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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ARMANDO CHAFIK ABU KAMEL FILHO JOGOS TEATRAIS NA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO ACERCA DE INTERAÇÕES E APRENDIZAGENS. VITÓRIA, 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ARMANDO CHAFIK ABU KAMEL FILHO

JOGOS TEATRAIS NA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO ACERCA DE INTERAÇÕES E APRENDIZAGENS.

VITÓRIA, 2009

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ARMANDO CHAFIK ABU KAMEL FILHO

JOGOS TEATRAIS NA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO ACERCA DE INTERAÇÕES E APRENDIZAGENS.

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação do

Centro Pedagógico da Universidade

Federal do Espírito Santo, como

requisito parcial para obtenção do

título de Mestre em Educação, na

linha de pesquisa Diversidade e

Práticas Educacionais Inclusivas, sob

orientação da Professora Doutora

Jussara Albernaz.

VITÓRIA, 2009

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

A153j

Kamel Filho, Armando Chafik Abu (1974-). Jogos teatrais na escola: um estudo de caso acerca de interações e aprendizagens. Vitória: [s.n], 2009.

Dissertação de Mestrado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo – PPGE/ CE/ UFES. 124 p.

Orientador: Jussara Martins Albernaz

Inclui: Bibliografia; Apêndice.

1. Artes: Teatro. 2. Psicologia da Aprendizagem: Vigotski: Spolin. 3. Psicopedagogia. I. Título.

CDD-822 CDD-153-15 CDD-153

Índice para catálogo sistemático:

Artes: Teatro. Psicologia da Aprendizagem. Psicopedagogia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que, de uma forma, estiveram envolvidos com a realização

deste projeto, em especial:

À minha família, minha mãe, meu pai, meus irmãos e sobrinhos que sempre

estiveram por perto, dando todo o apoio e carinho.

Aos professores do PPGE e principalmente aqueles que passaram pela minha

vida e fui tocado por seus ensinamentos.

E a minha Orientadora Professora Doutora Jussara Albernaz, pela amizade,

paciência, compreensão, incansável apoio e por acreditar em mim e no meu

projeto.

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RESUMO

Trata essa dissertação de um estudo de caso envolvendo o acompanhamento

e descrição de oficinas de teatro produzidas e ministradas pelo pesquisador no

ambiente escolar a partir dos conceitos de jogos teatrais de Spolin e de

interação social de Vygotsky. A pesquisa é vinculada à Linha de Pesquisa:

Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas. Dezesseis crianças do 5º ano

do Ensino Fundamental de uma única de sala de aula de uma escola da rede

privada de ensino e sua professora foram os sujeitos da pesquisa.

Posteriormente analisou o efeito dos jogos teatrais no indivíduo (enquanto ser

social), no grupo e no ambiente escolar A maioria dos alunos foi capaz de

interpretar, improvisar e aprender em grupo através da vivência no jogo. Os

ganhos se deram em especial em questões relacionadas à socialização,

capacidade de comunicação, concentração e argumentação das crianças,

sentidas pelos professores, o que estimula sua disseminação em outras

instituições de ensino, inclusive públicas.

Palavras-Chave: Escola, teatro, jogos teatrais, socialização, interação,

concentração.

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ABSTRACT

This dissertation treats a case study involving follow-up and theatre workshops

description produced and mastered by researcher (and taught by him) in the

school environment., involving the concepts of theater games of Spolin and

Vygotsky’s social interaction. It’s linked to the line research: Diversity and

Inclusive Educational Practices. Sixteen children from forth year of a single

classroom of a private elementary school and their teacher were the subject of

the research, which examined the effect theater games in individuals attitudes

in the group and in the school’s environment. Most students were able to

interpret, improvise and learn. Wins were especially related to socialization,

communication, concentration and argumentation skills of the children,

experienced by teachers. This encourages its spread into other educational

institutions, including public schools.

Keywords: School, Theater, Theater Games, Socialization, Interaction,

Concentration

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LISTA DE FIGURAS

Figuras 1 e 2 - Alunos durante o jogo “árvore humanizada” ............................62

Figuras 3 e 4 – Alunos durante o jogo “árvore humanizada” ............................63

Figura 5 – Alunos durante o jogo “boneco de neve” .......................................65

Figura 6 – Alunos se equilibrando no jogo “andar sobre pedras” ...................68

Figura 7 – Alunos cantando a música “Mariana” .............................................70

Figura 8 – Alunos no exercício “pluma é pedra” .............................................72

Figuras 9 e 10 – Alunos durante o jogo “carregar peso” ...................................74

Figuras 11, 12, 13 e 14 – Alunos durante o jogo “corda bamba” ......................75

Figura 15 – Alunos durante o exercício “boneco de cera” .................................77

Figuras 16 e 17 – Alunos apresentando em mímica sua “profissão” ................79

Figura 18 – Alunos lendo o texto “num fôlego só” ............................................80

Figura 19 – Alunos durante realização dos jogos de mímica ............................82

Figuras 20 e 21 – Alunos durante o jogo de sincronização gestos e voz .........87

Figura 22 – Alunos trocam idéias antes da apresentação do jogo ...................89

Figura 23 – Alunos apresentam a cena do “elemento surpresa” ......................92

Figura 24 – Alunos apresentam “teatro à partir do desenho” ............................93

Figura 25 – Alunos combinam detalhes da cena “planta misteriosa” ................96

Figura 26 – Alunos durante a apresentação do espetáculo “Charles Darwin, um

viagem em busca do conhecimento” ...............................................................101

Figura 27 – Aluno Guilherme ao violino............................................................102

Figura 28 – Apresentação do espetáculo “Charles Darwin, um viagem em

busca do conhecimento” ..................................................................................103

Figura 29, 30, 31, 32, 33 e 34 – Apresentação do espetáculo “Charles Darwin,

um viagem em busca do conhecimento” .........................................................104

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SUMÁRIO

1) INTRODUÇÃO.............................................................................................11.2) Problematização........................................................................................4

1.3) Objetivos....................................................................................................7

2) REFERENCIAL TEÓRICO..........................................................................82.1) - A Criança, a cultura e a brincadeira: perspectiva sócio-histórica...........8

2.2) A criança e o jogo de regras....................................................................12

2.3) O jogo educativo e a criança...................................................................14

2.4) A criança e o jogo teatral.........................................................................17

2.5) A História do Teatro.................................................................................19

2.6) Os Jogos Teatrais....................................................................................37

3) REVISÃO DA LITERATURA.....................................................................454) METODOLOGIA DA PESQUISA..............................................................484.1) - Sujeitos da Pesquisa e Procedimentos................................................55

5) RELATO E ANÁLISE DAS OFICINAS.....................................................575.1) - Num primeiro momento.........................................................................57

5.2) Jogos Teatrais aplicados aos alunos do 5º ano......................................59

5.2.1) Primeira aula........................................................................................60

5.2.2) Segunda aula.......................................................................................66

5.2.3) Terceira aula.........................................................................................73

5.2.4) Quarta aula...........................................................................................78

5.2.5) Quinta aula...........................................................................................81

5.2.6) Sexta aula.............................................................................................84

5.2.7) Sétima aula...........................................................................................87

5.2.8) Oitava aula...........................................................................................90

5.2.9) Nona aula.............................................................................................94

5.2.10) Décima aula.......................................................................................97

5.3) Montagem e apresentação do Espetáculo...........................................100

6 ) RESULTADOS OBTIDOS.......................................................................1057) CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................109REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................112APÊNDICE...................................................................................................117

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1) INTRODUÇÃO

Desde cedo, apaixonaram-me as histórias que se inscrevem nos alunos e nos

expectadores, movendo suas existências no mundo. A paixão pelo ser, pelo

gentil, por entrelinhas, gestos, olhares, rancores e sutilezas. Essa paixão levou-

me ao envolvimento com dois extensos e complexos campos do conhecimento

humano: O Teatro e a Educação. As aprendizagens e interações que ocorrem

durante o desenvolvimento de Jogos Teatrais num ambiente escolar serão

relacionados neste estudo.

O teatro surgiu na minha1 vida de forma inesperada, mas apaixonante, ainda

no Ensino Médio, através do incentivo de meus professores de Arte e

Literatura. Pouco tempo depois fui convidado a participar do Grupo Teatral

Pegando N’arte2. A entrada neste grupo ajudou-me no processo de

compreensão do teatro moderno e de todas as suas possibilidades. Aprendi

várias técnicas e jogos teatrais, a trabalhar em grupo, discutir idéias e

principalmente lidar com os erros e acertos.

Participei de 12 espetáculos. Paralelamente ao trabalho no grupo, fui auxiliar

da professora Lygia Nicolucci3 em oficinas teatrais que a mesma ministrava

para alunos do Ensino Fundamental da rede pública de ensino. Nesta mesma

época conheci o Pedagogo David Cabral4, que ministrava um curso de teatro

como recurso pedagógico, voltado para educadores do Ensino Fundamental e

Médio. Iniciei o curso, conheci a filosofia do professor David, suas idéias e

percebi como o teatro pode influenciar e modificar o ser humano, ampliando um

1 O texto dessa dissertação, ora estará na primeira pessoa do singular, ora na segunda e ora até impessoal. Tal atitude foi construída de modo intencional, e é compatível com o movimento de literaturalização dos escritos científicos e com os estudos de Pinel, 2007.

2 Grupo Teatral da cidade de Matão-SP fundado em 1989 com mais de 100 espetáculos realizados por todo interior de São Paulo.

3 Lygia Simão Nicolucci é professora do Ensino Fundamental I, teatróloga e atualmente é Secretária de Cultura da cidade de Matão, interior de São Paulo.

4 David Cabral é pedagogo, teatrólogo e desenvolve o “Projeto Clarabóia”, que visa ensinar a arte teatral à professores da rede pública de ensino através da Oficina Cultural Buarque de Holanda na cidade de Riberirão Preto, interior de São Paulo.

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leque de opções que antes não me eram claras. Sem perceber o fascinante

universo do teatro já fazia parte do meu ser.

Paralelamente a esse turbilhão de efêmeros movimentos teatrais, iniciei um

curso de informática básica, movido mais pela necessidade de entrar no

mercado de trabalho do que pelo real gosto pela tecnologia. Mas

intrinsecamente vislumbrei um interesse não só pelo mundo novo de

possibilidades e conhecimentos que a informática dispunha, como também

percebi-me tentando de forma lúdica retransmitir esses conhecimentos aos

colegas de turma que tinham algum tipo de dificuldade com a nova tecnologia.

Aos poucos passei de aluno a monitor, de monitor a instrutor e quando dei por

mim, estava ingressando no Curso de Processamento de Dados com ênfase

em Analise de Sistemas da Faculdade Estadual de Tecnologia de São Paulo

vinculada à Universidade Estadual de São Paulo (FATEC/UNESP) e focado

nos processos cognitivos relacionados à Informática Educacional.

Em 1999, mudei para Vitória-ES e fui trabalhar na equipe de Informática

Educacional do Centro Educacional Charles Darwin, onde lecionava para

alunos do 1º ano do Ensino Fundamental à 2ª série do Ensino Médio.

Atualmente sou Coordenador da Equipe de Informática Educacional das

Unidades de Vila Velha e Jardim da Penha.

Paralelamente participei, junto com as professoras de Arte e Literatura, do

Projeto “Teatro Darwin” com alunos do Ensino Fundamental e Médio, onde

atuei como organizador de oficinas teatrais e diretor dos seguintes espetáculos:

Sganarello de Molière (2001), Ópera do Malandro de Chico Buarque (2002),

Velório à Brasileira de Aziz Bajur (2003), O Inglês Maquinista de Martins Pena

(2003), Perdoa-me por me traíres de Nelson Rodrigues (2004), O Homem, a

Mulher e a Flor de Ana Gláucia Talon (2005), Os Saltimbancos de Chico

Buarque (2006), O Fantástico Mistério de Feiurinha de Pedro Bandeira (2006),

A Comédia do Coração de Paulo Gonçalves (2007) e Dom Chicote Mula Manca

e seu fiel companheiro Zé Chupança de Oscar Von Phful (2009).

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Atuei em várias campanhas publicitárias para TV e no cinema através do vídeo

capixaba “Maria Ortiz”, uma versão moderna da clássica história da heroína

capixaba, escrita e dirigida por Mark Miranda do Projeto “Tô Fazendo Vídeo”.

Desde 2004 participo da comunidade da Escola de Samba Unidos de

Jucutuquara, onde ajudo, como voluntário, na organização da escola, na

pesquisa dos enredos, confecção de fantasias/alegorias e nos projetos sociais

desenvolvidos pela agremiação carnavalesca junto às crianças e adolescentes

de classes populares do morro de Jucutuquara e adjacências.

O Teatro e a Informática Educacional foram caminhando paralelamente durante

toda minha trajetória e o contato com os alunos nos diferentes processos de

assimilação dos conhecimentos tanto na área computacional quanto teatral me

fizeram indagar sobre alguns processos e a pesquisar mais profundamente a

real função do teatro dentro do ambiente escolar.

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1.2) Problematização

À medida que a criança começa a elaborar seus próprios conceitos, quase

sempre reformulações baseadas nas informações amplas, adquiridas através

dos meios de comunicação, ou de outras crianças da mesma idade, surgem

então às contestações.

As crianças de hoje são bem informadas, mas nem sempre bem formadas,

sem maturação suficiente, conhecem problemas, mas não soluções. Buscam

fora do contexto familiar ou escolar as respostas. Buscam novos pontos de

apoio, novas referências, novas lideranças e ai começam os riscos, pois a

oferta negativa é maior e mais tentadora.

A atividade teatral é um trabalho em grupo por excelência. Os objetivos são

estabelecidos pelo processo de discussão e acordo grupal. Todos trabalham e

participam de tudo, desde o primeiro momento: mesmos exercícios, pesquisas,

escolha de texto, distribuição de papéis, produção e promoção, etc. Uns

colaborando com os outros, exercitando a humildade com compromisso e

responsabilidade, visando o resultado final como um todo.

O dia a dia: ensaios, exercícios, discussões gerais, coisas pessoais que vem à

tona, levam o grupo à sua identificação. O “nós” é sempre relevante, mas

muitas coisas do “eu”, servem para o crescimento de todos.

“(...) as crianças que tiveram experiências teatrais desenvolveram: crítica e auto-crítica, discernimento, conceitos próprios e reformulações, sociabilidade, criatividade e equilíbrio emocional”. (Cabral, 1992)

A educação teatral não tem por objetivo formar apenas atores, mas

expectadores e cidadãos conscientes sobre a sua responsabilidade com o

mundo e com a produção maior... a vida.

A professora Edília Coelho Garcia (na época integrante do Conselho Federal

de Educação e do Conselho Estadual de Educação da Guanabara – RJ), na

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apresentação do livro “Educação através do Teatro” de Hilton Carlos Araújo,

destaca (1974):

"(...) Educação através do Teatro - ensina como pode o Teatro ser posto a serviço da educação. Mostra como o Teatro na escola é capaz de oferecer ao aluno a oportunidade de se exprimir livremente, de criar, de extravasar o manancial de riquezas que tem dentro de si [ou de sua coletividade]. Indica como a atividade teatral bem orientada apresenta o jovem como ele é, o que pensa do mundo e das pessoas, a que aspira, o que receia".

A apresentação segue, valorizando a originalidade e a possibilidade que o

teatro suscita de socialização, além de enfatizar o teatro, como suporte para a

aprendizagem de conteúdos de outras disciplinas.

Os Novos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) enfocam que:

“(..) o ato de dramatizar está potencialmente contido em cada um, como uma necessidade de compreender e representar uma realidade. Ao observar uma criança em suas primeiras manifestações dramatizadas, o jogo simbólico, percebe-se a procura na organização de seu conhecimento do mundo de forma integradora. A dramatização acompanha o desenvolvimento da criança como uma manifestação espontânea, assumindo feições e funções diversas, sem perder jamais o caráter de interação e de promoção de equilíbrio entre ela e o meio ambiente. Essa atividade evolui do jogo espontâneo para o jogo de regras, do individual para o coletivo”.

A criança, ao começar a freqüentar a escola, possui a capacidade da

teatralidade natural, pois na idade escolar a criança já é capaz de alterar o

significado dos objetos, dos eventos, pressuposto básico para o surgimento

das situações de faz de conta. Mancuso (2006) apud Kishimoto (1996) ressalta

que “o faz de conta permite não só a entrada no imaginário, mas a expressão

de regras implícitas que se materializam nos temas das brincadeiras”. A autora

retoma assim, uma distinção de Vygotsky, utilizada em seus estudos sobre o

brinquedo e suas relações com o desenvolvimento infantil. Cabe à escola estar

atenta ao desenvolvimento no jogo dramatizado oferecendo condições para o

exercício consciente e eficaz, para aquisição e ordenação progressiva da

linguagem dramática. Deve tornar consciente as suas possibilidades, sem a

perda da espontaneidade lúdica e criativa que é característica da criança ao

ingressar na escola.

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O teatro, no processo de formação da criança, frisa os PCN’s, cumpre não só

função integradora, mas dá oportunidade para que ela se aproprie crítica e

construtivamente dos conteúdos sociais e culturais de sua comunidade

mediante trocas com os seus grupos. No dinamismo da experimentação, da

fluência criativa propiciada pela liberdade e segurança, a criança pode transitar

livremente por todas as emergências internas integrando imaginação,

percepção, emoção, intuição, memória e raciocínio.

Segundo o Pedagogo Paulo Freire (1987) educar é construir, é libertar o

homem do determinismo, passando a reconhecer o papel da História e onde a

questão da identidade cultural, tanto em sua dimensão individual, como em

relação à classe dos educandos, é essencial à prática pedagógica proposta.

Sem respeitar essa identidade, sem autonomia, sem levar em conta as

experiências vividas pelos educandos antes de chegar à escola, o processo

será inoperante, somente meras palavras despidas de significação real.

Em relação ao Teatro-Educação, predomina ainda uma concepção

empobrecida, por parte de alguns educadores, na qual o teatro serve apenas

para festejar ou adornar5, demonstrando o atraso que permanece nas

mentalidades que constituem, de alguma forma, nosso sistema educacional. É

certo que temos alguns avanços, como é o caso dos Novos Parâmetros

Curriculares Nacionais, que contemplam o ensino do teatro como importante

área de conhecimento, mas que ainda não tem sido devidamente contemplado

nos processos de ensino escolares.

5 Em seu livro “Jogos Teatrais” (2006) a Professora Doutora Ingrid Dorien Koudela da USP – São Paulo nos mostra que ainda hoje muitos educadores mantêm essa visão do uso do teatro como adorno para os eventos e festividades escolares.

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1.3) Objetivos

O objetivo do teatro na escola é o de conseguir uma maior coesão entre os

grupos, melhorar os relacionamentos dos alunos, ajudar no desenvolvimento

de habilidades não estimuladas, mas que demandam tal intervenção e

trabalhar com a timidez que pode (ou não) prejudicar o crescimento individual

no grupo (Iturbe, 2004). O pedagogo David Cabral (1992) também ressalta que

o objetivo maior do teatro é questionar, fazer cabeças pensar, provocar

mudanças de mentalidades.

São essas mudanças, sensações e questionamentos que pretendo despertar

em um grupo de crianças, utilizando os conceitos dos Jogos Teatrais,

estruturadas a partir de sugestões de atividades e em procedimentos didático-

operacionais ancorados no sistema concebido por Viola Spolin6 para o trabalho

com sujeitos a partir dos sete anos de idade, divulgado através de seus livros

"Improvisação para o Teatro" e “Jogos Teatrais na sala de aula”.

O objetivo dessa pesquisa é acompanhar e descrever o processo de realização

dos jogos teatrais por um grupo de 16 alunos do 5º ano do Ensino

Fundamental I, em idades entre 10 e 11 anos de uma Escola da rede privada

da cidade de Vila Velha no Espírito Santo e, com isso, analisar os efeitos que

eventualmente esses jogos teatrais (programa de ensino-aprendizagem de

teatro) possam provocar no indivíduo, no grupo e no ambiente escolar.

6 Viola Spolin nasceu em 07 de novembro de 1906; e ela faleceu em 22 de novembro de 1994. Ela foi atriz de cinema (apenas três participações), mas seu destaque social maior foi como autora e diretora de teatro. É ainda considerada como a “avó norte-americana” do teatro improvisacional (ou: teatro da improvisação). Ela influenciou a primeira geração de artistas da improvisação; sistematizou os jogos teatrais. Desenvolveu os jogos teatrais inspirada, entre outros, por Neva Boyd, importante educadora de Chicago, que desenvolveu seu trabalho a partir dos jogos recreativos com imigrantes, durante a grande depressão, na Hull House. De certa forma Viola se inspira nos princípios teatrais defendidos por Brecht e Stanislavsky.

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2) REFERENCIAL TEÓRICO

2.1) - A Criança, a cultura e a brincadeira: perspectiva sócio-histórica

A criança tem sido vista como um sujeito passivo e dependente porque sua

aparência frágil tem o poder de causar no adulto um sentimento de proteção;

entretanto, estudos e pesquisas têm mostrado uma nova visão de criança, que

nos permite compreender seu desenvolvimento cognitivo e a forma como ela

constrói seu conhecimento, entendendo-a como sujeito que, desde o

nascimento, está inserida num contexto social e dele participa ativamente.

Dessa forma, é preciso compreender melhor o papel do teatro e das

brincadeiras infantis no desenvolvimento cultural das crianças.

Tomarei como referencial teórico a teoria sócio-histórica do pensador Lev

Semenovich Vygotsky, que tem como postulados fundamentais a crença de

que o ser humano constitui-se nas relações sociais, em que a cultura torna-se

parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo do

desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico

do homem.

O ponto central da teoria formulada por Vygotsky é que as funções psicológicas

superiores são de origem sócio-cultural e emergem de processos psicológicos

elementares, de origem biológica, através da interação da criança com

membros mais experientes da cultura. Tal interação propicia a internalização

dos mediadores simbólicos e da própria relação social. Em outras palavras, a

partir de estruturas orgânicas elementares da criança, determinadas

basicamente pela maturação, formam-se novas e mais complexas funções

mentais, a depender da natureza das experiências sociais a que ela está

exposta. Esta forma de conceber a atividade humana não separa o orgânico do

social, destacando o valor da apropriação ativa que a criança faz da cultura do

seu grupo. Portanto, através da vida social, da constante comunicação que se

estabelece entre crianças e adultos, ocorre a assimilação da experiência de

muitas gerações e a formação do pensamento.

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Vygotsky (1996) elucida bem suas idéias quanto frisa que os movimentos

tentativos do bebê, de estender os dedos para tocar um objeto colocado

distante dele, são interpretados pelo adulto como um pedido de ajuda para

completar a tarefa. O movimento malsucedido de pegar é interpretado como

um gesto de pedir para pegar e, gradativamente, passa a ser compreendido

pelo bebê como um gesto de apontar, que envolve a ação com o outro.

Conclui-se que "o aprendizado humano pressupõe uma natureza social

específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida

intelectual dos que a cercam". Isto se daria através da demonstração ou de

pistas usadas por um parceiro mais experiente, ou seja, pela internalização das

prescrições adultas apresentadas na interação.

Inicialmente, portanto, a criança dispõe apenas de sua atividade motora, do

ato, para agir sobre o mundo, sem ter consciência da ação e dos processos

nela envolvidos. Gradativamente, através da interação com indivíduos mais

experientes, ela vai desenvolvendo uma capacidade simbólica e reunindo-a a

sua atividade prática, tornando-se mais consciente de sua própria experiência.

Isto dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata.

As interações da criança com as pessoas de seu ambiente desenvolvem-lhe,

pois, a fala interior, o pensamento reflexivo e o comportamento voluntário

(Vygotsky, 1996).

Vygotsky nos mostra que a brincadeira está diretamente relacionada com o

desenvolvimento, pois o comportamento da criança nas situações do dia-a-dia

é, quanto a seus fundamentos, o oposto daquele apresentado nas situações de

brincadeira. Esta cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança, que

nela se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu

comportamento diário. A brincadeira fornece, pois, ampla estrutura básica para

mudanças da necessidade e da consciência, criando um novo tipo de atitude

em relação ao real. Nela aparece a ação na esfera imaginativa numa situação

de faz de conta, a criação das intenções voluntárias e a formação dos planos

da vida real e das motivações volitivas, constituindo-se, assim, no mais alto

nível de desenvolvimento.

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No jogo teatral, assim como na brincadeira, a criança experimenta outra forma

de ser e de pensar; amplia suas concepções sobre as coisas e as pessoas,

pois desempenha vários papéis sociais ao representar diferentes personagens.

Quando brinca, a criança elabora hipóteses para a resolução de seus

problemas e toma atitudes além do comportamento habitual de sua idade, pois

busca alternativas para transformar a realidade. Os seus sonhos e desejos, na

brincadeira podem ser realizados facilmente, quantas vezes o desejar, criando

e recriando as situações que ajudam a satisfazer alguma necessidade presente

em seu interior.

Uma das funções básicas do brincar, assinalada por Vygotsky, é permitir que a

criança aprenda a elaborar/resolver situações conflitantes que vivencia no seu

dia a dia. E para isso, usará capacidades como a observação, a imitação e a

imaginação. Essas representações que de início podem ser "simples", de

acordo com a idade da criança, darão lugar a um faz de conta mais elaborado,

que além de ajudá-la a compreender situações conflitantes ajuda a entender e

assimilar os papéis sociais que fazem parte de nossa cultura (o que é ser pai,

mãe, filho, professor, médico). Através desta imitação representativa a criança

vai também aprendendo a lidar com regras e normas sociais. Desenvolve a

capacidade de interação e aprende a lidar com o limite e para tanto, os jogos

com regras são fundamentais. O mesmo ocorrendo nos jogos teatrais, que

liberam a imaginação, a criatividade e faz a criança viajar no imaginário, mas

mantendo-se consciente das regras e objetivos a serem alcançados.

Para Vygotsky, ao reproduzir o comportamento social do adulto em seus jogos,

a criança está combinando situações reais com elementos de sua ação

fantasiosa. Esta fantasia surge da necessidade da criança, em reproduzir o

cotidiano da vida do adulto da qual ela ainda não pode participar ativamente.

Porém, essa reprodução necessita de conhecimentos prévios da realidade

exterior, deste modo, quanto mais rica for a experiência humana, maior será o

material disponível para as imaginações que irão se materializar em seus

jogos.

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Vygotsky também coloca que a brincadeira é uma atividade regida por regras.

Mesmo no universo do faz de conta há regras que devem ser seguidas. Ao

brincar de ônibus, por exemplo, exerce o papel de motorista. Para isso tem que

tomar como modelo os motoristas reais que conhece e extrair deles um

significado mais geral e abstrato para a categoria "motorista". Para brincar

conforme as regras têm que esforçar-se para exibir um comportamento ao do

motorista, o que a impulsiona para além de seu comportamento como criança.

Tanto pela criação da situação imaginária, como pela definição de regras

específicas, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na

criança. No brinquedo a criança comporta-se de forma mais avançada do que

nas atividades da vida real e também aprende a separar objeto/significado.

A brincadeira favorece a auto-estima das crianças, auxiliando-as a superar

progressivamente suas aquisições de forma criativa. Brincar contribui, assim,

para a interiorização de determinados modelos de adulto, no âmbito de grupos

sociais diversos.

Acredita-se que o brincar permita à criança exercitar-se no entendimento de

situações e papéis culturais já que ela, a criança, recorre às suas

representações provisórias desses eventos, papéis, personagens e coisas.

Mas os papéis, personagens, coisas e situações só podem ser representados

inicialmente com o auxílio de "pivôs" ou suportes materiais (Vygotsky, 1996). É

dessa maneira que, por exemplo, uma caneta pode "transformar-se" em

"pente" ou em "foguete".

