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3.1 Inundaçıes urbanas A inundaçªo urbana Ø uma ocorrŒncia tªo antiga quanto as cidades ou qualquer aglomeramento urbano. A inundaçªo ocorre quando as Æguas dos rios, riachos, galerias pluviais saem do leito de escoamento devido a falta de capacidade de transporte de um destes sistemas e ocupa Æreas onde a popu- laçªo utiliza para moradia, transporte (ruas, rodovias e passeios), recreaçªo, comØrcio, industria, entre outros. Estes eventos podem ocorrer devido ao comportamento natural dos rios ou ampliados pelo efeito de alteraçªo produzida pelo homem na urba- nizaçªo pela impermeabilizaçªo das superfícies e a canalizaçªo dos rios. Quando a precipitaçªo Ø intensa e o solo nªo tem capacidade de infiltrar, grande parte do volume escoa para o sistema de drenagem, superando sua capacidade natural de escoamento. O excesso do volume que nªo consegue ser drenado ocupa a vÆrzea inundando de acordo com a topografia das Æreas próximas aos rios. Estes eventos ocorrem de forma aleatória em funçªo dos processos climÆticos locais e regionais. Este tipo de inundaçªo Ø denomina- do neste livro de inundaçªo ribeirinha. Na medida que a populaçªo impermeabiliza o solo e acelera o escoa- mento atravØs de condutos e canais a quantidade de Ægua que chega ao mes- mo tempo no sistema de drenagem aumenta produzindo inundaçıes mais freqüentes do que as que existiam quando a superfície era permeÆvel e o escoamento se dava pelo ravinamento natural. Esta inundaçªo Ø devido a urbanizaçªo ou na drenagem urbana. Estes dois efeitos podem ocorrer isoladamente ou combinados, mas geralmente as inundaçıes ribeirinhas ocorrem em bacias de grande mØdio e porte ( > 500 km 2 ) no seu trecho onde a declividade Ø baixa e a seçªo de 3 INUNDA˙ÕES E DRENAGEM URBANA Carlos E. M. Tucci

Carlos Tucci Inundaciones y Drenajes Urbanos

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Tucci é um grande estudioso e um dos melhores na área de hidrologia e estudo do comportamento hidrológico, neste apresenta-se um texto falando sobre inundações e drenagem urbana, um tema bem atual e muito importante para estudos na área de Engenharia civil, ambiental, geologia, hidrologia, geografia e até algumas matérias de humanas.

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  • Inundaes e Drenagem Urbana

    3.1 Inundaes urbanas

    A inundao urbana uma ocorrncia to antiga quanto as cidades ouqualquer aglomeramento urbano. A inundao ocorre quando as guas dosrios, riachos, galerias pluviais saem do leito de escoamento devido a falta decapacidade de transporte de um destes sistemas e ocupa reas onde a popu-lao utiliza para moradia, transporte (ruas, rodovias e passeios), recreao,comrcio, industria, entre outros.

    Estes eventos podem ocorrer devido ao comportamento natural dosrios ou ampliados pelo efeito de alterao produzida pelo homem na urba-nizao pela impermeabilizao das superfcies e a canalizao dos rios.

    Quando a precipitao intensa e o solo no tem capacidade de infiltrar,grande parte do volume escoa para o sistema de drenagem, superando suacapacidade natural de escoamento. O excesso do volume que no consegueser drenado ocupa a vrzea inundando de acordo com a topografia das reasprximas aos rios. Estes eventos ocorrem de forma aleatria em funo dosprocessos climticos locais e regionais. Este tipo de inundao denomina-do neste livro de inundao ribeirinha.

    Na medida que a populao impermeabiliza o solo e acelera o escoa-mento atravs de condutos e canais a quantidade de gua que chega ao mes-mo tempo no sistema de drenagem aumenta produzindo inundaes maisfreqentes do que as que existiam quando a superfcie era permevel e oescoamento se dava pelo ravinamento natural. Esta inundao devido aurbanizao ou na drenagem urbana.

    Estes dois efeitos podem ocorrer isoladamente ou combinados, masgeralmente as inundaes ribeirinhas ocorrem em bacias de grande mdio eporte ( > 500 km2) no seu trecho onde a declividade baixa e a seo de

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    INUNDAES E DRENAGEM URBANACarlos E. M. Tucci

  • Carlos E. M. Tucci

    escoamento pequena, enquanto que as inundaes na drenagem urbana ocor-rem em pequenas bacias urbanizadas (1 - 100 km2, a exceo so grandescidades como So Paulo).

    Os problemas resultantes da inundao dependem do grau de ocupa-o da vrzea pela populao no primeiro caso e da impermeabilizao ecanalizao da rede de drenagem no segundo. As inundaes ribeirinhastem sido registradas junto com a histria do desenvolvimento humano. Asinundaes devido a urbanizao tem sido mais freqente neste sculo, como aumento significativo da urbanizao das cidades e a tendncia dos enge-nheiros de drenarem o escoamento pluvial o mais rpido possvel das reasurbanizadas.

    Neste captulo apresentado a seguir um histrico sobre as inunda-es, o gerenciamento das inundaes ribeirinhas e devido a drenagem ur-bana e os princpios do Plano Diretor de Drenagem Urbana.

    3.2 Histrico da convivncia com a inundao

    As inundaes so mais antigas que a existncia do homem na terra.O homem sempre procurou se localizar perto dos rios para us-lo comotransporte, obter gua para seu consumo e mesmo dispor seus dejetos. Asreas prximas aos rios geralmente so planas e propcias para o assenta-mento humano o que tambm motivou a sua ocupao.

    O desenvolvimento histrico da utilizao de reas livres explica mui-tos dos antigos condicionamentos urbanos existentes. Devido grande difi-culdade de meios de transporte no passado, utilizava-se o rio como a viaprincipal. As cidades se desenvolveram s margens dos rios ou no litoral.Pela prpria experincia dos antigos moradores, a populao procurou ha-bitar as zonas mais altas onde o rio dificilmente chegaria. Observa-se que aparcela da populao com maior memria sobre os eventos de inundaoso os que se localizam em locais com cota mais segura.

    Sobre a cidade de Amarna no Egito, que Aquenaton (1340 aC) esco-lheu para ser uma nova capital foi mencionado Correndo de leste paraoeste, dois leitos secos de rio, nos quais nada se construiu por medo das enchentesrepentinas, dividiam a cidade em trs partes: o centro e os bairros residenciaisde norte e do sul. Brier (1998). Este um exemplo que a mais de 3000 nopassado as pessoas j planejavam a ocupao do espao de inundao.

    A histria mostra em diferentes partes do globo que o homem temprocurado conviver com as inundaes, desde as mais freqentes at as mais

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  • Inundaes e Drenagem Urbana

    raras. Uma experincia histrica a da igreja catlica, pois sempre que ocor-re uma inundao numa cidade o prdio da igreja, apesar de ser uma dasobras mais antigas, localiza-se em nvel seguro.

    Hoyt e Langbein (1959) para enfatizar o carter limitado que tem ohomem de controlar as inundaes e sua ao sempre de minimizar seusimpactos apresenta um prefcio com uma seqncia histrica reproduzida aseguir:

    Terra de Canaan, 2957 a C, numa grande inundao, provavelmente centradacerca do UR no Eufrates, No e sua famlia se salvaram. Um dilvio resul-tante de 40 dias e 40 noites de continua precipitao ocorreu na regio.Terras ficaram inundadas por 150 dias. Todas as criaturas vivas afogaramcom exceo de No, sua famlia e animais, dois a dois, foram salvos numaarca e finalmente descansaram no Monte Ararat (passagem da bblia sobreo Dilvio, citada no referido prefcio). Este texto caracteriza um evento derisco muito baixo de ocorrncia.

    Egito XXIII, Dinastia, 747 a C. Enchentes sucedem secas. Fara anunciouque todo o vale do rio Nilo foi inundado, templos esto cheios de gua e ohomem parece planta dgua. Aparentemente os polders no so suficiente-mente altos ou fortes para confinar as cheias na seo normal. A presentecatstrofe descreve bem os caprichos da natureza, outro fara reclamou quepor sete anos o Nilo no subiu. Este texto que tambm pode ser encon-trado relatos na Bblia tambm enfatiza a incapacidade de prever o clima eseus impactos quando ocorrem.

    Em algum lugar nos Estados Unidos no futuro (o autor mencionava ano2000, muito distante na poca). A natureza toma seu inexorvel preo. Cheiade 1000 anos causou indestrutvel dano e perdas de vida. Engenheiros eMeteorologistas acreditam que a presente tormenta resultou da combinaode condies meteorolgicas e hidrolgicas que ocorreriam uma vez em milanos. Reservatrios, diques e outras obras de controle que provaram efeti-vas por um sculo e so efetivas para sua capacidade de projeto so incapa-zes de controlar os grandes volumes de gua envolvidos. Esta catstrofe trazuma lio que a proteo contra inundaes relativa e eventualmente a natureza cobraum preo daqueles que ocupam a vrzea de inundao.

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    Outro exemplo histrico citado por Hoyt e Langbein (1959) foi sobreo rio P na Itlia. Freeman em 1930 menciona no existe nenhum projetomais ambicioso, corajoso e cuidadosamente planejado de regularizao derio em qualquer lugar do mundo do que o do rio P. Em Novembro de1951, excesso de precipitao e altas mars destruram diques, causando amorte de 100 pessoas, 30.000 vacas e prejuzos de um tero do PIB da Itliada poca.

    No rio Itaja em Santa Catarina no Brasil existe uma srie de nveis deinundaes desde 1852. Deste histrico pode-se observar que as trs maio-res inundaes em Blumenau ocorreram entre 1852 e 1911, sendo a maiorem 1880 com 17,10 m. Entre 1911 e 1982 no ocorreu nenhuma inundaocom cota superior a 12,90 m, o que fez com que a populao perdesse amemria dos eventos crticos e ocupasse o vale de inundao. Em 1983,quando a cidade se encontrava bem desenvolvida com populao de cercade 500 mil habitantes ocorreu uma inundao (a quinta em magnitude dosltimos 150 anos) com cota mxima de 15,34 m. Os prejuzos resultantesem todo o vale do Itaja representou cerca de 8% do PIB de Santa Catarina.A lio tirada deste exemplo que a memria sobre as inundaes se dissipacom passar do tempo e a populao deixa de considerar o risco. Como noh planejamento do espao de risco, a ocupao ocorre e os prejuzos sosignificativos. No entanto, a Cia Hering em Blumenau (fundada em 1880,ano da maior inundao) manteve na memria o valor de 17,10m e desen-volveu suas instalaes em cota superior a esta. Sem planejamento os relatoshistricos so as nicas informaes disponveis para orientar as pessoas.

    Fica claro a necessidade do planejamento institucional do espao derisco. Em Porto Alegre, RS existem nveis de inundao desde 1899, quandose observou vrios eventos at 1967. Em 1970 foi construdo um dique deproteo para a cidade e desde 1967 no ocorre nenhuma inundao. Nosltimos anos houve um movimento na cidade para a retirada do dique deinundao, considerando que no tinham ocorrido eventos nos ltimos 35anos. Esta falta de conhecimento levou a Cmara de Vereadores a aprovar aderrubada do dique, que felizmente no foi executada pelo municpio.

