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Católicos e Batistas em Jaguaquara: conflitos, disputas e poder (1950-1958)
Maria do Carmo Souza Santos1
Resumo: A pesquisa analisa os conflitos políticos e religiosos entre católicos e batistas em
Jaguaquara. Os embates entre os dois grupos religiosos eram acirrados, interferindo nas
campanhas eleitorais da cidade transformando as disputas políticas em disputas religiosas,
visto que os eleitores eram de grupos religiosos opostos. Esses acirramentos se intensificaram
nas eleições para prefeitos nos anos de 1950, 1954 e 1958. Votar no partido político que
tivesse aliados protestantes para os católicos era como se revoltar contra a Igreja Católica e
apoiar um grupo que lutava para deslegitimar sua ortodoxia. Para os protestantes, eleger um
candidato católico seria concordar com a ignorância, falta de progresso, além de perder
espaço nessa disputa do campo religioso.
Palavras chave: Conflitos – Disputas – Campo religioso.
Abstract: The research analyzes the political and religious conflicts between Catholics and
Baptists in Jaguaquara. The clashes between the two religious groups were bitter, interfering
in the election campaigns of the city transforming the political disputes in religious disputes,
as voters were opposing religious groups. These acirramentos intensified the mayors to
elections in 1950, 1954 and 1958. Vote on the political party that had Protestant allies for
Catholics was like rebelling against the Catholic Church and support a group that fought to
delegitimize his orthodoxy. For Protestants, elect a Catholic candidate would agree with
ignorance, lack of progress, in addition to losing space in this dispute the religious field.
Keywords: Conflict – Disputes – religious field.
Introdução
Este trabalho é fruto de uma pesquisa de mestrado em desenvolvimento e tem por
objetivo analisar os conflitos gerados pelas divergências religiosas e políticas entre católicos e
batistas na cidade de Jaguaquara, também conhecida como “Toca da Onça”, uma cidade do
interior baiano classificada como Território de Identidade no Vale do Jiquiriçá, localizada no
centro Sul da Bahia.
Durante os anos 1950, 1954 e 1958 os conflitos religiosos entre católicos e batistas se
intensificaram devido às campanhas eleitorais, influenciando os eleitores na escolha do
candidato político. Devido a essa disputa do campo religioso, o campo político também
passou a ser disputado. Desse modo, é pertinente analisar de que forma esses conflitos
interferiam na sociedade Jaguaquarense.
A partir da segunda metade do século XIX o protestantismo missionário se instalou no
Brasil. Os batistas vieram para o Brasil originário dos Estados Unidos, devido à Guerra de
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Secessão (1861-1865) e intensificação do comércio entre os Estados Unidos e o Brasil.
“Paralelo aos fatores especificamente religiosos, o contexto socioeconômico e político dos
Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, desempenhou um papel importante na
expansão missionária que resultou na instalação da Denominação Batista no Brasil”. (SILVA,
2011, p. 286).
Desde o período colonial o Catolicismo está presente no País. Com a Proclamação da
República (1889) houve a separação entre a Igreja Católica e o Estado, assim o Catolicismo
deixou de ser a religião oficial e extinguiu o sistema de Padroado Régio. Com a posição de
laicidade do Estado concedendo aos cidadãos liberdade religiosa, os protestantes ganharam
liberdade de cultos, o que contribuiu para a expansão do protestantismo no Brasil, muito
embora ainda continuassem sendo bastante perseguidos e taxados de “hereges”.
Os pioneiros Batistas na Bahia foram os missionários Zacarias Taylor e Katerine
Taylor, enviados pela Junta de Richmond do Sul dos EUA, foram recebidos pelo casal
William Buck Bagby e Anne Bagby em janeiro de 1882. Depois de oito meses no Colégio
Presbiteriano de Campinas, aprendendo o idioma português, o casal Taylor chegou à Bahia.
Fundaram a Primeira Igreja Batista do Brasil na cidade de Salvador, em 15 de Outubro de
1882, organizada para os fiéis brasileiros. Os missionários batistas deram prosseguimento à
expansão pelo interior baiano, travando embates com o Catolicismo. “O ataque frontal à
Igreja Católica era, na verdade, um dos métodos de evangelização utilizados pelos líderes
batistas” (SILVA, 2011, p. 36).
