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45 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 16, NOVEMBRO 2002 Recebido em 2/7/01; aceito em 23/8/02 Chafariz de amônia N o dia-a-dia, é comum estabe- lecer relações diretas causa- efeito. Tenho sede - bebo água, aperto o interruptor - apaga-se a lâm- pada, faz sol - tempo bom, chove - mau tempo. No atual sistema de ensino e, parti- cularmente, no de Ciências, como a Química, os estudantes são sistemati- camente levados a raciocinar na rela- ção linear ‘uma causa’ - ‘um efeito’. Isto não deixa de ser verdadeiro, também, na experimentação em Ciências, co- meçando no nível fundamental e termi- nando no universitário. A análise das respostas dadas pe- los candidatos ao Vestibular da UNI- CAMP-2001, na ques- tão número 5 da se- gunda fase, na prova de Química, é uma for- te evidência dessa correlação. Trata a- quela questão de um experimento bastante conhecido pelo nome de “chafariz de amô- nia” – embora naque- le caso especifico o gás utilizado seja o HCl, em vez da amônia, devendo, por- tanto, mais propriamente ser chama- do de “chafariz de HCl”. A resposta à questão deveria contemplar a disso- lução do gás na água do frasco; a conseqüente queda da pressão interna no frasco, provocando a ascensão da água ao frasco contendo o gás; e a mudança de cor do indicador. Um nú- mero muito grande de candidatos considerou apenas a mudança de cor do indicador como efeito observável, e pouquíssimos consideraram a ascen- são do líquido. Em vista desse fato, procuramos adaptar esse experimento ao Ensino Médio, de modo que o pro- fessor possa trabalhar esse aspecto importante da Ciência: a relação causa-efeito-causa-efeito... Como demonstração, o “chafariz de amônia” já aparece em livros do século XIX (Venable e Howe, 1898) e também em livros mais recentes (Umland, 1993; Bod- ner e Pardue, 1995; Chang, 1996). Em revistas voltadas ao ensino, essa demons- tração é bastante co- mum, com muitas va- riações (Viswanathan e Gireesan, 1957; Cates e Moore, 1981; Bem-zvi e Silberstein, 1981; Thomas, 1990; Epp, 1991; Li et al., 1995; Proksa, 1995; Alexander, 1999). Não pretende- mos, aqui, esgotar todas as possibili- dades. O que procuramos fazer foi adaptar o experimento a condições experimentais facilmente conseguidas em qualquer escola do Ensino Médio. No que diz respeito à periculosidade e/ou insalubridade, seguindo-se as instruções, os riscos são mínimos. Materiais • Três garrafas plásticas de 500 mL, de água mineral ou refrigerante, transparentes e incolores, com tampas de rosca • Indicador ácido-base como, por exemplo, fenolftaleína ou algum medicamento que a contenha: complexo homeopático “Almeida Prado nº 46” ® ; Obesifran ® ; Obe- siform ® ; Obesidex ® ; Esbelt ® ; Agarol ® • Dois canudos plásticos transpa- rentes de caneta esferográfica tipo “BiC-Cristal” ® ou canudos de refrigerante, tubos de polietileno etc. • Pires, copo, colher-de-chá, vidri- nho de remédio com conta-gotas • 50 mL de álcool etílico • Sal amoníaco (NH 4 HCO 3 , carbo- nato ácido ou bicarbonato de amônio), usado na confecção de José de Alencar Simoni e Matthieu Tubino Este artigo relata a montagem e utilização de um experimento simples, para demonstrar vários fenômenos relacionados com o experimento “chafariz de amônia”, que foi adaptado para ser realizado com material de baixo custo. O procedimento descrito, por um lado, pode ser realizado mesmo em escolas onde não há laboratório e, por outro, ativa a imaginação do aluno ao mostrar que é possível realizar “trabalho de laboratório” sem laboratório. O experimento pode ser feito em uma aula de, pelo menos, 50 minutos, incluindo as possíveis discussões, embora períodos maiores sejam desejáveis. Os materiais utilizados são muito simples, alguns são “sucatas”, outros são de baixíssimo custo e facilmente encontrados no comércio. solubilidade gás/líquido, ação de indicadores, chafariz de amônia, pressão dos gases No atual sistema de ensino e, particularmente, no de Ciências, como a Química, os estudantes são sistematicamente levados a raciocinar na relação linear ‘uma causa’ - ‘um efeito’. Isto não deixa de ser verdadeiro, também, na experimentação em Ciências

