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CAPITALISMO, ANTICAPITALISMO E ORGANIZAÇÃO POPULAR Universidade Popular Movimento dos Trabalhadores Desempregados MTD-RJ Rio de Janeiro, 2009 © Copyleft CADERNOS SOCIAIS

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  • CAPITALISMO, ANTICAPITALISMO E ORGANIZAO POPULAR

    Universidade PopularMovimento dos Trabalhadores Desempregados MTD-RJ

    Rio de Janeiro, 2009 Copyleft

    CADERNOS SOCIAIS

  • Projeto de capa e diagramao: El BrujoImagem da capa: Z Paiva

    Copyleft - livre, e inclusive incentivada, a reproduo deste livro, para fins estritamente no comerciais, desde que a fonte seja citada e

    esta nota includa.

    Universidade PopularRio de Janeiro

    http://universidadepopular.milharal.org

    Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD)Rio de Janeiro

    http://mtdrio.wordpress.com

  • SUMRIO

    APRESENTAO....................................................................................................................5

    PARTE 1: CAPITALISMO E ANTICAPITALISMO

    O QUE O CAPITALISMO? ..................................................................................................11UMA SOCIEDADE DOMINADORA E EXPLORADORA ..................................................................12UMA SOCIEDADE DE CLASSES ...........................................................................................13A CLASSE DOMINANTE (OU A BURGUESIA) ........................................................................15AS CLASSES EXPLORADAS .................................................................................................17LUTA DE CLASSES: A CRISE INERENTE AO CAPITALISMO .......................................................21PROPRIEDADE PRIVADA .....................................................................................................22MERCADORIA, SALRIO E MERCADO .................................................................................24A ACUMULAO PRIMITIVA ................................................................................................26UM SISTEMA MUNDIAL E EXPANSIVO .................................................................................28OS ESTADOS NACIONAIS ....................................................................................................29O IMPERIALISMO ................................................................................................................31A GLOBALIZAO ECONMICA ...........................................................................................32EXPANSO INTERNA............................................................................................................34E O ESTADO? ......................................................................................................................37GARANTIR A ACUMULAO................................................................................................37ASSEGURAR A LEGITIMIDADE.............................................................................................39O ESTADO E A LUTA DE CLASSES........................................................................................40UMA MQUINA DE SEPARAR E HIERARQUIZAR........................................................................41SOCIEDADE GLOBAL, DIREITOS LIMITADOS.........................................................................42PBLICO E PRIVADO............................................................................................................43MAS POR QUE NO MUDAMOS TUDO ISSO?.......................................................................44A FALSA DEMOCRACIA........................................................................................................44NO O GOVERNO DO POVO...............................................................................................46UMA DITADURA DO CAPITAL................................................................................................47A HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE..............................................................................48A IDEOLOGIA DO CAPITALISMO............................................................................................49A CULTURA DO CAPITALISMO: INDIVIDUALISMO..................................................................50A CULTURA DO SUCESSO, DA PRODUO E DO CONSUMO....................................................51CONFORMISMO E PASSIVIDADE..........................................................................................52UM SISTEMA TOTAL?..........................................................................................................53

    PARTE 2: ORGANIZAO POPULAR

    LUTAR CONTRA O CAPITALISMO..........................................................................................57MAS COMO?........................................................................................................................57UMA RELAO DE FORAS.................................................................................................58POR QUE FALAR EM ORGANIZAO?..................................................................................59POR QUE FALAR EM POPULAR?..........................................................................................60RELAES CENTRO-PERIFERIA: REPENSANDO AS CLASSES EXPLORADAS.......................61LUTA CONTRA A DOMINAO.............................................................................................62

  • A VONTADE DE LUTAR.........................................................................................................63OS MOVIMENTOS DE MASSAS OU SIMPLESMENTE MOVIMENTOS SOCIAIS.....................64O QUE UM MOVIMENTO SOCIAL?.....................................................................................65FORA PARA CRESCER E LUTAR ........................................................................................66AUTONOMIA: O MOVIMENTO SOCIAL NO DEVE SER APARELHADO.................................67NO TODO MUNDO QUE QUER APARELHAR.....................................................................68ESTADO, PARTIDOS, BUROCRATAS, ETC..............................................................................68APOIAR O MOVIMENTO SOCIAL...........................................................................................69COMBATIVIDADE: NO AO PACTO SOCIAL...........................................................................70AO DIRETA EM OPOSIO DEMOCRACIA REPRESENTATIVA........................................71A AO DIRETA NECESSARIAMENTE VIOLENTA?..............................................................72A AO DIRETA MUITAS VEZES NO ILEGAL?..................................................................73A POLTICA NO PARA OS POLTICOS...............................................................................74DEMOCRACIA DIRETA: QUANDO TODOS DECIDEM DE VERDADE.........................................75TICA: UM PRINCPIO, UMA FORMA DE CONDUTA...............................................................76A IMPORTNCIA DA RESPONSABILIDADE............................................................................76SOLIDARIEDADE E APOIO MTUO........................................................................................77A LUTA INTERNACIONALISTA............................................................................................78UMA MUDANA QUE TAMBM CULTURAL........................................................................79CRIAR UM MOVIMENTO SOCIAL OU ENTRAR EM UM QUE J EXISTE?................................80ESTABELECER OS OBJETIVOS DA LUTA (DE CURTO E MDIO PRAZO).................................82CRIAR UM PLANO MAIS OU MENOS ESTRATGICO.............................................................83UM EXEMPLO PRTICO........................................................................................................84ASSEMBLIAS E REUNIES.................................................................................................85EFICCIA NA TOMADA DE DECISES...................................................................................86A PARTICIPAO DEMOCRTICA.........................................................................................87PRIORIDADES, MODERAO E ENCAMINHAMENTOS..........................................................88AS RELAES PESSOAIS....................................................................................................89COMUNICAO E IMPRENSA...............................................................................................90 APOIO JURDICO..................................................................................................................91ALGUNS CUIDADOS QUE DEVEM SER TOMADOS................................................................92AS LUTAS DE CURTO E MDIO PRAZO.................................................................................92ISSO NO REFORMISMO?.................................................................................................93A PERSPECTIVA DE LONGO PRAZO......................................................................................94ISSO SIGNIFICA SER REVOLUCIONRIO?.............................................................................95QUEREMOS TOMAR O PODER?........................................................................................95O PODER POPULAR.............................................................................................................96A NOVA SOCIEDADE QUE NECESSRIO CONTRUIR...........................................................97UMA SOCIEDADE SEM CLASSES.........................................................................................97SEM PROPRIEDADE PRIVADA E COM AUTOGESTO............................................................98SEM ESTADO E COM FEDERALISMO....................................................................................99A VERDADEIRA DEMOCRACIA............................................................................................100LIBERDADE E IGUALDADE..................................................................................................100OS MEIOS DA ORGANIZAO POPULAR............................................................................101A PEDAGOGIA DA LUTA.....................................................................................................102LIO DE CASA...............................................................................................................103

  • APRESENTAO

    Este Caderno Social, chamado Capitalismo, Anticapitalismo e Organizao Popular uma publicao da Universidade Popular do Rio de Janeiro em con-junto com o Movimento de Trabalhadores Desempregados do Rio de Janeiro (MTD-RJ).

    Formada em meados de 2007, a Universidade Popular acredita na autofor-mao poltica, social e cultural dos trabalhadores e trabalhadoras (sem-teto, sem-terra, desempregados, camels, etc.) com vistas construo de uma nova sociedade pautada no socialismo e na liberdade. composta por estu-dantes e trabalhadores que se afirmam enquanto reais produtores das riquezas da atual sociedade e indignados com a mais completa situao de misria e opresso que nos atinge tem o mais profundo desejo de construo coletiva de uma nova sociedade, baseada na cooperao e na igualdade. [Manifesto Pr-Universidade Popular]

    A construo do ncleo Pr-Universidade Popular tornou pblica, por meio de seu Manifesto citado acima, a defesa de seis pontos que nortearam a construo deste centro de saber popular, conhecimento e cultura. Podemos resumi-los:

    1. A impossibilidade de o sistema capitalista na promoo do bem-estar social das classes exploradas, por estar baseado na explorao e na dominao pri-vilegiando a classe dominante.

    2. A impossibilidade de a democracia representativa no servir para as vonta-des e expectativas dos movimentos sociais, j que se entende que o sistema representativo e o prprio Estado servem ao capitalismo.

    3. O reforo dos valores do capitalismo pela educao de hoje, que afasta as classes exploradas da possibilidade de construir uma nova sociedade.

    4. O sistema de ensino estatal e privado, que no d conta das necessidades de educao popular.

    5. A defesa de uma educao pblica, organizada pelos prprios setores ex-cludos, democrtica, autogestionria, de livre acesso, que valorize os setores populares com sua formao social e cultural, com vistas auto-emancipao.6. Uma educao popular que esteja ligada ao contexto histrico das lutas e

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  • conquistas dos trabalhadores vindo desde a Comuna de Paris, passando pela Revoluo Espanhola, Quilombo dos Palmares, Confederao dos Tamoios, resistncias armadas da Amrica Latina, levantes populares contemporneos, fundao da Universidade Popular em 1904 e todas as lutas dos trabalhadores que buscaram sua emancipao.

    Neste sentido, entendemos que deveramos contribuir com um material de formao para trabalhar as questes apresentadas acima, nos cursos de for-mao que realizamos com os grupos e organizaes/movimentos sociais.

    O MTD-RJ um movimento de mbito nacional, que se organiza em torno da questo do trabalho. No Rio de Janeiro, ele surgiu em 2001 sofrendo, logo em seguida, um processo de refluxo e desmobilizao. Em 2008, o MTD-RJ iniciou um processo de rearticulao buscando agregar antigos e novos mili-tantes, o que culminou na formao de diversos ncleos de desempregados em diversas localidades da cidade. Atualmente, o MTD-RJ tem ncleos sendo constitudos nas favelas Costa Barros, Vila Cruzeiro e no Complexo da Mar.

    Com o amadurecimento, o MTD-RJ participou de uma srie de manifestaes pblicas, como na passeata dos 40 anos da morte do estudante Edson Luiz, e no ato contra o agronegcio em frente ao BNDES no centro do Rio de Janeiro. Alm disso, participou do Primeiro de Maio, organizado tambm em 2008, que aconteceu na comunidade do Canal do Anil.

    Com vontade e organizao, o MTD-RJ busca articular-se sobre as neces-sidades que possuem todos os seus militantes. Constituindo-se como um movimento autnomo e combativo, tem por objetivo fazer com que o povo conquiste aquilo que precisa por si mesmo. E uma demanda do movimento no Rio de Janeiro tambm a formao poltica.