Batistas chegaram a Jaguaquara e em 21 de novembro de 1923 fundaram a Primeira
Igreja Batista de Jaguaquara, no mesmo ano da fundação da Paróquia Maria Auxiliadora. Até
então Jaguaquara pertencia à cidade de Areia, atual Ubaíra e foi elevada à categoria de vila e
município em 1921 com a Lei Estadual n. 1.472, só alcançando a posição de cidade pela Lei
Estadual de 30 de agosto de 1923. Tendo como seu primeiro intendente o Coronel Guilherme
Martins do Eirado e Silva.
Um elemento importante que contribuiu para o crescimento da cidade de Jaguaquara
foi a Estrada de Ferro de Nazaré. Inaugurada, com o nome de Tram Road de Nazareth (TRN),
visto que engenheiros ingleses participaram ativamente das construções de estradas de ferro
no Brasil. Posteriormente passou a se chamar Estrada de Ferro de Nazaré (EFN). Partiu de
Nazaré (Bahia) em 1871, chegando a Jequié em 1927. Com extensão de 290 km, fazia o
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transporte de passageiros e dos principais produtos agrícolas da região, como café, fumo e
cacau. Entre os anos de 1871 (início da construção) e 1971 (quando foi desativada), a estrada
permitia a integração das microrregiões do Vale do Jiquiriçá / Recôncavo Sul / Jequié e
Salvador, conectando ferrovia e navegação, contribuindo assim com intercâmbios culturais,
sociais e econômicos. (SANTOS, 2011, p. 12-13).
Além da Ferrovia (EFN) ter possibilitado os intercâmbios culturais, sociais e
econômicos, possibilitou também o intercâmbio religioso, facilitou o acesso ao interior do
Sudoeste baiano aumentando o povoamento da região. Foi através da linha ferroviária Nazaré-
Jequié que imigrantes chegaram à cidade, como os imigrantes italianos, os Frades
Capuchinhos e missionários Batistas.
Outros elementos que participaram do cenário da disputa religiosa em Jaguaquara
foram os imigrantes italianos. Vindos de um país essencialmente católico, os imigrantes
italianos não escaparam do proselitismo dos Batistas, que faziam visitas às colônias italianas a
fim de converter novos fiéis. Por sua vez, a Igreja Católica prestava assistência às colônias,
realizava missas e advertia nos sermões sobre o perigo dos “hereges”. Os imigrantes italianos
se estabeleceram em duas colônias, uma em Jaguaquara e outra na cidade de Itiruçú e ambas
faziam parte da disputa do campo religioso entre Católicos e Batistas.
Embora o Catolicismo e o Protestantismo tivessem destaque no cenário religioso de
Jaguaquara, esse campo também estava sendo disputado pelo Espiritismo e pelo Candomblé.
Como ficou registrado pelo pároco: “mesmo a população enxertada de protestantes e espíritas.
Também prolifera com grande mal para as almas, o Candomblé.” (Livro de Tombo Paróquia
Maria Auxiliadora 26-06-1941, p. 16 verso). Podemos perceber que o campo religioso
Jaguaquarense possuía uma diversidade de credos e grupos religiosos.
Fé e Educação
Antes da criação da Paróquia Maria Auxiliadora a comunidade de Jaguaquara era
assistida pelo Vigário Coadjutor de Areia (atual Ubaíra). Em 1921, a população de
Jaguaquara já havia crescido o suficiente para ser elevada à categoria de município, e para
tanto tornava necessário uma Paróquia própria ao local, que orientasse com maior
proximidade e frequência, evitando que os católicos desviassem de suas doutrinas e
principalmente evitando a conversão dos mesmos ao protestantismo, conforme consta no
Livro de Tombo2:
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(...) em terceiro lugar, fazendo justiça ao zelo do nosso digníssimo vigário,
secundado pelo boníssimo coadjutor, parece que não ficamos sem o apoio da razão
quando dizemos a V. Excia que um Vigário residindo em Jaguaquara, poderia com
maior vantagem combater até o extermínio a planta daninha do protestantismo, que
infelizmente conseguiu nascer em nosso reino. (Livro de Tombo Paróquia Maria
Auxiliadora, 1922, p. 1).
O termo “planta daninha” remonta à ideia de uma planta invasora de rápido e fácil
propagação que nasce espontaneamente em local indesejado, que caso não seja retirada
termina por disputar e absorver os nutrientes destinados ao cultivo principal se sobrepondo,
levando assim à morte ou baixa produção dos mesmos. O Protestantismo representaria para o
vigário essa planta invasora que conseguiu nascer entre os católicos se propagando, o que
reforçava o pedido de criação de uma Paróquia por ser uma forma de demarcar o campo
religioso e de evitar que os protestantes conseguissem prosélitos. O termo “planta daninha”
foi usado como uma representação negativa associada ao protestantismo, “as lutas de
representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os
mecanismos pelos quais um grupo impõe ou tenta impor, a sua concepção de mundo social,
os valores que são os seus, e o seu domínio” (CHARTIER, 1990, p. 17).