    O ambiente institucional de controle de inundaes no leva a umasoluo sustentvel. Existem, apenas, poucas aes isoladas de alguns pou-cos profissionais. Em geral, o atendimento a enchente somente realizadodepois de sua ocorrncia. A tendncia que o problema fique no esqueci-mento aps cada ocorrncia, retornando na seguinte. Isso se deve a vriosfatores, entre os quais esto os seguintes:

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  • Inundaes e Drenagem Urbana

    falta de conhecimento sobre controle de enchentes por parte dosplanejadores urbanos;desorganizao, a nveis federal e estadual, sobre gerenciamento deenchentes;pouca informao tcnica sobre o assunto a nvel de graduao naEngenharia; o desgaste poltico para o administrador pblico, resultante do con-trole no-estrutural (zoneamento), j que a populao est sempreesperando uma obra hidrulica;falta de educao da populao sobre controle de enchentes;no existe interesse na preveno em alguns pases considerandoque quando a mesma ocorre declarada calamidade pblica peloEstado e o municpio pode receber recursos a fundo perdido. Parao gasto destes valores no necessrio concorrncia pblica.

    Observa-se que os elementos histricos descritos se referem as cen-rios de inundaes ribeirinhas. Poucos exemplos histricos (antes dos anos 60)so encontrados para cenrios de inundaes produzidos pela drenagemurbana ou devido a urbanizao. Estes cenrios so recentes em funo dasobras de canalizao produzida pelo tipo de desenvolvimento urbano ocor-rido depois dos anos 60 na maioria dos pases desenvolvidos. Estes mesmospases identificaram j nos anos 70 que este tipo de poltica era economica-mente insustentvel, alterando a forma de gerenciar a drenagem urbana paracontrole no-estrutural e medidas de controle de volume atravs de deten-es urbanas.

    Nos pases em desenvolvimento isto no ocorreu e at hoje os inves-timentos so realizados de forma insustentvel devido principalmente aosseguintes fatores:

    Falta de conhecimento tcnico atualizado dos decisores e engenhei-ros. Observa-se que grande parte dos profissionais que atuam emdrenagem urbana so provenientes da rea de gua e saneamentoque no possuem um conhecimento dos impactos da drenagemurbana na bacia hidrogrfica. Geralmente possuem conhecimentotradicional sobre a microdrenagem, que insustentvel;

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    Falta de interesse em solues mais econmicas, como as citadasacima, por parte dos empreiteiros devido aos ganhos econmicos;As entidades de financiamento nacional e internacional nem sem-pre esto atualizadas.

    3.3 Conceitos bsicos sobre inundaes

    3.3.1 Sistema de drenagem

    Os sistemas de drenagem so definidos na fonte, microdrenagem emacrodrenagem. A drenagem na fonte definida pelo escoamento que ocorreno lote, condomnio ou empreendimento individualizado, estacionamentos,parques e passeios.

    A microdrenagem definida pelo sistema de condutos pluviais ou canaisa nvel de loteamento ou de rede primria urbana. Este tipo de sistema dedrenagem projetado para atender drenagem de precipitaes com riscomoderado.

    A macrodrenagem envolve os sistemas coletores de diferentes sistemasde microdrenagem. A macrodrenagem envolve reas de pelo menos 2 km2

    ou 200 ha. Estes valores no devem ser tomados como absolutos porque amalha urbana pode possuir as mais diferentes configuraes. Este tipo desistema deve ser projetado para acomodar precipitaes superiores as damicrodrenagem com riscos de acordo com os prejuzos humanos e materi-ais potenciais.

    Um dos pontos que tm caracterizado este tipo de definio tem sidoa metodologia de estimativa, j que o Mtodo Racional utilizado para esti-mativa de vazes na microdrenagem e os modelos hidrolgicos que deter-minam o hidrograma do escoamento so utilizados na macrodrenagem. Assimplificaes aceitas para o dimensionamento no mtodo Racional podemser utilizadas para bacias da ordem de 2km2, que representa a restriodefinida acima.

    3.3.2 Escoamento e condies de projeto

    O escoamento num rio depende de vrios fatores que podem ser agre-gados em dois conjuntos:

    Controles de jusante: Os controle de jusante so condicionantes na redede drenagem que modificam o escoamento a montante. Os controles de

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    jusante podem ser estrangulamentos do rio devido a pontes, aterros, mu-dana de seo, reservatrios, oceano. Esses controles reduzem a vazo deum rio independentemente da capacidade local de escoamento;

    Controles locais: definem a capacidade de cada seo do rio de transportaruma quantidade de gua. A capacidade local de escoamento depende darea da seo, da largura, do permetro e da rugosidade das paredes. Quantomaior a capacidade de escoamento, menor o nvel de gua.

    Para exemplificar este processo, pode-se usar uma analogia com otrfego de uma avenida. A capacidade de trfego de automveis de umaavenida, numa determinada velocidade, depende da sua largura e nmero defaixas. Quando o nmero de automveis superior a sua capacidade o trfe-go torna-se lento e ocorre congestionamento. Num rio, medida que chegaum volume de gua superior a sua vazo normal, o nvel sobe e inunda asreas ribeirinhas. Portanto, o sistema est limitado nesse caso capacidadelocal de transporte de gua (ou de automveis).

    Considere, por exemplo o caso de uma avenida que tem uma larguracom duas faixas num sentido, mas existe um trecho que as duas faixas setransformam em apenas uma. Existe um trecho de transio, antes de che-gar na mudana de faixa que reduz a velocidade de todos os carros, criandoum congestionamento, no pela capacidade da avenida naquele ponto, maspelo que ocorre no trecho posterior. Neste caso, a capacidade est limitadapela reduo de faixas (que ocorre a jusante) e no pela capacidade local daavenida. Da mesma forma, num rio, se existe uma ponte, aterro ou outraobstruo, a vazo de montante reduzida pelo represamento de jusante eno pela sua capacidade local. Com a reduo da vazo, ocorre aumento dosnveis. Esse efeito muitas vezes denominado de remanso.

    O trecho de transio, que sofre efeito de jusante depende de fatoresque variam com o nvel, declividade do escoamento e capacidade do escoa-mento ao longo de todo o trecho.

    O escoamento pode ser considerado em regime permanente ou no-permanente. O escoamento permanente utilizado para projeto, geralmen-te com as vazes mximas previstas para um determinado sistema hidruli-co. O regime no-permanente, permite conhecer os nveis e vazes ao longodo rio e no tempo, representando a situao real. Geralmente uma obrahidrulica que depende apenas da vazo mxima dimensionada para con-dies de regime permanente e verificada em regime no- permanente.

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    3.3.3 Risco e incerteza

    O risco de uma vazo ou precipitao entendido neste texto como aprobabilidade (p) de ocorrncia de um valor igual ou superior num ano qual-quer. O tempo de retorno (T) o inverso da probabilidade p e representa otempo, em mdia, que este evento tem chance de se repetir.

    (3.1)

    Para exemplificar, considere um dado, que tem seis faces (nmeros 1 a6). Numa jogada qualquer a probabilidade de sair o nmero 4 p=1/6 (1chance em seis possibilidades). O tempo de retorno , em mdia, o nmerode jogadas que o nmero desejado se repete. Nesse caso, usando a equao3.1 acima fica T = 1/(1/6)=6. Portanto, em mdia, o nmero 4 se repetea cada seis jogadas. Sabe-se que esse nmero no ocorre exatamente a cadaseis jogadas, mas se jogarmos milhares de vezes e tirarmos a mdia, certa-mente isso ocorrer. Sendo assim, o nmero 4 pode ocorrer duas vezesseguidas e passar muitas sem ocorrer, mas na mdia se repetir em seis joga-das. Fazendo uma analogia, cada jogada do dado um ano para as enchentes.O tempo de retorno de 10 anos significa que, em mdia, a cheia pode serepetir a cada 10 anos ou em cada ano esta enchente tem 10% de chance deocorrer.

    O risco ou a probabilidade de ocorrncia de uma precipitao ou va-zo igual ou superior num determinado perodo de n anos

    (3.2)

    Por exemplo, qual a chance da cheia de 10 anos ocorrer nos prximos5 anos? ou seja deseja-se conhecer qual a probabilidade de ocorrncia paraum perodo e no apenas para um ano qualquer. Neste caso,

    Pn = 1-(1-1/10)5=0,41 ou 41%

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    1pT =

    Pn = 1-(1-p)n

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    A probabilidade ou o tempo de retorno calculado com base na sriehistrica observada no local. Para o clculo da probabilidade, as sries de-vem ser representativas e homogneas no tempo. Quando a srie repre-sentativa, os dados existentes permitem calcular corretamente a probabili-dade. Por exemplo, o perodo de cheia entre 1970 e 1998 no Guaba emPorto Alegre no muito representativo, porque ocorreram apenas enchen-tes pequenas e fora desse perodo, ocorreram algumas maiores.

    A srie homognea, quando as alteraes na bacia hidrogrfica noproduzem mudanas significativas no comportamento da mesma e, em con-seqncia, nas estatsticas das vazes do rio.

    Em projeto de reas urbanas, como ocorre alteraes na bacia, o riscoutilizado se refere a ocorrncia de um determinada precipitao, que admite-se no serinfluenciada pela urbanizao. A combinao da ocorrncia na precipitao,sua distribuio temporal, condies antecedentes, etc fazem com que orisco da precipitao no seja o mesmo do risco da vazo resultante.

    O risco adotado para um projeto define a relao entre os investimen-tos envolvidos para reduzir a freqncia das inundaes e os prejuzos acei-tos. Ao se adotar um risco de 10% anualmente, ou tempo de retorno de 10anos. Aceita-se que em mdia podero ocorrer eventos uma vez a cada 10anos que produziro prejuzos. A anlise adequada envolve um estudo deavaliao econmica e social dos impactos das enchentes para a definiodos riscos. No entanto, esta prtica invivel devido o custo do prprioestudo para pequenas reas. Desta forma, os riscos usualmente adotadosso apresentados na tabela 3.1.

    O projetista deve procurar analisar adicionalmente o seguinte:

    Escolher o limite superior do intervalo da tabela quando envolve-rem grandes riscos de interrupo de trfego, prejuzos materiais,potencial interferncia em obras de infra-estrutura como subestaeseltricas, abastecimento de gua, armazenamento de produtos da-nosos quando misturado com gua e hospitais;Quando existir risco de vida humana deve-se buscar definir um pro-grama de defesa civil e alerta e utilizar o limite de 100 anos para oprojeto;Avaliar qual ser o impacto para eventos superiores ao de projeto e,planejar um sistema de alerta e minimizao de prejuzos.

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  • Carlos E. M. Tucci

    A incerteza a diferena entre as estatsticas da amostra e da populaode um conjunto de dados. As incertezas esto presentes nos erros de coletade dados, na definio de parmetros, na caracterizao de um sistema, nassimplificaes dos modelos e no processamento destas informaes paradefinio do projeto de drenagem.

    Tabela 3.1 Tempo de retorno para sistemas urbanos

    3.4 Inundaes ribeirinhas

    3.4.1 Caractersticas e impactos

    As inundaes podem ocorrer devido as condies naturais ou gera-das por uso do solo como urbanizao ou obras hidrulicas. Neste captulosero abordadas as inundaes naturais e as relacionadas com a existnciade barragens para controle ou para outros usos dos Recursos Hdricos.

    Quando a precipitao intensa e a quantidade de gua que chegasimultaneamente ao rio superior sua capacidade de drenagem, ou seja ada sua calha normal, resultam inundao nas reas ribeirinhas. Os proble-mas resultantes da inundao dependem do grau de ocupao da vrzeapela populao e da freqncia com a qual ocorrem as inundaes.