    Por isso que esta articulao entre a Universidade Popular e o MTD-RJ para esta publicao no poderia vir em melhor momento. Um importante momento para a Universidade Popular pela oportunidade de trabalhar a formao poltica em um movimento social de base bastante promissor. Tambm importante para o MTD-RJ pela oportunidade de realizar formao poltica com os mili-tantes, trazendo importantes ganhos.

    Nesta co-edio, pensamos que um primeiro e importante passo seria um ma-terial que explicasse, de maneira simples, o funcionamento do sistema capita-lista e oferecesse uma perspectiva crtica e atual em relao a ele. Ao mesmo

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  • tempo, este material deveria oferecer mais do que simplesmente a crtica. Ele deveria apresentar elementos construtivos que pudessem mostrar caminhos e possibilidades de como se lutar contra o capitalismo e tambm, dar algumas perspectivas de luta em mdio e longo prazo.

    Foi isso o que tentarmos fazer com a edio deste caderno. Ele servir como material de apoio ao coletivo de formadores da Universidade Popular, dando suporte a cursos de formao poltica voltada para a base dos movimentos sociais, dentre eles o MTD-RJ.

    A primeira parte de Capitalismo, Anticapitalismo e Organizao Popular foi baseada, em grande medida, no livro Anticapitalismo para Principiantes de Ezequiel Adamovsky, editado na Argentina. Nesta parte, alguns trechos foram simplesmente traduzidos e outros modificados, ou mesmo reescritos por ns. Diferentemente, a segunda parte foi completamente escrita por ns.

    Houve uma contribuio mpar dos companheiros que trabalharam com as ilustraes para este caderno. Primeiramente, aqueles que desenharam para o livro de Adamovsky e que reproduzimos na primeira parte: os Ilustradores Uni-dos. Depois, outros companheiros que realizaram todos os outros desenhos: Z Paiva de Portugal a quem deixamos o nosso mais sincero agradecimento, El Brujo e Leandro Bonecini. A diagramao e o trabalho grfico foram feitos por El Brujo.

    absolutamente fundamental, para ns, ressaltarmos os grupos e organiza-es/movimentos sociais com os quais estamos em contato e que, contribu-ram significativamente para a realizao deste material, seja com idias, ou mesmo com o contato na militncia cotidiana. So eles (em ordem alfabtica): Assemblia Popular (RJ), Associao de Produtores Autnomos da Cidade e do Campo (APAC), Centro de Cultura Social Antnio Martinez (CCS-AM), Centro de Cultura Social do Rio de Janeiro (CCS-RJ), Conselho Popular (RJ), Floreal Cooperativa de Trabalhadores em Agroecologia, Frente de Luta Popular (FLP), Frente Internacionalista dos Sem-Teto (FIST), Frente Popular Dario San-tillan (Argentina), Grupo de Agricultura Ecolgica (GAE), Lutarmada Hip Hop (RJ), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Traba-lhadores Sem Teto (MTST), Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Ncleo de Alimentao e Sade Germinal, Projeto de ReciclagemBirimbau, SINDISPETRO (RJ), SINDISCOP

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  • (RJ), SINDISPREV (RJ), Tendncia Filhos de Toda Terra (Omo Bogho), Univer-sidade Popular, Us Neguin q No c Kala, Via Campesina.

    Esperamos que a leitura seja proveitosa!

    Universidade PopularMovimento dos Trabalhadores Desempregados RJ

    Rio de Janeiro 2008

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  • PARTE 1 CAPITALISMO E ANTICAPITALISMO

  • O capitalismo , antes de tudo, um regime social, ou seja, uma forma de organizao da vida social. Para que os homens e muheres possam viver jun-tos, toda a sociedade deve ter as respostas para uma srie de perguntas.

    Essas perguntas podem ser respondidas de vrias formas; um regime social o sistema de respostas que organiza uma sociedade. Ao longo da histria, os seres humanos organizaram sua vida de muitas formas diferentes.

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    O QUE O CAPITALISMO?

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    UMA SOCIEDADE DOMINADORA E EXPLORADORA

    Durante a histria existiram muitas sociedades mais ou menos igualitrias. Mas o capitalismo um regime social dominador. Um regime dominador quando existe um grupo de pessoas que tem domnio sobre o resto e de for-ma mais ou menos permanente. Ter o domnio significa ter a capacidade de conseguir a obedincia de outras pessoas, obrigando-lhes fazer uma coisa ou outra, mesmo que isso lhes cause sofrimentos ou prejuzos. Os dominados podem obedecer aos dominadores pela fora, ainda que geralmente faam isso porque a cultura dentro da qual foram educados lhes ensinou que isso o correto ou que essa a nica forma de viver. Essa cultura da obedincia nos faz acreditar, por exemplo, que essa dominao imposta pelo capitalismo necessria e at normal. Aprendemos essa cultura da obedincia nas es-colas, assistindo televiso e at mesmo com os nossos pais.

    Existem vrios tipos de dominao, de acordo com as diferentes relaes entre as pessoas. Por exemplo: existe uma dominao de gnero, quando os homens dominam as mulheres, fazendo com que elas trabalhem para eles, ou que recebam menores salrios, ou que se comportem da forma que lhes agrada. Essa forma de dominao chamada de patriarcado, que se expressa em nossa sociedade principalmente pelo machismo, ou seja, na crena de que os homens so superiores s mulheres. O patriarcado existiu na maioria dos regimes sociais do passado e ainda existe hoje.

    O capitalismo um regime social, uma forma de organizao da vida social, que comeou h menos de 500 anos.

  • Outras formas de dominao podem se estabelecer quando, por exemplo, os brancos dominam os negros, os cristos dominam os muulmanos, um pas domina outro e fazem isso simplesmente por se acharem superiores.

    A principal dominao do capitalismo a dominao econmica, na qual uma minoria de ricos domina a maioria de pobres.

    UMA SOCIEDADE DE CLASSES

    Como vimos, o capitalismo um sistema que domina e explora economica-mente e, por este motivo, podemos dizer que ele um regime de classes. Isso significa que h uma classe de pessoas a classe dominante que, pelo lugar que ocupa na sociedade, pelas funes ou atribuies que possui (ou que diz possuir) tem o direito de dominar os demais.

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    Quando existe a dominao, existe a explorao. Quem domina o explorador, os que so dominados so os explorados. Portanto, o ca-pitalismo alm de dominador, tambm explorador.

  • Em todos esses casos, a sociedade havia desenvolvido todo um sistema de instituies, normas e crenas para organizar, legitimar e proteger o poder da classe dominante. Mas o poder da classe dominante no capitalismo tem uma forma diferente.

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    A dominao de classes pode se justificar e se organizar por meio de v-rias instituies, normas, hbitos e idias. Ela no foi uma inveno do capitalismo. Na Idade Mdia, por exemplo, existiam os reis, os nobres, os padres e os camponeses. Naquela poca, os reis afirmavam serem escolhidos por Deus e, por isso, deveriam ser tratados com privilgios; os nobres, ou senhores feudais, nada mais eram do que herdeiros de grandes propriedades de terra, que utilizavam e obtinham recursos com a cobrana de impostos; e os camponeses, nicos trabalhadores daquela sociedade, tinham grande parte da sua produo agrcola usurpada pelos reis e nobres, na medida que eram dominados, pela fora e pela cultura da obedincia, ensinada principalmente pelos padres.

    Na ndia se supunha que certas pessoas eram descendentes de deuses muito importantes e que, por isso, formavam uma casta superior. As castas inferio-res deviam servir casta superior.

    Na Unio Sovitica, os funcionrios e chefes polticos sustentavam que eles tinham o conhecimento e a autoridade para comandar a sociedade, e, por esse motivo, deviam ocupar um lugar de privilgio.

  • A CLASSE DOMINANTE (OU BURGUESIA)

    A classe dominante no capitalismo a burguesia, que se define pela quanti-dade e tipo de recursos econmicos que controla.

    A burguesia se apropria dos meios de produo por meio da propriedade da terra, das empresas, das mquinas, do dinheiro, dos bancos, do acesso ao conhecimento, etc.

    Porm, s vezes, ela tambm consegue controlar os recursos econmicos sem necessidade de ser sua proprietria, por exemplo, quando as aes de uma empresa esto divididas entre milhares de pequenos proprietrios, mas s um grupo de grandes empresrios controla a administrao. Esta classe, daqueles que controlam, pode ser chamada de classe de gestores ou tam-bm de classe dos coordenadores.

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    A sociedade capitalista a primeira em que o poder da classe do-minante no se define pelo nascimento ou por se pertencer a algum crculo fechado, mas fundamentalmente (mesmo que no somente) por diferenas econmicas entre as pessoas.

  • Uma caracterstica do capitalismo que as classes no esto separadas de maneira absoluta e permanente. No existem somente dois nveis: os extrema-mente pobres e os extremamente ricos. As classes esto divididas em diferentes e contnuos nveis de riqueza, que vo desde esses extremamente pobres at os extremamente ricos, passando por vrios nveis intermedirios. No h muita diferena entre um nvel e outro, mas a distncia entre os ricos e os pobres enorme, o que nos faz uma sociedade de imensa desigualdade social.

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    Para assegurar seu domnio dos recursos econmicos, a burguesia tambm precisa controlar outros recursos; assim, ela obtm certos cargos polticos, financia campanhas milionrias dos polticos, patrocina o desenvolvimento cientfico e tecnolgico, obtm cargos acadmicos e judiciais, controla os meios de comunicao, entre outros.

    A classe dominante se define, ento, como o grupo que, direta ou indiretamente, controla os recursos econmicos e no econmicos fundamentais de uma sociedade. Por meio desse controle, consegue ter domnio sobre os demais. Esse domnio acontece quando a classe dominante coloca as pessoas para fazer aquilo que ela quer, ou que mais vantajoso para ela, e no aquilo que o povo quer ou o que lhe mais vantajoso.

  • AS CLASSES EXPLORADAS

    Com freqncia, os anticapitalistas discutem estas questes fervorosamente, pois supem que cada um atua politicamente de acordo com a classe a que pertence. Mas ento o que dizer do fato de que professores e trabalhadores da classe mdia ou mesmo pessoas que vieram de classes altas foram grandes revolucionrios, enquanto trabalhadores ou pessoas pobres foram grandes conservadores, reacionrios e aliados do capitalismo?

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  • H pessoas que afirmam que as classes no existem mais. Elas dizem que a diviso de classes no sculo XIX era mais clara: burgueses (aqueles que detinham os meios de produo) e proletrios (os trabalhadores explorados).