A essência da brincadeira é a criação de uma nova relação entre o campo do

imaginário e o campo da realidade por parte do sujeito (Vygotsky, 1984). A

representação lúdica de natureza dramática, subjacente ao brincar, concorre

para que: A ação ocorra na esfera da imaginação, desenvolvendo-a; sejam

fortalecidas as intenções voluntárias e a consciência da criança; constituam-se

e se diferenciem os planos da realidade e da fantasia; o valor e sentido das

relações culturais - e dos papéis sociais nelas enredados - possam ser

internalizados; haja avanço, por parte da criança, na compreensão da estrutura

e do funcionamento dos processos de representação semióticos,

particularmente da escrita.

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Se a perspectiva sócio-histórica considera o brincar uma atividade

organizadora do comportamento da criança, promover-se o "fazer de conta"

infantil é uma maneira adequada de ajudar a criança em seu processo de

construção de sua relação com o outro e com o mundo que a cerca.

2.2) A criança e o jogo de regras

Vários autores vêm se dedicando ao estudo do jogo. Examinamos dentre

outras a contribuição de Piaget (1990), que se interessou em especial pelo que

denominou “Jogo de regras”. Este se caracterizaria pela existência de um

conjunto de leis definidas socialmente, sendo que seu descumprimento é

normalmente penalizado, O jogo de regra pressupõe normalmente a existência

de parceiros e um conjunto de obrigações (as regras), o que lhe confere um

caráter eminentemente social.

Diversos estudos, inclusive aqueles desenvolvidos pela equipe do

NIEPACIS/CE/UFES se apóiam dentre outros nos estudos desenvolvimentistas

de Piaget. Segundo Albernaz (2001), o jogo de regras, na visão de Piaget, tem

seu aparecimento esboçado a partir de 4 anos e subsiste por toda a vida. “O

jogo de regras supõe um contrato social entre os jogadores. Nele há sempre

um desafio e violar as regras representa uma falta (ibid, p. 7).

O surgimento das diferentes modalidades de jogo, segundo essa teoria,

dependeria da gênese do desenvolvimento do pensamento infantil e do

surgimento do que denomina função simbólica (capacidade de representar

eventos ou objetos na sua ausência). A forma de brincar dependeria da fase de

desenvolvimento da criança:

Na fase sensório-motora (do nascimento até os 2 anos aproximadamente) os

jogos são repetitivos, voltados sobretudo para a descoberta de propriedades

dos objetos e dos movimento que podem executar sobre os mesmos: montar

desmontar, jogar, pegar, encaixar. A criança brinca, em geral, sozinha, com um

adulto ou com um pequeno grupo (duas a três crianças, no máximo). Ao brincar

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com outros inicia um processo de interação (imitações), aprendendo a testar

seus limites e os dos outros.

Na fase pré-operatória (dos 2 aos 5 ou 6 anos aproximadamente) as crianças

passam a brincar sobretudo com as outras, em especial de jogos de faz de

conta. Estes vão se aproximando mais do real, a partir dos 4 anos, quando

surgem também os primeiros jogos de construção, uma transição entre a

fantasia e os jogos de regras, e estes últimos começam a se esboçar.

Na fase das operações concretas (de 6 a 7 anos até os 11 anos

aproximadamente) as crianças aprendem as regras dos jogos e jogam em

grupos. Esta é a fase por excelência do fascínio pelos jogos de regras, como

futebol, damas, etc., que continua durante toda a vida do indivíduo.

Segundo Piaget (1977): “Os jogos não são apenas uma forma de desafogo ou

entretenimento para gastar energias das crianças, mas meios que contribuem e

enriquecem o desenvolvimento intelectual”.

O jogo é, portanto, sob as suas duas formas essenciais de exercício sensório-

motor e de simbolismo, uma assimilação da real à atividade própria,

fornecendo a esta seu alimento necessário e transformando o real em função

das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os métodos ativos de educação

das crianças exigem a todos que se forneça às crianças um material

conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades

intelectuais e que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil.

Para Vygotsky (1996), a criança usa as interações sociais como formas

privilegiadas de acesso a informações: aprendem as regra dos jogos, por

exemplo, através dos outros e não como o resultado de um engajamento

individual na solução de problemas. Desta maneira, aprende a regular seu

comportamento pelas reações, quer lhes pareçam agradáveis ou não.

Enquanto Vygotsky fala do faz de conta, Piaget fala do jogo simbólico, que são

conceitos que se correspondem, segundo Oliveira (1995). “O brinquedo cria

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uma Zona de Desenvolvimento Proximal na criança”. Lembrando que ela

afirma que a aquisição do conhecimento se dá através das zonas de

desenvolvimento: a real e a proximal. A zona de desenvolvimento real é a do

conhecimento já adquirido, é o que a pessoa traz consigo, já a proximal, só é

atingida, de início, com o auxílio de outras pessoas mais “capazes”, que já

tenham adquirido esse conhecimento.

“As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo,

aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e

moralidade (Vygotsky, 1996)”.

Piaget (1998), por sua vez, diz que a atividade lúdica é o berço obrigatório das

atividades intelectuais da criança sendo por isso, indispensável à prática

educativa.

2.3) O jogo educativo e a criança

O jogo enquanto instrumento facilitador da aprendizagem de crianças e

adolescentes tem sido objeto de estudo e análise por parte de muitos

estudiosos das questões relativas à educação e à aprendizagem, a partir de

enfoques variados.

A maioria busca fundamentos teóricos nos estudos de Piaget, Vigotsky e

Wallon, que apontam para a importância da ludicidade no desenvolvimento do

ser humano.

Alguns revelam que além de propiciar a construção de um espaço no

imaginário infantil, o jogo, “por ser uma atividade dinâmica capaz de

transformar-se com o contexto” (Maranhão, 2004), estimula o desenvolvimento

da capacidade de abstração da criança. Referindo-se ao processo educacional,

Diva acrescenta que a utilização do jogo como um recurso pedagógico é

sugerida como facilitadora da aprendizagem e do desenvolvimento infantil.

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No campo educacional, a prática psicopedagógica institucional evidencia que a

sala de aula é um espaço privilegiado na perspectiva da “construção da autoria

do pensamento e da autonomia do sujeito”.

Goulart (1993), Arakis (1998) e outros autores, valendo-se dos conceitos

piagetianos oriundos da Biologia, da Epistemologia Genética e da Lógica,

mostram que o desenvolvimento progressivo das estruturas intelectuais do

indivíduo torna-o capaz de aprender e que seu conhecimento é fruto da sua

interação com o meio, sendo o jogo um recurso muito importante para o

desenvolvimento cognitivo da criança, Este assume valores diferentes em

determinadas fases de sua vida, que se adequadamente organizado, resulta

em aprendizado e desenvolvimento de suas estruturas mentais.

De acordo com esta conceituação, quando o indivíduo ainda é um bebê o jogo

é apenas um exercício. Suas ações são automáticas e necessitam do objeto

para imitar. O uso do próprio corpo é determinante nesta fase, brinca com as

mãos, com os pés, os atos são repetitivos. À medida que vai crescendo, por

volta dos dois aos sete anos, ela passa a fazer maior uso da linguagem. Assim,

a criança vai aprendendo a imitar sem modelo e ai começa o jogo simbólico, o

uso da fantasia, do mágico, da ficção, da dramatização. Nesta fase, o mundo

da criança é um mundo lúdico, do imaginário, do “como se fosse”, ou do “faz de

conta”.

Quando a criança chega por volta dos sete anos atinge uma fase mais prática

do pensamento, observa-se que a mesma já responde a jogos regrados, o que

significa a subordinação a uma regra em que todos devem obedecer. A criança

já sabe o que é seu e o que é do outro, reconta histórias, descreve cenas,

trabalha com jogos e brincadeiras que envolvem alguns objetos, distingue a

fantasia da realidade e se interessa pelas causas dos fenômenos. É nesta fase

que ocorre uma mudança decisiva no pensamento infantil. Dos sete aos onze

anos em diante a criança passa a fazer uso das operações lógico – concretas,

trabalha com jogos mais complexos como futebol, adivinhações, enigmas e

charadas, vê uma situação por diferentes ângulos, é capaz de organizar

elementos de acordo com suas características (cor, tamanho, forma,

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comprimento, volume) usando critérios de conjunto, mantém diálogo, cria

histórias com enredo, porém, ainda não é capaz de discutir diferentes pontos

de vista. Ainda nesta fase, a lógica da criança não é igual a lógica do adulto.

Para a lógica do período operatório-concreto (a partir dos sete anos) os

enunciados verbais podem não ser suficientes e, quando o professor não leva

isso em conta, a criança pode ter problemas na aprendizagem levando-a, às

vezes, a uma defasagem escolar, seja por reprovação ou em função de

vínculos negativos no seu processo de desenvolvimento relacional ou cognitivo

do aprender conhecimentos gerais ou específicos. Todas as operações lógicas

desta idade dependem, sem dúvida, de sua esfera concreta de aplicação. A

faculdade de pensar logicamente nem é congênita, nem está pré-formada no

psiquismo humano. Logo, considerar estas fases e a forma como o professor

trabalha estas questões em sala de aula é de suma importância para o

desenvolvimento intelectual da criança. A maturação de uma fase é

fundamental para o desenvolvimento da fase seguinte.

Nesta seqüência, o último estágio de desenvolvimento cognitivo do homem,

segundo Piaget, a partir dos doze anos, é o operatório formal. Nesta fase, a

criança liberta-se inteiramente do objeto, apresenta pensamento hipotético –

dedutivo, mantém diálogo, é cooperativa, interessa-se por transformações

sociais, discute temas, considera pontos de vista e chega a conclusões nas

suas hipóteses. Assim, é importante termos sempre em mente a fase em que a

criança se encontra para podermos selecionar as atividades e jogos que iremos

lhes propor. Lembrando sempre que a criança não é um adulto pequeno e, o

que irá determinar seu interesse serão quase sempre as atividades lúdicas,

pois são essas que lhes proporcionam maior prazer. A forma como o professor

trabalha as atividades lúdicas, jogos e brincadeiras com regras, é de

fundamental importância para ajudar a criança na construção da sua

afetividade, ampliar sua linguagem, seus conhecimentos, suas competências

psicomotoras e, enfim, seu desenvolvimento cognitivo e sócio-relacional.

Nesta abordagem, observa-se que o jogo é um recurso pedagógico de grande

importância na aprendizagem significativa da criança. Cabe ao professor criar

as condições favoráveis para que uma nova informação ao interagir com

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conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva da criança seja

efetivamente assimilada; transformando a informação em conhecimento,

ocorrendo assim a aprendizagem significativa. Neste sentido, Jurema Nogueira

(2003) afirma que “o jogo em sala de aula é estimulador da construção do

pensamento, do conhecimento e da autonomia”.

2.4) A criança e o jogo teatral

Segundo Vygotsky (2001), o teatro e as artes em geral, são verdadeiras formas

e “instrumentos” de expressão semiótica, com vias de processos de

representação simbólica para a comunicação do pensamento do ser humano.

Tal perspectiva eleva o valor da arte e a articula como importante elemento na

formação do educando. O uso dos símbolos e da expressão humana como

catalisadores dos processos educacionais são importantes “instrumentos”

psicológicos que afetam de forma irreversível o funcionamento mental humano,

bem como a estrutura das relações entre pessoas intra e interculturalmente.

O teatro esteve sempre muito próximo à educação, pois percebeu-se cedo as

benesses do teatro no processo educacional. Nos primórdios da história da

educação brasileira, o teatro foi um importante instrumento da pedagogia

jesuítica, pois segundo Faria (2001): “O teatro, que foi trazido pelos jesuítas

para a nova terra de 1549, ali chegou como instrumento de catequese. Na

imensidão daquele fim de mundo, o teatro era o livro de leitura, a principal

técnica pedagógica, e, ao mesmo tempo em que os espetáculos incorporavam

alguns dos cantos e danças dos índios, e acrescentavam a mímica e a oratória,

contribuíam para apagar a cultura própria dos habitantes daquela terra”.

É claro que não podemos esquecer que as teorias sócio-interacionistas de

Henri Wallon, cognitivista piagetiana, psicanalíticas freudiana e pós-freudianas

também se interessaram pela gênese da representação dramática na criança.

Entretanto, ainda que as diferentes abordagens ao faz de conta relacionadas

acima apresentem uma contribuição à compreensão dessa forma de atividade

lúdica tipicamente infantil, o foco será no estudo das interações verbais e não-

verbais entre crianças mediadas pedagogicamente pela representação

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dramática de natureza lúdica – que é subjacente à atividade dirigida com a

linguagem teatral, em uma perspectiva improvisacional – com base na teoria

histórico-cultural do desenvolvimento.

Viola Spolin (2005) ressalta que o jogo é uma forma natural de atividade em

grupo, que propicia o envolvimento e a liberdade pessoal necessários para a

experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e habilidades pessoais

necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar. As habilidades

são desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está jogando,

divertindo-se ao máximo e recebendo toda a estimulação que o jogo tem para

oferecer – é este o exato momento em que ela está verdadeiramente aberta

para recebê-las. Desde que obedeça as regras do jogo teatral a criança pode

balançar, ficar de ponta-cabeça, ou até voar. Mais do que mera atividade

lúdica, o jogo constitui-se como o cerne da manifestação da inteligência no ser

humano.

A construção do real parte então do social (da interação com outros), quando a

criança imita o adulto e é orientada por ele, e paulatinamente é internalizada

pela criança. Ela começa com uma situação imaginária, que é uma reprodução

da situação real, sendo que a brincadeira é muito mais a lembrança de alguma

coisa que de fato aconteceu, do que uma situação imaginária totalmente nova.

Conforme a brincadeira vai se desenvolvendo acontece uma aproximação com

a realização consciente do seu propósito.

Em muitos jogos teatrais que abordam textos de maneira lúdica, a

transcendência da referência objetal se dá inevitavelmente no processo

desencadeado pelo jogo, oportunizando insights aos jogadores. Aliás, o próprio

Vygotsky reconheceu ao teatro a primazia na abordagem da questão do

pensamento por trás das palavras e destacou aspectos do texto cênico

(repertório gestual, entonação, silêncios, pausa, etc.) que ajudam a distinguir

entre significado e sentido de uma determinada palavra numa elocução

voluntariamente enunciada (Japiassu, 1998).

Os jogos teatrais, com toda a sua força mobilizadora e materializadora das

energias humanas, podem ter uma extraordinária função pedagógica,

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traduzindo esse potencial da ludicidade num poderoso instrumento de

aprendizagem. Ao conduzir alunos/atuantes a desenvolver habilidades de

performance artística, estabelecem uma forma de criação articulada com as

subjetividades de cada um, em face dos mais variados exercícios propostos.

Nesse envolvimento com os jogos teatrais, os alunos aprendem regras, lidam

com situações pouco familiares sem perder o sentido de grupo ou o foco.

Professor e aluno abandonam posições opostas e revelam-se parceiros: diretor

e ator.

2.5) A História do Teatro

Antes de conceituarmos o que vem a ser os jogos teatrais de forma mais

detalhada, e discutirmos nossa proposta de intervenção e análise do seu

alcance, apresentaremos uma discussão mais geral relativa ao teatro, sua

evolução e suas múltiplas manifestações.

A história do teatro se confunde com a própria história da humanidade. A arte

de representar advém das situações vividas pelo ser humano que, por culto,

religiosidade, louvor, prestígio, entretenimento, registro, ou simplesmente pela

pura expressão artística expressa seus sentimentos num mundo da fantasia

muito parecido com um mundo real. O mundo evolui e a arte de se representar

acompanha essa evolução. Passam os séculos e os homens ali estão vivendo

e sobrevivendo, pelo viés da arte, a sua relação interpessoal, seu passado, seu

futuro, seus medos, seus ideais, suas vontades e desejos.

O teatro data desde o século VI a.C., mas, analisando melhor, há a

possibilidade de o homem constituir um vínculo com essa arte bem antes do

surgimento do teatro como cerimônia grega. Os antepassados do homem

sobrepujaram sobre uma terra hostil e suas descobertas estavam diretamente

ligadas à sua sobrevivência. O homem-macaco, o elo perdido já praticava a

arte da representação. Assim como o macaco faz bagunça, bate palmas,

mostra os dentes, o homem pré-histórico já utilizava a arte de representar, em

favor de seus deuses misteriosos, nos rituais de antropofagia, danças para o

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fogo ou para a chuva, na simples demonstração que o macho supremo deve

fazer, impondo respeito diante dos outros machos estufando o peito e dando

gritos de ordem... Ou seja, a representação de um personagem, a imitação de

outro ser, segundo Aristóteles, “é uma prerrogativa do próprio homem”.

Teatro Grego: No século VI a.C., a mistificação na Grécia em relação aos seus

deuses e crenças extrapolava o campo religioso e passava a fazer parte da

rotina das pessoas. Essa religião politeísta dava um panorama ao homem

grego de todas as ocorrências inexplicáveis do mundo sem a ajuda da ainda

arcaica ciência ocidental. Os deuses eram os benfeitores ou malfeitores da

Terra e possuíam um poder sobre o homem, sobre o céu e sobre a terra. Assim

surgiram lendas que, divulgadas por mecanismo de oralidade primária, ou seja,

oralmente, de pai para filho, procuravam instruir toda a civilização para que

essa atuasse em detrimento da subjetividade daquela sociedade e do bem em

comum, seguindo regras de comportamento e um padrão paradigmático que

não podia jamais ser quebrado.

No começo, a arte dramática restringiu-se apenas às festas dionisíacas,

passando a ocupar um espaço maior na cultura grega com o passar dos anos,

tornando-se mais acessível e mais aceita pelos gregos, que começaram a

elaborar no século V a.C. melhores formas de entretenimento pelo viés da arte

cênica. Assim, constituíram fábulas e histórias diversas a serem encenadas

para o público. Essa forma inovadora de se passar mensagens através de

histórias dramáticas ficou conhecida como Tragédia Grega, onde os atores

utilizavam máscaras e túnicas para interpretar seus personagens. A tragédia se

passava em uma ampla plataforma chamada proskénion, situada na costa

sudeste de Acrópole, local sagrado de Dioniso, no théatron (“local onde se vê”),

cuja platéia era reservada para os espectadores. As apresentações cênicas

eram compostas por um coro que narrava e tecia comentários a respeito da

história principal que era interpretada pelos atores principais. As Tragédias

foram escritas por homens que marcaram seus nomes na história da

humanidade. Os mais conhecidos são Eurípedes (485?– 406 a.C., autor de

“Alceste” e “Ifigênia em Tauride”), Ésquilo (525 – 456 a.C., autor de “Os

Persas”), Sófocles (496? – 406? a.C., autor de “Édipo Rei”, “Antígona” e

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“Electra”) e Aristófanes (autor de “As Nuvens”, “Plutão” e “As Rãs”). Esses

autores buscavam passar para o público a visão divina da natureza,

expressavam a imagem dos deuses e as crenças do povo.

Durante séculos infecundos de dominação romana, que subjugou a Grécia e

tomou dela o título de supremacia, o teatro grego evoluiu muito, servindo

inclusive como um grande meio de comunicação, que promovia nas massas

reações diversas. As peças abordavam temas mais políticos que ironizavam,

instruíam, explicavam, de forma que, no final das apresentações das tragédias,

para animar o público, era de responsabilidade dos comediantes distrair o

público. Os comediantes da época se inspiravam nos homens que realizavam

os cânticos das procissões dionisíacas (ditirambo), sendo que os gregos

entendiam que a comédia não passava de situações absurdas, protagonizadas

por personagens ridicularizados. Apesar de tratar-se de um escárnio para com

as diversas situações subjetivas à época, a comédia não deixava de passar

informações importantes, criticando e até maldizendo pessoas de grande

notoriedade e organizações. A Comédia Grega era sensual, de improviso, e

buscava retratar os deuses em suas relações com os humanos.

Teatro religioso: Levando em consideração a difícil missão da igreja católica

de divulgar sua seita e ser compreendida, iniciou-se uma busca incessante por

novos meios de transmitir a palavra de um deus único, de forma que os

católicos começaram a colocar em prática toda e qualquer iniciativa que, por

ventura, estivesse apta a contradizer os costumes seculares da humanidade

em prol de um cristianismo recém descoberto. A igreja tinha o poder total e

assim utilizava a arte cênica para ensinar e desenvolver temas religiosos,

orientando as pessoas mais simples a seguir aquela idéia de moralidade,

manipulando homens e mulheres, ensinando os sete pecados capitais, as

histórias do velho testamento e as representações dos demônios na terra. Até

mesmo as comédias eram utilizadas para demonstrar ao público as pérfidas

conseqüências da heresia, o que, conseqüentemente causava medo na platéia,

fazendo com que todos seguissem os passos do cristianismo sem contrariar

nem questionar.

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A religiosidade estava presente nas obras artísticas de vários países europeus,

como Portugal, por exemplo, que tinha em Gil Vicente (1465 – 1536), autor de

“O Auto da Barca do Inferno”, seu maior exemplo de autor eclesiástico. Entre

os espanhóis, alguns dos mais conhecidos eram Tirso de Molina (1584 –

1648), Lope de Vega (1562 – 1635) e Miguel de Cervantes (1547 – 1616),

autor de “Numância” e “Dom Quixote”. No Brasil, o poeta espanhol José de

Anchieta (1534 – 1597) utilizava-se do drama religioso para catequizar os

índios.

Comédia Dell’arte: Nascida na Itália, a Commedia Dell’arte trouxe de volta um

pouco da pantomima, do ridículo e da vulgaridade que as comédias primitivas

gregas expunham. Porém, a diferença estava nos trajes carnavalescos, nos

temas abordados, na alegria e euforia que dominavam os palcos do século

XVI. Os reis e rainhas não tinham mais o seu próprio menestrel, pois preferiam

se dirigir aos simples teatros com toda a pompa de uma majestade para assistir

junto com os seus súditos às engraçadas peças teatrais que buscavam abordar

os temas mais surpreendentes. Esse gênero pedia muitíssimo de seu

intérprete, pois esse tinha que seguir a risca o roteiro, porém, preocupando-se

com o público, que pagava o ingresso somente para rir. Caso percebesse que

o público não estava achando engraçado o roteiro original, podia improvisar

caso tivesse alguma idéia realmente engraçada.

As mulheres eram proibidas de atuarem no palco, de forma que os homens é

que faziam os papéis femininos. Para ficar mais real, os homens afeminados

eram convidados para o papel das donzelas, o que deixava as cenas ainda

mais engraçadas para o público. Os atores se engajavam dentro de uma

companhia de teatro e tornavam-se famosos por um estilo único de

personagem. Assim que um ator se especializava em interpretar um tipo de

personagem, só fazia esse tipo até o final de sua carreira. O teatro veneziano

trazia sempre os mesmos tipos de personagem em suas comédias: o

Pantaleão, o Arlequim, o Criado, o Doutor, o Capitão, a Colombina, a Noiva, a

Ama, o Pai da Noiva e o Herói, constituindo sempre os mesmos tipos de

roteiro. Normalmente os roteiros da Commedia Dell’arte tratavam de contar a

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história de dois namorados que lutavam contra a negação dos pais,

enfrentando assim uma série de problemas para se casarem.

Renascença na Inglaterra: Com a derrocada do teatro religioso (exceto na

Espanha e Portugal), houve uma procura maior por parte das elites pelo texto

dramático. Willian Shakespeare difundiu, porém uma literatura voltada ao

público popular, abordando temas diversos, mantendo ainda a configuração

teatral medieval, porém reciclando o conteúdo de seus espetáculos. Essa

tendência foi adquirida graças ao momento histórico da Inglaterra, sua política

e seu povo.

Nessa época a Inglaterra, governada pela rainha Elizabeth I (1558 – 1603),

tinha uma das melhores economias do mundo e isso inevitavelmente se refletia

na educação e no desenvolvimento cultural. Os jovens escritores da época se

aventuravam a apresentar suas peças nos teatros de Londres recém

construídos, cujas estruturas eram bem peculiares: feitos para receber Sua

Majestade e um número vasto de pessoas.

O teatro renascentista sentia o peso da quebra com a religiosidade. Os atores

e diretores eram protegidos por pessoas de alto escalão na corte e da nobreza,

que de um jeito ou de outro permitiam a continuidade das apresentações, de

forma que, por certo período, as peças ocorreram diariamente sem problema

algum. Entre outros temas polêmicos, Shakespeare escreveu Hamlet, cuja

trama mostra um jovem príncipe da Dinamarca em dúvida se prefere o conforto

tangente do poder ou se opta pelos riscos de uma grande aventura. Indeciso,

ele se indaga: “Ser ou não ser, eis a questão”. Em Romeu e Julieta, o autor

desafia normas sociais que ditavam regras para o casamento, provando que o

amor deve ser um sentimento ministrado de maneira individualista. Após a

morte de Shakespeare, os teatros ingleses fecharam as suas portas por causa

da eterna guerra dos puritanos, que declaravam-se contra o teatro, afirmando

ser um objeto trevoso do demônio. Os teatros só reabririam as portas após

vinte anos, apresentando peças de George Eterege (1634 – 1691) e John

Dryden (1631 – 1700).

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O Classicismo: Enquanto em Londres o teatro se revolucionava, alguns

dramaturgos do Classicismo Francês disparavam sérias críticas a

Shakespeare, por ignorar a Poética de Aristóteles. As unidades de tempo e

espaço eram fundamentais na concepção dos franceses e o poeta inglês

parecia desprezar esses elementos da tese aristotélica. Tendo o Rei Sol Luiz

XIV como grande incentivador, os pensadores da Academia Francesa

buscaram seguir de maneira fidedigna às concepções aristotélicas, mostrando-

se, porém extremamente pernósticos em relação às obras escritas,

simplesmente por não possuírem o grande vigor trágico que os atenienses

possuíam.

Porém o teatro francês não deixou de brilhar. Os autores Corneille (1606 –

1684), Racine e outros obtiveram salvo-conduto dos críticos. Enquanto na

Inglaterra o povo mais humilde lotava os teatros; na França, os teatros

recebiam a nobreza francesa, com as roupas chiques, entradas triunfais e

perucas enormes que demonstravam o momento absolutista. Durante os doze

últimos anos de sua vida, Jean Baptiste Molière (1622 – 1673) foi o artista mais

aclamado por Luiz XIV, o que valeu a Molière o prestígio da corte de Versalhes,

mesmo sendo um artista da classe média. Molière em seus textos não ia de

encontro com o autoritarismo, de forma que logo conseguiu seu espaço nos

chiques salões da corte e nos teatros. Porém Molière era um crítico que

colocou em xeque alguns conceitos fortemente edificados da época, como em

“O Misantropo”, onde faz fortes críticas à sociedade. Em “O Tartufo”, Molière

mexe com os brios dos clérigos, causando certo descontentamento por parte

da igreja. Outras peças em que o dramaturgo condena sua sociedade são “Don

Juan” e “O Burguês Fidalgo”.

Com a Revolução Francesa (1789 – 1816), o Rei Luiz XVI foi preso junto com

sua esposa, Maria Antonieta, e depois foi executado na guilhotina. Essa

revolução iria durar pouco mais de quinze anos, até a era Napoleônica e o

começo do Naturalismo na França, que substituiu o classicismo e pernóstico

heroísmo burguês por uma forma menos elitista, mais conceptual e mais

satisfatória de se fazer arte.

