Casa, Rua & Laje Na Favela Globalizada

7/26/2019 Casa, Rua & Laje Na Favela Globalizada

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CASA, RUA & LAJE NA FAVELAGLOBALIZADA

Bianca Freire-Medeiros

Bem-vindos Rocinha, que adquiriu o status oficial de bairro j se vo quase duas dcadas, mas que continua

a circular mundo afora como a maior favela da Amrica Latina (vale abrir um parntese e dizer que, de acordo

com os muitos cearenses que l vivem, na verdade a Rocinha a segunda maior cidade do Cear, depois de

Fortaleza).


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Antes de subirmos o morro, porm, vale aportarmos no terreno em que se d o debate sobre a natureza, os

princpios e as dinmicas daquilo que designamos como pblico e como privado. Territrio frequentado por

autores socializados em linguagens tericas extremamente variadas e que, somados, cobrem um espectro

quase infinito de temas desde a anlise poltico-social mais ampla, passando pelas questes do Estado

Moderno para chegar ao campo da moral e da normatividade da vida cotidiana. Foi da chave de entrada da

antinomia complementar entre pblico e privado que se serviram, citando apenas dois pares clssicos, Arendt

e Habermas para discutir a esfera pblica e a ao poltica, Aris e Sennett para teorizar sobre a inveno da

vida pblica e os interstcios do mundo privado com suas intimidades, afetos e segredos.

As vrias oposies que guarda esse par antinmico constituem, portanto, no uma unidade conceitual, mas

uma polifonia de noes de que se valem cientistas sociais com protocolos metodolgicos os mais diversos e

com intenes muitas vezes contraditrias entre si. Alm do que, na prtica, as fronteiras entre as esferas e

entre os espaos pblico e privado so muito menos rgidas do que as costuras tericas ou as legislaes

pretendem admitir. No causa surpresa, portanto, que os debates sobre como se organiza o mundo social a

partir do que pblico e do que privado raramente remetam a inocentes exerccios analticos e que, por

conseqncia, deles derivem poderosas implicaes normativas.

Destes lados do Atlntico, a grande dicotomia de que nos fala Noberto Bobbio investe-se de fardagem ainda

mais faustosa, elevada que , na interpenetrao das duas esferas, marca central da nossa cultura poltica, da

nossa sociedade e do nosso Estado. O baralhamento entre pblico e privado, escreve Andr Botelho, constitui

uma das construes intelectuais mais tenazes do pensamento social brasileiro. a partir da tese do papel do

baralhamento entre as duas esferas na composio e reproduo das relaes de dominao poltica que

Oliveira Vianna, Srgio Buarque, Freyre, Faoro, Maria Isaura Pereira de Queiroz, entre tantos outros e a seu

modo particular, explicam o Brasil.

Em franco dilogo com essa tradio de pensamento, Roberto DaMatta procura relacionar o que ele considera

como sendo suas duas pontas: em um extremo, a vertente institucionalista (preocupada com os

macroprocessos); noutro, a culturalista (devotada analise dos usos e costumes). Seu modelo permitiria a

superao e sntese dessas vertentes, fundindo as duas, como sugere Jess Souza, num dualismo

articulado. Como o ttulo deste artigo antecipa, numa conversa com o ensaioCasa, rua e outro mundo: o

caso do Brasil, que alinhavo minhas reflexes.

Em seu ensaio, DaMatta defende a existncia de duas lgicas complementares e opostas a nos estruturar e

definir: o cdigo da casa fundado na famlia e na lealdade, sempre avesso mudana e histria, espao

dapessoapor excelncia; e o cdigo da rua espao doindivduoaberto ao mercado e histria linear, regido

por leis universais. A estes dois cdigos se somaria um terceiro, que o antroplogo designa sob a rubrica de


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outro mundo, e ao qual caberia a sntese provisria dos outros dois, fuso que se constri por meio da

renncia ritualizada das contradies e injustiasdestemundo.