Em 23 de março de 1923 se deu a criação da Paróquia Maria Auxiliadora através do
decreto do Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil Dom Jerônimo Tomé da
Silva. Em 1923, a tenra Paróquia Maria Auxiliadora pertencia a Arquidiocese de Salvador e
só em 1943 foi criada uma nova Diocese na Bahia na cidade de Amargosa sob a jurisdição de
Dom Florêncio Sisinio Vieira, passando posteriormente em 1979 para uma nova diocese, a
recém criada Diocese de Jequié, a qual a Paróquia Maria Auxiliadora pertence até a
atualidade.
Como já destacado, um fato que chama a atenção em relação à construção de uma
Igreja Batista em Jaguaquara é que ela se deu exatamente no mesmo ano da construção da
Paróquia Maria Auxiliadora. Mas a presença dos Batistas em Jaguaquara se deu bem antes da
construção do primeiro templo, a cidade já figurava no cenário do Campo Batista Baiano. Era
comum uma congregação ou ponto de pregação preceder a organização da Igreja local. A
notícia da criação da Igreja Batista de Jaguaquara foi publicada no O Jornal Baptista (OJB):
Uma nova igreja. Em 20 de novembro p. p., achando-se reunida em sessão, com
presença de 51 membros, a Igreja Baptista de Casca, Bahia, concedeu
unanimemente cartas a 43 membros para se organizarem em nova igreja. De facto,
no dia seguinte, os ditos membros se constituíram em igreja, com o nome de Igreja
Baptista de Jaguaquara. [...] A igreja autorizou a compra de uma boa casa para culto
no estratégico lugar de Muritiba. – UM MEMBRO. (O JORNAL BAPTISTA, 13 de
Dezembro de 1923).
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Importante observarmos que o ou a correspondente trouxe o termo “igreja” para
especificar diferentes contextos, no primeiro caso o termo “igreja” foi usado no sentido de
“templo”, logo “templo” seria o espaço físico onde a “igreja” se reunia. E no segundo caso o
termo “igreja” referiu se à assembleia dos crentes batizados em comunhão com a doutrina, ou
seja, enquadrados nas regras de comportamento e inseridos nos trabalhos de cooperação e
evangelização. (TEIXEIRA, 1975, p. 120).
O “estratégico lugar” referido pelo correspondente do “O Jornal Baptista” foi o bairro
Muritiba, exatamente no mesmo bairro e na mesma avenida (Avenida Dois de Julho) onde foi
construída a Paróquia Maria Auxiliadora e também o Colégio Taylor Egídio. Os documentos
demonstram que as igrejas dividiam não só o mesmo campo religioso como também
disputavam o mesmo território em um bairro estratégico, ambas buscando a legitimidade de
seu espaço.
Como uma cidade pequena do interior da Bahia ainda na década de 1950 conseguiu se
destacar no cenário educacional baiano, angariando o título de “cidade escola” e atraindo
estudantes de outras regiões? Analisando a trajetória dos colégios mais conceituados da
cidade de Jaguaquara, podemos crer que esse destaque na educação teve reflexo também das
disputas do campo religioso Jaguaquarense, visto que dois desses colégios foram fundados e
dirigidos por instituições religiosas confessionais, o Colégio Taylor Egídio (batista) e o
Colégio Luzia Silva (católico).
Além desses dois colégios, havia também outros dois educandários de grande destaque
na cidade, são eles a Escola Carneiro Ribeiro inaugurada em 1929 e o Colégio Pio XII
inaugurado em 1961.
O setor educacional também foi utilizado como meio de evangelizar, de ou até mesmo
de manter os seguidores em suas respectivas doutrinas. Os Batistas passaram a construir
escolas para a instrução dos crentes e seus filhos, além de aceitarem também a presença dos
filhos de católicos. Isso reforçava o discurso proferido pelos Batistas de que os Católicos eram
responsáveis pela ignorância no Brasil, “não é por acaso que nos países onde o catolicismo
predomina haja quase sempre maior porcentagem de analfabetismo”. (CRABTREE, A. R.
1962, p. 140).
