CBC - História

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SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAO DE MINAS GERAIS

PROPOSTA CURRICULAR

ENSINOS FUNDAMENTAL E MDIO

HISTRIA

ENSINO FUNDAMENTALAutoresLana Mara de Castro Siman - Coordenadora Luiz Carlos Villalta Maria Therezinha Nunes

Colaboradora

Claudia Sapag Ricci

ENSINO MDIOAutoresLana Mara de Castro Siman - Coordenadora Maria Eliza Linhares Borges Miriam Hermeto de S Motta Alexandre Jos Gonalves Costa

ColaboradoresCiro Flvio Bandeira de Mello Evilsio Francisco Ferreira da Silva Thas Nvea de Lima e Fonseca

Governador

Acio Neves da CunhaVice-Governador

Antnio Augusto Junho AnastasiaSecretria de Estado de Educao

Vanessa Guimares PintoChefe de Gabinete

Felipe Estbile MoraisSecretrio Adjunto de Estado de Educao

Joo Antnio Filocre SaraivaSubsecretria de Informaes e Tecnologias Educacionais

Snia Andre CruzSubsecretria de Desenvolvimento da Educao Bsica

Raquel Elizabete de Souza SantosSuperintendente de Ensino Mdio e Profissional

Joaquim Antnio Gonalves

Sumrio1 parte : Ensino Fundamental da 6 9 srie1 - Introduo 2 - Sentido para o Estudo da Disciplina 3 - Diretrizes para as Quatro ltimas Sries do Ensino Fundamental 4 - Proposta Curricular-Critrios de Seleo de Contedos 5 - Avaliao em Histria CBC de Histria no Ensino Fundamental da 6 9 srie 1 - Eixo Temtico I - Histrias de Vida, Diversidade Populacional e Migraes 2 - Eixo Temtico II - Construo do Brasil: Territrio, Estado e Nao 3 - Eixo temtico III - Nao, Trabalho e Cidadania no Brasil 11 12 13 17 19 21 22 25 29 33 34 36 47 55 56 58 61 63 64 66 68 70 72 74

2 parte : Ensino Mdio1 - Introduo 2 - O Sentido para o Estudo da Disciplina 3 - Diretrizes para o Ensino de Histria 4 - Critrios de Seleo de Contedo Curricular CBC para o 1 Ano 1 - Eixo Temtico I - Mundo Moderno, Colonizao e Relaes tnicoCulturais (1500-1808) 2 - Eixo Temtico II - Cultura Poltica na Construo do Estado Nacional Brasileiro (1822-1930) 3 - Eixo Temtico III - Mundo Contemporneo, Repblica e Modernidade Cidadania e Democracia: de 1930 aos dias atuais Contedos Complementares de Histria no Ensino Mdio 1 - Eixo Temtico I - Expanso das Fronteiras: a questo da Alteridade na Modernidade 2 - Eixo Temtico II - Expanso de Fronteiras e Mundo do Trabalho 3 - Eixo Temtico III - Expanso das Fronteiras: a Guerra como Possibilidade Permanente 4 - Eixo Temtico IV - Redefinio de Fronteiras: a Questo da Alteridade no Mundo Contemporneo e Ps-Moderno 8 - Competncias, Habilidades e Atitudes a serem Desenvolvidas 9 - Avaliao

BibliografiaBibliografia

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ApresentaoEstabelecer os conhecimentos, as habilidades e competncias a serem adquiridos pelos alunos na educao bsica, bem como as metas a serem alcanadas pelo professor a cada ano, uma condio indispensvel para o sucesso de todo sistema escolar que pretenda oferecer servios educacionais de qualidade populao. A definio dos contedos bsicos comuns (CBC) para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino mdio constitui um passo importante no sentido de tornar a rede estadual de ensino de Minas num sistema de alto desempenho. Os CBCs no esgotam todos os contedos a serem abordados na escola, mas expressam os aspectos fundamentais de cada disciplina, que no podem deixar de ser ensinados e que o aluno no pode deixar de aprender. Ao mesmo tempo, esto indicadas as habilidades e competncia que ele no pode deixar de adquirir e desenvolver. No ensino mdio, foram estruturados em dois nveis para permitir uma primeira abordagem mais geral e semiquantitativa no primeiro ano, e um tratamento mais quantitativo e aprofundado no segundo ano. A importncia dos CBCs justifica tom-los como base para a elaborao da avaliao anual do Programa de Avaliao da Educao Bsica (PROEB), para o Programa de Avaliao da Aprendizagem Escolar (PAAE) e para o estabelecimento de um plano de metas para cada escola. O progresso dos alunos, reconhecidos por meio dessas avaliaes, constituem a referncia bsica para o estabelecimento de sistema de responsabilizao e premiao da escola e de seus servidores. Ao mesmo tempo, a constatao de um domnio cada vez mais satisfatrio desses contedos pelos alunos gera conseqncias positivas na carreira docente de todo professor. Para assegurar a implantao bem-sucedida do CBC nas escolas, foi desenvolvido um sistema de apoio ao professor que inclui: cursos de capacitao, que devero ser intensificados a partir de 2008, e o Centro de Referncia Virtual do Professor (CRV), o qual pode ser acessado a partir do stio da Secretaria de Educao (http://www.educacao.mg.gov.br). No CRV encontrase sempre a verso mais atualizada dos CBC, orientaes didticas, sugestes de planejamento de aulas, roteiros de atividades e frum de discusses, textos didticos, experincias simuladas, vdeos educacionais, etc; alm de um Banco de Itens. Por meio do CRV os professores de todas as escolas mineiras tm a possibilidade de ter acesso a recursos didticos de qualidade para a organizao do seu trabalho docente, o que possibilitar reduzir as grandes diferenas que existem entre as vrias regies do Estado. Vanessa Guimares Pinto

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Ensino Fundamental1. IntroduoAs mudanas propostas no Contedo Bsico Comum (CBC) foram norteadas pela preocupao de torn-lo mais operacional e exeqvel de acordo com a diversidade da realidade das Escolas Estaduais. Os tpicos obrigatrios foram estabelecidos com habilidades e contedos a serem ensinadas durante as quatro sries finais do ensino fundamental. Dessa maneira, pretende-se construir uma base comum de conhecimentos para os alunos da rede estadual de ensino. Foram considerados tpicos obrigatrios aqueles de relevncia em uma das estruturas lgicas da disciplina, conservando-se o CBC original; O tpico obrigatrio envolve conceitos e contedos fundamentais para a construo do conhecimento histrico, tendo com eixo principal a Histria do Brasil e a construo da cidadania; Foi considerada, para a seleo dos tpicos, a importncia a eles atribuda pelos professores das Escolas Referncia, assim como as discusses realizadas no encontro de rea realizado em novembro de 2005; Considerou-se, para a reestruturao do CBC, a metade da carga horria da disciplina ao longo das quatro sries finais do ensino fundamental, tomando como parmetro uma carga horria de 2 horas/aulas semanais. Feito o clculo, os professores devem dispor de uma carga horria de, pelo menos, 160 horas/aula para o trabalho com os tpicos obrigatrios do CBC ao longo dos quatro anos finais do Ensino Fundamental; Pensou-se a mdia de 6 horas/aula para o trabalho com cada tpico obrigatrio, considerando-se que alguns deles podem ser trabalhados com mais ou menos tempo. A distribuio dos tpicos obrigatrios ao longo dos quatro anos precisa ser planejada, considerando-se o nmero de habilidades a serem vencidas; O professor dispe de metade da carga horria da disciplina para deter-se mais em determinados tpicos obrigatrios e deve-se definir tempo para se trabalhar os tpicos complementares e/ou outras demandas do projeto pedaggico da escola; Os tpicos obrigatrios so apresentados em algarismos arbicos na tabela do CBC; logo abaixo deles, esto os tpicos complementares em algarismos romanos, ambos acompanhados das habilidades, na coluna correspondente, discriminadas tambm em negrito e itlico; Foram realizadas mudanas de tpicos em termos de localizao em tema ou subtema ou a fuso de tpicos do CBC original; Algumas habilidades foram suprimidas, modificadas e/ou acrescentadas. 11

2. Sentido para o Estudo da DisciplinaNo atual contexto poltico, social e educacional atribudo ao ensino da Histria o papel de formar o cidado que, dentre outras caractersticas, seja capaz de compreender a histria do Pas e do mundo como um conjunto de mltiplas memrias e de experincias humanas. Os Parmetros Curriculares Nacionais, propostos pelo MEC, orientam os currculos em geral, e o de Histria, em particular, para construo de uma nova concepo de cidadania. Este documento prope rupturas com uma histria centrada na formao de um determinado tipo de representao de nacionalidade, assim como numa histria centrada na cultura branca europia. A diversidade cultural e sua importncia para o avano da cidadania no Brasil se constitue na ideia central para a formao das identidades das novas geraes e das finalidades do ensino da Histria. Esta perspectiva sintoniza-se com o que tem animado as atuais produes historiogrficas e as muitas das inovaes no ensino de Histria, no Brasil e no mundo ocidental. Uma das questes que mais tem desafiado os professores de Histria engajados em processos de mudanas curriculares e de suas prticas de sala de aula a de criar as condies para que os alunos elaborem novos sentidos e significados para estudo da Histria. Tradicionalmente, a Histria vista como o estudo do passado e/ ou como memorizao de fatos e datas dos principais acontecimentos, em geral de ordem poltica, militar ou diplomtica dos pases. Essa representao da histria funciona como um dos obstculos ao processo de ensino-aprendizagem da Histria e, portanto, um desafio para o trabalho do professor em sala de aula. Alm dessa representao da histria e do seu ensino, podemos assinalar um outro desafio. Concordando com Hobsbawm, diramos que os jovens de hoje crescem numa espcie de presente contnuo, sem qualquer reao orgnica com o passado pblico da poca em que vivem (...). Para esse historiador, a destruio do passado - ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experincia pessoal das geraes passadas - um dos fenmenos mais caractersticos e lgubres (...). Esse processo de esquecimento do passado pode, como assinala John Poster (1973), comprometer o desenvolvimento da noo de temporalidade histrica, pois essa depende da aquisio do sentido do tempo. Compreender a Histria requer um sentido da existncia da relao presente, passado e futuro; requer um sentimento de pertencer, de estar dentro da histria. Requer, igualmente, que os sujeitos tomem a histria no como algo dado, como uma verdade acabada e imutvel. Como nos lembram Laville e Martineau, o ensino de Histria deve propiciar aos alunos Constatarem que as realidades presentes no tm razo de ser por elas mesmas, no so imutveis e fechadas, prisioneiras de uma espcie de ordem natural, mas ao contrrio se inscrevem num processo de mudana e de intervenes humanas; e que, portanto, ns podemos agir sobre elas.

