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Cultura, política, literatura e processo de libertação nacional dos países africanos de língua oficial portuguesa.
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22/8/2014 Casa dos Estudantes do Império: berço de líderes africanos em Lisboa | Portugal – 40 anos do 25 de Abril | DW.DE | 13.10.2012
http://www.dw.de/casa-dos-estudantes-do-imp%C3%A9rio-ber%C3%A7o-de-l%C3%ADderes-africanos-em-lisboa/a-16233230 1/6
PORTUGAL
Casa dos Estudantes do Império: berço delíderes africanos em Lisboa
Criada durante a ditadura salazarista, a Casa dos Estudantes do Império devia apoiar e
controlar estudantes das colónias. Não conseguiu o controlo e a Casa teve um papel
fundamental para as lutas de independência.
Casa dos Estudantes do Império em Lisboa
Quem passa hoje pela Avenida Duque D’Ávila, nº 23, na esquina com a Rua Dona Estefânia, na zona
das Avenidas Novas no coração moderno de Lisboa, não se apercebe à primeira vista que aqui se
situou a Casa dos Estudantes do Império (CEI). O edifício foi totalmente renovado e pintado de
amarelo – e quase ninguém conhece a função que o prédio teve entre 1944 e 1965.
Alguns transeuntes interrogados pela reportagem da DW África não sabiam que ali funcionou a Casa
dos Estudantes do Império. Só quando atraídas a ler os dizeres na placa colocada no pavimento se
aperceberam da história especial do edifício.
Associação de jovens dos territórios ultramarinos de Portugal
A Casa dos Estudantes do Império foi uma associação de jovens dos territórios ultramarinos a
estudar na metrópole. Após o início não oficializado em 1943, foi oficialmente fundada em 1944, por
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Na Avenida Duque d'Ávila, em Lisboa, o edifício da
antiga incubadora de líderes africanos na capital
portuguesa chega a passar despercebido
proposta do então ministro das Colónias, Vieira
Machado.
Mas a Casa não existiu apenas em Lisboa,
afirma o historiador Álvaro Mateus: "A Casa
tinha uma sede em Lisboa e duas delegações
em Coimbra. Em Lisboa tinha, digamos, um
posto médico, a cantina e tinha um lar de
estudantes que até aumentou – nos últimos
anos já tinha pelo menos duas dezenas de
estudantes", explica.
Grupos subversivos
Como precisa Inocência Mata,
professora universitária, estudiosa
das literaturas africanas de língua
portuguesa, tratava-se de um
espaço aberto a todos os
estudantes, do Minho a Timor.
"Qualquer estudante podia ser da
Casa", recorda-se. "Realmente a
Casa não era um lugar fechado
nesse sentido. Ora, dentro da Casa
constituíram grupos bastante
subversivos. Nem todos os
estudantes pertenciam a esse grupo. Havia portugueses também, não eram só africanos".
Na primeira fase a partir da fundação em 1944, os jovens negros que se aproximaram da Casa dos
Estudantes do Império para discutir a africanidade foram corridos, como explica o médico são-
tomense Tomás Medeiros. Lembra quem, no início, mais frequentava a Casa: "Essencialmente
estudantes brancos, vindos de Moçambique, que eram a maioria, vindos de Angola, também em
maioria, poucos cabo-verdianos que se isolavam, guineenses em número residual, são-tomenses que
viviam na Casa da tia Andreza", conta Medeiros.
O Estado Novo de Portugal
Segundo Medeiros, defendiam-se na Casa os ideais coloniais dentro da ideologia do Estado Novo
português, que foi fundado por António de Oliveira Salazar em 1933 e derrubado pela revolução do
25 de Abril de 1974. A Mocidade Portuguesa, a organização juvenil do Estado Novo, teve um papel
especial, diz o médico são-tomense Tomás Medeiros: "A Casa era correia de transmissão da Mocidade
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António de Oliveira Salazar
Portuguesa junto da juventude africana, de tal forma que ela
fornece um presidente da Câmara, Canto e Castro, e fornece
também o Governador Geral de Angola".