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Naturalismo e Realismo: O naturalismo francês logo influenciou o resto da

Europa, possibilitando o surgimento de grandes nomes do teatro mundial. O

realismo francês teve início após a encenação de “A Dama das Camélias”

(1852), de Alexandre Dumas. Essa peça conta a história de uma cortesã que é

regenerada pelo amor, dando ao público a constatação de um mundo real,

observado, sem fantasiosas e lúdicas vivências, e sim, do dia a dia que explica

o comportamento dos personagens apresentados. A concepção realista de que

o homem é fruto do meio começou a ser explorada no teatro francês e logo

ganhou o mundo. Um dos mais aclamados artistas dessa época é o polêmico

Marquês de Sade, que, com uma temática picante e extremamente ousada,

rebelou-se contra os paradigmas sociais da burguesia francesa, tornando-se

um sério problema para a corte do imperador, que mandou prendê-lo num

sanatório para não mais propagar suas insanas obras.

No Brasil, o Realismo foi muito bem representado por José de Alencar com “O

Demônio Familiar” e “As Asas de um Anjo”, Joaquim Manuel de Macedo com

“Luxo e Vaidade” e Pinheiro Guimarães com “História de uma Moça Rica”.

Esse gênero resgatou a razão dentro do processo naturalista, endossando que

o homem é fruto de seu meio. O detalhe é fundamental nas concepções

realistas, além da visão do homem como um ser comum, ou seja, parte da

natureza. A crítica é uma marca das obras realistas, que abordam os temas de

maneira sempre objetiva, buscando ao máximo elucidar o receptor. O

Realismo, dentro de seu contexto histórico, rebateu as conotações românticas,

que propunham a super valorização do herói, do índio e do homem mitológico,

além de refutar o teocentrismo barroco que propunha um cultismo cego em

relação à religiosidade. O Realismo, porém seria desnudado no auge do

modernismo, que trouxe no Brasil uma visão mais democratizada de sua gente,

quebrando com os padrões estéticos europeus característicos no Realismo. Os

dramaturgos realistas brasileiros buscavam compreender sua burguesia à partir

de seus atos, revelando mazelas como prostituição, cobiça e traição, com

temáticas moralistas, que procuravam ditar regras de bons costumes para as

tradicionais famílias no país.

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O Teatro Livre: Influenciado pelo Realismo, que deu origem a inúmeros

filósofos teatrais, o francês naturalista André Antoine (1859 – 1943) foi um dos

primeiros diretores que procuraram adequar encenação à filosofia. Para

Antoine, a vida deve ser expressada no palco de maneira contundente, quase

real, levando em consideração os mínimos detalhes que transportam a platéia

para dentro do palco. Com os recursos inovadores da iluminação artificial, a

partir da eletricidade, além de cenários que compunham as cenas, Antoine

buscava criar um ambiente muito parecido com a realidade, o que influenciava

os atores a pesquisar na sociedade maneiras verossímeis de representar os

seus personagens. Não era permitido o uso da pantomima e da concepção

estilizada do personagem. Ex.: um bêbado deveria ser representado com os

ares reais e com as subjetividades reais de um alcoolizado, levando em

consideração a curva dramática, isso é, a vida do personagem e suas relações

sociais. Os atores tinham que se identificar com seus personagens para assim

buscar uma melhor forma de interpretá-los com grande eficiência, buscando

sempre passar verdade para o público.

Antoine influenciou demasiadamente, com seu empirismo, o teatro mundial,

inclusive no Brasil, onde se vê muito o conceito da chamada “quarta parede”. A

“quarta parede” foi uma forma que Antoine encontrou para mostrar aos atores

que esses deveriam ignorar o público, como se, entre o palco e a platéia

houvesse uma parede que impedisse o ator de trocar olhares com o público,

dando a sensação de que tudo o que acontece no palco é a pura verdade, sem

espectadores, nem elementos artificiais. Segundo André Antoine, ao esquecer

que está sendo assistido, o ator não se distrai e pode trabalhar em cima do

texto com a carga dramática ideal, tornando a peça ainda mais realista. O

método da quarta parede, assim como diversos outros mecanismos de André

Antoine para constituir seu Realismo, foi muito contestado por simbolistas e

expressionistas, que lhe propuseram mais imaginação e criatividade. Antoine

também foi severamente contestado pelo genial Bertold Bretch, que em seu

livro Estudos sobre Teatro propôs o distanciamento do público para com as

emoções dos atores, em prol da objetividade da mensagem.

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Konstantin Stanislavski (1863 – 1938): autor de cinco livros imprescindíveis

para qualquer ator, “A Construção do Personagem”, “A Preparação do Ator”, “A

Criação de um Papel”, “Manual do Ator” e “Minha Vida na Arte”, foi um dos

grandes filósofos teatrais que, durante toda sua vida se dedicou ao teatro

russo. Seguidor do gênero naturalista, Stanislavski tornou-se um ator de

renome em seu país, criando uma técnica primorosa sobre interpretação.

Stanislavski defendia a realidade da cena, com comportamentos inspirados na

vida real. Ele criou uma técnica que sugere que o ator entre em contato com

seus próprios sentimentos, a fim de inspirar seus personagens, de modo que

esses possam ter vida própria. Defendia a ilusão do espectador, argumentando

que os efeitos cênicos causam interação com a platéia, deixando-a mais

envolvida pela esfera mágica da peça teatral.

Stanislavski é um teórico muito criticado e muito admirado no meio teatral, pois

deixou um legado extremamente importante para as futuras gerações que

buscam nele as formas básicas de se interpretar de maneira coerente e

condigna. Com imensa influência sobre grandes artistas e intelectuais de sua

época, entre eles, os conterrâneos Meyehold (1874 – 1940) (criador da

biomecânica da arte dramática) e Tchekhov, Stanislavski atuou no Teatro

Artístico de Moscou, onde encenou grandes espetáculos de Tchekhov e outros

brilhantes dramaturgos.

Bertold Brecht (1898 – 1956): foi um teórico que praticamente antagonizou

com Stanislavski, tornando-se um dos pilares de sustentação das artes cênicas

no tocante à interpretação e a mentalidade mística a respeito do arte

dramática. Seu principal livro “Estudos Sobre Teatro”, de imprescindível leitura

para aqueles que pretendem seguir na carreira artística, demonstra passo a

passo sua visão sobre o mundo naturalista, que pretende conquistar o público

com o sonho, o fingimento e o jogo do faz de conta, enquanto que, para Brecht

a necessidade maior daqueles que assistem um espetáculo, é absorver a

mensagem emitida pelos artistas e não confundir a ficção com a realidade.

Para o teórico, a lição contida em cada texto teatral é demasiadamente

importante, de forma que, para compreender melhor essa lição, o público deve

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estar todo tempo consciente de que a história que se passa no palco é apenas

um teatro-disfarce e não uma realidade. Para conseguir que o público absorva

a mensagem do espetáculo, não se iludindo com a realidade do contexto,

Brecht propôs o afastamento do público em relação ao que ocorre no palco.

Esse afastamento não se realiza fisicamente e sim emocionalmente, de forma

que o espectador não deve envolver-se com o espetáculo, e sim, manter a

imparcialidade e a postura crítica diante dos acontecimentos expostos no

palco. Para constituir esse afastamento, tudo aquilo que Stanislavski propôs

em sua teoria cai por terra, a começar com o cenário e a iluminação, que,

segundo Brecht, não devem convidar o público ao sonho e sim à certeza de

que tudo que se passa no palco é uma mentirinha propositada. Não deve haver

uma atmosfera que induza o público ao sonho (uma rua mal iluminada, um

campo florido com a relva da manhã) e sim, um cenário que seja essencial

para passar as informações mais relevantes para o público sem que esse se

prive de sua sobriedade. Com seu senso de crítica apurado, o espectador

poderá ter atitudes analíticas em relação ao contexto e manterá uma posição

ideológica em relação aos personagens e aos acontecimentos, sem que seja

influenciado pela afinidade emocional, que o leva à imparcialidade.

Brecht propõe o fim da “quarta parede”, teoria de André Antoine, pois, para o

teórico, esse fundamento se constitui numa farsa que cria, mentalmente no ator

a ilusão de estar encenando sem platéia, o que permite a completa catarse do

ator, a total metamorfose do ator, que passa a viver o personagem de maneira

tão intensa que o público se vê iludido, crendo no personagem como uma

verdade absoluta, criando um vínculo que impedirá uma análise crítica e mais

determinada em relação aos acontecimentos.

Para Brecht é importante que o ator saiba que, no palco, ele é apenas um

artista que está interpretando um personagem, ou seja, um intérprete que

mostra o personagem, mas não o vive, que tenta interpretá-lo da melhor

maneira possível, mas que não tenta persuadir-se (tampouco os outros) de que

é o próprio personagem. Dessa forma, o ator em cena não é Otelo, nem

Hamlet, e sim um artista que os representa da melhor maneira possível, que dá

ao público a chance e o direito de tomar partido, de criticar, de conceber um

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idealismo sobre os personagens de maneira própria. Cabe ao ator, no palco,

propor um debate e não debater.

O Teatro Moderno: O Modernismo abalou as estruturas dos dramaturgos

românticos e realistas. No Brasil, a Semana de Arte Moderna (1922) foi

duramente criticada por grandes nomes da arte Realista como Machado de

Assis e Monteiro Lobato. Machado chegou a afirmar que os modernistas eram

formados por uma “paulicéia desvairada”. Já Lobato pôde rever seus conceitos

para ingressar posteriormente para o quadro de autores modernistas.

Com ideais inovadores, os textos Modernos buscaram dar mais veracidade às

situações, viabilizando o contato maior com o público, principalmente por causa

da verossimilhança das ações dos personagens em relação à sociedade. Não

havia mais uma personificação da perfeição trabalhada no realismo, tampouco

a visão romanceada dos personagens e sim a deflagração do homem

imperfeito, ambíguo, com defeitos e qualidades diversas. Dessa busca

incessante pela compreensão dos sentimentos humanos, nasceu o

Surrealismo, o Dadaísmo e o Abstracionismo, que culminaram nas maneiras

subjetivas de representarem o homem e seu mundo, os pensamentos e as

“coisas” inanimadas que cercam os seres humanos, afrontando a razão e

colocando-a subordinada à emoção.

Foi no fim da década de vinte que começaram a surgir peças teatrais modernas

no Brasil, com peças de Oswald de Andrade e Álvaro Moreyra . Porém, foi com

Nelson Rodrigues que o modernismo fincou forte suas raízes na dramaturgia

brasileira. Apesar da Semana de Arte Moderna ter sido arquitetada sobre o

palco do Teatro Municipal de São Paulo, o teatro brasileiro não havia ainda

explorado decentemente o gênero, de forma que, ao público, eram

apresentados espetáculos cujos temas desgastavam-se cada vez mais com o

passar dos anos. Nelson Rodrigues, em sua excepcional obra “Vestido de

Noiva”, utilizou-se de nova linguagem, abolindo a narrativa realista, cuja

estética era de textos com começo, meio e fim, para contar a história de

maneira entrecortada e difusa, onde aos poucos é que o espectador vai

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compreendendo o contexto. Assim, o autor concatena, em três momentos

diferentes, três formas de abordagem distintas, que, primeiramente apresenta à

fantasia da personagem, para depois mostrar o que aconteceu em seu

passado e finalmente o que acontece em seu presente, num contexto todo

fragmentado com passagens que falam por si próprias – uma jóia da literatura

e dramaturgia nacional.

Apesar do modernismo antagonizar com o naturalismo, tem quem pense que

foi nesse gênero que Nelson Rodrigues foi buscar os detalhes que chocam

tanto os que assistem suas peças. Vestido de Noiva é uma obra prima, pois,

apesar de ser uma obra moderna, possui, em momentos destacados, fortes

características expressionistas e realistas. Um outro autor modernista que

utilizou-se de expressões extremadas em seus textos, abordando um cotidiano

insano, com uma forte crítica à sociedade brasileira, foi o célebre Plínio

Marcos, autor de, entre outros clássicos, “Dois Perdidos Numa Noite Suja”,

peça que, em dois atos, aponta os problemas sociais latentes em São Paulo,

contando a história de dois homens muito pobres que trabalham e moram

juntos, que convivem na base da disputa de status, o que culmina na briga dos

dois e na morte de um deles. Assim como Nelson Rodrigues, Plínio Marcos foi

buscar no Naturalismo seu contexto chocante, sua visão pessimista a respeito

do que assunta em suas peças teatrais, o que muitos condenam, erroneamente

como “mau gosto”. Nelson Rodrigues foi duramente criticado por apresentar

temas proibidos e imorais, por quebrar tabus e abordar assuntos como

sexualidade, lenocínio, adultério, etc., mas o que se passa nas entrelinhas de

peças teatrais como “Engraçadinha” e “Bonitinha, Mas Ordinária”, é um grito

em favor da moralidade, uma deflagração da imoralidade humana em prol da

conscientização da sociedade. O Teatro Moderno ganha importância nesse

aspecto, por expor assuntos polêmicos de maneira aberta, profunda,

democrática e com a riqueza de detalhes que permitem o espectador criticar,

debater, pensar nas próprias atitudes e posicionar-se diante daquilo que

participa e vê.

O Teatro da Crueldade: Antonin Artaud (1896 – 1948) foi considerado um

louco visionário do teatro surrealista, que apesar de ter morrido sem ver muito

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suas teorias realizadas na prática, influenciou vários teatrólogos que o

sucederam, entre eles, Jerzy Grotowski, cujas teorias deram origem ao Teatro

Pobre e Peter Brook, teatrólogos que serão abordados mais a frente. Até o

surgimento do mito Artaud, eram considerados pilares de sustentação teatral, o

russo Stanislavski e o alemão Brecht, que propuseram formas diferenciadas de

atuar. Já o francês Artaud possuía grandes pretensões a respeito de sua arte.

Junto com Roger Aron, foi um dos primeiros diretores surrealistas, com a

proposta de contestar o teatro naturalista, principalmente o francês, que se

mostrava muito retórico e paradigmático. Artaud pregava o uso de elementos

mágicos que hipnotizassem o espectador, sem que fosse necessária a

utilização de diálogos entre os personagens, e sim muita música, danças,

gritos, sombras, iluminação forte e expressão corporal, que comunicariam ao

público a mensagem, reproduzindo no palco os sonhos e os mistérios da alma

humana.

Artaud era incisivo ao abordar suas concepções teatrais: “O teatro é igual à

peste porque, como ela, é a manifestação, a exteriorização de um fundo de

crueldade latente pelo qual se localizam num indivíduo ou numa população

todas as maldosas possibilidades da alma”. Assim, surgiu o nome de sua

teoria, o Teatro da Crueldade, que sofreu grande influência do teatro oriental,

principalmente o balinês. Em seu livro “O Teatro e seu Duplo”, o teatrólogo

reafirma seu descontentamento com o teatro europeu, denunciando a perda do

caráter primitivo do teatro como cerimônia, avaliando o teatro oriental como

original, ressaltando que esse manteve seu aspecto cultural milenar, sem

interferência, constituído pelos temas religiosos e místicos, numa confraria que

propõe principalmente saudar o desconhecido e constituir um universo ingênuo

que não busque a explicação e a psicologia, como no teatro ocidental, e sim

uma perspectiva pessoal a respeito do mundo.

O Teatro do Absurdo: Nasceu do Surrealismo, sob forte influência do drama

existencial. O Surrealismo, que explora os sentimentos humanos, tecendo

críticas à sociedade e difundindo uma idéia subjetiva a respeito do obscuro e

daquilo que não se vê e não se sente, foi fundamental para o nascimento

desse gênero que buscava, na segunda metade do século XX, representar no

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palco a crise social que a humanidade vivia, apontando os paradigmas e os

valores morais da sociedade como fatores principais da crise. A principal fonte

de inspiração dos dramas absurdos era a burguesia ocidental, que, segundo os

teóricos do Absurdo, se distanciava cada vez mais do mundo real, por causa

de suas fantasias e ceticismo em relação às conseqüências desastrosas que

causava ao resto da sociedade.

O Teatro do Absurdo foca principalmente o comportamento humano,

deflagrando a relação das pessoas e seus atos concomitantes. O objetivo

maior desse gênero é promover a reflexão no público, de forma que a maioria

dos roteiros absurdos procuram expor o paradoxo, a incoerência, a ignorância

de seus personagens em um contexto bastante expressivo, trágico,

aprofundado pela discussão psicológica de cada personagem apresentado,

com uma nova linguagem. Para Ionesco, Membro da Academia Francesa,

autor de um dos primeiros espetáculos absurdos, como “A Cantora Careca”

(1950), “renovar a linguagem, é renovar a concepção, a visão do mundo”. Essa

linguagem é traduzida não só nas palavras de cada um dos personagens, e

sim em todo o contexto inovador, pois cada elemento no Teatro do Absurdo

influencia a mensagem, inclusive os objetos cênicos, a iluminação densa e

utópica, além dos figurinos. Todos esses elementos materiais do espetáculo

contribuem para o enriquecimento da mensagem que deve ser clara para não

haver dúvidas por parte do público. A ironia constitui-se numa figura de

linguagem extremamente difícil de ser praticada no palco, pois, exagerada ou

mal formulada, pode ganhar um sentido contrário àquele intencionado pelo

diretor. Um outro fator importante é que, no Teatro do Absurdo, muitas vezes o

cenário, o figurino e a nuanças nas interpretações se tornam ainda mais

importantes do que o próprio texto. O texto em si promove uma nova leitura,

cuja concepção tornará possível a construção cênica dentro de um viés

preferido pelo diretor.

Um dos autores de vanguarda do Teatro do Absurdo é Samuel Beckett autor

do clássico “Esperando Godot”, que conta a história de dois personagens que

esperam ansiosos por ajuda numa terra onde nada acontece de inovador, onde

tudo se repete sem cessar, obrigando os angustiados personagens a tentar

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iludir a tristeza e frustração. Esse texto traduz perfeitamente a essência do

Absurdo, sendo Beckett uma pessoa que, desde jovem manifestava seu dom à

rebeldia, sendo um homem contrário à religiosidade, mesmo sendo de família

protestante, além de ser um homem adepto à revolução dos costumes.

Teatro Contemporâneo: Em 1960, o polonês Jerzy Grotowski, autor do livro

“Teatro Laboratório”, extremamente influenciado pela estética do Teatro da

Crueldade, de Artaud, estabeleceu uma relação diferente entre ator e

espectador. Para Grotowski, o ator não deve ter no palco elementos que

distraiam a atenção do espectador, senão seu próprio corpo, ou seja, as

apresentações são feitas junto ao público, sem palco, sem iluminação,

cenários, tampouco texto. Para o dramaturgo, “o teatro é o encontro do

espectador com o ator”, de forma que isso justificava a invasão do ator para

dentro do espaço reservado à platéia, fazendo do público, uma peça chave

para os dramas encenados. Para essa concepção, foi dado o nome de Teatro

Pobre, pois não se explora outra coisa a não ser a interpretação do ator, única

e exclusivamente, sem artifícios maiores, apenas o ator e sua carga dramática.

A idéia de Grotowski de fazer um teatro que refletisse um pouco o mundo

contemporâneo, rapidamente ganhou vários sectários que continuaram a

desenvolver a técnica do polonês. O mais conhecido deles é o inglês Peter

Brook, que procurou estreitar os laços entre o teatro e a vida, colocando a arte

como fator essencial para o convívio humano. Assim como o mestre Grotowski,

os seguidores do Teatro Pobre procuraram trabalhar a expressão corporal do

atores ao invés de utilizar textos, eliminando todos os componentes tradicionais

do teatro como a iluminação, o palco e o figurino. O Teatro Pobre configurou-se

na reinvenção do teatro, pois propôs uma concepção trabalhada

conjuntamente, com detalhes simples compondo a roupagem dos

personagens, além de romper com a barreira do proscênio para ir aonde o

público estava, atuando tanto no teatro quanto nas praças públicas.

A proposta de um novo paradigma teatral trouxe a possibilidade da

democrática abertura do saber filosófico para diversos grupos de teatro do

mundo inteiro. Isso culminou numa série de vertentes que buscaram seguir um

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idealismo peculiar de cada encenador ou grupo teatral. Grotowski, satisfeito

com a possibilidade de ver uma amplidão no mundo no que se refere às teorias

teatrais, esclareceu que seu trabalho não mais surpreendia nem chocava, pois

o modismo estava com os dias contados. De certa forma essa profecia do

mestre polonês se realizou, pois no mundo globalizado, a diversidade

aumentou demasiadamente o que permitiu a opção por diversas formas de se

fazer teatro. Assim, uma vertente hoje em dia pode até não agradar, mas não

choca a sociedade da mesma forma que as novas tendências do teatro

contemporâneo chocaram os tradicionalistas na segunda metade do século XX.

Diversas propostas teatrais hoje concentram-se na filosofia da quebra com o

teatro tradicional. O happening, o teatro de rua, onde o espectador se confunde

com o atuante, interpretando a si próprio e sua realidade, propõe um jogo, uma

situação que busque a relação mais próxima do espectador com quem atua,

partindo do pressuposto de que todos são iguais dentro do jogo da vida. Essa

proposta culminou nas teorias de Jean Jacques Lebel e Augusto Boal (1931 - ),

dois pontífices da democratização da arte, do contato entre o teatro e sua

maior inspiração, que são as situações casuais da vida real. Dentro desse

contexto brilhante, Boal proclama em seu livro “Jogos para atores e não

atores”: “todo mundo age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os

atores! Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser

praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho, no Maracanã ou

em praça pública para milhares de espectadores. Em qualquer lugar... até

mesmo dentro dos teatros.” Maria José Rangué, sobre a cultura norte

americana, afirmou: “Somos todos atores, pois tudo é real e ninguém é

espectador”.

Augusto Boal, diretor de centros de teatro no Rio de Janeiro e em Paris, autor

de diversos livros sobre o tema (todos traduzidos para vinte e cinco línguas

com grande notoriedade no mundo), influenciado pelas filosofias

contemporâneas que estreitam os laços da vida real com o teatro, observou

com muita propriedade que todo ser humano é um ator, pois pratica a

interpretação espontânea, interpretando seus personagens em ocasiões

distintas, em cenas do dia a dia.

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Sempre muito curioso em relação às reações humanas perante a vida, Boal,

que estudou na School of Dramatic art da Universidade de Columbia nos

Estados Unidos, propõe o “Teatro do Oprimido”, uma forma inovadora de se

fazer teatro, que rompe com a estética tradicional e que permite o contato

direto do público com os atores. O Teatro do Oprimido começou a ser difundido

por Boal na década de 70 na Europa, por onde esteve exilado durante a

ditadura militar, sendo que as suas primeiras experiências, foi com o chamado

Teatro Invisível.

O Teatro Invisível constitui-se em representar uma peça teatral nas ruas, junto

com as pessoas, sem que essas saibam que estão participando de uma

contexto cênico. Por isso, é invisível, pois é o teatro que não se vê, mas que se

faz presente, e que procura mostrar que todas as ações quotidianas do ser

humano são teatro. Assim, esse gênero procura introduzir o ator no contexto

real, que se configura com personagens da vida real, que praticam todos os

dias o teatro invisível de ir à escola, de escovar os dentes, de comer um

hambúrguer, de brigar com o marido, de correr em volta de um lago, ou seja,

de se fazer teatro! Afinal, a “vida real” constitui-se de personagens, de

contextos, de emoções, de diálogos e de cenários, o que faz de todo homem

um personagem da vida real. Sendo assim, podendo os atores representarem

a realidade, há a possibilidade das pessoas representarem a ficção, entrando

em contato com suas próprias subjetividades. Boal provou inúmeras vezes a

sua teoria de que pessoas comuns podem participar de um espetáculo cênico,

discutindo assim suas questões mais relevantes.

Durante o exílio, Boal incentivou seus grupos teatrais a fazerem encenações

em locais inusitados como o Metrô de Paris. Os temas trabalhados no Teatro

Invisível são levados para onde quer que o público esteja, de forma que todos

podem participar das montagens, podendo inclusive intervir nas cenas, sendo

não mais espectador e sim, como chama Boal, espect-ator. Essa forma de

Teatro do Oprimido chama-se “Teatro Fórum”, que numa proposta

conferencista, pretende expor argumentos e idéias, pontos e contrapontos,

vivências e críticas num jogo dicotômico, que trabalha com o opressor e o

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oprimido em situações diversificadas, onde o ator não é uma espécie de

semideus que se apossa de um espaço para mostrar a sua arte e sim, mais um

ser humano, mais um personagem que ali, fará parte do jogo, colocando a sua

arte à disposição do público que pretende dar idéias, participar da montagem,

contar nas entrelinhas a sua vida e expor seu ponto de vista. O Teatro Fórum é

feito um jogo, onde os atores fazem uma montagem que tenha um opressor e

um oprimido (como por exemplo, um motorista mal educado e uma velhinha

querendo descer do ônibus, ou um senhorio nervoso e um inquilino sem

dinheiro...), sendo que os espect-atores devem substituir os atores para

resolverem o problema existente na cena. Assim, como num processo

terapêutico, os componentes desse jogo podem trabalhar em cima de seus

maiores medos, ansiedades, ódios, amores, indignações, etc.

“O melhor desse jogo é que ele pode (e deve!) ser feito não só no teatro, mas

na rua, no parque, em escolas, em casa, em diversos locais enfim”, diz Boal à

revista Metaxis, revista do Teatro do Oprimido. Após os atentados de onze de

setembro, Augusto Boal esteve em Nova Iorque e trabalhou com o que chamou

de “pedagogia do medo” com os traumatizados nova-iorquinos . “... a verdade é

terapêutica: constatei, fazendo Teatro do Oprimido, o espantoso poder da

pedagogia do medo, pois os jovens aprenderam a ver o mundo além de suas

fronteiras, ao ver que era verdade, sim, que os Estados Unidos salvaram o

mundo do nazismo, mas que, em contra partida, suas agências de espionagem

semearam a morte e a destruição em países na América do Sul e do Centro;

na África, na Ásia e até na Europa. Os jovens buscavam as suas verdadeiras

identidades, escamoteadas pelo mentiroso discurso político patriótico e pela

mídia censurada”.

Hoje, o Teatro do Oprimido tornou-se um conhecimento básico para todos

aqueles que pretendem estudar e ou trabalhar com teatro, enquanto que

Augusto Boal, eleito vereador no Rio de Janeiro em 1993, aprovando treze leis

municipais relativas ao tema, tornou-se um dos maiores especialistas em teatro

no Brasil e no mundo, sendo sua obra mais difundida no exterior do que em

seu país de origem. Após seu mandato de vereador, Boal lançou o livro “Teatro

Legislativo”, que faz referências ao Teatro Fórum, abordando questões

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políticas e sociais, para que a sociedade possa, pelo viés do teatro, expor suas

críticas, opiniões e tomar conhecimento de seu poder cívico e assim, à partir da

arte e do convívio com o próximo, ter as chances de colocar em pauta suas

questões mais conflitantes, que muitas vezes são renegadas pelos seus

governantes.

2.6) Os Jogos Teatrais

A organização de uma proposta para o ensino do teatro, através de jogos

teatrais, foi elaborada por Viola Spolin em sua longa pesquisa junto a crianças,

adolescentes, jovens e adultos nos Estados Unidos. Spolin ambicionava libertar

a criança/jovem e o ator amador de comportamentos de palco mecânicos e

rígidos. Seus esforços resultaram no oferecimento de um detalhado programa

de oficina de trabalho com a linguagem teatral destinado a escolas, centros

comunitários, grupos amadores e companhias teatrais. A base de sua proposta

pedagógica repercutiu intensamente no meio educacional brasileiro, após a

experimentação de seu sistema de jogos teatrais pelo grupo de pesquisadores

da ECA-USP em Teatro-Educação, liderados por Ingrid Dormien Koudela7.