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Atualmente, prope-se um ensino de Histria comprometido com o avano da democracia e da cidadania - processos sociais e polticos para os quais se espera a contribuio das novas geraes. Hoje, a educao para a cidadania, prioriza a aquisio de instrumentos intelectuais e a formao de atitudes para uma efetiva participao na esfera pblica, de maneira motivada, consciente e esclarecida; prioriza o estimulo a descoberta, o respeito e o reconhecimento do outro, de outras culturas e valoriza a diversidade etnico-cultural e a convivncia saudvel com a diferena. Em sntese, a educao para a cidadania orienta-se para a formao de cidados livres, responsveis, autnomos e solidrios promovendo o desenvolvimento do esprito democrtico e pluralista, respeitador dos outros e das suas idias, aberto ao dilogo e livre troca de opinies, formando cidados capazes de julgarem com esprito crtico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformao progressiva (...) (PROENA, 1999:27). Nesse sentido, esse programa visa, de um lado, possibilitar aos jovens (pr-adolescentes e adolescentes) o desenvolvimento de habilidades e atitudes necessrias ao exerccio de uma cidadania participativa, crtica e comprometida com os valores democrticos. De outro, visa o desenvolvimento do raciocnio histrico, a escolha e tratamento dos temas a partir das questes do presente, priorizando os precedimentos e a diversidade de fontes na construo do conhecimento histrico. A seguir, apresenta-se um conjunto de diretrizes que, em consonncia com as novas finalidades atribudas ao ensino da Histria, visam orientar a prtica docente na consecuo de aprendizagens (conhecimentos, habilidades, conceitos e atitudes) pelos alunos.

3. Diretrizes para as Quatro ltimas Sries do Ensino FundamentalBuscar Sintonia com as Renovaes Historiogrficas A partir dos meados dos anos 80, houve amplos debates, tanto em mbito internacional como no Brasil, em busca de novos caminhos para o ensino de Histria. Partindo do meio acadmico, as discusses chegaram no final da dcada at a escola de 1 e 2 graus. Esta intensificao de novas buscas para se dar novo sentido ao ensino de histria teve origens diversas: nas crticas aos programas elaborados, naquela dcada e nas anteriores, expressas em suas orientaes positivistas e, depois, marxistas e, finalmente, na repercusso e divulgao das novas tendncias historiogrficas. As tendncias historiogrficas francesas, que tiveram origem na Escola dos Annales, no final da dcada de 20, e na sua terceira gerao, que lanou a obra organizada por Le Goff e, posteriormente, a Histria social inglesa e a nova histria cultural, passaram a marcar de maneira 13

definitiva a produo historiogrfica brasileira e, progressivamente, o ensino da Histria. Essa renovao historiogrfica coloca em evidncia novos temas, novos objetos e novos mtodos para a produo do conhecimento histrico. O que os historiadores das novas tendncias historiogrficas tm em comum o fato de realizarem vrios rompimentos com a histria positivista e/ou metdica. Dentre esses se assinalam: a negao da idia de objetividade e de transparncia absolutas dos documentos. Estes, enquanto registros das aes e dos ideais dos homens no tempo, s podem servir como evidncias para a construo de explicaes histricas se devidamente interrogadas pelo historiador a partir de questes do presente. O conhecimento histrico deixa, assim, de ser mera duplicao do real. O conhecimento histrico, embora ancorado no real e com o objetivo de explic-lo, torna-se uma construo intelectual resultante do dilogo entre categorias conceituais - e evidncias; entre estas e a viso de mundo ao qual o historiador se filia. Assinala-se, ainda, o abandono da viso linear da histria, passando-se a atentar para as relaes de mudana e permanncia ao longo do tempo, para a existncia de mltiplas temporalidades coexistindo num mesmo tempo cronolgico; a interdisciplinaridade com as demais cincias sociais, como a antropologia, a sociologia, a geografia a psicologia, entre outras. Alm desses rompimentos, os objetos do conhecimento histrico se deslocaram dos grandes fatos nacionais ou mundiais para a investigao das relaes cotidianas, dos grupos excludos e dos sujeitos sociais construtores da histria. O que passou a dar significado histria foram as relaes sociais existentes no cotidiano; as relaes de poder explcitas ou ocultadas, as resistncias, as diversidades culturais e a percepo de mltiplas temporalidades expressas em mudanas e permanncias, a busca da construo da identidade dos sujeitos histricos, da construo da histria local, das inter-relaes do local com o regional, o nacional e o mundial. o conhecimento histrico se fazendo sob a presso da prpria histria. Neste contexto de mudanas historiogrficas e sociais, a prpria noo de nacionalidade se redefine. Esta no se assentar mais sobre a idia da homogeneidade, da unidade de interesses e de projetos, mas sobre a idia da diferena, dos conflitos, das contradies e complementaridades, e estas no s sob o plano poltico-ideolgico, ou sob o plano econmico, mas tambm sob o plano tnico-cultural, de gnero, etc. Paralelamente s renovaes historiogrficas assinaladas, novas concepes de ensinoaprendizagem oriundas da teoria scio-construtivista do conhecimento, das teorias genticas e scio-histricas da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo e social propiciaram a construo de novos saberes histricos escolares e de novas concepes e prticas do ensino da Histria.

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Desenvolvimento do Raciocnio Histrico O desenvolvimento do raciocnio histrico, em oposio a um ensino que visa apenas memorizao, implica vrias mudanas nas concepes e prticas do ensino da Histria. Esta perspectiva vem ao encontro da direo dominante que tem assumido as mudanas no ensino de histria a partir da dcada de 70, em vrias partes do mundo, que pode ser confirmada por Thompson (1984). Para esse pesquisador ingls, existe um trao central em todas as sugestes de mudana no ensino de histria nos ltimos 30 anos. O que se tornou central a ser ensinado no o passado tal como aconteceu, mas sim a forma como podemos adquirir nosso conhecimento sobre o passado. Nesse sentido, as prticas e estratgias pedaggicas devem visar ao desenvolvimento de capacidades relacionadas construo do conhecimento histrico: a observao, a formulao de questes, o levantamento de hipteses explicativas, a anlise e interpretao de fontes histricas com vistas construo da escrita da histria. Por sua vez, necessrio tambm que o professor possibilite aos alunos desenvolver capacidades de ler e interpretar as fontes e produzir a sua prpria interpretao oral e escrita. As informaes s nos sero reveladas se as situarmos no tempo e espao de sua produo: quem as produziu e com qual intencionalidade, quando, onde e sob que formas de registro. Alm disso, devemos considerar que cada forma de registro tem uma linguagem prpria: a linguagem fotogrfica, a pintura artstica, a linguagem oral, musical, potica, literria, cinematogrfica, a linguagem oficial (legislao, tratados, cdigos). Essas linguagens exigem a aprendizagem de suas particularidades, de suas tcnicas, estilos, os quais guardam relao com o tempo e as culturas que as produziram. A curiosidade outro ponto a ser considerado no desenvolvimento do raciocnio histrico dos alunos e dever ser estimulada pelo professor. Parte-se do pressuposto de que os alunos, nessa faixa etria, compreendero a relao presente, passado e futuro ao tomarem conscincia da condio humana no passado, percebendo como homens, mulheres e crianas viviam e respondiam aos desafios impostos a eles no seu tempo. Certamente, suas perguntas ao passado sero formuladas a partir dos seus interesses, das suas vivncias sociais presentes. E isto tem relao com a investigao cientfica na medida em que se apia em atitudes de questionamentos. A investigao pressupe perguntas e no apenas verificao de como as coisas ocorreram. Assim, eles devem ser estimulados a questionar: Por que as coisas aconteceram desta maneira? Como as pessoas viveram e responderam a determinadas situaes no passado? O que estas respostas influenciaram o nosso presente? O que mudou e o que permaneceu? As coisas mudaram da mesma forma em tempos e sociedades diferentes? Os homens reagem de forma igual nas mesmas situaes? Existem diferenas?

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Desenvolvimento da Perspectiva Temporal O desenvolvimento do raciocnio histrico supe um trabalho diferenciado com a concepo histrica do tempo e de suas formas de marcao e apreenso em diferentes culturas. O tempo histrico, como uma construo social, no se limita ao tempo cronolgico, sucesso linear dos acontecimentos no tempo fsico. As capacidades de ordenao, de sucesso, de durao, de simultaneidade e de quantificao do tempo necessrias para lidar com a temporalidade histrica no so suficientes para o seu alcance. O tempo histrico produto das aes, relaes e formas de pensar dos homens, e essas aes variam ao longo do tempo cronolgico. Em cada tempo histrico - ou em cada presente - coexistem relaes de continuidade e de rupturas com o passado, bem como perspectivas diferenciadas do futuro. Assim, as mudanas e permanncias que acontecem num determinado tempo no se explicam pelo que aconteceu num tempo cronolgico imediatamente anterior; no entanto, no podemos prescindir da cronologia para construir demarcaes dos processos histricos. A Histria-Problema A histriaproblema, preocupada em estudar e compreender as relaes entre o presente e o passado e as produes de conhecimento pelos alunos, tem sido constantemente evocada como alternativa para se alcanar o objetivo pedaggico de prover de significado o ensino da Histria. No entanto, muitas dvidas so levantadas tanto quanto sua aplicabilidade quanto aos aspectos tericos e conceituais a presentes. O que se entende por histria-problema e a sua adoo no processo de ensino-aprendizagem? O que se entende por construo do conhecimento histrico pelos alunos? Quais as condies necessrias para levar sala de aula tais perspectivas? Em que medida esses aspectos se articulam? A evoluo recente da historiografia mostra, segundo Furet (1986), que ns passamos de uma narrao cronolgica, de reconstituio de fatos encadeados ao longo do tempo - para uma histria problema. A histria-problema, diferentemente da histria tradicional, visa ao exame analtico de um problema, de questes atravs de diferentes perodos histricos. Na perspectiva da histria-problema, o historiador, como ressalta Furet (1986), abandona sua pretenso de narrar tudo aquilo que se passou de importante na histria da humanidade ou de uma parte da humanidade. O historiador se torna consciente de que ele escolhe algumas questes, em torno das quais ele construir o seu objeto de estudo, estabelecendo dilogo entre o presente e o passado. A delimitao do perodo e do conjunto de acontecimentos que deste fazem parte - como usual numa perspectiva tradicional da histria - no suficiente. Exige-se, ainda, que a delimitao de problemas para os quais se buscam respostas (nunca definitivas) estejam em relao com os problemas e questes colocados pelo presente.