Chafariz de Amonia

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 16, NOVEMBRO 2002

Recebido em 2/7/01; aceito em 23/8/02

Chafariz de amônia

No dia-a-dia, é comum estabe-lecer relações diretas causa-efeito. Tenho sede - bebo água,

aperto o interruptor - apaga-se a lâm-pada, faz sol - tempo bom, chove - mautempo.

No atual sistema de ensino e, parti-cularmente, no de Ciências, como aQuímica, os estudantes são sistemati-camente levados a raciocinar na rela-ção linear ‘uma causa’ - ‘um efeito’. Istonão deixa de ser verdadeiro, também,na experimentação em Ciências, co-meçando no nível fundamental e termi-nando no universitário.

A análise das respostas dadas pe-los candidatos ao Vestibular da UNI-CAMP-2001, na ques-tão número 5 da se-gunda fase, na provade Química, é uma for-te evidência dessacorrelação. Trata a-quela questão de umexperimento bastanteconhecido pelo nomede “chafariz de amô-nia” – embora naque-le caso especifico ogás utilizado seja oHCl, em vez da amônia, devendo, por-tanto, mais propriamente ser chama-do de “chafariz de HCl”. A resposta à

questão deveria contemplar a disso-lução do gás na água do frasco; aconseqüente queda da pressão internano frasco, provocando a ascensão daágua ao frasco contendo o gás; e amudança de cor do indicador. Um nú-mero muito grande de candidatosconsiderou apenas a mudança de cordo indicador como efeito observável,e pouquíssimos consideraram a ascen-são do líquido. Em vista desse fato,procuramos adaptar esse experimentoao Ensino Médio, de modo que o pro-fessor possa trabalhar esse aspectoimportante da Ciência: a relaçãocausa-efeito-causa-efeito...

Como demonstração, o “chafarizde amônia” já apareceem livros do séculoXIX (Venable e Howe,1898) e também emlivros mais recentes(Umland, 1993; Bod-ner e Pardue, 1995;Chang, 1996). Emrevistas voltadas aoensino, essa demons-tração é bastante co-mum, com muitas va-riações (Viswanathan

e Gireesan, 1957; Cates e Moore, 1981;Bem-zvi e Silberstein, 1981; Thomas,1990; Epp, 1991; Li et al., 1995; Proksa,

1995; Alexander, 1999). Não pretende-mos, aqui, esgotar todas as possibili-dades. O que procuramos fazer foiadaptar o experimento a condiçõesexperimentais facilmente conseguidasem qualquer escola do Ensino Médio.No que diz respeito à periculosidadee/ou insalubridade, seguindo-se asinstruções, os riscos são mínimos.

Materiais• Três garrafas plásticas de 500 mL,

de água mineral ou refrigerante,transparentes e incolores, comtampas de rosca

• Indicador ácido-base como, porexemplo, fenolftaleína ou algummedicamento que a contenha:complexo homeopático “AlmeidaPrado nº 46”® ; Obesifran®; Obe-siform®; Obesidex®; Esbelt®;Agarol®

• Dois canudos plásticos transpa-rentes de caneta esferográficatipo “BiC-Cristal”® ou canudos derefrigerante, tubos de polietilenoetc.

• Pires, copo, colher-de-chá, vidri-nho de remédio com conta-gotas

• 50 mL de álcool etílico• Sal amoníaco (NH4HCO3, carbo-

nato ácido ou bicarbonato deamônio), usado na confecção de

José de Alencar Simoni e Matthieu Tubino

Este artigo relata a montagem e utilização de um experimento simples, para demonstrar vários fenômenos relacionados como experimento “chafariz de amônia”, que foi adaptado para ser realizado com material de baixo custo. O procedimento descrito,por um lado, pode ser realizado mesmo em escolas onde não há laboratório e, por outro, ativa a imaginação do aluno ao mostrarque é possível realizar “trabalho de laboratório” sem laboratório. O experimento pode ser feito em uma aula de, pelo menos, 50minutos, incluindo as possíveis discussões, embora períodos maiores sejam desejáveis. Os materiais utilizados são muito simples,alguns são “sucatas”, outros são de baixíssimo custo e facilmente encontrados no comércio.

