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Cássio Scarpinella Bueno - O Poder Público Em Juízo - 4ª Edição - Ano 2008

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Livro sobre Poder

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  • CASSfO SCARPINELLA BUENO

    Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito Processual Civil pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Professor dos cursos de Graduao, Especializao, Mestrado e Doutorado da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Membro do Instituto Brasileiro

    de Direito Processual. Membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual. Advogado em So Paulo.

    O PoderPblicoem Juzo

    4a edio, revista, atualizada e ampliada 2008

    EditoraI P Saraiva

  • ISBN 978-85-02-06681-6

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Bueno, Cassio ScarpinellaO poder pblico em juzo / Cassio Scarpinella Bueno.

    4. ed. rev., atual, e ampl. So Paulo : Saraiva, 2008.

    1. Direito civil - Leis e legislao - Brasil 2. Poder pblico - Brasil 3. Processo civil - Leis e legislao - Brasil I. Ttulo.

    07-6547 C D U -34 7 .9:35(81)

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Brasil : Poder pblico e processo civil : D 1 G IT A L IZ A D

    2. Brasil : Processo civil \ Direito 347.9:3j

    Data de fechamento da edio: 19-9-2007^

    31J

    3 j CLASs:34t;5^ 3^ :!2 ,

    iE

  • Este trabalho, dedico-o a meus pais, Leda e Jos Paulo, por ocasio de seus trinta e cinco anos de casamento. Foram eles que me ensinaram a sorrir no dia de chuva e a aguardar o amanhecer que segue a noite escura, sem lua:

    O sol sempre brilha atrs da mais densa nuvem e irradia calor mesmo durante a mais fria noite. Sempre.

    Outro dia, andei de avio e vi o sol l de cima. Como bonito...

    La notte trascorsa,il giomo venuto.Gettiamo perci via le opere delle tenebre e indossiamo le armi delia luce, e prendiamo le armi delia luce!

    ***

    Num outro dia, mais recentemente, quando meus pais j tinham completos seus mais de trinta e nove anos de casados, perguntei a eles:

    Entre este e aquele, qual devo escolher?Os dois, afmadssimos, responderam a uma s voz: Escolha aquele que tem mais sol; aquele que fica mais

    perto do sol.E me deram, para que eu lesse, uma pequena estrofe extrada da

    obra de Blake. Li, reli e no quero mais esquecer dela. Nunca mais. Lembrei-me daquele dia e da sua poesia agora mesmo, indo, uma vez mais, para o alto, para bem perto do sol:

    To see a World in a grain of sandAnd a Heaven in a wild flower,Hold Infinity in the palm of your handAnd Etemity in an hour.

  • NDICE

    Apresentao da 2S edio ....................................................... XINota prvia 4~ edio.............................................................. XIIINota prvia 3e edio ............................................................ XVNota 2 B edio ........................................................................ XVIIJustificativa (nota introdutria Ia edio)............................ XXV

    C aptulo I BREVE HISTRICO DA MEDIDA PROVISRIA N. 2.180-35, DE 24 DE AGOSTO DE 2001. 1

    C aptulo II O NOVO REGIME JURDICO DO PEDIDO DE SUSPENSO................................................................. 151. Consideraes iniciais.................................................. 152. O 4a do art. I2 da Lei n. 8.437192: otimizao da

    atuao administrativa.................................................. 213. O 2a do art. 4a da Lei n. 8.437/92: o contraditrio no

    pedido de suspenso..................................................... 264. O 3a do art. 4a da Lei n. 8.437/92: julgamento pre

    mente do agravo interno............................................... 295. O 4a do art. 4S da Lei n. 8.437/92: o novo pedido de

    suspenso o pedido de suspenso da no-suspenso 365.1. A necessidade de fundamentao especfica para

    o novo pedido de suspenso............................... 445.2. O prazo para o novo pedido de suspenso.......... 485.3. O Tribunal competente para apreciao do novo

    pedido de suspenso............................................ 525.4. O legitimado para a formulao do novo pedido

    de suspenso ....................................................... 55

    VII

  • 5.5. O novo pedido de suspenso e o art. 25 da Lei n.8.038/90 ............................................................... 57

    5.6. A inconstitucionalidade do novo pedido de suspenso por ausncia de competncia dos Tribunais Superiores para seu processamento............ 58

    6. O 52 do art. 4a da Lei n. 8.437/92: o pedido de suspenso a partir do improvimento do agravo de instrumento . 64

    7. O 6a do art. 4a da Lei n. 8.437192: concomitncia doagravo de instrumento e do pedido de suspenso ...... 66

    8. O 72 do art. 42 da Lei n. 8.437192: efeito suspensi-vo do pedido de suspenso.......................................... . 71

    9. O 8fi do art. 4a da Lei n. 8.437192: cumulao de pedidos de suspenso........................................................... 76

    10. O 9a do art. 42 da Lei n. 8.437192: a ultra-atividadedo pedido de suspenso................................................. 79

    1 1 . 0 pedido de suspenso da no-suspenso e o mandado de segurana............................................................. 8511.1. O l 2 do art. 4a da Lei n. 4.348164: um atalho

    (ainda) mais curto para o novo pedido de suspenso .................................................................. 8711.1.1.0 cancelamento das Smulas 506 do Su

    premo Tribunal Federal e 217 do Superior Tribunal de Justia e o art. 4a, Ia da Lei n. 4.348/64 ......................................... 95

    11.2. O 2a do art. 4a da Lei n. 4.348/64: liminar emmandado de segurana e agravo de instrumento 99

    11.3. Ainda o 2a do art. 4a da Lei n. 4.348/64: a ultra-atividade do pedido de suspenso .................... 101

    12. Consideraes finais...................................................... 103

    C aptulo III AS AES COLETIVAS E O PODER PBLICO ........................................................................... 1111. Introduo ..................................................................... 1112. A fragmentao das aes coletivas pela coisa julgada . 112

    VIII

  • 3. Abrangncia do art. 2a-A da Lei n. 9,494/97 ............. 1183.1. Competncia e coisa julgada: duas faces de uma

    mesma moeda?.................................................... 1194. Especificamente o pargrafo nico e as aes coleti

    vas dirigidas contra o Poder Pblico........................... 1264.1. caso de substituio processual ou de represen

    tao processual? ................................................ 1305. O esfalecimento da ao civil pblica......................... 143

    5.1. A quase-revogao da ao civil pblica para atutela de interesses e direitos difusos e coletivos . 154

    6. Aplicao imediata dos dispositivos ........................... 1557. Consideraes finais..................................................... 157

    C aptulo IV CONEXO ENTRE AES CIVIS PBLICAS E ENTRE AES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ........................................................ 1611. Relao dos novos dispositivos com o sistema do C

    digo de Processo C ivil.................................................. 1612. Um novo regime jurdico para a conexo entre causas

    e sua reunio?................................................................ 1652.1. Concluses parciais .............................................. 174

    3. Algumas dificuldades decorrentes da aplicao da nova regra .......................................................................... 176

    4. A incidncia imediata da nova reg ra ........................... 193

    C aptulo V A (IN)EFETIVIDADE DO PROCESSO EO PODER PBLICO ...................................................... 1971. Uma repetio de regras indesejvel........................... 1972. Viabilidade da execuo provisria? No mais! ........ 2003. Efetividade da tutela de urgncia? No m ais!............. 2054. Dispensa do reexame necessrio................................. 2195. O poder geral de cautela e as aes rescisrias.......... 222

    IX

  • C aptulo V I COMPENSAO DE CRDITOS TRIBUTRIOS E PREVIDENCIRIOS POR LIM IN A R.... 2291. Ampliao da Smula 212 do Superior Tribunal de

    Justia?.......................................................................... 2292. A incidncia do dispositivo.......................................... 2313. Inconstitucionalidade da inovao. A tutela de urgn

    cia pode satisfazer ........................................................ 2334. O fantasma do trnsito em julgado.............................. 2475. O fantasma das medidas provisrias........................... 249

    C aptulo VII ALTERAES ESPARSAS .................... 2531. Introduo ..................................................................... 2532. A dispensa de depsito prvio recursal para as pessoas

    de direito pblico .......................................................... 2532.1. O pargrafo nico do art. 24-A da Lei n. 9.028/95:

    iseno de custas e o FGTS ............................... 2653. O novo prazo para apresentao dos embargos nas exe

    cues contra a Fazenda Pblica................................. 2684. Prazo prescricional de aes indenizatrias contra a

    Administrao .............................................................. 2755. Honorrios de advogado e execues no embargadas . 2826. Reviso de precatrios ................................................. 2887. Juros de mora ................................................................ 2938. Inexigibilidade de ttulos executivos (CPC, art. 741,

    pargrafo nico) ............................................................ 297

    C aptulo VIU REFLEXES FIN A IS............................ 307

    Bibliografia ................................................................................ 325Sites consultados........................................................................ 340

    ANEXOSI Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 341II Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 1.753-2/DF

    Acrdo ........................................................................... 363

    X

  • APRESENTAO DA 2S EDIO

    Renovam-se as esperanas. Dia a dia, reafirmam-se novos valores na busca do constante aprimoramento humano. O autor desta refinada obra, unindo o magistrio advocacia, revela a preocupao com o embate, por vezes desequilibrado, entre o cidado e o Estado. Assim que, ante a dualidade interesse pblico primrio e interesse pblico secundrio, procede crtica ao excepcional pedido de suspenso de tutela antecipada, de liminar e de segurana. No tocante s aes coletivas, examina aspectos ligados jurisdio como predicado da soberania, afastando a ptica que a igualiza competncia, esta sim, a delimitar, sob o ngulo do valor, da matria e territorial, a atuao judicante. O autor mostra-se atento ao princpio da razoabilidade, colocando em patamar privilegiado a garantia constitucional do acesso ao Judicirio. Ao refutar a vedao do uso da ao civil pblica para se questionar a legitimidade da exigncia de tributos, consigna, com desassobro, a impropriedade de alar-se a vontade do Poder Executivo Federal categoria de verdadeiro dogma sacrossanto. A mitigao desse meio racional de tomar prevalecente a ordem jurdica, mediante a atuao do Ministrio Pblico defensor maior da sociedade , ressaltada em ttulo que traz embutido inegvel advertncia A quase revogao da ao civil pblica para a tutela de interesses e direitos difusos e coletivos. Com razo, o autor aponta a ao civil pblica como responsvel pela efetivao da cidadania brasileira e do prprio Estado de Direito, consagrados pela Constituio Federal de 1988 uma carta popular na qual ganhou destaque o trato dos direitos sociais e, portanto, a dignidade do homem. Sim, faa-se coro com o autor, porque, de fato, para que servem textos introduzidos por via que deveria ser estreita, como a da medida provisria, seno a atender poltica governamental em curso, sempre balizada no tempo, enquanto os princpios assegu- radores de uma vida gregria estvel mostram-se perenes e situados em patamar insuplantvel? Reina, na disciplina da matria, a viso

    XI

  • mope, equivocada, pois alicerada em simples interesse administrativo dos dirigentes de planto. Ao discorrer sobre o valor maior da probidade no setor pblico, ressalta o jovem professor a feio instrumental das aes, a liberdade no sentido alargado, presente na disciplina processual. Volta a frisar tambm o carter vinculante da atividade jurisdicional, afirmando ser o juiz servidor pblico incumbido de corporificar o Estado, donde a obrigao de praticar determinados atos com o objetivo especfico de alcanar a finalidade da norma a ser aplicada. Nesta obra to consistente quanto perspicaz, a efetividade da prestao jurisdicional, a abranger o Poder Pblico, apreciada com nfase ao princpio constitucional da defesa de direitos, razo pela qual sero rechaadas com veemncia as normas que acabam por obstaculizar atos judiciais contra o Estado, tomando este, como desejvel, com a qualificao de parte, de componente, simples componente da relao processual.

