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Casos de Ensino: Cooperativismo e Associativismo

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Rigo, Ariádne Scalfoni (Org.) R572c Casos de ensino sobre cooperativismo e associativismo / Organizado por Ariadne Scalfoni Rigo, Airton Cardoso Cançado e Jeová Torres Silva Junior. -- Petrolina, PE: Gráfica Franciscana, 2011. ISBN 978-85-60382-10-1

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CASOS DE ENSINO:COOPERATIVISMO E ASSOCIATIVISMO

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CASOS DE ENSINO:COOPERATIVISMO E ASSOCIATIVISMO

OrganizadoresAriádne Scalfoni Rigo

Airton Cardoso CançadoJeová Torres Silva Jr

PetrolinaEditora e Gráfica Franciscana Ltda

2011

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Organizadores:Ariádne Scalfoni Rigo

Airton Cardoso CançadoJeová Torres Silva Jr

CapaIala Thaíza

Diagramação e ImpressãoGráfica Franciscana

FICHA CATALOGRÁFICA

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Rigo, Ariádne Scalfoni (Org.)R572c Casos de ensino sobre cooperativismo e associativismo / Organizado

por Ariadne Scalfoni Rigo, Airton Cardoso Cançado e Jeová Torres Silva Junior. -- Petrolina, PE: Gráfica Franciscana, 2011.

240p. : il. Inclui Bibliografia. ISBN 978-85-60382-10-1

1. Cooperativismo. 2. Associativismo. 3. Economia Solidária. 4. Gestão de Cooperativas. 5. Participação. 6. Educação Cooperativista. 8. Ferramentas Gerenciais. I. Cançado, Airton Cardoso (org.). II. Silva Jr., Jeová Torres (org.). III. Universidade Federal do Vale do São Francisco. IV. Título.

CDD 334

Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema Integrado de BibliotecaSIBI/UNIVASF

Bibliotecário: Lucídio Lopes de Alencar

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Sumário

Prefácio .................................................................................. 07Apresentando os casos de em cooperativismo ...................... 11

Parte 1: Dilemas estruturais e tomada de decisão

A construção de uma estrutura-rede de comercialização entre Empreendimentos de Economia Solidária ........................... 21 Antônio Cruz (UFPel)

COOPACTO: os caminhos para um recomeço .................... 47Naldeir dos Santos Vieira (UFVJM), Daniela Cristina da Silveira Campos (UFVJM), Keilla Dayane Silva Oliveira (UFVJM) e Airton Cardoso Cançado (UFT)

PASSADO, PRESENTE E FUTURO: do caso Manga Brasil no Vale do São Francisco ....................................................... 71Ariádne Scalfoni Rigo (UNIVASF), José Raimundo Cordeiro Neto (UNIVASF) e Brigitte Renata Bezerra de Oliveira (UNIVASF)

ENTRE A EQUIDADE E A SOLIDARIEDADE: repensando a remuneração dos cooperados ........................................... 101Airton Cardoso Cançado (UFT), Naldeir dos Santos Vieira (UFVJM), Liliam Deisy Ghizoni (UFT) e Ariádne Scalfoni Rigo (UNIVASF)

Parte 2: Questões e ferramentas gerenciais para sustentabilidade

ALÉM DAS CONTAS... A construção do Estudo de Viabilidade Econômica ....................................................... 123Ósia Alexandrina Vasconcelos Duran Passos (UFRB), Alessandra Bandeira Antunes de Azevedo (UFRB) e Ana Georgina Peixoto Rocha (UFRB)

COOAPAZ e COOPEC: cooperar para competir ............. 147Lúcia de Fátima Lúcio Gomes Costa (IFRN) e Denise Cássia Silva (IFRN)

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Parte 3: Questões de participação, políticas públicas e de educação para o cooperativismo

TODOS JUNTOS PODEM MAIS? Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE ........................................... 165 Eduardo Vivian da Cunha (UFC-Cariri), Maria Laís dos Santos Leite (Leão Sampaio), Sílvia Roberta Oliveira e Silva (ITEPS), Danilo Ivo Feitosa (UFC-Cariri)

MOBILIZAÇÃO ASSOCIATIVA: uma parceria entre universidade e comunidade local para a sobreposição de barreiras sociais .................................................................. 179Marco Aurélio Marques Ferreira (UFV) e Doraliza Auxiliadora Abranches Monteiro (UNIPAC)

DO PARTICIPAR À AÇÃO: o caso de uma Associação de Produtores de Leite ............................................................. 197 Daniela Moreira de Carvalho (UFRPE/UAG), Naldeir dos Santos Vieira (UFVJM), Ariádne Scalfoni Rigo (UNIVASF)

O SERTÃO JÁ VIROU MAR, O MAR JÁ VIROU SERTÃO... da lama nasceu um lindo Girassol ................. 219 Carlos Eduardo Souza de Araújo (UNIVASF) e Francisco Ricardo Duarte (UNIVASF)

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Prefácio

Ao longo dos últimos anos, vivenciamos a proliferação de cooperativas no Brasil nos mais diversos segmentos. Do setor agrícola ao setor de transportes, passando pelas cooperativas de crédito e de serviços profissionais, apenas para citar alguns exemplos.

Observamos que, não raro, cooperativas desaparecem na mesma proporção com que surgem. Diante disso, naturalmente, algumas questões emergem. Afinal, o que explica as razões de sobrevivência e sucesso de determinados arranjos cooperados? Seriam os problemas observados decorrentes de uma cultura local pouco propensa à colaboração? Se a cultura local é determinante, quais os motivos que justificam os padrões de excelência observados por cooperativas, imersas no mesmo contexto institucional? Qual o papel de estruturas de incentivos, calcadas em recompensas e punições, na moldagem das condutas dos indivíduos participantes do processo de produção e distribuição de riquezas em ambientes cooperados? Cooperativas soerguidas nos pilares do modo de produção capitalista tendem a ser mais longevas do que aquelas calcadas em valores solidários?

Tomando de empréstimo as linhas mestras dos organizadores desse livro, a existência de respostas prontas e exatas para as perguntas elaboradas deve ser vista com reserva. Definitivamente, a vasta literatura de aeroporto fundamentada em assertivas do tipo “sete razões para o sucesso disto” ou “as técnicas mais eficazes que conduzem a excelência daquilo”, pouco, para não dizer em nada, ajudam as organizações contemporâneas a atenderem seus propósitos econômicos e sociais. Em verdade, processos decisórios que ignoram a articulação entre os recursos e competências distintivas da organização e as diversas forças externas existentes são fadados

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ao fracasso. O desafio consiste justamente em proporcionar aos membros da organização um conjunto de saberes e de competências complementares à bagagem cultural ou profissional prévia dos atores envolvidos, que possa levar à evolução das organizações de natureza cooperativa.

Nesse diapasão, o presente livro constitui-se numa importante contribuição por diversas razões. Primeiro, por suprir lacuna importante na literatura de gestão de cooperativas ao trazer em perspectiva exemplos não-convencionais, porém não menos importantes, de arranjos cooperados, indo além dos tradicionais casos de gestão agroindustrial. Segundo, os casos oferecidos pelo livro permitem ao instrutor conduzir a discussão de acordo com o perfil da turma e de si próprio. Dito de outra forma, um mesmo caso pode ser dirigido de maneira diferente para uma audiência de estudantes ou de gestores de cooperativas. Além disso, um instrutor menos afeito com questões de natureza instrumental pode enveredar por caminhos mais reflexivos. Terceiro, os autores dos casos não possuem a presunção de donos da verdade. Há várias respostas possíveis que podem mudar ao sabor das convicções e da história dos participantes. Quarto, e talvez mais importante, o livro representa a pujante produção intelectual de jovens talentos emergentes na academia brasileira. O fato de estarem, em sua maior parte, situados em centros localizados na “periferia da periferia” não diminui em nada a qualidade da produção. Ao contrário, as dificuldades inerentes à distância em relação aos ditos grandes centros de excelência parece exercer um efeito estimulante sobre os autores, que com muita garra e entusiasmo mostram para quem quiser ver a existência de vida inteligente para além dos eixos tradicionais. Ao retratar com fidelidade e riqueza de detalhes uma realidade não conhecida da intelligentsia local, os autores colocam em tela dilemas organizacionais relevantes, porém pouco explorados de forma sistemática pelos acadêmicos da área de gestão.

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Por fim, recorrendo à conhecida, porém relevante, expressão “nada mais prático do que uma boa teoria”, o livro organizado pela Professora Ariadne Rigo, pelo Professor Airton Cançado e pelo Professor Jeová Torres, além de importante contribuição para o ensino e para a intervenção na realidade, é um catalisador para a produção de boas teorias na área de administração que sejam capazes de possibilitar a compreensão da realidade da gestão de cooperativas. Seguramente, as reflexões suscitadas pela obra podem viabilizar o desenvolvimento de futuros trabalhos na área que movam a fronteira do conhecimento para além dos trabalhos de natureza ateórica e militante, ainda bastante comuns. De igual sorte, é preciso também que a produção da área de gestão de cooperativas vá além de obras fundamentadas em referenciais funcionalistas, que frequentemente tentam encapsular a complexidade existente em padrões preditivos de baixa aderência à maior parte das cooperativas brasileiras.

Vida longa aos autores. Eles estão no caminho certo.

Sandro CabralProfessor da Escola de Administração da UFBA

Coord. dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Administração - UFBA

Salvador, janeiro de 2011

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Apresentando os Casos de Ensino em Cooperativismo

Ariádne Scalfoni Rigo

Airton Cardoso Cançado

O uso de estudos de caso já acontece há muito tempo em cursos de gestão como ferramenta de ensino-aprendizagem. A utilização inicial foi nos cursos de direito no início do século XX, porém, sua migração para o âmbito dos cursos de gestão foi bastante rápida. A intenção é simular a prática dentro do ambiente da sala de aula. Em ciências sociais atividades práticas são bem mais complexas que nas ciências naturais, onde os laboratórios, de certa forma, podem atender a este propósito (ROESCH, 2006; 2007).

Segundo Roesch (2007, p.1), o caso para ensino tem os seguintes objetivos: “[...] a) desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes consideradas chaves para o sucesso gerencial; b) familiarizar os estudantes com as organizações e seu ambiente; c) ilustrar aulas expositivas [...]”. Se configurando como um texto breve, seguido por notas de ensino, dirigidas ao professor.

Roesch (2006) propõe uma tipologia para uso de casos em Gestão. O primeiro tipo, denominado Casos-pesquisa tem o objetivo de desenvolver conhecimento teórico e prático e são usados na pesquisa acadêmica para descrever e explicar fenômenos com um aporte conceitual em uma pesquisa empírica. O segundo, denominado Casos Práticos, têm caráter informativo, descrevendo ou divulgando casos de gestão. O terceiro tipo, Casos para Ensino, são relatos usados com objetivos educacionais. O último tipo, por sua vez, de nomenclatura auto-explicativa é composto de informações e materiais ilustrativos

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usados em sala de aula.

Este livro se inscreve nos casos do terceiro tipo, os quais se subdividem em Casos-problema, Casos-demonstração e Casos-incidente/história. O Caso-problema é o mais usado na área de gestão e tem caráter indutivo e seu objetivo é “[..] habilitar os participantes a identificar e resolver problemas gerenciais e a lidar com fatores de tem caráter indutivo e seu objetivo é “[..] habilitar os participantes a identificar e resolver problemas gerenciais e a lidar com fatores de identificar e resolver problemas gerenciais e a lidar com fatores de risco” (ROESCH, 2006, p.90). O Caso-demonstração é usado para demonstrar práticas gerenciais e enriquecer aulas expositivas. Por fim, os Casos-incidente-história são mais curtos e envolvem um problema a ser discutido pelos estudantes, em regra geral para salientar aspectos políticos e emocionais da vida organizacional.

Segundo Roesch (2006) o modelo dominante é o Caso-problema, também denominado como tipo Harvard, pela sua origem. Este livro de Casos de Ensino para Cooperativas pode ser classificado como um livro de Casos nesta perspectiva.

Este livro carrega o desafio de apresentar casos-problema sem a intenção de termos respostas corretas/erradas e exatas. Definitivamente não há esta perspectiva binária, ou dicotômica. O próprio empreendimento cooperativo não permite este tipo de análise. Para além do mercado, entretanto levando-o em consideração, a cooperativa é formada por pessoas que decidem seu destino e isto amplia consideravelmente a complexidade dos casos e da sua própria discussão (pois não há efetivamente apenas uma solução para cada um dos casos apresentados).

O que nos motivou a organizar este livro, em primeiro lugar, foi a escassez de material escrito sobre cooperativismo, o que leva muitas vezes professores e gestores a utilizarem material preparado para a administração de empresas em cooperativas com resultados que podem ser desastrosos. Cooperado é

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cooperado, não é cliente, funcionário ou fornecedor da cooperativa (na perspectiva do ato cooperativo) e deve ser tratado como tal. Tratar um cooperado de uma cooperativa de trabalho como funcionário, um cooperado de uma cooperativa de crédito como cliente, ou um cooperado de uma cooperativa agropecuária como fornecedor é desvirtuar completamente o cooperativismo, e o que pode parecer à primeira vista profissionalização da gestão pode se tornar um problema no médio prazo. Os livros de administração de empresas trazem técnicas para lidar com funcionários, clientes e fornecedores. Não vamos nos aprofundar aqui, mas com certeza seria um ótimo tema para um caso de

1ensino .

Outro motivo importante para empreendermos na confecção deste livro é a proliferação dos cursos de gestão de cooperativas, gestão pública e gestão social (com diversas nomenclaturas) em nível de graduação e pós-graduação (lato sensu e stricto sensu) que necessitam de material didático desta natureza.

Para a utilização deste material, sugerimos aos docentes a 2perspectiva da educação dialógica de Paulo Freire (1987; 1996;

2001). A educação dialógica é relativamente fácil de conceituar, por outro lado necessita de humildade científica e uma boa dose de vontade do educador. A educação dialógica pode ser definida

1 Em alguns textos anteriores defendemos estes termos em posições mais específicas, como a diferença entre responsabilidade social e aplicação do princípio cooperativista da participação econômica dos membros (CANÇADO et al., 2008a) ou a diferença entre sobras e lucros (CANÇADO et al., 2008b).2 Caso o docente não conheça o trabalho de Paulo Freire, sugere-se pelo menos a leitura do pequeno, mas importante livro Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1987), que contém as linhas gerais desta discussão.

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como o respeito aos saberes e competências do outro, em outras palavras, o professor deve perceber (e acreditar) que o aluno possui conhecimentos prévios (mesmos os não científicos) que são importantes para a condução dos casos de ensino dentro da sala. Os saberes do professor e do aluno são apenas diferentes e este respeito mútuo é a chave para o desenvolvimento tanto do aluno, quanto do professor, principalmente em uma atividade onde não existem respostas prontas, pois o caso de ensino tem uma perspectiva essencialmente qualitativa (ROESCH, 2006).

O terceiro motivo que nos levou a organizar esta obra foi o livro “Gestão do desenvolvimento territorial e residência social” (FISCHER; ROESCH e MELO, 2006), que traz casos de ensino para gestão social. Além da inspiração neste trabalho buscamos nele também a metodologia, descrita em Roesch (2006) para a elaboração dos casos.

Como usar este livro? A resposta para esta pergunta segue a mesma lógica das “respostas não prontas” para a solução dos casos de ensino que constam aqui. Apesar das especificidades de cada caso, o professor pode começar sua escolha lendo seus resumos e assim decidir pelo mais adequado ao momento do ensino ou à disciplina.

Os casos foram divididos em duas partes principais, seguindo a orientação de Roesch (2006): a primeira é o caso em si, onde constam as informações e as questões propostas pelo(s) autor(es) do caso. Na Segunda, chamada de “Notas de Ensino”, encontram-se o resumo, as fontes dos dados do caso, os objetivos de aprendizagem que a aplicação daquele caso pretende alcançar e uma análise alternativa do caso.

Como dito, o resumo tem o papel de orientar o professor na escolha do caso, antes de lê-lo completamente. As fontes dos dados indicam, minimamente, algumas técnicas de coleta de dados utilizadas para construção do caso e, inclusive, atestam a veracidade e a realidade das situações propostas em cada um

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deles. Os objetivos da aprendizagem, obviamente são frutos do ponto de vista daquele que construiu o caso, mas o professor pode, ainda, identificar uma série de outros propósitos com a aplicação de cada um dos casos de ensino deste livro.

Ainda nas “Notas de Ensino”, a análise alternativa proposta pelos autores dos casos intentam orientar as discussões em sala ou a confecção de trabalhos escritos sobre o caso. Trazem referências bibliográficas e sites que possibilitam uma análise mais completa e complexa da situação problema proposta. Como dito anteriormente, as análises alternativas não pretendem dar respostas, mas apenas indicar possíveis linhas de discussões relevantes.

A riqueza e a diversidade dos casos de ensino que compõem este livro permitem a identificação de várias situações problema. Embora, em alguns casos, os autores tenham enfatizado apenas uma (portanto, tem-se mais informações sobre ela), o professor pode propor outras questões para debate mediante outros problemas percebidos.

Também por causa da diversidade de questões problema dos casos de ensino, a divisão dos mesmos em partes não foi tarefa fácil e talvez não tenha resultado num sumário tão adequado quanto o leitor espera. É por isso também que orientamos o professor a escolher o caso, num primeiro momento, por meio dos resumos.

O livro se divide em três partes. Na primeira, constam os casos que procuram debater aspectos mais estruturais, embora não desprezem o político, como a forma jurídica mais adequada para a situação (Cooperativa ou Associação), questões relativas a formação de redes e intercooperação e outras que se relacionam a tomadas de decisão que comprometem o futuro do empreendimento.

Abrimos esta sessão e o livro com o caso do professor Antônio Cruz, que discute toda a complexidade de criar um ou

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uma rede de empreendimentos solidários, tais como a sua forma de governança, a comercialização dos produtos, as parcerias que podem ser feitas e o provimento de recursos. Neste caso, o autor nos presenteia com um formato diferenciado do caso de ensino, que ultrapassa a formalidade da nota de ensino e propõe um caso que dialoga com o leitor, orientando-o, passo-a-passo, em direção a resolução do caso.

Os dois casos que seguem, ainda dentro da primeira parte do livro, mostram a situação-problema relacionada à transformação de uma cooperativa em associação e de uma associação em cooperativa, respectivamente. No primeiro dentre estes dois textos, a experiência em Teófilo Otoni, Minas Gerais, retrata um dilema interno de uma cooperativa que, por questões de sobrevivência, pensa em se tornar associação. No outro caso, pesquisado no Vale do São Francisco, uma associação precisa se tornar cooperativa para se manter em certos mercados e entrar em novos, mas a história de um cooperativismo mal sucedido na região coloca em cheque esta iniciativa. Por fim, fechamos esta primeira parte com um caso que se baseia em algumas experiências de incubação dos autores no qual procuram retratar um dilema comum em cooperativas relacionado à remuneração dos membros.

Na segunda parte, há dois casos que focam questões de caráter mais instrumental, embora em situações completamente diferentes. A questão do uso do Estudo de Viabilidade Econômica para um pequeno empreendimento solidário no interior da Bahia é o centro da problemática em um deles; em outro as estratégias competitivas e cooperativas utilizadas por duas cooperativas no Rio Grande do Norte estão no centro da questão. Ambos os casos não deixam, porém, de levantar questões políticas e sociais que envolvem o caso.

Na terceira e última parte do livro, procurou-se agrupar os casos de ensino mais direcionados para questões sociais (embora

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nenhum dos casos do livro deixem essas questões de lado), da participação, do envolvimento do cooperado nas questões da cooperativa entre outras. O primeiro texto desta ultima parte, resultado da iniciativa da equipe da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários, da Universidade Federal do Ceará (ITEPS/UFC), relata as diversas situações durante o processo de articulação de atores, individuais e institucionais, em prol da implementação de uma cooperativa de reciclagem na região do Cariri, Ceará. A equipe identifica a importância do apoio do poder público e da mobilização de forças em prol do grupo. Esta mesma necessidade de mobilização social é vista no caso que segue. Elaborado por autores da Universidade Federal de Viçosa (UFV), mostram o papel desta entidade no processo, de maneira geral, de desenvolvimento local. Voltando ao Nordeste, o caso da Associação dos Produtores de Leire, do agreste de Pernambuco, é emblemático: por um lado, pode-se pensar em centralização de poder pelo presidente da cooperativa, por outro, o baixo envolvimento e a baixa participação dos cooperados nas decisões reforçam uma situação que tem comprometido a eficiência da organização. Enfim, o último caso da sessão e do livro, assim como o primeiro, se diferencia dos demais, não pelo formato, mas pela situação que discute. Retratando a constituição de um grupo solidário, composto por mulheres que se encontram em situação de risco e prostituição, mostra como a mudança ocorre na vida destas mulheres, e como aprendem a mudar sua própria realidade.

Ao final desta introdução, nos resta desejar a todos os professores e alunos que façam um excelente uso dos casos de ensino que nossos colaborados/autores disponibilizaram. Aproveitamos para agradecer a todos os autores-pesquisadores e professores que contribuíram para esta obra pela oportunidade de conhecer suas experiências e compartilhar os dilemas que enfrentam no dia a dia da sua prática intervencionista em prol de uma sociedade mais justa.

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Referências

CANÇADO, Airton Cardoso; SILVA JR, Jeová Torres; RIGO, Ariádne Scalfoni. Princípio da Preocupação com a Comunidade ou Responsabilidade Social para Cooperativas? Uma abordagem baseada na Teoria da Dádiva. In ENCONTRO DE INVESTIGADORES LATINO-AMERICANO DE COOPERATIVISMO, 5, Ribeirão Preto, 2008. Anais..., Ribeirão Preto: FEARP/USP, 2008a. 1 CD-ROM.

______; IWAMOTO, Helga Midori, CARVALHO, Jacqueline Elisa F. Barreto. Cooperativa dá lucro? Considerações sobre lucos e sobras. In: CANÇADO, A. C.; SILVA JR, J. T.; SCHOMMER, P. C.; RIGO, A. S. Os desafios da formação em Gestão Social. Palmas: Provisão, 2008b.

FISCHER, Tânia; ROESCH, Sylvia; MEL, Vanessa Paternostro. Gestão do desenvolvimento territorial e residência social: casos para ensino. Salvador: EDUFBA, CIAGS/UFBA, 2006a. 170p.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 29. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987, 186p.

ROESCH, Sylvia Maria Azevedo. Notas sobre a construção de casos para ensino. Rev. adm. contemp. vol.11 no.2 Curitiba, 2007. Apr./June 2007.

______. A construção de Casos de ensino em gestão social: diferenças entre estudos de caso e casos de ensino. In FISCHER, Tânia; ROESCH, Sylvia; MEL, Vanessa Paternostro. Gestão do desenvolvimento territorial e residência social: casos para ensino. Salvador: EDUFBA, CIAGS/UFBA, 2006a. 170p.

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Parte 1Dilemas estruturais e tomada de decisão

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A construção de uma estrutura-rede de comercialização entre Empreendimentos de Economia Solidária

Antônio Cruz *

O começo de um empreendimento de economia solidária é como qualquer empreendimento de pequeno porte numa economia como a que vivemos contemporaneamente, dominada por oligopólios. Isto quer dizer que o começo é sempre difícil, mas depois... tudo continua difícil.

O começo está relacionado às dificuldades de produzir num empreendimento de economia solidária: iniciar a construção de uma cultura de mecanismos de decisão participativos e democráticos, fazer planos a partir de instrumentos adequados de gestão, aparar diferenças e desavenças, tomar as decisões e fazer as coisas saírem da idéia para a realidade etc. O número e a qualidade das dificuldades são grandes. Mas como este não é o tema deste texto, vou deixá-las de lado e pular para uma parte que só aparece quando as agruras do processo produtivo já se encontram, em parte pelo menos, superadas: chega a hora de comercializar aquilo que está sendo produzido – fazer com que a mercadoria ou serviço torne-se dinheiro na mão de quem produziu, para tornar-se em parte consumo dos produtores e em parte investimento para um novo ciclo de produção (por menor que seja a escala).

* Professor adjunto da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), doutor em economia aplicada (Unicamp). Foi um dos fundadores e participou das incubadoras tecnológicas de cooperativas populares (ITCPs) das universidades de Campinas (Unicamp) e Católica de Pelotas (UCPel), bem como coordenador nacional da Rede Universitária de ITCPs do Brasil (2008-2010).

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Dizendo desta forma, pode soar algo muito capitalista, mas está longe disso. Acontece que, justamente por força de que vivemos numa sociedade capitalista, a produção de bens e serviços realizada de forma compartida e solidária só pode ter continuidade se, como as demais empresas não-solidárias, for capaz de continuar existindo no mercado, isto é, se for capaz de reunir em cada ciclo de sua produção os insumos e o trabalho necessários para trazer outra vez ao mercado um novo lote de mercadorias ou de serviços a serem oferecidos. A diferença é fazer e continuar fazendo tudo isto como da primeira vez: de forma solidária, compartida, autogerida.

A comercialização de empreendimentos econômicos solidários (daqui para frente, apenas EES) encontra assim dois tipos de problemas de qualquer empresa que opera nas condições atuais de mercado (de competição acirrada ou mesmo oligopólica), mas também aquelas condições específicas a que se submetem os empreendimentos que buscam produzir de forma saudável, solidária e sustentável, com tudo que isto implica em termos de especificidade (como as necessárias opções criteriosas com relação à forma e ao conteúdo de seu processo produtivo, que deve ser ao mesmo tempo economicamente eficiente, socialmente justo e ambientalmente sustentável).

Este caso conta a história de um “coletivo de coletivos” em busca de um espaço comum: a constituição de uma rede de EES que – sendo eles próprios, cada um, uma rede de pessoas – se articulam para encontrar juntos os caminhos intrincados da comercialização. Além dessa diferença inicial (um coletivo de coletivos) também se diferencia de outras redes de EES que já existem, pois esta é formada por EES que são especializados em determinados tipos de produtos, bastante diferentes uns dos outros: uns produzem hortaliças e frutas, outros sucos e geléias, outros queijos, grãos e sementes, leite, pescado, roupa, artesanato, gastronomia vegetariana, mel, pães e massas...

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O que haveria de comum entre eles? Que caminhos poderiam percorrer juntos? Que escolhas fizeram? Que história construíram? Este é o relato de uma experiência que ainda está em construção, embora já tenha avançado alguns passos. Nosso objetivo não é relatar um caso, mas problematizá-lo, pensando suas alternativas de caminhada, e você, caro leitor, será chamado a exercitar-se a partir dela. Portanto, será a história de uma gestação, e não de uma vida.

Os empreendimentos começaram esta discussão no final de 2007 e ainda não concluíram a montagem da estrutura planejada, embora nesse momento (final de 2010) estejam muito próximos disso. O processo todo ocorreu no sul do Rio Grande do Sul, na micro-região de Pelotas.

No começo era apenas um problema

Depois de muitos anos auxiliando grupos de pessoas pobres a (tentarem) se tornar empreendimentos econômicos, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da

1Universidade Católica de Pelotas (no sul do Rio Grande do Sul), no final de 2007, decidiu arregaçar as mangas e enfrentar um problema que ameaçava cada processo de incubação e cada EES que já existia na região, independentemente de haver tido ou não alguma relação com a incubadora. O problema era o “monstro da comercialização”.

1 Pelotas fica no sul do Rio Grande do Sul, a 150 km da fronteira com o Uruguai. Tem 350 mil habitantes e sua economia, atualmente, está baseada no setor de serviços. Até o começo dos anos 90, era um pólo industrial de alimentos, mas a liberalização comercial e a reestruturação produtiva produziram um processo rápido e forte de desindustrialização, gerando milhares de desempregados. Tem duas universidades (Federal e Católica) e um instituto federal (ex-CEFET-RS).

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Convidamos cerca de 20 coletivos – entre empreendimentos (uns 15) e instituições de apoio à economia solidária (umas 4) – que estavam presentes na região (todos os que conhecíamos) para se fazerem representar (um a dois membros por empreendimento) e discutir a questão da comercialização. Partimos de três constatações, realizadas ainda nas primeiras reuniões.

A primeira “constatação” era fácil prever: todos os empreendimentos tinham dificuldades de viabilizar-se economicamente (entenda-se: equilibrar suas receitas e despesas, garantindo uma remuneração adequada ao trabalho de seus participantes, ainda que apenas almejasse refletir os ganhos de um trabalhador comum da iniciativa privada...).

A segunda constatação não era tão óbvia: os grupos não se queixavam tanto das dificuldades em produzir, mas sim das dificuldades de vender a sua produção. Argumentavam que se tivessem canais de comercialização mais estáveis e mais extensos poderiam, com certa facilidade até, ampliar a sua produção, o que até então não era possível porque suas estruturas de comercialização não conseguiam escoar todo o produto.

A terceira constatação era que o número de consumidores que buscavam produtos saudáveis e produzidos de forma sustentável e solidária (os “consumidores conscientes”) vinha crescendo na região, mas havia dificuldades de acesso aos produtos. Isto era constatável pelo afluxo crescente de consumidores às estruturas já existentes (feiras ou lojas dos EES), mas também era perceptível as dificuldades dos consumidores em relação às restrições de dias e horários das feiras, e sua dispersão dos pontos de venda dos vários grupos pela cidade.

Eu (autor deste texto) tinha também dúvidas se a ampliação do mercado mudaria esta situação, porque pensava que também havia problemas com a qualidade dos produtos. Mas não era possível avaliar isso sem ter os canais de comercialização,

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como queriam os trabalhadores, de forma que nesse caso voltávamos à questão inicial.

Os empreendimentos eram bastante heterogêneos. Vou listá-los com uma seqüencia uniforme de informações que dizem (i) a sigla ou nome fantasia; (ii) o nome completo; (iii) o ano de sua fundação e outras especificações; (iv) o número de sócios; (v) o principal produto ou serviço que produz; (vi) sua principal forma de comercialização. Eram eles:

(a) Arpa-Sul – Associação Regional de Produtores Agroecológicos da Região Sul; 1995, em Pelotas; 27 famílias-associadas; hortifrutigranjeiros agroecológicos; feiras especializadas (três por semana).

(b) Sul-Ecológica – Cooperativa Sul-Ecológica de Agricultura Familiar e Agroecologia; 2001, em Pelotas; 120 associados; hortifrutigranjeiros e derivados (sucos e geléias);

2ponto próprio de comercialização e PAA .

c) Coopava – Cooperativa de Produção Agropecuária Vista Alegre de Piratini; 1996, no assentamento Conquista da Liberdade (município de Piratini); 32 associados; hortifrutigranjeiros e derivados (sucos e geléias), leite e queijo; merenda escolar municipal e PAA.

(d) Mãe Natureza – grupo informal; 2004, no assentamento da Glória (município de Pedras Altas); 5 famílias; queijo; mercadinhoslocais.

(e) Unaic – União das Associações Comunitárias do Interior de Canguçu; 1995, no município de Canguçu; mais de 700 associados; grãos (arroz, feijão, milho) e sementes; atacadistas regionais e PAA.

2 O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) era (é) parte do Programa Fome Zero. Ele objetiva atender às famílias em risco de segurança alimentar, através da doação de alimentos, pelo Governo Federal, de produtos adquiridos das organizações econômicas da agricultura familiar.

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(f) Lagoa Viva – Cooperativa dos Pescadores Profissionais Artesanais Lagoa Viva; 2002, em Pelotas; 80 sócios ativos; pescados; mini-feiras de peixe e PAA.

(g) Coopal – Cooperativa dos Pequenos Agricultores Produtores de Leite da Região Sul; 1999, em Canguçu; mais de 500 associados; leite em saquinhos; pequeno comércio da periferia das cidades da região.

(h) Coomelca – Cooperativa dos Agricultores Familiares Apicultores de Canguçu; 2004, em Canguçu; 52 associados; mel; pequeno comércio de Canguçu;

(i) Coopressul – Cooperativa Regional de Economia Solidária da Região Sul; 2002, em Pelotas; 54 associados; artesanato e bazar; feiras de economia solidária e feiras de artesanato da região.

(j) Retrate – Grupo Reabilitação, Trabalho e Arte; 2005, em Pelotas; 32 associados, usuários dos CAPS (Centro de Atendimento Psico-Social, Serviço de Saúde Mental da Prefeitura de Pelotas); artesanato de materiais recicláveis; feiras de economia solidária e feiras de artesanato da região.

(k) Teia Ecológica – Cooperativa de Produção, Trabalho e Consumo Teia Ecológica; 1999, em Pelotas; 42 associados (8 trabalhadores, 4 produtores, 30 consumidores); restaurante ovo-lacto-vegetariano, servindo almoços e prestando serviços de bifê.

(l) Terra Florida – grupo informal de produtores de flores e plantas ornamentais; 2005, em Pelotas; 13 associados; flores, plantasornamentais e insumos de jardinagem; feiras e floriculturas da região.

(m) Esperança – Emanuel – Girassol – Cidadania e Vida – Reciclarte – diferentes grupos informais, de origem popular, de artesanato, impulsionados pela Cáritas Diocesana de Pelotas; somam aproximadamente 40 artesãos/artesãs (de 4 a 10, em cada grupo); feiras de economia solidária e de artesanato.

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Além deles, convidamos também outros parceiros da economia solidária: a coordenação do Fórum Micro-regional de

3 4Economia Popular Solidária de Pelotas , a Cáritas Diocesana e o 5Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA) .

Como se pode ver, a heterogeneidade era a marca do coletivo, que por sua vez representava cerca de 1800 produtores de uns dez ramos diferentes de produção; alguns grupos tinham 5 e outros 500 associados; alguns eram urbanos, outros rurais. Que sentido haveria em estabelecer uma discussão conjunta entre empreendimentos tão diferentes?

O que havia de comum? A ver: (i) todos eram EES; (ii) todos tinham estruturas próprias de comercialização, mas que eram insuficientes; (iii) nenhum conseguia participar de forma efetiva dos “circuitos do comércio convencional” de consumo; (iv) cada um comercializava em separado dos outros, sem tentar associar-se a outros EES ou promover o inter-consumo.

As feiras eram consideradas o espaço comum mais importante que havia, mas eram eventuais (para a maioria dos grupos) e representavam um enorme dispêndio de tempo, esforço físico e recursos (por conta da logística); os consumidores ficavam restritos a dias e horários muito específicos; não havia um trabalho “profissional” de vendas, pois os vendedores eram os mesmos produtores, que durante o período da feira estavam afastados da produção ou tinham que utilizar períodos

3 Muitos empreendimentos convidados faziam parte do Fórum, mas outros não. 4 Foram feitos outros convites, mas os parceiros que aceitaram o desafio e começaram a discussão foram esses.5 O CAPA é uma ONG bastante antiga e respeitada na região, e algumas das cooperativas e grupos convidados tinham relações com ela. Por essas coisas difíceis de explicar, depois de uma primeira reunião, o CAPA conheceu a proposta, retirou-se do grupo e decidiu montar uma rede “própria”...

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de folga produtiva para comercializar, produzindo sobrecarga de trabalho.

Então, apareceram as perguntas básicas do projeto:

(a) Que modelo de comercialização adotar? Que tipo de estrutura?

(b) Como gerir tal estrutura? Uma cooperativa de segundo grau (mas nem todos os grupos eram cooperativas...)? Uma cooperativa de consumo (em que os produtores ficariam excluídos da gestão)? Uma associação (mas ela seria impedida legalmente de comercializar)?... Por fim, quem tomaria as decisões e que caráter jurídico deveria ter esta estrutura?

Anos atrás (2003) eu havia ficado impactado com uma observação que ouvi de um ex-presidente da Corporação

6Cooperativa Mondragón , Antonio Cancelo, a quem eu assisti numa conferência. Ele dizia mais ou menos o seguinte:

Em todo lugar que visito e ouço pessoas falando de inter-cooperação, elas falam de cadeias de produção. Encadeamento produtivo é importante, mas não é o mais necessário. Se uma cooperativa metalúrgica, outra de produtores de leite e outra de agricultores desejam crescer, o melhor a fazer é unirem-se. O que isto significa? Ora, muitas estruturas podem ser compartilhadas, diminuindo custos e aumentando eficiências. Dez cooperativas de ramos de produção diferentes podem compartilhar o mesmo contador, o mesmo advogado, a mesma agência de publicidade, escritórios de representação comercial, ou até mesmo criar um banco...

6 Mondragón Corporación Cooperativa (MCC) é uma rede de cooperativas do País Basco (Espanha). São 107 cooperativas (industriais, de serviços e comércio, de finanças, de pesquisa científico-tecnológica e de educação) articuladas entre si por uma teia de laços de complementaridade e de coordenação econômica e social. Ver: http://www.mcc.es.

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Como coordenador do projeto de pesquisa-ação que visava analisar os processos de comercialização dos grupos e indicar alternativas, propus que o coletivo da pesquisa-ação (a equipe da incubadora e mais coletivo dos representantes de EES) estudasse alguns casos de “comercialização solidária” que fossem além das feiras e das estruturas singulares que caracterizavam os processos até então, e analisar os pontos fortes e fracos de cada caso.

Cinco casos

O caso mais próximo era o das lojas “MUNDO PARALELO” (duas), que existiam em Novo Hamburgo e Porto Alegre, na região metropolitana da capital gaúcha. Elas pertenciam à CONSOL – Cooperativa Consumo Solidário. A CONSOL havia sido formada por representantes de EES de produção, que se reuniram para criar a cooperativa com a finalidade de gerir os processos de comercialização e consumo solidário no Fórum Social Mundial de 2002 e que, depois disso, partiu para a formulação de estruturas alternativas de comercialização dos grupos. As lojas Mundo Paralelo, da

7CONSOL, foram criadas em 2006 , com esse objetivo.

As lojas pertenciam (pertencem) e eram geridas pela cooperativa de consumo, vendendo produtos dos EES. Eram produtos não perecíveis: roupas, calçados, artesanato, geléias, sucos... Na loja de Porto Alegre havia também um café-bar, com produtos coloniais. O atendimento nas lojas era feito por funcionários da cooperativa de consumo.

7 Vale lembrar que nosso estudo coletivo, como parte da pesquisa-ação, começou em 2008.

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Em seguida, o coletivo da “alternativa de comercialização”, como era chamado o projeto, visitou a COOESPERANÇA ou PROJETO ESPERANÇA, em Santa Maria, na região central (também) do Rio Grande do Sul.

Ela havia nascido do esforço da Diocese da cidade, em meados dos anos 90, para combater o desemprego e melhorar a vida dos trabalhadores pobres, rurais e urbanos, da região. O coletivo do nosso projeto conseguiu um micro-ônibus com o CEFET-RS (IF-Sul) e foi in loco conferir a experiência.

A formação da cooperativa agregou dezenas de pequenos produtores familiares (urbanos e rurais), que produziam uma grande e variada gama de produtos: hortifrutigranjeiros, alimentos processados, artesanato etc. Uma variedade tão grande ou maior que a do grupo de nossa pesquisa-ação.

Em Santa Maria, eles começaram com uma feira aos sábados (“feirão colonial”) e depois evoluíram para uma rede de pontos de comercialização. Na rede da Cooesperança os pontos pertencem a empreendimentos, geralmente grupos familiares ou multifamiliares. Cada ponto de comercialização, gerido individualmente, oferta produtos do seu e de outros grupos, constituindo assim a rede. Numa região que congrega cerca de 15 municípios, a rede possui cerca de 40 pontos de comercialização desses, e oferta produtos de cerca de 220 grupos produtivos. É uma experiência forte e muito interessante.

O terceiro caso foi o CEPESI – Centro Público de Economia Solidária de Itajaí, em Santa Catarina. Ele começou em 2006, a partir de um projeto desenvolvido conjuntamente pela Prefe i tura de I ta ja í , pe la Unival i (univers idade privada/comunitária local) e por cerca de 10 (dez) EES locais. A prefeitura alugou um espaço no centro da cidade (seria inviável o pagamento daquele lugar sem o auxílio do poder público) e, com financiamento do governo federal, foram adquiridos os equipamentos para o funcionamento da loja, que é ampla e bem

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estruturada, e fica no centro comercial de Itajaí. Nela se vendem roupas, artesanato e alimentos processados (geléias, sucos, massas...). Há também uma pequena lancheria/restaurante de alimentos naturais e um cyber. O desenho do espaço todo é bonito e aconchegante. A administração é feita pelo fórum local de economia solidária, com o acompanhamento da Prefeitura e da Univali. O cyber e a lancheria constituem espaços à parte, com administração própria, integrada à gestão geral.

O atendimento, na época, era feito em sistema de rodízio entre os grupos, o que gerava uma série de problemas, como as definições das escalas de trabalho e queixas relativas ao desempenho dos “vendedores” de plantão em cada período. Além disso, como os empreendimentos não tinham um único CNPJ, cada venda exigia uma nota fiscal em separado e os produtos eram ofertados sob o esquema de consignação (o que não fosse vendido era devolvido ao EES produtor).

O quarto caso estudado foi o EL GALPÓN – Centro Comunal de Abastecimiento, que fica no bairro Chacarita, em Buenos Aires. O El Galpón foi uma conquista da Cooperativa La Asamblearia, que foi fundada no bairro de Palermo Viejo, durante a crise econômica argentina de 2001/2002. As assembléias de bairros, na capital argentina, tornaram-se comuns durante a crise, e eram espaços de organização popular que discutiam de tudo – dos temas macroeconômicos aos problemas locais de saúde e saneamento, das questões da política nacional ao desemprego no bairro. Dessas discussões nasceu a idéia de compor uma cooperativa que reunisse produtores e consumidores urbanos e rurais, para que as compras e vendas fossem feitas diretamente. Depois de algum tempo e muitos conflitos entre produtores e consumidores, a cooperativa reuniu-se a outros empreendimentos do mesmo tipo e, juntos, obtiveram da prefeitura de Buenos Aires a cedência de um armazém ferroviário que estava desocupado, num ponto comercialmente interessante, onde termina a maior linha de metrô e começam as

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linhas de trens urbanos que levam às cidades da Grande Buenos Aires.

El Galpón funcionava (em 2007) às quartas e sábados, com uma espécie de “feira coberta”. Os produtores tinham espaços demarcados e levavam seus produtos, levando-os consigo no final do dia. O que chamava a atenção era a grande variedade de produtos: havia roupas, artesanato e alimentos processados, como nas lojas da Mundo Paralelo e do Cepesi, mas havia também produtos frescos (hortifrutis, embutidos de carne, frango colonial, ovos, flores e plantas etc.), bebidas (vinhos e cervejas artesanais), livros e muitos outros produtos, que atraíam uma grande quantidade de consumidores. O desenho do espaço também era interessante: as bancas estavam perfiladas junto às paredes, com um espaço de bancos de descanso e floricultura ao centro, de modo que o consumidor era levado naturalmente a dar uma volta no espaço todo, percorrendo e olhando todas as bancas.

O último caso estudado foi a rede de supermercados (e hiper) EROSKI, no País Basco, que é parte da MCC (veja a nota de rodapé 5, mais acima). No final dos anos 60, nove cooperativas de consumidores se reuniram no País Basco para tentar escapar de uma crise que afetava a todas, com a entrada em cena do modelo de supermercados.

Procuraram ajuda junto à Caja Laboral Popular, o banco cooperativo formado pelas cooperativas industriais de Mondragón em 1961. As cooperativas industriais e de pesquisa em tecnologia “iam muito bem, obrigado”, e os dirigentes das cooperativas de consumo acharam que podiam obter boas idéias. O pessoal da Caja disse que não tinha experiência no assunto, pois todas as cooperativas com que tinham contato, até então, eram cooperativas de trabalho. Mas se propuseram a ajudar. Foram à Suíça aprender algo com as cooperativas de consumo de lá e estudaram as tendências do mercado de varejo da época.

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Então, veio a proposta do modelo: uma rede de supermercados que unificasse as nove cooperativas, mas que fosse uma cooperativa de trabalho e consumo, onde a gestão compartilhada por trabalhadores e consumidores garantisse ao mesmo tempo profissionalização e empenho por parte dos responsáveis por “tocar o negócio” (os trabalhadores), e também garantisse vantagens aos consumidores que fossem seus associados. Assim nasceu Eroski, que em euskara (a língua dos bascos) quer dizer algo como “consumo”.

Com o tempo, à medida que as coisas iam dando certo, os consumidores foram se desresponsabilizando da gestão. Então, foram sendo feitas modificações estatutárias e nos anos 80 a gestão da cooperativa passou às mãos exclusivas dos trabalhadores. Isto tornou o sucesso econômico da cooperativa ainda mais visível, pois o empenho dos trabalhadores era motivado pelos ganhos que os resultados do supermercado traziam à sua atividade. Hoje a cooperativa Eroski é uma “rede de distribuição”, com cerca de 40 supermercados e 20 hipermercados, postos de gasolina e lojas de fast food, formada por 12 mil sócios trabalhadores. Entretanto, ela não se diferencia, do ponto de vista dos produtos, de uma rede comum de supermercados (tipo Carrefour, Big ou Pão de Açúcar etc.), pois os produtos, os serviços e o objetivo, na relação com o consumidor, são os mesmos.

