas e pela nossa jurisprudncia, todo ato administrativo inoperante quando o motivo invocado falso ou inidneo, vale dizer, quando ocorre inexistncia material ou inexistncia jurdica dos motivos. Esses motivos, na expresso de Jze, devem ser "materialmente exatos e juridicamente fundados".22 Tal teoria tem inteira aplicao ao ato disciplinar, que espcie do gnero - ato administrativo.

22 Gaston Jze, in Revue du Droit Public 54/324, 1937. No mesmo sentido: Caio Tcito, in RDA 36/78 e 38/350; Bilac Pinto, Estudos de Direito Pblico, 1953, p. 312; Francisco Campos, Direito Administrativo, 1943, p. 122. Na nossa jurisprudncia acolhem os mesmos princpios os seguintes Tribunais: STF, RDA 38/350; TFR, RDA 24/143, 25/92, 46/189; TJSP, RT 191/691, 199/278, 217/130; e TASP, 7211/449.

Ao motivar a imposio da pena, o administrador no se est despojando da discricionariedade que lhe conferida em matria disciplinar. Est, apenas, legalizando essa discricionariedade, visto que a valorao dos motivos matria reservada privativamente sua considerao, sem que outro Poder possa rever o mrito de tais motivos. O prprio Judicirio deter-se- no exame material e jurdico dos motivos invocados, sem lhes adentrar a substncia administrativa (v., no cap. XI, o item 3.3.6, sobre processo disciplinar).6. Poder regulamentarO poder regulamentar a faculdade de que dispem os Chefes de Executivo (Presidente da Repblica, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execuo, ou de expedir decretos autnomos sobre matria de sua competncia ainda no disciplinada por lei. E um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV), e, por isso mesmo, indelegvel a qualquer subordinado.23

23 Sobre poder regulamentar v. Vctor Nunes Leal, "Lei e regulamento", in Problemas de Direito Pblico, Rio, 1960, p. 57; Carlos Medeiros Silva, "O poder regulamentar e sua extenso", RDA 20/1; Francisco Campos, "Lei e regulamento - Direitos individuais", RDA 80/373; Geraldo Ataliba, "Decreto regulamentar no sistema brasileiro", RDA 97/21; Clencio da Silva Duarte, "Os regulamentos independentes", RDP 16/89; Digenes Gasparini, Poder Regulamentar, So Paulo, 1978; Fabrcio Motta, Funo normativa da Administrao Pblica, Editora Frum, 2007. E excelente acrdo na ADI-MC 1.075, rei. Min. Celso de Mello, com ampla citao da doutrina e jurisprudncia, destacando que o poder regulamentar e a delegao legislativa so institutos que no se confundem - Sobre decreto autnomo e ausncia de ofensa ao princpio da reserva legal, v. STF, ADI 2.564 eADC 12. normalizao e Qualidade Industrial - CONMETRO complementando lei em sentido estrito, ver excelente acrdo do STJ no REsp 1.102.578, relatado pela Min. Eliana Calmon.

No poder de chefiar a Administrao est implcito o de regulamentar a lei e suprir, com normas prprias, as omisses do Legislativo que estiverem na alada do Executivo. Os vazios da lei e a imprevisibilidade de certos fatos e circunstncias que surgem, a reclamar providncias imediatas da Administrao, impem se reconhea ao Chefe do Executivo o poder de regulamentar, atravs de decreto, as normas legislativas incompletas, ou de prover situaes no previstas pelo legislador, mas ocorrentes na prtica administrativa. O essencial que o Executivo, ao expedir regulamento - autnomo24 ou de execuo da lei no invada as chamadas "reservas da lei", ou seja, aquelas matrias s disciplinveis por lei, e tais so, em princpio, as que afetam as garantias e os direitos individuais assegurados pela Constituio (art. 5).

24 Sobre decreto autnomo e ausncia de ofensa ao princpio da reserva legal, v. STF, ADI 2.564 eADC 12.

A faculdade normativa, embora caiba predominantemente ao Legislativo, nele no se exaure, remanescendo boa parte para o Executivo, que expede regulamentos e outros atos de carter geral e efeitos externos.25 Assim, o regulamento um complemento da lei naquilo que no privativo da lei. Entretanto, no se pode confundir lei e regulamento.

25 A propsito, escreveu Caio Tcito, em lcido comentrio a uma deciso do TFR que sufragou a mesma tese: "A capacidade ordinatria do Estado se manifesta por meio de crculos concntricos que vo, sucessivamente, da Constituio lei material e formal, isto , quela elaborada pelos rgos legislativos; desce aos regulamentos por meio dos quais o Presidente da Repblica complementa e particulariza as leis; e, finalmente, aos atos administrativos gerais, originrios das vrias escalas de competncia administrativa. So constantes as normas de fora obrigatria, equivalentes s leis e regulamentos, desde que a elas ajustadas, contidas em portarias, ordens de servio, circulares, instrues ou em meros despachos. E, em suma, a substncia, e no a forma, que exprime a distino entre o ato administrativo especial (deciso especfica) e o ato administrativo geral (ato normativo). Aquele, tal como as decises judiciais, aplica o Direito ao caso, solvendo uma postulao concreta. Este representa a formao de uma ordem nova, complementar ao Direito existente, que esclarece e desenvolve, tendo, obviamente, contedo inovador, embora mnimo" ("O mandado de segurana e o poder normativo da Administrao", RDA 46/246).

Regulamento ato administrativo geral e normativo, expedido privativamente pelo Chefe do Executivo (federal, estadual ou municipal), atravs de decreto, com o fim de explicar o modo e forma de execuo da lei (regulamento de execuo) ou prover situaes no disciplinadas em lei (regula mento autnomo ou independente)26

26 Lei, em sentido formal e material, a norma geral e abstrata de conduta aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo; em sentido material apenas, toda norma editada pelo Poder Pblico, especialmente os decretos regulamentares expedidos pelo Executivo. Lei em sentido restrito e prprio , portanto, unicamente, a norma legislativa, e, em sentido amplo e imprprio, toda imposio geral do Estado, provinda de qualquer rgo de seus Poderes, sobre matria de sua competncia normativa.

O regulamento no lei, embora a ela se assemelhe no contedo e poder normativo. Nem toda lei depende de regulamento para ser executada, mas toda e qualquer lei pode ser regulamentada se o Executivo julgar conveniente faz-lo. Sendo o regulamento, na hierarquia das normas, ato inferior lei, no a pode contrariar, nem restringir ou ampliar suas disposies. S lhe cabe explicitar a lei, dentro dos limites por ela traados, ou complet-la, fixando critrios tcnicos e procedimentos necessrios para sua aplicao.27 Na omisso da lei, o regulamento supre a lacuna, at que o legislador complete os claros da legislao. Enquanto no o fizer, vige o regulamento, desde que no invada matria reservada lei.