O sistema de Jogos Teatrais de Viola Spolin está inserido no contexto da

renovação do Teatro norte-americano das décadas de cinqüenta, sessenta e

setenta, filiado ao movimento chamado de contra-cultura. Historicamente,

De um lado, o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude [...] que marcaram os anos 60: o movimento hippie, a música rock, uma certa movimentação nas universidades, viagens de mochila, drogas e assim por diante. [...] Trata-se, então, de um fenômeno datado e situado historicamente e que, embora muito próximo de nós, já faz parte do passado. [...] De outro lado, o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo espírito, um certo modo de

7 Ingrid Dormien Koudela nasceu em 18 de março de 1948 na cidade de São Paulo. É escritora, tradutora e professora universitária, uma das figuras centrais no estudo da didática do teatro e principal desenvolvedora do sistema de jogos teatrais e do pensamento de Viola Spolin no Brasil, tendo traduzido toda sua obra para o português. Professora livre-docente de didática e prática de ensino em artes cênicas da ECA USP, introduz o sistema de jogos teatrais na década de 80 no Brasil. Autora de vários livros sobre pedagogia do teatro, é uma das principais especialistas em teatro-educação, orientando vários estudos na área. Coordena o grupo de trabalho Pedagogia do Teatro e Teatro na Educação da ABRACE - Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas.

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contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às forças mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante. Um tipo de crítica anárquica – esta parece ser a palavra-chave – que, de certa maneira, ‘rompe com as regras do jogo’ em termos de modo de se fazer oposição a uma determinada situação. [...] Uma contracultura, entendida assim, reaparece de tempos em tempos, em diferentes épocas e situações, e costuma ter um papel fortemente revigorador da crítica social (Pereira, 1992, p. 20).

Essa contra-cultura foi tão forte que processualmente foi influenciando, por

exemplo, o cinema, a psicologia, e especialmente, nosso interesse aqui nessa

dissertação, os grupos de “vanguarda” da off-off-Broadway, como o Living

Theater e o Open Theater. Trata-se de exprimir modos de ser (sendo) diante

das injustiças experimentadas então como o assassinato do líder Martin Luther

King, Jr. (1929-1968).

A partir de sua vivência com o ensino de Teatro em comunidades de Chigago e

influenciada por trabalhos da sua professora Neva Leona Boyd (1876-1963),

Spolin criou esse sistema de aprendizagem da linguagem teatral que tem como

um de seus nortes a idéia de que todos podem aprender e fazer teatro,

redimensionando a noção de talento.

Spolin mostra profunda relação com Neva Boyd ao dedicar a ela os seus livros

Improvisation for the Theatre (1963) e Theater Games for the Classroom, a

Teacher handbook (1986). Além disto, nos agradecimentos de seu primeiro

livro, cita Boyd como a sua inspiradora no campo dos jogos criativos coletivos.

Discrimina Boyd como sua professora entre 1924 e 1927, com quem

compartilhou um “extraordinário” treinamento na prática dos jogos, do contar de

histórias, nas danças folclóricas e no teatro. Este contato intenso aluna-

professora foi fundamental na sistematização dos jogos teatrais, realizados na

Escola de Treinamento Educacional da Hull House.

Neva Boyd não tem uma produção teórica quantitativa, mas seu pensamento é

denso. São pequenos textos publicados entre 1914 e 1950. O fulcro de suas

idéias pode ser acompanhado no livro Play and Game Theory in Group Work: a

Collection of Papers by Neva Leona Boyd, organizado por Paul Simon (1971).

Este livro, Teoria do Jogo no Trabalho Social, é uma compilação de seus

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principais trabalhos. Boyd publicou também uma série de apostilas editadas em

parceria, contendo descrição de jogos e danças de vários países, com suas

respectivas partituras musicais, fruto da pesquisa prática com os imigrantes

que povoaram a Hull House.

Os jogos teatrais são procedimentos lúdicos, com regras explícitas e são

intencionalmente dirigidos para o outro. O processo em que se engajam os

sujeitos que "jogam" se desenvolve a partir da ação improvisada e os papéis de

cada jogador não são estabelecidos a priori, mas emergem a partir das

interações que ocorrem durante o jogo. A finalidade do processo é o

desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal dos jogadores através do

domínio e uso da linguagem teatral, sem nenhuma preocupação com

resultados estéticos cênicos pré-concebidos ou artisticamente planejados e

ensaiados. O princípio do jogo teatral é o mesmo da improvisação teatral, é a

comunicação que emerge a partir da criatividade e espontaneidade.

A filosofia de Spolin ganha força com a atual legislação educacional brasileira,

que, reconhece a importância da arte na formação e desenvolvimento de

crianças e jovens, incluindo-a como componente curricular obrigatório da

educação básica. No Ensino Fundamental, a Arte passa a vigorar a partir da

implantação dos PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, MEC,

1998) enquanto área de conhecimento no currículo da escola brasileira, através

de quatro linguagens artísticas: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.

O Teatro é abordado nos PCN - Arte a partir de sua gênese em rituais de

diferentes culturas e tempos e o jogo é conceituado a partir das fases da

evolução genética do ser humano e entendido como instrumento de

aprendizagem, promovendo o desenvolvimento da criatividade, em direção à

educação estética e práxis artística. Nesse sentido, o jogo teatral é um jogo de

construção em que a consciência do “como se” é gradativamente trabalhada,

em direção à articulação da linguagem artística do teatro. No processo de

construção dessa linguagem, a criança e o jovem estabelecem com seus pares

uma relação de trabalho, combinando a imaginação dramática com a prática e

a consciência na observação das regras do jogo teatral.

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Um fator ressaltado no documento sobre a linguagem do teatro é a tematização

de textos poéticos que podem ser objeto de imitação crítica por crianças e

jovens. O texto poético pode constituir-se em princípio unificador do processo

pedagógico com o jogo teatral, permitindo liberdade e diversidade de

construções.

É preciso ressaltar que para a área de Arte o documento significou um grande

avanço, ao incorporar como eixos de aprendizagem a apreciação estética e a

contextualização que se somam à expressividade/produção de arte pela

criança e pelo jovem. Essa proposta vem promovendo o potencial do Teatro

como exercício de cidadania e o crescimento da competência cultural dos

alunos.

O jogo instiga e faz emergir uma energia do coletivo quase esquecida, pouco utilizada e compreendida, muitas vezes depreciada. Teóricos enfatizam a importância do jogo no processo de aprendizagem na infância, desde Rousseau e Dewey a Piaget e Vygotsky. Mas a escola, até hoje, nega o jogo como poderoso instrumento de ensino/aprendizagem. (Koudela, 1992)

De acordo com Piaget (1977), o agrupamento entre crianças oscila entre dois

tipos de moral: a da heteronomia e a da autonomia. As tentativas de

colaboração (pacto democrático) resultam do crescente sentido de cooperação

e não atingem nunca um equilíbrio ideal ou estático. A consciência de si implica

uma confrontação contínua do eu com o outro. Somente por meio do contato

com os julgamentos e avaliações do outro é que a autonomia intelectual e

afetiva cede lugar à pressão das regras coletivas, lógicas e morais. Por

oposição ao símbolo discursivo, o símbolo lúdico culmina na ficção e não na

crença.

Os jogos teatrais são baseados em problemas a serem solucionados. O proble-

ma é o objeto do jogo que proporciona o foco. As regras do jogo teatral incluem

a estrutura dramática (Onde/Quem/O Que) e o foco, mais o acordo de grupo.

Para ajudar os jogadores a alcançar uma solução focalizada para o problema,

Spolin sugere o princípio da instrução, por meio do qual o jogador é encorajado

a manter a atenção no foco. Dessa forma, o jogo é estruturado através de uma

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intervenção pedagógica na qual o coordenador/professor e o aluno/atuante se

tornam parceiros de um projeto artístico.

Numa visão entusiasta, podemos dizer que "Os jogos teatrais são para o teatro

o que o cálculo é para a matemática" (Koudela, 1992). As múltiplas dimensões

dos jogos teatrais e a abordagem de Viola Spolin para o ensino/aprendizagem

fizeram com que essa delicada teia de aprendizagem do artesanato e da

criatividade no jogo teatral fosse considerada objeto de pesquisa de várias

publicações brasileiras.

Ingrid Koudela (1992) na sua publicação chamada “Jogos Teatrais” ressalta a

passagem do jogo dramático ou brincadeira de faz de conta para o jogo teatral

que representa a transformação do egocentrismo em jogo socializado. O

desenvolvimento progressivo da atitude de colaboração leva à autonomia da

consciência, realizando a revolução copernicana (Piaget) que se processa no

indivíduo, ao passar da relação de dependência para a autonomia.

A diferença estabelecida por Spolin entre dramatie play (Jogo dramático) e

theater game (Jogo teatral - termo cunhado pela própria Spolin) propõe a

inserção da regra no conceito de jogo. Conseqüentemente, o jogo teatral não

pode ser confundido com o jogo dramático, na medida em que o jogo teatral

pressupõe um conjunto de princípios pedagógicos que constituem um sistema

educacional específico.

As instruções dadas pelo coordenador, enquanto o jogo está em processo,

pretendem atingir o organismo do atuante como um todo. Elas surgem

espontaneamente, a partir daquilo que emerge na cena. O coordenador é o

olho e o ouvido da platéia e, ao mesmo tempo, é um parceiro que participa do

jogo teatral através da instrução.

No processo de ensino, a abordagem intelectual ou psicológica é substituída

pelo plano da corporeidade. O material do teatro, gestos e atitudes, é

experimentado concretamente no jogo, sendo que a conquista gradativa de

expressão física nasce da relação que deve ser estabelecida com a

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sensorialidade. Dessa forma, no decorrer do processo educacional, é atingida

uma objetividade que almeja eliminar o mau hábito de utilizar o teatro como um

instrumento de acrobacia sentimental. Através da fiscalização, a realidade

cênica adquire textura e substância.

O jogo se dá por meio de partidas e, a cada encontro, os jogadores

experimentam novos desenlaces. Como no futebol ou no xadrez, cada jogador

desenvolve as habilidades necessárias para jogar e o seu desenlace será

determinado pelas relações de parceria. Como indivíduos, somos cada vez

mais isolados, fragmentados, solitários. O tempo presente do jogo seja durante

o ato de acertar um cesto ou marcar o gol, é o estado do processo. O atuante

se transforma, assim, em jogador que exercita o aqui! Agora!

É comum se admitir como capacidade intelectual de um indivíduo somente

aquilo que este é capaz de realizar sozinho. No entanto, para Vygotsky, aquilo

que um indivíduo é capaz de realizar assistido por outro, seja um parceiro, seja

um instrutor, seja até mesmo instrumentos como livros, lições, calculadoras,

computadores que são em última instância produtos de outros indivíduos,

também representam uma habilidade intelectual do indivíduo.

Assim, existe uma zona de 'capacidade' que corresponde à diferença entre o

que um indivíduo é capaz de realizar sem assistência e aquilo que é capaz de

realizar em parceria. Esta diferença de performance entre sozinho e em

coletividade, Vygotsky denominou de Zona de Desenvolvimento Proximal, e a

definiu como uma zona de desenvolvimento em potencial da capacidade

intelectual do indivíduo. Segundo Vygotsky, "as práticas pedagógicas deveriam

por ênfase nesta zona, de modo a favorecer a apropriação por parte do

indivíduo de práticas sociais que o conduzissem a um desenvolvimento

cognitivo".

Admitir uma tal perspectiva é assumir a responsabilidade de construir o

conhecimento de forma coletiva e partilhada. É admitir que uma tarefa proposta

só ganha significado à medida que o grupo se põe a trabalho e que o resultado

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de tal tarefa não deve ser o que foi inicialmente pensado, mas sim aquilo que

foi construído durante sua execução.

Por esse motivo a intervenção educacional do coordenador de jogo é

fundamental, ao desafiar o processo de aprendizagem e de reconstrução de

significados. Segundo Lima (1995) “A Zona de Desenvolvimento Proximal de

Vygotsky muda radicalmente o conceito de avaliação, as implicações

pedagógicas deste conceito que incide sobre a avaliação de escolares é a

necessidade de que esta seja concebida prospectivamente, levando em

consideração não até onde o sujeito chegou mas até onde ele poderá chegar

com a intervenção e a ajuda de outros mais experientes ou capazes. A ênfase

recai no processo em si de aprendizado e não nos resultados com ele obtidos.

Alguns estudiosos da abordagem histórico-cultural advogam a necessidade de

se compreender o conceito de ZDP como uma Área Social de Desenvolvimento

Potencial que ultrapassa os limites de ambientes formais de educação ou de

uma orientação unidirecional no sentido professor-aluno. A ZDP resultaria

assim de toda e qualquer interação mediada culturalmente entre sujeitos”.

As propostas de avaliação do coordenador de jogo deixam de ser

retrospectivas (o que o aluno é capaz de realizar por si só) para se

transformarem em prospectivas (o que o aluno poderá vir a ser). A avaliação

passa a ser propulsora do processo de aprendizagem.

O conceito de zona de desenvolvimento proximal como princípio de avaliação,

promove, com particular felicidade, a construção das formas artísticas. No jogo

teatral, por meio do processo de construção da forma estética, a criança

estabelece com seus pares uma relação de trabalho em que a fonte da

imaginação criadora - o jogo simbólico - é combinado com a prática e a

consciência da regra de jogo, a qual interfere no exercício artístico coletivo. O

jogo teatral passa necessariamente pelo estabelecimento do acordo de grupo,

por meio de regras livremente consentidas entre os parceiros. O jogo teatral é

um jogo de construção com a linguagem artística. Na prática, com o jogo

teatral, o jogo de regras é princípio organizador do grupo de jogadores para a

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atividade teatral. O trabalho com a linguagem do teatro desempenha a função

de construção de conteúdos, através da forma estética.

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3) REVISÃO DA LITERATURA

Algumas pesquisas têm sido desenvolvidas acerca do tema “Jogos Teatrais na

Escola”, principalmente partir da década de 70, após a experimentação do

sistema de jogos teatrais pelo grupo de pesquisadores da Escola de

Comunicações e Artes da Universidade São Paulo - ECA-USP, liderados pela

Professora Doutora Ingrid Dormien Koudela, docente do Programa de Pós-

Graduação em Artes ECA-USP.

Toda proposta de Teatro-Educação se debate em torno da definição do

binômio que constitui seu fundamento. Até que ponto o orientador de um grupo

de crianças ou adolescentes deve encaminhar o trabalho para o lado artístico

ou até que ponto o ensino artístico é de menor importância, considerando-se

que está lidando em primeiro lugar com uma atividade de caráter formativo.

A concepção predominante em Teatro-Educação vê a criança como um

organismo em desenvolvimento, cujas potencialidades se realizam desde que

seja permitido a ela desenvolver-se em um ambiente aberto à experiência. O

objetivo é a livre expressão da imaginação criativa.

Escrever sobre teatro é também escrever sobre o homem e sua trajetória em

busca de si e do mundo, pois como ressalta Costa (2004): “O teatro é rito. E

sendo rito é cultural. E sendo cultural é humano. Sendo cultura, rito e humano

sua proximidade com a educação é necessária, haja vista que a educação

participa de rituais de aprendizagens, devendo sempre levar em consideração

o ser humano e sua cultura”.

Ricardo Japiassu (2001) ressalta que: “Há um grande contingente de

descobertas educacionais sobre o caráter pedagógico, terapêutico e semiótico

do teatro interagindo com as pesquisas estéticas que ambicionam a renovação

da linguagem do teatro e das artes como um todo por todo o século XX e XXI.

Algumas experimentações e propostas estéticas contemporâneas

influenciaram e continuam influenciando as diferentes abordagens do teatro na

educação. Contudo, emergiu nos últimos tempos, um amplo leque de

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possibilidades, uma espécie de mosaico de encaminhamentos pedagógicos do

trabalho educativo com teatro”.

Vilma Campos (2007) em seu artigo “Perspectivas do Jogo Teatral como

componente curricular na graduação em Teatro da Universidade Federal de

Uberlândia”. Apresentado no GE: Educação e Arte / n.01 da 30ª ANPED,

também reflete sobre a contribuição dos Jogos Teatrais, no sentido de

perceber que perspectivas podem advir de uma configuração curricular que

atenda as necessidades do educador de teatro.

Fabiane da Silveira (2007) em sua pesquisa “Caminhos percorridos por uma

pesquisa com o Teatro na Escola... Aprendendo a aprender e a interagir com o

outro”. Apresentado no GE: Educação e Arte / n.01 da 30ª ANPED, identificou,

nas atividades teatrais propostas pela professora, os mecanismos que

desencadeiam aprendizagens durante o exercício com o pensamento

dramático e, principalmente, o papel da intervenção dos alunos-atores na

promoção de tais mecanismos.

Segundo Vygotsky (2001), o teatro e as artes em geral, são verdadeiras formas

e “instrumentos” de expressão semiótica, com vias de processos de

representação simbólica para a comunicação do pensamento do ser humano.

Tal perspectiva eleva o valor da arte e a articula como importante elemento na

formação do educando. O uso dos símbolos e da expressão humana como

catalisadores dos processos educacionais são importantes “instrumentos”

psicológicos que afetam de forma irreversível o funcionamento mental humano,

bem como a estrutura das relações entre pessoas intra e interculturalmente.

Spolin (2007) ressalta que com os Jogos Teatrais em lugar de enfatizar o

produto final, os professores passarão a dar maior importância ao processo. Se

a peça construída pelas crianças em torno de “Romeu e Julieta”8 é boa, tanto

melhor. Isto, no entanto não é tão importante quanto o crescimento que resulta

8 Romeu e Julieta peça teatral de William Shakespeare (1564 - 1616), dramaturgo e poeta inglês. É considerado por muitos o mais importante autor da língua inglesa e um dos mais influentes do mundo ocidental. Seus textos e temas permaneceram vivos até aos nossos dias, sendo revisitados com freqüência pelo teatro, televisão, cinema e literatura.

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da experiência de criar uma peça. Esta mudança de ênfase do aspecto

exibicionista para o aspecto educacional fez com que o teatro se transformasse

em uma disciplina do currículo escolar que tem uma contribuição valiosa para a

educação.

Com o objetivo de convencer os educadores de que uma abordagem criativa

da arte dramática não é apenas desejável, mas também essencial para a

criança passou-se a negar os valores teatrais da atividade. De fato,

especialistas na área definem títulos e termos alternativos para enfatizar a

diferença entre Teatro, como arte adulta, e o jogo dramático, manifestação

espontânea da criança.

“O objetivo do jogo dramático é equacionado pelas experiências pessoais e

emocionais dos jogadores. O valor máximo da atividade é a espontaneidade, a

ser atingida através da absorção e sinceridade durante a realização do jogo”

(Slade 1978).

A abordagem do Teatro-Educação constrói, pelo processo do teatro ou das

outras linguagens em arte-educação, instrumentos poderosos de comunicação,

leitura e apreensão da realidade humana. Não há uma preocupação máxima

com a formação do artista, mas sim, com a expressão teatral, movimentando-

se numa área permeada pela afetividade, cognição, psicomotricidade e ética.

No sentido do delineamento teórico da pesquisa sobre o teatro e a educação,

autores como Ryngaert (1977, 1991 e 1993), Spolin (1963, 1975, 1985),

Koudela (1984, 1991, 1999 e 2001), Pupo (2006), Desgranges (2006), Cabral

(2006) e Spritzer (2003), dentre outros, fornecem elementos para refletir sobre

o complexo e multifacetado processo de construção da teatralidade.

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4) METODOLOGIA DA PESQUISA

Antes de discorrer sobre o método de pesquisa e explicitar as formas de coleta

e análise de dados utilizados, convém descrever a metodologia empregada por

Spolin para um trabalho com jogos teatrais, pois dela decorre a forma de

pesquisa desenvolvida.

Os Jogos Teatrais desenvolvidos por Spolin (2007) possuem três pontos

essenciais: o foco, a instrução e a avaliação.

O Foco: Cada foco determinado da atividade é um problema essencial para o

jogo que pode ser solucionado pelos participantes. Nas oficinas, o orientador

apresentará o foco como parte do jogo, mantendo-se atento a ele ao dar as

instruções quando necessário. O foco coloca o jogo em movimento. Todos se

tornam parceiros ao convergir para o mesmo problema a partir de diferentes

pontos de vista. Através do foco entre todos, dignidade e privacidade são

mantidos e a verdadeira parceria pode nascer.

O foco não é o objetivo do jogo. Permanecer com o foco gera a energia

necessária para jogar, que é então canalizada e escoa através de uma dada

estrutura (forma) do jogo para configurar o evento teatral. O esforço em per-

manecer com o foco e a incerteza sobre o resultado diminui preconceitos, cria

apoio mútuo e gera envolvimento orgânico no jogo. Todos, professor

(orientador) e alunos (jogadores), são surpreendidos pelo momento presente,

alertas para solucionar o problema.

A Instrução: É o enunciado daquela palavra ou frase que mantém o jogador

com o foco. Frases para instrução nascem espontaneamente a partir daquilo

que está surgindo na área de jogo e são dadas no momento em que os

jogadores estão em movimento. A instrução deve guiar os jogadores em dire-

ção ao foco, gerando interação, movimento e transformação.

A instrução faz com que os jogadores retornem ao foco quando dele se

distanciaram (Ex: "-Permaneça com o olho na bola!"). Isto faz com que cada

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jogador permaneça em atividade e próximo a um momento de nova

experiência. Além disso, dá ao professor-diretor o seu lugar dentro do jogo

como parceiro.

Na maioria dos jogos Spolin faz sugestões para instrução. Nas primeiras

experiências, é aconselhado utilizar as frases sugeridas, enunciando-as

durante o jogo em momentos apropriados. Mais tarde o próprio orientador

descobrirá a instrução apropriada sem seguir o texto. Grupos e indivíduos

diferem em termos de resposta pessoal. A instrução pode ser evocativa, plena

de potencialidades; pode ser um catalisador estimulante, provocante.

Em seu livro “Jogos Teatrais na sala de aula” Viola Spolin indica de forma clara

e objetiva todos os procedimentos para o uso correto dos jogos no ambiente

escolar:

(...) professor procure evitar uma barragem de orientações insípidas. Espere pelo jogo que está emergindo. Lembre-se que você também é um parceiro de jogo. Para dar a instrução com eficiência, utilize um enunciado simples e direto: "Com-partilhe sua voz! Permaneça no espaço - tire da cabeça! Ajude seu parceiro que não está jogando!". Quando a instrução é dada como parte do processo, os jogadores respondem livremente.

No trabalho inicial com os alunos, muitos deles, devido ao fato de estarem

acostumados a dar atenção quando falam, podem parar de jogar e olhar para o

professor enquanto está dando a instrução, isto é um sinal de que ainda não o

estão aceitando como parceiro. Neste caso, o ideal é utilizar a instrução: "Ouça

a minha voz, mas continue jogando!".

A instrução será sempre geral, não dirigida aos jogadores individualmente, e

buscando basicamente manter todos os jogadores (inclusive os jogadores na

platéia) com a atenção no foco. A instrução não deve alterar o curso do jogo,

mas simplesmente manter todos os jogadores no foco.

A Avaliação: Avaliação não é julgamento. Não é crítica. A avaliação deve

nascer do foco, da mesma forma como a instrução. As questões para avaliação

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listadas nos jogos são, muitas vezes, o restabelecimento do foco. Lidam com o

problema que o foco propõe e indagam se o problema foi solucionado.

Quando um jogador ou grupo trabalha no foco do jogo, todos os outros

jogadores que fazem a platéia compartilham o jogo. Aquilo que foi comunicado

ou percebido pelos jogadores na platéia é então discutido por todos durante a

avaliação.

Dentro de um ambiente livre, ao perguntar aos jogadores no palco: "Vocês

concordam com os jogadores na platéia?", estamos dando a eles uma

oportunidade idêntica para posicionar-se em relação àquilo que acabaram de

fazer. A avaliação, muitas vezes, é uma oportunidade para o orientador e os

jogadores emitirem sua opinião sobre "a maneira certa" de fazer algo.

Como líder, o professor (orientador) deve estar atento para que todos os

jogadores fiquem longe de histórias pessoais, voltando-se para o foco presente

do jogo. Não há nada mais dogmático do que uma criança de seis ou sete anos

que "sabe" a resposta certa. Ele ou ela já está em fase de refletir e aceitar os

padrões da realidade. Ele ou ela está certo e todo o resto do mundo está

errado! Parece impossível inicialmente erradicar estas palavras de julgamento

do vocabulário de algumas crianças muito jovens. Mas se o professor insistir,

as diferenças individuais são finalmente aceitas.

Os grupos são formados e todos são induzidos a se responsabilizar pela sua

parte no jogo. Cada jogo é apresentado de forma breve para que possa ser lido

e entendido facilmente.

Muitos jogos têm variações, cada uma delas soluciona um problema diferente

para o aluno. Cada professor descobrirá que pode inventar muitos acréscimos

ao desenvolver o trabalho. Poderíamos sintetizar assim as características e

formatos dos jogos teatrais:

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Objetivo: Define o principal resultado que o professor ambiciona alcançar com

cada jogo. Todos os jogos têm diferentes utilizações. Mas somente o professor

pode solucionar problemas particulares que surgem na sala de aula.

Foco: Os alunos jogadores têm em mente o foco assim como um jogador de

basquete mantém seus olhos na bola em movimento. O foco garante

envolvimento de todos os participantes, em todos os momentos, durante o

processo do jogo.

Instrução: é o diálogo entre o professor/instrutor e os alunos/jogadores. As

frases são apoios dados enquanto se joga o jogo.

Descrição: Dá dicas para o professor sobre como organizar o jogo, onde

posicionar os jogadores, quando iniciar a instrução, quando interromper o jogo,

etc.

Notas: Inclui observações sobre como tornar o jogo mais eficiente, quais

dificuldades podem surgir no jogo e como solucioná-las, quais oportunidades

devem ser buscadas, quais são os jogos relacionados, etc.

Avaliação: consiste de perguntas para os alunos/jogadores e para os obser-

vadores. A avaliação revela o que foi percebido, aprendido ou realizado no

curso do jogo.

O formato do jogo teatral descrito acima, os objetivos fixados para a pesquisa e

o fato de estar diretamente envolvido na mesma, orientando as ações de um

grupo de crianças, no ambiente escolar, determinam a metodologia de

pesquisa escolhida.

Trata-se de um Estudo de Caso Qualitativo que permite compreender as

interações nos processos de aprendizagens que ocorrem durante o

desenvolvimento das atividades.

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Além do mais, convém desde já ressaltar, que haverá a inserção do

pesquisador nas atividades de campo que vai observar e analisar, provocando

mudanças devidos as interveções.

O Estudo de Caso é uma modalidade de pesquisa amplamente utilizada e

consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou mais objetos, de maneira

que permita seu amplo e detalhado conhecimento.

Stake (1995) enfatiza que o que caracteriza o estudo de caso não é um método

específico, mas um tipo de conhecimento: “Estudo de Caso não é uma escolha

metodológica, mas uma escolha do objeto a ser estudado”. Destaca ainda que

uma questão fundamental é o que se aprende ao estudar o caso e que o

conhecimento gerado a partir de um estudo de caso é diferente porque é:

• Concreto – encontra eco em nossa experiência, por isso é mais vivo,

concreto e sensório do que abstrato

• Contextualizado – nossas experiências estão enraizadas num contexto.

• Voltado para a interpretação do leitor – os leitores trazem sua

experiências e compreensões, as quais levam generalizações quando

novos dados do caso são adicionaodos aos velhos.

• Baseado em populações de referência determinadas pelo leitor – ao

generalizar, os leitores tem certa população em mente. Assim, participa

ao estender a generalização para população de referência.