“E então?” – primeira parte

Os empreendimentos de nossa pesquisa-ação, agora, tinham que resolver o rumo que queriam tomar. Analisaram cada caso e compararam as fortalezas e as debilidades de cada um. Misturaram isso tudo e compararam com a realidade local, incluindo o mercado dos “consumidores solidários” de Pelotas e região, e a realidade dos grupos que formavam o coletivo. E chegaram a algumas conclusões.

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Mas antes de prosseguir e contar a você, leitor, quais foram essas conclusões, quero lhe propor um primeiro exercício. Aí vai a sugestão: reúna-se com seus colegas e faça uma avaliação dos casos estudados e da situação até aqui. Sugiro o seguinte roteiro:

1. Comece relendo, mais acima, a análise dos grupos da pesquisa, tentando recompor os seus objetivos, suas fortalezas e debilidades e, sobretudo, suas dificuldades para a formação de uma rede de comercialização.

2. Depois, relendo a síntese dos casos estudados, compare-os com os objetivos e a realidade dos grupos de Pelotas, e responda à seguinte questão: que características de cada caso citado oferecem sugestões positivas (fortalezas) e negativas (debilidades) para a rede que se pretendia montar entre os grupos da pesquisa-ação?

No box abaixo, estão as conclusões do grupo de pesquisa sobre esta mesma questão... mas, espere: não leia o box antes de fazer o exercício, certo?! Depois disso, aí sim, compare as conclusões que você chegou com os seus colegas e às conclusões do nosso grupo de pesquisa. E então, siga a leitura do caso.

Uma realidade e cinco modelos comparados – fortalezas e debilidades

A análise que os grupos da pesquisa-ação fizeram, comparando suas realidades e os casos estudados, pode ser relacionada a fortalezas (F) e debilidades (D) de cada experiência em relação ao objetivo de construir uma estrutura unificada de comercialização.

MUNDO PARALELO – Porto Alegre e Novo Hamburgo

(F) Reunia produtos de vários empreendimentos num mesmo local. Os produtos tinham identidade, pois todos eram de EES. O design dos espaços era atraente.

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(D) Tratava-se de uma cooperativa de consumo e, portanto, os espaços não eram geridos diretamente pelos empreendimentos, que eram apenas fornecedores. Os trabalhadores eram funcionários da cooperativa de consumo, portanto não geriam o empreendimento no qual trabalhavam (as lojas), limitando sua implicação com o processo. A variedade de produtos era limitada, pois produtos de alimentação perecíveis (hortifrutis, leite, pão, carne etc.) são os mais procurados, mas não eram oferecidos na loja, e uma boa parte dos EES da pesquisa produzia justamente isto; o modelo, assim, estava mais próximo de uma loja de departamentos.

COOESPERANÇA/PROJETO ESPERANÇA – Santa Maria e região

(F) Reunia produtos de vários empreendimentos num mesmo local, com identidade com a ES; a variedade de produtos incluía alimentos perecíveis, aproximando as lojas de um modelo de mini-mercado ou de um “armazém” de produtos coloniais. Os pontos de comercialização eram geridos por seus proprietários e, portanto, seus ganhos estavam vinculados ao seu empenho na comercialização. Havia muitas lojas (40, mais ou menos), dando uma idéia de “rede” de comercialização ampla, com abrangência regional, possibilitando a oferta de um número grande e variado de produtos e de produtores.

(D) Cada ponto de comercialização da rede pertencia a um empreendimento e, portanto, não possuía uma gestão coordenada, de forma que os grupos proprietários dos pontos de comercialização selecionavam individualmente os produtos que queriam, limitando a decisão dos produtores não proprietários e permitindo exclusões. Além disso, era necessário que cada grupo reunisse o capital necessário para montar o ponto de comercialização, o que excluía os grupos menos capitalizados da gestão da comercialização. CEPESI - Itajaí

(F) Reunia produtos de vários empreendimentos num mesmo local. Os produtos tinham identidade, pois todos eram de EES. O design do espaço era atraente e a lancheria/restaurante e o cyber davam uma diversificação interessante no local. Era uma associação de empreendimentos que geria o espaço, vinculando-o, portanto, diretamente aos interesses dos produtores.

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(D) A variedade de produtos era limitada, pois produtos de alimentação perecíveis (hortifrutis, leite, pão, carne etc.) são os mais procurados, mas não eram oferecidos na loja. O aluguel do prédio era pago pela Prefeitura e era caro (inviável se o centro tivesse que “se pagar”). O esquema de rodízio entre os EES para o atendimento gerava problemas de vários tipos: pouca profissionalização na parte de comercialização; deslocamento de pessoas entre produção (nos EES) e vendas (no CEPESI). Sendo uma única loja, a estrutura tinha uma abrangência geograficamente muito limitada.

EL GALPÓN – Buenos Aires

(F) Reunia produtos de vários empreendimentos num mesmo local, com identidade com a ES; a variedade de produtos incluía alimentos perecíveis, aproximando a estrutura de um modelo de supermercado ou de uma “feira coberta”. A estrutura de comercialização era gerida pelos EES e, portanto, seus ganhos estavam vinculados ao seu empenho na comercialização. O design do espaço era atraente e o ponto comercial era muito bom.

(D) Os problemas típicos das feiras continuavam: logística individual dos produtores, sobrecarga de trabalho (produção e vendas ao mesmo tempo), excesso de vendedores dentro do espaço etc.

EROSKI – Mondragón

(F) Como cooperativa de trabalho, era altamente eficiente, já que os ganhos dos trabalhadores – que eram, como cooperativa, gestores do negócio – dependiam dessa eficiência. As estruturas eram geograficamente amplas.

(D) A cooperativa não tinha vinculação com a produção solidária, vendendo qualquer tipo de produto, desde que tivesse demanda. A relação entre a cooperativa de trabalho de comercialização (Eroski) e as cooperativas de produção não tinham nenhuma diferença em relação a um supermercado comum e empresas de produção comuns.

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“E então?” – segunda parte

Pois bem, essas foram as conclusões do grupo. Então agora se tratava de propor um modelo que fosse capaz de potencializar as fortalezas e anular as debilidades encontradas em cada exemplo.

As reuniões eram mensais, e nesse passo, nossa pesquisa-ação já estava no segundo semestre de 2008, com cerca de dez reuniões realizadas. O grupo decidiu, então, construir uma “agenda” de decisões a serem tomadas para poder viabilizar a construção de um projeto para a rede.

Vamos, então, a um segundo exercício? Sugiro, outra vez, que você se reúna com seus colegas.

A pergunta é simples: dadas as conclusões sobre o estudo dos casos e a comparação delas com os objetivos e a realidade dos grupos de Pelotas, que tipos de decisões precisariam ser tomadas para levar adiante o projeto. Ou, em outras palavras, que agenda vocês sugeririam?

Uma dica para o exercício: construa a agenda na forma de perguntas, pois elas facilitam a delimitação do tema de cada problema. Outra dica: procure pensar em todas as decisões que poderiam ser necessárias. A agenda que o coletivo de pesquisa escolheu, por exemplo, tinha 16 perguntas.

No box abaixo está a agenda que o coletivo de pesquisa escolheu. Mas, ei! Não avance! Você está moralmente proibido de ler, antes de fazer o exercício!

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A “NOSSA” AGENDA

1. Que tipo de estrutura seria a mais adequada - feira coberta, loja, mini/supermercado, outra?

2. Com que freqüência deveria funcionar?

3. Que características este espaço deveria conter em termos de design e cuidados com o consumidor?

4. Que “departamentos” ou “seções” deveria e/ou poderia ter?

5. Quem trabalharia neste espaço? O que deveria caracterizar esse grupo de trabalho?

6. Qual deveria ser o nome do espaço e o que ele deveria “marcar” como propaganda?

7. Quem faria a gestão do espaço? Qual seria a relação de poder no processo de gestão entre EES, trabalhadores do espaço e consumidores?

8. Que caráter jurídico a rede deveria adotar que fosse mais adequado à proposta geral?

9. Em caso de haver mais de um espaço – ou seja, uma rede de estruturas – como deveria funcionar a relação entre elas, em termos de gestão e de logística?

10. Se a rede se concretizasse, provavelmente novos empreendimentos solicitariam participação. Que critérios deveriam ser adotados para ingresso e para continuidade dos EES na rede?

11. Como seria obtido o capital necessário para as instalações físicas – móveis e equipamentos?

12. Como seria garantido o pagamento de custos fixos – como aluguel e salários – em caso de uma estrutura fixa?

13. Como seria obtido o capital necessário para a formação de estoque (capital de giro)?

14. A rede poderia ou deveria buscar parceiros no setor público ou privado para se concretizar, ou devia manter sua autonomia e independência frente a entidades externas?

15. Haveria intercâmbio comercial entre esta rede e outros? De que forma se poderia fazer isto?

16. Esta estrutura de comercialização poderia ser utilizada para outros fins comuns aos empreendimentos? Quais?

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“E então?” – terceira e última parte

E então, está pronta a agenda? Leu o box? Pergunto: as agendas – a de vocês e a do grupo de pesquisa – coincidem? Sim, não, mais ou menos?

Pois bem. Minha proposta, agora, é que você construa com seu grupo uma terceira agenda que misture aquela que foi elaborada por vocês e a que foi elaborada pelo grupo de pesquisa em Pelotas, de forma que elas se complementem uma à outra. Você pode também apenas escolher algumas questões que considere mais importantes. E então estaremos prontos para passar ao nosso terceiro e último exercício.

Escolhidas as questões, ou simplesmente fundidas as agendas, agora é tratar... de responder as questões, ora.

No próximo box você tem as respostas que o grupo de pesquisa ofereceu à “nossa” agenda. E depois, no final do texto, temos algumas considerações finais. Não deixe de lê-las, ok? Mas só depois de fazer o exercício!!

AS “NOSSAS” RESPOSTAS PARA A “NOSSA” AGENDA

1) Que tipo de estrutura seria a mais adequada – feira coberta, loja, mini/supermercado, outra?

Mini-mercados, para cidades do tamanho de Pelotas (350 mil hab.) e Rio Grande (230 mil hab.), por exemplo. E lojas menores para cidades menores da região (30 a 60 mil hab.). Isto tem a ver com a expectativa de demanda efetiva por parte dos produtores, dadas as experiências de comercialização já realizadas.

2) Com que freqüência deveria funcionar?

Diariamente, em horário comercial aproximado ao dos supermercados.

3) Que características este espaço deveria conter em termos de design e cuidados com o consumidor?

Deveria ser um espaço de consumo consciente, isto é, um

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espaço de compras, mas também de sociabilidade. Assim, o espaço deveria permitir uma visão panorâmica de tudo e de todos, priorizando a relação das pessoas com as pessoas, e não com os produtos. A idéia do cyber e da lancheria/café (do Cepesi) também ajudaria nisso. Também deveria ser ecologicamente pensado em todos os detalhes (carrinhos, embalagens etc.) e, por fim, deveria ter informação em abundância sobre os produtos e os produtores. Seria importante também que houvesse facilidade de acesso a todos, conforto físico e uso de cartão de crédito.

4) Que “departamentos” ou “seções” o espaço deveria e/ou poderia ter?

Em primeiro lugar, todos aqueles que correspondem aos grupos que participam do coletivo: hortifrutigranjeiros, padaria, laticínios, pescados, flores e plantas, secos & molhados (grãos, sucos, geléias, mel...), cyber, lancheria/café, bazar (artesanato, roupas e utilidades). A seguir, aqueles cujos produtos deveriam ser trazidos de EES de outras regiões, caso fosse necessário (como produtos de higiene e limpeza, por exemplo).

5) Quem trabalharia neste espaço? O que deveria caracterizar esse grupo de trabalho?

O espaço de comercialização deveria ter um quadro de trabalhadores que fosse enxuto, mas em número adequado ao seu tamanho. Mas, sobretudo, de pessoas especializadas no processo de comercialização de produtos dos EES, e cujos ganhos dependam do seu trabalho, como na experiência da Rede Eroski.

6) Qual deveria ser o nome do espaço e o que ele deveria “marcar” como propaganda?

Uma oficina realizada por uma professora do curso de publicidade e propaganda da UCPEL ajudou a definir: BEM DA TERRA – Comércio Justo e Solidário. Produtos saudáveis, produzidos de forma solidária e sustentável.

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7) Quem faria a gestão do espaço? Qual seria a relação de poder no processo de gestão entre EES, trabalhadores do espaço e consumidores?

Os consumidores não deveriam participar da gestão, mas constituir uma espécie de “conselho de ouvidores”, que avaliasse os produtos e os serviços (os membros desse conselho deveriam ter alguma gratificação para isto, como um

desconto nas compras, por exemplo).

A gestão deveria ser compartilhada em partes iguais entre trabalhadores do espaço e empreendimentos, em regime de co-gestão. Isto evitaria que os trabalhadores se tornassem funcionários (como no Mundo Paralelo) ou que os trabalhadores ignorassem as necessidades dos produtores (como no Eroski). Este arranjo exigiria: (a) que o conselho de administração e as assembléias de associados na rede tivessem 50% de votos para cada parte e (b) que se encontrasse uma figura jurídica adequada que garantisse este formato.

8) Que caráter jurídico a rede deveria adotar que fosse mais adequado à proposta geral?

Responder esta questão levou um ano de pesquisas e discussões no grupo (enquanto se fazia outras coisas, é claro). Os problemas jurídicos e as ponderações foram tantos que estamos construindo um artigo acadêmico somente sobre isto. Mas em resumo, a decisão foi a seguinte: constituir uma associação em que metade dos votos na assembléia e na coordenação caberia aos empreendimentos, e a outra metade aos trabalhadores; uma associação não pode comercializar, então ela (a associação) constituiria uma companhia limitada (empresa) na qual ela seria sócia-proprietária com 95% das quotas (os outros 5% seriam distribuídos simbolicamente entre as cooperativas) – assim, empreendimentos e trabalhadores seriam proprietários e controladores da estrutura de comercialização, através da associação. Os trabalhadores seriam contratados por regime de CLT pela empresa, mas sendo associados da associação com 50% dos votos, seriam co-controladores da empresa que os

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empregaria.

9) Em caso de haver mais de um espaço – ou seja, uma rede de estruturas – como deveria funcionar a relação entre elas, em termos de gestão e de logística?

A estrutura maior deveria funcionar também como uma “central de distribuição”, garantindo a oferta de produtos de todos os tipos em todas as lojas. Mesmo assim, deveria ser evitado custos desnecessários com logística. Isto é: para uma cidade em que já tenha um EES que produz leite, não tem sentido enviar leite de outra cidade. Mas para uma cidade que não tem hortifrutis agroecológicos, por exemplo, é muito importante recebê-los de outro local, pois isto amplia sua certa de ofertas, atraindo mais consumidores.

10) Se a rede se concretizasse, provavelmente novos empreendimentos solicitariam participação. Que critérios deveriam ser adotados para ingresso e para continuidade dos EES na rede?

O grupo definiu que EES é aquilo que o Fórum Brasileiro de Economia Solidária define (ou venha a definir) como um EES. Por isto, a coordenação da Rede deve estar atenta à aplicação de critérios que preservem a definição (que pode ser encontrada em http://www.fbes.org.br).

11) Como seria obtido o capital necessário para as instalações físicas – móveis e equipamentos?

O “plano A” seria buscar recursos junto às instituições públicas que possuem programas de apoio à economia solidária ou organizações não-governamentais desvinculadas de empresas privadas. O “plano B”, que poderia ser alternativo ou complementar ao “A” (dependendo do caso) seria o investimento de acordo com cada “setor” do espaço. Isto é: os EES vinculados à área de laticínios fariam os investimentos para garantir os equipamentos referentes a esta seção; os de pescado da mesma forma, e assim por diante. O “plano C” é que os EES que não disponham de recursos próprios para isto, busquem financiamento em linhas de

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crédito especiais já existentes, com o aval solidário dos demais EES da rede. De qualquer forma, os investimentos referentes aos equipamentos de uso comum (caixas e área de administração, por exemplo) teriam de ser divididos proporcionalmente ao tamanho (número de sócios e faturamento) dos EES participantes da rede.

12) Como seria garantido o pagamento dos custos fixos – como aluguel e salários – em caso de uma estrutura fixa?

O faturamento do ponto de comercialização deve permitir a sua viabilização do ponto de vista dos custos fixos. Caso contrário, ele será inviável como um empreendimento autônomo e independente. Enfim, será uma ONG ou um programa público, e não um EES...

13) Como seria obtido o capital necessário para a formação de estoque (capital de giro)?

Um “plano alfa” trouxe a idéia de que cada empreendimento fizesse uma primeira “doação” ao ponto de comercialização e que a renda dessa venda garantisse a próxima compra. Por exemplo: se a Unaic doasse 100 kg de feijão no primeiro mês, isto corresponderia a um preço de venda no atacado de aproximadamente de R$ 175,00 (e um custo ainda menor, em torno de R$ 125,00, para a Unaic). Mas se o feijão fosse todo vendido (a R$ 2,50/ kg) isto corresponderia a um faturamento de R$ 250,00 para o ponto de comercialização. Desses R$ 250,00, R$ 175,00 corresponderiam à próxima compra. Em outra proposta, num “plano beta”, a única diferença é que ao invés de uma “doação inicial”, os EES fariam um “empréstimo”, isto é, um lote de mercadorias que seria pago em um prazo esticado. A idéia de qualquer forma, é fugir do esquema de “consignação” (a única exceção em relação a isto é a parte de artesanato).

14) A rede poderia ou deveria buscar parceiros no setor público ou privado para se concretizar, ou devia manter sua autonomia e independência frente a entidades externas?

A rede se posicionou favorável a acordos e parcerias com

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entidades do setor público (governos ou empresas públicas) e organizações do terceiro setor, desde que não vinculadas a empresas privadas. Há um entendimento de que recursos oriundos do setor público significam uma re-apropriação de fundos públicos pertencentes à sociedade e, portanto, legitimamente acessados pelos EES, sem qualquer necessidade de “contrapartida política”. Entre as entidades do terceiro setor (sem fins lucrativos) é preciso distinguir aquelas que objetivam reunir fundos sociais para melhorar a sociedade e aquelas que constituem “negócio”, isto é, que existem para legitimar formas não-solidárias de relacionamento social e econômico – especialmente as fundações e institutos de promoção de “responsabilidade social” de empresas privadas; a rede se posicionou favorável às parcerias com o primeiro tipo e contrária às parcerias com instituições do segundo tipo.

15) Haveria intercâmbio comercial entre esta rede e outros? De que forma se poderia fazer isto?

Há muitos produtos que são parte da cesta de consumo habitual dos consumidores solidários da região, mas que não são produzidos ali, como a produção agroecológica e solidária de café, banana ou erva-mate, ou ainda a produção solidária de calçados. Esses produtos precisam ser “importados” regionalmente e a melhor forma de fazer isto é através de trocas diretas de produtos, e secundariamente, pela compra de lotes em quantidades maiores para distribuição na maior rede possível de comercialização local.

16) Esta estrutura de comercialização poderia ser utilizada para outros fins comuns aos empreendimentos? Quais?

A idéia é que a rede estruture conjuntamente, também: (a) processos comuns de formação; (b) estruturas comuns de assessoria (contábil, jurídica, publicitária etc.); (c) estruturas comuns de representação comercial; (d) finanças solidárias.

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Observações finais

Quando termino de escrever esse “caso de ensino”, temos todas essas respostas já construídas coletivamente. Nossas respostas, porém, além de serem idéias também precisam ser – é claro – ações. Assim, cada uma de nossas perguntas-e-respostas exigiu e está exigindo uma atitude concreta e estamos tratando de construí-las.

A rede Bem da Terra – Comércio Justo e Solidário já adquiriu sua primeira personalidade jurídica, em setembro de 2009, através da criação da Associação Bem da Terra (veja a resposta à questão 8). Nos últimos meses, a rede de quinze empreendimentos de Pelotas (e alguns de outros municípios) virou uma rede de quarenta empreendimentos, associando-se a ela EES de outras cinco cidades da região: Rio Grande (200 mil hab., pólo naval e portuário) e outros quatro municípios menores – Canguçu, Piratini, São Lourenço do Sul e Santa Vitória do Palmar. A idéia agora é formar uma rede regional com estruturas de comercialização em cada um desses lugares.

Várias outras respostas já foram transformadas em realidade, mas os pontos de comercialização, embora muito próximos, ainda agora (outubro/2010) não são uma realidade concreta. E algumas dessas “respostas” já foram sistematizadas em texto, inclusive, mas a maioria das nossas ações já realizadas ainda espera por isto.

Então eu não poderei contar aqui, para você, sobre os desdobramentos finais dessa história. Mas procure por aí sobre o Projeto Bem da Terra – o Google, afinal, também nos ajuda... Talvez você encontre alguma coisa também no site da nossa incubadora – anote aí: http://www.ucpel.tche.br/nesic.

Um abraço e uma boa pesquisa para você, caro leitor!

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Resumo do caso

Entre 1999 e 2007 a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Católica de Pelotas (RS) – INTECOOP/UCPEL – desenvolveu projetos de incubação e de assessoria junto a mais de 20 empreendimentos. Ao mesmo tempo, na sua região, outros tantos empreendimentos nasceram e se desenvolveram a partir da ação – ou com o apoio – de outras entidades (Cáritas, ONGs etc.). Avaliando a economia solidária na região, a INTECOOP identificou vários gargalos, mas os principais eram: a comercialização, o financiamento, a qualidade dos produtos e a formação continuada. Embora a metodologia da incubadora contemplasse apenas o desenvolvimento de projetos demandados pelos grupos, e sempre relacionados ao processo de formação dos empreendimentos, pela primeira vez decidimos propor um projeto. E mais, propô-lo a grupos já estruturados. Isto, porque já se contava em anos o tempo de espera por uma iniciativa dos próprios grupos que visasse enfrentar conjuntamente os gargalos. Decidimos, então, começar pelo ponto mais visível a todos: a comercialização. Convidamos, então, cerca de 20 empreendimentos (de uns 8 ramos diferentes de produção) e 4 entidades de apoio para discutir os problemas comuns e, se possível, buscar soluções conjuntas. Um projeto de pesquisa-ação estruturou os debates, que por sua vez levaram a um projeto que se desenvolve, agora, a 30 meses, e cujo objetivo – no momento atual – é a construção de uma rede regional de mini-mercados da economia solidária. Que metodologia foi utilizada na pesquisa? A quais resultados chegamos? Que soluções foram projetadas? Que caminhos foram adotados? Como vem se desenvolvendo a construção da rede? Este é o caso que queremos contar.

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COOPACTO

Os caminhos para um recomeço

1Naldeir dos Santos Vieira2Daniela Cristina da Silveira Campos3Keilla Dayane Silva Oliveira4Airton Cardoso Cançado

Indo ao caso

“Fico feliz em contar com a presença de vocês aqui”, diz dona Conceição ao receber a equipe de extensionistas da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM em seu empreendimento. Esta equipe começou suas atividades com a Cooperativa de Artesanato de Couros de Teófilo Otoni (Coopacto) com o objetivo de oferecer auxílio na área jurídica (atualização de estatutos, atas, documentos de registros, etc.) e gerencial (qualidade, finanças, recursos humanos, educação cooperativista, dentre outras).

1 Professor Assistente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM. Bacharel em Administração de Cooperativas pela Universidade Federal de Viçosa - UFV e mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gestão e Desenvolvimento Regional.2 Professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM, Campus do Mucuri /Teófilo Otoni-MG. Administradora e Mestre em Administração pela Universidade Federal de Viçosa (2007). Contato: [email protected] Graduanda em Administração pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM. Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Gestão e Desenvolvimento Regional.4Professor da UFT e membro do NESol/UFT. Graduação em Administração de Cooperativas (UFV), Mestrado em Administração (UFBA), Contato: [email protected].

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Dona Conceição apresenta a cooperativa narrando sua história e sua situação atual. Explica que desde sua constituição a cooperativa enfrenta dificuldades na gestão (compra de materiais, contato com fornecedores, gestão de custos) e com a falta de entendimento por parte dos cooperados a respeito do significado de uma cooperativa. Por ensejo destas dificuldades, muitos cooperados se evadiram.

“Inicialmente éramos 20 (vinte) cooperados, hoje somos apenas três em atividades. Estamos com as atas, os estatutos e as prestações de contas desatualizadas e se não fosse o meu esforço, a cooperativa já teria se dissolvido”, afirmou dona Conceição temendo que a organização não sobreviva por muito tempo.

O senhor Adalberto presidente da Associação dos Praças do Nordeste Mineiro que atualmente tem uma parceria com a Coopacto estava presente na reunião. Pela proximidade e constante contato com Dona Conceição, Adalberto atua como assessor do grupo. Nesta reunião ele deixa explícito seu anseio pela reestruturação da cooperativa como pode ser identificado na fala seguinte: “precisamos reerguer o grupo e acho que caso a Coopacto se reestruture, ela conseguirá obter novos membros”.

No entanto, dona Conceição pensa diferente:A meu ver, o melhor que devemos fazer é apurar nossas dívidas, encerrar as atividades da cooperativa e transformar o grupo remanescente em associação. O Felipe está motivado. Todos os dias ele vem para a cooperativa trabalhar. Atualmente estamos produzindo algumas pequenas bolsas para estudantes o que está dando muito certo. Se ficarmos eu, a Fátima e ele com as contas em dia, conseguiremos resultados satisfatórios e, caso for de interesse mútuo, poderemos ir agregando novos associados.

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Não convencido, o senhor Adalberto retruca:Mas Dona Conceição, vocês não tem capital o suficiente para quitarem suas dívidas e recomeçarem do zero. Além disso, o terreno onde estamos foi doado pela prefeitura para uso da cooperativa enquanto ela estiver em atividade. Caso ela deixe deexistir, corre-se o risco de vocês perderem este espaço. A alternativa mais viável para vocês é convocar uma assembléia com os associados inativos, eleger uma nova diretoria, retirar os inativos do quadro social e realizar uma mobilização para a adesão de novos membros para a ampliação das atividades.

Diante deste impasse a equipe de extensionistas se comprometeu a obter maiores informações sobre a realidade da cooperativa e possibilitar uma análise mais aprofundada sobre as consequências das duas alternativas propostas em reunião. Uma nova reunião foi agendada para que fossem apuradas as principais demandas do grupo, as dívidas pendentes, o patrimônio atual e a situação do seu quadro social.

A Coopacto

A Coopacto foi fundada em 03 de outubro de 1998 na cidade de Teófilo Otoni e tem como objetivo “a defesa econômica e social dos integrantes da profissão dos produtores de couros, através do aprimoramento das equipes técnicas de produção” (COOPACTO, 1998).

Teófilo Otoni localiza-se no Território do Vale do Mucuri, região caracterizada pela pecuária e pela extração de pedras preciosas. Com seu Índice de Desenvolvimento Humano - IDH médio de 0,68 (MDA, 2009) observa-se que o componente renda é o de maior perversidade no que tange ao IDH-Médio do Território. “No Mucuri 34,2% dos domicílios são considerados

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‘domicílios pobres’ – saneamento inadequado, responsáveis pela família com renda de até 1 SM/mês e frequência a escola por menos de 4 anos. Esses domicílios representam 34,4% do total da população territorial” (MDA, 2005).

Neste contexto, no ano de 1998, a Secretaria de Ação Social do município de Teófilo Otoni, sob a égide do desenvolvimento local, buscou fomentar o desenvolvimento de grupos produtivos associativos por meio da mobilização de futuros associados e do oferecimento de espaços e infra-estrutura para que os grupos iniciassem suas atividades. Um desses grupos fomentados foi a cooperativa de artesanato de produtos de couro constituída por moradores do bairro São Jacinto.

Deste modo, por representar um órgão público, o idealizador e mobilizador da Coopacto não fazia parte do seu quadro de associados. Na época, conforme relatou a cooperada Fátima, “uma pessoa reuniu um grupo de mulheres para trabalhar em um prédio que seria doado” pelo poder público.

No início foi pego o pessoal a laço, pois foi falado que você ia trabalhar e não ter patrão. Pensa bem: você chegou aqui e eu te chamo para trabalhar e falo que você vai ser dono, não tem patrão, não tem horário, e se der 1.000 reais vamos dividir e se der 10.000 reais também. Quem não quer? (Dona Conceição).

Reunimos mais ou menos vinte pessoas, conversamos, só que a mulher botou muita gente agitada, [...] falando que a gente iria ganhar mais de um salário por cada pessoa, ia tirar mais de um salário por mês, aí vieram as vinte pessoas, mas ninguém dessas vinte pessoas tinha conhecimento (Fátima).

Para ingresso na cooperativa foi determinado que deveria ser pago uma quota-parte de cento e vinte reais (R$ 120,00), pois “não teve seleção e quem chegava e pagasse a quota entrava na

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cooperativa” (Dona Conceição).

Pela pouca coesão entre os associados e os objetivos da cooperativa, à medida que as dificuldades operacionais apareciam, a cooperação entre os membros do grupo foi se perdendo. Isso foi agravado pela incipiente consciência e identificação com os princípios do cooperativismo. Os cooperados esperavam os resultados de seu trabalho, no entanto resistiam em se comprometer e em ratear as despesas operacionais e administrativas.

A gestão democrática também era incipiente. Apesar de participarem das assembléias, poucos se comprometiam com execução das atividades de forma coletiva. As preocupações se limitavam à destinação das quotas-partes e ao rateio dos resultados, não perpassando aos assuntos relacionados ao planejamento estratégico, atividades em grupo e colaboração para resolução de problemas. Dona Conceição lembra deste fato com certa angústia:

Quando eu vim a ser a diretora vinham jogar tudo em cima de mim e eu falava para as mulheres não jogar tudo pra cima de mim, que isso era tudo tanto meu quanto delas. Eu falava que a minha decisão não era a mais importante, pois a minha decisão é tão importante quanto a sua. Nunca eu falo minha cooperativa.

Esse entendimento foi obtido quando começaram a fazer cursos, mas, conforme Fátima relatou, no momento em que tomaram consciência de como iria funcionar a cooperativa, muitas deixaram a Coopacto: “e com o tempo a gente foi explicando, e vieram também alguns cursos relâmpago que falavam sobre cooperativa. Mas quando foi explicado, elas viram que cooperativa não era como quando começou”.

Muitas entendiam que a liberdade que tinham não implicava em obrigações dentro da cooperativa ocorrendo “problemas quando uma pessoa que trabalhava muito via outras

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que não trabalhavam. Quando chamava atenção, a pessoa falava: a mesma quota que você tem eu tenho” (Fátima).

A centralização do poder facilitou o desenvolvimento das atividades no curto prazo uma vez que as cooperadas reconheceram que não possuíam conhecimentos necessários para gerirem a cooperativa. No entanto, isto gerou dependência dos associados em relação ao Presidente. Conforme os relatos, o presidente “organizava as coisas” e nessa época foi que a cooperativa mais prosperou: “Tinha um rapaz que era o presidente. Ele foi um dos que saiu logo. Ele não trabalhava nas máquinas e somente organizava. E na época nós estivemos em todas as feiras, fizemos propagandas, foi muito bom” (Fátima).

No momento em que o gestor e o presidente decidiram sair da cooperativa, se evidenciaram as dificuldades gerenciais. Foi relatado que as cooperadas enfrentaram dificuldades no que tange a compras de materiais para a produção e gestão de custos.

Nós fizemos muita compra perdida, não sabia como procurar (...) Não acha nada de material para fabricar as bolsas e tem que ser tudo de fora. E quem iria pensar que é difícil e que para gente comprar esse couro tinha que ir à Belo Horizonte, Ipatinga. Achávamos que o couro ia sair de lá e chegar aqui (Fátima).

Na época que trabalhávamos, o grupo pensava assim: nós vendemos dois mil reais de bolsa e fizemos a compra de mil reais e não vinham com desgaste de máquina, transporte, luz, água. E quando fazia as contas e para colocar na cabeça dessas pessoas era difícil. E essas foram as primeiras a sair. No dia de fazer o acerto vinha o grupo e dizia, tira, tira e diziam acabou. E dividia tudo que sobrava, e a próxima compra, só Deus sabe! (Dona Conceição).

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Os cooperados não conseguiram formar o fundo indivisível para a Coopacto, o qual é definido como “valor em moeda corrente que pertence aos associados e não pode ser distribuído e sim destinado ao fundo de reserva para ser utilizado no desenvolvimento da cooperativa e cobertura de perdas futuras” (OCB, 2010). Apesar de saberem que era necessário investir na cooperativa “não sobrava nada para isso”, pois conforme Dona Conceição “era dividido porque quem veio já estava na esperança de receber, mais o fundo não podia dividir e tinha que tirar e colocar no fundo e ninguém deixava fundo”.

Quanto ao esforço de vendas, percebeu-se que a cooperativa enfrenta dificuldades para competição com outras organizações. “Quando começamos a expandir nosso negócio aqui, veio à Bahia, China, entrou muita gente vendendo e eu não tenho como fazer uma bolsa daquela ali a dois reais” (Fátima).

Em decorrência destes problemas a Cooperativa não conseguiu manter sua eficiência operacional e se tornou economicamente inviável. Como a motivação principal para constituição da cooperativa foi o ganho econômico, sendo esta inviabilizada ocorreu à evasão dos cooperados ao longo do tempo.

Atualmente, a cooperativa conta com dez cooperados sendo que destes, apenas três estão ativos. Há três anos não realiza assembléia geral e sua diretoria oficial não atua mais na cooperativa. Após esta data, o grupo está sob a liderança informal de Dona Conceição e nenhuma reunião, assembléia e prestação de contas foram oficialmente registradas.

A cooperativa conta com espaço físico cedido pelo município, estando o mesmo bastante depreciado. Em 2009, foi feito um acordo com a Associação dos Praças do Nordeste Mineiro para a qual a Coopacto emprestou uma de suas salas em troca de benfeitorias a serem realizadas a longo prazo em todo o prédio. Após a ocupação da sala, a Associação dos Praças realizou algumas reformas no prédio, no entanto o estado de

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conservação ainda é precário.

A cooperativa conta com 10 (dez) máquinas de costura, mesa para cortes, quatro mesas e quinze cadeiras. A infra-estrutura atual permite que a cooperativa opere com 15 (quinze) cooperados. Caso haja a adesão de um número maior de cooperados, torna-se necessária a aquisição de mais três máquinas de costura. O principal produto que estão produzindo são bolsas com tamanhos e estilos diversificados.

Em relação a seus débitos, todos são oriundos da não prestação de contas e envio de relatórios à receita federal e aos demais órgãos de fiscalização estadual e federal. Após apuradas as pendências, a equipe de extencionistas constatou que a cooperativa acumula uma dívida de R$ 4.490,24. A cooperativa não conta com dinheiro em caixa, fundos de reservas legais e estoques, uma vez que seus trabalhos estão sendo realizados sob encomenda.

A continuidade da Cooperativa Coopacto

Na visão do Senhor Adalberto, o melhor caminho para a Coopacto é efetuar uma reestruturação interna para aumentar seu número de cooperados. Seguindo esta proposta, torna-se necessário a realização de uma assembléia geral onde será destituída a antiga gestão e eleita uma nova diretoria. Ademais, será analisado quais associados permanecerão em atividade, desvinculando os demais do quadro social, o que deve ser feito com planejamento, pois implica na devolução da quota-parte originalmente subscrita e integralizada. Este pagamento pode ser realizado por meio de novas adesões à cooperativa, que implicariam em novas subscrições e integralizações.

Após a organização da nova diretoria e do quadro social, pretende-se realizar uma mobilização para a inserção de novos cooperados. Esta adesão é necessária para a adequação à Lei 5964/71 que define o mínimo de vinte associados para a

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constituição e funcionamento de uma cooperativa e para o aumento da sua produção e economia de escala. Deste modo, o espaço físico continuaria garantido pela prefeitura por tempo indeterminado e as máquinas ociosas seriam utilizadas em suas capacidades máximas.

Para a nova constituição da Coopacto os cooperados afirmam que mudariam alguns pontos na seleção de associados por causa do aprendizado obtido nesses dez anos. Para a entrada na cooperativa o novo associado terá que possuir conhecimentos técnicos fundamentais para a costura e para o manejo e manutenção das máquinas.

Pensamos em fazer um cadastro das pessoas que possuem boa vontade e sabem manejar uma máquina. Eu não vou pegar uma pessoa igual nós pegamos. A pessoa vai ter uma ou duas semanas para aprender e pegar o ritmo, porque na época tinha muita gente que quando ia cortar uma bolsa errava três, quatro vezes (Fátima).

Após a adesão de novos associados, torna-se necessária uma renegociação das dívidas para que possam ser quitadas no longo prazo. Além disso, é necessária a formação do capital de giro e do estoque mínimo para as atividades operacionais. Este capital pode ser obtido com acesso ao microcrédito, pensa-se em um empréstimo inicial de R$ 3.000,00 a ser quitado em dois anos. As três máquinas necessárias para as atividades operacionais serão adquiridas via compra financiada.

Para o pagamento da dívida, do empréstimo e das parcelas mensais das máquinas adquiridas, os cooperados planejam definir um fundo de reserva com 80% das sobras líquidas até a quitação. Posteriormente, o fundo de reserva seguirá a orientação legal de 10% das sobras líquidas e, em assembléia, serão definidas as destinações do valor residual. Cabe ressaltar que devem ser recolhido, conforme legislação em vigor, pelo menos 5% para o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e

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Social, o FATES.

A COOPACTO como associação

Duvidosa quanto ao sucesso da Coopacto na inserção de novos membros e na eficiência operacional de suas atividades futuras, Dona Conceição fala sobre a alternativa que considera mais viável para o grupo. De acordo com sua proposta, a cooperativa deve realizar uma convocação de todos os cooperados e efetuar a sua dissolução.

Para a efetivação da dissolução da Coopacto, a dívida de R$ 4.490,24 deve ser rateada entre os associados que constam no livro de matrícula, assim como os custos para a realização dos processos legais, sendo que os cooperados responderão apenas até o limite das quotas-parte caso não tenha havido gestão dolosa ou desvio de recursos. Posteriormente, a ata de dissolução deve ser elaborada e a documentação encaminhada para a Junta Comercial do Estado de Minas Gerais.

De acordo com a proposta da Dona Conceição, o grupo permaneceria em atividade, no entanto, estruturado sob a forma de associação produtiva. Legalmente uma associação, por não ter fins econômicos, não pode realizar transações comerciais em nome do grupo, porém ela servirá de instituição representativa dos associados que efetivarão suas vendas individualmente, com a utilização de notas fiscais avulsas. Esta limitação será compensada pela inexistência de número mínimo de associados para o registro e atividade de uma associação. Deste modo, os associados cooperam pela associação e podem se beneficiar pela Lei do Empreendedor Individual com registros e impostos simplificados. Esta opção garantiria os direitos previdenciários dos associados e legalidade na emissão de notas fiscais.

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Como apenas eu, a Fátima e o Felipe estão efetivamente trabalhando na cooperativa, penso que o melhor a ser feito é darmos continuidade aos trabalhos sem dependermos da adesão de novos integrantes. Não penso em utilizar toda esta estrutura em benefício próprio, mas sim em irmos agregando novos integrantes paulatinamente diante dos interesses deles e não dos nossos (Dona Conceição).

Com esta alternativa, tornar-se-á necessário negociar com os representantes do Município para que a sede da atual cooperativa continue com o grupo, agora sob a forma legal de associação.

O grupo começaria do zero suas atividades com apenas 3 associados sem a necessidade de maiores investimentos em capital de giro e em estoques, trabalhando sob encomenda até que consiga ampliar a demanda pelos produtos e o número de associados.

Decisão a ser tomada

Após diversas reuniões para balanço e conhecimento da realidade da cooperativa, a equipe de extensão, o senhor Adalberto e os três cooperados ativos se reúnem novamente para decidirem sobre o futuro do grupo. Dona Conceição parece tensa. Há mais de dez anos está na cooperativa e a definição do grupo afetará significativamente a sua vida.

A equipe apresenta as propostas, as possíveis barreiras a serem enfrentadas e os benefícios que podem ser auferidos. Após o debate, perguntam aos cooperados: E então pessoal, que decisão tomarão?

Questões sugeridas ao professor para discussão em aula

1. Quais seriam as vantagens e desvantagens da Coopacto

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permanecer como cooperativa?

2. Quais seriam as vantagens e desvantagens da Coopacto se tornar associação produtiva?

3. De acordo com o grupo, qual seria a melhor decisão a ser tomada pelos associados da Coopacto? Justifique.

Referências utilizadas para a elaboração do caso

BRASIL. Lei 5764, de 16 de dezembro de 1971. Dispõe sobre a legislação cooperativista.

BRASIL. Lei Complementar 12/08, de 01 de julho de 2009. Dispõe sobre a legislação do empreendedor individual.

COOPACTO. Estatuto social. 1998.

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário. Relatório final, analítico e propositivo dos Estudos e Planos realizados para o Território Vale do Mucuri – MG. Minas Gerais: Rede Nacional de Colaboradores. 2005.

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário. Sistema de Informações Territoriais. Disponível em: <http://sit.mda.gov.br>. Acesso em: 01 de jul. 2009.

OCB - ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS. P r i n c í p i o s d o c o o p e r a t i v i s m o . D i s p o n í v e l e m : <http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/principios.asp>. Acessado em: 10 mar. de 2010.

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NOTAS DE ENSINO

Resumo do caso

Este caso de ensino apresenta o dilema enfrentado pelos associados da Cooperativa de Artesanato de Couros de Teófilo Otoni (Coopacto) na cidade de Teófilo Otoni - MG. Com mais de uma década de efetivo exercício e diante de numerosos problemas administrativos a Coopacto sofreu desestruturação de seu quadro social resultando na perda da maioria absoluta de seus associados. Atualmente a Cooperativa possui mais de dez associados, no entanto, estão em atividade apenas três. Diante deste quadro, os remanescentes se depararam com duas alternativas para reerguerem o grupo: realizar uma reorganização interna (livros internos, atas, estatuto, eleições) e uma política para adesão de novos membros para atingirem o mínimo de 20 associados ativos; ou, encerrar suas atividades enquanto cooperativa se transformando em uma associação produtiva cuja natureza legal define um número mínimo de dois associados. Em decorrência, este caso tem como objetivo possibilitar o debate sobre as principais características de uma associação e de uma cooperativa. Tal percepção auxilia o futuro profissional a orientar grupos em decisões dessa natureza. Os dados foram coletados por meio de observação participante e entrevistas com os cooperados ativos da Cooperativa. O caso é relevante por possibilitar a reflexão de dúvidas comuns no ato de legalização de grupos produtivos.

Fonte de dados

O caso estudado neste trabalho foi escolhido pela acessibilidade dos autores uma vez que a cooperativa é objeto de estudo e intervenção de um projeto de extensão em andamento. Apesar de real, algumas informações e narrativas foram

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adicionadas ao caso no intuito de torná-lo mais ilustrativo.

A escolha dos entrevistados foi determinada pelo valor de suas experiências e vivência na cooperativa. As entrevistas foram feitas em fevereiro de 2010 por meio de um roteiro semi-estruturado. Esta técnica possibilitou conhecer fenômenos desconhecidos do comportamento dos indivíduos, os quais representam as variáveis que foram identificadas e apresentadas (TRIVINOS, 1987). Optou-se por utilizar pseudônimos na intenção de preservar a privacidade dos entrevistados.

Objetivos de aprendizagem

O Caso Coopacto foi concebido para ser utilizado em disciplinas de Gestão de Cooperativas, Gestão Social e Economia Solidária de cursos da graduação ou em programas de pós latu sensu durante módulos que enfoquem a discussão dos temas constituição de cooperativas, constituição de associações, legislação cooperativista e organização de quadro social.

Por meio da preparação e discussão do caso, o aluno deve se envolver no processo decisório sobre a natureza jurídica de grupos produtivos associativos e as suas implicações administrativas e operacionais. Tal decisão deve levar em consideração as diferenças fundamentais entre uma cooperativa e uma associação, o número mínimo de associados necessários, as barreiras fiscais e operacionais de cada grupo, as possibilidades de financiamento, os encargos de cada instituição e seus marcos legais.

Espera-se que ao final do debate os alunos ampliem sua visão sobre estes diferentes empreendimentos facilitando seu julgamento em situações similares que possam se deparar na prática.