    A populao de maior poder aquisitivo tende a habitar os locais segu-ros ao contrrio da populao carente que ocupa as reas de alto risco deinundao, provocando problemas sociais que se repetem por ocasio decada cheia na regio. Quando a freqncia das inundaes baixa, a popula-o ganha confiana e despreza o risco, aumentando significativamente o

    * limite da rea de regulamentao

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  • Inundaes e Drenagem Urbana

    investimento e a densificao nas reas inundveis. Nesta situao as en-chente assume caractersticas catastrficas.

    As reas hoje desocupadas devido a inundaes sofrem considervelpresso para serem ocupadas. A ocupao das reas urbanas imprprias podeser evitada atravs do planejamento do uso dos solos das vrzeas, o qualdeve ser regulado no Plano Diretor Urbano das cidades.

    As condies meteorolgica e hidrolgica propiciam a ocorrncia deinundao. O conhecimento do comportamento meteorolgico de longoprazo muito pequeno devido ao grande nmero de fatores envolvidos nosfenmenos meteorolgicos e interdependncia dos processos fsicos a quea atmosfera terrestre est sujeita. As condies hidrolgicas que produzem ainundao podem ser naturais ou artificiais. As condies naturais so aque-las cuja ocorrncia propiciada pela bacia em seu estado natural. Algumasdessas condies so: relevo, tipo de precipitao, cobertura vegetal, capaci-dade de drenagem.

    Os rios normalmente drenam nas suas cabeceiras, reas com grandedeclividade produzindo escoamento de alta velocidade. A variao de nveldurante a enchente pode ser de vrios metros em poucas horas. Quando orelevo acidentado as reas mais propcias ocupao so as planas e maisbaixas, justamente aquelas que apresentam alto risco de inundao. A vrzeade inundao de um rio cresce significativamente nos seus cursos mdio ebaixo, onde a declividade se reduz e aumenta a incidncia de reas planas.

    As precipitaes mais intensas atingem reas localizadas e so emgeral dos tipos convectivo e orogrfico. Essas formas de precipitao atu-am, em geral, sobre pequenas reas. A precipitao ocorrida em Porto Ale-gre, em 13 de fevereiro de 1981, com cerca de 100 mm em 1 hora em todaa bacia do arroio Dilvio um exemplo. As precipitaes frontais atuamsobre grandes reas provocando as maiores inundaes dos grandes rios.

    A cobertura vegetal tem como efeito a interceptao de parte da pre-cipitao que pode gerar escoamento e a proteo do solo contra a eroso.A perda desta cobertura para uso agrcola tem produzido como conseqn-cia o aumento da freqncia de inundaes devido falta de interceptaoda precipitao e ao assoreamento dos rios.

    As condies artificiais da bacia so provocadas pela ao do homem.Alguns exemplos so: obras hidrulicas, urbanizao (item seguinte),desmatamento, reflorestamento e uso agrcola. A bacia rural possui maiorinterceptao vegetal, maiores reas permeveis (infiltrao do solo), menorescoamento na superfcie do solo e drenagem mais lenta.

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    As principais inundaes na Amrica do Sul ocorrem nas margensdos grandes rios da Amrica do Sul, como a dos rios da Prata/ Paran,Amazonas, So Francisco e Tocantins. Na figura 3.1 possvel observar abacia do rio da Prata com os principais trechos de inundao e as barragensexistentes (hidreltricas). Na bacia do rio Paraguai e no trecho inferior dorio Paran as inundaes so decorrncia de prolongados perodos chuvo-sos que atingem grandes reas e produzem nveis enchentes durante vriosmeses. No trecho que envolve a Argentina as reas so planas e ficam nor-malmente inundadas por vrios meses. Na parte superior do rio Paran e norio Uruguai as inundaes so rpidas, com durao de apenas alguns dias.

    O cenrio comum de impacto na Amrica do Sul decorrncia daocupao da vrzea de inundao pela populao durante uma seqncia deanos de nveis anuais mximos pequenos. As reas planas so propcias aoassentamento. Quando retornam os anos com maiores inundaes os preju-zos so significativos e a populao exige dos governos uma ao no senti-do de construir obras de controle como barragens, entre outros. Exemplosdeste cenrio so apresentados a seguir:

    Na figura 3.2 pode-se observar os nveis de enchentes no rio Iguauem Unio da Vitria. Entre 1959 e 1982 ocorreu apenas uma inun-dao com risco superior a 5 anos. Este perodo foi justamente o demaior crescimento econmico e expanso das cidades brasileiras.As enchentes aps 1982 produziram prejuzos significativos na co-munidade (tabela 3.2);No rio Itaja existem registros iniciando em 1852, com todas os n-veis acima no leito menor do rio. Na figura 3.3 pode-se observartambm a variabilidade destes nveis e observar que entre 1911 e1983 no ocorreram nveis acima de 13,04 m (risco de aproximada-mente 15 anos), enquanto antes e depois deste perodo verificou-sevrios nveis que chegaram at 17,10 m. Tanto neste caso como noanterior as sries contnuas de registros que iniciaram em 1930 apre-sentaram tendenciosidade de amostra para avaliao do risco. Nestecaso, tambm os prejuzos foram significativos na bacia do rio Itajaem 1983 (risco de cerca de 30 anos), os mesmos representaram 8%do PIB do Estado de Santa Catarina da poca;No alto rio Paraguai existe uma das maiores banhados do mundo,denominado Pantanal. Nesta regio sempre houve uma convivnciapacfica entre o meio ambiente e a populao. Na figura 3.4 pode-se

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  • Inundaes e Drenagem Urbana

    observar os nveis mximos de enchentes em Ladrio desde o inciodo sculo. Na tabela 3.3 so apresentados valores do nvel mximomdio de inundao e das reas inundadas do Pantanal em trs per-odos distintos. Pode-se observar a grande diferena da dcada de 60com relao as demais. Neste perodo houve ocupao dos vales deinundao por perodos longos e no apenas sazonalmente. A po-pulao foi desalojada nas dcadas seguintes em funo do aumen-to da freqncia dos nveis de inundao. A perda econmica dovalor das propriedades e falta de sustentao econmica foi a conse-qncia imediata. Esta populao passou a viver na periferia dascidades da regio em estado de pobreza.

    Figura 3.1 Caractersticas da bacia do Prata

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    Tabela 3.2 Perdas por inundaes em Unio da Vitria e Porto Unio (JICA, 1995)

    Figura 3.2 Nveis mximos de enchentes no rio Iguau em Unio da Vitria(bacia de cerca de 25.000 km2), (Tucci e Villanueva, 1997)

    Tabela 3.3 Valores estimados de nveis e reas inundadas no Pantanal (valores aproximados)

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  • Inundaes e Drenagem Urbana

    Figura 3.3 Nveis de inundaes em Blumenau, S. Catarina, Brasil

    Figura 3.4 Nveis mximos anuais em Ladario no Rio Paraguai e a mdia dosperodos: (a) 1900-1961; (b)1961-1973; (c)1973-1991

    3.4.2 Avaliao das inundaes

    A variao do nvel ou de vazo de um rio depende das caractersticasclimatolgicas e fsicas da bacia hidrogrfica. As distribuies temporal eespacial da precipitao so as principais condies climatolgicas. As mes-

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    mas somente podem ser previstas deterministicamente com antecednciade poucos dias ou horas, o que no permite a previso dos nveis de en-chente com antecipao muito grande. O tempo mximo possvel de previ-so da cheia, a partir da ocorrncia da precipitao, limitado pelo tempomdio de deslocamento da gua na bacia at a seo de interesse.

    A previso dos nveis num rio pode ser realizada a curto ou a longoprazo. A previso de cheia a curto prazo ou em tempo atual, tambm cha-mada de tempo-real, permite estabelecer o nvel e seu tempo de ocorrnciapara a seo de um rio com antecedncia que depende da previso da preci-pitao e dos deslocamentos da cheia na bacia. Este tipo de previso utilizada para alertar a populao ribeirinha e operadores de obras hidruli-cas. A previso de cheia a longo prazo realizada com at nove meses deantecedncia.

    A predio quantifica as chances de ocorrncia da inundao em ter-mos estatsticos, sem precisar quando ocorrer a cheia. A predio se baseiana estatstica de ocorrncia de nveis no passado e permite estabelecer osnveis de enchente para alguns riscos escolhidos.

    Previso de cheia de curto prazo

    Para efetuar a previso de cheia a curto prazo so necessrios: siste-mas de coleta e transmisso de dados e metodologia de estimativa. Os siste-mas so utilizados para transmitir os dados de precipitao, nvel e vazo,durante a ocorrncia do evento. O processo de estimativa realizado atra-vs do uso de modelos matemticos que representam o comportamentodas diferentes fases do ciclo hidrolgico. Complementarmente necessrioum Plano de Defesa Civil, quando a enchente atinge uma rea habitada, ouno caso de operao de reservatrio um sistema de emergncia e operao.

    A previso de nveis de enchentes pode ser realizada com base em(figura 3.5): (a) previso da vazo conhecida a precipitao; (b) vazo demontante; (c) combinao dos dois ltimos.

    No primeiro caso necessrio estimar a precipitao que cair sobre abacia atravs do uso de equipamento como radar ou de sensoriamentoremoto. A seguir, conhecida a precipitao sobre a bacia, possvel estimara vazo e o nvel atravs de modelo matemtico que simule a transformaode precipitao em vazo.

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    Figura 3.5 Alternativas de previso de vazo em tempo real

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  • Carlos E. M. Tucci

    A previso, quando conhecida a precipitao na bacia, realizadacom base numa rede telemtrica de coleta e transmisso de dados (no casoanterior esta rede no dispensvel) e o referido modelo matemtico detransformao de precipitao em vazo. A antecedncia de previso menorneste caso e est limitada ao tempo mdio de deslocamento da enchente(figura 3.5a). A previso a curto prazo, com base em posto montante daseo de interesse, depende das caractersticas do rio, ou seja da rea contro-lada da bacia. Neste caso, o tempo de antecedncia menor que os anteri-ores (figura 3.5b). Quando a bacia intermediria, da situao anterior, apre-sentar uma contribuio significativa, a combinao dos dois processos an-teriores utilizada na previso em tempo atual (figura 3.5c). A apresentaodos modelos de previso em tempo atual foge ao escopo deste livro e podeser encontrado na literatura especializada (Tucci, 1998).

    Predio

    As estimativas de inundao de um determinado local pode ser reali-zada com base em : (a) srie observada de vazes; (b) regionalizao devazes; (c) com base na precipitao e uso de modelo precipitao - vazo.Estas metodologias estimam o risco de inundao no local com base noshistricos ocorridos e consideram que as sries histricas de vazes so:

    Homogneas ou estacionrias, ou seja as suas estatsticas no se alte-ram com o tempo;As sries registradas de nveis de inundao so representativas daocorrncia no local;Os valores so independentes entre si.

    Os dois primeiros itens apresentam a maior quantidade de incertezase a utilizao de marcas de inundaes essencial para um ajuste confivelda curva de probabilidade de vazes nos locais de interesse. As metodologiaspara determinao da curva de probabilidade so descritas nos livros dehidrologia (Tucci, 1993).

    Na figura 3.6 apresentado o ajuste as vazes em Apuna no rio Itaja- Au para a srie contnua de 1935-1984 e com marcas de inundaes de1852 -1984. Pode-se observar que o ajuste com a srie contnua, sem asmarcas de inundao tendencioso para tempo de retorno superior a 20anos.