Trata-se de um estudo de caso: (1) de um programa de ensino-aprendizagem

de teatro; (2) Planejado, executado e avaliado junto a grupo de discentes e

uma professora de uma sala de aula específica (5ª série do ensino

fundamental) de uma escola privada de ensino.

Uma das vantagens do estudo de caso é a possibilidade de fornecer uma visão

mais profunda e ao mesmo tempo ampla e integrada de uma unidade social

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Nesse tipo de pesquisa, que objetiva revelar os significados atribuídos pelos

participantes a uma dada situação, a entrevista se impõe como uma das vias

principais.

Mas é preciso ficar claro de que não se busca nas entrevistas resposta do tipo

sim ou não, mas posicionamentos pessoais, julgamentos, explicações. Pré-

testar a entrevista numa situação similar à real, deve ser uma rotina. O bom

entrevistador consegue não só refazer os depoimentos, mas submete o seu

relato ao respondente.

Embora se tenha dado destaque à entrevistas, há outras formas que podem

ser associadas a essas como, por exemplo, questionários, testes, mapas

conceituais, dados estatísticos ou outros. O importante é não perder de vista os

pressupostos que orientam o estudo de caso do tipo etnográfico.

Fase de análise sistemática dos dados e de elaboração do relatório: A

análise está presente nas várias fases da pesquisa, tornando-se mais

sistemática e mais formal após o encerramento da coleta de dados.

O primeiro passo na tarefa de análise foi o de organizar todo o material

coletado, separando-o em diferentes arquivos, segundo as fontes de coleta ou

arrumando-os em ordem cronológica. O passo seguinte foi o da leitura e

releitura de todo material para identificar os pontos relevantes e iniciar o

processo de construção das categorias descritivas.

De um ponto de vista bastante prático é preciso reservar um longo período de

tempo para a análise dos dados, para que seja possível ler e reler inúmeras

vezes o material, voltar ao referencial teórico, elaborar relatórios preliminares,

refazê-los, submetê-los ao amigo crítico e reestruturá-los novamente até

chegar a uma reprodução do caso em sua complexidade e em seu dinamismo

próprio.

A preocupação é com a transmissão direta, clara e bem articulada do caso,

num estilo que se aproxime da experiência pessoal do leitor.

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4.1) - Sujeitos da Pesquisa e Procedimentos

Os Jogos Teatrais foram aplicados a um grupo de 16 crianças do 5º ano do

Ensino Fundamental, com idades entre 10 e 11 anos, regularmente

matriculadas em uma escola da rede privada de ensino, da cidade de Vila

Velha no Espírito Santo.

A instituição de ensino, a professora e os pais ou responsáveis autorizaram a

realização da pesquisa e o uso dos nomes e fotografias das crianças (tiradas

pelo pesquisador e pela professora), em função disso todos os nomes descritos

no trabalho são reais.

Os encontros aconteciam uma vez por semana, sempre às segundas-feiras,

acompanhados pela professora da turma, a senhora Elisabete, que também

observou e forneceu informações sobre as condutas das crianças fora do

ambiente da oficina.

A turma era formada por 05 alunos que cursavam a escola desde o 1º ano. O

restante era de alunos recém chegados de outras instituições escolares. Era,

portanto, um grupo heterogêneo, com tênues laços afetivos. A professora

considerava que os alunos em geral eram ativos, mas dispersos – o que

pontuaria sua demanda por certa união grupal. Isso pôde provocar o interesse

da escola enquanto instituição, pelo projeto, ainda que não tenha se envolvido

muito com o mesmo a não ser em sua fase final.

A seleção dos jogos teatrais foi feita após um primeiro contato com o grupo de

crianças, em função do desenvolvimento e envolvimento do grupo com as

atividades propostas. Cada jogo tinha um objetivo específico: concentração,

postura, entonação da voz, liderança, trabalho em grupo, etc.

As interações surgidas, as dificuldades, as aprendizagens e o produto final a

que chegaram (teatro diante de uma platéia) foram observados e analisados,

com o apoio dos seguintes instrumentos:

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- Diário de Campo

- Fotografias

- Gravações em vídeo

- Entrevistas

- Questionários

Houve 10 sessões de jogos teatrais, perfazendo um total de 20 aulas (cada

sessão equivalia a duas aulas "germinadas"). Além do registro em fotos e

vídeo, o comportamento dos alunos foi anotado em fichas individuais nas quais

eu descrevia suas dificuldades, avanços no aprendizado do Teatro e aspectos

do seu relacionamento com colegas. Paralelamente, mantive um Diário de

Campo no qual eram redigidos, as minhas reflexões, observações e notas

sobre o desenvolvimento do trabalho com o grupo. As observações da

professora e de outros membros da comunidade escolar que atendiam as

crianças também foram anotadas.

Como não temos um teatro nas dependências da escola a oficina de jogos

teatrais aconteceram numa das salas de aulas. As cadeiras foram todas

afastadas e foi delimitado um espaço para ser o palco e outro para ser a

platéia.

As aulas-sessões de Teatro seguiam a proposta de Spolin, cumprindo cada

uma delas o seguinte ritual:

* Aquecimento do grupo com exercícios de expressão corporal;

* Jogos teatrais diversos ( 2 a 3 jogos por sessão) com o objetivo de despertar

nos brincantes a teatralidade;

* Jogos de relaxamento

* Círculo de discussão, com avaliação coletiva e auto-avaliação das ações

desenvolvidas na aula.

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5) RELATO E ANÁLISE DAS OFICINAS

5.1) - Num primeiro momento...

Após um primeiro contato com a professora, foi definido que a oficina de teatro

(ou programa de ação e ou de intervenção através do teatro) seria

desenvolvida com toda a turma (16 alunos) no período normal de aula, uma

vez por semana.

Apresentei-me ao grupo de crianças do 5º ano e iniciei um diálogo sobre o

teatro e o projeto de trabalho que faríamos. Neste primeiro momento expliquei

numa linguagem bem acessível, como é um grupo de teatro, a importância dos

jogos teatrais, sobre minhas experiências pessoais com relação ao teatro,

sobre as atividades que iríamos realizar e quais os objetivos. Utilizei-me de um

diálogo de transparência onde me coloquei como sujeito da experiência;

daquele que passou e viveu algo e que poderia ensinar e produzir

aprendizagens. Ao final da minha fala indaguei aos alunos sobre o que é

teatro?

Alguns alunos claramente ligam o teatro à questão da fama, a midiática ilusão

do ator celebridade, rico e famoso como podemos observar nas falas dos

alunos Simone, Nathan e Roberta:

“É um lugar onde as pessoas se expressam pelos movimentos e a música. E a platéia rir, chora e se assusta. O teatro é mais do que isso para mim, e o começo da fama para as pessoas que querem ter um grande sucesso”. (Simone 10 anos)

“É um tipo de peça de um clássico ou outro com personagens em vida real. Exemplo: Aladin e as mil e uma noites. Teatro também pode se encontrar situações engraçadas de tira o fôlego. O teatro é legal, por isso, atrai muitas pessoas e podemos ficar muito famosos e ricos”. (Nathan 10 anos)

“Se você quiser fazer teatro, nunca devirá desistir! Se errou as falas, ou se a fala pra se decorar é muito longa, não desista. Tente de novo, de novo e de novo. Até conseguir. Pois assim você vai ter a chance de ser uma estrela! Um ator ou uma atriz, com vários amigos e sendo reconhecido por todos! Porque desistir não está no meu vocabulário! Bom as vezes...” (Roberta 11 anos)

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Outro grupo de alunos também indagados sobre o que era o teatro, associou-o

às emoções, sentimentos, uma forma de transmitir e expressar todos os

sentimentos humanos:

Para mim, o teatro é uma forma de expressar sentimentos como: paixão, medo, tristeza, alegria, solidão etc. Com o teatro dá para apresentar músicas, histórias conto de fadas e danças. Para fazer um teatro, não é preciso apenas do palco, dos atores ou da roupa. Não! Também é preciso de gostar do que estar fazendo, ter o prazer de apresentar e não ser tímido.(Vanessa 10 anos)

“Teatro para mim é emoção, paixão, comédia, etc. Eu gosto de teatro”.(Gabriel 11 anos)

“Teatro para mim é á chance de se expressar liberar suas emoções.”(Leonardo 10 anos)

“Para mim teatro é emoção, drama, alegria e tristeza quando você interpreta o personagem e eu também acho que é divertido e legal o teatro.”(João Pedro 11 anos)

Um terceiro grupo de alunos associou o teatro à arte da interpretação, da

dramatização. Ao uso do corpo, das expressões faciais, dos recursos da

música, das artes plásticas:

“Teatro é uma arte magnífica da interpretação. No teatro eu meu sinto no lugar do personagem, é como se a história realmente acontecesse comigo. Adorei a idéia de ter alguém para me ensinar tudo, tudo isso”.(Gabriela 10 anos)

“Para mim é um jeito de representa uma história com personagens verdadeiros”.(Beatriz 10 anos)

“Para mim teatro é dramatização”.(Guilherme 11 anos)

“Teatro para mim é a interpretação, sentimento, voz, dança, atenção, música, cenário, fantasia, ensaio, arte etc...”.(Ana Maria 11 anos)

Capturei que estava diante de um grupo interessado e motivado a se envolver

com minha proposta de teatro. Havia uma dispersão comum e saberes-fazeres

diferenciados, mas todos direcionados, ao meu sentir, a um mesmo sentido. O

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envolvimento dos discentes ocorre nas relações sociais nas quais alunos,

alunas e pesquisador estão inseridos, como poderia destacar Vygotsky.

Nessa perspectiva o desenvolvimento humano ocorre a partir das relações

sociais que a pessoa estabelece no decorrer da vida, e a sala de aula é a vida,

um lugar especial e de destaque de sistematização do conhecimento pela

vivência do teatro.

5.2) Jogos Teatrais aplicados aos alunos do 5º ano

Farei um relato aula a aula da oficina de teatro aplicada a um grupo alunos do

5º ano do Ensino Fundamental utilizando as técnicas estudadas e

desenvolvidas por Viola Spolin e relatadas em seus livros sobre “Jogos

Teatrais”. Trata-se na minha crença de que a educação pode muito dentro dos

limites do viver. Compactuo pois dessa crença vigotsnyana.

Primeiramente o grupo foi dividido em 2 partes, onde metade do grupo será a

pláteia e a outra metade serão os atores, ao final de cada exercícios os papéis

se invertem. Assim, a cada final de aula todos terão vivido o sentido social e

historicamente contruído de ser “platéia” e “atores”.

Em todas as aulas, o orientador precisou conversar bastante com seus alunos,

quanto às questões do dia a dia, discutir sempre com o grupo acontecimentos

envolvendo elementos do grupo, ou outros assuntos gerais, que sirva de

exemplos para os alunos. Essas conversas bem pontual o “real” que os

discentes trazem para a experiência.

Desde o primeiro momento foi enfatizada a importância do “nós” (coletividade;

união; comunhão), pois o “eu” não pode interferir nos objetivos do grupo – pelo

menos em uma dimensão ética e estética. Trabalhar com crianças exige muita

paciência, muitas vezes o orientador (pesquisador) precisa repetir o que foi

dito, uma momento se escuta.

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5.2.1) Primeira aula

Foi solicitado aos alunos que individualmente, fossem ao palco e se

apresentassem aos demais (platéia): nome, idade, se já participou de alguma

oficina de teatro e quantas peças teatrais já assistu. O objetivo é o aluno falar

alto e em voz clara. Um a um todos foram ao palco, alguns mais eufóricos,

outros mais ressabiados, outros tantos alegres, uns cabisbaixos, outros rubros

de vergonha, e assim procedeu-se até que todos se apresentassem. Tratou-se

de diversas subjetividades em movimento em um ambiente provocantemente

diverso. A convivência com pessoas diferenciadas tem sido pontuada por

Vygotsky como algo rico e de sentido, provocador de experiências positivas.

Após o último aluno de apresentar iniciamos o processo de aquecimento diário

através do jogo “Leitura de Gestos”, que tem por finalidade aguçar a

concentração, centralizar a atenção e comunicação do grupo.

Os alunos foram colocados em uma fila, um atrás do outro com a distância de

um braço mais ou menos. Recomendei com insistência que o aluno só olhasse

para o colega imediatamente à sua frente. “Não pode olhar para os lados e

nem nos outros que estão mais à frente”.

Ao sinal do orientador, o primeiro aluno da fila, fará gestos espontâneos sem

sair do lugar. Os gestos serão ou deverão ser reproduzidos ou imitados pelo

aluno logo atrás, ou seja o segundo da fila, o terceiro imitará o segundo, o

quarto o terceiro e assim sucessivamente. Após um tempo, a critério do

orientador, o comando é substituído. O último da fila passa a ser o que até

então estava em primeiro, passando o comando para o que estava em

segundo e assim sucessivamente até que todos os alunos passem pela função

inicial de comando.

Ao meu sinal começaram o exercício. No início foi muito difícil conseguir

manter a atenção do aluno somente no colega imediatamente à sua frente,

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mas isso é normal e já previsto nas anotações feitas por Spolin. Com o tempo a

leitura de gestos foi melhorando até a comunicação configurando o complexo

mosaico do que seja algo um pouco mais sintonizado entre os gestos dos

jogadores estando em grupo.

Como orientador eu fui percebendo com clareza onde era interrompida ou

alterada a comunicação, motivada por vários fatores, principalmente a inibição.

Esse ato de inibir-se tem muito marcado, algumas vezes, pela nossa cultura,

que em parte pode reprimor das expressões de emoções. Isso acontecia muito

quando o gesto chegava no Guilherme e na aluna Vanessa, os mais tímidos e

acanhados alunos da turma. Muitas vivências individuais, expressadas como

problemas, aparecem com o exercício, os quais não foram e nem devem ser

comentados apontando-se os indivíduos. Serviu apenas para o meu controle,

que fazia apenas comentários no geral. Exemplo: “Tem gente que não está

prestando atenção”. “Prestem atenção que a comunicação está furada”.

Individualmente, só chamar a atenção quando não se está observando tão

somente o companheiro de frente. Quando está olhando para o outro grupo,

etc;

Deixei o exercício transcorrer até que todos os aluno(a)s puderam executar a

função de liderança/comando do exercício. Por problemas variados,

principalmente, torno a repetir, a inibição, os alunos sempre tentaram executar

os exercícios com muita rapidez. Neste momento o orientador tem a importante

função de sempre orientá-los sobre a importância da elaboração, da

criatividade – e foi o que fiz. Que não se pode ter pressa, que o exercício para

ser bem feito é preciso concentração e realização sem pressa.

O próximo jogo aplicado chama-se “árvore humanizada”, onde os atores devem

realizar através de gestos e expressões o nascimento, vida e morte de uma

árvore qualquer. Para que o exercício seja bem compreendido foi necessário a

utilização de um pano de fundo, uma ilustração, uma estorinha para ajudar os

alunos na elaboração.

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Falei para o grupo sobre uma semente, como ela germina, como foi soltando

suas folhinhas, seus galhos, como cresce lentamente até se transformar numa

árvore adulta. Em seguida relatei sobre a primavera, a estação das flores,

como se a árvore fosse uma criança, sobre a alegria e beleza da estação.

Sobre o verão, o calor, o sol a energia, interligando-a com a fase humana da

juventude. Sobre o outono, os frutos, o peso da responsabilidade, ligando à

fase adulta. Sobre o inverno, o frio, a velhice, o vento, o fim ou transformação,

que todo ser vivo nasce, cresce, vive e morre ou se transforma. Descrevi

símbolos a partir da imagem da árvore.

Figuras 1 e 2 – alunos durante o jogo “árvore humanizada”

Após a ilustração conduzi cada aluno individualmente ao palco, coloquei-o

agachado e fiz a proposta ao grupo todo: faça de conta que você é uma

sementinha e que vai nascer e crescer lentamente. Quando for uma árvore

nascida, ou adulta, irá passar pelas quatro estações. Tentei passar para platéia

a reação da árvore a cada estação.

Como orientador do jogo dei um sinal para o aluno começar. Paralelamente fui

falando após o nascimento o nome das estações para que a cada uma delas o

ator pudesse demostrar utilizando o corpo e as expressões faciais as diferentes

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fases do homem: “primavera” (esperava um tempo para que o aluno fizesse a

representação), “verão” (o mesmo processo), “outono” (o mesmo processo),

“inverno” (o mesmo processo). No inverno pode sugerir o vento soprando (para

auxiliar neste momento comecei a fazer um barulho característico de vento

para ajudar o balanço).

Figuras 3 e 4 – alunos durante o jogo “árvore humanizada”

Todos os alunos do grupo passaram pelo mesmo jogo, e pela experiência de

ser uma árvore humanizada. Nesses primeiros exercícios não fiz qualquer tipo

de crítica ou intervenção. Deixei os alunos à vontade para fazer da forma que

achasse mais conveniente. No decorrer da oficina de jogos alguns comentários

e sugestões serão introduzidos.

Para encerrar as atividades desta primeira aula apliquei um exercício de

relaxamento, esse tipo de exercício é muito importante pois após uma

sequência de jogos os alunos precisam relaxar os músculos, antes de retornar

as suas atividades escolares.

O jogo escolhido chama-se “boneco de gelo”, o orientador ilustra o exercício

contano a seguinte estória: "Um menino morava num lugar onde caia neve

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(expliquei o que era neve, alguns alunos já conheciam pessoalmente em

viagens ao exterior, e outros conheciam de ter visto pela TV), quando chegava

o inverno ele fazia bonecos de neve, quando vinha o sol e esquentava, os

bonecos se derretiam e viravam água”.

Vamos fazer de conta que eu sou o menino e vocês serão os meus bonecos.

Perguntei a cada aluno o que ele queria ser: bailarina, jogador de futebol,

rezando, dormindo, caçando, etc. Gabriel escolheu ser um lutador de boxe,

Vanessa uma bailarina, Guilherme um músico, Beatriz uma cantora, Gabriela

uma médica, João Pedro um jogador de vôlei, assim sucessivamente todos os

alunos da turma escolheram que tipo de boneco de neve seriam. Recomendei

que após estar como boneco, não poderia falar, nem rir, não pode se mexer e

nem mexer com os outros.

Quando estiverem na posição (uso sempre o palco para que se habituem à

representar no espaço cênico próprio), o orientador dirá: agora “eu sou o sol”. E

à medida que o sol vai se aproximando, vai esquentando, vai esquentando,

esquentando, (continue repetindo e se aproximando do grupo), os bonecos

automaticamente vão se derretendo, até caírem totalmente no chão. Então

sugeri que fechassem os olhos, pois “vocês agora são água, somente água,

água não tem osso, amolecem o corpo, olhos fechados, não riem, etc...”

Conferi levantando os membros de cada um, pernas, braços, cabeça, se

realmente estão relaxados... Deixei-os em estado de repouso por 10 minutos

(esse tempo é pessoal, cada orientador pode deixar o tempo que achar

necessário).

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Figuras 5 – alunos durante o jogo “boneco de neve”

Sempre utilizo jogos de relaxamento nos finais das aulas, porque são de

extrema utilidade, no futuro, antes do início de um espetáculo. Após o término

desse jogo os alunos foram convidados a formar um grande círculo para iniciar

o processo de avaliação.

Como já coloquei anteriormente, ao falar das essências do jogo teatral, o

processo de avaliação não é julgamento, não é crítica. A avaliação deve nascer

do jogo. A avaliação, muitas vezes, é uma oportunidade para o orientador

e os alunos-atores emitirem sua opinião sobre "a maneira correta" de

fazer algo. O orientador deve ouvir bastante e avaliar apenas o que

acabou de ver. Como líder, devo estar atento para que os alunos fiquem longe

de histórias pessoais, voltando-se apenas para o foco avaliativo presente nos

jogos realizados na aula. O que nem sempre é possível, pois muitas

dificuldades, na realização dos jogos, advém de problemas oriundos do dia a

dia familiar ou escolar do aluno e que emergem facilmente durante o processo

de avaliação.

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Neste nosso primeiro circulo de avaliação, os alunos avaliaram seu

desempenho pessoal em cada exercício, não houve avaliação do outro, o que

foi reservado para as próximas aulas. O objetivo inicial é que cada aluno

perceba o que realizou, se foi satisfatório ou se ele poderia ter feito melhor.

Durante o processo emergiram informações interessantes como, a do o aluno

Leonardo que durante a sua fala acabou informando aos colegas que estava

muito feliz por ter participado dos jogos no dia do seu aniversário (fato que nem

a turma, nem a professora sabiam). Neste momento suspendi o processo

avaliativo e convidei a todos para cantar parabéns para o aluno Leonardo, que

posteriormente foi coberto de abraços e beijos dos colegas. Muito

envergonhado estampava um largo sorriso no rosto, e seguiu dizendo que fez o

possível no dia de hoje, mas que tinha plena consciência que poderia evoluir

ainda mais na realização dos jogos, prometendo maior empenho na próxima

aula.

De modo geral todos os alunos se avaliaram de forma positiva, e prometendo

maior empenho nos próximos exercícios. Cada um elencou o seu jogo favorito

do dia e a forma como encararam os desafios. O aluno Guilherme, o mais

tímido e encabulado da turma, não quis participar do processo de avaliação.

Neste primeiro momento não insisti, pois com minha intervenção a integração

com o grupo poderá acontecer.

5.2.2) Segunda aula

Uma semana após nosso primeiro encontro os alunos já me esperavam

ansiosos. Segundo relatos da professora Elisabete não se falava em outra

coisa durante toda a semana, os alunos contavam para os colegas da

experiência e alguns dos jogos aplicados na oficina de teatro, como a “leitura

de gestos” passou a fazer parte das brincadeiras dos alunos durante os

recreios.

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Iniciei a oficina novamente com o jogo “leitura de gestos”, pois o exercício

requer concentração e observação e muitas repetições para se conseguir a

comunicação perfeita. A cada repetição do jogo observa-se que os alunos vão

dia após dia conseguindo se concentrar mais e o gesto aos poucos consegue

chegar até o final da fila.

Observei uma concentração maior, mas ainda longe do ideal, poucas vezes os

gestos chegavam ao final da fila de forma correta, a comunicação se perdia

sempre quando passava por alunos mais dispersos ou tímidos, que não faziam

os gestos ou simplesmente modificava-os realizando de forma mais

simplificada. Tentei corrigir o fato com as seguintes orientações: “Atenção ao

foco”, “olhem apenas para o colega imediatamente a sua frente”, “a

comunicação está quebrada”, “atenção aos gestos”.

O resultado melhorou um pouco, mas ainda não o suficiente.

Para o próximo jogo dividi o grupo em 2 partes, platéia e atores. O grupo

platéia num primeiro momento observaria a atividade realizada pelos colegas e

num segundo momento irão realizar a atividade, o mesmo aconteceria com o

outro grupo.

A atividade proposta chama-se “Andar sobre pedras” e tem como objetivo

aguçar a criatividade e a expressão corporal dos alunos. “Vamos fazer de conta

que vocês terão que atravessar um terreno alagado, espécie de um brejo,

nesse local existem várias pedras bem lisas, cheias de lodo, bem

escorregadias. Vocês terão que atravessar pisando de pedra em pedra e o

lugar está cheio de jacarés. As pedras são relativamente pequenas. Vocês

terão de se equilibrar de pedra em pedra até atravessar o terreno alagado”.

Delimitei o local (sempre a área do palco) e pedi para que os alunos fizessem o

jogo individualmente. Um a um, todos foram pulando de pedra em pedra, se

desequilibrando e chegando ao outro lado.

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Figura 6 - Alunos se equilibrando no jogo “andar sobre pedras”

Observei que os mais tímidos pulavam rapidamente, com 3 ou 4 passadas, já

estavam do outro lado. A rapidez em terminar o jogo demostra insegurança em

relação à atividade e ao grupo. A maioria conseguiu cumprir o foco do jogo e

atravessar com cuidado demosrando com expressões e balanços do corpo o

desequilibrio e o perigo que existia no local. Um fato curioso aconteceu durante

a travessia do aluno João Pedro, no meio do trajeto ao pular em uma pedra

mais escorregadia simulou um forte desequilibrio e caiu no terreno alagado,

sendo, segundo ele, devorado pelos jacarés ali existentes. Todos os colegas

riram muito da situação. Apesar de ter quebrado a regra do jogo, já que o

objetivo era atravessar são e salvo, o aluno demostrou criatividade, inovação e

realizou o exercício com muita habilidade.

O próximo jogo foi realizado de forma coletiva todos os alunos juntos iriam

fazer de conta que estávam no interior de uma casa, onde nunca entraram, que

não conhecem. O ambiente está totalmente escuro, não há possibilidade de se

acender luz. Os alunos terão de andar no escuro (tateando), um não está

enxergando o outro, nem o que tem no interior. O jogo é de faz de conta, por

isso, os olhos devem permanecer abertos.

Todos começam a andar pelo espaço, o ato de esbarrar um no outro começou

a provocar risadas e perda do foco do exercício. Nesse momento lancei mão

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das instruções para que o foco permanecesse no jogo: “Atenção ao jogo”, “tem

elementos do grupo com brincadeiras”, “sem risadas”, “foquem a atenção na

escuridão e nos objetos da casa”. As poucos a seriedade foi sendo retomada e

o objetivo do exercício alcançado. Os alunos João e Beatriz não conseguiram

compreender corretamente o objetivo do jogo, e há todo momento tentavam

fechar os olhos para facilitar o exercício. “O jogo deve ser realizado de olhos

abertos” lancei mão da instrução (sem identificar nomes) para que os dois

percebessem a importância de ficar de olhos abertos.

O próximo jogo proposto trabalha o controle da respiração, muito importante

para o ator, através de música. O jogo é feito de forma coletiva onde todos

juntos cantam uma música que leve os jogadores a repetir uma numeração

seguidas vezes. Nesta seguinda aula propus a música “Mariana”

Letra da música:

Mariana conta cinco (respiração normal)

Mariana conta cinco (respiração normal)

É um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é Ana (respira)

Viva Mariana, viva Mariana...

Mariana conta seis (respira)

Mariana conta seis (respira)

É um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é seis, é Ana (respira)

Viva Mariana, viva Mariana...

E assim sucessivamente, até o número que o grupo agüentar sem respirar.

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Figura 7 - Alunos cantando a música “Mariana”

Procurei deixar bem claro que o objetivo não era forçar a respiração, nem fazer

até passar mal, os alunos deveriam ir cantando naturalmente até o número que

conseguissem sem respirar. Nesta primeira execussão, fomos até o número 25

sem maiores problemas.

Outras músicas semelhantes podem ser usadas, como: A árvore da montanha,

do elefante incomoda muita gente, etc.

Outro ponto importante para os alunos desenvolverem é a postura vocal, o

controle do volume da voz. Num espetáculo teatral o ator deve projetar a voz

de forma a alcançar todo o público de forma clara e audível.

O próximo jogo trabalha de forma simples com o volume vocal. Coloque os

alunos em fila um ao lado do outro, todos de frente para o orientador. Escolha

uma frase qualquer e peça para que eles repitam. Pode ser decorada ou

através da leitura quando capazes. Deverão começar em volume normal e a

medida que o orientador vai afastando eles terão que ir aumentando o volume.

(Aproveitei o exercício para explicar aos alunos da necessidade de se falar alto,

pois quando fazemos um espetáculo ou nos apresentamos ou representamos a

alguém, não falamos apenas para o público da primeira fila, todos terão de

ouvir, mesmo quando se trate de voz velada (cochicho)).

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A frese escolhida foi: “Minha cidade chama-se Vila Velha”, pedi que

primeiramente falassem a frase em volume normal. Em seguida dava um passo

para trás e pedia que novamente repetissem a frase e fui fazedno isso

seguidas vezes até que estivesse bem longe do grupo e mesmo assim

pudesse ouvir a frase.

