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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA ALAN ROGÉRIO MINCACHE ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES COMO INSTRUMENTO PARA A PRESERVAÇÃO DA EMPRESA CURITIBA 2018

CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS … · A recuperação judicial da empresa em crise, objeto de estudo do presente trabalho, coaduna-se com a finalidade do Programa

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

ALAN ROGÉRIO MINCACHE

ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES COMO INSTRUMENTO PARA A

PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

CURITIBA

2018

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

ALAN ROGÉRIO MINCACHE

ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES COMO INSTRUMENTO PARA A

PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca

Examinadora do Programa de Pós-graduação em

Direito do Centro Universitário Curitiba, na área de

concentração de Direito Empresarial e Cidadania e

linha de pesquisa Obrigações e Contratos

Empresariais como requisito parcial para obtenção

de título de Mestre, sob orientação do Professor

Doutor Sandro Mansur Gibran.

CURITIBA

2018

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ALAN ROGÉRIO MINCACHE

ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES COMO INSTRUMENTO PARA A

PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

Dissertação de conclusão de curso aprovada como requisito parcial à obtenção do

grau de Mestre em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial e

Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

Prof. Dr. Sandro Mansur Gibran

Centro Universitário Curitiba

______________________________________

Prof. Dr. Demetrius Nichele Macei

Centro Universitário Curitiba

______________________________________

Prof. Dr. Eduardo Talamini

Universidade Federal do Paraná

______________________________________

Prof. Dr. Mário Luiz Ramidoff

Universidade Federal do Paraná

Curitiba, 29 de junho de 2018.

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Para minha esposa Adriana, para meus pais Nelson

e Silene, meus irmãos Deividy e Anuar, e minha

cunhada Angélica e também à minha cunhada

Lucilene, pelo amor e carinho que sempre me

dedicaram.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado a saúde e a força necessárias nesses dois anos de muito

trabalho e dedicação, tanto na advocacia quanto no começo de minha jornada

acadêmica.

A minha esposa Adriana Eliza Federiche Mincache pelo infinito amor que nos últimos

22 anos vem me dedicando, e por ter inúmeras vezes assumido minhas funções na

advocacia enquanto eu me dedicava às minhas atividades do Mestrado. Ao meu pai

Nelson Mincache e à minha mãe Silene Munhoz Mincache, pelas lições de humildade

e simplicidade que sempre me ensinaram.

Ao Professor Dr. Sandro Mansur Gibran, por ter me recebido como seu orientando,

por estar sempre disponível para o esclarecimento de minhas dúvidas, e, mais do que

isso, por ser exemplo de dedicação e seriedade, que pretendo seguir na construção

da minha carreira acadêmica.

Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial e Cidadania

do Centro Universitário Curitiba, em especial à Professora Dra. Viviane Coêlho de

Séllos Knoerr, que pela sua sensibilidade e paciência desde o princípio me inspirou a

cursar o Mestrado nessa instituição que durante esses dois anos foi uma parte

importante da minha casa e da minha vida.

Aos meus colaboradores do escritório de advocacia, pelo apoio durante a realização

do curso de Mestrado.

Aos amigos de mestrado, em especial Luiza Helena Gonçalves, Miguel Ferreira Filho,

André Fatuch Neto e Roselia Furman Carneiro da Silva, e aos demais colegas que

tive a honra de conhecer.

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À Secretaria do Mestrado, na pessoa da secretária Josilene Mariano da Silva, pela

prontidão em igualmente me atender sempre que necessitei.

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Plante seu jardim e decore sua alma, ao invés

de esperar que alguém lhe traga flores. E

você aprende que realmente pode suportar,

que realmente é forte, e que pode ir muito

mais longe depois de pensar que não se pode

mais. E que realmente a vida tem valor e que

você tem valor diante da vida.

(Willian Shakespeare)

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RESUMO

O princípio da preservação da empresa recebeu lugar de destaque na Lei de

Recuperação Judicial. Além de ser resultado de uma evolução do pensamento social

sobre a importância da empresa, tornou-se preceito positivado em nosso direito,

servindo de fundamento para justificar a necessidade de superação da situação de

crise financeira da empresa, que embora viável, não consiga através de uma solução

de mercado encontrar meios para resolver sua dificuldade econômica momentânea.

Essa proteção legal, contudo, para que pudesse adquirir concretude, recebeu

igualmente do legislador, a instituição de um órgão denominado Assembleia Geral de

Credores, a quem se atribuiu a função de chancelar pela via democrática, majoritária

e soberana, se a empresa em crise merece ser recuperada, preservando-se a sua

existência e função social. Nesse contexto, a presente pesquisa analisa quais os

principais aspectos e polêmicas que decorrem do instituto da Assembleia Geral de

Credores, e em que medida o referido órgão tem conseguido funcionar como

instrumento capaz de promover a preservação da empresa. Com base nisso,

investigou-se os antecedentes históricos que deram origem à Assembleia Geral de

Credores no processo de Recuperação Judicial, a sua natureza jurídica e forma de

atuação sistemática, bem como os princípios e diretrizes que lhe servem de direção.

O resultado da pesquisa aponta para a necessidade de que a Assembleia Geral de

Credores como instrumento legal, e as polêmicas que a circundam, recebam uma

interpretação que tenha como base fundamental o princípio da preservação da

empresa, como consequência para garantia da sua função social.

Palavras-chave: Recuperação Judicial. Assembleia Geral de Credores. Princípio da

Preservação da Empresa. Princípio da Função Social da Empresa.

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ABSTRACT

The principle of the preservation of the company received a prominent place in the

Judicial Recovery Law. In addition to being a result of an evolution of social thinking

about the importance of the company, it became a positive precept in our law, serving

as a basis to justify the need to overcome the financial crisis situation of the company,

which although feasible, can not achieve through a market solution find ways to solve

its momentary economic difficulty. This legal protection, however, in order to obtain

concreteness, also received from the legislator, the institution of a body called the

General Meeting of Creditors, which was assigned the function of chancelling through

the democratic, majority and sovereign way, if the company in crisis deserves be

recovered, preserving its existence and social function. In this context, the present

research analyzes the main aspects and controversies that arise from the institute of

the General Meeting of Creditors, and to what extent this body has managed to

function as an instrument capable of promoting the preservation of the company.

Based on this, we investigated the historical background that gave rise to the General

Meeting of Creditors in the Judicial Recovery process, its legal nature and systematic

way of acting, as well as the principles and directives that guide it. The research results

point to the need for the General Meeting of Creditors as a legal instrument, and the

controversies surrounding it, to receive an interpretation that has as a fundamental

pillar the principle of preservation of the company, as a consequence to guarantee its

social function.

Keywords: Judicial Recovery. General Meeting of Creditors. Principle of Company

Preservation. Principle of the Company's Corporate Function.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................11

CAPÍTULO 1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA ASSEMBLEIA GERAL DE

CREDORES DO DIREITO PÁTRIO E INFLUÊNCIA DO DIREITO ESTRANGEIRO

PARA SUA EXISTÊNCIA...........................................................................................14

1.1. Histórico................................................................................................14

1.2. O papel de algumas legislações estrangeiras na consolidação do modelo

de Assembleia Geral de Credores para o Direito Pátrio........................24

1.3. Conceito de Assembleia Geral de Credores.........................................31

1.4. Natureza Jurídica..................................................................................33

1.5. Função da Assembleia Geral de Credores...........................................38

CAPÍTULO 2. A ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES NA LEI 11.101 DE 9 DE

FEVEREIRO DE 2005................................................................................................40

2.1. Princípios fundamentais da Recuperação Judicial................................40

2.2. Princípios da Assembleia Geral de Credores........................................49

2.2.1. Exegese da Assembleia Geral de Credores e Princípio da

Preservação da Empresa...........................................................54

2.2.2. Diretrizes da Assembleia Geral de Credores no processo de

Recuperação Judicial.................................................................62

2.2.3. Desdobramentos decorrentes das deliberações da Assembleia

Geral de Credores (aprovação, modificação e rejeição do plano

de recuperação)..........................................................................65

CAPÍTULO 3. SISTEMATICA LEGAL PARA PARTICIPAÇÃO NA ASSEMBLEIA

GERAL DE CREDORES............................................................................................74

3.1. Composição da Assembleia Geral de Credores...................................74

3.2. Quorum de Instalação e de Deliberação...............................................75

3.3. Procedimento para apuração de votos.................................................77

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3.4. A influência e a predominância dos credores segundo sua respectiva

classe....................................................................................................81

3.5. A influência e predominância de uma ou mais classes de credores sobre

as demais..............................................................................................85

3.6. A soberania da Assembleia Geral de Credores e sua mitigação pelo

cram down.............................................................................................89

CAPÍTULO 4. A ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E SUA APLICAÇÃO

PRÁTICA EM CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS QUE REGEM A LEI DE

RECUPERAÇÃO JUDICIAL.......................................................................................99

4.1. As matérias de competência da Assembleia Geral de Credores...........99

4.1.1. A possibilidade da Assembleia Geral de Credores deliberar sobre

prorrogação do stay period.......................................................102

4.1.2. A possiblidade da Assembleia Geral de Credores deliberar sobre

a essencialidade dos bens objeto de alienação fiduciária em

garantia.....................................................................................106

4.2. A possibilidade de suspensão da Assembleia Geral de Credores........109

4.3. A participação e o direito de voto do cessionário de crédito sujeito a

recuperação judicial..........................................................................111

4.4. A possibilidade de nova Assembleia Geral de Credores depois de

aprovado o plano de recuperação judicial, em caso de fato novo que

impossibilite a empresa em recuperação de cumprir o plano...........113

4.5. O prazo para realização da Assembleia Geral de Credores..................117

4.6. A possibilidade de alteração do plano de recuperação judicial..............118

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................119

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................123

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INTRODUÇÃO

A Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência (Lei 11.101/2005)

conferiu especial proteção à empresa em crise financeira que, não obstante viável,

não consegue através de uma “solução de mercado”1 superar a sua situação de

dificuldade. Nela ganhou relevo e assento o princípio da preservação da empresa,

declarado de modo expresso em seu artigo 47, em que se elegeu como postulados a

serem garantidos, a sua função social, a manutenção da fonte produtora, o emprego

dos trabalhadores, os interesses dos credores, e o estímulo à atividade econômica.

Apesar disso, persiste uma realidade marcada pela impossibilidade da Lei de

Recuperação Judicial garantir de maneira integral e ampla, que todo e qualquer

crédito existente em face da empresa em crise, seja submetido pela mesma referida

Lei. Exemplo marcante de crédito não sujeito à Lei 11.101/2005, é aquele em que o

credor é titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis2. Veja-

se, nesse particular, que a mesma Lei que busca garantir a preservação da empresa

como princípio, erige uma antinomia que mitiga a efetiva possibilidade de recuperação

judicial da empresa viável, porém, em dificuldade financeira.

A recuperação judicial da empresa em crise, objeto de estudo do presente

trabalho, coaduna-se com a finalidade do Programa de Mestrado em Direito

Empresarial e Cidadania do UNICURITIBA, especialmente quanto à responsabilidade

social da empresa à luz do direito, aderindo igualmente à linha de pesquisa referente

1COSTA, Daniel Carnio. Reflexões sobre processos de insolvência: divisão equilibrada de ônus, superação do dualismo pendular e gestão democrática de processos. In: ELIAS, Luis Vasco (Coord.). 10 anos da lei de recuperação de empresas e falências: Reflexões sobre a Reestruturação Empresarial no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 91. 2Art. 49 [...] § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor de bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

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às obrigações e contratos empresariais, uma vez que focaliza a responsabilidade

social empresarial como instrumento de universalização dos benefícios da atividade

produtiva.

Assim, a recuperação judicial como instituto jurídico, representa um dos mais

importantes fatores para o avanço da nossa sociedade, pois permite, ainda que com

certa e decisiva mitigação como visto, que a empresa viável que não consegue

encontrar solução de mercado para superação de sua dificuldade momentânea,

possa, sem deixar de existir, reduzir a possibilidade de prejuízo a seus credores e

também à própria sociedade.

Quando se trata de recuperação judicial, embora se tenha de um lado as

dívidas da empresa em crise, e de outro, o direito que tem os credores de receber o

que lhes é devido, o Estado acaba por desempenhar através da Lei 11.101/2005, um

importante papel interventivo, sobretudo para permitir a criação de um ambiente

próprio para que a empresa possa superar a situação de dificuldade, mantendo,

assim, a sua atividade através da geração de benefícios econômicos e sociais, tais

como, geração de rendas, tributos, empregos, além da circulação de bens e riquezas.

Para garantir que o princípio da preservação da empresa erigido pela Lei de

Recuperação Judicial efetivamente tenha aplicação justa e equilibrada, a lei instituiu

a existência de um órgão deliberativo colegiado e soberano, denominado de

Assembleia Geral de Credores, a quem atribuiu a função de chancelar pela via

democrática majoritária e soberana de decidir, se a empresa em crise que propõe um

plano econômico para sua recuperação judicial, efetivamente merece ter acolhida a

sua proposta ou, se ao contrário, pela reprovação do plano apresentado, melhor sorte

não lhe socorre senão a da decretação da sua falência.

Nesse cenário, emerge a problemática central que se pretende investigar no

presente trabalho: quais são algumas das polêmicas que envolvem o instituto da

Assembleia Geral de Credores no processo de Recuperação Judicial, e em que

medida o referido órgão deliberativo tem conseguido funcionar como mecanismo

capaz de promover o princípio da preservação da empresa? Para encontrar as

respostas a essas indagações, dividiu-se o trabalho em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, a investigação residirá no estudo dos antecedentes

históricos que motivaram a origem da Assembleia Geral de Credores no processo de

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Recuperação Judicial pátrio e, também, na influência exercida por outras legislações

estrangeiras para que nosso direito positivo recuperacional pudesse conceber a

existência de tal órgão colegiado, prosseguindo-se na sequência, com o estudo do

seu conceito, natureza jurídica e função de acordo com a Lei 11.101 de 09 de fevereiro

de 2005.

No segundo recorte, a finalidade é aprofundar o estudo específico da

Assembleia Geral de Credores na Recuperação Judicial, concentrando-se a análise

no tratamento dado a esse instituto pela Lei 11.101/2005. Dentre outros aspectos,

pretende-se investigar os princípios e as diretrizes que devem nortear a Assembleia

Geral de Credores no processo de Recuperação Judicial, os desdobramentos

decorrentes de suas deliberações, a relação da Assembleia Geral de Credores com o

princípio da preservação da empresa, bem como qual a melhor exegese para que tal

órgão deliberativo consiga garantir a implementação do referido princípio.

No terceiro capítulo, a abordagem terá por foco o sistema utilizado pelo

legislador para permitir a participação dos credores reunidos em Assembleia Geral, a

forma de sua composição, quóruns de instalação e deliberação, e procedimento para

apuração dos votos. Serão investigados a influência e predominância dos credores

entre si quando pertencentes a uma mesma classe, e a influência e predominância de

uma ou mais classes de credores sobre as outras. Simultaneamente, serão analisados

alguns casos em que a Assembleia Geral de Credores tem sua soberania decisória

mitigada pelo Estado-Juiz através do denominado cram down.

O quarto e último capítulo terá por objetivo analisar se, na prática, a

Assembleia Geral de Credores serve para implementar os princípios que regem a Lei

de Recuperação Judicial, em especial, o princípio da preservação da empresa, bem

como se serve para maximizar o grau de efetividade desse princípio frente as diversas

polêmicas que envolvem o instituto da Assembleia Geral de Credores no processo de

Recuperação Judicial. Para tanto, serão analisadas as soluções construídas pela

doutrina e pela jurisprudência para dar respostas às referidas polêmicas trazidas à

lume.

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CAPÍTULO 1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA ASSEMBLEIA GERAL DE

CREDORES NO DIREITO PÁTRIO E INFLUÊNCIA DO DIREITO ESTRANGEIRO

PARA SUA EXISTÊNCIA

1.1. Histórico

Para que se possa adentrar à temática da Assembleia Geral de Credores tal

qual como existente em nossa atual legislação recuperacional e falimentar editada

pela Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, antes é preciso compreender quais as

suas origens remotas e também próximas, a fim de que o referido fenômeno não

receba interpretação tão somente baseada em fundamentos teóricos estanques do

contexto histórico, imprescindível que é esse último para bem se conseguir haurir a

essência do objeto do presente estudo.

Inicialmente é preciso compreender que, sob o prisma histórico, ao direito do

credor sempre foi dada importância relevante, tanto que desde o Império Romano até

hodiernamente, remanesce fervorosa a discussão sobre como recompor o patrimônio

do credor em face da inadimplência do devedor, sendo que nos primórdios a figura do

devedor inadimplente era vista como fato que deveria ser objeto da necessária e

severa punição do seu autor.

Basta observar que a Lex Duodecim Tabularum ou Lei das XII Tábuas, do

Direito Romano, em sua Tábua III, tratava da execução do devedor, sendo que em

primeiro lugar se lhe oportunizava um prazo de 30 dias para efetuar o pagamento da

dívida, que não sendo realizado, permitia como consectário a sua prisão, sendo que

também como outra medida possível, era permitida a divisão do corpo do inadimplente

em tantas partes quantos fossem o número de seus credores, assim como ainda,

finalmente, se permitia que o devedor pudesse ser vendido a estrangeiro.3

3Aeris confessi rebusque iure iudicatis XXX dies iusti sunto. “Aquele que confessar dívida perante o

juiz, ou for condenado, terá trinta dias para pagar”. Esgotados os trinta dias e não tendo pago, deveria ser agarrado pelo autor e levado à presença do juiz. Se não pagasse e ninguém se apresentasse como fiador, o devedor era levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 libras; ou menos, se assim o quisesse o credor. O devedor preso viveria às custas do credor. Tertiis nundinis partis secanto. Si plus minusve secuerunt, se fraude esto. Esta é uma das regras mais marcantes das tábuas, permitindo que se parta o corpo do devedor em tantos pedaços quantos forem os seus credores. “Depois do terceiro dia de feira, será permitido dividir o corpo do devedor em tantos

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Segundo Dilson Dória4:

Semelhante poder de vida e morte sobre o devedor é, no entanto, contestado por muitos romanistas que não viam na faculdade senão o caráter místico de que se revestia. Outros, porém, entenderiam que o poder traduzido em Lei era para ser aplicado em toda a sua amplitude. Mas tanto um quanto outro asseverariam que a história não registra caso de incidência de tão cruel norma.

Rubens Requião, com propriedade, ao discorrer sobre a legislação Romana

antiga, preleciona que as “normas primitivas, na verdade, eram de extrema crueldade,

pois a execução se dirigia contra a pessoa do devedor, através da legis actio per

manus injectionem”5.

Veja-se, portanto, que nesse momento histórico, o direito do credor em face

do devedor poderia por vezes não resolver o seu problema patrimonial e econômico

propriamente dito, na medida em que era o corpo e a vida do devedor que acabavam

respondendo pelo inadimplemento da dívida.

De qualquer modo, ainda que sendo gravíssima a punição para o

inadimplente, já se cogitava a divisão do corpo do devedor em partes para os

credores. E é aqui nesse momento temporal que talvez se consiga vislumbrar o

primeiro germe da Assembleia Geral de Credores que hoje se conhece, pois a ideia

de dividir o corpo do devedor em pedaços tantos quantos fossem os credores,

demonstra por via reflexiva, a existência de uma concorrência e ou de um concurso

entre os credores, para se satisfazerem daquele produto obtido ainda que à guisa da

crueldade humana.

Na verdade, essa ideia de concursum creditorum deve constituir a base para

que se consiga compreender a atual existência da Assembleia Geral de Credores,

pedaços quanto forem os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem poderão vender o devedor a um estrangeiro”. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Doze_T%C3%A1buas>. Acesso em 25 fev. 2018. 4DORIA, Dilson. Curso de direito comercial. 2º vol. São Paulo: Saraiva. 5ª Edição. 1991, p. 156. 5REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 7-8.

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pois o próprio significado da expressão concurso, pressupõe o “ato ou efeito de (um

grupo de indivíduos) acorrer e juntar-se num mesmo lugar”6.

Aliás, a própria prefacial ideia de divisão entre os credores reunidos em

concurso, transportada para a realidade do processo de recuperação judicial,

igualmente com esta coaduna-se, pois é inequívoco que na Assembleia Geral de

Credores do feito recuperacional, os credores, em regra por maioria, dividem a

responsabilidade de aprovar, rejeitar ou modificar o plano de recuperação econômica

formulado pela empresa devedora.

Mas, seguindo-se um pouco mais adiante, a própria Lex Julia do Direito

Romano, posterior à Lei das XII Tábuas, cuidou de aperfeiçoar o germinal conceito de

concurso de credores, na medida em que passou a prever que o devedor inadimplente

e insolvente, poderia entregar o seu patrimônio aos credores, sendo que esses bens

acabavam por serem alienados em massa sob a supervisão do juiz, para ser dividido

o produto de tal alienação em paridade com os credores em concurso, ou seja, através

da par conditio creditorum, procedimento esse que recebeu o nome de bonorum

cessio.7

Veja-se então que, mesmo nos primeiros tempos, já se registrou a

possibilidade do pagamento da inadimplência ser resolvido sem que o credor

acabasse despojado do seu corpo como exercício do pagamento, restando para a

massa de seus bens, uma forma já mais evoluída para satisfação dos credores

reunidos em concurso.

A Lex Julia deu, portanto, novo relevo para a satisfação eficaz dos credores

reunidos em conjunto, sendo que, inclusive, a bonorum cessio representa a origem

primitiva do instituto falimentar moderno, sob a perspectiva de que as premissas

apresentadas naquele período longínquo do Direito Romano, suscitaram os traços do

procedimento concursal atual. Nesta linha de entendimento, Rubens Requião leciona

que8:

6HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1.ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 514. 7ROQUE, Sebastião José. Direito de Recuperação de empresas. São Paulo: Ícone, 2005, p. 81. 8REQUIÃO, op. cit., p. 8.

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O desapossamento dos bens do devedor, a concorrência dos credores disputando preferência ou rateio, a arrecadação dos bens postos sob a administração do magister ou curator (sindico) a venda pública dos bens sob a supervisão do magistrado e tantos outros procedimentos, são técnicas de direito substancial e de direito formal, que perduram nos modernos processos de falência.

Seguindo esta mesma perspectiva, Waldemar Ferreira, citado por Amador

Paes de Almeida9 aduz que:

Não poucos romanistas divisam na Lex Julia o assento do moderno Direito Falimentar, por ter editado os dois princípios fundamentais – o direito dos credores de disporem de todos os bens do devedor e o da par condictio creditorum. Desde então, o credor, que tomava a iniciativa da execução, agia em seu nome e por direito próprio, mas também em benefício dos demais credores. Com isso, veio a formar-se o conceito de massa, ou seja, da massa falida. Completava-se a bonorum venditio, com larga série de providências determinadas pelo pretor, contra os atos fraudulentos de desfalque do seu patrimônio, praticados pelo devedor.

A evolução da ideia de concurso de credores, como resultado do avanço

social e jurídico daquele período precedente, delineou, então, já na Idade Média10, as

primeiras características do “laboratório da falência moderna”11, preceitos que se

encontram presentes até hoje.

Isto porque, a partir do século XIII, vê-se na embrionária formação do direito

comercial um dos importantes pontos a serem analisados para se tornar possível

compreender o procedimento recuperacional atual, e porque não dizer da própria atual

9ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. São Paulo: Saraiva. 21ª Edição. 2006, p. 5. 10Conforme externado por Adriana Lopes, a Idade Média “abrange o período que vai do século V da era cristã, a partir da queda do Império romano do ocidente (ano de 476) e termina no século XV, com a queda de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, em 1453, Principais marcos: a expansão dos reinos bárbaros na Europa, a transformação do escravismo em feudalismo, o surgimento dos impérios feudais, a expansão do cristianismo e do islamismo, o renascimento do comércio e das cidades medievais e o apogeu da civilização maia, na América”. (LOPES, Adriana. História das Civilizações. V.2. São Paulo: Ática, 1994, p.503). 11CAMPOS FILHO, Moacir Lobato de. Falência e recuperação. – Belo Horizonto: Del Rey, 2006.

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Assembleia Geral de Credores, eis que a iniciativa da execução deixou de ser

marcada tão somente pela atuação dos credores, tendo passado a prevalecer a tutela

estatal, condicionando a atuação dos credores à disciplina do Estado representado

pelo Juiz.

Ainda assim, apesar do inegável avanço conquistado, o devedor que não

conseguisse saldar suas dívidas permanecia sendo objeto de repreensão social,

“coberto de infâmia, tido como fraudador, réprobo social” e, por vezes, sujeito inclusive

a severas medidas penais, além de perder totalmente o seu patrimônio12.

Neste sentido, alguns relatos doutrinários são capazes de demonstrar que:

[...] Durante toda a Idade Média foi o devedor considerado criminoso em razão de sua situação de insolvência. As penas atribuídas aos falidos eram muito rigorosas, derivadas do fato de que a falência era considerada um delito. Por isso, quase sempre o devedor procurava todos os meios lícitos e ilícitos para evitar a ação dos credores; e quando fosse impossível, fugia [...]13.

Assim, ainda que marcado por falhas e alguns retrocessos, deve ser trazido à

baila o fato de que o concursum creditorum neste momento histórico medieval, passou

a seguir uma disciplina, submetendo-se a regulações estatais, sendo que caso os

credores pretendessem obter a arrecadação dos bens do devedor, deveriam antes se

habilitar em juízo para “concorrer” na partilha, o que revela uma vez mais, um grande

avanço na ideia de recomposição do patrimônio dos credores, por meio justamente

da concursalidade entre todos os interessados, ainda vista somente pelo prisma da

arrecadação dos bens do devedor, sem o viés de preservação da sua atividade pré-

mercantil.

É, sobretudo, nesta época que os credores em concurso, haviam de,

conjuntamente, comprovar os seus dividendos e o estado de insolvência do devedor,

12BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 11. Ed. Rev. Atual e ampla. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 56. 13SAMPAIO, 1959, p. 30.

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tornando-se possível assim privá-lo da administração de seus bens, para se

satisfazerem de seu direito.

E mais, passou-se a graduar os credores de acordo com as preferências

determinadas, dando origem ao que conhecemos atualmente como par conditio

creditorum.

Não obstante, com o crescente desenvolvimento comercial e o surgimento

das corporações de ofício, o direito comercial caminhava na formalização dos usos e

costumes próprios dos comerciantes, e dava-se início aos primeiros contornos do

direito falimentar moderno14.

Seguindo-se adiante, o procedimento precursor do processo de falência

ganhou ainda mais força nas cidades no norte da Itália, que, por serem os polos

comerciais de destaque, influenciaram os comerciantes europeus, dentre eles os

franceses15.

De acordo com Carvalho de Mendonça16:

[...] O velho direito italiano foi, pode-se dizer, o laboratório da falência moderna. Estabeleceu a designação normal dos síndicos; o sequestro dos bens e livros do devedor; o balanço; o exame de livros e contas; a verificação do ativo e passivo; a publicidade da falência; o vencimento antecipado das dividas a prazo; o período suspeito; a privação do falido da administração de seus bens; a distribuição de dividendos proporcionais a importância dos créditos, salvo as preferências hipotecarias e privilegiadas; a prestação de alimentos ao falido em certos casos; o acordo entre o falido e os síndicos representantes dos credores e aprovado pela maioria destes, obrigando a todos os outros ausentes e dissidentes; a cessão de bens concedida aos falidos casuais, etc. [...].

Por derradeiro, as influências do direito falimentar italiano se espalharam por

todo o mundo ocidental, influindo diretamente no direito português e, por conseguinte,

no direito Brasileiro17.

14 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Op. Cit. 15 Idem, Ibidem. 16 MENDONÇA, J. X. de Carvalho. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 19. 17FAZZIO JUNIOR, Waldo. Lei de Falência e Recuperação de Empresa. São Paulo: Atlas, 2008, p. 10.

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Gradativamente, o procedimento falencial assumia um caráter que

ultrapassava os critérios puramente econômicos e individuais, e era suscitado por seu

assento mais social. Asseveravam-se as distinções entre devedores, distinguiam-se

os desonestos dos que eram tidos como honestos – esses últimos identificados

quando a calamidade empresarial não tivesse decorrido de fraude, má intenção ou

aproveitamento dos credores, mas, sim, por decorrência de fatores externos que

tivessem desequilibrado o exercício das atividades financeiras comprometendo o

caixa comercial do devedor.

Ocorre, no entanto, que no Brasil, enquanto colônia de Portugal, vigoravam

as Ordenações do Rei, sendo que as Ordenações tanto Afonsinas, quanto as

Manuelinas, traziam em seu arcabouço normas de natureza falimentar, com fortes

resquícios do pensamento romano anterior ao avanço social e jurídico.

Isto porque, por exemplo, nas Ordenações Afonsinas, o instituto falimentar

era entendido como parte do direito criminal, cujo devedor poderia ser mantido preso

até que o adimplemento integral da dívida fosse realizado.