O programa educativo é uma das primeiras e mais importantes expressões da obra
missionária. A natureza e a profundidade das mudanças que se quer introduzir na
sociedade não condizem com o analfabetismo dos conversos, nem com a pouca
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instrução reinante. É necessário que o protestante seja capaz de, pelo menos, ler a
Bíblia e certa literatura religiosa, e a comunidade global deve valorizar e expandir a
educação, considerada a mola principal de ascensão social. (RAMALHO, 1976.
p.69).
Por que o Colégio Taylor Egídio foi transferido para Jaguaquara em meio a outras
cidades mais próximas da capital Salvador e até mais desenvolvidas na época? Pode ter
contribuído para que a cidade de Jaguaquara fosse escolhida os seguintes fatores: a doação
das terras para a instalação do CTE pela família do Capitão Egídio; a rota da Estrada de Ferro
Nazaré por Jaguaquara, facilitando assim o acesso à cidade e viabilizando o transporte dos
estudantes que residiam em outras localidades; além da ausência de um colégio que pudesse
concorrer com o CTE.
O primeiro desses colégios que levou a cidade de Jaguaquara a adquirir o prestígio de
“cidade escola” foi o Colégio Taylor Egídio, porém o que nos chama a atenção é o fato do
Colégio Taylor Egídio ter sido transferido para Jaguaquara em 1922, antes mesmo da
instalação oficial na cidade da Igreja Matriz N. S. Maria Auxiliadora e da própria Igreja
Batista de Jaguaquara, ocorridas em 1923. O desejo de ter uma escola de orientação religiosa
que atendesse o povo católico já se manifestava anos antes da criação do Colégio Luzia Silva.
Era necessária uma escola que além de educar pudesse instruir, de forma catequética, os
alunos na fé católica, fizesse concorrência com o colégio Batista Taylor Egídio que
conquistava cada vez mais alunos e de prosélitos.
Em 18 de abril de 1950 o Colégio Luzia Silva começou a funcionar oficialmente.
Eram oferecidos os cursos de Jardim de infância, Pré-primário, Primário, sendo que o curso
Ginasial foi autorizado a partir de 1959 e só em 1963, treze anos após dar início às atividades
educativas, foi também implantado o Curso Normal. Também oferecia cursos de culinária,
corte e costura, datilografia e mesmo sendo um colégio de cunho particular mantinha
gratuitamente uma escola para as crianças de famílias carentes. As disputas entre Católicos e
Batistas estimularam a criação de escolas e o incentivo à educação, porém essas diferenças
também acabaram sendo uma forma de segregar os alunos de doutrinas diferentes, segundo
consta no Livro de Tombo da Paróquia Maria Auxiliadora:
Acrescentou ainda, uma nota de esclarecimento do Padre Vigário, proibindo a
matrícula de alunos católicos no Colégio Protestante, sob pena de ser negado aos
pais ou aos mesmos alunos, os sacramentos da Penitência e Eucaristia. (Livro de
Tombo Paróquia Maria Auxiliadora, 1963: 99 verso).
Mediante essa advertência, muitos alunos deixaram de estudar no Colégio Taylor
Egídio por serem de famílias católicas, outros foram enviados pelas famílias para estudarem
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em colégios confessionais (Irmãs Mercedárias; Sacramentinas; Salesianos, Maristas;) em
outras cidades. O incentivo à educação motivada pela disputa do campo religioso pode ter
contribuído para que a pequena cidade de Jaguaquara ganhasse destaque na área educacional
ainda em meados de 1950, se diferenciando das outras cidades que sequer possuíam escolas
organizadas, oferecendo um ensino qualificado e assim conseguiu atrair estudantes de regiões
vizinhas e de outras cidades, angariando o título de “cidade escola”.
Conflitos políticos e religiosos
Nesse clima de conflitos entre Católicos e Batistas, começaram as eleições de 1950. A
disputa estava formada entre os candidatos: Dr. Menandro Minahim, médico, “católico
fervoroso”, representando o partido da União Democrática Nacional (UDN), verso Sr. Carlos
Dubois, Pastor da Igreja Batista de Jaguaquara, diretor do Colégio Taylor Egídio e candidato
do Partido Social Democrático (PSD). Não era comum na década de 1950 a inserção de
protestantes na política, Silva explica que:
Segundo a perspectiva fundamentalista, o Estado e a sociedade eram vistos pela
ótica do Reino de Deus, do milênio, o termo positivo da díade, e reino do mundo, o
termo negativo da díade. Se as questões políticas faziam parte do reino do mundo,
esperava-se que o cristão vivesse completamente afastado das questões mundanas e
não se imiscuísse em problemas sociais e políticos. (SILVA, 2002, p. 594-595).