O modelo de cognio de DaMatta me particularmente sugestivo na medida em que se funda num

encadeamento entre relaes sociais e lugares, entreesferapblica eespaopblico. Afinal, a partir de um

modelo tripartido de moralidades inscritas em espaos ou de espaos investidos de moralidade , que o

antroplogo acredita ser capaz de realizar uma interpretao correta do Brasil, interpretao cujo segredo jaz

na possibilidade de estudar aquilo que est entre as coisas. As oposies, aparentemente irredutveis,

revelariam sua interdependncia na observao dos conectivos e das conjunes. Da a sugesto do autor de

que observemos com a devida ateno o que ele chama de subespaos praas, quintais, portos, janelas,

varandas em que a comunicao entre a casa e a rua torna-se possvel, obrigatria ou desejvel.

Aceito a sugesto de DaMatta e os convido a visitarmos juntos algumas das milhares de lajes que compem o

desenho urbano da Rocinha. Apesar de ausente da lista do antroplogo, creio que as lajes podem ser

consideradas um subespao peculiar em que ocorrem comunicaes no apenas entre o pblico e o privado,

mas entre o local e o global. Que fique claro que minha inteno no , a partir da laje, apontar supostas falhas

no modelo interpretativo de DaMatta ou, a partir da favela, propor uma verso alternativa e globalizante do

Brasil. Trata-se to somente de uma tentativa bastante modesta, inicial e localizada de pensar, desde a laje e a

partir das referncias do paradigma das mobilidades, em que medida a comunicao entre a Casa e a Rua,

entre os espaos privado e pblico, tem se atualizado entre ns.

Segundo o Novo Dicionrio Aurlio, a palavra laje tem sua origem desconhecida, e significa obra contnua de

concreto armado, a qual constitui sobrado, teto de um compartimento, ou piso. Se a definio d conta dos

aspectos tcnicos, nem de longe consegue abarcar a pluralidade de usos que a laje permite e a diversidade de

valores nela investidos no contexto da favela.


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Nas ltimas dcadas, uma onda de verticalizao varreu inmeras favelas cariocas e a Rocinha no constitui

exceo. Oficialmente, o gabarito permitido na localidade de trs andares, o que no nem respeitado pelos

moradores nem garantido pelo poder pblico. Em setembro de 2005,O Globodenunciou a existncia de um

prdio de 11 andares com 56 apartamentos em um das principais ruas da localidade. O ento prefeito Csar

Maia, morador de So Conrado, bairro adjacente Rocinha, defendeu-se: muito melhor ter prdios grandes

na Rocinha do que na praia, pois eles produzem sombras [na areia da praia].


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Tonterias oficiais parte, importante reter que estamos falando de um territrio de altssima densidade

populacional em que muito difcil encontrar casas arejadas sobre as quais incida a luz do sol, e onde os

espaos livres so quase sempre residuais (no planejados por qualquer legislao ou regra formal). Em um

contexto desses, lajes esto longe de ser apenas um teto ou piso, como quer o dicionrio. Elas so um

valorizado patrimnio, um smbolo de status, um privilgio invejado.


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Quando contei Ktia, moradora da Rocinha desde que nasceu, que o meu livro,Gringo na Laje: Produo,

circulao e consumo da favela turstica, seria publicado em ingls e que eu estava penando para explicar para

os estrangeiros o que era, afinal, a laje, ela rindo, se solidarizou: Ih, coitada! Seu vocabulrio bom mesmo?

Estou perguntando isso porque voc vai precisar de muitas palavras!. Seu comentrio jocoso foi seguido de

uma justificativa pertinente que resume esse que hoje constitui um dos espaos mais significativos no imaginrio

e na sociabilidade da favela: Voc sabe, Bianca, as pessoas fazem de tudo nas lajes. Cada um faz um uso

diferente, s depende mesmo da imaginao.

Como a arquiteta Danielle Klintowitz ressalta em sua dissertao sobre os usos e apropriaes de diferentes

espaos na Rocinha, as lajes apresentam grande diversidade morfolgica dependendo da rea onde se

encontra a edificao e de sua tipologia: nas reas mais precrias, elas so menores, em geral com cinco

metros quadrados; nas reas mais consolidadas, podem chegar a 10 metros de comprimento por oito de

largura.