Alternativas para análise do caso

Como forma de estimular uma parte da discussão em

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plenário, o caso permite a divisão da turma em subgrupos formados por três ou quatro alunos, dependendo do tamanho da turma. Cada grupo deve ler o caso atenciosamente e em seguida efetuar o debate sobre as questões propostas. Após o debate em grupo e o registro das respostas, pode ser realizado um debate entre os grupos envolvendo toda a turma.

Análise do caso

O caso dá margem a uma diversidade de respostas possibilitando grande flexibilidade para o debate. Não existem respostas prontas, apenas possíveis implicações para cada caminho a ser seguido. Deste modo, recomenda-se que os alunos tenham tido contato com a teoria referente ao estudo para que possam debater e apontar com maior propriedade as alternativas e as razões para suas escolhas.

Em relação à primeira pergunta, “quais seriam as vantagens e desvantagens da Coopacto permanecer como cooperativa?”, o debate pode ser aprofundado com as considerações colocadas em sequência.

Como é apontado por Rios (1998, p. 53), a cooperativa é

uma associação de pessoas que se predispõem a trabalhar juntas e de forma contínua, possuem um ou mais objetivos em comuns, e que por estes motivos gerenciam democraticamente os recursos disponíveis, em que custos, riscos e benefícios são divididos entre os associados equitativamente.

As cooperativas diferenciam-se das empresas, principalmente por possuir fundamentos como o humanismo, a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a racionalidade. Dentro disso acredita-se que os seus envolvidos são motivados por valores éticos como honestidade, responsabilidade social e interesse no bem coletivo. Este empreendimento possibilita a

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melhoraria da qualidade de vida local, amenizando questões sociais presentes na sociedade.

De acordo com Franke (1982), aquele que se torna membro de uma cooperativa transfere uma função de sua própria economia ao empreendimento cooperativo. O cooperado não quer obter ou colocar pessoalmente uma prestação, preferindo que isso seja feito por meio da cooperativa. Dessa forma, é a cooperativa que, no interesse da economia particular do associado e em seu lugar, entra em contato com o mercado para obter ou colocar a prestação.

Existe, dessa forma, perfeita identidade entre os empreendedores, de um lado, e os clientes e fornecedores de outro cujo destino específico é auxiliar as economias particulares dos sócios, com natural prolongamento dessas economias (FRANKE, 1982).

Como empresas de autogestão, as cooperativas canalizam as sobras líquidas para os associados proporcionalmente à participação de cada um; atribuem um voto a cada cooperado; permitem a adesão livre; sem discriminação política, religiosa, racial e social e prestam serviços sem intuito lucrativo.

Uma das barreiras para sustentabilidade deste tipo de empreendimento é a falta de conhecimento por parte da população brasileira sobre os princípios do cooperativismo. Segundo Labegalini e Barbosa (2005, p. 01) “ainda é preciso trabalhar muito no sentido de disseminar os princípios do cooperativismo e mostrar os benefícios que esse tipo de empreendimento pode oferecer aos seus cooperados e à comunidade local como um todo”.

Muitas vezes a falta de espírito associativo, o baixo nível de escolaridade, a ausência de um processo de educação cooperativista eficaz e permanente e a desinformação promove sérias distorções, desunião e insatisfação generalizada dos associados (ROSELEM et al., 2009). Para que isso não ocorra

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defende-se que o funcionamento de uma cooperativa respeite os princípios cooperativistas.

Apesar do movimento expressivo de criação desses empreendimentos observa-se que a defasagem tecnológica é um dos problemas recorrentes em praticamente todos os empreendimentos do gênero. Ressalta-se que muitos empreendimentos chegaram ao processo falimentar, pois seus processos não foram capazes de sustentar a concorrência nos mercados alvos de seus produtos.

Para Oliveira (2003) a falta de instrumentos administrativos tem provocado sérios problemas principalmente em cooperativas e esta falha pode ser devida ao pouco foco dado à eficiência econômica e empresarial destes empreendimentos. Além disso, a ausência de profissionalização da gestão das cooperativas são fortes responsáveis pelo insucesso desses empreendimentos (RIGO et al., 2008).

Estudiosos do cooperativismo afirmam que a gestão de uma cooperativa deva ser diferenciada. No entanto, conforme Rios (1998), seu desempenho precisa ser eficiente e eficaz a fim de gerar resultados positivos que lhe permitam a sobrevivência e o estabelecimento de planos de crescimento sustentado. Mesmo sendo de estrutura e funcionamento diferentes de uma empresa, é preciso ter plena consciência de que a cooperativa deve ser administrada com vistas à obtenção de resultados positivos, respeitando-se a filosofia que rege o cooperativismo.

Barreiros et al. (2005) falam sobre a dificuldade em lidar com alguns “conflitos de papéis” enfrentados pelos cooperados. Na medida em que os cooperados exercem funções de proprietário, trabalhador, cliente, fornecedor, é necessário adotar diversas posturas. Pelo fato de ser associado (ou “dono”) implica poder usufruir determinados benefícios e ser gerente implica controlar gastos e administrar dívidas do negócio. Diante desse contexto acredita-se que a educação deve ser utilizada para

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vencer as dificuldades e falhas que se apresentam em cooperativas.

Em relação à segunda pergunta, “quais seriam as vantagens e desvantagens da Coopacto se tornar uma associação produtiva?”, algumas peculiaridades deste tipo de organização são destacadas nos parágrafos seguintes.

O Associativismo, de acordo com Alencar (1997, p.7 apud LAZZAROTTO, 2000), refere-se à atividade humana desenvolvida em um grupo social, constituído por uma coletividade de indivíduos ligados entre si por uma rede ou sistema de relações sociais. Dentre os objetivos das associações o autor destaca o de representação dos interesses dos associados, considerado central pelo menos nos estatutos. O associativismo representa uma importante opção estratégica, capaz de transformar ou modificar a realidade, ou como um instrumento que proporciona aos diferentes atores sociais meios para se adaptarem a essa realidade.

A criação associativa é impulsionada pelo sentimento de que a defesa de um bem comum supõe a ação coletiva. Em sentido genérico, inclui as formas jurídicas associativas, como as cooperativas. Sociologicamente a associação pode ser abordada como um espaço que opera a passagem, graças a um encontro entre pessoas, entre redes de associação primária e secundária, e, entre esferas privada e pública. Estas relações ultrapassam o contrato entre pessoas, buscando fins comuns (CHANIAL; LAVILLE, 2009).

O espaço participativo de uma associação é formado por diferentes visões de mundo e concepções de realidade. Sendo ainda, é um dos acessos da comunidade aos acontecimentos políticos e econômicos; desempenhando um papel relevante, à medida que capacitam os participantes na tomada de decisão a partir das próprias experiências (ARAUJO; TOLENTINO; THEOPHILO, 2009). “O trabalho coletivo e o uso de práticas

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partir das próprias experiências (ARAUJO; TOLENTINO; THEOPHILO, 2009). “O trabalho coletivo e o uso de práticas solidárias podem facilitar o processo produtivo, além de propiciarem melhores relacionamentos com o mercado, instituições públicas, extensionistas e com a sociedade de maneira geral” (LAZZAROTTO, 2000, p. 1).

Os princípios basilares do associativismo são a adesão livre, tal como é livre a saída do movimento associativo; o funcionamento pautado na equidade entre os seus membros, traduzida na expressão “um associado, um voto”, além do fato de que as associações resultam sempre de uma congregação de esforços, em primeiro lugar dos fundadores e depois de todos os associados (PINHO, 2010).

Se por um lado a origem de uma associação acaba por ser comum a todas, ou seja, a congregação de esforços em torno de um interesse comum, por outro, o seu fim, o seu objetivo, pode ser o mais diversificado. Existem as mais variadas associações, dentre elas se destacam as culturais, recreativas, desportivas, de defesa do ambiente e patrimônio, de desenvolvimento local, moradores, estudantes, pais e profissionais (PINHO, 2010).

Para encerrar, na terceira pergunta, “de acordo com o grupo, qual seria a decisão a ser tomada pelos associados da Coopacto? Justifique”, o objetivo principal é possibilitar o debate uma vez que ambas alternativas podem ser justificáveis. Deste modo, deve estar clara a diferença entre cooperativas e associações para ver se o argumento utilizado é valido. Segue o quadro explicativo para esclarecer as características principais destas organizações:

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- Promover a implementação e a defesa dos interesses dos associados.- Incentivar a melhoria técnica, profissional e cultural dos associados.- Organizar as atividades de diversas naturezas dos associados.

Características Associação Cooperativa

Definição Legal Sociedade civil sem fins lucrativos

Sociedade civil/comercial sem fins lucrativos

- Viabilizar e desenvolver a atividade produtiva dos seus associados.- Transformar bens, atuando em nível de mercado.- Armazenar e comercializar.- Dar assistência técnica e educacional aos associados.

- Constituição (Art. 5°).- Código Civil.

- Constituição (Art. 5°).- Código Civil.- Lei 5.764/71.

Mínimo de duas pessoas Mínimo de 20 pessoas que exerçam atividades afins.

- Discussão e elaboração do Estatuto. - Aprovação do Estatuto.- Eleição da Diretoria e Conselho Fiscal.- Ata de Constituição.- Publicação dos estatutos e ata de constituição no Diário Oficial do Estado.- Registro dos estatutos e ata no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas da Comarca.- CGC na Receita Federal.- Abertura de Livros: Atas e Caixa- Registro no INSS e Ministério do Trabalho.

- Discussão e Elaboração do Estatuto.- Aprovação do Estatuto.- Eleição da Diretoria e do Conselho Fiscal.- Ata de constituição.- Subscrição das Quotas-parte.- Encaminhamento da documentação à Junta Comercial do Estado.- Abertura de livros: ata, livro caixa e associados.- Junta Comercial arquiva documentos e encaminha CGC.- Publicação do resumo dos Estatutos e Ata no Diário Oficial do Estado.- Abertura de conta bancária e outras providências: INSS – Ministério do Trabalho – Alvará da Prefeitura.

- Nome da Entidade.- Sede e a respectiva comarca (Foro);- Finalidades.- Se os associados respondem pelas obrigações da entidade.

- Nome, tipo de entidade, sede e foro.- Área de atuação.- Definição do exercício social e do balanço geral.- Objetivos sociais.- Entrada e saída dos associados.

Objetivos

Amparo Legal

Num. mínimode pessoas

Constituição eregistro

Pontosessenciais nosestatutos

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- Responsabilidade limitada ou ilimitada dos associados.- Formação, distribuição e condições de retirada do capital social.- Estrutura diretiva e responsabilidade juridicamente.- Prazo do mandato dos dirigentes, do conselho fiscal e processo de substituição.- Convocação e funcionamento da assembléia geral.- Distribuição das sobras e rateio dos prejuízos.- Casos e formas de dissolução.- Processo de liquidação.- Modo e processo de alienação de bens imóveis.- Reforma dos estatutos.- Destino do patrimônio na dissolução ou liquidação.

- Não possui capital social. - Seu patrimônio é formado por doações, fundos e reservas. - A inexistência de capital social constituído dificulta a obtenção de financiamento junto às instituições financeiras.

- Possui capital social, o qual, somado ao imobilizado (fundos, bens móveis e imóveis) facilita a obtenção de crédito junto às instituições financeiras.- O capital social é constituído por aportes dos associados (quotas-parte) ou, em parte, como o restante do patrimônio, pode ser constituído por doações, empréstimos e processos de capitalização.

Formação dePatrimônio

Pode ou não comercializar Realiza atividades de comércio diretamente

Atividadesmercantis

- Pode realizar operações financeiras e bancárias usuais, mas não tem como finalidade e nem realiza operações de empréstimos ou aquisições com o governo federal.- Não é beneficiária de crédito rural.

- Realiza plena atividade comercial.- Realiza operações financeiras e bancárias usuais, e, pode realizar operações de empréstimos do governo federal.- As cooperativas de produtores rurais são beneficiárias do crédito rural.

Operaçõesfinanceiras

- Quem responde pela entidade.- Tempo de Duração.- Como são modificados os estatutos.- Como é dissolvida a entidade.- Em caso de dissolução, para quem vai o patrimônio.

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Há rateio das sobras obtidas no exercício financeiro, devendo antes a assembléia destinar parte aos fundos de reserva e educacional (retenção obrigatória de 10% e 5% respectivamente). As demais sobras podem ser destinadas a outros fundos de capitalização ou diretamente aos associados de acordo com a quantidade de operações que cada um deles teve com a cooperativa.

Escrituração contábil simplificada e objetiva

A escrituração contábil é específica e mais pela exigência de controle de cada conta-capital dos associados e devido a

Escrituraçãocontábil

- Não paga Imposto de renda devendo fazer a declaração de isenção todo ano.- Não está imune, podendo ser isentada, dos demais impostos e taxas.

- Não paga imposto de renda sobre as suas operações com associados. No entanto, deve recolher, sempre que couber imposto de renda na fonte e o imposto de renda sobre operações com terceiros.-Está teoricamente imune do ICMS nas operações com os associados (ato cooperativo), mas os estados têm assim mesmo cobrado este imposto.- Paga as demais taxas e impostos.

Obrigaçõesfiscais etributárias

Não há rateio de sobras das operações financeiras entre os sócios. Qualquer superávit financeiro deve ser aplicado em suas finalidades.

Destino doresultadofinanceiro

Os dirigentes não são remunerados pelo exercício de suas funções, recebendo apenas reembolso de suas despesas realizadas no desempenho do seu cargo.

Os dirigentes são remunerados através de retiradas mensais “pro-labore”, definidas pela assembléia.Remuneração

dos dirigentes

- Os administradores podem ser responsabilizados por seus atos que comprometem a vida da entidade.- Os sócios não respondem pelas obrigações assumidas pela entidade.

A responsabilidade dos sócios está limitada ao montante de suas respectivas quota-parte, a não ser que os estatutos determinem diferentemente. Quando os estatutos determinam a responsabilidade “ilimitada” os sócios podem responder com o seu patrimônio pessoal.

Responsabili-dade dos sócios

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Pode construir órgãos de representação e defesa, não havendo atualmente nenhuma estrutura que faça isso em nível nacional.

Pode constituir órgãos de representação e defesa dos seus interesses e direitos.

Estruturas derepresentação

- A dissolução é definida pela Assembléia Geral- Pode ocorrer também a liquidação, mediante intervenção judicial realizada por representante do Ministério Público.

- A dissolução é definida pela Assembléia- Pode ocorrer também a liquidação da entidade por processo judicial. Neste caso, o juiz nomeia uma pessoa como liquidante.

Dissolução eliquidação daentidade

Os bens remanescentes na dissolução ou liquidação deverão ser destinados, por decisão de Assembléia a entidades afins.

- Os bens remanescentes, cobertas as dívidas e os montantes correspondentes às quotas-parte dos associados, deverão ser destinados a entidades afins.- Em caso de liquidação, os associados são responsáveis, limitada ou ilimitadamente (conforme os estatutos) pelas dívidas.

Destino doPatrimônio, emcaso dedissolução

Fonte: Elaboração própria baseada nas diversas fontes citadas no referencial teórico.

Referências recomendadas para preparação e discussão do caso

ARAUJO, Claudiana A. L. de; TOLENTINO; Marlucia T.; THEOPHILO; Carlos R. Realidade Organizacional das Associações Comunitárias Rurais da Região Sul de Montes Claros – MG. In: Anais do XXXI Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração – ENANPAD. São Paulo. 2009.

BARREIROS, R. F., et. al. Caracterização da Natureza do Processo Decisório em Nível Estratégico nas Cooperativas Agroindustriais do Estado do Paraná. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 29, 2005, Brasília. Anais..., Brasília-DF. 1 CD ROM.

BRASIL. Lei 5764, de 16 de dezembro de 1971. Dispõe sobre a legislação cooperativista.

BULGARELLI, Waldirio. Regime tributário das cooperativas. São Paulo: Saraiva, 1974.

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CHANIAL, Philippe; LAVILLE, Jean-Louis. Associativismo. In: Hespanha, Pedro et al. Dicionário Internacional da Outra Economia. São Paulo: Almedina Brasil, Ltda. 2009.

FRANKE, W. Aspectos jurídicos decorrentes da conceituação da Cooperativa como expansão das economias cooperativadas. São Leopoldo: UNISINOS, 1982.

LABEGALINI, L; BARBOSA, D. M. S. Como o Cooperativismo Pode Ser Usado Para Melhorar A Qualidade de Vida Local? Estudo de Caso da Credmalhas. In: Anais do VIII SEMEAD. Agosto de 2005. D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w. e a d . f e a . u s p . b r / S e m e a d / 8semead/resultado/trabalhosPDF/233.pdf>.Acesso em: 10 out. 2009.

LAZZAROTTO, Joelsio J. Associativismo Rural e a sua Viabilização: estudo de caso comparativo de duas associações de produtores rurais do município de Pato Branco (PR). In: Anais do XXXI Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração – ENANPAD. Salvador. 2002.

MEIRELES, P. A. Ações administrativas e participação especial em cooperativa agropecuária: um estudo de caso em Minas Gerais. Lavras: ESAL, 1981. 81 p. Dissertação.

OLIVEIRA, D.de P. R. de. Manual de Gestão das Cooperativas: uma abordagem prática. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2003.

PINHO; Paulo. O Associativismo: conceitos, princípios e tipologias. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/social-sciences/1658411-associativismo-conceitos-princ%C3%ADpio s-tipologias/>. Acesso em: 22 de mar. de 2010.

RIGO, A. S., et. al. Profissionalização da Gestão e Autogestão: um Estudo dos Problemas que ocasionaram a Dissolução das Cooperativas Agrícolas dos Perímetros Irrigados no Vale do Rio São Francisco. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 29. Anais... Rio de Janeiro: 2008.

RIOS, L. O. Cooperativas brasileiras: manual de sobrevivência & crescimento sustentável. São Paulo: editora. STS, 1998. 109 p.

ROSALEM, V.; SILVA, E. A; SILVA, F. F da. ALCÂNTARA, V. C. Gestão de Cooperativas: um estudo sob o olhar do cooperado. APGS, Viçosa, v1. n.1, pp. 46-66, jan/mar 2009.

TRIVINOS, A. N. S. Introdução a pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

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PASSADO, PRESENTE E FUTURO

Do caso Manga Brasil no Vale do São Francisco

1Ariádne Scalfoni Rigo2José Raimundo Cordeiro Neto3Brigitte Renata Bezerra de Oliveira

Este caso conta a história de uma associação de produtores 4de manga situada num dos Perímetros Irrigados do município de

Juazeiro, interior da Bahia, já na divisa com o estado de Pernambuco. Neste perímetro, chamado de Maniçoba, encontra-se a Manga Brasil. Constituída por pequenos e médios produtores agrícolas, a associação tem sobrevivido à tendência histórica de dissolução das estruturas de autogestão constituídas no mundo rural da região, especialmente nestas áreas irrigadas. Mais que isso, a permanência da Manga Brasil tem sido exitosa no que diz respeito aos avanços nos processos de modernização e mecanização de operações e comercialização de seus produtos (a

1 Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), mestre em administração pelo PROPAD/UFPE e doutoranda em administração pelo NPGA/UFBA. Trabalha com os temas Cooperativismo, Autogestão e Economia Solidária. Contato: [email protected] Professor da Univasf. Bacharel em Ciências Econômicas com Especialização em Desenvolvimento Regional pela URCA-CE. Mestrando em Administração pelo PROPAD/UFPE. Interessa-se pelas temáticas relacionadas aos processos socioeconômicos rurais, trabalho e empreendimentos econômicos solidários.3 Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Mestre e Doutoranda em Administração pelo PROPAD/UFPE. Interessa-se pelas temáticas relacionadas aos processos de internacionalização das organizações brasileiras. [email protected] Os Perímetros Irrigados são áreas destinadas para a agricultura irrigada onde se desenvolvem a maior parte da fruticultura do Vale do São Francisco. Tais perímetros são organizados pela Companhia para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF).

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manga in natura). Ademais dedica-se paulatinamente à construção de parcerias e à inserção em redes sociais e comerciais, à captação de recursos financeiros, ao apoio público e ao atendimento a exigências de mercados diversos, inclusive internacionais. Atualmente, a associação exporta de maneira direta para diversos países no continente Europeu.

O foco nesta discussão é a contradição entre alguns fatos históricos que permearam o cooperativismo da região e a trajetória que a Manga Brasil está impelida a percorrer para continuar crescendo e se desenvolvendo. Sendo assim, é preciso conhecer as relações entre o contexto, a história e, obviamente, o caso.

O contexto e a história

Desde a segunda metade da década de 1960, considerável volume de investimentos públicos federais voltou-se para o Vale Rio São Francisco, em especial na região do submédio. Estes investimentos objetivaram, principalmente, a criação de infra-estrutura para o estabelecimento e o avanço da fruticultura irrigada na região.

O processo de desenvolvimento do Vale vem atraindo cada vez mais capital e pessoas para o interior do Nordeste. Empresários, estudantes, gente em busca de emprego, imigrantes de outras partes da região, do Brasil e até mesmo do exterior. Segundo a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF, 1996), a agricultura irrigada emprega em torno de 20 e 30 mil trabalhadores diretamente ligados à produção. Grande parte da dinâmica dessa economia local está relacionada aos dois principais conjuntos de municípios compreendidos na área de irrigação. Do lado do estado da Bahia, a microrregião de Juazeiro, e, no estado de Pernambuco a microrregião de Petrolina, concentram as referidas atividades agrícolas e demais empreendimentos correlacionados

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ao agronegócio.

Historicamente, o submédio do São Francisco (pólo Petrolina-PE e Juazeiro-BA) teve na agropecuária o seu setor mais importante da economia, tanto no que se refere à sua participação na economia, capacidade de absorção de mão-de-obra, bem como na caracterização da região como exportadora de alimentos para o Brasil e o exterior. Favorecida pelos recursos de solo, clima e da presença do Rio São Francisco, foram implantados vários perímetros irrigados, incorrendo na alta produtividade agrícola dos municípios e na perda da característica de agricultura de subsistência para a integração à produção agro-industrial (MARINOZZI; CORREIA, 1999, p. 1).

O fato de a região Nordeste estar entre as mais pobres do país fez com que a necessidade de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento fosse uma constante em sua economia. É possível afirmar que os perímetros irrigados traduzem a história da reestruturação econômica e orientação para o mercado do pólo hortifrutigranjeiro do submédio. Reforçada pela representação política da família Coelho, a partir da segunda metade dos anos 60, a concentração de investimentos federais no Vale do rio São Francisco para criação de infra-estrutura de irrigação e geração de energia elétrica, provocou novos investimentos voltados para o fortalecimento da infra-estrutura sócio-econômica.

Em 1968, a Companhia para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) começou a instalar os primeiros “colonos” (pequenos produtores rurais) nessas áreas destinadas para irrigação. Os primeiros colonos eram provenientes da área de

5sequeiro e para eles a agricultura irrigada era uma novidade.

5 Denominação para a prática agrícola em regiões secas sem o auxílio de técnicas de irrigação. A agricultura de sequeiro é uma atividade sujeita a altos riscos de perdas de safra devido à alta variabilidade, tanto temporal como espacial, das precipitações pluviométricas nas áreas semi-áridas.

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Atualmente, nas cidades de Juazeiro-BA e Petrolina-PE, contam-se seis perímetros irrigados: Bebedouro e Senador Nilo Coelho, em Petrolina; e Mandacarú, Maniçoba, Mandacarú II e Curaçá, em Juazeiro. Todos eles vivenciaram a experiência de constituição de cooperativas agrícolas para comercialização da produção de frutas e verduras com o apoio direto da CODEVASF e do Banco do Nordeste (BNB).

Mas... Por que muitas cooperativas dos Perímetros Irrigados do Vale do São Francisco não existem mais?

Uma pesquisa realizada por Rigo et al (2008) identificou alguns aspectos históricos, processuais e culturais que auxiliam na compreensão dos motivos que levaram a grande maioria das cooperativas, implementadas pela CODEVASF nos perímetros irrigados da região, a se dissolver num relativo curto período de tempo.

A CODEVASF, como órgão governamental, tinha o papel, dentre outros, de implantar e apoiar, técnica, social e financeiramente, o desenvolvimento sustentado dos perímetros irrigados por meio da criação de cooperativas agrícolas em cada um deles. Cada uma destas iniciativas teve suas particularidades, mas alguns aspectos gerais puderam ser observados, como argumentam Rigo et al (2008).

A Cooperativa Agrícola Mista de Mandacarú (CAMPIM) foi a primeira a ser constituída, em Juazeiro-BA. Foi fruto de um projeto piloto da CODEVASF em 1970. Os que conheceram, muitas vezes de perto, esta experiência, contam que a cooperativa teve uma fase “áurea”, um período em que muitos agricultores associados conseguiram enriquecer. Influenciados pelo sucesso da CAMPIM, familiares dos agricultores associados criaram, em 1990, a Cooperativa Agropecuária Mista de Mandacaru II (COAMPIT). No entanto, logo passaram a funcionar precariamente e a sobreviver para administrar dívidas.

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Em Maniçoba foram criadas duas cooperativas agrícolas. Em 1986 a Cooperativa Agrícola Mista do Perímetro Irrigado de Maniçoba (CAMPIMA) constituiu-se com o apoio direto da CODEVASF. Já na metade da década de 1990, essa cooperativa apresentava sinais de enfraquecimento de suas atividades. Apesar da intervenção da CODEVASF para evitar a dissolução, o aumento do número de associados e o elevado volume das suas dívidas levaram a organização à dissolução.

Em 2000, alguns sócios insatisfeitos com a CAMPIMA se uniram para fundar a Cooperativa dos Fruticultores de Maniçoba (COOFRUMAN) estabelecendo uma série de restrições para a adesão de outros agricultores. De acordo com um dos agricultores interessados em se associar na época, “eles aceitavam no grupo apenas técnicos agrícolas e engenheiros agrônomos. Foram selecionados 22 sócios, privilegiando o grau de instrução e não a atividade agrícola do potencial associado”. No entanto, mesmo com o apoio técnico e financeiro da CODEVASF, esta iniciativa enfraqueceu-se com a ocorrência de desavenças internas, rumores sobre desvio de dinheiro e negociações fracassadas. Assim, a COOFRUMAN que foi vista pelos associados e pela própria CODEVASF como uma iniciativa com potencial de grande sucesso na região, durou apenas 3 anos.

A experiência da CODEVASF no perímetro de Curaçá culminou na constituição, em 1987, da Cooperativa Agrícola Mista do Perímetro Irrigado de Curaçá (CAMPIC) que teve suas atividades encerradas em 2000.

Nos perímetros irrigados situados na cidade vizinha, Petrolina (PE) também houve experiências com o mesmo desfecho. No perímetro de Bebedouro, o mais antigo de todo o Vale, associar-se à cooperativa era condição para receber o lote.

Salvo raras exceções, a implementação das cooperativas pela CODEVASF nos perímetros era praticamente uma

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exigência dela própria ou de agências financiadoras das atividades agrícolas nestas áreas, especialmente o Banco do Nordeste. Assim, a CODEVASF tomou a dianteira dos processos organizando grupos de colonos e disponibilizando toda a infraestrutura e equipamentos necessários para o início das atividades destas organizações. O processo se dava com a distribuição das áreas irrigadas para o plantio das culturas propícias, geralmente indicadas pela CODEVASF com base em estudos prévios. Em seguida, a formação de pequenos grupos a serem trabalhados por técnicos e assistentes sociais orientariam os colonos e suas famílias no que tange à vida nos perímetros e à importância de agir coletivamente. (Destes grupos, líderes situacionais surgiam e representavam seus grupos junto à CODEVASF. As recém-formadas cooperativas recebiam, além da infraestrutura e equipamentos, a orientação jurídica necessária e, inclusive, recursos humanos aptos a administrarem o negócio (gerentes, secretárias e contadores).

Numa tentativa diferente, em Maniçoba (perímetro localizado em Juazeiro-BA), os técnicos e assistentes sociais da CODEVASF procuraram orientar a formação da cooperativa, a CAMPIMA, de forma mais voluntária. Mas, após os colonos terem optado pelo cooperativismo, a CODEVASF apressou, diante das exigências para a obtenção de financiamento, o processo de formação e capacitação dos seus futuros associados também diante das exigências para obtenção de financiamento. Um dos motivos que levaram os colonos a se associarem às cooperativas foi o fato de ter acesso facilitado ao financiamento bancário. Nesse sentido, os associados já eram admitidos na intenção de contrair dívida para financiar sua produção e pagar tal financiamento com o dinheiro das colheitas futuras.

Sobre os motivos que contribuíram para a dissolução das cooperativas no Vale do São Francisco, Rigo et al (2009) identificaram questões culturais e questões relativas à ausência

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de profissionalização da gestão, como o excesso de endividamento e o baixo nível de escolaridade.

A criação e a manutenção das cooperativas em todos os perímetros de irrigação eram sustentadas com recursos técnicos, humanos e financeiros da CODEVASF. De acordo com representantes desta instituição, “o colono não se conscientizou que ele era parte do processo. Ele achava que a gente tinha que dar água, que tinha que dar energia de graça”. O paternalismo ficou mais evidente no momento em que a CODEVASF e o Governo Federal deram início a proposta de emancipação dos perímetros, em 1989. Para uma das Assistentes Sociais da época, os produtores não estavam preparados, pois:

[...] no momento em que a CODEVASF retirou os técnicos, ela achou que o produtor estava preparado para tomar conta da área dele, gerir seu próprio negócio. A gente que faz parte dessa equipe técnica sempre discordou disso, porque não era hora ainda. Mas, por questões políticas, a gente tinha que sair (Assistente Social CODEVASF).

Os cooperados ficaram mal acostumados porque tudo quem dava era a CODEVASF. Hoje não é mais assim, então a cooperativa foi caindo, caindo [...] então eles acham que tudo é a CODEVASF que tem que dar para eles (Chefe de Perímetro da CODEVASF).

Esta retirada dos técnicos da CODEVASF da direção das cooperativas, numa tentativa de emancipação e de autogestão, suscitou outra característica cultural, o nepotismo. Muitas vantagens (como não pagar os empréstimos) e cargos eram oferecidos aos parentes dos diretores das cooperativas, muitas vezes sem o menor pudor.

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O presidente da cooperativa, a primeira coisa que ele fazia era colocar a família dele todinha para trabalhar lá dentro. [...]. É a questão de levar vantagem no jeitinho. Se ele é presidente da cooperativa e eu sou teu amigo, esse mês eu não vou te cobrar. Não tinha essa questão de gestão impessoal que tinha que ter (Chefe de Perímetro da CODEVASF).

Sendo assim, as relações familiares existentes nos perímetros também eram transportadas para dentro da cooperativa, priorizando a pessoalidade na organização ao invés da impessoalidade ou imparcialidade. Parentes e amigos eram beneficiados das mais diferentes formas. Muitos recebiam parte do financiamento sem ter produzido, dívidas eram constantemente perdoadas e cargos distribuídos conforme o grau de parentesco.

O Perímetro Irrigado de Maniçoba era considerado um dos mais promissores. Foi neste perímetro que a Cooperativa Agrícola Mista do Perímetro Irrigado de Maniçoba (CAMPIMA) chegou mais perto de uma criação voluntária e orientada. Logo após a sua criação, o número de associados aumentou consideravelmente. Diante da possibilidade de conseguir financiamento por meio da cooperativa, muitos colonos que não haviam participado do processo de formação foram admitidos às pressas.

De forma direta ou indireta, grande parte dos problemas apontados pelos entrevistados na pesquisa de Rigo et al (2009), dizia respeito a deficiências no modo de gerenciamento das cooperativas agrícolas. Assim, faltava um gerenciamento eficaz, com planejamento, organização, liderança e controle nas cooperativas dos perímetros. No início das atividades das organizações cooperativas, a CODEVASF disponibilizou um

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técnico para administrar a organização. Os associados, desse modo, assumiam os cargos de no Conselho de Administração e Conselho Fiscal, deixando a cargo do profissional da CODEVASF as questões administrativas e financeiras. Mas, quando a CODEVASF iniciou seu “plano de emancipação” dos perímetros e com ele retirou os técnicos da gerência desses empreendimentos, eles começaram a dar sinais de insustentabilidade. A falta de profissionalismo, conhecimento administrativo, visão empreendedora e o descontrole dos gastos operacionais foram citados como principais problemas de gerenciamento. Há, inclusive, opiniões radicais sobre isso:

Os produtores são bons para receber lotes e cumprir ordens, mas não sabem gerenciar. Falta visão de empresários. [...] Tem que haver um pouco de autoritarismo por parte do gerenciamento para poder dar certo, pois se passasse a ser liberado dinheiro toda hora que um produtor pedisse ficava complicado, já que o produtor precisa honrar com o banco (Chefe de Perímetro da CODEVASF).

A diferença nível de educação formal também foi um aspectos emblemático levantado na pesquisa de Rigo et al (2009). Esta diferença entre colonos analfabetos e semi-analfabetos e os engenheiros e técnicos agrícolas, também colonos e associados à CAMPIMA, no distrito de Maniçoba. A fissão entre os seus membros culminou na criação de outra cooperativa somente de técnicos agrícolas e engenheiros agrônomos (Cooperativa dos Fruticultores de Maniçoba-COOFRUMAN). Quando esta cooperativa dissidente iniciou suas atividades, também com o apoio da CODEVASF, todos imaginavam que seria um grande sucesso, mas o pouco tempo que ela permaneceu ativa não comprovou isso. Ao final do terceiro ano ela já não mais atuava mais.

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O caso: de produtores individuais à Manga Brasil

A organização Manga Brasil, hoje constituída juridicamente como Associação, se destaca dentre o conjunto de grupos autogestionários do submédio do Vale do São Francisco. Todavia, esse destaque e os consideráveis avanços já apontados, não são suficientes para afastar problemas que ameaçam a permanência da associação e a continuidade de seus resultados. As dificuldades principais estão relacionadas à coordenação interna das atividades (entre os membros), à necessidade de transição para uma forma jurídica mais adequada aos mercados (tornar-se uma cooperativa) e ao desafio de capitanear maior apoio e adesão de produtores da comunidade ainda não inseridos na organização.

O Perímetro Irrigado de Maniçoba, até por volta dos anos de 1994/95, concentrava o uso de seus recursos produtivos nos cultivos de cebola, melancia e melão. Porém, tais gêneros não proporcionavam estabilidade comercial suficiente, o que levou os produtores a reorientarem suas atividades para a fruticultura, seguindo a perspectiva geral do Vale do São Francisco, que se especializou na elaboração de frutas frescas para os mercados interno e externo. Os agricultores de Maniçoba, diante da insatisfação com os mercados nos quais atuavam, buscaram se inserir em programas de incentivo à fruticultura para a agricultura familiar, programas esses do Banco do Nordeste do Brasil – BNB, que chegou a apoiar financeiramente três culturas desse tipo na comunidade: goiaba, coco e manga.

Apenas no caso da manga a conversão para a fruticultura foi bem sucedida. Problemas de ordem biológica levaram a eliminação dos cultivos de goiaba, atacados por um fungo que comprometia sobremaneira a qualidade do produto final. Quanto ao coco, os preços médios de venda em torno de R$ 0,05 inviabilizaram a continuidade da produção, cujos custos unitários não eram menores do que R$ 0,15. Por sua vez, a

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mangicultura destinava-se à venda para atravessadores, acarretando prejuízos aos produtores sem recursos suficientes para empreenderem uma relação direta com a clientela. Posteriormente, o fornecimento aos Packing Houses às empresas da região foi a saída encontrada, porém provisória, uma vez que esses últimos passaram a integrar verticalmente a produção da manga, ou seja, a se auto-abastecerem. De todo modo, a manga, mesmo com diversos percalços comerciais, foi o gênero agrícola, dentre os experimentados, que melhor desempenho obteve na comunidade. A questão passava a ser: como melhorar a comercialização do produto?

O programa de apoio à fruticultura atendia 342 produtores na comunidade de Maniçoba. Esse número despertou entre alguns a consciência de que havia consideráveis possibilidades de ganhos maiores na atividade, desde que os agricultores individuais pudessem associar-se e buscar formas coletivas de ação. Os ganhos de escala, advindos da realização de operações com maior volume de produtos seria a grande oportunidade a ser aproveitada. Com a intenção de organizar os produtores, algumas lideranças locais dentre eles buscaram o apoio de organizações atuantes na região do Vale do São Francisco. A primeira delas foi a Plantec, empresa de assistência técnica ligada à Codevasf. A própria Codevasf foi buscada em segundo lugar, bem como o SEBRAE. Foi importante a orientação dessas instituições (Plantec, Codevasf e SEBRAE), mas os membros da Manga Brasil enfatizam o caráter autônomo do processo de construção da associação.

Após emitir convite para todos os produtores de Maniçoba para uma reunião onde os interessados poderiam aderir à proposta de criação da associação, foi realizado um encontro, no qual se decidiu que aqueles que desejassem tornarem-se membros teriam 30 dias para cadastrar-se. Ao final do prazo, com 10 dias de tolerância, cadastraram-se 120 agricultores, os quais, em Assembléia Geral no ano de 2004, decidiram por denominar de

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Manga Brasil a organização nascente e aprovaram uma proposta de Estatuto para a mesma.

A captação de recursos e os vínculos com outras organizações

O primeiro recurso necessário a ser buscado externamente à Manga Brasil consistia em um estabelecimento com estrutura capaz de sediar administrativamente a organização, comportar o volume de manga produzido pelo grupo e propiciar as operações de tratamento e embalagem das frutas.

Coincidência ou não, o antigo galpão abandonado, que havia sediado a extinta CAMPIMA (nossa velha conhecida), foi pleiteado junto à CODEVASF, que cedeu as dependências do mesmo para a associação. O antigo galpão foi, então, adequado às operações da Manga Brasil, no qual se investiram mais de R$ 600 mil em equipamentos que vieram a formar o Packing House e sede administrativa do grupo. A principal meta tratava-se de estruturar-se para alcançar condições de exportar as frutas e de também comercializá-las no mercado interno (CEASAS). A efetiva comercialização dos produtos por meio da Associação Manga Brasil se inicia no ano seguinte à fundação da organização, isto é, em 2005.

Com a efetivação dos primeiros acordos com clientes, a necessidade de maior nível de profissionalização da gestão passou a ser mais percebida. Os membros e as organizações parceiras desejavam maior visão empreendedora na Manga Brasil, que possibilitasse os resultados que consideravam satisfatórios. Em meados de 2008, o Senhor Marcelo Paranhos, consultor com ampla experiência em gestão de empresas agrícolas e agropecuárias, passa a atuar como administrador da Associação. Seu trabalho foi custeado por convênio com uma ONG Holandesa associada à Agrofair Européia. Esta parceria ocorre até 2010, quando Marcelo encerra suas atividades junto à

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Manga Brasil.

Buscando o cumprimento dos contratos firmados, a Manga Brasil decide por estabelecer critérios para a participação de produtores. O SEBRAE, nesse momento, contribuiu na formulação de alguns critérios, tais como a necessidade de contribuição de cada sócio no valor de R$100,00 como condição de sua permanência na entidade. Reduziu-se para 58 o número de associados após a escolha desses critérios. Mais capitalizada, não obstante a redução no número de sócios, a Manga Brasil pôde contratar alguns funcionários para operarem na gestão da mesma, sendo estes filhos dos próprios produtores, mais escolarizados que os pais.

A formação de contratos de fornecimento ganhou ímpeto com a realização de viagens de quatro produtores para São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba a fim de estabelecer contatos com os principais mercados consumidores de frutas no país. A empresa pernambucana Ética, sediada em Recife, auxilia na exportação. Em 2006, a Manga Brasil conseguiu certificar-se para participar de programas internacionais de Mercado Justo (fair trade), mediante os quais pôde obter preços para a manga bem acima dos praticados no mercado internacional, por vezes mais que o dobro desses últimos. Ainda por meio do fair trade, a associação teve a oportunidade de enviar membros para participar de eventos como feiras de produtores na Holanda e na Inglaterra. No ano de 2008, os produtores da referida associação ganharam R$ 50 mil em prêmios através do fair trade. Essa cifra foi convertida, em 2009, na melhoria do ambiente de trabalho no Packing House e na constituição de centros de treinamento para a comunidade local. Cabe ressaltar que a comercialização de mangas pela associação, no ano de 2008, atingiu 3,5 toneladas da fruta.

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A Manga Brasil hoje

Os convites para participar de eventos e as referências à Manga Brasil por importantes instituições brasileiras, bem como o êxito de sua participação no Fair Trade, fazem dela uma organização com renome nacional e internacional quando o assunto é a organização de pequenos e médios produtores de comunidades em situação de fragilidade social. Internamente à comunidade de Maniçoba, as influências advindas das atividades se fazem sentir no emprego de pessoas da localidade nas tarefas compreendidas na cadeia produtiva da manga, bem como o impulso dado às demais cadeias locais, o que é empiricamente observável mediante o incremento dos fluxos no comércio da comunidade. Externamente à comunidade, a emancipação econômica dos produtores em relação aos atravessadores faz emergir conflitos com os mesmos, que antes se apropriavam de parte considerável da renda gerada pela produção da manga entre os produtores.

Empresários da região alimentam mesmo a desconfiança na continuidade dos trabalhos da Manga Brasil e, ao lado disso, a expectativa de que o packing house venha a ser abandonado e sua estrutura e equipamentos possam ser utilizados por suas organizações empresariais. Essas perspectivas pessimistas têm sua razão de ser. As falhas de coordenação no interior da associação são fortemente sentidas, principalmente entre seus dirigentes. Isso ameaça a permanência dos resultados na medida em que compromete o desempenho do grupo.

Mesmo diante da existência de uma lista de 21 itens constantes em um termo de compromisso, assinado pelo sócio, alguns problemas persistem. O agricultor associado ainda deixa de priorizar a comercialização de sua produção individual por meio da Manga Brasil nos casos em que oscilações favoráveis do mercado tornam os preços de exportação via atravessador mais vantajosos do que por meio da associação (que cobra 3% do valor

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comercializado), mesmo que se trate de uma circunstância efêmera. Esse tipo de conduta vai contra as necessidades de freqüência e de previsibilidade dos mercados consumidores e interfere negativamente na capacidade da Manga Brasil em honrar os seus contratos, conforme os quesitos de quantidade e prazos acordados com os clientes. Também no aspecto qualidade, há dificuldades significativas, pois a desorganização entre os agricultores, cujas áreas plantadas somam cerca de 600 ha, impede uma precisa padronização nas características do produto final. Segundo os dirigentes, não é fácil sensibilizá-los de que “a qualidade se faz no campo, não no packing”.

Participar da associação como meio de carona para a obtenção de crédito é outra prática comprometedora do desempenho organizacional e presente na Manga Brasil. Diante desses elementos, a organização da comunidade de Maniçoba vive pressões intensas para manter sua trajetória de sucesso, uma vez que esses problemas convivem com um ritmo crescente no número de clientes e de acordos, ao mesmo tempo em que os ameaçam.

Hoje, o objetivo expresso pelo gerente contratado da Manga Brasil é “fortalecer a imagem da organização, e trazer o associado para dentro da associação, fazer com que ele passe a gerenciá-la”. Ou seja, emancipá-la!

Ainda sobre os associados, o gerente compreende haver três perfis: a) “aquele que tem o espírito cooperativista, que fundou a associação e entende os seus objetivos”; b) “aquele que se associou simplesmente porque ser uma forma de obtenção de crédito junto aos órgãos financiadores”; e c) “aquele que se juntou porque viu que era uma proposta interessante”.

Essas diferenças de perfis de associados se agrava em situações como a vivida no ano de 2009. O Banco do Brasil concedeu 340 mil reais em crédito para a associação, mas os empréstimos são individuais. Para o gerente, “o problema é como

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controlar a aplicação desse dinheiro, pois o banco não fiscaliza e a associação tem que criar mecanismo para avaliar se os associados estão aplicando o dinheiro ‘como deveriam’”.

Uma solução para este tipo de problema seria a transformação da associação em cooperativa, pois nela o crédito é para a cooperativa que faz os empréstimos e o controle dos pagamentos. Para o gerente, eles “já deveriam estar com essa cooperativa montada”, mas não é tão simples assim. Os associados conhecem o passado do cooperativismo no Vale e associam, fortemente, os motivos de dissolução desta forma de organização coletiva. Além dos diferenciados perfis, há que se pensar em como proceder à transformação sem exclusão.

