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CATEGORIAS DE INTERPRETAÇÃO DO FENÔMENO RELIGIOSO: SAGRADO/PROFANO, SÍMBOLO, MITO, RITO1
Sagrado/divino são importantes categorias da fenomenologia religiosa
No tópico 7, O ser humano e a experiência religiosa, o tema do sagrado/ divino foi indicado sob outra perspectiva. Foi
então mencionado o nome do romeno Mircea Eliade (1907-1986), famoso historiador e fenomenólogo das religiões. Para esse
estudioso, o ser humano que crê, considerado em sua dimensão mais profunda - o homo religiosus -, possui um comportamento
peculiar. Qualquer que seja o contexto histórico em que esteja imerso, ele acredita que existe uma realidade absoluta, o sagrado,
que transcende este mundo, mas que se manifesta nele e, por isso mesmo, santifica-o e o faz real (cf CROATIO, 2001, p. 54).
Essa realidade transcendente é designada como Deus na tradição judeu-cristã. Outras tradições indicam a potência do
transcendente, embora não necessariamente personificada. Por exemplo, Brahman, no hinduísmo, está presente em tudo e é o
fundamento de toda realidade, embora não seja um ser divino pessoal. De todas as formas, essa realidade transcendente é o
"totalmente Outro" (R. Otto), o Mistério diferente de toda realidade humana e que não se pode conhecer completamente. Os atos
religiosos se direcionam a ele. Ele constitui também a essência da experiência religiosa.
O sagrado é Mistério porque permanece inatingível em sua intimidade ou essência. O Mistério produz atração, fascina,
produz respostas de amor - é mysterium fascinans. A esperança da salvação, com suas inúmeras expressões, evidencia a
atração que a experiência do mistério suscita. Ao mesmo tempo, o mistério suscita uma atitude reverencial e obriga a manter a
distância (na Bíblia, por exemplo, o relato da sarça ardente, em Êxodo 3,1, é um exemplo disso) - ele é mysterium fascinans e
tremendum.
Autores posteriores a Eliade acrescentaram um terceiro nível, o profano. Na hierofania (manifestação do sagrado), haveria
então um elemento profano - qualquer objeto deste mundo -, um divino - a realidade transcendente - e outro sagrado - aquele
objeto revelador de uma presença invisível e transcendente. O sagrado é recebido pelo homo religiosus como mediação
significativa e expressiva de sua relação com o divino.
O fenômeno religioso é uma hierofania
O fenômeno religioso é uma hierofania - manifestação do sagrado. O sagrado só pode ser experimentado se ele se
manifestar, mostrar-se, revelar-se. A manifestação se dá no tempo e no espaço e deixa-se descrever.
Como o sagrado/divino, indescritível e inesgotável, pode ser descrito?
O sagrado/divino manifesta-se por intermédio de outra coisa que não é ele mesmo. Ele é sempre mediatizado e, por isso,
permanece Mistério. Ao revelar-se, também se esconde, pois continua sendo inobjetivável. Ele se mostra através de uma
pluralidade de signos: objetos, pessoas, palavras ... Revela-se.
Neste ponto, podemos introduzir as noções de símbolo, mitos, ritos, oração e magia. Dentre essas, o SÍMBOLO é a chave da
linguagem religiosa, a linguagem originária e fundadora da experiência religiosa e a que alimenta todas as demais. Ele é a
mediação privilegiada entre o totalmente Outro e o sujeito humano que o experimenta e interpreta.
Vejamos a seguir esses conceitos mais detalhadamente.
O símbolo como expressão da experiência religiosa
Etimologicamente, "símbolo" vem do grego sym-ballo e diz respeito à união de duas coisas. No símbolo estão presentes
dois elementos, duas coisas separadas, mas que se inter-relacionam. Cada coisa tem sua própria identidade, o seu próprio
sentido.
Um exemplo. As estrelas são emissores de luz e os planetas a refletem - este é o primeiro sentido das estrelas. Mas o
símbolo remete a um segundo sentido, captado quando o ser humano atravessa o primeiro sentido. Assim, o pôr do sol, para
além de traduzir o movimento próprio dessa estrela, pode produzir uma emoção estética, uma nostalgia do que termina e fenece
neste momento, um sentimento da presença de alguém - este é o segundo sentido. O pôr do sol, então, passa a ser simbólico.