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A despeito de seu tamanho, as lajes no raro so tomadas como espaos provisrios, sempre em mutao

vergalhes expostos, s vezes sinalizados e protegidos por garrafas pet, acenam que outras edificaes ainda

esto por vir. No raro a inteno que sirvam como base para se construir uma nova residncia a ser ocupada

por outros membros da famlia ou para uso no mercado imobilirio: afinal, como ressalta Licia Valladares, na

Rocinha lajes so vendidas e alugadas como se fossem um lote regular. Em ambos os casos, observam Jailson


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de Sousa e Jorge Barbosa, elas representam um valioso patrimnio familiar, a maior herana que os pais podem

prover a seus filhos.

No espectro quase infinito de papis que a laje performa, alguns so mais recorrentes. s lajes correspondem,

sobretudo, ideais de lazer e interao social: so espaos de congregao, socializao e de usufruto do tempo

do no-trabalho. Nas lajes as crianas brincam, as famlias fazem churrasco e comemoram as grandes datas,


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moas e rapazes relaxam e tomam sol no por acaso h tantas piscininhas de plstico e chuveiros instalados

ali. De to popular, a prtica levou criao do concurso gata da laje cujo objetivo identificar e premiar, a

cada vero, aquela que seria a mais bela da favela.


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As lajes cumprem, igualmente, funes mais pragmticas: abrigam as caixas dgua que tingem de azul a viso

area da favela, costuram-se em interminveis varais, funcionam como jardins suspensos e espao para criao

de pequenos animais passarinhos, cachorros, coelhos, patos. Servem ainda para guardar tudo que no

imediatamente til, mas que no se quer jogar fora, tudo que no cabe dentro de casa. Eventualmente, podem


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funcionar como palcos para msicos e artistas amadores, assim como suas paredes podem se transmutar em

superfcie para projeo de filmes.

Desde a laje possvel refletir sobre como o tema do espao pblico sua definio, constituio e usos

relaciona-se diretamente com o tema da mobilidade e da acessibilidade. Antes de tudo, importante atentar

para o fato de que o acesso laje geralmente se d por meio de escadas que comeam no nvel da rua e so

externas casa propriamente dita. Uma regra no escrita, porm bastante respeitada, prev que no se deve

subir por essas escadas e chegar laje de algum sem o devido convite ou autorizao. Nesse sentido,

estamos falando de um espao privado, dos limites da Casa nos termos de DaMatta. Por outro lado, apesar de

esse acesso fsico limitado ao nvel da rua reforar seu status privado, as lajes esto, tanto fsica quanto

visualmente, conectadas com o exterior, com o espao pblico. So potencializadoras de diversas mobilidades

que, por sua vez, nos ajudam a refletir sobre o que pode constituir o espaodo pblico na modernidade mundo

de que nos fala Renato Ortiz. Esse ponto, a meu ver, merece elaborao.

A relao entre espao pblico e mobilidade no contexto da cidade contempornea aparece em autores como

Richard Sennett e Zigmunt Bauman, em grande medida, pela chave da negatividade: h uma clara preocupao

em denunciar os efeitos perversos dos excessos de mobilidade. Deslocar-se pelo espao urbano em alta

velocidade o grande vilo , obviamente, o automvel significa atravessar a cidade sem com ela interagir.

Autores que se identificam com o novo paradigma das mobilidades, como John Urry e Mimi Sheller, apesar de

criticar com rigor o modelo de sociabilidade centrado no automvel, identificam na mobilidade urbana um valor

poltico: o deslocamento pela cidade a prpria condio de possibilidade para a existncia do espao pblico

como tal. Nessa perspectiva, a mobilidade o que garante as redes sociais, os contatos entre os atores, as

trocas das quais depende a cidadania democrtica. Na mesma medida em que antigos espaos pblicos vo

sendo condenados ao desaparecimento, novos espaos pblicos emergem a despeito das distncias

geogrficas: a mdia quer amainstreamou a dita alternativa ; a internet e suas redes sociais; os territrios

transnacionais constitudos por migrantes legais e ilegais; entre outros tantos.