Também é conflituosa a relação entre a Manga Brasil e os atores sociais que lhe prestam auxílio para o desenvolvimento de suas atividades. Não há um alinhamento claro de concepções a respeito de quais sejam os princípios e objetivos da organização dos produtores, nem de quais são os papéis de cada um dos agentes envolvidos. Uma ilustração disso é o fato de que há diferenças substanciais na orientação das ações feita pela CODEVASF relativamente ao que o SEBRAE concebe como um apoio eficaz. Frequentemente, esse último, dada a sua inclinação mais empresarial e profissionalizante, demonstra a insatisfação de seus técnicos com o que chamam de “reforço do personalismo e da dependência” provocado, por exemplo, nos repasses de recursos, por parte da CODEVASF para a Manga Brasil, sem exigência de contrapartidas. Ouvimos de um técnico do SEBRAE: “o que nós fazemos em meses, capacitando e levando o pessoal para feiras de negócios e exposições, a CODEVASF desfaz em um dia”.

Por sua vez, a CODEVASF também se sente contrariada quando avalia que os níveis de investimentos realizados junto aos produtores associados não têm correspondência no desempenho que se desejava para o grupo. Os membros da Manga Brasil,

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nesse sentido, não se encontram em posição de selecionar em quais ações oriundas desses parceiros irão adentrar, muito menos de impor quais serão as metas que perseguirão. Eles, na sua maioria com uma identidade de agricultores familiares, não têm perfil de empresários nem de especialistas em gestão de negócios nos moldes requeridos em algumas expectativas externas. Sabe-se que o agricultor familiar é, essencialmente, gestor de suas atividades, porém, o seu tipo de organização e de metas pouco tem a ver com o convencional perfil empresarial.

Por fim, contornar esses entraves vividos é um desafio cuja superação a Manga Brasil vai tentar via formação de uma cooperativa a partir da associação existente, ainda que a associação continue, apenas sem o benefício do fair trade. Ao mesmo tempo em que a forma cooperativista permitiria driblar limitações existentes na forma associativa para participar de programas de comércio e de políticas públicas, ela também proporcionaria oportunidade para implementar novos mecanismos de coordenação interna. Nessa nova empreitada, a sensibilização de um maior número de produtores para aderir ao empreendimento coletivo é uma das questões centrais e que pode ser determinante para a trajetória do grupo.

Questões propostas para debate

a) Elabore um esquema interpretativo do processo de implementação das cooperativas agrícolas nos Perímetros Irrigados pela CODEVASF. Em seguida, elabore outro esquema interpretativo do processo de implementação da Manga Brasil. Compare-os. Agora, construa um terceiro esquema interpretativo do processo que você considera “ideal” para implementação de cooperativas que considere o apoio de entidades externas.

b) Dentre os casos das constituições das cooperativas dos perímetros irrigados pela CODEVASF, quais aspectos e fatos

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violam alguns dos princípios cooperativistas? Identifique os princípios violados e explique.

c) Analisando os aspectos e acontecimentos da história das cooperativas nos perímetros irrigados, e analisando o caso da

Manga Brasil em todos os seus aspectos, construa um quadro comparativo das semelhanças e diferenças entre a história e o caso.

d) Com base neste quadro comparativo construído na questão anterior (c), identifique os pontos fortes que contribuem para que a Associação Manga Brasil se torne uma Cooperativa de sucesso. Em seguida, identifique os pontos fracos que precisam ser trabalhados pelos gestores, associados e parceiros apontando as alternativas para que tais pontos fracos sejam minimizados ou eliminados e, quem sabe, transformados em pontos fortes.

e) Como a Manga Brasil pode fortalecer a profissionalização da sua gestão, com vistas a geração de riqueza para os seus (futuros) cooperados e ao melhor atendimento das necessidades do mercado nacional e internacional?

f) Por fim, reflita e aponte como a Universidade e outros agentes externos, por meio de ações intervencionistas ou de outra natureza, podem contribuir para implementação de alternativas que trabalhem os pontos fracos, auxiliam no alcance dos objetivos da organização e sua sustentabilidade.

Referências utilizadas para a elaboração do caso

COMPANHIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO VALE DO SÃO FRANCISCO – CODEVASF. Inventário dos perímetros irrigados. Brasília: CODEVASF, 1999.

MARINOZZI, G.; CORREIA, R.C. Dinâmicas da agricultura irrigada do Pólo Juazeiro – BA/ Petrolina – PE. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 37, 1999, Foz do Iguaçu. Anais... Brasília: SOBER, 1999. CD-ROM.

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RIGO, Ariadne et alli. Profissionalização da Gestão e Autogestão: um Estudo dos Problemas que Ocasionaram a Dissolução das Cooperativas Agrícolas dos Perímetros Irrigados no Vale do Rio São Francisco. Encontro Nacional da ANPAD, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro. CDROM.

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NOTAS DE ENSINO

Resumo do caso

Este caso de ensino trata do surgimento e desenvolvimento de uma organização associativa chamada Manga Brasil, no município baiano de Juazeiro, às margens do Rio São Francisco. O caso ressalta o contexto histórico dessa região em sua experiência de promoção do cooperativismo como parte das políticas públicas de desenvolvimento rural e de organização da agricultura irrigada no Vale do São Francisco. Nesse âmbito, os processos vividos pela Manga Brasil têm semelhanças e distinções em relação ao quadro geral local. Traços de autonomia na sua criação e a própria permanência dessa associação, frente à dissolução de suas congêneres, são destoantes em relação às tendências contextuais. Porém, fragilidades e ameaças a sua sobrevivência guardam proximidade com elementos tão preocupantes quanto conhecidos na história das organizações ao seu entorno.

Fonte de dados

A elaboração deste caso de ensino contou com duas grandes fontes de dados. A pesquisa realizada sobre o passado das cooperativas na região (RIGO et al, 2009) como consta nas referências, e a participação e coordenação dos autores nas atividades do Núcleo Temático em Administração da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Esse Núcleo, ao envolver ações de extensão universitária, permitiu o diálogo e a coleta de informações relevantes junto a agentes envolvidos na vida organizacional da Manga Brasil. Previsto no estatuto e nas normas de funcionamento da UNIVASF, os Núcleos Temáticos são atividades obrigatórias, de livre escolha do discente dentre os núcleos oferecidos e possuem

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caráter prático que visa o ensino, a pesquisa e a aplicação do conhecimento integrado, voltado para o encaminhamento e a solução de questões socioeconômicas, ambientais, culturais, científicas e/ou tecnológicas para a comunidade. Em andamento no Colegiado de Administração da Univasf desde 2008, o NT-ADM, tem focado seus esforços em atividades com a Manga Brasil.

As fontes de informações e dados foram as mais diversas, mas, sobretudo, apoiaram-se nos relatos dados pelos dirigentes e sócios fundadores da Manga Brasil, em 2009. Várias visitas pelos autores-professores deste caso juntamente com alunos do NT-ADM deram origem a gravações, observações, fotografias e um considerável conhecimento do caso. Por fim, optou-se por não revelar os nomes dos informantes, indicando apenas os cargos que desempenham. Ressalta-se que todas as informações constantes no caso são reais.

Objetivos de aprendizagem

O caso da Manga Brasil, associado à história do cooperativismo na região do Vale do São Francisco, pode ser aplicado em disciplinas de Gestão de Cooperativas, Gestão Social e Economia Solidária, Gestão do Terceiro Setor e de Organizações da Sociedade Civil de cursos da graduação ou em programas de pós durante módulos que enfoquem a discussão dos temas tais como constituição de cooperativas e associações, desenvolvimento territorial, dentre outras.

A discussão do caso possibilita ao aluno a refletir a respeito do processo decisório sobre a natureza jurídica de grupos produtivos associativos e as suas implicações administrativas e operacionais; o papel destes empreendimentos na comunidade; e, especialmente, o papel do poder público (e outros agentes de apoio e fomento) nestes processos de implementação e apoio à Economia Solidária. Também

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perpassam as discussões, o entendimento dos princípios (normas de conduta) cooperativistas e da lei 5764/71, lei brasileira do cooperativismo. Espera-se que ao final do debate os alunos formulem uma visão crítica sobre estes e outros assuntos que possam surgir durante as discussões.

O professor pode optar também pela discussão/elaboração do caso sob a forma de trabalho escrito ou seminário.

Alternativas para análise do caso

Apontaremos aqui algumas questões que, não necessariamente, estarão diretamente ligadas às questões sugeridas para debate, mesmo porque a proposição de questões fica a critério do professor. No entanto, acreditamos que alguns pontos podem ajudar na análise ou mesmo indicar outras possibilidades de entendimento do caso.

Primeiro, a idéia de solicitar um esquema interpretativo (na questão (a)), sugere um esforço no sentido de entender de forma processual a implementação de uma organização coletiva, e deve expressar a importância da voluntariedade das pessoas para este feito. Seria oportuno que, para a elaboração deste esquema, os alunos pudessem ter tido contato prévio com textos que proporcionam uma visão geral sobre os objetivos e estruturação de uma organização desta natureza. Textos como “manuais do cooperativismo” e mesmo pesquisas na internet podem ser utilizados. Nesta mesma pesquisa, também devem ser observados os princípios cooperativistas e a própria lei do cooperativismo brasileira (5764/71), disponíveis no site da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). A lei cooperativista, os estatutos e os princípios doutrinários se constituem nos principais instrumentos que definem direitos e deveres dentro das cooperativas. A ausência dessa fundamentação pode, inclusive, levar à perpetuação das relações de dominação dentro dela.

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O passado do cooperativismo na região e os aspectos que contribuíram para o seu relativo insucesso nos perímetros irrigados podem dar respostas e apontar estratégias de ação para que a Manga Brasil não siga a mesma trajetória. Dentre os elementos podemos apontar a questão do (des)compromisso de alguns associados; a filiação apenas por interesse no crédito; as contradições de visão e metas entre agentes de auxílio externos e entre estes e os auxiliados; o comportamento dos associados na adesão passiva aos programas de apoio, sem avaliar vantagens e desvantagens de sua participação e as conseqüências disso para alcançar seus objetivos; os desafios gerenciais; a desconsideração do perfil dos associados e da comunidade, por parte dos agentes de apoio, quando da formulação e proposição de programas de auxílio; e, inclusive, a situação de “emancipação forçada” que a Manga Brasil está passando, assim como nas cooperativas precedentes.

Os processos de implementação das cooperativas nos perímetros irrigados do Vale, na realidade, sofreram imposições para formas cooperativas de trabalho e produção. Nas pesquisas de Crúzio (1999) esse aspecto impositivo foi considerado uma da causas da dissolução das cooperativas agrícolas no Brasil. Para este autor, ainda vive-se sob um legado ao legado de um Governo interventor, pois, a partir da Constituição de 1988, foram criadas imposições que distorcem a lógica da autonomia das cooperativas. Isso é visível em programas e projetos governamentais que atrelam a obtenção de vantagens e financiamentos, principalmente a pequenos produtores rurais, à estarem em filiados em cooperativas.

As decisões “de cima para baixo” da CODEVASF e do Governo Federal, de maneira geral, de criar cooperativas dentro de cada um dos perímetros para cumprir exigências legais podem ter contribuído para a dissolução destas organizações na medida em que não permitem que os associados se identifiquem com as

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organizações das quais fazem parte. Tal situação é propícia para a baixa participação e pouco envolvimento com os negócios e assuntos da cooperativa.

No entanto, algumas cooperativas criadas posteriormente, frutos da própria experiência das cooperativas implementadas pela CODEVASF, demonstram que o voluntarismo também não é condição que garanta o sucesso destes empreendimentos coletivos. Assim, problemas durante o desenvolvimento das cooperativas puderam também ser identificados e considerados possíveis contribuintes para o insucesso delas.

Para entender melhor as características culturais que permearam as cooperativas do passado e que, por inferência, permeiam a Manga Brasil, sugere-se a leitura de Motta e Caldas (1997) e, especificamente no Nordeste, Rios (1979). Característica típica da cultura brasileira, o paternalismo transcende para dentro das organizações e permeia não somente a rotina do trabalho organizacional como também o modo de gerenciar as organizações. De acordo com Rios (1979), a cultura individualista é uma característica forte no Nordeste brasileiro, propiciada, inclusive, pelo Estado concentrador e paternalista. Questiona-se: até que ponto a CODEVASF também na foi paternalista com a Manga Brasil?

Na visão de Peres (2000) e Rios (1979) o Estado na região Nordeste, por ser um grande empregador e o principal provedor de serviços, dificulta a mobilização para a ação coletiva por conta de relações clientelistas e paternalistas persistentes. Sendo assim, “os grupos ou comunidades são pouco estimulados a procurarem soluções particulares para seus problemas” (PERES, 2000, p. 8).

Para Rios (1979) esta é uma situação já percebida no Nordeste, onde se “queimam” as etapas do pré-cooperativismo. Ou seja, momento de tomada de consciência e de aceitação da cooperação como premissa para fazer parte das cooperativas.

O efeito carona, percebido na Manga Brasil, pode

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também ser entendido como a confusão entre propriedade e controle onde os cooperados se sentem no direito de se beneficiar dos empréstimos, mas não se submetem a condições iguais aos demais associados na hora de responsabilizar-se por suas dívidas (OLIVEIRA, 2003). Ou seja, acaba por existir um “conflito de papéis”. Ser associado (ou “dono”) implica poder usufruir determinados benefícios e ser gerente implica controlar gastos e administrar dívidas do negócio. Numa associação, onde o crédito é individualizado, essa situação se minimiza, mas numa cooperativa, ela se mantém. Nesse sentido: seria mesmo interessante que a associação Manga Brasil se torne uma cooperativa?

Para facilitar as discussões, apontamos na sessão abaixo algumas especificidades na forma organizacional e de gestão das cooperativas que auxiliam as análises.

1) Conceito de cooperativa: as cooperativas são sociedades de pessoas organizadas em busca da satisfação de necessidades e objetivos comuns. Além disso, a gestão dessas organizações possui certas peculiaridades relacionadas tanto com a estrutura organizacional diferenciada como com as questões relativas as ações coletivas e a participação. Vale ressaltar que a gestão das organizações cooperativas é permeada por um conjunto de princípios que, desde o início do movimento cooperativista, em 1844, formam a base para sua atuação e vida organizacional. Objetivamente, os princípios cooperativistas são (CARNEIRO, 1981; CANÇADO; GONTIJO, 2004):

a) Adesão Voluntária e Livre: as organizações cooperativistas devem estar abertas a todas as pessoas, independendo de raça, sexo, cor, classe social, opção religiosa ou política, desde que compartilhem dos mesmos objetivos e exista capacidade técnica da cooperativa para satisfazer as necessidades de todos os associados.

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b) Gestão Democrática: os associados participam ativamente, reunidos em assembléia, discutem e votam os objetivos, políticas, tomadas de decisões e metas de trabalho em conjunto, bem como elegem e são eleitos como representantes que irão administrar a sociedade. Cada pessoa tem direito a um voto independente da quantidade de capital investido.

c) Participação Econômica dos Membros: os membros contribuem eqüitativamente para o capital da cooperativa e controlam-na democraticamente (Gestão democrática). Se a cooperativa obtiver receitas maiores que as despesas estas também serão divididas proporcionalmente ao trabalho investido ou à utilização dos serviços da cooperativa.

d) Autonomia e Independência: é uma sociedade autônoma, controlada pelos sócios, podendo firmar acordo com outras instituições, desde que se assegure em qualquer hipótese a sua autonomia e o controle dos sócios.

e) Educação, Formação e Informação: a promoção da educação e formação de todos que compõem a cooperativa devem ser objetivo permanente da organização no intuito de que todos contribuam para o crescimento e desenvolvimento da mesma.

f) Intercooperação: intercâmbio de conhecimento, informação, produtos e serviços entre cooperativas no intuito de melhorar as atividades econômicas e sociais e fortalecer o movimento cooperativista de modo geral.

g) Interesse pela Comunidade: as cooperativas devem se preocupar com o bem estar da sociedade e contribuir para o desenvolvimento sustentável da comunidade onde se inserem por meio da execução de programas de responsabilidade social.

2) Estrutura das cooperativas: Silva e Giesta (2007) identificam que, quanto à estrutura diretiva das organizações cooperativas, três órgãos sociais norteiam a sua administração: a assembléia geral, órgão de deliberação máximo composto por

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todos os associados com direitos igualitários de voto; o conselho de administração e o conselho fiscal, os quais são eleitos para comporem a diretoria da cooperativa e representar os associados dentro e fora da organização.

3) Problemas gerenciais recorrentes em cooperativas: Oliveira (2003), objetivamente, aponta problemas como: a) falta de cooperação entre as cooperativas quanto a suas atividades e seus negócios, ou seja, a falta de intercooperação; b) a falta de modelos adequados de gestão ou a aplicação de modelos muito centralizados; e c) não saber lidar com a concorrência. Aqui, pode-se inferir que há falta de profissionalização da gestão que possibilitem às cooperativas se sustentarem. Além destes, há os problemas relacionados à falta ou fraca educação cooperativista por parte dos cooperados (PEREIRA; RIGO, 2006; RIOS, 1979). Tanto na criação das cooperativas quando no processo de entrada dos novos associados, os ensinamentos sobre a forma organizacional cooperativista e a vida nestas sociedades são raros e fracos. Assim, o associado possui pouca ou nenhuma consciência do seu papel como membro dificultando ou impedindo a autogestão.

4) Possíveis causas do insucesso das cooperativas agrícolas no Brasil: de acordo com Crúzio (1999) nas cooperativas agrícolas - formadas por produtores rurais objetivando a comercialização da produção, o beneficiamento e a revenda ao mercado consumidor - os problemas são, principalmente, de ordem institucional, ou seja, advém de incoerências estatutárias e legais acerca dos direitos e deveres dos associados que acabam por estabelecer paradoxos na própria proposta de autogestão. A seguir, apenas pontuamos os achados de Crúzio (1999):

a) A maioria dos associados não se sente a vontade para opinar nas Assembléias ou simplesmente não participa das mesmas. Dessa forma, o que se observa é que, na maioria dos casos, apenas um pequeno número de associados comparece às

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Assembléias Gerais.

b) Divergência de interesse dentro e entre os membros da cooperativa. Para Crúzio (1999), o “livre ingresso de produtores, desde que atuem na atividade fim da cooperativa”, acaba por criar situações conflituosas na medida em que sócios com interesses diversos aos da cooperativa não podem ter sua entrada restrita.

c) O Conselho de Administração recebe considerável autonomia e poder de veto nos estatutos das cooperativas, portanto, ele acaba por decidir sobre o destino e dos recursos da cooperativa”, ultrapassando a sua função deliberativa das determinações da Assembléia.

d) O Conselho Fiscal possui pouca ou nenhuma autonomia para exercer suas funções, na medida em que as auditorias externas dependem da autorização do próprio Conselho Administrativo, ou seja, depende daquele cujas atividades devem ser auditadas. A função de verificar as decisões do Conselho de Administração por parte do Conselho Fiscal fica estatutariamente restringida.

Um problema de ordem mais ampla e política refere-se ao legado de um Governo interventor que permanece até hoje, pois, a partir da Constituição de 1988, foram criadas imposições que distorcem a lógica da autonomia das cooperativas. Isso é visível em programas e projetos governamentais que atrelam a obtenção de vantagens e financiamentos, principalmente a pequenos produtores rurais, à estarem em filiados em cooperativas (CRÚZIO, 1999).

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Referências sugeridas para análise e aprofundamento do caso

CANÇADO, Airton Cardoso; GONTIJO, M. C. H. Princípios Cooperativistas: origens, evolução e influência na legislação brasileira. In ENCONTRO DE INVESTIGADORES LATINO-AMERICANO DE COOPERATIVISMO, 3, São Leopoldo, 2004. Anais..., São Leopoldo: UNISINOS, 2004. 1 CD-ROM.

CARNEIRO, Palmyos Paixão. Co-operativismo: o princípio cooperativo e a força existencial-social do trabalho. Belo Horizonte: Fundec, 1981.

CRÚZIO, Helnon de Oliveira. Por que as cooperativas agropecuárias e agroindustriais brasileiras estão falindo? Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 18-26, 1999.

MOTTA, Fernando C. Prestes; CALDAS, Miguel P. (org). Cultura organizacional e cultura brasileira. São Paulo: Atlas, 1997.

OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Manual de Gestão das Cooperativas: Uma abordagem prática. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2003.

ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO – OCEPE. Banco de dados. Email recebido em 16 de Abril de 2007.

PEREIRA, José Roberto; RIGO, Ariádne Scalfoni. Cooperativas de trabalho em Minas Gerais: organização do trabalho. In. ENCONTRO INTERNACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, 4, São Paulo , 2006. Anais..., São Paulo: NESOL/FEAUSP, 2006. 1 CD ROM.

PERES, Fernando Curi. Capital social: a nova estrela do crescimento econômico. Preços agrícolas, p.6-9, maio/2000.

RIOS, Gilvando Sá Leitão. Cooperativas agrícolas no Nordeste brasileiro e mudança social. João Pessoa: UFPB. 1979.

SILVA, Tania Nunes da; GIESTA, Lílian Caporlíngua. Cooperativas de Trabalho, alternativa ao Desemprego ou Fachada: A percepção de alguns de seus stakeholders. In ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 31, Rio de Janeiro-RJ, 2007. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2007. 1 CD-ROM

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ENTRE A EQUIDADE E A SOLIDARIEDADE

Repensando a remuneração dos cooperados

1Airton Cardoso Cançado2Naldeir dos Santos Vieira3Liliam Deisy Ghizoni4Ariádne Scalfoni Rigo

Mais uma tarde quente em Salvador. Os ventiladores de teto não parecem ser suficientes para amenizar o calor que deve estar próximo dos 40º. Em uma sala, situada no miolo de

5Salvador 40 jovens entre 18 e 25 anos acompanham a discussão na cooperativa. Mas é necessário voltarmos um pouco no tempo para sabermos mais desta história.

1 Professor da UFT e membro do NESol/UFT. Graduação em Administração de Cooperativas (UFV), Mestrado em Administração (UFBA). Contato: [email protected] Professor Assistente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM. Bacharel em Administração de Cooperativas pela Universidade Federal de Viçosa - UFV e mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gestão e Desenvolvimento Regional.3 Psicóloga, Mestre em Educação, doutoranda em Psicologia Social das Organizações e do Trabalho na UnB. Professora Assistente na Universidade Federal do Tocantins (UFT). Coordenadora da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares do Núcleo de Economia Solidária da UFT - ITCP/NESol/UFT. Contatol: [email protected] Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), mestre em administração pelo PROPAD/UFPE e doutoranda em administração pelo NPGA/UFBA. Trabalha com os temas Cooperativismo, Autogestão e Economia Solidária. Contato: [email protected] A região do miolo de Salvador fica no centro da península que forma a cidade, de um lado fica a Baía de Todos os Santos e do outro o bonito litoral norte da cidade (Jardim dos Namorados, Piatã, Itapoã), porém, o mar fica a pelo menos uma hora de ônibus.

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6 Nome fictício. Todos os nomes usados neste caso de ensino são fictícios.7 Não confundir trabalho com emprego. Quem tem emprego tem trabalho, mas quem tem trabalho nem sempre tem emprego. A condição de empregado pressupõe a existência de um empregador e denota o que se chama de emprego formal, ou ainda, “com carteira assinada”. Por exemplo, um funcionário público, ou um atendente de balcão, ou mesmo um gerente de uma grande empresa são empregados, têm emprego. Um médico ou dentista que atendem em seus consultórios, um pedreiro que trabalha por empreitada ou uma diarista eventual têm trabalho, mas não têm emprego.

6O projeto “Jovens em Ação ”, coordenado por uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP e financiado com recursos de responsabilidade social de uma empresa, tem como objetivo a inserção social, por meio da

7geração de trabalho e renda , de jovens (18 a 25 anos) de uma das regiões mais carentes de Salvador/BA. O projeto consiste em capacitação (12 meses) com uma bolsa-auxílio para os jovens de forma a prepará-los para o mercado de trabalho.

Os cursos de artesanato, dança e culinária são intercalados com reforço escolar e oficinas de elaboração de currículo, marketing pessoal, comportamento em entrevistas, entre outros. Tem-se como meta ampliar as possibilidades de acesso destes jovens ao mercado de trabalho. Neste sentido, a OSCIP prevê a inserção destes jovens no mercado formal de trabalho (emprego com “carteira assinada”) e, ainda, via empreendedorismo como alternativa para a geração de trabalho e renda. No caso do empreendedorismo, têm-se duas possibilidades, o empreendedorismo individual e o empreendedorismo coletivo (trabalho associado). A OSCIP apresentou aos jovens estas duas opções, porém, a que lhes chamou a atenção foi o cooperativismo. Neste sentido, a OSCIP, como atividade complementar, apresentou um curso de cooperativismo para os jovens e estes se decidiram por constituir uma cooperativa. A OSCIP, então, passou a incubar a cooperativa.

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O processo de incubação consiste no acompanhamento do grupo até que ele possa “andar com as próprias pernas”, em outras palavras, poderíamos dizer que é uma “consultoria” para o empreendimento de forma que este possa se estruturar e ter maiores chances de sobreviver.

O consultor contratado para acompanhar a incubação do empreendimento, Lucas, logo se viu em um grande desafio: os jovens haviam constituído a cooperativa, com o apoio da OSCIP e tinham uma encomenda muito grande para entregar antes do natal (faltavam dois meses). Uma grande empresa havia encomendado os brindes de fim de ano e a escolha da cooperativa fazia parte de uma estratégia de marketing da empresa que consistia em dar preferência a empreendimentos inseridos na

8perspectiva do fair trade, ou comércio justo .

O grupo estava discutindo “acaloradamente” como iriam dividir entre si os resultados do trabalho, pois as encomendas gerariam receitas que deveriam ser distribuídas aos cooperados em troca do seu trabalho. Duas correntes se formaram: a primeira, liderada por Maria, defendia a divisão igual dos recursos; a segunda, liderada por Rafinha defendia a divisão dos resultados proporcional ao trabalho, vejamos o que dizem os líderes.

Estamos em uma cooperativa, todos devem ser tratados de maneira igual, desta forma, fazemos o trabalho, entregamos a encomenda e depois dividimos o dinheiro. Ninguém pode, nem deve, ganhar mais do que ninguém, foi por isto que resolvemos constituir nossa cooperativa, se não fosse assim, montaríamos uma empresa (Maria).

8 Comércio justo ou fair trade podem ser considerados como “posicionamentos” comerciais onde a escolha do fornecedor não está ligada apenas a preço-qualidade-prazo, inclui também a perspectiva social, desta forma, a escolha por determinado produto está vinculado ao tipo de trabalho que o originou.

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Justamente por estarmos em uma cooperativa, devemos dividir o dinheiro proporcionalmente ao trabalho de cada um, quem trabalha mais, deve ganhar mais, quem trabalha menos não ‘merece’ ganhar o mesmo tanto dos que se dedicaram mais. Temos, portanto que medir o quanto cada um trabalhou e lhe pagar de acordo com isto, o Lucas pode nos ajudar nesta divisão (Rafinha).

Lucas lembrou das lições que recebeu ainda em Viçosa (MG), quando na incubadora de cooperativas populares da universidade, havia passado por situações bem parecidas. A discussão de opiniões diferentes é inerente ao processo democrático dentro das cooperativas. Mas lá ele trabalhava em equipe, eram 2 ou 3 bolsistas responsáveis por cada empreendimento e, no caso de dúvidas, ainda haviam professores a serem consultados. Aqui ele estava só. Por outro lado, Lucas

9conhece o cooperativismo, se formou na área . Ele sabe que, teoricamente, de acordo com os princípios do cooperativismo e legalmente (Lei 5.764/71), a proposta de Rafinha seria a correta. Porém, ele como técnico de incubação, que já passou por muitas situações semelhantes, não deve intervir explicitamente, mas apenas esclarecer.

O técnico de incubação, bem sabe Lucas, tem por obrigação respeitar as opiniões dos cooperados e não ser tendencioso, ele deve apresentar sim, um parecer técnico sobre as questões. Por meio de suas experiências anteriores na incubadora de cooperativas populares em Viçosa, Lucas sabe que esta postura (tomar partido em uma discussão) intervém de forma decisiva sobre o equilíbrio de poder, já bastante frágil, dentro da cooperativa. Ao ser apoiado explicitamente, um cooperado passa

9 Lucas é Bacharel em Cooperativismo pela Universidade Federal de Viçosa – UFV.

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a ter do seu lado o técnico, “aquele que sabe mais que todo mundo ali” e por isto “os outros cooperados têm de concordar com ele, pois a sua posição é a correta”. Lucas não desejava cair nesta armadilha novamente. Neste momento, os cooperados pedem a sua posição, e agora?

São duas posições que identifiquei até agora, se alguém pensar diferente, por favor me diga. A primeira posição defende a distribuição igual dos recursos a todos os cooperados e a segunda a distribuição de acordo com o trabalho, ou com a produção. Os princípios cooperativistas, mais precisamente o princípio da participação econômica dos membros prevê que o cooperado deve receber de acordo com o seu trabalho, o que chamamos de distribuição pró-rata [ouvem-se alguns risos] que significa ‘proporcional ao trabalho’. A lei do cooperativismo vai na mesma direção (Lucas).

Segue-se um grande tumulto, todos discutindo ao mesmo tempo. Quando conseguem a ordem novamente, Maria e Rafinha defendem de novo suas opiniões, a situação estava caminhando para uma disputa pessoal entre os cooperados. Alberto pede a palavra, no que é prontamente atendido, pois todos achavam que ele era sensato e sua opinião certamente fortaleceria uma das posições e poderia ser crucial para a resolução do problema.

Sugiro que todos pensem bem no assunto e levem em consideração o que disseram Maria, Rafinha e Lucas, porém precisamos terminar a encomenda, senão, não vai haver dinheiro para ser distribuído. Podemos marcar outra reunião, depois de todos terem pensado bem a respeito e então decidiremos. Neste momento temos muito trabalho a fazer (Alberto).

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Alberto foi aplaudido e já não havia mais clima para reunião. Os cooperados então começaram a dar duro no trabalho, pois havia muito a fazer: sua primeira “encomenda grande”.

Até então, a cooperativa já havia produzido algumas peças, mas sempre na perspectiva do aprendizado. O professor de artesanato ajudou a cooperativa a fazer seu “portfólio”, de modo que tivessem um mostruário, que também podia ser visto no site da cooperativa.

Em relação à manutenção da cooperativa, a OSCIP havia conseguido recursos para um ano de funcionamento: aluguel, luz, telefone, técnico de incubação e um pequeno capital de giro. O combinado entre os cooperados era recolher o Fundo de Reserva e o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social nos valores previstos em lei (10% e 5%, respectivamente) e ainda criar um fundo para que a cooperativa se capitalizasse. Eles o chamaram de Fundo Cooperativo, constituído por 35% das sobras.

O tempo passou e nunca mais o assunto da divisão do dinheiro foi discutido coletivamente, mas continuava claro que as duas correntes existiam e também era claro o clima de disputa entre elas. Maria eRafinha tinham partidários (não sabiam quantos exatamente, mas sabiam que tinham).

Lucas começou a se preocupar e buscou ajuda com os membros da OSCIP e ainda com colegas que se formaram com ele e que também haviam tido experiência na incubadora. Todos foram unânimes: “a situação é ruim para a cooperativa e deve ser resolvida o mais rápido possível”. Porém, por mais que se tentasse, a reunião nunca era marcada.

Enquanto isso o trabalho fluía. Alguns cooperados tinham o dia inteiro disponível para o trabalho, outros apenas meio período, mas a situação de Maria e de Olívia era diferente. Elas eram presidente e diretora comercial respectivamente da cooperativa e passavam a maior parte do tempo fora da

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cooperativa. Segundo elas, estavam fechando novas encomendas para a cooperativa. Mesmo com os cooperados que estavam mais presentes na cooperativa, o horário era bem flexível, teoricamente chegavam às 8h, haviam duas horas de almoço e o expediente terminava às 18h. Porém, era comum encontrar a cooperativa praticamente vazia às 9h e em pleno funcionamento às 20h. Os cooperados se organizavam informalmente e iam para a cooperativa em grupos. Nas conversas informais, Lucas notou que essa liberdade no horário era um grande incentivo para fazer parte da cooperativa.

Incrivelmente, para o desanimado Lucas, a encomenda foi entregue em perfeito estado aos “45 do segundo tempo”, de acordo com um cooperado. Em todo caso, o prazo foi respeitado. No dia seguinte o pagamento foi efetuado, e agora?

Em clima de euforia, por terem dado “conta do recado” os cooperados se reuniram para distribuir o dinheiro. A taxa de administração e a reposição do capital de giro usado na matéria prima foram diminuídas do valor principal, como já era previsto e todos sabiam que isto iria acontecer. Maria apresentava as “contas” no quadro da cooperativa com bastante critério. Ela e o Lucas e o restante da diretoria já haviam feito aquele cálculo algumas vezes juntos e agora eles sabiam fazer até sem a presença

10de Lucas .

Assim que as contas foram apresentadas, voltou-se a discussão da divisão do dinheiro. Acirraram-se os ânimos novamente e seguiu-se um tumulto onde todos falavam ao mesmo tempo. Depois de restabelecida a ordem, Maria e Rafinha

10 Ele aprendeu isso também na incubadora: “realizamos as atividades com os cooperados e não para eles, pois assim eles aprendem a fazer e não dependem do técnico”, já dizia seu professor.

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tiveram tempo para falar sobre suas propostas que foram defendidas enfaticamente. Porém, quando Rafinha defendeu sua posição, ele se deu conta que o trabalho não foi “medido”, não se sabia o “quanto” cada um havia trabalhado. Lucas havia alertado os cooperados para terem um livro de presença na cooperativa, mas sua sugestão foi negligenciada diversas vezes, os cooperados achavam mais importante o sentimento de liberdade, de chegar na hora que quisessem, e a entrega da encomenda no prazo era uma prova de que isto “dava certo”. Lucas pediu a palavra:

Atenção, por favor. Conforme eu havia sugerido em outras reuniões o livro de presença seria um instrumento importante para medir o ‘quanto’ cada um trabalhou, pois teríamos a hora de entrada e saída de cada um. Porém, estar na cooperativa não significa estar trabalhando [risos de todos e alguns cochichos e acenos de cabeça mostraram a Lucas que os cooperados concordavam], então se pode pensar em outros instrumentos como a medida individual de produção, por exemplo. Mede-se quanto cada um produziu em termos de peças, metros, quilos ou outra medida qualquer, no caso de vocês, em peças.

Neste momento todos falavam ao mesmo tempo, tentando descobrir quem produziu mais e quem produziu menos, quem esteve mais na cooperativa e quem nem “deu as caras”. Alberto, mais uma vez, pede a palavra e todos se calam.

Assim que as contas foram apresentadas, voltou-se a discussão da divisão do dinheiro. Acirraram-se os ânimos novamente e seguiu-se um tumulto onde todos falavam ao mesmo tempo. Depois de restabelecida a ordem, Maria e Rafinha tiveram tempo para falar sobre suas propostas que foram defendidas enfaticamente. Porém, quando Rafinha defendeu sua posição, ele se deu conta que o trabalho não foi “medido”,

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não se sabia o “quanto” cada um havia trabalhado. Lucas havia alertado os cooperados para terem um livro de presença na cooperativa, mas sua sugestão foi negligenciada diversas vezes, os cooperados achavam mais importante o sentimento de liberdade, de chegar na hora que quisessem, e a entrega da encomenda no prazo era uma prova de que isto “dava certo”. Lucas pediu a palavra:

Atenção, por favor. Conforme eu havia sugerido em outras reuniões o livro de presença seria um instrumento importante para medir o ‘quanto’ cada um trabalhou, pois teríamos a hora de entrada e saída de cada um. Porém, estar na cooperativa não significa estar trabalhando [risos de todos e alguns cochichos e acenos de cabeça mostraram a Lucas que os cooperados concordavam], então se pode pensar em outros instrumentos como a medida individual de produção, por exemplo. Mede-se quanto cada um produziu em termos de peças, metros, quilos ou outra medida qualquer, no caso de vocês, em peças.

Neste momento todos falavam ao mesmo tempo, tentando descobrir quem produziu mais e quem produziu menos, quem esteve mais na cooperativa e quem nem “deu as caras”. Alberto, mais uma vez, pede a palavra e todos se calam.

Amigos, acho que cometemos um erro e também sou responsável por ele. [‘Erro? Como assim? Entregamos a encomenda e trabalhamos muito!’ Disseram os outros cooperados, todos ao mesmo tempo] Calma, eu explico. Na ânsia por entregarmos a encomenda e por acreditarmos que a liberdade de chegar e sair quando quisermos é mais importante que o livro de presença que o Lucas propôs, temos agora uma situação delicada. Eu sei que trabalhei menos que o Rodolfo, por exemplo, que esteve aqui todos os dias, chegava

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antes de todo mundo e saia por último, mas sei também que tem gente aqui que trabalhou muito menos que eu. [seguem-se palmas e expressões de apoio], porém, agora não temos como medir o quanto o Rodolfo trabalhou mais que eu, ou o quanto eu trabalhei mais que algumas pessoas [risos] (Alberto).

Ao final os cooperados concordaram que a única maneira de repartir o dinheiro, dadas as circunstâncias era a divisão proposta por Maria, ou seja, a distribuição igual entre todos. Apesar do contexto, Maria se sentiu vitoriosa, pois sua ideia havia prevalecido, por bem ou por mal. E ela ainda tinha excelentes notícias, outra empresa pediu uma grande encomenda de brindes para serem entregues dia 31 de janeiro. Os cooperados aplaudiram e reiniciaram a produção, mas antes houve uma festa para comemorar a primeira encomenda entregue.

Passados os festejos e durante os trabalhos para a segunda encomenda, notou-se dentre os jovens certos rumores e fofocas acerca da divisão dos resultados da encomenda anterior. No entanto, nenhum deles chegou a explicitar nada para o Lucas. Tais rumores, que giravam em torno de uma certa “sensação de injustiça”, estava causando um desconforto no técnico de incubação e o mesmo tinha dúvidas se deveria ou não tomar a iniciativa de medir os trabalhos. E, ainda, tinha que pensar em como iria fazer isso...

Questões propostas para debate

a) Lucas agiu de maneira correta? Qual a postura de um técnico de incubação dentro de uma cooperativa popular?

b) O que você sugeriria a Lucas para melhorar os processos de tomada de decisões da cooperativa na próxima encomenda?

c) Quais as consequências de decisões não tomadas na cooperativa?

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d) Qual a importância da opinião dos cooperados, do caráter técnico das informações e da posição do técnico de incubação no processo de discussão na cooperativa?

e) O que pode ser feito para mediar a discussão entre cooperados e entre grupos de cooperados de modo que não se torne uma discussão de caráter pessoal?

f) O que deve ser feito para não cair na armadilha do “depois decidimos” e ao mesmo tempo não tomar decisões precipitadas?

g) O que diz a legislação sobre a remuneração dos cooperados? Como a remuneração dos cooperados é tratada pelos princípios cooperativistas?

h) Como podem ser desenvolvidos controles internos para a remuneração dos cooperados? Quais as possibilidades de controle numa cooperativa popular?

i) Como avaliar estas ferramentas de controle numa cooperativa popular?

Referências utilizadas para a elaboração do caso

BRAGA, M. J.; PEREIRA, J. R.; CANÇADO, A. C., VIEIRA, N. S.; CARVALHO, D. M.; CETTO, V. M.; RIGO, A. S. Tirando a máscara: princípios cooperativistas e autenticidade das cooperativas. Viçosa, UFV, 2002 (Relatório Final de Pesquisa, CNPq).

BRASIL. Lei 5764, de 16 de dezembro de 1971. Dispõe sobre a l e g i s l a ç ã o c o o p e r a t i v i s t a . D i s p o n í v e l e m <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm>. Acesso em 05 out. 2010.

CANÇADO, Airton Cardoso. CANÇADO, Anne Caroline Moura Guimarães. Incubação de cooperativas populares: metodologia dos indicadores de desempenho. 2 Ed. Palmas: Futura, 2009.

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______; IWAMOTO, Helga Midori; CARVALHO, Jacqueline Elisa Furtado Barreto de. Cooperativa dá lucro? Considerações sobre lucros e sobras. Revista Integralização Universitária. Palmas, v.01, n.02, p.44-57, 2008.

______. Autogestão em cooperativas populares: os desafios da prática. Salvador: IES, 2007. (Cadernos do IES, Número 1)

______; GONTIJO, M. C. H. Princípios Cooperativistas: origens, evolução e influência na legislação brasileira. In ENCONTRO DE I N V E S T I G A D O R E S L AT I N O - A M E R I C A N O D E COOPERATIVISMO, 3, São Leopoldo, 2004. Anais..., São Leopoldo: UNISINOS, 2004. 1 CD-ROM.

INTERNATIONAL COOPERATIVE ALLIANCE (ICA). Statement a n d t h e c o - o p e r a t i v e i d e n t i t y . D i s p o n í v e l e m <http://www.ica.coop/coop/index.html>. Acesso em 02 Abr. 2010.

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NOTAS DE ENSINO

Resumo do caso

Este caso trata de alguns temas muito importantes em cooperativas populares: os controles internos, o pagamento dos cooperados, o processo de tomada de decisão e a postura do técnico de incubação. É apresentado o caso de uma cooperativa de jovens recém criada em Salvador/BA, que conta com o apoio de uma OSCIP e passa por um processo de incubação. No caso é discutida a forma como os cooperados serão remunerados pelo seu trabalho e como os controles internos relativos a este pagamento podem ser realizados. Dentro desta perspectiva merece destaque o posicionamento do técnico de incubação em relação ao problema e em relação à sua própria ação enquanto técnico. O caso trabalha a importância da tomada de decisão, na medida em que uma decisão não tomada tem seus impactos sentidos pelo grupo.

Fonte de dados

O caso apresentado não é um caso verídico por si só, mas sim a junção de diversas situações reais que os autores já vivenciaram.

Objetivos de aprendizagem e pontos importantes para análise do caso

O professor deve destacar e explorar bem 3 aspectos: a incubação, a remuneração dos cooperados pelo seu trabalho e os respectivos controles internos referentes a isto e, ainda, a questão da tomada de decisão. Por fim, o professor pode propor uma continuação do caso para a próxima encomenda da cooperativa.

Em relação à incubação deve ser discutido o papel e a postura do técnico de incubação bem como os seus resultados e

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impactos. Os alunos devem ser levados a discutir as atitudes de Lucas e seus resultados, propondo alternativas.

A remuneração dos cooperados deve ser discutida levando em conta a legislação, os princípios cooperativistas e os controles internos.

Os alunos devem ser estimulados a propor ferramentas de controle interno que tornem possível a aplicação dos princípios e da legislação.

Em relação à tomada de decisão, a discussão pode ser conduzida no sentido da importância da tomada de decisão no tempo, pois, no caso em análise os cooperados trabalharam sem saber como seriam remunerados, como se comportarão da próxima vez. Deve ser destacado o caráter excepcional desta “primeira grande encomenda” e esta perspectiva deve ser comparada com o dia a dia da cooperativa no futuro.

Em relação à continuação do caso, o professor pode propor dois cenários distintos, discutidos abaixo.

Cenário I: a cooperativa continua como está, já que deu certo da primeira vez, e continua a confecção da segunda encomenda. Neste cenário devem ser discutidas as possibilidades de comprometimento dos cooperados com a produção; como será realizado o controle da produção para cumprir o prazo; e a postura do técnico de incubação.

Cenário II: a cooperativa decide usar ferramentas de controle para remunerar os cooperados por produção. Neste caso, devem ser discutidas quais são as ferramentas de controle a serem usadas e qual a participação do técnico de incubação na sua construção. Devem ser discutidas também as possibilidades de comprometimento dos cooperados com a produção e o controle da produção para atender à encomenda no prazo.

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Análise do Caso

Incubação

No caso do processo de incubação existem muitas metodologias nas mais de 100 incubadoras universitárias no país. Porém, a grande maioria das metodologias converge para um processo de educação dialógica (FREIRE, 1987; 1997; 2001) onde a opinião dos cooperados deve ser respeitada e o processo de ensino-aprendizagem é nos dois sentidos, o técnico e os cooperados aprendem e ensinam mediatizados pelo próprio contexto onde estão. Desta forma, uma postura mais firme do técnico no sentido de prevalecer a lei e os princípios cooperativistas, por mais que seja “correta” pode ir contra à própria ideia de incubação enquanto processo. Por outro lado, o técnico tem de ser claro em relação à legislação e aos princípios, talvez o que tenha faltado ao técnico, em uma análise mais fria, é

11apresentar futuros cenários possíveis para cada decisão tomada .