27 STJ, REsp 330.103, DJU25.3.2002, com citao de precedentes.

O Congresso Nacional tem competncia para sustar atos normativos do Executivo que exorbitem do poder regulamentar (CF, art. 49, V).As leis que trazem a recomendao de serem regulamentadas no so exeqveis antes da expedio do decreto regulamentar, porque esse ato conditio jris da atuao normativa da lei. Em tal caso, o regulamento opera como condio suspensiva da execuo da norma legal, deixando seus efeitos pendentes at a expedio do ato do Executivo. Mas, quando a prpria lei fixa o prazo para sua regulamentao, decorrido este sem a publicao do decreto regulamentar, os destinatrios da norma legislativa podem invocar utilmente seus preceitos e auferir todas as vantagens dela decorrentes, desde que possa prescindir do regulamento, porque a omisso do Executivo no tem o condo de invalidar os mandamentos legais do Legislativo.28 Todavia, se o regulamento for imprescindvel para a execuo da lei, o beneficirio poder utilizar-se do mandado de injuno para obter a norma regulamentadora (CF, art. LXXI).

28 TJSP, RT568/33.

Para no repetir a matria, remetemos o leitor ao captulo seguinte, onde os atos regulamentares esto amplamente estudados, no tpico referente aos atos administrativos normativos (cap. IV, item 4.1).7. Poder de polciaJ dissemos, e convm repetir, que o Estado dotado de poderes po lticos exercidos pelo Legislativo, pelo Judicirio e pelo Executivo, no de sempenho de suas funes constitucionais, e de poderes administrativos que surgem secundariamente com a administrao e se efetivam de acordo com as exigncias do servio pblico e com os interesses da comunidade. Assim, enquanto os poderes polticos identificam-se com os Poderes de Estado e s so exercidos pelos respectivos rgos constitucionais do Go verno, os poderes administrativos difundem-se por toda a Administrao e se apresentam como meios de sua atuao. Aqueles so poderes imanentes e estruturais do Estado; estes so contingentes e instrumentais da Administrao.Dentre os poderes administrativos figura, com especial destaque, o poder de polcia administrativa, que a Administrao Pblica exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade. Para esse policiamento h competncias exclusivas e concorrentes das trs esferas estatais, dada a descentralizao poltico-administrativa decorrente do nosso sistema constitucional.29

29 Sempre, por lei, "E competente o Municpio para fixar o horrio de funcionamento de estabelecimento comercial" (STF, Smula 645). O STF tambm entende que o Municpio competente para fixar, por lei, tempo mximo de permanncia dos usurios de bancos em fila de espera (RE 610.221, com natureza de repercusso geral, AI 600.329 e AI 658.562, com excelente fundamentao do Min. Celso de Mello). Idem em relao ao poder, agora do Estado, de "apreender e desemplacar veculos irregulares de transporte coletivo, na forma da lei estadual" (ADI 2.751-4, DJU 12.9.2006). Segundo a Smula 646 do STF: "Ofende o princpio da livre concorrncia lei municipal que impede a instalao de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada rea". V., ainda, TJSP, ApCiv 15.459-1 e 125.348-1, RJTJSP 123/91.

Em princpio, tem competncia para policiar a entidade que dispe do poder de regular a matria. Assim, os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos a regulamentao e policiamento da Unio; os de interesse regional sujeitam-se s normas e polcia estadual, e os de interesse local subordinam-se aos regulamentos edilcios e ao policiamento administrativo municipal.Todavia, como certas atividades interessam simultaneamente s trs entidades estatais, pela sua extenso a todo o territrio nacional (v.g., sade pblica, trnsito, transportes etc.), o poder de regular e de policiar se difunde entre todas as Administraes interessadas, provendo cada qual nos limites de sua competncia territorial. A regra, porm, a exclusividade do policia mento administrativo; a exceo a concorrncia desse policiamento. Em qualquer hiptese, a entidade que detm a competncia no pode demitir-se desse poder, que de natureza irrenuncivel.30

30 STF, ADI/MC 2.544, DJU 8.11.2002. Mas poder ser exercido por outra entidade federativa, mediante convnio, como prev a Lei 11.473, de 10.5.2007, sobre a execuo de atividades e servios imprescindveis preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoas e patrimnio.

Observamos, ainda, que o ato de polcia um simples ato administrativo, apenas com algumas peculiaridades que sero apontadas no decorrer deste estudo. Como todo ato administrativo, o ato de polcia subordina-se ao ordenamento jurdico que rege as demais atividades da Administrao, sujeitando-se, inclusive, ao controle de legalidade pelo Poder Judicirio.Feitas essas consideraes de ordem geral, analisemos o poder de polcia em todos os seus aspectos, a comear pelo seu conceito.31

31 Sobre poder de polcia v. Caio Tcito, "O poder de polcia e seus limites", RDA 27/1, e "Administrao e poder de polcia", RDA 39/258; Hely Lopes Meirelles, "Poder de polcia no Municpio", RDPG 4/55, e "Poder de polcia e segurana nacional", RT 445/287; Celso Antnio Bandeira de Mello, "Apontamentos sobre o poder de polcia", RDP 9/55; Clvis Beznos, Poder de Polcia, So Paulo, 1979; lvaro Lazzarini, "Limites do poder de polcia", Justitia 170/73, 1995.Sobre polcia de manuteno da ordem pblica e suas atribuies v. estudo do Autor na monografia Direito Administrativo da Ordem Pblica, vrios autores, 1986, Forense, pp. 147 e ss. Sobre as Foras Armadas e a segurana pblica, v. Parecer AGU/TH-02/2001, DOU 13.8.2001.Sobre poder de polcia dos Corpos de Bombeiros, v. lvaro Lazzarini, "Direito Administrativo e preveno de incndios", RDA 186/114. Do mesmo autor, v. "As guardas municipais na Constituio Federal de 1988", Revista de Informao Legislativa 113/229.

7.1 ConceitoPoder de polcia a faculdade de que dispe a Administrao Pblica para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefcio da coletividade ou do prprio Estado.Em linguagem menos tcnica, podemos dizer que o poder de polcia o mecanismo de frenagem de que dispe a Administrao Pblica para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administrao, o Estado detm a atividade dos particulares que se revelar contrria, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e segurana nacional.Desde j convm distinguir a polcia administrativa, que nos interessa neste estudo, da polcia judiciria e da polcia de manuteno da ordem pblica, estranhas s nossas cogitaes. Advirta-se, porm, que a polcia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente.A polcia administrativa inerente e se difunde por toda a Administrao Pblica, enquanto as demais so privativas de determinados rgos (Polcias Civis) ou corporaes (Polcias Militares).Modernamente se tem distinguido a polcia administrativa geral da polcia administrativa especial32 sendo aquela a que cuida genericamente da segurana, da salubridade e da moralidade pblicas, e esta de setores especficos da atividade humana que afetem bens de interesse coletivo, tais como a construo, a indstria de alimentos, o comrcio de medicamentos, o uso das guas, a explorao das florestas e das minas, para os quais h restries prprias e regime jurdico peculiar.

32 Georges Vedei, Droit Administratif Paris, 1961, p. 595; Jean Rivero, Droit Adminis-tratif Paris, 1968, p. 413; F. P. Bnot, Le Droit Administratif Franais, Paris, 1968, p. 764.Entre ns, v. Jos Afonso da Silva, "Poder de polcia - Atribuio a entidade paraestatal", parecer, RDA 132/241; Cid Tomanik Pompeu, "O exerccio do poder de polcia pelas empresas pblicas", RF 258/438; lvaro Lazzarini, Estudos de Direito Administrativo, So Paulo, 1995.