Contudo, algumas questões de trato específico quanto à quebra do

comerciante não eram tratadas pelas referidas Ordenações Afonsinas e Manuelinas,

como por exemplo, a diferença entre devedores com culpa e sem culpa, em que os

primeiros eram considerados como ladrões, e tinham sua pena que ia desde o

degredo até a morte, diferenciação que adveio mais tarde através das Ordenações

Filipinas.

Na fase imperial, subsequente às Ordenações Filipinas, inaugurada pelo

advento do Código Comercial de 1850, acolhia-se o sistema de cessação de

pagamentos para a caracterização da falência. Ao Código Comercial seguiram-se

diversas Leis, conforme aponta Ricardo Negrão:

a) Decreto n. 1.597, de 1º de maio de 1855;

b) Lei n. 1.083, de 22 de agosto de 1860, que tratou das falências nos bancos de circulação;

c) Decreto n. 2.691, de 14 de novembro de 1860, que regulou os casos de falências dos bancos e outras companhias e sociedades anônimas;

d) Decreto n. 3.308, de 17 de setembro de 1864, que concedia moratória de sessenta dias;

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e) Decreto n. 3.309, de 20 de setembro de 1864, que regulou a falência dos bancos e casas bancárias;

f) Decreto n. 3.516, de 30 de setembro de 1865, que declarou sem efeito os dois anteriores por terem cessado os motivos que os determinaram.18

Após toda essa cronologia, o então Ministro da Justiça Joaquim Nabuco,

houve por apresentar um projeto tratando dos processos de falência, isso em 1º de

junho de 1866. Segundo Ricardo Negrão, o texto, inspirado na legislação belga de

1851, era inovador em vários pontos, e trazia em suas disposições dentre outras

novidades a introdução da concordata excepcional ou por abandono, em que o

comerciante falido poderia ceder aos credores a totalidade ou parte de seus bens,

como “condição de ficar livre dos efeitos da falência”.19

Por seu turno, no período da República, eis que surge o Decreto nº 917, de

24 de outubro de 1890, num primeiro momento, e, posteriormente, surge a nova

reforma em 1902, com a Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902.

Essa última legislação, conforme o citado autor, resultou em fracasso que, por

sua vez, “obrigou o governo a expedir um novo regulamento das falências, introduzido

pelo Decreto n. 4.855, de 2 de junho de 1903, vindo a receber avalanche de

censuras”20.

Em 1908 foi sancionada a Lei nº 2.024, que vigorou até 9 de dezembro de

1929, ocasião na qual entrou em vigor o Decreto nº 5.746.

Dez anos depois, configurando o que se denomina por fase pré-empresarial,

em 1939, Francisco Campos, então Ministro da Justiça, “encarregou o eminente jurista

Trajano de Miranda Valverde para apresentar um projeto de Lei de Falências, o que

foi feito em 31 de outubro daquele ano”, transformado em Lei em “21 de junho de

1945, que resultou no Decreto-Lei n. 7.661, que vigorou por cerca de sessenta anos,

18NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. Vol. 3. – 6. Ed. – São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 48-49. 19 Idem, p. 49. 20 Idem, p. 50.

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tendo sido quase que totalmente revogado pela atual Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro

de 2005”21.

Por sua vez, é no Decreto-Lei nº 7.661/45, em que pela primeira vez o

legislador pátrio faz menção à existência de uma Assembleia de Credores, quando

em seus artigos 122 e 123, respectivamente, previu que os credores que

representassem no primeiro caso “mais de um quarto do passivo habilitado” ou no

segundo caso mais “dois terços dos créditos” poderiam requerer ao juiz a convocação

de Assembleia para deliberar sobre o modo de realização do ativo.

Rubens Requião ao se referir sobre a Assembleia de Credores existente sob

a égide do Decreto-Lei 7.661/45 explica que:

A Lei falimentar concede aos credores, reunidos em Assembleia geral, a faculdade de determinar outros modos de realização do ativo diferentes daqueles fixados em Lei, isto é, Leilão e venda por propostas. Assim, no que concerne ao modo de realização do ativo, têm os credores voz mais forte do que a do síndico.22

Vê-se nesse particular excerto de Requião, que já naquele momento histórico

legislativo do nosso direito positivo, era permitido aos credores reunidos em

Assembleia deliberar sobre o destino do ativo na falência.

Mas veja, naquele momento apesar da Assembleia de credores já ser uma

realidade legislativa, seu objetivo não era o de possibilitar a manutenção da atividade

econômica do devedor, mas antes, tinha como pressuposto a satisfação ainda que

parcial do crédito, sem qualquer preocupação socioeconômica com o impacto e ou

com a possível viabilidade da atividade comercial desenvolvida pelo devedor.

De qualquer modo, no Decreto-Lei 7.661/45, o legislador de algum modo já

passou a se inclinar no sentido de conferir aos credores em concurso, legitimidade

para decidirem sobre o destino dos bens do devedor, repartindo entre si a tarefa de

encontrar uma solução para a realização do seu ativo, a fim de oportunizar a própria

21 Idem, p. 52. 22 REQUIÃO, op. cit., p. 370.

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satisfação na medida do melhor resultado possível extraído a partir de uma

deliberação tomada por critérios majoritários.

Por seu turno, passados quase 50 anos depois da vigência do Decreto-Lei

7.661/45, em 1993, foi então apresentado o Projeto de Lei nº 4.376, o qual possuía

objetivo mais amplo do que a atual Lei 11.101/2005.

Segundo Ricardo Negrão23, os primeiros postulados do projeto continham

dentre outras questões, a pretensão de introduzir fórmulas de recuperação da

empresa; revisão dos pressupostos da concordata e falência; a extensão desses

institutos para abranger as diversas manifestações da empresa; o aprimoramento do

processo de verificação dos créditos; aprimoramento da sistemática de administração

da empresa em situação de crise; o aperfeiçoamento na elaboração dos quadros

gerais dos credores.

Na Câmara dos Deputados, o referido do Projeto 4.376, recebeu inúmeras

alterações, sendo que quando estava pronto para votação, retomou a tramitação e

teve reabertura das discussões em 10 de junho de 2003, sendo que em 14 de

dezembro de 2004, foi encaminhado pela Câmara para sanção presidencial.

Destarte, com o advento da Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, foi então

que veio a lume a criação da Assembleia Geral de Credores, que no dizer de Paulo

Cezar Aragão e Laura Bumachar24:

A Assembleia Geral de Credores, cujas formalidades jurídicas se encontram previstas, primordialmente, nos artigos 35 a 46 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005, aqui referida como LRE), é tida como um dos maiores avanços da nova legislação falimentar, por conferir aos credores papel fundamental na decisão do destino da empresa em dificuldade econômica e financeira.

Veja-se, portanto, que no decorrer da história desde a era Romana até

atualmente, os direitos dos credores em face do devedor foi sofrendo constante

23 NEGRÃO, Ricardo. Op. cit., p. 52-53. 24SANTOS, Paulo Penalva; e NETO, Alfredo de Assis Gonçalves. A nova Lei de falências e

recuperação de empresas: Lei n. 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 109.

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mutação. Só mais recentemente a reunião dos credores em conjunto, derivou do mero

interesse de satisfação do crédito, sem se observar a que sorte poderia ser submetido

o devedor, para num contexto menos individualista e mais social, buscar uma solução

em que, sem exterminar o devedor em crise, se pudesse então buscar a satisfação

do crédito concursal, sem prejuízo da manutenção e da recuperação da atividade

empresarial do devedor.

1.2 O papel de algumas legislações estrangeiras na consolidação do

modelo de Assembleia Geral de Credores para o Direito Pátrio

No Brasil, a Assembleia Geral de Credores é uma criação da Lei nº 11.101,

de 09 de fevereiro de 2005, que após quase doze anos de tramitação legislativa,

trouxe como ponto central a recuperação judicial e extrajudicial, no sentido de

propiciar a execução de planos de reerguimento de empresas em crise consideradas

passíveis de saneamento econômico-financeiro25.

Para que nossa legislação pudesse adotar um sistema de reunião geral dos

credores, com o escopo de deliberar sobre a recuperação judicial da empresa

devedora, é evidente e certo que diversas outras legislações estrangeiras

cronologicamente anteriores à nossa Lei 11.101/2005, influenciaram esse modelo que

atualmente aqui vigora.

Jorge Lobo em seus estudos, faz menção a diversas legislações alienígenas

que preveem a existência de órgãos deliberativos formados por credores, com o fito

de, observadas determinadas regras, aprovarem um plano de reorganização da

empresa em crise.

De partida, chama atenção a legislação italiana, que embora marcada por um

período de crise social-econômica, tomada pela Segunda Guerra Mundial, deu um

novo tratamento ao Direito Falimentar italiano por meio da Régio Decreto 267, de 16

de março de 1942, fazendo surgir a figura da amministrazione controllata26.

25SHARP JUNIOR, Ronald A. Aulas de direito comercial e de empresas. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p. 159-160. 26LOBO, Jorge. Direito empresarial: falimentar e recuperação empresarial. V. 6. Org. Arnoldo Wald. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 144.

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Analisando o Régio Decreto 267, principalmente em seus artigos 187 e 188,

a intenção do legislador foi a de impor ao empresário uma limitação da utilização do

instituto falimentar, na medida em que apenas as empresas que efetivamente

estivessem passando por dificuldades financeiras para honrar com o pagamento das

suas obrigações, quando se mostrassem viáveis – por meio da comprovação de

possibilidade de saneamento dos seus débitos –, é que estariam aptas à utilização do

controle administrativo como meio de se reorganizarem.

O artigo 187 da RD 267, apresentando o marco deste controle administrativo,

estabelece que:

O empresário que se encontra em temporária dificuldade de adimplir suas observações, recorrendo a condição prevista no art. 160, número 1, 2 e 3 do § 1º e comprovando a possibilidade de saneamento da empresa, pode requerer ao tribunal o controle da gestão de sua empresa e da administração de seus bens, a fim de garantir os interesses de seus credores por um período não superior a dois anos. O requerimento obedece à forma estabelecida no art. 16127.

Denota-se, então, que a disposição legal citada, com a ideia da administração

controlada, propõe “La ricostruzione della solvibilità dell'imprenditore attraverso

l'afflusso di nuovi beni al suo patrimonio, un afflusso che è previsto probabile e

massimo” 28, ou seja, a retomada da solvabilidade do empresário por meio do afluxo

de novos bens ao seu patrimônio, afluxo este que se prevê provável e máximo”,

afastando qualquer cabimento de utilização do instituto falimentar como meio de

beneficiar sociedades empresárias já irrecuperáveis.

O artigo 188, por conseguinte, designa que o Tribunal, se presente as

condições estabelecidas na Lei e se o empresário merecer o benefício, seja então

admitido ao procedimento da administração controlada através de despacho não

sujeito a recurso29. Neste caso, o Juízo nomeia e constitui um comissário judicial –

27 Idem, ibidem. 28 FERRARA, Francesco. Il fallimento. 3. Ed. Milão: Giuffrè, 1974, p. 223. 29 Idem, ibidem.

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similar ao que atualmente conhecemos como administrador judicial – para controlar

as ações e bens da empresa submetida ao controle administrativo do Estado30.

E aproximando-nos ainda mais da vertente basilar do presente trabalho, a

Régio Decreto 267/1942 introduziu, a existência da Assembleia de Credores, marcada

a partir do seu artigo 189.

O artigo 189 da RD estatui a deliberação dos credores como meio de

aceitação ou não da empresa em estado de insolvência em submeter-se aos efeitos

do procedimento de controle do Estado. Segundo enfatiza Jorge Lobo, na Assembleia:

A proposta do devedor é aprovada quando recebe voto favorável da maioria dos credores que representam a maioria dos créditos, excluídos os credores com direito de preferência sobre os bens do devedor. Se a maioria não for alcançada, cessam os efeitos do decreto de admissão ao procedimento31.

Com efeito, quando alcançada a maioria dos votos dos credores que

compareceram à Assembleia, ou que votaram por carta ou telegrama antes do seu

encerramento, há a nomeação de uma comissão composta por no mínimo três e no

máximo cinco credores, os quais irão acompanhar o comissário judicial, conforme

artigo 190 da RD n.º 267/1942.

Logo, após a votação, tanto o comissário judicial quanto a comissão dos

credores farão o acompanhamento do devedor e aferirão a efetividade do plano de

saneamento das dívidas proposto pela empresa.

Trata-se de uma determinação do juiz delegado, na qual é admitida

reclamação por parte de qualquer interessado, desde de que dentro do prazo de 10

dias. Uma vez apresentada reclamação, o Tribunal é quem decide em Câmara de

Conselho se tal determinação sujeita-se ou não a recurso32. Nesta linha, o artigo 191

elucida que:

30 LOBO, Jorge. Op. cit., p. 144-145. 31 Idem, ibidem. 32 Idem, ibidem.

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Durante o procedimento, o Tribunal, a pedido de qualquer interessado, ou de ofício e ouvida a comissão de credores, pode, por decisão não sujeita a reclamação, entregar ao comissário judicial – no todo ou em parte – a gestão da empresa e a administração dos bens do devedor, fixando-lhes poderes.

Feito isto, o comissário judicial fica encarregado de, além dos poderes de

gestão e administração dos bens do devedor, conforme exposto acima, emitir um

relatório ao juiz delegado sobre o andamento da empresa, e, conjuntamente a

comissão dos credores, denunciar eventuais fatos que autorizam a revogação da

administração controlada33.

Por sua vez, os artigos 192 e 193 da RD n.º 276 de 1942 ordenam que,

restando “demonstrado que a administração controlada não pode levar a empresa a

bom termo, o Juiz delegado submete ao Tribunal declaração de falência”34. Frente a

isto, é “assegurado ao empresário o direito de requerer concordata preventiva”35. Do

contrário, em sendo predominante o entendimento de que a dificuldade da empresa

possui caráter temporário, o Tribunal passa a requerer a submissão do devedor à

amministrazione controllata até que finde o prazo estipulado para cumprimento de

suas obrigações.

Em suma, percebe-se que embora haja a decisão judiciária em relação a

análise da viabilidade e de superação de crise da empresa, com o advento da Régio

Decreto 267 de 1942, os credores – veementemente peças ímpares para a

consecução do devedor ao controle estatal – podem, por meio da comissão que os

representa, assistir à atuação do comissário judicial, vigiar a administração dos bens

do devedor e denunciar, como resultado dessa vigilância, a intercorrência de

“qualquer fato ou circunstancia que caracterize a atividade fraudulenta ou negligente

do devedor”36.

Nesta percepção, ainda, cabe a análise das minúcias traçadas pelo sistema

legislativo americano, como forma de também se entender as premissas fundantes da

Assembleia de Credores do processo recuperacional existente no Brasil.

33 Idem, ibidem. 34 Idem, ibidem. 35 Idem, ibidem. 36 LOBO, Jorge. Op. cit., p. 149.

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Os Estados Unidos da América dispõem do Instituto da National Bankruptcy,

conhecida como Lei da Bancarrota (New Bankruptcy Code). Promulgado em 1978, o

denominado Código da Bancarrota37 inaugurou, dentre outros capítulos, o conceito de

reorganização, instituído em seu capítulo 11 (Chapter 11, do Bankruptcy Code), em

que tutela a reorganização da empresa que se encontra em situação de insolvência.

Segundo enfatiza Jorge Lobo, a reorganização tratada no Capítulo 11 diz

respeito ao procedimento através do qual a empresa americana que se encontra em

situação de insolvência, busca a obtenção de uma suavização temporária para efetuar

o pagamento dos seus débitos, bem como a suspensão provisória de processos

execucionais contra si distribuídos e em tramitação38.

Incorrendo o requerimento da reorganização, seja por parte da empresa ou

por parte dos credores, ao devedor é possibilitada a reestruturação de pagamento dos

seus débitos, de modo a, ainda que gradativamente, conseguir honrar com o

cumprimento de suas obrigações e retornar à sua originária condição de empresa

viável39.

Quando a requerimento dos credores – cujo requerimento deve ser originado

por ao menos três dos credores, a reorganização é tida como uma maneira de forçar

o devedor a entrar em bancarrota, chamada de “requerimento involuntário”. Em outras

palavras, pelo requerimento involuntário ao procedimento de reorganização, os

credores conjuntamente buscam fazer com que o devedor, em flagrante

impossibilidade de efetuar o pagamento de suas dívidas, liquide suas pendências

organizadamente. No fundo, os credores, através da invocação deste instituto, evitam

a possibilidade de liquidação dos bens do devedor sem o efetivo recebimento de seus

créditos ou, então, da realização de pagamento à apenas um credor40.

Tal como ocorre no Brasil com o deferimento do processamento do pedido de

Recuperação Judicial, nos Estados Unidos, com a distribuição do pedido de

37Segundo Fabio Antunes Gonçalves, “a palavra bancarrota tem sua origem do termo “banco quebrado” ou do rotta banca, que provém da Itália do período medieval, era costume da época quebrar o banco comercial daquele comerciante que não fosse capaz de pagar suas dívidas”. (GONÇALVES, Fabio Antunes. Lei americana consegue preservar empresas da falência, 2008. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-jul-11/Lei_americana_preserva_empresas_falencia>. Acesso em abril/2018. 38 LOBO, Jorge. Op. cit., p. 152. 39 Idem, ibidem. 40 LOBO, Jorge. Op. cit., p. 153.

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reorganização da empresa, exsurge o denominado automatic stay, que nada mais é

que a “suspensão temporária dos pagamentos das dívidas e das ações de execução,

que, posteriormente serão liquidadas de acordo com o plano de reorganização”41.

Ainda subsidiária às determinações legais das assembleias de credores

modernas, o plano de reorganização apresentado pela empresa, onde há a

apresentação e classificação dos créditos e de como serão realizados os pagamentos,

passa pela aprovação dos credores, permitindo-lhes que “exerçam

fundamentadamente o seu direito de voto”42.

Faz-se mister esclarecer, portanto, que neste marco da legislação americana,

embora o devedor permaneça com todos os poderes de gestão e representação da

empresa, caso se figure a incapacidade de realização do plano e se perceba uma

ameaça ao atendimento do interesse dos credores e do Estado (pela própria função

social da empresa), há a possibilidade de conversão do procedimento de

reorganização para a liquidação prevista no capítulo 7 do mesmo Código ou, até

mesmo, o encerramento do caso43.

No fundo, para melhor esclarecimento de como se desenvolve o processo da

reorganização, Mark Steven Summers44 descreve detalhadamente os procedimentos

a serem seguidos:

A bancarrota (voluntária ou involuntária) é distribuída.

O automatic stay instaura-se.

O devedor continua gerenciando seus negócios.

O devedor procura obter a permissão para o financiamento.

O escrevente da Corte notifica os credores da bancarrota.

O devedor faz a lista dos bens e dos débitos.

Os credores organizam o seu primeiro encontro.

Os credores habilitam-se.

O comitê de credores é formado.

O comitê dos acionistas é formado.

41 LOBO, Jorge. Op. cit., p. 154. 42 Idem, ibidem. 43 LOBO, Jorge. Op. cit., p. 155. 44 SUMMERS, Mark Steven. Bankruptcy explained. Nova York: John Wiley e Sons Ed., 1989.

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Pedidos são autorizados ou não.

A Corte nomeia o síndico ou o examinador, se o devedor é incompetente ou se houver fraude.

O documento de divulgação do balanço é distribuído (disclosure statement).

O devedor (ou os credores) apresentam o plano de reorganização.

Os credores decidem se vão aceitar ou não o documento de divulgação do balanço e/ou o plano de reorganização.

A Corte aprova ou não o documento de divulgação do balanço.

Credores e acionistas votam o plano de reorganização.

A Corte confirma ou denega o plano.

Caso a Corte confirme o plano, o controle da empresa só será feito com o objetivo de verificar a sua implementação.

A Corte encerra o caso.

Pelas razões inaugurais trazidas pelo Código de Bancarrota Americano,

conforme supra demonstrado, segundo Araújo e Lundberg, a legislação americana

tem “sido motivo de inspiração para outros países, como o México, Argentina e a maior

parte da Ásia”45:

Neste modelo tenta-se criar as condições de uma barganha estruturada entre devedores e credores, com o objetivo de maximizar o valor da firma através da adoção de um plano de recuperação empresarial que, embora proposto pela gerência da firma devedora, tem que ser aprovado por maioria de cada uma das classes de credores. Somente no caso de impasse o Juiz pode determinar o chamado cram down, forçando uma das classes de credores minoritários a seguir a maioria. Embora seja criticada por muitos por ser custosa e demasiado leniente com os devedores, ela tem sido exitosa em muitos casos. 46

Posto isto, é certo concluir que as legislações italiana e americana, ainda que

embrionariamente, planearam um dos maiores avanços da legislação recuperacional

pátria, ao passo que conferiram ao credor, com especificações próprias, o papel

45ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A nova legislação de falências: uma avaliação econômica. In: PAIVA, Luiz Fernando Valente de (Coord.). Direito falimentar e a nova Lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 329-330. 46Idem, ibidem.

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fundamental na decisão do destino da empresa que enfrenta dificuldade econômica e

financeira.

É preciso ter em mente, no entanto, que apesar da nossa legislação

recuperacional atual inserir-se dentro da linha de evitar o perecimento da empresa por

sua força econômica geradora de riquezas e empregos – isto é, por sua função social,

o direito pátrio tal como o conhecemos previu como finalidade desses novos institutos

o de colocar fim às dificuldades da empresa, visando a conciliação, facilitando a sua

reorganização de modo a permitir a manutenção da atividade econômica e

empresarial, dos empregos, da geração de rendas e tributos e enfim da função social

da empresa47.

1.3 Conceito de Assembleia Geral de Credores

A Assembleia Geral de Credores consiste no órgão colegiado, deliberativo e

decisório que tem como responsabilidade última a manifestação “do interesse ou

vontade que prevalece entre os que têm titularidade de crédito perante a sociedade

em recuperação”48.

Tendo em vista que normalmente são os credores os maiores interessados e

que também são eles os que fazem o maior sacrifício, a lei lhes reserva “as mais

importantes deliberações relacionadas à recuperação da empresa em crise. É

imperioso ressaltar que se não houver colaboração dos credores não podemos falar

em sucesso no plano de recuperação”49, evidenciando, destarte, o papel central da

Assembleia. Quanto a isso, argumenta Marlon Tomazette:

Nos processos de falência e de recuperação judicial os credores têm interesses comuns, como a busca do maior número possível de bens, mas também há interesses divergentes, pois cada credor quer receber primeiro ou quer ter melhores condições para seu crédito. Ocorre que, nesses processos,

47 NEGRÃO, Ricardo. Op. cit., p. 58. 48ANAN JUNIOR, Pedro; MARION, José Carlos. Direito empresarial e tributário: para cursos de administração, contabilidade e economia. – Campinas, SP: Editora Alínea, 2009, p. 77. 49 Idem, ibidem.

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não podem prevalecer os interesses individuais, devendo ser buscada a solução que melhor atenda aos interesses do conjunto de credores.50

Segundo entendimento do referido Autor, haja visto que a finalidade é atender

aos interesses da coletividade, deve haver uma integração de todos os credores,

“formando uma comunhão, de forma que haja uma vontade coletiva e não diversas

vontades individuais. Essa vontade coletiva será manifestada por meio da Assembleia

geral de credores”51.

Trata-se de um órgão de deliberação composto pelos credores sujeitos ao

processo, “à luz do quadro geral de credores, ou na sua falta, na relação elaborada

pelo administrador judicial, ou, na falta desta, na lista apresentada pelo devedor”52.

Mesmo fora dessas relações, também poderão votar os credores que estejam habilitados na data da realização da Assembleia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão judicial, inclusive os que tenham obtido reserva de importâncias. Não há, a princípio, uma exclusão pela classe de credores, como ocorre na Espanha em relação aos créditos subordinados.53

Segundo entendimento de Erasmo Valladão, a Assembleia Geral “na Lei

11.101, é o órgão que, na recuperação judicial e na falência, manifesta a vontade

coletiva da comunhão de credores”54.

Jorge Lobo, por sua vez, conceitua a Assembleia de credores como o órgão

da recuperação judicial, porém não a insere no âmbito processual propriamente dito,

argumentando que ela não se realiza na sede do juízo, bem como que não é presidida

pelo juízo, ou seja, em suma não seguiria os ritos processuais que normalmente se

50TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3. –

5. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 203. 51 Idem, ibidem. 52 Idem, ibidem. 53Idem, p. 204. 54FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo Novaes. Temas de direito societário, falimentar e teoria da empresa. 1. Ed. – São Paulo: Malheiros Ed., 2009, p. 8.

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tem no âmbito judicial, sendo a discussão da matéria essencialmente extrajudicial e

não processual55.

Assim, a Assembleia Geral de Credores representa a reunião de todos eles

para deliberar sobre matérias de seu interesse no processo de recuperação judicial,

tratando-se do órgão colegiado deliberativo máximo daqueles que possuem crédito

perante a empresa em processo de recuperação judicial, de suma importância na

garantia de que o procedimento ocorra visando ao bem coletivo, bem como a

efetivação dos princípios norteadores de sua realidade concreta.

1.4 Natureza Jurídica

Ao se perquirir a natureza jurídica de um determinado instituto, pressupõe-se

a busca pela sua definição, sua essência e composição. Através dos elementos

constitutivos fundamentais e específicos de um dado fenômeno jurídico, é que se

consegue estabelecer a chamada natureza jurídica do objeto de estudo.

A Professora Maria Helena Diniz, ensina que, a natureza jurídica consiste na

“afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria

jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação”.56

Pois bem. A Assembleia de Credores como instituto jurídico tem sua afinidade

estabelecida através de pontos que Gabriel Saad enumera a partir da relação que se

estabelece entre os credores. Assim, o referido Autor faz menção a diversas teorias

doutrinárias nesse sentido:57

A primeira é de que, com o início do procedimento concursal, os credores constituiriam uma pessoa jurídica; a segunda, de que seu relacionamento teria natureza estritamente processual, formando um litisconsórcio ativo; a terceira, de que formariam comunhão do tipo germânico; e a quarta, de que se estabelece entre os credores uma comunhão de interesses.

55LOBO, Jorge. Comentários aos artigos 35 a 69. In: TOLEDO, Paulo F.C. Salles de; ABRÃO Carlos Henrique (Coords). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 97. 56DINIZ, Maria Helena. Direito civil Brasileiro: Teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, p. 66. 57BUSCHINELLI, Gabriel Saad Kik. Abuso do direito de voto na Assembleia geral de credores. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 30.

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Para nosso objeto de estudo, sem desmerecer e mesmo sem adentrar em

cada uma dessas teorias, fato é que a teoria mais aceita atualmente na Alemanha,

Itália e também Brasil, é a de que a natureza jurídica da relação estabelecida entre os

credores é a de “comunhão de interesses”58.

Essa teoria da comunhão de interesses inicialmente formatada por Rudolph

von Jhering, e depois mais adiante aprimorada por Philipp Heck, propõe que haja

separação entre comunhão de interesses em sentido estrito das coligações de

interesses conflitantes. Mesmo assim, no Brasil, como de resto na Alemanha e Itália,

prevaleceu a ideia de comunhão de interesses, no sentido de que, ainda que os

interesses dos credores sejam divergentes e mesmo concorrentes, não fica

segregada a possibilidade de se considerar a coletividade de credores como uma

verdadeira “comunhão de interesses”.

Na verdade, a experiência demonstra que a Assembleia Geral de Credores

existente em nosso direito recuperacional, se delineia a partir de uma categorização

entre os credores separados por diversas classes. O que se ressalta, no entanto, é

que mesmo separados por classes, segundo a qualidade do crédito que ostentam, a

Lei optou por reuni-los criando critérios de valoração da participação de cada credor,

fazendo nascer desse conclave, uma vontade em princípio majoritária e soberana,

que é justamente a externação da ideia da teoria da comunhão de interesses.

Neste sentido, resta pois demonstrado, que a natureza jurídica da Assembleia

Geral de Credores do processo recuperacional, tem como elemento constitutivo

fundamental e específico a convergência ou comunhão dos credores reunidos em

conclave, a fim de obterem uma decisão colegiada que dentre outras questões

deliberará sobre a aceitação, rejeição ou modificação do plano de recuperação

apresentado pela empresa devedora em crise, o que se dará desde que observados

58 BUSCHINELLI, op. cit. p. 35.

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os critérios legais de participação, admitindo-se que a vontade majoritária prevalecerá

sobre a vontade minoritária. Nessa esteira Erasmo Valladão explica que:59

A Assembleia de credores, como se disse, é organizada para atuar em prol do interesse comum dos credores. De que forma se dá essa atuação? A Assembleia é o órgão predisposto pela Lei 11.101 para formar e expressar a vontade coletiva da comunhão de credores, através de suas deliberações. Exerce, assim, o poder-função deliberante.

Indubitável por tudo quanto se observa que a natureza jurídica da Assembleia

Geral de Credores do processo de Recuperação Judicial é realmente de “comunhão

de interesses” balizada por normas próprias que lhe conferem identidade própria em

nosso direito positivo, autorizando-se assim concebê-la como um tertium genus em

face da teoria clássica que lhe serve de fundamento básico.