Estrutura crítica a Salazar e ao colonialismo
O regime do Estado Novo criou a Casa dos Estudantes do
Império com o objetivo de fortalecer a mentalidade imperial e o
sentimento da portugalidade entre os estudantes das colónias. No
entanto, desde cedo, a Casa despertou neles uma consciência crítica sobre a ditadura e o sistema
colonial, mas também a vontade de descobrir e valorizar as culturas dos povos colonizados.
Assim, pouco a pouco, a orientação ideológica dos estudantes da Casa mudou de uma posição a favor
do Estado Novo à luta contra o governo fascista português.
Terá contribuído para isso o surgimento do Centro de Estudos Africanos, de acordo com Inocência
Mata: "O Centro de Estudos Africanos era uma estrutura que nasceu dos contatos dentro da Casa dos
Estudantes do Império, mas funcionava na casa de uma das tias, na altura colega Alda Espírito
Santo, na rua Actor Vale, onde vivia a tia Andreza. Desse Centro de Estudos Africanos obviamente
que nem todos fizeram parte porque era uma estrutura fechada precisamente por causa da PIDE
[Polícia Internacional e de Defesa do Estado]", explica.
A CEI foi completamente reformada. Apenas a placa de pedra lembra os tempos de Casa de Estudantes v indos das
ex-colónias africanas
Berço do nacionalismo das ex-colónias
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Retrato de Amílcar Cabral na sede
do PAIGC em Bissau
A Casa viria a ser assim o berço em Portugal do nacionalismo das ex-colónias. Por ela passaram
muitas figuras da resistência. Entre outros, muitos dos nomes já conhecidos viriam a assumir
importantes responsabilidades na luta anticolonial e de libertação dos antigos territórios em África,
como Amílcar Cabral, o mais conhecido defensor da independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde,
e representantes conhecidos do MPLA (hoje partido no poder em Angola), como o ex-secretário geral
do partido, Lúcio Lara, e o primeiro presidente do país, Agostinho Neto.
De Moçambique, passou pela CEI Marcelino dos Santos, membro fundador da FRELIMO (partido
no poder) e primeiro ministro da Planificação e Desenvolvimento do país.
De Amílcar Cabral a Agostinho Neto
O historiador Álvaro Mateus, que foi membro do Conselho Fiscal da
Casa dos Estudantes do Império entre 1960 e 1961, lembra-se de um
artigo na revista Mensagem, o boletim mensal da Casa: "Por
exemplo, Amílcar Cabral, no nº 11 da revista Mensagem de 1949,
ele (sic) publica um artigo com o pseudónimo de Arlindo António,
que tem por título Hoje e Amanhã, em que diz o seguinte: 'Do caos
surgirá um mundo novo e melhor, o que dignificará o homem preto
ou branco, vermelho ou amarelo'", lembra Mateus.
Segundo o historiador, "Agostinho Neto, em 1949, é secretário da
direção da delegação de Coimbra da Casa dos Estudantes do
Império. O Marcelino dos Santos, de Moçambique, é em 1950 e
1951, secretário da seção de Moçambique e delegado à direção geral
da CEI. Lúcio Lara, em 1952, é presidente da delegação de Coimbra
da Casa. Está a ver, quer dizer gerações inteiras que [por lá]
passam".
Formação de líderesda luta pela descolonização
Para Adelino Torres, professor catedrático na Universidade Técnica e Lusófona de Lisboa, que passou
pouco tempo pela Casa, a formação de líderes da luta pela independência dos países de língua
portuguesa foi um processo inevitável, "porque mais cedo ou mais tarde isso tinha que acontecer. Foi
uma das poucas coisas que o Estado Novo, com outra intenção, fez", constata Torres.