Por fim, deve-se distinguir o poder de polcia originrio do poder de polcia delegado, pois que aquele nasce com a entidade que o exerce e este provm de outra, atravs de transferncia legal. O poder de polcia originrio pleno no seu exerccio e consectrio, ao passo que o delegado limitado aos termos da delegao e se caracteriza por atos de execuo. Por isso mesmo, no poder de polcia delegado no se compreende a imposio de taxas, porque o poder de tributar intransfervel da entidade estatal que o recebeu constitucionalmente. S esta pode taxar e transferir recursos para o delegado realizar o policiamento que lhe foi atribudo. Mas no poder de polcia delegado est implcita a faculdade de aplicar sanes aos infratores, na forma regulamentar, pois que isto atributo de seu exerccio.No dizer de Cooley: "O poder de polcia (police power), em seu sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentao interna, pelo qual o Estado busca no s preservar a ordem pblica seno tambm estabelecer para a vida de relaes dos cidados aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhana que se supem necessrias para evitar conflito de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu prprio direito, at onde for razoavelmente compatvel com o direito dos demais".33

33 Cooley, Constitutional Limitation, Nova York, 1903, p. 829.

Entre ns, Caio Tcito explica que "o poder de polcia , em suma, o conjunto de atribuies concedidas Administrao para disciplinar e restringir, em favor do interesse pblico adequado, direitos e liberdades individuais".34

34 Caio Tcito, "Poder de polcia e seus limites", RDA 27/1. V., tb., Clvis Beznos, Poder de Polcia, So Paulo, 1979.

O que todos os publicistas assinalam uniformemente a faculdade que tem a Administrao Pblica de ditar e executar medidas restritivas do direito individual em benefcio do bem-estar da coletividade e da preservao do prprio Estado. Esse poder inerente a toda Administrao e se reparte entre todas as esferas administrativas da Unio, dos Estados e dos Municpios.Essa conceituao doutrinria j passou para a nossa legislao, valendo citar o Cdigo Tributrio Nacional, que, em texto amplo e explicativo, dispe: "Art. 78. Considera-se poder de polcia a atividade da Administrao Pblica que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prtica de ato ou absteno de fato, em razo de interesse pblico concernente segurana, higiene, ordem, aos costumes, disciplina da produo e do mercado, ao exerccio de atividades econmicas dependentes de concesso ou autorizao do Poder Pblico, tranqilidade pblica ou ao respeito propriedade e aos direitos individuais ou coletivos".7.2 Razo e fundamentoA razo do poder de polcia o interesse social e o seu fundamento est na supremacia geral que o Estado exerce em seu territrio sobre todas as pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pblica, que a cada passo opem condicionamentos e restries aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Pblico o seu policiamento administrativo.Sem muito pesquisar, deparamos na vigente Constituio da Repblica claras limitaes s liberdades pessoais (art. 5-, VI e VIII); ao direito de propriedade (art. 5], XXIII e XXIV, art. 186; e CC, art. 1.228); ao exerccio das profisses (art. 5, XIII); ao direito de reunio (art. 5, XVI);35 aos direitos polticos (art. 15); liberdade de comrcio (arts. 170 e 173); poltica urbana (art. 182 e ); ao meio ambiente (art. 225 e ). Por igual, o Cdigo Civil condiciona o exerccio dos direitos individuais ao seu uso normal, ao "exerccio regular de um direito reconhecido" (art. 188) proibindo o abuso, e, no que concerne ao direito de construir, alm de sua normalidade, condiciona-o ao respeito s normas administrativas e ao direito dos vizinhos (arts. 1.277 e 1.299).

35 A respeito, v. STF, ADI 1.969, excelente acrdo relatado pelo Min. Ricardo Lewandowski (DJU 31.8.2007).

Leis outras, como a Lei dos Recursos Hdricos, o Cdigo de Minerao, o Cdigo Florestal, o Cdigo de Caa e Pesca, a Lei do Meio Ambiente, cominam idnticas restries, visando sempre proteo aos interesses gerais da comunidade contra os abusos do direito individual.A cada restrio de direito individual - expressa ou implcita em norma legal - corresponde equivalente poder de polcia administrativa Administrao Pblica, para torn-la efetiva e faz-la obedecida. Isto porque esse poder se embasa, como j vimos, no interesse superior da coletividade em relao ao direito do indivduo que a compe.O regime de liberdades pblicas em que vivemos assegura o uso normal dos direitos individuais, mas no autoriza o abuso, nem permite o exerccio anti-social desses direitos.As liberdades admitem limitaes e os direitos pedem condicionamento ao bem-estar social. Essas restries ficam a cargo da polcia administrativa. Mas sob a invocao do poder de polcia no pode a autoridade anular as liberdades pblicas ou aniquilar os direitos fundamentais do indivduo, assegurados na Constituio, dentre os quais se inserem o direito de propriedade e o exerccio de profisso regulamentada ou de atividade lcita.7.3Objeto e finalidadeO objeto do poder de polcia administrativa todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou pr em risco a segurana nacional, exigindo, por isso mesmo, regulamentao, controle e conteno pelo Poder Pblico. Com esse propsito, a Administrao pode condicionar o exerccio de direitos individuais, pode delimitar a execuo de atividades, como pode condicionar o uso de bens que afetem a coletividade em geral, ou contrariem a ordem jurdica estabelecida ou se oponham aos objetivos permanentes da Nao.Desde que a conduta do indivduo ou da empresa tenha repercusses prejudiciais comunidade ou ao Estado, sujeita-se ao poder de polcia preventivo ou repressivo, pois j salientamos que ningum adquire direito contra o interesse pblico36

36. TJSP, RJTJSP 128/391.

A finalidade do poder de polcia, como j assinalamos precedente mente, a proteo ao interesse pblico no seu sentido mais amplo. Nesse interesse superior da comunidade entram no s os valores materiais como, tambm, o patrimnio moral e espiritual do povo, expresso na tradio, nas instituies e nas aspiraes nacionais da maioria que sustenta o regime poltico adotado e consagrado na Constituio e na ordem jurdica vigente. Desde que ocorra um interesse pblico relevante, justifica-se o exerccio do poder de polcia da Administrao para a conteno de atividades particulares anti-sociais.7.4Extenso e limitesA extenso do poder de polcia hoje muito ampla, abrangendo desde a proteo moral e aos bons costumes, a preservao da sade pblica, o controle de publicaes, a segurana das construes e dos transportes at a segurana nacional em particular.Da encontrarmos nos Estados modernos a polcia de costumes, a polcia sanitria, a polcia das construes, a polcia das guas, a polcia da atmosfera, a polcia florestal, a polcia de trnsito, a polcia dos meios de comunicao e divulgao, a polcia das profisses, a polcia ambiental, a polcia da economia popular, e tantas outras que atuam sobre atividades particulares que afetam ou possam afetar os superiores interesses da comunidade que ao Estado incumbe velar e proteger. Onde houver interesse relevante da coletividade ou do prprio Estado haver, correlatamente, igual poder de polcia administrativa para a proteo desses interesses. a regra, sem exceo.Com a ampliao do campo de incidncia do poder de polcia, que se iniciou com a necessidade de proteger os habitantes das cidades romanas - polis, gerando o termo politia, que nos deu o vernculo polcia -, chegamos, hoje, a utilizar esse poder at para a preservao da segurana nacional, que , em ltima anlise, a situao de tranqilidade e garantia que o Estado oferece ao indivduo e coletividade, para a consecuo dos objetivos do cidado e da Nao em geral.Os limites do poder de polcia administrativa so demarcados pelo interesse social em conciliao com os direitos fundamentais do indivduo as segurados na Constituio da Repblica (art. 5).37 Vale dizer, esses limites decorrem da Constituio Federal, de seus princpios e da lei. Do absolutismo individual evolumos para o relativismo social. Os Estados Democrticos, como o nosso, inspiram-se nos princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Da o equilbrio a ser procurado entre a fruio dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. Em nossos dias predomina a idia da relatividade dos direitos, porque, como bem adverte Ripert, "o direito do indivduo no pode ser absoluto, visto que absolutismo sinnimo de soberania. No sendo o homem soberano na sociedade, o seu direito , por conseqncia, simplesmente relativo"38.