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    3.4.3 Medidas de controle

    As medidas para o controle da inundaco podem ser do tipo estrutu-ral e no-estrutural. As medidas estruturais so aquelas que modificam osistema fluvial evitando os prejuzos decorrentes das enchentes, enquantoque as medidas no-estruturais so aquelas em que os prejuzos so reduzidospela melhor convivncia da populao com as enchentes. ingenuidadedo homem imaginar que poder controlar totalmente as inundaes; asmedidas sempre visam minimizar as suas conseqncias.

    O controle da inundao obtido por um conjunto de medidas estru-turais e no-estruturais, permitindo populao ribeirinha minimizar suasperdas e manter uma convivncia harmnica com o rio. As aes incluemmedidas de engenharia e de cunho social, econmico e administrativo. Apesquisa para a combinao tima dessas aes constitui o planejamento daproteo contra a inundao ou seus efeitos.

    Em 1936, nos Estados Unidos, foi aprovada uma lei em nvel federal,sobre controle de enchentes, que identificava a natureza pblica dos pro-

    Figura 3.6 Ajuste curva de probabilidade pelo mtodo Log-Pearson III para asries de vazes continuas e com marcas de inundaes em Apiuna no rio Itaja-

    Au (Tucci, 1993)

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    gramas de reduo de enchentes e caracterizava a implantao de medidasfsicas ou estruturais como um meio de reduzir estes danos. Desta forma,no era necessrio verificar as relaes de custo/benefcio para justificar aproteo das reas sujeitas a inundaes. Com isso, acelerou-se o desenvol-vimento e ocupao das vrzeas, o que resultou em aumento dos danosocasionados pelas enchentes. As perdas mdias anuais, devido s enchentes,aumentaram e a disponibilidade dos fundos pblicos foi insuficiente paraatender esta tendncia. Em 1966, o governo reconheceu que as medidasanteriores no eram adequadas e deu nfase a medidas no-estruturais, quepermitiriam populao conviver com a cheia. O comit criado pelaAmerican Society of Civil Engineers sobre controle de enchentes, relatou,em 1962, o seguinte (Task, 1962): As limitaes da presente (em 1962)Poltica Nacional de Controle de Enchentes, a qual baseada principalmen-te na construo de obras de controle de inundao, so reconhecidas nesterelatrio, o qual enfatiza a necessidade para a regulamentao das vrzeas deinundao como uma parte essencial de um plano racional de reduo dasperdas das cheias.

    Em 1973, foi aprovada uma lei sobre proteo contra desastres deenchentes, dando nfase a medidas no-estruturais, encorajando e exigindoo seguro para enchentes e regulamentao do uso da terra e proteo dasnovas construes para enchentes de 100 anos tempo de retorno. Em 1974foram aprovados, dentro da Legislao de Desenvolvimento de RecursosHdricos, artigos especficos sobre enchentes que previam medidas no-es-truturais e a distribuio de custos, como no artigo 73 da Lei de 1974: Empesquisa, planejamento ou projeto de qualquer Agncia Federal, ou de qual-quer projeto envolvendo a proteo contra inundaes, deve ser dada prio-ridade s alternativas no-estruturais para reduo de prejuzos de inunda-o, incluindo, mas no limitando s construes prova de enchentes, re-gulamentao das reas de inundao; utilizao das reas de inundao parausos recreacionais, pesca, vida animal e outras finalidades pblicas e relocaocom vistas a formulao da soluo economicamente, socialmente e de meioambiente mais aceitvel para reduo dos danos de enchentes.

    Medidas estruturais

    As medidas estruturais so obras de engenharia implementadas parareduzir o risco de enchentes. Essas medidas podem ser extensivas ou inten-sivas. As medidas extensivas so aquelas que agem na bacia, procurando

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    modificar as relaes entre precipitao e vazo, como a alterao da cober-tura vegetal do solo, que reduz e retarda os picos de enchente e controla aeroso da bacia. As medidas intensivas so aquelas que agem no rio epodem ser de trs tipos (Simons et al., 1977): a) aceleram o escoamento:construo de diques e polders, aumento da capacidade de descarga dos riose corte de meandros; b) retardam o escoamento: Reservatrios e as baciasde amortecimento; c) desvio do escoamento, so obras como canais de des-vios.

    Na tabela 3.4 so resumidas as principais caractersticas das medidasestruturais. Algumas dessas medidas so descritas a seguir:

    Controle da cobertura vegetal: A cobertura vegetal interfere no processoprecipitao-vazo, reduzindo as vazes mximas, devido ao amortecimen-to do escoamento. Alm disso, reduz a eroso do solo que pode aumentar,gradualmente, o nvel dos rios e agravar as inundaes. O reflorestamentode bacias envolve um custo significativo, o que torna esta medidafreqentemente invivel;

    Controle da eroso do solo: o aumento da eroso implica a reduo darea de escoamento dos rios e conseqente aumento de nveis. O controleda eroso do solo pode ser realizado pelo reflorestamento, pequenos reser-vatrios, estabilizao das margens e prticas agrcolas corretas;

    Reservatrios: O reservatrio retm parte do volume da enchente, redu-zindo a vazo natural, procurando manter no rio uma vazo inferior quelaque provocava estravasamento do leito. O volume retido no perodo devazes altas escoado aps a reduo da vazo natural. O reservatriopode ser utilizado quando existe relevo conveniente a montante da reaatingida, mas exige altos custos de construo e desapropriaes.

    As barragens existentes na Amrica do Sul geralmente foram projetadaspara uma das seguintes finalidades: produo de energia, abastecimento degua, irrigao e navegao. So raros os empreendimento voltados apenaspara o controle de enchentes na regio.

    A bacia do rio Itaja-Au em Santa Catarina no Brasil um exemplode bacia de mdio porte (cerca de 12.000 km2) onde existem trs barragensconstrudas com o nico objetivo de controle de enchentes.

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    Tabela 3.4.Medidas estruturais (Simons et al. 1977)

    A construo de barragens de mdio e grande porte na Amrica doSul esteve sempre associada a produo de energia eltrica. Os aproveita-mento hidreltricos geralmente possuem volume significativo e esto locali-zados a jusante de bacias de grande porte ( > 2.000 km2).

    Como a energia de um empreendimento depende da vazo e da que-da de gua, quanto maior for a vazo regularizada pelo reservatrio e a que-da gerada pela barragem, maior ser a energia gerada. Desta forma, o volu-me e a bacia devem possuir caractersticas que viabilizem economicamenteo empreendimento.

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    As pequenas barragens geralmente tem sido construdas para irriga-o ou abastecimento de gua, mas so de pequeno volume e, em baciascom rea inferior a 1.000 km2. Estas barragens dificilmente podem interferirde forma eficiente no controle de enchentes. As barragens de navegaoapenas mantm o nvel de gua e possuem tambm um volume insignifican-te para controle de enchentes.

    Potenciais impactos: As barragens projetadas devem considerar os im-pactos que podem produzir para jusante e a montante do empreendimento.

    Jusante: Geralmente a jusante de uma barragem existem reas sujeitas a inun-dao. Com a construo da barragem a tendncia de que o reservatrioproduza amortecimento das enchentes nestas reas ribeirinhas, se no hou-ver problemas operacionais da barragem. No entanto, se a rea a jusante noestiver ocupada, acaba sendo habitada pela proximidade do empreendimen-to e passa ento estar sujeita as enchentes. Se o empreendimento no amor-tecer as enchentes, a tendncia que seja cobrado a reduzir os impactos ajusante pela sociedade. Desta forma, a restrio de jusante passa a ser avazo mxima Ql partir do qual o rio inunda a sua margem. Nos perodosde enchentes existiro eventos em que a barragem no ter condies deamortecer a vazo e ocorrer inundaes. A percepo pblica desta situa-o, geralmente de culpar a barragem pelo ocorrido, portanto necessrioque o empreendimento tenha um eficiente sistema operacional e observa-o confivel dos dados hidrolgicos necessrios a demonstrao das con-dies operacional para a defesa de suas aes.

    Montante: A construo de um reservatrio pode produzir os seguintes im-pactos para montante:

    de acordo com a vazo afluente, a regra operacional e a capacidadede escoamento, a linha de gua de remanso pode inundar ou pro-vocar represamentos para montante;as condies do item anterior podem ser alterar com o tempo de-vido ao assoreamento do reservatrio, que ocorre inicialmente noseu trecho mais a montante. Devido a isto os nveis de inundaoanteriormente projetados podem aumentar, atingindo reas forado limite desapropriado.

    (a)

    (b)

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  • Carlos E. M. Tucci

    Barragem para controle de inundao : O reservatrio de controle deenchentes funciona retendo o volume do hidrograma durante as enchentes,reduzindo o pico e o impacto a jusante do barramento. Na figura 3.7 obser-va-se o hidrograma natural de um rio. Considerando um volume V dohidrograma capaz de ser retido por um reservatrio, pode-se observar areduo da vazo mxima e o hidrograma resultante.

    Um reservatrio sem controle de operao aquele que no dispede comportas de vertedor ou de fundo e a cheia regulada pelas condiesdo vertedor livre. Quando existem comportas possvel utilizar com maiseficincia o volume disponvel para controle da enchente. No perodo chu-voso os primeiros hidrogramas tendem a ser de menor porte at que asperdas sejam atendidas e o solo saturado. Estes hidrogramas podem ocuparo volume disponvel no reservatrio, resultando pouco espao para reduziro pico das cheias maiores subseqentes (figura 3.8a).

    A regra operacional pode ser a seguinte: (a) o reservatrio deve pro-curar operar de tal forma a escoar a vazo natural at que a jusante sejamatingidas as cotas limites (Qcrit); (b) a partir deste momento utilize o volu-me do reservatrio para manter ou reduzir a vazo (figura 3.8b). Estas con-dies operacionais dependem do projeto do reservatrio e de seus rgosextravasores.

    Figura 3.7 Efeito do Reservatrio

    Para a busca das melhores condies de projeto e operao necess-rio simular o escoamento no reservatrio, identificando qual a operaomais eficiente.

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    (a) sem controle (b) com controle

    Figura 3.8 Operao do reservatrio

    Um exemplo de sistema de barragens para o controle de enchentesso os da bacia do rio Itaja-Au em Santa Catarina, Brasil (figura 3.9). Abarragem Oeste localizada no rio Itaja-Oeste a montante da cidade de Tai(concluda em 1973) Barragem Sul no Itaja do Sul (concluda em 1975) amontante da cidade de Ituporanga; a barragem de Ibirama no rio Rio Herclio(concluda no final dos anos 80). Esta ltima no existia durante as enchen-tes de 1983 e 1984. O projeto destas barragens utiliza descarregadores defundo com capacidade que tende a reter muito volume dentro dos reserva-trios, utilizando um tempo muito longo para esvaziamento. A contribui-o das duas primeiras barragens para controle da inundao de 1983 foiinsignificante devido ao grande volume de precipitao que ocorreu duran-te 7 dias. No caso da inundao de 1984, que teve uma durao de apenas 2dias, a contribuio foi maior. Examinando as sries de vazes mximasantes e depois da construo das barragens observou-se um resultado ines-perado que foi o aumento da mdia e desvio padro das enchentes para umadas sees a jusante de uma das barragens. No entanto, o resultado desteaumento foi devido tambm aumento de precipitaes na bacia justamenteentre os dois perodos. Na tabela 3.5 so apresentadas algumas estatsticasdesta comparao. A barragem Oeste que no produziu aumento se mos-trou mais eficiente na conteno das inundaes, enquanto que a barragemSul aparentemente no possui volume e projeto adequado para reduo sig-nificativa das inundaes.