    Realmente, o primado do Judicirio h de ser defendido e mantido, sob pena de no se ter preservada a democracia. O Estado, cuja existncia visa ao bem comum, segurana jurdica, tudo pode legisla, executa as leis e julga os conflitos de interesses. Que o faa, no entanto, com apego ao figurino constitucional. Sentenas e acrdos enfim, decises devem vir ao mundo jurdico com a eficcia prpria, sem que se distingam as partes litigantes. Ameaa a direito merece ser afastada, contando-se com as medidas acauteladoras inerentes jurisdio. Envolvido o Estado, cuja postura precisa ser exemplar, mais se justifica a incontinenti atuao do magistrado. Muitos outros captulos deste inteligente texto poderiam ser pinados, guisa de comentrios, como, por exemplo, o da compensao no campo tributrio. Cabe to-somente, entretanto, a apresentao da obra, a qual, j em segunda edio, firma-se, a cada dia, como leitura obrigatria, honrando o autor a formao profissional, que, aliada coragem sntese de todas as virtudes , o credencia como um cientista do Direito. Mestre e doutor pela Universidade Catlica de So Paulo, esgrime a arte de proceder com percucincia, de modo a chegar-se supremacia do arcabouo normativo substancial.

    Ministro Marco Aurlio Presidente do Supremo Tribunal Federal

    XII

  • NOTA PRVIA 4a EDIO

    Seguindo a mesma diretriz da edio anterior, levei em considerao, para a preparao da presente, as diversas (e profundas) alteraes experimentadas pelo sistema processual civil na mais recente etapa de Reformas do Cdigo de Processo Civil, em especial as relativas aos temas aqui versados e suas diversas inter-relaes com a Lei n. 11.187/2005 (recurso de agravo); a Lei n. 11.232/2005 (cumprimento de sentena); a Lei n. 11.280/2006 (preveno e suspenso da eficcia da deciso sujeita a ao rescisria) e a Lei n. 11.448/2007 (legitimidade da Defensoria Pblica para aes civis pblicas).

    Tambm senti necessidade de dar destaque jurisprudncia mais recente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justia que se formou e que se vem formando a respeito dos diversos dispositivos da Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, e de outros tantos diplomas normativos examinados ao longo da exposio e que se relacionam, mais ou menos intensamente, com os temas aqui versados.

    Fao questo de deixar consignado o meu sincero agradecimento ao pblico leitor que, desde a Ia edio deste trabalho, acolheu-o to bem, o que tem justificado as suas constantes reedies, sempre revistas, atualizadas e ampliadas: falar hoje em Poder Pblico em Juzo ou em direito processual pblico j faz, por si s, sentido. E quanto h para se tratar sobre este indispensvel corte metodolgico do direito processual civil!

    Por fim, um renovado agradecimento muito especial, para reiterar, sempre uma vez mais, nunca o suficiente, a dedicatria e a minha homenagem, as mais carinhosas, aos meus pais, Leda e Jos Paulo, em direo aos seus quarenta e trs anos de casados. Lio de sempre, devidamente aprendida, vivida e repetida: T ll follow the sun...

    Cassio Scarpinella Bueno julho de 2007

    xin

  • NOTA PRVIA 3 EDIO

    Desde a apresentao da 2a edio deste trabalho, vrios livros e artigos foram editados buscando recolher aquilo que, h algum tempo, venho denominando direito processual pblico ou Poder Pblico em Juzo. Tambm vrios cursos, palestras, seminrios e eventos jurdicos vm sendo divulgados para a discusso destes temas. Com ou sem variantes de nomes, o que me parece relevante destacar que, decididamente, o tema pegou. Est sendo discutido, pensado e sistematizado. o que me bastaria para manter aceso o fogo que, de minha parte, acendi h mais de cinco anos e que levou Ia edio deste livro.

    Uma outra razo, no menos importante, que me motivou a preparar esta 3a edio, foi o advento das diversas novas Smulas do Supremo Tribunal Federal editadas nos meses de setembro e dezembro de 2003. Se, certo, apenas algumas destas Smulas tm incidncia nos temas aqui versados, no menos correta a afirmao de que sua aplicao merece sistematizao. Quando menos, uma proposta de sistematizao que busque, como aqui busquei desde o incio, equacionar os diversos problemas que decorrem da convivncia de leis, medidas provisrias que no so provisrias e estas Smulas que, muitas vezes, acabaram por retratar estgios da doutrina e da jurisprudncia sobre determinadas questes anteriores consolidao da Medida Provisria n. 2.180101.

    De outro lado, a revogao das Smulas 506 do Supremo Tribunal Federal e 217 do Superior Tribunal de Justia acabaram por ter o condo de convidar a uma nova reflexo sobre determinadas questes do pedido de suspenso da no-suspenso relativo ao mandado de segurana. Afinal, revogadas aquelas Smulas, necessrio, ou no, pessoa que requereu a primeira suspenso agravar antes de bater s portas do Supremo Tribunal Federal e/ou do Superior Tribunal

    XV

  • de Justia por intermdio do novo instituto? Em que medida a idia de que o acesso queles Tribunais Superiores depende do prvio esgotamento das vias recursais ordinrias foi (ou deve ser) afetado em virtude da insubsistncia daqueles enunciados?

    A estas e a outras questes que lhe so derivadas que se volta este trabalho, a partir desta 3a edio. Como nas edies anteriores, crticas e comentrios sero sempre muito bem-vindos.

    Uma vez mais agradeo, de pblico, o empenho da advogada Maria Ceclia Paiva Cury, que me ajudou na separao do novo material doutrinrio e jurisprudencial doravante indicado.

    Cassio Scarpinella Bueno julho de 2004

  • NOTA 2a EDIO

    Esgotada a Ia edio leitores amigos e gentis , a revisitao do trabalho pe-se quase como um dever, considerando a estabilizao daquele direito que vi, ms a ms (s vezes, mais de uma vez por ms), ser criado sem quase nenhuma espcie de crtica ou reao (positiva ou negativa, friso) da comunidade jurdica.

    Assim, o trabalho de reviso, atualizao e ampliao deste meu O Poder Pblico em juzo justifica-se, quase que decorre, a bem da verdade, em virtude daquilo que me levou a escrev-lo em meio criao das regras que comentei pelas sucessivas, exaustivas e, acreditem, caticas reedies das Medidas Provisrias n. 1.798, 1.906, 1.984,2.102 e, finalmente, 2.180.

    A estabilizao dessas regras, contudo, fruto de uma violncia jurdica que, como tantas outras, passou despercebida ou, se se preferir, chamou muito pouca ateno. Ao mesmo tempo em que o art.I2 da Emenda Constitucional n. 32/2001 limitou a possibilidade de edio de medidas provisrias pelo Presidente da Repblica, seu art. 2a manteve intactas e vigentes todas as que, at a data de sua promulgao, tinham sido editadas1. A de nmero 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, objeto de meu exame, no foi exceo.

    O fato concreto que aquela medida provisria vige, no ordenamento jurdico nacional, como se fosse lei mesmo sem ser. , merc do referido art. 2a da Emenda Constitucional n. 32/2001, uma medida no p ro v is r ia E no provisria porque definitiva enquanto o Congresso Nacional dela no tratar para acolh-la ou rejeit-la.

    1. Art. 2a. As medidas provisrias editadas em data anterior da publicao desta emenda continuam em vigor at que medida provisria ulterior as revogue explicitamente ou at deliberao definitiva do Congresso Nacional.

    XVII

  • Certa vez ouvi que no era o caso de dar ateno a medidas provisrias. Que todas elas, sem exceo, eram inconstitucionais e que, por isso mesmo, no deveriam merecer qualquer forma de estudo ou de sistematizao. At porque elas eram, o prprio nome revela, provisrias. Mais dia, menos dia, no seriam reeditadas, seriam esquecidas ou, simplesmente, declaradas inconstitucionais de uma vez por todas pelo Supremo Tribunal Federal em ao direta de inconstitucionalidade ajuizada por algum. Afinal, o rol dos legitimados para essa iniciativa ampliou-se bastante com a Constituio de 1988.

    At acho que muitas dessas medidas provisrias so inconstitucionais. Mas, como acentuei desde a Ia edio e agora repito, algum tem de estud-las, entend-las. Porque, enquanto ningum as declarar inconstitucionais e no s o Supremo Tribunal Federal que pode faz-lo, sabemos todos , elas tm de ser aplicadas. esse o meu intuito aqui, sobretudo, repito, em virtude do (inconstitucional!) art. 2a da Emenda Constitucional n. 32/2001 e sua regra de congelamento, seu direito adquirido s reedies, livres e soltas, de medidas provisrias. Mais do que nunca as medidas provisrias so no pro- visrias e tm de ser levadas em conta pelo intrprete e pelo aplica- dor do direito. Nem que seja para, fundamentadamente, recusar sua aplicao em cada caso concreto que se lhe apresente para exame.

    Estabilizado o objeto de estudo, pretendi conservar nesta 2a edio a mesma linha crtica da que lhe precedeu. Estou absolutamente convencido de que a Medida Provisria n. 2.180-3512001 um bom campo de provas do que tenho denominado direito processual pblico ou fazenda pblica em juzo. As diversas oportunidades que tive para me manifestar sobre o assunto desde a Ia edio mostraram-me o acerto dessa afirmao.

    Mais ainda: essas mesmas oportunidades aulas, palestras, cursos, conferncias, conversas com amigos, professores, juizes, membros do Ministrio Pblico, advogados pblicos e privados , novas reflexes e meu estudo, em tempo real, de cada uma das reedies da referida medida provisria ao longo dos quinze meses que se seguiram ao lanamento da Ia edio acabaram me convencendo de que possvel falar em uma contra-reforma do processo civil.

    XVIII

  • Convenci-me disso. Ao contrrio das chamadas reformas e das novas reformas do Cdigo de Processo Civil exemplarmente comandadas por dois dos melhores processualistas brasileiros (os Ministros Athos Gusmo Carneiro e Slvio de Figueiredo Teixeira), que, ao lado do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do inegvel exemplo de democracia pela ampla possibilidade de participao no processo legislativo reformador , as inovaes da Medida Provisria n. 2.180-35/2001 foram postas e impostas sociedade civil sem maiores explicaes e, certo, sem nenhuma participao efetiva de qualquer segmento social. No entanto, no obstante a inexistncia de qualquer arremedo de processo legislativo para sua criao, ela afeta, do mesmo modo que as mais recentes Leis n. 10.352/2001, 10.358/2001 e 10.444/2002, o processo civil.