37 STF, ADI 2.213/MC, DJU23.4.2004.38 Georges Ripert, O Regime Democrtico e o Direito Civil Moderno, trad., So Paulo, Saraiva, 1937, p. 233.

Essa sujeio do direito individual aos interesses coletivos ficou bem marcada desde a Constituio de 1946, que condicionava o uso do direito de propriedade ao bem-estar social (art. 147), e cujo princpio foi reproduzido na vigente Constituio da Repblica, ao estabelecer que a ordem econmica, "fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios": propriedade privada e funo social da propriedade (art. 170, II e III), que o acolhimento da afirmativa de Duguit de que "a propriedade no mais o direito subjetivo do proprietrio; a funo social do detentor da riqueza".39

39 Lon Duguit, Las Transformaciones Generales dei Derecho Privado, Madri, Posada, 1931, p. 37.

Atravs de restries impostas s atividades do indivduo que afetem a coletividade, cada cidado cede parcelas mnimas de seus direitos comunidade e o Estado lhe retribui em segurana, ordem, higiene, sossego, moralidade e outros benefcios pblicos, propiciadores do conforto individual e do bem-estar geral. Para efetivar essas restries individuais em favor da coletividade o Estado utiliza-se desse poder discricionrio, que o poder de polcia administrativa. Tratando-se de um poder discricionrio, a norma legal que o confere no minudeia o modo e as condies da prtica do ato de polcia. Esses aspectos so confiados ao prudente critrio do administrador pblico. Mas, se a autoridade ultrapassar o permitido em lei, incidir em abuso de poder, corrigvel por via judicial. O ato de polcia, como ato administrativo que , fica sempre sujeito a invalidao pelo Poder Judicirio, quando praticado com excesso ou desvio de poder.40

40 STF, RDA 36/78; TJSP, RDA 39/258, 47/263; RT 249/283, 268/471, 284/401; l TACivSP, RDA 45/239, 65/158; RT263/592, 298/601, 303/556.

7.5 AtributosO poder de polcia administrativa tem atributos especficos e peculiares ao seu exerccio, e tais so a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.7.5.1 DiscricionariedadeA discricionariedade, como j vimos, traduz-se na livre escolha, pela Administrao, da oportunidade e convenincia de exercer o poder de polcia, bem como de aplicar as sanes e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que a proteo de algum interesse pblico. Neste particular, e desde que o ato de polcia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opo que lhe atribuda, a discricionariedade legtima. Por exemplo, se a lei permite a apreenso de mercadorias deterioradas e sua inutilizao pela autoridade sanitria, esta pode apreender e inutilizar os gneros imprestveis para a alimentao, a seu juzo; mas, se a autoridade incompetente para a prtica do ato, ou se o praticou sem prvia comprovao da imprestabilidade dos gneros para sua destinao, ou se interditou a venda fora dos casos legais, sua conduta torna-se arbitrria e poder ser impedida ou invalidada pela Justia. No uso da liberdade legal de valorao das atividades policiadas e na graduao das sanes aplicveis aos infratores que reside a discricionariedade do poder de polcia, mas mesmo assim a sano deve guardar correspondncia e proporcionalidade com a infrao.Observe-se que o ato de polcia , em princpio, discricionrio, mas passar a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e forma de sua realizao. Neste caso, a autoridade s poder pratic-lo validamente atendendo a todas as exigncias da lei ou regulamento pertinente.Ao conceituarmos o poder de polcia como faculdade discricionria no estamos reconhecendo Administrao qualquer poder arbitrrio. Discricionariedade no se confunde com arbitrariedade. Discricionariedade liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade ao fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder. O ato discricionrio, quando se atm aos critrios legais, legtimo e vlido; o ato arbitrrio sempre ilegtimo e invlido; nulo, portanto. Da a justa observao de Mayer de que: "La regia de Derecho no puede ser violada por disposicin de policia; sta no puede autorizar lo que dicha regia prohbe ni prohibir lo que ella permite".41

41 Otto Mayer, Derecho Administrativo Alemn, trad., Buenos Aires, Depalma, 1950,11/59.

7.5.2 Auto-executoriedadeA auto-executoriedade, ou seja, a faculdade de a Administrao decidir e executar diretamente sua deciso por seus prprios meios, sem interveno do Judicirio, outro atributo do poder de polcia. Com efeito, no uso desse poder, a Administrao impe diretamente as medidas ou sanes de polcia administrativa necessrias conteno da atividade anti-social que ela visa a obstar. Nem seria possvel condicionar os atos de polcia a aprovao prvia de qualquer outro rgo ou Poder estranho Administrao. Se o particular se sentir agravado em seus direitos, sim, poder reclamar, pela via adequada, ao Judicirio, que intervir oportunamente para a correo de eventual ilegalidade administrativa ou fixao da indenizao que for cabvel. O que o princpio da auto-executoriedade autoriza a prtica do ato de polcia administrativa pela prpria Administrao, independentemente de mandado judicial. Assim, p. ex., quando a Prefeitura encontra uma edificao irregular ou oferecendo perigo coletividade, ela embarga diretamente a obra e promove sua demolio, se for o caso, por determinao prpria, sem necessidade de ordem judicial para esta interdio e demolio.Nesse sentido j decidiu o STF, concluindo que, no exerccio regular da autotutela administrativa, pode a Administrao executar diretamente os atos emanados de seu poder de polcia sem utilizar-se da via cominatria, que posta sua disposio em carter facultativo.42 Nem se ope a essa concluso o disposto nos arts. 287,934 e 936 do CPC, uma vez que o pedido cominatrio concedido ao Poder Pblico simples faculdade para o acertamento judicial prvio dos atos resistidos pelo particular, se assim o desejar a Administrao -43 Na mesma linha doutrinria, deixou julgado o TJSP que: "Exigir-se prvia autorizao do Poder Judicirio equivale a negar-se o prprio poder de polcia administrativa, cujo ato tem de ser sumrio, direto e imediato, sem as delongas e complicaes de um processo judicirio prvio"44 Ao particular que se sentir prejudicado pelo ato de polcia da Ad ministrao que cabe recorrer ao Judicirio, uma vez que no pode fazer justia pelas prprias mos.