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Para que a concepo de histria-problema possa ser posta em prtica, ser necessrio mudar a dinmica de sala de aula, passando-se dos percursos tradicionais, centrados na figura do professor, expositor de contedos a serem memorizados pelos alunos, para a proposio de prticas escolares calcadas na concepo de construo do conhecimento pelo sujeito da aprendizagem, mediadas pelo professor. Do ponto de vista didtico-pedaggico, pretende-se que os alunos sejam sujeitos ativos de seus processos de aprendizagem. Esta perspectiva vai ao encontro da direo dominante que tem assumido as mudanas no ensino de histria a partir da dcada de 70, em vrias partes do mundo, que pode ser confirmada por Thompson (1984). Para esse pesquisador ingls do ensino de histria, existe um trao central em todas as sugestes de mudana no ensino de histria nos ltimos 30 anos. O que se tornou central a ser ensinado no o passado tal como aconteceu, mas sim o como podemos adquirir o conhecimento sobre o passado. Projetos Interdisciplinares O CBC de Histria do Ensino Fundamental busca a integrao interdisciplinar. A exigncia de hoje no mais somente o alargamento das fronteiras internas s disciplinas. Tornouse fundamental a escolha de temas, ncleos temticos, problemas, que possibilitem aos alunos lanarem mos de conceitos, procedimentos cientficos, habilidades de diferentes campos do saber para equacionarem as questes propostas. Esse enfoque favorece a formao de sujeitos capazes de lidarem com a complexidade da vida social e com a complexidade dos problemas que se apresentam no tempo presente. A natureza complexa da sociedade atual exige que se leve em conta, na anlise e equacionamento dos problemas, um maior nmero de pontos de vista, o que pressupe a formao de vises mais globalizadoras e estruturas mentais de raciocnio mais flexveis. Espera-se assim, que as aprendizagens que incluam a articulao das dimenses cientficas, tnicas, histricas, culturais favoream a formao de alunos melhor preparados para o exerccio da cidadania.

4. Proposta Curricular Critrios de Seleo dos ContedosO CBC de Histria do Ensino Fundamental tem como eixo integrador o tema Histria e Cidadania no Brasil. A escolha da questo-problema ou eixo norteador da proposta partiu de um problema contemporneo que pode ser traduzido na pergunta: Quais foram os processos histricos de construo da cidadania e da democracia, considerando as caractersticas que essas apresentam hoje na sociedade brasileira? O entendimento equilibrado dos dilemas e dos desafios hoje vividos pela sociedade brasileira depende, em grande medida, da compreenso, dos obstculos enfrentados para a construo de uma sociedade democrtica e cidad no passado . Depende ainda,

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do entendimento das conquistas at agora logradas e dos caminhos ainda por trilhar. A percepo dessa dialtica temporal crucial para se entender que o hoje no uma mera extenso do ontem e, tampouco, o amanh ser a seqncia linear da atualidade. Porm, no h como negar que, em certa medida, o presente prolonga, re-edita e re-cria, em diversos nveis, experincias j afastadas no tempo. Em geral, somos levados a contemplar apenas as experincias recentemente vividas. Tendemos a esquecer que nossas vidas trazem fragmentos das vidas de outros tempos e, sem que o saibamos, estamos, aqui e ali, a lhes dar continuidade. A compreenso desse emaranhado de questes um dos requisitos bsicos para que os jovens entendam a si mesmos e, sobretudo, aprendam a respeitar e a conviver com as diferenas, sejam elas de que ordem for. Nesta proposta, a nfase atribuda ao estudo da dinmica histrica brasileira visa, dentre outros aspectos, permitir uma melhor compreenso acerca dos problemas vividos pelos prprios alunos. Foram abordados inicialmente os temas relativos dimenso local e regional da histria ou seja, relativos s realidades mais prximas do aluno , partindo-se ento para a abordagem da dimenso histrica nacional em suas articulaes com a dimenso histrica internacional. Em consonncia com alguns documentos do Ministrio de Educao e da Secretaria Estadual de Educao de Minas Gerais, propoe-se um conjunto de objetivos para o ensino de Histria do segundo segmento do Ensino Fundamental: Problematizar vises representaes e atitudes que, comprometem o avano dos sujeitos, dos grupos, das identidades sociais em direo emancipao poltica e social; Desenvolver a noo de historicidade das aes dos homens da realidade social e dos processos histricos; Promover a confrontao de verses e interpretaes sobre um mesmo acontecimento histrico; Promover a aquisio de ferramentas intelectuais e a formao de atitudes de que capacite os alunos a participarem dos debates presentes no processo histrico brasileiro e nos processos internacionais; Propiciar o desenvolvimento de atitudes de respeito e de compreenso com relao diversidade sociocultural das sociedades e da sociedade brasileira, em particular; Contribuir para a compreenso de problemas e questes do presente e de suas relaes com a dinmica de mudanas e permanncias dos processos histricos;

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Desenvolver habilidades necessrias ao estudo das diferentes fontes histricas; Desenvolver habilidades de leitura, interpretao e produo de textos histricos, de generos diversos; Estimular a formao de atitudes e de negociaes e proposies coletivas para resoluo de problemas comuns, reconhecendo o direito do outro de manifestar-se e apresentar suas idias; Incentivar a reflexo sobre valores individuais, de grupos socioculturais de referncia e valores de outros grupos de tempos e espaos diferentes.

5. Avaliao em HistriaEsta proposta curricular, coerente com as renovaes no campo da historiografia e das novas concepes de aprendizagem j expostas, prope a adoo de novas concepes e prticas de avaliao. A avaliao concebida como um processo que implica diagnstico, acompanhamento, busca de superao das dificuldades e no apenas provas e testes para medir o desempenho final dos alunos. Isso significa compreender a avaliao como parte do prprio processo de aprendizagem, constituindo-se num grande desafio no s para os professores de Histria, mas para o conjunto dos professores de uma mesma escola. A proposta de avaliao considera as habilidades a serem desenvolvidas em cada srie ou ciclo de escolaridade. O desenvolvimento do raciocnio histrico, da perspectiva temporal e da investigao serviro de parmetro para a avaliao do desenvolvimento cognitivo dos alunos. No entanto, necessrio que o professor esteja atento ao fato de que muitas das capacidades requeridas para o desenvolvimento do raciocnio histrico e da cidadania s sero consolidadas no decorrer de um perodo maior, exigindo persistncia no trabalho com um ncleo comum de habilidades e atitudes por meio de estratgias de ensino e de avaliao, que estabeleam diferentes graus de complexidade ao longo das quatro sries do Ensino Fundamental. O desenvolvimento do raciocnio histrico supoe a ampliao das capacidades de leitura e interpretao de informaes diferentes fontes histricas, a identificao de fatos principais, o estabelecimento de relaes entre fatores, a construo de argumentaes com base em dados e interpretaes histricas diversas, a elaborao de idias-sntese, assim como aprender a lidar com diferentes dimenses da temporalidade histrica. O desenvolvimento dessas capacidades requer dos professores um trabalho cuidadoso, sistemtico e muita sensibilidade s diferenas de ritmo de aprendizagem dos seus alunos. As novas propostas de ensino-aprendizagem visam superar a aula puramente expositiva; valoriza aulas dialogadas, com questes e problemas que demandam a observao, o estabeleci19

mento de relaes e atitudes de pensar e descobrir. Fazem parte destas novas prticas pedaggicas, o trabalho em grupo, os debates em sala de aula, o exerccio do dilogo, da polmica e da argumentao. Essas estratgias permitem a exposio de pontos de vista diferentes e exigem a formao de atitudes que vo desde o respeito diversidade de opinies, a capacidade de ouvir e levar em conta o argumento do outro, colaborao na feitura de trabalhos coletivos. Os instrumentos de avaliao propostos visam contemplar aspectos e atitudes de educao histrica na esfera da sociabilidade dos alunos, dando especial ateno ao desenvolvimento de compromisso com o seu grupo, com a comunidade escolar, assim como com o patrimnio histrico e cultural local e do Pas. Prev-se que a avaliao inclua, alm das provas, as observaes e registros dos professores, permitindo acompanhar atravs de fichas individuais o desenvolvimento das habilidades de raciocnio, o processo de construo de cada aluno, assim como incentivar a construo pelos alunos de instrumentos (portiflios, memorial) que propiciem a formao da autonomia e reflexo sobre o processo de construo do saber histrico e do sentido desse conhecimento para suas vidas. A nova proposta de avaliao apresenta-se para professores e alunos, como um instrumento de aprendizagem, de investigao e de formao contnua, e isto significa uma mudana significativa na cultura e prticas escolares.

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Contedo Bsico Comum (CBC) de Histria no Ensino Fundamental da 6 9 Srie Os tpicos obrigatrios so numerados em algarismos arbicos Os tpicos complementares so numerados em algarismos romanos

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Eixo Temtico I

Histrias de Vida, Diversidade Populacional e MigraesTema 1: Histrias de Vida, Diversidade Populacional (tnica, Cultural, Regional e Social) e Migraes Locais, Regionais e IntercontinentaisSubtema 1 Diversidade populacional e migraes em Minas Gerais e no BrasilTPICOS HABILIDADES 1.1. Conceituar migrao e imigrao. 1.2. Identificar a diversidade populacional presente em sala de aula, na escola e na localidade do aluno, em termos sociais, tnico-culturais e de procedncia regional; analisar e interpretar fontes que evidenciem essa diversidade. 1.3. Conceituar cultura, mestiagem e hibridismo. 1.4. Analisar as festas tnico-culturais como manifestao de hibridismo: Congado, Carnaval, Maracatu, Bumba-meuboi, Reisado, Capoeira, festa de Iemanj, Folia de Reis, entre outras.

1. Populao mineira e brasileira: vrias origens, vrias histrias

2. Primeiros povoadores: os amerndios e suas origens

2.1. Caracterizar e diferenciar os povoadores de origem asitica (mongolides) e de origem africana (negrides) e confrontar interpretaes distintas sobre sua identidade. 2.2. Problematizar a distino entre histria e pr-histria. 2.3. Caracterizar e analisar a origem, evoluo e diversidade da espcie humana.

3. Os primeiros europeus: os portugueses do Reino

3.1. Identificar e caracterizar a cultura europia e portuguesa nos sculos XV e XVI. 3.2. Analisar o contexto e motivaes para o incio da colonizao portuguesa no Brasil.

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4. Os povos africanos

4.1. Identificar a diversidade tnica, espacial e cultural dos povos africanos. 4.2. Conceituar escravido. 4.3. Problematizar a existncia da escravido na frica antes da expanso martima europia. 4.4. Estabelecer diferenas entre o tipo de escravido existente na frica e o tipo implantado na Amrica Portuguesa. 5.1. Analisar e compreender as especificidades e complexidades dos povos indgenas brasileiros poca de sua descoberta pelos europeus: origens, movimentos migratrios e diversidade lingstico-cultural. 5.2. Diferenciar as principais naes indgenas brasileiras, especialmente as reconhecidas como presentes em Minas Gerais: Patax, Xacriab, Krenak e Maxacali Caxix, Aran Paulararu, Xucuru, Kariri. 6.1. Identificar as caractersticas bsicas do capitalismo industrial. 6.2. Identificar os grupos migratrios no Brasil nos sculos XIX e XX dentro do contexto da expanso do capitalismo. Analisar os processos que do continuidade s polticas de imigrao no Brasil e a chegada de novas levas de imigrantes em Minas Gerais nos sculos XIX e XX.