solubilidade gás/líquido, ação de indicadores, chafariz de amônia, pressão dos gases

No atual sistema de ensinoe, particularmente, no deCiências, como a Química,

os estudantes sãosistematicamente levados araciocinar na relação linear‘uma causa’ - ‘um efeito’.

Isto não deixa de serverdadeiro, também, na

experimentação emCiências

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doces e bolos. Pode ser usado,também, sulfato de amônio, facil-mente encontrado em casas demateriais para agricultura

• Soda cáustica (NaOH, hidróxidode sódio)

• Cola de silicona ou cola tipo Du-repoxi®

Todos esses materiais podem serencontrados no comércio local e sãode baixíssimo custo.

Preparação dos materiais necessáriosao experimento

Montagem experimentalFure as tampas das garrafas bem no

centro, de modo a obter um furo de diâ-metro condizente com o tubo que serátraspassado. Coloque duas delas emposição oposta, de modo que as roscasfiquem para fora, e passe um tubotransparente de caneta esferográficaatravés dos furos, deixando 3/5 do tubode um lado e 2/5 do outro. Coloque colade silicona ao redor do tubo, tantoexterna como internamente às tampas,de modo a fixá-las nessa posição (“ca-sadas”). Tampe o furinho lateral do tuboda caneta, se houver um.

À terceira tampa (“solteira”), coleum outro tubo, deixando apenas 1 cmdo tubo do lado da rosca. Esse aces-sório servirá para transferir o gás amô-nia gerado na garrafa 3 (gerador degás amônia) para a garrafa 2, que serápara a qual o líquido subirá. Não seesqueça de tampar o furo lateral do tu-bo da caneta.

Na garrafa 1, faça um pequeno furo(diâmetro de 1 mm aproximadamente)perto do seu gargalo.

Solução de indicadorDissolva uma quantidade de fenolf-

taleína, ou do medicamento que acontém, em 10 mL de etanol, de modoa obter uma solução de aproxima-damente 1,0% em fenolftaleína. Osmedicamentos trazem a composiçãona bula. Se houver algum material nãosolúvel, filtre ou decante a mistura etransfira a solução contendo fenolfta-leína para um frasco conta-gotas.

Procedimento experimentalAdicione aproximadamente 1 mL

de solução de fenolftaleína (20 gotas)

à garrafa 1, complete com água atépróximo do furo e agite para homoge-neizar a solução. Se a coloração seapresentar rosa, adicione duas gotasde vinagre branco e agite novamente.

À garrafa 3, adicione uma colher-de-sopa de água e iguais quantidadesde carbonato ácido de amônio (“salamoníaco”) e hidróxido de sódio (sodacáustica), nesta seqüência. Para atransferência, use um funil. Tampe agarrafa 3 com a “tampa solteira” e insiraa extremidade externa do tubo no inte-rior da garrafa 2, que deve estar vaziae seca, de modo a transferir o gás for-mado da garrafa 3 para a 2. Deixe ogás adentrar a garrafa 2 por, pelo me-nos, três minutos. Enquanto espera ostrês minutos, adapte o conjunto das“tampas casadas”, de modo que aextremidade mais longa fique dentroda garrafa 1. Coloque esse conjuntona vertical (de pé), pegue a garrafa 2,contendo amônia, e conecte-a imedia-tamente à tampa casada, de modo quefique acoplada, verticalmente, à garrafa1. Rosqueie bem as tampas e observepacientemente o fenômeno. A Figura1 mostra o resultado final da demons-tração, assim como o material comple-to utilizado.

Se for desejado um efeito mais in-tenso, antes de retirar a garrafa 3 (ge-rador de amônia) da garrafa 2, apertea garrafa 3 com a mão, de modo atransferir mais NH3 para a garrafa 2.