Por outro via, ainda sobre a “comunhão de interesses” presente na

Assembleia Geral de Credores, poder-se-ia indagar se a sua natureza jurídica poderia

também estar ligada à concepção de negócio jurídico processual, ante a aplicação

subsidiária do Código de Processo Civil frente à Lei 11.101/2005.

Faz-se essa abordagem, pois o artigo 190 do Código de Processo Civil,

estabelece que:60

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único: De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

59FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N. Comentários à Assembleia-Geral de Credores. In: SOUZA

JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de (Coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 188. 60Código de Processo Civil. Lei Federal 13.105 de 16 de março de 2015.

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Sobre a concepção de negócio jurídico processual, Pedro Henrique Nogueira

pontua que61:

[...] o fato jurídico voluntário em cujo suporte fático esteja conferido ao

respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica, ou estabelecer,

dentre os limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações

jurídicas processuais. Estando ligado ao poder de autorregramento da

vontade, o negócio jurídico processual esbarra em limitações

preestabelecidas pelo ordenamento jurídico, como sucede em todo negócio

jurídico.

Veja-se que, a natureza de negócio jurídico processual, bem se enquadra à

da Assembleia Geral de Credores, visto que em ambas se vislumbra o elemento da

voluntariedade, que no caso da Recuperação Judicial, os credores como seus

sujeitos, têm a capacidade de em conjunto e por maioria, escolherem e ou acolherem

o plano de recuperação judicial proposto pela empresa devedora, assim como, têm a

possibilidade de contrapropor alterações ou modificações ao mesmo referido plano,

de maneira que se consiga formar uma vontade única convergente, originada

obviamente a partir de critérios próprios.

E essa vontade formada voluntariamente pelos credores, por meio da

Assembleia Geral de Credores do processo de Recuperação Judicial, igualmente está

limitada pelo ordenamento jurídico, na medida em que poderá ser objeto de controle

de validade pelo juízo da recuperação, em casos como de nulidade ou de atuação

abusiva dos credores, o que pode se dar de uma classe de credores em face da outra,

ou mesmo dentro da própria classe de credores, quando aqueles com mais apetite e

61NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios Jurídicos Processuais: Análise dos

Provimentos Judiciais como Atos Negociais. 2011. Dissertação Mestrado – Universidade Federal da Bahia, p. 206. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/10743. Acesso em: 17 junho de 2018.

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poder de coerção, acabam por se impor decisivamente para aprovar um plano que

mais lhe beneficiem em detrimento de outros.

Aliás, nesse passo, o próprio cram down que será tratado oportunamente

acaba sendo um elemento limitador dessa natureza jurídica de negócio jurídico

processual da Assembleia Geral de Credores, quando impõe regra diversa à formação

da vontade majoritária dos credores, ao permitir a aprovação de plano mesmo contra

a vontade da maioria.

Todavia, apenas para relembrar, como já tratado em tópico anterior, Jorge

Lobo, não considera a Assembleia Geral de Credores como um ato processual, e por

isso, sob esse viés, a decisão colegiada obtida a partir da vontade dos credores

reunidos, não se enquadraria no âmbito do processo judicial, e sim se trataria de

matéria essencialmente extrajudicial.62

Não obstante esse posicionamento, parece evidente que por estar inserida

dentro de um plano processual, a Assembleia Geral de Credores não se

compatibilizaria com uma ideia puramente de cunho extrajudicial, uma vez que sua

deliberação está ancorada em regras que formam o processo judicial de recuperação

judicial, sendo que desse regramento é que se abstrai a aprovação do plano de

recuperação judicial como proposta da empresa devedora em face dos credores que

por maioria convergirem para a sua aprovação, restando clara a natureza de negócio

jurídico processual, inclusive no que se refere às limitações que podem advir do

controle judicial, quando o juiz pode deixar de homologar o plano se esse não cumprir

as exigências legais.

Por isso, crê-se que não apenas a Assembleia Geral de Credores tem

natureza jurídica de negócio jurídico processual, como também que suas deliberações

refletem concretamente a vontade formadora desse mesmo negócio, auxiliando o

juízo para que se possa uma vez exauridas as exigências de fundo e forma, ser

concedida pelo juiz a recuperação judicial à empresa devedora, do que se dessume

que a Assembleia Geral de Credores também acaba por funcionar como órgão auxiliar

do juízo da recuperação judicial.

62LOBO, op. cit. p. 97.

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1.5 Função da Assembleia Geral de Credores

A função primordial que o legislador objetivou para a Assembleia Geral de

Credores foi a participação ativa no processo de recuperação judicial, conferindo-lhe

poderes de decidir sobre a viabilidade da empresa, conforme entendimento de

Ronaldo Alves de Andrade:

A Assembleia geral de credores foi instituída pela nova Lei de regência com o escopo de outorgar aos credores uma ativa participação no processo de recuperação de empresas em dificuldade de atuação no mercado econômico e no processo de falência. Essa efetiva participação é proporcionada por diversos mecanismos de atuação que vão desde a aferição da viabilidade da recuperação da empresa até formas alternativas de liquidação dos bens do falido.63

Desse modo, conforme dispõe o artigo 35, caput, da Lei nº 11.101 de 2005,

atribui-se à Assembleia Geral uma função deliberativa, propiciando diretamente

diálogo sobre as matérias constantes, configurando um órgão cuja finalidade é formar

e expressar a vontade coletiva dos credores.

Segundo interpretação de Saddi, a Assembleia teria, de um lado, “natureza

deliberativa e, por outro, modo de exercício de poder”64.

A Lei 11.101, seguindo as modernas legislações falimentares os diversos países, parece inspirada no assim chamado ‘princípio da autonomia dos credores’ segundo o qual os credores, como os principais envolvidos na insolvência da empresa devedora, devem decidir sobre as mais relevantes questões ocorrentes no processo de recuperação ou falência.65

63ANDRADE, Ronaldo Alves de. Comentários aos artigos 35 aos 46. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coords.). Comentários à nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 177. 64SADDI, Jairo. Suspensão e invalidação da Assembleia de credores da nova Lei de Falências. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de. Direito societário e a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 1. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 27. 65FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo Novaes. Op. cit.. p. 8.

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Comentando a respeito da competência da Assembleia, argumenta ainda

Moreira:

Compreende-se que seja mesmo da Assembleia a competência para deliberar sobre o plano de recuperação porque é ela composta de credores, destinatários do plano e que sofrerão as consequências do seu sucesso ou insucesso. A análise do risco, das vantagens e desvantagens, há de ser feita pelos credores, em reunião específica para esse fim convocada, que recebe o nome de Assembleia de credores. Ao atribuir tal tarefa a um órgão, a Lei, ipso facto, retira-a de qualquer outro, inclusive do juiz. Não há, pois, possibilidade de se estabelecer qualquer espécie de conflito, no concernente ao exame do plano de recuperação, entre a Assembleia de credores e o juiz. Foi subtraído do juiz, a princípio, a possibilidade de examinar o plano de recuperação e de impô-lo aos credores [...].66

A atribuição e opção do legislador em inserir papel fundamental à Assembleia

de credores configura um dos pontos altos da legislação, vez que transfere aos

credores – que são propriamente os maiores interessados nesse processo – a decisão

concernente à aprovação do plano de recuperação judicial e a continuidade da

atividade empresarial ou a sua rejeição, podendo também propor mudanças em sua

configuração. Essa reunião de pessoas com objetivos ou interesses em comum para

discutir e deliberar sobre assuntos pertinentes ao plano de recuperação cumpre uma

função fundamental na consecução dos objetivos da Lei nº 11.101/2005, ou seja, é

através da Assembleia Geral de Credores, que se poderá dar concretude ao princípio

da preservação da empresa, reconhecendo-se a sua função social.

66MOREIRA, Alberto Camiña. Op. cit., p. 253.

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CAPÍTULO 2. A ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES NA LEI 11.101 DE 9 DE

FEVEREIRO DE 2005

2.1. Princípios fundamentais da Recuperação Judicial

Não há como estudar o fenômeno da Assembleia Geral de Credores prevista

na Lei 11.101/2005, sem antes compreender os princípios, sem os quais, certamente

não seria possível sorver na plenitude a sua exata função diante do direito e da

sociedade.

Esses princípios a que se faz menção nas lições de Miguel Reale, são “certos

enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais

asserções que compõem dado campo do saber”.67 Aliás, o mesmo ilustre jurisfilósofo

ensina que:

O legislador, por conseguinte, é o primeiro a reconhecer que o sistema das Leis não é suscetível de cobrir todo o campo da experiência humana, restando sempre grande número de situações imprevistas, algo que era impossível ser vislumbrado sequer pelo legislador no momento da feitura da Lei. Para essas lacunas há a possibilidade do recurso aos princípios gerais de direito, mas é necessário advertir que a estes não cabe apenas essa tarefa de preencher ou suprir as lacunas da legislação.68

Aliás, ainda sobre o tema princípios, Robert Alexy pontifica que:

[...] principios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior

medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.

Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são

caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de

67REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. – São Paulo: Saraiva, 1995, p. 299. 68Idem, p. 300.

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que a medida devida de sua satisfação não depende somente das

possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.69

Logo, baseado nesses ensinamentos, seria pouco ou nada oportuno não

reconhecer que, para que se possa discorrer sobre o tema ‘Assembleia Geral de

Credores’ no processo de Recuperação Judicial de empresas, antes deve-se afunilar

o objeto de estudo buscando os enunciados lógicos que lhe servem de base ou

condição de validade, ou no dizer de Alexy dever-se-ia buscar os mandamentos de

otimização.

Por sua vez, segundo entendimento de José Marcelo Martins Proença70, a Lei

11.101/2005 deve ser entendida enquanto possuidora de “principiologia própria em

defesa de determinados bens jurídicos, [...] dotada de lógica autônoma e seu estudo

ocorre em disciplina própria, devido à importância e à estrutura que alcançou”.

Os princípios norteadores da recuperação judicial deverão pautar a

interpretação que se faz da Lei nº 11.101/2005, bem como a própria atuação do Poder

Judiciário nos processos de recuperação judicial.

Quando se fala em princípios, faz-se necessário esclarecer que o presente

estudo adota como conceito o conjunto de normas norteadoras apresentadas “de

forma enunciativa, cujo conteúdo está ligado a um valor ou fim a ser atingido e que se

coloca acima e antes da premissa maior nos eventuais silogismos jurídicos que digam

respeito à conduta e à sanção”71.

Conforme reconhece Marlon Tomazette, a enumeração dos princípios que

regem a recuperação judicial é constantemente objeto de grandes divergências

doutrinárias, contudo, esclarece o Autor que, de forma geral, tem-se como princípios

“a igualdade entre os credores, a celeridade, a publicidade, a preservação da

69ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva – São

Paulo: Malheiros, 2008, p. 90. 70PROENÇA, José Marcelo Martins. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio

Sérgio A. de Moraes. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.655. 71TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3. – 5. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 94.

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empresa, a viabilidade e a maximização do valor dos ativos”72. Contudo, reconhece

que Waldo Fazzio Júnior elenca como princípios “a viabilidade da empresa, a

relevância dos interesses dos credores, a publicidade dos procedimentos, a par

conditio creditorum, a maximização de ativos e a preservação da empresa”73.

Ainda que haja divergências, pode-se elencar como princípios fundamentais

da recuperação judicial a função social da empresa e a sua preservação, algo que em

certa medida subjaz a todos os doutrinadores.

Não obstante a isso, como primeira ideia para que se possa chegar às bases

principiológicas da Assembleia Geral de Credores, deve-se compreender os

fenômenos que lhe dão origem, a saber: a empresa; o momento de crise econômica

pelo qual esta última esteja atravessando; e ainda, a sua relação com os credores e

com a própria sociedade em que reflete.

O conceito de empresa segundo bem sintetiza Cassio Cavali, “subjaz o

substrato econômico”74. No entanto, desdobrando-se do aspecto meramente

econômico Clovis do Couto e Silva pondera que “enquanto à economia cabe elaborar

a descrição do fenômeno da empresa; ao direito cabe apenas transpor ou adaptar o

fenômeno econômico”.75

Por outra via, se economicamente a empresa entra em crise, deve-se atentar

para quais as razões que a colocaram nesse último estado, contemplando-se as

possíveis soluções capazes de fazê-la ultrapassar esse momento de dificuldade.

Certo é que nessa hipótese de crise, dívidas acabam sendo acumuladas pela

impossibilidade momentânea, mais ou menos duradoura, de se dar cumprimento às

obrigações contraídas pelo organismo empresarial. E se existem dívidas inadimplidas

pela empresa, em contraponto existem credores que têm seu patrimônio afetado pelo

não pagamento de haveres a que têm direito.

Ou seja, há uma equação não resolvida entre de um lado, a empresa que

deve, e de outro lado, o credor que tem direito a receber. No entanto, quando se está

72Idem, ibidem. 73Idem, Ibidem. 74CAVALLI, Cassio. A teoria da empresa na recuperação judicial, in CEREZETTI, Sheila C. Neder e MAFFIOLETTI, Emanuelle Urbano. Dez anos da Lei n. 11.101/2005: estudos sobre a Lei de recuperação e falência. – São Paulo: Almedina, 2015, p. 203. 75COUTO E SILVA, Clovis do. O conceito de empresa no direito Brasileiro, in Arnoldo Wald, Direito da empresa: teoria geral. – São Paulo. Revista dos Tribunais, I, 2011, p. 89.

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diante de uma dívida que nem de longe afeta a viabilidade e ou a continuidade da

atividade empresarial, quase nenhuma dificuldade existe, na medida em que a

discussão em nada afeta o direito de terceiros, cingindo-se a discussão entre a

devedora e o credor.

Mas e quando a dívida é tamanha que tem a capacidade de afetar a

possibilidade de continuidade de uma empresa devedora, em que se admitida então

a sua pura e simples quebra, além de pouco ou nada equacionar ou resolver o

pagamento da gama de seus credores, ainda como consectário, acabará provocando

um problema para toda a sociedade circundante, que poderá, por exemplo, ser

abalada por uma onda de desemprego, e que por via reflexa acabará provocando o

desequilíbrio da própria economia local ou mesmo regional?

É nessa esteira que se nota então a correlação entre a empresa em crise

econômica, e a sua ligação com os seus credores e principalmente com a sociedade.

Aliás, é nesse momento de crise da empresa, de possibilidade de perda de seu

benefício social que mais se sente a necessidade de buscar na ideia de função social

da empresa, uma saída para evitar os reflexos negativos oriundos de sua possível

falência.

Como bem observa Adriano de Oliveira Martins, “A empresa, inegavelmente,

desempenha, atualmente, um papel muito importante na sociedade, pois atua como

agente de produção e circulação de bens ou serviços para o mercado, numa economia

de massa”. 76

Dessas premissas básicas antes deduzidas, se pode extrair então alguns

enunciados lógicos como condição ou base de validade e que são identificados pela

doutrina mais ampla como princípios da Recuperação Judicial, anteriores, portanto,

aos princípios da Assembleia Geral de Credores que serão objeto de posterior

abordagem.

Antes, porém, de adentrar nos princípios da recuperação judicial, é preciso

compreender que a recuperação da empresa como medida prevista pela Lei

11.101/2005, tem como objetivo a proteção jurídica da economia, evitando a quebra

76MARTINS, Adriano de Oliveira. Recuperação de empresa em crise: a efetividade da autofalência no caso de inviabilidade de recuperação. – Curitiba: Juruá, 2016, p. 48.

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da empresa que, não obstante viável, se encontra em crise financeira, observado que

o organismo empresarial desempenha funções vitais diversas para toda a sociedade.

Nessa linha de raciocínio, o instituto recuperacional busca a manutenção e a

conservação da empresa, pois esta não é tida apenas como fonte geradora de renda

para os seus sócios ou investidores, mas sim sobretudo, como fonte de empregos, de

tributos, além de ser responsável por fomentar a economia e o desenvolvimento da

nação, garantindo que se cumpra a sua função social.

O artigo 47 da Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005 traz de modo categórico

essa ideia de salvaguarda da empresa em prol do bem social:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Seguindo-se pelo caminho didático proposto, não há dúvidas de que a

Recuperação Judicial tem por princípios basilares o princípio da Preservação da

Empresa e o princípio da Função Social.

No que diz respeito ao princípio da Preservação da Empresa, já no Projeto de

Lei que deu origem à Lei 11.101/2005, o então Senador pela República, Ramez Tebet

salientou77:

Preservação da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representado pelos chamados ‘intangíveis’, como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucros futuro, entre outros.

77Parecer nº 534/2004. Lei de Recuperação de Empresas n. 11.101, de 2005. – Brasília. Ed. Senado Federal, 2005, p. 29.

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Quando se fala em preservação, se busca colocar ao abrigo de

algum mal, dano ou perigo, um dado objeto, que no caso em estudo é a Empresa, e

que como bem jurídico tutelado pelo Direito, deve ser protegida de modo a que se

garanta a sua integridade, para que assim se mantenha e se atinja cada vez mais o

equilíbrio econômico e social, com o afastamento da crise, o que se viabiliza através

da manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses

dos credores, estimulando assim a existência de uma atividade econômica saudável

e perene.

Fabio Ulhoa Coelho, vai mais além para falar também em princípio do impacto

social da crise da empresa, em que argumenta a existência de três círculos em torno

da empresa, a exemplo das elipses dos planetas ao redor do sol. No círculo mais

próximo ao centro, há os interesses dos empresários, sócios, acionistas, investidores;

no círculo mediano, há os interesses dos trabalhadores, dos consumidores, do fisco,

dos fornecedores e dos vizinhos do estabelecimento; e no terceiro círculo, o mais

extenso, há os interesses metaindividuais coletivos ou difusos, a economia local,

regional, nacional e global.78

Por seu turno Adriano de Oliveira Martins79, tratando do princípio da

preservação da empresa sustenta que:

A empresa desempenha, sem dúvida, uma atividade funcional de larga repercussão socioeconômica no mundo moderno e, insolvente ou não, a empresa é uma unidade econômica que interage no mercado, compondo uma labiríntica teia de relações jurídicas com extraordinária repercussão social; é uma unidade de distribuição de bens e/ou serviços, e um ponto de alocação de trabalho, oferecendo empregos e um elo na imensa corrente do mercado que, por isso, não pode desaparecer, simplesmente sem causar sequelas.

78COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3: direito de empresa. 17. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 232. 79MARTINS, Adriano de Oliveira. Op. cit., p. 81.

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Logo, referido princípio da preservação da empresa, como enunciado lógico

de validade, busca assegurar a continuidade do empreendimento, que deve e merece

ser protegido, pois a sua extinção como comprovadamente se demonstrou é

prejudicial à toda a sociedade, sendo considerado até mesmo como um interesse

metaindividual coletivo ou difuso. Jorge Lobo também ao tratar do princípio da

preservação da empresa, ensina que:

A recuperação judicial é o instituto jurídico, fundado na ética da solidariedade, que visa sanear o estado de crise econômico-financeira do empresário e da sociedade empresária com a finalidade de preservar os negócios sociais e estimular a atividade empresarial, garantir a continuidade do emprego e fomentar o trabalho humano, assegurar a satisfação, ainda que parcial e em diferentes condições, dos direitos e interesses dos credores e impulsionar a economia creditícia (...).80

Veja-se, portanto, que a razão lógica para a preservação da empresa, está na

ideia de manutenção ou busca da eficiência econômica do mercado, em prol de uma

sociedade mais equilibrada, dependente que é essa, de um sistema de capital que lhe

ofereça meios de realização de seus anseios.

Ou seja, o princípio da Preservação da Empresa se desdobra numa outra

importante direção que se propõe à realização de uma função social amplamente

considerada, e eis que então estamos diante de outro enunciado lógico como

condição ou base de validade do instituto da Recuperação Judicial: o princípio da

Função Social da empresa.

Para que se possa compreender o princípio da Função Social da empresa,

como pressuposto da Recuperação Judicial, antes é necessário entender que ao tratar

da ideia de função social, deve-se ter em linha de raciocínio que o contraponto dessa

mesma ideia tem como premissa que lhe precede, o dogma da vontade, baseado nos

conceitos de autonomia negocial e força obrigatória do contrato ou pacta sunt

servanda.

80LOBO, Jorge. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência, coord. Paulo F. C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 104.

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É que historicamente, antes de se passar para o chamado welfare state

(estado de bem-estar social) na lição de Claudio Luiz Bueno de Godoy81, o chamado

Estado Liberal concretizava-se através da absolutização quase que completa, da

autonomia da vontade, de modo que em matéria de negócios, não se admitia analisar

qualquer outro interesse que não fosse exclusivamente aquele das partes do contrato,

o que bem se coadunava com o modo de produção capitalista, que no dizer do mesmo

autor, citando Enzo Roppo:

[...] realiza institucionalmente o interesse da classe capitalista (que é justamente o interesse particular de uma classe, e não o interesse geral de toda a sociedade, ainda que as ideologias do capitalismo tentem, interessadamente, fazer crer a sua coincidência).

Todavia, para que as relações jurídicas pudessem se direcionar para um rumo

social, ou seja, para que novos valores opostos ao da autonomia da vontade se

tornassem aplicáveis, houve um natural e consequente rompimento com a ideologia

puramente liberal, momento em que se passou a enxergar o contrato, o direito de

propriedade e o próprio modo de produção capitalista (e dele indissociável o direito de

empresa), sob uma ótica que vai além da esfera jurídica do particular, atingindo toda

a sociedade, dependente que é essa última dos reflexos diretos e indiretos que

decorrem dos movimentos negociais praticados a todo momento.

Não foi por seguir outra opção, que o nosso legislador Constituinte, bem

houve por garantir no artigo 170 da nossa Magna Carta, que todos tem direito a uma

vida digna, conforme os ditames da justiça social, tanto assim que apresentou

diretrizes para a formação do conceito de função social da propriedade, do que deflui

igualmente a concepção atual de função social da empresa.

Sobre a função social da empresa, e sua relação com a ordem econômica,

Sandro Mansur Gibran e Luiza Helena Gonçalves82, ponderam que:

81GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo. Saraiva, 2004, p. 4-6. 82GIBRAN, Sandro Mansur e GONÇALVES, Luiza Helena. Revista Brasileira de direito empresarial. – Ed. Jan/Jun. 2017, v. 3, n. 1, e-ISSN: 2526-0235, p. 61-80

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Logo, tendo em vista o propósito de justiça social, a empresa assumiu posição de verdadeiro paradigma na existência e conformação da ordem econômica nacional, sendo possível afirmar que todo o processo econômico contemporâneo é alicerçado e impulsionado pela empresa.

Afinal é no âmbito da empresa que se une trabalho e livre iniciativa, da mesma forma que é pelo salário pago pelo empresário aos seus empregados que estes podem dispor de melhores condições de vida e usufruir de uma existência mais digna. Ainda, é pelos ativos gerados pela empresa (impostos recolhidos ao erário, bens produzidos, serviços disponibilizados, etc.) que as desigualdades sociais e regionais podem ser amenizadas.

Veja-se, portanto, que a empresa desempenha um grande e importante papel

na sociedade, atuando como fonte de produção e circulação de bens e serviços, numa

economia globalizada e de massa.

Neste sentido, o princípio da Função Social da empresa, está presente em

nosso ordenamento jurídico, para além da mera concepção puramente doutrinária, e

sua existência como enunciado lógico ou como mandamento de otimização, se abstrai

a partir da própria Constituição Federal e da legislação infraconstitucional esparsa, em

especial através da Lei 11.101/2005, que em seu artigo 47, faz menção expressa ao

propósito que tem a recuperação judicial de promover a função social da empresa.

É possível compreender então que os princípios que dão base ao instituto da

Recuperação Judicial, são realmente o da Preservação da Empresa e o da Função

Social da Empresa, ambos obtidos através de uma condução democrática extraída a

partir da deliberação da Assembleia Geral de Credores.

Os princípios da Preservação da Empresa e da Função Social da Empresa,

imbricados entre si, permitem que se possa deduzir sem muita dificuldade, que a

função social da empresa se concretiza por meio da sua preservação, com o objetivo

de salvaguardar a atividade econômica organizada e viável em prol do bem de toda a

sociedade, o que autoriza assim, na hipótese de crise, se buscar através da

recuperação judicial o caminho para se atingir essa mesma função social.

.

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Por isto, trazendo toda essa construção para o âmbito da Assembleia Geral

de Credores, objeto finalístico do nosso estudo, não há como não se buscar

compreendê-la como mecanismo de concretização da perspectiva de recuperação

judicial da empresa, sem que se deixe de considerar os princípios da Preservação da

Empresa e da sua Função Social, inclusive e especialmente como fonte de

interpretação e aplicação concreta de suas disposições normativas, para que somente

assim se consiga plenamente alcançar a resolução do problema: crise econômica da

empresa.

2.2. Princípios da Assembleia Geral de Credores

Como vimos, dois princípios são fundamentalmente importantes para se

compreender a razão de ser da recuperação judicial de empresas: o princípio da

Preservação da Empresa, e o princípio da Função Social da Empresa.

Portanto, se existe uma base principiológica para se compreender a

recuperação judicial, não menos verdadeira é a ideia de que a Assembleia Geral de

Credores tem por missão ser o instrumento concreto posto a disposição dos credores

para dar sentido de realidade aos referidos princípios da preservação e da função da

empresa.

Para tanto, é preciso destacar que a Lei 11.101/2005, na Seção IV,

estabeleceu a existência da Assembleia Geral de Credores, sendo que com essa

criação, o legislador deu aos credores da empresa devedora, em conjunto, o direito

de decidirem sobre seu destino, ou seja, sobre a possibilidade de preservação da

empresa ou sobre a sua quebra.

Nessa linha de princípio, igualmente é importante compreender quais são os

pilares que norteiam a Assembleia Geral de Credores no processo de Recuperação

Judicial, para que igualmente se possa conseguir captar os desdobramentos

decorrentes de suas deliberações.

Por isto, partindo-se da expressão ‘Assembleia’ que significa a “reunião de

pessoas que têm algum interesse comum, com a finalidade de discutir e deliberar

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sobre temas determinados”83, desde logo, transportando tal significado para o nosso

objeto de estudo, inequivocamente percebe-se que na recuperação judicial a

Assembleia geral é a reunião dos credores da empresa devedora, que pelo interesse

comum em obter o adimplemento de seus créditos, se reúnem para dentre outras

questões, deliberar se aprovam, rejeitam ou modificam a proposta ou plano de

recuperação judicial apresentada pelo devedor.

No entanto, para que seja possível a tomada de uma decisão colegiada sobre

a empresa que pede recuperação, é imprescindível que diante da quantidade de

credores, se adote uma forma de contagem do voto, e para tanto, o legislador adotou

o Princípio Majoritário que é corolário do Princípio Democrático.

Já que o colegiado cumpre papel de suma importância no processo de

recuperação judicial – tendo em vista que há a possibilidade de recusar o projeto

apresentado pelo devedor e de manifestar-se nas ocasiões na qual o interesse dos

credores seja ameaçado –, para que o requerimento de convocação da Assembleia

de Credores prospere, “é preciso que interessados representando, no mínimo, 25%

do total de uma dada classe de créditos se manifestem favoravelmente (art. 36, § 2º)”,

pondera Rachel Sztajn84.

A deliberação desse colegiado no que se refere à contagem de votos é a da maioria que, como é comum em matéria comercial, contempla a relação ou proporção entre o valor total das dívidas de cada classe e o valor do crédito (art. 38), ressalvada a previsão do § 2º ao art. 45 em que o quórum de aprovação é a maioria simples dos presentes. Na maioria simples a aprovação se dá, depois de atendido o quórum de instalação, pelo voto da maioria dos presentes. Quando se impõe maioria qualificada é preciso que estejam presentes e se manifestem em determinada direção, titulares de crédito representando uma dada proporção ou porcentual do total.85

Com isso, percebe-se que a Assembleia geral de credores tem como

fundamento primordial a formação da vontade majoritária do grupo, partindo das

83HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. – 1.Ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 204. 84SZTAJN, Rachel. Comentários ao art. 47 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência. In: SOUZA

JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de (Coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 262. 85 Idem, ibidem.

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vontades e interesses pessoais, bem como da confrontação – que é comum de

aparecer – entre interesses divergentes86. Segundo Ronaldo Vasconcelos, tal

conclave proporciona o confronto de ideias “mediante a ampla discussão das matérias

pelos presentes, com a possibilidade adicional de surgirem explicações, apreciações

do mérito do plano e novas propostas”87.

No entanto, isso não significa que a parte minoritária não tem sua importância,

vez que é justamente na Assembleia que se pode ocorrer também a intervenção

minoritária, na medida em que, ao exercer o direito de arguição nas questões

propostas, “não se considera a representatividade do seu crédito diante do montante

total da dívida. Diferentemente do voto por consulta, que isolaria os credores, a

deliberação em Assembleia geral os reúne para formar a vontade coletiva”88.

Erasmo Valladão chama a atenção de que haveria certa comunhão de

interesses, ou seja, “a par dos interesses individuais, pode haver também, [...] na

recuperação [...], interesses coletivos ou comuns dos credores [...], é lícito falar, assim,

em uma comunhão de interesses entre os credores”89, pois estes unem-se na

formação da vontade majoritária, deixando de lado posições estritamente

individualistas.