"Deu resultado negativo para o Estado Novo porque agregou, mas ao mesmo tempo foi vantajoso
para todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Porque os futuros líderes
encontraram-se primeiramente e em segundo lugar porque houve ali um movimento de mobilização
e de estímulo recíproco que foi muito importante e que marcou", avalia.
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Agostinho Neto, primeiro presidente angolano, com
líder cubano Fidel Castro: influência comunista para os
membros da Casa
Marcelino dos Santos, membro fundador da FRELIMO
(no poder em Moçambique), também passou pela CEI
Influência comunista e instrumentos
para as independências
Ao perceber que havia estudantes
simultaneamente a fazer política de oposição,
o governo de Portugal deixa de homologar as
direções da Casa. Durante oito anos, a partir de
1953, a Casa funcionou com comissões
administrativas.
Em 1960, a CEI tinha no total 600 sócios.
Mas, no ano seguinte, fogem cem estudantes
africanos da Casa para reforçar as direções dos movimentos de libertação das colónias africanas.
A fuga era um sinal de contestação: "Era um período conturbado e interessante porque era um
período em que nós queríamos aprender e fazer coisas. E encontrámos um ambiente bom em
Portugal, que era o ambiente aceso da luta contra o fascismo", lembra o médico são-tomense Tomás
Medeiros.
Aprender com o Partido Comunista Português – PCP
"Naquela altura, costuma-se dizer, ou estás comigo ou estás contra. Ou estava-se com o regime ou
estava-se com o Partido Comunista", continua Medeiros. "Mesmo não estando no Partido
Comunista, a influência era grande e aprendemos muita coisa com os comunistas. Os livros que
devíamos ler, a maneira de organização, a estrutura do partido, tudo isso aprendemos com o PCP
não sendo militantes".
Ainda de acordo com Medeiros, a Casa muniu os
quadros africanos das colónias de instrumentos
essenciais para a condução dos processos que
culminaram com as independências nos anos 70.
"Começámos a interessar-nos por tudo que se
passasse pelo mundo negro, que não
conhecíamos, das Américas Latina e do Norte.
Isso fez com que criássemos uma mentalidade
muito própria", explica.
"Éramos todos amigos, éramos todos pessoas
interessadas em querer encontrar uma solução para o nosso futuro. Somos africanos, mas somos
dominados, como sair desta situação? E [com isso], tornámos pessoas disponíveis para um processo
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Foi o ex-presidente de Portugal,
Jorge Sampaio, que mandou
instalar a placa que lembra a CEI
que conduzisse à fase da afirmação da luta pela independência nacional", afirma.
CEI fecha as portas
Mas o espírito da Casa foi-se esmorecendo com o tempo e a PIDE , a polícia política do regime
salazarista, veio a encerrá-la em setembro de 1965. Depois disso, Manuel Ferreira, estudioso das
literaturas africanas de expressão portuguesa, compilou os vários textos da revista Mensagem,
publicados em dois volumes, os quais testemunham a força do movimento cultural da Casa dos
Estudantes do Império.
Dez anos depois do encerramento da Casa dos Estudantes do Império, nasceram os países de língua
portuguesa em África, os PALOP.
Restauro do edifício da Casa
O edifício da Casa dos Estudantes do Império foi restaurado e
preservado por fora, mas hoje já não é igual o seu interior,
abrigando atualmente serviços e áreas residenciais.
Como marco desse período, em 1992, durante o mandato do
então edil Jorge Sampaio (ex-presidente de Portugal e atual
secretário geral da Aliança das Civilizações, iniciativa das Nações
Unidas), a Câmara Municipal de Lisboa mandou embutir no
pavimento frente ao edifício uma placa evocativa em
homenagem à Casa dos Estudantes do Império para que não se
perca completamente a memória deste lugar histórico da luta pela independência dos países
africanos.
Autor: João Carlos (Lisboa)
Edição: Renate Krieger / Johannes Beck