Quem sentiu maior dificuldades neste exercício foi a aluna Vanessa que tem

uma voz naturalmente bem fraquinha e teve muita dificuldade de projeta-la

quando o orientador estava longe do grupo.

A grande maioria conseguiu sem grandes dificuldades projetar a voz a uma boa

distância, com clareza e de forma inteligível.

O último jogo do dia retoma novamente a questão do relaxamento, a proposta

chama-se “pluma e pedra” e foi realizada de forma coletiva. Propus aos alunos

fazer de conta que todos somos plumas (expliquei o que é uma pluma para

facilitar o bom entendimento do exercício). - “Vocês são plumas bem leves...

estão todos voando ao vento. De lá pra cá, daqui pra lá... bem leve... voando...

voando... “

Os alunos seguindo a minha voz bailavam pelo espaço simulando piruetas,

balançando os corpos de forma calma e leve pelos espaço. A um dado

momento, eu gritei: “Vocês agora são PEDRA!” Automaticamente todos os

alunos cariam no chão. Deixei-os por um momento em estado de repouso, com

os olhos fechados e depois disse: “Agora vocês vão manter os membros

superiores tensos (duros) e os inferiores relaxados (moles). Neste instante fui

percorrendo toda a sala tocando os braços dos alunos e verificando se

estávam rígidos e as pernas se estavam bem relaxadas. Após um certo tempo

solicitei que invertessem, os membros superiores relaxados (moles) e os

inferiores tensos (duros).

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Figura 8 - Alunos no exercício “pluma e pedra”

Ao término do exercício de relaxamento fizemos um círculo para iniciar o

processo de avaliação dos trabalhos do dia. Nesta segunda avaliação, para

incentivar a comunicação inter-grupal e se ter elementos para orientação

educacional, solicitei que fizessem uma auto-avaliação. Os alunos deveriam

atribuir uma nota a si mesmo, de um a cinco, considerando tudo durante a

semana, isto é: como ele está ou esteve em casa, na escola, no grupo, etc.

Expliquei bastante sobre a importância da sinceridade. Quando um aluno não

atribuiu a nota máxima, perguntava sempre o porque? Onde ele estava

perdendo ponto. Neste processo é importante que o orientador limite-se

apenas ao comentário do aluno, não faça críticas, nem deixe outros elementos

do grupo interferir.

Neste primeiro momento o aluno Leonardo avaliou-se com nota 5 porque teve

uma semana ótima, tirou notas boas na escola e fez novos amigos e por estar

adorando participar da oficina de teatro. Outros alunos como Nathan, Laura,

Raphaela e Júlia também avaliaram com a nota máxima. Gabriel avaliou-se

com a nota 2,5 porque ele machucou-se durante o recreio e estava com o pé

muito dolorido toda a semana e não conseguiu fazer as aulas de Educação

Física, nem todos os exercícios da oficina de teatro. João Pedro avaliou-se

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com a nota 4 porque conversou muito na aula durante a semana e a professora

chamou sua atenção. Beatriz avaliou-se com a nota 2 porque não estudou

nada a semana toda e foi mal na prova de matemática e também porque não

conseguiu controlar as risadas no jogo de “andar no escuro” realizado na

oficina de teatro.

5.2.3) Terceira aula

Mais uma semana se passou e ao chegar à escola para a terceira sessão de

exercícios de Jogos Teatrais a professora Elisabete relata estar muito feliz com

os resultados iniciais da oficina, ela já percebe alguns comportamentos

diferentes na turma e relata também que o professor de informática da

instituição comentou que a atenção dos alunos nos exercícios de informática

melhorou muito, estavam mais atentos e concentrados.

Iniciei os exercícios, como sempre, com o jogo “leitura de gestos” e observei

que houve uma melhora significativa na execução do mesmo. A comunicação

já chegava ao final de forma correta com mais freqüência e as poucas vezes

que a comunicação falhava era por distração de um ou outro aluno que não

estava olhando diretamente para o colega logo à frente. “Atenção ao gesto”, “A

informação está quebrada”, “olhe imediatamente para o colega á frente”, com

esses comandos o foco dos alunos retornava ao exercício e a comunicação já

estava sendo realizado num nível bem satisfatório, mesmo por aqueles mais

tímidos.

O segundo jogo do dia explora a expressão corporal, e foi realizada buscando

desenvolver a criatividade individual. Cada aluno deveria carregar um grande

peso, expliquei: “Faça de conta que você vai pegar um saco de batatas, de

feijão, milho, ou outra coisa qualquer, bem pesado. Deste ponto (determinei o

local na sala) e trazê-lo até este outro ponto (marquei outro ponto da sala)”.

Sempre enfatizando que o saco deve ser bem pesado e que eles deverão fazer

força. Aproveitei para explicar um pouco sobre volume diferenças entre grande

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e pequeno, leve e pesado, tentei motivá-los ao máximo para que o exercício

fosse feito de forma bem correta.

Figuras 9 e 10 - Alunos durante o jogo “carregar peso”

De modo geral todos cumpriram bem a tarefa, alguns ainda insistindo em

realizar tudo muito rápido para poder acabar logo. Observei que nos exercícios

coletivos que alguns alunos tem boa participação, mas quando são exercícios

individuais tentam realizar rápido para ficar o menor tempo possível como

centro das atenções. Os destaques do exercício ficaram por conta dos alunos

João Pedro e Júlia que realizaram a travessia de forma criativa explorando

detalhes da postura corporal e expressão facial, demonstrando todo o volume e

peso do saco “imaginário” de carregavam.

Seguindo a linha de jogos que exploram a expressão corporal dos alunos, o

próximo exercício chama-se “corda bamba”. Tracei uma linha imaginária no

chão da sala, e em seguida lembrei os alunos de como um artista do circo anda

na corda bamba, contudo sem fazer encenação para que eles não tentem me

imitar, só expliquei oralmente. Em seguida pedi que cada um andasse pela

corda bamba imaginária, utilizando toda a expressão do corpo para demonstrar

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que estavam sobre uma corda, que balançava, que desequilibrava e que

estava muito alta.

Figuras 11, 12, 13 e 14 - Alunos durante o jogo “corda bamba”

Braços abertos, braço para cima como se segurando um guarda-chuva, pernas

ligeiramente curvada, corpos balançando para direita e para esquerda foram

alguns dos movimentos mais utilizados pela turma na realização do exercício.

O aluno Nathan foi um dos que mais demorou a atravessar a corda, dando

passos bem curtos, se desequilibrando várias vezes e utilizando o recurso da

sombrinha imaginária, ele completou o exercício de forma brilhante e muito

bem feita. Já Laurinha passou pela linha correndo e com poucos desequilíbrios.

O aluno Gabriel simulou uma queda e ficou caído no chão como se segurando

na corda com as mãos, fez uma enorme força e conseguiu voltar para cima da

corda, retomando o exercício.

Retomei em seguida ao jogo de controle da respiração, utilizando a música

“Mariana”. O jogo é feito de forma coletiva onde todos juntos cantam a música.

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Na semana anterior o grupo conseguiu chegar até o número 25. O objetivo de

hoje era chegar ao mesmo número ou ultrapassá-lo.

Para minha surpresa a grande maioria do grupo conseguiu chegar até o

número 40, sem maiores problemas. Conversando com uma das alunas

descobri que durante toda a semana eles ficaram treinando durante os

recreios:

“Adoramos essa música e todos os dias durante o recreio a gente vai para a

quadra e fica cantando e treinando para poder chegar cada vez mais longe.”

(Beatriz)

A fala da aluna foi confirmada pela professora Elisabete, “a música caiu nas

graças dos alunos e os mesmos estão cantando todos os dias, acho que é por

isso que conseguiram ir até um número tão alto”.

No próximo jogo utilizei nova técnica para trabalhar o volume de voz. Pedi para

que os alunos se organizassem em uma fila, um ao lado do outro, todos de

frente para a platéia. O primeiro aluno (comecei com o da direita) falará uma

frase escolhida por mim num volume normal, o outro lado dele deverá falar a

mesma frase um pouco mais alto, o outro mais alto, o próximo mais alto, mais

alto e assim até o último.

Iniciei o jogo com a frase: “gosto de comer maça” e pedi para que o primeiro

aluno (no caso Guilherme) falasse a frase em tom normal. Em seguida Júlia

falou a mesma frase um pouco mais alta, Vanessa mais alto, João Pedro mais

alto, até chegar no último aluno (Gabriel) que já pronunciou quase aos gritos.

Fui mudando as posições dos alunos para que todos falem em volumes

diversos. Após a primeira rodada, o último (Gabriel) da esquerda (onde o

volume chegou no tom mais alto) passou a ser o primeiro da direita que havia

falado no tom normal e assim sucessivamente.

O exercício transcorreu normalmente, com apenas alguns poucos alunos ainda

se distraindo e dando risadas em alguns momentos.

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Encerrando mais um dia de oficina escolhi o jogo de relaxamento chamado

“Boneco de cera”, que há exemplo do jogo “boneco de gelo”, o de cera também

derreterá com o calor. Mas o processo de derretimento deverá ser bem mais

lento, de cima para baixo, isto é: as feições vão se transformando, a cabeça vai

caindo, os ombros, o tórax e dai por diante, até virar um monte de cera no

chão.

Pedi novamente que cada um escolhesse o que queria ser. Surgiram

malabaristas, advogados, novamente bailarinas e médicos, monstros, jogador

de futebol, etc.

Chamei atenção mais uma vez eu seria o “sol”, mas o derretimento desta vez

deveria ser bem mais lento. Fui aproximando das estátuas de cera e aos

poucos elas foram derretendo... derretendo.... derretendo...

Depois que todos estavam no chão como bolas derretidas de cera, deixei-os

em repouso por 5 minutos antes de começarmos o processo de avaliação.

Figura 15 - Alunos durante o exercício “boneco de cera”

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Novamente formamos um grande círculo e começamos o processo de

avaliação do grupo e de auto-avaliação. Este momento não só melhora a

comunicação intergrupal, como também ajuda muito na convivência. Cada

aluno deu uma nota de um a cinco para seu desempenho nas atividades da

oficina de teatro e nas suas atividades durante a semana.

5.2.4) Quarta aula

Como no nosso último encontro a comunicação dos gestos do jogo “leitura de

gestos” estava chegando satisfatoriamente até o final da fila, introduzi ao

exercício o movimento, ou seja, agora os alunos deverão se mover, andar

lentamente pela sala. Como a tendência das crianças é dar pulinhos ou imitar

exercícios de educação física, pedia sempre para que elaborassem um pouco

mais os movimentos, contudo sem perder a espontaneidade. Durante a

realização do jogo os comandos gerais foram os mesmos, “não olhar além do

companheiro da frente”, “não olhar para o orientador e nem para trás”, etc.

Observava atentamente onde era interrompida ou modificada a comunicação, e

despertava a atenção dos alunos sem criticá-los de uma forma marcante.

Para o próximo jogo do dia, solicitei aos alunos que cada um pensasse em

uma profissão como por exemplos: pedreiros, lavadeira, pipoqueiro, vendedor

de bexigas com gás, lenhador, médico, costureiras, professor e muitas outras

que exijam bastante expressão. Deixei o grupo livre para sugerir várias

profissões diferentes, o exercício seria individual. Chamei a atenção de todos

quanto ao detalhamento das profissões, recomendei uma elaboração sem

pressa, dando bastante tempo para eles pensassem, pois toda a comunicação

seria realizada através de mímica, o importante são os pequenos detalhes, a

clareza dos gestos, sempre voltados para a platéia, quando muito de perfil. A

comunicação deverá ser realizada utilizando todas as partes do corpo, desde a

expressão facial. Os alunos um a um irão até o palco (no espaço que se

conveciou para tal) e após sua representação, sem que ele fale, os outros

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alunos considerados platéia, os quais deveram estar atentos durante toda a

apresentação, terão de explicar o que foi representado.

Figuras 16 e 17 - Alunos apresentando em mímica a sua “profissão”

O primeiro a se apresentar foi o aluno Nathan, entrou de maleta, alguns

papéis na mão, virou-se de costas e começou a escrever simulando um

quadro negro, rapidamente a platéia compreendeu a profissão de

“professor” escolhida pelo aluno. Em seguida foi a vez da Vanessa que

sentou numa mesa e começou a digitar algo e em seguida atendei vários

telefonemas, anotou recados... uma secretária, indagou a platéia. Raphaela

entrou de maleta, colocou objetos numa mesa, começou a ouvir o coração,

a tirar a pressão o que logo ilustrou a profissão de ”médica” esolhida pela

aluna. Assim sucessivamente todos foram mostrando suas profissões. A

cuirosidade do exercício ficou por conta do aluno Gabriel, ele entrou com

alguns objetos na mão, mexeu... mexeu... a platéia estava curiosa e sem

entender. Começou a olhar para cima, apontar... mas nada, a platéia não

conseguia identificar a profissão escolhida. Ao final o próprio aluno deve de

informar que a profissão era “astrólogo” um estudiodo dos astros.

Analisando o exercício pude perceber que a diviculdade na descoberta foi

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uma junção de algumas mímicas feitas sem precisão pelo aluno, somados

a uma profissão não muito comum para o dia a dia da turma.

No último encontro durante o jogo de controle da respiração, utilizando a

música “Mariana” os alunos alcançaram o número 40 e pelo jeito se

continuasse insistindo eles poderiam chegar até o número 100 facilmente.

Pois como os próprios alunos e a professora relatou estava acontecendo

um treino do exercício durante a semana. Em função disso, resolvi nesta

aula apresentar um outro jogo que também trabalhasse o controle da

respiração. Trouxe um texto longo, com dois parágrafos e uma quantidade

boa de palavras e pedia para que cada aluno lesse em voz alta, sem

obedecer vírgulas ou pontos, isto é, num folego só.

A princípio aconteceram muitas risadas e desconcentração, que eram

seguidas das instruções: “atenção ao texto”, “concentração turma”, “sem

risada, concentre na leitura”, assim aos poucos as brincadeiras foram

acabando e todos conseguiram realizar o exercício de forma satisfatória.

Figura 18 - Alunos lendo o texto “num fôlego só”; o pesquisador junto ao grupo.

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Após todos terem feito a leitura do texto utilizei o exercício do “boneco de

gelo”, o mesmo apresentado na primeira aula para iniciar o jogo de

relaxamento.

Ao final formou-se o círculo de avaliação, pois era o momento para se

refletir em conjunto, os acontecimentos do dia, envolvimento com os jogos,

os integrantes do grupo e a convivência em casa e na escola.

Jéssica iniciou a auto-avaliação com a nota dois. “Porque uma nota tão

baixa” indaguei a ela que explicou que sua semana tinha sido muito ruim,

chegou atrasada várias vezes na aula, seus pais estavam com problemas e

que por isso ela não estava se dedicando aos exercícios do teatro e as

atividades na escola. Beatriz avaliou-se com nota quatro pois não

conseguiu se concentrar na hora de ler o texto em um só fôlego. Gabriel,

Nathan, Júlia, Rapahela e Guilherme avaliaram-se com a nota máxima

cinco e frisaram que os exercícios apresentados hoje haviam sido

realizados de forma muito eficiente e fácil.

5.2.5) Quinta aula

Iniciei nosso quinto encontro com a “leitura de gestos” com movimento, em fila

os alunos andam pela sala. O primeiro aluno da fila realiza movimentos de

braços, pernas e mãos, sendo os mesmos copiados pelo colega imediatamente

atrás dele e assim sucessivamente de forma que o gesto realizado pelo

primeiro aluno da fila chegue ao último da mesma forma. A introdução do

movimento na fila tornou o exercício mais complexo e a atenção dos alunos

deve ser dobrada, em função disso por alguns momentos a comunicação era

perdida e logo em seguida retomada. A comunicação está bem satisfatória, por

esse motivo não mais utilizarei esse exercício nas próximas aulas.

O próximo exercício realizado foi de mímica e o aluno têve de contar uma

história com começo, meio e fim, utilizando apenas o corpo e as

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expressões faciais. Para auxiliar o jogo expliquei qual seria a proposta da

história.

“O aluno está abrigado debaixo de uma marquise, está chovendo forte, ele

tem obrigatoriamente de atravessar uma rua alagada, cheia de poças

d’agua para se abrigar sobre a marquise do outro lado, não pode tomar

chuva pois está adoentado. Começa a travessia se abrigando como pode

(lembrei aos alunos que eles não poderiam usar nenhum objeto, tudo

deveria ser feito com mímica). Quando chegar no meio da rua, acontecerá

um relâmpago seguindo de um trovão. Chega do outro lado com as roupas

molhadas, começa gradativamente a sentir frio. Cessa a chuva e vem o sol

de verão. Começa gradativamente a sentir calor. Ouve um barulho e

começa procurar a origem no espaço e vê uma luz intensa do sol. O

barulho vai aumentando gradativamente, vai aumentando, aumentando até

levá-lo quase a loucura. (Este exercício quando levado com seriedade,

serve também como excenlente recurso para descarga de tensões)

Como eram muitos detalhes escrevi no quadro um resumo rápido da

sequencia que deveriam realizar: Chuva, relâmpago, trovão, frio calor, luz

intensa, ruido em volume crescente, loucura.

Figura 19 - Alunos durante realização dos jogos de mímica

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O retorno desse jogo foi maravilhoso e fiquei surpreso com o ótimo

resultado apresentado. Os alunos capricharam nos detalhes e até criaram

outros que não havia colocado na história. O processo de

“enlouquecimento” teve direito a caretas, mãos nos ouvidos, boca bem

aberta como se estivesse gritando (mas sem o barulho já que a proposta

era mímica), pulos de um lado para o outro, olhos arregalados e muitos

outras feições que provocaram surpresas, risos e aplausos da platéia.

Em seguida iniciei o jogo “telefone com defeito”, um exercicio de respiração

e volume de voz realizado em duplas. O procedimento foi o seguinte:

coloquei duas cadeiras, uma de costa para a outra, para dar noção de

distância. Entre as duplas haverá um diálogo, fiz algumas propostas como:

dois amigos combinando uma pescaria, um passeio qualquer, uma festa, a

ida ao cinema, um desempregado procurando um emprego ou qualquer

outro assunto que a dupla desejar. Deixei um tempo para que os alunos

pudessem combinar o que iriam conversar, quem ligava, quem receberia a

ligação, etc. Após estabelecido o assunto entre as duplas, mandei que um

se sentasse de costas para o outro, sem olhar para trás e iniciei o

comando: “o problema é que você está longe, precisa transmitir a

informação e o telefone está com defeito, concerteza um não irá entender

muito bem o que o outro está falando, por não estar ouvindo direito.

Informei aos alunos que sempre terão de pedir ao outro para falar mais

alto”. Enfoquei neste exercício a importancia de falar alto e que há uma

diferença entre gritar e falar alto (soltar a voz).

A primeira dupla foi Beatriz e Nathan que tentavam combinar a ida ao

cinema, Beatriz ligou e Nathan atendeu, mas o tempo todo ele pedia para

Beatriz falar alto e a conversa ficou bem truncada, mas chegou ao fim

nesse “faz de conta”. Júlia e Laurinha combinaram a ida ao shopping, mas

não conseguiram chegar ao fim. A Júlia não conseguia explicar o que

queria pois Laura a interrompia o tempo todo – desvelando as possíveis

vivências assim vividas. Foi um exercício bem enriquecedor, tive de chamar

a atenção dos jogadores várias vezes pois começavam a gritar: “Atenção é

para falar alto e não gritar”, “Não pode gritar”, “os gritos estão atrapalhando

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a comunicação”. As duplas que conseguiram controlar o volume de voz,

foram as que mais rápido e de melhor desempenho realizaram o exercício.

Após todos os alunos terem passado pelo jogo do “telefone com defeito”

iniciei os jogos de relaxamento utilizando novamente “pluma e pedra”, onde

no começo todos são leves como plumas, bailam pelo ar ao sopro do vento

e ao meu sinal viram pedras e caem no chão com os membros inferiores e

superiores bem rígidos. Comecei a introduzir uma música instrumental de

fundo bem calma e tranquila para auxiliar no relaxamento. Deixei-os

totalmente relaxados no chão por 7 minutos, só ouvindo o som da música.

Alguns quase pegaram no sono.

Ao final formamos o nosso círculo de avaliação e cada aluno deu uma nota

de um a cinco para sua semana, unindo suas atividades diárias, em casa e

na escola com o seu desempenho na oficina de teatro. Essa semana a

grande maioria das notas foram altas, variando entre quatro e cinco. A

única exceção foi a aluna Júlia que deu nota três e justificou dizendo que

havia brigado com a irmã e por esse motivo não estava se sentindo

confortável para dar uma nota maior.

5.2.6) Sexta aula

Iniciei nosso sexto encontro com um novo jogo com uso de mímica para

transmitir uma história com começo, meio e fim. Os alunos individualmente

deveriam mostrar criatividade e sensibilidade. Expliquei a proposta que chama-

se “o menino e o passarinho”. Nessa história um menino está dormindo.

Acorda... Vai cuidar de sua higiene pessoal... Abre a janela para ver o tempo...

Tem uma idéia... Pega uma faca, um canivete e vai a um mato próximo...

Procura e corta uma forquilha para fazer um estilingue... Volta para casa, pega

os objetos para a confecção: borracha de câmara de ar, barbante, couro e

começa a confecção do estilingue. Está pronto, coloca no pescoço ou em outro

lugar que quiser, apanhe um embornal ou outra coisa onde possa colocar as

pedras (deixei os alunos a vontade para usar a criatividade). Vai apanhar as

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pedrinhas ou munição. Chega ao mato (Lembrei que eles devem andar de

forma característica de quem anda em um terreno de difícil acesso). Começa a

procurar suas vítimas. Vê um pássaro, chega bem devagar, prepara a

atiradeira, aponta, atira e erra, o pássaro voa... Acompanha o vôo... Dá de

ombros... Vê outro passarinho, aproxima-se devagar (mesmo procedimento),

erra... O pássaro voa. Na terceira tentativa, acerta, fica feliz, apanha o pássaro

inerte. Vai para casa, repentinamente pára. Examina bem sua vítima, começa a

se arrepender (o que deve ocorrer bem gradativamente). Procura devolver-lhe

a vida: aquece-o, atira-o para cima e outras coisas mais, segundo ele. A

tristeza vai aumentando até chegar aos soluços. Quando percebe que não há

mais jeito, realiza o funeral do passarinho, podendo terminar com uma benção,

uma atitude de ira, ou outra atitude qualquer de acordo com a criatividade do

aluno.

Apesar dessa atividade ter um pano de fundo bem específico sugerido por mim

como orientador, não quer dizer que deva ser seguida à risca e deixei claro

para os jogadores. Desde que não percam as referências e a sequência da

história.

Alguns dos alunos mudaram a estrutura da proposta sem, contudo perder os

objetivos, nem os detalhes. Isso aconteceu, por exemplo, com o João Pedro e

com a Raphaela. A apresentação rica em detalhes e com novos elementos

criados por eles tornaram o exercício rico e bem divertido de ser assistir. Teve

passarinho sendo enterrado como gente, sendo empalhado e colocado na sala,

ressuscitando e voltando a natureza e muitos outros finais bem interessantes.

O grupo está a cada sessão mais coeso e criativo. Eles já trabalham

perfeitamente a posição em cena trabalhando sempre de frente ou de perfil,

principalmente quando a platéia tem que perceber as emoções. Riqueza de

detalhes e tudo é feito no espaço, eles não usaram nem mesmo as paredes e

os objetos que existiam na sala.

Em seguida propus ao grupo um jogo de sincronização entre gestos e voz,

realizado em duplas. Foram divididos em oito duplas e o procedimento foi o

seguinte: O tema para o monólogo é livre, pode ser a narrativa de um passeio,

uma piada, um sonho, uma história qualquer. Um dos elementos da dupla,

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ficará camuflado por de trás do colega que está na frente, só aparecerá os

seus braços. O que irá contar a história ficou de pé à sua frente, os braços do

que está na frente ficará escondido, aparecendo portanto no lugar deles os

braços do outro aluno que está atrás. O que está na frente fala, conta sua

história e o que está escondido, aparecendo só os braços, faz os gestos

correspondente à fala.

A primeira dupla foi Laura e Beatriz. Laura fico na frente para contar a história e

Beatriz se escondeu atrás dela colocando apenas seus braços à frente, assim

a medida que a laura ia contando a história Beatriz ia interpretando os fatos

utilizando as mãos. A história falava de um passeio que ela foi fazer na casa da

avó e que quando chegou lá começou a mexer em todas as coisas da estante,

quando de repente um objeto caiu no chão e quebrou. A menina ficou muito

assustada e começou a chorar, mas a vovó não brigou com ela e a desculpou.

Outra dupla que conseguiu realizar o exercício de forma bem criativa foi Gabriel

e Guilherme. Gabriel ficou à frente e contou a história, e o Guilherme,

escondido atrás dele interpretava com os braços. A história era sobre um

menino que queria jogar volei mas tinha um problema na mão o dedão ficava

sempre duro e de pé, o que atrapalhava as jogadas, toda vez que o menino

queria jogar a bola para um lado o dedão jogada para outro, assim ele nunca

conseguia lugar nos times e ficava muito triste, até que um dia durante um jogo

uma bola bem forte bateu bem em cima do dedão e ele quebrou voltando a

ficar junto com os outros dedos. E assim o menino conseguiu finalmente virar

um jogador famoso e foi para seleção brasileira.

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Figura 20 e 21 - Alunos durante o jogo de sincronização gestos e voz

Foi um exercício muito criativo, com histórias mirabolantes e as duplas se

divertindo muito. Ao final inverti os papéis para que todos pudessem passar

pela experiência de contar e de interpretar a história.

Encerramos o dia como o jogo de relaxamento do “boneco de cera” e com o

círculo de avaliação, que teve um diferencial, hoje pela primeira vez a

professora Elisabete que acompanha o grupo durante toda a oficina falou

durante a avaliação e atribuiu nota quatro para sua semana, a participação da

professora deixou os alunos empolgados e com maior motivação para colocar

suas observações e problemas enfrentados durante a semana. A aula terminou

num clima bem agradável e motivador.

5.2.7) Sétima aula

A sétima sessão de teatro iniciei com um novo jogo de duplas, sempre tenho o

cuidado de não manter sempre as mesmas duplas, faço um revezamento, para

se evitar as preferências, discriminação e as famosas “panelinhas”. Esse novo

exercício explora a expressão corporal e os reflexos dos alunos. A proposta é

de uma partida de tênis: os jogadores deverão fazer de conta que estão em

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câmera lenta jogando tênis. Quanto mais lento melhor. Tentando demonstrar

com o corpo, as pernas e os braços todos os movimentos característicos de um

jogo de tênis. Antes de começar falei um pouco sobre a câmera lenta, os

objetivos, que tudo deve ser feito bem devagar, lentamente...

O curioso do exercício é que enquanto uma dupla jogada todo o restante era

platéia e sem eu ter comentado nada os alunos da platéia começaram em

câmera lenta a acompanhar a bola imaginária de uma lado para outro, como

normalmente fazem as torcidas nas partidas de tênis. Foi maravilhoso e muito

criativo, e o melhor é que surgiu de forma natural.

Hoje os alunos trabalharam o seu primeiro jogo de criação coletiva, chamado

“teatro de objetos” onde o procedimento será o seguinte: Dividi oa alunos em

dois sub-grupos de oito pessoas. Antecipadamente, coloquei em uma mesa

grande, diversos objetos de uso cotidiano em número igual ao total de alunos.