Remuneração dos cooperados

O princípio cooperativista da participação econômica dos membros se refere ao pagamento pró-rata da produção do cooperado, ou seja, o cooperado recebe pelo trabalho que realizou ou pela quantidade de produto que entregou (como em uma cooperativa agropecuária, por exemplo), desta forma, a cooperativa remunera o trabalho (BRAGA et al. ,2002; CANÇADO; GONTIJO, 2004). A lei 5764/71 deixa em aberto a possibilidade de cobertura dos custos da cooperativa (provenientes da taxa de administração) de duas maneiras: a primeira sendo rateada pelos cooperados (muito utilizada por cooperativas de taxistas, onde é difícil medir quanto trabalho foi

11Sugere-se conhecer a metodologia de incubação de Cançado e Cançado

(2009).

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realizado) e a segunda é proporcionalmente às transações com a cooperativa. No caso da remuneração dos cooperados a lei não é direta, mas no caso de distribuição das sobras, ao final do exercício, segundo o Inciso VII do Artigo 4 ela deve ser realizada proporcionalmente às transações, salvo decisão contrária em assembléia (BRASIL..., 2010). Desta forma, fica claro que as transações do cooperado com a cooperativa (em outras palavras: entrega de produtos, compra de produtos ou realização de trabalho, a depender do ramos da cooperativa) devem ser medidas.

Para além da lei e dos princípios cooperativistas, cabe uma reflexão acerca dos objetivos da sociedade cooperativa, que consistem em prestar serviços aos cooperados (BRASIL..., 2010). O cooperado que mais realiza transações com a cooperativa é aquele que mais contribui com a taxa de administração, quando esta é cobrada proporcionalmente. Desta forma, este cooperado está contribuindo para a cobertura dos custos da cooperativa. Outro cooperado que não realiza transações com a cooperativa ou as realiza de maneira menos frequente não teria a mesma participação na cobertura dos custos. Por isso, salvo em situações onde seja difícil mensurar estas transações sugere-se que a taxa de administração seja proporcional às transações e que a remuneração também o seja, pois mesmo recebendo por seu trabalho o cooperado ainda contribui para a cobertura coletiva dos custos da cooperativa. Se a divisão dos resultados for realizada de modo que todos trabalham o quanto quiserem e depois se distribui de maneira igual o resultado entre todos, pode haver um sentimento de “injustiça”. Geralmente os argumentos pela distribuição igual entre os cooperados vêm de uma análise “radical” da cooperação que, no nosso entender, é equivocada, pois neste caso alguns estariam trabalhando pelos outros. Outro argumento é que algumas pessoas têm mais força, competência ou outros atributos que as tornam mais “eficientes” em relação às outras. Mesmo nesse

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caso, o recolhimento da taxa de administração já faz com que este cooperado distribua parte do seu trabalho entre todos, uma vez que o recolhimento da taxa também é proporcional, quem trabalha mais, acaba pagando mais (as taxas são definidas por meio de percentuais do pagamento). Outra opção é criar um fundo para cobrir dias parados, por exemplo, no caso de doença ou acidentes, neste caso também, se o fundo for proporcional, quem realiza mais transações também fará maior contribuição.

Se a divisão for igual, por mais nobre que isto possa parecer, podemos pensar, em uma perspectiva bem instrumental (diriam alguns), que o cooperado pode não ser estimulado a se envolver com a cooperativa, pois os frutos do seu trabalho serão repartidos entre todos, inclusive aqueles que não contribuíram com a cooperativa. Teríamos então uma produção que tenderia a diminuir, pois independente do esforço, pois a remuneração não depende dele. Em uma perspectiva ampliada a cooperativa pode passar a ser uma fonte de renda auxiliar, pois o cooperado pode buscar outras fontes que o remunerem, enquanto ele se apropria do trabalho dos outros. O cooperativismo tem por objetivo transversal evitar atravessadores (dono da empresa, dono do armazém, dono do banco, etc) e esta perspectiva de divisão igual dos resultados traz de volta a figura do atravessador que fica entre o cooperado e a remuneração do seu trabalho.

Tomada de decisão

No caso da tomada de decisão na cooperativa, deve-se levar em consideração, em primeiro lugar, que ela deve ser democrática, baseada no princípio da Gestão Democrática, onde cada cooperado tem direito a um voto, independente de quantas quotas-parte o cooperado possua. Existem cooperativas que criam a figura do cooperado inativo, que é aquele que não realizou transações com a cooperativa durante determinado período de tempo. Cada cooperativa tem suas regras (que devem

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ser explícitas em relação aos critérios de entrada e saída desta categoria) específicas em relação aos inativos, porém, de maneira geral, cooperados inativos não têm direito a voto até saírem desta condição (BRAGA et al., 2002; CANÇADO; GONTIJO, 2004). Esta medida visa proteger o interesse dos cooperados que estão de fato operando com a cooperativa e cobrindo seus custos (o que reforça ainda mais as considerações do item anterior). No caso da legislação cooperativista há ainda a previsão (Artigo 31) que o cooperado perde o direito de votar e ser votado se estabelecer contrato de emprego com a cooperativa. Esta condição dura até que as contas do período onde ele estava na condição de empregado sejam votadas (BRASIL, 2010). Cabe ainda ressaltar que o técnico de incubação neste processo é uma figura importante para apresentar a questão de forma técnica e se possível apresentar cenários oriundos de cada decisão. Sua função é tornar a escolha mais clara e não influenciar os cooperados a tomarem a decisão que ele acha certa. Lembrando ainda que o técnico não vota, pois não é cooperado (CANÇADO; CANÇADO, 2009).

Outra característica interessante do processo democrático, criticada por alguns autores, é que a gestão democrática estabeleceria a “ditadura da maioria” e que o ideal seria o consenso. Nesse sentido, tanto dos princípios, quanto da legislação cooperativista prevalece a decisão da maioria. No caso de algumas decisões mais importantes, previstos em estatuto, 2/3 dos votos. A sugestão é que haja possibilidade de expressão das partes interessadas para defesa de suas ideias antes de decidir, o que tornaria a “ditadura da maioria” pelo menos mais consciente.

A decisão em si sempre acontece, pois, não decidir é tomar a decisão de não tomar a decisão que também traz conseqüências, como no caso em análise, por isto não decidir é uma ilusão.

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Referências propostas para a análise do caso

BRAGA, M. J.; PEREIRA, J. R.; CANÇADO, A. C., VIEIRA, N. S.; CARVALHO, D. M.; CETTO, V. M.; RIGO, A. S. Tirando a máscara: princípios cooperativistas e autenticidade das cooperativas. Viçosa, UFV, 2002 (Relatório Final de Pesquisa, CNPq).

BRASIL. Lei 5764, de 16 de dezembro de 1971. Dispõe sobre a l e g i s l a ç ã o c o o p e r a t i v i s t a . D i s p o n í v e l e m <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm>. Acesso em 05 out. 2010.

CANÇADO, Airton Cardoso. CANÇADO, Anne Caroline Moura Guimarães. Incubação de cooperativas populares: metodologia dos indicadores de desempenho. 2 Ed. Palmas: Futura, 2009.

______; GONTIJO, M. C. H. Princípios Cooperativistas: origens, evolução e influência na legislação brasileira. In ENCONTRO DE I N V E S T I G A D O R E S L AT I N O - A M E R I C A N O D E COOPERATIVISMO, 3, São Leopoldo, 2004. Anais..., São Leopoldo: UNISINOS, 2004. 1 CD-ROM.

INTERNATIONAL COOPERATIVE ALLIANCE (ICA). Statement a n d t h e c o - o p e r a t i v e i d e n t i t y . D i s p o n í v e l e m <http://www.ica.coop/coop/index.html>. Acesso em 02 Abr. 2010.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 29. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987, 186p.

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Parte 2Questões e ferramentas gerenciais

para sustentabilidade

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ALÉM DAS CONTAS...

A construção do Estudo de Viabilidade Econômica

1Ósia Alexandrina Vasconcelos Duran Passos2Alessandra Bandeira Antunes de Azevedo3Ana Georgina Peixoto Rocha

Introdução

O início de 2009 trouxe muitas mudanças para as mulheres da comunidade do Cajuzinho no Recôncavo da Bahia. Na verdade, não só para elas, mas também para duas professoras universitárias que acompanhavam a comunidade num processo de incubação. Depois de mais uma longa tarde de discussão na igreja da comunidade, Cléia e Joana se despedem acenando as mãos enquanto Rita e Amanda entram no carro.

1Administradora e Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde atua no Curso de Tecnólogo em Gestão de Cooperativas. Gestora do Núcleo de Extensão em Tecnologia da Pró-Reitoria de Extensão da UFRB. Contato: [email protected] pela Universidade Federal da Bahia (1998), Mestre e Doutora em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde coordena o Curso de Tecnólogo em Gestão de Cooperativas. Contato: [email protected] e Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde atua no Curso de Tecnólogo em Gestão de Cooperativas. Gestora do Núcleo de Extensão em Trabalho e Economia Solidária da Pró-Reitoria de Extensão da UFRB. Contato: [email protected].

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Cléia e Joana, fundadoras da MandioCoop, pensam animadas no que ainda há por fazer e nos resultados que o estudo que estão realizando pode trazer para elas. Infelizmente, nem todas do Grupo entendem a importância desse estudo. Elas voltam para casa discutindo o que fazer para motivar as colegas: “Elas já ensinaram a gente a fazer.

Agora, vamos ter que usar isso. O que não pode é voltar para o marasmo de sempre. Cada um tem que fazer sua parte.”

Na estrada de barro que liga o município de São Felipe à Cruz das Almas, as professoras Rita e Amanda pensam no desafio que estão para concluir: a realização de um Estudo de Viabilidade Econômica (EVE). Embora este tenha sido o sexto encontro para discutir o EVE, a sensação não é de conclusão, mas de inacabamento e é sobre isso que elas discutem na estrada:

- A gente já tá no sexto encontro e só fizemos a parte 1 do estudo (Rita)

- É, mas, pelo menos, a gente conseguiu calcular com elas o valor do investimento, os custos fixos e variáveis, a margem de contribuição e o ponto de equilíbrio! (Amanda)

- Tá! E como vão gerir isso tudo? Será que depois de tudo pronto elas não vão guardar e fazer tudo da cabeça delas? Planejar só não dá, tem que colocar em prática... e ainda tem um monte de questões para resolver... Parece que o estudo acabou, mas ele tá só começando... (Rita).

Mulheres do Cajuzinho

A comunidade do Cajuzinho situa-se em São Felipe, pequeno município do Recôncavo baiano, predominantemente rural, com uma população de, aproximadamente, 21 mil habitantes. São Felipe é um município de pequena extensão, com área da unidade territorial de 198 km². A ocupação teve início em 1678, a partir de um sítio nas proximidades do rio Copioba. O

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pequeno povoado foi chamado de São Felipe das Roças, devido à quantidade de lavouras de mandioca, fumo, cana-de-açúcar e cereais, e, posteriormente, São Felipe das Cabeceiras pela proximidade com as cabeceiras do rio Copioba. O município foi criado em 1980 e sua sede foi elevada à categoria de cidade pelo Decreto-Lei Estadual nº 10724, de 30 de março de 1938 (Fonte: IBGE Cidades@).

O Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE) do município em 2006 era 4987,66, ocupando o 204º lugar no ranking dos municípios baianos e o Índice de Desenvolvimento Social (IDS), 5003,99, 158º no ranking estadual (Fonte: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia – SEI).

A comunidade do Cajuzinho está localizada cerca de 18 km de Cruz das Almas. Sua praça central tem algumas árvores, seis bancos, um orelhão, três quitandas, um chafariz, uma unidade do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e a Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Ao todo são 53 casas residenciais, com uma população total de 253 moradores.

No distrito de Cajuzinho, muitas famílias não possuem terra e vivem no vilarejo apenas como um espaço de moradia. Dentre as atividades econômicas do município, destacam-se a produção de álcool, cachaça e fogos de artifícios; dentre as principais culturas, destacam-se: mandioca, aipim, inhame, milho, laranja. Do total de estabelecimentos rurais do município, 93% são considerados familiares, denotando a importância desse segmento na região.

A comunidade de Cajuzinho também está inserida na fabricação ilegal de fogos no estado da Bahia. No final da década de 1990, vários acidentes chamaram a atenção para a fabricação de fogos de forma ilegal. Um episódio em particular teve uma repercussão internacional, dando início ao Movimento 11 de Dezembro em Santo Antônio de Jesus, município vizinho. Os

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acidentes na fabricação dos fogos estimularam a organização das mulheres, principal mão-de-obra nessa atividade, para buscar alternativas de geração de renda e ocupação econômica para a região.

Com a organização social da comunidade, surgiu a Associação de Desenvolvimento Comunitário de Cajuzinho. Através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) foi construída a casa de farinha para a extração de fécula, modelo para processamento de mandioca, tendo como produtos a farinha, o beiju e a tapioca, com o intuito de tirar as mulheres da fabricação de fogos.

Através de parcerias - como Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Sociedade de Estudos dos Ecossistemas e Desenvolvimento Sustentável (SEEDS) e Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) -, o Grupo recebeu diversas capacitações, participando de cursos e realizando visitas técnicas a outras cooperativas e casas de fecularia, constatando que as instalações que possuíam eram inferiores às visitadas, o que era uma pena, pois eles tinham as estruturas e não tinham a matéria-prima, enquanto que a realidade da comunidade do Cajuzinho era o contrário.

O Grupo decidiu parar de trabalhar com fogos e começou a discutir a construção de uma cozinha industrial, especializando-se na produção de beijus nutritivos (de vários sabores) e pratos diversos à base de aipim e mandioca.

A partir de abril de 2008, o Grupo passou a ser acompanhado por uma incubadora universitária de empreendimentos solidários. Nos meses seguintes, foram realizadas oficinas envolvendo vários temas, como economia solidária, gestão e noções de contabilidade.

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Quatro membros da incubadora participaram da Turma X do Curso de Viabilidade Econômica e Gestão Democrática de Empreendimentos Associativos realizado pela Cooperação de Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa (CAPINA) em parceria com a Universidade Católica de Salvador, em Salvador e em Feira de Santana, no período de janeiro a março de 2009, sendo o mês de fevereiro destinado à realização do EVE. A partir da sistematização da metodologia desenvolvida ao longo de mais de 15 anos de assessoria à organizações econômicas populares, a CAPINA tem ministrado esse curso, desde 2003, visando a formação de grupos solidários e pessoas que atuam na assessoria de empreendimentos solidários.

As professoras Rita e Amanda tinham acabado de chegar à universidade para assumir disciplinas do Curso de Graduação Tecnológica em Gestão de Cooperativas e identificaram uma boa oportunidade de se capacitarem para atuar com empreendimentos econômicos solidários. Rita é economista, e pela primeira vez participa de uma atividade de extensão. Embora já tenha utilizado o EVE, nunca o viu ser desenvolvido daquela maneira, em discussão com a comunidade. Amanda é administradora e já atua na incubação de empreendimentos solidários há alguns anos, mas o desenvolvimento do EVE também era um desafio para ela.

Ao participar do Curso, Rita e Amanda deveriam desenvolver um EVE com uma comunidade, sendo escolhida a comunidade do Cajuzinho, que deseja criar a Cooperativa MandioCoop.

O Grupo é constituído por trinta mulheres, com idade entre 24 e 61 anos, em sua maioria, casadas. É interessante que muitas mulheres do Grupo têm relação de parentesco. Seus maridos, em geral, são pequenos agricultores familiares. Quase todas as mulheres do Grupo têm filhos e ajudam a família na lavoura, característica comum na agricultura familiar. A

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maioria estudou até o ensino médio e tem renda familiar até R$ 600,00 (seiscentos reais).

A MandioCoop produz refeições e lanches. Seu diferencial é a utilização do aipim e da mandioca como matéria-prima principal, tendo desenvolvido e aprimorado receitas nos diversos cursos de capacitação dos quais participou. O aipim e a mandioca são produzidos em pequenas propriedades da comunidade e constituem dois dos principais produtos da agricultura da região. Quando a quantidade não é suficiente para suprir a demanda, o Grupo compra nas feiras ou de outros agricultores da região.

Atualmente, os alimentos são produzidos nas próprias casas das mulheres, que se dividem em pequenos grupos para a produção. O Grupo se reúne semanalmente. Algumas pessoas se destacam, conduzindo os encontros e distribuindo as tarefas. Há uma organização interna interessante: em cada reunião, as mulheres fazem uma oração, lêem a ata da reunião anterior e uma mensagem. O trabalho é dividido semanalmente, na medida em que as demandas vão surgindo. Ao final da reunião, sorteiam quem vai ficar com as tarefas rotineiras (ata, mensagem, prece), recolhem doações para a produção do lanche do próximo encontro e fazem degustação de seus produtos.

Os objetivos do Grupo são: a) construir uma cozinha; b) comercializar os produtos à base de aipim, mandioca e inhame; c) ampliar a preparação de lanches para eventos; d) fornecer, através de parceria com a Prefeitura, merenda escolar nas escolas municipais e, posteriormente, expandir para outros municípios.

O Grupo já trabalha sob encomenda atendendo alguns eventos específicos, como o fornecimento de lanches em seminários promovidos pela UFRB e festas na comunidade. O Grupo também fornece beiju em diversos sabores para a delicatessen Parati, estabelecimento que vende produtos diferenciados e um dos mais procurados pelas classes média e

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alta da cidade de Cruz das Almas.

As mulheres comungam um objetivo comum de gerar alternativas de renda e melhorar as condições de vida da comunidade. Essa sinergia contribui para a união e uma organização forte.

Do início do trabalho até o desenvolvimento do EVE, as mulheres sentem que já conquistaram objetivos importantes, como a venda dos produtos em festas e eventos, a realização de visitas a outros grupos produtivos, a confecção do fardamento e reserva financeira para construção da cozinha industrial.

Apesar de formado por mulheres carentes, o Grupo não depende dessa atividade para sua sobrevivência, sendo um complemento de renda. No primeiro momento, decidiram que não haverá retirada; todas as sobras serão investidas na construção da cozinha industrial, o que para elas representa a independência e a possibilidade de alavancar o empreendimento. O Grupo optou por não fazer empréstimo e procura juntar recursos através de rifas, de doações e da própria venda dos produtos.

Desenvolvimento do EVE

Rita e Amanda desenvolveram o Estudo de Viabilidade Econômica (EVE) com o Grupo de Mulheres do Cajuzinho para a formação da MandioCoop a partir da metodologia apresentada pela CAPINA, que propõe a elaboração de algumas perguntas (Anexo 1), organizadas em três blocos temáticos (produção, comercialização e gestão), a partir das quais são conduzidos os encontros quinzenais. Debatendo e refletindo sobre essas questões, as assessoras e a comunidade levantaram os dados necessários para a realização do estudo e também novas questões.

Nos encontros, foi possível observar a liderança de Cléia e Joana e a dificuldade de participação das demais integrantes nas atividades realizadas com as assessoras. Contudo, quando o

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Grupo se dividia em grupos menores para discutir, era possível perceber o envolvimento e o interesse de todas.

O estudo começou a partir da discussão sobre a produção. Foram debatidas questões sobre a infra-estrutura e os investimentos necessários, além do processo produtivo propriamente dito. As primeiras questões trabalhadas por Rita e Amanda foram: “O que vamos produzir? Que quantidade pretendemos produzir? Onde produziremos? Quais são as máquinas e os equipamentos necessários? Quais outros investimentos são necessários?”

O Grupo vislumbra a inserção em três nichos de mercado: merenda escolar (principalmente com o fornecimento de beiju para a escola municipal de São Felipe), feira e eventos em geral, além de cantinas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), através da participação em chamada pública para o campus de Cruz das Almas.

Para realizar o EVE, o Grupo deveria definir alguns produtos. Para isso, foram listados os possíveis produtos a serem produzidos para cada nicho de mercado (Anexo 2). Esse primeiro exercício serviu para o Grupo pensar as possibilidades de produção, considerando a diversidade de alimentos que as mulheres sabem produzir.

O Grupo pretende construir uma cozinha industrial, que considera necessária para sua profissionalização e para atender ao mercado. A cozinha será construída em um espaço vizinho à casa de farinha da comunidade, local onde também será feita a sede do Grupo e uma sala de treinamento. O recurso para aquisição de equipamentos necessários para equipar a cozinha industrial – que representa um investimento no valor de R$13.437,54 - foi obtido através de um projeto submetido pela incubadora a uma instituição financiadora.

Além do investimento, o Grupo precisa de fundos para pagar a depreciação e a manutenção desses equipamentos. Esses

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tens foram previstos da composição dos custos fixos, que considerou ainda a energia, a remuneração e o transporte, sendo estimado em R$ 672,64.

A organização da produção vai além de listar os equipamentos; significa, na verdade, pensar em todo o processo produtivo e no seu funcionamento, o que foi discutido em várias reuniões. Depois de determinar o valor do investimento e dos custos fixos, o Grupo precisava calcular a matéria-prima necessária para a produção.

A partir de alguns produtos listados, o Grupo teve que elaborar as receitas, já que a maioria das mulheres não tinha o hábito de anotar os tipos de ingredientes utilizados e a sua quantidade. As receitas foram testadas para definir os ingredientes necessários para sua elaboração, a quantidade e o custo por receita. Um grande desafio nesta etapa foi estabelecer as medidas e a lógica de medição para padronizar as receitas produzidas por cada cozinheira. Essa prática foi um importante exercício não apenas para a definição dos custos, mas, também, para a padronização dos produtos em vários aspectos (quantidade, apresentação, qualidade etc.). Ao final dos encontros, as receitas eram degustadas por todos, sendo escolhidos, assim, quatro produtos para a realização do EVE: brigadeiro de aipim, pudim de aipim, lasanha de aipim e suco de frutas com aipim. A partir de suas receitas foi possível calcular o custo variável.

A construção do EVE, com base nesses quatro produtos, evidentemente não representava a realidade do empreendimento, já que as mulheres devem atuar em nichos diferentes de mercado, com uma diversificação bem maior dos produtos. Contudo, essa foi a forma de exemplificar a construção do EVE, que funcionou como um exercício de aprendizado para o conjunto das mulheres e para as assessoras.

A partir do cálculo do custo variável e do custo fixo foi

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calculado o ponto de equilíbrio, ou seja, a quantidade mínima que precisa ser produzida e vendida para que o empreendimento consiga pagar todos os seus custos.

Inicialmente, o ponto de equilíbrio foi calculado para cada produto individualmente. Assim, se forem produzidos somente brigadeiro, por exemplo, será preciso vender, pelo menos, 765 brigadeiros por mês para não ter prejuízo. Também foi calculado o valor da receita no ponto de equilíbrio para cada produto. Se o grupo vender apenas brigadeiro, precisará ter uma receita de R$764,36 por mês para cobrir os custos fixos enquanto que se vender unicamente lasanha, a receita mensal do ponto de equilíbrio deverá ser de R$1.458,74.

Tabela 1: Ponto de Equilíbrio

Essa visão do comportamento de cada produto, embora importante, não permitia uma análise do empreendimento. Era preciso pensar no conjunto dos produtos que estão sendo considerados no EVE. Para descobrir o ponto de equilíbrio, foi preciso combinar as margens de contribuição desses quatro produtos.

Cada perfil de vendas tem um ponto de equilíbrio diferente e também revela um possível cenário de produção. O último exercício do Grupo foi construir esse cenário. Assim, considerando também as condições de produção do Grupo, foi decidido que seriam vendidos mensalmente 300 brigadeiros, 240 pudins, 200 lasanhas e 480 sucos. Com essa combinação de

Ponto de equilíbrio Brigadeiro Pudim Lasanha Suco

Preço de vendaMargem de contribuição

Ponto de equilíbrio

Receita no ponto deequilíbrio (R$/mês)

R$ 1,00

R$ 0,00

764,36 un

R$ 764,36

R$ 1,50

R$ 1,00

672,64 un

R$ 1.008,96

R$ 9,00

R$ 4,15

162,08 un

R$ 1.458,74

R$ 1,00

R$ 0,63

1.067,68 un

R$ 1.067,68

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Fonte: elaboração própria.

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venda, a soma das margens de contribuição de cada produto atinge R$1.636,40/mês, quantia superior ao valor dos custos fixos.

Próximos passos

O cálculo de investimento, depreciação, custos e ponto de equilíbrio levou mais tempo que o previsto. Rita e Amanda deveriam apresentar o estudo para a CAPINA antes da conclusão do curso. Até lá, elas teriam somente dois encontros com a comunidade e precisavam ainda discutir dois blocos: comercialização e gestão.

- A gente tem que discutir ainda essas questões: Onde e como os produtos seriam comercializados? Qual o perfil do consumidor? Quem são os concorrentes? Qual é o preço do produto no mercado? Como divulgar o produto? Precisamos de uma marca? Diz Amanda: para que produzir se não pensar em pra quem vender e como vender?

Por outro lado, Rita está preocupada com a gestão do estudo:

- E como vai ser a divisão do trabalho, a remuneração, as implicações, compromissos e responsabilidades de cada um dos envolvidos para com o empreendimento, o controle de estoque e financeiro, a prestação de contas, o processo decisório e a distribuição dos resultados? Ainda falta muita coisa!

Essas questões devem ser amadurecidas e esclarecidas no regimento interno, ainda em construção.

Rita se preocupa com os registros financeiros de compra, venda e produção. Embora exista o hábito do registro, a forma ainda é bastante precária sem a utilização de instrumentos mais adequados e sob o controle de Cléia. Os registros ficam com

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ela, que presta contas mensalmente dos gastos e das receitas.

Outra questão é a necessidade de melhorar a estrutura de produção. O Grupo vê a construção da cozinha industrial como fundamental para isso, mas as assessoras acham que devem alertar que a questão não é só estrutura, mas também organização.

Amanda identificou alguns gargalos na fabricação do beiju, que, além de tornar o processo lento, estão prejudicando a saúde devido às dores no corpo após o trabalho. O processo precisa ser revisto para pensar possíveis alterações, seja através da introdução de novas máquinas ou da reorganização do processo produtivo visando à eliminação dos gargalos e, conseqüentemente, à melhoria das condições de trabalho.

Certezas e dúvidas ficam dos dois lados. Tanto para o Grupo quanto para as assessoras a ferramenta do EVE é reconhecida como um instrumento de planejamento e democratizador da desafiante arte de gerir um negócio autogestionário.

A construção do EVE foi um processo de aprendizado para o Grupo e para as assessoras. Foi um período bastante fértil para o amadurecimento das mulheres em relação ao planejamento das suas atividades e à consciência da necessidade de quantificar o processo de produção para que o preço justo seja encontrado possibilitando a consolidação da Cooperativa. Contudo, questões ficam em aberto. Agora, Amanda e Rita precisam pensar nas questões a serem debatidas nos próximos encontros antes de concluir o EVE.

Enquanto isso, Joana vai até a casa de Cléia para ajudar a preparar os brigadeiros de aipim encomendados para a festa de aniversário de uma criança da comunidade. Enquanto cozinham, elas conversam sobre alguns desafios que esperam enfrentar.

- Daqui há três semanas a gente vai ter acabado isso, mas eu acho que seria bom se a gente continuasse fazendo a mesma coisa: medindo tudo direitinho, anotando o que foi gasto, o que foi vendido, fazendo

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aquelas contas. Sem isso, daqui a pouco tá cada uma fazendo de um jeito, sem falar que os preços vão aumentar e aí a gente vai ter que calcular de novo mesmo, né? (Joana)

- É... calcular todo mundo já sabe... vamos ver se todo mundo vai usar isso quando o negócio tiver andando. A gente tem que aprender a pensar essas coisas e discutir ao mesmo tempo que faz as encomendas. É aquele negócio de que a gente é trabalhador e dono ao mesmo tempo (Cléia)

Para participar da chamada pública para explorar as cantinas da UFRB, o Grupo deverá trabalhar em parceria com outro grupo de uma comunidade vizinha. Esse desafio exigirá a prática do trabalho em rede, além de implicar em um cuidado maior com a padronização e a homogeneização dos produtos.

Com essas questões e expectativas, as assessoras e a comunidade preparam-se para a conclusão do estudo.

Questões para discussão do caso

1. Como desenvolver o EVE com uma cooperativa? Quais os maiores desafios a ser enfrentados?

2. Que questões as assessoras deveriam priorizar nos próximos encontros com a comunidade?

3. Que dimensões da gestão podem ser trabalhadas através da construção coletiva do EVE?

4. Que práticas podem ser implantadas para que o EVE seja um instrumento de gestão do empreendimento?

5. Que contribuições o EVE pode trazer para a sustentabilidade de um EES?

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NOTAS DE ENSINO

Resumo do caso

Este caso tem como foco o Estudo de Viabilidade Econômica (EVE) realizado entre janeiro e março de 2009 por membros de uma incubadora universitária com o Grupo de Mulheres do Cajuzinho, que discute a implantação de uma cooperativa de produção no município de São Felipe, no Recôncavo Baiano. O EVE foi construído com 30 (trinta) mulheres, durante 8 (oito) encontros quinzenais realizados na igreja da comunidade do Cajuzinho. O EVE da MandioCoop foi baseado na metodologia apresentada no Curso de Viabilidade Econômica e Gestão Democrática de Empreendimentos Associativos.

Fonte de dados

Os dados apresentados no caso são reais, bem como seus personagens (assessoras e lideranças), cujos nomes foram preservados. Os diálogos são fictícios, elaborados a partir do registro das atividades desenvolvidas na comunidade e de depoimento oral das assessoras, que participaram da redação do caso. O nome da comunidade foi alterado, mas seu contexto e características foram mantidos.

Objetivos

O caso pode ser utilizado em cursos de graduação ou pós-graduação, em disciplinas relacionadas a áreas funcionais da administração, como produção, finanças e marketing. O professor pode usar o caso em sala de aula, organizando a turma em pequenos grupos para, após leitura e discussão, responder as questões propostas. Em seguida, os grupos podem apresentar os principais pontos da discussão para que o professor sistematize, acrescentando alguns elementos que não forem considerados

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pelos grupos.

As reflexões e discussões giram em torno da metodologia do EVE, os desafios da sua elaboração e a identificação dos aspectos que tornam a construção coletiva dessa ferramenta de planejamento e gestão de empreendimentos econômicos solidários. A depender do contexto de ensino, o professor pode focar em alguma área específica da gestão.

Além dessa aplicação, recomenda-se a utilização do caso em atividades de formação de equipes de incubadoras universitárias e equipes de projetos de extensão universitária que visam à geração de renda.

Alternativas para a análise do caso

Os relatos das assessoras e dos membros da Cooperativa expressam que o EVE é um importante instrumento de gestão para um empreendimento autogestionário. A construção coletiva do EVE pode abarcar questões relativas à infra-estrutura, investimentos, processo produtivo, comercialização, processo decisório, distribuição de resultados e autonomia institucional na relação com os parceiros.

Segundo Costa (2009), o Estudo de Viabilidade Econômica, da forma como é realizada pelos empresários, analisa um empreendimento econômico e avalia, a priori, as condições que precisam ser atendidas para que seu funcionamento obtenha lucro. É um planejamento das atividades, permitindo visualizar a atividade, antecipadamente, em todos os seus aspectos. Nos empreendimentos associativos, muitas vezes não é feito esse planejamento. No caso particular, essa foi uma das maiores dificuldades enfrentadas; cada mulher trabalha em sua casa, sem uma visão macro do processo. Tem-se como exemplo a produção, que não seguia um padrão de receitas e medidas, o que demandou um tempo razoável da preparação do estudo.

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Além da sua importância para a organização prévia das atividades, o estudo, como ressalta Kraychete (2009), é uma construção coletiva de conhecimentos, com a participação efetiva dos integrantes do grupo que, em conjunto com os assessores, refletem sobre a sustentabil idade do empreendimento. Não se constitui, portanto, em um trabalho meramente técnico, devendo levar em consideração o contexto cultural e a lógica peculiar de funcionamento dos empreendimentos populares. Isso se traduz em um desafio comum enfrentado no trabalho extensionista: o diálogo e o tempo. Questões, conceitos e cálculos deveriam ser apresentados em uma linguagem e contextualização que fizesse sentido para a comunidade. Além disso, havia uma limitação do tempo de execução da atividade (como sempre há, qualquer que seja o projeto) que não se adequava necessariamente ao tempo demandado pela comunidade.

Segundo Kraychete (2009, p. 12), o estudo de viabilidade de um empreendimento associativo:

Tem por substrato a reprodução de uma determinada relação social de produção, marcada pela propriedade coletiva dos meios de produção, pela condição de não mercadoria da força de trabalho e pela apropriação dos resultados do trabalho pelos trabalhadores associados conforme as regras por eles definidas. Esta forma social de produção gera e necessita mecanismos democráticos de controle de gestão.

O estudo de viabilidade, conforme menciona Kraychete (2009), é muito mais do que uma ferramenta econômica de planejamento de um negócio, é a oportunidade que o empreendimento tem de aprender em conjunto se apropriando de questões de gestão e produção contribuindo para o fortalecimento da gestão democrática. Além das questões internas, é possível também refletir e planejar relações com a

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comunidade, com o mercado, com instituições de fomento e outros. “O estudo não se restringe, portanto, aos aspectos estritamente econômicos. Entendido desta forma, o estudo de viabilidade não é uma questão técnica, mas essencialmente educativa e política” (KRAYCHETE, 2009, p. 15). Assim, mais que completar o EVE, aquele que conduz o processo deve estar atento à apreensão do seu sentido, à apropriação dos conceitos e à significativa aprendizagem. É possível identificar que, de forma crescente, os empreendimentos assessorados por distintas instituições vêm utilizando o estudo de viabilidade econômica como um instrumento que contribui para a sustentabilidade e o fortalecimento da gestão do negócio dos grupos associativos. Nesse sentido, os gestores que pretendem atuar neste campo devem estar preparados para utilizar essa ferramenta de modo a refletir sobre os aspectos da gestão e da sustentabilidade do projeto, que vão muito além do cálculo do ponto de equilíbrio.

Ao mapear a Economia Solidária, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) identificou que a principal dificuldade enfrentada pelos EESs é a comercialização. Ela tem sido um desafio por diversos motivos, dentre os quais a escala de produção, dificuldades de logística e falta de planejamento de marketing. Os empreendimentos urbanos, na maioria das vezes, têm nas feiras de economia solidária a forma de escoar seus produtos, já os empreendimentos rurais encontram nos atravessadores seu maior mercado. Segundo a CAPINA (s/n, p. 32), os produtores se dedicam mais a produção do que as vendas; estas, em sua maioria, ocorrem de maneira individual, ocasionando ganhos limitados devido ao desconhecimento sobre os preços do produto no mercado e à quantidade produzida, que é pequena e não oferece condições para vender diretamente aos grandes distribuidores.

Atualmente já existem várias associações e organizações de pequenos agricultores que buscam, através das vendas conjuntas, evitar a ação dos atravessadores. Contudo, não basta

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juntar as produções e buscar mercado; é preciso realizar um estudo de viabilidade econômica que possibilite um adequado planejamento do trabalho e contribua para a construção de relações de trabalho diferenciadas, sem precarização. Esse tem sido outro grande desafio da economia solidária para o qual os futuros gestores devem estar preparados.

Referências recomendadas para análise do caso

ATLAS da Economia Solidária no Brasil 2005. Brasília: MTE/SENAES, 2006. 60 p.

COSTA, Ricardo. Procedimentos necessários ao estudo de viabilidade de empreendimentos associativos. . In: CAPINA. Viabilidade econômica e gestão democrática de empreendimentos associativos. Capina: Rio de Janeiro, 2009. (apostila do Curso de Viabilidade Econômica e Gestão Democrática).

KRAYCHETE, Gabriel. Sustentabilidade e viabilidade de empreendimentos associativos: aspectos a serem considerados. In: CAPINA. Viabilidade econômica e gestão democrática de empreendimentos associativos. Capina: Rio de Janeiro, 2009. (apostila do Curso de Viabilidade Econômica e Gestão Democrática).

KRAYCHETE, Gabriel; AGUIAR, Kátia (Orgs.). Economia dos setores populares: sustentabilidade e estratégias de formação. São Leopoldo: Oikos, 2007.

MOURA, Maria Suzana; MEIRA, Ludmila. Desafios da gestão de empreendimentos Solidários. Revista Bahia Análise & Dados, Salvador, v. 12, n. 1, p. 77-84, jun. 2002.

______ et alli. A análise da gestão de empreendimentos solidários. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE PODER LOCAL, 10., 2006, Salvador. Anais..., Salvador, 2006. 1 CD-ROM.

TAUILE, José Ricardo; DEBACO, Eduardo Scotti. Autogestão no Brasil: a viabilidade econômica de empresas geridas por trabalhadores. Disponível em: <www.ecosol.org.br/Textos>. Acesso em: 10/08/02.

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Anexo 1: Questões utilizadas para o desenvolvimento do EVE da MandioCoop

1 Produção

ØO que vamos produzir? Que quantidade pretendemos produzir? Onde produziremos? Vai ser preciso alugar galpão, sala etc.? Quais são as máquinas e os equipamentos que precisamos comprar? Qual o preço dessas máquinas e equipamentos? Quais outros investimentos são necessários? Qual a vida útil e o valor residual dos investimentos realizados?

ØQue matéria-prima iremos precisar para produzir cada produto? Quanto custa? Em que quantidade? Que tipo de energia vai ser utilizada?

2 Gestão

ØComo será a divisão do trabalho? Todas irão cozinhar e vender? Vamos ter que fazer algum empréstimo? Caso afirmativo, qual será o valor? Qual o valor dos juros? Qual o prazo de pagamento? Quem vai participar do projeto? Participam sócios e não sócios? Em que condições? Quantas pessoas do grupo têm experiência sobre a atividade a ser desenvolvida? Qua i s a s impl icações , compromissos e responsabilidades do empreendimento para cada um dos envolvidos? A matéria-prima vai ser fornecida pelos próprios sócios? Como será o pagamento: somente após o beneficiamento e a venda do produto final, ou antecipadamente?

ØQue anotações e registros físicos (controle de estoque) e financeiros (compras, produção, vendas) são necessários? Como serão feitas estas anotações? Quem vai ser o responsável pelas anotações? Como será realizada a prestação de contas aos associados?

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Quanto o grupo estima gastar por mês? Despesas de telefone?

ØComo serão tomadas as decisões? Como vai ser dividida a renda gerada? Será totalmente distribuída entre os sócios? Parte será destinada a formação de algum fundo? Com que objetivo?

ØVamos precisar de alguma assessoria? Quem pode nos ajudar? Qual a expectativa do grupo em relação aos assessores? Qual o papel que o assessor deve desempenhar?

3 Comercialização

ØComo vamos vender? Onde vamos vender os produtos? Quais os possíveis canais de comercialização e as condições do Grupo para atingir esse mercado? Quais são os preços atuais de um produto semelhante ao nosso nas praças em que pretendemos vendê-lo? Qual será o nosso preço de venda (com base nos preços praticados no mercado)? O que precisamos melhorar no padrão de comercialização dos produtos para atender ao mercado?

Anexo 2: Lista de produtos produzidos pelo Grupo de Mulheres do Cajuzinho por segmento

Fonte: Trabalho de campo

Cantina Merenda escolar Feira

AlmoçoEscondidinhoLasanha de aipimAipim fritoSaladasPurê de aipim

BoloSorveteSucosPudim de tapioca

Merenda

JantarSopa

Escondidinho

Caldo de aipim

Mingau

Cuscuz

BolosBeiju coloridoBeiju recheadoMingauSucoCuscuzSorvete de aipimCaldo de aipimBolacha de goma

FarinhaTapiocaGoma frescaGoma secaMassa aipimMassa carimãBeiju

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Anexo 3 – Notícia publicada no Portal InfoSaj em 21/10/2010

CINCO PESSOAS SÃO CONDENADAS POR EXPLOSÃO DE FÁBRICA DE FOGOS EM SANTO ANTONIO DE JESUS

A Justiça condenou, no final da noite de quarta-feira, 20, cinco dos envolvidos na explosão de uma fábrica clandestina de fogos de artifício que matou 64 pessoas em Santo Antônio de Jesus, em 1998. O julgamento que aconteceu durante todo o dia na 2ª Vara do Tribunal do Júri, no Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, teve o seu resultado após as 23 horas.

O dono da fábrica, Osvaldo Prazeres Bastos, recebeu pena menor, de 9 anos, por ter mais de 70 anos. Os outros quatro condenados são os filhos dele Mário Fróes Prazeres Bastos, Ana Cláudia Almeida Reis Bastos, Helenice Fróes Bastos Lyrio e Adriana Fróes Bastos de Cerqueira, que pegaram pena de dez anos e 6 meses. Foram absolvidos outros três réus: Berenice Prazeres Bastos da Silva, também da família, e os ex-funcionários Elísio de Santana Brito e Raimundo da Conceição Alves.

“Estou satisfeita porque antes de morrer vi ele (sic), que dizia que a justiça não acontece para quem tem dinheiro, sentar-se no banco dos réus. Outras mães morreram antes, mas depois de 11 anos e 10 meses estou aqui”, disse a vice-presidente do Movimento 11 de Dezembro, Maria Balbina dos Santos. Vestidos com camisas pretas com os dizeres “Justiça já”, parentes das vítimas acompanharam o julgamento. “Ele”, a quem Balbina se refere, é Osvaldo Prazeres Bastos, conhecido como “Vardo dos Fogos”, dono da fábrica.

Julgamento - No início do julgamento, “Vardo dos Fogos” teve uma crise de choro, queda de pressão arterial e foi amparado por uma enfermeira. “Ele teve um princípio de infarto há cerca de 60 dias”, disse o filho Gilson Bastos. Ele informou

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que Osvaldo, que tem 72 anos e é diabético, foi internado no Hospital Santa Izabel.

Para defender o pai, Mário Fróes, que é réu primário, disse ser o responsável pela fábrica. Ao depor, negou que trabalhavam crianças no local e disse que cerca de 17 dias antes da explosão militares iscalizaram a fábrica e elogiaram a estrutura e organização do local. “Quando ia fiscalização, eles mandavam a gente correr”, disse uma das sobreviventes, Maria Joelma Santos, que trabalhou dos 12 aos 18 anos na fábrica dos Bastos.

Ela guarda no corpo e na alma lembranças da explosão. “Fico assustada quando tem fogos de artifício”, disse ela, que teve queimaduras de terceiro grau no braço, costas, perna, cabeça e rosto.

O julgamento começou por volta das 9h desta quarta-feira, com atraso de 1h. Além de Osvaldo, seus familiares Mário Fróes Prazeres Bastos, Ana Cláudia Almeida Reis Bastos, Helenice Fróes Bastos Lírio, Adriana Froés Bastos de Cerqueira, Berenice Prazeres Bastos da Silva, Elísio de Santana Brito e Raimundo da Conceição Alves, todos ligados à fábrica. O júri foi realizado sob o comando do juiz Moacyr Pitta Lima, da 2ª Vara Crime.

Três testemunhas de acusação, entre elas a funcionária da fábrica Maria Joelma, que sobreviveu ao acidente mas perdeu uma irmã na explosão, foram ouvidas pelo juiz. Além delas, testemunhas de defesa e os réus também prestaram seus depoimentos.

O julgamento, que foi transferido de Santo Antônio de Jesus para Salvador em 2009, foi acompanhado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que denunciou o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos devido à morosidade para julgar o caso. Por conta disso, um representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República esteve presente no Fórum.

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Caso - O acidente aconteceu na manhã do dia 11 de dezembro de 1998. A explosão, que matou 64 pessoas, entre elas duas crianças, aconteceu no galpão da fábrica clandestina, que possuía mais de 1.500 kg de fogos. Cinco pessoas sobreviveram à explosão com ferimentos graves.

De acordo com Iraci da Silva, de 53 anos, que perdeu a filha Ana Claudia da Silva na explosão, muitas crianças trabalhavam com fogos de artifício na época do acidente em Santo Antônio de Jesus. "Minha filha trabalhava com fogos desde os 7 anos, na época do acidente ela tinha 21. Lá em Santo Antônio era normal ver crianças trabalhando com fogos. Depois do acidente, começou a diminuir", afirma.

Cinco pessoas são condenadas por explosão de fábrica de fogos em Santo Antônio de Jesus. Portal InfoSaj, Santo Antônio de Jesus, 21 out. 2010. Disponível em:

<http://www.infosaj.com.br/ver/noticia/cinco_pessoas_sao_condenadas_por_explosao_de_fabrica_de_fogos_em_santo_antonio_de_jesus.html>. Acesso em: 21 out. 2010.

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COOAPAZ e COOPEC

Cooperar para competir

1Lúcia de Fátima Lúcio Gomes Costa2Denise Cássia Silva

Indo ao caso

Alianças estratégicas, janelas de mercado, exportação em larga escala são temáticas que até bem pouco tempo não pertenciam à realidade de cooperativas de produtores rurais. A COOPEC e a COOAPAZ são duas Cooperativas de produtores Rurais que dão bom exemplo de que cooperação e profissionalização das equipes garante condições competitivas de negociação no mercado.