5. Os povos indgenas: diversidade e migraes

6. Os imigrantes europeus nos sculos XIX e XX

I. Os outros imigrantes nos sculos XIX e XX: rabes, judeus, orientais

Subtema 2 - Transformaes econmicas, diversidade populacional e colonizao portuguesa no BrasilTPICOS 7. Expanso econmica europia e descobrimentos martimos nos sculos XV e XVI HABILIDADES

7.1. Analisar o processo da expanso econmica e martima europia nos sculos XV e XVI.

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8. O sistema colonial e a realidade efetiva da colonizao: poltica metropolitana versus diversificao econmica e interesses locais

8.1. Conceituar colonizao. 8.2. Analisar as contradies inerentes ao funcionamento do sistema colonial como projeto metropolitano que foi constantemente frustrado pelas especificidades e diversidade da Amrica Portuguesa. 8.3. Analisar a formao de um mercado interno na Colnia atravs do surgimento de vrios mercados locais e a constituio de mercados regionais. 8.4. Conceituar mercado interno e acumulao de capital. 8.5. Identificar a existncia de acumulao interna de capital no espao colonial. 8.6. Relacionar as atividades de acumulao de capital na Colnia: controle do abastecimento interno, trfico negreiro e indgena.

9. A agromanufatura do acar e a escravido

9.1. Analisar e compreender o processo de implantao da agromanufatura do acar no Nordeste brasileiro em conexo com o trfico de escravos e a fixao dos portugueses no territrio brasileiro. 10.1. Analisar a sociedade mineira colonial como concretizao do ideal colonizador portugus, sendo ao mesmo tempo seu oposto. 10.2. Contextualizar o cenrio cultural das Minas colonial: arte e festas barrocas, irmandades religiosas e o cotidiano da populao. Conceituar colonizao. Analisar e comparar as experincias de colonizao concorrentes colonizao portuguesa no Brasil: franceses e holandeses. Contextualizar e relacionar a ao dos primeiros missionrios catlicos entre os indgenas brasileiros; a escravido indgena na Amrica espanhola; a Unio Ibrica; as guerras religiosas na Europa; as revolues inglesas do sculo XVII e surgimento do parlamentarismo monrquico.

10. A economia e a sociedade mineira colonial: dinamismo econmico e diversidade populacional

II. A colonizao litornea: a colonizao portuguesa e as tentativas de colonizao de franceses e holandeses

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III. Interiorizao da colonizao: o desbravamento do serto

Compreender e situar, espacial e temporalmente, os vrios processos de expanso da colonizao portuguesa: a pecuria no Nordeste e no Sul; o extrativismo no Norte; bandeiras e entradas.

IV. As misses no Sul e delimitao do territrio brasileiro

Analisar as disputas sobre o territrio sul-americano entre Portugal e outras potncias europias no sculo XVIII por meio dos principais tratados do perodo.

V. Cidadania e sociedade colonial: os homens bons e a escravido

Analisar o conceito de cidado na sociedade estamental da Colnia em sua relao com a estrutura do poder local (as cmaras das vilas e cidades).

Eixo Temtico II

Construo do Brasil: Territrio, Estado e NaoTema 1: O Estado Brasileiro e a Nao: Monarquia X RepblicaSubtema 1 A virada do sculo: transformaes polticas no Brasil do sculo XVIII para o sculo XIXTPICOS HABILIDADES 11.1. Compreender o contexto das revolues e seus impactos para a constituio do mundo contemporneo de cidadania. 11.2. Conceituar historicamente no contexto das revolues: repblica, liberalismo e cidadania. 11.3. Conceituar e identificar o sistema capitalista emergente e a resistncia dos trabalhadores nova organizao do trabalho. 11.4. Identificar e analisar o progresso tcnico e cientfico europeu do sculo XVIII.

11. Revolues liberais: industrial, americana e francesa

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12.1. Caracterizar e analisar os diversos movimentos polticos no Brasil de fins do sculo XVIII e incio do sculo XIX. 12. Inconfidncias e Brasil Joanino: movimentos de contestao e reorganizao da relao metrpolecolnia 12.2. Relacionar a independncia do Haiti com o medo da haitinizao do Brasil. 12.3. Identificar as decorrncias da instalao da corte no Rio de Janeiro: centralizao administrativa na Colnia, constituio de grupos de interesse no Sudeste brasileiro em torno da monarquia (a chamada interiorizao da metrpole). 12.4. Analisar os impactos da transferncia da corte portuguesa sobre o universo da vida cotidiana e cultural brasileira e, especificamente, sobre a cidade do Rio de Janeiro. 13.1. Perceber a constituio de uma identidade brasileira, entre fins do sculo XVIII e incio do XIX, em paralelo com as identidades locais (mineira, pernambucana, baiana, paulista, etc.) e com a identidade portuguesa. 13. A Revoluo de 1817 e a Independncia 13.2. Analisar o impacto da transferncia da corte portuguesa para o Rio de Janeiro para o processo de emancipao poltica do Brasil: de um lado, a ecloso de movimentos separatistas republicanos e, de outro, a construo de uma independncia pela via da monarquia e da manuteno da integridade territorial e das estruturas socioeconmicas assentadas na escravido e no latifndio.

Subtema 2 A experincia monrquica no BrasilTPICOS 14. Bases do estado monrquico e limites da cidadania: patrimonialismo, escravido e grande propriedade HABILIDADES 14.1. Analisar e compreender as bases socioeconmicas da monarquia brasileira, identificando continuidades e mudanas em relao era colonial e poca atual. 14.2. Conceituar patrimonialismo e estado. 14.3. Compreender e analisar os limites da cidadania no contexto da sociedade escravista do Imprio. 14.4. Analisar a Lei de Terras de 1850 e relacion-la com a questo agrria no Imprio.

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15. Mudanas scioeconmicas, crise poltica e fim da monarquia

15.1. Analisar e compreender as mudanas na organizao do trabalho e a diversificao econmica no Imprio. 15.2. Analisar e discutir: o abolicionismo, o republicanismo e a guerra do Paraguai. 15.3. Analisar as tenses no interior do Estado: a Coroa em conflito com os militares e a igreja.

VI. O Imperador e a Constituio de 1824: fundamentos jurdicos e polticos da monarquia

Compreender e analisar o processo de implantao da monarquia no Brasil e sua singularidade. Compreender o contexto poltico da Assemblia Constituinte de 1823,resultando na formulao da Constituio de 1824. Identificar as linhas gerais da Constituio de 1988 com a Constituio de 1824, sobretudo no que se refere cidadania. Analisar e caracterizar os conflitos entre o poder centralizador e o federalismo das elites provinciais (revoltas e rebelies). Analisar o processo de pacificao das rebelies provinciais como afirmao do estado monrquico brasileiro. Analisar e discutir a relao do Brasil com os pases da Bacia do Rio da Prata: questes platinas.

VII. Centralismo X federalismo, ordem X desordem na Regncia e incio do Segundo Reinado

Analisar e compreender a formulao de uma primeira identidade nacional como projeto das elites polticas do Imprio, e, portanto, excludente. VIII. Construo da identidade nacional: branqueamento e elitismo Analisar a importncia das escolas literrias (indigenismo, romantismo) e criao de institutos acadmicos para constituio de uma identidade nacional. Analisar a educao no Brasil imperial: excluso das mulheres e da populao pobre e escrava.

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Tema 2: Brasil, Nao RepublicanaSubtema 1 A Repblica de Poucos: a Repblica Velha e a dominao oligrquicofederalistaTPICOS HABILIDADES 16.1. Conceituar oligarquia, clientelismo, coronelismo e federalismo e relacion-los como elementos constitutivos do sistema poltico oligrquico. 16.2. Identificar a estrutura jurdico-institucional do regime republicano brasileiro, contida na Constituio de 1891. 16.3. Compreender o significado da construo de Belo Horizonte em termos da modernidade e do ideal republicano.

16. Primeira Repblica: moder nidade,grande propriedade, coronelismo e federalismo

IX.Transformaes econmicas, sociais e culturais no Brasil da Primeira Repblica

Analisar os partidos polticos, o processo eleitoral na repblica oligrquica e os limites da cidadania nesse contexto. Compreender o processo de diversificao econmica no Brasil aliado aos processos de imigrao, urbanizao e industrializao. Compreender o processo de transformao da paisagem urbana da cidade do Rio de Janeiro, associando modernidade e excluso social. Relacionar o modernismo e a busca da nacionalidade: a Semana de Arte Moderna de 1922.

X. Revoluo Russa de 1917 e movimento operrio, anarquismo e comunismo no Brasil

Compreender a Revoluo Russa de 1917 e o processo de construo do comunismo na Unio Sovitica e sua repercusso no Brasil. Analisar o movimento tenentista e a Coluna Prestes. Analisar o perodo entre-guerras e a crise de 1929.

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Eixo Temtico III

Nao, Trabalho e Cidadania no BrasilTema 1: A Era Vargas (1930-1945): fortalecimento do Poder Central, a Nao Brasileira re-significada e a CidadaniaSubtema 1 A Revoluo de 1930, Estado e Industrializao: os avanos e recuos da cidadania, extenso dos direitos sociais X cerceamento dos direitos polticos e civisTPICOS HABILIDADES

17. Revoluo de 1930 no Brasil

17.1. Compreender o processo de crise do sistema oligrquico brasileiro, relacionando-o ascenso de novas foras polticas e econmicas. 17.2. Identificar no Brasil dos anos 30 e incio dos anos 40 a presena de embates entre comunistas e fascistas.

18.1. Relacionar o autoritarismo do governo Vargas com a ascenso do nazi-fascismo. 18.2. Identificar as ambigidades da poltica econmica nacionalista do governo Vargas. 18.3. Relacionar a II Segunda Guerra Mundial e a industrializao no Brasil. 18. A Era Vargas: autoritarismo, estado e nao 18.4. Analisar e compreender os avanos e recuos da cidadania nesse perodo: extenso dos direitos sociais (direitos trabalhistas, ampliao do direito de voto) X cerceamento dos direitos polticos e civis (autoritarismo). 18.5. Analisar e compreender o processo de constituio de uma nova identidade nacional ligada industrializao e centralizao do poder. 18.6. Analisar o papel da propaganda oficial para difuso do novo iderio nacional, utilizando os meios de comunicao (rdio) e as expresses artsticas (msica, literatura, cinema).

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XI. Ascenso do nazi-fascismo na Europa XII. O rdio, o cinema, o carnaval e o futebol: a cultura de massas no Brasil

Compreender o processo de ascenso dos regimes extremistas de direita na Alemanha e Itlia. Compreender a constituio e difuso de uma cultura popular e, ao mesmo tempo, de uma cultura de massas, no Brasil da Era Vargas. Conceituar cultura de massas e cultura popular.