Alguns especialistas definem o símbolo como a representação de uma ausência. O exemplo do presente pode ser o mais
claro, quase óbvio. O objeto que você presenteia remete ao afeto que você sente pela outra pessoa. Ninguém poderia confundir, e
menos ainda identificar, a atitude de afeto manifestada com o objeto material que a significa (o significante). Tampouco se faz
uma operação racional para distinguir o símbolo do simbolizado. Seria o mesmo que enfraquecer o símbolo através de uma
tradução, tornando-o desnecessário.
1 PEDROSA-PÁDUA, Lucia. O Homem e o fenômeno religioso. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2010. p. 93-99
O símbolo é a linguagem básica da experiência religiosa, pois ela funda todas as outras. Tem um valor essencial que é
necessário destacar mais uma vez: o símbolo faz pensar; o símbolo diz sempre mais do que diz. É a linguagem do profundo, da
intuição, do enigma. Por isso, é a linguagem dos sonhos, da poesia, do amor, da experiência religiosa.
O mito como narração de uma realidade religiosa
A palavra mito, na linguagem coloquial, possui um significado diferente de quando é estudada nas religiões. Por isso,
atenção. No estudo das religiões, o mito deve ser explicado a partir da experiência religiosa e em função de sua intencionalidade.
J. S. Croatto sugere a seguinte definição: “O mito é o relato de um acontecimento originário, no qual os deuses agem, e cuja
finalidade é dar sentido a uma realidade significativa”.
Dessa forma, o mito é um texto, pertence à ordem literária e deve ser interpretado como um discurso. Como texto,
pretende dizer algo para alguém a respeito de alguma coisa. Ele é narrado, implica uma sequência narrativa. É um fenômeno
literário, apresenta-se como uma história, muitas vezes como um drama. Conta um acontecimento, e o faz como um
acontecimento verdadeiro.
O conteúdo do mito é um acontecimento originário - ele é um relato sobre as origens. Não costuma usar números ou
assinalar datas, mas indica “em outro tempo”, “no princípio”, “quando...”, “não havia ainda...”. Supõe-se que o acontecimento
relatado está no limite, se é possível imaginá-lo assim, entre um tempo primordial e o tempo cronológico que conhecemos.
Os deuses são os atores protagonistas dos mitos. Eles são descritos no seu agir instaurador. Não há mitos sobre coisas
banais, mas, sim, sobre o que é significativo para um povo. O mito relata a origem divina de instituições, costumes, figuras,
coisas, leis, elementos da natureza. Expressa, assim, a experiência religiosa do originário, do que é importante em sua realidade.
O rito como manifestação gestual da religião
Se observarmos bem, somos mais gesto do que palavra. O ser humano não é expresso totalmente pela palavra. Ele é
também um corpo completo: ele tem mãos para gesticular e pés para caminhar, pernas para dançar, boca para falar, ouvido para
escutar, olhos para ver. Pode inclinar-se, dar ou juntar as mãos, manipular as coisas, deitar no chão ou subir uma escada, sentar
ou ficar em pé.
Por essa razão, o homo religiosus sempre soube expressar sua vivência do sagrado por meio do gesto físico, do qual
surge o rito. O rito é, portanto, mais uma das linguagens típicas e essenciais para a experiência religiosa universal.
Do ponto de vista dos fatos religiosos, a expressão ritual é a característica que mais se sobressai em toda religião. É
possível que passe despercebida uma peregrinação de milhões de pessoas? Um culto realizado na praia? É claro que não. De
fato, os ritos têm uma repercussão social enorme, seja pelo elemento gestual, que é mais visível, seja pela organização que
implicam (preparação, atores, lugar, objetos ou utensílios usados na sua realização etc.).
Os ritos podem ser chamados de cerimônias religiosas. Eles tendem a seguir um padrão bem distinto, ou ritual. O conjunto
das cerimônias religiosas de uma religião é conhecido como culto ou liturgia. A palavra culto, do verbo latino colere, "cultivar" é
empregada em geral para significar adoração, mas na ciência das religiões é um termo coletivo que designa todas as formas de
rito religioso.
O culto promove o contato com o sagrado, e por isso costuma ser realizado em lugares sagrados (templos, mesquitas,
igrejas), nos quais há objetos sagrados (fetiches, árvores sagradas, altares). As pessoas que lideram o culto religioso também
podem ser sagradas, ou pelo menos especialmente consagradas a esse trabalho. As palavras sagradas exercem no culto uma
função relevante: orações,
invocações, trechos sagrados e os mitos, muitas vezes. associados a ritos específicos.