    Mais ainda: a medida provisria sobre a qual me debruo ao longo deste trabalho vai na contramo das novidades trazidas pelo movimento de reforma do processo civil brasileiro. Em determinados pontos, suas regras representam, inegavelmente, verdadeira contra- reforma processual. Porque colocam no prprio Cdigo de Processo Civil e em diversas leis extravagantes dispositivos que representam, em ltima anlise, sua predisposio a negar efeito aos avanos que, ao sistema processual civil, tm chegado mais recentemente. Se a tnica do novo processo civil brasileiro , ao menos do ponto de vista daquele que pleiteia algo em juzo, a efetividade, vale dizer, a produo de resultados concretos e rpidos para aquele que, com alguma boa dose de razo, busca amparo no Poder Judicirio, a do direito processual pblico a da inefetividade. Inefetividade pela criao de obstculos, dificuldades e bices das mais variadas espcies para o particular. Inefetividade pela eliminao, pura e simples, de determinadas categorias e institutos processuais para quando o Poder Pblico est em juzo. Regras processuais, de resto, que so criadas para uma s das partes da relao processual, ferindo de morte o princpio do devido processo legal. Tudo para que o processo demore mais do que as precitadas leis da Reforma, atendendo ao reclamo da sociedade brasileira, querem tolerar. E demora incua a maior parte das vezes porque, sem instrumentos adequados, o tempo do contraditrio consome o direito, mesmo quando declarado solenemente existente.

    XIX

  • Mantive, para a elaborao desta 2a edio, a sistemtica anterior, dando mais nfase, mas no exclusivamente, exposio, sistematizao e problematizaao das novidades afinal consolidadas pela Medida Provisria n. 2.180-35/2001 do que anlise de sua consti- tucionalidade ou inconstitucionalidade.

    Como anexos do trabalho esto o texto integral (e definitivo) da referida medida provisria e o acrdo integral da Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 1.753/DF, que ainda reputo til para reflexes nos termos do que j havia escrito, e mantenho, na Justificativa. Outras aes diretas de inconstitucionalidade so mencionadas ao longo do texto mas, infelizmente, no me foi possvel obter seus acrdos para integrarem o livro.

    Todos os adendos da Ia edio, isto , as atualizaes via Internet que se deveram pelas reedies mensais da Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, podem ser consultados no site www.scarpinellabueno.com.br, para onde crticas, sugestes e comentrios podem ser enviados, evidentemente. Aqueles textos representam e como! o momento exato e o contexto da criao e recriao destas normas de direito processual pblico aqui comentadas. Da que os disponibilizo para os interessados. Foi, para mim, uma experincia bastante proveitosa essa a de escrever e atualizar um livro em tempo real.

    ***

    Deixo, aqui, registrados meus agradecimentos Maria Ceclia Paiva Cury e ao Diogo Leonardo Machado de Melo, que me ajudaram no recolhimento do material de pesquisa para esta 2a edio.

    Ao Prof. Marcelo Abelha Rodrigues abelha lindamente coruja diante do Guilherme e da Dominique , reitero meus agradecimentos pblicos da Ia edio por toda a forrra que ele me deu, desde ento, na divulgao das idias ento expressadas e aqui renovadas e aprofundadas. Valeu, Marrrcelo!

    ***

    Quero, por fim, homenagear, com esta 2a edio, os meus ex- alunos da Turma MB 5, que completaram seu curso na Faculdade

    XX

  • de Direito da PUCSP em 2002 e que, por extrema bondade, resolveram homenagear-me em sua formatura, que se realizou no dia 12 de fevereiro de 2003.

    Naquele dia, escrevi uma breve carta, que melhor chamei de pequena homenagem. Uma pequena homenagem minha a cada um deles. Quero compartilhar aquele momento com os leitores deste meu trabalho e, permitam-me, ainda uma vez, com meus ex-alunos. Ei-la, na ntegra:

    Meus carssimos alunos,Desde quando soube da homenagem que vocs me dirigiriam

    na Formatura, emudeci. S consegui falar que no tinha palavras para lhes agradecer o gesto. Justamente porque foi um gesto que me tocou bastante. Quero, com estas poucas linhas, que escrevo propositalmente no dia de sua formatura, poucas horas antes de nos encontrarmos, dirigir-lhes as palavras que, em um primeiro momento, faltaram a mim. uma forma que encontrei para pensar bastante em vocs no dia de hoje, para lhes desejar felicidade, sorte, sucesso e o encontro e a realizao de seus sonhos a partir deste dia to importante nas suas vidas. Leiam-na e recebam-na como uma pequena homenagem para cada um de vocs.

    Foi com vocs, com os componentes da Turma MB 5 de 2002, que consegui, pela primeira vez na minha vida acadmica, realizar um sonho antigo. Ministrar, para uma mesma turma, aulas de Fundamentos de Direito Pblico e de Direito Processual Civil, ambicionando, com isso, demonstrar o quo estreita a relao entre o estudo do funcionamento do Estado (e seus desdobramentos) e o estudo do direito processual civil. Talvez, at mesmo, para demonstrar que processo civil no s tcnica, mas muito mais do que isso. Que ele forma de realizao do direito material e do prprio Direito Pblico, da definio e concretizao diutuma dos contornos do prprio modelo de Estado assumido por uma nao. elemento indissocivel, pois, da luta pelo Direito. Da luta que vocs, mais do que nunca, so co-responsveis, verdadeiros soldados, alistados h cinco anos, e que, agora, so convocados.

    A formatura um momento interessante. Nela tudo parece ter acabado, mesmo que l na frente, vocs vo ver com mais clareza, acreditem nem sequer tenha comeado. -se bacharel

    XXI

  • mas se quer ser algo diferente, algo que talvez soe como mais do que bacharel: juiz, promotor, advogado pblico ou privado, delegado de polcia, professor de Direito; tantas possibilidades... um momento, por isso mesmo, que no deixa de ter muito de inconformismo. Porque se quer ser algo que ainda no se e, muitas vezes, no se pode, ainda, ser. Como ser cada uma daquelas coisas sem que um concurso declare a nossa aptido e a nossa vocao?

    Mas, pensando bem, quanto do nosso curso tambm no e no foi feito de inconformismo? Quanto do que vemos acontecendo no cotidiano tambm com o Direito no nos causa inconformismo? No esse mesmo inconformismo o sentimento que temos quando vemos o ser no corresponder quilo que deveria-ser, quilo que queramos que fosse, pelo menos na nossa concepo de Justia?

    Mudar as coisas, transformar o mundo, as pessoas; transformar tudo pelo Direito. Vivemos um bom momento para isso. O bacharel em Direito acredita nisso e tem toda a razo de acreditar e perseguir essa vontade. No a abandonem. No deixem de acreditar que vocs podem mudar as coisas. Vocs podem e o grau de bacharel, por si s, declara e autoriza isso. Transformem seus sonhos em realidade. Transformem a realidade!

    A solenidade de colao de grau tambm um instante em que vocs podem parar (ou, quando menos, suspender um pouco) o frentico ritmo do ltimo ano da Faculdade. Deixar de lado o fantasma da prova da Ordem e o incio, para muitos, da maratona dos concursos para as carreiras pblicas: sempre e sempre a perseguio dos nossos sonhos. Olhar para os lados, respirar aliviadamente e gritar para quem quiser ouvir: Venci!. E, em se tratando de um curso de Direito da PUC SP, definitivamente no h como deixar de acentuar a qualidade dessa vitria. Chegar at este momento um privilgio; chegar at aqui algo que merece toda a felicitao possvel. Basta ter chegado para comemorar. No se esqueam de comemorar e de lembrar e de se orgulhar de suas conquistas, de suas vitrias. Sempre. A lembrana trar conforto a vocs, sobretudo nos momentos mais difceis. Principalmente quando o sonho parecer mais distante do que nunca.

    No terei oportunidade de discursar na Formatura hoje noite. Este privilgio no dado aos professores homenageados

  • e, c entre ns, ainda bem. Caso contrrio, a formatura nunca acabaria e seriam s os discursos. H muita coisa l. Sobretudo a emoo, pura emoo, que muito dificilmente, se resume em palavras alheias. No quero discursar para vocs por escrito tambm. Conforto-me em escrever estas poucas linhas, pensando muito em vocs, no seu futuro e, tenho certeza, na sua felicidade e sucesso. Escrever hoje, justo hoje, no seu dia para externar, para vocs, minha gratido a mais sincera , pelo seu gesto, pelo gesto de cada um de vocs. Pela confiana no meu trabalho, nas minhas aulas, nas minhas idias. Sobretudo naquelas mais crticas cidas at mesmo , que, no fundo, s querem fazer com que todos, vocs e eu, pensemos um pouco mais. Aquelas idias que parecem soar inconformadas, que vocs tantas vezes ouviram para se inconformar tambm ou buscar uma soluo para vencer o inconformismo. Para transformar, para mudar. No deixem de se inconformar. No deixem de se indignar. No deixem, fao questo de repetir, de perseguir seus sonhos.

    O que me fascina na carreira jurdica que ela repleta de caminhos, de opes, a serem seguidos, traados e construdos. O ser bacharel , ou pode ser, apenas o comeo e tanto h para fazer a partir da. Quanto h para sonhar. Escolhi ser professor. Completei dez anos desta escolha com vocs, justamente no ano em que vocs se formaram e me homenagearam. E dela no me arrependo um minuto sequer. Vocs e sua homenagem so prova viva do acerto da minha escolha, que vive em mim e, mais do que nunca, em cada um de vocs, por menos que gostem ou gostassem de direito pblico ou de processo civil. Vocs tm sua frente, agora mesmo, nesta mesma noite, tantas opes para tomar. Podem escolher ser juizes, membros do Ministrio Pblico, advogados, delegados de polcia, professores, ou apenas bacharis em Direito. O que no podemos ser, nunca, jamais, conformistas. O que no podemos desprezar o que estudamos, aprendemos e ensinamos juntos; desprezar o que vivenciamos juntos: o que vocs vivenciaram como classe nestes ltimos anos. E a unio que vocs tm um pelo outro, to forte e to visvel, no pode ser desfeita. Preservem-na. Valham-se dela para mudar. Valham-se dela para se fortalecer, para se inconformar e lutar por seus ideais. Valham-se dela quando se sentirem ss: vocs no estaro, acreditem. Sonho que se sonha junto realidade. Uma bela cano do Raul Seixas em forma de poesia, no acham?

    XXIII

  • Direito muita coisa. Mas instrumento de realizao e de transformao tambm. Hoje, dia da sua formatura, vocs, pessoalmente, se realizam e se transformam pelo e no Direito. Meus parabns. Meus renovados agradecimentos pela homenagem. Minhas sinceras homenagens a cada um de vocs, por favor a recebam. A minha amizade e a minha admirao vocs j as tm desde quando, h cinco anos, entrei na sua sala de aula pela primeira vez e nos conhecemos. Viram como passa tudo rpido?

    Sejam felizes e usem o que sabem para tomar as pessoas e o nosso mundo mais feliz. Transformem-no em um lugar melhor para vivermos. Transformem seus sonhos em realidade.

    Obrigado, Adriana, Alberto, Alexandre, Aline, Ana Caroli- na Crepaldi, Ana Carolina Monteiro, Ana Luza, Andr, Andrea, Anne, Bianca, Ccia, Camilla, Camille, Carina, Carlos Alberto, Ceclia, Celina, Ciara, Cludia, Cristina, Daniel, Daniela, Diana, Diego, Elton, Fernando, Flvia Helena, Flvia Torino, Flvio, Guilherme, Gustavo, Julia, Luiz Eduardo, Marcos, Mariana, Maurcio, Mauro, Mayra, Milena, Nahana, Patrcia, Renata, Renato, Ricardo, Rodrigo Pagani, Rodrigo Pittas, Selma, Simo- nesky, Sumaya, Suzi, Sylvana, Taciana, Tatiana e Thas. Obrigado a cada um de vocs.