A geração e coleta do gás amôniapode ser feita com antecedência e ogás pode ser mantido na garrafa fe-chada com uma outra tampa, até omomento da demonstração. A amôniapode ser gerada, de maneira maissegura, deixando a garrafa 3 imersa emum banho de água, para evitar que atemperatura da mistura se eleve de-mais. Neste caso, porém, o tempo detransferência deve ser aumentado paracinco minutos.

Cuidados experimentais -Cuidados experimentais -Cuidados experimentais -Cuidados experimentais -Cuidados experimentais - Ohidróxido de sódio, que é corrosivo,pode causar queimaduras. Em caso dealgum contato com a pele, olhos etc.,lave com água corrente e em grandequantidade, durante 10 minutos. Nocaso de contato com a pele, após lavarcom água abundante, passe um poucode vinagre, ou mesmo suco de limão.Recomendamos o uso de luvas de

borracha e óculos de segurança aogerar o gás amônia. Se o local nãopossuir sistema de exaustão, comouma capela, por exemplo, realize oexperimento de preferência em localaberto e bem ventilado. Para descartaro resíduo da garrafa 3, adicionealgumas gotas de solução de fenolf-taleína e neutralize-o pela lenta adiçãode vinagre, dilua-o com água e des-carte-o.

Algumas propostas de utilização doexperimento

Todas as referências citadas sobreo uso do chafariz utilizam-no como de-monstração. O roteiro que sugerimos,ao contrário, é uma descrição de comomontar e realizar o experimento. Aopção por uma ou outra utilizaçãodependerá do momento, das condi-ções de trabalho e dos propósitos doprofessor. A seguir damos algumasopções de uso.

Opção 1: O professor desejaevidenciar como se trabalha emCiências

O professor deve levar para a aulaa água na garrafa 1 já com fenolftaleínae a amônia gasosa na garrafa 2. Iniciarcom uma introdução de como o cien-tista elabora e controla seus experi-mentos, como observa e anota osdados experimentais. A seguir, realizara demonstração, alertando os alunospara anotarem tudo que julgarem inte-ressante. Após a demonstração, osalunos podem ser agrupados para

Figura 1: Montagem experimental do cha-fariz de amônia após a realização do experi-mento.

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discutir os dados, formulando hipóte-ses e sugerindo procedimentos quepossam ser testados por eles mesmos.

Opção 2: O professor desejaevidenciar a previsão de resultadosexperimentais, a partir de informaçõesconhecidas

Inicialmente, o professor pode darinformações sobre a solubilidade degases em líquidos, pode falar do con-ceito ácido-base, do equilíbrio químicoe da ação dos indicadores crômicos.Antes da execução do experimento, oprofessor deve fazer questões paraque os alunos façam previsões.

Opção 3: O professor desejaevidenciar a investigação de umdeterminado fenômeno, com ênfasena estratégia de trabalho

Como no caso anterior, o professordeve, inicialmente, dar as informaçõesjá apontadas e, ao final, propor oproblema a ser estudado experimen-talmente. Neste caso, os alunos devemelaborar os seus roteiros, apresen-tando-os depois a toda a turma. Nestetipo de abordagem, o professor deveestar atento, principalmente, aosaspectos de periculosidade. Nestecaso, o professor funcionará como um“âncora”, deixando a maior parte dotrabalho aos alunos.

Opção 4: O professor desejaevidenciar os aspectos quantitativosdo experimento

Fazer uma demonstração do expe-rimento e, na seqüência, deixar que osalunos realizem, em grupo, o seu pró-prio experimento, coleta de dados ecálculos. Antes de realizar o experi-mento, devem ser introduzidos: cálcu-los com gases, aspectos da lei daspressões parciais, frações em mol,solubilidade dos gases em água, comogerar e coletar gases, etc.

Opção 5: O professor desejaevidenciar a montagem experimental

Começar mostrando uma aparelha-gem experimental com materiais de umlaboratório convencional de Química.Em seguida, apresentar os vários ma-teriais disponíveis aos alunos: as garra-fas, as canetas, a cola etc. Como setrata de uma estratégia a ser desen-

volvida pelos estudantes, é precisodeixar que eles façam as suas monta-gens, mesmo que errem, desde queisto não envolva riscos.