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    Identificar a que classe uma pessoa pertence e com que classe se aliar vlido, mas somente at certo ponto. Na realidade, fora a classe dominante, distinguir as classes sociais pode ser uma coisa enganosa, se elas forem pensadas como classes fixas e no modificveis.

    O capitalismo no um sistema esttico caracterizado apenas pela diviso de classes, mas um processo constante e cotidiano de sepa-rao das pessoas em classes diferentes.

  • Como a situao mudou muito hoje, e esta definio no consegue contem-plar todas as camadas de nossa sociedade (todas essas que vimos acima): elas dizem que a sociedade de classes no existe. Ou mesmo que o conceito de classe ultrapassado. Ser?

    Basta olharmos em nossa volta que vamos ver: independente das classes terem ficado mais complexas e sua diviso mais difcil, no podemos negar que existem aqueles que gostam do capitalismo (a classe dominante) e outros que esto sofrendo as suas conseqncias (as classes exploradas). Alguns pensadores, como reforo das novas formas de luta, chegam a afirmar que hoje o trabalhador explorado, aquele antes chamado de proletrio, na realidade o que vive em rebelio contra o sistema capitalista. Muitos inclusive sem lugar na esfera produtiva tradicional. Independente da diviso de classes que formos utilizar, possvel notar essa grande diferena entre as classes.

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  • 20

    As classes exploradas se definem como o grupo que dominado pela classe dominante. Como as classes exploradas no possuem e nem controlam os recursos fundamentais da sociedade (econmicos e no econmicos), terminam por ser exploradas pela classe dominante. Independente de como essas classes exploradas estejam divididas, isso no nos importa: o fato que h alguns poucos que exploram e muitos que so explorados.

  • LUTA DE CLASSES

    Por ser uma sociedade de classes, o capitalismo cria uma tenso permanente: a luta de classes. Assim como a dominao e a explorao esto presentes em cada canto da sociedade, a resistncia tambm est.

    O capitalismo implica no s na explorao econmica, mas tambm em tirar das pessoas sua capacidade de fazer as coisas, sua liberdade de se movi-mentar, sua possibilidade de decidir de maneira autnoma como querem viver. Por isso mesmo, o capitalismo enfrenta uma resistncia constante, uma luta em que os oprimidos buscam fugir da dominao, da explorao e recuperar a capacidade de fazer as coisas, a liberdade de movimento, a possibilidade de deciso.

    A luta de classes est presente quando um trabalhador faz greve, mas tambm quando abandona seu trabalho em busca de um patro menos explorador. Est presente em uma grande revolta, mas tambm quando algum trabalha lenta-mente, por no conseguir se organizar com outros explorados, chegando mes-mo ao tdio. Est presente nas aes coletivas e conscientes por exemplo, em uma manifestao de trabalhadores desempregados ou de trabalhadores sem-teto ou sem-terra mas tambm nas aes individuais e inconscientes como um jovem que busca um tipo de carreira que no o coloque na condi-

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    A luta de classes esse combate constante entre a dominao e a vontade de se livrar dela. Pode ser mais ou menos consciente, mais ou menos politizada, mais ou menos visvel, mas sempre est presente.

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    PROPRIEDADE PRIVADA

    No capitalismo a classe dominante constitui seu poder por meio de uma srie de crenas e instituies que permanentemente devem mudar, se adaptar, ou sero eliminadas pela luta de classes. Mas h algumas que so relativamente estveis. Uma das mais importantes a idia de que alguns recursos que existem no mundo podem ser propriedade privada.

    A propriedade privada tambm uma inveno do ser humano, ou seja, no nasce com a gente. No passado, alm da propriedade dos reinos e dos senhores feudais, existiam grandes reas de uso comum. Nelas, os campo-neses usavam conjuntamente as terras, dividindo o resultado do esforo do trabalho coletivo.

    H recursos que ainda no foram privatizados, tal como a atmosfera. Ainda, feliz-mente, no necessrio pagar a ningum pelo ar que respiramos. Mas os capita-listas tambm se aproveitam desta situao, e por isto, no se preocupam com a poluio do ar, e mantm funcionando, por exemplo, indstrias muito poluidoras.

    Por esse motivo, o poder da classe dominante s pode ser instvel e frgil, e precisa se reformular todos os dias. O capitalismo um sistema que vive per-manentemente em crise, pois essa crise inerente a ele, alm de se manifestar de forma contnua. Mesmo que existam explicaes tcnicas, a causa dessas crises econmicas que o sistema sofre somos ns, nossa capacidade de escapar, de resistir e de nos rebelar contra o sistema capitalista.

    o de assalariado ou em um morador pobre que, por extrema necessidade, faz um gato para usar luz sem pagar.

    A luta de classes obriga o capitalismo a desenvolver permanente-mente novas formas de dominar, de explorar e de dividir as pessoas. Mas as pessoas sempre arrumam um jeito de se juntar de novo, de fugir da dominao, da explorao, de ganhar espaos de liberdade.

    A propriedade privada, nada mais do que o direito de uso exclusivo, que uma pessoa possui, sobre qualquer tipo de recurso.

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    A propriedade privada no uma coisa nova: desde tempos imemoriais j existiam os direitos exclusivos sobre alguns bens: um pedao de terra, os ins-trumentos de trabalho, etc. No capitalismo, esse tipo de direito se ampliou at abarcar quase tudo. Milhares de hectares de terras e vrios lagos hoje podem ser propriedade privada, da mesma forma que portos, empresas, msicas, idias, genes, ou milhes de dlares em um banco. Tambm se permite que algumas pessoas se apropriem, sem pagar nada, das poucas coisas que no so privadas. Por exemplo: uma empresa pode contaminar o ar de todos e

    A propriedade privada produz efeitos perversos sobre a sociedade. O que acontece com os filhos das classes exploradas, que nascem em um mundo que j se encontra praticamente todo cercado? Para onde iro? O que faro?

    A propriedade de uma coisa privada quando algum privou ou rou-bou os demais da possibilidade de utiliz-la. Por exemplo: quando um proprietrio tem um monte de casas ou terras vazias e nos priva do direito de morar. O motivo dessas casas ou terras serem proprie-dade privada, mesmo que os proprietrios no as utilizem, lhes d o direito de nos privarem do direito de morar, ou seja, eles nos roubam o direito de morar!

  • 24

    MERCADORIA, SALRIO E MERCADO

    Outra instituio fundamental do capitalismo a mercadoria. A mercadoria tudo aquilo que se produz para vender e para se ter lucro. Tambm existiu, desde sempre, a compra e venda de objetos em espaos que se chamavam mercados. Porm, no capitalismo todo espao tende a se transformar em um grande mercado e quase tudo se transforma em mercadoria vendvel. No s um peixe ou uma panela, mas tambm a sade, a educao, a informao e a segurana. Para poder ter acesso ao que se privatiza, cada vez mais necessrio pagar, ou seja, fazer uma compra. Isso inclui o tempo das pessoas que tambm se transformou em mercadoria.

    A histria da transformao do tempo em mercadoria pode muito bem ser contada pela evoluo do relgio, mquina que nasceu aparentemente inocen-te e til. No sculo XVIII, quando o capitalismo engrenava sua grande arranca-da para a Revoluo Industrial, apareceu o relgio com apenas o ponteiro das

    ocupar nosso espao visual com propagandas. O capitalismo uma mquina de privatizar.

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    Nas sociedades pr-capitalistas, a classe dominante se contentava em exigir um imposto ou tributo da populao, sem pretender controlar tambm seu tempo. No capitalismo, a classe dominante no obriga ningum a pagar tri-buto nem a trabalhar para ela.

    Essa obrigao indireta. As pessoas que foram privadas de seus recur-sos no tm outra opo seno a de entregar tempo de trabalho volunta-riamente classe dominante, para obter um pagamento que lhes permita no morrer de fome. Esta obrigao, que parece voluntria, se chama co-ero econmica.

    horas. No sculo seguinte, era a vez do aparecimento do ponteiro dos minutos. Isso para melhor dividir o tempo em fraes e roub-las dos trabalhadores, de forma ainda mais eficiente. As jornadas de at 16 horas nas fbricas agora tinham um aliado de preciso. No era mais o dia ou a noite que ditavam os ritmos do trabalho. O tempo no era mais o natural, o das estaes do ano, da durao maior ou menor das noites ou das variaes de temperatura. Os trabalhadores tinham que obedecer ao tirnico compasso dos relgios, quase sempre acertados pelo fuso horrio do patro. Antes ainda do fim do sculo XIX, para saciar a velocidade da produo fabril, foi ento inventado o ponteiro dos segundos.

    Hoje um empresrio pode comprar tempo de trabalho para utiliz-lo em seu prprio benefcio em troca de um salrio. A diferena entre o que o trabalhador produz com seu trabalho e o que recebe como salrio o que se chama de mais-valia. No capitalismo, a classe dominante se apropria da mais-valia que os trabalhadores e a socie-dade produzem.

    Ento, o capitalismo poderia ser definido como uma srie de hbitos, leis e instituies polticas e econmicas, e toda uma cultura, que garantem e legitimam o fato de algumas pessoas poderem privar as demais do acesso a quase todo o tipo de recursos, e que possam usar os demais para seu prprio enriquecimento. Apoderando-se do trabalho dos demais, a classe dominante produz mercadorias para vender rapidamente no mercado. Assim, ela tem um lucro que lhe permite acumular riquezas cada vez maiores, para com elas manter e aumentar o seu poder.

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    A ACUMULAO PRIMITIVA

    Antes do capitalismo, a grande maioria dos homens e mulheres possua seus prprios meios de produo terras, animais, instrumentos de trabalho ou os dividia coletivamente com seus vizinhos. Nessa poca, ningum tinha aceitado vender seu tempo de trabalho para outra pessoa somente para sobre-viver; ainda no havia necessidade disso. Nessa poca, nem o tempo e nem o trabalho eram considerados mercadorias.

    Por isso, o estabelecimento do capitalismo precisou de um longo processo de assalto dos meios de produo dos trabalhadores, das riquezas e recursos de povos inteiros das mos dos produtores dire-tos. Impedindo as pessoas viverem de acordo com as suas prprias decises e costumes.

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    Esse processo de expropriao o que se chama acumulao primitiva. Em termos histricos, ela significou, entre outras coisas, a expulso de milhares de camponeses de suas terras na Europa e em outros lugares, para lhes obrigar a serem trabalhadores da cidade.

    Tambm significou o saque colonial das riquezas de todo o mundo durante sculos, a imposio de governos coloniais sangrentos, o aniquilamento de grupos tnicos inteiros que se negaram submisso, etc.