    Cassio Scarpinella Bueno

    XXIV

  • JUSTIFICATIVA (nota introdutria l e edio)

    J h algum tempo venho reunindo elementos para me dedicar com um pouco mais de flego s modificaes que, pouco a pouco, vm sendo introduzidas no cenrio jurdico nacional pelo que hoje a Medida Provisria n. 1.984-17, de 4 de maio de 20001.

    Em janeiro deste ano assustou-me a nova disciplina relativa ao pedido de suspenso (art. 42 da Lei n. 8.437/92). Dei incio elaborao de um artigo que remeteria publicao.

    O artigo estava pronto no final de maro, e, como se tratasse da aquisio de algum destes fascculos mensais nas bancas de jornal, aguardei a edio de abril da medida provisria. Pretendia deix-lo o mais atualizado possvel, o que, na minha viso, limitar-se-ia a digitar um novo dgito e a data da reedio do ato comentado. Publicao cancelada. Meu artigo havia perdido sensivelmente a razo de ser e seu objeto.

    Nunca vi, confesso, um trabalho meu ser consumido de maneira to voraz quanto se deu no incio do ltimo ms de abril. O artigo, calcado na dcima quinta reedio da medida, de maro de 2000, no passou de uma pequena parte das modificaes que vieram a ser impostas pela e desde a reedio de abril de 2000.

    Neste quadro, vi-me diante de duas alternativas. De um lado, desistir, pura e simplesmente, da empreitada. possvel competir com a velocidade da modificao do direito positivo? E possvel acompanhar estas alteraes diariamente? E possvel manter um

    1. As remisses Medida Provisria n. 1.984-17, de 4 de maio de 2000, devem ser entendidas como sendo feitas Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001.

    XXV

  • trabalho jurdico atualizado nos dias de hoje? De outro, prosseguir na tarefa, ento bem mais rdua, de procurar interpretar todas as modificaes impostas pela nova reedio ao direito processual pblico e torcer para que uma nova reedio da medida provisria trouxesse uma certa dose de estabilidade. Sim, estabilidade e segurana jurdica, vetores da prpria razo de ser do Direito.

    Optei pela segunda via. At mesmo como forma de me expressar com relao a todos os problemas de sistematizao e de interpretao derivados destas medidas provisrias.

    A esta altura, dois esclarecimentos necessrios com relao ao corte metodolgico que marca este trabalho.

    A medida provisria em tela, desde seu nascedouro, ocupou-se em modificar em alguma medida o regime jurdico da Advocacia- Geral da Unio. Estas alteraes chegaram ao ponto culminante na sua dcima sexta reedio, de abril de 2000, o que, particularmente, foi bastante divulgado pela imprensa. exceo de uma ou outra observao passageira e que diga respeito, intrinsecamente, ao direito processual pblico, este trabalho no se volta anlise das diversas e inmeras modificaes trazidas Advocacia-Geral da Unio e assuno, por esta, do controle da assessoria jurdica de diversas autarquias e fundaes pblicas federais.

    O que me preocupa aqui uma proposta bem mais modesta, portanto decifrar os enigmas que a medida provisria imps quelas aes (civis) em que o Estado, direta ou indiretamente, parte. Assim, apenas para ilustrar, o pedido de suspenso; as aes coletivas; a negao da cautelar, da liminar e da execuo provisria. De qualquer maneira, entendi pertinente trazer o texto integral da referida medida provisria para que o leitor tire suas prprias concluses a partir de sua leitura, bem assim para que chegue a suas prprias propostas de sistematizao de todo aquele diploma com fora de lei. A transcrio de seu texto ocupa o Anexo I.

    De outra sorte, algum poder perguntar qual a relevncia e qual a urgncia destas alteraes? Esto presentes os pressupostos legiti- madores da edio da medida provisria delineados no art. 62 da Constituio Federal? So constitucionais as alteraes impostas por estes atos quando criam vantagens, benefcios e figuras processuais

    XXVI

  • somente em prol do Poder Pblico? Estas figuras representam prerrogativas ou inofensivos privilgios da Fazenda Pblica em juzo?

    Pertinentes as indagaes. At porque a medida provisria de que me ocupo apenas um exemplo do que ocorre todos os dias: a assistemtica alterao do direito positivo por legisladores de planto, como j teve oportunidade de acentuar o Ministro Marco Aurlio do Supremo Tribunal Federal.

    No me furtei de oferecer premissas para concluses e respostas a todas estas questes ao longo do trabalho. Tinha que faz-lo. Afinal, est comeando a soar como lugar-comum a afirmao de que as diversas alteraes trazidas lei processual civil extravagante e ao Cdigo de Processo Civil por medidas provisrias so inconstitucionais. H argumentos de sobejo para tanto. Por todos, o acrdo que o Supremo Tribunal Federal, relator o Ministro Seplveda Pertence, proferiu na Medida Cautelar da Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 1.753-21DF convida para uma reflexo profunda e especfica sobre o tema. Da seu texto integral corporificar o Anexo II deste trabalho.

    Mas minha proposta no reside a. No, ao menos, em primeiro plano. Minha iniciativa a de oferecer quele que se interessar por sua leitura uma viso sistemtica das conseqncias derivadas destas abruptas modificaes do direito positivo; uma proposta de sistematizao e de interpretao de todas estas alteraes. certo, todavia, em alguns momentos, no pude deixar de suscitar teses relativas inconstitucionalidade de mais de um dos dispositivos comentados.

    Se para o Executivo federal relevante e urgente a regulao do direito processual pblico para curar seus interesses secundrios por intermdio de medidas provisrias, qual aplicador ou operador do Direito dir que no relevante e urgente buscar uma sistematizao destas mesmas alteraes?

    Justifico-me, destarte, pela escolha da segunda opo a que me referi acima.

    H necessidade inarredvel de debruarmo-nos, todos, sobre esta e tantas outras medidas provisrias. Seja para oferecer argumentos para a declarao de inconstitucionalidade pela via concentrada ou difusa, seja para, enquanto isto no ocorre ou caso assim no se

    XXVII

  • entenda, ao menos procurar entender o que e em que condies est acontecendo. Em que medida, afinal, o direito positivo tem sido alterado.

    Aqui, minha premissa de pensamento e reflexo repousa no que venho chamando de direito processual pblico. Aquela parte do direito voltada ao estudo sistemtico das aes judiciais em que o Poder Pblico apresenta-se em juzo como autor ou como ru. E Poder Pblico nesta sede quer significar o Estado enquanto regido pelo direito pblico, desempenhando funo pblica.

    No me preocupo neste trabalho em demonstrar a utilidade da anlise separada destas aes em que o Estado parte. Tampouco em estabelecer premissas para a fundao de um novo ramo do direito. O que de relevo por ora verificar que uma proposta de sistematizao de modificaes relativas atuao do Estado em juzo de um prisma de anlise unitrio capaz de revelar, de maneira cristalina, a minimizao ou a neutralizao da to necessria efetividade do processo. O desequilbrio que existe entre o Estado (o Poder Pblico) e o particular nas aes judiciais em que ambos se encontram em plos contrapostos claro.

    Meu intento estar alcanado se despertar no prezado leitor alguma forma de indignao, alguma forma de se manifestar a este respeito ou, quando menos, seu interesse pela leitura das minhas consideraes, dos meus desdobramentos e das minhas reflexes.

    No peo que o prezado leitor concorde com minhas idias. Nem poderia faz-lo. Como toda pretenso, elas esto sujeitas ao contraditrio, a vises e a interpretaes diversas que no me ocorreram por qualquer motivo.

    Sei tambm que para cada questo aqui tratada h inmeras luzes diversas que podem ser lanadas e focadas. Ficarei satisfeito se puder tambm me aquecer com seu calor e puder enxergar mais longe, onde ainda no vejo, e corrigir aquilo que, hoje, parece-me fora de foco. Para esta tarefa parto certo do seguinte: atravs dos reflexos gerados por estas outras luzes, terei condies de iluminar minhas prprias outras e futuras reflexes e aprender sempre mais um pouco. Nem que seja para corrigir meus prprios erros. O que mais pode pretender um professor de Direito?

    XXVIII

  • Deixo consignados Milene Louise Rene Coscione, aluna da Escola de Formao da Sociedade Brasileira de Direito Pblico, meus agradecimentos pela ajuda segura na pesquisa de diversos dos julgados e artigos doutrinrios citados ao longo do trabalho. Na sua pessoa homenageio todo o MA 1, to importante na minha vida acadmica.

    Ao Moiss Limonad, meu muito obrigado. Pelo passado e por todo o apoio, o incentivo e a confiana desde os tempos em que, ainda estudante de primeiro ano, freqentava sua livraria e conversvamos sobre o que, um dia, poderia vir. Pelo futuro e por seu empenho, presteza e profissionalismo. Se tivessem faltado, este livro no veria a luz do dia, subjugado pelas constantes reedies da medida provisria que seu objeto.

    Ao Professor Marcelo Abelha Rodrigues, no s minhas homenagens, mas tambm meu mais pessoal e sincero agradecimento. Quando menos como retribuio a diversos Elementos de Direito Processual Civil. Mais do que nunca, indispensveis.

    Cassio Scarpinella Bueno maio de 2000

    XXIX

  • C apitulo IBREVE HISTRICO DA MEDIDA

    PROVISRIA N. 2.180-35, DE 24 DE AGOSTO DE 2001

    til para o incio do trabalho descrever, da maneira mais sistemtica possvel, o aparecimento das diversas modificaes no que venho denominando direito processual pblico sobre as quais meus comentrios recaem.

    Por direito processual pblico quero evidenciar que determinadas regras de processo dizem respeito de forma mais aguda seno exclusivamente s aes em que uma das partes o Poder Pblico. Poder Pblico, para mim, corresponde s pessoas administrativas regidas, pelo menos de forma preponderante, pelo direito pblico1. Assim, a Unio, os Estados, os Municpios, o Distrito Federal, suas autarquias e fundaes pblicas. Em diversos de seus dispositivos, a prpria Medida Provisria n. 2.180 vale-se desse critrio, nominando, especificamente, tais pessoas administrativas como destinatrias das regras que estabelece2.

    1. Sobre o assunto, v. meu A emergncia do direito processual pblico, e, de Carlos Ari Sundfeld, O direito processual e o direito administrativo, ambos publicados na coletnea Direito processual pblico a Fazenda Pblica em juzo, de nossa coordenao, nas p. 31-44 e 15-30, respectivamente.

    2. Uma questo que me parece interessantssima saber se as empresas pblicas e as sociedades de economia mista, quando prestadoras de servio pblico, podem ser chamadas de poder pblico para fins de incidncia de determinadas regras de direito processual pblico. Assim os precatrios, o reexame necessrio e, tambm, por identidade de motivos, as regras comentadas ao longo deste trabalho. Porque esta anlise iria alm da proposta deste trabalho, tomo a liberdade de enviar o leitor para outro texto meu, em que me debrucei sobre ela mais demoradamente: Execuo por quantia certa contra a Fazenda Pblica: uma proposta atual de sistematizao, esp. p. 121-4.