Tema 2: A Repblica Democrtico-Populista (1945-1964): Avanos e Recuos da Cidadania, Guerra Fria e Internacionalizao EconmicaSubtema 1 A Guerra Fria, a internacionalizao da economia e a industrializao do BrasilTPICOS 19. Novo contexto internacional: fim da Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria HABILIDADES 19.1. Contextualizar a Guerra Fria e a diviso do mundo em reas de influncia dos EUA e URSS, identificando os conflitos em que essas potncias se envolveram na Europa, sia, frica e Amrica. 19.2. Compreender a importncia das Revolues Chinesa e Cubana para a histria do sculo XX, no mundo e no Brasil. 20.1. Analisar a influncia do capital estrangeiro na industrializao do Brasil e os embates internos entre entreguistas e nacionalistas. 20.2. Conceituar populismo. 20.3. Identificar e analisar a constituio dos partidos polticos no Brasil nas dcadas de 50-60. 20.4. Analisar o desenvolvimentismo nos anos dourados de JK (1956-1960). 20.5. Analisar e compreender os embates poltico-ideolgicos entre direita e esquerda nos governos Jnio Quadros e Joo Goulart: o golpe militar de 1964. 20.6. Compreender os motivos, os pretextos e as estratgias subjacentes ao golpe militar de 1964. 20.7. Analisar limites e avanos da cidadania entre 1945 e 1964.

20. Avanos do capital estrangeiro e crise do populismo

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Tema 3: Anos de Chumbo e Anos Rebeldes: a Ditadura Militar (1964-1985)Subtema 1 Os avanos do capital estrangeiro, a crise do populismo e o golpe de 1964TPICOS HABILIDADES

21.1. Analisar o processo de implantao da ditadura militar no Brasil. 21.2. Identificar as bases jurdicas e institucionais da ditadura militar: atos institucionais, Constituio de 1967 e Emenda Constitucional de 1969. 21.3. Analisar o aparato repressivo militar e paramilitar institudo pela ditadura, com apoio da sociedade civil, para eliminao dos opositores (subversivos) e sustentao do regime. 21. Represso, resistncia poltica e produo cultural no Brasil 21.4. Analisar os principais movimentos de resistncia da esquerda (guerrilhas urbanas e rurais). 21.5. Identificar e analisar as restries cidadania na ditadura e as limitaes aos direitos polticos e civis. 21.6. Analisar as mudanas no contexto econmico brasileiro durante a ditadura: internacionalizao da economia, industrializao, urbanizao, dependncia econmica e constituio de uma sociedade de consumo. 21.7. Analisar o contexto cultural brasileiro antes do golpe de 64 e a forma como foi afetado; as diversas formas de resistncia dos artistas e intelectuais brasileiros: a MPB, os festivais da cano e o cinema novo. 21.8. Analisar a implantao dos governos autoritrios e da luta armada na Amrica Latina.

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Tema 4: Estado e Cidadania no Brasil Atual: a Repblica Democrtica e o Neoliberalismo (1985 aos dias atuais)Subtema 1 Estado, economia e sociedade: o papel do estado na organizao econmica, a abertura do mercado e os direitos sociaisTPICOS HABILIDADES

22.1. Analisar o contexto de formulao da Constituio Cidad de 1988 e os avanos da cidadania nela expressos. 22. Democracia e cidadania no Brasil atual 22.2. Contextualizar as transformaes mundiais do final do sculo XX a partir da desagregao do socialismo real. 22.3. Analisar o contexto das tenses e reivindicaes sociais no Brasil atual: eleies brasileiras de 2002, o Movimento dos Sem-Terra (MST) e a reforma agrria; os semteto; movimento negro; a questo das polticas afirmativas.

Analisar o contexto de estabelecimento de uma nova ordem mundial: ascenso dos governos conservadores e do neoliberalismo. Analisar a eleio de Fernando Collor de Mello e a abertura econmica do mercado brasileiro. Analisar a mobilizao popular e o impeachment de Fernando Collor de Mello (1992). Analisar os dois governos de Fernando Henrique Cardoso e a implantao do neoliberalismo no Brasil. Analisar a criao dos blocos econmicos regionais: Mercosul, Nafta e MCE.

XIII. Neoliberalismo e tenses sociais no Brasil

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Ensino Mdio1. IntroduoUm dado inicial, obtido em avaliao feita por cerca de 1.500 escolas da rede estadual, motivou a presente proposta de reduo do CBC do Ensino Mdio de Histria: as escolas avaliaram que o tempo utilizado e necessrio para o ensino dos 39 tpicos ultrapassava em muito o recomendado inicialmente - 1/3 da carga horria total. O que era para ser um currculo bsico comum havia ocupado praticamente toda a carga horria da disciplina, com os trs eixos temticos sendo distribudos correspondentemente aos trs anos do ensino mdio. Esse fato no s inviabilizava uma preocupao central na proposta do CBC, a autonomia da escola na definio dos temas complementares a serem trabalhados, como tambm patenteava que uma das sugestes da proposta, o tratamento no seqencial dos eixos temticos, no estava acontecendo. Assim, tornava-se necessrio fazer um ajuste do CBC que assegurasse uma base comum de conhecimento de histria para os alunos do Ensino Mdio da rede estadual, e garantisse a autonomia das escolas, em respeito s diferentes dinmicas internas, e na opo pelos tpicos complementares e/ou outras demandas do projeto pedaggico da escola. Tambm tornou-se necessrio um ajuste que estimulasse os professores a adotarem formas diferenciadas de ordenao e seqenciao dos temas bsicos e dos subtemas. Foram essas preocupaes que nortearam a presente proposta curricular. Ela compreende tpicos obrigatrios, tpicos complementares e as respectivas habilidades. A escolha dos tpicos obrigatrios teve como critrio definidor a sua articulao com a problematizao central da disciplina: as lutas pela construo da cidadania e garantia dos direitos no Brasil, articulada insero do Brasil, desde sua origem, no projeto burgus de sociedade que, j em seu incio, apresentava-se como transnacional e excludente. Tambm foi considerada a importncia a eles atribuda pelos professores das Escolas-Referncia, e pelos professores participantes do II Encontro de Representantes de rea, realizado em novembro de 2005. Alexandre Jos Gonalves Costa

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2. Sentido para o Estudo da DisciplinaA Constituio Brasileira de 1988 consagra a possibilidade de se exigir do Estado o cumprimento do seu dever para com a educao bsica obrigatria. Aps sua promulgao, observou-se a ampliao da rede pblica escolar, em dois movimentos. Numa primeira fase, a nfase prioritria da educao como direito de todos concentrou-se, principalmente, no aumento quantitativo da oferta escolar,consagrando a universalizao do acesso escola.Entretanto,a educao como direito inalienvel da cidadania s se realiza, como se tem insistido, mediante a ampliao e o fortalecimento de um sistema educacional de qualidade e democrtico em sua gesto - o que se tem configurado como prioridade da segunda fase da ampliao da rede escolar de Minas Gerais. A Emenda Constitucional n 14/96 declara o Ensino Mdio um direito (no obrigao, mas direito) de todo cidado e, como tal, obriga o Estado a oferec-lo de maneira a promover sua universalizao gradual. A viso sobre este segmento de ensino modifica-se ainda mais com a LDB (lei n 9.394/96), que o identifica como etapa conclusiva da educao bsica - e no mais como etapa de preparao, seja para o mundo do trabalho seja para a universidade. Esta mudana de perspectiva do Ensino Mdio, que passou a ser tratado como etapa da educao com um objetivo em si mesma e oferecida pelo Estado, promoveu significativa ampliao do acesso a este segmento de ensino. Segundo o Ministrio da Educao, de 1988 a 1997, o crescimento da demanda superou 90% das matrculas at ento existentes. Em apenas um ano, de 1996 a 1997, as matrculas no Ensino Mdio cresceram 11,6% (PCNEM:7). Portanto, a preocupao com a qualidade do Ensino Mdio vem crescendo. Considera-se que necessrio promover transformaes de qualidade neste nvel de ensino, para adequ-lo promoo humana de seu pblico atual, diferente daquele de h trinta anos, quando suas antigas diretrizes foram elaboradas (PCN+, 2002: 8). Alm disso, como no se pode excluir a importncia do Ensino Mdio para a formao de cidados em faixa etria de ingresso no mercado de trabalho. A melhoria da qualidade deste nvel de escolarizao tem se mostrado essencial para responder a desafios impostos por processos globais, que tm excludo da vida econmica os trabalhadores no qualificados, em virtude da formao exigida de todos os partcipes do sistema de produo e de servios (PCN+, 2002: 8). Nesse sentido, a construo da cidadania no Pas exige, alm do atendimento dos direitos universais e da igualdade formal, uma nova compreenso das identidades sociais e da identidade nacional e das formas de insero dos indivduos na vida social e no mundo do trabalho.

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Neste atual contexto poltico,social e educacional atribudo ao ensino da Histria o papel de formar um novo cidado que,dentre outras caractersticas,seja capaz de compreender a histria do Pas e do mundo como resultante de mltiplas memrias,originrias da diversidade das experincias humanas,em oposio ao entendimento at ento dominante de uma memria unvoca das elites ou de um passado homogneo. A atual referncia nacional curricular, os Parmetros Curriculares Nacionais, orienta os currculos em geral, e o de Histria, em particular, para construo de uma nova cidadania. Demonstra sensibilidade relativa dinmica de constituio e interao da diversidade das culturas nacionais e mundiais e prope rupturas com uma histria centrada na formao de um determinado tipo de representao de nacionalidade, assim como numa histria centrada na cultura branca europia. A diversidade cultural e o entendimento do avano da cidadania no Brasil constituem-se, assim, em conceito central da formao das identidades das novas geraes e das finalidades do ensino da histria. Esta perspectiva sintoniza-se com o que tem animado as atuais produes historiogrficas e muitas das inovaes no ensino de Histria, no Brasil. Autores que discutem a relao entre educao e cidadania hoje apontam, de um modo geral, que a formao cidad deve priorizar, no processo de ensino-aprendizagem, os instrumentos intelectuais e prticos para uma efetiva participao na esfera pblica - motivada, consciente e esclarecida, a partir do cruzamento entre interesses pessoais e sociais. Indicam, ainda, a necessidade de se estimular a descoberta, o respeito e o reconhecimento do outro; em outras palavras, apontam a preocupao em fazer da educao escolar (e do ensino de Histria, em particular) um meio de aceitao da diversidade de perspectivas e projetos individuais ou de grupos, promovendo a convivncia saudvel com a diferena e uma aprendizagem baseada no conhecimento de outras culturas e vises de mundo. O processo de democratizao da sociedade brasileira e a perspectiva de formao de uma nova cidadania colocam para educao em geral, e em especial para a educao histrica, alguns desafios centrais que norteiam essa proposta. Problematizar vises, representaes e atitudes que comprometem o avano dos sujeitos, dos grupos, das identidades sociais em direo emancipao e participao poltica e social; Desenvolver atitudes de respeito e compreenso para com a diversidade e complexidade sociocultural das sociedades e da sociedade brasileira, em particular; Desenvolver a noo de historicidade das aes humanas e da realidade social; Compreender os usos que diferentes grupos sociais e meios de comunicao fazem da memria histrica; Relacionar temas centrais do processo histrico brasileiro aos processos mundiais; 35

Preparar os jovens para participarem dos debates sobre temas relacionados ao seu contexto mais imediato e ao contexto global A seguir, um conjunto de diretrizes de natureza historiogrfica e pedaggica proposto para fundamentar as escolhas feitas para o enfrentamento desses desafios.