    H aqueles que crem que a acumulao primitiva foi s um perodo de inaugurao do capitalismo, uma espcie de ponta-p inicial. Outros acreditam que, na realidade, o capitalismo uma grande e constante acumulao primitiva que s terminar quando o prprio sistema terminar. Em qualquer caso, est claro que o capitalismo um regime fundado sobre a violncia.

  • 28

    UM SISTEMA MUNDIAL E EXPANSIVO

    Ainda que tenha comeado a surgir na Europa h apenas cinco sculos, o capitalismo logo passou a influenciar todo o planeta; sua lgica expansiva parece no ter limites.

    A possibilidade de expanso fundamental para o capitalismo; a sua forma de resolver sua crise inerente. Sem expanso, ele simplesmente desmoro-naria.

  • 29

    OS ESTADOS NACIONAIS

    Ao longo da histria, o capitalismo se expandiu, criando instituies e formas sociais que antes no existiam. Entre suas primeiras criaes esto as fron-teiras e os Estados-Nao.

    A noo de que uma autoridade poltica deve coincidir perfeitamente com um espao geogrfico claramente determinado e com fronteiras uma in-veno do capitalismo; antes, essa noo no existia.

  • 30

    Tambm nova a idia de que os espaos ocupados por um Estado devem coincidir com uma nao, ou seja, com um grupo de habitantes ou com uma cultura e uma identidade mais ou menos homogneas.

    Na Europa, antes do capitalismo, s existiam algumas cidades e, entre elas, os vastos territrios feudais. Essas cidades no pertenciam, como hoje acontece, a pases e em cada uma delas encontrava-se um povo com seus hbitos e costumes. As fronteiras e os Estados foram ento inventadas pela classe dominante, que estava interessada em pagar menos impostos e lucrar mais com a venda das suas mercadorias.

    Assim, o capitalismo imps uma lngua, leis e costumes nicos e uniformes a habitantes de grandes espaos que, anteriormente, viviam com maneiras e culturas diferentes. A ideologia do nacionalismo parte desse processo. H alguns poucos sculos, a identidade nacional no existia.

    A construo das naes tambm separou os habitantes dos distintos espa-os nacionais. Cruzando uma das novas fronteiras, as pessoas passavam a ser estrangeiros e a perder muitos de seus direitos. Todo esse trabalho de uniformizao e ao mesmo tempo de diviso das pessoas levou sculos de guerras e violncia estatal.

  • 31

    O IMPERIALISMO

    Um segundo ciclo de expanso foi em direo aos territrios descobertos a partir do sculo XV. Por meio do imperialismo e do colonialismo, as novas naes capitalistas se apropriaram cada uma de enormes regies e obri-garam seus habitantes a trabalharem para elas.

    Movidos pelo desejo de lucro, os capitalistas saquearam o ouro e a prata da Amrica, escravizaram milhes de africanos, exploraram trabalhado-res chineses, expropriaram camponeses da ndia e muitos outros absurdos semelhantes, durante 500 anos. As companhias comerciais, junto com os Estados-Nao, foram as principais instituies que lideraram esta expanso.

    O imperialismo tambm produziu a uniformizao do mundo. Por exemplo, os colonizadores quiseram impor aos povos colonizados seus costumes, pois queriam deix-los semelhantes; impuseram as lnguas e as culturas euro-pias aos colonizados. No entanto, tambm houve novamente uma diviso das pessoas de acordo com critrios de nacionalidade, religio ou cor da pele. Todos os no-brancos passaram a ser considerados inferiores e aptos para serem explorados e escravizados. A etapa do imperialismo tambm foi marcada pela guerra e violncia do Estado e enormes sofrimentos para a maior parte da humanidade.

  • 32

    A GLOBALIZAO ECONMICA

    A terceira etapa de expanso do capitalismo a atual, que alguns chamam de globalizao. Globalizao econmica significa um grau muito maior de integrao da produo, distribuio e troca em escala mundial. Cada parte de um mesmo produto fabricada em locais diferentes do mundo, os produtos so importados e exportados. As prprias empresas se organizam de maneira transnacional.

    Nesta fase, o imperialismo e as naes j cumpriram boa parte de sua misso, e novas instituies foram surgindo para aprofundar a expanso capitalista. Os investimentos e as empresas transnacionais precisam se movimentar livremente sem serem afetados por nenhuma fronteira nacional e, para isso, necessrio uniformizar certas regras de funcionamento econmico em todo o mundo e com elas certos temas culturais de todas as naes.

  • 33

    Os Estados nacionais j no conseguem cumprir todas essas tarefas e, pelo contrrio, vo perdendo seu poder. Para complement-los vo surgindo ins-tituies transnacionais privadas e (supostamente) pblicas que regulam e organizam a vida em escala global. Alguns exemplos destas instituies so: a Organizao das Naes Unidas (ONU), o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF), a Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao (FAO), a Organizao Mundial do Comrcio (OMC), o Fundo Monetrio Internacional (FMI).

  • 34

    EXPANSO INTERNA

    Porm, o capitalismo no se expandiu somente para o exterior. Ele tambm se expandiu em direo ao interior das regies que j so capitalistas, intensificando ainda mais sua presena. Rios e mares, praas e parques, es-colas e universidades, teatros e espetculos, esto cada vez mais se tornando mercadorias, invadidos pela presena da publicidade em todos os cantos e pela dependncia dos patrocnios.

    Na globalizao econmica, o capital tem livre fluxo entre os pases, o que no acontece com as pessoas. Um trabalhador mexicano pode ser explorado pelas empresas dos Estados Unidos, mas ele no pode sair do Mxico e entrar nos Estados Unidos. Este mais um reflexo do capitalismo que privilegia o dinheiro em vez de privilegiar as pessoas.

    A expanso externa ou interna fundamental para que o capita-lismo possa sobreviver sua crise interna permanente.

  • 35

    Cada vez existem menos espaos pblicos atrativos e seguros, motivo pelo qual as pessoas se vem foradas a optar por espaos privados e que j so mercadorias. Uma coisa to simples como um passeio pela praa ou pela rua principal de um bairro tende a ser substitudo hoje por uma visita ao shopping center.

    O capitalismo, atravs da inveno da propriedade intelectual, transfor-mou o conhecimento, que um avano da colaborao da humanidade, em mercadoria.

    Por exemplo: muito antes das atuais pastas de dente, os ndios que aqui habi-tavam j utilizavam o Jo, que uma rvore brasileira, como forma de diminuir os problemas com as cries nos dentes. A classe dominante roubou esse conhecimento do povo e o transformou em uma mercadoria que s ela pode produzir e vender. A propaganda ensina que s com as pastas de dente que podemos prevenir as cries, condicionando, pouco a pouco, todos a compra-rem essa mercadoria.

    A mesma coisa acontece com as sementes de milho e soja; alimentos natu-rais que esto sendo modificados pela engenharia gentica. Ou seja: a clas-se dominante, mais uma vez, usa a tecnologia contra as classes exploradas, transformando algo que de todos, em propriedade privada. Os agricultores que rejeitam sementes geneticamente modificadas so surpreendidos, muitas vezes, com suas plantaes contaminadas pelas plantas dos seus vizinhos, grandes latifundirios que utilizam as sementes transgnicas. E os oceanos, ltimos espaos de uso comum da humanidade, esto sendo cada vez mais privatizados. Quantas praias j no so de uso exclusivo dos grandes empresrios do turismo? Os peixes, antes livres nos oceanos, agora viraram propriedade privada dos agricultores marinhos, os maricultores.

    O capitalismo tambm penetra cada vez mais em nossas mentes e em nos-sa vida pessoal, de modo que trabalhamos cada vez com maior intensidade e por menor remunerao e s podemos usar o nosso tempo de forma que produza lucro, pois mesmo em nosso tempo livre, muitas vezes fazemos cursos de aprimoramento, estudamos coisas que nos desagradam ou que no nos interessam etc., para aumentar nosso conhecimento tcnico e, conse-quentemente, nossa produtividade, em benefcio dos patres.

  • 36

    A intensidade do trabalho nos deixa cada vez menos oportunidades para de-senvolver nossa vida pessoal. A ditadura da moda e do status nos obriga a consumir de determinada maneira e a ter determinadas opes de vida (por exemplo, que tipo de carreira seguir), e condiciona as crianas desde cedo.

  • E O ESTADO?

    Uma das questes mais difceis de entender do capitalismo o que o Esta-do e como ele funciona. O Estado no neutro, mas est ao lado da classe dominante.

    Antes do sculo XX, o Estado era somente represso. As leis que desenvolvia e defendia serviam manuteno dos privilgios das classes dominantes e eram garantidas com mo de ferro.

    As lutas de classes que agitaram os sculos XIX e XX contriburam para o sur-gimento de uma nova forma de Estado, que se caracteriza pela aplicao das polticas de bem-estar social, que serviram como medidas para conter a fria das classes exploradas.

    A partir da, se verificou que o Estado podia fazer leis importantes em bene-fcio dos trabalhadores, incluindo leis que aparentemente prejudicavam os poderosos. Entre os anticapitalistas, comeou ento um intenso debate, que continua at hoje. At que ponto o Estado depende da classe dominante? O Estado tem algum grau de autonomia?

    GARANTIR A ACUMULAO

    A funo do Estado tem a ver no mnimo com dois aspectos: garantir a acu-mulao econmica de longo prazo e assegurar a legitimidade do sistema.

    37

    Parte dos anticapitalistas se confundiu ao tratar da questo do Es-tado. Uma parte achava que o Estado poderia ser um meio para a emancipao dos trabalhadores (a ser atingido ou pelas eleies, ou pela revoluo). Outra parte dos anticapitalistas reivindicou que o Estado parte integrante da sociedade de classes e por isso deveria ser destrudo, junto com o capitalismo, para que os trabalhadores fossem emancipados. Com o passar da histria, esta segunda parte se mostrou a mais correta. Exemplo disso foi a Unio Sovitica, onde um sistema socialista com Estado se mostrou igualmente (ou mais) opressor que o prprio sistema capitalista.

  • No entanto, essa forma de pensar dos empresrios acabaria fazendo com que todos os negcios se esgotassem. Por isso, a regulao da economia uma funo imprescindvel que o Estado capitalista realiza para garantir a acumulao de longo prazo. Pode parecer que o Estado prejudica o empres-rio da pesca individualmente quando impe limites, mas na realidade ele est beneficiando a classe a que ele pertence.

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    Sem o Estado, os capitalistas individuais no poderiam assegurar a continua-o da sua acumulao de lucro.

    Por exemplo: sem regulao estatal os empresrios do ramo da pesca, pesca-riam at acabar com todos os peixes.