  • Ao contrrio do que se poderia pensar, e como j deixei entrever na Justificativa, a criao dos dispositivos de lei de que me ocupo aqui no foi linear. Muito pelo contrrio. Praticamente em todas as 35 reedies da Medida Provisria n. 2.180 houve alteraes significativas para o corte metodolgico de que trata este trabalho. Evidentemente que minha preocupao se volta para a sua forma final, a ltima de suas reedies, devidamente congelada pelo art. 2fi da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001. De qualquer sorte, reputo importante descrever o histrico das sucessivas edies e reedies desse ato normativo, quando menos porque ele prova de como o processo legislativo de um perodo do fortalecimento das instituies brasileiras se manifestou. O exame especfico de um ou outro dispositivo que vigeu mas que, por qualquer razo, j no vige mais simplesmente por no constar da ltima reedio da Medida Provisria n. 2.180, de 24 de agosto de 2001, ocupa os comentrios respectivos de cada um dos temas desenvolvidos ao longo do livro.

    A medida provisria em anlise foi editada pela primeira vez no dia 13 de janeiro de 1999, sob o nmero 1.798. Foi quando tudo comeou.

    L-se na sua ementa de ento o seguinte: Acrescenta dispositivos Lei n. 9.028, de 12 de abril de 1995, que dispe sobre o exerccio das atribuies institucionais da Advocacia-Geral da Unio, e d outras providncias.

    No me volto, pelas razes que j escrevi, s alteraes introduzidas na Advocacia-Geral da Unio. Verdadeiro convite, destarte, a nem sequer ter lido aquela medida provisria. Sua ementa clara. Ela no diz respeito ao objeto do meu estudo. Uma passada de olhos que se d naquele texto normativo, no entanto, revela o que estava por detrs das outras providncias: um novo art. l fi-A na Lei n. 9.494/97, dispensando as pessoas jurdicas de direito pblico federais, estaduais e municipais de depsito prvio para interposio de recurso (art. 3Q).

    A primeira reedio da medida, n. 1.798-1, de 11 de fevereiro de 1999, manteve as mesmas modificaes e foi alm. Alterou o Cdigo de Processo Civil (especificamente o regime da ao rescisria, arts. 485 e 188), acrescentou novo art. 49-A Lei n. 8.437/92 para admitir o

    2

  • cabimento, a qualquer tempo, de ao cautelar em ao rescisria proposta pelo Poder Pblico desde que caracterizada a plausibilidade jurdica da pretenso e introduziu dois novos artigos (22-A e 2a-B) na Lei n. 9.494/97, disciplinando as aes coletivas e as que tenham como objeto liberao de recursos, incluso em folhas de pagamento e situaes afins quando propostas contra o Poder Pblico.

    Sua ementa, verdade, tambm foi alterada, alertando para as novidades. Nenhum outro aviso, entretanto, de que a reedio da medida provisria era, em verdade, um novo ato, que trazia em seu corpo dispositivos at ento inditos no ordenamento processual brasileiro. Tanto assim que sua numerao conservou-se intacta.

    Essa verso da medida provisria manteve-se durante as trs reedies que se seguiram, at a de nmero 1.798-5, de 2 de junho de1999. Nesta, talvez em funo da Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 1.753-2/DF e, especificamente, da n. 1.910-1/DF (v. notas 1 e 3, infra), as modificaes do Cdigo de Processo Civil relativamente ao rescisria no foram repetidas. Destaco que, no obstante tenha sido modificado o texto da medida provisria (subtrado o art. I2, introduzido desde sua Ia reedio), a mesma numerao foi mantida.

    Em 29 de junho de 1999 dentro do mesmo ms de vigncia da verso anterior , a medida provisria foi reeditada, dessa vez sob o nmero 1.906-6. Nmero diverso, texto e ementa rigorosamente iguais. Diante disso, algum perguntar o porqu da alterao do nmero do ato presidencial. Subscrevo a questo no aguardo de uma resposta3. Essa situao se manteve at o ms de novembro de 1999 (Medida Provisria n. 1.906-11, de 25-11-1999).

    3. Pode ser coincidncia, mas foi justamente na alterao do nmero da srie que ao direta de inconstitucionalidade proposta contra essa medida foi julgada prejudicada. Com efeito, desde sua 2a reedio, em maro de 1999, o Partido dos Trabalhadores havia ajuizado, contra a medida, a Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 1.974/DF, distribuda ao Ministro Maurcio Corra. Desde a terceira edio, o autor da ao aditou a inicial para adequ-la ao preceito mais recente, como sempre foi exigido pela jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal (v. nota 2 do Captulo V). No entanto, os aditamentos foram suspensos com a alterao do nmero da srie para 1.906, o que fez com que a ao perdesse seu objeto, tendo sido julgada extinta em 16 de agosto de 1999 (D Jll, 23 ago. 1999, p. 21). Contra a primeira reedio

    3

  • A edio do ms de dezembro de 1999 (Medida Provisria n.1.984-12, de 10-12-1999) foi a nica da srie, desde o incio de sua publicao, em que h uma coincidncia entre a alterao da numerao, de seu texto e de sua ementa.

    Com efeito, na edio do ms de dezembro daquele ano, a medida trouxe uma inovao com relao s demais, acrescentando um 52 ao art. 19 da Lei n. 9.028195, que trata da Advocacia-Geral da Unio, e no apenas um art. 19-A ao mesmo diploma legal, a exemplo do que se verificou com todas as anteriores (art. 3a da Medida Provisria n. 1.984-12, de 10-12-1999).

    Em janeiro de 2000, uma vez mais sem qualquer alterao da numerao da medida exceo do dgito indicativo da reedio, foram acrescentados dois novos pargrafos ( 4a e 5fi) ao art. 42 da Lei n. 8.437192, tratando do pedido de suspenso (em verdade, do novo pedido de suspenso ou do pedido de suspenso da no-sus- penso). Isso se repetiu na 14a edio, de 10 de fevereiro de 2000. Um comentrio: como as novas regras foram introduzidas na Lei n.8.437192 (a exemplo do que j vinha ocorrendo, desde fevereiro de1999, a respeito da ao cautelar em rescisria proposta pelo Poder Pblico), acabou sendo mantida a mesma ementa, designativa da alterao de dada lei e no do contedo da alterao.

    A Medida Provisria n. 1.984-15, de 9 de maro de 2000, com o mesmo nmero da srie inaugurada em dezembro de 1999, acrescentou mais um dispositivo, at ento indito, Lei n. 8.437192: o 42 do art. 12 desse diploma legal, que se refere s providncias a serem tomadas quando da concesso de liminar contra o Poder Pblico.

    Adianto que no tenho dvidas de que esse novo 4fl relaciona- se intrinsecamente com os novos 42 e 5a do art. 4a da Lei n. 8.437192, que, desde a edio do ms de janeiro de 2000, passaram a incorporar o texto da medida provisria em exame. No entanto e esta a nfase que quero fazer agora , seu aparecimento, somente na 15a edio da medida, inexplicvel. Do nada literalmente uma

    da medida foi ajuizada a ADI 2.092-7/DF pela Confederao dos Servidores Pblicos do Brasil, tambm distribuda ao Ministro Maurcio Corra, e que no foi conhecida.

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  • das reedies da medida provisria criou novo dispositivo com fora de lei sem nem sequer haver distino quanto a sua numerao.

    A 16a edio, de 6 de abril de 2000, no s trouxe diversas alteraes ao quadro da Advocacia-Geral da Unio e de seu relacionamento com diversos rgos da Administrao indireta no particular, bastante difundidas pela imprensa, poca mas, tambm, acabou inovando de forma radical com relao s quinze edies anteriores no que diz respeito ao direito processual pblico.

    Foram, com efeito, diversos os novos dispositivos incorporados Lei n. 8.437/92, incluindo trs outros novos pargrafos em seu art. 4a, e prevista a possibilidade de efeito suspensivo ao agravo de que trata o 32 desse mesmo dispositivo legal, tudo com relao ao pedido de suspenso.

    Mas as modificaes determinadas pela Medida Provisria n.1.984-16, de 6 de abril de 2000, foram muito alm. Introduziu-se um novo 5fl no art. I2 da mesma Lei n. 8.437/92 (liminares e compensao de tributos) e se acrescentaram novos pargrafos Lei da Ao Civil Pblica (Lei n. 7.347/85) e Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) regulando a reunio dessas aes nas condies que disciplina.

    Nem sequer o Cdigo de Processo Civil permaneceu o mesmo com a nova reedio. A medida provisria acrescentou um art. 12-B Lei n. 9.494/97, que dilata o prazo para apresentao dos embargos execuo (por quantia certa) contra a Fazenda Pblica (CPC, art. 730). Mais: estabeleceu prazo prescricional de cinco anos nas condies do novo art. la-C da Lei n. 9.494/97 e at acrescentou um pargrafo nico ao art. 467 da Consolidao das Leis do Trabalho.

    Tratou-se, em suma, de nova medida provisria, substancialmente diversa de todas as que a precederam. Mas e aqui o problema sem nenhuma alterao formal ou externa; sem nenhuma indicao de que se tratava de ato diverso dos demais. Nem sequer seu nmero, friso este ponto, foi alterado a ttulo, seno de alerta, ao menos de aviso. No que me interessa para este trabalho, outrossim, a ementa idntica: como as novas regras foram introduzidas em diplomas legais que j estavam sendo alterados anteriormente, nenhuma modificao externa pde ser constatada.

    5

    4

  • bastante oportuno, no particular, o exame dessa reedio. Como o despretensioso histrico desenvolvido at aqui capaz de demonstrar, exceo da Medida Provisria n. 1.984-12, de 10 de dezembro de 1999, que inaugurou uma nova srie em funo de alteraes de contedo, em todas as demais tais mudanas substanciais no coincidiram e no foram designadas ou apontadas por novas numeraes, o que, evidentemente, s serve para criar maior dificuldade no manuseio, na interpretao e, mesmo, na assimilao desses textos com fora de lei.

    A prxima reedio da medida provisria a de nmero 17, de 4 de maio de 2000 trouxe mais uma modificao ao Cdigo de Processo Civil (um novo pargrafo nico no art. 741), norma que estava sendo veiculada por outra srie de medidas provisrias, ento com o nmero 1.997-37, de 11 de abril de 2000, e que foi congelada com o nmero 2.183-56, de 24 de agosto de 2001. No mais, manteve, consolidando, as substanciais alteraes da edio anterior. Aquela reedio, destarte, manteve o nmero da srie, ao mesmo tempo em que trouxe modificao para o Estatuto Processual (que nem sequer diz respeito, especificamente, ao Poder Pblico em juzo, ao contrrio das demais v. item 8 do Captulo VII), embora, certo, sua ementa indique isso.

    Foi com base nessa reedio, a Medida Provisria n. 1.984-17, de 4 de maio de 2000, que a Ia edio deste trabalho veio a pblico.

    A reedio seguinte, a Medida Provisria n. 1.984-18, de Ia de junho de 2000, alterou bastante as verses anteriores. Sobretudo naquilo que diz respeito ao pedido de suspenso.