Finalmente, é preciso mencionar, como alguns dos elementos dos ritos, a oração, os sacrifícios e as oferendas (do latim
offerre, ou "trazer" ou "oferecer"), e observar que muitos dos ritos indicam importantes passagens da vida, como o nascimento, a
puberdade e a morte.
A oração - expressão privilegiada do sentimento religioso
De certo modo, o mais simples de todos os ritos, a oração, já foi chamado de "casa de força da religião" Pode ser a
comunicação espontânea de um indivíduo com Deus, e nesse caso não costuma ter uma forma definida, uma vez que é expresso
em termos pessoais.
Do ponto de vista fenomenológico, o ato de rezar adquire uma excepcional importância, porque constitui o momento de
expressão do sentimento religioso: é a atualização da experiência religiosa, é a sua concretização aqui e agora em uma ação, em
um gesto, em uma palavra que coloca a pessoa diretamente em contato com o divino. Desse ponto de vista, a oração é a verdade
da religião e é, ao mesmo tempo, quase o respiro e o pulso de qualquer experiência religiosa autêntica. Não haveria experiência
religiosa se ela não conduzisse também e sobretudo ao ato de rezar.
A oração coletiva normalmente obedece a um padrão bem definido. Pode ser lida, ou cantada em uníssono, ou entoada
como uma antífona, na qual se alternam aquele que conduz a oração e a assembleia.
Determinados atos e gestos estão associados à oração. Muitas comunidades cristãs rezam ajoelhadas no genuflexório;
alguns oram de mãos postas; os muçulmanos se inclinam até o chão em direção a Meca. A oração também pode se relacionar à
dança. O objetivo da dança pode ser múltiplo, como celebrar um acontecimento festivo, invocar a chuva, preparar seus
participantes para a caça ou a guerra. Os dançarinos usam roupas especiais, máscaras e disfarces, e sua apresentação pode se
assemelhar bastante a uma pantomima ou peça teatral. As palavras e a cerimônia estão intimamente ligadas. Aqui, vemos como
um mito, ou narrativa sagrada, se casa com certos ritos. Às vezes eles se fundem a ponto de produzir um drama.
Diferença entre religião e magia
Magia é uma tentativa de controlar os poderes e as forças que agem na natureza. Não é difícil encontrar magia em
contextos religiosos, e às vezes se torna difícil traçar uma linha divisória nítida entre a religião e a magia, entre uma reza e um
encantamento.
A distinção que mais sobressai é o fato de, na religião, o sujeito se sentir totalmente dependente do poder divino. Na
magia, ele tenta obrigar as forças e potências da natureza a obedecer à sua ordem e atingir finalidades concretas. A magia é uma
manipulação do sagrado, como se este fosse um objeto disponível.
Um ritualismo excessivo, por exemplo, converte-se em magia quando tenta obrigar a divindade a conceder o que o ato
ritual significa. Até a fé pode converter-se em magia, quando o orante busca assegurar-se da realização, quase automática, do
que pede.
A magia já foi interpretada por algumas pessoas como origem da ciência, ou um estágio inicial desta, por buscar elo entre
causa e efeito.
Bibliografia
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Loyola, 2002.
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa. São Paulo: Paulinas, 2001. p. 48-72; 84-86; 117-118; 209-219; 329.
HELLERN, Vítor, NOTAKER, Henry; GAARDER, Jostein. O livro das religiões. 3a reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
p. 25-29.
OITO, Rudolf. O sagrado. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal, EST/Vozes, 2007.
TERRIN, Aldo Natale. Introdução ao estudo comparado das religiões. São Paulo: Paulinas, 2003. p. 108 ss.
Webliografia
<http://www.mundodosfilosofos.com.br/mito.htm>.
Pesquisa e debate
Pesquisar exemplos de símbolos, mitos e ritos do universo religioso. Pode ser de qualquer religião, desde que seja especificada.
O que o símbolo, o mito ou o rito escolhidos significam naquela religião? É muito importante observar que, fora do universo
simbólico da religião, os símbolos não fazem sentido e, às vezes, ficam até estranhos - daí a importância de se procurar entrar,
com atitude de respeito e abertura, no universo simbólico da outra pessoa.
Reflexão pessoal
O sagrado/divino produz atração e admiração. Ao mesmo tempo, suscita um respeito reverencial. Por isso ele é mysterium
fascinans e tremendum.
A partir da sua experiência pessoal, como pessoa religiosa ou como observadora, como essa expressão, clássica no estudo das
religiões, pode ser exemplificada?