  • ASSEGURAR A LEGITIMIDADE

    Como o capitalismo est permanentemente ameaado pela luta de classes, o Estado tambm tem a funo de fazer com que a sociedade capitalista pare-a legtima. Se a maioria das pessoas tivesse opinio de que todo o sistema ilegtimo, ento se derrubaria o capitalismo com facilidade. Quando a legiti-midade falha, o Estado tambm responsvel pela represso. Mas nenhum sistema sobrevive muito tempo se estiver baseado somente na represso; o Estado deve sempre assegurar a legitimidade da sociedade capitalista.

    39

    Por isso, o Estado precisa manter a todo custo uma aparncia de neutralidade. Ainda que seja capitalista do comeo ao fim, o Estado precisa parecer independente, autnomo de qualquer presso dos poderosos. por isso que, em muitas ocasies, o Estado inclusive cria leis que podem prejudicar os interesses de curto prazo desses poderosos. essa aparncia de neutralidade que confunde muitos dos que tratam de entender como funciona o Estado.

  • 40

    O ESTADO E A LUTA DE CLASSES

    A lei das oito horas dirias de trabalho que, sem dvidas, prejudicava os interesses de curto prazo dos empresrios refletiu a maior fora que os tra-balhadores tiveram para fazer com que a classe dominante fosse obrigada a aceitar sua reivindicao. O Estado teve que fazer esta lei para assegurar a legitimidade do sistema, que estava em perigo com o fortalecimento das lutas anticapitalistas da poca. Essas lutas foram muito fortes no Brasil no incio do sculo XX.

    Por mais que saibamos que o Estado e a sociedade no so a mesma coisa, a sociedade capitalista de hoje se apia no Estado para sobreviver e h influncia mtua entre Estado e sociedade. As mudanas na sociedade se traduzem, s vezes, em mudanas no Estado, e a mudanas no Estado normalmente se traduzem em mudanas na sociedade. E assim como a luta de classes vai moldando permanentemente cada canto da sociedade, ela tambm o faz com o Estado. Por exemplo, quando o Estado assegurou a jornada de trabalho de oito horas, isso no foi somente uma mudana vinda do Estado, mas tambm uma mudana da sociedade que, mobilizada, operou esta conquista em rela-o ao Estado.

  • 41

    UMA MQUINA DE SEPARAR E HIERARQUIZAR

    O Estado tambm uma mquina de separar as pessoas e de hierarquizar os direitos que elas tm. Em primeiro lugar, ele separa os seres humanos em muitas soberanias polticas diferentes, ou seja, em pases que esto sob Esta-dos diferentes, separados por fronteiras. Os cidados s tm direitos polticos dentro de seus prprios Estados e os perdem, se cruzarem a fronteira.

    A luta de classes pode mudar aspectos importantes da forma do Es-tado e de suas funes, na mesma medida que pode fazer isso com outros aspectos da sociedade, como por exemplo, com uma empresa, quando os trabalhadores lutam por melhores salrios ou por uma jornada de trabalho menor.

  • 42

    Os seres humanos que um Estado define como estrangeiros, muitas vezes nem sequer possuem a liberdade de circular livremente pelo territrio.

    SOCIEDADE GLOBAL, DIREITOS LIMITADOS

    A ideologia nacionalista prpria do capitalismo nos faz pensar que o espao da sociedade coincide perfeitamente com o de um Estado ou pas. Porm, se a sociedade o conjunto das relaes que estabelecemos entre ns e com a natureza, est claro que essas relaes no terminam nas fronteiras do pas no qual vivemos.

    Ainda que no tenhamos percebido, estamos todos interconectados de forma positiva ou negativa. O funcionamento da produo, o comrcio, a circulao de idias, as modas ou a cultura, conectam as pessoas no espao global.

    No existe uma sociedade francesa ou uma sociedade peruana, como se fossem entidades separadas e independentes. A sociedade em que vivemos global e interdependente.

  • PBLICO E PRIVADO

    A segunda separao que o Estado faz entre o privado e o pblico. O sistema legal e constitucional estabelece que existe toda uma regio da vida social que a prpria sociedade no pode tocar, porque privada. Ningum nem mesmo o Estado tem a possibilidade de legislar sobre o que se con-sideram direitos privados de um indivduo. Em princpio, no h problemas nisso. O problema que, no capitalismo, somente certos tipos de direito tem este privilgio de ser definidos como privados (ou mesmo de serem considerados direitos).

    43

    Os Estados fragmentam, separam e dividem a sociedade global, criando zonas geogrficas e grupos humanos privilegiados e outros oprimidos. Uma das funes dos Estados limitar nossos direitos dentro de fronteiras, para que no possamos mudar o funcionamento da sociedade (global) no seu conjunto.

  • 44

    A linha que separa um direito de uma mera reivindicao, ou o que pblico e o que privado, no fixa e foi sendo mudada ao longo da histria. H sculos os homens e as mulheres lutam para trazer os privilgios privados de volta esfera pblica, para que a sociedade possa decidir democraticamente se quer conserv-los ou no.

    MAS POR QUE NO MUDAMOS TUDO ISSO?

    importante fazermos uma distino entre o que pblico e o que estatal. As pessoas geralmente chamam uma empresa de pblica quando ela do Estado. No entanto, uma empresa s pblica quan-do ela pertence a todos que nela trabalham. Um espao pblico quando pertence comunidade. As universidades seriam pblicas se o conjunto de professores, alunos e funcionrios fizessem sua gesto por conta prpria e no como hoje, que respondem a um Estado-patro.

    O capitalismo uma forma de organizao social injusta, que causa enormes sofrimentos grande maioria das pessoas: produz pobreza e explorao, submete os seres humanos passividade e limita suas potencialidades, estimula muitas formas de discriminao, alimenta a violncia e o medo, atenta contra os direitos bsicos, destri o pla-neta. Os anticapitalistas vm dizendo isso h muitos anos. Por que ento no mudamos tudo isso?

    A FALSA DEMOCRACIA

    Na realidade, vivemos em uma falsa democracia. No sculo XIX, quando nos-sos antepassados comearam a lutar pela democracia, eles se referiam a ela no seu sentido original: o governo do povo. Nesta poca, as elites liberais se opunham fortemente idia de democracia; o liberalismo sempre foi inimigo da democracia.

  • 45

    Porm, depois de dcadas de luta, a elite se viu forada a conceder gradual-mente o direito de voto a todos, independente de sua classe social. Os liberais adotaram ento a palavra democracia como se fosse uma palavra deles, mas alterando profundamente seu sentido original.

    J no significava mais governo do povo, mas somente se referia a um sistema eleitoral para selecionar pessoas que ocupariam alguns cargos estatais. Nada mais.

  • 46

    NO O GOVERNO DO POVO

    De maneira nenhuma, a democracia de hoje o governo do povo. Quando elegemos os polticos, que sero os nossos representantes, estamos conce-dendo a eles o nosso direito de fazer poltica e de nos autogovernar.

    Entregar aos polticos esse nosso direito significa que eles vo tomar as de-cises que acharem melhor para as coisas que nos dizem respeito. s ob-servar: nas pocas de eleies nos fazem um monte de promessas, mas quando so eleitos, defendem somente seus prprios interesses e nunca mais aparecem para realizar o que nos prometeram.

    Alm disso, o poder de deciso dos polticos limitado ao espao nacional e as questes definidas como pblicas. Aspectos fundamentais que afetam nossas vidas como os movimentos internacionais do capital, por exemplo, no po-dem ser administrados pelos polticos. A tal democracia que funciona hoje no atinge o nvel global. Ela tambm no chega a tudo o que as constituies dos pases inspiradas na ideologia liberal definem como assuntos privados.

  • 47

    Por exemplo: se uma empresa farmacutica registra um novo remdio que pode salvar milhes de vidas e decide cobrar por ele um preo abusivo, com um lucro exorbitante, fazendo com que os pobres no possam pag-lo, esse um assunto privado e que o Estado no pode intervir.

    O governo do povo pelo prprio povo se faz de baixo para cima, nos movimentos sociais, nas lutas populares e no dando esse nosso di-reito de fazer poltica a um poltico profissional que, quando chegar l, vai apenas defender seus prprios interesses e esquecer de ns, que fomos quem o elegeu.

    UMA DITADURA DO CAPITAL

    Alm disso, mesmo no limitado grupo de questes nas quais nossos repre-sentantes tm poder de deciso, a democracia est muito limitada.

    Alis, a histria mostra que a democracia e as liberdades polticas terminam sempre que um representante ou um movimento poltico pretende ir contra os interesses da classe dominante. Assim foi com a deposio de governos que propunham alguma mudana na Amrica Latina, quando foram depostos e os militares, junto com os americanos e a classe dominante, sustentaram golpes militares que nos condenaram a anos seguidos de sangrentas ditaduras.

    Os poderosos possuem muitas possibilidades de condicionar as de-cises polticas com mecanismos legais como as doaes para campanhas eleitorais e o controle dos meios de comunicao ou ilegais como o suborno.

    Por esses motivos, no podemos dizer que vivemos em uma verda-deira democracia; na realidade, vivemos em uma ditadura do capital, na qual nos permitem eleger alguns representantes e decidir sobre algumas questes sem muita importncia.

  • 48

    A HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE

    No entanto, o problema no somente a falta de democracia real. A classe dominante no domina somente enganando e reprimindo. Seu maior poder est na transformao da sua prpria ideologia em cultura e no sentido comum que respiramos todos os dias.

    Isso acontece quando as idias, valores e aspiraes da classe do-minante terminam por ser as idias, valores e aspiraes dos ex-plorados. quando pensamos e agimos como se fssemos da clas-se dominante. Isso acontece muito. A classe dominante tem a sua hegemonia quando consegue ganhar as mentes e os coraes dos oprimidos, quando consegue penetrar nos nossos hbitos mais in-conscientes e em nossos corpos. Apesar disso, sempre h espao para construirmos uma resistncia a este modelo hegemnico.

  • 49

    A IDEOLOGIA DO CAPITALISMO

    O capitalismo se apia em uma ideologia prpria, ou seja, em um conjunto mais ou menos organizado de idias. Mas uma ideologia no somente isso. tambm uma forma de falsa conscincia, uma viso que sutilmente e sem assumir, transmite a mensagem de que a sociedade s pode se organizar da maneira da classe dominante. O liberalismo a ideologia da burguesia.