    Aquela reedio introduziu trs alteraes significativas na disciplina do instituto. Modificou a redao dos 32 e 4C e incluiu um novo 5a no art. 4a da Lei n. 8.437/92, que criou o que denominei, poca, novssimo pedido de suspenso. Interessante destacar que a redao ento dada ao precitado 4a dava azo interpretao de que o particular poderia tambm valer-se do novo pedido de suspenso para alar-se s Cortes Superiores. Por razes evidentes, isso no foi repetido nas reedies subseqentes da medida provisria (v., a respeito, o item 5.4 do Captulo II).

    6

  • Outras modificaes foram experimentadas tambm. O art. 24-A da Lei n. 9.028195 ganhou um novo pargrafo nico a respeito da iseno de custas em casos que versassem sobre o FGTS. Tambm o art. 2a-A da Lei n. 9.494/97 (aes coletivas e o Poder Pblico) ganhou nova redao, embora, parea-me, de cunho mais redacional do que substancial.

    A 18a reedio da medida provisria, outrossim, veio com dois novos artigos. De acordo com seu art. 11, o Advogado-Geral da Unio passou a ter competncia para dirimir controvrsias em sede administrativa. O art. 12, por seu turno, passou a dispensar o reexame necessrio em algumas hipteses que enumera.

    A Medida Provisria n. 1.984-19, de 29 de junho de 2000 (note- se que ela foi publicada em plena vigncia da reedio anterior), trouxe duas outras novidades para o pedido de suspenso: nova redao para o 2a do art. 4a da Lei n. 8.437192 (oitiva do Ministrio Pblico em 72 horas) e nova redao para o 4a do mesmo dispositivo de lei, impedindo que o segundo ou novo pedido de suspenso pudesse ser formulado por quem despido de legitimidade para formular o primeiro pedido de suspenso.

    A reedio seguinte, Medida Provisria n. 1.984-20, de 30 de julho de 2000, trouxe trs novidades para a srie. Suprimiu o pargrafo nico do art. 22-B da Lei n. 9.494197 (uma verdadeira aberrao)4, deu nova redao ao pargrafo nico art. 741 do Cdigo de Processo Civil e acrescentou texto ao 4a do art. 11-A da Lei n. 9.028195, que diz respeito estruturao da Advocacia-Geral da Unio.

    A Medida Provisria n. 1.984-21, de 28 de agosto de 2000, no trouxe, ao contrrio das que lhe precederam, qualquer novidade srie at ento existente. Tratou-se, verdadeiramente, de cpia da verso imediatamente anterior.

    A reedio seguinte, Medida Provisria n. 1.984-22, de 27 de setembro de 2000, foi responsvel pela unificao dos regimes dos novos pedidos de suspenso. Incorporando a Medida Provisria

    4. A redao do dispositivo era a seguinte: Pargrafo nico. A sentena proferida em ao cautelar s poder ter carter satisfativo quando transitada em julgado a sentena proferida na ao principal. Sobre o assunto, v. o item 1 do Captulo V.

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  • n. 2.059, publicada no dia 8 de setembro daquele ano, ela estabeleceu que as regras do novo pedido de suspenso deveriam ser aplicadas tambm ao mandado de segurana e no apenas s aes cautelares ou pedidos de tutela antecipada formulados contra a Fazenda Pblica. Fez isso criando os 1 e 2a do art. 4a da Lei n. 4.348/64.

    Tambm subtraiu da nova edio os dispositivos considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da liminar da Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 2.25 l/DF (o original art. 4a, 7, e o art. 42-A, ambos da Lei n. 8.437/92). No mais, introduziu o art. 82-D na Lei n. 9.028/95, que diz respeito estruturao da Advocacia-Geral da Unio, e veio com um art. 15, que dispe aplicar-se ao rescisria o poder geral de cautela de que trata o art. 798 do Cdigo de Processo Civil, a meu ver uma afronta velada ao julgamento do Supremo Tribunal Federal na referida ao direta de inconstitucionalidade (v. item 5 do Captulo V).

    A Medida Provisria n. 1.984-23, de 26 de outubro de 2000, era idntica que lhe antecedeu.

    A reedio seguinte, n. 1.984-24, de 23 de novembro de 2000, publicada no Dirio Oficial da Unio do dia 24 de novembro de 2000, no trouxe qualquer novidade relevante para este estudo. Suas diferenas se comparada com a reedio imediatamente anterior dizem respeito, apenas, a questes de direito transitrio, em especial a absoro da Medida Provisria n. 2.059/00 pela Medida Provisria n.1.984-22/00.

    O ms de dezembro de 2000 viu a srie da medida provisria de que me ocupo ser reeditada duas vezes sem maiores explicaes. A 25ft edio, de 21 de dezembro de 2000, trouxe umas poucas novidades com relao estruturao da Advocacia-Geral da Unio e Consolidao das Leis do Trabalho. A reedio que se seguiu seis dias depois, em 27 de dezembro de 2000, conservou o mesmo texto mas ganhou um novo nmero. Desde ento, a Medida Provisria n. 1.984 passou a ser Medida Provisria n. 2.102. Ningum sabe oficialmente por qu.

    A Medida Provisria n. 2.102-27, de 26 de janeiro de 2001, que se seguiu, veiculou alteraes impertinentes para o corte metodolgico deste trabalho. Essa situao de calmaria legislativa durou por mais

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  • trs meses, em que foram editadas a Medida Provisria n. 2.102-28, de 23 de fevereiro de 2001, a Medida Provisria n. 2.102-29, de 27 de maro de 2001, e a Medida Provisria n. 2.102-30, de 26 de abril de 2001.

    A 3 Ia edio (datada de 24-5-2001) estabilizou, por assim dizer, o novo pedido de suspenso, dando aos 42 e 5fl do art. 4fi da Lei n. 8.437/92 sua atual redao. No mais, ela imps pequenas alteraes na Lei n. 9.028/95, que trata da Advocacia-Geral da Unio.

    No primeiro aniversrio dos adendos Ia edio deste trabalho, a Medida Provisria n. 2.102-32, de 21 de junho de 2001, limitou-se a criar treze novos cargos em comisso na Advocacia-Geral da Unio nos termos dos pargrafos do ento recm-includo art. 13.

    A reedio seguinte manteve intacto o texto da verso de 21 de junho de 2001. Por razes que no se explicaram talvez alguma causa relativa logstica das reedies das medidas provisrias , a medida provisria trocou de nmero. Foi em 29 de junho de 2001 (sim, apenas oito dias depois) que ela ganhou sua numerao definitiva, 2.180.

    Em 28 de julho de 2001 foi publicada a penltima reedio do ato (Medida Provisria n. 2.180-34), que veio com um novo art. 16, disciplinando cargos da Advocacia-Geral da Unio e corrigindo um erro de ortografia do art. 12, que se referia, at ento, a duplo grau de jurisdio obrigatrio.

    A Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, como era previsto poca, trouxe uma srie de novidades. Previsvel porque se avizinhava o dia em que se promulgaria o que veio a ser a Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, e j era certo que haveria uma norma de transio infame, que conservaria como leis todas as medidas provisrias at ento editadas. Tratou-se, inequivocamente, de se estabelecer um direito adquirido s medidas provisrias at ento criadas. Transformaram-se medidas provisrias em medidas no provisrias ou, de forma mais direta e mais incisiva, em medidas permanentes.

    Fazia tempo, com efeito, que uma reedio da Medida Provisria n. 2.180 no vinha acompanhada de tantas novidades; de tantos casos de urgncia e de relevncia, nos termos do art. 62 da Constituio Federal ento vigente. No havia como deixar de imaginar que, quando

  • se avizinhava a limitao expressa das edies de medida provisria que se concretizou pouco tempo depois, com a promulgao da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001 , o Executivo preocupou-se em editar tantas quantas pde. Sabedor, no tenho a menor dvida, do real (e nico) contedo do art. 2 daquela que veio a se tomar a Emenda Constitucional n. 32, verbis:

    Art. 2a As medidas provisrias editadas em data anterior da publicao desta emenda continuam em vigor at que medida provisria ulterior as revogue explicitamente ou at deliberao definitiva do Congresso Nacional.

    A leitura desse dispositivo clara o suficiente para atestar que todas as medidas provisrias editadas at a publicao da Emenda Constitucional n. 32 (12-9-2001) ficaram congeladas mantidas, feitas permanentes at ulterior deliberao normativa. Invivel que matria processual ou, de forma mais ampla, que diga respeito a cidadania seja veiculada por medida provisria desde a atual redao do art. 62 da Constituio Federal (cf. o Ia, I, a e b \ a Medida Provisria n. 2.180 a exemplo de tantas outras est, desde ento, estabilizada at ulterior deliberao legislativa. Como toda e qualquer lei, portanto, que s vige at que lei posterior a revogue, expressa ou tacitamente (Lei de Introduo ao Cdigo Civil, art. 2fi).

    Assim sendo, por fora do art. 22 da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, todas as medidas provisrias ento pendentes de deliberao no Congresso Nacional ficaram instantaneamente transformadas numa espcie legislativa sui generis, que no consta do art. 59 da Constituio Federal. Embora formalmente medidas provisrias, sua vigncia e eficcia independem de qualquer prazo ou de qualquer manifestao imediata do Congresso porque passaram a ser permanentes. Se e quando o Congresso Nacional se manifestar, elas podem vir a ser revogadas. Mas e este o ponto que est claro no art. 2a da emenda, basta l-lo qual lei sobrevive a deliberao congressual em sentido contrrio?

    As novidades que s foram criadas para o ordenamento jurdico nacional com a ltima reedio desta srie de medidas provisrias foram as seguintes:

    O art. 42 da Lei n. 8.437/92 ganhou um 9a sobre a ultra- atividade do pedido de suspenso; a Lei n. 9.494/97 ganhou trs

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  • novos arts. Ia (letras D, E e F) a respeito de v a r i a d o s assuntos, respectivamente, honorrios de advogado em execues nao embargadas pela Fazenda, possibilidade de reviso o ciosa e precatrios e limitao de juros de mora a 6% ao ano em con ena es da Fazenda Pblica. O art. 6fi, de seu turno, tratou de comgir o que quase foi um desastre no ordenamento infraconstituciona brasileiro, a revogao da ao civil pblica para a tutela os in e resses difusos e coletivos pelo art. 53 do Estatuto da 1^ a e. demais alteraes da Medida Provisria n. 2.180-35 no izem respeito ao objeto deste estudo.

    Qual a finalidade desse despretensioso histrico?Apenas evidenciar o que foi e espero mesmo que tenha sid ,

    sem chance de retomo prtica corriqueira do nosso xecu v Federal: introduzir novos dispositivos em reedies (constantes e, as vezes, injustificadas pelo decurso de exguos prazos) e me provisrias que tratam de assuntos diversos, sem preocupao seque com a alterao da numerao respectiva. E verificar qual disposi ivo foi introduzido por qual medida provisria e pertinente, quan o me nos para saber a partir de quando esta ou aquela regra tem apti ao para ser aplicada a casos concretos.