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    Figura 3.9 Bacia do rio Itaja e barragens de controle de cheias

    Tabela 3.5 Estatsticas antes e depois da construo da barragem no rio Itaja

    (1) precipitao do ms no qual ocorre a cheia mxima anual

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    Barragens com uso mltiplo : Quando existe uma barragem projetadapara abastecimento de gua, irrigao ou energia eltrica, geralmente o obje-tivo manter o volume do reservatrio o mais alto possvel. Nestas condi-es a capacidade de amortecer as inundaes mnima Existe um conflitonatural entre estes usos.

    A metodologia geralmente utilizada para atender aos objetivosconflitantes se baseia na reserva de um volume de espera no reservatrioque minimize os impactos da inundao a montante e a jusante da barragem(figura 3.10). Este volume mantido livre para receber os volumes de inun-dao e reduzir a vazo para jusante, procurando atender as restries demontante e jusante.

    Existem vrias metodologias para estimativa deste volume com basenas estatsticas das sries histricas de vazo da barragem. Os mtodos uti-lizados no setor eltrico brasileiro tem sido o Mtodo da Curva Volume xdurao (adaptaes da metodologia apresentada por Beard, 1963) ou omtodo das trajetrias crticas (Kelman et al, 1983). O primeiro utiliza asrie histrica observada e o segundo utiliza sries de vazes geradas pormodelo estocstico. Os dois mtodos determinam estatisticamente o volu-me de espera que deve ser mantido em cada dia do perodo chuvoso peloreservatrio para um determinado risco de anlise.

    Figura 3.10 Nveis operacionais de uma barragem

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    Estes procedimentos no consideram a informao existente na baciano perodo da inundao. Para bacias onde a sazonalidade no bem defini-da o modelo pode subestimar ou superestimar o volume de espera comprejuzos importantes. De um lado os prejuzos devido a inundao e deoutro pela perda de energia gerada.

    Diques ou polders: So muros laterais de terra ou concreto, inclinados ouretos, construdos a uma certa distncia das margens, que protegem as reasribeirinhas contra o extravasamento. Os efeitos de reduo da largura doescoamento, confinando o fluxo, so o aumento do nvel de gua na seopara a mesma vazo, aumento da velocidade e eroso das margens e daseo e reduo do tempo de viagem da onda de cheia, agravando a situaode outras sees a jusante. O maior risco existente na construo de umdique a definio correta da enchente mxima provvel, pois existir sem-pre um risco de colapso, quando os danos sero piores se o mesmo noexistisse.

    O dique permite proteo localizada para uma regio ribeirinha. Deve-se evitar diques de grandes alturas, pois existe sempre o risco de rompimen-to para uma enchente maior do que a de projeto.

    Hidraulicamente o dique reduz a seo de escoamento e pode provo-car aumento da velocidade e dos nveis de inundao (figura 3.11). Para queisso no ocorra as condies de fluxo no devem-se alterar aps a constru-o do dique. Estas condies podem ser simuladas em condio de regimepermanente para as vazes de projeto. Esta metodologia no deve ser usadapara escoamento sujeito ao efeito de mar, pois resultar numa cotasuperdimensionada. Para tanto deve-se utilizar um modelo hidrodinmico.

    Os diques so normalmente construdos de terra com enrocamento ede concreto, dependendo das condies locais.

    Na construo de diques para a proteo de reas agrcolas, o risco decolapso adotado pode ser mais alto que em reas urbanas, sempre que osdanos potenciais sejam somente econmicos. Quando o colapso pode pro-duzir danos humanos o risco deve ser menor e a obra complementada porum sistema de previso e alerta em tempo atual. Tanto em bacias ruraiscomo urbanas necessrio planejar o bombeamento das reas laterais con-tribuintes ao dique, caso contrrio, chuvas sobre estas bacias laterais ficamrepresadas pela maior cota do rio principal ou acumuladas no seu interior,se no existirem drenos com comportas (figura 3.12).

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    Figura 3.11. Impacto da construo do dique

    Figura 3.12. Dique - Drenagem da bacia lateral

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    Modificaes do rio: As modificaes na morfologia do rio visam aumen-tar a vazo para um mesmo nvel, reduzindo a sua freqncia de ocorrncia.Isto pode ser obtido pelo aumento da seo transversal ou pelo aumento davelocidade. Para aumentar a velocidade necessrio reduzir a rugosidade,tirando obstrues ao escoamento, dragando o rio, aumentando a declividadepelo corte de meandros ou aprofundando o rio. Essas medidas, em geral,apresentam custos elevados.

    Para a seo de um rio que escoa uma vazo Q, a cota resultantedepende da rea da seo, da rugosidade, raio hidrulico e da declividade.Para reduzir a cota devido a uma vazo pode-se atuar sobre as variveismencionadas. Para que a modificao seja efetiva necessrio modificarestas condies para o trecho que atua hidraulicamente sobre a rea deinteresse. Aprofundando o canal, a linha de gua rebaixada evitando inun-dao, mas as obras podero envolver um trecho muito extenso para serefetiva, o que aumenta o custo (figura 3.13a). A ampliao da seo demedio produz reduo da declividade da linha de gua e reduo de n-veis para montante (figura 3.13b). Estas obras devem ser examinadas quan-to alterao que podem provocar na energia do rio e na estabilidade doleito. Os trechos de montante e jusante das obras podem sofrer sedimenta-o ou eroso de acordo com alterao produzida.

    Medidas no-estruturais

    As medidas estruturais no so projetadas para dar uma proteo com-pleta. Isto exigiria a proteo contra a maior enchente possvel. Esta prote-o fisicamente e economicamente invivel na maioria das situaes. Amedida estrutural pode criar uma falsa sensao de segurana, permitindo aampliao da ocupao das reas inundveis, que futuramente podem resul-tar em danos significativos. As medidas no-estruturais, em conjunto comas anteriores ou sem essas, podem minimizar significativamente os preju-zos com um custo menor. O custo de proteo de uma rea inundvel pormedidas estruturais, em geral, superior ao de medidas no-estruturais. EmDenver (Estados Unidos), em 1972, o custo de proteo por medidas estru-turais de um quarto da rea era equivalente ao de medidas no-estruturaispara proteger os restantes trs quartos da rea inundvel.

    As medidas no-estruturais de inundao podem ser agrupadas em:zoneamento de reas de inundao atravs de regulamentao do uso daterra, construes prova de enchentes, seguro de enchente, previso ealerta de inundao.

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    Johnson (1978) identificou diferentes medidas no-estruturais quepodem ser inseridas na classificao anterior: instalao de vedao tempo-rria ou permanente nas aberturas das estruturas, elevao de estruturas exis-tentes, construo de novas estruturas sob pilotis, construo de pequenasparedes ou diques circundando a estrutura, relocao ou proteo de arti-gos que possam ser danificados dentro da estrutura existente, relocao deestruturas para fora da rea de inundao, uso de material resistente guaou novas estruturas, regulamentao da ocupao da rea de inundao porcercamento, regulamentao de subdiviso e cdigo de construo, comprade reas de inundao, seguro de inundao, instalao de servio de previ-so e de alerta de enchente com plano de evacuao, adoo de incentivosfiscais para um uso prudente da rea de inundao; instalao de avisos dealerta na rea e adoo de polticas de desenvolvimento.

    Figura 3.13 Modificaes no rio

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    Construo prova de enchente: definida como o conjunto de medidasprojetadas para reduzir as perdas de prdios localizados nas vrzeas de inun-dao durante a ocorrncia das cheias.

    Seguro de enchente permite aos indivduos ou empresas a obteno deuma proteo econmica para as perdas decorrentes dos eventos de inun-dao.

    Previso e alerta: um sistema composto de aquisio de dados em temporeal, transmisso de informao para um centro de anlise, previso emtempo atual com modelo matemtico, e Plano de Defesa Civil que envolvetodas as aes individuais ou de comunidade para reduzir as perdas duranteas enchentes.

    A combinao destas medidas permite reduzir os impactos das cheiase melhorar o planejamento da ocupao da vrzea. Como o Zoneamentode inundao pressupe a ocupao com risco, torna-se necessrio queexista um sistema de alerta para avisar a populao sobre os riscos durantea enchente. O seguro e a proteo individual contra enchente so medidascomplementares, necessrias para minimizar impactos sobre a economia dapopulao.

    O controle de enchentes atravs de zoneamento ou com a existnciade diques exige a previso em tempo real dos nveis para a cidade.

    Um sistema de alerta de previso tempo real envolve os seguintesaspectos:

    sistema de coleta e transmisso de informaes;sistema de processamento de informaes;modelo de previso de vazes e nveis;procedimentos para acompanhamento e transferncia de informa-es para a Defesa Civil e Sociedade;planejamento das situaes de emergncia atravs Defesa Civil.

    Os trs primeiros itens envolve o estabelecimento de procedimentostcnicos especficos e a modelagem do local de interesse. Normalmente es-tas atividades so desenvolvidas por entidades que operam a rede de alertaestadual.

    Os dois itens seguintes envolvem a transferncia dos nveis para po-pulao atravs de diferentes condies que podem ser as seguintes:

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    nvel de acompanhamento: nvel a partir do qual, existe um acom-panhamento por parte dos tcnicos, da evoluo da enchente. Nes-se momento, alertada a Defesa Civil da eventualidade da chegadade uma enchente. Inicia-se nesse momento a previso de nveis emtempo real;nvel de alerta: quando atingida a cota inferior a que produzprejuzos.Com base nesta cota existe forte probabilidade de ocor-rer inundaes. A Defesa Civil e administraes municipais pas-sam a receber regularmente as previses para a cidade;nvel de emergncia: quando previsto que dentro do tempo depreviso ser atingida a cota que produz prejuzos. A populaopassa a receber as informaes. Essas informaes so o nvel atuale previsto com antecedncia e o intervalo provvel dos erros, obti-dos dos modelos;

    1.

    2.

    3.

    As aes de planejamento envolvem:

    Emergncia: A sociedade local, atravs da Prefeitura deve organizar aDefesa Civil para os atendimentos de emergncia. Esse planejamento deveestabelecer procedimentos de evacuao e convivncia com a inundaopara diferentes partes da cidade, de acordo com faixas de cotas.

    O mapa de alerta preparado com valores de cotas em cada esquina darea de risco. Com base na cota absoluta das esquinas, deve-se transformaresse valor na cota referente a rgua. Isto significa que, quando um determi-nado valor de nvel de gua estiver ocorrendo na rgua, a populao saberquanto falta para inundar cada esquina. Isto auxilia a convivncia com ainundao durante a sua ocorrncia.

    Para que este mapa possa ser determinado, necessrio obter todas ascotas de cada esquina e realizar o seguinte:

    Para cada cota de esquina, trace uma perpendicular do seu ponto delocalizao com relao ao eixo do rio .Considere a cota da referida esquina como sendo a mesma nestaseo do rio;Obtenha a declividade da linha de gua. Escolha o tempo de retor-no aproximadamente pela faixa (mapa de planejamento) em que seencontra a esquina;A cota da rgua da esquina ser

    1.

    2.

    3.

    4.

    77

  • Carlos E. M. Tucci

    onde CR cota da rgua; CT a cota topogrfica da esquina; D declividade ao longo do rio; Dist a distncia ao longo do rio entre aseo da rgua. O sinal ser negativo se a esquina estiver a montanteda seo da rgua, enquanto que ser positivo se estiver a jusante. Ovalor a ser colocado no mapa CR. No entanto, caso a populaoesteja mais acostumada com o valor da rgua e no da sua cota abso-luta deve-se utilizar o nvel da rgua, que

    NR=CR-ZR

    onde NR o nvel da rgua; CR a cota da rgua e ZR a cota dozero da rgua.