DiscussãoA execução de cada uma das dife-

rentes propostas pode apresentaralguns fatos experimentais diferentes.Entretanto, isto não altera a naturezado fenômeno e não diminui a riquezade assuntos para discussão com osalunos. O propósito inicial desseexperimento é a discussão da solubili-dade do gás amônia em água, seu ca-ráter básico em meio aquoso, a dimi-nuição da pressão interna e a concomi-tante ascensão da água da garrafa 1para a 2 e todos os aspectos já ante-riormente relatados dentro das váriasopções experimentais.

O gás amônia é obtido pela adiçãode NaOH sobre uma amostra deNH4HCO3, em meio aquoso:

NH4+(aq) + OH–(aq) =

NH3(g) + H2O(aq)

Essa equação escrita no sentidocontrário representa a dissolução daamônia em água:

NH3(g) + H2O(aq) =NH4

+(aq) + OH–(aq)

O uso de qualquer das equaçõesacima estará condicionado ao inte-resse específico do momento.

A garrafa 2, que recebe amôniagasosa, deve estar seca internamente,o que garante uma maior quantidadeinicial de amônia gasosa.

Os fatos observáveis após a cone-xão das garrafas 1 e 2 podem ser divi-didos em três fases distintas: 1 - dofechamento inicial do sistema até o mo-mento em que o primeiro líquido atingea garrafa 2; 2 - a partir do fim da pri-meira fase até, aproximadamente, a as-censão de metade do volume total dolíquido que irá se localizar na garrafasuperior; e 3 - do final da segunda faseaté o momento em que cessa a subidado líquido.

Fase 1 - Inicialmente, observa-seque a coluna de água apresenta umacoloração rosa mais intensa na super-fície, resultado da maior concentraçãode NH3 neste local, portanto com o

respectivo aumento do pH e a mudan-ça de cor do indicador. Isso pode serdiscutido em termos da seguinteequação, onde HIn é uma represen-tação genérica para o indicador:

HIn(aq) + H2O(l) In–(aq)+ H3O

+(aq)incolorrosa

A utilização da fórmula molecular dafenolftaleína pode ser estimulante paraos estudantes, mas pode também serum complicador quando se deseja evi-denciar a questão do equilíbrio.

Embora a solubilidade da amôniaem água seja elevada (89,9 g dm-3 ou5,3 mol dm-3, a 25 °C e 1 atm), aagitação mecânica e a superfície decontato são fatores a serem conside-rados na cinética de dissolução do gás.Como a agitação mecânica dentro dacoluna de água que ascende é baixa(praticamente inexistente), a difusão dasolução formada para o restante daágua na coluna também é pequena.Desta forma, o aumento da concentra-ção de NH3(aq) “nesta interface” fazque o processo de dissolução, comoum todo, seja lento no início, assimcomo a ascensão da água.

Fase 2 - No momento em que a pri-meira gota de líquido atinge a garrafa2, o aumento da área superficial acele-ra o processo de dissolução do gás ea coluna começa a ascender maisrapidamente. Como a subida da água(fluxo da água) e o aumento da áreade contato da água na garrafa 2 estãofortemente associados, há uma acele-ração do processo de ascensão, o quefaz a dramaticidade do processo.

Essas duas primeiras fases do ex-perimento são as principais em termosde observações fenomenológicas. Énessa fase que os principais fatosobserváveis acontecem.

Fase 3 - A ascensão do líquido co-meça a se desacelerar, pois, emboraa superfície de contato seja grande, apressão de amônia diminui, a sua con-centração na solução aumenta e, con-seqüentemente, a velocidade de dis-solução também diminui. Esta terceirafase é, também, lenta, a exemplo daprimeira. No entanto, os alunos devemser estimulados a acompanhar e ano-

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tar todas as observações pertinentes.Este é um bom momento para o pro-fessor tornar evidente um dos aspectosdas observações científicas: todas asinformações experimentais são impor-tantes.

Ao término da experiência, quandoa água deixa de ser transferida entreos frascos, muitos aspectos quantita-tivos podem ser explorados.