    Outro dado justifica um histrico nestes moldes.Houve casos em que um mesmo dispositivo ou, quando me

    nos, uma mesma idia legislativa ocupava, simultaneamente, m de uma srie de medidas provisrias. Assim, por exemp o, o qu foi o art. 4-A na Lei n. 8.437/925, que chegou a ocupar o corpo e

    5. Art. 4a-A. Nas aes rescisrias propostas p e la Unio, sta osFederal e Municpios, bem como pelas autarquias e fundaes institui as P aPblico, caracterizada a plausibilidade jurdica da pretenso, po tx o qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos a s rescindenda. Tive oportunidade de tecer algumas consideraes a dispositivo, ento editado na Medida Provisria n. 1.798-3, de e a nno meu Execuo provisria e antecipao da tutela dinmica o eJ*1 Sivo da apelao e da execuo provisria: conserto para a efetividade do proc , p. 340 e 341, para onde tomo a liberdade de remeter o letti Q item 5moradamente, e luz do art. 15 da Medida Provisona n. 2.1 o do Captulo V.

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  • outras medidas provisrias. Essas outras sries, diversas da sucesso 1.798-1.906-1.984-2.102-2.180, chegaram at as portas do Supremo Tribunal Federal por intermdio de aes diretas de inconstitucionalidade fundamentadas no s na inexistncia dos pressupostos auto- rizadores da edio desses atos presidenciais mas, tambm, na violao aos princpios da isonomia e do devido processo legal, ambos constitucionalmente garantidos6.

    As liminares concedidas nas Aes Diretas de Inconstitucionalidade n. 1.753-2/DF e n. 1.910- l/DF, acatando esses argumentos, suspenderam a vigncia das modificaes do regime da ao rescisria do Cdigo de Processo Civil no que dizia respeito dilao de prazo para ingresso daquela ao quando proposta pela Fazenda Pblica, e quanto nova hiptese ento criada para a resciso do julgado: a super ou a subavaliao de reas desapropriadas7.

    Certo que aquele dispositivo, o art. 42-A da Lei n. 8.437/92, foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn 2.25l/DF), e, em seu lugar, veio o art. 15 da Medida Provisria n.1.984-22, de 27 de setembro de 2000. De qualquer sorte, relevante acentuar que muito provvel que uma das finalidades da verdadeira confuso de edies, reedies, alterao de nmeros, desobedin

    6. Refiro-me, aqui, Medida Provisria n. 1.577-6, de 27 de novembro de 1997, reeditada, posteriormente, sob o n. 1.632-11, de 9 de abril de 1998, e que foi objeto da ADI 1.753-2.

    7. De acordo com a Medida Provisria n. 1.798-1, de 11 de fevereiro de 1999, Medida Provisria n. 1.798-4, de 6 de maio de 1999 (antecedidas, no particular, pela srie de n. 1.577-1.632-1.658-1.703-1.774), os arts. 188 e 485, X, do Cdigo de Processo Civil tiveram a seguinte redao: Art. 188. O Ministrio Pblico, a Unio, os Estados, o Distrito Federal, os Municpios, bem como suas autarquias e fundaes, gozaro do prazo: I em dobro para recorrer e ajuizar ao rescisria; e II em qudruplo para contestar e Art. 485 (...) X a indenizao fixada em ao de desapropriao direta ou indireta for manifestamente superior ou inferior ao preo de mercado objeto da ao judicial. Esses dispositivos foram objeto da ADI 1.910-1, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, rel. Min. Seplveda Pertence, e ambos tiveram sua vigncia suspensa liminarmente. Interessante destacar, todavia, que, ao contrrio do que se verificou na ADI 1.753- 2/DF (v. acrdo integral no Anexo II), aqui a votao quanto criao da nova hiptese de rescindibilidade no foi unnime.

  • cia de prazos de vigncia e tudo o mais da qual a srie da Medida Provisria n. 2.180 apenas um exemplo foi evitar ou protelar o acatamento (que se supe, evidentemente, imediato) de decises proferidas pela mais alta Corte brasileira. Por coincidncia, de decises que declaravam inconstitucionais determinadas criaes legislativas que s beneficiavam o Poder Pblico em juzo, jamais o particular. Volto ao assunto no Captulo V, item V.

    Estas consideraes quanto s constantes reedies das medidas e, como nunca deixei de acentuar desde a Ia edio do livro, um razovel confronto entre os Poderes Executivo e Judicirio (observado pela total omisso do Legislativo) tm a aptido de conduzir este trabalho a caminhos diversos. Relevantes e urgentes, no nego. Mas ainda aqui no este o meu intuito8.

    que, como j me justifiquei, no pretendo discutir a inconstitucionalidade das reedies dessas medidas provisrias e, tambm por esse motivo (vcio de origem, inconvalidvel), da derradeira delas, a Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, e de seu congelamento pelo art. 2a da Emenda Constitucional n. 32/2001. Tampouco pretendo tratar, em primeiro plano, ao longo da exposio (reservando-me, contudo, uma proposta de aproximao em minhas

    8. O Ministro Marco Aurlio, do Supremo Tribunal Federal, na ADI 1.799- 2/DF, ciente de que a medida provisria havia sido reeditada, no obstante a deciso unnime do Plenrio daquela Corte quanto a sua inconstitucionalidade, assim se pronunciou: Em primeiro lugar, no vejo no ato de Sua Excelncia o Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso, desrespeito deciso desta Corte. Frente ao princpio da razoabilidade, conducente a presumir-se o que normalmente ocorre e no o excepcional, o extraordinrio, o absurdo, o teratolgico, tenho que passou despercebido Sua Excelncia, quem sabe por falha da assessoria, a recente deciso do Plenrio deste Tribunal, por sinal prolatada a uma s voz. No julgamento do pedido de concesso de liminar na Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 1.117-l/DF, o Pleno desta Suprema Corte assentou que, ocorrendo a reedio da medida provisria, repetindo-se, por isto ou aquilo, o preceito que houvera sido suspenso, cabe ao prprio relator a automtica extenso da medida acauteladora. Diante do requerimento do Governador do Estado do Amazonas e constatando-se que se repetiu, sem alterao de vrgula, a norma que o Plenrio, em exame preliminar considerou conflitante com a Carta da Repblica, procedo extenso cabvel (j. 16-4-1998).

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  • reflexes finais), do relevante tema relativo inconstitucionalidade destes e tantos outros atos presidenciais pela (patente) inexistncia dos pressupostos constitucionais autorizadores de sua edio luz do art. 62 da Constituio Federal na sua redao primitiva.

    H farto e preciso material doutrinrio a respeito do tema, desnecessria a meno de qualquer um nesta sede. Do ponto de vista jurisprudencial, a leitura do acrdo que deferiu a medida cautelar na Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 1.753-2/DF, j o referi, imprescindvel. Da, repito, sua transcrio integral como anexo deste trabalho.

    O que me interessa neste trabalho, pois, no a discusso central da inconstitucionalidade da medida provisria, de suas reedies, de sua estabilizao com o advento do art. 22 da Emenda Constitucional n. 32/2001 ou de qualquer outro vcio deste jaez. At porque minha opinio sobre a constitucionalidade ou no dessa medida , para mim, menos importante do que minha tentativa de interpret-la (desvend-la) e sistematiz-la, considerando que ela um fato jurdico. Relevante e urgente, para mim, sempre foi, e continua sendo, (tentar) decifrar todas as modificaes relacionadas atuao do Poder Pblico em juzo que se tomaram leis inegavelmente leis com a promulgao da Emenda Constitucional n. 32/2001.

    Com essas consideraes, dou incio a minha empreitada analisando o novo regime do pedido de suspenso criado pelas diversas modificaes introduzidas na Lei n. 8.437/92, desde janeiro de 1999, e, a partir de setembro de 2000, tambm na Lei n. 4.348/64. Nos captulos que seguem abordo as demais modificaes trazidas pela medida provisria no mbito do direito processual pblico, tratando de cada um dos temas em captulos separados, designados pelas novidades respectivas.

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  • C aptulo IIO NOVO REGIME JURDICO DO

    PEDIDO DE SUSPENSO

    1. CONSIDERAES INICIAIS

    Feitas as consideraes preambulares que me ocuparam at aqui, tempo de dar incio minha proposta de sistematizao das novidades trazidas ao direito processual pblico pela Medida Provisria n. 2.180- 35, de 24 de agosto de 2001, e estabilizadas pelo art. 22 da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro daquele mesmo ano.

    Uma primeira preocupao que me ocupou na Ia edio do trabalho dizia respeito ao mbito de aplicao dos novos dispositivos incorporados ao art. 42 da Lei n. 8.437/92 e o pedido de suspenso l regulado. Seriam eles aplicveis em qualquer caso de liminar ou de sentena concedida contra o Poder Pblico?

    A questo e continua sendo pertinente, porque a Lei n. 8.437/92 trata de medidas cautelares contra o Poder Pblico, o que no pode ser tratado indistintamente ou confundido com a liminar (ou sentena) em mandado de segurana, tampouco (e por definio) com o instituto da antecipao da tutela, mesmo luz do novo 7a do art. 273 do Cdigo de Processo Civil, a includo pela Lei n. 10.444, de 8 de maio de 2002, que criou uma espcie de fungibilidade entre essas duas medidas. Ademais, o 1- do art. 4a da Lei n. 8.437/92 que no sofreu qualquer alterao pela Medida Provisria n. 2.180- 35/2001 refere-se aplicao do regime de suspenso s sentenas proferidas em aes cautelares inominadas, aes civis pblicas e aes populares.

    Tive a oportunidade de sustentar que as inovaes introduzidas no art. 4a da Lei n. 8.437/92 at o advento da Medida Provisria n. 2.059, de 8 de setembro de 2000, no tinham aplicabilidade s

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  • Jiminares (e sentenas) proferidas em mandado de segurana. Isso por uma razo sistemtica e simples. A Lei n. 8.437/92 no trata e nunca tratou do mandado de segurana, e, nessas condies, invivel entender a nova disciplina nela incorporada para aquela outra ao sem expressa e inequvoca remisso legislativa e, mesmo assim, desconsiderada a evidente pecha de inconstitucionalidade de uma tal iniciativa. Diferentemente, as novidades ento incorporadas Lei n. 8.437/92 aplicavam-se aos pedidos de antecipao de tutela formulados contra o Poder Pblico com fundamento nos arts. 273 e 461, 3, do Cdigo de Processo Civil, merc do art. l fi da Lei n. 9.494/97, que, expressamente, cria um todo sistemtico entre aqueles dois diplomas legislativos.

    Reputo oportuno, a respeito, transcrever o texto original da Ia edio, que bem reflete as razes de meu convencimento, com as notas que lancei na ocasio:

    Embora a epgrafe deste diploma legal refira-se, expressamente, a cautelares, seu art. lc trata especificamente de medida liminar contra atos do Poder Pblico, no procedimento cautelar, ou em quaisquer outras aes de natureza cautelar ou preventiva. L-se no art. 4a da mesma Lei, por sua vez, liminar nas aes movidas contra o Poder Pblico, sem qualquer outra delimitao de aplicao material.

    Diante disto, aplicvel o regime criado pela Medida Provisria em comento a medidas liminares (e, por identidade de razes a medidas antecipatrias) em quaisquer aes propostas contra o Poder Pblico, a includos o mandado de segurana e antecipao da tutela?

    So diversos, embora minoritrios, os autores que negam natureza jurdica cautelar liminar cabvel em mandado de segurana (Lei n. 1.533/51, art. 7C, II). Estes autores sustentam ser antecipatria aquela providncia, na medida em que representa a prpria antecipao do pedido formulado naquela ao1.