3. Diretrizes para o Ensino de HistriaNovas concepes da Histria: conhecimento e seus mtodos de produo A constituio da Histria enquanto uma disciplina cientificamente orientada data de fins do sculo XIX, muito embora alguns de seus preceitos j tivessem sido elaborados entre os sculos XVII e XVIII. O resultado desse trabalho redundou numa concepo de Histria que acabou por identificar conhecimento histrico e realidade, conhecimento histrico e verdade. Essa ausncia de ruptura entre realidade e conhecimento era possvel, segundo os historiadores da chamada Histria Metdica (normalmente identificada como Histria Positivista), porque as narrativas histricas apoiavam-se em dois pilares fundamentais: as provas documentais e a neutralidade do trabalho dos historiadores. Com o primeiro, garantia-se a objetividade da pesquisa desenvolvida e, com o segundo, a imparcialidade do relato histrico. Ao historiador cabia separar os documentos falsos dos verdadeiros, via emprego do mtodo crtico, e classificar/ordenar os dados extrados dos documentos vlidos, porque autnticos, para, finalmente, narrar a evoluo das sociedades passadas numa seqncia cronolgica e espacial. Sabe-se que tais narrativas tendiam a privilegiar o encadeamento das chamadas provas documentais, com o objetivo de reunir os dados capazes de explicar questes e problemas que afligiam no apenas aos governantes da poca, mas tambm aos crculos intelectuais de ento. Ressalta-se que a maioria dos historiadores do sculo XIX tendia a selecionar e encadear os fatos de modo que as narrativas construdas possibilitassem demonstrar a lgica de organizao do universo poltico-institucional, civil e militar. Trabalhando numa perspectiva mais moral que propriamente reflexiva, muitos historiadores, afinados com os parmetros da historiografia tradicional, fizeram do conhecimento histrico um lugar de exaltao dos valores nacionais. No por acaso deram nfase a temas ligados constituio dos Estados Nacionais: a histria dos heris, dos reis, das guerras. A partir de fins da dcada de 1970, j se percebe, no Brasil, um movimento de crtica a essa concepo de conhecimento histrico. Junto comunidade de historiadores brasileiros, destaca-se a influncia das reflexes historiogrficas elaboradas tanto por historia-

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dores formados sob influncia da Escola dos Annales quanto por historiadores ingleses integrantes da chamada histria social inglesa. Simultaneamente, uma parcela significativa dos docentes brasileiros, sobretudo das universidades pblicas, investe em seu processo de formao continuada ao ingressar nos programas de ps-graduao dentro e fora do Pas. Se for correto afirmar que a historiografia chamada positivista e/ou metdica ancorou-se nas premissas da objetividade do documento histrico e da infalibilidade do mtodo crtico para sustentar sua razo cientfica, tambm certo dizer que as novas abordagens historiogrficas foram constituindo-se a partir da crtica a esses e outros fundamentos histricos. Em um processo lento, cheio de idas e vindas, e por vezes marcado por um tom inflamado e emotivo, os membros da nova comunidade de historiadores foram problematizando o conceito de documento histrico; a natureza da prtica da pesquisa histrica; a concepo de cincia e o prprio ofcio do historiador. Ao invs de documento-verdade, expresso fiel da realidade, as fontes de pesquisas passaram a ser concebidas como vestgios e/ou marcas de aes motivadas por interesses e intenes.Nesses fragmentos do passado - agora no mais restritos aos documentos escritos -, afirmou-se o interesse dos historiadores na compreenso do jogo de intenes, explcitas e implcitas, que pudesse ter motivado as atitudes e os desejos dos diferentes atores e grupos sociais que compem as sociedades do passado. Contrariamente a seus predecessores, os novos historiadores negam a idia da objetividade e da transparncia absolutas dos documentos. Evidncias das aes e dos ideais dos homens no tempo, as fontes de pesquisa s podem servir como dados/evidncias para a construo de explicaes histricas, se devidamente interrogadas pelo historiador. Nesse movimento, anunciava-se um novo conceito de conhecimento histrico. Ainda que ancorado na realidade e destinado a explic-la, o conhecimento histrico deixava de ser a mera duplicao do real para tornar-se uma construo intelectual, ancorada na articulao entre categorias conceituais e evidncias histricas. Com novos parmetros, a nova comunidade de historiadores no apenas ps em xeque os pilares da historiografia tradicional, como tambm props um novo papel para o historiador. Da antiga identificao entre conhecimento histrico e realidade e/ou verdade, passou-se tese de que o conhecimento histrico oriundo de construo intelectual dotada de incertezas, vlida apenas no campo das probabilidades e destinada a auxiliar na compreenso das relaes sociais e das intenes dos diferentes atores sociais do passado. Na dcada de 1970, os historiadores franceses Jacques Le Goff e Pierre Nora organizaram uma coletnea na qual possvel perceber para onde aponta essa nova topografia de questes a ordenar o pensar e a reflexo historiogrfica. 37

Os ento chamados novos problemas, novas abordagens e novos objetos da Histria sinalizam, de um lado, as tendncias de uma nova historiografia, fruto de dcadas de prtica de pesquisa documental de natureza mltipla. De outro, apontam alguns dos desafios terico-metodolgicos que permeariam, ad infinitum, o exerccio do ofcio de historiador das geraes futuras. Em meados da dcada de 1980, as questes postas por estes e outros estudos j integravam os cursos de teoria e metodologia da histria em muitas universidades brasileiras, alm de influenciarem as pesquisas desenvolvidas por alunos de graduao e de ps-graduao strictu sensu de diferentes disciplinas e linhas de pesquisa. Alm de re-significar as idias-chave que estruturaram os fundamentos da historiografia do sculo XIX, as novas abordagens historiogrficas vm apontando para a necessidade de se compreender a dinmica de funcionamento de outras dimenses da realidade, como o entendimento das manifestaes culturais e/ou simblicas Da mesma maneira que o primeiro movimento de crtica historiografia tradicional fezse sob o impacto do dilogo da Histria com outras reas do conhecimento cientfico - notadamente com a Sociologia, a Economia e a Demografia -, nas trs ltimas dcadas do sculo XX, os historiadores tambm voltaram seu olhar para a Antropologia, a Arqueologia, a Semiologia, a Literatura, a Msica, a Histria da Arte, a Geografia, dentre outras reas do conhecimento. Ao combinar dilogos interdisciplinares e anlise de outras fontes de pesquisa, a Histriaconhecimento tem deslocado sua prtica de pesquisa para os campos da cultura. Ou seja, para reas da realidade em que as prticas sociais sinalizam, sob outro registro, a dinmica (sempre tensa e conflitiva) das relaes sociais e materiais. A, mais do que em qualquer outra dimenso da realidade, os atores sociais criam formas prprias para comunicar e exprimir seus atos. Nessa perspectiva de trabalho, os historiadores, sempre em dilogo com tericos de outras reas do conhecimento, pem em xeque uma das maiores certezas do sculo XIX: a unidade orgnica entre todas as manifestaes dos atos sociais de uma mesma poca. Tal corte com esta dimenso da tradio do pensamento do sculo XIX criar as condies para enxergar-se as mltiplas faces do real e, conseqentemente, tornar mais compreensvel a tese, j antiga, mas ainda no muito assimilada, de que a Histria-conhecimento, assim como as demais cincias, no se destinam a revelar o real tal qual ele . Seu papel, enquanto um modo de conhecer rigoroso e socialmente produzido, , antes de tudo, tentar entender os sentidos atribudos s aes sociais. Hoje j no mais se confunde histria e memria, por exemplo, como freqentemente ocorria na historiografia oitocentista. Os dilogos interdisciplinares entre Histria e outros campos do saber tm sido igualmente frutferos no que tange ao estudo dos sistemas de representaes

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histrico-culturais, to necessrios compreenso das diferenas histricas e dos cdigos culturais, os quais contribuem para a criao de sistemas de representaes das prticas sociais, por sua vez partilhados, de forma diferenciada, por distintos grupos em uma mesma sociedade. mediante esses sistemas de representao que as instituies, sobretudo as de natureza poltica, tendem a reforar e at mesmo a inventar memrias e identidades coletivas destinadas a criar laos de solidariedade e coeso social. Alm de criar novos smbolos e/ou re-editar alguns dos que j contam com a aceitao de grupos sociais, esses sistemas simblicos tambm desempenham a funo de criar o que M. Halbwachs chama de quadros coletivos impostos pela sociedade, ou seja, referenciais partilhados por diferentes grupos sociais que, por sua vez, permitem a comunicao entre eles. Novas orientaes pedaggicas sobre os saberes histricos escolares Os saberes histricos escolares no so resultado da simplificao ou vulgarizao do saber acadmico de referncia. Ou seja, no so uma combinao simples entre contedos e mtodos de ensino. Para se compreender as especificidades do saber histrico escolar necessrio no s o exame das relaes entre historiografia (saber de referncia) e ensino, mas tambm considerar as condies em que este saber vem sendo produzido e difundido. Em outras palavras, importa questionar em que circunstncias o saber histrico escolar constitudo: Por quem, para quem, quando e onde ensinado? Sob que critrios e estratgias? Que sujeitos histricos vem formando e pretende formar? Nesse sentido, o que os currculos e programas - oficiais ou no - propem como contedo a ser trabalhado resultado, de um lado, de uma operao complexa que envolve um conjunto de elementos terico-metodolgicos de dimenses da realidade social e, de outro, de uma operao no menos complexa, que a de selecionar dentre as inmeras alternativas do conhecimento acumulado, aqueles que melhor possam atender a finalidades sociais de um determinado momento histrico das sociedades e aos sujeitos da aprendizagem. Esse carter poltico e social do qual se revestem os processos de elaborao dos currculos e programas escolares requerem algumas consideraes a respeito das finalidades que ora atribumos a essa proposta em questo, uma vez que essas so tambm fruto de uma construo social. Desde o sculo XIX, quando no mundo ocidental, os Estados Nacionais se constituram sob a forma como os conhecemos hoje, que se tem atribudo ao ensino de histria a funo social de fornecer s novas geraes os elementos constitutivos da memria histrica da nao, e as representaes coletivas necessrias ao avano dos projetos polticos e culturais dominantes. Funo essa no isenta de conflitos e negociaes. Em geral, a Histria guiada por um racionalismo utilitrio e pragmtico, conhecida como