De outro lado, adotada a forma majoritária de resolução é preciso

compreender se a decisão tomada é ou não soberana. Nessa linha, há que se

considerar outro princípio que dá concretude à Assembleia Geral de Credores, qual

seja, o Princípio da Soberania.

Diz-se que a Assembleia Geral de Credores é soberana, tendo em vista que

sua autoridade não pode ser contestada naquelas disposições que são de sua

privativa competência. Como ensinam com propriedade Luiz Roberto Ayoub e Cássio

Cavalli90:

86Cf. VASCONCELOS, Ronaldo. Princípios processuais da recuperação judicial. 2012. Tese de

Doutorado. Universidade de São Paulo, 2012, p. 122. 87 VASCONCELOS, Ronaldo. op. cit., p. 123. 88 Idem, ibidem. 89FRANÇA, Erasmo Valladão. Da Assembleia-Geral de credores. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. Lei 11.101/2005. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 192. 90AYOUB, Luiz Roberto; Cavalli, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de

empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 257-258.

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A assembleia geral de credores é um órgão colegiado da recuperação

judicial, com atribuições consultivas e deliberativas. Como órgão colegiado,

as deliberações da assembleia geral de credores são orientadas pelo

princípio majoritário, vinculando a empresa devedora e a todos os credores

sujeitos à recuperação judicial. [...]

A assembleia geral de credores é soberana para deliberar acerca do plano

de recuperação judicial e, também, sobre as demais matérias afeitas à sua

competência. [...]

Afirmar-se a soberania da assembleia, significa que, se for deliberado pela

aprovação do plano, ao juiz não resta alternativa senão homologá-lo.

Como se observa, à Assembleia Geral de Credores é conferido o poder de

deliberar sobre a viabilidade do plano de recuperação judicial apresentado pela

empresa devedora, o fazendo de forma democrática segundo critérios numéricos

baseados no parâmetro majoritário.

Desse modo, diz-se que a Assembleia Geral de Credores atua de modo

soberano, pois da sua organização em verdadeiro conclave, é que se extrai a análise

econômica da viabilidade do plano de recuperação que se pretende aprovar com

vistas à preservação da atividade empresarial e de seus consectários.

E nessa linha de entendimento, denota-se que o juiz não pode em princípio

desconstituir a decisão assemblear que aprova o plano de recuperação judicial, no

que obviamente está ressalvada a censura judicial apenas para a hipótese de uma

aprovação que seja contrária à legalidade, caso em que somente nessa situação o

juiz poderá deixar de homologar o plano de recuperação aprovado pela Assembleia

Geral de Credores.

Como bem pondera Manoel Justino Bezerra Filho91 “As deliberações desse

plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos

esses que estão sujeitos a controle judicial”.

91BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Op. cit., p. 136.

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De toda sorte, no mais a atribuição de aprovação do plano de recuperação

judicial é exclusiva da Assembleia Geral de Credores, pois é através desse órgão que

se concretiza o interesse coletivo da comunhão de credores, no dizer de Erasmo

Valladão92.

Aliás, do quanto exposto já se consegue abstrair que a Assembleia Geral de

Credores não pode sofrer censura judicial na hipótese de aprovação do plano de

recuperação judicial, ressalvada como se disse a análise da legalidade, que é

atribuição fiscalizatória do Poder Judiciário.

Os princípios Majoritário e da Soberania, por sua vez, desdobram-se em

diretrizes, isto é, no rito a ser seguido para se atingir efetivamente uma decisão

colegiada majoritária e soberana, no qual a própria Lei os estabelece como

norteadores para que o objetivo de preservação da empresa e de sua função social

sejam tornados realidade.

Verifica-se a importância de se seguir princípios e diretrizes na medida em

que busca-se a eficácia dos procedimentos recuperacionais. O método de trabalho

que envolve a recuperação judicial visa a superação da crise da empresa, isto é, tem

por finalidade atingir o objetivo de interesse público “por meio da soma de todos os

princípios e garantias constitucionais e legais [...] que delimitam os atos jurídicos e

processuais de cada um dos sujeitos processuais”93.

Esses princípios impactam diretamente na ação prática, pois a condução do

processo deve obedecê-los, sendo administrados os conflitos de interesses no sentido

da máxima eficiência, visando a não só atingir um equilíbrio satisfatório a todos, mas

também atingir a efetivação do princípio da função social da empresa por meio de

uma análise das prioridades de todos os sujeitos processuais.

Nesse sentido, conforme também reconhece Ronaldo Vasconcelos, no rito

recuperacional deve-se zelar para que não aconteça de qualquer irregularidade

tendente a paralisar o processo, principalmente em face do interesse público que a

envolve, argumentando que há inclusive “a adoção de medidas de governança

92FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N. Op. cit., p. 187. 93VASCONCELOS, Ronaldo. op. cit., p. 141.

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corporativa no processo de recuperação judicial, norteando a conduta e as decisões

levadas a cabo por todos os sujeitos do processo, dentro ou fora dele”94.

2.2.1. Exegese da Assembleia Geral de Credores e Princípio da

Preservação da Empresa

O artigo 5º, XXII, da Constituição da República de 1988, assegura como direito

fundamental o direito de propriedade.

Todavia, há uma limitação a esse direito na medida em que a própria

Constituição Federal assevera que a propriedade deverá atender a sua função social,

isto é, há uma busca pelo bem comum ao garantir a função social da propriedade.

Essa expressão “função social”, por sua vez, “traz a ideia de um dever de agir

no interesse de outrem. A partir dessa condicionante, o direito à propriedade passa a

ser um poder-dever de exercer a propriedade vinculada a uma finalidade”95, quer

dizer, tenta-se atingir uma finalidade coletiva e não somente individual, ainda que esta

último seja também de suma importância. Partindo desse linha, Tomazette pontifica

que:

Pela função social que lhe é inerente, a atividade empresarial não pode ser desenvolvida apenas para o proveito do seu titular, isto é, ela tem uma função maior. Não interessam apenas os desejos do empresário individual, do titular da EIRELI ou dos sócios da sociedade empresária, vale dizer, é fundamental que a empresa seja exercida em atenção aos demais interesses que a circundam, como o interesse dos empregados, do fisco e da comunidade.96

O ponto a ser analisado é que, no caso da recuperação judicial, tal princípio

servirá de base no que se refere à eventual tomada de decisões, bem como para a

interpretação da vontade dos credores e da empresa devedora. Marlon Tomazette

explica que, em se tratando de recuperação judicial, “deve-se sempre ter em mente a

sua função social. Se a empresa puder exercer muito bem sua função social, há uma

94Idem, p. 152. 95TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 95. 96Idem, p. 96.

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justificativa para mais esforços no sentido da sua recuperação”97, uma vez que o foco

da recuperação é da atividade e não do seu titular. E continua o mesmo Autor:

Tal princípio tem sua origem no princípio da garantia do desenvolvimento nacional, previstos nos artigos 3º, II, 23, X, 170, VII e VIII, 174, caput e § 1º, e 192 da Constituição Federal. A ideia da preservação da empresa envolve a separação entre a sorte da empresa (atividade) e a sorte do seu titular (empresário individual ou sociedade), bem como da sorte dos sócios e dirigentes da sociedade. A recuperação judicial não se preocupa em salvar o empresário (individual ou sociedade), mas sim em manter a atividade em funcionamento. A empresa (atividade) é mais importante que o interesse individual do empresário, dos sócios e dos dirigentes da sociedade empresária. Não importa se estes terão ou não prejuízos, o fundamental é manter a atividade funcionando, pois isso permitirá a proteção de mais interesses (fisco, comunidade, fornecedores, empregados...). não se descarta a manutenção da atividade com o mesmo titular, mas a preferência é a manutenção da atividade em si, independentemente de quem seja o titular.98

Ora, é justamente à luz do princípio da função social da empresa que surgiu

o princípio da preservação da empresa, que é, seguindo também entendimento de

Tomazette, o mais importante na interpretação da recuperação judicial, tendo em vista

que se trata de um princípio, justamente por decorrer de uma das finalidades da

recuperação judicial. É o “princípio mais importante porque dele decorre o objetivo

principal do instituto da recuperação judicial”99, que configura essencialmente a

manutenção da atividade. Comentando sobre esse princípio, argumenta Carlos

Eduardo Quadros Domingos:

O princípio da preservação da empresa está intimamente ligado ao próprio intento macro do legislador, ou seja, editar um regramento que vise a real possibilidade do empresário ou da sociedade empresária em dificuldade de não se deixarem cair em bancarrota sem terem uma única chance de suspirarem e acreditarem numa legislação que os beneficiem e ajudem.100

97Idem, ibidem. 98TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 96-97. 99Idem, p. 96. 100DOMINGOS, Carlos Eduardo Quadros. As fases da recuperação judicial. De acordo com a Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. – Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2009, p. 78.

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Segundo entendimento de Calixto Salomão Filho101, os diversos interesses

que envolvem os grupos de credores, trabalhadores e assim por diante são

“sintetizados na ideia da preservação da empresa, verdadeiro ponto em comum de

encontro desses interesses”. Para o autor, isso coloca em evidência que haveria

convergência entre tais interesses durante o processo de recuperação da empresa.

Calixto Salomão Filho pondera que, ainda que se trate de interesse de

credores, de trabalhadores e “mesmo interesse de acionistas minoritários, podem

divergir bastante durante o processo de recuperação de empresa”102. Em virtude do

fato de que podem haver interesses conflitantes, reconhece o Autor que:

Em presença de interesses com tal discrepância seria no mínimo sensato que a Lei tivesse procurado estabelecer representação equilibrada entre eles nos órgãos assembleares. Infelizmente, isso não foi realizado pelo legislador no estabelecimento dos instrumentos procedimentais para a definição do interesse social. [...] Na nova Lei de Falência há claro desequilíbrio entre a participação desses vários interesses envolvidos pelo processo de recuperação da empresa. Aí revela o texto a clara influência dos interesses financeiros. [...] Ora é bastante evidente que a maior possibilidade de consenso se dá entre as votações em separado dos credores com garantia real e os quirografários. Esses têm [...] o típico interesse creditório consistente na satisfação breve de seus créditos. Já os trabalhadores têm interesses tipicamente relacionados à preservação da empresa de que dependem, o que lhes é muito mais relevante que a satisfação imediata de seu crédito. 103

Ao defender a necessidade de inclusão e participação de todos os

interessados no que concerne ao processo de deliberação da recuperação judicial, o

referido Autor argumenta que “tão melhor formatado e definido será o interesse social,

101SALOMÃO FILHO, Calixto. Recuperação de empresas e interesse social. Introdução aos

comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de (coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 48.

102Idem, ibidem. 103SALOMÃO FILHO, Calixto. Op. cit., p. 50.

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quanto mais interesses afetados pela sociedade estiverem incluídos no processo

deliberativo”104.

Essa interpretação auxilia em parte a resolver um problema presente na

legislação, a saber, da existência de certa disparidade entre a conceituação material

institucional e o equilíbrio entre os interesses onde a representação procedimental é

reconhecida.

Com isso, constata-se a necessidade de implementação do princípio da

função social da empresa, “perfazendo um processo de recuperação judicial voltado

à obtenção de resultados práticos de preservação da empresa ou das unidades

produtivas, ao mesmo tempo em que seja apto a identificar a necessidade de uma

rápida intervenção”105, bem como que possibilite a salvaguarda dos direitos dos

credores e do meio empresarial, no que percebe-se que o que se tem como finalidade

é a preservação da unidade econômica produtiva106.

Ora, a tentativa de preservação da empresa107 em crise representa excelente

oportunidade para a sua reorganização, vez que fornece a possibilidade de

reestabelecer uma nova ordem de equilíbrio nos interesses compreendidos em sua

totalidade.

Não obstante, seguindo entendimento de Waldo Fazzio Junior, percebe-se

que a empresa configura uma unidade econômica que interage no mercado,

“compondo uma labiríntica teia de relações jurídicas com extraordinária repercussão

social”108, por isso a importância de se focar continuamente na preservação da

empresa.

Ademais, uma vez que a perspectiva do princípio da preservação da empresa

seja tomada como finalidade, tem-se efetivamente o vislumbramento de perspectivas

104Idem, ibidem. 105VASCONCELOS, Ronaldo. op. cit., p. 16. 106MILANI, Mario Sérgio. Lei de Recuperação Judicial, Recuperação Extrajudicial e Falência

comentada. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 257-258. 107A preservação da empresa em crise é tomada como princípio no fundamental art. 47 da Lei de Recuperação e Falências ao estabelecer que: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. 108FAZZIO JUNIOR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. – São Paulo: Atlas, 2005, p. 35.

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para a sua preservação, levando em conta a sua função social, ou seja, a partir da

análise do caso concreto, verifica-se a importância que determinada empresa pode

ter na sociedade enquanto meio essencial para a circulação de riquezas, geradora de

empregos e renda e fonte pagadora de tributos109.

O conceito de preservação da empresa que autoriza a consubstanciação das vantagens que a recuperação judicial pode propiciar é uníssono, ou seja, a defesa da empresa enquanto atividade [...] Ao assim compreender, prima-se pela preservação da atividade empresarial, mas não especificamente de qualquer “empresa” em crise. O conceito de preservação de empresa compreende então a atividade empresarial, mas não a “cega” e irrestrita defesa da empresa em si.110

O princípio da preservação da empresa não opera no sentido de defender a

empresa de qualquer que seja a situação, mas sim nos determinados casos em que

for possível efetivamente a recuperação, visando sempre o bem comum da sociedade,

até mesmo porque em alguns casos a empresa não mais consegue honrar com seus

compromissos financeiros.

Já que a falência faz naturalmente parte do sistema capitalista e do próprio

sistema de crédito no qual a disciplina jurídica das empresas em crise se insere,

poder-se-ia seguir o entendimento de Fabio Ulhoa Coelho quando apresenta quatro

critérios que o Poder Judiciário poderia utilizar para a análise da viabilidade da

empresa, a saber: (i) a importância social da devedora; (ii) o porte econômico da

empresa no mercado; (iii) o volume do ativo e passivo; (iv) o tempo da empresa111.

Conforme Rachel Sztajn112, analisando economicamente o princípio em

questão:

[é] lógico o esforço da nova disciplina visando mantê-la [a empresa] em funcionamento quando demonstre a viabilidade da continuação das operações. [...] Por isso que sem plano claro e fundamentado em estudos

109VASCONCELOS, Ronaldo. op. cit., p. 26. 110VASCONCELOS, Ronaldo. op. cit., p. 29. 111COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial: direito de empresa. – 23. ed. – São Paulo:

Saraiva, 2011. 112SZTAJN, Rachel. Op. cit., p. 221.

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econômico-financeiros elaborados por profissionais espertos, o risco de o assistencialismo prevalecer e, no médio prazo serem todos, credores e trabalhadores, feitos reféns da falência, é real.

O princípio da preservação da empresa deve ser lido à luz do princípio da

função social da empresa, “ora possibilitando a adoção de medidas coletivas para a

superação da crise da empresa, ora viabilizando a sua rápida e eficiente liquidação

em prazo razoável”113.

Ao separar a sorte da empresa da sorte do empresário, tal princípio busca

mostrar que a finalidade liquidatária deve ficar em segundo plano, visto que se a

empresa for viável, faz-se necessário mobilizar todos os esforços para que ela seja

preservada, configurando propriamente a regra geral da Lei nº 11.101 de 9 de

fevereiro de 2005114. Ronaldo Vasconcelos

A atividade empresarial desborda dos limites estritamente singulares para alcançar dimensão socioeconômica bem mais ampla. Afeta o mercado e a sociedade, mais que a singela conotação pessoal. Daí por que urge prevenir a insolvência da empresa. Daí por que basta a presunção de insolvência para justificar a busca de uma solução jurisdicional.115

O interesse individual na liquidação cede espaço ao interesse coletivo de

manutenção da atividade empresarial, vez que isso permite primordialmente a

proteção de interesses coletivos, tais como da comunidade, dos empregados, do fisco

e assim por diante. Aliás, tal princípio é tão importante que o próprio Superior Tribunal

de Justiça já reconheceu quando determinou, em um caso concreto, “que uma ação

continuasse suspensa mesmo após o prazo de 180 dias, definido no artigo 6º, § 4º,

da Lei nº 11.101/2005”116. Fazzio pondera que:

113VASCONCELOS, Ronaldo. op. cit., p. 31. 114TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 97. 115FAZZIO JUNIOR, Waldo. op. cit., p. 35. 116TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 97.

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A aplicação literal da Lei conduziria ao restabelecimento do processo, com a possibilidade de todas as medidas a ele inerentes, o que, porém, inviabilizaria a superação da crise. Assim, o princípio da preservação da empresa vem para temperar o rigor da Lei, em prol do interesse maior da superação das crises. No caso, tratava-se de uma ação possessória, ajuizada pela INFRAERO contra a VASP, para a retomada de área utilizada pela devedora, então em recuperação. A respeito dela o STJ decidiu que “o destino do patrimônio da empresa ré em processo judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele da Recuperação, sob pena de prejudicar o funcionamento do estabelecimento, comprometendo o sucesso de seu plano de recuperação, ainda que ultrapassado o prazo legal de suspensão constante do § 4º do art. 6º, da Lei nº 11.101/05, sob pena de violar o princípio da continuidade da empresa.117

Nesse diapasão, o que se tem é uma sobreposição para além dos interesses

particulares, pois sob esse prisma o individual não pode ser mais importante que o

coletivo, por essa razão, portanto, seguindo interpretação de Marlon Tomazette,

sempre que possível deve-se buscar a preservação da empresa, ainda que em

detrimento de eventual credor.

Desse modo, não se concebe que haja o prevalecimento dos interesses

individuais de simples resolução de pagamentos de créditos sem verificar a

possibilidade efetiva da reorganização ou reutilização da empresa, significa dizer, a

“necessidade da preservação da empresa, enquanto atividade econômica organizada

sob a égide da atual ou outra administração, sobreleva qualquer entendimento

eminentemente liquidatário, desde que se imponha de modo eficiente”118. Sobre isso,

pontua Ronaldo Vasconcelos119:

O processo de recuperação judicial, nesse sentido, deve servir de instrumento de proteção de direitos fundamentais decorrentes da aplicação reflexiva dos princípios, especialmente os do devido processo legal e da isonomia, ambos norteados pelos vetores sinalizados pelo princípio da função social da empresa.

117Idem, ibidem. 118VASCONCELOS, Ronaldo. op. cit., p. 36. 119Idem, ibidem.

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O princípio da função social da empresa não pode ser alcançado caso seja

afastado do princípio da preservação da empresa, vez que o primeiro representa

intrinsecamente o papel do empresário ou da sociedade empresária “dentro da esfera

social de um país, pois cria e faz circular emprego e renda, gera riquezas e influencia

diretamente na vida cultural, social e econômica da nação”120.

Carlos Domingos faz a ressalva de que tal princípio encontra-se nas mãos

dos próprios credores que, por sua vez, irão deliberar sobre o plano de recuperação

judicial e encontra-se também na discricionariedade do magistrado. Ambos

representam “os guerreiros que desembainharão suas espadas para proporcionar o

atendimento e a prevalência da função social do empresário ou da sociedade

empresária”121.

[...] a função social da empresa contém um significado umbilicalmente ligado ao próprio desenvolvimento socioeconômico da nação, face à circulação de riquezas que o empresário ou a sociedade empresária promove, bem como pela influência mediata que gera no desenvolvimento social da coletividade em que vivemos.122

Os sujeitos do processo de recuperação devem atuar conscientemente

visando ao cumprimento dos princípios norteadores na consecução do

desenvolvimento e, em última instância, do bem comum, até porque o princípio da

preservação da empresa destina-se a fazer com que tal preceito jurídico saia

efetivamente do plano estático e produza efetivos resultados, satisfazendo, também,

o postulado constitucional da função social da empresa.

Segundo Ronaldo Vasconcelos123, a busca pela preservação da empresa, no

entanto, “não pode se tornar uma obsessão na recuperação judicial, sob pena de

ocorrer a diminuição do grau de efetividade da tutela jurisdicional”, sempre visando a

120DOMINGOS, Carlos Eduardo Quadros. op. cit., p. 80. 121Idem, ibidem. 122Idem, p. 80-81. 123VASCONCELOS, Ronaldo. op. cit., p. 80.

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solução do caso com o mínimo de intervenção na esfera de direitos das partes

afetadas à luz da proporcionalidade e isonomia.

No fundo, a exegese que melhor se coaduna com o tema é aquela que tem a

interpretação da Assembleia geral de credores baseada em seus princípios e

diretrizes que estejam em consonância direta com o princípio da preservação da

empresa e sua função social, visto que o objetivo final é a superação da crise

econômico-financeira pela qual passa o devedor empresário124.

2.2.2. Diretrizes da Assembleia Geral de Credores no processo de

Recuperação Judicial

Em suma, os princípios que foram tratados servem à Recuperação Judicial

como diretrizes indispensáveis à elaboração, interpretação e aplicação de suas

respectivas normas. Tratando-se a recuperação de empresas de um “instituto jurídico-

econômico [...], importa extrair, primeiramente, da Constituição da República, bem

como da legislação infraconstitucional, seu norte fundamental, seus princípios, que

podem ser denominados princípios positivos”125.

A Assembleia Geral de Credores enquanto órgão colegiado responsável pela

manifestação do interesse e da vontade predominante entre os titulares de crédito

frente a sociedade empresária, possui importantes deliberações relacionadas ao

reerguimento da atividade econômica em crise, especialmente em atenção aos

interesses dos credores126.

De modo geral, o que se percebe é que nenhuma recuperação viabiliza-se

sem o sacrifício ou agravamento do risco, “pelo menos em parte, dos direitos dos

credores”127. A Assembleia possui papel fundamental na garantia dos direitos de todos

os envolvidos. Sobre isso, ainda comenta Fábio Ulhoa Coelho:

124TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. V. 3. – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 91. 125RESTIFFE, Paulo Sérgio. Recuperação de empresas: de acordo com a Lei 11.101, de 09-02-2005. – Barueri, SP: Manole, 2008, p. 2. 126COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial: direito de empresa. – 23. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 415. 127COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p. 415.

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Têm legitimidade para convocar a Assembleia dos credores o juiz, nas hipóteses legais ou sempre que considerar conveniente, e os credores, desde que a soma de seus créditos represente pelo menos 25% do total do passivo da sociedade requerente. o anúncio da convocação da Assembleia deve ser publicado, no Diário Oficial e em jornal de grande circulação, com a antecedência mínima de 15 dias da data de sua realização. Para

instalarem‑se validamente os trabalhos da Assembleia, é exigida a presença de credores titulares de mais da metade do passivo do requerente (em cada classe). caso não seja alcançado, terá lugar a segunda convocação, observado o intervalo mínimo de 5 dias. Em segunda convocação, os trabalhos se instalam validamente com qualquer número de credores.128

Desse modo, percebe-se que há diretrizes a serem cumpridas, sendo de

competência da Assembleia, em geral, aprovar, rejeitar e revisar o plano de

recuperação judicial; aprovar a instalação do comitê e eleger seus membros; fazer

manifestação ante o pedido de desistência da recuperação judicial; eleger o eventual

gestor judicial em caso de afastamento dos diretores da sociedade empresária ou até

mesmo deliberar sobre eventuais matérias de interesse dos credores.

Na ocorrência de omissões ou conflitos, o art. 47 da Lei 11.101/2005

estabelece uma série de diretrizes que deverão servir de norte para o processo de

integração da norma. Conforme Wald e Waisberg, devido à completa revolução que

se operou “no sistema concursal, dúvidas tendem a surgir, e o legislador andou bem

ao definir previamente quais os princípios que devem nortear o intérprete na

superação de lacunas e na harmonização entre disposições”129.

A Assembleia dos credores configura o órgão colegiado e deliberativo

responsável pela manifestação do interesse e vontade predominante entre os que

titularizam crédito perante a sociedade empresária requerente da recuperação judicial

sujeitos a seus efeitos.

Conforme reconhece Fábio Ulhôa Coelho, já que nenhuma recuperação de

empresa “se viabiliza sem o sacrifício ou agravamento do risco, pelo menos em parte,

dos direitos dos credores [...] em atenção aos interesses dos credores [...] a lei lhes

128Idem, ibidem. 129WALD, Arnoldo; WAISBERG, Ivo. p. 321. Arts. 47 a 49. In: CORRÊA LIMA, Osmar Brina; CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão (coord.). Comentários à nova Lei de falências e recuperação de empresa: Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 321

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reserva, quando reunidos em Assembleia, as mais importantes deliberações”130 em

se tratando do reerguimento da atividade econômica da empresa em crise.

O juiz tem legitimidade para convocar a Assembleia nas hipóteses legais ou

até mesmo quando considerar conveniente. Os credores, por sua vez, podem

convoca-la desde que a soma de seus créditos represente pelo menos 25% do total

do passivo da sociedade requerente, sendo exigida a presença de credores titulares

de mais da metade do passivo do requerente em cada classe, pois não sendo

alcançado, “o anúncio da segunda convocação deverá ser publicado com a

antecedência mínima de 5 dias. Em segunda convocação, os trabalhos se instalam

validamente com qualquer número de credores”131.

Compete à Assembleia dos credores: a) aprovar, rejeitar e revisar o plano de recuperação judicial; b) aprovar a instalação do comitê e eleger seus membros; c) manifestar-se sobre o pedido de desistência da recuperação judicial; d) eleger o gestor judicial, quando afastados os diretores da sociedade empresária requerente; e) deliberar sobre qualquer outra matéria de interesse dos credores.132

A Assembleia possui ainda a atribuição de deliberar sobre qualquer outra

matéria que possa afetar os interesses dos credores. Nesse caso, a competência

abrange “toda e qualquer matéria não indicada anteriormente (art. 35) e que não seja

de atribuição do Comitê de Credores ou do administrador judicial”133.

Nessa Assembleia, há quatro instâncias de deliberação, no qual de acordo

com a matéria em apreciação tem-se variação do conjunto de credores aptos a votar.

A instância de maior abrangência é o plenário da Assembleia dos credores, que trata

essencialmente de questões no qual a matéria não diz respeito à constituição do

comitê ou não trata efetivamente do plano de reorganização.

130COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial: direito de empresa. – 19. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 372. 131Idem, ibidem. 132COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p. 372. 133NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. Vol. 3. – 6. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 140.

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Segundo Fábio Ulhoa Coelho, essa instância deliberativa teria competência

residual, no qual, diante da ausência de previsão específica no quesito de reservar a

outra instância a apreciação de determinadas matérias, fica a cargo do plenário, que

irá deliberar pela maioria de seus membros, computados, independente da natureza

do crédito titularizado, os votos proporcionalmente aos seus valores134.

As três outras instâncias deliberativas da Assembleia correspondente às classes em que foram divididos pela Lei os credores. Na votação ou no aditamento do plano de recuperação, a primeira classe compõe-se por credores trabalhistas; a segunda, por titulares de direitos reais de garantia; e a terceira, por titulares de privilégio (geral ou especial), os quirografários e subordinados [...]. Na apreciação da matéria atinente à constituição e composição do comitê, as instâncias classistas da Assembleia se organizam um pouco diferente: os credores titulares de privilégio especial compõem a mesma dos que titulam garantia real [...]. Nas matérias indicadas – votação do plano de recuperação e constituição e composição do comitê –, deliberam apenas as instâncias classistas e não o plenário.135

O quórum da deliberação é o da maioria, computada sempre com base no

valor dos créditos dos credores que integram a instância deliberativa que encontram-

se presentes na Assembleia. A maioria presente no plenário ou em instância classista

representa o quórum geral de deliberação. Em se tratando de aprovação do plano de

recuperação, há a previsão de um quórum qualificado de deliberação, e, ainda nesse

caso, o plenário não delibera, mas tão-somente é apreciado e votado nas instâncias

classistas, no qual em cada uma delas deve-se “receber a aprovação de mais da

metade dos credores presentes, desprezadas as proporções dos créditos que

titularizam”136.

2.2.3 Desdobramentos decorrentes das deliberações da Assembleia

Geral de Credores (aprovação, modificação e rejeição do plano de recuperação)

134COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial: direito de empresa. – 19. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2017, p. 373. 135COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa. – 17. Ed. V. 3. – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 373-374. 136COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p. 375.

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A função primordial da Assembleia Geral de Credores, no que diz respeito ao

campo da recuperação judicial, é deliberar sobre a aprovação, modificação ou rejeição

do plano de recuperação, segundo o que consta no artigo 35, inciso I, alínea ‘a’, da

Lei 11.101/05.

Em geral, todos os credores que foram admitidos no processo de recuperação

judicial tem direito e são, por isso, “titulares do direito à voz e ao voto na Assembleia

os que se encontram na última lista publicada (a relação de credores apresentada

pelo devedor com a petição inicial, a organizada pelo administrador judicial ou [...] a

consolidação do quadro geral)”137.

Nesta perspectiva, cada um dos credores que constituem a Assembleia,

diretamente interessados no bom andamento da recuperação, precisam ter

conhecimento minucioso das tratativas traçadas no plano de recuperação judicial, de

modo a levar a bom termo sempre as deliberações que mais atendam os interesses

das partes envolvidas – seja dos credores ou do próprio devedor138.