No início do experimento, como aamônia foi coletada sob pressãoatmosférica, se desconsiderarmos, ini-cialmente, a presença de vapor d’águae de ar no interior da garrafa (supondoque ela foi totalmente preenchida porNH3), o estudante pode calcular a mas-sa e a quantidade de matéria deamônia presentes na garrafa, aplican-do a equação dos gases ideais:

pNH3V = nRT

Há alguns detalhes que o profes-sor pode explorar utilizando este cál-culo:

a) Qual seria a pressão atmosféricado local? Como medí-la? Tendo umbarômetro, é possível medí-la. Não otendo, é comum obter essa informação(a pressão barométrica média) emlistas telefônicas, em bibliotecasmunicipais, na Internet etc.

b) O volume de 500 mL é o correto(exato)? Pode-se inicialmente conside-rá-lo como tal, ou então determiná-loutilizando uma balança de supermer-cado ou um instrumento de laboratório,como uma proveta. Pensamos que noEnsino Médio não é necessário tantorigor, mas o professor pode utilizá-lopara explorar aspectos relevantes daexperimentação.

c) Se o gás não é somente amônia,quanto de água ele contém? É possívelsaber consultando uma tabela de pres-sões de vapor da água em função datemperatura. Agora o professor podetrabalhar a lei das pressões parciais,frações em mol etc. Como este gás foigerado a partir de uma solução con-tendo NaOH e amônia, podem surgirdúvidas sobre a pressão de vapor desoluções. Este poderia ser um bommomento para se falar alguma coisasobre propriedades coligativas. Alémdisso, pode surgir uma dúvida sobre o

estado físico da água que está sendoproduzida. Este é o momento depensar nas transições de fase.

Vamos retornar à questão da pres-são de amônia, desconsiderando aágua presente na garrafa 2. Se a pres-são de amônia dentro do frasco é pNH3,a pressão exercida pela coluna deágua for designada por pc e a pressãoatmosférica por pa, no início do experi-mento a pressão de amônia é igual àatmosférica, logo:

pNH3 = pa

Conforme a amônia começa a sedissolver na água, a sua pressão cai ea água começa a subir no tubo. Apressão da amônia, na garrafa 2, so-mada à pressão exercida pela colunade água deve ser menor que a pressãoexterna (atmosférica), para que a águacontinue a subir. Enquanto a águaestiver subindo:

pNH3 + pc < pa

Quando a ascensão de água termi-na, passa a valer a igualdade:

pNH3 + pc = pa

A pressão da coluna d’água podeser calculada determinando a suaaltura, estabelecida como a distânciaentre o nível de água no frasco inferior(garrafa 1) e o nível de solução nofrasco superior (garrafa 2). Seu valorpode ser calculado em milímetros deágua e depois transformado em milí-metros de mercúrio, dividindo-se estevalor pela densidade do mercúrio.Rigorosamente, este resultado deveriaser obtido dividindo-se o valor em milí-metros de água pela relação dHg/dH2O

(densidades de mercúrio e água,respectivamente), na temperatura doexperimento. No entanto, a aproxima-ção anterior é perfeitamente aceitável.

Pode-se, ainda, estimar o volumede água que subiu para a garrafa su-perior, calcular então o volume de amô-nia dissolvida, a quantidade de matériae a concentração de amônia na solu-ção.

Como verificar a validade dessescálculos? Em escolas com mais recur-sos, uma titulação ácido-base poderiaser realizada. Veja, no entanto, que a

estratégia para retirar a solução obtidado frasco superior, sem perdê-la oumisturá-la com a água do frasco infe-rior, é uma tarefa que exigirá uma aten-ção especial. Outra vez o professor po-derá estimular a criatividade dos estu-dantes na descoberta da melhor estra-tégia de trabalho. Em acréscimo, oestudante pode fazer um cálculo e de-terminar qual seria a concentração dasolução se toda a amônia presente ini-cialmente tivesse sido dissolvida. Nosentido inverso, a partir da concen-tração de amônia obtida experimental-mente numa titulação, o aluno podeestimar a pressão inicial de amônia,considerando-se que toda ela tenha sedissolvido naquele volume de líquido.