A COOAPAZ é uma Cooperativa que surgiu com a iniciativa de produtores rurais oriundos de movimentos sociais que buscavam junto à tônica da reforma agrária, condições para desenvolver a produção agrícola e dela retirar o seu sustento. Diante de muitas adversidades sociais e políticas, o grupo decidiu se unir para adquirir uma fazenda no Município de Maxaranguape. Essa fazenda, que outrora era utilizada como veículo de compensação da bolsa de carbono de uma empresa Alemã, passava a ser vista por esse grupo como uma alternativa produtiva para dar início às atividades. Através de recursos

1 Mestre em Administração - UFRN graduada em Comércio Exterior-IFRN. Professora do IFRN campus João Câmara no curso Técnico em Cooperativismo2 Mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local-UFRPE graduada em Gestão de Cooperativas - UFV. Professora do IFRN campus João Câmara, Coordenadora do Curso Técnico em Cooperativismo.

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subsidiados pelo crédito fundiário, cerca de 90 produtores compraram a fazenda, e a partir de então passaram a produzir suas culturas na forma jurídica de associação. As culturas mais cultivadas a princípio eram o abacaxi, o mamão, a melancia e algumas raízes e legumes para a subsistência. O início da comercialização, notadamente voltada para o mercado local, demandava que em função do volume produzido dos produtores e exigências dos compradores, tivesse que se organizar por meio de outra forma jurídica. Assim, por questões legais e tributárias e principalmente devido à necessidade de emissão de notas fiscais, foi instituída a COOAPAZ – Cooperativa de Produtores Agrícolas da Fazenda PAZ.

A COOPEC – Cooperativa de Produtores Agrícolas de Canudos teve uma história também parecida com a Cooapaz, surgiu a partir de movimentos sociais, no entanto, a terra concedida a Coopec se deu através de doação de terras pelo INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. A Coopec também iniciou sua produção para subsistência com a cultura do melão, abacaxi, de raízes e leguminosas, que mais tarde passaram a ser comercializadas nos municípios circunvizinhos.

Localização e aspectos econômicos

O Território do Mato Grande, onde estão localizadas as duas cooperativas é uma das áreas mais subdesenvolvidas do Estado Rio Grande do Norte. Além desses aspectos o Cooperativismo no estado, seguindo a tônica da Região Nordeste não era historicamente visto como uma alternativa de diferencial competitivo, haja vista a dificuldade cultural de se implantar e desenvolver de forma sustentável iniciativas passadas.

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O Município de Maxaranguape, pertencente ao Território do Mato Grande, onde estão localizadas as cooperativas em estudo, possui uma população total residente de 9.227 habitantes, sendo cerca de 62% residente na área rural (IBGE, 2010), o que leva a crer , que as atividades relacionadas com o campo tem maior preponderância em relação ao que é desenvolvido na região. De uma forma geral as principais atividades econômicas do município são: agropecuária, pesca e comércio.

Ceará-mirim, cidade limítrofe pertencente a Região Metropolitana de Natal, por estar tão próximo a capital possui um fluxo de recursos e de pessoas mais intenso, que acaba por influenciar de certa maneira as relações comerciais em Maxaranguape. Trata-se de um pequeno município, cuja população urbana no ano 2000 era de 30.725 habitantes e outros 31.513 habitantes da zona rural. O município tem como base econômica a produção e processamento da cana-de-açúcar, constituindo-se essa atividade na principal fonte geradora de emprego e renda para população urbana e, principalmente, rural.

É nesse cenário de um mercado produtor primário voltado principalmente para atividades do campo que as Cooperativas Cooapaz e Coopec desenvolvem suas atividades na fruticultura buscando desenvolver estratégias competitivas.

E s t r u t u r a o r g a n i z a c i o n a l e a s p e c t o s d e competitividade produtiva das cooperativas

A Cooapaz conta com a participação de noventa cooperados que participam da produção dos produtos agrícolas. Cada cooperado define por afinidade de produção em que cultura deseja trabalhar. Dessa forma, a receita auferida em todas as culturas é somada e após a dedução dos custos é feita a divisão das sobras por igual para todos os cooperados. A prerrogativa de os cooperados definirem em que cultura desejam trabalhar, orienta os trabalhos laborais para maior produtividade e satisfação dos

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cooperados, independente das particularidades do processo produtivo. Assim, além das motivações pecuniárias referentes à produção, o cooperado apresenta ainda motivações relacionadas com os seus conhecimentos na lavoura, permitindo que seu processo produtivo seja mais eficiente.

Existe uma área coletiva na Fazenda Paz destinada à cultura de subsistência, na qual são produzidas leguminosas, verduras e raízes. Esses hectares são de comum utilização e podem produzir qualquer tipo de cultura. Isso faz com que além do aspecto financeiro o cooperado se sinta motivado a produzir para retirar seu sustento diretamente da terra. Essa mesma metodologia também é utilizada na Cooperativa de Canudos, em que área coletiva é chamada de quintal produtivo.

Além dos aspectos de produção de frutas essas cooperativas iniciaram um processo de melhor aproveitamento da área rural, desenvolvendo culturas de curta duração para a regeneração dos nutrientes do solo. Isso faz com que através da produção de culturas “precoces” as cooperativas possam comercializar de forma mais rápida e garantir que o solo não perderá seus nutrientes, ficando salvaguardado de pragas e doenças oportunistas. Além disso, é realizado o rodízio de culturas perenes, comumente o abacaxi permuta com o mamão e banana. Dessa maneira as cooperativas conseguem fazer com que as frutas de carros-chefe possam ser utilizadas na permuta de solo.

A pulverização do tipo de fruto produzido também é um aspecto a ser ressaltado em termos tecnológicos dessas cooperativas. O girassol e mamona são duas culturas que estão sendo exploradas de forma mais intensa segundo as necessidades de exploração do bio- combustível. A Coopec atualmente tem em suas instalações uma máquina de beneficiamento para extração do óleo de girassol cedida pela Petrobrás que faz a compra de toda a produção da cooperativa. Através desse equipamento a Cooapaz também tem feito o processo de beneficiamento e comercialização dos seus grãos.

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Além disso, a Coopec faz a utilização do seu parque produtivo através da criação de tilápia em tanques. O projeto da Cooperativa é ir além da produção e comercialização do peixe, mas irá realizar o beneficiamento do filé de peixe e utilizará o couro na produção de artesanato e acessórios. As mulheres dos cooperados participaram desse processo produtivo e da distribuição desse artesanato em couro de pescado, embora já produzam artesanatos, como almofadas e bolsas, com a casca da banana.

Percebe-se que as cooperativas têm desenvolvido eficiência operacional tanto no manejo das culturas como nas estratégias da diversificação dos tipos de produtos. Para Porter (1989) o desenvolvimento de eficiência operacional é condição necessária para o desenvolvimento da eficiência estratégica, porém não é condição suficiente. O autor defende que as organizações, para atingir aspectos de vantagem competitiva, precisam ultrapassar a barreira da eficiência operacional. Dessa forma, pode-se perceber que o aprimoramento dos processos - produtivo e operacional - da Cooapaz e da Coopec corrobora para o amadurecimento das estratégias de comercialização dessas organizações.

Estratégias competitivas de cooperação

A profissionalização dos cooperados tem sido um tema bastante explorado nessas cooperativas. Como exemplo disso, a diretoria da Cooapaz, tem desenvolvido uma política de meritocracia para o desempenho das funções administrativas, a diretoria eleita conta com o apoio técnico de profissionais nas áreas financeiras e comerciais. O objetivo, no entanto, é desenvolver formas de capacitação dos cooperados para que possam desempenhar as funções administrativas de forma adequada. Contratam ainda profissionais para prestar assistência técnica aos cooperados como engenheiros agrônomos, técnicos

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agropecuários e atualmente possuem uma assistente social, que desenvolve um projeto de melhoria da qualidade de vida aos cooperados, como a proposta de criar uma escola na comunidade e um posto de saúde, ambos os projetos ainda estão na fase de construção.

As Cooperativas Cooapaz e Coopec realizam parte da comercialização dos produtos em conjunto e costumam emprestar maquinários entre si. Além do mercado local essas organizações estão conquistando espaço no cenário nacional. Grandes redes de supermercados do Estado como a Nordestão e do cenário nacional têm comprado os produtos dessas cooperativas, por elas garantirem a produção perene em grandes quantidades. Isso só é possível porque as duas cooperativas decidiram produzir juntas em períodos distintos aproveitando as estratégias de janelas de mercado. Ou seja, há uma permuta produtiva entre as duas cooperativas para que elas possam fornecer produtos o ano inteiro.

O mercado internacional hoje detém 60% da produção dessas cooperativas e 40% é destinado ao mercado interno, o que demonstra que essas cooperativas buscam equilíbrio na distribuição de seus produtos, não ficando suscetível a crises de nenhum desses mercados. Outro aspecto importante a ser observado é que além de buscar desenvolver a eficiência operacional, para Minervini (2001) a manutenção do equilibro faz com que as organizações possam desenvolver planos de contingência em relação a condições adversas ou crises em um desses mercados.

Atualmente a Cooapaz exporta com regularidade para União Européia para Portugal e Espanha, utilizando a marca da Coopec. Segundo o diretor comercial uma das barreiras para abrir espaços dos negócios em outros países desse continente é o idioma. Outro aspecto importante são as barreiras fitossanitárias que estão diretamente ligadas ao grande número de certificações

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necessárias a exportação, não só ao que diz respeito ao produto, mas também a embalagem e ao transporte. A logística é uma questão de fundamental importância para exportação de frutas tropicais que são produtos de alto nível de perecividade. Para Prividelli (1998) e Root (1994) aspectos jurídicos (e fitossanitários), logísticos, culturais (idioma) são fatores de entradas no mercado internacional que precede qualquer iniciativa para clientes externos. Nesse sentido, percebe-se que o desenvolvimento dessas competências empresariais das Cooperativas está sendo realizado de forma simultânea aos negócios internacionais o que poderá fragilizar o planejamento estratégico, tático e operacional das empresas.

Considerações

O aprimoramento das técnicas operacionais aliadas ao foco de profissionalização, que tem sido dado nessas cooperativas, permite que em um horizonte breve as estratégias comerciais se tornem mais eficientes. Ainda assim, perceber-se que em aspectos de planejamento, sobretudo em relação ao mercado internacional, as cooperativas precisam desenvolver rotinas mais elaboradas. Isso, no entanto não diminui o mérito de estarem desenvolvendo técnicas produtivas diferenciadas com apoio tecnológico e inovação bem como metodologias sofisticadas da administração corporativa. O que se observa é que, resguardadas as devidas condições legais, as cooperativas estão desenvolvendo estratégias ligadas ao mundo corporativo, de forma a desenvolver competitividade beneficiando o crescimento do grupo. Isso, no entanto, demanda algumas adequações voltadas, notadamente, para o planejamento operacional, que já é realizado, sendo prosseguido pelo planejamento tático que apresenta boas iniciativas em termos comerciais e por fim o planejamento estratégico que demanda um amadurecimento maior em termos de eficiência nos níveis de planejamento anteriores.

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Questões sugeridas para discussão em aula

1. Quais os princípios cooperativistas presentes no caso da COOAPAZ e COOPEC, e como eles influenciam no fortalecimento da aliança estratégica?

2. Quais seriam as tendências das cooperativas para viabilizar a sua inserção numa economia globalizada?

Referências utilizadas para a elaboração do caso

DEL GROSSI, M. E; GRAZIANO DA SILVA, José. As Dinâmicas geradoras do Novo Rural. IN:_________.O Novo Rural: uma abordagem Ilustrada. Londrina: Instituto Agronômico do Paraná, 2002.

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário. Sistema de Informações Territoriais. Disponível em: <http://sit.mda.gov.br>. Acesso em: 13 de out. de 2010.

MINERVINI, Nicola. O Exportador. São Paulo: Makron Books, 2001.

OCB - ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS. P r i n c í p i o s d o c o o p e r a t i v i s m o . D i s p o n í v e l e m : <http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/principios.asp>. Acessado em: 10 mar. de 2010.PORTER, Michel E. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

PREVIDELLI. J.J. Estratégias condicionantes da internacionalização de empresas no Mercosul. Enanpad, 1998.

YIN, R. K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.

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NOTAS DE ENSINO

Resumo do caso

O presente caso visa apresentar as estratégias utilizadas pelas Cooperativas COOAPAZ e COOPEC para desenvolver a produção e comercialização das frutas tropicais através do trabalho dos cooperados aliados aos mecanismos de alianças estratégicas. Podem ser considerados dois princípios do cooperativismo nesse processo, a Intercooperação e a Educação, Formação e Informação. Para tanto, se fez necessário analisar os níveis de eficiência operacional produtivos das organizações comparados aos níveis de eficiência estratégica. Nesse sentido, foram utilizados autores como Porter (1989) Minervini (2001) Prividelli (1998), dentre outros. Sob a metodologia de análise de conteúdo (BARDIN, 2001) através de um estudo de caso múltiplo (YIN, 2001) de caráter descritivo qualitativo, pode-se perceber que as Cooperativas em estudo apresentam um grau de maturidade operacional bastante desenvolvido, haja vista o nível de comercialização regional, nacional e internacional que vem desenvolvendo. No entanto, aspectos como planejamento tático e estratégico precisam ser aprimorados. Diante disso, entendem-se que o estudo se justifica pela riqueza de informações que podem ser desenvolvidas através de fenômenos organizacionais modernos como as alianças estratégicas e a importância do fortalecimento de princípios do cooperativismo como a intercooperação.

Fonte de dados

A decisão por estudar esses fenômenos administrativos na COOAPAZ e na COOPEC se deu em função das pesquisadoras terem livre acesso as organizações e realizarem aulas de campo com os alunos do curso Técnico em Cooperativismo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do

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Norte. Além disso, as cooperativas em estudo são casos reconhecidos como bem sucedidos entre Cooperativas, além de estarem localizadas paradoxalmente em um território pouco desenvolvido do Rio Grande do Norte.

Foi realizado um estudo de caso múltiplo com essas duas cooperativas (YIN, 2001) permitindo realizar um comparativo sobre suas iniciativas isoladas e em conjunto. Para tanto, foi utilizada a metodologia de “Análise de Conteúdo”, que permitiu que o volume substancial de informações geradas pela pesquisa fosse organizado de forma compreensível. Esta técnica é considerada útil para tratamento de dados e visa identificar o que está sendo dito a respeito de determinado tema (BARDIN, 2006).

Objetivos de aprendizagem

Os Casos das cooperativas podem ser utilizados em disciplinas de Filosofia do Cooperativismo e Administração de Empresas Cooperativas, de cursos técnicos, graduação ou em programas de pós - stricto ou latu sensu, durante módulos que enfoquem a discussão dos temas: pensamento estratégico, legislação cooperativista e administração de cooperativas.

Através da discussão dos casos, o aluno deverá ser capaz de analisar a importância dos princípios cooperativos, o desenvolvimento de aliança estratégica e a profissionalização da gestão cooperativa como tendência do século XXI. Ao final de debate o aluno deverá ser capaz de perceber que os temas abordados estão interligados.

Alternativas para análise do caso

O instrutor poderá utilizar tanto o caso para reflexões individuais dos alunos ou estimular uma parte da discussão em plenário e dividir a turma em subgrupos de acordo com o tamanho da turma. Após o debate em subgrupo e o registro das respostas, pode ser realizado um debate entre os grupos

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envolvendo toda a turma.

Análise do caso

Devemos ressaltar que apresentamos uma forma de analisar o caso a partir das teorias sugeridas, por isso faz-se necessário que os alunos tenham tido contato com a teoria referente ao estudo para que possam debater as questões propostas.

Em relação à primeira questão, deve-se considerar que as cooperativas constituem organizações de pessoas autônomas e voluntárias, que juntas se uniram para compartilhar riscos e benefícios de uma atividade econômica, e segue valores, ou seja, normas, princípios ou padrões sociais aceitos ou mantidos por indivíduos, classes e sociedade. As cooperativas devem conduzir suas atividades baseadas nos sete princípios do cooperativismo determinados pela ACI - Aliança Cooperativista Internacional, e reformulados em 1995, são eles: Adesão Voluntária e Livre, Gestão Democrática, Participação Econômica dos Membros, Autonomia e Independência, Educação, Formação e Informação, Intercooperação e Interesse pela Comunidade. Entretanto para o caso em análise podemos destacar três princípios evidentes. O primeiro princípio, que revela também uma das tendências do cooperativismo relacionado à profissionalização da gestão, é o incentivo pelas cooperativas a Educação, Formação e Informação que consiste em:

As cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos e dos trabalhadores, de forma que estes possam contribuir, eficazmente, para o desenvolvimento das suas cooperativas. Informam o público em geral, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação (OCB, 2010).

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Ambas cooperativas buscam desenvolver formas de capacitação dos cooperados para que possa desempenhar as funções administrativas de forma adequada, como pagamento de curso a cooperados que são auxiliares administrativos, financiamento de auto-escola para cooperados que pretendem ser motoristas da cooperativa, além de prestar devida assistência técnica nas atividades produtivas. Apesar de cada cooperado ter o direito de escolher em que atividade trabalhar conforme sua afinidade, não necessariamente precisa trabalhar nas atividades agrícolas, mas em outras atividades como não-agrícolas, ainda que seja uma cooperativa agropecuária, revelando a diversificação de atividades como estratégia de sobrevivência, sobretudo dos pequenos produtores, constituindo famílias pluriativas atuantes nesse espaço da cooperativa.

Pluriatividade: combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas no interior da família extensa. Pode ainda ser pluriatividade a combinação de atividade agrícola no próprio negócio com outra atividade agrícola como assalariado em outros locais (DEL GROSSI E SILVA, 2002, p 46).

Outro princípio presente, que parece fortalecer o modelo de aliança estratégica é a intercooperação: “As cooperativas servem de forma eficaz os seus membros e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais” (OCB, 2010).

No caso das duas cooperativas a principal prática se dá com relação aos produtos agrícolas, como o mamão para exportação para a Europa e, ainda, conforme depoimento do tesoureiro da Coopec, sempre nos projetos é combinado pedir maquinários diferentes para que possam trocar quando necessário. As cooperativas estão inserindo nesse processo de comercialização conjunta uma parceria com outra cooperativa produtora de abacaxi, localizada em Pureza, ainda no Território

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do Mato Grande.

Por fim podemos observar que há o fortalecimento de outro princípio: o da Autonomia e Independência:

As cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Se firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou recorrerem a capital externo, devem fazê-lo em condições que assegurem o controle democrático pelos seus membros e mantenham a autonomia da cooperativa (OCB, 2010)

Em relação à segunda pergunta: Quais seriam as tendências das cooperativas para viabilizar a sua inserção numa economia globalizada?

As cooperativas carregam no seu cerne o paradoxo da viabilidade econômica e social, que se intensifica com a globalização da economia, levando-as a adotar uma série de estratégias associativas e novas tendências .

Em algumas literaturas como a de Pires (2004) parece revelar esse paradoxo, ou seja, ao mesmo tempo em que competitividade do mercado exige modelo empresarial competitivo, diluir os valores e princípios do cooperativismo impondo valores de mercado: eficiência gerencial e administrativa e racionalidade; torna-se necessária adoção de práticas mais democráticas e solidárias como forma de fazer frente aos efeitos nefastos da globalização para preservação dos valores éticos e morais do cooperativismo.

Além dos aspectos embrionários e as dificuldades socioeconômicas, essas duas cooperativas apresentam aspectos de competitividades e de profissionalismo das equipes produtoras voltadas para perspectivas estratégicas. Literaturas como de Valadares (2003) e Neto (2004) sinalizam tendências para o cooperativismo, assunto de discussão no Seminário de Tendências do Cooperativismo Contemporâneo, os quais

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podemos observar nas duas cooperativas: a Gestão especializada e profissional como base de eficiência econômica e geração de renda para a cooperativa, com o objetivo de capacitar a todos os recursos humanos do nível estratégico até o nível operacional para otimizar a administração da cooperativa. A Intercooperação que no caso das cooperativas em análise sinaliza o crescimento do cooperativismo na região do Mato Grande, bem como exemplo de seu sucesso. Esta tendência possibilita a multiplicação da cooperação em nível interorganizacional, o que permite o estabelecimento de um cooperativismo forte, eficiente economicamente e pronto para as adversidades do mercado.

Referências Recomendadas

PIRES, M.L.L.S. O cooperativismo Agrícola em questão. Recife: Massangana Editora/FUNDAJ, 2004, p. 103-123.

PETER, Lorange; JOHAN, Ross. Alianças estratégicas: formação, implementação e evolução. Atlas, 1997

VALADARES, J.H. Cooperativismo. Lições para a nossa prática. Brasília, SESCOOP, 2003.

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Parte 3Questões de participação, políticas públicas

e de educação para o cooperativismo.

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TODOS JUNTOS PODEM MAIS?

Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE

1Eduardo Vivian da Cunha2Maria Laís dos Santos Leite 3Sílvia Roberta Oliveira e Silva 4Danilo Ivo Feitosa

A expectativa naquele momento era grande. Todos pareciam estar do seu lado: prefeitura, universidade, o governo federal... A associação estava formada, e tinha até um galpão para trabalhar. Não tinha como não dar certo. Entretanto, as coisas não estavam andando como deveriam: o “material” era pouco, o dinheiro não entrava e o tal projeto não saía... O pessoal estava começando a ficar desmotivado, e Raimundo começava a ver aquilo que ele (e que todos os outros) tinha receio: a volta para o lixão começou a se tornar um fato. Algo precisava ser feito...

1 Professor Assistente da Universidade Federal do Ceará (UFC), campus Cariri. Graduado em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde realiza atualmente seu doutorado. Atua com os temas de economia solidária, incubação, redes, desenvolvimento local e sustentabilidade. Atualmente é coordenador da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares da UFC (ITEPS).

2 Bolsista da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS). Coordenação do Comitê-Pró Fórum de Economia Solidária do Cariri. Graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará - Campus Cariri.

3 Economista pela Universidade Regional do Cariri (URCA), especialista em Desenvolvimento Regional pela mesma universidade. Participa das atividades da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares da Universidade Federal do Ceará, Campus Cariri (ITEPS) desde 2009.

4 Bolsista da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS). Coordenação do Comitê-Pró Fórum de Economia Solidária do Cariri. Graduando em Administração na Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri.

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Antecedentes e formação da Associação

Podemos começar a contar os primeiros fatos desta história a partir da noite do dia 09 de outubro de 2007. Neste dia, foram convidados os catadores de recicláveis que trabalhavam no lixão municipal e nas ruas do município de Barbalha, Ceará, para participar de uma importante reunião, na sede do CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) desta mesma cidade. Eram quinze os catadores presentes, junto com representantes do Conselho Tutelar, da Vigilância Sanitária e do próprio CRAS. Aquele era o dia em que seria fundada a Associação dos Catadores de Recicláveis do Município. Todos que ali estavam queriam ajudar e os catadores foram convidados a falar das dificuldades existentes na sua profissão, para que esta ajuda pudesse ser dada. Foi então que a turma desfiou seu rosário, já que não faltavam problemas: tinham uma dura jornada de trabalho, que enfrentavam no lixão pelas condições precárias, sofriam uma discriminação de parte da população, e os resíduos que chegavam para separação no lixão eram cheios de dejetos e materiais “pouco aproveitáveis”.

Nesta reunião foram todos incentivados pelo representante do Conselho Tutelar a criar uma associação de catadores de recicláveis, já que esta seria a forma mais eficiente para lutar pelos direitos da classe e mobilizar a sociedade para a compreensão da importância da reciclagem nos dias de hoje. João, do Conselho Tutelar, explicou então os procedimentos para criar uma associação, e os direitos e deveres que teriam os associados. Foram eleitos, então, por aclamação, uma diretoria e um conselho, ficando combinado que eles permaneceriam nos cargos por seis meses, podendo ser reeleitos. Neste momento, o presidente seria Antônio e o primeiro secretário Cícero. O próximo passo seria então fazer a discussão do Estatuto da Associação, e uma próxima reunião já estava marcada.

No dia 31 de outubro de 2007 todos se reuniram

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novamente, só que desta vez estavam presentes 13 associados e os representantes do CRAS e Conselho Tutelar. Veio uma sugestão pronta de estatuto, para ser lida e aprovada por todos os presentes. A representante do CRAS fez a leitura para que todos soubessem do que se tratava, explicando que após isto, ele deveria ser analisado e aprovado. Os catadores assim o fizeram, aprovando-o por unanimidade. Depois disto, combinou-se que seria elaborado o regimento interno na próxima reunião, e que os representantes da prefeitura também iriam apoiar esta elaboração. Nesta próxima reunião também aconteceria a posse da diretoria. Também a partir deste dia, o secretario começaria, ele próprio, a escrever as atas da associação.

Então, no dia 01 de dezembro de 2007 houve a posse da diretoria e do conselho fiscal. Esta foi uma reunião em que estavam presentes muitos apoiadores. Além dos catadores estavam ali representantes do PETI- Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, da Secretaria de Obras, Ação Social, da União das Associações de Barbalha (UNAB), da Associação do Bairro, do Conselho Tutelar, e um radialista do município. O Presidente da UNAB comentou que a associação teria de enfrentar muitas dificuldades, mas que teria forças para seguir, pois podia contar com muito apoio, o que mostrava que a associação já nascia forte. Além disto, tinha a demanda de material reciclável no município e a garantia da sua venda. Com isto, o secretario de ação social se comprometeu a fazer contatos com outros grupos com mais experiência e a promover oficinas de capacitação e que, nestes momentos iria ser disponibilizada assistência alimentícia para as famílias dos associados e transporte quando necessário. Depois de a diretoria e o conselho ser apresentado, Antônio falou um pouco e, emocionado, disse que seu objetivo era lutar pelo desenvolvimento da associação, tendo como meta a fiscalização e a colaboração na limpeza.

Depois de uma longa espera, em que continuavam a

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trabalhar de forma habitual no lixão, os catadores foram chamados para uma nova reunião, que ocorreu no dia 08 de fevereiro de 2009, também na sede do CRAS, no segundo mês de vigência de mandato do novo governo municipal de Barbalha. Vinte sócios se fizeram presentes, além de representantes do CRAS, para tratar dos assuntos da associação. Se discutiu nesta data os problemas dos dejetos dos hospitais e matadouros, que eram lançados no lixão e que dificultam a coleta dos recicláveis. As providências seriam tomadas junto aos órgãos competentes, como a vigilância sanitária. Além disto, foi falado da importância do trabalho em grupo, do cumprimento dos horários, da responsabilidade no que se refere ao não-consumo de álcool e drogas, responsabilidades de cada um, fiscalização para não haver desvio de materiais e da importância dos equipamentos de proteção. Foi feita ainda uma reflexão sobre o trabalho dos catadores, visto como difícil, mas digno. Neste dia ficou acertado que a mensalidade dos associados deveria ser de R$ 25,00.

No dia 12 de abril foi realizada outra reunião, convocada por representantes da prefeitura, para discutir a questão dos equipamentos de proteção individual (EPIs). Estavam presentes 22 catadores e representantes do CRAS. Neste dia foi exposta a pesquisa de preço que foi realizada pela prefeitura sobre os equipamentos de proteção individual, compostos por calças, blusas, botas, luvas e máscaras. Entretanto, a primeira compra iria atender principalmente os fiscais que trabalhavam no caminhão de coleta da cidade.

Passados quase dois anos da fundação da associação, chegara, então, o momento da renovação da sua diretoria. Assim, os catadores se reuniram no dia 27 de junho de 2009. Eles estavam “em peso” nesta reunião, em número de 26, estando acompanhados ainda de servidores do município. Nesta ocasião foi eleita a nova diretoria e o novo conselho fiscal, tendo Raimundo assumido a presidência, e Cícero permanecido na secretaria. Neste dia quem lavra a ata é Fernanda, da prefeitura, já

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que os catadores ainda não tinham tomando conta totalmente desta função. Ela fala da importância da diretoria enquanto representação de seus associados e da sua obrigação de ser protagonista de sua própria história.

Esta renovação coincidiu com o início de um novo momento da associação. Eles recebiam um galpão, um caminhão e obrigações redobradas; com isto, deveriam ajudar a administrar, em conjunto com a prefeitura, o processo de coleta seletiva do município de Barbalha. Além disto, recebiam uma notícia extremamente motivadora: tinha sido aprovado o projeto, elaborado e encaminhado à Funasa, órgão do Ministério da Saúde, e que iria permitir a compra de todos os equipamentos do galpão, além de um caminhão próprio, na busca da estruturação das suas atividades. A empolgação de todos com as novas possibilidades, inclusive de Raimundo e Cícero era muito grande.

O Desenvolvimento da Associação e os Dilemas da Mudança

O desafio estava dado. Agora cabia a Raimundo e todos os demais pensar de que maneira o trabalho poderia ser organizado. O material reciclável seria recebido dentro do galpão e os catadores fariam a sua separação ali dentro, e o produto seria vendido para os interessados. Assim, todos foram chamados para o trabalho dentro do galpão.

Foi então que começaram a aparecer as dificuldades de organizações coletivas. Nem todos os catadores queriam ficar dentro do galpão, pois ganhavam muito menos ali do que trabalhando no lixão, cerca de três vezes menos.

Na reunião do dia 09 de dezembro de 2009 foi que os catadores presentes (em número de 10) puderam explicar sua situação. O problema era que faltava um caminhão que ficasse só à disposição da associação, pois o caminhão cedido pela prefeitura ficava na Secretaria de Infra-estrutura, e só podia ser

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utilizado quando autorizado pelo órgão. Além disto, as pessoas nas casas não estavam colocando o lixo para coleta seletiva, e o material que vinha era quase só das empresas da região, e que o caminhão buscava sempre que solicitado.

Os representantes da prefeitura, por sua vez, comentaram que os catadores não estavam participando dos cursos oferecidos, os quais eles mesmos tinham definido o dia e o horário. Além disto, defendiam que faltava planejamento da associação sobre as rotas e horários do caminhão, o que dificultava o processo da coleta seletiva. Eles perguntavam: como seria a situação se o aluguel do galpão, a água, a luz e o aluguel do caminhão estivessem sendo pagos pela associação?

No final, a prefeitura, através da sua Secretaria de Meio Ambiente, se comprometeu em acelerar o processo de divulgação da coleta, e queria contar com a participação dos catadores na atividade; além disto, ela iria organizar a coleta seletiva dentro dos órgãos municipais. Neste momento a universidade (representada pela Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários, da Universidade Federal do Ceará – ITEPS/UFC), que se fazia presente pela primeira vez para acompanhar o processo, se dispôs a apoiar esta proposta de divulgação.

Por causa destas dificuldades, começava a se espalhar uma certa desconfiança por entre os catadores e a motivação, que inicialmente era grande parecia estar diminuindo... Para ajudar, o dinheiro do projeto, já tão falado e aprovado fazia cerca de três meses, não saía.

Mas o trabalho de organização da associação continuava. Foram estipuladas regras em outras reuniões, como o horário de trabalho dos catadores no galpão, a própria periodicidade das reuniões, que seriam quinzenais e o novo valor da mensalidade, que passou a ser R$10,00, devendo ser pago até o dia 05 do mês seguinte. A prestação de contas ocorreria rmensalmente.

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Além disto, os associados que não comparecessem às mobilizações e reuniões da associação teriam seus nomes retirados do cadastro e substituídos por novos membros, exceto por questão de doença.

O envolvimento mais direto da universidade começou, então, mais ou menos neste período, embora ela já tivesse participado da elaboração do projeto para instalação da usina de triagem, tendo feito alguns contatos rápidos com a associação. A sua presença parecia um bom sinal, o de que o projeto da usina estava por sair.

No início, a universidade participou de reuniões junto com a prefeitura, depois começou a marcar diretamente seus encontros com os catadores. Logo percebeu-se que o projeto não tinha mesmo saído ainda, mas a incubadora estava ali para ajudar os catadores. Os estudantes e professores que vinham diziam que mesmo sem o projeto, poderia se iniciar um trabalho de preparar o grupo para receber os recursos, através da sua organização, da capacitação e do aproveitamento do que já existia.

Aos poucos a confiança aumentou, já que a universidade começou a ir com uma certa freqüência ao encontro dos catadores e todas as condições estavam sendo dadas pela prefeitura. Foi feita uma pesquisa para conhecer os catadores e conhecer a associação, conforme informava a universidade, além do perfil e o destino do lixo do município. Foram aplicados questionários em todos os catadores e visitada a empresa responsável pelo processo de recolhimento do lixo municipal. Os associados começaram a se organizar e a se reunir também com mais freqüência na sede da associação. A partir do chamamento da Secretaria do Meio Ambiente, alguns catadores começaram a realizar o trabalho conjunto de conscientização da população e a recolher o material em alguns bairros, utilizando da melhor maneira possível o caminhão disponível. Eles estavam orgulhosos de sua própria evolução. A grande maioria já havia deixado o lixão.

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Mesmo com este trabalho em andamento, alguns ainda permaneciam no lixão para assegurar a renda dos demais associados, já que lá eles ainda ganhavam mais. Mas isto seria só uma situação provisória, até que o recurso prometido saísse, já que a proposta dada pela secretaria de ação social era que todos ganhariam um subsídio quando estivessem fora do lixão e o projeto aprovado pela Funasa entrasse em ação.

O impasse

Contudo, apesar de toda divulgação realizada, o volume de materiais recicláveis do galpão não aumentava... Isto porque o caminhão nunca estava realmente disponível e porque as pessoas não separavam o seu lixo doméstico. Os catadores eram frequentemente hostilizados pela população, especialmente quando eles se colocavam em campanha visitando suas residências.

Com isto, os catadores começavam a ter a impressão de que estavam sozinhos na campanha ambiental, pois além de fazer a maior parte do trabalho de divulgação, não conseguiam o apoio efetivo para implantação do processo de coleta. Suas sugestões eram frequentemente ignoradas pela prefeitura, mesmo quando eles se dispunham à ação.

Eles ainda tinham algumas dúvidas em relação ao projeto. A sua entrega oficial fora feita em cerimônia pública por duas vezes, mas o recurso efetivamente não saía. Eles ainda não entendiam o destino dos recursos e se estes seriam gerenciados pela associação. Para descontentamento dos catadores, este dinheiro, ao invés de vir direto para a associação viria para a prefeitura, e não continha nenhuma parcela a ser embolsada diretamente pelos catadores.

Os meses foram passando e esta situação começou a se tornar insustentável. Como o projeto não saía e o volume de materiais recicláveis não crescia, a divisão dos trabalhadores

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entre o lixão e o galpão provocou uma diminuição na renda de todos, o que resultou em um descontentamento geral. Os que permaneciam no galpão estavam se sentindo frustrados por não conseguir viabilizar a associação, e viam que seus esforços não tinham resultados. Por sua vez, os que continuavam no lixão assistiam a sua renda diminuir sem nenhum tipo de melhoria na sua condição. Com o tempo, nem mesmo os estímulos de Raimundo, a chamar constantemente a atenção de todos para não haver dispersão e desânimo, estavam mais surtindo efeito.

A urgência da situação levou à tomada de algumas medidas. O caminhão de coleta de resíduos sólidos foi disponibilizado uma vez por semana para que os catadores realizassem sua coleta. Entretanto, eles é quem deveriam organizar seu funcionamento. Além disto, uma cesta básica foi prometida e dada pela prefeitura para cada catador que permanecesse na associação e realizasse o trabalho da campanha ambiental.

Nenhuma destas alternativas parecia surtir o efeito esperado. O caminhão disponível não fez aumentar o volume de resíduos no galpão, pois não havia uma separação do lixo pela população. Também a sua disponibilidade não significou que a coleta estava organizada. Além disto, o pequeno número de associados no galpão não conseguia mantê-la funcionando, dando conta, ao mesmo tempo, da coleta e da separação dos resíduos. Por fim, a cesta básica doada não conseguia mais motivar os catadores, pois representava apenas uma pequena parte do que eles poderiam ganhar em comparação com seu trabalho no lixão.

Parece que o processo de desmotivação estava atingindo um ponto sem volta. Quase todos retornam para o lixão, e as reuniões entre os catadores e destes com seus apoiadores praticamente não aconteciam mais. Raimundo e Cícero são os últimos a desistir. Seguem, sozinhos, ainda lutando, tentando

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realizar a campanha ambiental e organizar a coleta seletiva. Entretanto não conseguem seguir adiante por ter diante de si uma tarefa que parece ser maior do que suas forças.

Eles ainda pedem um último socorro à universidade e à prefeitura. Estes resolvem, então, procurar os catadores dentro do próprio lixão. Ali, os catadores dizem que não é mais possível voltar para a associação, pois precisam sobreviver. Comentam que, no fundo, ninguém quer viver naquelas condições, trabalhando no lixão, mas afirmam que na associação não dava mais para ficar, já que a única garantia que estava lhes sendo dada era uma cesta básica, insuficiente para uma família. Nem mesmo a ameaça de fechamento do lixão, ou a perspectiva do projeto no médio prazo motivava-os mais a tentar novamente organizar a associação.

Assim, o quadro da coleta seletiva do município fica paralisada, num impasse. A universidade se retira do processo, devido a esta situação mas principalmente devido ao fato de não poder manter uma equipe trabalhando no projeto (estudantes, técnicos, etc...), já que o recurso do projeto elaborado, que eles também contavam, não estava ainda disponível. A prefeitura também fica paralisada diante da situação, pois também se sente com poucos instrumentos para agir diante dela...

Questões para discussão do caso em sala de aula

1) Que fatores levaram a associação de catadores à desmobilização? Que ações foram feitas pelos atores (especialmente os apoiadores) para contribuir neste processo?

2) Em que medida você atribui ao contexto dos catadores esta desar t iculação? Você considera es te resul tado (desmobilização) como o mais provável em se considerando este público?

3) Que elementos de política pública são identificados neste caso? Na sua opinião, o que faltou implantar para que ela

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obtivesse êxito?

4) Como você avalia a participação da universidade neste processo? Em que sua atuação poderia ter avançado para contribuir na implantação exitosa da associação?

5) Imaginando-se na posição do gestor público ou social neste processo, como você agiria nos encontros com os catadores, especialmente nos momentos mais críticos (especialmente os últimos apontados)? Como você diferenciaria a sua atuação enquanto gestor público e enquanto gestor social?

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NOTAS DE ENSINO

Resumo do caso

O presente trabalho aborda a constituição da associação de catadores do município de Barbalha/CE, abrangendo uma janela histórica que vai desde a sua formação até a sua desmobilização, culminando na situação problema prevista. Serão colocados os papéis e as ações cumpridas pelos atores envolvidos, como a prefeitura local, que estimulou a criação da associação e que estabeleceu uma relação específica com os catadores, e a universidade, que se aproximou para realizar um acompanhamento do processo e, especialmente, apoiar a elaboração e a execução de um projeto de implantação da usina de triagem. É evidenciado também o processo de articulação dos catadores e os seus dramas e dilemas vividos na transição lixão-associação, promovida (ou provocada) por este movimento, bem como a transição inversa (associação-lixão), provocada pelas dificuldades encontradas. Subsidiam a discussão dados sobre os catadores, obtidos por questionários individuais e entrevistas, bem como informações sobre as condições dadas pela política pública local. O ponto chave a ser discutido é a adequação da política pública adotada, no sentido de se apontar quais as suas falhas, o que deixou de ser feito e o que deveria ter sido feito, já que o processo culminou na desmobilização da referida associação. O presente caso pode ajudar na formação de gestores públicos e sociais, no sentido de se pensar as dificuldades para elaboração e execução de uma política pública de coleta seletiva, como esta, mas também no sentido de se pensar, de forma ampliada, processos de definição de políticas participativas. Enquanto gestores sociais, o intuito é problematizar as dificuldades dadas pelo processo de intervenção direta em ações ligadas à economia solidária, especialmente quando se trata de

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grupos com alto nível de precarização como é o caso do apresentado neste trabalho.

Fontes dos Dados

Os dados foram coletados por meio de pesquisa com os catadores; entrevistas abertas com os catadores e integrantes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente; reuniões com os catadores e representantes da prefeitura; relatórios técnicos da atividade de incubação e documentos da associação de catadores.

Objetivos de aprendizagem

?Refletir sobre a elaboração e a execução de políticas públicas e suas implicações sobre o seu público-alvo, especialmente no contexto da coleta seletiva e das associações de catadores;

?Refletir sobre as metodologias e processos de incubação em economia solidária;

?Problematizar a questão da solução de conflitos e problemas no campo da gestão pública e social;

?Promover uma reflexão sobre o papel do gestor público e do gestor social em contextos de precarização.

Alternativas para a análise do caso

?Considerar o contexto político da ação (motivações políticas, cenário, etc...);

?Considerar o contexto de precarização das condições de vida do catador;

?As políticas públicas de coleta seletiva envolvendo associações de catadores são sempre delicadas. As prefeituras podem atuar desde as contratando como um prestador de serviço (remunerando-o como se faz a uma empresa de coleta de lixo, por exemplo), até considerando que o mercado a irá remunerar por meio da compra dos seus resíduos separados;

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?Neste caso, poderia ser pensado um estímulo mais significativo aos catadores, por um período temporário, até a consolidação da associação (volume de recolhimento e de separação do lixo adequados); mesmo assim, a primeira alternativa da questão anterior poderia ser adotada;

?Dada a inexperiência da associação, o poder público municipal poderia tomar para si todo o processo de divulgação (mesmo que possa envolver os associados) e de organização da coleta seletiva, com a utilização do caminhão;

?A incubadora universitária poderia atuar como um catalizador do processo, desde que dadas as condições para afirmação da associação. A elaboração do projeto da usina de triagem poderia ter sido melhor apropriada pelos catadores se houvesse contado com uma maior participação sua no processo de elaboração.

Referência recomendada para análise do caso

SILVA, S. R. Et alli. Descentralizando a Incubação de Empreendimentos de Economia Solidária: A Experiência de Incubação do Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE. IV Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social. Lavras, Anais... Lavras, 2010.

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MOBILIZAÇÃO ASSOCIATIVA

Uma parceria entre universidade e comunidade local para a sobreposição de barreiras sociais

1Marco Aurélio Marques Ferreira2Doraliza Auxiliadora Abranches Monteiro

1 Professor Adjunto da UFV. Possui graduação em Administração (Habilitação em Administração de Cooperativas) e Doutorado em Economia Aplicada. Editor da revista Administração Pública e Gestão Social (APGS). Tem uma série de publicações em cooperativismo, inclusive, sua dissertação e sua tese de doutoramento. Lidera o grupo de pesquisa em Administração Pública e Gestão Social, e coordena Projetos sociais de Extensão Universitária em comunidades locais. Contato: [email protected] Professora da UNIPAC – VRB. Possui Graduação em Gestão de Cooperativas (UFV) e Mestrado em Administração (UFV). É membro do grupo de pesquisa Administração Pública e Gestão Social e da Rede de Pesquisadores em Gestão Social (RGS). Contato: [email protected].

Dois mundos, uma fronteira

“Quando meus tios vinham me visitar era fantástico. Era uma oportunidade única de sair do morro onde morávamos e, principalmente, de passear de carro. Descíamos a ladeira, desviando dos buracos e das pedras soltas pelo caminho, com maior cuidado para não atropelar os indivíduos que insistiam em andar no meio da rua. Apenas uma década depois notei que não havia passeio no morro. Descia com o rosto colado na janela do carro, escaneando o cenário. Não entendia porque meu tio, que não morava ali, insistia em cumprimentar cada elemento que cruzava por nós, alguns bem na frente do carro. De certa forma, o imitava, pois me sentia “importante” com aquele ato de estender a mão e dizer “oi”. Aliás, era mesmo para me sentir importante, poucos moleques do morro tinham a chance de passear de carro e tomar sorvete uma vez por ano com os familiares. Enquanto descia o morro notava a mudança de cenário, das casas de telhado de cumbuca, das cercas de bambu como

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O texto acima descreve a narrativa de uma criança e ilustra, com propriedade, a fronteira entre comunidade local e universidade, presente em muitas cidades brasileiras, ao passo que chama atenção para a deficiência de interação entre os atores sociais, no processo de promoção do desenvolvimento local.

a minha, para as fachadas pintadas e, finalmente, os lindos telhados de “colonial” e muros de concreto com “pregos e cacos de vidro”, apenas vistos na parte baixa da cidade. Nunca entendi qual que era a dos “pregos”. Pois os “cacos de vidro” eram para brilhar com o sol. Passávamos pela avenida principal, e descíamos a ladeira que separara os dois mundos. Era fantástico! Perguntava para o meu tio. Tamos chegando? Chegando onde?, dizia ele. Na cidade, contextualizava. Ele ria e respondia, estamos chegando na Universidade, não saímos da cidade, se referindo a Universidade Federal de Viçosa, o único ponto turístico da cidade de Viçosa-MG, creio que até hoje. Na época não entendia, para mim aquilo era outra cidade. Perfeito demais para fazer parte do resto que conhecia. Era como um parque cheio de construções fascinantes, linha de trem, lagoa com peixes e casas coloniais. Tinha quatro imponentes pilastras na entrada e as mais lindas árvores que já tinha visto. Como não poderia deixar de notar, tinha passeios pintados. No morro, era tudo diferente, quando pintavam o “meio-fio” era “copa do mundo” ou “procissão do Bom Jesus”. Bem no fim daquela cidade tinha um lindo bosque chamado “recanto das cigarras”, nosso destino final. Descíamos correndo do carro, eu e minha prima, para disputar a única gangorra na árvore. Ali brincávamos, fazíamos piquenique e ao fim da tarde, era hora de voltar para minha cidade. Digo: subir o morro. Não era o mesmo entusiasmo, mas me sentia feliz, apenas por ter ido à cidade. Quando chegava em casa, abraçava minha mãe e dizia: queria morar lá. Lá onde?, perguntava minha mãe. Lá na cidade. Não é cidade, é universidade, dizia ela. De qualquer forma, um dia, quem sabe. E assim, cresci, imaginando que o morro e a universidade eram dois mundos diferentes.