    Zoneamento de reas de Inundao : A regulamentao do uso da terraou zoneamento de reas inundveis. Portanto, envolve definio da ocupa-o das reas de risco na vrzea. No seu desenvolvimento necessrio esta-belecer o risco de inundao das diferentes cotas das reas ribeirinhas. Nasreas de maior risco no permitida a habitao e pode ser utilizada pararecreao desde que o investimento seja baixo e no se danifique, comoparques e campos de esportes. Para cotas com menos riscos so permitidasconstrues com precaues especiais. Alm disso, so efetuadas recomen-daes quanto aos sistemas de esgoto cloacal, pluvial e virio. Esta regula-mentao deve ficar contida dentro do Plano Diretor da cidade.

    O zoneamento das reas de inundao engloba as seguintes etapas: (a)determinao do risco das enchentes; (b) mapeamento das reas de inunda-o; c) levantamento da ocupao da populao na rea de risco ; (d) defini-o da ocupao ou zoneamento das reas de risco.

    Mapa de inundao da cidade : Os mapas de inundao podem ser dedois tipos: mapas de planejamento e mapas de alerta. O mapa de planeja-mento define as reas atingidas por cheias de tempos de retorno escolhidos.O mapa de alerta informa em cada esquina ou ponto de controle, o nvel dargua no qual inicia a inundao. Este mapa permite o acompanhamento daevoluo da enchente, com base nas observaes da rgua, pelos moradores nos diferenteslocais da cidade. Essa informao normalmente transmitida atravs dos meios de comu-nicao disponveis (veja metodologia acima).

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    CR = CT + DxDist

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    Para a elaborao desses mapas so necessrios os seguintes dados:

    nivelamento da rgua a um zero absoluto;topografia da cidade no mesmo referencial absoluto da rgualinimtrica. Cota da rua no meio de cada esquina das reas derisco;estudo de probabilidade de inundaes de nveis para uma seona proximidade da cidade;nveis de enchentes, ou marcas ao longo da cidade que permita adefinio da linha de gua;sees batimtricas ao longo do rio no permetro urbano. Caso alocalizao da seo de observao se encontre fora do permetrourbano, a batimetria deve ir at a referida seo. O espaamentodas sees depende das modificaes do leito e da declividade dalinha de gua, mas espaamentos entre 500 e 1000 m so suficien-tes;cadastramento das obstrues ao escoamento ao longo do trechourbano como pontes, edifcios e estradas, entre outros.

    (a)(b)

    (c)

    (d)

    (e)

    (f)

    Quando a declividade da linha de gua ao longo da cidade muitopequena e no existem rios de porte no permetro urbano os tens d, e e fso desnecessrios. No caso das obstrues, essas podem ser importantes sereduzirem significativamente a seo transversal.

    Na prtica, muito difcil a obteno de todas as informaes relaci-onadas acima, portanto, conveniente dividir o estudo em duas fases. Naprimeira fase, dita preliminar, seriam delimitadas com preciso reduzida asreas de inundao com base em mapas topogrficos existentes e marcas deenchentes. Na segunda fase, com a delimitao aproximada das reas deinundao, a topografia com maior detalhe seria realizada nas reas defini-das, juntamente com a batimetria do rio, e calculados com preciso os doismapas referidos.

    Mapeamento preliminar : Nas cidades de porte superior a 10.000 habi-tantes existem projetos de abastecimento de gua. Para esses projetos realizada uma topografia com espaamento de 5m em 5m. Estes mapas nopossuem a preciso desejada para este tipo de estudo, mas podem ser utili-zados preliminarmente. Os erros podem ser minimizados com visitas inloco, fotografias areas e verificao de pontos caractersticos do levanta-

    79

  • Carlos E. M. Tucci

    mento. Nem sempre estes mapas se referem cota absoluta desejada; nessecaso necessrio procurar o RN do mapa existente e estabelecer a refern-cia com o mapa disponvel. A seguir pode-se estabelecer a relao entre ozero da rgua linimtrica e o RN escolhido, utilizado na elaborao domapa topogrfico.

    Considerando que os nveis de enchentes so conhecidos na seo dargua, para transport-lo para as sees ao longo do trecho urbano neces-srio conhecer a declividade da linha de gua. Esta declividade pode serobtida atravs das marcas de enchentes ou medindo a mesma durante aestiagem. Este ltimo procedimento pode apresentar erros, j que se existi-rem obstrues ao escoamento durante as enchentes, a declividade pode-semodificar significativamente.

    Para a determinao da declividade da linha de gua deve-se reco-mendar, ao topgrafo, o seguinte: (a) nivelar todas as marcas de enchenteexistentes na cidade; (b) medir o nvel de gua com espaamento entre500m e 1000 m ao longo do trecho urbano, anotando a cota da rgua parao momento do levantamento.

    Para verificar o trabalho do topgrafo pode-se utilizar o seguinte: a)conferir se a declividade decrescente na direo do fluxo; b) para verificaro nivelamento das marcas na vizinhana da seo da rgua linimtrica someao zero da rgua os valores observados no lingrafo e verifique secorrespondem s marcas niveladas. Deve-se considerar que a marca de en-chente no corresponde ao nvel mximo ocorrido, j que o rio mancha aparede quando o nvel se mantm por algum tempo. No caso do rio ficarmuito pouco tempo no pico, a marca deve aparecer para nveis menores.

    Os critrios para determinao da linha de gua e os nveis de enchen-te ao longo da cidade so os seguintes:

    conhecida a curva de freqncia de nveis de inundao na seo dargua linimtrica, obtenha os nveis absolutos correspondentes aostempos de retorno desejados;defina as sees ao longo do rio. Essas sees so escolhidas combase nas marcas existentes e/ou nos nveis medidos a cada 500m e1000 m;calcule a declividade da linha de gua para os diferentes trechosdefinidos pelas sees referenciadas. A declividade calculada coma distncia medida ao longo do rio. Deve-se tomar cuidado quandoexistirem pontes e/ou estradas que obstruam o escoamento;

    a)

    b)

    c)

    80

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    para os nveis calculados nas sees do posto, obtenha as cotas cor-respondentes para as outras sees, utilizando a declividade da li-nha de gua obtida.

    d)

    Mapeamento definitivo : Neste caso necessrio o levantamento detalha-do da topografia das reas de risco com o tempo de retorno menor ou iguala 100 anos. A escolha do tempo de retorno arbitrria e depende da defini-o do futuro zoneamento. Caso tenha ocorrido uma enchente com tempode retorno superior a 100 anos, deve-se escolher o maior valor ocorrido.

    O levantamento detalhado engloba a determinao das curvas de n-vel com espaamento de 0,5m ou 1,0m, dependendo das condies doterreno. Em algumas cidades o espaamento pode ser muito detalhado.Nesse levantamento deve constar o nvel do meio da rua de cada esquinadas reas de risco.

    Alm da topografia necessrio o levantamento das obstrues aoescoamento, como pilares e encostos de pontes, estradas com taludes, edi-fcios, caracterizando em planta e, em seo, o tipo de cobertura e obstru-o.

    Com a batimetria ao longo da cidade possvel determinar as cotas deinundao, de acordo com o seguinte procedimento: (a) um modelo de es-coamento permanente, para clculo da linha de gua, deve ser utilizado. Omtodo utilizado, inicialmente, para ajuste das rugosidades, com base nasmarcas de enchentes e na curva de descarga do posto fluviomtrico. Paratanto, a linha de gua determinada para a vazo mxima registrada, noposto fluviomtrico, e o nvel correspondente no sentido de jusante paramontante. A rugosidade correta ser aquela cuja linha de gua se aproximardas marcas de enchente; (b) conhecidas as rugosidades pode-se estabelecera linha de gua para as vazes correspondentes aos diferentes tempos deretorno e, em conseqncia, elaborar o mapeamento das reas atingidas.

    Para as reas de risco deve-se realizar um levantamento da ocupaourbana existente e de propriedade do solo. Estas informaes so essenciaispara a definio das propostas de zoneamento da rea de risco.

    Zoneamento : O zoneamento prpriamente dito a definio de um con-junto de regras para a ocupao das reas de maior risco de inundao, vi-sando minimizao futura das perdas materiais e humanas em face dasgrandes cheias. Conclui-se, da, que o zoneamento urbano permitir umdesenvolvimento racional das reas ribeirinhas.

    81

  • Carlos E. M. Tucci

    A regulamentao do uso das zonas de inundao apoia-se em mapascom demarcao de reas de diferentes riscos e nos critrios de ocupaodas mesmas, tanto quanto ao uso como quanto aos aspectos construtivos.Para que esta regulamentao seja utilizada, beneficiando as comunidades, amesma deve ser integrada legislao municipal sobre loteamentos, cons-trues e habitaes, a fim de garantir a sua observncia. Sendo assim, ocontedo deste captulo tem a finalidade de servir de base para a regula-mentao da vrzea de inundao, atravs dos planos diretores urbanos,permitindo s prefeituras a viabilizao do controle efetivo.

    O Departamento de `guas e Energia Eltrica do Estado de SoPaulo (DAEE), apresentou uma proposta para os artigos da seo de Re-cursos Hdricos das Leis Orgnicas municipais do referido Estado, onde ozoneamento era recomendado nos seguintes termos:

    Art. 2o Caber ao municpio, no campo dos recursos hdricos:IV - proceder ao zoneamento das reas sujeitas a riscos de inundaes ero-

    so e escorregamentos do solo, estabelecendo restries e proibies ao uso,parcelamento e a edificao, nas reas imprprias ou crticas de forma a preservara segurana e a sade pblica.

    O Water Resources Council (1971) definiu Zoneamento por:Zoneamento envolve a diviso de unidades governamentais em distritos ea regulamentao dentro desses distritos de : a) usos de estruturas e da terra;b) altura e volume das estruturas; c) o tamanho dos lotes e densidade deuso. As caractersticas do Zoneamento, que o distingue de outros controles que a regulamentao varia de distrito para distrito. Por essa razo, oZoneamento pode ser usado, para estabelecer padres especiais para uso daterra em reas sujeitas inundao. A diviso em distritos de terras, atravsda comunidade usualmente baseada em planos globais de uso, que orien-tam o crescimento da comunidade.

    Condies tcnicas do zoneamento : O risco de ocorrncia de inunda-o varia com a respectiva cota da vrzea. As reas mais baixas obviamenteesto sujeitas a maior freqncia de ocorrncia de enchentes. Assim sendo,a delimitao das reas do zoneamento depende das cotas altimtricas dasreas urbanas.

    O rio possui normalmente um ou mais leitos. O leito menorcorresponde a seo de escoamento em regime de estiagem, ou de nveis

    82

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    mdios. O leito maior pode ter diferentes lances, de acordo com a seotransversal considerada e a topografia da vrzea inundvel. Esse leito, o riocostuma ocupar durante as enchentes. Quando o tempo de retorno deextravasamento do leito menor superior a 2 anos, existe a tendncia dapopulao em ocupar a vrzea nas mais diversas e significativas formassocioeconmicas. Essa ocupao gera, por ocasio das cheias, danos degrande monta aos ocupantes dessas reas e, tambm, s populaes a mon-tante, que so afetadas pelas elevaes de nveis decorrentes da obstruoao escoamento natural causada pelos primeiros ocupantes (figura 3.14).