Outro aspecto que pode e deve serestimulado é a comparação entre oquanto se dissolveu e a solubilidadeda amônia em água. Como essa solu-bilidade não é alcançada, o professorpode evocar aspectos como a solubi-lidade de gases em função da pressão,temperatura e natureza do gás.

Quanto à temperatura, isto poderiaser testado?

E outros gases menos solúveis, po-deriam ser testados?

Se há bastante dióxido de carbonodissolvido em refrigerantes, ele não po-deria ser testado?

Outro aspecto que chamará a aten-ção do aluno será a grande quantidadede energia liberada na produção dogás, na garrafa 3. A temperatura seeleva bastante. Seria essa elevaçãodevida à dissolução dos reagentes emágua ou devida à reação química? Paratestar as possibilidades, o professorpode efetuar a dissolução dos doissólidos, separadamente, em água edepois, após voltarem à temperaturaambiente, misturar as duas soluções.Estes resultados poderiam responderparte desta questão. Estes aspectospoderão ser explorados, desde que aTermoquímica seja o assunto atual ouque já tenha sido discutido.

Em relação à própria realização doexperimento, observamos que um es-trangulamento do tubo de ascensão daágua leva a uma demonstração maisdramática. Ao utilizarmos um tubo dediâmetro interno de 2 mm, para estrei-

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tar a ponta do tubo de caneta dentroda garrafa 2 na segunda fase, a água“espirra” até o fundo da garrafa 2 e, aomesmo tempo, esta colapsa. Apesardo colapso, esse procedimento nãotorna o experimento mais perigoso, aocontrário do que se observa na litera-tura, quando se usa vidraria. Mesmoassim deve-se ter cautela.

Este experimento, além de testadoexaustivamente no laboratório, foi apli-cado no I SIMPEQ (Simpósio de Ensinode Química), ocorrido no Instituto deQuímica da Unicamp, em 10 e 11 denovembro de 2001, ao qual compare-ceram 78 professores de Ensino Mé-dio. Nessa ocasião, o procedimento foirepetido mais de cem vezes, individu-almente, pelos participantes. O entu-siasmo dos professores foi enorme, vá-rios fizeram questão de repetir o expe-rimento mais de uma vez. A discussãosobre os fenômenos observados foimuito rica. Na Figura 2, pode-se ver umsistema colapsado, de uma expe-riência realizada durante o I SIMPEQ.

A seguir transcrevemos a questãode Química número 5, da segunda fasedo Vestibular UNICAMP-2001, paraefeito de esclarecimento. Deve-se no-tar que a prova foi escrita simulando-se um diálogo entre dois namorados,

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Abstract: Ammonia Fountain with Day-to-Day Materials: an Initial Cause... How Many Effects? This paper describes the use of the classical “ammonia fountain” experiment to demonstrate variouschemical and physical principles related to it. The experimental procedure is carried out with very simple and low cost materials and it can be performed even at schools that do not have a laboratory. Theexperiment can be carried out in 50 minutes, although for the discussion of the experimental observations more time is desirable.

Keywords: gas/liquid solubility, indicators action, ammonia fountain, gas pressure

Figura 2: Montagem experimental do cha-fariz de amônia com o sistema colapsado,após brusca queda da pressão interna.

Naná e Chuá. A questão 5, dentro docontexto, é proposta por Naná que dizpara Chuá:

– Num dia em que você faltou àaula, a professora explicou que o HClgasoso é muitíssimo solúvel em água.A seguir, montou um experimento parailustrar essa propriedade do HCl(g) epediu para alguém dar início à experi-ência. Na aparelhagem mostrada

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abaixo, o HCl(g) e a água não estãoinicialmente em contato. Um colega foià frente e executou o primeiro passodo procedimento.

a) O que foi que o colega fez noequipamento para dar início ao experi-mento?

b) A seguir, o que foi observado noexperimento?

José de Alencar Simoni ([email protected]),licenciado em Química pela FFCLRP/USP e doutor emCiências pela UNICAMP, é docente do Instituto de Quí-mica da UNICAMP. Matthieu Tubino ([email protected]), bacharel e licenciado em Química pelaUSP e doutor em Ciências pela UNICAMP, é docentedo Instituto de Química da UNICAMP.