Significa dizer que, em sendo verificadas objeções ao plano recuperatório, por

força de interesses coletivos, frisa-se, os credores, reunidos na Assembleia geral,

analisarão as pautas de eventuais objeções apresentadas para definir a aprovação,

modificação ou rejeição do plano recuperatório. Assim, havendo a apresentação de

objeções ao plano, é a Assembleia geral de credores que determinará as chances de

recuperação ou não do devedor em crise.

Sem embargos, salienta-se que as modificações propostas pelos credores

devem necessariamente serem submetidas ao consentimento do devedor, à luz do

artigo 56, parágrafo 3º da Lei 11.101/2005.

No entanto, em razão de eventuais conflitos de interesses neste tipo de feito,

conforme assevera Manoel Justino Bezerra Filho139, “sempre competirá ao poder

jurisdicional a decisão, permanecendo com a Assembleia o poder deliberativo140,

137Idem, p. 416. 138 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Op. Cit., p. 136. 139 Idem, Ibidem. 140 Importante enfatizar que, segundo bem diz Bezerra Filho, as decisões tomadas pelos Tribunais têm sido no sentido de que “as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos controle jurisdicional” (STJ, Resp. 1.314.209-SP,

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dependente da jurisdição para sua implementação nos autos do processo”. Em

resumo, o ilustre Professor Manoel Justino141 esclarece que:

O juiz, ao deferir o processamento do pedido de recuperação judicial (art. 52), nomeia no mesmo ato o administrador judicial e concede prazo para que o devedor apresente o plano de recuperação (art. 53), ao qual pode se opor qualquer credor (art. 55). Neste momento, ao tomar conhecimento da objeção de qualquer credor, o juiz convoca a Assembleia geral dos credores (art. 56), que poderá aprovar o plano (§2º do art. 56), modifica-lo (§3º do art. 56) ou rejeitá-lo (§4º do art. 56).

Logo, mais do que a função de um mero chanceler das deliberações da

Assembleia, cabe ao juiz da recuperação observar as fundamentações e propósitos

das objeções apresentadas, resguardar a tutela da ordem pública, coibir a prática do

abuso de direito, preservar a livre e consciente manifestação de vontade das partes,

dentre outros aspectos, não podendo deixar de observar os princípios da Preservação

da Empresa e da Função Social da Empresa.

Mas, após discutidas e analisadas as possibilidades, se houver a rejeição do

plano de recuperação judicial, segundo dispõe o parágrafo 4º do artigo 56 da Lei, há,

em regra, a consequente decretação de falência da empresa, ressalvadas as pontuais

exceções em que a jurisprudência já houve por permitir ao devedor a apresentação

de um novo plano alternativo142 – o que não é objeto de estudo deste trabalho.

É preciso ter em linha de raciocínio, que o processamento da recuperação

judicial vai muito além do escopo jurídico, mais que isso, o plano recuperatório é uma

peça que visa a resguardar o aspecto econômico-financeiro e também o social tanto

da empresa devedora, quanto dos credores.

Seguindo mais adiante, a depender da complexidade do processo, a

Assembleia poderá, ainda, fazer a indicação dos membros do Comitê de Credores,

deliberando, outrossim, sobre o plano do devedor no que tange à aprova-lo, rejeitá-lo

j.22.05.2012, rel. Min. Nancy Andrighi e TJSP, AgIn 0136362-29.2011.8.26.0000, j. 26.02.2012, rel. Pereira Calças). Idem, Ibidem. 141 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Op. Cit., p. 136. 142 TJSP – AgIn 461.740-4/4-00, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Rel. Des. Pereira Calças, j. 28.02/2007, declarou voto vencedor o Des. Romeu Ricupero.

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e, se for o caso, apresentar um plano alternativo ao que foi contraposto143. Tal

possibilidade está prevista no inciso I, alínea ‘b’ do artigo 3 da Lei n.º 11.101/05.

De acordo com Fabio Ulhôa Coelho144:

O Comitê é órgão facultativo na recuperação judicial. Sua constituição e

operacionalização dependem do tamanho da atividade econômica em crise.

Ele deve existir apenas nos processos em que a sociedade empresária

devedora explora empresa grande o suficiente para absorver as despesas

com o órgão.

E prossegue o mesmo Autor145:

Se a atividade econômica é modesta, não há razão para se destinarem recursos dos parcos existentes (à remuneração dos membros do Comitê). Em nenhuma hipótese será obrigatório. Mesmo nas recuperações de macroempresas, se eventualmente o perfil do passivo não ostentar maior complexidade, não determina a Lei a instauração e funcionamento do Comitê.

Em linhas gerais, quem decide se o órgão deve ou não existir são os credores

da empresa recuperanda. Diante das circunstâncias do caso concreto, os credores

reunidos irão analisar se a empresa em crise possui condições de arcar com os custos

de implantação e funcionamento de um Comitê, e, ainda, se a complexidade do

passivo da empresa torna a instauração de um Comitê realmente necessária146.

Verificada a necessidade, a Assembleia dos Credores irá eleger os membros

do Comitê, o qual é composto por um membro titular e dois suplentes.

Embora tenha as atribuições elencadas no artigo 27 da referida Lei 11.101/05,

o Comitê, em suma, possui como competência principal a fiscalização tanto do

143 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa. – 26. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 356. 144 COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p. 372. 145 Idem, Ibidem. 146 Idem, ibidem.

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administrador judicial, quanto da sociedade empresária em crise, seja antes ou depois

de concedida a recuperação judicial147.

Por meio de acesso aos documentos, escriturações e dependências da

empresa, os membros do Comitê em pleno exercício do seu dever fiscalizador,

poderão, quando da constatação de qualquer atividade irregular, encaminhar ao juiz

da recuperação judicial requerimento fundamentado com as providências que

entenderem cabíveis148. Conforme comenta Coelho:

No exercício da competência fiscal, cabe ao Comitê, entre outras funções, receber qualquer reclamação contra a devedora, investiga-la, propor o que for cabível ao saneamento dos eventuais problemas que encontrar. [...]. Tomando-a por pertinente, após a investigação dos fatos indicados na reclamação, o Comitê dá seu parecer conclusivo e o encaminha ao juiz da recuperação judicial, para que sejam tomadas as medidas tendentes à correção do rumo.

Por sua vez, outro dos desdobramentos da Assembleia Geral de Credores

está presente nos artigos 35, alínea ‘d’ e 52, parágrafo 4º, ambos da Lei 11.101/05,

que tratam da hipótese em que o devedor pretenda desistir do processo, oportunidade

em que deverá ter a concordância dos credores reunidos em Assembleia.

Segundo Fabio Ulhôa Coelho149:

O devedor não pode, depois do despacho que manda processar a recuperação judicial, requerer a desistência do benefício sem a autorização da maioria dos credores reunidos em Assembleia. A instancia deliberativa competente para isso é o plenário.

Neste sentido, Manoel Justino Bezerra Filho150 completa asseverando que:

147 Idem, ibidem. 148 Idem, ibidem. 149 COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11. Ed. revis. e atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 225. 150 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Op. Cit., p. 137.

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Nesta letra ‘d’, fica bem clara a diferença entre o caráter deliberativo da Assembleia geral e o caráter decisório da jurisdição. A desistência do pedido de recuperação judicial, para surtir todos os efeitos de direito, depende de sentença homologatória, com trânsito em julgado. Na forma do §4º do art. 52, recebendo o pedido de desistência, deve o juiz abrir oportunidade, entre outras providências, para manifestação da Assembleia geral pois a Lei é clara no sentido de determinar que a desistência deve ser aprovada em Assembleia.

Oportuno destacar, ainda, que ao tratar da desistência do processamento da

recuperação judicial, a Lei 11.101/2005 determina que a aprovação em Assembleia

seja ao menos por quórum ordinário, à luz do seu artigo 42.

Significa dizer, portanto, que a anuência de mais da metade dos credores

presentes em Assembleia151 é condão suficiente para tornar válida a desistência do

processo recuperatório, o que, para o Prof. Fabio Ulhoa Coelho, propicia a facilitação

do uso fraudulento do instituto recuperacional pelo devedor frente aos credores (muito

provavelmente os que ainda não tiverem seus créditos quitados) que não cederiam a

desistência da recuperação152.

Continuando, cabe apresentar, também, que, via de regra, durante a

recuperação judicial, os administradores da empresa recuperanda permanecem

exercendo à condução da atividade empresarial da devedora, com a devida

fiscalização do Comitê de credores – se houver – e do administrador judicial.

No entanto, o dirigente administrativo da sociedade beneficiada pela

recuperação judicial precisa, necessariamente, ter comportamento lícito e útil ao

processamento, pois, do contrário, o juiz pode determinar o seu afastamento153.

Nesta linha, os incisos I a VI do artigo 64 da Lei 11.101/2005 apresenta-nos

hipóteses possíveis de gerar o afastamento do administrador da empresa, vejamos:

151De acordo com o art. 56, §1º da Lei 11.101/05, a Assembleia Geral de Credores deve ser realizada em 150 dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial. 152 COELHO, Fábio Ulhôa. Op. cit., p. 226. 153 COELHO, Fábio Ulhôa. Op. cit., p. 263.

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Tiverem sido condenados, mediante sentença definitiva, por crime cometido em anterior recuperação judicial ou falência, contra o patrimônio, economia popular ou ordem econômica;

Houver indícios fortes de terem cometido crime falimentar;

Existirem provas de ação dolosa, simulada ou fraudulenta contra os interesses dos credores;

Incorrerem em condutas incompatíveis com a situação de crise econômico-financeira da empresa, como, por exemplo, a descapitalização injustificada ou graves omissões na relação dos credores;

Negarem-se a fornecer informações solicitadas pelo administrador judicial ou Comitê, atrapalhando o exercício da função fiscal desses órgãos da recuperação;

Sua substituição estiver prevista no plano de recuperação judicial aprovado.154

Incorridas as hipóteses acima arroladas, o parágrafo único do artigo 64, bem

como artigo 65, ambos da Lei 11.101/05, estipula que os administradores serão

destituídos da administração da sociedade pelo juiz, que fará a convocação da

Assembleia Geral de Credores em prol da nomeação de um gestor judicial que esteja

apto a administrar a empresa155.

Ainda que seja gestor judicial, não é da competência do juiz a escolha do

gestor, mas sim dos credores reunidos em Assembleia, o que significa dizer que, “ao

decidir pela destituição do empresário individual, o juiz não nomeia um substituto, mas

apenas convoca uma Assembleia de credores para deliberar sobre o nome do gestor

judicial”.156

Os credores têm uma boa margem de liberdade na escolha desse gestor, exigindo-se apenas sua idoneidade. Permite-se inclusive que um dos próprios credores seja escolhido. Só não poderá ser eleito quem for muito próximo ao devedor ou quem já demonstrou não ser de confiança. De modo mais detalhado, não poderá ser eleita gestor a pessoa que nos últimos 5 (cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituída, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada. Também não pode ser eleito quem tiver relação de parentesco

154COELHO, Fábio Ulhôa. Op. cit., p. 263-264. 155FRANCA, Novais; AZEVEDO, Erasmo Valladão. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2. Ed. atual. e amp. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 199. 156TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 329.

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ou afinidade até o 3º (terceiro) grau com o devedor, seus representantes

legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente.157

Conforme Tomazette, presume-se que os credores farão os melhores

esforços na escolha de um bom gestor judicial, vez que são os principais interessados

na boa condução e na boa atuação da gestão. Isto posto, escolhido pela Assembleia,

o novo gestor eleito deverá assinar um termo de compromisso, em moldes similares

àqueles previstos para o administrador judicial, porém se se recusar ou estiver

impedido de aceitar o encargo para gerir os negócios do devedor, “o juiz convocará,

no prazo de 72 (setenta e duas) horas, contado da recusa ou da declaração do

impedimento nos autos, nova Assembleia para nova escolha”158

Nomeado um novo gestor, “ele passa a ser o representante legal da

sociedade devedora nos atos relativos à gestão da empresa (assinatura de cheques,

contratação de serviços, compra de insumos, prática de atos societários etc)”159.

Ou seja, o gestor nomeado pela Assembleia Geral de Credores passará a

gerir a atividade econômica da sociedade recuperanda, com o intuito de implementar

o plano de recuperação judicial aprovado160. Malgrado, Fabio Ulhoa Coelho161 salienta

que:

O gestor não se torna, porém, o representante da sociedade em recuperação judicial para todos os fins. Nos atos relativos à tramitação do processo de recuperação judicial, a sociedade devedora continuará sendo representada nos termos de seus atos constitutivos. Este dispositivo também se aplica no caso de afastamento do acionista ou sócio controlador.

Desse modo, como se tratam de pessoas suscetíveis de eventuais erros, há

a possibilidade de convocar nova Assembleia Geral para eleger novo gestor judicial.

Este, por sua vez, passará a conduzir as atividades do devedor normalmente até o

157TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 329. 158Idem, p. 330. 159COELHO, Fábio Ulhôa. Op. cit., p. 265. 160Idem, ibidem. 161Idem, ibidem.

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encerramento do processo, tendo “o poder de representação do devedor, no que

tange às atividades normais de gestão, mas não nas do processo de recuperação em

que o devedor manterá o poder de representação”.162

Por fim, o artigo 35, inciso I, alínea ‘f’ da LFR acentua que, havendo a

necessidade de deliberação de qualquer outra matéria de envolva os interesses dos

credores, tais deliberações, como as anteriores, dependem necessariamente da

análise do juiz da recuperação judicial163.

Tal quer dizer que essas eventuais deliberações não são aplicadas

imediatamente, primeiro em razão da necessidade de ser a matéria deliberada

expressamente contida no edital de convocação da Assembleia geral, segundo por

conta da evidente necessidade de análise pelo juiz da recuperação de serem tais

matérias condizentes as normas e aos princípios da Lei 11.101/05. Isto porque,

conforme assevera Manoel Justino Bezerra Filho164:

Em que pese a Lei determine a participação dos credores na maioria dos casos, o juiz, pelo poder que lhe é conferido, pode deixar de acatar decisões da Assembleia geral que sejam contrárias às disposições e princípios da Lei ou se tiver qualquer outro motivo para entender de forma diversa, sempre evidentemente fundamentando sua disposição, conforme determina do artigo 165 do CPC/1973 (correspondente ao art. 11 do CPC/2015), com específico fundamento constitucional no inc. IX do art. 93 da Constituição Federal.

Diante do que restou demonstrado, a Assembleia Geral de Credores em sua

atuação concreta pode desdobrar-se para deliberar sobre diversas questões de

imprescindível importância para a manutenção da preservação da empresa e de sua

função social, e suas deliberações não obstantes predefinidas merecem ser

interpretação que se coadune com os princípios da função social e preservação da

empresa, separando-se sempre a atividade empresarial do empresário.

162Idem, ibidem. 163BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Op. Cit., p. 137. 164Idem, Ibidem.

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CAPÍTULO 3. SISTEMÁTICA LEGAL PARA PARTICIPAÇÃO NA ASSEMBLEIA

GERAL DE CREDORES

3.1. Composição da Assembleia Geral de Credores

Como o próprio nome indica, a Assembleia geral é composta pelos credores

sujeitos ao processo, “à luz do quadro geral de credores, ou na sua falta, na relação

elaborada pelo administrador judicial, ou, na falta desta, na lista apresentada pelo

devedor”165.

A composição da Assembleia de credores é feita por classes de credores, no

qual computa-se o voto segundo o valor ou, ainda, segundo o valor e per capita,

“dependendo do conteúdo da matéria a ser deliberada, ou, ainda, segundo um

percentual, no caso de votação que envolve a forma alternativa de realização do ativo

na falência (Lei nº 11.101/2005, art. 46)”.166

Essa composição se faz pelas seguintes classes de credores: (a) titulares de

créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho;

(b) titulares de créditos com garantia real; (c) titulares de créditos quirografários, com

privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; (d) titulares de créditos

enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte.167

[...] os créditos derivados da legislação do trabalho, juntamente com decorrentes de acidente no trabalho, terão prioridade absoluta no concurso de credores [...]. Mas na Assembleia-geral de credores votam eles com o total de seus créditos, independentemente, assim, do valor. Assegura-se, desse modo, a participação de todos os credores que titularizam créditos decorrentes de acidente de trabalho ou derivados da legislação trabalhista nessa única classe, de forma proporcional ao valor total de seus créditos. Já os que detêm créditos com garantia real votarão na classe pertinente até o

165TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. V. 3. – 5. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 203. 166GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. A aprovação do plano de recuperação de empresas: uma questão de escolha à luz da teoria dos jogos. Revista da AJURIS, v. 41, n. 133, 2014, p. 373. 167Cf. CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência

empresarial. – Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 80.

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limite do valor do bem gravado e, na dos quirografários, com o restante do

valor de seu crédito.168

Assim, feita a devida disposição e composição, as classes de credores

poderão deliberar sobre o plano de recuperação apresentado no sentido de aprova-

lo, rejeitá-lo ou até mesmo propor modificações, conforme dispõe o artigo 35, inciso I,

da Lei nº 11.101/2005.

3.2. Quórum de Instalação e de Deliberação

Como já abordado, a Assembleia dos credores constitui órgão colegiado para

deliberação, responsável pela manifestação direta do interesse e vontade

predominantes entre os titulares de crédito perante a sociedade empresária em

situação de recuperação judicial169.

Na Assembleia há quatro instâncias de deliberação, no qual varia-se o

conjunto de credores aptos a votar de acordo com a matéria em apreciação. A

instância com maior abrangência é o plenário da Assembleia dos credores, cuja

deliberação recai a ele sempre que a matéria não “disser respeito à constituição do

comitê ou não se tratar do plano de reorganização”, tendo competência residual.

Não havendo previsão específica quanto à reserva da apreciação da matéria

a outra instância, o plenário irá deliberar “pela maioria de seus membros, computados

os votos proporcionalmente aos seus valores, independentemente da natureza do

crédito titularizado”170.

Sobre as outras instâncias de deliberação, ainda argumenta:

As três outras instâncias deliberativas da Assembleia correspondem às classes em que foram divididos pela Lei os credores. Na votação ou no aditamento do plano de recuperação, a primeira classe compõe-se por credores trabalhistas; a segunda, por titulares de privilégio (geral ou especial), os quirografários e subordinados (LF, art. 41). Na apreciação de matéria atinente à constituição e composição do comitê, as instâncias

168CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial. – Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 80-81. 169 Cf. COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p. 414. 170 Idem, p. 416.

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classistas da Assembleia se organizam um pouco diferente: os credores titulares de privilégio especial compõem a mesma dos que titulam garantia real (LF, art. 26). Nas matérias indicadas – votação do plano de recuperação e constituição e composição do comitê –, deliberam apenas as instâncias

classistas e não o plenário.171

O artigo 45 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência prevê quanto a

deliberação sobre o plano de recuperação judicial, traçando como regra de que na

classe dos titulares de créditos derivados da relação de trabalho ou decorrentes de

acidente de trabalho, a proposta deverá ser aprovada por maioria simples dentre os

credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.

No caso de titulares de crédito com garantia real e os titulares de créditos

quirografários – contendo aqueles com privilégio especial, geral ou subordinados –, a

proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor

total dos créditos presentes à Assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples

dos credores presentes na ocasião.172

Em relação aos titulares de créditos enquadrados como microempresa ou

empresa de pequeno porte, de acordo com o § 2º do art. 45 da Lei 11.101/2005, ou

seja, a aprovação para esta classe será pela maioria simples dos credores, presentes,

independentemente do valor do seu crédito.

Segundo Leitura de Ricardo Negrão, no caso disposto supra, “o sistema

adotado foge à regra da maioria simples e introduz o sistema da dupla maioria: a

formada pelo número de credores presentes e a que decorre de seus valores de

créditos”173.

De modo geral, as deliberações dos credores reunidos na Assembleia são

tomadas segundo a maioria de votos dos presentes, no qual o voto de cada um é

proporcional ao valor de seu crédito, configurando, assim, o sistema e quórum

171COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p. 417. 172Cf. NEGRÃO, Ricardo. op. cit., p. 211. 173NEGRÃO, Ricardo. op. cit., p. 210-211.

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ordinário de deliberação, bem como o método comum de valoração do peso do

voto174.

Esse procedimento ordinário que leva em consideração o universo de

credores e não suas classes não se aplica nos casos em que as deliberações

versarem sobre a constituição e composição do comitê de credores e no que tange à

aprovação, rejeição ou modificação do plano proposto pelo devedor, inclusive, não

submetendo-se este “ao método comum de valoração do peso do voto. Foge ao

quórum ordinário a deliberação acerca da forma alternativa de realização do ativo na

falência”175.

Na escolha dos representantes de cada classe no comitê, somente os respectivos integrantes poderão votar. Haverá, assim, votação à parte, realizada entre os titulares de créditos integrantes de cada uma das categorias. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à votação que se realiza dentro de cada uma das classes. A própria votação sobre a constituição do comitê observará essa sistemática, porquanto, para que se verifique, basta seja deliberado por qualquer das

classes [...].176

Nas deliberações concernentes ao plano de recuperação, todas as classes

que integram a Assembleia geral deverão aprovar a proposta via votação que terá um

curso especial, sendo realizada dentro de cada classe em particular. Assim, há

inclusive procedimentos para apuração e verificação dos votos em cada classe de

credores, o que se passará a tratar posteriormente.

3.3. Procedimento para apuração de votos

No que concerne ao procedimento adotado na apuração dos votos, percebe-

se que o quórum geral de deliberação é o da maioria de acordo com o princípio

174 Especialmente no que tange à valoração do peso do voto, argumenta Sérgio Campinho (2006, p. 82) que “o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de realização da Assembleia (parágrafo único, do artigo 38)”. 175 CAMPINHO, Sérgio. Op. cit., p. 82. 176 Idem, ibidem.

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majoritário já tratado, “computada sempre com base no valor dos créditos dos

credores integrantes da instância deliberativa presentes à Assembleia”, logo, caso

ocorra em segunda convocação com a presença de apenas 10 credores, “somando-

se os créditos deles, calcula-se o peso proporcional do direito creditório de cada um

na soma. Os percentuais assim encontrados norteiam a quantidade de votos

atribuídos a cada credor”177.

Entretanto, na hipótese refletida acima, caso o percentual calculado resulte

em um sozinho ser titular de 51% da soma dos créditos dos presentes, isto é, o

indivíduo irá compor isoladamente “a maioria e faz prevalecer sua vontade e interesse,

mesmo contra os dos demais. Assim será, inclusive, mesmo que o seu crédito

represente parcela ínfima do passivo, se os credores ausentes titularizarem a parte

substancial deste”178.

Nesse sentido, a argumentação demonstra que segundo o valor proporcional

dos créditos, a maioria dos presentes no plenário ou na instância de classe representa

o quórum geral deliberativo. Contudo, faz-se a ressalva de que há a previsão de

hipótese no qual ocorre o que se denomina por quórum qualitativo de deliberação, isto

é, possibilidade no qual o quórum possui estritamente o critério qualitativo quanto às

decisões concernentes à aprovação do plano de recuperação.

Desse modo, o plenário não delibera a respeito, sendo a apreciação e votação

realizada nas instâncias classistas e, “em cada uma delas, deve receber a aprovação

de mais da metade dos credores presentes, desprezadas as proporções dos créditos

que titularizam”179. Mais do que isso, há a necessidade de que os credores cujo

produto da soma dos créditos representam mais da metade do passivo

correspondente à classe presente “apoiem com seu voto nas instâncias dos credores

com garantia real e na dos titulares de privilégio, quirografários e subordinados”

(Grifos no original)180.

177 COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p. 417. 178 Idem, ibidem. 179 COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p. 417. 180 Idem, p. 417-418.

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[...] existem credores que não se submetem aos efeitos da recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005, art. 49, § 3º), mas podem participar da Assembleia ainda que não possam computar quórum ou votar (Lei nº 11.101/2005, art. 39, § 1º). Neste caso, pode-se imaginar que a participação envolva ao menos o exercício do direito de voz, ou seja, é possível que credores não sujeitos aos efeitos da recuperação interfiram no processo decisório mediante um processo de argumentação que certamente levará em consideração seus interesses individuais que poderão, contudo, repercutir sobre os interesses da coletividade de credores sujeita aos efeitos da

recuperação.181

Especificamente quanto ao procedimento, a legislação pontua o modo como

será avaliado o coeficiente em cada categoria pertinente. Desse modo, no caso da

categoria dos titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes

de acidentes de trabalho, e naqueles titulares de créditos enquadrados como

microempresa ou empresa de pequeno porte, a proposta deve ser aprovada pela

maioria simples dos credores presentes na ocasião, sendo irrelevante o valor de seu

crédito, portanto, faz-se a votação por cada indivíduo particular.182

Nas demais classes, quais sejam, dos titulares de créditos com garantia real

e a dos titulares de créditos quirografários – com privilégio especial, geral ou

subordinados –, a proposta deve ser aprovada por credores que representem mais da

metade do valor total dos créditos presentes na votação, bem como pela maioria

simples desses credores, tomados os votos singularmente. Isso tudo deve ocorrer em

cada uma das categorias respectivas. Ainda sobre esse ponto, comenta Sérgio

Campinho:

Verifica-se, pois, que nessas classes a aprovação dependerá da obediência de dois requisitos não alternativos: a aprovação pela maioria dos presentes à votação, tomada segundo o critério geral do peso do voto proporcional ao valor do crédito, e pela maioria dos presentes, tirada por cabeça, independentemente do valor do crédito. Faculta a Lei, entretanto, em favor do princípio da recuperação judicial da empresa que pretende consagrar, a possibilidade de o juiz concedê-la, desde que, na mesma Assembleia reunida para dele apreciar e deliberar, de forma cumulativa, sejam atingidas as seguintes condições: (a) voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à Assembleia, independentemente de classes; (b) aprovação de duas das classes de

181GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. A aprovação do plano de recuperação de empresas: uma questão de escolha à luz da teoria dos jogos. Revista da AJURIS, v. 41, n. 133, 2014, p. 371. 182 Cf. CAMPINHO, Sérgio. Op. cit., p. 83.

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credores [...], ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de uma delas nessas mesmas condições; (c) voto favorável de mais de um terço de credores, computados, também, segundo os critérios retratados [...], aferível dentro da classe que o houver rejeitado. Mas, nesse caso, para que seja a recuperação judicial concedida, o plano não poderá implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver

rejeitado.183

Ao verificar-se devidamente essas condições, o magistrado deverá conceder

a recuperação judicial. Aliás, ressalta-se que se usa o termo “deverá” e não “poderá”,

tal como empregado no parágrafo primeiro do artigo 58 da legislação em questão, vez

que não se trata de mera faculdade do juiz, mas sim de um poder-dever do juízo. Só

não há a concessão caso seja verificada a ocorrência de ilegalidade no conteúdo do

plano proposto e assim por diante.184

A Lei visa a conferir, segundo argumentação de Fábio Ulhôa Coelho,

“segurança às deliberações assembleares. Se tais decisões pudesses interferir no

resultado de Assembleia passadas, o processo de recuperação judicial estaria

exposto a significativos entraves”185, por isso as deliberações da Assembleia não se

invalidam em razão de posterior decisão judicial concernente à existência,

quantificação ou classificação de créditos.186

Aliás, ainda sob esse prisma, Sandro Mansur Gibran e Cláudia de Lourdes da

Silva Gonçalves esclarecem que:

O plano de recuperação judicial é elaborado pela recuperanda, devendo conter os meios que serão utilizados para o seguimento da empresa. O plano de pagamento contem diversas cláusulas que, em sendo aprovadas pela assembleia geral de credores, terá força de contrato, tornando novadas todas

as dívidas com base no proposto no plano de pagamento.187

183 CAMPINHO, Sérgio. Op. cit., p. 83-84. 184 Cf. CAMPINHO, Sérgio. op. cit., p. 84. 185 COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p.145. 186 Cf. GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. op. cit., p. 371. 187GIBRAN, Sandro Mansur e GONÇALVES, Claudia de Lourdes da Silva. A intervenção do Estado/Juiz na decisão da Assembleia Geral de Credores – Recuperação Judicial, in: Diálogos (Im)pertinentes: Negócio, Empresa e Afetação da Cidadania. Direção Científica: Demétrius Nichele Macei, Fernando Gustavo Knoerr, Viviane Coelho de Séllos Knoerr. – 1ª Ed. Curitiba: Instituto Memória Editora, 2016.

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Veja-se, portanto, que o procedimento para apuração dos votos, igualmente

deve seguir uma regramento com vistas à preservação da empresa e sua função

social, tanto assim, que em relação às classes cujos interesses se revelam mais

sensíveis, tais como os titulares de créditos sujeitos a legislação do trabalho e os

microempresários e empresários de pequeno porte, a lei permitiu que suas

participações deliberativas se façam exclusivamente através do voto por cabeça, ao

contrário do que se prevê para a classe dos credores com garantia real e

quirografários.