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Positivista, encontrou nos currculos escolares e nos manuais didticos um campo frtil para a exaltao de sentimentos patriticos. Muitas vezes, seus temas e suas abordagens tendiam a promover e alimentar prticas cvicas destinadas a conformar um perfil de cidado que atendia mais a interesses poltico-ideolgicos especficos do que, propriamente, ao desenvolvimento de posturas crticas e/ou reflexivas acerca de seu papel na sociedade. Segundo Laville (1999), durante muito tempo a Histria teve como aparelho didtico de ensino peas de uma narrativa cuidadosamente selecionada, quais fossem, fatos seletos, momentos fortes, etapas decisivas, grandes personagens, acontecimentos simblicos e, de vez em quando, alguns mitos gratificantes (LAVILLE, 1999: 126). Essa situao retratava o objetivo de se formar, atravs do ensino de Histria, cidados-sditos, fiis e obedientes aos princpios da Nao. No caso do Brasil, essa foi a direo predominante nos currculos de Histria, desde a instituio desta como disciplina escolar (no final da dcada de 1830) at meados dos anos 70. Muitas foram as variaes de contedo dos currculos - da Histria Sagrada Histria Nacional, da Histria Universal Histria da Civilizao - ao longo desse largo perodo. Mas a direo metodolgica positivista e o objetivo de formar cidados-sditos, a viso da Histria como disciplina capaz de formar indivduos, ora patriotas ora civilizados, permaneciam como trao constituinte dos currculos oficiais. Essa concepo de Histria encontra tambm seu eco nos livros didticos mais utilizados no Pas. Pode-se citar como exemplos tanto os dois volumes do manual didtico de histria de Joaquim Manoel de Macedo (1820-1883), Lies de Histria do Brasil para uso dos alunos do imperial Colgio de Pedro II, quanto s teses defendidas por Joo Ribeiro (1860-1934), autor de Histria do Brasil. A importncia destes e de outros manuais foi tal que alguns estudiosos da atualidade defendem a tese de que muitas das idias contidas no livro de Joo Ribeiro estiveram presentes na maioria dos manuais didticos de Histria at o incio de 1960. A partir da dcada de 1970, a presena da nova historiografia francesa e inglesa do sculo XX fez-se marcante nas reunies, nacionais e regionais, da Associao Nacional de Histria (ANPUH) que, cada vez mais, passaram a funcionar como espaos para divulgao dos debates e embates historiogrficos em voga nas universidades brasileiras e estrangeiras. Em meio a esse clima de efervescncia intelectual, professores de Histria dos nveis Fundamental e Mdio passaram, ainda que timidamente, a ingressar nos cursos de ps-graduao lato sensu e stricto sensu. Esse deslocamento em direo s universidades era, por sua vez, motivado tanto pela insatisfao com o trabalho em curso quanto pela necessidade de discutir, de forma sistemtica, o emprego de novas metodologias de ensino e outras demandas prprias do universo escolar relativas disciplina Histria. Esse movimento extra-oficial no impediu, no entanto, que as orientaes curriculares

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oficiais mantivessem a mesma direo que marcava o ensino de Histria desde sua instituio. Para Fonseca (1995), a dcada de 1980 foi, alm de perodo de redemocratizao das instituies escolares, um momento de tentativa de re-significar o papel da Histria como disciplina escolar atravs de revises curriculares. Nas duas propostas oficiais de maior repercusso na poca, a escola e seus sujeitos (professores e alunos) passam a ser interpretados como produtores de conhecimento. Em So Paulo, procurou-se acabar com a hierarquizao pesquisa/ensino, trazendo para a escola a dimenso crtica, ativa do conhecimento. A proposta era direcionada pela Nova Histria francesa (com a proposta de abordagem temtica) e pela Histria Social Inglesa, com o tratamento da ao do homem como tema central e a sugesto do eixo temtico trabalho. Havia a preocupao de repensar a relao discurso/poder, desmistificando heris e fatos oficialmente institudos. Em Minas Gerais, a proposta curricular criticava a linearidade e o etapismo das abordagens anteriores. Adotava, abertamente, a concepo marxista de histria: a valorizao do mtodo como garantia de objetividade e cientificidade, a valorizao das teorias, dos conceitos institudos para a produo do conhecimento histrico (FONSECA, 1995: 96). Embora possussem orientaes tericas e metodolgicas diferentes, ambas mostravam a necessidade de trazer para a sala de aula novos temas, novas abordagens, que contemplassem, sobretudo, os excludos da histria. Ambas, tambm, apresentam um deslocamento do eixo da funo poltica da Histria: no mais nacionalizante ou civilizatria, mas a preocupada com a construo da cidadania. Nos ltimos anos, no tm sido poucas as reformas do ensino no Brasil, incluindo as do ensino de Histria. Em Minas Gerais, por exemplo, num perodo de pouco mais de uma dcada (entre a segunda metade dos anos 80 e a segunda metade dos anos 90), assistimos elaborao de trs reformas de programa de Histria (sendo esta a mais recente). Essas reformas foram promovidas assimilando certas renovaes historiogrficas e educacionais, buscando consonncia com os novos ares do tempo: de uma sociedade que busca consolidar a democracia e de um mundo em acelerado processo de globalizao dos mercados e da cultura que exige, dos Estados, redefinies das bases sobre as quais se assentam a identidade da nao. Estas se fizeram no sem confronto ou embates entre diferentes projetos de formao da conscincia social histrica das novas geraes. No final dos anos 90, uma reforma de mbito nacional props parmetros, referncias e diretrizes curriculares nacionais para todos os segmentos de ensino e, especificamente, para as diversas disciplinas escolares, a partir do Ensino Fundamental. No caso da Histria, os Parmetros 41

Curriculares Nacionais - tanto de Ensino Fundamental (Anos Iniciais e Anos Finais; 1998) quanto de Ensino Mdio (PCN/99 e PCN+/02) - colocaram em discusso novas referncias para o trabalho em sala de aula. Os PCNs de Histria propem reflexes importantes sobre as relaes existentes entre a historiografia (ali chamada de saber histrico) e o conhecimento veiculado e produzido nas escolas (chamado de saber histrico escolar). Fazendo a distino entre esses dois tipos de saberes, considera o aluno como sujeito ativo no processo de aprendizagem e ressalta que os processos internos de aprendizagem devem ser considerados como parte importante do processo de construo do saber histrico escolar. Alm disso, os PCNs destacam a necessidade de se considerar, no ensino de Histria, as mltiplas dimenses do tempo para garantir uma melhor compreenso histrica pelos alunos, e a necessidade de ter nas competncias cognitivas um dos objetivos da formao dos alunos. Desde ento, tem-se assistido proliferao de manuais didticos e de outros recursos pedaggicos, como CD-roms e livros paradidticos, por exemplo, afinados com o rumo dos debates historiogrficos contemporneos e que consideram as especificidades do saber histrico escolar. A Histria-problema e a Construo do Conhecimento pelos Alunos Uma das questes que mais tem desafiado os professores de histria engajados em processos de mudanas curriculares e de suas prticas de sala de aula a de como envolver ativamente os alunos nos processos de aprendizagem da histria, visando ao desenvolvimento de um raciocnio crtico e de sensibilidades para a participao poltica e social nos processos de mudana que requerem o tempo presente. Como nos adverte Hobsbawm , a destruio do passado - ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experincia pessoal das geraes passadas um dos fenmenos mais caractersticos e lgubres (...) Quase todos os jovens de hoje - ir ele nos alertar, crescem numa espcie de presente contnuo, sem qualquer reao orgnica com o passado pblico da poca em que vivem. Por isso, os historiadores cujo ofcio lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes do que nunca (...). Esse processo de esquecimento do passado pode, comprometer o desenvolvimento da noo de temporalidade histrica, pois essa depende da aquisio do sentido do tempo. O tempo histrico requer um sentido da existncia do passado, bem como do presente; requer um sentimento de pertencer, de estar dentro da histria. A histria-problema, preocupada em estudar e compreender as relaes entre o presente e o passado, assim como as construes do conhecimento pelos alunos, tm sido constantemente evocada como alternativa para se alcanar esses objetivos. E essas so as escolha que fizemos para

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orientar pedagogicamente o programa. No entanto, muitas dvidas so levantadas tanto quanto a sua aplicabilidade quanto aos aspectos tericos e conceituais a presentes. O que entende por histria-problema e a sua adoo no processo de ensino-aprendizagem? O que se entende por construo do conhecimento histrico pelos alunos? Quais as condies necessrias para levar sala de aula tais perspectivas? Em que medida esses dois aspectos se articulam? A evoluo recente da historiografia mostra, segundo Furet, que ns passamos de uma narrao cronolgica, de reconstituio de fatos encadeados ao longo do tempo para uma histria-problema, diferentemente da histria tradicional, visa ao exame analtico de um problema, de questes atravs de diferentes perodos histricos. Pode-se dizer que, enquanto na perspectiva tradicional a explicao histrica obedece lgica da narrao, na qual o antes explica o depois, a histria-problema procura compreender e explicar problemas (e em determinadas circunstncias contribuir para sua soluo), a partir no s da formulao de problemas e questes para os quais buscamos respostas, como tambm pela formulao de hipteses conceituais que poderiam explic-los. Na perspectiva da histria-problema, o historiador, como ressalta Furet, abandona sua pretenso de narrar tudo aquilo que se passou de importante na histria da humanidade ou de uma parte da humanidade. O historiador se torna consciente de que ele escolhe algumas questes, em torno das quais ele estar construindo o seu objeto de estudo, estabelecendo dilogo entre o presente e o passado. Assim, a delimitao do perodo e do conjunto de acontecimentos que deste fazem parte - como usual numa perspectiva tradicional da histria - no suficiente. Exige-se, ainda, que a delimitao de problemas para os quais buscamos respostas (nunca definitivas) estejam em relao com os problemas e questes colocados pelo presente. Nessa proposta, como veremos mais adiante, propomos uma questo - problema maior que orientou a escolha dos temas: Quais foram os processos (obstculos, recuos e avanos) de constituio da cidadania e da democracia no Brasil? Para que a concepo de histria-problema possa ser posta em prtica, ser necessrio que a dinmica de sala de aula fuja dos percursos tradicionais, em que as aulas so, comumente, centradas na figura do professor, que se encarrega, por sua vez, de expor contedos que, em seguida, devem ser memorizados pelos alunos. Sugere-se a proposio de prticas escolares calcadas na concepo de construo do conhecimento pelo sujeito da aprendizagem, mediadas pelo professor. Do ponto de vista didtico-pedaggico, os alunos sero investidos de um outro estatuto epistemolgico, aquele de sujeitos ativos de seus processos de aprendizagem. Esta perspectiva vem ao encontro da direo dominante que tem assumido as mudanas no ensino de histria a partir da dcada de 70, em vrias partes do mundo, que pode ser confirmada por Thompson. Para esse pesquisador ingls do ensino de histria, existe um trao central em todas as sugestes de mu-