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O presente caso descreve uma experiência de cooperação entre comunidade local e universidade e toma como referência a etapa em que ocorre a organização das atividades associativas, tratadas pelos autores como fase de sensibilização ou de mobilização para atividades associativas e visa ilustrar as práticas de intervenção em cenários de risco social. O caso chama atenção também para os aspectos de formulação de planejamento estratégico participativo no processo de intervenção para a constituição de associações e, principalmente, cooperativas.

Por intermédio dessa experiência os autores estimulam, também, a reflexão em torno da importância da integração entre universidade e comunidade local e do envolvimento das lideranças comunitárias na manutenção das atividades associativas que concorram para o desenvolvimento municipal.

O objeto de estudo deriva-se de um projeto realizado em duas comunidades urbanas populares de Minas Gerais, que possuíam proposta de organização e desenvolvimento local, baseada na orientação para a integração econômica de famílias de baixa renda, visando combater o nível de pobreza dessa população e promover experiências compartilhadas de inclusão social somadas ao estímulo às atividades produtivas e de qualificação profissional.

O público participante das ações foi composto por pessoas sem ou de baixa qualificação técnico-profissional, inseridas no programa de transferência de renda titulado Programa de Garantia de Renda Míninima (PGRM). O PGRM é um programa de transferência de renda iniciado, pelo poder executivo local, em comunidades rurais de Viçosa-MG como medida de alívio a pobreza e melhoria das condições de vida.

A proposta do projeto contextualizado partiu da interface de atores sociais com objetivos complementares, sendo eles: duas comunidades locais de Viçosa e a Universidade Federal de Viçosa (UFV). Cabe destacar que cada um teve sua função delineada a

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partir de seu papel social e sua contribuição efetiva para o desenvolvimento das comunidades atendidas, conforme descritas no Quadro 1.

Quadro 1: Função dos atores sociais do projeto

Fonte: Elaborado pelos autores

O problema central discorrido no caso refere-se a duas questões fundamentais, comuns as atividades associativas estimuladas via intervenção social em comunidades de risco: É possível desenvolver ações produtivas a partir da experiência das comunidades beneficiárias em condições de baixa qualificação profissional? É possível criar um sistema de responsabilidade capaz de envolver a comunidade e garantir a sustentabilidade das ações de cooperação?

Contexto social do projeto

As duas comunidades tinham grande concentração de famílias beneficiárias do PGRM, entretanto, experiências práticas têm demonstrado a limitação dos programas de transferência de renda na sobreposição das mazelas sociais, quando desarticulados de outras políticas emancipadoras. Soma-se ao fato de os programas de transferência, em geral, não incluírem todas as famílias cadastradas, estabelecendo suas linhas de prioridade.

As comunidades eram dotadas de práticas sociais em

Exortação e incentivo a participação nas Atividades de geração de trabalho e renda e mobilização para manutenção do projeto.

Participação de recursos humanos qualificados na capacitação e treinamento em atividades de geração de trabalho e renda com o fornecimento de bolsas e incentivo ao trabalho voluntário.

Função

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torno de ações religiosas e conglomerados voltados a troca de experiências artesanais, com forte assimetria feminina.

Com o crescimento da área de Ciências Humanas e intensificação das práticas de extensão vivenciadas pela Universidade Federal de Viçosa no decorrer dos anos de 2000, alguns cursos, especialmente, os cursos de Economia Doméstica, Gestão de Cooperativas e Administração, foram desenvolvendo atividades nas comunidades de Viçosa, visando melhorias na qualidade de vida e aproximação entre universidade e cidade para o desenvolvimento local. Ao longo desses trabalhos, os extensionistas notaram a grande motivação para o desenvolvimento de práticas associativas.

À época um grupo de pesquisadores sociais da Universidade se reuniu com as lideranças locais para discutir a possibilidade de desenvolver atividades de sinergia produtiva, no intuito de constituir alguma organização social capaz de maximizar o esforço coletivo, tomando como referência a existência do contexto satisfatório.

Na prática, reuniões como essa são normalmente precedida pela euforia, por parte da comunidade, em se constituir alguma organização ormal, uma associação ou uma cooperativa que conte com o apoio público e que construa uma sede física em que seja visível a entidade associativa.

Entretanto, para os facilitadores sociais, a estrutura não tangível, constituída pelas sinergias sociais latentes, torna-se mais relevante que o ser concreto e se constitui o foco da ação desenvolvida nessa experiência. Portanto, ao fim da reunião, ficou acertado: “uma parceria entre universidade e lideranças para o desenvolvimento de um projeto social de orientação sócio produtiva para as duas comunidades”, dando início aos trabalhos de mobilização participativa.

Nessa direção, o projeto se inseriu nas ações de mobi l i zação pa ra a sobrepos ição de p rob lemas

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socioeconômicos, baseadas no apoio mútuo, na interação entre sociedade civil e universidade. Partindo-se das evidências de que uma estratégia eficaz para a redução da pobreza é a capacitação para o trabalho, que tem impacto sobre a melhoria das condições de vida dos indivíduos, o foco das ações manteve-se na busca de vocações produtivas e orientação profissional.

Ações de capacitação e orientação profissional combinadas com empreendimentos coletivos autogestionados são aqui entendidas como alternativas de melhoria das condições sociais e de mobilização ativa. Por essa razão, a aplicação e fomento da economia solidária e do cooperativismo, tornaram-se referência para a correção do social, uma vez que, a cooperativa envolve a comunidade na manutenção e desenvolvimento de um empreendimento produtivo coletivo. Entretanto, essa etapa é conseqüência da mobilização social e não o inverso.

Esse potencial associativo e solidário pode ser materializado através de um conjunto de ações, especialmente oficinas coletivas que influenciam positivamente para esse processo, já que são estratégias de promoção de grupos de treinamento e capacitação para desenvolvimento de atividades específicas com impacto técnico, intelectual e emocional.

Desta forma, a proposta da organização associativa por meio da parceria entre as comunidades locais e universidade, parte do pressuposto de que o investimento em oficinas de capacitação, conjugada com a formação de empreendimentos cooperativos seria uma das maneiras de ajudar essas famílias a ter condições para romper o círculo vicioso da pobreza através da autogestão de algum empreendimento sócioprodutivo.

Implicitamente, havia também o interesse de romper com os muros que separam a “intelectualidade universitária” dos “guetos sociais”, por parte dos extensionistas e pesquisadores da universidade. Corroborando esse fato, parte das atividades era desenvolvida na UFV e não somente nas comunidades. “Existia

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ali alguma magia, em entrar pelas quatro pilastras da universidade para as atividades do projeto”, narrou uma das participantes. Fala que sustenta a experiência descrita pela criança no texto introdutório desse caso.

Dentre as diversas estrapolações e externalidades positivas geradas, cabe ressaltar que muitas das mulheres que participam do projeto, aproveitaram a oportunidade de contato com a UFV para conhecer os projetos sociais de educação de jovens e adultos e os cursinhos populares de preparação para o vestibular. Ao fim das atividades de mobilização, todo grupo sentia-se realizado e a mobilização associativa resultou na constituição de um projeto social de interação entre comunidade e universidade.

Município de contrastes

É comum notar o contraste entre crescimento econômico, turístico ou intelectual e problemas sociais, não apenas em grandes capitais ou regiões metropolitanas. Em geral, pequenas e médias cidades têm apresentado a deformação congênita do crescimento marginal excludente. O local de realização desse projeto trata-se de uma dessas regiões, o município de Viçosa-MG. Conhecido pelo seu contraste entre referência intelectual e limitação social.

O município de Viçosa é um pólo universitário conhecido como “cidade educadora”. Detém um dos maiores índices de intelectualidade e titulação acadêmica do país, por um lado, e um limitado índice de desenvolvimento humano e qualidade de vida, por outro, agravado pela presença de comunidades em alto risco social e elevadas taxas de criminalidade.

Esse projeto toma como cenário duas comunidades desse município, doravante intituladas Horizonte e Perspectiva, consideradas como regiões de prioridade para intervenções socioeconômicas.

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A Universidade Federal de Viçosa, ator intervencionista do estudo, tinha participação em várias comunidades da Cidade, mas as duas escolhidas para esse projeto tinham certas peculiaridades, dentre elas o interesse manifesto em constituir algum organismo formal de materialização das atividades associativas. Ou como colocado por uma das lideranças “o sonho de se constituir uma cooperativa ou associação que envolva o grupo”.

Entretanto, a perspectiva dos intervencionistas sociais era um pouco mais ampla. O grupo via a necessidade de envolver todas as comunidades locais de risco social, mas o desenvolvimento de um projeto piloto seria imprescindível para a formação de benchmark para outras práticas de intervenção, fator que legitimava a escolha de duas e não apenas uma comunidade para o início das atividades.

Assim, a escolha das comunidades tomou como referência os seguintes fatores: o interesse declarado das lideranças sociais comunitárias; a intensa cobertura do PGRM nas comunidades e a existência de espaço físico para a realização das atividades.

Nas visitas técnicas preliminares, presente em atividades de intervenção social, busca-se, em geral, mapear a região com técnicas lúdicas e conhecer os pontos de maior integração social.

Foram identificados, na primeira comunidade, a existência de uma escola primária, uma igreja, um restaurante e algumas mercearias, que representavam o cenário para interações sociais. Na segunda comunidade foi notada a presença de algumas mercearias, uma serralheria, um cemitério e uma madeireira. Ambos os bairros eram servidos por transporte urbano, que estava disponível de hora em hora durante a semana e a cada duas horas nos finais de semana. A proximidade entre as duas comunidades favorecia a busca de um ponto de referência intermediário para a manutenção das reuniões e atividades. De acordo com informações das Associações de Moradores, as duas

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comunidades tinham em conjunto cerca de 1.400 habitantes.

Fase 1. Diagnóstico socioeconômico

Inic ia lmente , foi real izado um diagnóst ico socioeconômico no intuito de conhecer aspectos das famílias e das comunidades. Foi utilizada a técnica de entrevista semi-estruturada com aplicação de questionários. As questões pesquisadas referiram-se às características pessoais e familiares; condições de renda e do mercado de trabalho dos membros ativos; aspectos das condições e padrão de vida local; necessidades e problemas percebidos; bem como capacitação e, ou interesse em capacitar-se por parte das pessoas.

Especificamente, procurou-se analisar: composição familiar, tipo e tamanho da família; aspectos da segurança financeira - renda, emprego e padrão dos gastos familiares - renda familiar mensal, renda “per capita”, número de pessoas com renda e posição das mesmas na família, origem da renda, forma de pagamento de obrigações, padrão de gastos das famílias; condições do “habitat” familiar, padrão habitacional, integração social, acesso aos serviços e auxílios sociais e comunitários, condição de posse dos imóveis; situação educacional das famílias, número de escolas da comunidade, qualidade e utilização das mesmas pelas famílias; condições de saúde e acesso a este tipo de serviço; aspectos relativos ao lazer; necessidades e dificuldades percebidas pelas famílias e comunidade; capacitação ou habilidades produtivas e artesanais; disponibilidade e interesse para as ações associativas.

Fase 2. Mobilização social e planejamento das atividades

A partir das informações obtidas na fase anterior, passou-se às estratégias de mobilização social, divulgação do projeto e as atividades de capacitação. A partir da divulgação inicial das

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atividades, percebeu-se que as pessoas que mais se interessavam nas atividades propostas eram as mulheres das comunidades, dentre elas, lideranças religiosas, lideranças das associações de bairro, da escola local e donas de casa. Nessa perspectiva, o trabalho foi iniciado com um grupo de mulheres das comunidades e o passo posterior foi o planejamento das ações de capacitação.

A etapa de capacitação privilegiou a utilização de metodologias participativas durante o planejamento e avaliação dos resultados alcançados, dentre elas “Dinâmica de Grupo”, “Grupo Focal” e “Jogos Cooperativos”. O planejamento das ações de capacitação foi feito em reuniões entre os membros da equipe do projeto formada por estudantes e professores dos cursos de Administração, Economia Doméstica e Gestão de Cooperativas da UFV e os líderes comunitários.

O objetivo inicial foi criar um sistema de responsabilidades sociais, esclarecendo o papel de cada ator no sucesso do projeto. Na segunda reunião, foram lançadas as metas sociais do projeto, respeitando algumas perspectivas factíveis, sendo elas: objetividade, realidade, responsabilidade e marco temporal. Nessa reunião foi notado pelos intervencionistas sociais certo ar de “ceticismo” e “decepção” ao notar que a organização social e não a “associação ou cooperativa”, ou seja, não o ser tangível, era o objetivo central das ações.

Mas as lideranças foram conscientizadas sobre o fato de que “a entidade coletiva humana” precedia a “entidade jurídica societária” e os trabalhos foram iniciados, com a realização do planejamento estratégico participativo seguindo as etapas do modelo ilustrado pela Figura 1.

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Grande ênfase foi dada a definição do sistema de responsabilidade coletiva, visto que a premissa de autogestão era defendida e os atores intervencionistas alertavam a comunidade sobre a necessidade de manutenção do projeto, após a conclusão das primeiras etapas.

Fase 3. Atividades de capacitação das famílias

Participaram efetivamente das atividades 80 famílias das duas comunidades envolvidas, totalizando 309 membros. As famílias foram indicadas, prioritariamente, em virtude da situação de maior vulnerabilidade social, baixo nível de renda e susceptibilidade ao desemprego e por serem beneficiárias de programas sociais. Entretanto, o auto interesse foi valorizado, respeitando o princípio de porta aberta para os interessados.

A fim de iniciar o trabalho de capacitação, objetivando a qualificação profissional e consequente geração de trabalho e renda, procurou-se saber quais temáticas o grupo gostaria que

Mobilização Associativa

Análise do Ambiente Externo Análise do Ambiente Interno

Revisão da Missão

Elaboração de Políticas Definição de Objetivos

Seleção de Estratégias

Implantação

Sistema de Responsabilidade Coeltiva

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Figura 1. Modelo planejamento estratégico na intervenção participativa.Fonte: Elaborado pelos autores com base nos resultados das atividades

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fossem abordadas nas oficinas de capacitação. Após o mapeamento das áreas de interesse, notou-se que as temáticas mais relevantes eram artesanato e bordado, culinária, corte e costura, informática e artes plásticas.

Nessa fase, os intervencionistas sociais usaram uma abordagem construtivista, baseada no fato de que toda intervenção sustentável deve valorizar o conhecimento que a comunidade já dispõe, com vistas a alcançar resultados sustentáveis. Portanto, foram investigadas as habilidades que os membros das famílias possuíam e as vantagens relativas para o desenvolvimento de outras, por meio da análise do ambiente interno e externo descritos na Figura 1, visando mapear pontos fortes e pontos fracos, ameaças e oportunidades para o empreendimento associativo.

Os membros declararam ter habilidade para culinária; para artesanato com retalhos; para ponto-cruz; para atividades domésticas; para agricultura e pecuária; para artes plásticas; para corte costura; para “beleza da mulher”; para crochê; para tricô; para sabonetes artesanais; para bijuterias; para artesanato com palha; para tecelagem; para artesanato com velas; para música; paisagismo/jardinagem; e marcenaria. Agrupando-se as temáticas, percebeu-se que a grande parte possuía habilidade para produção de algum tipo de artesanato e para atividades relacionadas à culinária.

A partir desta constatação, foi realizado reuniões a fim de definir-se um espaço para a realização das atividades, bem como estratégias de divulgação das oficinas de capacitação para a população e foram traçados os objetivos de curto prazo. Grande parte dos cursos foi ministrada pela equipe do projeto, porém outros exigiram a busca de profissionais e estudantes qualificados de outras áreas como Ciência e Tecnologia de Laticínios, Agronomia e voluntários e profissionais da comunidade viçosense. Merece ser ressaltado, o envolvimento de uma equipe multidisciplinar voluntária no desenvolvimento

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do projeto, o que favoreceu o aprendizado e capacitação tanto da comunidade quanto da equipe envolvida.

Desta maneira iniciou-se a segunda etapa do projeto, que consistiu numa fase de capacitação, com o oferecimento de cursos de criatividade e estímulo às atividades produtivas e de qualificação profissional. Ressalta-se que o número de vagas disponibilizadas por curso, que variou entre 10 e 30, foi definido de acordo com o recurso financeiro e espaço físico disponíveis, fatores limitantes para a realização de muitas atividades, especialmente os cursos de desenvolvimento da criatividade e estímulo às atividades produtivas.

A seleção dos participantes de cada curso foi feita utilizando-se critérios como a inscrição inicial no projeto, assiduidade nas atividades realizadas anteriormente e interesse demonstrado em participar. Este grupo constituiu a amostra necessária para a avaliação dos impactos do projeto na comunidade.

A figura 2 apresenta os cursos realizados de estímulo às atividades produtivas e qualificação profissional e o número de participantes nessas atividades.

Figura 2: Participação nos cursosFonte: elaborado pelos autores com base nos resultados das atividades

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Notou-se grande assiduidade nos cursos. O fornecimento gratuito de apostilas para os participantes foi outra estratégia para a aprendizagem e fixação do conhecimento adquirido.

Após o início do oferecimento das oficinas de capacitação, surgiu na comunidade a demanda por atividades recreativas com as crianças, filhos dos participantes, já que grande parte das mulheres não tinha com quem deixar os filhos durante as atividades. Frente a esta necessidade, a equipe treinou um grupo para desenvolver atividades, também com as crianças.

Fase 4. Avaliação dos impactos nas comunidades

A fim de avaliar os impactos dos cursos/oficinas enquanto estratégias de capacitação e empoderamento, realizaram-se observações durante todas as atividades, bem como reuniões com o objetivo de obter-se o feedback dos participantes. Constatou-se, pelas declarações dos mesmos, que os impactos eram altamente positivos para as famílias envolvidas no Projeto.

O comprometimento dos participantes foi percebido ao afirmarem que mesmo com pouca habilidade para os trabalhos manuais, houve esforço e persistência para o aprendizado e obtenção de bons resultados.

Notou-se que a didática dos cursos, a composição multidisciplinar da equipe, bem como a interação desta com os participantes contribuiu para a aprendizagem e a manutenção do interesse em participar das atividades. Outro fator positivo foi a socialização proporcionada pelas atividades tendo os participantes a oportunidade de ampliar o círculo de amizades e desenvolver habilidades para o trabalho em equipe. Como produto prático das atividades associativas, Universidade Federal de Viçosa e Comunidades criaram um projeto de referência na intervenção associativa que potencializou o desenvolvimento de outras parcerias municipais.

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Para registrar o projeto, houve o lançamento do concurso para escolha do nome e logomarca do projeto, favorecendo o sentimento de participação do grupo (Figura 3). Na ocasião, foi realizada a entrega dos certificados para os participantes dos cursos em cerimônia realizada na comunidade local e foram lançadas as metas sociais de manutenção das atividades.

Figura 3: Logomarca do projeto.Fonte: adaptado pelos autores da logomarca do projeto Cooperação Social

A partir das atividades de capacitação realizadas, deu-se o início ainda ao desenvolvimento das atividades produtivas por um grupo de participantes, tendo sido realizadas mostras dos trabalhos confeccionados em instituições públicas, eventos comerciais e sociais e praças públicas, obtendo-se expressiva venda das peças de artesanatos produzidos, representando perspectiva de melhoria da qualidade de vida decorrente da geração de renda.

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Questões propostas para debate

1. Em que fase as lideranças comunitárias devem ser envolvidas no processo de intervenção?

2. Qual o papel das Universidades no desenvolvimento local?

3. Qual o (des)compasso entre desenvolvimento intelectual, tecnológico e as condições socioeconômicas dos municípios que abrigam universidades públicas?

4. Qual o objetivo central dos trabalhos de intervenção em comunidades de risco social?

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NOTAS DE ENSINO

Resumo do caso

O presente caso descreve uma experiência de cooperação que toma como referência a etapa em que ocorre a organização das atividades associativas, tratadas por alguns autores como fase de sensibilização ou de mobilização para atividades cooperativas. O objeto de estudo deriva-se de um projeto realizado em duas comunidades urbanas populares de Minas Gerais, que possuíam propostas de organização e desenvolvimento local, baseadas na orientação para a integração econômica de famílias de baixa renda. O projeto visava combater o nível de pobreza nessas comunidades e promover experiências compartilhadas de inclusão social somada ao estímulo às atividades produtivas e de qualificação profissional. O público participante das ações foi composto por pessoas sem ou de baixa qualificação técnico-profissional, inseridas no programa de transferência de renda titulado, Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM). Esta proposta partiu da interface de dois atores sociais com objetivos complementares, sendo eles: Comunidade e Universidade Federal de Viçosa (UFV).

O problema central do caso concentra-se em duas questões elementares comuns as atividades associativas, estimuladas via intervenção social em comunidades de risco: É possível desenvolver ações produtivas a partir da experiência das comunidades beneficiárias em condições de baixa qualificação profissional? É possível criar um sistema de responsabilidade capaz de envolver a comunidade e garantir a sustentabilidade das ações de cooperação?

Foco no conteúdo de ensino

O caso é adequado para as práticas de ensino em

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Planejamento estratégico em organizações associativas, Mobilização participativa, Desenvolvimento de comunidades, Dinâmicas de intervenção, Práticas associativas, Liderança comunitária e Ações voluntárias

Contexto de análise do caso

Esse caso pode ser utilizado em pelo menos quatro diferentes contextos nas práticas de ensino ou treinamento, sendo eles:

1. Ilustrar e contextualizar o processo de intervenção em comunidades de risco social

2. Ilustrar e contextualizar o processo de mobilização para as práticas associativas e cooperativas

3. Refletir sobre os processos que antecedem o planejamento estratégico em processos de intervenção participativa

4. Refletir sobre o papel social das instituições de ensino, pesquisa e extensão

Questões reflexivas

Recomenda-se utilizar o caso por meio da abordagem provocativa e reflexiva. Isso porque, não se trata de um caso para apresentação de solução pontual. Sugerem-se duas a três questões polêmicas lançadas para a discussão em grupo, antes da leitura do caso. Nessa prática, não é oportuna a busca do consenso, mas sim o registro das diferentes opiniões dos participantes. Como exemplo:

1) É possível desenvolver ações produtivas a partir da experiência das comunidades beneficiárias em condições de baixa qualificação profissional?

2) É possível criar um sistema de responsabilidade capaz de envolver a comunidade e garantir a sustentabilidade das ações de cooperação?

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DO PARTICIPAR À AÇÃO

O caso de uma Associação de Produtores de Leite

1Daniela Moreira de Carvalho2Naldeir dos Santos Vieira3Ariádne Scalfoni Rigo

Contextualização

A Associação dos Produtores de Leite – APL está localizada no interior de Pernambuco, região com aptidão leiteira, mas com poucas ações de envolvimento coletivo. Neste contexto, a instituição se deparou com alguns desafios para sua constituição e sustentabilidade.

Um dos protagonistas principais da ALP é seu Adeildo, com características próximas a grande maioria dos associados, sendo assim um fiel representante da cultura organizacional da Associação. Na outra mão está seu Severino, o presidente da associação. A percepção dos pontos de vistas do associado e da

1 Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco na Unidade Acadêmica de Garanhuns (UFRPE/UAG), graduada em Administração de Cooperativas pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), mestre em Administração e Desenvolvimento Rural pela UFRPE e doutoranda em Agronegócios na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato: [email protected] 2 Professor Assistente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM. Bacharel em Administração de Cooperativas pela Universidade Federal de Viçosa - UFV e mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gestão e Desenvolvimento Regional.3 Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), mestre em administração pelo PROPAD/UFPE e doutoranda em administração pelo NPGA/UFBA. Trabalha com os temas Cooperativismo, Autogestão e Economia Solidária. Contato: [email protected].

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direção nos leva à compreensão de um gargalo comum em organizações coletivas que é o nível de envolvimento e interesse para o engajamento à associação.

Adeildo é um pequeno produtor rural no interior de Pernambuco. Trabalha duro, sempre sem dinheiro, sem pensar muito sobre isso, embora reclamando, como “deve” ser a vida de um pobre agricultor. Adeildo é casado com Rute e eles têm 4 filhos. Sua propriedade é pequena onde ele cria 15 vacas de leite, cada animal produz em torno de 4 kg litros/vaca/dia. Seu Severino, o presidente da associação, é um homem influente na região, ele é médico veterinário, dono de uma casa de insumos agropecuários e bem articulado com algumas instituições locais.

Antes, ele entregava o leite aos carreteiros que eram os donos de caminhões que faziam uma linha comprando e coletando o leite dos produtores e revendendo aos laticínios e queijarias da região. Conhecidos também como intermediários ou atravessadores.

Seu Severino descreve bem o cenário em que viviam: Há muitos anos a gente vinha sofrendo na nossa região com o atravessador de leite; o criador não sabia qual era o preço final do produto na indústria, com isso a gente sempre recebia preços defasados. Quando havia aumento no preço de leite, na época de inverno, nosso aqui do Nordeste, que nos favorece e que havia uma escassez de leite no Sul do país o nosso leite aumentava de preço e de volume, mas mesmo assim a gente não recebia o preço justo, porque havia um intermediário que bloqueava e negava que esse reajuste estava acontecendo.

A região onde o seu Adeildo mora é uma região com Índice de Desenvolvimento Humano - IDH baixo, os municípios do entorno estão entre 16% dos municípios com menor IDH no Brasil. Esse indicador reflete em vários problemas educacionais,

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sociais e econômicos. Seu Adeildo não sabe ao certo como surgiu a associação. Ele sabe que o seu Severino, dono da casa agropecuária e pessoa muito influente na cidade, chamou todo mundo para fundar uma associação.

Seu Severino, o presidente da associação, explica que sua criação ocorreu a partir do surgimento de um programa governamental. Este programa visava tanto reduzir as deficiências nutricionais das populações carentes, como a distribuição de um litro de leite fluído pasteurizado por família carente, buscando beneficiar os produtores e esta população.

Antes do programa o preço do leite na região era de 0,18 centavos/litro. Com o programa do Governo passou a ser vendido a 0,40 centavos/ litro. De acordo com Severino esse programa impulsionou a organização dos produtores da região porque eram 40 produtores familiares beneficiados, ou seja, conseguiram mobilizar 40 produtores. Seu Adeildo concorda que a situação começou a melhorar quando o governo criou o programa, “afinal já era tempo de haver alguma ajuda do governo”.

Com o tempo o governo não mais reajustou os preços. Devido a menor intermediação do governo na compra do leite, os produtores, minimamente organizados, resolveram formar uma associação. De acordo com o seu Severino, nesse momento havia uma base social sólida para formá-la. Na ocasião não havia nenhum tipo de associação ou cooperativa na região, todo o leite era comercializado por intermediários.

Verificou-se que a associação surgiu de uma política aparentemente vertical e assistencialista que encontrou no município uma iniciativa de coesão social. Apesar dessa análise de que o grupo de produtores estava envolvido na criação da associação, seu Adeildo não percebeu muita organização do grupo. Ele afirma que a renda dele e dos outros associados, advinda da produção de leite, melhorou depois da implantação da Associação. Entretanto, destaca que ainda não está bom:

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Mudou muito, melhorou mais, porque a gente vendia leite muito barato perdia uns 0,05, 0,06 centavos em cada litro de leite, e hoje a gente está vendendo direto com a firma, mas sempre tem que melhorar mais, se der mais um aumentozinho... porque ainda acho barato. Não é como a gente quer mesmo, mas melhorou.

Atualmente a associação tem a função de balizar os preços locais de leite. Ou seja, os concorrentes procuram saber qual o preço que a Associação está pagando para definir o seu preço. Caso haja a extinção da Associação, os carreteiros voltam a impor o preço que convier, e não o preço de mercado.

Em se tratando de uma região pobre, como os municípios abrangidos pela Associação, e ainda a população do meio rural, que em geral, sofre acentuadamente os reflexos da pobreza é “notável o fato de que a privação de liberdade econômica, na forma de pobreza extrema, pode tornar uma presa indefesa na violação de outros tipos de liberdade” (SEN, 2004, p.23).

Observa-se que a associação apesar de ter conseguido grandes conquistas enfrenta gargalos que impede seu desenvolvimento. Em decorrência, a diretoria estuda maneiras para que a instituição satisfaça as necessidades de seus associados. Neste sentido, ao final do mês está agendada uma reunião para a elaboração de um planejamento estratégico da associação e definição de novas ações que atendam às demandas de seus associados.

A Associação

Atualmente a associação é formada por aproximadamente 460 produtores de leite, abrangendo 6 municípios do interior de Pernambuco. Os associados têm propriedades que variam de 3 a 300 ha, sendo a maioria com 50 ha. Há uma média de 14 animais com produção média de 7,0 Kg/vaca/dia nestas propriedades.

A proposta da Associação é a organização baseada em núcleos produtivos (figura 1), em localidades distintas, que

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seriam orientados pela Associação. Assim cada núcleo organizaria a captação, resfriamento e comercialização próprios junto a associação. Seu Adeildo participa de um núcleo produtivo, já que o tanque é caro e inviável para um pequeno produtor adquirir sozinho. O presidente explica melhor como é a proposta do núcleo:

A gente montou o que a gente chama de núcleos produtivos, os resfriadores nos sítios então em torno, mais ou menos de 5 a 8 quilômetros. O pessoal faz a ordenha e leva o leite direto ao resfriamento e aí nós chamamos de núcleos produtivos, é aí onde cada comunidade se reúne e discute os seus problemas e nós queremos que esse núcleo produtivo cresça individualmente porque cada caso é um caso, as realidades são diferentes, até uns que precisam, querem inseminação, outros não querem inseminação, já querem uma patrulha mecanizada, querem tratores para trabalhar. Então cada um tem uma idéia e, quando terminassem de pagar o resfriador, avançariam.

Segue abaixo um diagrama que representa a associação e seus núcleos produtivos:

Figura1- Diagrama dos Núcleos Produtivos da Associação dos Produtores de Leite- APLFonte: elaborado pelos autores.

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Cada núcleo é representado no diagrama por uma bola com um número. Tal como a figura (1), os núcleos são em tamanhos, volume de leite e distâncias diferentes, mas todos estão ligados pelo vínculo com a associação. O núcleo tem uma organização para manter a limpeza e recepção do leite no tanque de expansão que garanta a qualidade do leite, para isso é contratado um funcionário. Em geral, esse funcionário é morador da comunidade e jovem, promovendo então uma geração de emprego no campo.

Para o pagamento do tanque de granelização, que deve existir em cada núcleo, é retirado 0,02 centavos e para o pagamento dos gastos administrativos é retirado 0,005 centavo por litro de leite. Na época da entre-safra nem todos os núcleos conseguem se auto financiar, então é preciso que passe o pagamento do tanque às vezes para 0,025 a 0,03 centavos. Essa mudança, de acordo com o presidente Severino, é feita em concordância com os associados.

A estrutura organizacional da Associação é muito simples, contando com apenas três funcionários próprios da associação e um cedido, temporariamente, pela prefeitura. A estrutura é feita de maneira que a Associação seja um tanto quanto “virtual”, uma vez que por ela na verdade não passa leite, ela não tem nenhum contato direto com o produto, ela só tem o papel de articuladora, promotora do escoamento da produção dos associados fazendo com que o produto vá direto ao processador (a agroindústria), eliminando o intermediário nessa cadeia.

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Figura 2 - Organograma da Associação dos Produtores de Leite.Fonte: elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

A diretoria é composta por seis membros, sendo: presidente, vice-presidente, primeiro e segundo secretários, tesoureiro e segundo tesoureiro. A Associação é composta também por um conselho fiscal com nove membros e por conselheiros (sem número determinado) convidados pela diretoria.

Não há uma contabilidade estabelecida, a organização dos dados financeiros é muito simples, com apenas uma elementar sistematização periódica e dados encontrados de forma descontínua. Os dados são apenas de entradas e saídas de caixa: entradas com o leite e saídas com o pagamento aos associados. Depois, são discriminados gastos operacionais tais como resma de papel, material de limpeza, de escritório, correios, contas de telefone, água e energia, dentre outros. Por serem anotações

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elementares e pouco sistematizadas, dificultam uma análise mais sistematizada da associação.

Percepções dos associados sobre a Associação

A associação apresenta bom desempenho e, apesar das dificuldades inerentes a um empreendimento, tem possibilidades de sucesso. Mesmo com este aspecto favorável, considera-se fundamental conhecer a essência das relações na organização para avaliar a solidez e manutenção do desempenho. Saber como os associados e diretores percebem a associação, seus planos e níveis de comprometimento permitem diagnosticar pontos críticos e gargalos que se bem trabalhados podem ser atenuados ou extintos antes que reflitam em problemas reais à organização. Nesse sentido seu Adeildo fala sua opinião sobre a associação, sobre seu interesse em continuar e outras informações da sua percepção. As falas do seu Adeildo são por si esclarecedoras quanto aos pontos fracos na relação com a associação.

A associação, acredito que enfrenta também, não é só a gente que sofre não, eles também tem dificuldade, não tem? Eu acredito que sim, não só é a gente querer partir pra vantagem, eu acredito que todo canto que a gente trabalhar hoje tem dificuldade, não tem esse que todo mundo leva vantagem, eu penso no meu ponto de vista, eu num sei dos outros.

É o seguinte a gente procura sempre melhorias, então se tiver uma melhoria a mais em outro local, a gente tem que procurar a melhora, a gente não vai ficar numa coisa só, a gente saiu dos carreteiros pra ficar na associação, se tiver um canto melhor que a associação claro que a gente vai sair porque a gente não vai ficar num canto só direto, a gente procura a melhoria.

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Bom, a gente tá comprometido porque a gente tá dentro dela, no futuro também, mas o futuro como se diz, a Deus pertence...

Se for por um preço melhor, vendo. Ninguém tem amizade com ninguém, nesse negócio de preço de leite (Se vier um concorrente para comprar o leite a um preço melhor).

Seu vizinho Tião o interrompe para falar sua opinião.[...]. Eu tive conversando com Betão e nós estávamos falando em sair da associação, e ele tava vendendo leite pra ‘Leite Novo’ e a freezer dele é fora da associação, aí o que a ‘Leite Novo’ fazia: olhava o tanque e dizia que o leite não presta, aí ia se embora, o rapaz que tomava conta do freezer pegava o leite e levava num sei pra donde e testava o leite e dizia, o leite tá bom, aí a outra firma ia pegar o leite, aí ele já saiu e disse que ia entrar na associação. Aí a gente fica pensando em sair, mas tem que ficar na associação mesmo. Porque não tem como fugir não. Porque se chegar outro aqui um pouco melhor fica a mesma coisa de antigamente do carreteiro, porque o carreteiro comprava da gente, vamos supor que passa cinco carreteiros aqui, aí chega outro que vai pagar mais tanto, aí a gente tira o leite, quando num vai trinta dias volta com o leite para trás porque? Já está cheio de leite. Aí, eu acho que certo é ficar com que nós estamos e continuar, aí depende: se baixar, baixou... Ninguém sabe se vai baixar mesmo, os outros é que chegam aqui noticiando. A gente tem que vender as vacas acabar com a vacaria ficar só com dez vacas, e se leite num tem jeito a gente vai partir pra isso, porque a mão de obra é pesada é farelo, nós estamos dando farelo; quem tem pasto, a lagarta veio e comeu, não deixou nada, tudo é mão de obra,

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eu acho que não tem como esse leite ficar barato demais, tem? Se fica mesmo muito barato a gente tem até que sair... mas vamos lutar e vê se assim melhora.

Seu Tião também opina sobre as dificuldades enfrentadas pela associação:

Toda associação com muita gente assim é difícil, um pensa de um jeito, outro de outro. É porque o povo não se une muito, às vezes tem reunião lá, e muita gente falta, às vezes vai a metade só.

É possível observar na fala do seu Tião um entendimento inicial sobre a importância da fidelidade, sem o interesse imediatista apenas. Contudo, os argumentos partem de uma dedução ainda distante da relação com a associação. Para entender melhor qual a percepção do seu Adeildo foi questionado ao mesmo a diferença que ele percebe em entregar leite para uma associação e uma empresa normal. Ele disse que “não tem diferença, é tudo igual, mas na associação é melhor porque o preço é melhor”.

Então ele foi questionado quanto a sua participação nas assembléias: “Participo, mas eu fico lá quieto só ouvindo. (...) não é diferente do que eles estão falando, deixa os maiores falar, porque eu sou bem miudinho”.

Após esses relatos que revelam certo distanciamento do entendimento da associação como algo seu, foi perguntado a Seu Adeildo qual sua opinião sobre a direção da associação. Ele relata que:

Até o momento está indo bem, o presidente é um bom administrador, honesto, ele trabalha em benefício da associação, ele não trabalha visando lucro pra ele, eu acho que ele tem muita é boa vontade, grande desempenho e trabalha por amor à causa por benefício de todos os produtores sem interesse pessoal, porque ele tem o negócio dele,

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tem as fazendas dele, e deixa de está dentro dum negócio dele pra ir resolver problema no Recife ou em Maceió, problemas com as empresas que a associação comercializa, acho até ele com uma força de vontade que acho que tem hora que eu não fazia isso.

Severino, o presidente, fala sobre a participação dos associados na associação. Ele fala sobre essa participação tanto no dia a dia como nas assembléias e na solução de eventuais problemas que venham a ocorrer.

Eles são muito descansados, eles não são muito de participar, também jogam toda confiança na gente, não são muito de se importar e deveriam estar sempre participando, mas o povo não é de está cobrando, não são, eles são tranqüilos, ficam pra lá não querem saber de nada. Só nas assembléias que eles vêm, e eles deveriam ajudar, porque a gente não ganha nada para isso, aí eles deviam ficar participando com a gente para melhorar.

Seu Adeildo fala também da falta de tempo para se envolver com a associação já que o trabalho no campo toma muito tempo e é contínuo. Na lida com a propriedade rural não se tem feriado, dia santo, nem férias. O trabalho é diário e permanente. Já o presidente da associação assume que a participação de muitos associados é uma participação objetiva, ou seja, enquanto é conveniente financeiramente a entrega do leite eles o fazem, não existindo um envolvimento de co-responsabilidade, superação e continuidade junto à associação.

De acordo com funcionários e diretoria, é extremamente difícil trazer o produtor para participar de alguma atividade. Quando questionado sobre a existência de dias de campo e palestras seu Adeildo diz não participar: “[...] vem gente de fora, mas eu nunca participei, porque eu não tenho tempo, são muitos os compromissos”.

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A maior parte dos associados gostaria que a associação se empenhasse em fornecer (vender) farelo a eles, o farelo é usado na alimentação do gado e é um insumo muito caro e importante para a sobrevivência e produtividade do animal, especialmente, no período de seca, quando acaba o volumoso (capim) ou o mesmo não supre a toda necessidade nutritiva do animal, ou, ainda, quando há infestação de lagartas que consomem o pasto também. O farelo pode ser usado também como suplemento alimentar para melhorar a produtividade do gado. É um suplemento caro e, como é comprado em grande parte nos estados do Sudeste, o custo de transporte ainda aumenta o preço, muitas vezes, inviabilizando sua compra pelo produtor.

O pedido pela comercialização do farelo se estende a vários associados. Outro argumento que justifica é por haver uma maior facilidade de recebimento já que o pagamento é feito pela associação. Assim o pagamento do farelo já ficaria retido, tal como é feito com os empréstimos atualmente. Provavelmente esse apelo à venda do farelo se dá devido ao alto custo do produto no custo total de produção.

A gestão da associação

Com a Associação formada, com estatuto, os produtores/diretores procuraram as indústrias de laticínios no sentido de formar uma parceria para a venda do leite. Como conta o presidente, seu Severino.

A gente pegou essa palavra tão bonita, porque a gente entendia que a indústria depende da gente e a gente depende da indústria, isso é evidentemente, mas que a grande surpresa é que as maiores indústrias, ou pelo menos a maior indústria quando se falou em fazer um contrato entre comprador e vendedor ela ficou assustada, disse não, de maneira nenhuma. Entre outras coisas, o que aconteceu é que ela disse: - Quando for na época de eu baixar

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como é que eu baixo? Vou ter que conversar com vocês em uma mesa redonda? Então ela não aceitou, era uma empresa que comprava leite de Pernambuco, nós procuramos outra empresa...

Diante dessa reação dos laticínios do Estado a Associação resolveu procurar outra indústria fora do Estado. Uma indústria em Alagoas foi a primeira a transacionar com a Associação. Eles começaram a vender ao laticínio 3.800 litros de leite/dia no decorrer da atuação da Associação chegaram a alcançar 61.000 litros de leite/dia, e atualmente a Associação está com aproximadamente 48.000 litros de leite/dia.

No decorrer da história da Associação começaram a surgir problemas que não se esperava, portanto não estavam precavidos. Um deles foi iniciado com a negociação com indústrias, já que o montante de leite era crescente e não seria bom trabalhar com uma clientela restrita, pois, um único cliente geraria certa instabilidade, qualquer problema com este cliente teria um reflexo direto em todo o volume de produção e de rentabilidade da organização. A não ser que se firmasse uma parceria sólida.

Houve então a procura por outras indústrias para negociação, de acordo com a diretoria depois se observou que algumas indústrias começaram a ter receio da Associação, quando perceberam a força que esta tinha e que poderia ainda crescer. Houve certa resistência ao crescimento e/ ou qualquer possível expansão da Associação, pois à medida que a Associação se fortalece ela toma porte para impor preços e quaisquer outras cláusulas contratuais que os clientes ou fornecedores não queiram abrir mão. De acordo com a diretoria, o que de fato se observou foi certo “boicote” ainda que tácito, voltado contra a Associação.

A Associação se manteve firme nas negociações, dentro desse contexto de manipulação de algumas empresas para diminuir o poder de barganha da mesma, e hoje ela já consegue estabelecer negociações mais equilibradas. Apesar de eventualmente ocorrerem problemas de ordem comercial, atrasos

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no pagamento, dificuldades de se chegar a um ponto comum no preço de leite, nada disso foge às situações comuns no âmbito das negociações comerciais.

O desenrolar do caso

Chegado o momento da reunião para a elaboração do planejamento estratégico a diretoria se reúne com os demais associados e possibilita o debate sobre os avanços obtidos em todos estes anos de atividades, sobre suas principais limitações e oportunidades, e, sobre os anseios prioritários dos associados.

Muitas foram as “pedras” no caminho até o momento, e muito ainda tem a se avançar. Deste modo, seu Severino, após o debate faz um questionamento fundamental: “que medidas devemos tomar em nossa associação para amenizar nossos problemas e proporcionar uma melhor assistência a todos?”

Questões sugeridas para discussão.

1) Quais os principais problemas vivenciados durante a consolidação e crescimento da associação? São problemas comuns? Por quê?

2) Como analisar esses problemas do ponto de vista teórico conceitual?

3) Quais ações devem ser implementadas para solucionar os principais problemas apontados?

a. A baixa participação e fidelização dos associados para com a Associação?

b. As futuras ações para permitir a sustentabilidade da Associação?