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A laje permite pelo menos dois tipos de mobilidades: o primeiro tem a ver justamente com a construo e a

participao nesses fruns pblicos desterritorializados pois, em muitas partes da favela, no alto da laje onde

se consegue o melhor sinalwirelessque o Estado passou a prover recentemente. Pequenssimos cmodos so

construdos em um dos cantos da laje exclusivamente com o intuito de abrigar uma mesa, uma cadeira e o

computador. No incomum ver pessoas sentadas na laje num domingo tarde com seus laptops acomodadosao colo.


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O mesmo vale, obviamente, para outros suportes miditicos, como a televiso, cujo acesso cada vez mais

globalizado na Rocinha a proliferao de antenas de satlite de alta definio no indicam outra coisa. Fazer

esse reconhecimento, contudo, no significa assumir uma postura acrtica, ou por demais otimista, diante das

supostas potencialidades democrticas da web ou dos resultados de um investimento concentrado na cidadania

miditica. Como diversos autores j apontaram, preciso antes dominar os cdigos de conduta e construirredes de confiana para se fazer um uso cidado da internet ou da mdia de maneira geral. De todo modo,


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importante no esquecer que, na Grcia Antiga, a idia do pblico estava diretamente relacionada de

informao:idion, um dos termos que se contrapunha noo de pblico, compartilha da mesma raiz

etimolgica queidiotes, aquele que se encontra na ignorncia das coisas coletivas.

O segundo tipo de mobilidade que a laje permite propriamente fsico e me parece ainda mais interessante para

repensarmos o modelo casa & rua que nos prope DaMatta. Como se sabe, as dimenses das ruas nas favelas,

na maioria dos casos, fogem a qualquer especificao razovel. Em algumas partes da Rocinha, em que a

densidade altssima, as ruas no tm mais de 50 centmetros de largura. o caso da rea conhecida como

Cidade Nova, que abriga em seus pouco mais de vinte e dois mil metros quadrados cerca de 4.700 moradores.

So 4,7 metros quadrados por pessoa (em Copacabana tem-se 30 metros quadrados por habitante)! Alm de

estreitas, as ruas possuem trechos muito escorregadios e ngremes; em outros, seu fluxo interrompido por

escadarias. Torna-se invivel, portanto, transportar objetos de maior volume uma geladeira ou um sof, por

exemplo. Para contornar esse srio e cotidiano problema de mobilidade, os moradores criam caminhos

alternativos por cima das casas. Seu caminhar por lajes adjacentes possibilita a criao de verdadeiras ruas

suspensas, as quais prescindem, obviamente, de um traado prvio ou de qualquer lgica que no seja a do

mais puro pragmatismo. Quando percorridas assim, as lajes so casa ou rua, privadas ou pblicas?

As lajes transformam-se ainda com maior freqncia nos extremos de pontes invisveis e precrias quando as

crianas sobretudo os meninos perseguem suas pipas pulando com rapidez entre lajes no

necessariamente contguas. Mas, como bem sabemos, nem toda perseguio na favela ldica: aquela que

envolve bandidos e polcia transmuta as lajes em perigosas vias de escape. Ruas suspensas, pontes e rotas de

fuga: se em um nvel individual as lajes so espao privado casa , seu uso coletivo, mvel e variado as

transforma em rea de circulao pblica, ou seja, rua.


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Nesse sentido, as lajes nos fazem atentar para o fato de que espaos pblicos precisam ser compreendidos no

apenas em relao aos diferentes domnios do Estado e suas subdivises, mas tambm como espao pblico

urbano nos termos to bem formulados por Isaac Joseph espao de comunicao, circulao e de

mobilidade.

Isso no significa ignorar que o uso das lajes est referido, via de regra, noo de propriedade privada e que

nem sempre a laje estabelece ou prov uma relao positiva com a mobilidade, acessibilidade e movimento:

basta pensarmos que do alto da laje que os traficantes dos bandos armados observam e controlam o fluxo de


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pessoas e bens que entram e saem do territrio que julgam seu. Quando falamos empblicoaqui, tampouco

podemos tomar como modelos ideais a gora grega ou o frum romano espaos de discusso dos negcios e

interesses pblicos por excelncia. Estamos falando em uma noo de pblico a qual remete de uma

acessibilidade fsica e psicolgica que no se assenta em qualquer tipo de contrato de adeso. Acessibilidade,

nesse sentido, se coaduna com a noo de mobilidade porque da garantia de uma circulao ampla de

pessoas, produtos e ideias de que estamos falando.