42 STF, RF 124/438; no mesmo sentido: STJ, REsp 50.407-4-SP, ZW 31.8.94.43 TJSP, RJTJSP 119/105.44 TJSP, Pleno, RT 183/823. No mesmo sentido: TJSP, RT 186/325, 210/161, 227/136, 386/54, 391/187.

Mas no se confunda a auto-executoriedade das sanes de polcia com punio sumria e sem defesa. A Administrao s pode aplicar sano sumariamente e sem defesa (principalmente as de interdio de atividade, apreenso45 ou destruio de coisas) nos casos urgentes que ponham em risco a segurana, a sade pblica, em suma, quando haja possibilidade de perecimento do interesse pblico,46 ou quando se tratar de infrao instantnea surpreendida na sua flagrncia, aquela ou esta comprovada pelo respectivo auto de infrao, lavrado regularmente; nos demais casos exige-se o processo administrativo correspondente, com plenitude de defesa ao acusado, para validade da sano imposta (v. cap. XI, item 3.3.5.4, sobre processo administrativo punitivo).

45 Com natureza de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC), o STJ, no REsp 1.104.775, decidiu que legtimo condicionar a liberao de veculo apreendido ao pagamento de multas j vencidas e de despesas com a remoo e depsito do mesmo, estas limitadas aos primeiros trinta dias (art. 262 do CTB). No mesmo sentido: REsp 895.377 e REsp 925.906, destacando que a apreenso prevista no art. 262, caput e pargrafos do CTB "modalidade autnoma de sano".46 STJ, RMS 27.440.

Excluem-se da auto-executoriedade as multas, ainda que decorrentes do poder de polcia, que s podem ser executadas por via judicial, como as de mais prestaes pecunirias devidas pelos administrados Administrao.47

47 STF, RDA 94/61

7.5.3 CoercibilidadeA coercibilidade, isto , a imposio coativa das medidas adotadas pela Administrao, constitui tambm atributo do poder de polcia. Realmente, todo ato de polcia imperativo (obrigatrio para seu destinatrio), admitindo at o emprego da fora pblica para seu cumpri mento, quando resistido pelo administrado. No h ato de polcia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coero estatal para torn-los efetivos, e essa coero tambm independe de autorizao judicial. E a prpria Administrao que determina e faz executar as medidas de fora que se tornarem necessrias para a execuo do ato ou aplicao da penalidade administrativa resultante do exerccio do poder de polcia.O atributo da coercibilidade do ato de polcia justifica o emprego da fora fsica quando houver oposio do infrator, mas no legaliza a violncia desnecessria ou desproporcional resistncia, que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder e o abuso de autoridade nulificadores do ato praticado e ensejadores das aes civis e criminais para reparao do dano e punio dos culpados.7.6 Meios de atuaoAtuando a polcia administrativa de maneira preferentemente preventiva, ela age atravs de ordens e proibies, mas, e sobretudo, por meio de normas limitadoras e sancionadoras da conduta daqueles que utilizam bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade, estabelecendo as denominadas limitaes administrativas (v. cap. IX, item 2.5). Para tanto, o Poder Pblico edita leis e os rgos executivos expedem regulamentos e instrues fixando as condies e requisitos para o uso da propriedade e o exerccio das atividades que devam ser policiadas, e aps as verificaes necessrias outorgado o respectivo alvar de licena ou autorizao, ao qual se segue a fiscalizao competente.Alvar o instrumento da licena ou da autorizao para a prtica de ato, realizao de atividade ou exerccio de direito dependente de policia mento administrativo. o consentimento formal da Administrao pretenso do administrado, quando manifestada em forma legal. O alvar pode ser definitivo ou precrio: ser definitivo e vinculante para a Administrao quando expedido diante de um direito subjetivo do requerente como a edificao, desde que o proprietrio satisfaa todas as exigncias das normas edilcias; ser precrio e discricionrio se a Administrao o concede por liberalidade, desde que no haja impedimento legal para sua expedio, como o alvar de porte de arma ou de uso especial de um bem pblico. O alvar definitivo consubstancia uma licena; o alvar precrio expressa uma autorizao. Ambos so meios de atuao do poder de polcia, mas com efeitos fundamentalmente diversos, porque o alvar de autorizao pode ser revogado sumariamente, a qualquer tempo, sem indenizao, ao passo que o alvar de licena no pode ser invalidado discricionariamente, s admitindo revogao por interesse pblico superveniente e justificado, mediante indenizao;48 ou cassao por descumprimento das normas legais na sua execuo; ou anulao por ilegalidade na sua expedio - em todas essas hipteses atravs de processo administrativo com defesa do interessado.49

48 Quanto licena para construir, s gera direito adquirido depois de iniciada a obra: v. parecer in Estudos e Pareceres de Direito Pblico, X/297, e STF, RDA 162/215; Ag. 135.464 0-RJ, DJU22.5.92; RT564/236 e RTJ 142/944; TJSP, RT670/72.49 Sobre processo administrativo punitivo v. cap. XI, item 3.3.5.4.

Outro meio de atuao do poder de polcia a fiscalizao das atividades e bens sujeitos ao controle da Administrao. Essa fiscalizao, como bvio, restringe-se verificao da normalidade do uso do bem ou da atividade policiada, ou seja, da sua utilizao ou realizao em conformidade com o alvar respectivo, com o projeto de execuo e com as normas legais e regulamentares pertinentes. Deparando irregularidade ou infringncia legal, o agente fiscalizador dever advertir verbalmente o infrator ou lavrar regularmente o auto de infrao, consignando a sano cabvel para sua oportuna execuo pela prpria Administrao, salvo no caso de multa, que s poder ser executada por via judicial.7.7 SanesO poder de polcia seria inane e ineficiente se no fosse coercitivo e no estivesse aparelhado de sanes para os casos de desobedincia ordem legal da autoridade competente.50

50 Sobre sanes v. Rgis Fernandes de Oliveira, Infraes e Sanes Administrativas, Ed. RT, 1985, e STJ, REsp 4.608-SP, DJU 29.10.90.

As sanes do poder de polcia, como elemento de coao e intimidao, principiam, geralmente, com a multa e se escalonam em penalidades mais graves como a interdio de atividade, o fechamento de estabeleci mento, a demolio de construo,51 o embargo administrativo de obra, a destruio de objetos, a inutilizao de gneros, a proibio de fabricao ou comrcio de certos produtos, a vedao de localizao de indstrias ou de comrcio em determinadas zonas e tudo o mais que houver de ser impedido em defesa da moral, da sade e da segurana pblica, bem como da segurana nacional, desde que estabelecido em lei ou regulamento.

51 STJ julgou legal o exerccio do poder de polcia para demolir construes irregu lares decorrentes de invaso de rea non aedificandi (REsp 626.224-RS, rei. Min. Luiz Fux, DJU 14.4.2004).