Referência utilizada para a elaboração do caso

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. 4ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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NOTAS DE ENSINO

Resumo do caso

Este caso de ensino narra a história de uma Associação dos Produtores de Leite (APL). A Associação foi utilizada como instrumento para os produtores de leites quebrarem sua dependência dos atravessadores para a comercialização de seu produto. Muitos avanços foram obtidos como a comercialização direta com as indústrias de beneficiamento de leite, o que culminou em um incremento no valor pago por cada litro de leite. No entanto, muitas dificuldades ainda têm que ser superadas como a pouca participação e envolvimento dos associados no empreendimento e a necessidade de redução do custo das matérias-primas utilizadas pelos produtores. Deste modo, este caso tem como objetivo possibilitar o debate sobre as possíveis atividades que devem ser realizadas pela diretoria da associação para que esta atenda com maior efetividade as necessidades dos produtores associados. Este debate permite ao aluno amadurecer sua compreensão e conhecimento sobre a temática, se preparando melhor para situações similares que possam enfrentar na prática profissional.

Fonte de dados

A associação citada trata-se de uma organização real assim como os fatos apresentados ao longo do caso. Os dados foram obtidos por meio de observação e da realização de entrevistas semi-estruturadas com o presidente e alguns dos seus associados. A escolha dos entrevistados foi intencional diante do fato dos mesmos serem considerados como fontes de informações cruciais para o entendimento da realidade do caso.

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Objetivos de aprendizagem

O Caso APL foi concebido para ser utilizado em disciplinas de Associativismo, Gestão Social e Economia Solidária de cursos da graduação ou em programas de pós latu sensu durante módulos que enfoquem a discussão dos temas constituição de associações, gestão democrática, participação e, planejamento participativo.

Por meio da preparação e discussão do caso, o aluno deve se envolver no processo decisório sobre tomada de decisão em grupos associativos. Tal envolvimento deve levar em consideração as particularidades regionais, questões relacionadas à cultura organizacional e gerenciamento de conflitos.

Espera-se que ao final do debate os alunos ampliem sua visão sobre os gargalos das associações e sobre as estratégias para superá-los tornando-se mais maduros para lidarem com situações semelhantes às presentes no caso.

Sugestões de condução do caso em sala de aula

Formar grupos entre os estudantes para avaliar as soluções do caso, considerando o grau de dificuldade em solucionar problemas comportamentais na organização. Verificar quais as possíveis soluções na perspectiva de diferentes grupos pode permitir um significativo avanço nas possibilidades de solução.

Contribuições para uma discussão teórica

Os principais problemas identificados são a centralização das decisões na figura do presidente que é uma pessoa influente na região, estimulada pelo comportamento passivo dos produtores que, em geral, confiam no mesmo e preferem não se envolver no processo decisório. Essa situação compromete o nível de participação dos cooperados e o envolvimento dos

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mesmos na associação. Outro problema observado é que, apesar da direção da associação ter interesse em torná-la uma cooperativa, ainda existe é preciso avançar na solução da estrutura e dos problemas de gestão. Assim o gerenciamento profissionalizado é outro gargalo na consolidação e continuidade dessa associação.

O presidente vem de uma classe social com renda mais alta que a maioria dos associados, com formação em nível superior, que já participou de algumas mobilizações sociais na cidade. Seu Adeildo sendo um associado típico indica o quão afastado das decisões os associados estão. Ele representa a grande maioria dos produtores que não sabe das informações, não se envolve. Quem sabe e explica como surge e funciona a associação é o presidente. Deste modo, o esclarecimento de alguns conceitos como participação e gestão democrática são cruciais para a discussão do caso.

A participação é um importante indicador de democracia, emancipação social e, portanto de desenvolvimento. De acordo com Bandeira (1999) a participação tem dois aspectos importantes, primeiro – o caráter de elemento essencial para o funcionamento da democracia; e segundo – seu importante papel instrumental, proveniente da viabilização dos processos de capacitação e aprendizado coletivo relevantes para a promoção do desenvolvimento.

A participação normalmente acontece como fruto de um processo educacional de empoderamento, como forma dos indivíduos decidirem sobre a realidade que os cerca. Dificilmente a participação se dá de forma natural, principalmente em populações muito carentes, onde há certa descrença (desânimo, morbidez, desestímulo), baixa auto-estima e conseqüentemente falta de consciência do papel ativo-transformador na sociedade e nos potenciais dos indivíduos em mudar sua realidade.

É importante que haja uma participação na constituição

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(mobilização da comunidade), na tomada de decisões, nos benefícios e nas avaliações. A participação do associado não deve se restringir a sua mera presença nas reuniões e assembléias. Para que ela seja efetiva, ele deve ter liberdade e estar motivado a falar, a expressar suas idéias. Esse envolvimento com os assuntos da associação, mesmo que de forma simples e objetiva, sem considerar a complexidade do processo decisório que exige conhecimentos administrativos específicos, é fundamental para que o associado se envolva e se identifique com a sua organização.

De acordo com Rios (1979) existem dois níveis de participação: a participação objetiva e a participação subjetiva, refletindo a convergência objetiva e subjetiva de interesses. Por participação subjetiva entende-se como a identificação do associado com a organização a que pertence como co-proprietário, isto é, ele não a vê como entidade de fulano ou de sicrano, mas a vê como uma entidade pela qual também se sente responsável e diretamente interessado, ou seja, como uma extensão de sua unidade de produção agrícola. Na participação subjetiva verifica-se a convergência subjetiva de interesses, isto é, os interesses se sobrepõem a questões puramente práticas e “economicistas”, tendo assim caráter duradouro, visão de longo prazo e comprometimento por parte dos associados e não apenas o fornecimento da produção na associação, como ocorre na convergência objetiva de interesses, que se atém apenas a aspectos práticos e imediatistas.

A participação efetiva promove a viabilidade social dos empreendimentos associativos, já que uma base social sólida, participativa, com relações de confiança, reciprocidade gera desenvolvimento. Configurando-se num ambiente mais organizado, com troca de informações, capacitação, convergência objetiva e subjetiva de interesses, um maior comprometimento dos associados e conseqüentemente maiores resultados econômicos.

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No caso da Associação verifica-se prioritariamente a participação objetiva, ou seja, os associados entregam o leite todos os dias à Associação através dos núcleos até porque como essa é uma participação muito pragmática é natural que ocorra já que a entrega do leite é uma necessidade de subsistência. Já a participação subjetiva que exige níveis maiores de coesão social e comprometimento se mostrou problemática. Diante dessa importância é relevante observar aspectos tais como: o tipo de participação que ocorrido na Associação, se subjetiva ou objetiva. Afinal, a Associação deve ser uma sociedade de pessoas, democraticamente gerida, que se reúnem para juntar esforços em torno de objetivos comuns.(eu cortaria esta parte, pois já respondeu na frase anterior)

Numa associação, o mais importante deve ser o indivíduo e não o capital, isso torna possível que pessoas de diferentes condições sócio-econômicas se igualem em termos de direitos dentro da organização, ou seja, na associação cada sócio tem direito a um voto. O momento principal em que um associado efetiva essa igualdade é com a participação nas assembléias, onde ele coloca suas opiniões e reivindica seus direitos de igual para igual com os demais associados. Porém, a maioria dos associados não possui consciência de que são responsáveis pela associação, que são seus donos, desconhecendo que a assembléia geral é o órgão de deliberação máxima de uma organização associativista.

De acordo com Ammann (1992) a participação em questões voltadas ao processo produtivo está diretamente relacionada ao grau de decisão com relação aos objetivos da organização, o nível de instrução, informação disseminada, e aos retornos econômicos existentes. Há uma espécie de afastamento, é como se o associado estivesse à parte da realização da associação, exercendo apenas o papel de fornecedor de leite e não de dono e responsável pelo sucesso ou insucesso da mesma. Essa realidade é típica da falta de convergência subjetiva de interesses.

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Um dos grandes gargalos da participação, dentre outros empecilhos, pode ser atribuída à falta de educação associativista, de informação e cultura da cooperação, os quais são grandes empecilhos a uma participação plena e transformadora. Existe uma fidelidade, diga-se imediatista, de curto prazo, sem muita base para turbulências futuras. Por isso é preciso um trabalho de conscientização para prover um comprometimento de longo prazo, uma participação subjetiva. Esses aspectos que constroem as peculiaridades da associação precisam ser difundidos através de trabalhos educativos e sensibilizadores. Cursos, oficinas, trabalhos participativos que estimulem e promovam uma maior consciência da importância da associação, da valorização e do comprometimento necessários à sustentabilidade da organização.

É imprescindível também reconhecer o papel de liderança desempenhado pelo presidente da associação, que é benquisto pela grande maioria dos associados. Existe um alto grau de confiança e ele também é bem relacionado com as instituições parceiras que na totalidade reconhecem na figura do presidente o sucesso da organização. Entretanto, como foi observado por Llorens (2001), a liderança muito forte pode inibir a participação de muitos, ou ainda, acomodar os associados, já que eles podem se sentir seguros a ponto de não terem interesse em se envolver com a gestão, ou a direção tomada pela associação. A segunda possibilidade parece mais de acordo com o observado na Associação dos Produtores de Leite. Até porque existe uma confiança explicitada para com a direção da associação, apesar da expectativa de melhora.

Em relação à gestão da associação, em primeiro lugar, é importante ressaltar a característica simples e embrionária da associação. Essa simplicidade da sua estrutura organizacional facilita o acesso a resultados economicamente positivos. Em geral cooperativas e associações são frágeis no desenvolvimento de uma visão estratégica quanto ao processo produtivo e aos

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desafios colocados por um mercado globalizado e altamente competitivo. O que é comum de se observar é uma falta de capacitação profissional dos gestores desses empreendimentos, altos custos de transação, devido a sua estrutura gestionária (gestão democrática) e do grande número de sócios.

Como a Associação ainda se encontra num estágio inicial, com perspectivas e planos de ampliação, a observação verificou que caso isso se concretize serão necessárias mudanças, em diversos pontos. Provavelmente essa ampliação virá agregada a um processamento do leite, havendo a necessidade de uma maior complexidade nos procedimentos administrativos: a necessidade de contratação de um contador, de treinamento da mão-de-obra atual, a incidência de impostos, custo de logística (atualmente, boa parte da logística cabe ao comprador), e ainda todos os custos industriais, dentre outros.

A associação deve, desde já, preparar uma gestão mais profissional (não no sentido de comprometimento dos funcionários, mas de capacitação técnica da gestão), uma maior solidez social, com uma educação associativista, no intuito de construir uma convergência subjetiva de interesses numa amplitude maior de associados, a fim de construir uma maior fidelidade dos associados e um comprometimento dos mesmos com a associação.

A possibilidade de venda do farelo pela associação pode esbarrar no fato do presidente da associação ter uma loja de produtos veterinários e insumos agrícolas em geral, dentre eles, a venda do farelo. Provavelmente isso deva ser um fato que no mínimo torne morosa a implantação de algo nesse sentido. No entanto, esta não parece ser uma ação de difícil implementação, uma vez que se caracteriza como um compra em comum, de apenas um produto. Tal transação, passível de ser executada por uma associação, traria uma série de benefícios aos produtores e conseqüentemente à toda associação porque a produção

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tenderia a melhorar com o aumento da disponibilização do farelo para as vacas.

E como não poderia deixar de ser comentado a dificuldade de lidar com muitas pessoas, com interesses diferentes, cultura, valores, prioridades diferentes etc, leva, muitas vezes, ao erro de acreditar que as organizações associativistas são passivas, pois as pessoas têm objetivos comuns e, portanto não existem conflitos. Ledo engano! Grande parte das associações é repleta de conflitos, devido a diferentes interesses e prioridades, não há como fugir das relações de conflito com o trabalho coletivo que é natural e até certo ponto importante. O maior desafio é orquestrar os conflitos de maneira que eles sejam positivos e sirvam para o crescimento e desenvolvimento da organização e não levem a uma desagregação social e econômica.

Referências indicadas para análise do caso

AMMANN, Safira Bezerra. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. 8ª ed., São Paulo: Cortez, 1992.

RIOS, Gilvando Sá Leitão. Cooperativas agrícolas no Nordeste brasileiro e mudança social. João Pessoa: UFPB. 1979.

BANDEIRA, Pedro. Participação, articulação de atores sociais e desenvolvimento regional. Brasília. Texto para discussão elaborado para o projeto ‘Novas Formas de Atuação no Desenvolvimento Regional’. (texto para discussão nº 630) ISSN 1415-4765. IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 1999.

LLORENS, Francisco Albuquerque. Desenvolvimento econômico local: caminhos e desafios para a construção de uma nova agenda política. Rio de Janeiro: BNDES, 2001.

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O SERTÃO JÁ VIROU MAR,

O MAR JÁ VIROU SERTÃO...

da lama nasceu um lindo Girassol

1Carlos Eduardo Souza de Araújo2Francisco Ricardo Duarte

Muito se tem falado e escrito na literatura nordestina das profecias apocalípticas de que o sertão vai virar mar e que o mar vai virar sertão. Pois bem, a nossa história começa quando milhares de operários, predominantemente homens, chegaram ao município de Juazeiro (BA) para a construção da Barragem de Sobradinho, em 1973. Neste cenário, encontramos Dolores, uma mulher negra, pobre, semi-analfabeta, prostituta. Sua história de vida está ligada diretamente a construção do lago de Sobradinho, bem como aos anos pós-construção, marcados pela fome, violência, prostituição e trabalho. Se a construção da barragem trouxe energia elétrica para grande parte do Nordeste do Brasil, trouxe também para Dolores situações que impactarão diretamente em sua vida e na vida de sua família. De jovem prostituta, durante a construção da Barragem de Sobradinho, à

1 Formando em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Foi bolsista de iniciação cientifica, realizando pesquisa sobre Responsabilidade Social, e também do Programa Conexão de Saberes.2 Professor Assistente III da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Doutorando em Difusão do Conhecimento (UFBA).Trabalhou com as CEBs - Comunidades Eclesiais de Base na diocese do Crato e com Projetos e Alfabetização e Geração de Renda em Londrina no Paraná. Desenvolveu projeto de Extensão com a Pastoral da Mulher da Diocese de Juazeiro em parceria com a Univasf.

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moradora da periferia de Juazeiro, Dolores irá protagonizar 35 anos depois a organização de um grupo de mulheres, como ela marginalizadas, dispostas a enfrentar o mercado de trabalho através do cooperativismo social.

Um pouco de Geografia e História

O município de Juazeiro (BA) está localizado a cerca de 500 quilômetros de Salvador, no extremo norte da Bahia. A cidade está situada a margem direita do Rio São Francisco, sendo ligada a cidade pernambucana de Petrolina pela ponte Presidente Dutra. Sua economia está fortemente relacionada à produção de frutas tropicais, formando com a cidade de Petrolina o maior núcleo exportador de frutas do Brasil, especialmente de manga e de uva. Conta atualmente com cerca de 240 mil habitantes, sendo uma das maiores cidades baianas. Na figura 1, podemos visualizar melhor a localização de Juazeiro e Sobradinho, bem como contextualizá-los no Nordeste e no Brasil.

Figura 1: Mapa contextualizando a região de Juazeiro e Petrolina Fonte: Prefeitura Municipal de Juazeiro (2010).

PERNAMBUCOPERNAMBUCO Lagoa GrandeLagoa Grande

Sta. Mª da Boa VistaSta. Mª da Boa Vista

OrocóOrocó

CuraçáCuraçá

PetrolinaPetrolina

Casa NovaCasa Nova

SobradinhoSobradinho

BAHIABAHIA

JuazeiroJuazeiro

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Segundo Silva (2008, p. 21), com a construção da Barragem de Sobradinho (cerca de 30 quilômetros de Juazeiro), no inicio da década de 70, a cidade viveu um boom da prostituição, pois milhares de homens vieram para a cidade para trabalhar nas obras de edificação da barragem. A grande maioria desses homens veio sozinha, deixando em suas cidades de origens as esposas e filhos. Este fato serviu também para atrair para a cidade e região centenas de mulheres que viviam da prostituição, especialmente dos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco e Piauí. É aqui que encontramos a chegada de Dolores, que junto com mais três irmãs, vieram acompanhar a mãe, em busca de novas oportunidades de “trabalho”. Sua mãe viera do Piauí atraída pelas notícias recebidas de uma amiga que aqui já tinha se instalado. Solteira, mãe de quatro filhas, negra, analfabeta, Marinalva não pensou muito quando de carona com um caminhoneiro desembarcou em um Posto de Gasolina, na estrada que dava acesso as obras da barragem. Em pouco tempo reencontrou sua amiga e juntas montaram um bar que era muito frequentado pelos peões que trabalhavam na obra de construção do lago de Sobradinho.

Entretanto, os anos passaram rapidamente. Em 1979, com o término da construção da barragem muitos operários ficaram sem emprego e voltaram para suas cidades de origem. O comércio local sentiu um certo esvaziamento com a saída dos operários. O bar foi praticamente à falência. Marinalva já se encontrava envelhecida e doente. Junto com as filhas que já estavam em plena adolescência mudaram para a periferia de Juazeiro, nas proximidades do Mercado do Produtor, lugar frequentado por centenas de homens ocupados na comercialização de frutas e legumes. Nesta fase, meados dos anos 80, Dolores já era uma moça de 17 anos e assim como sua mãe já estava também na prostituição.

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Sua vida se resumia a acompanhar durante o dia os clientes dos bares no entorno do mercado do produtor, e a noite, se prostituir nos postos de gasolina da cidade, lugar de parada obrigatória dos caminhoneiros. Foi numa dessas noites, que Dolores conheceu um grupo de agentes da Pastoral da Mulher que fazia um trabalho de abordagem nos lugares frequentados pelas mulheres em situação de prostituição. Após inúmeros convites, Dolores resolveu participar de uma reunião da Pastoral da Mulher, no centro de Juazeiro. Ficou surpresa ao ser acolhida com muito carinho e sem preconceito. Mais ainda ao ver que na reunião se falava em trabalho, geração de renda, cooperativismo social e empreendedorismo. Pela primeira vez em sua vida, se deu conta que poderia mudar a sua vida e a de seus filhos (aos 17 anos, Dolores já tinha duas crianças de 1 e 3 anos, respectivamente). Agora ela estava sozinha, pois a mãe já tinha falecido e as três irmãs foram embora em busca de novas oportunidades. Agora restava ela e seus dois filhos. E ela estava disposta a não repetir com as crianças o que ela repetira com sua mãe: filha de prostituta tornou-se também prostituta. Sentiu naquelas primeiras reuniões que através do trabalho, da organização, da solidariedade com as outras mulheres a sua história poderia ser diferente.

Surge o Ponto Solidário

Nos grupos de Economia Solidária, Dolores passou a ter contato com uma realidade até então desconhecida para ela: mulheres que até então só conheciam o preconceito, a violência das ruas e bares, o estigma social, o desprezo, passaram a discutir conjuntura econômica, direitos humanos, direitos trabalhistas, funcionamento da sociedade, a Constituição Cidadã, e principalmente alternativas de geração de renda e trabalho. Apesar de estar ligada a Igreja Católica, a Pastoral da Mulher não faz juízo de valor em relação à prostituição. Assim, as mulheres não são incentivadas nem a sair nem a continuar na prostituição.

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Entretanto, são capacitadas para a vida e para o mercado de trabalho: muitas chegam aos grupos analfabetas ou semi-analfabetas. Estas são incentivadas a estudar. Outras descobrem em si mesmas aptidões até então desconhecidas: identificação com os serviços de beleza e estética feminina (cortes de cabelos, pranchas, alisamentos, penteados afros, manicure, depilação, etc); outras encontram na cozinha sua vocação: tortas, doces, salgados, serviços de marmitas, comida para eventos, etc; outras ainda se descobrem como artesãs, confeccionando os mais diferentes produtos de caráter regional, a exemplo das carrancas em papel machê, bolsas, colchas de retalhos, entre outros.

Os grupos passam a ser também lugares de acolhida e de solidariedade entre essas mulheres. Juntas se ajudam mutuamente. Incentivadas pelas freiras e agentes da Pastoral da Mulher, chegaram à conclusão que é hora de se organizarem formalmente. Nasce então, em 2007, o Projeto Ponto Solidário. O projeto tem como objetivos primeiros: a) dar uma nova oportunidade às mulheres em situação de prostituição através do trabalho; b) resgatar a auto-estima dessas mulheres mostrando que mais do que vítimas, elas são agentes de transformação, capazes de mudar a própria realidade; c) oferecer alternativas de geração de renda e trabalho e consequentemente, contribuir para melhorar a qualidade de vidas às mulheres e de suas famílias; e, por fim d) fortalecer o processo de autonomia e organização do grupo.

Caracterização das mulheres

Quem são essas mulheres, que juntamente com Dolores tentam dar um novo rumo a suas vidas? De acordo com Duarte (2007, p. 14) a identidade se constitui como a forma pela qual cada um se define; é algo em construção, em constante mudança, e é através desta que um indivíduo se diferencia do “outro”. Assim, é importante levar em consideração no presente caso os

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dados que representam e constroem de forma ampla, o papel social das mulheres em situação de prostituição que atuam na cidade de Juazeiro. Com o intuito de se levantar esses aspectos, foi realizada uma pesquisa pelo Projeto de Extensão Um Outro Olhar, do Curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), em parceria com a Pastoral da Mulher, na qual foram entrevistadas 81 mulheres. Quando levantado o perfil sócio-econômico das mulheres que vivem em situação de prostituição na cidade de Juazeiro, foi importante levar em consideração os dados que constroem de forma ampla suas características pessoais:

Ao longo da historia a prostituição foi caracterizada por diversas formas, mas é evidente que a pobreza, a miséria e o preconceito sempre atuaram na sociedade como forma de exclusão das pessoas mais fragilizadas nos aspectos econômico, político, cultural e social (SILVA, 2010, p.07).

Constatou-se que a faixa etária das mulheres entrevistadas, varia de 18 aos 26 anos, contabilizando aproximadamente 54% destas. No entanto, a pesquisa identificou também mulheres com idades que vão dos 15 aos 63 anos. Foi constatada ainda uma predominância de mulheres solteiras em situação de prostituição equivalendo a 72,8% das mesmas. Porém, chama a atenção o fato de 7,5% das entrevistadas ser formado por mulheres casadas, e 6,2% afirmarem manter um relacionamento estável. Em relação a cor da pele, a grande maioria se considerou parda ou morena (76,5%); outras 7,4% se auto declararam pretas, e 12,3% se denominaram como brancas. Em se tratando de educação, das 81 mulheres entrevistadas, nenhuma delas chegou a frequentar o Ensino Superior. Foi observado que metade delas, ou seja 43%, interrompeu seus estudos no Ensino Fundamental II (5ª a 8ª série), 25% no Fundamental I (1ª a 4ª série). Por fim, chama atenção o fato que apenas 1,2% concluiu o Ensino Médio, que cerca 16% das

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mulheres entrevistadas são analfabetas.

Assim são essas mulheres de diferentes idades e cores, bem como de pouca instrução, que juntamente com Dolores encontraram no Ponto Solidário um novo tempo, um novo horizonte onde o sol “ilumina e aquece” suas esperanças e seus sonhos, dando-lhes a oportunidade de torná-los através do trabalho, realidade.

Dolores é uma das mais animadas e motivadas do grupo. De vez em quando uma das colegas desanima e volta para a prostituição, deixando de frequentar as reuniões e de participar dos cursos de formação. Imediatamente ela vai até os bares e pontos de prostituição e tenta motivar a desistente. Na maioria das vezes consegue. Ela sabe que é somente através do trabalho e da organização que elas poderão sair das condições de vida a que estão sujeitas.

E hora de fazer crescer o Ponto Solidário

Inicialmente as mulheres se organizaram através do “Ponto Solidário”. O que vem a ser o Ponto Solidário? Cerca de 15 mulheres são constantes no grupo e nas reuniões. Juntas elas discutem um nome para o primeiro espaço físico onde elas comercializarão seus produtos (artesanatos, doces, salgados, refeições) e oferecerão os serviços de estética e beleza. Chegam a conclusão que a palavra PONTO tem um significado especial para elas, pois lembra a situação de prostituição (fazer ponto em bares, postos, avenidas) e ao mesmo tempo, o acréscimo da palavra SOLIDÁRIO dar um novo significado ao ponto: não é mais um lugar de exploração, de competição, de marginalização e sim de solidariedade e de ajuda mútua.

Diferente de um simples ponto comercial que apenas visa o lucro, o Ponto Solidário é baseado nos valores defendidos pela economia solidária. Assim, após o pagamento dos custos de produção, todo o lucro obtido é dividido entre as mulheres

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envolvidas no projeto. Como forma de divulgação e venda de seus produtos, o projeto conta também com um espaço de artesanato que funciona em um local chamado “Casa do Artesão,” que fica no centro de Juazeiro, onde também são ofertados os produtos que são confeccionados pelas mulheres participantes do projeto.

É importante salientar, que há toda uma preparação para que esse grupo possa atuar com seu trabalho e prestação de serviços. Pois, somente assim, seus produtos e serviços serão reconhecidos pela qualidade e credibilidade. Para que isso aconteça, são desenvolvidas oficinas de capacitações e treinamentos que são ministrados ao grupo por colaboradores, destacando-se o SEBRAE (Serviço de Apoio a Micro e Pequena Empresa), a UNIVASF (Universidade Federal do Vale do São Francisco), a UNEB (Universidade do Estado da Bahia, o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) entre outras instituições parceiras. Assim, nota-se que existe toda uma preocupação quanto a forma como serão desenvolvidas as atividades do grupo, bem como quanto a escolha das melhores estratégias para o desenvolvimento dos produtos e serviços oferecidos pelo mesmo.

Vencidas as dificuldades iniciais, e com o apoio da Pastoral e de outras instituições, as mulheres conseguiram alugar um ponto comercial. Juntas cuidaram da pintura, limpeza e decoração. Finalmente chegou o grande dia: o Ponto Solidário saiu do papel! Deixa de ser uma ideia, um sonho construído ao longo de dois anos de reuniões, oficinas, preparações, consultoria e pesquisa de mercado. Sim, Pesquisa de Mercado! Com objetivo de conhecer melhor o mercado juazeirense, foram contratados os serviços da Empresa Júnior do Curso de Administração da UNIVASF. Durante três semanas, os estudantes entrevistaram 393 pessoas. No questionário aplicado buscava-se identificar as principais carências do mercado local em termos de produtos e

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serviços. O questionário buscava averiguar também, possíveis preconceitos e rejeições em relação às minorias, e principalmente aos produtos e serviços desenvolvidos por mulheres em situação de prostituição. O grupo ficou muito contente com o resultado da pesquisa, especialmente com as informações presentes na tabela 1.

Tabela 1: Você teria alguma rejeição em relação a produtos/serviços (tais como: manicure, cabeleireiro, artesanato, costura) de uma organização formada por mulheres que vieram da prostituição?

Fonte: Pesquisa de Mercado – Pastoral da Mulher (2007)

Animadas por estas e outras respostas, como por exemplo: 64,6% dos entrevistados afirmaram que usuariam sem restrições os produtos e serviços produzidos por mulheres em situação de prostituição; e também o fato de 59,3% dos entrevistados terem afirmardo ser totalmente favorável a projetos sociais que visam a reintegração de minorias excluídas, com por exemplo, prostitutas. Assim, com muita alegria e entusiasmo foi inaugurado o Ponto Solidário.

RESPOSTAS

Não souberam ou não quiseram responder

Sim totalmente

Sim parcialmente

Não tenho restrição alguma

Não tenho opinião formada

Depende do produto

TOTAL GLOBAL 100,0%

4,6%

10,4%

7,6%

61,6%

7,4%

8,4%

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Nem tudo são flores no caminho de Dolores: começam a aparecer os problemas

Nos primeiros dias pós-inauguração do Ponto Solidário, tudo parecia florir para Dolores e cerca de 10 (dez) a 15 (quinze) mulheres que permaneceram firmes no projeto. Devido a propaganda inicial, graças também a curiosidade da mídia local, apareceram clientes interessados nos mais diferentes produtos e serviços: encomendas de bolos, salgados e refeições; mulheres interessadas nos serviços de beleza e estética; compradores dos produtos artesanais desenvolvidos pelas mulheres. Enfim, estavam todas muito contentes com os resultados. O dinheiro que entrava no caixa era suficiente para cobrir as despesas como luz, água, aluguel, bem como para repor o estoque de matéria-prima e ainda sobrava o suficiente para ser dividido entre as mulheres que trabalhavam. Tudo era devidamente anotado e controlado. A satisfação era completa.

Entretanto, com o passar dos meses, a situação foi saindo do controle. A clientela começou a ficar escassa. As encomendas ficaram mais raras. Os estoques de material de consumo para o salão de beleza já estavam vazios. Na cozinha, começaram a faltar produtos básicos. O caixa estava praticamente vazio. Algumas contas começaram a não ser pagas. Sem ter como fazer retiradas do caixa, algumas mulheres começaram a faltar no trabalho, ou então retornaram à prostituição, e vinha diretamente dos bares e pontos de prostituição para o Ponto Solidário. Outras simplesmente sumiram e se desligaram do projeto.

A preocupação tomou conta de Dolores: “O que aconteceu? Perguntava-se ela. Onde erramos? Preparamo-nos durante meses, fomos capacitadas para o trabalho, tivemos ajuda de várias instituições... O que atrapalhou nossos projetos?” Essas e outras questões passavam pela cabeça de Dolores e de algumas mulheres que teimavam em acreditar na continuidade do projeto. As respostas foram as mais diferentes: “falta de compromisso por

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parte das mulheres envolvidas”, diziam umas; “preconceito por parte da sociedade”, afirmavam outras. “Pouca atenção aos resultados da pesquisa de mercado”, decretou o consultor do SEBRAE, que foi chamado às pressas para ajudar a salvar o projeto. Sim, afirmou o consultou. “Vocês tiram da pesquisa somente o que agradava ou ajudava o grupo. Entretanto, questões fundamentais que apontavam as carências de produtos ou serviços não foram levadas em contas”. Vejamos um exemplo na tabela 02.

Tabela 2: Dessa relação de estabelecimentos da área de comercio/serviços, quais você julga serem mais carentes em sua cidade?

Fonte: Pesquisa de Mercado – Pastoral da Mulher (2007)

De acordo com a tabela 02 o tipo de produto ou serviço ofertado pelo Ponto Solidário não correponde as carências identificadas na pesquisa de mercado encomendada pela Pastoral

RESPOSTAS

Não responderamBanca de revistasBazar/armarinhoCine/foto/somLoja CDAutopeçasInformáticaRoupasCalçadosFarmáciaLivraria/papelariaMóveisPresenteMaterial de construçãoÓtica/relojoaria

TOTAL GLOBAL 100,00%

2,31%20,23%9,68%

25,00%11,42%1,16%5,35%3,18%1,45%1,16%8,96%1,45%3,18%2,89%2,60%

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da Mulher. Conforme podemos analisar na tabela 02, os serviços de estética e beleza femina não foram sequer nominados entre as respostas obtidas, mesmo sendo do sexo feminino cerca de 60% dos entrevistados. Os serviços ligados a área de gastronomia também não foram apontados pelos entrevistados, assim como a oferta de produtos artesanais. “Possivelmente, afirmou Nogueira, o consultor do SEBRAE, vocês levaram em conta que bastaria a ausência do preconceito e uma possível aceitação por parte da sociedade para o sucesso do empreendimento, deixando de lado questões importantes como a necessidade de elaborar um bom Plano de Negócios, o qual daria uma visão mais consistente do mercado consumidor, do mercado concorrente, análise das questões financeira, etc. Portanto, é necessário fazer tudo de novo”.

Dolores ouvia tudo em silêncio. Ela mais do que ninguém sabia como tinha sido difícil chegar até ali. Quantas colegas dos grupos de estudos da Pastoral da Mulher já tinham desistido? Quantas já tinham retornado para os pontos de prostituição devido as dificuldades financeiras enfrentadas por elas e suas famílias? Enfim, o que fazer? Como proceder? Com quem contar? A dúvida, a inquietação, o medo, tomava de conta dos pensamentos da empreendedora Dolores. Alguma coisa precisava ser feita. Ela tinha investido muito de sua vida nesse projeto. Fez com que outras mulheres também acreditassem. Era notório o seu poder de liderança naquele grupo. O desânimo ou a desistência dela seria o desânimo e a desistência do grupo.

Após o impacto da conversa com o Nogueira (consultor do SEBRAE), as mulheres perceberam que precisavam reagir. Para isso, motivadas pelas agentes da Pastoral da Mulher, algumas reuniões foram programadas. Era preciso juntar mais cabeças pensantes e para isso foram convidados novos e antigos parceiros da pastoral: representantes das universidades da região, órgãos do sistema S (SEBRAE, SENAC, SESC), Empresa

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Júnior, entre outros convidados. Uma das primeiras sugestões assumidas pelo grupo foi da necessidade mais que urgente de se elaborar o Plano de Negócios.

A partir da elaboração do Plano de Negócios foi possível identificar melhor qual era o FOCO do Ponto Solidário. Optou se por continuar na prestação de serviços de estética e alimentos, bem como por uma linha de produtos artesanais. Definiu-se também a criação de uma nova logomarca: a partir de então o nome seria Grupo Girassol - o Ponto da Economia Solidária. Mais do que nunca seria preciso investir em uma estratégia de marketing agressiva. Com o auxílio das entidades parceiras, bem como de organismos financiadores internacionais (entidades européias que f inanciam projetos em países em desenvolvimento) foi feita uma campanha de marketing, que incluía entre outras ações: a elaboração de folders, cartazes, banners, panfletos, material impresso e comunicativo para as emissoras de rádio e de TV locais.

A ideia do Projeto Girassol era interessante. A pesquisa mostrou a aceitação por parte da sociedade de projetos de inclusão social de pessoas em situação de vulnerabilidade. Portanto, o que faltava era tornar o projeto conhecido pela sociedade. De repente, Dolores e suas amigas estavam nas emissoras de rádio para dar entrevistas. As duas emissoras de TV da região também veicularam matérias sobre o Projeto Girassol.

A alegria e esperança voltaram para os rostos daquelas mulheres batalhadoras. Algumas que já tinham abandonado o grupo retornaram às reuniões. Como a proposta é sempre incluir e nunca excluir, foram novamente aceitas no grupo, com o compromisso de se dedicarem com mais empenho aos projetos. De acordo com Lins (2010) (não entendi a dúvida: a pessoa está devidamente citada nas referencias ??????(quem é? Uma entidade, um autor?): "Nosso objetivo é desenvolver ações que promovam uma maior humanização da realidade da mulher que

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se prostitui, visando seu empoderamento enquanto mulher e uma transformação social e política. Oferecendo atendimento, nas dimensões psicológicas, pedagógicas, social, de capacitação e saúde”. Portanto, não tinha como dizer não àquelas mulheres que por inúmeras dificuldades ficaram com um pé no projeto e outro ainda na prostituição, e não se envolvem integralmente nos projetos de geração de renda.

Aos poucos, a clientela foi crescendo e se fidelizando. O profissionalismo e aspecto social do Grupo Girassol foram conquistando a simpatia e admiração de muitos clientes, que por sua vez indicavam outros novos. Em seu terceiro ano de funcionamento o Grupo Girassol estava consolidado. Cerca de 15 mulheres se mantêm firmes no projeto. Conseguem manter o projeto (estoque de matéria prima, pagamento da água, luz, telefone, energia, entre outros) e ainda sustentar suas famílias.

As dificuldades ainda são muitas: mulheres que entram no projeto e de repente partem para outras cidades, companheiros que impedem suas mulheres de participarem dos projetos sociais (alegam que elas ficam críticas, diferentes, não são mais as mesmas), entre outras. Porém, maiores que as dificuldades são a motivação e força feminina. Como diz Machado (2000, p. 19): “Pouco se conhece sobre valores relacionados ao exercício do papel empreendedor por parte de mulheres empreendedoras!” Assim, dia após dia essas mulheres vão conquistando seu espaço e vencendo, entre outras barreiras, a do preconceito. Sabem que o que conseguiram até aqui é resultado da organização, da cooperação, da solidariedade. Tem consciência de que são muitas as mulheres que ainda estão em situação de prostituição e de exploração, e consequentemente fora do projeto. É preciso criar novas alternativas de organização e de trabalho. O Projeto Girassol é apenas uma semente: mas que vingou e está dando muitas flores e frutos. Que outras mulheres possam ser atraídas, formadas e capacitadas para o trabalho comunitário.

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Questões propostas para debate do caso

1) Quais alternativas podem ser criadas para engajar um grupo maior de mulheres?

2) Quais as melhores decisões que as mulheres poderiam tomar diante dos dados da pesquisa de mercado e de opinião?

3) Que sugestões você daria para o Grupo Girassol?

4) A universidade (ou outra instituição: escola, faculdade, igreja, cooperativa, associação, etc) reflete o sexismo presente na sociedade, reforçando os privilégios e preconceitos de um sexo sobre o outro? Como? Exemplifique.

5) O que pode ser feito nas diferentes esferas (pessoal, profissional, institucional, entre outras) para mudar o preconceito contra a mulher?

Referências citadas no caso

DUARTE, Francisco Ricardo. UNIVASF. Perfil sócio-econômico das mulheres em situação de prostituição do Município de Juazeiro (BA). Organizador Francisco Ricardo Duarte. Petrolina: 2007.

LINS, Fernanda. Pastoral da Mulher de Juazeiro (BA) leva arte à Agrotecnologia. Disponível em: <http://www.oblatas.org.br>. Acessado em: 23 set. 2010,

MACHADO, Hilka Vier. Concepções do papel empreendedor por mulheres empresárias: estudo com mulheres paranaenses. Revista Temática: Estudos de Administração Publicação do Departamento de Administração, nº18 jan./jun. 2000. Universidade Estadual de Londrina.

MOURÃO, Luciana; ANDRADE, J. E. Borges. Significado do trabalho: caminhos percorridos e sinalização de tendências. Revista de Estudos Organizacionais. Maringá, vol. 2, n.2. p. 59-76, jul./dez.2001.

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PESQUISA DE MERCADO PASTORAL DA MULHER 2007. Relatório de Pesquisa de Mercado encomendado pela Pastoral da Mulher. Empresa Júnior Consultoria – Petrolina, 2007. 36 p.

PREFEITURA MUNICIPAL DE JUAZEIRO. Disponível em:< http://www.juazeiro.ba.gov.b>r. Acesso em: 20 set. 2010.

SILVA, Sirley da. Novo Olhar: Mulheres Prostituídas. 2008 56 p. Monografia (Graduação). Curso de Pedagogia. Universidade São Marcos. São Paulo.

SILVA, Fernanda Priscila Alves da. Irmãs Oblatas uma proposta pedagógica: caminho de humanização junto à mulher em situação de p r o s t i t u i ç ã o . D i s p o n í v e l e m : < http://www.oblatas.org.br/artigos_detalhes.asp?codigo=361&categoria=18&subcategoria=62#>. Acessado em: 27 set. 2010.

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NOTAS DE ENSINO

Resumo do caso

O presente caso de ensino faz um relato de como mulheres em situação de prostituição no município de Juazeiro (BA) deram um novo sentido às suas vidas através do trabalho comunitário desenvolvido em parceria com a Pastoral da Mulher de Juazeiro (BA), com o apoio da UNIVASF (Universidade Federal do Vale do São Francisco) e de outras instituições colaboradoras. Assim, é mostrado o processo de tomada de consciência por parte dessas mulheres de sua situação de pobreza e de exclusão, bem como a opção por parte das mesmas de mudarem suas vidas, a partir do conhecimento e da adoção de práticas da Economia Solidária. Portanto, o caso mostra como as palavras autogestão, logomarca, mercado consumidor, marketing, cooperativismo e principalmente solidariedade foram capazes de modificar a vida de um grupo de mulheres que nas ruas e bares só conheciam palavras como exploração, violência e abandono. O processo de constituição do Grupo Girassol, criação de logomarcas, definição dos produtos e serviços a serem ofertados, bem como a sua política de capacitação e treinamento são apresentados no presente caso de ensino. A leitura, a reflexão e o debate a partir deste Caso de Ensino poderá contribuir para aprendizado de questões relativas a organização de grupos de geração de renda, sobre empreendedorismo e cooperativismo social. Entretanto, mais do que questões técnicas, o Caso de Ensino poderá servir para o aprendizado de professores e alunos de questões vitais para a vida em grupo e em sociedade, tais como: respeito, solidariedade, união, e principalmente como estas palavras quando colocadas em práticas tem um efeito transformador.

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Fonte de dados

Os dados foram colhidos durante visitas e reuniões com as mulheres e lideranças da Pastoral da Mulher. Para tanto foram feitas entrevistas, aplicação de questionário e abordagens na sede da Pastoral da Mulher e nos pontos de prostituição. A ordem cronológica dos fatos, bem como alguns nomes e dados/fatos no presente caso de ensino foram modificados e adaptados visando tão somente preservar a identidade de mulheres já tão marcadas pelo preconceito ao longo de suas vidas.

Abordagens de ensino:

O Caso poderá ser utilizado para subsidiar aulas e discussões sobre Empreendedorismo, Empreendedorismo Social, Cooperativismo, Trabalho, Questões de Gênero e Preconceito. A partir de sua leitura e discussão em sala o professor/mediador poderá desenvolver ainda algumas atividades que complementarão o processo de Ensino-Aprendizagem.

As atividades propostas a seguir poderão ser adaptadas pelo professor de acordo com nível da turma (Ensino Técnico, Graduação ou Pós-Graduação) e objetivos do seu plano de aula. Poderão ser realizadas todas as atividades, apenas uma, ou uma combinação de algumas delas.

1) Sobre as características femininas empreendedoras

a) Levantar em sala de aula, através da exposição dialogada, as principais características empreendedoras de maneira geral. O professor/mediador poderá partir da seguinte pergunta: Em sua opinião qual (is) a (s) principal (is) característica (s) de um empreendedor?

b) Anotar no quadro as respostas obtidas.

c) Discutir com a turma se algumas dessas características podem ser aplicadas especificamente as mulheres.

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d) Pedir que os alunos escolham uma dessas características e disserte livremente sobre ela.

2) Casos de Sucesso de Mulheres Empreendedoras

a) O professor/mediador pode pedir como atividade que os alunos busquem em sites, revistas especializadas e jornais, casos de mulheres que montaram seus próprios negócios e obtiveram sucesso.

b) Pedir que apresentem estes casos em sala de aula buscando encontrar nos mesmos os fatores de sucesso.

3) Que tal discutirmos a partir de alguns dados oficiais?

Proponha aos seus alunos uma pesquisa em sítios de órgãos oficiais que trabalham com dados e informações sobre emprego, renda, família, população, educação, etc. Peça para eles identificarem a evolução e conquistas femininas nas áreas de trabalho, emprego, educação, etc. Os dados e informações colhidos por eles devem ser apresentados em sala de aula, seguido de um debate sobre os temas pesquisados. Como sugestões, indicamos alguns sítios, o professor e a turma poderão sugerir outros. Sítios sugeridos:

IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/

IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: http://www.ipea.gov.br/portal/

MTE: Minis té r io do Trabalho e Emprego: http://www.mte.gov.br/

M i n i s t é r i o d a E d u c a ç ã o : http://portal.mec.gov.br/index.html

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Referências recomendadas para a análise do caso

DUARTE, Francisco Ricardo. UNIVASF. Perfil sócio-econômico das mulheres em situação de prostituição do Município de Juazeiro (BA). Organizador Francisco Ricardo Duarte. Petrolina: 2007.

MOURÃO, Luciana; ANDRADE, J. E. Borges. Significado do trabalho: caminhos percorridos e sinalização de tendências. Revista de Estudos Organizacionais. Maringá, vol. 2, n.2. p. 59-76, jul./dez.2001.

PADILLA, Beatriz (2008), “O empreendedorismo na perspectiva de género: uma primeira aproximação ao caso das brasileiras em Portugal”, in OLIVEIRA, Catarina Reis e RATH, Jan (org.), Revista Migrações - Número Temático Empreendedorismo Imigrante, Outubro 2008, n.º 3, Lisboa: ACIDI, pp. 191-215. Disponível em: < h t t p : / / w w w. o i . a c i d i . g o v. p t / d o c s / R e v i s t a _ 3 / M i g r 3 _ Sec2_Art4_PT.pdf>. Acessado em: 20 set. 2010.

PESQUISA DE MERCADO PASTORAL DA MULHER 2007. Relatório de Pesquisa de Mercado encomendado pela Pastoral da Mulher. Empresa Júnior Consultoria – Petrolina, 2007. 36 p.

SILVA, Sirley da. Novo Olhar: Mulheres Prostituídas. 2008 56 p. Monografia (Graduação). Curso de Pedagogia. Universidade São Marcos. São Paulo.

SILVA, Fernanda Priscila Alves da. Irmãs Oblatas uma proposta pedagógica: caminho de humanização junto à mulher em situação de p r o s t i t u i ç ã o . D i s p o n í v e l e m : < http://www.oblatas.org.br/artigos_detalhes.asp?codigo=361&categoria=18&subcategoria=62#>. Acessado em: 27 set. 2010.

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