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Eu no poderia encerrar esse nosso passeio sem mencionar uma outra funo que, desde o incio dos anos 90,

as lajes passaram acumular e que decorre da popularidade da favela no mercado turstico internacional. Como

muitos j devem saber, na Rocinha atuam regularmente operadoras de turismo que organizam tours de trs ou

quatro horas pelos quais cobram uma mdia de R$70,00. Durante os passeios que podem ser feitos de jeep

ou van, a p ou na garupa de motos velozes esto previstas pelo menos trs paradas: a primeira em um dos

trs pontos de venda de suvenires (quadros, camisetas, bolsas, bijuterias produzidos e comercializados por

artesos locais); a segunda, no Largo do Boiadeiro, onde proliferam barracas de produtos nordestinos; e a

terceira em alguma laje que passa a funcionar, ento, como um mirante informal.


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Os moradores que alugam suas lajes recebem das agncias um valor fixo, algo em torno de R$ 2,00 por turista.

Quando algum grupo pede, fao churrasco ou feijoada. Mas, a, eu cobro por fora, explica Seu Carlinhos. No

caso de haver um contrato de exclusividade entre morador e agncia, os guias j ficam em posse da chave da

casa do morador e sobem com os turistas mesmo se o proprietrio estiver ausente. durante o momento laje

que os guias reproduzem seu texto explicativo sobre a favela e a sociedade brasileira em termos mais gerais,

respondem eventuais perguntas e incentivam os turistas a tirar o maior nmero possvel de fotografias. Comum


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a todas as agncias, o momento laje , sem dvida, um dos mais apreciados pelos milhares de turistas que

visitam a Rocinha (so, em mdia, trs mil e quinhentos visitantes por ms vindos principalmente da Europa e

dos Estados Unidos).


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Com o mar de casas a seus ps, eles podem confrontar a favela com seu entorno, as casas mal alinhadas com

os edifcios luxuosos beira do mar. Se potencialmente as lajes poderiam funcionar como palco de encontros

face a face entre turistas e moradores, na prtica elas funcionam como palco de encontros entre turistas e

imagens genricas, previamente acumuladas e muitas vezes descontextualizadas, que eles trazem em suas

bagagens.

Transmutada em palco pedaggico pela narrativa turstica, a laje permite no apenas a apreenso cognitiva efotogrfica da vastido da Rocinha, mas igualmente a compreenso da iniqidade social e econmica que, vista


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do alto da favela, adquire uma materialidade de outra ordem. Now I can say that I understand what Brazil is

about, sentencia uma jovem turista australiana. Na comunicao que estabelece entre Casa & Rua, a laje no

evoca um outro mundo, no faz negao do presente com suas mazelas e sofrimentos. A laje um

mirantedestemundo de fluxos globais, de contradies em aberto, de fraturas, sem sntese,Visa sponsored.


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BIANCA FREIRE-MEDEIROS professora associada da Escola de Cincias Sociais do CPDOC/FGV e

coordenadora do UrbanData Brasil (banco de dados sobre o Brasil urbano). Bianca tem investigado, desde o

seu doutorado em Histria e Teoria da Arte e da Arquitetura (Binghamton University), a circulao de imagens

tursticas em diferentes contextos de alteridade e estranhamento. Desde 2005, tem na favela turstica um dos

seus principais objetos de investigao, o que a projetou como interlocutora de pesquisadores interessados no

campo do chamado turismo de pobreza no Brasil e no exterior.Gringo na Laje: Produo, circulao e consumo

da favela turstica(Ed. FGV, 2009) eTouring Poverty(Routledge Advances in Sociology Series, 2013) so as

principais snteses desse esforo de reflexo.

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