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3.1.2 O Cativeiro Babilônico da Igreja Escrito em latim e posteriormente em alemão, esta obra de Lutero, é destinada primeiramente aos teólogos e talvez por isso, sua “argumentação é, além disso, mais sistemática que a daquela da maior parte dos” seus outros escritos. “Quanto aos sacramentos, Lutero iria reportar-se ao ensinamento da Igreja tradicional” (LIENHARD, 1998, p. 83). Criticando o papado, ele fez associação do domínio papal sobre a Igreja à história descrita no Velho Testamento, em que o povo de Israel foi levado cativo à Babilônia. Segundo ele, a cristandade foi escravizada pelo papa, através das muitas práticas criadas pelo homem, sem respaldo na Palavra de Deus. “Com [os sacramentos] Roma submeteu toda a vida cristã ao estreito controle da hierarquia. Os meios de graça se transformaram em meios de dominação” (DELUMEAU, 1989, p. 93). “O Cativeiro Babilônico propõe uma teologia do sacramento mais conforme aos postulados de base da justificação gratuita e da autoridade das Escrituras” (CHAUNU, 1975, p. 147). Fundamentado nesses dois pilares, Lutero se recusou a aceitar os sete sacramentos da Igreja de Roma – batismo, confirmação, eucaristia, penitência, matrimônio, ordem e a extrema unção –, sustentando que só poderia considerar como sacramento algo ao mesmo tempo unicamente cristão e estabelecido por Jesus e, nesse sentido, apenas dois desses sacramentos obedeciam a esses critérios: o batismo e a eucaristia (ceia). Sobre o batismo, Lutero defendia que deveria ser aplicado principalmente em crianças, visto que estas ainda não podiam

Cativeiro Babilônico Da Igreja

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Page 1: Cativeiro Babilônico Da Igreja

3.1.2 O Cativeiro Babilônico da Igreja

Escrito em latim e posteriormente em alemão, esta obra de Lutero, é

destinada primeiramente aos teólogos e talvez por isso, sua “argumentação é, além

disso, mais sistemática que a daquela da maior parte dos” seus outros escritos.

“Quanto aos sacramentos, Lutero iria reportar-se ao ensinamento da Igreja

tradicional” (LIENHARD, 1998, p. 83). Criticando o papado, ele fez associação do

domínio papal sobre a Igreja à história descrita no Velho Testamento, em que o povo

de Israel foi levado cativo à Babilônia. Segundo ele, a cristandade foi escravizada

pelo papa, através das muitas práticas criadas pelo homem, sem respaldo na

Palavra de Deus. “Com [os sacramentos] Roma submeteu toda a vida cristã ao

estreito controle da hierarquia. Os meios de graça se transformaram em meios de

dominação” (DELUMEAU, 1989, p. 93).

“O Cativeiro Babilônico propõe uma teologia do sacramento mais conforme

aos postulados de base da justificação gratuita e da autoridade das Escrituras”

(CHAUNU, 1975, p. 147). Fundamentado nesses dois pilares, Lutero se recusou a

aceitar os sete sacramentos da Igreja de Roma – batismo, confirmação, eucaristia,

penitência, matrimônio, ordem e a extrema unção –, sustentando que só poderia

considerar como sacramento algo ao mesmo tempo unicamente cristão e

estabelecido por Jesus e, nesse sentido, apenas dois desses sacramentos

obedeciam a esses critérios: o batismo e a eucaristia (ceia).

Sobre o batismo, Lutero defendia que deveria ser aplicado principalmente em

crianças, visto que estas ainda não podiam desejá-lo, demonstrando assim “a graça

gratuita do Senhor, a bênção permanente do Pai sobre seus filhos” (DELUMEAU,

1989, p. 93). Nesse sentido, verifica-se a crença de Lutero em que Deus concede

perdão aos pecadores através do batismo, por meio do qual infunde Sua justiça.

Isso demonstra que seu pensamento acerca desse assunto ainda estava

notadamente marcado por resquícios do catolicismo, que defendia a ideia das

crianças serem purificadas do pecado original através do batismo. Para outros

reformadores como Zwinglio e Calvino, o batismo também é um meio de graça, mas

não para perdoar e justificar o pecador. Eles também praticavam o batismo infantil,

porém não crendo como meio de justificação, mas sim como forma de estender aos

filhos a aliança feita entre Deus e os pais.

Page 2: Cativeiro Babilônico Da Igreja

Acerca do sacramento da Eucaristia, observa-se que Lutero divergia não só

da Igreja de Roma como também dos demais reformadores. Para compreendermos

brevemente este assunto, faz-se necessário começarmos por mencionar o

entendimento católico acerca deste sacramento. Os católicos já no tempo de Lutero

acreditavam que o pão se transformava de fato no corpo de Cristo e o vinho no seu

sangue no momento da celebração da Eucaristia pelo Sacerdote, o que denomina-

se de transubstanciação – a presença literal de Jesus no momento da Ceia.

“Sabe-se que segundo essa concepção [da transubstanciação], erigida em doutrina oficial da Igreja pelo IV Concílio de Latrão, em 1215, a substância do pão e do vinho desaparecem no momento da consagração para dar lugar à substância do corpo e do sangue de Cristo” (LIENHARD, 1998, p. 84).

Tentando refutar esse conceito, Lutero afirmava que o pão e o vinho não

eram de fato o Cristo, mas que este se encontrava ao redor dos elementos, a

consubstanciação. Ao defender esta ideia, Lutero entraria em choque com Zwinglio

de Zurique que divergia tanto da ideia luterana quanto da católica. Para ele a Ceia

era apenas um memorial, algo embutido de valor simbólico. Por último entraria em

cena o Homem de Genebra, João Calvino, que discordava de Lutero e Zwinglio.

Para ele a Ceia é um meio de Graça, um sacramento que concede graça a quem o

recebe. Acredita-se que Jesus está espiritualmente presente na Ceia e alimenta a

alma dos cristãos. Vale acrescentar que Calvino admirava e respeitava Lutero e até

o chamava de pai, mas em se tratando deste assunto, a divergência entre eles era

bem clara.

Compreende-se que a grande divergência entre Lutero e a Igreja Católica

acerca da Eucaristia resuma-se basicamente na questão da “presença de Cristo” na

Ceia, ou seja, se ela se faz de forma literal ou não. Por outro lado, percebe-se

também que essa divergência é mais acentuada no que diz respeito aos outros

reformadores do que mesmo com os católicos.