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dana no ensino de histria nos ltimos 30 anos. O que se tornou central a ser ensinado no o passado tal como aconteceu, mas sim como ns podemos adquirir nosso conhecimento sobre o passado. Ora, se nossa concepo de histria e da produo do conhecimento histrico no mais aquela do discurso acabado e nico, mas sim de um conhecimento em constante mutao, que se constri a partir de premissas variadas e, ainda, que uma operao explicativa de um determinado problema que guarda relaes com a questo que nos colocamos para responder, vrias mudanas devero ocorrer no modo de desenvolver nossas aulas. Muito provavelmente, ns nos perguntaramos se nossos alunos teriam as condies sociocognitivas exigidas para lidar com uma histria-problema. As operaes mentais presentes nesses procedimentos de produo e de raciocnio seriam acessveis aos alunos? Ensinar histria atravs dos procedimentos de produo do conhecimento histrico, e no s a partir de seu produto, aumenta em muito as chances de desenvolvimento de raciocnio histrico - esta uma hiptese que vem orientando muitas prticas inovadoras do ensino da Histria. bem verdade que ensino de histria que, tradicionalmente, fez apelo capacidade de memorizao de um discurso tido como pronto e nico, impediu-nos de conhecer as capacidades potenciais, e diramos mesmo as reais, dos nossos alunos aprenderem histria. Para que possamos conhecer sua capacidade e dificuldades em raciocinar historicamente, no teremos outra maneira seno a de coloc-los em situaes de ensino-aprendizagem propcias a esse desenvolvimento. Isso requer que adotemos uma atitude de professor-investigador, de quem se indaga, de quem se pergunta, e busca os meios tericos e prticos para entend-las e super-las. Por exemplo, deveramos nos perguntar a respeito da maneira como os adolescentes pensam em histria. O que eles trazem como conhecimentos prvios? So eles carregados de potencialidades de compreenso ou ainda de preconceitos e esteretipos? Quais so as formas de raciocnio ou hipteses empregadas por eles quando so confrontados com problemas a serem resolvidos? De que maneiras lidam com a relao passado-presente? Quais so as questes que colocam as diferentes fontes documentais? Como constroem suas explicaes a respeito dos acontecimentos histricos? So capazes de estabelecer relaes entre diferentes fatores e dimenses da vida social? Essas perguntas nos impem a necessidade de no s melhor conhecer a natureza do pensamento histrico, mas, igualmente, o qu e como os alunos pensam e aprendem histria? A importncia do desenvolvimento do raciocnio histrico para a compreenso histrica inegvel. Compreende-se pelo raciocnio histrico a capacidade de identificar permanncias e mudanas entre o presente/ passado e futuro, a capacidade de relacionar os acontecimentos e seus estruturantes de longa e mdia durao, a capacidade de identificar simultaneidade de acontecimentos no tempo, a capacidade de relacionar diferentes dimenses da vida social e seus ritmos diferenciados de mudana, a capacidade de elaborar contextos que dem significado aos fatos

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histricos, a capacidade de propor problemas a serem respondidos pela relao passado e presente. Para que os alunos desenvolvam raciocnio histrico, devemos nos indagar em que medida os contedos, objetivos, metodologia de ensino empregada e a ao mediadora do professor, em sala de aula, estariam possibilitando aos alunos desenvolverem estruturas cognitivas que acolham a complexidade do conhecimento e do raciocnio histrico. O conceito de zona de desenvolvimento proximal proposto por Vygotsky abre uma perspectiva interessante para avanar nossa compreenso a respeito da importncia do papel da ao mediadora do professor nos processos de ensino - aprendizagem. Para Vygotsky (1984), a zona de desenvolvimento proximal a distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em colaborao com companheiros mais capazes. Para esse autor, a aprendizagem , portanto, um processo scio-histrico, mediado pela cultura, em que se atribui aos mais capazes (de modo especial ao professor) o papel de impulsionar o desenvolvimento e a aprendizagem por meio das interaes realizadas em sala de aula. Grande parte das atividades desenvolvidas pelos alunos em sala de aula mediada pelo professor, o que nos convida para uma reflexo a respeito de nossa prpria ao nas relaes que estabelecemos no s com o contedo que ensinamos, mas igualmente nas interaes que promovemos com alunos, por meio das linguagens que empregamos e da nossa fala, de um modo especial. Como o professor atravs da sua fala apia o processo de aprendizagem de seus alunos? Qual a variedade de interaes que ocorrem nesses momentos? Como o professor trabalha as experincias e aprendizagens prvias trazidas pelos alunos? Como o professor promove a construo coletiva de significados, em suas aulas expositivas? Enfim, quais as mediaes que o professor faz quando se prope levar os alunos a desenvolverem o raciocnio histrico, a histria-problema? De que maneira o professor promove o trabalho dos alunos com as diferentes fontes de produo dos conhecimento histrico? Propor-se- aos alunos que construam conhecimentos a partir de questes colocadas s diferentes fontes histricas, esperando-se que essas questes surjam da problematizao do presente, de suas experincias sociais, de seus conhecimentos prvios a respeito do tema em questo. Como lembra Elza Nadai, no suficiente desenvolver nos alunos a capacidade de propor questes s diferentes fontes histricas. Ns devemos convidar os alunos a problematizarem as fontes, a formularem problemas/ questes e, para isso, devemos torn-los capaz de fazer uso de conceitos, de manipular o tempo histrico, de se apropriarem de conhecimentos j acumulados

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sobre o tema em estudo. Supe-se, ainda, que a partir da escolha de temas - feitas, em geral pelo professor, importantes compreenso da realidade presente - que poderemos tornar o ensino de histria mais atrativo e formador de capacidades e atitudes necessrias formao de cidados crticos e conscientes de seu papel na vida social. As fontes de informao histrica, tais como, iconogrficas (mapas histricos, pinturas, fotografias), os objetos da cultura material, as fontes orais e escritas, os grficos e as tabelas, os lugares da memria: museus, stios arqueolgicos, monumentos, traados das ruas e outros, tm para o ensino e aprendizagem de Histria o valor de trazerem para o tempo e espao presentes representaes e objetos ausentes - ou situadas em outras temporalidades; tm tambm o valor de representarem a diversidade da experincia e das intencionalidades humanas num mesmo tempo e espao; tm o valor de serem portadoras de memrias coletivas e histricas (DUTRA, 2003), de contriburem para formao do imaginrio dos sujeitos e das identidades das naes (SIMAN, 2001), de construir conceitos e criar pontes entre as representaes dos alunos e o novo conhecimento a ser adquirido. No entanto, como j foi dito, as fontes no so a verdade histrica, por essa razo o professor dever promover, junto aos alunos, a sua problematizao. As formas de explorao de um documento devem incluir, alm da leitura do que se encontra visvel ou mais facilmente identificvel, a leitura do que no est visvel e, para tal, o professor dever propor questes que auxiliem o aluno neste empreendimento. Esses procedimentos ajudaro os alunos a compreenderem que existem, na histria e no conhecimento histrico, diferentes maneiras de ver, agir e de representar a realidade. Os alunos podero tambm compreender mudanas que se processam ao longo do tempo. Assim, o uso dos documentos, alm de ter um lugar fundamental na construo conhecimento histrico, permite o desenvolvimento do raciocnio histrico. Por meio da explorao dos documentos, pode-se desenvolver capacidades de formular problemas, levantar questes, elaborar hipteses susceptveis de alcanarem respostas, alm de desenvolver as habilidades de observao, identificao, comparao, percepo de relaes. Para tal necessrio inseri-las no contexto de sua produo (quem as produziu, quando, com que intencionalidade), alm de aprender a indag-las segundo os problemas que queremos esclarecer. Diante de um conjunto de fontes iconogrficas, por exemplo, o professor poder solicitar aos alunos que descrevam a cena retratada, identificando os elementos comuns e no comuns a presentes e que, em seguida, identifiquem a poca em que a cena poderia ter se passado e/ ou se produzido, o local onde poderia ter acontecido, as intenes de quem as produziu, a fim de que possam atribuir significado para o que foi observado.

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Na escolha dos documentos no podemos tambm perder de vista o seu aspecto motivador, sua riqueza de detalhes, a sua adequao ao conhecimento e a experincia sociocultural dos alunos. Projetos Interdisciplinares Alm dessas diretrizes, no podemos nos esquecer de que essa proposta curricular de Histria busca a integrao interdisciplinar. A exigncia que hoje nos apresentamos no mais somente o alargamento das fronteiras internas s disciplinas. Precisamos identificar temas, ncleos temticos, problemas, que possibilitem aos alunos lanarem mos de conceitos, procedimentos cientficos, habilidades atinentes a diferentes campos do saber para solucionarem as questes propostas. Do ponto de vista educacional, pretende-se, portanto, formar sujeitos capazes de lidar com a complexidade da vida social, com a complexidade dos problemas que se apresentam no tempo presente. A natureza complexa dos problemas da sociedade atual exige que se leve em conta, na anlise e soluo dos problemas, um maior nmero possvel de pontos de vista, o que pressupe a formao de vises mais globalizadoras e estruturas mentais de raciocnio mais flexveis. Como argumenta Santom, a complexidade das sociedades nas quais vivemos, onde a interligao entre diferentes naes, governos, polticas e estruturas econmicas e sociais, levam a anlises tambm integradas, nas quais devem se consideradas todas as dimenses de foram interrelacionada, integrada. Nesse sentido, espera-se que as aprendizagens que incluam a articulao das dimenses cientficas, tnicas, histricas, culturais favoream a formao de alunos melhor preparados para o exerccio de suas atividades profissionais e de cidadania. Por fim, ressaltamos que nesse contexto de debates e empreendimentos de inovaes historiogrficas, educacionais e de atendimento s exigncias e urgncias sociais de nosso tempo que essa proposta se constri, propondo para discusso uma seleo de contedos, habilidades, atitudes, competncias, atividades e perspectivas escolhidas para apreciao, complementao dos professores. Comecemos pelos critrios utilizados para a seleo dos contedos para, em seguida, apresentarmos o que se segue.

4. Critrios de Seleo de Contedo CurricularAs recentes discusses que vm se desenvolvendo no campo da Teoria do Currculo convergem num ponto que fundamental apontar a essa altura da exposio: toda proposta curricular alicerada em uma seleo cultural de contedos. A elaborao de propostas curriculares implica, por um lado, a reiterao da funo social da escola como locus de perpetuao e reconstruo de alguns saberes socialmente constitudos. Por outro lado, a incluso de determinados contedos nas propostas curriculares de uma discipli47

na escolar implica o reconhecimento cultural de saberes socialmente construdos. Nessa perspectiva, o debate atual sobre a seleo de contedos para propostas curriculares aponta para duas direes. Uma, a de manuteno, nos currculos, de alguns saberes escolares tradicionais, considerando-se sua dinmica de construo e reconstruo. Outra, a de insero de novos saberes que se apresentam, tanto nas propostas curriculares e manuais didticos e paradidticos, como no cotidiano escolar, orientando para o atendimento de sua importncia para o contexto cultural atual e local. Em concordncia com as diretrizes para o Ensino Mdio anteriormente expostas que apontam para a necessidade de construo de parmetros de uma nova cidadania, a presente Verso Preliminar da Proposta Curricular de Histria do Ensin