    Figura 3.14. Invases da vrzea.

    A seo de escoamento do rio pode ser dividida em trs partes princi-pais para efeito de zoneamento (figura 3.15), descritas a seguir.

    Zona de passagem da enchente (faixa 1) - Esta parte da seo deve ficarliberada para funcionar hidraulicamente, evitando gerar aumento de nveispara montante. Qualquer construo nessa rea reduzir a rea de escoa-mento, elevando os nveis a montante desta seo (figura 3.15). Portanto,em qualquer planejamento urbano, deve-se procurar manter esta zonadesobstruda.

    Os critrios tcnicos geralmente utilizados so os seguintes :

    determine a cheia de 100 anos de tempo de retorno ou a que deter-mina os limites da rea de inundao;a seo de passagem da enchente ser aquele que evitar aumentaros nveis no leito principal devido as obstrues no restante daseo. Como este valor dificilmente nulo, adota-se um acrscimo

    (a)

    (b)

    83

  • Carlos E. M. Tucci

    de nvel no leito principal. Nos Estados Unidos adotou-se comoacrscimo mximo do leito principal igual a um p ou 30,45 cm.Veja a figura 3.16 para a definio desta faixa da vrzea.

    Figura 3.15. Regulamentao da zona inundvel (U.S.WATER RESOURCESCOUNCIL,1971).

    Esta faixa do rio deve ficar desobstruda para evitar danos de montae represamentos. Nessa faixa no deve ser permitida nenhuma nova cons-truo e a Prefeitura poder, paulatinamente, relocar as habitaes existen-tes.

    84

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    Figura 3.16 Definio da zona de passagem de enchente.

    Na construo de obras como rodovias e pontes deve ser verificadose as mesmas produzem obstrues ao escoamento. Naquelas j existentesdeve-se calcular o efeito da obstruo e verificar as medidas que podem sertomadas para a correo. No deve ser permitida a construo de aterroque obstrua o escoamento. Essa rea poderia ter seu uso destinado a agri-cultura ou outro uso similar s condies da natureza. Adicionalmente, seriapermitido a instalao de linhas de transmisso e condutos hidrulicos ouqualquer tipo de obra que no produza obstruo ao escoamento, comoestacionamento, campos de esporte, entre outros.

    Em algumas cidades podero ser necessrias construes prximasaos rios. Nessa circunstncia, deve ser avaliado o efeito da obstruo e asobras devem estar estruturalmente protegidas contra inundaes.

    Zona com restries (faixa 2) - Esta a rea restante da superfcie inundvelque deve ser regulamentada. Esta zona fica inundada mas, devido s peque-nas profundidades e baixas velocidades, no contribuem muito para a dre-nagem da enchente.

    Esta zona pode ser subdividida em subreas, mas essencialmente osseus usos podem ser:

    parques e atividades recreativas ou esportivas cuja manuteno,aps cada cheia, seja simples e de baixo custo. Normalmente umasimples limpeza a repor em condies de utilizao, em curto es-pao de tempo;

    85

    (a)

  • Carlos E. M. Tucci

    uso agrcola;habitao com mais de um piso, onde o piso superior ficar situa-do, no mnimo, no nvel do limite da enchente e estruturalmenteprotegida contra enchentes ;industrial, comercial, como reas de carregamento, estacionamen-to, reas de armazenamento de equipamentos ou maquinaria facil-mente removvel ou no sujeitos a danos de cheia. Neste caso, nodeve ser permitido armazenamento de artigos perecveis e princi-palmente txicos;servios bsicos: linhas de transmisso, estradas e pontes, desdeque corretamente projetados.

    Zona de baixo risco (faixa 3) - Esta zona possui pequena probabilidade deocorrncia de inundaes, sendo atingida em anos excepcionais por peque-nas lminas de gua e baixas velocidades. A definio dessa rea til parainformar a populao sobre a grandeza do risco a que est sujeita. Esta reano necessita regulamentao, quanto s cheias.

    Nesta rea, delimitada por cheia de baixa freqncia, pode-se dispen-sar medidas individuais de proteo para as habitaes, mas deve-se orien-tar a populao para a eventual possibilidade de enchente e dos meios deproteger-se das perdas decorrentes, recomendando o uso de obras com,pelo menos, dois pisos, onde o segundo pode ser usado nos perodos crti-cos.

    Regulamentao das zonas de inundao : Usualmente, nas cidades de pases emdesenvolvimento, a populao de menor poder aquisitivo e marginalizadaocupa as reas ribeirinhas de maior risco. A regulamentao da ocupao dereas urbanas um processo iterativo, que passa por uma proposta tcnicaque discutida pela comunidade antes de ser incorporada ao Plano Diretorda cidade. Portanto, no existem critrios rgidos aplicveis a todas as cida-des, mas sim recomendaes bsicas que podem ser seguidas em cada caso.

    Water Resources Council (1971) orienta a regulamentao com baseem distritos, definido-se em cada um o seguinte: (a) um texto que apresenteos regulamentos que se aplicam a cada distrito, junto com as providnciasadministrativas; (b) um mapa delineando os limites dos vrios usos nosdistritos.

    O zoneamento complementado com a subdiviso das regulamenta-es, onde so orientadas as divises de grandes parcelas de terra em pe-

    86

    (b)(c)

    (d)

    (e)

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    quenos lotes, com o objetivo de desenvolvimento e venda de prdios. Por-tanto, essa a fase de controle sobre os loteamentos. O Cdigo de Constru-o orienta a construo de prdios quanto a aspectos estruturais, hidruli-cos, de material e vedao. A regulamentao das construes permite evi-tar futuros danos. A seguir relacionamos alguns indicadores gerais que po-dem ser usados no zoneamento .

    A proteo das habitaes com relao s enchentes depende da ca-pacidade econmica do proprietrio em realiz-la. Com a implantao deum plano, a municipalidade poder permitir as construes nessas reas,desde que atendam condies como as seguintes (Tucci e Simes Lopes,1985):

    estabelecimento de, pelo menos, um piso com nvel superior cheia que limita a zona de baixo risco;uso de materiais resistentes submerso ou contato com a gua;proibio de armazenamento ou manipulao e processamentode materiais inflamveis, que possam pr em perigo a vida huma-na ou animal durante as enchentes. Os equipamentos eltricosdevem ficar em cota segura;proteo dos aterros contra eroses atravs de cobertura vegetal,gabies ou outros dispositivos;prever os efeitos das enchentes nos projetos de esgotos pluvial ecloacal;estruturalmente, as construes devem ser projetadas para resistir presso hidrosttica, que pode causar problemas de vazamento,entre outros, aos empuxos e momentos que podem exigir ancora-gem, bem como s eroses que podem minar as fundaes;fechamento de aberturas como portas, janelas e dispositivos deventilao;estanqueidade e reforo das paredes de pores;reforo ou drenagem da lage do piso;vlvulas em conduto;proteo de equipamentos fixos;ancoragem de paredes contra deslizamentos.

    87

    (b)

    (a)

    (c)

    (d)

    (e)

    (f)

    (g)

    (h)(i)(j)(k)(l)

    A deciso sobre a obrigatoriedade de proteo das novas construes

  • Carlos E. M. Tucci

    na zona de inundao um processo que deve passar por uma discussoampla da comunidade envolvida. No entanto, deve-se ter presente que,logo aps as ltimas enchentes, houve desvalorizao imobiliria das reasde risco. Com o passar do tempo, essas reas adquiriro gradualmente valorimobilirio, devido ao natural espaamento no tempo das cheias e assim, aimplementao de um plano de zoneamento poder trazer custos maioresde desapropriaes (se forem necessrias) ou dificuldades no processo deobedincia regulamentao. Essa situao somente sofrer modificaocom a ocorrncia de nova enchente, com mais danos. Essas condies somais graves na zona de passagem da cheia, na qual a municipalidade neces-sita gradualmente remover as obras que obstruem o escoamento.

    Para manter a memria das inundaes nas ruas pode-se utilizar apintura dos postes de luz com diferentes cores. Isto democratiza a informa-o sobre a inundao e evita problemas imobilirios de compra e venda nasreas de risco.

    Quanto s construes j existentes nas reas de inundao, deverser realizado um cadastramento completo das mesmas e estabelecido umplano para reduzir as perdas no local, bem como quelas provocadas peloremanso, resultante da obstruo do escoamento. Vrias so as condiesexistentes que devero ser analisadas caso a caso. Algumas situaes podemser: a) para as obras pblicas como escolas, hospitais, e prdios administra-tivos deve-se verificar a viabilidade de proteg-los ou remov-los para reasseguras, a mdio prazo; b) as subabitaes como favelas e habitaes depopulao de baixa renda, devem ter sua transferncia negociada para reasmais seguras; c) para reas industriais e comerciais pode-se incentivar asmedidas de proteo s construes e, se for o caso, de toda a rea, sexpensas dos beneficiados.

    Quando ocorrem remoes ou transferncias, o poder pblico deveestar preparado com planos urbanos para destinar estas reas para outrosusos ou finalidades de lazer, parques, evitando que venham a ser ocupadasnovamente por subabitaes.

    Algumas aes pblicas so essenciais neste processo tais como :

    evitar construo de qualquer obra pblica nas reas de risco comoescolas, hospitais e prdios em geral. Para as existentes deve-sepeparar um plano de remoo com o passar do tempo ;planejar a cidade para gradualmente deslocar seu eixo principal paraos locais de baixo risco ;

    88

    (a)

    (b)

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    as entidades de financiamento deveriam evitar financiar obras emreas de risco.utilizar mecanismos econmicos para o processo de incentivo econtrole das reas de risco : (1) retirar o imposto predial dos pro-prietrios que mantiverem sem construo as reas de risco e utili-zem por exemplo, para agricultura, lazer, etc ; (2) procurar criar ummercado para as reas de risco de tal forma que as mesmas se tor-nem pblicas com o passar do tempo ;prever a imediata ocupao das reas de risco pblico quando de-socupadas com algum plano que demarque a presena no munic-pio ou do Estado.

    3.5 Drenagem urbana

    A tendncia da urbanizao das cidades brasileiras tem provocadoimpactos significativos na populao e no meio ambiente. Estes impactostm deteriorado a qualidade de vida da populao, atravs do aumento dafreqncia e do nvel das inundaes, reduo da qualidade de gua e au-mento de materiais slidos no escoamento pluvial.

    Este processo desencadeado principalmente pela forma como ascidades se desenvolvem, por projetos de drenagem urbana inadequados. Estesprojetos tm como filosofia escoar a gua precipitada o mais rpido possvel da reaprojetada. Este critrio aumenta em vrias ordens de magnitude a vazomxima, a freqncia e o nvel de inundao de jusante.

    No captulo anterior foram destacados os impactos relacionados como aumento do pico e do volume do escoamento de cheia, o aumento dosresduos slidos e a piora da qualidade da gua. A seguir ampliada estaanlise, destacando-se como se desenvolve estes impactos dentro das cida-des e as tcnicas modernas de controle na fonte, micro e macrodrenagemdos impactos citados.

    3.5.1 Impactos devido a urbanizao

    Impacto do desenvolvimento urbano no ciclo hidrolgico

    O desenvolvimento urbano altera a cobertura vegetal provocandovrios efeitos que alteram os componentes do ciclo hidrolgico natural. Coma impermeabilizao do solo atravs de telhados, ruas, caladas e ptios, a

    89

    (c)

    (d)

    (e)

  • Carlos E. M. Tucci

    gua que infiltrava, passa a escoar pelos condutos, aumentando o escoamen-to superficial. O volume que escoava lentamente pela superfcie do solo eficava retido pelas plantas, com a urbanizao, passa a escoar no canal, exi-gindo maior capacidade de escoamento das sees.