Reuni todos os alunos (todos os sub-grupos) e levei-os até a mesa sem

anarquia. Mandei que cada um apanhasse um objeto. Isto feito, expliquei com

muita clareza e determinação, que daquele momento em diante não poderão

dispor do objeto, que deverá estar sempre com eles, não podendo trocar com

nenhum companheiro. Levei-os devolta a platéia e expliquei a proposta geral:

“Procure examinar bem o objeto que está com você, para que serve. Todos os

objetos tem várias ultilidades e podem ser usadas para o bem e para o mal”

(explorei bastante o sentido do bem e do mal, do justo e do injusto, do belo e

do feio, etc.). Reforcei que não poderão largar o objeto, este terá que estar

sempre em evidência. Levei cada sub-grupo para um local diferente e fiz a

proposta: “Vocês terão que inventar uma história, na qual os objetos ganharão

vida através de vocês. Vocês agora são os objetos. Eles falarão através de

vocês, ganharão vida através de vocês... etc. Na história um objeto deverá falar

com o outro, uma história onde todos participam, e que tenha começo, meio e

fim. Recomendei que todos deverão trocar idéias, pois a tendência é do mais

extrovertido querer se impor suas idéias, o que não deve acontecer, a história

deve ter a contribuição de todos. O importante neste exercício, não é o

resultado final, mas sim, a elaboração, a troca de idéias (que tentei incentivar

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bastante). Deixei este momento de criação se prolongasse o máximo possivel,

pois estarão aprendendo ainda mais com essa convivência grupal.

Após a elaboração sem pressa, reuni novamente os dois grupos e iniciamos as

apresentações. Enquanto um grupo representa no palco, o outro será a platéia.

Recomendei a importância de se destacar o objeto, soltarem a voz,

representarem de frente para o público, mas deixei-os movimentarem segundo

a expontâneidade, para não interferir com as minhas idéias.

Figura 22 – Alunos trocam idéias antes da apresentação do jogo

O grupo 1 ficou com os objetos: Tesoura, caderno, CD, clip de papel, celular,

pente de cabelo, caneta e boné. O grupo 2 ficou com os objetos: Lápis,

grampeador, leque, pen-drive, desodorante, sapato, prendedor de cabelo e

livro.

Após as apresentações dos grupos, introduzi a crítica e a auto-crítica ao final

do exercício. Pedi ao grupo 1 que analizassem o trabalho do grupo 2, e vice-

versa. Após o comentário dos colegas, o próprio grupo poderá colocar as suas

dificuldades. (neste momento de avaliação tive de ter muito cuidado com os

deboches por parte dos alunos, minhas críticas como orientador devem ser

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sempre estimulantes, isso aconteceia, procurei colocar que não existe para

mim o melhor ou pior trabalho, pois todos estão engatinhando e podem fazer

sempre, coisas muito melhores). Procurei colocá-los na condição de eternos

aprendizes, pois é assim que crescemos, quando nos achamos donos da

verdade, sabedores de tudo, paramos de crescer.

O resultado foi animador, os grupos conseguiram cumprir os objetivos criando

uma história interligando objetos totalmente diferentes, com começo, meio e

fim. Já são visíveis as melhoras do grupo em postura de palco, voz e

expressão corporal.

Retomei o relaxamento com a técnica do “boneco de neve” e deixei-os

relaxando ao som de uma suave música por 10 minutos. Apaguei a luz da sala

para auxiliar no descanso dos músculos e pedi para que tentasse ouvir o

barulho mais distante que pudesse: um carro passando na rua ao lado da sala,

um passarinho cantando no terreno baldio ao lado da escola, um vendedor de

picolés do outro lado da rua... que buscassem ouvir o mais distante e pequeno

barulho. Ao final encerrei a sessão com uma salva de palmas para todo o

grupo pelo ótimo desempenho do dia.

Não realizei nesta aula o círculo de avaliação, pois já havíamos realizado o

processo de avaliação no “teatro de objetos”.

5.2.8) Oitava aula

Nesta oitava aula retornei com o jogo “leitura de gestos” para o aquecimento do

grupo, mas agora com outra novidade, além dos gestos os alunos deverão

trabalhar com a emissão de sons onomatopéicos, por exemplo: puft, ploft,

vamp, zapt, zum, plim, crec, arrrh, chum, tum, etc. A leitura dos sons e gestos é

da mesma forma que antes, e deverá ser feita simultâneamente. O grupo

respondeu bem, a comunicação dos gestos e sons chegou na maioria das

vezes de forma satisfatória ao final da fila. A mistura de sons diferentes as

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vezes confundia alguns alunos que misturavam os sons e nem sempre

chegava o mesmo som inicial até o final da fila.

Em seguida dividi os alunos em trios, sempre misturando para não ficar sempre

as mesmas pessoas juntas, para a realização do jogo “elemento surpresa” e fiz

a seguinte proposta: “Um pai, muito ciumento possui uma filha única, para a

qual deseja o melhor do mundo e para isso ele sempre investiu e trabalhou

bastante. Estudando e trabalhando muito, a familia está em boa situação

econômica. O sonho do pai é um bom partido para se casar com a sua filha.

Um belo dia o pai está em casa descansando e concertando alguma coisa que

sua mulher pediu. Num dado momento batem a porta, e meio bronqueado vai

atender. Surge um rapaz, mal trajado, aparência de pobre. O rapaz pergunta:

aqui que mora fulana de tal (referindo-se a filha). Meio assustado o pai

responde: Sim, o senhor a conhece ? O que foi ? Aconteceu alguma coisa ?

Entre... Entre... (o rapaz entra) meio acanhado diz: Não, não, não é bem isso,

eu a conheço sim (explica como a conhece) após a explicação, sempre com

timidez, ele ganha coragem e fala sobre seu namoro com ela e que veio pedir a

sua mão em casamento. A fala do pai será segundo criatividade do grupo

(deixei por conta do improviso). A situação concerteza ficará confusa, quando

de repente batem novamente à porta, trata-se de um elemento surpresa que

também vira com algum assunto referente a moça, podendo ser: um outro

pretendente, um telegrama informando que ela figuiu com outra pessoa, um

acidente, que ela foi sequestrada, pode ser a própria moça dando uma de que

não conhece o rapaz, ou chegar abraçando-o calorosamente e muitas outras

coisas, segundo o que eu, orientador, inventar.

Informei que os diálogos não podem ser combinados antes, devem ser na base

do improviso. Os que estão fazendo os papéis de pai e pretendente, não

podem saber quanto o elemento surpresa chegará e o que irá dizer, eu como

orientador combinarei com o aluno que será o elemento surpresa à parte, no

decorrer do próprio exercício.

Este exercício foi muito rico, pois os alunos tiveram que exercitar a criatividade

e o improviso, a cada novo grupo inventava uma história diferente para o

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elemento surpresa e assim foram apresentadas várias histórias

completamentte diferentes. O resultado foi fabuloso e algumas histórias me

surpreenderam pela originalidade e desenvoltura dos jogadores.

Figura 23 – Alunos apresentam a cena do “elemento surpresa”

Após todas as apresentações dividi novamente o grupo em três sub-grupos

para participar do jogo “teatro à partir do desenho”, e procedi da seguinte

maneira: Cada sub-grupo fará um desenho e o analisará, sem que o outro

grupo interfira (dê palpites), agindo da seguinte forma: pedi que um dos

elementos do sub-grupo faça com uma caneta um ponto no quadro. O

segundo aluno traçará um risco em qualquer direção (à vontade dele), o

terceiro aluno, continuará o traçado também à vontade dele, em qualquer

direção. O quarto da mesma forma, e assim sucessivamente até o último

aluno do sub-grupo. O último deverá, do ponto a que se parou, unir o

traçado até o ponto inicial (do primeiro aluno). Após este procedimento

solicitei que cada aluno do sub-grupo, sem interferência de quem quer que

seja, procurasse identificar com o que se parece a figura ou o desenho final

feito por todo sub-grupo (gentes, animais, plantas, objetos e etc.), o que ele

disser, por exemplo: parece com um cachorro, eu, como orientador ia

anotando ao lado do desenho. O outro: parece com uma estrela, fui

anotando de mesma forma, e assim por diante. Surgiram flor, cadeira e

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cavalo. Após a indentificação fiz a seguinte proposta: “Bem, agora vocês

vão para um canto qualquer, e através da troca de idéias, com todos os

participantes, procure fazer uma história com começo, meio e fim, onde os

personagens serão: cachorro, a estrela e a flor, a cadeira e cavalo (todos

deverão participar dos diálogos e da troca de idéias). A interferência do

orientador foi tão somente em fomentar a participação de todos e de manter

a disciplina na elaboração, não contribui com idéias, deixei as soluções por

conta do grupo. O mesmo procedimento realizei com os outros dois sub-

grupos. Deixei que elaborem sem pressa, o importante é a convivência e a

troca de idéias, o importante é a criação coletiva. O que apresentarão no

palco não é o mais importante.

Figura 24 – Alunos apresentam “teatro à partir do desenho”

As apresentações deverão ser feitas da mesma forma que o teatro de

objetos, enquanto um grupo apresenta, os demais assistem com atenção.

Incentivei o grupo a usar todo o espaço cênico em sua apresentação.

Orientei o grupo durante a elaboração, para que se preocupem com os

diálogos e também como irão se movimentar, suas entradas em cena

(esquerda, direta, frente, perfil e etc.) Após as apresentações um grupo

analisará o trabalho do outro com cada indivíduo se manifestando no

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momento certo. Após a análise feita pelos grupos, um vendo o outro, o

grupo deverá também se auto-analizar.

5.2.9) Nona aula

Novamente iniciei a ula com a “leitura de gestos” com a utilização de

movimento e sons. Desta vez a comunicação dos sons foi mais perfeita e não

ouve mais tanta confusão e mistura de sons, conseguindo que os mesmos

chegassem até o final de forma bem satisfatória.

Estimular a confiança dentro do grupo é sempre muito importante, neste

momento introduzi o jogo chamado “João Bobo”, onde dividi os alunos em trios

para realizarem a tradicional brincadeira infantil do João Bobo. Um dos três

alunos ficará num distância que convém entre os dois, um de frente para o

outro. O do meio, com os olhos fechados, braços estendidos e junto ao corpo.

O corpo deverá ficar retesado, bem duro. Os outros agem da seguinte forma:

um empurra e o outro apara e vice-versa, como se fosse um pêndulo de um

relógio. Depois de um certo tempo, deixei em média 2 minutos, há um

revezamento para que os três participem como pêndulo. Repeti este exercício

até que todos tenham a oportunidade de participarem do jogo.

Em seguida iniciei um novo jogo para trabalhar o volume de voz chamado

“barulho do campo”. Coloquei o grupo em fila de frente para a platéia. Combine

com cada um, qual o bicho que ele vai imitar pelo som: vaca, cavalo, galo,

porco, galinha, passarinho, lobo e etc. E pedi que ao meu sinal todos

começariam a imitar ao mesmo tempo o som do animal correspondente. Insisti

para que todos soltassem a voz pois eu precisava destinguir o som de todos os

bichos. Pedi o máximo de seriedade, pois este exercicio provoca muitas

risadas. Mantive-os fazendo o exercício por um tempo até que conseguisse

perceber os diferentes animais. Virei de costas para perceber melhor. Consegui

perceber bem todos os sons, somente o bicho “galinha” que ficou a cargo da

aluna Vanessa tive dificuldade, pois a mesma se desconcentrava muito, ria

bastante durante o exercício e não conseguia melhorar o volume de voz.

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O próximo jogo aplicado ao grupo chama-se “a planta misteriosa”, exercício

para desenvolver a criatividade e o improviso. A proposta colocada ao

grupo foi: “um grupo de amigos, pode ser o que eles combinarem

(estudantes, trabalhadores, etc.), moram num apartamento em comum

(todos juntos). Um belo dia um velha muito misteriosa, bate à porta e lhes

oferece como presente uma muda de planta muito misteriosa, vinda de um

lugar muito misterioso. Se eles deixarem que ela nasça ou cresça sem

tocá-lá, ela poderá lhes trazer muita sorte e felicidade, mas se alguem lhe

tocar, nem ela mesma sabe quais as consequências advindas pelo excesso

de curiosidade. Dito isto a velha vai embora, deixando com eles de

qualquer maneira a tal planta. Chega a hora de repousarem, cada qual

mais curioso que o outro com relação a planta, porém com muito medo. Um

recomenda ao outro que ninguém deve tocá-lá. Porém a cusiosidade é

grande, todos gostariam de ver o que acontece. Um procura vigiar o outro,

até que, um mais afoito, aproveitando de um pequeno cochilo do pessoal,

consegue com muito medo e preocupação, tocar na planta ou no vaso que

ela está plantada.

Vai para sua cama, quando de repente começa ouvir um som estranho. Se

dirige ao local onde está a planta e esta começa a crescer de uma maneira

assustadora. Lentamente ela vai enchendo o ambiente sem contudo, dar

tempo de alguém fugir. Seus galhos, como tentáculos, vão se expandindo,

crescendo, crescendo, envolvendo tudo: móveis, objetos e as pessoas, por

mais que tentam fugir apavorados. Eles os envolvem pelas pernas, pelos

braços, pescoço, estrangulando-os. O final fica por conta do grupo,

segundo o que convencionaram.

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Figura 25 – Alunos combinam detalhes da cena “planta misteriosa”

Em um canto, isolados uns dos outros, cada grupo combinou o diálogo

(texto criado à partir da idéia básica), movimentação cênica, distribuição de

personagens, etc. Aproveitei para fazer algumas recomendações básicas

como: representar o maior tempo possível, de frente para a platéia, os que

estão nos bastidores, devem se manter em silêncio, esperando a “deixa”

para entrar em cena. História com começo, meio e fim. A medida que

entrou no palco, já está representando. A platéia deve colaborar o máximo

possível com os companheiros, mantendo-se atentos e em silêncio (rir na

hora certa, etc).

As recomendações fizeram efeito e as cenas apresentadas primaram pela

criatividade e pela riqueza de detalhes, os finais criados por cada grupo

foram super criativos, desde todos morrerem sufocados pela planta, até um

dos elementos conseguir tirar do bolso uma cartela de aspirina que foi

jogada na raíz da planta e a fez secar rapidamente e todos sobreviveram.

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5.2.10) Décima aula

A décima aula da oficina foi a última do ciclo de jogos antes de iniciar o

processo de montagem do espetáculo. O exercício de interpretação oral e

individual, aconteceu da seguinte forma: Escolhi uma frase padrão: “Ele é

surdo, mudo e analfabeto senhor provolone!”. Esta frase, todos,

individualmente (soltando a voz), foram até o palco e repetiram

normalmente e em seguida de acordo com a minha orientação iam

repetindo a frase chorando, rindo, com raiva, bravo, gaguejando, com

ironia, sono, bebado, gargalhando, com frio, com calor, doente, etc.

O próximo jogo chama-se “o presente” é de criação coletiva, expressão

corporal, volume de voz, noção de marcação (movimentação no espaço

cênico – entradas e saidas), reformulação e distribuição de papéis. A

proposta foi a seguinte: Um menino pobre, muito pobre. Ele não tinha

dinheiro para dar um presente (a data pouco importa, podendo ser natal,

dia das mães , dia dos pais , aniversário, etc. Fica a cargo do grupo

decidir), estando muito preocupado. De repente surge-lhe a idéia de

procurar alguma coisa na floresta. Encontra a mata devastada e seca, sem

muitas possibilidades. Após muito procurar encontra uma linda penca de

bananas maduras, com o canivete corta-a. Quando vai levá-la de presente,

resolve que é muito pouco e reinicia a procura: acha uma cenoura, um

tomate madurinho e o tanto de frutas que se deseja introduzir em função do

número de participantes. (Destaquei que sempre deve-se dirigir a pláteia e

explicar o que se tem em mãos e qual o fim a que se destina) Exemplo:

Olha que banana, já tenho uma penca de bananas e um tomate, vou levar

de presente para minha mãe, pois hoje é dia das mães... etc. Após colher

as frutas é interessante que corte capins para fazer uma cestinha

(excelente expressão corporal a sua confecção). Quando vai levar as frutas

na cestinha, satisfeito, ao sair, no caminho encontra com o macaco o qual

vem chorando de uma forma quase “escandalosa”. Que foi seu macaco? O

que aconteceu? O macaco responde: Sabe menino, a macacada lá em

casa está passando fome, também pudera tudo está seco (aproveitei essa

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história para falar um pouco sobre ecologia com os alunos), por mais que

se preocure não se acha nada, não sei o que faço, etc ... Menino: Não

chore seu macaco, eu estava levando esta penca de bananas para minha

mãe, pois hoje é o dia das mães, mas não tem importância... leve-o para

seus filhos, minha mãe vai ficar contente com o resto... etc. O macaco

muda completamente, fica muito contente e agrece com euforia ao menino,

saindo de cena pelo outro lado. O menino volta-se para a pláteia e explica

com clareza: “Eu tinha a penca de bananas, o tomate, a cenoura , etc.

Agora tenho o tomate, a cenoura, a cestinha, bem eu acho que minha mãe

vai ficar contente... etc. Vai saindo quando encontra-se com o coelho,

repete-se toda a cena anterior e dai por diante. Só na cestinha é que o

texto muda para: “Caiu o meu ninho com a ventania, etc.”

Numa segunda cena, aparece a casa do menino novamente, onde a mãe

está executando uma tarefa, por exemplo: “tricô. Batem a porta, ela pode

resmungar alguma coisa, “estou tão ocupada”. Vai atender e é o macaco

que lhe conta tudo o que aconteceu, enaltecendo a atitude de seu filho. Ela

fica muito contente. Recomeça a tarefa quando denovo batem à porta.

Resmudando vai atender: É o coelho, que também lhe conta tudo que

aconteceu, elogiando muito o menino. Daí todos os animais incluidos na

história. Ela fica muito contente com a bondade de seu filho. Voltando a

tarefa, quando chega seu filho, muito aborrecido de cabeça baixa. Ela

pergunta o que foi. Ele responde que está triste, pois não tem nada para

dar a ela. Por sua vez, ela conta sobre a visita dos animais e o que eles lhe

contaram. Por fim: “O melhor presente você ja me deu, por ser um bom

filho.”

Informei aos grupos que essa narração é uma ideia básica, eles deverão

colocar os animais que desejarem e modificar a estrutura se o grupo assim

decidir na troca de idéias. Recomentei voz alta, interpretar na postura

correta (respeitando a pláteia), expliquei sobre a importância do espaço

cênico, não conversar em voz alta nos bastidores, etc.

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Após a encenação cada grupo foi avaliado pelos colegas e também fez

uma auto-avaliação do trabalho apresentado.

Para introduzir ao próximo jogo que será “vida e evolução” contei aos

alunos de forma simplificada, com clareza e numa linguagem acessível, a

teoria da formação da terra e da vida, desde a explosão, o resfriamento, as

chuvas seculares, formação de lagos, rios e mares, surgimento dos

primeiros organismos unicelulares, moluscos, peixes, anfíbios, répteis,

aves, mamíferos, primatas, até ao homem rudimentar parecido com o

macaco e dai a sua evolução: vivendo em cavernas, em grupos, sem

possuir o dom da fala, a formação da linguagem oral, as primeiras

descobertas (armas, fogo etc), a descoberta da escrita (primeiras inscrições

e desenhos nas paredes), o trabalho organizado até os tempos atuais.

Sabia que esse exercício deveria ser bem explicado pois trata-se de um

representação dificil, porém de uma beleza plástica espetacular. Tirei todas

as dúvidas do grupo e depois dei um tempo para que cada sub-grupo,

dividido previamente, pudesse organizar a apresentação da sequencia

cênica.

Foi um fechamento de etapa com chave de ouro, o exercício ficou

maravilhoso, muito bem feito com detalhes que nem eu imaginava que eles

poderiam criar. Passo a passo foram mostrando toda a evolução da terra,

seguindo a sequência que expliquei. Ao final fizemos uma avaliação geral

da atividade e da oficina. Percebi que a grande maioria estava vendo as

atividades de forma bem positiva e que mesmo não tendo atingido 100% do

grupo, pois alguns alunos continuavam ainda bem tímidos e encabulados,

mas todos conseguiram realizar as propostas dentro de suas limitações e

conhecimentos.

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5.3) Montagem e apresentação do Espetáculo

Em 2009 comemora-se os 200 anos de nascimento do naturalista britânico

Charles Darwin9 e no mesmo período, coincidentemente, a instituição onde

nossa pesquisa foi realizada completava 20 anos de fundação.

Fazendo um aparte, interessante que Darwin é um pensador que instigou

Vygotsky, nosso marco teórico. Der Veer & Valsiner (1996) descrevem que

esse psicólogo biélo-russo ao estudar o desenvolvimento humano se

respaldou dentre outros em Darwin. Vygotski “(...) comparou a psicologia de

animais e de seres humanos (...)” (p. 211).

Pelo motivo da escola fazer aniversário de 20 anos e Darwin ser um

cientista respeitado nos propomos fazer uma montagem de um espetáculo

sobre ela. Isso ocorreu mesmo considerando que Spolin não privilegie

montagens – mas não as negue. Havia uma demanda da escola (e da

sociedade que ela representa), pela realização e, portanto, pela montagem

de um espetáculo teatral.

“Nos Jogos Teatrais em lugar de enfatizar o produto final, os professores passarão a dar maior importância ao processo. Se a peça construída pelas crianças é boa, tanto melhor. Isto, no entanto não é tão importante quanto o crescimento que resulta da experiência de criar uma peça”. (Spolin, 2007)

O texto encenado foi escrito de forma conjunta (orientador e professora) e

baseado na bibliografia do naturalista Charles Darwin. A proposta foi contar

toda a trajetória do cientista desde o seu nascimento até as suas viagens e

pesquisas em torno do mundo. O texto recebeu o título de “Charles Darwin,

uma viagem em busca do conhecimento” e foi pensado de forma que todos

os 16 alunos pudessem participar do espetáculo em cenas distintas e com

falas específicas. Para enriquecer ainda mais e envolver a comunidade

9 Charles Robert Darwin FRS nasceu em Shrewsbury no dia 12 de Fevereiro de 1809; faleceu em Downe, Kent no dia 19 de Abril de 1882. Ele foi um naturalista britânico que alcançou fama ao convencer, pela comprovação, à comunidade científica da ocorrência da evolução e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual. Esta teoria se desenvolveu no que é agora considerado o paradigma central para explicação de diversos fenômenos na Biologia. Darwin foi laureado com a medalha Wollaston concedida pela Sociedade Geológica de Londres, em 1859.

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escolar, houve o convite para que os alunos das turmas do 1º, 2º, 3º e 4º

ano realizassem uma participação especial, através de danças e

coreografias.

Examinando minhas anotações tentei traçar um perfil de cada aluno para

poder auxiliar na escolha dos três atores principais da peça. Os escolhidos

foram os alunos Roberta, Nathália e Gabriel, pois apresentaram melhores

desempenhos na maioria dos jogos realizados durante a oficina e

conseguiram de forma mais coesa assimilar os propósitos de cada jogo

como: postura cênica, volume de voz, expressões corporais e faciais, etc.

Os demais foram divididos em várias participações específicas funcionando

como elemento narrativo e explicativo das cenas.

Figura 26 - Em primeiro plano os alunos Nathália, Gabriel e Roberta durante a apresentação do espetáculo “Charles Darwin, um viagem em busca do conhecimento”

Atuar requer presença e os jogos teatrais produziram esse estado nos

alunos, por esse motivo os ensaios transcorreram de forma tranquila, aos

poucos os atores foram se familiarizando com as marcações, as cenas e o

posicionamento de cada um. O fato dos jogos terem sido trabalhados

anteriormente à montagem facilitou bastante o processo, pois os alunos já

haviam assimilado as principais técnicas teatrais reforçadas através da

oficina.

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Durante a aplicação dos jogos descobi que o aluno Guilherme tocava muito

bem o instrumento violino e em função disso foi inserido no espetáculo um

momento em que o mesmo poderia demonstrar essa habilidade. Na última

cena da peça a sonoplastia foi realizada ao vivo pelo aluno tocando trechos

do concerto para violino “As Quatro Estações” de Antonio Vivaldi.

Figura 27 – Aluno Guilherme ao violino

Durante os ensaios, relembrava com os alunos-atores os jogos teatrais

realizados para que as técnicas aprendidas fossem aplicadas nas cenas.

O fato de encenar a vida e obra do naturalista Charles Darwin trouxe alguns

contratempos, pois a turma era formada basicamente por alunos

freqüentadores e pertencentes a religiões protestantes e católicos, cuja

família não aceitava ou não concordava com a teoria da evolução de

Darwin. Como havia sido alertado pela professora desse aspecto religioso

fortemente presente nas famílias dos alunos, durante o processo de criação

do texto foram tomados vários cuidados para mostrar a vida do autor sem

acentuar pontos mais polêmicos de sua teoria. Esse fato ajudou a não

haver desistências ou resistência por parte de algum aluno (ou família) em

participar da apresentação do espetáculo.

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Figura 28 - Apresentação do espetáculo “Charles Darwin, um viagem em busca do conhecimento”

No dia 19 de setembro de 2009, no palco do Centro de Convenções de

Vitória, durante a Exposição “Evidências”, que marcou a comemoração dos

20 anos da instituição de ensino, aconteceu a apresentação do espetáculo

“Charles Darwin, uma viagem em busca do conhecimento”, com a presença

de discentes e docentes da instituição, além de familiares e amigos dos

alunos.

A apresentação foi um grande sucesso. Os alunos foram aplaudidos de pé

pelo auditório lotado e ao final, pais, amigos, colegas e professores se

diziam emocionados e felizes por tão competente espetáculo.

“Foi lindo! Há muito tempo não via uma peça com tamanha beleza e ficava difícil de acreditar que eram os nossos pequenininos em cena”.(Mirian Batista, supervisora pedagógica)

“Adorei tudo, as danças, os bichinhos, as músicas e principalmente a interpretação das crianças, pareciam atores de verdade! Principalmente meu filho, claro!” (Silvia Correia, mãe do aluno Gabriel)

As empolgações dos depoimentos da mãe e da supervisora refletem o

sentimento que se abateu sobre todos os presentes ao auditório – uma

emoção (e indissociado conhecimento) apreendida em grupo, mediada nele

– dentro do contexto social e cultural. Os alunos surpreenderam de forma

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tal que os aplausos, as fotos e os abraços com familiares perduraram

durante vários minutos após o encerramento do espetáculo.

Figuras 29, 30, 31, 32, 33 e 34 – Apresentação do espetáculo “Charles Darwin, um viagem em busca do conhecimento”

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6 ) RESULTADOS OBTIDOS

O processo de estruturação desta pesquisa foi complexo, mas

extremamente gratificante. O acompanhamento de perto da professora da

turma e as disucussões com a mesma auxiliaram bastante e foram de

imensa importância. Mistrar a oficina, fazer anotações, observações,

conduzir os jogos, dar instruções, todo o processo acontecia de forma

simultânea e imediata. As fotografias e filmagens foram por vezes

conduzidas pela professora, pois não daria como realizar tudo de uma só

vez.

Em todas as ações de sentido, recorríamos a Vygotsky e a algumas de

suas principais idéias. O momento cultural atual é propício ao teatro (ao

cinema e as artes em geral). Momentos mediados por uma política que

tende a aumentar a produção de filmes; está aqui-agora a popularizar o

teatro acessível a todos – como os trabalhadores que nem sempre se

interessaram por ele. Isso significa que estamos vivendo a diminuição das

restrições sócio-culturais ao teatro.

A arte do teatro aparece então como uma ferramenta, que levada por idéias

de Vigotsky, pode provocar o desenvolvimento e a aprendizagem (dois

indissociados movimentos). Nossa proposta é a do teatro como ênfase nas

relações sociais, nas interações humanas (com o outro e com as outras

ferramentas culturais).