A partir dos anos 1980 houve uma intensificação da presença dos protestantes na
política brasileira, mas desde o recorte contemplado nesta pesquisa já ocorria disputas
políticas, envolvendo lideranças protestantes na cidade de Jaguaquara. Tudo indica que esse
pensamento já circulava entre os protestantes durante as eleições de 1950 em Jaguaquara, mas
nem todos, principalmente os católicos, viam com bons olhos essa inserção Batista no campo
político. Divergências de opiniões agitaram as eleições municipais, se transformando em uma
disputa religiosa entre católicos e protestantes.
O que os católicos receavam e temiam era que com o poder do Governo Municipal nas
mãos de um “Pastor Batista”, os protestantes teriam uma maior liberdade e mais privilégios na
cidade e que ocorreria o inverso com a Paróquia Mª Auxiliadora, onde a festa da Paróquia
estaria ameaçada, bem como outros atos sacramentais. Mas segundo Armando Rosa, ex-
professor do Colégio Taylor Egídio, toda a campanha udenista em 1950, contra o candidato
do (PSD) foi difamatória, “infundindo na cabeça do povo humilde que o candidato do PSD,
por ser protestante, “tinha parte com o demônio” e, se eleito fosse, iria jogar a imagem da
padroeira, Nossa Senhora Auxiliadora, ‘ladeira abaixo’”. (ROSA, 2000: 112-113).
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As agitações eram infladas por cartas, poesias, ABC que circulavam entre os
jaguaquarenses, escritas por eleitores que visavam defender seu partido e sua denominação
religiosa. Uma dessas poesias que causaram alvoroço entre os eleitores foi a intitulada
“Avante Católicos” de Leonídio Pinheiro Fernandes, onde ele advertia “Eleitores, meus
amigos, CUIDADO! / MUITA ATENÇÃO! Olhai a tirania... / Não ide dar o vosso voto
honrado / A quem está contra a VIRGEM MARIA”.3Nos versos ficou claro um apelo para
que os católicos não dessem o “voto honrado” ao candidato do PSD, por este ser pastor e não
reconhecer a legitimidade da santidade da “Virgem Maria”. Essa é uma questão de
divergência entre católicos e protestantes, para os católicos Maria é a mãe de Deus, que
através das orações intercede a Deus por eles, já para os protestantes Maria não é divina e
assim acusam os católicos de praticarem mariolatria. A confirmação de que o eleitor seria um
católico fervoroso se daria através do voto para o Dr. Menandro Minahim.
Outro eleitor anônimo que militava pelo PSD, usou o pseudônimo “Musa da cidade”
para publicar outra poesia em forma de resposta às provocações do poema de Leonídio P.
Fernandes, um trecho deixou implícito a crítica que os protestantes faziam em relação aos
católicos, como demonstrado nos seguintes versos :“É dos tempos medievais / É coisa que
está no olvido / No século não cabe mais / Seja, pois, adiantado / Não verseje tanta asneira /
Que seu estro é atrazado”.4 A resposta em forma de poesia da (o) suposta (o) “Musa da
cidade” foi escrita de forma rebuscada, utilizando termos que demonstravam um nível
elevado de erudição, para que pudesse desqualificar o autor da poesia “Avante Católicos”.
Dessa forma, a referida “Musa da cidade” defendia o candidato do partido do PSD que tinha o
apoio dos protestantes.
As trocas de insultos em forma de poesia continuaram durante toda campanha eleitoral
de 1950. Ao encerrar a votação as urnas foram levadas para ser apurada na Comarca de Santa
Inês, cidade vizinha. Ao abrirem as urnas encontraram junto com as chapas retratos de Nossa
Senhora, orações, medalhas, conferindo a vitória das eleições para o candidato da UDN, ao
Dr. Menandro Minahim. “O Dr. Menandro Minahim foi eleito com uma diferença bastante
expressiva, com mais de 400 votos. Foi a vitória do catolicismo contra o protestantismo”
(AMARAL, 2008. p.60). A vitória do candidato do partido da UDN representou para os
Católicos em Jaguaquara, não só uma vitória política, mas o triunfo contra o Protestantismo.