3.4. A influência e a predominância dos credores segundo sua

respectiva classe

A Assembleia geral de credores como já se explanou deve ser composta por

quatro classes, segundo o que consta no artigo 41 da Lei. A primeira classe é a dos

credores titulares de créditos decorrentes de acidentes de trabalho ou de sua

legislação; a segunda classe é geralmente composta por instituições financeiras que

são titulares de crédito com garantia real; a terceira classe é integrada geralmente por

fornecedores, que são detentores titulares de créditos quirografários, tendo estes

alguns benefícios, tais como privilégio especial188, geral189 e créditos subordinados, e

a última classe é composta pelos créditos das empresas de pequeno porte e

microempresas. Acerca de tal divisão, Coelho argumenta que:

Enquanto estes últimos [credores com privilégios], exatamente por gozares de preferência na falência, tendem a ser menos receptivos às propostas de alteração, novação ou renegociação de seus créditos no âmbito da recuperação judicial, os quirografários em geral se abrem mais facilmente a tais propostas. Isso porque a falência do devedor certamente impedirá que os quirografários tenham os seus créditos atendidos. Em outros termos, é muito diferente o risco de não recebimento do crédito que enfrentam os

quirografários, de um lado, e os titulares de privilégio, de outro.190

188 Os créditos de privilégio especial estão tipificados no artigo 964 do Código Civil. 189 Os créditos de privilégios geral estão dispostos no artigo 965 do Código Civil. 190 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários a nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 118.

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O Autor critica o fato de que, se o objetivo da divisão por classes foi agrupar

aqueles com interesses em comum, os credores titulares de privilégios deveriam, na

verdade, serem colocados junto aos credores com garantia, pois estes teriam

objetivos mais convergentes do que com os credores quirografários.

Segundo o que se apresenta no artigo 39 da Lei 11.101/2005, tal dispositivo

coloca que aqueles que forem arrolados no quadro geral de credores, terão direito a

voto na Assembleia; caso venha a faltar tal quadro de credores, aqueles que estejam

incluídos na relação de credores apresentada pelo administrador judicial, ou na

relação de credores apresentada pelo próprio devedor, terão direito a voto na

Assembleia. Tais relações de credores são de suma importância, visto que é por meio

destas que se verifica quais são os créditos referentes à recuperação e quais sujeitos

se relacionam com estes.

Ocorre que há certos critérios estabelecidos pela legislação no quesito do

exercício do direito de voto segundo a matéria objeto da deliberação, além da

alocação propriamente dos credores em classes que, via de regra, nem sempre

possuem interesses convergentes.

Como regra geral, o voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito quando não envolver a votação do plano de recuperação judicial ou forma alternativa de alienação do ativo na falência (Lei nº 11.101/2005, art. 38). Os titulares de créditos trabalhistas votam com o total de seu crédito, independentemente do valor (Lei nº 11.101/2005, art. 41, § 1º). Todavia, quando a matéria em deliberação for o plano de recuperação, o critério se altera. Os credores trabalhistas passam a votar per capita, ou seja, o valor deixa de ser importante nesse momento. A resposta para esta opção do legislador é de que o detentor do crédito trabalhista não pode se representar pela sua quantia esperada, que é definida por outros fatores, tais como tempo de serviço e cargo exercido na empresa, o que poderia elitizar o crédito trabalhista caso o valor fosse utilizado como critério primordial, privilegiando os empregados gerenciais e de diretoria de uma empresa em detrimento dos

trabalhadores de créditos menores. 191

191GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. op. cit., p. 372.

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Não obstante, eventuais titulares de créditos com garantia real votam como

tal até o limite do valor do bem gravado, “sendo que pelo restante do valor de seu

crédito o peso do voto passa para a classe dos credores quirografários”. Estes, por

sua vez, dividem-se em de privilégio geral, especial e os subordinados, “dos quais aos

últimos pode ser negado o direito de voto, ou seja, na hipótese de o credor

subordinado ser sócio do devedor, a ele não será dado o direito de voto em

Assembleia”192.

Segundo os autores, a complexidade do processo de votação em Assembleia,

somado aos critérios disformes, fazem com que a alocação informacional e o processo

de escolha “possam ser conduzidos pelos credores melhor informados ou com maior

conhecimento sobre a matéria, influenciando, assim, a decisão final da

Assembleia”193.

As vontades individuais são condicionadas a voltarem-se constantemente à

busca pelo benefício particular. Nesse sentido, uma vez que se tem interesses

conflitantes deliberando pela aprovação, modificação ou rejeição do plano

recuperatório, deve-se sempre ter como finalidade atingir um consenso que, por sua

vez, mostra-se como de extrema dificuldade, bem como de suma importância em todo

o processo de recuperação.

Sobre o conceito de consenso e sua importância, argumenta o pensador

italiano Norberto Bobbio:

O termo Consenso denota a existência de um acordo entre os membros de uma determinada unidade social em relação a princípios, valores, normas, bem como quanto aos objetivos almejados pela comunidade e aos meios para os alcançar. O Consenso se expressa, [...] na existência de crenças que são mais ou menos partilhadas pelos membros de uma sociedade. Se se considera a extensão virtual do Consenso, isto é, a variedade dos fenômenos em relação aos quais pode ou não haver acordo, e, por outro lado, a intensidade da adesão às diversas crenças, torna-se evidente que um Consenso total é um tanto improvável mesmo em pequenas unidades sociais, sendo totalmente impensável em sociedades complexas. Portanto, o termo Consenso tem um sentido relativo: mais que de existência ou falta de Consenso, dever-se-ia falar de graus de Consenso existentes em uma determinada sociedade ou subunidades. É evidente, além disso, que se

192 Idem, ibidem. 193 GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. op. cit., p. 373.

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deveria atender principalmente às questões relativamente mais importantes

e não a aspectos de pormenor.194

Segundo Bobbio, o consenso pode ser tomado como um fator de cooperação

e um elemento redutor dos conflitos – que podem ser conflitos tanto no âmbito macro

quanto micro –, implicando inclusive em fortalecimento do sistema político, vez que

ajuda a sociedade a superar momentos de dificuldades sociais ou até mesmo de crise

econômica.

Trazendo a teoria para o âmbito prático da recuperação judicial, percebe-se

que o consenso também mostra-se central, pois assim como a busca pelo consenso

possa amenizar conflitos dentro de determinado corpo político e social, também se

pode reduzir ou amenizar as posições conflitantes dentro de um processo de

recuperação judicial no qual os ânimos encontram-se via de regra em constante

situação de oposição e conflito.

Segundo sua respectiva classe pertencente, em muitas ocasiões o credor

buscará ter a predominância de sua vontade particular ou até mesmo a vontade de

seu grupo, com isso, o diálogo constante entre os mesmos pode propiciar caminho

para o consenso. Ora, é justamente nesse sentido que se tem certo grau de

informalidade, por exemplo, no que tange ao processo de deliberação, pois isso faz

com que todos os credores, sem exceção, sintam-se como pertencentes a uma

comunidade – em sentido estrito – da qual não basta a busca pelo interesse privado,

mas, além e mais importante que isso, busca-se o interesse da coletividade, significa

dizer, tanto dos credores quanto do devedor.

O diálogo, portanto, é essencial no processo de identificação e, em certo

sentido, no combate à individualização e desvio do objetivo central da recuperação

judicial que, como o próprio nome indica, visa a recuperação e não mera punição, e o

papel do judiciário ou até mesmo das partes é central na demonstração da função

social que a empresa cumpre e, talvez, auxiliar na compreensão do sacrifício que

todos devem fazer eventualmente pelo bem de todos que compõe esse processo.

194BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Trad. Carmen C. Varriale et ai.; coord. Trad. João Ferreira. – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2010, p. 240.

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3.5. A influência e predominância de uma ou mais classes de credores

sobre as demais

Tendo em vista que, como buscou-se ressaltar, existem inúmeros credores

que buscam atender tão-somente a seus próprios interesses, faz-se necessário tecer

alguns comentários no que diz respeito ao voto abusivo por parte dos credores, vez

que tal influência impacta diretamente nas decisões envolvendo as classes de

credores que, por sua vez, poderão buscar certa predominância de seus interesses

sob as demais classes.

Deve-se preocupar-se com os eventuais incentivos e induzimentos

comportamentais das partes envolvidas, maximizando o bem-estar geral,

proporcionando e garantindo, então, o bem comum. “Espera-se, com isso, o

andamento do processo de recuperação, sobretudo de sua aprovação, livre de

oportunismos, o que nem sempre é possível”.195

Sobre o critério econômico adotado no processo de escolha, argumenta

Fernando Silva:

O principal incentivo que condiciona o comportamento dos agentes é o valor total obtido ou perdido com a negociação sobre os créditos devido, apurado ao final do procedimento concursal. A LREF [Lei nº 11.101/2005] não é capaz de realizar a distribuição equitativa de riscos entre os jogadores e também não consegue compatibilizar os interesses em conflito, pois estes são condicionados pelos direitos de propriedade, informações privadas detidas pelas partes, poder de negociação, proibições legais, modelos mentais e

limitações cognitivas dos agentes.196

Entretanto, levando em consideração o comportamento racional, porém

oportunista, “dentro de um ambiente de risco e incerteza, suas escolhas são adotadas

a partir de suas preferências, ainda que haja restrições quanto à possibilidade de

195 Idem, p. 379. 196 SILVA, Fernando César Nimer Moreira da Silva. Incentivos à decisão de recuperação de empresa em crise: análise à luz da teoria dos jogos. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2009, p. 35.

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avaliar com precisão a crise da empresa e sua superação”197. Há uma relação

utilitarista, ou seja, a finalidade é a maximização do prazer e a diminuição da dor, por

isso a busca constante por maximizar seus próprios interesses.

Tendo em vista que não se tem homogeneidade entre os credores,

configurando, ao contrário, grupos heterogêneos, tendem, portanto, em primeiro

passo, a não tomar decisões que maximizam os ganhos da coletividade.

Ora, se determinada classe fosse organizada de acordo com as preferências

individuais formando um corpo homogêneo, “admite-se que cada credor, agindo de

forma a maximizar resultados particulares, está também buscando o benefício máximo

para aquela classe”198. Todavia, se os indivíduos que compõem determinada classe

tenham preferências antagônicas, “a maximização coletiva pode ser negada

parcialmente ou totalmente”199, não sendo possível chegar a um consenso no quesito

de aprovação da recuperação, haja vista as estratégias puramente individuais

presente na heterogeneidade da composição.

Armando Catelar Pinheiro e Jairo Saddi fazem uma análise da dificuldade de

se chegar a um consenso via o que denominam de “teoria dos jogos”, no qual havendo

relação de negociação ou interação entre dois ou mais indivíduos – vez que isso se

dá na relação com o outro –, se suas ações baseiam-se no que esperam ou desejam

que o outro faça, haveria o que se denomina por “comportamento estratégico”, ou

seja, há um cálculo racional no sentido de buscarem mutuamente benefícios para si,

verificando o que o outro pode oferecer na consecução de determinado objetivo.

Quando isso ocorre, a interação entre eles pode ser tratada como um jogo. Em tal situação, a teoria dos jogos analisa e ajuda a prever as estratégias racionais desses indivíduos a partir da definição de quais são as regras do jogo. Os estudiosos de Direito & Economia utilizam a teoria dos jogos para estudar como as empresas interagem, dadas as normas legais, e para entender como elas influenciam seu comportamento estratégico, como agentes econômicos ou como partes em litígios de diversos tipos. Ao prever ou ajudar a entender o comportamento das pessoas, a teoria dos jogos auxilia

197 GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. op. cit., p. 380. 198 Idem, ibidem. 199 Idem, p. 381.

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o Direito, em seu papel de indutor de condutas, a auto-avaliar-se e a

identificar formas de melhorar a sua eficácia e a sua eficiência.200

Através da “teoria dos jogos” não há instrumentalização dos comportamentos,

quer dizer, não são ditados, mas sim influenciados pela norma legal, pois “em certas

circunstâncias, pode ser racional ir contra ela. Além disso, a Lei pode permitir mais de

um tipo de comportamento, e a escolha de qual será seguido pode depender da

interação entre os indivíduos”201.

Nessa linha, a teoria defende uma postura que toma a legislação como uma

espécie de condutor básico e necessário, não como mera condição suficiente na

definição do comportamento dos indivíduos, “sobretudo se considerarmos que o

fenômeno jurídico é sempre mais amplo e abrangente que a mera letra da norma”202.

Nesse contexto, aplicando a referida teoria no processo de deliberação do

plano de recuperação da empresa em situação de crise, ter-se-ia o seguinte:

[...] há o envolvimento de dois ou mais agentes (jogo) que, obrigatoriamente, coloca todos os grupos de interesses a ela vinculados (jogadores) para decidirem pela aprovação ou rejeição do plano (estratégias). A escolha de aderir ou não ao plano é uma estratégia que será adotada pelos credores em razão das informações e dos benefícios que vislumbrarem, fatores estes que dão subsídios a uma decisão racional. O plano de recuperação, neste prisma, tende a ser um jogo cooperativo, no qual os jogadores podem maximizar seus interesses se colaborarem uns com os outros. Ainda, tal cooperação poderá se organizar em grupos com interesses convergentes, sendo, então, denominados de jogos de coalizão. No caso da recuperação judicial, a expectativa é que a escolha dos grupos (coalização) conduza pela aprovação do plano apresentado na Assembleia de credores. Nesta última hipótese, a cooperação é parcial, porque os credores do grupo de coalização precisam apenas dos votos necessários para formar a maioria interna da classe a que se vinculam para, assim, vencerem a deliberação. Portanto, no processo de escolha podem ter que optar por unir-se a parte dos credores para a formação da decisão que melhor se amolde à escolha tomada, ou seja, a escolha do agente individualmente considerada depende da escolha coletiva na

Assembleia.203

200 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. 1. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 218. 201 Idem, ibidem. 202 Idem, ibidem. 203 GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. op. cit., p. 383-384.

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Pressupõe-se, assim, que as escolhas caminharão no sentido de eleger a que

melhor atenda os seus objetivos, escolha esta que será realizada a partir de um

processo racional – portanto, calculado – que envolve diretamente estratégia pela

melhor saída a todos. “A melhor escolha invariavelmente será a que se preocupa com

a maximização dos ganhos de todos aqueles que estejam diretamente envolvidos com

o procedimento recuperatório”204.

Esse processo racional na busca de um consenso envolve diretamente a

equidade, ou seja, ainda que inevitavelmente exista a influência e predominância de

uma ou mais classes de credores sobre as demais, para o plano ser viável, deve ser

razoável e compreendido por todos, no qual todos os ganhos e, mais importante,

eventuais perdas, sejam equitativamente distribuídos entre todos os interessados.

O ponto central dessa análise é a cooperação entre os credores e a

dificuldade de se chegar a ela, eis que, por exemplo, “o voto majoritário pode

prejudicar um grupo de pessoas e beneficiar outro, bem como a divisão de classe

proposta pela Lei pode trazer malefícios aos anseios da coletividade”205.

Transportando a teoria dos jogos para a análise prática, tem-se o seguinte:

[...] os credores trabalhistas e de acidente do trabalho têm regra especial para o plano de recuperação, na qual o seu pagamento não pode ter o prazo máximo de um ano ultrapassado. Esse critério, portanto, determinado pelo legislador não dá margem para o devedor na elaboração do plano e beneficia os credores trabalhistas e acidentários. Sendo assim, sob o ângulo da teoria dos jogos, essa regra favorece essa classe e altera o processo de escolha e decisão. Neste caso, tem-se a informação prévia (legalmente prevista) que condiciona e interfere no processo de tomada da decisão final (aprovar, rejeitar ou propor a modificação do plano). Logo, pode-se chegar à conclusão de que a decisão racional e ótima dos credores trabalhista tende ser a de aceitar o plano proposto, qualquer um, porque o prazo máximo de pagamento é de um ano. De igual modo, os credores com garantia real também têm um benefício, ainda que não exatamente claro, que é a possibilidade de votar em duas classes distintas (dos credores com garantia real e quirografários). Quer dizer, dependendo do tamanho do crédito, o credor poderá ter votos por crédito suficientes para aprovar, rejeitar ou propor modificação superior aos demais, e ainda somará o credor per capita em ambas as classes. Enfim, há uma desvantagem (ou vantagem) para os credores quirografários. Note-se que caso seja decretada a falência, eles estão posicionados em sexto no concurso de credores, ou seja, esse é um incentivo para evitarem a falência,

204 Idem, p. 384-385. 205 Idem, p. 385.

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de tal sorte que é comum para tais credores pensar que qualquer quadro diferente da falência é melhor do que o pior dos acordos para aceitar o plano, o qual jamais poderá prever simplesmente o não pagamento, mas o

pagamento de ao menos uma parte.206

De fato, como há a composição de interesses antagônicos, implicando assim

heterogeneidade nas pretensões formuladas pelos diversos indivíduos envolvidos

diretamente no processo recuperacional, os sujeitos imparciais do processo, a saber,

o juiz, o administrador judicial e o representante do Ministério Público, cumprem papel

central nesse procedimento. “Tais sujeitos imparciais buscam, antes de tudo, a

produtiva efetivação da tutela jurisdicional no processo de recuperação”207.

A tão importante busca pelo consenso das partes com interesses conflitantes

deve ser uma preocupação constante de todos os envolvidos na recuperação da

empresa. A instituição de um procedimento consensual por parte dos sujeitos do

processo posteriormente fará com se implique na conciliação, em grande medida, dos

diversos interesses postos, “com vistas ao fomento de soluções que atendam ao

interesse público do direito de recuperação de empresas”208, tudo isso em

consonância com o princípio da isonomia.

3.6. A soberania da Assembleia Geral de Credores e sua mitigação pelo

cram down

Problematizando o papel do poder judiciário na aplicação da Lei nº

11.101/2005, Carlos Henrique Abrão salienta que o judiciário deverá se comportar

criteriosamente dentro dos princípios legais estabelecidos pela legislação referida,

“disciplinando a moralidade do procedimento, a ética da informação e a transparência

no resultado de alcançar a viabilidade da empresa em estado de dificuldade”209.

206 GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. op. cit., p. 385-386. 207 VASCONCELOS, op. cit., p. 144. 208 Idem, p. 185. 209 ABRÃO, Carlos Henrique. O papel do Poder Judiciário na aplicação da Lei nº 11.101/05. In: OLIVEIRA, Fátima Bayma de (org.). Recuperação de empresas: uma múltipla visão da nova Lei: Lei nº 11.101/05 de 09.02.2005. – São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006, p. 52.

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Apesar de haver a presença do controle formal pelo magistrado, “o dirigismo

do procedimento dependerá do conhecimento e do canal de comunicação com os

órgãos, tais como a Assembleia de credores, o comitê e, diretamente, o Ministério

Público”210.

Ainda que a Assembleia Geral de Credores tenha sua soberania assegurada

pela legislação, há uma alternativa também resguardada ao juízo que permite ao juiz

conceder a recuperação judicial mesmo ocorrendo o caso da hipótese de o plano não

ter obtido o número de votos necessários à sua aprovação na forma expressa pelo

artigo 55 se, conforme Negrão, alcançar cumulativamente na Assembleia:

a) o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à Assembleia, independentemente de classes;

b) a aprovação de duas classes de credores nos termos do art. 45, se houver mais de duas classes votantes, e de uma classe, se forem apenas duas votantes;

c) o voto favorável de mais de um terço dos credores na classe que houver rejeitado o plano, respeitada a forma de computação dos votos prevista nos

§§ 1º e 2º do art. 45.211

Esses casos são denominados pela doutrina como cram down, um instituto

norte americano previsto no Bankruptcy Code, no qual a “expressão foi cunhada pela

doutrina do país do norte para regular o ato de ‘o juiz impor aos credores discordantes

o plano apresentado pelo devedor e já aceito por uma maioria’”212.

Ainda nesse sentido, salienta Marlon Tomazette:

A Lei reconhece a possibilidade de outra maneira bem significativa (maioria de todos os créditos e maioria das classes) ser considerada suficiente para a aprovação do plano, desde que não haja tratamento diferenciado na classe que não o aprovou. Não sendo possível ter a aprovação de todas as classes, a aprovação da maioria das classes e da maioria de todos os créditos é considerada suficientemente expressiva para que se considere o plano aprovado. A ideia é buscar sempre que possível a aprovação do plano,

210 Idem, ibidem. 211 NEGRÃO, Ricardo. op. cit., p. 211. 212 Idem, ibidem.

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permitindo a continuação da atividade, desde que haja a concordância de

uma parte expressiva de credores.213

Ora, ainda que o ponto seja resguardar a aprovação do plano, quase que em

um movimento de resguardo à manifestação de uma vontade majoritária, é preciso

fazer a ressalva de que não se trata tão-somente de tutelar a maioria sem levar em

consideração as particularidades, isto é, sem atentar-se para a massa de credores

que compõe a parte minoritária. Leva-se em consideração a maioria, porém sempre

tendo como norte tutelar a todos os integrantes das classes de credores.

Segundo Tomazette, ao tratar dessa forma alternativa de aprovação do plano

de recuperação, a legislação afirma indiretamente que “o juiz ‘poderá conceder a

recuperação’ se cumpridos os requisitos já mencionados. O uso da expressão poderá

conceder nos levaria a crer em um poder discricionário do juiz, no sentido de

considerar ou não o plano aprovado”.214

Seguindo sua argumentação, o autor assevera que parte da doutrina chega a

afirmar que essa modalidade de aprovação alternativa seria justamente o cram down

Brasileiro, “no sentido de representar a possibilidade de o juiz impor aos credores a

aceitação do plano”.215

Tomazette, pelo contrário, não concorda com essa noção de que configuraria

uma espécie de poder discricionário do juiz, como fica claro na seguinte passagem:

A nosso ver, porém, não se pode vislumbrar um poder discricionário do juiz nesse caso. Não se trata de uma simples escolha subjetiva do juiz sobre a conveniência e a oportunidade da recuperação judicial, mas da verificação do cumprimento de certos requisitos objetivos de aprovação do plano. Mesmo o uso da expressão poderá conceder não afasta o juiz da necessidade de seguir a vontade da maioria expressiva dos credores. Não se quer atribuir ao juiz um poder meramente homologatório, mas sim reconhecer a prevalência

da vontade dos credores e do fim social a que se destina a Lei.216

213 TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 291-292. 214 TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 292. 215 Idem, ibidem. 216 Idem, ibidem.

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Nesse sentido, acredita o doutrinador que a obediência aos requisitos do

artigo 58 da Lei em análise impõe ao juiz a aceitação do plano e, em virtude desse

fato, poder-se-ia concluir que “estamos diante de uma forma de aprovação alternativa

do plano e não do típico cram down, pois neste instituto o juiz manda cumprir um plano

que não foi aprovado, o que não se enquadra na hipótese em análise”217, pois no caso

do referido artigo trata-se de aprovação expressiva do plano e não de sua rejeição

completa.

Contudo, é preciso fazer a ressalva de que esse é um ponto controverso, ou

seja, há divergências quanto a essa interpretação de Tomazette de que não se teria

propriamente o cram down, citando-se, por exemplo, Erasmo Valladão França, que

argumenta que essa modalidade do cram down Brasileiro é justamente o instituto que

permite que “mesmo que o plano não obtenha a aprovação de todas as classes de

credores, o juiz poderá conceder a recuperação judicial, se preenchidos os requisitos

estipulados nos §§ 1.º e 2.º do art. 58”218, algo que se verifica inclusive em

entendimentos jurisprudenciais219.

A expressão cram down, empregada pela doutrina norte-americana para

designar a possibilidade de o juiz, desde que observados os requisitos legais, impor

o plano a uma classe de credores por ele afetada (impaired class) a despeito da

objeção desta, deriva, segundo França, “da fórmula adotada em algumas decisões

judiciais no sentido de que o plano é empurrado garganta abaixo dos seus objetores

(crammed down the throats of the objectors)”220.

217 Idem, ibidem. 218 FRANÇA, Erasmo Valladão. Da Assembleia-Geral de credores. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. Lei 11.101/2005. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 217. 219 Segue Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Agravo de Instrumento. Falência.

Plano de Recuperação Judicial. Alegação de omissão quanto à fixação da forma de incidência de encargos ao valor a ser pago. Não infringência ao artigo 54 da Lei de Quebras. Atendimento do prazo estabelecido em Lei para pagamento de créditos trabalhistas ou decorrentes de créditos oriundos de acidente do trabalho. Aplicação do instituto do ‘cram down’. Decisão mantida. (TJ-RS, AI n. 70018219824, 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul)”. Segundo o entendimento, a decisão pela aplicação do cram down afastando a rejeição do plano pelo credor único, minoritário para não prejudicar a maioria, restou correta e bem fundamentada, inclusive com inspeção pessoal do decisor na empresa. 220 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Seção IV. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 278.

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Segundo argumenta Eduardo Secchi Munhoz, a supressão do veto e a

aprovação – forçada – do plano “garganta abaixo de classe de credores, ou mesmo

do devedor, justifica-se exatamente nas situações em que a rejeição do plano

importaria na violação da função social da empresa, privilegiando o interesse pessoal

de uma das partes no processo”.221

De uma perspectiva voltada para a função social da empresa e, por consequência, para a tutela dos diversos interesses em jogo em torno dela, que vão muito além do interesse dos seus sócios e administradores, seria de se admitir a aprovação de um plano de recuperação que se demonstrasse viável economicamente e que, além disso, contasse com o amplo apoio do conjunto de stakeholders (credores, trabalhadores etc.), ainda que o devedor (ou, melhor dizendo, sócios ou administradores do devedor) discordasse de sua implantação. Ao vedar essa possibilidade de forma absoluta, exigindo que o plano eventualmente modificado pela Assembleia geral conte necessariamente com a anuência do devedor, a Lei Brasileira pode levar a soluções incompatíveis com a função social da empresa. Assim, entre proteger o interesse pessoal do empresário (sócios ou administradores do devedor) e salvar a empresa (havida como centro de múltiplos interesses), a

Lei Brasileira preferiu a primeira solução.222

Conforme argumenta Abrão, ao passo que na legislação norte-americana se

observa maior concessão de poderes ao magistrado, a legislação Brasileira “na

realidade resultou na diminuição dessa capacidade funcional, somada à recuperação

extrajudicial, mas isso não desestimula o aperfeiçoamento e o aprimoramento da

máquina judiciária como um todo”223.

Cumpre ao Judiciário um papel macro no encaminhamento do plano, na aceitação das propostas, na redução dos conflitos, na prevenção de litígios e, acima de tudo, conhecimento plural do sistema de funcionamento do negócio empresarial, saindo do formalismo e da rotina burocrática dos despachos para atingir a efetividade daquilo que prestigia a sociedade empresária. Mantém-se a hegemonia da decisão, o interesse público da empresa e a conciliação dos interesses em disputa por intermédio da atividade jurisdicional combinada com o termômetro dos órgãos que monitoram a crise e o Ministério Público, que fiscaliza seus passos,

coadjuvando todos em prol da manutenção da atividade econômica.224

221 Idem, ibidem. 222 Idem, ibidem. 223 ABRÃO, Carlos Henrique. op. cit., p. 54. 224 ABRÃO, Carlos Henrique. op. cit., p. 54.

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Não se trata de violação ou relativização arbitrária da soberania da

Assembleia Geral de Credores para deliberar sobre o que é mais conveniente entre a

quebra ou aprovação do plano, mas sim de garantir a efetividade da recuperação

judicial.

O ponto central é que nem todos deixarão de lado seus interesses privados

para atingir a finalidade última da recuperação consciente, isto é, de maneira que não

puna a empresa, mas que, pelo contrário, leva-se em consideração sua função social

na geração de empregos e movimentação da economia.

Ora, é justamente nesse sentido que se buscou positivar – via direito

comparado – o instituto que possibilita o cram down, quer dizer, da possiblidade de

superar a vontade dos credores ou do devedor em determinadas ocasiões. Para

Munhoz, “a Lei pode, e deve, prever a possibilidade de o juiz aprovar o plano de

recuperação, superando o veto imposto por uma determinada classe de credores”225.

Todavia, ainda que haja argumentação no sentido de dizer que o cram down

mitiga a soberania da Assembleia, alguns autores questionam os critérios objetivos

para a atuação do juiz, ou seja, argumentam que o cram down Brasileiro limita em

muito a atuação do juiz na busca por aprovar o plano ainda que a Assembleia geral

não o faça, como aduz Milton Barossi Filho:

[...] o cram down da legislação Brasileira, ao limitar os poderes do juiz, adota um critério de superação do veto em classes de credores, contabilizando voto e acrescendo-se apenas exigências de tratamento uniforme nas relações horizontais da classe que rejeitou o plano. Sendo assim, afasta-se dos princípios de legislações outras, em que predominam conceitos e ideias que facilitam a boa intervenção do juiz na superação do veto.226

225 MUNHOZ, Eduardo Secchi. op. cit., p. 278. 226 BAROSSI FILHO, Milton. Lei de recuperação de empresas: uma análise econômica baseada em eficiência econômica, preferências e estratégias falimentares. EARL, Brasília, v. 2, n. 1, jan./jun. 2011, p. 33.