Estas sanes, em virtude do princpio da auto-executoriedade do ato de polcia, so impostas e executadas pela prpria Administrao em procedimentos administrativos compatveis com as exigncias do interesse pblico. O que se requer a legalidade da sano e sua proporcionalidade infrao cometida ou ao dano que a atividade causa coletividade ou ao prprio Estado. As sanes do poder de polcia so aplicveis aos atos ou condutas individuais que, embora no constituam crimes, sejam inconvenientes ou nocivos coletividade, como previstos na norma legal.Convm observar que o mesmo fato, juridicamente, pode gerar pluralidade de ilcitos e de sanes administrativas.52

52 TJSP, ApCiv 125.348-1, j. 30.10.90.

De acordo com a Lei 9.873, de 23.11.99, na esfera federal prescreve em cinco anos a ao punitiva da Administrao Pblica, direta e indireta, no exerccio do poder de polcia, objetivando apurar infrao, contados da data da prtica do ato ou, no caso de infrao permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. A prescrio incide no procedimento administrativo paralisado por mais de trs anos, pendente de julgamento ou despacho. Todavia, quando o fato constituir crime a prescrio rege-se pelo prazo pre visto na lei penal (art. l e ). Os casos de interrupo e suspenso esto relacionados nos arts. 2 e 3. De natureza transitria, a norma do art. 4 estabelece que as infraes ocorridas h mais de trs anos, contados do dia l de julho de 1998, prescrevem em dois anos, a partir dessa data. Por fim, para evitar qualquer interpretao equivocada, o art. 5 esclarece que o disposto nessa lei no se aplica s infraes de natureza funcional, ou seja, quelas praticadas pelos servidores pblicos (v. cap. XI, itens 3.2.3.7 e 7.6).7.8 Condies de validadeAs condies de validade do ato de polcia so as mesmas do ato administrativo comum, ou seja, a competncia, a finalidade e a forma, acrescidas da proporcionalidade da sano e da legalidade dos meios empregados pela Administrao.A competncia, a finalidade e a forma so condies gerais de eficcia de todo ato administrativo, a cujo gnero pertence a espcie ato de polcia.A proporcionalidade entre a restrio imposta pela Administrao e o benefcio social que se tem em vista, sim, constitui requisito especfico para validade do ato de polcia, como, tambm, a correspondncia entre a infrao cometida e a sano aplicada, quando se tratar de medida punitiva. Sacrificar um direito ou uma liberdade do indivduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polcia, pela desproporcionalidade da medida. Desproporcional tambm o ato de polcia que aniquila a propriedade ou a atividade a pretexto de condicionar o uso do bem ou de regular a profisso. O poder de polcia autoriza limitaes, restries, condicionamentos; nunca supresso total do direito individual ou da propriedade particular, o que s poder ser feito atravs de desapropriao. A desproporcionalidade do ato de polcia ou seu excesso equivale a abuso de poder e, como tal, tipifica ilegalidade nulificadora da sano.53

53 Otto Mayer, Derecho Administrativo Alemn, trad., Buenos Aires, Depalma, 1950,11/31.

A legalidade dos meios empregados pela Administrao o ltimo requisito para a validade do ato de polcia. Na escolha do modo de efetivar as medidas de polcia no se compreende o poder de utilizar meios ilegais para sua consecuo, embora lcito e legal o fim pretendido. Em tema de polcia, adverte Bonnard: "la fin ne justifie pas tous les moyens".54

54 Roger Bonnard, Prcis de Droit Administratif Paris, 1935, p. 321.

Os meios devem ser legtimos, humanos e compatveis com a urgncia e a necessidade da medida adotada. A demolio de obras, a destruio de bens particulares, o emprego da fora fsica, s se justificam como expedientes extremos do Poder Pblico. Enquanto houver outros modos de realizar a medida de polcia e outras sanes menos violentas no se autorizam os atos destrutivos da propriedade, nem as interdies sumrias de atividades, nem a coao fsica para impedir o exerccio de profisses regulamentadas. S a resistncia do particular a ordens e proibies legais legitima o emprego moderado da fora pblica para remov-la, como ltimo recurso contra o capricho do administrado ao poder de polcia da Administrao.Em prosseguimento deste tpico caberia analisar os vrios setores da polcia administrativa especial - polcia sanitria, polcia das construes, polcia de trnsito, polcia de costumes e outras -, mas, na impossibilidade de o fazermos, dada a extenso da matria, limitamo-nos a apreciar a primeira - polcia sanitria -, que comum a todas as entidades estatais e a mais exercitada na prtica administrativa, sendo regida por uma complexa legislao federal, estadual e municipal, como veremos a seguir.7.9 O poder de polcia e as microempresas e empresas de pequeno porteA Lei Complementar 123, de 14.12.2006, que institui regime especial para as microempresas e empresas de pequeno porte, conceituadas no art. 3 da lei, contm captulo especfico sobre o exerccio do poder de polcia no que se refere aos "aspectos trabalhista, metrolgico, sanitrio, ambiental e de segurana", dispondo no art. 55 e seus 1 a 4 que a "fiscalizao" dessas empresas "dever ter natureza prioritariamente orientadora, quando a atividade ou situao, por sua natureza, comportar grau de risco compatvel com esse procedimento". Assim, "ser observado o critrio de dupla visita para lavratura de autos de infrao, salvo quando for constatada infrao por falta de registro de empregado ou anotao da CTPS, ou, ainda, na ocorrncia de reincidncia, fraude, resistncia ou embarao fiscalizao" ( 1), no se aplicando o disposto nesse artigo "ao processo administrativo fiscal relativo a tributos, que se dar na forma dos arts. 39 e 40" da Lei Complementar 123 ( 4).Em prosseguimento deste tpico, caberia analisar os vrios setores da polcia administrativa especial - polcia sanitria, polcia das construes, polcia de trnsito, polcia de costumes e outras. Mas, na impossibilidade de o fazermos, dada a extenso da matria, limitamo-nos a apreciar a primeira - polcia sanitria -, que comum a todas as entidades estatais e a mais exercitada na prtica administrativa, sendo regida por uma complexa legislao federal, estadual e municipal, como veremos a seguir.8. Polcia sanitria8.1 Campo de atuaoO campo de atuao55 da polcia sanitria incomensurvel, o que levou o eminente Cirne Lima a confessar, judiciosamente, que, "na impossibilidade de fixar limites j ao conceito de polcia sanitria, j competncia do Estado nesse assunto, devemos limitar-nos a uma classificao mera mente demonstrativa".56

55 O estudo e a sistematizao das normas sanitrias adquiriram tal importncia e desenvolvimento que levaram alguns autores a falar em um Direito Sanitrio, como ramo autno mo do Direito Administrativo, tal como sustenta Lessona em seu Trattato di Diritto Sanitario, 1921, especialmente s pp. 9-39 do 1Q v. Opomo-nos a essa opinio, como a ela se ope a maio ria dos publicistas italianos, que continuam a entender que o ordenamento sanitrio objeto do Direito Administrativo, como matria de polcia administrativa (cf. Cammeo, Sanit Pubblica, 1925; Vitta, Sanit Pubblica e Singoli Objetti deirAmministrazione Sanitaria, 1933; Zanobini, Corso di Diritto Amministrativo, 1951, V/61). No Brasil sempre se considerou a polcia sani tria como assunto de Direito Administrativo: Alcides Cruz, Direito Administrativo Brasileiro, 1914, n. 172; Themstocles Cavalcanti, Tratado de Direito Administrativo, 1950, V/431; J. Guimares Menegale, Direito Administrativo e Cincia da Administrao, 1950, 111/99; Ruy Cirne Lima, Princpios de Direito Administrativo, 1 ed., 2007, p. 329.56 Ruy Cirne Lima, Princpios de Direito Administrativo, 1954, p. 120.