    Na figura 3.17 apresentado efeito sobre as variveis do ciclohidrolgico devido a urbanizao. O hidrograma tpico de uma bacia naturale aquele resultante da urbanizao so apresentados na figura 3.18.

    Figura 3.17 Caractersticas do balano hdrico numa bacia urbana (OECD, 1986)

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  • Inundaes e Drenagem Urbana

    Figura 3.18 Impacto devido a urbanizao (Schueler, 1987) .

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  • Carlos E. M. Tucci

    Com a urbanizao so introduzidas as seguintes alteraes no referi-do ciclo hidrolgico:

    Reduo da infiltrao no solo;Volume que deixa de infiltrar fica na superfcie, aumentando o esco-amento superficial. Alm disso, como foram construdos condutospluviais para o escoamento superficial, tornando-o mais rpido, ocorrereduo do tempo de deslocamento. As vazes mximas tambmaumentam, antecipando seus picos no tempo (figura 3.18) A vazomxima mdia de inundao pode aumentar de seis a sete vezes. Nabacia do rio Belm em Curitiba, com rea de drenagem de 42 km2 ereas impermeveis da ordem de 60% foi obtido um aumento de 6vezes na vazo mdia de cheia das condies rurais para a condioatual de urbanizao. Na figura 3.19 apresentada a vazo mdia decheia em funo da rea de drenagem para bacias rurais e para abacia do rio Belm. A tendncia dos valores das bacias rurais permi-tiu estimar a vazo mdia de cheia da sua situao de pr-desenvolvimentoe comparar com o valor atual (ponto na figura).Com a reduo da infiltrao, o aqfero tende a diminuir o nvel dolenol fretico por falta de alimentao (principalmente quando a

    Figura 3.19 Vazo mdia de cheia em funo da rea de drenagem na RegioMetropolitana de Curitiba.

    92

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    rea urbana muito extensa), reduzindo o escoamento subterrneo.As redes de abastecimento e cloacal possuem vazamentos que po-dem alimentar o aqferos, tendo efeito inverso do mencionado;Devido a substituio da cobertura natural ocorre uma reduo daevapotranspirao, j que a superfcie urbana no retm gua comoa cobertura vegetal e no permite a evapotranspirao das folha-gens e do solo. Apesar disto, as superfcies urbanas geradas pelascidades so aquecidas e nas precipitaes de baixa intensidade podeocorrer maior evaporao.

    Impacto ambiental sobre o ecossistema aqutico

    Com o desenvolvimento urbano vrios elementos antrpicos so in-troduzidos na bacia hidrogrfica que atuam sobre o ambiente. Alguns dosprincipais problemas so discutidos a seguir.

    Aumento da Temperatura: As superfcies impermeveis absorvem parteda energia solar aumentando a temperatura ambiente, produzindo ilhas decalor na parte central dos centros urbanos, onde predomina o concreto e oasfalto. O asfalto, devido a sua cor, absorve mais energia do que as superf-cies naturais e o concreto. A medida que a sua superfcie envelhece, escure-ce e aumenta a absoro de radiao solar. O aumento da absoro de radi-ao solar por parte da superfcie aumenta a emisso de radiao trmicade volta para o ambiente, gerando, calor. O aumento de temperatura tam-bm cria condies de movimento de ar ascendente que pode criar de au-mento de precipitao. Silveira (1997) mostra que a parte central de PortoAlegre apresenta maior ndice pluviomtrico que a sua periferia, atribuindoessa tendncia a urbanizao.

    Aumento de sedimentos e material slido: Durante o desenvolvimentourbano, o aumento dos sedimentos produzidos pela bacia hidrogrfica significativo, devido s construes, limpeza de terrenos para novosloteamentos, construo de ruas, avenidas e rodovias entre outras causas.Na figura 3.20 pode-se observar a tendncia de produo de sedimentos deuma bacia nos seus diferentes estgios de desenvolvimento.

    As principais conseqncias ambientais da produo de sedimentosso as seguintes:

    93

  • Carlos E. M. Tucci

    Figura 3.20 Variao da produo de sedimentos em decorrncia do desenvolvi-mento urbano (Dawdy, 1967)

    assoreamento das sees da drenagem, com reduo da capacidadede escoamento de condutos, rios e lagos urbanos. A lagoa daPampulha um exemplo de um lago urbano que tem sido assoreado.O arroio Dilvio em Porto Alegre, devido a sua largura e pequenaprofundidade, durante as estiagens, tem depositado no canal aproduo de sedimentos da bacia e criado vegetao, reduzindo acapacidade de escoamento durante as enchentes;transporte de poluentes agregados ao sedimento, que contaminamas guas pluviais

    A medida que a bacia urbanizada, e a densificao consolidada, aproduo de sedimentos pode reduzir (figura 3.20), mas um outro problemaaparece, que a produo de lixo. O lixo obstrui ainda mais a drenagem e

    94

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    cria condies ambientais ainda piores. Esse problema somente minimizadocom adequada freqncia da coleta e educao da populao com multaspesadas (veja captulo anterior).

    Qualidade da gua pluvial : A qualidade da gua do pluvial no melhorque a do efluente de um tratamento secundrio. A quantidade de materialsuspenso na drenagem pluvial superior encontrada no esgoto in natura.Esse volume mais significativo no incio das enchentes. Na figura 3.21pode-se observar amostras de gua pluvial disposta segundo um relgio (fi-gura das garrafas). No incio existe pequena concentrao, logo aps a con-centrao alta, para aps alguns intervalos de tempo se reduzir substanci-almente. Nos primeiros 25 mm de chuva geralmente se concentram 95% dacarga. O polutagrama gerado por uma rea urbana aps um perodo secomostra um pico de concentrao antes do pico do hidrograma, indicandoque a concentrao no incio alta, mesmo com pequena vazo.

    Os esgotos podem ser combinados (cloacal e pluvial num mesmoconduto) ou separados ( rede pluvial e cloacal separadas). No Brasil, a mai-oria das redes do segundo tipo; somente em reas antigas de algumas cida-des existem sistemas combinados. Atualmente, devido a falta de capacidadefinanceira para ampliao da rede de cloacal, algumas prefeituras tem per-mitido o uso da rede pluvial para transporte do cloacal, o que pode ser umasoluo inadequada medida que esse esgoto no tratado, alm deinviabilizar algumas solues de controle quantitativo do pluvial.

    Os poluentes que ocorrem na rea urbana variam muito, desde com-postos orgnicos a metais altamente txicos. Alguns poluentes so usadospara diferentes funes no ambiente urbano como inseticidas e fertilizantes,como chumbo proveniente das emisses dos automveis e leos de vaza-mento ou de caminhes, nibus e automveis estes contaminantes so re-sultados de atividades dentro do ambiente urbano. A fuligem resultante dasemisses de gases dentro do ambiente urbano dos veculos, das industrias,queima de resduos se depositam na superfcie e so lavados pela chuva. Agua, resultante desta lavagem chega aos rios contaminada.

    Os principais poluentes encontrados no escoamento superficial urba-no so: sedimentos, nutrientes, substncias que consomem oxignio, metaispesados, hidrocarbonetos de petrleo, bactrias e virus patognicos. Os va-lores mdios americanos so apresentados na Tabela abaixo.

    A qualidade da gua da rede pluvial depende de vrios fatores: dalimpeza urbana e sua freqncia, da intensidade da precipitao e sua distri-

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  • Carlos E. M. Tucci

    buio temporal e espacial, da poca do ano e do tipo de uso da rea urbana.Os principais indicadores da qualidade da gua so os parmetros que carac-terizam a poluio orgnica e a quantidade de metais.

    Figura 3.21 Amostradores de qualidade da gua pluvial. Incio da precipitaocom a garrafa marrom (posio do relgio a 45 min)

    Contaminao de aqferos: As principais condies de contaminaodos aqferos urbanos so devido ao seguinte:

    Aterros sanitrios contaminam as guas subterrneas pelo processonatural de precipitao e infiltrao. Deve-se evitar que sejamconstrudos aterros sanitrios em reas de recarga e procurar esco-lher as reas com baixa permeabilidade. Os efeitos da contaminaonas guas subterrneas devem ser examinados quando da escolhado local do aterro;Grande parte das cidades brasileiras utilizam fossas spticas comodestino final do esgoto. Esse conjunto tende a contaminar a partesuperior do aqfero. Esta contaminao pode comprometer o abas-tecimento de gua urbana quando existe comunicao entre dife-rentes camadas dos aqferos atravs de percolao e de perfuraoinadequada dos poos artesianos;

    96

  • Inundaes e Drenagem Urbana

    A rede de condutos de pluviais pode contaminar o solo atravs deperdas de volume no seu transporte e at por entupimento de tre-chos da rede que pressionam a gua contaminada para fora do siste-ma de condutos.

    Tabela 3.7 Concentrao para escoamento mdio para alguns usos da terraurbano baseado no Programa Nacional de Escoamento urbano (americano)

    sendo Whalen e Cullum (1989)

    Controles na macrodrenagem que geram impactos

    A situao do controle de enchentes nas reas urbanas brasileiras de-vido urbanizao tm sido realizado de forma equivocada com sensveisprejuzos para a populao. A seguir realizado um breve histrico desteenfoque e os principais problemas identificados.

    A origem dos impactos devido a drenagem urbana que ocorrem namaioria das cidades brasileiras so as seguintes:

    Princpio dos projetos: A drenagem urbana tem sido desenvolvidacom base no princpio equivocado de que : A melhor drenagem a que retira a gua excedente o mais rpido possvel do seu local deorigem.No consideram a bacia como sistema de controle: todos os impac-tos gerados em cada projeto so transferidos de um ponto a outrodentro da bacia atravs de condutos e canalizaes.

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  • Carlos E. M. Tucci

    Em conseqncia destes projetos ocorrem os impactos citados nositens anteriores com elevado prejuzo para diferentes grupos da populao epara o poder pblico.

    Na microdrenagem os projetos aumentam a vazo e esgotam todo oseu volume para jusante. Na macrodrenagem a tendncia de controle dadrenagem urbana atravs da canalizao dos trechos crticos. Este tipo desoluo segue a viso particular de um trecho da bacia, sem que as conseq-ncias sejam previstas para o restante da mesma ou dentro de diferenteshorizontes de ocupao urbana. A canalizao dos pontos crticos acabaapenas transferindo a inundao de um lugar para outro na bacia. Este pro-cesso, em geral, ocorre na seguinte seqncia

    Estgio 1: a bacia comea a ser urbanizada de forma distribuda, com maiordensificao a jusante, aparecendo, no leito natural, os locais de inundaodevido a estrangulamentos naturais ao longo do seu curso (figura 3.22a);

    Estgio 2: as primeiras canalizaes so executadas a jusante, com base naurbanizao atual; com isso, o hidrograma a jusante aumenta, mas aindacontido pelas reas que inundam a montante e porque a bacia no est total-mente densificada. (figura 3.22b);

    Estgio 3: com a maior densificao, a presso pblica faz com os adminis-tradores continuem o processo de canalizao para montante. Quando oprocesso se completa, ou mesmo antes, as inundaes retornam a jusante,devido ao aumento da vazo mxima, quando esta no tem mais condiesde ser amp