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Segundo o entendimento do autor, com o advento da legislação específica

objeto de análise muda-se o cenário no sentido de, “com a especialização das varas,

informatização dos serviços, integração dos cartórios, dinâmica do procedimento,

agilidade nas deliberações, efetividade dos recursos”227 e assim por diante, tem-se

um Judiciário mais preparado para a solução de crises que afligem as empresas.

Com isso, tem-se um novo papel destinado ao judiciário, qual seja, o de

pacificar os conflitos, aparando “as arestas, reduzir a litigiosidade entre os credores,

buscando uma integração entre os diversos órgãos da recuperação e os critérios

avançados de repercussão no direito intertemporal, mantendo-se a segurança das

relações econômicas”228.

Projeta-se um Judiciário desenvolvimentista, que ampara a empresa em crise, respalda o plano, assegura sua execução, permite o livre debate, saindo do panorama de mero espectador da insolvência, em que assistia rumar à quebra. Agora ele exerce uma atividade-meio de buscar a superação do impasse e outra atividade-fim, de colher o resultado de saneamento concatenado com uma nova empresa que advirá. Unidos todos os magistrados brasieiros em torno da questão da recuperação empresarial, dotados de uma justiça social priorizada, alojados os recursos de infra-estrutura e conscientização do material humano indispensável à consecução da tarefa, teremos a formatação de um Poder Judiciário do século XXI que, sabedor das limitações orçamentárias e da responsabilidade fiscal, não medirá esforços para o exercício de uma atividade compatível com a tendência universal de preservação da empresa em compasso com a ordem neo-liberal, ditando um mecanismo da globalização, respingando fortemente

nas economias de países em desenvolvimento.229

Entretanto, é preciso fazer a ressalva de que a finalidade não é assegurar a

maximização da riqueza – garantindo isso via forma jurídica, ou seja, pelas instituições

e pelo ordenamento jurídico –, mas sim assegurar a todos, sem exceção, uma

existência digna, conforme postulação constitucional (vide, por exemplo, artigo 170 da

Constituição Federal). Assim sendo, deve-se sempre visar a justiça social, por isso

fala-se em função social da empresa, pois que tem diretamente impacto na efetivação

dessa justiça social e, ao mesmo tempo, gerar lucros a seus gestores. A partir desses

227 ABRÃO, Carlos Henrique. op. cit., p. 54. 228 Idem, p. 55. 229 Idem, ibidem.

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questionamentos, Marlon Tomazette defende, com precisão, o instituto do cram down

Brasileiro, como se verifica em sua argumentação:

[...] deve-se entender possível a imposição do plano de recuperação judicial aos credores desde que não haja uma discriminação injusta, desde que se atenda ao melhor interesse dos credores e desde que o plano seja justo. Caberá não ao arbítrio, mas ao convencimento do juiz, a identificação desses critérios nos casos concretos para a aplicação de um cram down no Brasil, pelos benefícios que tal instituto traz. [...] “é hora de superar o dualismo soberania do juiz versus soberania dos credores, que se tornou anacrônico no direito falimentar contemporâneo, em vista do consenso em torno da ideia de que o sistema deve procurar conciliar o papel do juiz, do devedor e dos credores na produção de soluções que atendam a função pública do direito

da empresa em crise”.230

A dificuldade reside em encontrar um equilíbrio entre a força estabelecida

entre a soberania do juiz e a soberania da Assembleia de credores, tendo sempre

como fundamento “o princípio do devido processo legal, contraditório,

proporcionalidade, isonomia e função social da empresa”.231

Comentando sobre a Lei nº 6.404/1976, promulgada ainda sob o regime da

Ditadura Militar, que prescreve e postula a função social, salienta Mauro Rodrigues

Penteado:

Apesar de o referido diploma legal disciplinar as sociedades por ações, dúvidas não ensombram, (i) que o enunciado transcrito aplica-se a toda e qualquer atividade empresarial, exercida individualmente ou através de qualquer outra forma societária; (ii) e que o elenco de interesses extra societários que a atividade empresarial “deve lealmente respeitar e atender” não se esgota naqueles polos referidos no dispositivo, pois unidade produtiva geradora de riquezas que é, a empresa, atuando em seguros quadros constitucionais e legais (traduzidos nas expressões em moda, “marcos legais” ou “regulatórios”), criados pela sociedade através do Congresso Nacional, não mais pode pautar-se por interesses exclusivamente egoísticos e na procura obsessiva e predatória de lucros, cabendo-lhe também atender, e por força da Constituição, os direitos dos consumidores, o regime de livre concorrência, a preservação do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural do País etc. Em razão dessa função de grande relevo é que a nova Lei estrutura mecanismos que conduzam à sua preservação, superando as

230 TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 298. 231 VASCONCELOS, Ronaldo. Princípios processuais da recuperação judicial. 2012. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2012, p. 167.

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naturais crises econômicas e financeiras pelas quais venha a passar o devedor empresário. Não se trata, como é óbvio, de uma visão política diferenciada do papel da atividade empresarial, posto que hoje em dia todos os países civilizados, independentemente do regime político que adotam, já incorporaram esses valores, desde o período histórico que sucedeu os primórdios do capitalismo e o transformou, a partir das décadas iniciais do século XX. Mas a quem compete dizer se a empresa está ou não cumprindo adequadamente sua função social, ou se devem ou não ser adotadas medidas próprias para que se mantenha como eixo produtor de riquezas, mesmo ao enfrentar dificuldades críticas? No caso da Lei 11.101/2005 parece que tão importante decisão caberá apenas aos credores, e esse é um aspecto sobre o qual cabem considerações mais detalhadas, pois a discussão de que

resultou a opção legislativa é velha de quase um século entre nós [...].232

Ao estabelecer os objetivos da recuperação judicial, o artigo 47 da referida

legislação dispõe que o instituto visa a viabilização da superação da situação de crise

econômico-financeira do devedor, visando permitir a manutenção da fonte produtora

e geradora de empregos, quer dizer, promovendo, com isso, a preservação da

empresa, sua função social e, mais ainda, o estímulo à atividade econômica.

Sucede que o Plano de Recuperação, que deve ser apresentado pelo devedor (art. 53), tem sua apreciação a cargo do exclusivo alvedrio dos credores, que o aprovam tacitamente (art. 55, c.c. art. 58), ou sobre ele deliberam em Assembleia-Geral, que poderá aprová-lo, rejeitá-lo ou modificá-lo (art. 35, inc. I, a), podendo inclusive rejeitar a desistência do devedor ao pedido de recuperação, mesmo que tenha ele superado suas dificuldades econômico-financeiras após o deferimento de seu processamento (art. 35, inc. I, d, c.c. art. 52, § 4.º).

A discussão sobre o princípio da soberania dos credores no mecanismo concursal [...] não é nova, sendo muitos os pensadores e juristas de tomo que

a ele se opuseram.233

No processo de escolha os credores também precisam fazer a avaliação da

possibilidade de o plano não ser aprovado em Assembleia, reunindo cumulativamente

todos os requisitos legais necessários para ser apreciado pelo juiz. Assim, seria muito

232 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Credores, Assembleia-Geral de Credores e função social da empresa devedora. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 73. 233 Idem, ibidem.

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difícil, segundo interpretação de Oksandro Osdival Gonçalves e Felipe de Poli de

Siqueira234, “que o juiz decida pela falência, porque os critérios estabelecidos estão

tão próximos daqueles previstos para a aprovação em Assembleia que o farão decidir

pela recuperação judicial”, haja vista a amplitude do princípio da preservação da

empresa.

A alteração ou questionamento pelo judiciário das deliberações da

Assembleia geral somente devem ocorrer em casos excepcionais, conforme Coelho,

como por exemplo em caso de abuso de direito do credor “em condições formais de

rejeitar, sem fundamentos, o plano articulado pelo devedor”.235

No que tange à soberania da Assembleia e o do juiz, Gonçalvez e De Siqueira

argumentam que a legislação deveria ser simples e dinâmica no sentido de, “não

obtida a aprovação, o juiz poderia força-la, desde que haja a necessidade de tutelar o

interesse social, que de alguma forma foi prejudicado pela vontade de um ou alguns

dos credores oportunistas”236. Assim, em se tratando da superação da crise, sendo a

empresa economicamente viável, a recuperação deve ser autorizada, tentando ao

menos atingir a maximização dos interesses da coletividade – implicando em uma

análise utilitarista da recuperação judicial da empresa –, invocando o princípio da

razoabilidade237 na análise do resultado da deliberação realizada pela Assembleia

geral de credores, ainda que “a Lei fornece critérios objetivos que podem engessar a

escolha judicial e impedir a recuperação de empresa viável economicamente”.238

234 GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. op. cit., p. 378. 235 COELHO, Fábio Ulhôa. op. cit., p. 235. 236 GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. op. cit., p. 388. 237 Cf. BAROSSI FILHO, Milton. op. cit., p. 31. 238 GONÇALVES, Oksandro Osdival; DE SIQUEIRA, Felipe de Poli. op. cit., p. 388.

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CAPÍTULO 4. A ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E SUA APLICAÇÃO

PRÁTICA EM CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS QUE REGEM A LEI DE

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

4.1. As matérias de competência da Assembleia Geral de Credores

Enquanto órgão deliberativo, a Assembleia tem por competência expressar a

vontade da massa de credores, quer dizer, representar a vontade coletiva interpretada

como vontade unitária e unívoca do grupo de modo a vincular inclusive eventuais

credores ausentes.239

No que tange às matérias de competência exclusiva da Assembleia Geral de

Credores, argumenta Tomazette:

Na recuperação judicial, a Assembleia de credores tem competência para deliberar sobre o pedido de desistência do devedor, formulado após a decisão que deferiu o processamento da recuperação (Lei nº 11.101/2005 – art. 52, § 4º). Tal desistência só é possível se os credores concordarem. Assim, o que a Assembleia fará nesse caso é manifestar a concordância ou discordância sobre a desistência. Há algo muito similar à concordância do réu (massa de credores) com a desistência. Além disso, há a atribuição para deliberar sobre

o nome do gestor judicial no caso de afastamento do devedor.240

Nos casos de afastamento do devedor, devidamente prevista e positivada no

art. 65, da Lei nº 11.101/2005, terá a Assembleia competência para deliberar sobre a

escolha do gestor judicial.

Aliás, verifica-se que há a competência para deliberar sobre a aprovação ou

rejeição do plano de recuperação, ainda que haja a possibilidade de aprovação tácita

do plano em caso de não apresentação de qualquer oposição dos credores no prazo

legal, dispensando-se a realização formal da Assembleia, visto que a vontade da

massa fora tacitamente manifestada.

Segundo destaca Marlon Tomazette, “a Assembleia tem competência apenas

para aprovar ou rejeitar o plano de recuperação, não podendo impor modificações. O

239 Cf. TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 205. 240 Idem, ibidem.

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máximo que os credores podem fazer é propor alterações ao plano”241. Nesse sentido,

a previsão expressa no artigo 35 da referida Lei quanto à competência para deliberar

sobre modificação do plano, o autor chama a atenção de que deve-se entender a

competência para justamente propor essas alterações.

Na falência, a Assembleia de credores tem competência para deliberar sobre

a adoção de formas alternativas de realização do ativo, nos termos do artigo 145 da

Lei nº 11.101/2005. Em outras palavras, os credores podem decidir por uma forma

distinta de alienação dos bens do falido. Neste caso, a decisão dos credores é

impositiva, desde que seja atendido o quórum de deliberação, isto é, se contar com o

voto favorável de credores que representem 2/3 (dois terços) dos créditos presentes

à Assembleia.

Tanto na falência, quanto na recuperação judicial, a Assembleia de credores tem competência para deliberar sobre a constituição do comitê de credores, bem como sobre a escolha e substituição dos seus membros. Em última análise, a Assembleia terá competência para indicar os representantes dos credores que atuarão de forma mais constante. Por derradeiro, também em ambos os processos, atribui-se à Assembleia a competência para deliberar sobre qualquer matéria que possa afetar os interesses dos credores. Trata-se de uma cláusula geral que visa a assegurar a participação dos credores

sempre que for possível.242

A análise do plano de recuperação – que constitui o elemento mais importante

do processo de recuperação judicial, segundo Ronaldo Vasconcelos243 – é

competência exclusiva da Assembleia geral de credores, pois depende do plano “a

realização ou não dos objetivos precípuos do instituto da recuperação, quais sejam, a

preservação da atividade econômica e o cumprimento de função social da empresa

(LRF, art. 47)”244.

Segundo o autor, verifica-se a importância central do plano de recuperação

na medida em que se o plano for consistente, há efetivamente chances de “a empresa

se reestruturar e superar sua crise. Por outro lado, se o projeto for inconsistente,

241 Idem, p. 206. 242 TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 206. 243 Cf. VASCONCELOS, op. cit., p. 129. 244 VASCONCELOS, op. cit., p. 129.

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tenderá a cumprir mera formalidade processual e o futuro desse processo de

recuperação judicial certamente será a decretação da quebra”245.

[...] um bom plano de recuperação não é, por si só, garantia absoluta de reerguimento da empresa em crise. Fatores macroeconômicos globais ou nacionais, acirramento da concorrência no segmento de mercado ou mesmo imperícia na sua execução podem comprometer a reorganização pretendida.

No entanto, se ao menos se impuserem instrumentos objetivos de incentivos para a efetiva participação dos sujeitos do processo no conclave, tal qual a regra do best-interests-of-creditors de inspiração norte-americana, poderíamos adotá-la como ponto de partida para a obtenção do referencial mínimo daquilo que deve ser oferecido aos credores da devedora nas sessões de mediação prévias à efetiva e eventual deliberação em

Assembleia geral de credores.246

Conforme Erasmo Valladão França, como a Lei nº 11.101/2005 criou órgãos

diversos com funções distintas “para agir em prol do interesse coletivo dos credores

[...], suas competências, salvo disposição expressa em contrário, são indelegáveis”247.

Em casos de divergência ou eventual objeção apresentada por credor, há

disposição imperativa no qual o juiz deve convocar a Assembleia Geral, conforme

disposto em seu art. 56. Aqui se tem propriamente a competência da Assembleia na

recuperação judicial de aprovar, rejeitar ou modificar o plano de recuperação judicial

apresentado pelo devedor.

Não obstante, uma vez que o Comitê de Credores configura órgão facultativo,

sua constituição se dá necessariamente pela Assembleia Geral de Credores, porém

excepcionalmente a “escolha e a substituição dos membros do Comitê [...] pode se

dar independentemente de Assembleia (art. 26, § 2º)”248.

Pode-se haver pedido de desistência do plano de recuperação judicial, bem

como quando do afastamento do devedor, o nome do gestor judicial e, ainda, é de sua

estrita competência deliberar e intervir sobre qualquer outra matéria que possa direta

ou indiretamente afetar os interesses dos credores, por isso a importância de se

estabelecer competências e colocar a Assembleia como titular de um papel central

nos questionamentos a respeito da recuperação judicial.

245 Idem, ibidem. 246 VASCONCELOS, op. cit., p. 129-130. 247 FRANÇA, Erasmo Valladão. op. cit., p. 197-198. 248 Idem, p. 198.

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4.1.1. A possibilidade da Assembleia Geral de Credores deliberar sobre

prorrogação do stay period

De início, cumpre esclarecer o conceito doutrinário denominado de stay

period, isto é, o prazo de 180 (cento e oitenta) dias no qual se suspende o curso de

todas as eventuais ações e execuções propostas em face do devedor, contados a

partir do deferimento do processamento da recuperação judicial.

Esse prazo é tomado como fundamental para o sucesso da recuperação

judicial, na medida em que nesse período já se terá em regra ocorrido a Assembleia

geral de credores, e suas respectivas deliberações, resultando na restauração – o

ponto a ser buscado propriamente – da situação da empresa outrora em situação de

crise.

Essa suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções em

face do devedor tem sua previsão no artigo 6º, caput, da Lei nº 11.101/2005, e tem

como objetivo promover o tratamento conjunto de todas as questões que envolvem a

empresa em crise, “o que só se torna possível com a suspensão das ações e

execuções e, no caso específico da recuperação judicial, permite que a devedora

tenha um período de fôlego para sua reorganização”249.

Essa suspensão é benéfica tanto ao devedor quanto aos credores, vez que

“assim como o primeiro ganha um espaço de tempo para reorganizar-se, os últimos

terão a segurança de que credores da mesma natureza não receberão com prioridade,

em ações individuais propostas anteriormente”250, o que evita a desvalorização dos

ativos do devedor.

Contudo, com o advento da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, ou seja,

do novo Código de Processo Civil, houve significativa alteração na forma de contagem

de prazos processuais, situação na qual suscitou debate no que tange a seus reflexos

no procedimento da recuperação judicial, quer dizer, se o prazo de cento e oitenta

249 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira; DEZEM, Renata Mota Maciel. A Contagem dos Prazos da

Lei n. 11.101/05 a Partir da Vigência do Novo Código de Processo Civil. Revista Thesis Juris, v. 5, n. 3, 2016, p. 836. 250 Idem, ibidem.

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dias de suspensão das ações e execuções em face do devedor deveria ser contado

em dias corridos ou em dias úteis.

Muito embora a Lei nº 11.101/2005 apresente vários prazos em seus

procedimentos, no que tange à recuperação judicial, não apresenta regra específica

à forma de contagem desses prazos. O artigo 189, conforme bem lembra Manoel de

Queiroz Pereira Calças e Renata Mota Maciel Dezem, “dispõe que se aplica a Lei nº

5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, no que couber, aos

procedimentos nela previstos”251. Assim, continuam os autores:

Nesse contexto, pode-se extrair a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil em relação ao modo de contagem dos prazos processuais e, uma vez revogado o diploma processual civil de 1973, até mesmo por força do disposto no artigo 1.046, § 4o , do novo Código de Processo Civil, aplicar-se-ia a nova forma de contagem dos prazos processuais previstos no procedimento da recuperação judicial, nos moldes do artigo 219 do mesmo

Código.252

Após fazer digressão a respeito da diferença entre prazos materiais e

processuais, tendo como mote a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil

aos microssistemas, os autores questionam se o prazo de cento e oitenta dias de

suspensão das ações e execuções devesse ser contado em dias corridos, enquanto

os prazos processuais para publicação de editais e convocação de Assembleia

devesse ser contado em dias úteis, chegando a conclusão de que “nada adiantaria o

período de suspensão, porque estaria dissonante do andamento do procedimento de

recuperação judicial. A prorrogação do prazo de suspensão, que deveria ser exceção,

inevitavelmente viraria regra”253, nesse contexto.

Ainda nesse sentido, argumentam:

A preservação da empresa e a própria superação do estado de crise estariam ameaçadas, na medida em que a previsão de prazos, com destaque para o período de suspensão das ações e execuções contra a devedora, constitui verdadeiro sistema de proteção à disposição da devedora e, também, de seus

251 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira; DEZEM, Renata Mota Maciel. op. cit., p. 841. 252 Idem, ibidem. 253 Idem, p. 845-846.

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credores, que tem a segurança de que o procedimento de recuperação judicial tem prazo certo e, ressalvadas exceções decorrentes da complexidade do estado de crise ou de problemas estruturais dos ofícios judiciais para o andamento processual, não se protrairá no tempo, de forma indefinida, gerando crise de confiança e de credibilidade no mercado. Como solução, restaria a contagem de prazos de forma homogênea e em dias úteis, não porque constitua a forma mais cômoda, como afirmado acima, mas porque, nessas hipóteses, ainda que o processo seja prolongado no tempo, ainda assim haveria uma previsão de término, mantendo-se a lógica do

sistema de prazos previsto na Lei n. 11.101/05.254

Assim, em consequência do alargamento do prazo do procedimento de

recuperação judicial seria “a adoção de critérios ainda mais rígidos para análise dos

pedidos de prorrogação do prazo de cento e oitenta dias de suspensão das ações e

execuções contra a devedora, de modo a não comprometer a credibilidade do

instituto”255.

O questionamento acerca dos prazos processuais é de suma importância e,

conforme se reconhece em entendimentos jurisprudenciais256, a argumentação

trabalhada tem seu fundamento consubstanciada e reconhecida pelos tribunais, Leia-

se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. STAY PERIOD. Contagem de prazo de suspensão do art. 6º, §4º, da Lei n. 11.101/05, que deve ser feita em dias úteis de acordo com o art. 219 do CPC/15. O cômputo dos dias úteis contribui para a segurança jurídica ao estabelecer critério objetivo ao mesmo tempo em que favorece a eficiência da recuperação judicial e maior oportunidade para a recuperanda cumprir os atos processuais que visam à recuperação judicial em prol de sua própria preservação (art. 47 da Lei n. 11.101/05). Decisão mantida. Recurso improvido.

(TJSP; Agravo de Instrumento 2198137- 98.2017.8.26.0000; Relator (a): Hamid Bdine; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial;

254 Idem, p. 846. 255 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira; DEZEM, Renata Mota Maciel. op. cit., p. 848. 256 Ressalta-se, ainda, outro entendimento jurisprudencial que reconheceu a contagem de prazos em dias úteis: “Recuperação judicial. Decisão que determinou que a contagem do prazo de suspensão previsto no § 4º do art. 6º da Lei 11.101/2005 seja realizada em dias úteis. Agravo de instrumento de credor. Natureza eminentemente processual do "stay period", cabendo aplicar-se o disposto no art. 219 do CPC/2015, na linha da jurisprudência da 1ª Câmara de Direito Empresarial deste TJSP. Precedentes de outros Tribunais pátrios nesse sentido, em que pese a existência de respeitável corrente jurisprudencial em prol da contagem do prazo como disposto no Código Civil. Manutenção da decisão agravada. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TJSP; Agravo de Instrumento 2108896-16.2017.8.26.0000; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 26/10/2017; Data de Registro: 26/10/2017)”.

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Foro Central Cível - 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 01/11/2017; Data de Registro: 01/11/2017)

A contagem em dias úteis configura matéria ainda aberta em termos de

decisões jurisprudenciais, com isso, embora tenha gerado questionamentos no

período inicial da vigência do então novo Código de Processo Civil, tem-se ainda muito

a discutir sobre o assunto, vez que há também decisões no sentido de manter em dias

corridos, afastando a aplicabilidade de contagem de prazo em dias úteis, conforme

entendimento da Segunda Câmara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo: .

Recuperação Judicial. "Stay period". Suspensão das ações e execuções em face do devedor prevista no §4º do art. 6º da Lei nº 11.101/2005. Prazo de natureza material. Contagem que se faz em dias corridos e não úteis. Inaplicabilidade do caput do art. 219 do Código de Processo Civil. Entendimento adotado pela Câmara. Decisão reformada para determinar a contagem em dias corridos. Recurso provido.

(TJSP; Agravo de Instrumento 2102149-50.2017.8.26.0000; Relator (a): Araldo Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 30/10/2017; Data de Registro: 31/10/2017).

Ademais, outro entendimento que mantém a linha de interpretação – ainda

questionável – de aplicação da contagem em dias corridos:

Recuperação judicial. Contagem do prazo do stay period previsto no art. 6º, § 4º da Lei nº 11.101/2005. Prazo de natureza material. Contagem que deve ocorrer em dias corridos e não em dias úteis. Inaplicabilidade do art. 219 caput do CPC/2015. Precedentes desta C. Câmara. Decisão reformada. Agravo provido.

(TJSP; Agravo de Instrumento 2109116- 14.2017.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 22/09/2017; Data de Registro: 22/09/2017)

Diante do exposto, ainda que a argumentação apresentada pelos dois Autores

mobilizados supra seja muito convincente, percebe-se que há divergências quanto ao

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modo de se estabelecer a contagem de prazos do stay period, havendo debates

doutrinários257 e jurisprudenciais quanto ao tema. Certamente tais questionamentos

terão tratamento nas Cortes Superiores, definindo um norte interpretativo para sua

aplicação.

Isto posto, no que concerne à possibilidade de a Assembleia Geral deliberar

diretamente a respeito da prorrogação desse prazo de cento e oitenta dias,

denominado na doutrina de stay period, percebe-se que o entendimento dos Tribunais

caminha no sentido de somente não descaracterizar a prorrogação do prazo em casos

determinados no qual se apresenta justificativa séria e fundamentada.

Todavia, buscando-se o consenso e vias pacíficas para resolver todo o

procedimento entre credores e devedores, pode ocorrer de os próprios credores

deliberarem em favor da prorrogação do prazo, o que implica diretamente em uma

harmonia entre todos os envolvidos, pois, como ressaltado em vários momentos, trata-

se de inúmeros interesses em questão, interesses estes que, salvo exceções, sempre

caminham em torno de si próprio e não no sentido de buscar o bem coletivo – como

deveria ser.

4.1.2. A possiblidade da Assembleia Geral de Credores deliberar sobre a

essencialidade dos bens objeto de alienação fiduciária em garantia

De início, cumpre ressaltar que a alienação fiduciária em garantia ocorre na

hipótese em que o devedor transmite ao credor a propriedade de determinado bem,

por exemplo, sob a condição resolutiva do pagamento da obrigação garantida,

reservando-se a posse direta. Significa dizer, portanto, que o devedor “aliena para o

credor um bem, que ele adquiriu ou que já constava do seu patrimônio, em garantia

257 Cita-se, dentre outros, texto de jornal de André Pagani de Souza sobre o debate: “Nesse sentido, em artigo publicado no jornal “Valor Econômico” de 31.05.2016 sob o título “A recuperação judicial e o novo CPC”, ensina o mestre Manoel Justino Bezerra Filho que “(...) já o prazo previsto no parágrafo 4º do art. 6º, embora material (ou misto), depende, sem dúvida, da contagem de outros prazos de natureza processual e, por isto, este seria o típico prazo material relativo, pois será completado a partir de uma séria de atos processuais, para os quais o prazo será contado em dias úteis”. Assim, o que se propõe é que o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º da LREF seja contado em dias úteis pois tem natureza mista e, apesar de impactar no direito material, foi criado pelo legislador para tornar possível a prática de uma série de atos processuais dentro dos 180 (cento e oitenta dias)”. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI259327,11049-Natureza+do+prazo+de+180+dias+de+suspensao+das+acoes+e+execucoes>. Acesso em: Fev. 2018.

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de determinada obrigação. Caso a obrigação seja paga, o credor poderá fazer recair

os seus direitos sobre o bem”258, que está na sua propriedade e que fora dado em

garantia.

Pois bem. Como vimos, na sistemática na legislação atual, “estão sujeitos à

recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não

vencidos”259.

Contudo, em se tratando do credor que goza da posição de proprietário

fiduciário de bens, sejam eles móveis ou imóveis, segundo dispõe o parágrafo 3º, do

art. 49, da Lei 11.101/05260, tais créditos não serão submetidos aos efeitos da

recuperação judicial, vez que os direitos de propriedade e as condições contratuais

destes casos prevalecem.

Isto é, nas situações em que os bens são gravados de alienação fiduciária,

“afasta-se a incidência da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de

propriedade sobre a coisa e as condições contratuais”261.

Com efeito, convém salientar que na hipótese de restar demonstrado pelo

devedor que os referidos bens alienados fiduciariamente são gravados de

essencialidade, ou seja, que são eminentemente necessários à continuidade das

atividades regulares da empresa recuperanda, tais credores não podem exercer seus

direitos de retirar os aludidos bens do estabelecimento do devedor até o prazo 180

(cento e oitenta) dias a contar da data do deferimento do plano recuperatório262.

Ora, basta ter à frente que, em sendo o processamento da recuperação

judicial concedido à empresa que passa por crise financeira, mas possui viabilidade

para se reerguer, retirar de sua propriedade bens a ponto de inviabilizar seus

negócios, vai fortemente contra a própria finalidade da recuperação263.

258 TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 561. 259 Artigo 49, caput, da Lei 11.101.05. 260 § 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/l11101.htm>. Acesso em: Abril/2018. 261 TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 120. 262 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Op. Cit., p. 163 263 Idem, ibidem.

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Melhor dizendo, nenhum dos bens da empresa recuperanda que forem objeto

de alienação fiduciária (ou até mesmo arrendamento mercantil ou com reserva de

domínio), estarão englobados pela recuperação judicial264. E quando os bens

garantidos por alienação fiduciária forem essenciais à continuidade das atividades

regulares da empresa recuperanda, após apresentados ao juízo recuperacional, há a

proibição da retirada desses bens do patrimônio da empresa.

Isto porque, conforme aduz Manoel Justino Bezerra Filho265:

Ficará extremamente dificultada qualquer recuperação se os maquinários, veículos, ferramentas etc., com os quais a empresa trabalha e dos quais depende para seu funcionamento, forem retirados. O texto da Lei refere-se a “bens de capital essenciais a atividade empresarial”; qualquer bem objeto de alienação fiduciária, arrendamento mercantil ou reserva de domínio deve ser entendido como essencial à atividade empresarial, até porque adquirido pela sociedade empresária somente por ser destinado à atividade exercida pela empresa.

Não obstante, segundo Bezerra Filho266 “este caráter de essencialidade, em

caso de empresa em recuperação, deve permitir um entendimento mais abrangendo

que aquele normalmente aplicado”, ao passo que somente garantindo os subsídios

mínimos necessários à continuidade da empresa, é que a recuperando será

possibilitada de cumprir efetivamente o plano recuperatório proposto.