Em verdade, a polcia sanitria dispe de um elastrio muito amplo e necessrio adoo de normas e medidas especficas, requeridas por situaes de perigo presente ou futuro que lesem ou ameacem lesar a sade e a segurana dos indivduos e da comunidade.57 - Por essa razo o Poder Pblico dispe de largo discricionarismo na escolha e imposio das limitaes de higiene e segurana, em defesa da populao.

57 V., sobre polcia sanitria: Alcides Greca, "Polcia sanitria", RDA 3/454, e, do Autor, Direito Municipal Brasileiro, 16 ed., So Paulo, Malheiros Editores, 2008, e tb. o Direito de Construir, 9 ed., So Paulo, Malheiros Editores, 2005.

No nosso sistema constitucional os assuntos de sade e assistncia pblica ficam sujeitos trplice regulamentao federal, estadual e municipal, por interessarem simultaneamente a todas as entidades estatais. o que se infere do texto e do esprito da CF, nos termos do art. 23, II, que estabelece a competncia executiva comum da Unio, dos Estados e dos Municpios, cabendo ressaltar que toda ao e todo servio pblico de sade devero integrar um "Sistema nico de Sade - SUS", a ser organizado nos termos dos arts. 198 e 200 da mesma Carta.Ligado ao problema de polcia sanitria, a Unio acaba de editar a Lei 11.445, de 5.1.2007, estabelecendo as diretrizes nacionais para o saneamento bsico, cujo contedo comentado ao final do cap. VI, Servios Pblicos.8.2 Normas gerais de defesa e proteo da sadeNormas gerais de defesa e proteo da sade so aquelas regras e prescries federais impostas tanto Unio como ao Distrito Federal, aos Estados-membros e Municpios, objetivando orientar a polcia sanitria nacional, num sentido unitrio e coeso, que possibilite a ao conjugada e uniforme de todas as entidades estatais em prol da salubridade pblica. A generalidade da norma no a do contedo da regra, mas a da sua extenso espacial. Nada impede, portanto, que a Unio, ao editar normas sanitrias gerais, especifique providncias e medidas higinicas e profilticas, especialize mtodos preventivos e curativos; imponha ou proba o uso de deter minados medicamentos ou substncias medicinais; fiscalize a fabricao, importao e distribuio de produtos e insumos que ponham em risco a sade da comunidade; estabelea determinado processo de saneamento ou exija requisitos mnimos de salubridade para as edificaes e demais atividades que se relacionem com a higiene e segurana das populaes.Justifica-se plenamente a competncia predominante da Unio em assuntos de higiene e sade pblica, porque em nossos dias no h doena ou molstia que se circunscreva unicamente a determinada regio ou cidade, em face dos rpidos meios de transporte, que, se conduzem com presteza os homens, agem tambm como veculos de contaminao de todo o Pas, e at mesmo de todo o orbe terrestre. No h falar, portanto, em interesse regional do Estado-membro, ou em interesse local do Municpio, em matria sanitria, onde prevalece sempre o interesse nacional, e, no raro, o internacional.58 Da por que, sbia e prudentemente, a Constituio Federal vigente conferiu competncia concorrente Unio e aos Estados para legislar sobre tais assuntos, limitada a primeira a normas gerais (CF, art. 24, XII, e l). Nos aspectos de interesse local, cabe aos Municpios legislar, suplementar mente legislao federal e estadual (CF, art. 30, I e II). Para situaes de calamidade pblica, h normas federais, estaduais e municipais, de cada entidade, que devem ser consultadas.

58 V. o Cdigo Sanitrio Pan-Americano, do qual o Brasil signatrio (Dec. Legislativo 62, de 16.11.54). Este Cdigo foi aprovado em Havana, em 24.9.54, na VI Reunio do Conselho Diretor da Organizao Sanitria Pan-Americana, para viger nas trs Amricas.

8.2.1 Agncia Nacional de Vigilncia SanitriaA Lei 9.782, de 26.1.99 (alterada pela MP 2.190-34, de 23.8.2001), definiu o Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria e criou a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria como entidade executiva do Sistema, vinculada ao Ministrio da Sade. A Agncia tem como finalidade bsica a proteo sade da populao, por intermdio do controle sanitrio da produo e da comercializao de produtos e servios submetidos vigilncia sanitria, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras (art. 6). Como se v, sua competncia extensa e para seu exerccio dispe de amplo poder de polcia para autorizar ou interditar o funcionamento de empresas; anuir ou proibir a importao e exportao de produtos; fiscalizar laboratrios de servios de apoio diagnstico; monitorar a evoluo dos preos de medica mentos e servios de sade; e vrias outras atividades relacionadas com a proteo sade da populao.A Agncia possui inclusive poderes normativos, especialmente nas reas tcnicas, que exigem conhecimento especializado da matria. A ela cabe estabelecer padres sobre limites de contaminantes, resduos txicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco sade.Criada como autarquia sob regime especial, a Agncia dispe de independncia administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira, integrando o rol de agncias reguladoras que vm sendo institudas pela Unio para a regulamentao e a fiscalizao de servios pblicos e atividades de interesse coletivo (v. cap. VI, item 2.5, sobre Agncias reguladoras).Sem dvida, a criao da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria constituiu inegvel progresso para o desempenho do poder de polcia sanitria da Unio. A abertura da importao de medicamentos e outros produtos destinados ao consumo da populao, a introduo de novas tecnologias e produtos cujas conseqncias no futuro ainda so desconhecidas, a proliferao de servios de sade como negcio lucrativo, tudo isso, acompanhado de enorme presso publicitria, estava pondo em risco a sade da populao brasileira, surgindo em boa hora uma entidade administrativa independente para regulamentar e fiscalizar essa rea.As infraes legislao federal sanitria esto definidas na Lei 6.437, de 20.8.77, tambm alterada pela MP 2.190-34, de 23.8.2001.8.2.2Agncia Nacional de Sade Suplementar Ainda que indiretamente, tem relao com a polcia sanitria a Agncia Nacional de Sade Suplementar - ANS, criada pela Lei 9.961, de 28.1.2000, como autarquia de regime especial, como rgo de regulamentao, normatizao, controle e fiscalizao das atividades que garantam a assistncia suplementar sade. Cabe a esta autarquia, entre outras atribuies, a de fiscalizar o cumprimento da legislao referente aos aspectos sanitrios e epidemiolgicos relativos prestao de servios mdicos e hospitalares no mbito da sade complementar.8.2.3Cdigos sanitrios estaduais Os Cdigos sanitrios estaduais, visando a complementar ou suprir a legislao federal, so da competncia dos Estados-membros.59 Tais leis, como bvio, devem atender aos preceitos gerais e aos mnimos legais impostos pela Unio em tudo que se refira defesa e proteo da sade. Desde que a legislao federal genrica e contm exigncias mnimas, lcito a cada Estado-membro impor condies sanitrias mais minuciosas e exigir outras omitidas pela Unio, em defesa da salubridade pblica. Toda matria pertinente sade pblica cabe no respectivo Cdigo estadual, sendo mesmo conveniente reunir num s corpo de lei as normas referentes polcia sanitria das construes, da alimentao, da poluio do ar e da gua, por serem assuntos conexos, regidos por princpios idnticos.60

59 constitucional lei estadual dispondo sobre beneficiamento de leite de cabra, com base na competncia concorrente (art. 24, 1 e 2) (STF, ADI 1.278, DJU 15.6.2007).60 V., a propsito, o Cdigo de Sade do Estado de So Paulo, Lei Complementar 15, de 10.3.95.