    O liberalismo sustenta que a sociedade formada por indivduos e que estes possuem certos direitos naturais. Os direitos dos indivduos tm prioridade sobre a soberania do povo: nenhuma deciso da sociedade pode ir contra eles. Por outro lado, a sociedade e o Estado devem participar o mnimo possvel e deixar as coisas funcionarem, sem incomodar os indivduos. O Estado s deve intervir quando se viola uma lei ou para oferecer alguns servios bsicos mnimos. Mas o que faz do liberalismo uma ideologia no o que se fala, mas o que no se fala.

    Em teoria, todos os seres humanos deveriam desfrutar de seus direitos natu-rais. Mas no se diz que alguns desses direitos esto desigualmente distri-budos.

    Uma pessoa pode ter, em teoria, o direito de possuir um pedao de terra, mas se toda a terra j propriedade de outra pessoa, esse direito no significa nada. Se algum est a ponto de morrer de fome porque outros se apropriaram de todos os alimentos, nenhuma lei protege seu direito vida.

    No liberalismo, o direito liberdade significa fazer o que quiser, sem que nin-gum coloque qualquer obstculo. Porm, no so todos que possuem as mesmas possibilidades de fazer o que quiserem. E o que significa a liber-dade de imprensa quando algumas poucas pessoas mandam nas grandes redes de meios de comunicao?

  • A CULTURA DO CAPITALISMO: INDIVIDUALISMO

    O individualismo da ideologia liberal, traduzido na cultura cotidiana se manifes-ta nesse forte egosmo que caracteriza muitas pessoas hoje em dia e no isola-mento de homens e mulheres, cada um fechado nos seus prprios assuntos.

    Grande parte da violncia e do medo que caracterizam nossas sociedades vem desse egosmo, desse impulso de ser mais que os outros ou de estar acima dos outros. Temos medo do outro porque supomos que ele pode fazer mal a ns para poder se beneficiar. Uma cultura assim dificulta o desenvolvi-mento das relaes de solidariedade e da compresso e cuidado para com os outros.

    50

    A classe dominante s consegue a sua hegemonia se conseguir que a sua ideologia se transforme em cultura geral, em sentido comum da maio-ria das pessoas. O capitalismo existe, em parte, porque est em nossas mentes e coraes: todos respiramos a sua cultura todos os dias.

  • 51

    A CULTURA DO SUCESSO, DA PRODUO E DO CONSUMO

    O fato de uma pessoa poder desfrutar de muitos direitos s se tiver recursos econmicos para tanto, tambm se reflete em uma srie de outras normas de nossa cultura. Por exemplo, a cultura da produo, o culto ao sucesso sem-pre considerado pelo ponto de vista econmico e o estmulo ao consumismo.

    O medo de no ter os recursos que nos permitam a ter o tal sucesso, soma-do possibilidade de utilizar outras pessoas como instrumentos para nosso prprio benefcio, est na origem de muitos traos de nossa cultura. Por exemplo, o desprezo pelos pobres; grande parte da discriminao racial e de outras discriminaes e preconceitos que existem em nossa sociedade se devem a isso. difcil para pessoas que foram criadas dentro de uma cultura desse tipo dar valor a outras coisas como ao amor, amizade, solidarie-dade, ao companheirismo, criatividade, etc.

  • CONFORMISMO E PASSIVIDADE

    A idia liberal de que existe uma ordem natural que no deve ser questionada se reflete no conformismo, na passividade e na valorizao da obedincia que se caracteriza, por exemplo, na educao que recebemos desde crianas.

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    A cultura do capitalismo se difunde de uma maneira quase sempre espontnea e inconsciente, no s porque os meios de comunica-o pertencem a grandes empresrios, mas tambm porque levamos essa cultura em nossas prprias mentes. Transmitimos a cultura do capitalismo nas palavras que usamos, nas expectativas que geramos em nossos filhos, nas coisas que desejamos consumir e de muitas outras formas.

  • Para existir, o sistema capitalista precisa transmitir este tipo de valores egostas, discriminadores e conformistas todos os dias. Isso feito com a educao, a literatura, as propagandas e os grandes meios de comunicao. No entanto, isso no significa que fazem uma trama para transmitir uma mensagem nica.

    53

    UM SISTEMA TOTAL?

    A idia liberal de que existe uma ordem natural que no deve ser questionada se reflete no conformismo, na passividade e na valorizao da obedincia que se caracteriza, por exemplo, na educao que recebemos desde crianas.

    O fato de estarmos todos imersos, e at certo ponto, moldados pelo capitalis-mo, no quer dizer que no haja uma sada. Nenhum sistema de dominao e de explorao pode ser total. Isso porque toda a forma de dominao e explorao sempre acompanhada de uma resistncia por parte do povo.

    O capitalismo precisa reforar a todo tempo suas mensagens culturais e adaptar suas formas de organizao, justamente porque, a todo o tempo, os oprimidos resistem de vrias maneiras e criam novos valores e formas de vida que escapam da dominao.

  • PARTE 2 ORGANIZAO POPULAR

  • 57

    LUTAR CONTRA O CAPITALISMO

    MAS COMO?

    Como vimos, o capitalismo um regime social de dominao e de explorao. Se nenhum regime desse tipo pode ser total, cabe a ns construirmos uma alternativa de combate a ele; uma forma de resistncia.

    Para construir a luta contra o capitalismo, teremos necessariamente que pen-sar em organizao. Existe nas classes exploradas uma fora social que podemos chamar de elementar ou mesmo de potencial. Para que essa fora social sirva para combater o capitalismo, ela deve:

    Estar organizada;1. Ser colocada em prtica.2.

    De nada adiantar se essa fora elementar e potencial no estiver organizada e no for colocada em prtica.

    Quando essa fora social, que est latente nas classes exploradas, est organizada e quando ela sai do campo das possibilidades e passa para o campo prtico, ela se transforma em uma fora social real, que a verdadeira possibilidade que temos de combater o capitalismo.

  • UMA RELAO DE FORAS

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    Como vimos, o capitalismo um sistema composto de hbitos, leis e insti-tuies polticas e econmicas e toda uma cultura. Hoje, esse sistema est vencendo a relao de foras entre o capitalismo e o anticapitalismo.

    Nosso objetivo contrapor nossa fora social fora do capitalismo. No momento em que nossa fora for maior que a do capitalismo, teremos a pos-sibilidade real de transformao social, saindo desse sistema e construindo a nova sociedade que ser pautada na solidariedade e no apoio mtuo; na liberdade e na igualdade. No entanto, antes de pensar em vencer, precisamos pensar em ser um bom oponente, ou seja, precisamos pensar em aumen-tar nossa fora social.

    Somente com muita organizao conseguiremos transformar essa nossa fora, elementar e potencial, em fora social real. Para que isso acontea, vamos precisar da organizao popular.

    Vamos conhecer um pouco sobre esse assunto...

  • POR QUE FALAR EM ORGANIZAO?

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    A organizao a coordenao de foras com um objetivo comum. Com ela, podemos estar juntos com aqueles que defendem os mesmos interes-ses que ns defendemos e, juntos, podemos aumentar permanentemente nossa fora social.

    A organizao multiplica as nossas foras; juntos, no somos s a soma individual de cada um de ns; somos uma fora coletiva, uma fora social.

    Por exemplo: vamos supor que cada um de ns v reclamar sozinho em frente prefeitura, porque querem nos tirar de nossas casas. Qual seria a diferena de irmos um por vez e de irmos todos juntos? O fato de estarmos juntos, organizados, certamente nos dar muito mais fora.

    Quanto mais fora social os anticapitalistas tiverem, mais o capitalis-mo estar ameaado.

  • POR QUE FALAR EM POPULAR?

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    Dizemos popular, pois no estamos falando de qualquer organizao. Fala-mos da organizao das classes exploradas, da organizao do povo que est sofrendo as conseqncias do capitalismo. Nosso objetivo organizar e coordenar as foras de todos os dominados e explorados que so vtimas do capitalismo. Portanto, a organizao popular tem um carter classista, ou seja, busca trabalhar com a perspectiva de classe.

    A organizao popular busca a unio das classes exploradas para lutar contra a classe dominante.

    Podemos e devemos receber apoio dos setores mais variados possveis, mas nunca podemos abrir mo de envolver na nossa organizao as classes que sofrem de maneira mais dura os impactos do capitalismo.

    O carter popular da organizao se d quando imprimimos um car-ter classista a ela, de maneira que isso estimule e d foras luta de classes. Como vimos, a luta de classes o combate constante entre a dominao e a vontade de se livrar dela. Nossa organizao deve sempre buscar incluir as classes exploradas, estimulando-as sempre essa vontade de se libertar do capitalismo.

  • RELAES CENTRO-PERIFERIA

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    A concepo de transformao social pelo centro, ou seja, a partir dos elementos centrais de poder de uma sociedade (os intelectuais, os ricos, o Estado, o partido ou o exrcito), uma concepo autoritria que, em vez de resolver os problemas da explorao e da dominao, simplesmente troca os opressores de lugar. Quem utiliza o centro para mudar a sociedade, acaba no mudando nada, a no ser a tirania que se coloca sobre a sociedade.

    A transformao social deve vir pela periferia, ou seja, desde baixo, des-de as classes exploradas. Essas classes so muito mais amplas do que o proletariado industrial urbano, definido por parte dos anticapitalistas como sujeito histrico. Hoje, a periferia do mundo pode ser considerada de manei-ra muito mais ampla: culturas e sociedades indgenas, pequenos produto-res, trabalhadores especializados, camponeses, desempregados, pobres, assalariados, etc.

    Construir a transformao social a partir da periferia buscar a orga-nizao popular fora dos centros de poder como a classe dominante, o Estado, o partido e o exrcito. Isso significa mobilizar esses setores e construir, de baixo para cima, uma alternativa de luta social.

  • LUTA CONTRA A DOMINAO

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    A organizao popular anticapitalista e luta contra a dominao das clas-ses exploradas. Essa dominao, como vimos, est principalmente no mbito econmico, mas no se resume a ele.

    Falar que a transformao social deve vir pela periferia significa que a luta de classes, traduzida na organizao popular, pode tomar diversas formas. Pode ser uma organizao de indgenas que lutam contra sua aculturao. Pode ser uma organizao de povos nativos de um pas que lutam contra a explorao de um Estado (o deles ou outro). Pode ser uma organizao de camponeses que lutam por terra ou pequenos trabalhadores rurais que rei-vindicam ter onde plantar. Pode ser uma organizao de desempregados que lutam contra o desemprego, de trabalhadores que foram marginalizados pelo sistema, ou ainda de trabalhadores assalariados. Em ltima instncia, todos esses setores so a periferia do sistema capitalista.