Esse processo de mediação ocorreu em todas as nossas intervenções; a

consideração de que todos nós trazemos saberes-fazeres que podemos

mutuamente ensinar – dentre outros.

As crianças reagiram muito bem a todos os jogos teatrais, a criatividade e o

entusiasmo eram constantes. Os maiores problemas surgiram com os

alunos mais tímidos e encabulados que por vez não queria executar os

jogos, outras vezes faziam o exercício rápido demais para poder terminar

logo, mas aos poucos até esses elementos mais retraidos começaram a

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reagir de forma expressiva às atividades. Conforme nos relata a professora

e o aluno:

A oficina proporcionou momentos de descobertas de interesses, despertando em cada um, até nos mais tímidos, um maior envolvimento. Passaram a se relacionar melhor, se ajudando, tentando encontrar soluções criativas, argumentando, se expressando com mais segurança.(Prof.ª Elisabete)

A oficina de teatro me deixou mais esperto na hora de me situar no palco, mais desinibido na hora de me apresentar. Falar mais alto na hora de me apresentar. (Guilherme)

Outro ponto que a professora destaca em sua fala é a importância dos

jogos teatrais auxiliando na criatividade e no processo de argumentação

dos alunos. Eles demostraram maior segurança ao falar, com textos bem

elaborados e soluções criativas para vários problemas. Esse processo

refletiu diretamente também ao ambiente escolar pois, os alunos se

tornaram mais seguros de si, mais atentos e participativos. Conforme

relatou a professora Elisabete e os prórpios alunos em seus depoimentos:

Os reflexos da oficina foram percebidos desde o início. As crianças se tornaram mais seguras de si, atentas, interessadas e participativas. O relacionamento entre todos melhorou. Estavam sempre atentos aos dias da oficina, ansiosos, esperando por eles. Acredito que a oficina ajudou a desenvolver a auto-estima das crianças inseguras e tímidas. (Prof. Elisabete)

Adorei as aulas de teatro aprendi a hora de falar, pessoas com vergonha se abriram e principalmente a bela peça apresentada. Eu mostrei coisas que até eu mesma me surpreendi. (Natália)

Eu achei as aulas de teatro muito legal, elas me ajudaram a falar as falas direito, a ter mais fôlego na hora de cantar, a ler bem melhor e prestar mais atenção, a interpretar melhor o texto, enfim foi uma experiência muito legal. (Rafaela)

Um aspecto que é de suma importância que a professora destacou em sua

fala e que vale ser ressaltado é que os jogos auxiliaram numa melhora no

relacionamento pessoal entre os alunos, pois como já relatei anteriormente

essa era uma turma heterogênea com alunos oriundos de várias

instituições de ensino diferentes. A troca constante dos parceiros-

brincantes durante a realização dos jogos é uma das formas de unir grupos

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distintos e sem grandes afinidades. Os jogos em que o grupo precisa

realizar uma criação coletiva também são de suma importância no processo

de aproximação dos jogadores. Os depoimentos de Gabriel, Pedro e

Gabriela demostram como os jogos auxiliaram na aproximação dos alunos:

Bom... eu gostei dos jogos de teatro porque eu falava muita coisa embolada e como agente fez muitos exercícios com a boca eu estou falando bem melhor agora, sem falar coisas emboladas, isso pra mim foi bom. Eu antes não conversava muito com as meninas e agora já converso com elas o tempo todo. Foi uma experiência muito gratificante para mim. (Gabriel)

Eu nunca fui de ser quietinha não, mas, ser aluna nova me prendeu um pouco, com suas aulas de teatro me soltei para novas amizades! (Gabriela)

Foi muito bom, aprendi novas palavras, técnicas e perdi uma agonia de me apresentar em público. (Pedro)

Os jogos teatrais atingiram os alunos de forma diferenciada, algums

assimilaram perfeitamente todas as estruturas, e demostraram grande

aptião para uma carreira artística, se assim o desejar. Outros tiveram uma

boa assimilação, mas não em todos os jogos, alguns que exigiam muita

expressão corporal muito densa, não eram realizados na sua totalidade por

todos. Teve ainda o caso de dois alunos que por serem extremamente

tímidos e encabulados assimilaram bem pouco os jogos, mas mesmos

nesses alunos é possível ver mudanças e melhorias, principalmente na

participação nas aulas e no prazer de estar junto ao grupo participando do

espetáculo, uma participação bem breve, mas de valor inestimável para

alunos que mal conseguiam falar seu nome no primeiro dia de encontro do

nosso grupo...

As oficinas de teatro me ajudaram a atuar melhor na peça. As atividades foram bem legais e a que mais gostei a de preparar a história para apresentar. Enfim, adorei tudo. (Roberta)

Fazer teatro parece uma brincadeira de tão bom que era, foi a melhor oficina que já fiz. (Leonardo)

Aprendi a falar melhor, interpretar e isso foi muito bom, no começo parecia brincadeira, mas depois percebemos que eram exercícios para melhorar nossa apresentação na peça. Achei muito divertido. (João Pedro)

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Com os jogos aprendi muitas coisas que posso utilizar em minha vida e mesmo quando for fazer algum teatro. (Guilherme)

Os jogos de teatro me ensinaram muitas coisas como: fazer o meu melhor nas aulas, na minha casa, em minha vida! (Vanessa)

Percebo apenas pontos positivos na utilização dos jogos teatrais. Eles trouxeram entusiasmo, integração, colaboração e criatividade. Acredito que as escolas deveriam adotar as oficinas de teatro e artes cênicas como mais uma ferramenta para o desenvolvimento integral das potencialidades das crianças. É muito bom perceber crianças tão acanhadas conseguindo subir num palco e expressando seus sentimento. Além disso o texto encenado sobre a vida de Charles Darwin trouxe informações científicas, reais e precisas, mas também momentos leves, cômicos, de muita beleza e diversão, bem apropriados para uma apresentação infantil. Tudo foi muito bem dosado, tornando a apresentação um sucesso! (Profª Elisabete)

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7) CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Aliás, o próprio Vygotsky reconheceu ao Teatro a primazia na abordagem da questão do pensamento por trás das palavras e destacou aspectos do texto cênico (repertório gestual, entonação, silêncios, pausa etc.) que ajudam a distinguir entre significado e sentido de uma determinada palavra numa elocução voluntariamente enunciada”. 10

Esse estudo, como vimos, alcançou seu objetivo inicial: acompanhar e

descrever o processo de realização dos jogos teatrais por um grupo de 16

alunos do 5º ano do Ensino Fundamental I, em idades entre 10 e 11 anos de

uma Escola da rede privada da cidade de Vila Velha no Espírito Santo,

analisando os efeitos dos jogos teatrais provocam no indivíduo, no grupo e no

ambiente escolar.

Acompanhamos o processo de realização de jogos teatrais (segundo propostas

de Spolin e dentro de uma perspectiva vygotsneana) e pudemos comprovar

que o envolvimento dos alunos (e da professora da sala de aula) foi visceral.

Isso tende a mostrar a vitalidade das propostas de improvisação e

espontaneidade de Spolin.

Os efeitos da nossa intervenção ocorreram no indivíduo estando ele em grupo,

no grupo e no ambiente escolar.

Um dos efeitos, sentido por nós, produziu possíveis mudanças subjetivas

individualmente (no coletivo).

Detectamos que um dos efeitos foi o de provocar os sujeitos (discentes)

minimizando o medo de se expressar corporalmente, de falar, de tocar com

mais cuidado si mesmo e o outro.

Essas pequenas, mas significativas mudanças gestões trazem implicações

para a vida pessoal (vivida em interação – nos recorda Vygotsky), desvelando

a importância da improvisação e sua relação com a criatividade. 10 Japiassu (1998; p. 1).

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O grupo (o sujeito grupal) mostrou-se com maior integração indispensável a

uma ação social, por exemplo. Por ser heterogêneo o grupo mostrava-se

disperso, e foi nas diferenças (e respeitando-as nas improvisações) que

pudemos trazer à lume o sentido de que a “união faz a força”. Ocorreram

interações mais densas e intensas de onde podemos descrever como: “veio a

tona a integração como possibilidade grupal”.

Uma instituição como a escola existe e se torna humana pelas pessoas que

nela circulam e constroem sua identidade cultural dentro de determinada

sociedade. Pudemos detectar que os movimentos anteriores marcam essa sala

de aula, com o interesse maior nas disciplinas como diversas vezes expressou

a professora, a pedagoga...

Outro dado foi o efeito da apresentação da peça de teatro, ampliando

comentários positivos e uma contaminação da idéias para outras salas de

aulas, professores e professoras, alunos e alunas...

Compondo uma parceria entre Vygotsky e Spolin, podemos então revelar que a

maioria das pessoas são capazes de improvisar e nessa situação habilitadas a

aprender em grupo através da experiência e da vivência no jogo, e nisso se

destaca a interação humana como fator do desenvolvimento e da

aprendizagem. Compatível, nesse sentido, com Vygotski, pois foca o valor

dado a interação como momentos significativos de aprendizagem.

Essa pesquisa mostra que os jogos teatrais podem ocupar um lugar importante

nas instituições de ensino, inclusive públicas, pois as características dos

mesmos que viabilizam um aumento da auto-estima, da criatividade e da

autonomia das crianças são compatíveis com as propostas inclusivas mais

atuais.

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Podemos então concluir com uma afirmativa de Spolin (2007), fazendo dela

nossa perspectiva nessa pesquisa que conforma uma dissertação de mestrado:

O ator não deve esquecer a platéia, da mesma forma como não deve

esquecer seu texto e os parceiros de jogo (p. 241).

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APÊNDICE

CHARLES DARWIN, UMA VIAGEM EM BUSCA DO CONHECIMENTO

Autor: Aristides JunhoAdaptação: Armando Chafik e Elisabete Cardoso

CENA 1 – Menina 01 e 02 e CriançaCenário composto um belo jardim (projetado e com elementos cênicos); Duas meninas com caracterização atual estão brincando no quintal. Umas delas acha livros jogados no chão. Sentam na boca de cena e começam a ler os livros. Foco somente nelas.

MENINA 01 (lendo a capa do livro lentamente) – “Sobre A Origem das Espécies”...MENINA 02 (interrompendo) - Origem do quê?MENINA 01 – “Origem das Espécies!... “Origem das Espécies Por Meio da Seleção...”MENINA 02 - Meio do quê?MENINA 01 – Por Meio da Seleção Natural...MENINA 02 – Ahhhh...MENINA 01 (repetindo a leitura da capa) – “Sobre a Origem das Espécies por meio da Seleção Natural” (pausa, não sabe o que fazer com o livro) Esse é melhor pra você... (entrega para Menina 02 e toma o que estava com ele).(MENINA 02 fica sem ação com o livro na mão; demonstra preocupação.)MENINA 01 (lendo o livro que pegou das mãos da Menina 02) – “A Descendência do Homem”.MENINA 02 – Ahn?MENINA 01 – “A Descendência do Homem e a Seleção em relação ao Sexo”MENINA 02 – Que complicado... Temos que ler mesmo?MENINA 01 – É fundamental, você não sabe?MENINA 02 – Não, não sei.MENINA 01 – Por isso precisa ler! Para saber alguma coisa. MENINA 02 – Ah! (abre o livro e fecha-o rapidamente) - Você fala isso porque você não sabe nada também.MENINA 01 – Claro que sei.MENINA 02 – Sabe o quê?

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MENINA 01 – Sei que você não sabe.MENINA 02 – E daí! Podemos continuar sem saber. (Olha fixamente para ela) - E ninguém vai saber que a gente não sabe.MENINA 01 – A Origem das Espécies Por meio da Seleção Natural. Charles DarwinMENINA 02 – Charles Darwin? Será que foi ele que deixou esses livros aqui?MENINA 01 – Pode ser. (observa os livros) - São da mesma pessoa... (lêem os dois juntos)MENINAS 01/02 – Charles Darwin.MENINA 02 – O que será que ele quer com isso?MENINA 01 – Ora, que aprendamos alguma coisa.MENINA 02 – Há tempos vivemos aqui, só brincando, sem saber nada. De repente surgem livros. Para quê?MENINA 01 – Para alguma coisa, eu já disse.MENINA 02 – Para acabar com esse nosso sossego, com essa nossa tranqüilidade. Isso não pode continuar.(Joga os livros fora, atrás de uma moita, sai outra CRIANÇA de lá reclamando)CRIANÇA – Aiiiiiiiii. MENINAS 01/02 – Quem é você? CRIANÇA - O que vocês fizeram?MENINA 01 – Eu não fiz nada, foi ela.MENINA 02 – Eu? Eu... também não fiz nada.CRIANÇA – Vocês jogaram os livros fora.MENINA 02 – Ah, você quer os livros...MENINA 01 – Devolva os livros para esse menino. Taí, descobrimos de onde vieram os livros. São desse garotinho que deve tê-los perdido por aqui. A gente te devolve com o maior prazer. (vai pegar os livros e não acha). MENINA 02 (Espantado, num grito) Cadê os livros?MENINA 01 – Com certeza estão atrás desses arbustos. Você não procurou direito. Você não sabe fazer nada mesmo. (vai até os arbustos) – Cadê os livros do menino? Onde você colocou os livros do menino?MENINA 02 – Eu joguei nesta moita. Tenho certeza.MENINA 01 – Pois sua certeza não está nada certa. Os livros não estão aqui. MENINA 02 – Mas eu não fiz nada. Olha seu Charles Marwin...MENINA 01 – Que Charles Marwin. É Charles Darwin, eu lembro.CRIANÇA – Charles Darwin?MENINA 02 – Sim, olha seu Charles Darwin, eu joguei seus livros ali naquela moita, agora se eles sumiram, eu não tenho nada com isso.

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CRIANÇA – Eu não sou Charles Darwin.MENINA 01 – Como não, aqueles livros não eram seus? Pois bem, tinham o seu nome na capa: Charles Darwin.CRIANÇA – Estou vendo que vocês precisam aprender muitas coisas.CRIANÇA – (solene) “só conseguimos realizar nossos propósitos economizando os minutos”MENINA 02 – Gostei.MENINA 01 – Bonitas suas palavras.CRIANÇA – Minhas não, de Charles Darwin!MENINAS 01/02 – Charles Darwin? Mas quem é Charles Darwin?!(Música, palco se transforma; muda luz, surgem várias outras crianças-narradoras que contam sobre Darwin)

CENA 2 – ATORES 1 / 2 / 3 / 4 / 5 / 6 (Será projetado imagens ilustrativas durante as falas.)

ATORES 4/5/6 – Charles Robert DarwinATORES 1/2/3 – Charles DarwinATOR 1 - Nasceu em 12 de fevereiro na Inglaterra.ATORES 1/2/3/4/5/6 – Em 1809ATOR 2 – Seu pai era um respeitado médico.ATOR 3 – Seu avô paterno, além de intelectual era cientista.ATOR 4 – De família rica e culta, recebeu educação nas melhores escolas de seu tempo.ATOR 5 – Aos oito anos de idade, ficou órfão de mãe.ATOR 6 – Ainda criança, cultiva o hábito de colecionar besouros e acabou ficando obcecado por isso.ATOR 1 – Por ser um ótimo caçador, aprendeu a observar o hábito dos animais.ATOR 2 – Descobriu que o prazer de observar era maior do que o prazer da caçar.

(Nova música, luz muda. Inicia cena tomada por insetos besouros, joaninhas e borboletas e com Charles Darwin criança e fica a brincar por entre eles – Cena pode ser resolvida com coreografia a partir de música alegre e vibrante. Cena do Darwin capturando os 3 besouros com as mãos e boca feitos em forma de coreografia.)

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ATOR 3 – Em 1825, Charles Darwin ingressa no curso de medicina, seguindo os passos do pai.ATOR 4 – Quando teve que operar um doente sem anestesia, descobriu que não daria para isso e abandonou o curso.ATOR 5 – Seu pai então decide que Darwin deveria estudar filosofia e se dedicar ao clero.ATOR 6 – Mesmo sem vocação religiosa, se formou em 1831.ATOR 1 – Mas não ficou muito feliz com o que aprendeu por lá: ATORES 1/2/3 – A Terra foi criada no dia 23 de outubro de 4.004 a.C.MENINA 02 – A Terra só tem 6.000 anos?ATORES 4/5/6 – Todas as espécies foram criadas ao longo de seis dias e jamais sofreram mudanças.MENINA 01 – Está certo isso?CRIANÇA – Era isso que também incomodava Darwin.MENINA 02 – Eu não estou entendendo nada.MENINA 01 – Você nunca entende nada.CRIANÇA – Vocês entenderam sim. Darwin foi estudar para ser religioso. Mas questionava muitas coisas.ATOR 2 – Entre os religiosos se identificou com os naturalistas.ATOR 3 - Que são os que se dedicam às ciências naturais...ATOR 4 – Que estuda aquilo que vem da natureza.ATOR 5 – Sua paixão pela história natural era tanta que recebeu o convite para ocupar o cargo importante.ATOR 6 – O de naturalista oficial a bordo do navio BEAGLE que sairia em expedição científica ao redor do mundo.MENINAS 01/02 – E ele foi?!ATORES 1/2/3/4/5/6 – Em 27 de dezembro de 1832 tem início a jornada de Darwin a bordo da embarcação BEAGLE.CRIANÇA – Vamos juntos!

(palco se transforma entre luzes e efeitos; sai cenário do jardim. Cenário é um navio em alto mar. Neste momento são projetadas imagens da trajetória da expedição e do veleiro “Beagle”. No telão imagens do roteiro dessa viagem. Crianças vestidas de marinheiros dançando pelo palco ao som de música dará a idéia de que nossos aventureiros estão viajando Música marca cena).

CENA 3 – ATORES 7 / 8 / 9 / 10 / 11 / 12 / 13

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CRIANÇA – Darwin deu a volta ao mundo a bordo de um veleiro. Preciso que vocês me ajudem. Não podemos desperdiçar essa viagem. Observem tudo: plantas, fósseis, animais, insetos, aves!MENINA 02 – O quê?MENINA 01 – Esse menino está louco!CRIANÇA – Olhem! A cordilheira dos Andes! São majestosas. ATOR 7 - Existem conchas do mar na parte mais alta dos Andes. ATOR 8 - E pedras com características de erosão por água.ATOR 9 – Conchas do mar em montanhas? Como pode isso?ATOR 10 – São sinais claros de que um dia já foram praias.ATOR 11 – Mas não pode. Elas são montanhas altas.Meninas 01/02 – Será?

(No telão surge a referência do Arquipélago de Galápagos)

CRIANÇA – Arquipélago de Galápagos! ATOR 12 - Que natureza riquíssima, a segunda maior reserva marinha do planeta!ATOR 13 – Vejam: iguanas na terra e na água e leões marinhosATOR 7 – Olhem: Pingüins, focas e baleias!ATOR 8 – Vejam: cactos nativos, flamingos e pelicanosATOR 9 - Que lindo! Fragatas, garças, gaivotas e gaviões.ATOR 10 – as tartarugas são da mesma espécie, mas em cada ilha apresentam detalhes diferentes nos cascos. MENINAS 01/02 – Estranho isso!ATOR 12 – Olhem aqueles pássaros! São os tentilhões!ATOR 13 – Nas 13 ilhas do arquipélago tem tentilhões!ATORES 7 até 12 – Mas cada ilha tem uma espécie de tentilhão diferente. (saem de cena)MENINA 01 – Curioso isso.MENINA 02 – Não estou entendendo nada. Está tudo confuso!

(Criança principal nesse momento começa a rir e caçoar das meinas)

MENINAS 01/02 – O que foi?MENINA 02 – Ele está rindo da gente. Só porque não entendemos nada.MENINA 01 – Mas não diz o porquê.

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MENINA 02 – Inventa uma viagem num barco... Fala de viagem ao redor do mundo. MENINA 01 – Pede para observarmos plantas, fósseis, animas de todos esses lugares.CRIANÇA – É isso que vai justificar.MENINAS 01/02 – Justificar o quê?CRIANÇA – Que os seres vivos mudam ao longo do tempo, se adaptando ao seu ambiente.MENINAS 01/02 – Ahnnn?CRIANÇA – Sabem os tentilhões, as aves encontradas no Arquipélago de Galápagos.MENINA 02 – O que é que tem?CRIANÇA – ali está a prova.MENINA 01 – Prova do quê?CRIANÇA – prova de que os tentilhões evoluíram de acordo com a ilha em que viviam. Observe...

CENA 4 – ATORES 1 / 2 / 3 / 4 / 5 / 6(Entram novamente os Atores 1 a 6)

ATOR 1 - O arquipélago de Galápagos tem 13 ilhas. ATOR 2 - Foram encontradas 13 espécies diferentes de tentilhões e em cada ilha os tentilhões tinham o bico adaptado ao tipo de alimento do local. ATOR 3 - Tentilhões com bicos grossos e fortes viviam em ilhas cujo alimento principal era sementes. ATOR 4 - E tentilhões com bicos menores habitavam ilhas repletas de pequenos insetos.MENINA 01 – E eram todos da mesma espécie?CRIANÇA – Todos tentilhões.MENINA 02 – Como você descobriu isso?CRIANÇA – Não fui eu, foi Charles Darwin, em sua viagem que durou quase cinco anos ao redor do mundo.MENINA 01 – Quase cinco anos viajando?!CRIANÇA – Observando e colhendo tudo o que pode para comprovar que tudo que existe na Terra é processo de uma evolução.MENINAS 01/02 – Evolução?CRIANÇA – Sim. Tudo é processo de uma evolução.MENINA 02 – Mas não foi Deus que criou tudo em seis dias?

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CRIANÇA – Darwin tinha uma visão diferente disso. E era isso que ele queria explicar: que tudo, o relevo, as espécies, tudo se modificou lentamente durante milhões de anos. Por isso foram encontradas conchas marinhas no alto das cordilheiras, que se ergueram sobre o mar centímetro por centímetro, durante milhões de anos.MENINA 02 – Muito inteligente esse Charles Marwin!MENINA 01 – Charles Darwin!CRIANÇA – Ele era um ótimo observador. (Solene) “A atenção é a mais importante de todas as faculdades para o desenvolvimento da inteligência humana.”MENINA 01 – Bonitas suas palavras.CRIANÇA – Minhas não, de Charles Darwin.MENINA 01 – Muito inteligente esse Charles Darwin.CRIANÇA – Outra coisa entre as muitas que ele observou: as girafas..ATOR 5 - Quando surgiram, as girafas não eram idênticas umas das outras. MENINAS 01/02 – Não?ATOR 6 – Existiam girafas de pescoços curtos e outras com pescoços mais compridos.MENINA 02 – Girafas de pescoços curtos, nunca vi.CRIANÇA – Porque só sobreviveram as que conseguiram melhor se adaptarem ao ambiente: as de pescoço longo.MENINA 01 – Como assim?ATOR 1 - As de pescoço longo tinham vantagem de se alimentar nas copas das árvores com mais facilidade. ATOR 2 – As girafas de pescoço longo podiam avistar a aproximação de leões por cima das árvores, escapando a tempo. ATOR 3 - E as de pescoço curto quando percebiam os leões era tarde... ATOR 4 - Isso quer dizer que as de pescoço menores acabaram desaparecendo por não estarem tão adaptadas.ATOR 5 – Isso mesmo. E assim Charles Darwin justificou que todos, da bactéria ao homem, todos descendem de um ser comum.ATOR 6 - Que foi mudando ao longo do tempo, surgindo inclusive novas espécies. É a Seleção Natural. ATORES 1 / 2 / 3 / 5 / 6 – (solene, ao mesmo tempo em que é projetada a frase) – “Um número incontável das mais belas e maravilhosas formam evoluíram ou estão evoluindo”...

(Música, entram crianças vestidas de girafas com pescoço longo e com pescoço curto e representam a cena, as girafas longas se alimentando tranqüilamente nas árvores e as pequenas coitadinhas tentando comer e não conseguindo. Em seguida entram outras crianças vestidas de leões. As girafas

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longas olham os leões e saem correndo. Girafas curtas ficam em cena. Os leões correm atrás das girafas pequenas) (música durante a cena de perseguição) (ao final todos saem, ficam só as 2 meninas).MENINA 02 – Precisamos ter cuidado com esse garoto. MENINA 01 – Mas ele não parece perigoso!MENINA 02 – Suas idéias são perigosas. MENINA 01 – Até que estou gostando das idéias dele.MENINA 02 – Dele não, do pai dele!MENINA 01 – Como do pai dele?MENINA 02 – Do tal de Charles Marwin.MENINA 01 – Charles Darwin.MENINA 01 – Não é nada disso. Ele não falou que Darwin nasceu em 1809, então não pode ser o pai dele porque Darwin não existe mais.MENINA 02 – É verdade. (Desanima. Pausa)MENINA 01 (Num estalo) – Entendi!MENINA 02 – Entendeu? MENINA 01 – Entendi sim... Darwin pode não existir, mas suas idéias sim. MENINA 02 – Como assim. MENINA 01 – Suas idéias revolucionaram o mundo. Trouxeram uma nova visão sobre a evolução das espécies. MENINA 02 – E o que tem isso a ver com a gente. MENINA 01 – Tem a ver que precisamos também evoluir. E é isso que o garoto quer.MENINA 02 (à parte) – Está todo mundo louco por aqui. Você está bem?MENINA 01 – Estou ótima e vou ficar melhor ainda. Aliás, vamos.MENINA 02 – Eu não tenho nada com isso não. Pra mim está tudo bom do jeito que está. Aliás, do jeito que estava, antes daqueles livros, desse Charles Marwin.CRIANÇA – Charles Darwin.MENINA 02 – (brava) Antes desse garoto.MENINA 01 – Vivíamos aqui, há anos sem saber de nada, sem entender nada, sem fazer nada.MENINA 02 – E isso era tão bom...MENINA 01 – Mas não passaríamos disso. Por isso surgiu esse garoto quando jogamos fora os livros, para nos ajudar a encontrar.MENINA 02 – Encontrar os livros?MENINA 01 – Não. Encontrar o CONHECIMENTO. Darwin era um grande observador, e a atenção é uma das grandes virtudes do homem. Pois então, o

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que percebo é que ele quer nos ajudar. Quer nos dar conhecimento para que passemos a fazer parte do mundo.MENINA 02 (empolgado) – Fazer parte do mundo! Isso é possível?MENINA 01 – Basta encontrarmos o que ele nos propôs.MENINA 02 – Os livros?MENINA 01 – Não! O Conhecimento!MENINA 02 – Vamos agora atrás desse garoto. (procuram o garoto pelo palco.)MENINA 02 – Sumiu.MENINA 01 – Precisamos encontrá-lo!

(iniciam desesperadamente, ao som de música vibrante, uma busca pelo palco, todas as crianças que participam da peça começam a entrar em cena e se posicionam no fundo do palco.) (Após todos estarem em cena ouve-se o grito da Menina 01).

MENINA 01 – Achei!!!MENINA 02 – Achou o garoto! Viva! (Menina 01 mostra os livros)MENINA 01 – Não achei os livros! O que estávamos procurando. Tudo o que precisávamos.

(Música ao violino por um aluno. Entrega um dos livros a ela. Sentam na frente do palco.Cada um abre o seu livro, empolgada e feliz; no mesmo momento. Entra uma criança vestida de Charles Darwin pára no meio das duas Meninas e coloca uma mão em cada cabeça. Meninas 01 e 02 fixam na platéia com expressão de satisfação).

MENINAS 01/02 – “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças!”TODOS: (em festa) – CHARLES DARWIN!

(Dão as mãos e agradecem.)

FIM