Alm de estabelecer as normas sanitrias para o territrio estadual, o Cdigo sanitrio impe medidas de atuao para os particulares e para as autoridades e agentes sanitrios, incumbidos da fiscalizao e punio dos infratores.Esses Cdigos, em geral, impem propriedade particular, e especial mente s construes, uma srie de limitaes administrativas de ordem sanitria, relegando aos Municpios a regulamentao estrutural das obras.8.2.4 Regulamentos sanitrios municipais Os regulamentos municipais de higiene e segurana tm por objetivo principal o controle tcnico funcional das edificaes particulares e dos recintos pblicos, bem como dos gneros alimentcios destinados ao consumo local.61

61 V., a propsito, o Cdigo Sanitrio do Municpio da Capital de So Paulo, Dec. 25.544, de 14.3.88.

O poder municipal de controle das edificaes decorre, hoje, da Constituio Federal, que outorga competncia expressa ao Municpio para pro mover o ordenamento de seu territrio, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupao do solo urbano (art. 30, VIII). Embasa se, ainda, no art. 1.299 do CC, que autoriza as construes, respeitando-se o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos. Tais regulamentos consubstanciam-se no Cdigo de Obras e nas normas edilcias complementares.Na regulamentao municipal devero ser impostas minuciosamente as condies em que o proprietrio pode construir, visando segurana e higiene das edificaes. Dentre as exigncias, so perfeitamente cabveis as que se relacionem com a solidez da construo, com a aerao, isolao, cubagem, altura mxima e mnima etc.Para bem policiar as edificaes as Municipalidades subordinam as construes e reformas prvia aprovao do projeto pela seo competente da Prefeitura e exigem que tais projetos sejam elaborados e subscritos por profissional legalmente habilitado, na forma da legislao federal pertinente. Pelo mesmo motivo, a ocupao dos edifcios deve ser precedida de vistoria e expedio de alvar de utilizao, conhecido por "habite-se". O poder de polcia municipal, em matria de habitaes, como se v, amplo,62 possibilitando o acompanhamento da execuo da obra e vistorias posteriores sua concluso, desde que o Poder Pblico suspeite de insegurana ou alterao das condies de higiene e salubridade, sempre exigveis. Encontrando-as em desconformidade com as exigncias legais e regulamentares, pode promover sua interdio e demolio, ou permitir a adaptao s condies oficiais.

62 O STF entende que o Municpio tem competncia para legislar sobre equipamentos de segurana (portas eletrnicas) ou para dispor sobre o tempo de atendimento s pessoas em imveis localizados em seu territrio e destinados ao atendimento ao pblico (RE 240.406, RE 312.050 e AI 388.685; RE 312.050 e RE 432.789). Tambm decidiu que constitucional a taxa de renovao de funcionamento e de localizao pelo Municpio desde que haja demonstrao da potencialidade do efetivo exerccio do poder de polcia, ou seja, de proceder fiscalizao (REs 588.322, com natureza de repercusso geral, 280.441 e 396.846).

Tratando-se de prdios destinados a espetculos e reunies sociais, a fiscalizao tanto mais necessria, em razo da freqncia coletiva, onde o risco da insegurana e da insalubridade aumenta dia a dia, com a deteriorao dos materiais expostos ao do tempo e a possibilidade de criao de ambiente de contgio pblico, se no houver adequada e constante higienizao.Alm do controle das edificaes, cabe ao Municpio a polcia sanitria dos gneros alimentcios, principalmente dos perecveis, como a carne verde, o leite, os ovos, as frutas e verduras, comumente oferecidos ao consumidor em estabelecimentos e feiras livres locais. Esses produtos, embora passveis de fiscalizao federal e estadual, sujeitam-se tambm ao controle da Prefeitura, pela evidente razo de que, mesmo em bom estado na sua origem, podem deteriorar-se no transporte e na exposio venda ao consumi dor. Assim sendo, desde que compete ao Municpio zelar pela sade pblica em seu territrio, cabe-lhe a fiscalizao sanitria dos produtos consumveis por sua populao.Em princpio, os produtos naturais ou industrializados para consumo humano sujeitam-se ao trplice controle sanitrio da Unio, do Estado e do Municpio em que sero consumidos, mas o STF vinha decidindo, sob a Constituio de 1969, que, havendo fiscalizao federal, no pode haver fiscalizao municipal,63 contrariamente aos julgados dos Tribunais estaduais, que admitem a fiscalizao no local do consumo;64 e esta nos parece a orientao correta para os produtos facilmente perecveis, que podem estar perfeitos na origem e chegar deteriorados aos pontos de entrega ao consumidor.

63 STF, RTJ 31/8, 85/1.030; RDA 72/216, 76/304, 77/256, 88/106, 114/124.64 TJRJ, RDA 73/277; 7319/520, 337/361; leTASP, RDA 84/138.

Observamos, ainda, que o policiamento sanitrio se estende tambm aos elementos da natureza - gua, ar e terra -, como veremos adiante, ao cuidarmos da proteo ambiental (cap. VIII, item 10).Quanto ao direito adquirido, o STF assentou o seguinte entendimento: "(...) o disposto no art. 5, XXXVI, da Constituio Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distino entre lei de Direito Pblico e lei de Direito Privado, ou entre lei de ordem pblica e lei dispositiva".65 Dessa forma, quando o TJSP afirma que os "princpios de polcia sanitria, sempre em evoluo, na medida das exigncias sociais, no conferem direito adquirido", ou que "as normas urbansticas so de ordem pblica, cogentes, sem que se possa contrapor direito adquirido", deve-se observar que esses julgados abordaram, na verdade, os efeitos futuros da lei nova, no os efeitos jurdicos produzidos no passado, pois estes, em face da garantia do direito adquirido - assim entendido aquele que "nos termos da lei sob o imprio da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimnio de quem o adquiriu"66 -, devem ser respeitados. Da por que, como acentuado em outro passo, no caso de licena para construir, se a obra j foi iniciada a lei nova no se aplica, ha vendo direito adquirido decorrente de efeito jurdico produzido no passado sob a gide da lei anterior.67

65 RTJ 143/724.66 TJRJ, RDA 73/277; 7319/520, 337/361; leTASP, RDA 84/138.67 RTJ 143/724.