    Alm disso, a organizao popular pode incorporar, em sua pauta de reivin-dicaes e luta outras questes como: as ecolgicas, de gnero, de comu-nicao, de cultura, de raa, de orientao sexual, etc.

  • A VONTADE DE LUTAR

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    A organizao popular uma luta contra a dominao do capitalismo, mas pode incluir dentro de si a luta contra outras formas de dominao.

    Para construir a organizao popular temos que ter vontade de lutar. Isso porque a organizao popular no ser construda do nada, de maneira espontnea. Mesmo sabendo que muitas formas da luta de classes surgem espontaneamente, no adianta ficarmos esperando que espontaneamente surja uma luta contra o capitalismo e que o substitua.

    Para transformar a sociedade e acabar com o capitalismo ser necessrio muito trabalho. A nossa vontade de lutar, enquanto classe de explorados que somos, nos permitir sustentar a organizao popular como uma ferramen-ta permanente de luta.

    Se queremos transformar a sociedade, no h outra forma: temos que ter muita vontade de lutar. Sem essa nossa vontade, o sistema nunca mu-dar; ele continuar a ser cada vez mais forte. Ao contrrio, se usarmos essa nossa vontade e a transformarmos em organizao popular, ento teremos uma chance nessa queda de braos contra o capitalismo.

  • OS MOVIMENTOS SOCIAIS

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    A melhor maneira de construirmos a organizao popular criar e estimular o que alguns chamaram no passado de movimentos de massas. Apesar de vrios anticapitalistas usarem esse termo, o fato que muitos (os autorit-rios) acabaram achando que o movimento de massas deveria ser aparelha-do pelo partido poltico.

    Para os autoritrios, o movimento de massas somente um organis-mo que obedece s ordens ditadas pelo partido, ainda que, muitas vezes, as pessoas do partido que ditam as regras estejam afastadas das lutas sociais.

    Contra essa posio de movimento aparelhado, de massa de manobra que no queremos ser, preferimos usar o termo movimentos sociais. Sabemos que muitos movimentos sociais ainda so mera massa, funcionando a servi-o de interesseiros de todos os tipos, mas falaremos disso daqui a pouco.

    O que importa saber, neste momento, que para construir a orga-nizao popular, necessrio construir e fortalecer os movimentos sociais. So eles que, organizados de baixo para cima, daro a fora social necessria para combatermos o capitalismo.

  • O QUE UM MOVIMENTO SOCIAL?

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    Um movimento social um grupo de pessoas e/ou entidades associadas que possui interesses em comum para a defesa ou a promoo de certos objetivos perante a sociedade. Esses movimentos podem estar nos mais diferentes lugares e defender os mais diversos interesses. No Brasil, podemos identificar muitos movimentos sociais existentes hoje. Vejamos.

    H os movimentos dos sem-terras que lutam contra o latifndio e pedem uma distribuio justa da terra; h tambm os movimentos dos sem-tetos que lutam pelo direito moradia e contra a especulao imobiliria; h os movimentos de trabalhadores desempregados que lutam por emprego digno e por novas relaes de trabalho. H muito outros: movimentos comunitrios, movimentos para baixar o preo e melhorar a qualidade do transporte pblico, coope-rativas de catadores de lixo reciclvel, movimentos indgenas, movimentos estudantis, sindicatos, movimentos feministas, negros, gays, conselhos po-pulares, movimentos artsticos e culturais, ambientalistas, etc.

    Mas h um problema: no so todos os movimentos sociais que buscam construir a organizao popular com o objetivo de combater o capitalismo. Muitos desses movimentos sustentam o capitalismo e seus valores.

    Em todos os campos da sociedade a luta contra a dominao apa-rece, sendo sua principal forma a luta de classes. Um movimento social d o corpo para essa luta contra a dominao que, por ser muito ampla, faz com que os movimentos sociais tenham as mais diferentes bandeiras de luta. Como o capitalismo tem diversos efeitos negativos sobre as nossas vidas, muitos movimentos sociais existem como foma de resistncia a esses efeitos.

  • FORA PARA CRESCER E LUTAR

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    Os movimentos sociais devem ser cada vez mais fortes, abrangendo cada vez mais pessoas e mais organizao. Para possurem essa fora fundamental que os movimentos no sejam ideologizados. Isso significa que um movi-mento social no deve ser anarquista, social-democrata, marxista, monarquis-ta, etc. Ele no deve caber dentro dessas ou de qualquer outra ideologia.

    Dentro do movimento social devem estar todos os que querem lutar, independente de sua ideologia.

    Em um movimento de sem-teto, deve haver o maior nmero de pessoas que querem lutar pela moradia. Em um movimento de desempregados, devem es-tar todos os que querem lutar por trabalho digno. Em um movimento feminista, devem estar todos que querem lutar contra o machismo e o patriarcado.

    No se faz um movimento com corte ideolgico, por exemplo: movimento estudantil marxista, ou movimento sem-teto anarquista, etc. O movimento so-cial sempre se organiza em torno da questo pela qual decidiu lutar.

  • AUTONOMIA: O MOVIMENTO SOCIAL NO DEVE SER APARELHADO

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    No entanto, isso no significa que entre todas as pessoas que sto dentro do movi-mento social, no existam pessoas das mais diferentes ideologias. Isso normal e vai acontecer sempre. Tambm no podemos proibir pessoas que defendam alguma ideologia de estarem no movimento social e nem proibir que faam pro-paganda. O que no pode acontecer de forma alguma uma dessas ideologias dominar o movimento social. O movimento social est dominado (alguns dizem aparelhado) quando no luta mais pelas suas questes, mas somente usa es-sas questes para promover uma ideologia, um candidato, um partido, uma ONG, etc. Neste caso, o movimento est sendo usado, est aparelhado.

    O tema anterior traz uma reflexo sobre a autonomia do movimento social. fundamental que os movimentos sociais sejam autnomos. O que significa isso?

    Isso significa que os movimentos sociais devem ser autnomos em relao ao Estado, aos partidos polticos, aos sindicatos burocratizados, aos burocratas de planto, Igreja, enfim, significa que os movimentos devem ter a possibilida-de de tomar as decises e agir por conta prpria. A autonomia do movimento social a possibilidade de ele tratar dos seus prprios assuntos, independente de instituies e mecanismos da explorao e da dominao social.

    Os movimentos sociais no devem ser correias de transmisso de in-divduos, coletivos, grupos, organizaes, partidos que querem man-dar neles. Pessoas que querem aparelhar o movimento social no querem ajud-lo, elas querem que o movimento social lhes ajude.

  • NEM TODOS QUEREM APARELHAR

    ESTADO, PARTIDOS, BUROCRATAS, ETC.

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    O movimento social tem que saber distinguir quem se aproxima com o objeti-vo de aparelhar e quem se aproxima com o objetivo de ajudar. H uma gran-de diferena nisso e o movimento social deve ficar muito atento, pois pessoas para ajudar devem ser sempre bem-vindas. Elas podero contribuir com o crescimento da luta, do movimento social e da prpria organizao popular.

    No entanto, como diferenciar uma pessoa que quer aparelhar de outra que quer ajudar o movimento social? relativamente simples, vejamos logo a seguir.

    Quem quer aparelhar no visa a apoiar o movimento social, mas sim ser um chefe, mandar no movimento, fazer o movimento servir a seus prprios fins.

    Um movimento social no deve estar ligado a um poltico do governo ou mesmo a um setor qualquer do Estado. Secretrios, deputados, vereadores, na grande maioria das vezes, se aproximam, pois querem apoio dos movi-mentos. Apoio para sustentar suas polticas, apoio para ter mais votos, apoio para ter o que eles chamam de base social. O objetivo do Estado, do gover-no, sempre fazer o que chamamos de pacto social; eles querem acalmar o movimento social, fazer com que ele se enquadre no sistema deles da democracia representativa.

    Os partidos polticos tambm buscam aparelhar os movimentos sociais. Pri-meiramente h aqueles que esto dentro do sistema da democracia repre-sentativa (os que concorrem s eleies) e que buscam no movimento social somente uma fonte de votos. muito comum se aproximarem prximo das eleies, fazerem um monte de promessas e depois sumirem. Depois h os par-tidos revolucionrios autoritrios que buscam no movimento social a base para suas teorias de revoluo. Eles acreditam ser a vanguarda iluminada, que deve dirigir e mandar no movimento social, por se julgarem superiores.

    Temos ainda outros organismos que tentam aparelhar os movimentos sociais: sindicatos burocratizados que querem apoio para suas aes, Igrejas que buscam fiis, etc.

  • APOIAR O MOVIMENTO SOCIAL

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    Todo esse tipo de gente deve ser afastado do movimento social, pois eles no esto defendendo os interesses do movimento social, mas seus pr-prios interesses. O movimento social no precisa de chefes, de dirigen-tes ou de gente que queira us-lo. O movimento social precisa de gente que queira apoi-lo e lutar junto com ele, mas no lutar por ele.

    Diferente dessas pessoas que querem aparelhar, h aqueles que querem apoiar o movimento social, o que muito diferente.

    Essas pessoas sentem simpatia pelo movimento social e consideram justa a sua luta e por isso se aproximam para dar apoio. Essas pessoas devem sem-pre ser bem recebidas, pois gente que quer lutar com o movimento social tem que ser sempre bem-vinda. Mesmo pessoas que so oriundas das clas-ses mdias ou que no esto diretamente implicadas nas lutas do movi-mento devem receber esse tratamento: algum que tem emprego pode apoiar a luta dos desempregados, algum que tem uma casa pode apoiar a luta dos sem-teto, etc. Essa forma de solidariedade fundamental e deve ser bem recebida pelo movimento social.

    Essas pessoas no querem mandar no movimento social, no querem ser chefes e nem dirigentes. Elas querem apoiar, lutar ombro a ombro, discutir as questes do movimento, oferecer sua solidariedade, ajudar nos momentos de crise, ajudar na organizao, etc. Essa fora deve ser sempre somada.

  • COMBATIVIDADE x PACTO SOCIAL

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    Para que um movimento social possa apontar para a organizao popular, ele deve ser combativo.

    Isso significa dizer que, em suas lutas contra a dominao, eles no podem obedecer sempre as regras do sistema capitalista. Vamos lembrar que o capitalismo, por meio do Estado, tem a obrigao de garantir a legitimida-de do sistema. Por isso, uma das estratgias que o Estado usa trazer os movimentos sociais para dentro de si. Eles dizem que j que vivemos em uma democracia, os movimentos podem apoiar um vereador ou um deputado e se fazer ouvir dessa forma. Eles querem estabelecer o que chamamos de pacto social.