Nas eleições de 1954 as disputas políticas e religiosas continuaram, assim como na
eleição anterior também circularam panfletos com versos e poesias acusando e defendendo os
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candidatos a prefeito municipal, a partir de uma ótica religiosa. Os candidatos em 1954 foram
Lourival Rosa de Sena (UDN) e Achiles de Brito Cardoso (PSD), ambos eram católicos,
porém o fato do Protomor de Justiça Achiles Cardoso ser filiado ao PSD e o Pastor Carlos
Dubois continuar sendo líder do partido do PSD, podem ter influenciado os eleitores católicos
a escolherem como seus representantes o candidato Lourival Sena da UDN. Sendo assim, foi
publicado um “ABC” por Ernesto Santos que defendia o candidato da UDN, onde deixou
explicito seu posicionamento religioso “Iremos todos para as Urnas / Satisfeitos em todo
instante / Livrar a linda Jaguaquara / Das garras dos protestantes.”5
Por sua vez o ABC de Ernesto obteve resposta através de uma “CARTA ABERTA A
ERNESTO SANTOS – Autor do A.B.C. CONTRA Dr. Achiles de Brito Cardoso” escrita por
um pessedista anônimo, em que criticava o envolvimento da religião com a política “Ó
Ernesto, um candidato / para ser bem sucedido / Deverá aceitar votos / De católicos e ateus... /
De protestantes, espíritas / De gregos e de troianos / Maometanos e judeus!”6 Após
encerrarem as eleições o candidato da UDN Lourival Sena acabou sendo eleito, mas para
surpresa de todos antes de tomar posse na prefeitura ele rompeu com o Deputado Estadual
eleito, Menandro Minahim e passou a ser aliado do grupo opositor, o PSD. Isso causou novas
discórdias entre os jaguaquarenes, levando Lourival a ser considerado por alguns como
traidor.
Os diversos conflitos entre católicos e protestantes nas eleições de 1950 e 1954
geraram muitos desentendimentos que ocasionaram o distanciamento entre alguns católicos
da Igreja. Possivelmente isso pode ter contribuído para que o bispo Dom Florêncio não se
posicionasse contra nem a favor dos candidatos a prefeito nas eleições de 1958. Os candidatos
que concorreram às eleições municipais de Jaguaquara em 1958 foram Leonídio Pinheiro
Fernandes do Partido Democrata Cristão (PDC) e Ágton Novaes Souto (PSD), ambos também
seguiam o catolicismo.
Uma carta intitulada “PROCLAMAÇÃO” foi enviada por Pedro. A Souza que residia e
trabalhava em Jaguaquara, mas por desentendimento político foi transferido para outra cidade.
O autor da carta demonstrou apoio ao candidato do PDC e criticou a administração do antigo
prefeito do PSD que governou a cidade por 12 anos, mas segundo o mesmo os jaguaquarenses
começaram a reagir a partir das eleições de 1950 “E com a ajuda de nossa Virgem Padroeira,
derrubamos o bastilhento governo que nos envergonhava.”7 Durante as eleições de 1958 os
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conflitos políticos e religiosos entre católicos e batistas, não foram tão acirrados como nas
eleições de 1950 e 1954.
Considerações Finais
Através das fontes analisadas constatamos que para os católicos votar no partido
político com aliados protestantes representaria uma revolta contra a Igreja Católica e o apoio a
uma denominação que tentava deslegitimar sua ortodoxia. Em contra partida, para os
protestantes, eleger um candidato católico era concordar com o atraso, a falta de progresso,
além de ceder espaço nessa disputa do campo religioso.
O setor educacional foi utilizado como meio de evangelizar, de conseguir prosélitos ou
até mesmo de manutenção dos seguidores em suas respectivas doutrinas. O incentivo à
educação, motivado pela disputa do campo religioso, contribuiu para que a pequena cidade de
Jaguaquara, ainda em meados de 1950, ganhasse destaque na área educacional. A conclusão
provisória a que chegamos é que os conflitos religiosos que interferiram na eleição para
prefeito municipal no ano de 1950, 1954 e 1958 em Jaguaquara, foram motivados, na
verdade, pela disputa do campo religioso Jaguaquarense.
1 Mestranda em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana, BA. Email: [email protected]. 2 Livro de Tombo da Paróquia Maria Auxiliadora, n. 1, (1923-1973). 3 Cópias de Cartas, panfletos, ABC e poesias pertencentes ao arquivo pessoal de Lígio Ribeiro Farias. 4 Idem. 5 Idem. 6 Idem. 7 Idem.
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