O caráter da defesa dos direitos dos credores, embora essencial ao exercício

legal da recuperação judicial, não deve aniquilar os mecanismos que o devedor possui

para recuperar-se, pois, “em última análise, os credores em tais situações estão

protegidos, mas não a ponto de inviabilizar a própria recuperação da empresa”267.

Em verdade, faz-se mister que a cada caso, especificamente, o juízo universal

analise as comprovações que fundamentam a concessão ou não do benefício legal

de não ter o devedor determinados bens retirados de sua utilização. Por certo,

incumbe a empresa apresentar provas literais de que os bens devem

imprescindivelmente continuar em sua posse para exercício regular das suas

264 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Op. Cit., p. 163. 265 Idem, Ibidem. 266 Idem, Ibidem. 267 TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 120.

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atividades, e, em caso de ausência de provas, é lícito que o juízo determine a retirada

da posse do devedor desses bens.

Foi este o entendimento adotado, inclusive, na conclusão do Agravo de

Instrumento n. 1.079.987-0/9, relatado pelo Des. Marcondes D’Angelo, conforme

segue:

Em vista da essencialidade do automóvel alienado fiduciariamente, não pode o mesmo ser retirado do estabelecimento comercial da agravante, sob pena de infringência ao §3º , in fine, do artigo 49, da Lei n. 11.101/2005. Portanto, como o bem alienado fiduciariamente é essencial às atividades comerciais desenvolvidas pela empresa-agravante e importante para ser bem sucedido seu processamento de recuperação judicial, deve ser mantido em poder da recorrente.268

Por fim, importante esclarecer, também, que o Superior Tribunal de Justiça

tem entendido que o simples decurso do prazo de 180 dias previsto na Lei, não

presume a possibilidade de automaticamente os bens tidos como essenciais serem

retirados da posse da empresa recuperando, do contrário, na oportunidade, caberá

ao juízo universal analisar as circunstâncias do caso concreto e decidir pela

continuidade ou não do processo de soerguimento da empresa269.

No fundo, para fins de evitar a prática de atos que comprometam a superação

da crise econômico-financeira da empresa em recuperação judicial, deve ser

analisado pelo juízo a questão da essencialidade do bem objeto de garantia fiduciária,

com fundamento no princípio norteador do direito recuperacional e falimentar – qual

seja, o da preservação da atividade empresarial.

4.2. A possibilidade de suspensão da Assembleia Geral de Credores

Na medida em que os trabalhos ocorram e, durante o conclave, o plano de

recuperação sofra alterações substanciais, por iniciativa dos credores ou da parte em

recuperação, a Assembleia pode ser suspensa por algumas horas, ou até mesmo por

alguns dias, para que todos os membros possam analisar minuciosamente todas as

268 COELHO, Fabio Ulhôa. Op. cit., p. 187. 269 Processo relacionado: REsp 1.660.893. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.2&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201700583409>. Acesso em Abril/2018.

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alterações e suas implicações. Além disso, caso após o início das deliberações o

conclave não chegue a um consenso, a Assembleia pode ser suspensa.

Cumpre ressaltar, que caso o plano de recuperação seja modificado de

maneira que a parte devedora tenha que aderir a certas alterações270, a suspensão

da Assembleia seria recomendável, para que assim, a parte em recuperação possa

dar início a adoção dos procedimentos apropriados.

Diante disso, pode se afirmar que, uma vez que não aja impedimento legal e

que a maioria simples dos credores decidirem a favor, a Assembleia pode ser

suspensa por alguns dias. Esta suspensão mostra-se de suma importância em alguns

casos, dado que pode contribuir que as decisões da Assembleia sejam melhor

refletidas e não tomadas no calor da discussão.

Segundo o que consta no artigo 42271 da Lei de Falência e Recuperação, o

quórum previsto para a suspensão da Assembleia é o quórum geral de deliberação,

melhor dizendo, se faz necessário que a maioria simples dos credores presentes

aprove a suspensão da Assembleia.

No que diz respeito ao quórum geral de deliberação, Coelho afirma que “o

quórum geral de deliberação é o de maioria, computada sempre com base no valor

dos créditos integrantes da instância deliberativa presentes na Assembleia”272, ou

seja, a decisão de suspensão da Assembleia não precisa necessariamente ser

aprovada pelo quórum qualificado exigido na aprovação do plano de recuperação,

uma vez que não há na Lei de Falência e Recuperação a previsão de quórum diverso.

Após longo trâmite processual, admitir a possibilidade de extinção da

recuperação judicial sem apreciação do mérito estimularia, segundo entendimento de

Munhoz, “o devedor e os credores a adotarem estratégias individuais egoísticas (que

visam apenas ao respectivo interesse individual), muitas vezes no sentido de protelar

o andamento do feito”273.

270 Um exemplo seria ter de criar um fundo com seus ativos para a satisfação dos créditos sob determinadas condições. 271 Dispõe o referido texto legal: “Art. 42. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à Assembleia-geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do inciso I do caput do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei.”. 272 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit., p. 107. 273 MUNHOZ, Eduardo Secchi. op. cit., p. 283

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O devedor poderia eventualmente usufruir do benefício da suspensão das

ações e execuções individuais “por 6 meses e, a partir daí, adotar como estratégia

estimular o impasse na Assembleia geral de credores, de tal sorte que, ao final, o

processo seja extinto sem apreciação do mérito”, no qual, por outro lado, “credores

interessados na retomada de sua ação ou execução individual também tudo fariam

para evitar uma deliberação – positiva ou negativa – sobre o plano”274. Esses credores

não mais teriam como finalidade a busca pela falência ou até mesmo a recuperação

judicial, preferindo, no entanto, os resultados que obteriam nas suas ações ou

execuções individuais.

4.3. A participação e o direito de voto do cessionário de crédito sujeito

a recuperação judicial

Há ainda uma corrente discussão acerca da participação do cessionário de

crédito nas deliberações da Assembleia geral, uma vez que talvez, esse cessionário

não tenha de fato interesse na recuperação da empresa, mas visaria apenas o

recebimento de seu crédito; aos que defendem tal hipótese, problematizam também

se na relação de credores apresentada pelo administrador judicial, realmente deveria

contar tais cessionários ou apenas os credores originais. Contudo, se faz necessário

destacar o entendimento de Paiva e Colombo acerca do mercado de cessão de

créditos, que afirmam que:

O mercado secundário de compra de créditos é muito expressivo na maioria dos países desenvolvidos. A experiência revela ser um mecanismo extremamente útil à implementação de diversos meios de recuperação de empresa em crise financeira. [...] É fato que as cessões poder ocorrer a qualquer tempo. Como visto anteriormente, é importante a preservação desse mercado secundário de créditos para o bom funcionamento dos

processos de recuperação de empresas em crise financeira.275

274 Idem, p. 283. 275 COLOMBO, Giuliano; PAIVA, Luiz Fernando Valente de. Recuperação judicial e cessão de créditos: a polêmica do direito de voto. Revista do Advogado. São Paulo, n. 105, 2009, p. 108-111.

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A existência do mercado de crédito seria, portanto, algo benéfico para o bom

funcionamento do mecanismo de recuperação judicial, visto que é esta que auxilia na

movimentação deste mercado secundário. Diante disso, o impedimento de voto de

cessionários de créditos resultaria na deterioração deste mercado de suma

importância, e sendo assim, afetaria negativamente a recuperação das empresas.

Em alguns casos específicos, o juízo monocrático interpretou que o

cessionário não tinha interesse real na recuperação da empresa e que por isso não

deveria ter direito a voto no conclave, uma vez que este direito de voto é

personalíssimo e não deveria ser o alvo da cessão. Porém, o entendimento que

geralmente prevalece em segunda instância é o de o cessionário é também credor e,

sendo assim, tem pleno direito a voto na Assembleia de credores, uma vez que,

segundo consta no dispositivo do Código Civil, “o credor pode ceder seu crédito, se a

isso não se opuser à natureza da obrigação, a Lei, ou a convenção com o credor”.

Diante disso, fica evidente que não há motivação firmada para censurar o

direito a voto do cessionário, uma vez que este também seria um titular de crédito

cedido e, sendo assim, credor. Cumpre ressaltar, que o direito a voto na Assembleia

Geral de Credores, decorre tão somente da situação jurídica de credor do sujeito.

Segundo o que se encontra no artigo 83 § 4º, há na Lei de Falências e

Recuperação apenas uma exceção acerca dos credores, em que: “os créditos

trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários”. Pode se afirmar

que o objetivo do legislador ao colocar tal artigo foi tão somente proteger os

empregados de um possível assédio, caso fosse formado uma espécie de mercado

de ações trabalhistas, em que estes acabariam sendo coagidos a vender seus créditos

de maneira seu valor fosse depreciado, nas palavras de Coelho:

Ao excepcionar a regra geral da transmissão da preferência, a Lei quer, na verdade, proteger o empregado. Ao determinar a reclassificação para baixo do crédito, ela praticamente inviabiliza a formação do mercado de aquisição dos créditos trabalhistas devidos na falência. Se a Lei não abrisse a exceção, especuladores teriam interesse em assediar os empregados credores para

deles adquirirem, com deságio significativo, o crédito.276

276 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit,. p.231.

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Em caso de cessão de crédito, desde que regularmente realizada, faz com

seja transferido ao cessionário o direito de voto nas Assembleias de credores, tanto

nos casos de recuperação judicial quanto em casos de falência. Entretanto, é preciso

reconhecer que não é admitido a negociação do direito de voto, vez que este configura

a expressão do crédito, e, logo, é dele inseparável. Não seria, por consequência,

possível negociar o direito de voto277, podendo “ceder o crédito (e com ele o voto),

mas não é possível separar uma coisa da outra”.278

A perplexidade que surgiu nestes primeiros tempos de aplicação da Lei resultou da ideia de que, se se ceder um crédito em múltiplas parcelas, poder-se-á influenciar no resultado do quórum quantitativo exigido para a aprovação da recuperação judicial (art. 45, § 1.º). Mas, se for este o caso, a cessão terá sido, então, fraudulentamente realizada, tendo o juiz meios para coarctar a fraude. O que não se pode é, de antemão, proibir a participação do cessionário do crédito sob a presunção de que teria ocorrido fraude, impedindo-o de exercer o lídimo direito de votar, que decorre do crédito que lhe foi cedido. Ainda mais levando-se em conta ser perfeitamente natural – e usual – que o credor de um devedor em recuperação judicial, descrente do bom sucesso desta, ceda o seu crédito (normalmente com significativo deságio, é verdade) à quem queira correr o risco de seu incerto recebimento

– e que, por mais essa razão, não deverá ser impedido de votar.279

4.4. A possibilidade de nova Assembleia Geral de Credores depois de

aprovado o plano de recuperação judicial, em caso de fato novo que

impossibilite a empresa em recuperação de cumprir o plano

A partir deste momento o presente trabalho irá analisar o entendimento que

vem sendo em relação à possibilidade de nova convocação de Assembleia Geral de

Credores para aditamento do plano de recuperação judicial já aprovado, invocando o

princípio da preservação da empresa como fonte basilar de interpretação.

Por certo, embora determinada empresa esteja se esforçando e

comprometendo a dar o efetivo cumprimento ao plano recuperatório aprovado pelos

credores em Assembleia, e devidamente homologado pelo juízo, existem fatos

supervenientes de naturezas diversas que certamente podem abalar o status quo do

277 Cf. FRANÇA, Erasmo Valladão. op. cit., p. 211. 278 FRANÇA, Erasmo Valladão. op. cit., p. 211. 279 Idem, ibidem.

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devedor e que coloca em cheque a possibilidade de reestruturação da empresa com

base no plano já traçado.

Incorrendo tais situação, não resta alternativa outra, quando evidentemente

demonstrada a viabilidade da sociedade empresarial, que alterar o teor o respectivo

plano, de modo a traçar, em conjunto com os interesses dos credores, uma nova forma

de pagamento das obrigações do devedor preservando o pleno exercício das

atividades da empresa.

Diante destas circunstâncias, por vezes, tanto o administrador judicial quando

o próprio ente público opina favoravelmente pela modificação do plano

recuperacional, bastando o aceite dos credores para que determinada alteração se

consolide.

No entanto, uma incongruência de determinações vem sendo deparada: como

interpretar o determinado no artigo 73, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005 frente as

circunstâncias do caso concreto?

Veja-se. De acordo com o inciso IV do aludido artigo 73, “o juiz decretará a

falência durante o processo de recuperação judicial por descumprimento de qualquer

obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do §1º do art. 61 desta Lei”.

Significa dizer que o legislador, taxativamente, designou que deverá ser

decretada a falência da empresa que deixar de cumprir com as obrigações arroladas

no plano.

No entanto, conforme bem acentua Carlos Henrique Abrão280, o

supramencionado inciso do artigo 73 possui um “tom imperativo redacional merece

ser temperado entre a realidade da empresa e o incumprimento constatado”, eis que,

segundo Abrão, deve “ser aberto prazo para manifestação do interessado e a

finalidade de esclarecer, justificando o motivo pelo qual deixou de atender a

determinação”.

Os juristas, então, passaram a compreender que, embora diante de uma

norma taxativa, o princípio da preservação da empresa, instituído no artigo 47 da

mesma Lei, estava sendo demasiadamente ignorado quando da decretação pura e

280 ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários ao Capítulo IV: da convolação da recuperação judicial em falência. TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de Toledo et al. (Coords.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 282.

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rasa da falência da empresa, sem levar em conta os outros aspectos que

possivelmente a levaram descumprir o plano.

Não obstante, a possibilidade de análise acerca da viabilidade de eventual

falência da empresa, segundo as decisões das Câmaras Reservadas de Direito

Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo passou a levar em conta

o próprio princípio da soberania das decisões dos credores (Agravo de Instrumento nº

2229786-18.2016.8.26.0000281) e, ainda, do poder chancelador do juízo da

recuperação judicial (Agravo de Instrumento nº 2111038-90.2017.8.26.0000282).

Nesta senda, o Enunciado 77 da II Jornada de Direito Comercial definiu que,

ainda que propostas após o prazo de 2 (dois) anos estabelecido na LFR, deve haver

a convocação da Assembleia Geral de Credores para que seja satisfeita a vontade da

maioria dos interessados, que decidirão pelo prosseguimento ou não do

processamento da recuperação judicial em questão283.

Veja-se o teor do aludido Enunciado divulgado pelo Conselho da Justiça

Federal:

As alterações do plano de recuperação judicial devem ser submetidas à Assembleia geral de credores, e a aprovação obedecerá ao quorum previsto no art. 45 da Lei n. 11.101/05, tendo caráter vinculante a todos os credores submetidos à recuperação judicial, observada a ressalva do art. 50, § 1º, da Lei n. 11.101/05, ainda que propostas as alterações após dois anos da concessão da recuperação judicial e desde que ainda não encerrada por sentença284.

Ainda, cabe-nos apresentar a justificativa que embasou a formação do

Enunciado 77:

As alterações do plano de recuperação judicial devem ser submetidas à Assembleia geral de credores, sendo que a aprovação obedecerá ao quorum previsto no art. 45 da Lei n. 11.101/05 e terá caráter vinculante a todos os

281Disponível em <https://www.escavador.com/processos/40339817/processo-2229786-1820168260000-do-diario-de-justica-do-estado-de-sao-paulo>. Acesso em abril/2018. 282Disponível em <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/560959530/21186022320178260000-sp-2118602-2320178260000/inteiro-teor-560959565>. Acesso em abril/2018. 283 Enunciado 77 da II Jornada de Direito Comercial. Conselho da Justiça Federal. Disponível em < http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/791>. Acesso em abril/2018. 284 Idem.

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credores submetidos à recuperação, observada a ressalva do art. 50, § 1º, da Lei n. 11.101/05, ainda que propostas as alterações após dois anos da concessão da recuperação judicial e desde que ainda não encerrada por sentença. Ainda que a alteração do plano seja proposta depois de dois anos da concessão da recuperação judicial, época em que tal recuperação, em tese, poderia ter sido encerrada caso não tivesse havido descumprimento do plano, nos termos do art. 63 da Lei n. 11.101/05, deve prevalecer a vontade da maioria presente à Assembleia, com caráter vinculativo a todos os credores submetidos à recuperação judicial, respeitada a ressalva do art. 50, § 1º, da Lei n. 11.101/05. A justificativa para o enunciado reside na tentativa de vincular as alterações do plano posteriores ao decurso de dois da concessão da recuperação a todos os credores submetidos à recuperação e não restringi-las apenas aos anuentes, que aprovaram as alterações do plano em Assembleia, sob pena de desconsiderar a regra de maioria, típica das Assembleias de credores, e tornar o prosseguimento da recuperação judicial inócuo. Além disso, a mudança de cenário econômico pode inviabilizar o cumprimento do plano, o que levaria à decretação da falência da empresa. Em face do princípio da preservação da empresa, e de sua função social, recomenda-se envidar esforços para a adequação ou ajustes no plano, submetida a proposta, por analogia à regra do art. 56 da Lei n. 11.101/2005, à Assembleia de credores que será soberana para deliberar a respeito, na forma do art. 35, inc. I, letra "f" da Lei n. 11.101/2005. Precedentes: TJRS 70044939700; 70047223201; 70040733479285.

Como se observa, o entendimento do Poder Judiciário vem sendo de encontro

as adversidades inevitavelmente surgidas no decorrer do processamento da

recuperação judicial. A busca das respostas destas questões em que a Lei é omissa,

ou confusa, tem se dado a partir da aproximação da jurisprudência e da doutrina.

Nesta perspectiva, buscando respostas na doutrina, denota-se que a

alteração do plano de recuperação judicial posterior à sua aprovação e homologação

é perfeitamente cabível, devendo seguir o mesmo procedimento sugerido para

alteração antes da Assembleia Geral de Credores previsto nos artigos 53 e 55 da Lei

11.101/2005. Julio Kahan Mandel286, inclusive, ao tratar do assunto, elucida que:

[...] a Lei não somente prevê que a AGC tem poderes para modificar o Plano, como para deliberar sobre qualquer outra matéria de seu interesse, como previsto no item “f” do mesmo artigo. Neste sentido, não há dúvida de que uma nova AGC possa ser convocada para ajustar o Plano já aprovado. […] Mas pode o devedor requerer a convocação de AGC para deliberar a alteração do seu Plano já homologado? Ora, quem melhor conhece o que está acontecendo na recuperanda do que o próprio devedor? E se ele entende que para cumprir com o objetivo teleológico da LRF o Plano precisa

285 Idem. 286 MANDEL, Julio Kahan. Da alteração do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; SATIRO, Francisco (coord.). Direito das empresas em crise: Problemas e soluções. – São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 193-212.

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de ajustes, qual o problema em convocar seus credores e abrir uma saudável discussão? Tal medida é bem-vinda e deve ser vista com boa-fé, mesmo porque os credores, na AGC convocada com o fim de ajustar o Plano, poderão aprovar ou não esta ideia, ou até melhorá-la.

Ademais, Mandel287 assevera que:

A AGC convocada para este fim deve revestir-se das mesmas formalidades previstas para toda e qualquer AGC, e desta forma, entendo que se o pedido de alteração do Plano apresentado pelo devedor nos autos não sofrer oposições, após oitiva dos credores, poderá ser homologada pelo Juiz mesmo sem a realização do ato, nos termos do art. 56.

Neste contexto, constata-se que, quando por vontade da maioria, estando

fundamentadas as circunstâncias que levaram a empresa recuperanda a descumprir

com a integralidade do plano aprovado, não deve prevalecer, necessariamente, a

regra imperiosa que impõe o encerramento da recuperação judicial.

Diferente disto, especialmente considerando a mutabilidade das questões

externas, sejam econômicas ou de mercado, não há óbice para o reconhecimento da

modificação do plano recuperatório e, portanto, da convocação de nova Assembleia

Geral de Credores, quando aprovada na forma do artigo 45 da LFR, em prol dos

princípios da preservação da empresa a soberania da vontade dos credores288.

4.5. O prazo para realização da Assembleia Geral de Credores

Uma situação não prevista na Lei, mas que ocorrerá com grande frequência,

como os primeiros casos de recuperação judicial já indicam, é a de expirar-se o prazo

de 150 dias para realização da Assembleia geral de credores destinada a apreciar o

plano de recuperação e, ainda, o prazo de 180 dias de suspensão das ações e

execuções contra o devedor (stay period), sem que a Assembleia geral de credores

tenha deliberado pela aprovação ou rejeição do plano.

287 MANDEL, Julio Kahan. Op. cit., p. 198. 288CHAVES, Natalia Cristina. Possibilidade de Alteração do Plano de Recuperação Judicial: Requisitos e Efeitos. V. 70. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, jan./jun. 2017, p 505-528.

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Ocorrendo isso, a falência não poderia ser imediatamente decretada, vez que

“o art. 73 não prevê, dentre as hipóteses de convolação da recuperação judicial em

falência, a não apreciação do plano pela Assembleia de credores no prazo de 150 ou

de 180 dias”289. Ainda, segundo o doutrinador, a não observância desses prazos

implica, então, “a retomada das ações e execuções individuais contra o devedor, que

passariam a tramitar paralelamente à recuperação judicial, seguindo este seu curso

até a aprovação ou rejeição do plano”290.

4.6. A possibilidade de alteração do plano de recuperação judicial

O pedido de desistência do plano de recuperação judicial, se formulado após

a decisão que deferir o processamento da recuperação, dependerá da aprovação da

Assembleia Geral de Credores, nos termos do § 4.º do art. 52.

Enquanto não for extinto o processo, conforme reconhece Marlon Tomazette,

mantém-se o poder da Assembleia geral de credores no quesito de poder

eventualmente “aprovar alteração do plano de recuperação judicial.

Reconhece-se a soberania da Assembleia de credores, enquanto ainda não

encerrado o processo”, por isso o referido Autor chama a atenção para entendimento

do Superior Tribunal de Justiça que afirma que ainda que transcorrido o prazo de até

dois anos de supervisão judicial, “não houve, como ato subsequente, o encerramento

da recuperação, e, por isso, os efeitos da recuperação judicial ainda perduram,

mantendo assim a vinculação de todos os credores à deliberação da Assembleia”.291

289 MUNHOZ, Eduardo Secchi. op. cit, p. 281. 290 Idem, ibidem. 291TOMAZETTE, Marlon. op. cit., p. 318.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Assembleia Geral de Credores do processo de recuperação judicial, como

visto, até chegar ao estágio de evolução atual, especialmente através da sua inserção

positivada por meio da Lei 11.101/2005, passou por longo processo de aprimoramento

social, que foi sendo consolidado a partir da ideia de que mesmo diante do direito do

credor satisfazer-se do que lhe é devido, a sociedade e o próprio credor por vezes, se

revelam tão carecedores da função exercitada pela atividade da empresa devedora,

que a falência desta última pouco ou nada contribuirá, seja para a satisfação do crédito

devido, seja também para a satisfação da própria sociedade amplamente

considerada.

Na verdade, com a evolução da sociedade, a globalização, o vertiginoso

aumento da população mundial, e dentro dela o aumento igualmente grandioso da

população brasileira, e também a grande necessidade de bens de consumo numa

sociedade de massa, fizeram com que a empresa passasse a ser vista não a partir da

figura do seu sócio, mas sim, a partir da utilidade social que desenvolve, e que acaba

sendo geradora de renda, empregos, tributos e bens, dentre outros fatores, que

reunidos, oportunizam por consequência a prosperidade econômica e social.

Assim, dentro dessa marcha histórica, ao se analisar a empresa em crise

financeira, considerada a sua importância no contexto da sociedade, e verificada a

possibilidade da sua manutenção, tanto para satisfazer as suas obrigações

financeiras frente aos seus credores, quanto para manter a sua função de satisfação

das necessidades sociais, passou-se então a conceber a existência de novos

princípios que pudessem dar fundamento a todo esse fenômeno, quais sejam, o

princípio da função social da empresa, e o princípio da preservação da empresa.

Neste sentido, os princípios destacados, foram sendo gradativamente aceitos

e admitidos pela sociedade de modo que o legislador não tardou em transmudá-los à

condição de normal legal, conforme se verifica através do art. 47 da Lei 11.101/2005,

que expressamente preconiza a recuperação judicial como forma de manutenção da

preservação da empresa e de sua função social.

Todavia, para que esses princípios legais da preservação da empresa e de

sua função social, igualmente pudessem tornar realidade a recuperação judicial da

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empresa, houve então a necessidade de aglutinar os diversos interesses existentes,

quais sejam, de um lado, aqueles representados pela gama dos diversos credores

reunidos em concurso, e de outro lado, aqueles destacados pela necessidade social

e econômica do prosseguimento da atividade empresarial em crise, visando a assim

mantê-la em funcionamento, a fim de honrar os seus compromissos, e manter-se

nessa mesma perspectiva geradora de bens, serviços, rendas, empregos e tributos.

Seguindo-se essas premissas, para que se pudesse dar efetiva concretude

aos princípios da preservação da empresa e da sua função social, o legislador houve

por criar o instituto da Assembleia Geral de Credores, que passou então a ser o órgão

deliberativo a quem se incumbiu a competência de democraticamente decidir pela

aprovação ou não da recuperação judicial da empresa em crise.

Naturalmente, ao se viver num Estado Democrático de Direito, e numa

sociedade de modelo capitalista em que é muito forte ainda o conceito patrimonialista,

obviamente que se outorgou à figura dos credores reunidos em conjunto, a

possibilidade de apreciar e deliberar sobre a aceitação do plano de recuperação

judicial proposto pela empresa devedora. Essa deliberação, no entanto, também foi

erigida a partir de princípios de singular importância.

É que não se poderia conceber uma aprovação de um plano de recuperação,

sem que se pudesse formar uma vontade majoritária necessária para dar legitimidade

à decisão aprovadora, e igualmente, que essa decisão colegiada pudesse deter a

necessária soberania, a fim de não ser desrespeitada sequer pelo próprio Estado-

Juiz. Ou seja, inegável nesse particular, a evocação do princípio Majoritário e do

princípio da Soberania da Assembleia Geral de Credores.

A partir do reconhecimento da função social da empresa, e por consectário da

necessidade de sua preservação, e por outra via, a partir do propósito de se buscar

assegurar a satisfação do direito dos credores, o legislador formulou a existência da

Assembleia Geral de Credores do processo de recuperação judicial, conferindo-lhe

contornos próprios suficientes à realizar o direito, de maneira transparente,

organizada e supervisionada pelo Estado Juiz quanto à observância dos critérios

legais estabelecidos.

Compreendida a função importantíssima da Assembleia Geral de Credores, é

possível concluir que todas as polêmicas que giram em seu entorno somente podem

ser solucionadas a partir de uma interpretação que tenha como pilar fundamental o

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princípio da preservação da empresa. Aliás, o pleno funcionamento da Assembleia

Geral de Credores somente consegue ter razão de ser, se sua busca última for a

preservação da atividade empresarial.

Essa conclusão a que se consegue chegar baseia-se no fato de que somente

interpretando a lei de recuperação judicial, e de consequência a Assembleia Geral de

Credores, a partir do princípio da preservação da empresa é que se conseguirá atingir

as consequências que lhe são próprias da sua finalidade. Diz-se isso, pois, não se

alcança a manutenção da função social da empresa, sem antes se preservá-la, e

igualmente não se consegue a satisfação do direito dos credores, se igualmente não

se oportunizar a preservação da empresa. E não se quer com essa conclusão,

formular uma ideia de que toda e qualquer empresa deve e merece ser recuperada e

mantida através de uma aprovação assemblear.

Na verdade, a empresa devedora que merece ter a sua recuperação admitida

e preservada, certamente é aquela que sendo economicamente viável, consegue

produzir função social, apesar da crise que lhe assola, e que pela impossibilidade de

encontrar uma solução de mercado para equilibrar sua condição econômica, busca

no Estado-Juiz e na Lei de Recuperação Judicial, demonstrar a sua importância, e

obter dos protagonistas do direito de satisfação creditório, a necessária confiança

tanto para buscar honrar suas obrigações, quanto para manter a sociedade que a

circunda e que dela necessita, livre do flagelo da falência que é em geral sinônimo de

desconstrução econômica, e que nada ou quase nada consegue trazer de positivo

seja para o credor, seja para a sociedade, e também e principalmente para a própria

empresa devedora, que acabará destruindo seu valor, suas conquistas e a

possibilidade de prosseguir gerando empregos, rendas, tributos, bens e serviços.

Finalmente é certo que a legislação que cuida da Assembleia Geral de

Credores, a todo momento carece da necessária interpretação do operador do direito,

no sentido de buscar diante das polêmicas apresentadas no decorrer deste trabalho,

um norte que lhe possa servir de suporte para atingimento de seus fins. E nessa linha

de raciocínio é imperioso que se consiga reconhecer que o princípio da preservação

da empresa deve realmente funcionar como o divisor de águas que separa o passado

da empresa em crise, da possibilidade de se lhe emprestar um futuro de recuperação

através da viabilização da situação de crise econômica, mantendo-se a fonte

produtora, o emprego dos trabalhadores, os interesses dos credores, fatores esses

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que em suma representam o estímulo à atividade econômica e a função social tão

almejada por todos.

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