  • AO DIRETA x DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

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    O movimento social deve sempre incorporar a luta de classes e a luta de classes no se d dentro do Estado, mas sim fora dele. Como o Estado um brao do capitalismo, quando o Estado incorpora o movimento social (cha-mamos isso de cooptao), o movimento no serve mais o anticapitalismo, mas sim ao capitalismo. Esse recurso muito comum, principalmente quando governos de esquerda chegam ao poder.

    O movimento social deve manter-se sempre combativo, ou seja, ele deve sustentar sua bandeira de luta (pelo trabalho, pela moradia, pela terra, etc.) fora do Estado, assim como se sustenta qualquer outra forma de luta de classes. Manter-se combativo tambm signi-fica no entrar em outros esquemas burocrticos, discutir tudo com polticos, com a burocracia sindical, etc. Um movimento combativo aquele que conquista as coisas e no fica pedindo pelo amor de Deus. Exige e conquista com organizao e luta.

    Devemos saber quando realizar uma ao pacfica ou com mais violncia, mas devemos ser sempre combativos. Confrontar de frente as injustias e o sistema de dominao e explorao, sem cair nas armadilhas do capitalismo.

    Devemos sustentar que os movimentos sociais trabalhem com a ao direta. A ao direta uma forma de ao poltica que se estabelece fora do sistema eleitoral. Isso significa dizer que os movimentos sociais no devem confiar sua ao a polticos gabaritados que vo ser eleitos para depois defender os interesses do movimento social. Os polticos se aproximam sempre para conseguir votos e depois de eleitos, entram na mquina eleitoral e muito dificilmente realizam o que nos prometeram.

    A ao direta, ao contrrio, se expressa quando o movimento social realiza sua poltica por si mesmo, quando os trabalhadores e as trabalhadoras reali-zam, eles mesmos, suas aes de luta contra a dominao e a explorao. Isso sempre sem confiar no sistema burocrtico e corrupto de assessores, vereadores, deputados, senadores, prefeitos, etc.

  • A AO DIRETA SEMPRE VIOLENTA?

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    Um movimento social que trabalha com a ao direta age fora do siste-ma eleitoral e representa os interesses dos explorados que o compem.

    Um movimento social que trabalha com a ao direta pode fazer uma ocupa-o, uma manifestao de rua, uma greve, um bloqueio de rua, etc. Existem muitas formas de ao direta: todas elas colocam as classes exploradas frente do processo de mudana e das reivindicaes.

    A responsabilidade pelas vitrias do movimento deve ser do prprio movimento. Ela no deve ser dada aos polticos. Os polticos defen-dem os seus prprios interesses e no os interesses dos movimentos sociais. Vamos lembrar que a emancipao dos trabalhadores ser obra dos prprios trabalhadores.

    No. A ao direta pode ser pacfica ou violenta; devemos sempre refletir qual a melhor forma de agir. Muitas vezes, fazer uma manifestao de rua pacfica sobre uma questo que queremos expor, ou seja, uma ao direta no-violenta, o melhor meio para atingirmos os fins desejados, por exemplo, sensibilizar a populao para uma determinada questo. Outras vezes, temos de usar a violncia como resposta violncia do capitalismo.

  • A AO DIRETA MUITAS VEZES NO ILEGAL?

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    Como vimos, o capitalismo um sistema fundado na violncia, e s vezes, para nos defender, temos tambm que usar certo grau de violncia. Por exem-plo: quando estamos ocupando um lugar e a polcia vem nos retirar fora, a nossa utilizao de fora como resposta, uma ao direta de resistncia, legtima e sempre vlida.

    Como o Estado faz parte da sociedade capitalista, suas leis so feitas para que o capitalismo continue a funcionar da forma como vem funcionando. Ento, praticamente tudo o que ameaa o capitalismo considerado fora da lei.

    Por isso, muitos movimentos que tm por objetivo combater o capitalismo fazem aes que so consideradas ilegais. Uma ao de ocupao de um imvel sem funo social uma ao combativa de um movimento de sem-teto e considerada fora da lei pelos capitalistas. As vezes, ao se fechar uma rua em uma manifestao exigindo emprego, a polcia ataca e at prende aqueles que esto mobilizados.

    Agora nos perguntamos: por que ter um imvel e no us-lo para nada per-mitido e quando pessoas que no tm onde morar o ocupam, isso no per

  • A POLTICA NO PARA OS POLTICOS

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    mitido? Por que permitido ter altos ndices de desemprego, mas quando os desempregados se mobilizam e fecham uma rua, isso no permitido?

    Nem sempre o que mais tico e justo considerado dentro da lei. Nossos movimentos devem buscar ideais de tica e justia, indepen-dente se eles estejam dentro da lei. Vamos lembrar que quem faz a lei so os capitalistas e, a no ser por conquistas que consigamos impor, elas funcionaro a servio do capitalismo. Por esse motivo, freqente-mente, lutar por tica e justia envolve fazer algo que fora da lei.

    No sistema em que vivemos hoje, elegemos nossos representantes que to-mam as decises que quiserem depois de eleitos. Quando elegemos um pol-tico, entregamos nosso direito de fazer poltica a ele e s participamos de dois em dois anos, quando vamos s urnas. Isso no significa fazer poltica. Poltica no aquilo que fazem os polticos, mas sim a gesto daquilo que pblico, de todos, ou seja, a gesto da nossa vida de todos os dias.

    A poltica deve ser feita pelo povo, devidamente organizado, deci-dindo efetivamente sobre tudo o que lhe diz respeito. A poltica que os movimentos sociais defendem aquela que se coloca hoje como luta dos trabalhadores, organizada de baixo para cima, contra a ex-plorao e a dominao de que somos vtimas. nas mobilizaes populares que esto as perspectivas de transformaes sociais sig-nificativas na nossa sociedade. A poltica nos movimentos sociais se faz por meio da democracia direta.

  • DEMOCRACIA DIRETA: QUANDO TODOS DECIDEM DE VERDADE

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    A democracia direta um mtodo de se organizar em que todos os envolvi-dos participam diretamente no processo de decises, ou seja, uma forma de organizao em que todos decidem.

    Na democracia direta, so as prprias pessoas que, reunidas em assem-blia, tomam suas prprias decises. No h chefes que mandam no mo-vimento, todos os membros do movimento social discutem e tomam suas prprias decises. Em resumo, todos so lderes, ao mesmo tempo. A poltica feita todos os dias, na luta e na organizao.

    Um movimento social que utiliza a democracia direta possui assem-blias permanentemente, no tem chefes e no baseia sua atuao na eleio de polticos. Suas assemblias so horizontais (participao igualitria), tm a participao de todos do movimento e so o local em que se tomam todas as decises. O consenso sempre buscado, mas em caso de diferenas de ponto de vista, a votao pode ser aceita, vencendo a maioria.

    Em um movimento social que trabalha com a democracia direta so os pr-prios membros que decidem suas reivindicaes, suas formas de ao, como trataro com as pessoas de apoio que querem ajudar, etc. Dentro do movi-mento, se decide tudo de maneira igualitria: todos tm o mesmo poder de deciso. Pode haver vrios critrios de deciso, mas eles sempre devem ser estabelecidos coletivamente.

  • TICA: UM PRINCPIO, UMA FORMA DE CONDUTA

    A IMPORTNCIA DA RESPONSABILIDADE

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    Os militantes do movimento social devem ter uma conduta tica. Mas o que isso?

    Ter uma conduta tica significa que nossa conduta deve ser embasada em princpios de vida que se oponham ao capitalismo e que tenham por base a cooperao, a solidariedade e o apoio mtuo. Ser uma pessoa tica sig-nifica no mentir e nem enganar os companheiros de luta, apoiar os outros militantes, no ter posturas prejudiciais para a luta. Ser tico tambm ter responsabilidade.

    A tica e a responsabilidade so valores bsicos que se opem radical-mente aos valores do capitalismo.

    Um militante responsvel tem iniciativa, assume responsabilidades perante o movimento social e as cumpre, d satisfao das tarefas pelas quais ficou responsvel, tem atitudes que so condizentes com o esprito de luta, enfim, contribui com o movimento social da melhor forma possvel.

  • SOLIDARIEDADE E APOIO MTUO

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    Alm disso, o militante responsvel no tem atitudes irresponsveis: ele no tem atitudes individuais que comprometam o coletivo, ele no faz coisas que prejudiquem a luta, ele no deixa de realizar atividades importantes para o movimento, ele no falta s assemblias, etc.

    fundamental que dentro do movimento social sustentemos valores opostos aos valores do capitalismo. A tica e a responsabilidade, alm de serem pilares do movimento social, devem se opor a toda a cultura do capitalismo que fez uma sociedade de pessoas antiticas e irresponsveis. A luta pela tica e pela responsabilidade uma luta contra os valores e a cultura do capitalismo.

    Em oposio aos valores individualistas do capitalismo, o movimento social sustenta a solidariedade e o apoio mtuo. Ao invs de competir uns com os outros e de no gostar uns dos outros, a solidariedade e o apoio mtuo nos estimulam a nos associar com outros membros das classes exploradas, tanto na resistncia quanto no prprio combate ao capitalismo.

    Quando samos do isolamento e nos aliamos a outras pessoas que querem construir um mundo mais justo e igualitrio, estamos construindo a solida-riedade de classe.

  • A LUTA INTERNACIONALISTA

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    Essa solidariedade construda, primeiramente, quando uma pessoa se asso-cia com outra para construir um movimento social. Depois quando um mo-vimento social se associa com outro para uma luta mais ampla. Os setores de explorados so muito diferentes e a solidariedade significa nos unir com outros setores, buscando um apoiar o outro, por uma prtica que podemos chamar apoio mtuo.

    Quando dizemos que o Estado faz parte do capitalismo, estamos dizendo tam-bm que o sentimento nacionalista deve ser rechaado. O nacionalismo a preferncia ou a defesa acentuada de tudo o que prprio do pas a que algum pertence.

    Durante a histria, os defensores do sistema capitalista sempre quiseram criar um sentimento em ns de unidade em torno do nosso pas. Para isso, eles se utilizam de coisas de que gostamos, como por exemplo, a Copa do Mundo, para ir criando o que podemos chamar de identidade nacional.

    No devemos nos identificar com os outros pelo pas a que perten-cem, mas sim pela classe a que pertencem.

  • UMA MUDANA QUE TAMBM CULTURAL

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    No h nada de errado em gostarmos de esportes ou at torcer pelos times do nosso pas, mas o problema quando esquecemos que nossa identidade deve ser de classe e passamos a entender que ela deve ser nacional. Quando o nacionalismo vence o classismo, temos regimes como o fascismo em que mesmo as classes exploradas apoiaram regimes de dom