    1. V. meu Liminar em mandado de segurana: um tema com variaes, p. 84-5, notas 15 a 18.

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  • No meu Liminar em mandado de segurana: um tema com variaes, sustentei inexistir uma natureza jurdica fixa para a liminar em mandado de segurana. Sua verdadeira natureza jurdica s passvel de verificao a partir da comparao, em cada caso concreto, do pedido formulado a ttulo de liminar com o pedido formulado a ttulo final (o mrito da ao, portanto). Em havendo identidade entre ambos, prevalece a natureza antecipatria da medida. Em havendo mera referibilidade entre os dois, a natureza da medida liminar, ao menos preponderantemente, s pode ser cautelar2.

    Dentre as diversas conseqncias da identificao desta natureza casustica da liminar em mandado de segurana acabei por afast-la do mbito de aplicao da Lei n. 8.437/92. Coerente com esta concluso outras tantas se seguiram como, por exemplo, a ilegitimidade do Ministrio Pblico para formular o pedido de suspenso de liminar proferida naquela ao nos termos do art. 4fl, caput, daquela lei3. Por identidade de raciocnio sustentei que o prazo para o agravo interno do ato que concede a suspenso da liminar em mandado de segurana de dez dias e no de cinco como disciplina o 3fl do art. 42 da mesma Lei n. 8.437/92, prevalecendo, assim, em sua integralidade, o regime jurdico da Lei n. 4.348/64 para os pedidos de suspenso de liminar ou sentena em mandado de segurana endereados aos Tribunais dos Estados ou aos Tribunais Regionais Federais4.

    Em suma, sempre me pareceu acertado o entendimento de que a Lei n. 4.348/64 (que estabelece normas processuais relativas ao mandado de segurana) e a Lei n. 8.437/ 92 (que estabelece normas processuais relativas s aes

    2. V. meu Liminar em mandado de segurana: um tema com variaes, p. 88-90.3. V. meu Liminar em mandado de segurana: um tema com variaes, p.

    254-6. Desde a 2* edio do trabalho sustentei que o Procurador-Geral da Repblica pode requerer a suspenso da segurana perante o Superior Tribunal de Justia ou o Supremo Tribunal Federal com fundamento no art. 25, caput, da Lei n. 8.038190.

    4. V. meu Liminar em mandado de segurana: um tema com variaes, p. 252 e 253, alterando posicionamento constante da Ia edio.

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  • cautelares contra o Poder Pblico) no se comunicam, mantendo, cada uma delas, seu campo de incidncia restrito, leis especficas que so.

    Se corretas, estas observaes, agora tomadas como premissa, conduzem, necessariamente, concluso de que as mais recentes modificaes trazidas Lei n. 8.437/92 no alteram o regime jurdico da suspenso de liminar ou de sentena (ou acrdo, em se tratando de impetrao originria) relativa ao mandado de segurana. Seu campo de aplicao restrito s aes regidas ou passveis de serem regidas por aquela lei especfica, que diz respeito, tecnicamente, s aes cautelares propostas contra o Poder Pblico, a excludo, sistematicamente, o mandado de segurana, diante da Lei n. 4.348/64, exaustiva neste particular.

    Reconheo que a natureza jurdica da tutela antecipada inconfundvel com a natureza jurdica da cautelar5. Mesmo assim, no posso deixar de admitir que as inovaes trazidas ao pedido de suspenso comunicam-se s decises antecipatrias de tutela proferidas contra o Poder Pblico, com esteio nos arts. 273 ou 461 do Cdigo de Processo Civil, e aos pedidos de sua suspenso da decorrentes.

    Com efeito, a Lei n. 9.494/97 (que adotou a Medida Provisria n. 1.570/97), ao regular1 (rectius, restringir) o cabimento da antecipao da tutela contra o Poder Pblico limitou-se a invocar, expressamente, a aplicabilidade da Lei n. 8.437/92 ao instituto da antecipao da tutela. Situao bastante diferente, destarte, se comparada com a Lei n. 4.348/64 e a disciplina do mandado de segurana.

    Desta forma, os novos pargrafos introduzidos no art.I2 e no art. 4S desta Lei n. 8.437/92 so aplicveis anteci- pao da tutela proferida contra o Poder Pblico, por fora do art. I2 da Lei n. 9.494/97.

    5. V. Luiz Guilherme Marinoni, A antecipao da tutela, p. 86 e s., e Tutela antecipada no tutela cautelar, em Revista de Processo, v. 74, p. 98-101, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1994.

  • No porque haja identidade quanto natureza jurdica da tutela cautelar ou da tutela antecipatria. Mas porque o legislador entendeu que o mesmo regime jurdico destinado s aes cautelares contra o Poder Pblico poderia ser aplicado para os casos de antecipao da tutela dirigidos s Fazendas Pblicas e assim o determinou expressamente6. A tutela cautelar e a tutela antecipatria, por assim dizer, acabaram sendo tratadas como diferentes espcies de um mesmo gnero (tutelas urgentes baseadas em cognio sumria), na linha de prestigiada doutrina7. Tratamento comum este que, de legeferenda, poderia at ser vivel em se tratando de medidas liminares em mandado de segurana mas que, de lege lata, inaplicvel, pelas razes que j mencionei.

    Tambm entendo que estes novos dispositivos acrescidos na Lei n. 8.437/92 aplicam-se ao pedido de suspenso de liminar do Ia do art. 12 da Lei n. 7.347/85, Lei da Ao Civil Pblica. A leitura da Lei n. 8.437/92 evidencia que o sistema da ao civil pblica no foi posto a seu largo ou, quando menos, utilizado apenas e to-somente como parmetro ou modelo, a contrrio do que se deu com relao ao mandado de segurana. Desta forma, a ao civil pblica (e a possibilidade de concesso de liminares desfavorveis em seu bojo ex vi do art. 12 de sua lei de regncia inclusive contra o Poder Pblico) no avessa s diretrizes da Lei n. 8.437/92, sendo a ea aplicveis as novas disposies que ocupam este artigo.

    Com maior razo, no pode haver qualquer dvida quanto incidncia do novo regime em foco sentena

    6. V. o art. Ia da Lei n. 9.494/97 e os comentrios que a ele fz no meu Liminar em mandado de segurana: um tema com variaes, p. 53 e 54, especialmente a nota 51.

    7. A tutela jurisdicional antecipada insere-se no mbito das cautelares por ser medida ontolgica e estruturalmente provisria e instrumental, sendo irrelevante seu contedo (Jos Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumrias e de urgncia (tentativa de sistematizao), p. 292).

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  • proferida em ao civil pblica contra o Poder Pblico. Menos por fora da incidncia sistemtica dos dispositivos da Medida Provisria Lei n. 8.437192, na linha do que escrevi no pargrafo anterior e mais diante do que, expressamente, dispe o l fi do art. 4a da Lei n. 8.437192: Aplica-se o disposto neste artigo sentena proferida em processo de ao cautelar inominada, no processo de ao popular e na ao civil pbica, enquanto no transitada em julgado.

    Por identidade de razes e mngua de disciplina especfica (ao contrrio do que se verifica, repito, com relao ao mandado de segurana), todo o sistema do pedido de suspenso, inclusive as modificaes de que me ocupo, aplicvel ao popular. Seja para a possibilidade de concesso de liminar em seu bojo (Lei n. 4.717165, art. 5 4fi) at porque o dispositivo vincula a possibilidade de liminar defesa do patrimnio pblico , seja para a sentena que a julga procedente (Lei n. 8.437192, art. 42, lc)8.

    Assim, com a ressalva do mandado de segurana, a nova disciplina do pedido de suspenso, tal qual constante dos novos pargrafos do art. 4a da Lei n. 8.437192, tem incidncia plena em se tratando de concesso de liminares ou proferimento de sentenas em desfavor dos legitimados a requererem a suspenso nos termos deste diploma legal (art. 4Q, caput)9.

    Estava correto. Realmente as novidades incorporadas na Lei n.8.437192 no afetavam, necessria e automaticamente, o mandado de segurana e seu pedido de suspenso. Tanto que, num belo domingo, logo depois do feriado nacional de 7 de setembro, editou-se a Medida Provisria n. 2.059, de 8 de setembro de 2000, rapidamente ab

    8. Considerando, de qualquer sorte, que a sentena que julgar ao popular procedente est sujeita a recurso de apelao munido de efeito suspensivo (Lei n. 4.717/65, art. 19, caput), a utilidade do pedido de suspenso nestes casos minimizada. A respeito dessa relao, v. meu Liminar em mandado de segurana: um tema com variaes, p. 241 e 242.

    9. O Poder Pblico em juzo, p. 27-31.

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  • sorvida na ntegra pelo art. 14 da Medida Provisria n. 1.984-22, de 27 de setembro de 2000. A funo da Medida Provisria n. 2.059/2000 e do novel dispositivo da srie de medidas provisrias de que aqui me ocupo era uma s: estender ao mandado de segurana as novidades relativas ao pedido de suspenso das aes cautelares e aos pedidos de tutela antecipada contra o Poder Pblico. O procedimento adotado foi simples: introduziram-se dois novos pargrafos no art. 4a da Lei n. 4.348/6410. A Medida Provisria n. 2.180-35/2001 conservou esses dispositivos, na forma em que eles foram criados.

    Feitas as consideraes introdutrias, passo, nos itens seguintes, a me referir, invariavelmente, ao pedido de suspenso em aes propostas contra o Poder Pblico, assim entendido, de um lado, a possibilidade de suspenso de liminares proferidas em aes cautelares, aes civis pblicas, aes populares, decises antecipatrias da tutela em desfavor do Poder Pblico e tambm mandados de segurana. De outro, a todo aquele que detenha legitimidade para formular o pedido de suspenso. Qualquer comentrio que se desvie desse parmetro de exposio est acompanhado de ressalva especfica.

    2. O 4- DO ART. l fl DA LEI N. 8.437/92: OTIMIZAO DA ATUAO ADMINISTRATIVA

    O art. le, com seu novo 42, da Lei n. 8.437/92, tem a seguinte redao:

    Art. I2 No ser cabvel medida liminar contra atos do Poder Pblico, no procedimento cautelar ou em quaisquer

    10. O contexto e as coincidncias (infelizes) que acompanharam a edio da Medida Provisria n. 2.059/2000 me inspiraram a escrever um trabalho, que denominei Dependncia e morte, em funo da data, que foi publicado no Informativo do Instituto dos Advogados de So Paulo, n. 47 de outubro de 2000. Uma outra verso, com o nome Inconstitucionalidade das novas regras da suspenso de liminar em mandado de segurana, foi publicada no v. 64 da Revista do Advogado, publicao da Associao dos Advogados de So Paulo, p. 20-33 e republicada na Ia edio de meu Mandado de segurana, p. 391-420, e uma derradeira verso, com o ttulo As novas regras da suspenso de liminar em mandado de segurana, foi veiculada na obra coletiva Aspectos polmicos e atuais do mandado de segurana 51 anos depois, p. 188-219.

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  • outras aes de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providncia semelhante no puder ser concedida em aes de mandado de segurana, em virtude de vedao legal.

    42 Nos casos em que cabvel medida liminar, sem prejuzo da comunicao ao dirigente do rgo ou entidade, o respectivo representante judicial dela ser imediatamente intimado.

    O dispositivo menciona rgo ou entidade jurdica. correto o emprego desses termos?

    Como se sabe, rgo, por definio, no tem personalidade jurdica para figurar em juzo, desmembramento burocrtico que da Administrao11. Dessa forma, ru da ao pro